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Sábado, 28 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 30
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 27 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 25 minutos.
Procedeu-se à discussão das propostas de alteração relativas aos artigos 70.º a 74.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Osvaldo Castro (PS), Bernardino Soares (PCP), Claúdio Monteiro e António Reis (PS), José Calçada (PCP), Pedro Passos Coelho e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Passamos à discussão do artigo 70.º, que tem como epígrafe "Juventude".
É pena o CDS-PP não estar presente, porque ele tem uma proposta de fusão dos n.os 1 e 2, além da eliminação do n.º 3. É uma solução relativamente lapidar, enxuta e escorreita que a mim, por exemplo, me atrai. Como os proponentes não se encontram presentes, vamos aguardar que eles chegem.
Entretanto, vamos discutir uma coisa que é comum às propostas do PP, do PSD e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que é a eliminação, no n.º 1, da referência específica aos jovens trabalhadores.
A Constituição diz que "Os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial (...)" e tanto o CDS-PP, como o PSD, como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõem a eliminação desse inciso entre vírgulas que eu sublinhei de viva voz. Está à discussão este ponto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite a explicitação por parte do PSD, parece-nos, à semelhança do que já na última reunião discutimos a propósito de uma proposta de objectivo de fundo similar, no que respeita ao artigo anterior, sobre as crianças, onde também existiu uma particularização para determinados subgrupos desta realidade, que, no caso dos jovens, esta particularização não faz grande sentido, na linha de que as incumbências que decorrem deste artigo para o Estado, do nosso ponto de vista, são comuns a todos os jovens e, na prática, se percorrermos as alíneas que aqui estão, não há uma distinção tão significativa quanto isso relativamente a subgrupos de jovens.
Devo dizer até que há uma incongruência neste caso concreto, para a qual chamo a vossa atenção, que tem a ver, depois, no desenvolvimento da alínea b), com o acesso ao primeiro emprego. É evidente que os jovens trabalhadores, se são jovens trabalhadores, não têm acesso ao primeiro emprego, portanto, há aqui uma certa contradição de princípios.
Dir-se-ia que - é esta a leitura do PSD e por isso é que propomos a supressão - este inciso entre vírgulas pretendeu apenas deixar um enfoque que, depois, não tem verdadeira tradução prática no próprio desenvolvimento da norma.
Portanto, sobre esse ponto de vista e como, em abstracto, comecei por dizer, à semelhança do que já tinha acontecido no artigo sobre a infância, não nos parece que haja razões ponderosas que levem a esta discriminação negativa ou positiva em sede destas regras gerais, que são os artigos da Constituição sobre cada uma das faixas etárias, e é por isso que o PSD propõe a supressão desta particularização.
O Sr. Presidente: - Está à consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, pensamos que, neste caso concreto, talvez tivesse alguma utilidade esperar pela presença do CDS-PP, na medida em que...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, só está em causa a parte que é comum às propostas do PSD e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que é a eliminação do inciso "sobretudo dos jovens trabalhadores".
Quanto à ideia da fusão dos n.os 1 e 2, que é o principal da proposta do CDS-PP, para já sobrestamos e aguardamos a sua presença.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - No fundo, essa fusão acaba também por procurar provocar a eliminação deste inciso "sobretudo dos jovens trabalhadores".
O Sr. Presidente: - Mas esse não é o elemento fundamental da proposta do CDS-PP, suponho eu. É um dos elementos!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - De toda a maneira, nós, enfim, ainda que sujeitos, eventualmente, a uma posterior reflexão, mantemos a hipótese de poder eliminar. Pensamos que esta ideia "sobretudo dos jovens trabalhadores" estará na Constituição como um toque de datado, na medida em que nos parece que, mesmo no seu desenvolvimento, o essencial que se procura é constitucionalizar um conjunto de direitos dos jovens, sejam eles estudantes ou trabalhadores. Portanto, não pomos objecção a que este inciso possa sair da Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que, na interpretação que fazemos deste artigo, não entendemos que esta referência aos jovens trabalhadores signifique um desvalor em relação aos outros jovens e, em nossa opinião, também não se pode falar de uma referência datada, porque, neste momento, não haverá menores dificuldades para os jovens trabalhadores na nossa sociedade do que havia quando este preceito foi elaborado desta forma.
Portanto, não vemos grande vantagem em retirar este inciso do texto constitucional, porque ele tem para nós um significado importante e, como já disse, não prejudica os restantes jovens na interpretação do artigo, apenas dá um valor especial, que também tem paralelo em outros artigos da Constituição, em relação aos jovens trabalhadores, o que nos parece adequado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta que visa eliminar o inciso do n. º 1, isto é, a expressão "sobretudo os jovens trabalhadores", proposta que é comum ao CDS-PP, ao PSD e ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a abertura do PS - cuja posição é "sim, mas" - e a objecção do PCP.
O CDS-PP não se encontra presente, mas, para efeitos de discussão, eu perfilho a sua proposta, que, a meu ver, merece ser discutida e perderíamos alguma coisa em não a discutir.
Portanto, para efeitos de discussão, faço minha a proposta do CDS-PP, cujas alterações fundamentais são as seguintes: funde os n.os 1 e 2 e dá uma amplitude maior ao âmbito normativo do preceito, já que a Constituição, hoje, diz que "Os jovens (...) gozam de protecção especial para a efectivação dos seus direitos económicos, sociais (...)" e o CDS-PP alarga isso a todos os direitos e depois funde com isso o n.º 2, "com especial incidência
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na criação de condições para o desenvolvimento da personalidade, à sua efectiva integração na vida activa, ao gosto pela criação livre e o sentido de serviço à Pátria e à comunidade".
Tirando o aditamento "o sentido de serviço à Pátria", que pode não soar bem a alguns espíritos, a verdade é que esta fusão dá uma versão bastante mais lapidar ao preceito do que a sua formulação actual.
Portanto, independentemente da sua formulação concreta, penso que valia a pena discutir esta rearticulação proposta pelo CDS-PP.
É claro que esta fusão implicaria a eliminação das várias alíneas que estão hoje no n.º 1, mas eu recuperaria isso através de um novo n.º 2, que diria: "a política de juventude incidirá especialmente nos seguintes pontos: (...)" e, então, recuperaria todas as alíneas mais aquelas que viéssemos a colocar.
Portanto, a minha ideia era a seguinte: pegar na proposta do CDS-PP para n.º 1, como afirmação genérica dos direitos da juventude, e no n.º 2 viria a política de juventude, com o que está hoje na segunda parte do n.º 1, portanto, as suas alíneas, quer sob a forma de alíneas quer em forma de discurso escorreito. E assim se refariam os n.os 1 e 2, penso que em termos mais vantajosos do que hoje aí consta.
É esta a proposta que, com base na do CDS-PP, eu pessoalmente lanço à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a parte final da sua intervenção colmatou aquela que, no ponto de vista do PSD, é a lacuna fundamental da proposta do CDS-PP. Ou seja, se podemos estar de acordo com a forma clara como o Sr. Presidente agora acabou de explicitar, o ganho e a vantagem que tem o artigo ao começar por uma forma mais alargada do que aquela por que actualmente começa - de resto, até em sintonia com aquela que é genericamente a formulação dos restantes artigos deste capítulo - perde-se, na actual proposta do CDS-PP, por ser profundamente redutora relativamente à obrigação do Estado de prosseguir uma política de juventude com objectivos definidos e dirigidos para determinadas áreas.
De resto, devo expressar, desde já, a simpatia com que o PSD vê a proposta do PCP de acrescentar a habitação ao cotejo destas alíneas, até porque bastará a qualquer um de nós fazer um percurso pelo capítulo da Constituição que diz respeito aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais para ver, de facto, que, se é certo que as actuais quatro alíneas aqui vertem o essencial desses direitos, há um que não está cá e que faz falta. Aliás, faz todo o sentido que cá esteja porque, na prática, hoje em dia, por força da ordem jurídica aprovada nos últimos anos, tem até já uma tradução muito clara da parte do Estado a protecção especial aos jovens no acesso à habitação.
Portanto, o problema da proposta do CDS-PP, do ponto de vista do PSD, começava por aí, mas, com a proposta que o Sr. Presidente faz, esse problema não se coloca e por isso a posição do PSD à proposta do Sr. Presidente é claramente favorável, desde que não haja redução absolutamente nenhuma do conteúdo deste artigo, que, a nosso ver, carece até de alguns alargamentos. Assim, não vemos qualquer óbice, pelo contrário, achamos até que fica mais condizente com os restantes artigos deste capítulo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, a nós também nos parece feliz a ideia incorporada pelo CDS-PP em relação ao n.º 1, com esse complemento que o Sr. Presidente acabou de introduzir, de passar as matérias concretas imbuídas no n.º 1 para o n.º 2, digamos, enunciando as vertentes principais da política de juventude.
Também nos parece útil e necessário incluir aquilo que é uma proposta do PCP, no que toca ao acesso à habitação. Parece-nos que, assim, este artigo gozaria de um maior equilíbrio e de uma melhor explicitação, sem qualquer prejuízo dos direitos da juventude, antes pelo contrário, acrescentando direitos.
Tenho algumas dúvidas no que se refere à expressão, que pode ser mais polémica, que aparece no n.º 1, "sentido de serviço à Pátria". Parece-me uma linguagem que não é necessário aplicar aqui.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares. Como reparou, já está em discussão também a proposta do PCP, que já tem a adesão...
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, depois da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes e sobre a proposta do PCP, quase que me dispensaria de enumerar as sua vantagens desta proposta.
O Sr. Presidente: - Depois do apoio que já lhe deu, creio que era dispensável!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - De facto, é uma lacuna que pensamos existir no texto constitucional, pela importância prática que tem, e, portanto, não me iria alongar na justificação desta proposta.
Quanto à proposta do CDS-PP e à ideia de se reformular o artigo, evidentemente que temos algumas objecções a expressões e formulações que o CDS-PP apresenta...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixemos a formulação para um segundo momento, pronuncie-se apenas quanto à filosofia da articulação que propus.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Estamos abertos a que se encontre uma articulação desse tipo. Desde que fiquem garantidos e estejam presentes todos os elementos que actualmente constam no artigo 70.º, não vemos qualquer inconveniente.
O Sr. Presidente: - Então, concretamente, ficaria assim, agora quanto à formulação: "1. Os jovens têm direito à protecção da sociedade e do Estado para efectivação dos seus direitos, em particular na criação de condições adequadas ao desenvolvimento da sua personalidade e na sua efectiva integração da vida activa, no gosto pela criação livre e no sentido de serviço à comunidade". O texto não se alteraria, fica o que está na Constituição, salvo a primeira parte do n.º 1, que está no n.º 2, e no que se refere ao aditamento "de serviço à Pátria", porque penso que não temos qualquer vantagem nisso.
O n.º 2 ficaria assim: "Na prossecução da política de juventude, incumbe em particular ao Estado".... Como é que eu hei-de dizer isto para incluir aí as alíneas todas?!
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pode pôr, utilizando a expressão dos artigos anteriores: "incumbe ao Estado, na prossecução de uma política de juventude: (...)". Tem de repetir a especial protecção, Sr. Presidente, para evitar...
O Sr. Presidente: - Quer outra vez repetir "a especial protecção"?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como já vimos, nos artigos anteriores também se repete! Já no artigo anterior também se repete: "Têm direito à protecção (...)".
O Sr. Presidente: - Exacto! Então: "compete ao Estado promover a protecção especial nos seguintes domínios: no ensino (...)". Ficava o que está, acrescentando o que o PCP propôs.
Sr. Deputado Bernardino Soares, isto satisfaz as suas preocupações? Não há qualquer perda, como vê.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Apenas com a ressalva óbvia de que, como já dissemos anteriormente, não concordamos com a expressão "sentido de serviço à Pátria".
O Sr. Presidente: - Esse ponto já estava adquirido! Esse ponto já estava arredado, por isso já não se meteu aqui! Pode dar o seu acordo a esta parte, porque a outra já tinha sido vencida e isso já ficou registado. Isto envolve, portanto, a aprovação, desde já, da proposta do PCP para uma nova alínea.
Fica, então, adquirida consensualmente esta reformulação, que, a meu ver, constitui um claro aprimoramento da arte de fazer artigos. Muito obrigado pela vossa colaboração.
Quanto à questão do verdadeiro aprimoramento da frase, vou tomar nota e, depois, quando tratarmos das redacções exactas submetê-la-ei, por escrito. Já tomei nota e submetê-la-ei formalmente à vossa ratificação.
Quanto ao n.º 3, existe uma proposta de eliminação, do PP, que não se encontra presente, e uma proposta de alteração, do PSD, que visa eliminar a referência às organizações de moradores.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, tem mais um pequeno pormenor: quando o actual texto, na parte final, fala em intercâmbio internacional da juventude, parece-nos que o termo adequado seria intercâmbio de jovens. Assim, ficaria "(...) intercâmbio internacional de juventude" em vez de "(...) intercâmbio internacional da juventude".
O Sr. Presidente: - Fica registado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É apenas uma pequena precisão, que vale o que vale, no sentido de se adequar àquela que é a terminologia actual.
Quanto à parte substantiva, que é a retirada da expressão "organizações de moradores", desde logo, como é evidente, isto decorre da proposta, na sede própria da Constituição, em que o PSD propõe a extinção da referência constitucional às organizações de moradores.
No capítulo que diz respeito ao poder local, o PSD propõe, como consta do seu projecto, a eliminação dos artigos referentes às organizações de moradores.
Mas ainda que possa não ser essa a intenção das outras bancadas no que respeita ao capítulo próprio das organizações de moradores e à extinção desta figura em termos constitucionais, chamava a atenção que a proposta do PSD mantém, em qualquer circunstância, actualidade, por uma razão muito simples: é que, na economia desta norma, referem-se as organizações de moradores, que actualmente no texto constitucional são uma das formas do poder local, um dos degraus do poder local, que tem um título próprio da Constituição, e, portanto, a fazer sentido alguma referência aqui, ela devia ser feita genericamente às autarquias ou, enfim, às realidades que têm a ver com a organização territorial administrativa, no sentido da representação das populações.
Em qualquer circunstância, do nosso ponto de vista, faz pouco sentido colocar aqui as organizações de moradores, que são um subtipo do conjunto de realidades. Cita-se esta, mas não se citam outras, como as freguesias, que são uma realidade bem mais real e com uma representatividade e uma acção junto das populações muito mais significativa do que a das organizações de moradores, que, hoje em dia, são uma situação inexistente ou praticamente inexistente no nosso país, em termos reais.
Comecei, com lealdade, por colocar a lógica da eliminação disto pelo PSD, mas ainda que alguns partidos possam não subscrever a eliminação da referência constitucional às organizações de moradores - artigo 263.º e seguintes -, penso que, em qualquer circunstância, a proposta de eliminação continua a fazer sentido do nosso ponto de vista pela razão que acabei agora de explicitar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta está esclarecida e está à vossa consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, confesso que, quando li esta proposta do PSD, não compreendi a exclusão das organizações de moradores. Independentemente das considerações que, depois, haveremos de discutir mais à frente, conforme referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mais espantado fico quando, no decorrer do debate que já hoje fizemos, o PSD se mostrou claramente favorável e saudou a nossa proposta de inserir o acesso à habitação como um dos direitos a efectivar em relação aos jovens.
Entendendo este conceito com a amplitude adequada à diversidade que existe ao nível dos bairros e das zonas habitacionais, especialmente daquelas em que há habitação clandestina e tudo o mais, e à diversidade de organizações que há nesta área, julgo que se pode conglobar neste conceito de organizações de moradores.
Por outro lado, a nosso ver, não faz muito sentido definir o acesso à habitação como um dos objectivos a prosseguir e, depois, retirar do n.º 3 as entidades que, potencialmente, mais poderiam contribuir, juntamente com o Estado, para a prossecução deste objectivo. Não vemos, por isso qualquer vantagem em retirar esta expressão da Constituição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como é que se chamam as organizações de moradores? Quantas organizações de moradores é que há?
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Há muitas organizações de moradores!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O que não há é com o sentido que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes lhe está a dar!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, embora tanto o CDS-PP como o PSD proponham a eliminação da estrutura das organizações de moradores, nós, apesar de tudo, pensamos que, neste caso concreto, é o PSD que tem uma referência datada em relação ao sistema das organizações de moradores.
O Sr. Presidente: - Um preconceito!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E um preconceito!
Hoje, de facto - e creio que o Sr. Deputado Bernardino Soares tocou no ponto certo -, as organizações de moradores têm muito a ver com a defesa da habitação, mas não só, porque também têm muito a ver com a defesa de interesses muito locais.
Portanto, não nos parece, de modo algum, que haja qualquer vantagem em retirar da Constituição as organizações de moradores, com o sentido moderno que hoje vão tendo, em que defendem os interesses da mata X, do sítio protegido A, do bairro Y, enfim, de todo um conjunto de situações em que elas são vistas, que aparecem na imprensa e que são referidas. Não terão é um sentido organizativo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes está a querer dar-lhe.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É o que a Constituição lhe dá!
Se aparece aqui na Constituição a expressão "organizações de moradores" e estando à frente um capítulo sobre as organizações de moradores, elas têm de ter um conteúdo próprio. E não é esse que o Sr. Deputado lhe está a dar!
O Sr. Presidente: - Porque não?!
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, era para dizer que, de facto, as organizações de moradores a que a Constituição se refere actualmente já não são as organizações populares de base a que se referia anteriormente e, como é óbvio, o termo organização é suficientemente flexível para nele caberem as associações de bairro, que não são localizadas nas áreas geográficas sugeridas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, são localizadas nos mais diversos sítios.
Chamo a atenção, por exemplo, que, do ponto de vista da participação administrativa das "organizações de moradores", a recente revisão do regime de loteamentos urbanos permite, designadamente, formas específicas de concessão da administração de áreas e espaços verdes dos bairros às organizações de moradores, isto é, a associações de moradores e figuras afins. E esta reforma não foi feita pelo Governo da nova maioria mas foi feito pelo governo da velha maioria. Portanto, nesse sentido, deu-lhe até uma função útil, porventura actual.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que está clara a oposição a esta proposta de eliminação da expressão "organizações de moradores", sobretudo nesta sede. A mim também me suscita oposição. Penso que se há uma sede para as organizações de moradores, além da matéria de habitação e controlo urbano, é exactamente na criação de espírito de iniciativas comunitárias de integração da juventude, e não só, e, portanto, seria uma perda clara eliminar daqui as organizações de moradores.
Srs. Deputados, está apurada a oposição e, portanto, não se mexerá nesse ponto.
Vamos passar agora ao artigo 71.º da Constituição, que trata dos direitos dos deficientes.
Para o n.º 2 existe uma proposta de alteração, do PSD. Se vejo bem, é o aditamento da expressão "e de ajuda às suas famílias". Portanto, o n.º 2 ficaria com a seguinte redacção: "o Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes e de ajuda às suas famílias".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mais uma vez aqui estamos num domínio onde, à semelhança, lacto sensu, daquilo que já tinha explicitado neste capítulo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, hoje em dia, há, de facto, com clareza - e, de resto, vários instrumentos na ordem jurídica vão apontando, há vários anos, nesse sentido -, a consciência plena de que o Estado não pode fazer tudo, nomeadamente nas áreas dos direitos sociais e de solidariedade.
Muitas vezes até as formas mais adequadas do Estado fazer cumprir os direitos que estes cidadãos têm a especial protecção passa por mecanismos de apoio indirecto, não directamente através de instituições públicas, mas por ajudas directas às famílias, quantas vezes até com vantagem para os próprias cidadãos em situação de deficiência.
A proposta que aqui está em causa é uma realidade que, hoje em dia, já existe e já está consagrada em alguma legislação, que é a de o Estado realizar a política de auxílio aos deficientes não apenas através de entidades públicas típicas, clássicas e tradicionais mas, muitas vezes, através de mecanismos de auxílio indirecto, utilizando a própria família como sede privilegiada para que a salvaguarda da protecção dos direitos dos deficientes possa ser conseguida de uma forma não só mais eficaz mas até humanamente mais gratificante para os próprios cidadãos que o Estado pretende beneficiar.
A proposta do PSD, no fundo, pretende significar apenas isto, que é uma realidade que, hoje em dia, se vem impondo crescentemente e que pensamos que merece ser consagrada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta, nos termos em que foi apresentada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, pelas razões aduzidas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, parece-nos que a inclusão da ideia de ajuda às famílias dos deficientes enriquece nitidamente este ponto e, por isso, nada temos a objectar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
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O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, concordamos com a intenção e a ideia da proposta do PSD. Porém e sem querer ser preciosista, mas talvez seja necessário neste caso, propunha que se substituísse a palavra "ajuda" por "apoio", que me parece mais correcta e traduz melhor o sentido daquilo que se pretende.
O Sr. Presidente: - Talvez seja mais abrangente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não vejo qualquer inconveniente. Inclusive, se quisermos deixar em aberto para uma reflexão conjunta... Mas compreendo a lógica e, enfim, não vejo qualquer óbice à proposta do Partido Comunista.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este aditamento tem acolhimento generalizado. Há uma sugestão de se substituir a palavra "ajuda" por "apoio", que também me parece que seria melhor. Ficamos, para já, com o termo apoio, independentemente de podermos, eventualmente, concluir que outra é a palavra melhor.
Srs. Deputados, passamos, então ao n.º 3, para o qual existe uma proposta de aditamento, de Os Verdes, ficando este número com a seguinte redacção: "o Estado apoia as organizações de deficientes e garante a sua participação na definição de políticas que lhes respeitem".
Como não está cá ninguém de Os Verdes, alguém adopta esta proposta?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, não sei se esta é a sede própria...
O Sr. Presidente: - Já lá vamos, Sr. Deputado! Já lá vamos! Os aditamentos ficam sempre para o final, salvo se a lógica discursiva exigir que os púnhamos antes do fim. Quanto à questão das barreiras arquitectónicas, os aditamentos virão no fim.
Para já, vamos discutir a proposta de Os Verdes para o n.º 3, se alguém a adoptar, uma vez que os proponentes não se encontram presentes.
Uma vez que ninguém a adopta, passaremos à proposta de aditamento de um novo número, relativo à eliminação de barreiras arquitectónicas. Trata-se de uma proposta comum ao PCP e a Os Verdes.
O n.º 3 da proposta do PCP propõe o aditamento de uma norma que diria "o Estado e demais pessoas colectivas asseguram e estimulam a progressiva eliminação das barreiras arquitectónicas".
Para apresentar esta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, julgamos que é fundamental, na protecção dos direitos dos deficientes, garantir uma participação plena na sociedade e há, de facto, nomeadamente em relação a esta matéria das barreiras arquitectónicas, em muitos casos, fortes entraves a que esta participação se faça do modo mais correcto e de uma maneira mais simplificada.
Há, obviamente, um recomendar e um caminhar no sentido de eliminar as barreiras arquitectónicas que existem, nomeadamente no que diz respeito aos edifícios. Pensamos, contudo, que é manifestamente pouco e pensamos sobretudo que cabe ao Estado e às demais pessoas colectivas públicas um papel fundamental nesta matéria, diria até um papel de exemplo e de vanguarda, chamemos-lhe assim, que nos parece importante.
Só para dar um exemplo muito concreto, direi que há dias, em contacto com alguns representantes de organizações de deficientes, eles apontavam o facto de na própria Assembleia da República se ter realizado, aqui há algum tempo, uma iniciativa com deficientes e ter havido grandes dificuldades em que eles se pudessem deslocar e entrar na própria Assembleia. É um exemplo que, se calhar, nos toca mais de perto, mas penso que há plena justificação para a inserção desta matéria no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, é óbvio que o mundo está feito para os não deficientes, portanto, é um inferno para os deficientes. Mas, naquilo que inferniza os deficientes, acha que há razão para, na Constituição, privilegiar em particular a questão das barreiras arquitectónicas? Isto não será um bocado a mais, excessivo, desproporcionado?
Está à discussão esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, eu ia manifestar um pouco a mesma preocupação que V. Ex.ª manifestou. Esta intenção que, obviamente, é boa, já tem tradução na lei ordinária. Há um diploma especial, aliás, há dois diplomas especiais, um relativo a edifícios públicos e outro a prédios de habitação e, obviamente, a eliminação progressiva faz-se à medida que os prédios se vão construindo ou reconstruindo, porque é mais complicado impor esta eliminação no que se refere aos prédios já existentes.
Agora, parece-me que é desproporcionada a previsão específica deste problema próprio do deficiente, porque há outros que, porventura, mereceriam igual dignidade e esta especificação não deixa de constituir um desenvolvimento do n.º 2 actual, na medida em que impõe ao Estado a obrigação de promover a integração dos deficientes na sociedade, e esta tem de ser entendida no sentido amplo, designadamente neste, que, obviamente, constitui um obstáculo ao livre desenvolvimento e à livre circulação dos deficientes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes-
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com a devida vénia, fazia minhas as palavras do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, acrescentando que não é apenas a questão da integração, que já está no artigo anterior e que vai mesmo mais longe. Penso que aquilo que o Partido Comunista pretendia com a expressão "estimulam a progressiva eliminação" está cá também no n.º 2 "(...) desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito (...)".
É evidente que a questão da supressão das barreiras físicas também é claramente um dever de respeito para com os deficientes e para com os direitos fundamentais que esses cidadãos também devem ter.
Portanto, o PSD pensa, de facto, como disse o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que todo o conteúdo útil desta proposta do Partido Comunista está claramente contido no n.º 2. A única vantagem seria aquela que, no fundo, se pode entrever da questão colocada pelo Sr. Presidente, que é esta: se já está tudo no n.º 2, porquê
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particularizar, porquê um enfoque especial a isto, sendo certo que também compartilho da preocupação que entendi da pergunta do Sr. Presidente, no sentido de, sendo verdadeira a necessidade de prover à remoção destes obstáculos, não me parecer minimamente que eles devam ser o principal enfoque da acção e da política do Estado para salvaguardar os direitos dos deficientes a ponto de merecer um destaque especialíssimo na Constituição, quando já vem genericamente previsto no n.º 2.
Portanto, nesse sentido, o PSD não concorda com esta proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, é só uma achega: para além do mais, está-se, de facto, a privilegiar um certo tipo de deficientes, os motores, os físicos, e há outro tipo de medidas para os deficientes invisuais, os auditivos, etc. Não se vê por que é que a Constituição há-de privilegiar num ponto uma medida especial para um certo tipo de deficientes.
O Sr. Presidente: - Aqui não está em causa o mérito da proposta em si, o que está em causa é a constitucionalização particularíssima de aspectos que, porventura, surgem desproporcionados ou podem implicar mesmo leituras perversas.
A proposta não tem acolhimento pelos demais Deputados da Comissão.
Vamos passar ao artigo 72.º, que diz respeito à terceira idade.
Para o n.º 1, há uma proposta do PSD, que visa aditar a expressão "que respeitem a sua autonomia pessoal", passando, assim, o n.º 1 a dizer o seguinte: "As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem o isolamento ou a marginalização social".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta insere-se num conjunto de pequenas propostas que, ao longo desta matéria dos direitos pessoais, o PSD procurou incluir neste seu projecto de revisão constitucional e todos eles radicam na preocupação de aumentar ou dar um enfoque maior no texto constitucional ao princípio de que o cidadão é o destinatário de toda a acção política e que todos os direitos de natureza pessoal devem ter sempre como núcleo e como preocupação fundamental de resultado o aumento de garantias de satisfação dos direitos do cidadão.
Portanto, no contexto concreto deste artigo 72.º, a intenção do PSD foi dar um enfoque maior a uma preocupação de humanizar, o mais possível, todas as políticas que são prosseguidas pelo Estado, na salvaguarda dos direitos da terceira idade e dos direitos das pessoas idosas.
Todos conhecemos, infelizmente, casos lamentáveis e algumas situações criminosas e dramáticas de assistência e tratamento de pessoas idosas e de terceira idade em situações profundamente desumanas. Nesse sentido, a preocupação do PSD foi deixar aqui no texto constitucional, com uma clareza acrescida - e, à semelhança do que já disse em relação a este tipo de propostas que o PSD formula, existe toda a abertura quanto à sua exacta formulação ou às palavras mais adequadas para expressar a nossa ideia, se houver receptividade da parte dos outros partidos -, a ideia de introduzir uma obrigação de humanização a ter presente em todas as políticas que são dirigidas às pessoas idosas, na salvaguarda destes direitos específicos da terceira idade que vêm vertidos no artigo 72.º.
O Sr. Presidente: - Está à consideração dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, era apenas para fazer um pedido de esclarecimento.
Não compreendi exactamente o alcance da proposta pela simples razão de que a expressão "que respeitem a sua autonomia pessoal", em certa medida, pouco acrescenta àquilo que é o respeito devido aos direitos pessoais previstos na própria Constituição, designadamente no artigo 26.º, que é geral e universal e, portanto, não é exclusivo daqueles que não são da terceira idade.
Portanto, nesse sentido de protecção da esfera de liberdade dos cidadãos idosos, não vejo qual é o ganho com o acrescento. Mas, a certa altura, referiu deveres positivos que a expressão "que respeitem a sua autonomia pessoal" não traduz da melhor maneira e, por essa razão, fiquei com algumas dúvidas. Presumo que não está aqui subjacente a ideia que, com alguma inovação, foi expressa na constituição brasileira de 1978, que, por exemplo, chegou ao ponto de estabelecer direitos positivos, semelhantes àqueles que os pais têm relativamente aos filhos, dos filhos relativamente aos pais.
Não sei se é essa a ideia que está subjacente a esta proposta, mas confesso que fiquei com esta dificuldade, numa perspectiva de respeito pela esfera de liberdade individual que teria acoplada uma ideia de deveres positivos da sociedade ou das famílias perante os idosos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não é tanto nessa preocupação nem nessa lógica que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro agora questiona que vai a proposta do PSD.
No fundo, para que fique mais claro ainda aquilo que é a intenção do PSD, faria um paralelo: à semelhança daquilo que existe no artigo sobre a juventude, em que fica claro o princípio de que as obrigações do Estado e os direitos dos jovens passam pelo respeito pelo livre desenvolvimento da sua personalidade, ou seja, toda a carga de direitos que existem para os jovens e de deveres que, concomitantemente, o Estado e a sociedade assumem na prossecução desses direitos, deverá sempre respeitar o livre desenvolvimento da personalidade dos jovens, mutatis mutandis, no caso da terceira idade, parece-nos que faz falta no texto constitucional afirmar também - e não se trata aqui, obviamente, como acontece no caso dos jovens, de ter o cuidado de salvaguardar que toda essa incidência de políticas, de deveres e de respeito por parte da sociedade e de medidas de protecção, respeitem o desenvolvimento da livre personalidade da terceira idade, porque não faz sentido - o respeito pela autonomia pessoal, com a flexibilidade que eu referi há pouco quanto à exacta formulação, havendo abertura para a lógica desta preocupação
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de humanização e de permitir, em qualquer circunstância, o espaço vital, de que os jovens precisam para afirmação da sua personalidade e de que a terceira idade também precisa, necessariamente para uma coisa diferente que formulámos aqui como o respeito pela sua autonomia pessoal.
Se houver uma outra formulação qualquer, tudo bem, mas a lógica é esta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Esta ideia de autonomia - talvez a expressão não seja muito feliz, embora agora me tenha parecido - acolhe a ideia de identidade pessoal?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É mais do que isso! Autonomia no sentido de um não controle da vida do dia-a-dia, quotidiana... Enfim, é o espaço vital, autonomia no sentido de espaço vital, em termos intelectuais, em termos físicos, também, de certa maneira...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - De toda a maneira, não temos qualquer objecção de fundo a que isto se inclua, embora não nos pareça...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, as alterações constitucionais carecem de vantagens positivas e não apenas de não terem desvantagens! Para alterar a Constituição não é suficiente que uma proposta não tenha objecções, exige-se que haja um saldo positivo quanto às vantagens dessa alteração.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro! Evidentemente que estou a dar por reproduzido tudo aquilo que já foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes na explicitação que fez da proposta. Parece-nos é que...
O Sr. Presidente: - Em concreto?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Em concreto é sim, mas...
O Sr. Presidente: - Portanto, existe abertura do PS...
E qual é a posição dos Srs. Deputados do PCP?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, não vislumbramos com muito clarividência a vantagem de introduzir um acréscimo ao que já está estipulado, mas não excluímos uma melhor apreciação e, eventualmente, podermos até fazer uma proposta de redacção que valorize a ideia que foi aqui apresentada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para o n.º 2...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era para acrescentar, para esta reflexão conjunta, um dado novo. Face ao repto que o Sr. Presidente lançou na sua última intervenção, quando falou na necessidade de haver uma vantagem para introdução disto no texto constitucional, convidava os Srs. Deputados a uma releitura do próprio número.
De facto, o próprio número fala no direito que as pessoas idosas têm à segurança económica e a condições de habitação e convívio e, depois, pretende densificar, dizendo que esses direitos devem prosseguir, e apenas fala na superação do isolamento e da marginalização quando nos parece que todos entendemos a vantagem clara em que o texto constitucional expresse que, por exemplo, o direito à segurança económica não deve só ter como objectivo evitar o isolamento e a marginalização mas também propiciar alguma autonomia pessoal aos idosos.
Portanto, é na justa repartição daqueles que são os direitos que estão na primeira parte da norma e os objectivos que estão na segunda que nos parece que falta aqui o objectivo da autonomia. Parece-nos pobre o actual texto quando diz apenas que estes direitos devem ser orientados no sentido de evitar e superar o isolamento e a marginalização. Deixava aqui esta nota.
O Sr. Presidente: - Já que o artigo vai ser alterado... Eu concordo que há um ganho, não sei se grande, se pequeno, que justifique mexer no texto constitucional, mas, enfim, não é por mim que isto não andará para a frente.
Suscito a questão de saber se aquela sugestão deixada de lado do Sr. Deputado Cláudio Monteiro não deveria ter também alguma expressão. Onde se fala em condições de convívio familiar não se devia pôr condições de apoio e convívio familiar?
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, não foi nesta sede!
O Sr. Presidente: - Não! Foi noutra sede, não nesta!
Era constitucionalizar a ideia de um dever de apoio familiar aos idosos da própria família.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A dúvida fundamental reside na circunstância de que, em sede de direitos económicos e sociais, em rigor, o que se regula são direitos a prestações...
O Sr. Presidente: - Aqui, neste caso, seria o direito a prestação!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exacto! Nesse caso, sim, razão pelo qual eu disse que, no fundo, a proposta visa estabelecer uma garantia de direitos, liberdades e garantias.
O Sr. Presidente: - Mas essa já não está em causa! O que está em causa agora é a sugestão que fiz para, pegando nas suas palavras, acrescentar a ideia de um dever positivo da família a apoiar os seus idosos, que, aliás, é hoje um dever interiorizado na nossa cultura e não ficaria mal, então, a própria Constituição tê-lo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Aliás, não ficaria mal à Constituição portuguesa aceitar alguns inputs da constituição brasileira, que tanto vêm colher à Constituição portuguesa!
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, querem que fique, para já, sob reserva e não discutimos isto agora, discutimos noutra altura? De qualquer modo, deixo a sugestão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD vê com simpatia. Não entendemos de outra forma o texto que cá está na primeira parte. Portanto, no conteúdo daquilo que são os direitos das pessoas idosas, a nossa leitura, quando se refere aqui o convívio familiar, passa, obviamente, pela criação de condições para que esse convívio possa ter lugar.
Portanto, vimos com toda a simpatia uma eventual explicitação, porque é essa a leitura que já fazemos no texto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interpreto o silêncio como não acolhimento da minha sugestão ou como acolhimento?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Da nossa parte como acolhimento!
O Sr. Presidente: - Claro! o PSD já explicitou!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O PS também!
O Sr. Presidente: - O PS também. E o PCP?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, também não estamos em desacordo.
O Sr. Presidente: - Salvaguardando a redacção, fica adquirido o aditamento da ideia de apoio familiar.
Srs. Deputados, quanto ao n.º 2, existe uma proposta do PP, que, contudo, não se encontra cá. Essa proposta visa eliminar a parte final "através de uma participação activa na vida da comunidade".
Srs. Deputados, nesta sede, deixado o artigo 72.º, havia uma proposta de aditamento de um artigo 72.º-A, do PSD, que já foi discutido noutra sede, que autonomizava e transferia para aqui a ideia da garantia institucional das organizações particulares de solidariedade social.
Isso já foi discutido noutra sede, quando discutimos o artigo 63.º, e a posição adquirida foi as reservas do PCP e do PS, sem fecharem a porta a considerar esta possibilidade, quer quanto à autonomização da garantia institucional quer quanto à sua inserção sistemática.
Creio que não vale a pena voltarmos neste momento a esse ponto, por isso fica no estado em que ficou adquirido na altura própria.
Vamos, por isso, passar ao artigo 73.º, que tem como epígrafe "Educação, cultura e ciência".
Quanto ao n.º 1, existe uma proposta de alteração do PSD, que consta do seguinte: a Constituição, na sua redacção actual, separa o artigo 73.º, que trata do direito à educação e à cultura, do artigo 74.º, que trata do direito ao ensino. O PSD funde estes dois direitos e, portanto, o artigo 73.º, n.º 1, passaria a dizer: "todos têm direito à educação, ao ensino e à cultura" e, concomitantemente, elimina o n.º 1 do artigo 74.º, que garante o direito ao ensino. O artigo 74.º passaria a ter apenas as incumbências do Estado em matéria de garantia do direito ao ensino.
Para já, é esta a proposta que está em causa, ou seja, fundir num único artigo o direito à educação, à cultura e ao ensino, com eliminação, portanto, do actual n.º 1 do artigo 74.º.
Está à consideração esta proposta. Peço-lhes que se debrucem sobre ela, a começar pelos proponentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para já, face à explicitação do Sr. Presidente, quero dizer que V. Ex.ª tocou, de facto, num aspecto essencial para a introdução da discussão.
O aspecto essencial na proposta do PSD é concentrar num artigo aqueles que são os direitos dos cidadãos e passar para o artigo seguinte as incumbências que ao Estado cabem na realização da política de ensino e, portanto, há, desde logo, uma preocupação de rearrumação. Genericamente é isto que podemos começar por discutir, antes de passarmos a ver o conteúdo útil dos aumentos ou das diminuições do conteúdo normativo do actual texto.
Portanto, a preocupação fundamental que deve ser analisada em primeiro lugar é a rearrumação no sentido de deixar para o artigo 73.º o enunciar dos direitos e deixar a sua explicitação mais estendida para o artigo seguinte.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há uma coisa que, em todo o caso, me causa alguma perplexidade: quais são as vantagens de uma obra tão profunda de rearrumação constitucional? É que na Constituição há outros casos em que um certo aspecto particular de um direito... Os direitos hoje são compostos de subdireitos e na Constituição há vários aspectos em que o direito geral é depois seguido de um direito especial, que faz parte do universo do direito geral. Lembro, por exemplo, a liberdade de expressão e, depois, a liberdade de imprensa, para lhe citar apenas um caso.
Qual é a vantagem desta obra de tão largo alcance só para meter o direito ao ensino junto com mo direito à educação e à cultura? Não perderemos, aliás, algo com o facto de o direito ao ensino, que é a componente principal do direito à educação, perder autonomia e, portanto, a mais valia que essa autonomia formal hoje lhe dá na Constituição? Era para explicitar, desde já, a minha objecção à vossa proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que é feito em tom de pergunta, eu acrescentava um esclarecimento: não referimos ainda, porque o Sr. Presidente optou por ainda não tocar nesse assunto, que resulta deste rearranjo do PSD uma autonomização para um enfoque maior daquilo que tem a ver com investigação científica, que o PSD também propunha que saísse deste artigo.
Este artigo 73.º parece-nos que tem coisas demasiado importantes tratadas todas em conjunto, numa amálgama. Há aqui matéria que - e nisso estamos todos de acordo - serve para vários artigos da Constituição, independentemente de o que cá está estar bem. A proposta do PSD também passa por um artigo 78.º A, para onde transita, com a autonomia que, do nosso ponto de vista, merece, para além deste n.º 4 do artigo 73.º, a questão da investigação científica.
Portanto, em resposta à questão que o Sr. Presidente coloca...
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O Sr. Presidente: - Mas, com essa, até posso estar de acordo! Essa tem lógica!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mas, então, em abstracto, tem de ver a lógica toda! A lógica toda é que este artigo, de facto, tem coisas a mais, importantes de mais e em número demasiado grande para estar tudo contido num único artigo.
Portanto, com vantagem, parece-nos que este Capítulo III - Direitos e deveres culturais, à semelhança do Capítulo anterior - Direitos e deveres sociais, deve, do nosso ponto de vista, ter uma arrumação mais casuística, porque há, de facto, aqui um conjunto de direitos e deveres que merecem tratamento autónomo, merecem um tratamento mais exaustivo. Ora, a preocupação do PSD foi, olhando para aqui e sentindo um bocado a necessidade de "partir" este artigo 73.º, porque ele tem coisas a mais e demasiado importantes, obviamente, a partir daí, tentar uma rearrumação, autonomizando a investigação científica e as obrigações do Estado no que respeita ao ensino num artigo apenas dedicado a isso e, portanto, tudo deve ser visto em conjunto com a globalidade do capítulo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, compreendo a intenção do PSD em tentar valorizar os aspectos específicos deste artigo 73.º, mas creio que o PSD não respeitou, na sua proposta, aquilo que me parece ser a lógica organizativa de todo o Capítulo III - Direitos e deveres culturais e a função própria que, dentro desta lógica, tem o artigo 73.º.
O artigo 73.º funciona como um artigo introdutório ao resto do Capítulo, um artigo síntese dos princípios essenciais a reter e a desenvolver depois. São formulações genéricas sobre o direito à educação e à cultura e não se especifica o direito ao ensino porque ele é aqui considerado uma subalínea do direito à educação, incluindo-se igualmente a ciência sem que isso, necessariamente, exclua, depois, a possibilidade de uma artigo específico para desenvolver o n.º 4 do artigo 73.º.
Mas é esta lógica organizativa que eu julgo que deveríamos continuar a respeitar nesta revisão constitucional. Nada impede que, depois, aperfeiçoemos cada um dos artigos seguintes, em que se poderá dar maior ou melhor relevo a cada um destes aspectos específicos contemplados genericamente no artigo 73.º, mas seria mau que, desde logo, colocássemos o direito à educação como acrescentado daquilo que deve ser considerado uma subalínea, como o direito ao ensino, neste n.º 1, e eliminássemos depois a especificação concreta que, no artigo seguinte, deverá ter essa subalínea sobre o direito ao ensino, com o objectivo específico que esse direito deve prosseguir, como está actualmente no n.º 1do artigo 74.º.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, a nós, que não apresentámos qualquer proposta em relação a este artigo e a esta matéria, parece-nos que as coisas como estão são mais claras. Na verdade, há uma relação de inclusão entre educação e ensino ou entre educação, cultura e ensino, mas enquanto uma não é necessariamente certificadora ou certificada, como a educação e a cultura, já o ensino, no sentido em que aqui aparece, tem a ver com educação em sentido académico, isto é, educação certificada, fruto de certificação, em "escolas".
Por isso nos pareceria correcto que a situação se mantivesse tal qual está. Aliás, para além de subscrevermos aquilo que foi dito há pouco pelo Sr. Deputado António Reis, do PS, quanto à lógica informadora da Constituição neste domínio, entendemos também que há, aí sim, uma certa falta de lógica, quando o PSD diz, por um lado, que este artigo tem coisas a mais, é uma amálgama, como disse, mas, por outro lado quer lá meter outra coisa ainda, que é o ensino. Diz que tem muitas mas põe lá outra ou, de alguma maneira, tira uma e põe outra, visto que tira a ciência e mete o ensino, o que, dentro desse contexto, não deixa de constituir, ainda assim e nessa lógica, outra vez uma amálgama.
Entendemos que faz sentido é manter-se como está.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, de certo modo, percebo a crítica do Sr. Deputado António Reis quanto a esta proposta de sistematização. Em qualquer caso também é verdade que a Constituição aqui é um tanto sui generis, porque relativamente a outros direitos e deveres nesta área social não há qualquer subtítulo que comece por um enunciado condensado de todos os direitos e deveres que, depois, mais à frente, são explicitados.
Portanto, a própria constituição aqui também é um pouco sui gerneris e eu direi que, sob este ponto de vista, a proposta do PSD visa colocar a Constituição, neste capítulo, justamente com a mesma sistematização dos anteriores e, portanto, a proposta pode ter o mérito, julgo eu, de tratar de forma isolada daquilo que é afim, como é o caso da educação, do ensino e da cultura, e destacar de forma autónoma o que tem a ver com a investigação científica. Não me parece que seja tão pouco generoso para a discussão nem tão pouco vantajoso para a melhoria do texto constitucional quanto isso.
Portanto, reconheço a crítica, mas aqui é a própria Constituição que adopta uma linha diferente daquela que segue antes e, portanto, julgo que não deveríamos afastar, desde já, a possibilidade de adquirirmos uma sistematização mais coerente com o resto da Constituição e que pode beneficiar os temas que são tratados, como é o caso aqui do destaque que se dá à investigação científica e à forma como, depois, se desenvolve mais coerentemente o que diz respeito à educação, ao ensino e à cultura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, em resposta à intervenção do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho diria que penso que, nesse caso, o PSD não terá ido até ao fim da sua nova lógica relativamente a este artigo, porque, se quisesse seguir a lógica dos capítulos anteriores, deveria, pura e simplesmente, ter prescindido de um artigo introdutório, como o artigo 73.º, e passar a tratar individualizadamente o direito à educação, o direito ao ensino, o direito à cultura e à ciência, cada um especificadamente.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Não!
O Sr. António Reis (PS): - Ora, o PSD, mesmo assim, quis manter, apesar de tudo, um artigo de síntese inicial, um artigo introdutório, mas, de certo modo, amputado, a meu ver, ou, então, metendo lá um direito ao ensino que deveria ser especificado mais adiante e não incluído nesta formulação introdutória.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que as posições estão clarificadas. Penso que não é preciso...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não posso deixar de intervir porque não posso concordar com esta última intervenção do Sr. Deputado António Reis, pois há um ganho claro com a proposta do PSD.
Como o Sr. Deputado sabe, até agora, estávamos apenas a discutir o problema da sistematização e eu tinha dito que, num segundo momento - e penso que é este -, entraríamos na discussão do conteúdo. Há claramente...
O Sr. Presidente: - Já voltaremos a si, Sr. Deputado. Não entremos já nesse ponto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é para responder àquilo que o Sr. Deputado António Reis acabou de dizer agora!
O Sr. Presidente: - Vou pôr à consideração a proposta do n.º 2 do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É que há claramente um conteúdo que está actualmente disseminado no artigo 73.º e que vem, depois, também no artigo 74.º em alguns outros aspectos, como a tolerância e o espírito de solidariedade e por aí fora, que, do ponto de vista do PSD, com vantagem, devem ser comuns à educação, ao ensino e à cultura e que actualmente surgem dispersos e não são comuns.
O actual texto é que tem falhas, do ponto de vista do PSD. A re-sistematização também permite o ganho de condensar princípios que, do nosso ponto de vista, são claramente comuns e que devem respeitar a todos os direitos que estão aqui presentes e que no actual texto constitucional ficam perdidos.
O texto constitucional, ao não tratar o ensino, nomeadamente aqui na questão do artigo 73.º, o desenvolvimento da personalidade não aparece depois no artigo do ensino, quando é evidente que o ensino deve ser - e penso que todos estaremos de acordo - orientado e deve contribuir para o desenvolvimento da personalidade, porque é isso mesmo.
Portanto, o actual texto tem essa falha e a vantagem da re-sistematização, em resposta àquilo que o Sr. Deputado António Reis acabou de referir, é patente quando condensamos num único artigo as coisas que são, de facto, afins, para poder, depois, na densificação do n.º 2 colocar todos os contributos que devem presidir à definição do direito à educação, ao ensino e à cultura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, era apenas para dizer que estamos abertos a uma melhor formulação do que hoje contém o actual n.º 2 e n.º 3, nomeadamente, no artigo 73.º. Isso não está em causa e há aqui algumas propostas do PSD para o n.º 2 que parecem aceitáveis para enriquecer a finalidade, nomeadamente da democratização da educação. O que me parece é que devíamos guardar a lógica existente neste artigo, de especificar o que diz respeito à educação, o que diz respeito à cultura, o que diz respeito à ciência e, depois, desenvolver cada um destes aspectos nos artigos subsequentes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso começar a discutir o n.º 2?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto aos n.os 2 e 3, tanto o CDS-PP, como o PSD propõem a sua fusão e reformulação. Claro que, na lógica da proposta que acabámos de analisar, o PSD estende não só à educação e à cultura mas também ao ensino.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, na esteira da discussão que temos vindo a travar sobre este artigo, acrescentava agora, relativamente ao n.º 2, que, exactamente na linha do que disse na minha intervenção anterior, o PSD procura transplantar, porque nos parece que claramente são princípios comuns, regras genéricas comuns, quer ao conteúdo do direito à educação, quer ao conteúdo do direito à cultura, quer ao conteúdo do direito ao ensino, matérias que vêm depois esparsamente tratadas nos artigos respectivos no actual texto constitucional.
Nesse sentido, acrescentamos neste n.º 2 o princípio de igualdade de oportunidades, que claramente deve ser comum a estas três realidades; o princípio do espírito da tolerância, da solidariedade e da responsabilidade, que actualmente está no que respeita ao ensino, mas que nos parece evidente que é um princípio geral comum ao direito à educação e ao direito à cultura; e o princípio da defesa e valorização do património cultural, que também transplantamos para aqui, porque nos parece claramente também uma regra que deve presidir à educação e ao ensino e não apenas à cultura, como no actual texto constitucional vem. No actual texto constitucional, este princípio do dever de defender e de valorizar o património cultural vem apenas no artigo 78.º.
Ora, a proposta do PSD é exactamente a de transplantar para este artigo genérico, que arruma três questões que são perfeitamente afins, que é a educação, o ensino e a cultura, os contributos que estão, actualmente, em cada um dos artigos de per si da Constituição sobre estas matérias.
Colocamos aqui aqueles que nos parecem que são, de facto, regras comuns e que há ganho, há vantagem, em que a Constituição as coloque como deveres que são o "reverso da medalha" de todos estes direitos e não apenas a valorização do património cultural no direito à cultura ou o espírito de tolerância e de solidariedade apenas no que respeita ao ensino. Portanto, são regras comuns que nós fomos buscar a cada um dos artigos e rearrumámo-las aqui porque nos parecem ser princípios comuns a todos eles.
Chamava apenas a atenção de que, na prática, nem há grande inovação, há apenas esta rearrumação, com vantagem
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e com ganho, mas não há inclusão de princípios novos a não ser o princípio da igualdade de oportunidades, que, de facto, não vem nestes exactos termos tratado em nenhum...
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - E que é superior à superação das desigualdades! É mais lato!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - ... dos actuais artigos em causa, mas que penso que alarga a lógica do texto actual que apenas cobre a superação das desigualdades.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, compreendo a intenção do PSD de procurar uma síntese para estes dois números do artigo 73.º, mas, por formação - e é uma velha convicção que tenho -, penso que há utilidade em separar aquilo que é do domínio da educação daquilo que é do domínio da cultura. São realidades que têm contornos, filosofias, ambições e domínios diferentes e, por isso, do mesmo modo que sempre me bati contra a existência de um Ministério da Educação e Cultura, apesar de ter sido Secretário de Estado da Cultura num ministério com essa amplitude, também entendo que, em sede constitucional, teríamos toda a vantagem em guardar um mínimo de autonomia entre a esfera educativa e a esfera da cultura.
Nesse sentido, a proposta do PSD, a meu ver, tem um perigo, porque, se é relativamente simples entendermo-nos sobre quais devem ser as grandes finalidades da democratização da educação e/ou do ensino - embora continue a dizer que o ensino aqui está a mais e deve ser transferido para o artigo seguinte -, já é mais difícil definirmos qual o conjunto de valores que a cultura deve prosseguir, porque se trata de um domínio extremamente escorregadio, extremamente melindroso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, o PSD mantém o artigo 78.º!
O Sr. António Reis (PS): - Como?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o PSD mantém o artigo 78.º!
O Sr. Presidente: - Não é isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes! No actual texto constitucional - se me permite Sr. Deputado António Reis - o n.º 3 relativo à cultura não tem objectivos, é aberto.
O Sr. António Reis (PS): - Exactamente! É isso que estou a dizer!
O Sr. Presidente: - Vocês fazem aplicar à cultura todos os objectivos, escopos, finalidades…
O Sr. António Reis (PS): - Está a transferir para a cultura os objectivos que estão previstos para a educação!
O Sr. Presidente: - Vocês, na verdade, estabelecem o perigo do dirigismo cultural que o PS não tinha.
O Sr. António Reis (PS): - Exactamente! Era aí que eu queria chegar, porque o domínio da cultura é um domínio extremamente sensível, que não pode ser programado em função de alguns valores como estes que estão aqui, uma vez que tanto podem ser estes como podem ser outros. A cultura transcende um pouco tudo isso.
Se em relação à educação não está em causa assinalarmos um conjunto de valores consensuais, como aqueles que constam do actual n.º 2, acrescentando até alguns que constam da proposta do PSD - e estou perfeitamente aberto a que se acrescentem ao n.º 2 os valores do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade, porque isso não está em causa -, já me parece errado que estejamos a transferir isso também para o domínio da cultura, que tem uma lógica e uma filosofia diferente e pode transcender, pode estar para além deste tipo de valores.
A segunda crítica tem a ver também com o facto de, no n.º 2, o PSD reduzir o domínio da cultura praticamente ao domínio da defesa e valorização do património cultural, omitindo essa formulação, a meu ver, mais vasta, que é a da fruição e criação cultural. Mais uma razão para deixarmos num número próprio o que diz respeito à democratização da cultura.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem um artigo próprio!
O Sr. António Reis (PS): - Tem um artigo próprio, mas porque é que no número genérico do artigo 73.º apenas especificam a defesa e valorização do património cultural, que também está incluída nesse artigo próprio?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, entendemos que a relação cultura/educação/ensino é uma relação que cada vez se afunila mais e, portanto, é cada vez mais potencialmente instrumental e, no sentido contrário, cada vez mais ampla e mais aberta.
Sendo certo que, neste contexto, se podem entender algumas normas regulamentadoras estritas na área do ensino, já se entendem menos, e é preciso muito mais cuidado, na área da educação. E na área da cultura, de todo em todo, o que faz sentido, de facto, é, antes de tudo, o carácter aberto do normativo constitucional tal com está no artigo 73.º, porque "mais vale prevenir do que remediar" e não faz muito sentido estar a potenciar aqui coisas em que, de outro modo, é melhor não avançar por esse caminho.
Aliás, não apresentámos, como se vê, qualquer proposta de alteração a este artigo, o qual, em nosso entendimento, deve manter-se exactamente como está pelas razões que apontámos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso serem evidentes as objecções levantadas quanto à proposta do PSD, de resto, a meu ver, justas.
Penso que o PSD cedeu aqui a uma vontade reconstituinte pouco avisada, porque, na verdade, submeter a cultura, em particular, a esses objectivos é claramente ir contra o espírito constitucional. Na verdade, se virmos a história da cultura, há muitas e exaltas formas de cultura que não pode dizer-se que contribuíram para o espírito de
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tolerância, de solidariedade e de responsabilidade e que nem por isso deixaram de ser formas de cultura, portanto seria, a meu ver, falhar totalmente o alvo fundir neste artigo a cultura com objectivos e finalidades. Fica, portanto, afastada esta possibilidade de fusão dos actuais n.os n.º 2 e 3.
Resta em aberto a possibilidade de o PSD querer sugerir alguma alteração para os actuais n.os 2 e 3, que se manterão, portanto, distintos, um para a educação e outro para a cultura.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, compreendo a objecção que é formulada pelo Sr. Deputado António Reis, que, de certa forma, acaba por ser, nos seus traços gerais, secundada quer pelo Partido Comunista quer pelo Sr. Presidente, mas quero esclarecer que não é minimamente esse o objectivo do PSD. E faço uma pequena correcção: o Sr. Presidente utilizou agora o termo "objectivos", mas, do nosso ponto de vista, é claro que a redacção que propomos para o n.º 2 não contém objectivos, digamos que isto seriam regras ou, no máximo, limites…
O Sr. Presidente: - Não! Atribuem valores que a cultura deveria servir!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Que contribuam! Não são objectivos, Sr. Presidente, convenhamos!... O texto que está cá não é esse, no máximo seriam limites que, na promoção da educação, do ensino e da cultura, devem ser observados…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há-de concordar comigo que, ao abrigo destes limites e com esta bandeira, muitas formas culturais que fizeram as vanguardas culturais dos últimos dois séculos teriam sido objeccionáveis sob o ponto de vista do espírito de tolerância, de solidariedade, de responsabilidade, do progresso social, da participação na vida colectiva e até da defesa e valorização do património cultural.
Mas eu não disse que era intenção do PSD, disse apenas que foi uma formulação pouco avisada, pouco guardada!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não! Nós aqui definimos os limites gerais a uma actividade que o Estado incentiva. É evidente que o fascismo é um produto cultural, como todas as formas políticas começam por ser um produto cultural! Dizendo-se que o Estado deve promover não podemos dizer noutro sítio que são proibidas as organizações fascistas?! Não dizemos isso também na Constituição? Há limites! O que aqui se estabeleceu foram os limites gerais da acção cultural e é diferente criar limites ou impor directivas! É diferente!
O Sr. Presidente: - Estamos de acordo quanto a isso.
Fica salvaguardada a posição do PSD. Mas ela não esteve em causa, houve - digo eu - intenções maléficas à proposta do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Mas podiam ficar subentendidas, Sr. Presidente, e, portanto, é sempre bom essas clarificações.
Feita esta clarificação e face à explicitação que o Sr. Deputado Barbosa de Melo agora acabou de fazer, penso que fica nítido e claro para toda a gente e o exemplo é suficientemente elucidativo de que o que está aqui em causa são os limites em que o Estado deve promover essas realidades, e, obviamente, se o Estado as deve promover, tem de haver aqui limites para que o ele intervenha. Nada se diz aqui quanto à total liberdade que existe, apenas com as baias que a Constituição põe, nomeadamente quanto ao fascismo, à xenofobia e por aí fora. Todas as outras formas de cultura e de expressão cultural obviamente que não ficam em causa.
Respondendo agora à questão que o Sr. Presidente coloca, não sendo essa a intenção do PSD e parecendo que não há grande compreensão do Partido Socialista quanto às vantagens de conglomerar isto, é evidente que podemos equacionar o realinhamento em pontos distintos da cultura, da educação e do ensino. Em qualquer circunstância, mantém-se, pensamos nós, com alguma actualidade, mesmo que sejam números distintos, pontos comuns, porque nos parece, de facto, que há alguns dos aspectos que fomos buscar lá à frente a algumas das regras que devem presidir à promoção do ensino por parte do Estado que são comuns à educação.
A questão da defesa e da valorização do património cultural parece-nos claramente que também é algo que deve ser transplantado para a lógica da educação e do ensino e não limitar-se a estar na parte que diz respeito à fruição e acesso à cultura.
Portanto, optando-se pelo rearranjo dos n.os 2 e 3, o PSD mantém a preocupação de tentar transplantar para o n.º 2, pelo menos para a educação e para o ensino, aquilo que verdadeiramente é comum. E não sei até que ponto é que, naquilo que respeita à fruição e criação cultural, se podem transplantar, por exemplo, também os princípios do espírito de tolerância, porque, em qualquer circunstância, também não vejo que haja aqui quaisquer atentados à liberdade cultural. Pelo contrário, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo acabou de explicitar, se estamos a falar de aspectos em que o Estado promove a cultura, é evidente que deve haver alguns limites genéricos a esse tipo de cultura.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados acham que estes túrgidos n.os 2 e 3 devem ser ainda mais cheios? Eu tenderia a encurtá-los! Agora, aumentá-los ainda mais é coisa que me causa alguma objecção.
Quem quer pronunciar-se sobre esta ideia de transferir para aqui elementos que estão em artigos posteriores, nomeadamente nos artigos do direito ao ensino e do direito ao património cultural?
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, é claro que temos da expressão "fruição e criação cultural" uma noção ampla, que engloba, como, aliás, se deduz da epígrafe do artigo 78.º, as questões relativas à defesa e valorização do património cultural, mas não vejo também objecção a que se queira explicitar a questão do património logo no n.º 3, como uma formulação do género: "O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação
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cultural e defendendo e valorizando o património cultural". No entanto, não vejo grande ganho nisso, tendo em conta que a expressão "fruição" e mesmo a expressão "criação", no seu sentido amplo, devem englobar a noção de património.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sem propostas concretas, não vamos longe. Pessoalmente, penso que este artigo carece, quando muito, de sintetização e não de aumento. Ficaremos assim quanto aos n.os 2 e 3.
Quanto ao n.º 4 do mesmo artigo, o PSD propõe a sua eliminação, autonomizando simultaneamente, como artigo 78 º-A, um direito à criação e investigação científica.
Vamos discutir simultaneamente as duas questões, ou seja, a autonomização e a transferência.
A proposta do PSD para o artigo 78.º-A diz o seguinte: "1. Todos têm direito à criação e investigação científicas, nos limites da Constituição e da lei (…)" - passaríamos a ter um Estado investigador - "2. O Estado incentiva e impõe a ciência e a investigação (…)".
Está, portanto, em discussão esta proposta do PSD, de eliminação do n.º 4 do artigo 73.º com a concomitante autonomização do artigo 78.º- A, com a consagração de um direito à criação e investigação científicas.
Têm a palavra os Srs. Deputados do PSD para apresentarem a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o actual n.º 4 do artigo 73.º limita-se a enunciar não propriamente o direito à criação e investigação científicas, como acontece no n.º 1 do mesmo artigo, em que se fala num direito à educação e à cultura, mas, sim, que o Estado deve apoiar e incentivar a criação e investigação científicas.
Ora, a proposta do PSD visa, no n.º 1, transformar a criação e investigação científicas, obviamente nos limites da Constituição e da lei, num direito, o que não acontece no actual texto constitucional, e, no n.º 2, manter aquilo que é o actual conteúdo normativo do n.º 4 do artigo 73.º, isto é, o incentivo e apoio do Estado à ciência e à investigação, bem como à inovação tecnológica, acrescentando - o que não acontece no actual texto constitucional - que esse apoio do Estado se deve expressar em colaboração estreita quer com a comunidade científica quer com as universidades e com as empresas, que, no fundo, são subsectores dessa mesma comunidade científica em alguns aspectos. As universidades são com certeza e as empresas também o são cada vez com maior expressão, e com propriedade, como diz aqui ao meu lado o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, confesso que me sinto interiormente dividido em relação a esta proposta. Por um lado, é óbvio que tudo o que seja dar uma maior autonomia e desenvolver o que está aqui na Constituição sobre o apoio à ciência e à investigação por parte do Estado e o direito à criação e investigação científicas é bem vindo, mas, por outro, estamos confrontados com a lógica existente da construção deste capítulo sobre os direitos e deveres culturais.
Em bom rigor, se o PSD quisesse ir até ao fim desta sua proposta, que em si tem virtualidades positivas, deveria, mantendo o n.º 4 com esta ou com a formulação que está consignada na sua proposta, nomeadamente o n.º 2, criar, depois, um novo artigo, que, à semelhança do que se passa com o direito ao ensino e com o direito à fruição e criação culturais, desenvolvesse os princípios mínimos consensuais de uma política de apoio à ciência por parte do Estado. Então, teríamos respeitado a lógica global de construção deste capítulo sobre os direitos e deveres culturais.
Ora, isso implicaria aqui um esforço adicional por parte dos autores da proposta e, no fundo, de todos nós, no sentido de, preservando o que há de melhoria nesta proposta em relação ao actual n.º 4 do artigo 73.º, inventar um novo artigo que desenvolvesse, depois, esse n.º 4 num conjunto de objectivos mínimos consensuais para uma política de apoio à criação e investigação científicas, à semelhança do que se passa com a política do ensino e com a política da cultura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, entendemos que retirar deste artigo, que, afinal, é um artigo de referência, um artigo matriz, se assim se pode dizer, a criação e a investigação científicas seria, de facto, um factor de empobrecimento do texto constitucional. Por essa razão pensamos que se deve manter, e, dentro dessa mesma lógica, haveria, sim, que introduzir um novo artigo em que a componente criação e investigação científicas fosse, por sua vez, explorada ao nível da sintonia fina e do pormenor.
Por outro lado, o artigo 78.º-A, proposto pelo PSD, diz, no seu n.º 2, que "O Estado incentiva e apoia a ciência e a investigação, bem como a inovação tecnológica,… - e, depois, acrescenta - "…em estreita colaboração com a comunidade científica nacional (…)". Devo dizer que me parece rebarbativa esta forma, porque não estou a ver como é que havia de ser de outro modo senão em estreita colaboração com a comunidade científica nacional, caso quisesse, de facto, incentivar e apoiar a ciência! Como é que havia de ser, se não fosse assim?! Há alguma outra maneira? Não conhecemos, razão pela qual nos parece excessivo e manifestamente empobrecedor o desaparecimento do n.º 4 do artigo 73.º.
O Sr. Presidente: - Devo dizer que esta proposta me é bastante mais simpática do que as anteriormente discutidas, também do PSD. Não me causa qualquer problema tirar da sede do artigo 73.º a questão da criação e investigação científicas, que, de resto, originariamente não estavam lá, foram lá metidas em 1982, portanto, não faziam parte do programa normativo originário deste número.
Penso que o direito à ciência e à investigação é um direito bastante mais específico e com menos proximidade com o direito geral à educação e à cultura, o suficiente para ser autonomizado. E a forma proposta pelo PSD parece-me feliz, em geral. "Todos têm direito à criação e investigação científicas (…)" parece-me exagerado, preferiria que a redacção fosse "É garantido o direito à criação e investigação científicas (…)".
Confesso que o n.º 2 é feliz ao dizer "O Estado incentiva e apoia a ciência e a investigação, bem como a
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inovação tecnológica, em estreita colaboração com a comunidade científica nacional (…)".
Portanto, pela minha parte, penso que aqui haveria algum ganho. A autonomização significa sempre mais-valia, é óbvio, por isso é que me tenho oposto a algumas autonomizações, mas esta parece-me virtuosa.
Creio que manter o n.º 4 do artigo 73.º e, depois, autonomizar um artigo é duplicar ou, então, o principal, que é conceber a investigação científica como objecto de um direito, deixava… Começávamos pela incumbência do Estado no artigo 73.º, n.º 4, e, depois, íamos consagrar o direito só no artigo 78.º. Não me parece que seja a lógica do discurso constitucional mais razoável.
Pela minha parte, atrevia-me a pedir uma reconsideração deste ponto, defendendo a virtude desta proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, porque entretanto já se fez uma primeira discussão sobre esta matéria, acolhemos com muito agrado a sugestão que o Sr. Presidente fez no sentido de no n.º 1 se garantir o direito à criação e investigação científicas, não apenas porque o texto, de facto, pode ser pouco usual na linguagem que se tem utilizado nestes capítulos na Constituição mas também porque, atendendo a que se está a falar destes direitos, faz sentido que seja obrigação do Estado garanti-los e, portanto, o enunciado melhora bastante.
Quanto à questão da sistematização, esta autonomização fazia sentido na proposta global que o PSD enunciou, mas confesso que se da parte do Partido Socialista existir uma insistência para manter este artigo 73.º com todo este enunciado, pois seja assim, porque foi isso que se adoptou.
Em qualquer caso, achamos que faz mais sentido autonomizar a investigação científica, porque ela é, de facto, como dizia o Sr. Presidente, menos afim com os direitos que se pretendem garantir na educação e na cultura, imputando-se ao próprio Estado um papel muito específico e autónomo que não tem a ver estritamente nem com as escolas nem com as instituições culturais. Nós, apesar de tudo, insistimos em que haveria vantagem nesta autonomização.
Quanto à observação que o Sr. Deputado José Calçada fez, devo dizer que há outras formas de apoiar a ciência e a investigação científica e outras instituições que não as da comunidade científica nacional, que, do ponto de vista da investigação científica, não se podem ignorar, mas mal seria que na nossa própria Constituição não se garantisse, desde logo, no que respeita ao Estado, a intenção de promover a estreita ligação com a comunidade científica nacional, porque o Estado pode, e não só pode como fá-lo com frequência, atribuir apoios, muitas vezes em estreita colaboração com outras instituições que não são nacionais, e assim deve ser também. Mas, então, não se compreenderia que, em termos constitucionais, o Estado não apoiasse, desde logo, a estreita colaboração com a comunidade científica nacional.
Portanto, é o querer destacar essa função que cabe ao Estado que julgamos que fica bem no enunciado que propusemos e que não afasta - para esclarecimento - que ela possa fazer-se de muitas outras maneiras, mas esta parece-nos essencial que seja função e garantia do Estado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mantém-se em consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, ficou claro na minha intervenção que vemos com simpatia a proposta de aditamento do PSD em relação à investigação científica, mas creio que teremos de encontrar a melhor maneira de a enquadrar no contexto do capítulo sobre os direitos e deveres culturais.
Sobre esta questão há várias alternativas possíveis. A primeira alternativa é autonomizar, de facto, este direito à investigação científica num artigo próprio e não lhe fazermos qualquer referência no artigo 73.º, mas, em relação a isso, eu poderia objectar que os argumentos que são válidos para a autonomização do direito à investigação científica são igualmente válidos para a autonomização do direito à cultura, e, então, iríamos repartir…
O Sr. Presidente: - Mas esse ninguém o propôs! E agradeço que ninguém o proponha!
O Sr. António Reis (PS): - Exactamente!
Como estava a dizer, então, iríamos repartir o capítulo em três grandes subcapítulos - educação e ensino, de um lado; cultura, de outro; e ciência, de outro. É um caminho válido, é um caminho perfeitamente adequado, a nosso ver. É uma hipótese que poderemos prosseguir.
A segunda alternativa é, mantendo a lógica actual da construção deste capítulo, substituir o n.º 4 pela formulação que consta do n.º 2 da proposta do PSD para o artigo 78.º-A, que é "O Estado incentiva e apoia a ciência e a investigação (…)"; pôr no n.º 1 "Todos têm direito à educação, à cultura e à investigação científica", até porque o conceito de criação em relação à ciência subsume-se, a meu ver, mais no conceito de investigação; e construir, depois, um artigo próprio definindo os objectivos gerais consensuais de uma política de apoio à investigação científica por parte do Estado, à semelhança do que existe para a cultura e para o ensino. Nessa altura, a ciência não ficaria tão "manca" em relação à educação e à cultura como, na prática, ficará se nos limitarmos a esta proposta de aditamento do PSD.
Portanto, são estas as duas vias possíveis.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com franqueza e sem qualquer menosprezo pela proposta alternativa agora formulada, parece-nos, de facto, que há vantagem e interesse em autonomizar em artigo próprio a criação e a investigação científicas.
Chamo a atenção para o facto de que não é só o direito à investigação que está aqui em causa mas é também o da criação. Enxertar tudo isso aqui no artigo 73.º parece-nos, de facto, transformar este artigo não num "albergue espanhol", porque também me parece demasiado, mas num artigo demasiado vasto, com matérias demasiado importantes… A autonomização da criação e investigação científicas justifica-se perfeitamente.
Na hipótese formulada pelo Sr. Deputado António Reis, do ponto de vista do PSD, ainda há outra desvantagem, que é a de, ao enxertar-se aquilo que ele propõe, não ficar, de facto, qualquer espaço para um artigo que não fosse
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totalmente repetitivo daquilo que ficaria já nesta norma genérica. Portanto, perder-se-ia, de facto, a vantagem de autonomizar e dar um enfoque próprio exactamente na vertente que o PSD pretende e que é a lógica da arrumação dos artigos constitucionais, que é a da criação de um direito, que actualmente não existe na Constituição. Se queremos criar o direito, não basta fazer aqui uma referência genérica, tem de haver um artigo que consubstancie esse direito.
Ora, na sugestão alternativa avançada pelo Sr. Deputado António Reis não ficaria espaço para esse artigo autónomo, porque tudo já ficaria dito nesta amálgama genérica do artigo 73.º. Portanto, optamos claramente, dada a alteração substantiva de fundo, pela transformação daquilo que actualmente é apenas uma incumbência de apoio do Estado num autêntico direito que é garantido aos cidadãos, pela necessidade da criação de um artigo próprio, na esteira disso, porque todos os direitos constitucionais, nesta parte, são tratados autonomamente em artigos, e, sob pena de esvaziar totalmente o conteúdo útil para esse artigo, entendemos que não há interesse absolutamente nenhum em verter aqui uma matéria que depois é tratada num artigo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Então, em consonância com a vossa proposta de autonomização do artigo referente ao direito à criação e investigação científica, estariam também abertos à possibilidade de autonomização do que diz respeito ao direito à cultura, à criação e fruição culturais,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso já está!
O Sr. António Reis (PS): - ... mas retirando também do artigo 73.º e passando a construir todo o capítulo na base dessa lógica de artigos consagrados ao direito à educação e ao ensino, outros à cultura e outros à criação e investigação científica, não amalgamando educação e cultura no artigo 73.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era essa a nossa proposta inicial, genericamente, quanto a todo o capítulo. Entendemos que não havia abertura, porque, a haver abertura, é evidente que concordamos e, no limite, concordamos que o artigo 73.º trate apenas de educação e ensino. Eu fui sensível - e já o referi aqui, anteriormente - àquela preocupação genérica, que bem entendi e que conheço em algumas das suas vertentes, até em expressões complicadas da própria organização do poder político em Portugal e da formulação de algum tipo de políticas em legislação. Portanto, por parte do PSD, estamos totalmente disponíveis e de acordo em relação a abrir ainda mais a clarificação ou a estratificação deste capítulo através de direitos que são autónomos e que devem ser tratados autonomamente.
O Sr. António Reis (PS): - No espírito geométrico, fica mais tranquilo!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado António Reis ultrapassou agora, em intenção reconstituinte, o PSD. Propõe, pura e simplesmente, a partição do artigo 73.º, que passaria apenas a dedicar-se ao direito à cultura enquanto que o artigo 74.º passaria a tratar do direito à educação e ao ensino.
O Sr. António Reis (PS): - Não, o artigo 73.º seria só educação.
O Sr. Presidente: - Não, não, à cultura! Começando pelo mais lato para o menos lato, passaria pelo direito à cultura em primeiro lugar.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, a nossa ideia é a de que deixe de haver um artigo genérico sobre educação, cultura e ciência.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mas o que se refere à ciência foi lá "colado" em 1982; originariamente, era só cultura e educação.
O Sr. António Reis (PS): - Mas, neste caso, separávamos educação e cultura. Portanto, haveria um primeiro conjunto de artigos sobre educação e ensino, um segundo sobre cultura e um terceiro sobre ciência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, começo a opor-me a todas essas obras.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, não vou acrescentar muito àquilo que disse antes mas parece-me que o Sr. Presidente tem vindo a dizer que o argumento para a eventual retirada do n.º 4 (e isso ser-lhe-ia, de algum modo, simpático) teria a ver com o facto de este n.º 4 ter sido "colado" - foi a sua expressão - em 1982. Ora, para mim, tem exactamente a mesma dignidade dos que não foram "colados", isto é, os outros foram "colados" antes e este foi "colado" em 1982. Julgo que, em si, não é um argumento bastante para ficarmos "de pé atrás" em relação ao n.º 4. Esta é a primeira questão.
O Sr. Presidente: - Eu não estava "de pé atrás"! Tratava-se de lhe dar mais dignidade do que uma simples obrigação do Estado, era dar-lhe uma dignidade que hoje não tem.
O Sr. José Calçada (PCP): - As palavras são minhas, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Pois são! E eu estou exactamente a contestar as suas palavras, Sr. Deputado!
O Sr. José Calçada (PCP): - Acresce que, indo por aí, o artigo 73.º, de todo em todo, desapareceria. Nós entendemos que, como artigo enformador, pode eventualmente vir a ser melhor desdobrado - porque não?! - mas não somos favoráveis ao seu desaparecimento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como Presidente da Comissão, devo dizer que, em princípio, só se discutem as propostas feitas. Há uma proposta feita, quero ouvir as posições dos partidos sobre ela.
A proposta do PSD é a de eliminar o n.º 4, substituindo-o por um artigo autónomo sobre o direito à investigação e criação científica. Os Srs. Deputados do PCP já se
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opuseram, os do PS também, mas gostaria de saber se mantêm uma objecção definitiva ou não.
O Sr. António Reis (PS): - Não, Sr. Presidente. Não há objecção definitiva; no fundo, há apenas uma contra-proposta no sentido de integrar a proposta do PSD numa reformulação da lógica do capítulo sobre direitos e deveres culturais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD desejaria, no mínimo, que se mantivesse a autonomização da criação e investigação científica como direito, no perspectiva do avanço da sua transformação em direito, garantindo-o aos cidadãos, tal como o Sr. Presidente formulou e nós concordamos. Não vemos também qualquer objecção em autonomizar - porque entendemos essa diferenciação - a educação e o ensino da cultura.
Olhando agora para a lógica da arrumação constitucional, uma vez que o capítulo é dos direitos e deveres culturais, talvez, então, a operar-se - no que o PSD não tem dificuldade nenhuma - essa separação, o primeiro artigo deveria ser o da cultura, porque faria mais sentido. Contudo, não essa é a questão mais importante para nós mas, sim, a da autonomização, uma vez que pretendemos que passe a direito a criação e investigação científica. Se, concomitantemente com isso, o PS pretende aproveitar para autonomizar a cultura, estamos perfeitamente de acordo e não vemos nenhum embaraço nisso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há um embaraço, que é o seguinte: essa proposta não foi feita, pelo que careceria do consenso de todos, o que não existe pois o PCP opõe-se. Pergunto ainda se o PCP considera essa oposição inultrapassável ou considera a possibilidade de ainda reconsiderar?
O Sr. José Calçada (PCP): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Está ultrapassada a questão. Limitamo-nos à proposta apresentada pelo PSD. Está encerrada a discussão.
O PS, embora com as reservas estabelecidas, não "fecha a porta", manifestando abertura para considerar a possibilidade de autonomização do direito à investigação científica.
Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 74.º.
Para este artigo, existia uma proposta, do PSD, para eliminação do n.º 1, que está ultrapassada porque fazia parte da sua inclusão no artigo anterior; existe uma proposta, apresentada pelo CDS-PP, para o n.º 2, mas não está agora presente nenhum Deputado que a defenda; para o n.º 3 não há propostas referentes à alínea a) mas para a alínea b) temos propostas do PCP, do PSD e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
A alínea b) refere-se à criação do sistema público de educação pré-escolar. O PCP propõe criar um sistema público de educação pré-escolar universal e gratuito; o PSD propõe desenvolver (em vez de criar) o sistema de educação pré-escolar e não refere sistema público; e o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca acrescenta gratuito, nisso convergindo com o PCP.
Para apresentação das respectivas propostas referentes à alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º da Constituição, começo por dar a palavra ao Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, esta nossa proposta tem a ver apenas com a clarificação de um conceito que, em nosso entendimento, está implícito já no texto constitucional mas que, até pela circunstância histórica recente, se assume hoje com uma relevância que, provavelmente, os Constituintes, em 1975, não assumiam. Ainda bem recentemente, já depois destas propostas elaboradas, as discussões em torno da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar tornaram ainda mais relevante a necessidade de explicitar no texto constitucional aquilo que, até agora, estando apenas implícito - embora, para nós, claramente -, tornava necessária esta proposta. É dentro deste contexto, e nenhum outro, que o nosso acrescentamento se justifica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que, hoje em dia, está assumido claramente, tanto pelo PSD como pelo actual Governo do PS, que a educação pré-escolar não se deve confinar ao sistema público. À semelhança dos outros graus de ensino, a liberdade de ensino e de escolha do ensino funciona e deve funcionar também neste grau do pré-escolar.
Nesse sentido, o texto constitucional deve evoluir da criação do sistema público de educação pré-escolar para o desenvolvimento do sistema de educação pré-escolar e, obviamente - essa é a realidade que já aí está e que é defendida pelos anteriores governos bem como pelo actual -, esse sistema deve comportar quer uma parte pública quer a iniciativa privada, também, bem como cooperativa e as instituições particulares. Enfim, à semelhança dos outros graus de ensino, o pré-escolar é uma realidade onde coexistem, a par da função pública, as iniciativas privadas, que merecem também apoio do Estado, na perspectiva que o Estado hoje em dia tem - e, do ponto de vista do PSD, bem - de que, em matéria de deveres sociais, da comunidade, é a própria comunidade e na própria comunidade que o Estado deve apoiar-se para salvaguardar os direitos dos cidadãos. Portanto, a proposta do PSD vai no sentido de receber no texto constitucional aquela que é a verdadeira política de desenvolvimento deste grau de ensino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em discussão a proposta do PCP e a proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, há aqui um mal-entendido que convém, desde já, desfazer: é que o facto de a actual Constituição falar no sistema público de educação pré-escolar, e creio que mesmo o facto de a proposta do PCP acrescentar universal e gratuito, não põe minimamente em causa a existência de formas privadas de assegurar a educação pré-escolar. Isto parece-me óbvio, mas parece-me também que, se a Constituição incumbe ao Estado assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito, por maioria de razão deveria incumbir o Estado de, igualmente, no que diz respeito ao nível pré-escolar, assegurar a obrigatoriedade e a gratuitidade desse elementaríssimo e primeiríssimo grau de ensino.
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Em boa lógica, a alínea a) do n.º 3 do artigo 74.º deveria estar redigida da seguinte maneira: na realização da política de ensino, incumbe ao Estado assegurar o ensino pré-escolar e básico universal, obrigatório e gratuito, o que simplificava, de certa maneira, a redacção do n.º 3 e era bastante mais lógico do que estar a individualizar na alínea b) uma incumbência específica do Estado para o ensino pré-escolar.
É claro que isto tem uma justificação de carácter histórico; como é óbvio, a educação pré-escolar ainda é uma relativa novidade na história do nosso sistema de ensino e daí que o Constituinte tivesse esta preocupação de o especificar num alínea própria. Mas a ideia, no fundo, é essa: é tornar extensivo ao pré-escolar aquilo que já está assegurado na alínea a) para o ensino básico. Nesse sentido, a proposta do PCP, com esta formulação ou tentando uma síntese na alínea a), merece a nossa aprovação.
Quanto à proposta do PSD, é evidente que consideramos demasiada vaga a respectiva formulação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, depois de ter ouvido o Sr. Deputado António Reis e sendo até tentado a concordar com alguns dos princípios que enunciou, pergunto-me, no entanto, e também ao Sr. Deputado, se podemos, nesta altura, dar-nos ao luxo de garantir a realização por parte do Estado deste direito. Bem sei que, quando se trata destas leituras, estamos, muitas vezes, a funcionar estritamente no plano dos princípios e, a esse nível, da minha parte, não tenho qualquer divergência com o que enunciou, entendendo o pré-escolar de uma forma restrita. Porém, se tivermos de entendê-lo de uma forma mais lata, aí já teria discordâncias de princípio, porque, a meu ver, estaríamos a substituir, nomeadamente, a família por níveis de ensino que não podem iniciar-se senão a partir de certo nível etário. Portanto, compreendendo o pré-escolar da forma como ele está retratado…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Digo isto na acepção que o Sr. Deputado António Reis também empregou, de fundir as duas alíneas. Nesse sentido, poderia já haver objecções de princípio.
Mas a pergunta que fazia era se, considerando que a proposta do PSD pode ser demasiado genérica - embora eu subscreva o que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse, isso parece-me mais realista do que simplesmente manter o sistema público de educação pré-escolar, porque passará a incumbir ao Estado uma tarefa mais vasta, que, em qualquer caso, o Estado vai assumindo, mesmo sem esta orientação constitucional -, temos condições, para, nesta altura, medir a consequência de uma alteração desta natureza na Constituição.
Se o Partido Socialista nos quiser consultar relativamente a isso, na medida em que, hoje, até tem uma responsabilidade de governo, estaremos, com certeza, dispostos a pensar esta matéria. Gostaria, porém, de obter uma resposta mais reconfortante sobre esta matéria da parte do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cabe-me agora usar da palavra e, depois, ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tenho objecções frontais em relação à proposta do PSD e objecções fundas em relação à do PCP.
O PSD insiste em bater-se contra a filosofia republicana do ensino em Portugal, que é a da Constituição. A ideia é a de que a liberdade de ensino privado é total, a liberdade de criação de escolas privadas é total, sujeitas à fiscalização do Estado, pelo que isso não está em causa. Agora, o Estado tem a obrigação pública de, através da escola pública, fornecer aos cidadãos escola. É isso que está na Constituição e que, penso, não deve ser alterado. A proposta do PSD implicava que o Estado deixava de ter uma obrigação de criar escolas públicas e transferia para o sistema de ensino, imagina-se, prevalentemente privado a responsabilidade do Estado de, porventura, o tornar gratuito. Isto, no fundo, é a velha lógica: o Estado deixaria de ter instituições próprias, mas pagaria as privadas.
No entanto, a lógica republicana do ensino não é essa e é a que está na Constituição: a ideia de que há uma escola pública, pluralista, aberta e gratuita e que há escolas privadas, confessionais, ideológicas e doutrinárias para quem quer - e quem quiser ter essa vantagem, também a paga. Eventualmente, se a escola pública não chegar, o Estado subsidia as escolas privadas para cumprirem o serviço público que o Estado não esteja em condições de prestar. E é isso o que se passa hoje em alguns domínios: onde o Estado não consegue cumprir, através de escolas públicas, o seu dever de fornecer ensino, contrata, acorda ou subsidia escolas privadas para o efeito. Agora, meter no mesmo saco a escola pública, pluralista e aberta, e a escola privada, confessional, doutrinária ou sectária, isso não pode ser, nisso o PSD nunca terá o meu apoio e penso que essas propostas não podem passar.
Quanto à proposta do PCP, como objectivo, é lógica, mas, como norma constitucional obrigatória, é insustentável. Penso que aquilo que era, em 1974, uma inexistência e passou a ser, hoje, um projecto progressivamente realizado, não pode transformar-se, por norma constitucional, obrigatório, de hoje para amanhã. O Estado não está em condições de amanhã, isto é, em Novembro, quando a Constituição for aprovada, garantir a todos e a cada um uma educação pré-escolar gratuita. Portanto, penso que essa norma, como objectivo, formulada de outro modo, poderia ter o meu apoio, mas formulada nos termos em que está, isto é, como garantia efectiva, actual e imediata, não tem o meu apoio.
Assim sendo, pessoalmente, sou contra as duas propostas, por razões diversas, é óbvio, mas sou contra as duas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em relação à segunda parte da sua intervenção, com a sua autorização, faço integralmente minhas as suas palavras. De resto, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, à laia de interpelação ao Partido Socialista, tinha já formulado - com mais subtileza, é verdade - essa mesma questão. Portanto, compartilho inteiramente da segunda parte da intervenção do Sr. Presidente. Atrevia-me até a ser um pouco mais contundente: não me parece que uma propostas destas passe de pura demagogia - e pura demagogia perigosa -, no sentido de tocar numa questão que é essencial
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para, diria mesmo, a totalidade dos cidadãos portugueses, pois, de uma maneira ou de outra, todos os cidadãos fazem parte de famílias, famílias essas onde existem crianças.
O ensino pré-escolar é uma questão fundamental em todas as famílias portuguesas e, nesse sentido, é uma matéria que toca, de uma forma muito próxima, todos os cidadãos portugueses. E toda a demagogia que se utilize numa matéria como esta… O PSD tem a consciência plena de que, por mais que todos defendamos a extensão do pré-escolar a uma realidade universal na sociedade portuguesa, a sociedade portuguesa se confrontou, nos últimos anos, com outras prioridades e havia que começar por algum lado. O esforço tem sido tremendo no sentido de criar um sistema universal gratuito de ensino básico para todos os jovens portugueses e a fase seguinte, terminada que está, em termos quantitativos, a universalidade do ensino básico, será, eventualmente, o pré-escolar. Mas não podemos arriscar aqui demagogias. Ora, a proposta do PCP, em relação à qual assistimos, com muito espanto, a uma adesão profundamente demagógica, não resisto a repeti-lo, da parte do Partido Socialista, penso que seria um mau serviço, em termos de revisão constitucional, que era prestado à sociedade e a todos os portugueses.
Quanto à primeira parte da questão colocada pelo Sr. Presidente, embora compreenda os argumentos que, com clareza, expôs, chamava apenas a sua atenção para o seguinte: de facto, há aí uma divergência de posição entre o PSD e a opinião pessoal do Sr. Presidente, na medida em que o PSD não tem quaisquer complexos nem está de pé atrás relativamente à probidade, à seriedade e à capacidade de outros agentes que não o Estado na administração do ensino. Não temos minimamente essa dúvida ou essa suspeição. Evidentemente, achamos que o Estado, quando não existe essa iniciativa, fica obrigado a supri-la, mas não estamos de pé atrás relativamente à capacidade de instituições particulares, sejam empresariais sejam de outra índole, serem profundamente capazes - com provas dadas, atrever-me-ia a dizer há séculos, em Portugal - no plano do ensino. Portanto, é apenas por essa razão que o PSD não pode compartilhar das observações feitas pelo Sr. Presidente quanto à primeira parte.
Ainda quanto à segunda parte, pelas razões que expus, compartilhamos totalmente das suas preocupações e lamentamos mesmo que um partido com responsabilidades de governo como actualmente é o Partido Socialista possa, numa matéria tão delicada, sensível e importante para os cidadãos portugueses, aparentemente, aceitar embarcar com facilidade numa demagogia, que, como o Sr. Presidente explicitou com propriedade, iria muito claramente mostrar-se insustentável, no exacto dia - diria que antes mesmo da entrada em vigor da Constituição - em que fosse publicitado pela comunicação social a aprovação pela maioria constitucionalmente exigida de um princípio destes. Toda a gente se iria quase que rir dos trabalhos do Parlamento nesta matéria, porque toda a gente sabe que, infelizmente, não há capacidade prática de, nos tempos mais próximos, no curto prazo, executar um direito tão fundamental que os cidadãos passariam a ver inscrito na sua esfera pessoal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não exageremos! De qualquer modo, está aberta à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, não vou dizer que estou estupefacto, porque já poucas coisas me deixam estupefacto. Porém, devo dizer que, dentro da lógica do PSD, não se percebe por que é que o PSD também não julga que é demagógico garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo, garantir o ensino básico universal, obrigatório e gratuito, que ainda não está assegurado, desenvolver políticas de pleno emprego, e por aí fora. Não percebemos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O ensino básico não está garantido?!
O Sr. José Calçada (PCP): - Por isso, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que consideramos verdadeiramente intolerável que o senhor use a expressão "demagógica" relativamente à nossa proposta. Que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes discorde dela, tem toda a legitimidade para tal e pode apresentar todas as razões e mais uma para fundamentar a sua discordância, mas daí a acusá-la de demagógica, não faz sentido algum. Enfim, a acusação fica com quem a faz, mas não podemos deixar de rejeitá-la.
Aliás, esta nossa posição é já muito antiga, não é de agora, e, na verdade, em termos de texto constitucional, apontando para grandes metas a atingir, as quais, frequentemente, todos temos a consciência disso, não são passíveis de serem atingidas no dia seguinte - isto é, no dia seguinte à publicação da Constituição, como é óbvio -, é evidente que não faz sentido algum, nem político nem outro, a acusação que nos faz. É importante que isto fique, desde já, afirmado.
Em segundo lugar, gostaria de abordar algumas questões aqui suscitadas, que me parecem pertinentes. Desde logo, quando falamos na incumbência do Estado neste domínio, não tocamos no artigo 75.º, pelo que as restantes liberdades de ensinar e de aprender estão perfeitamente garantidas - "não é por aí que o gato vai às filhós".
Depois, tivemos o cuidado - e, aí sim, se não o tivéssemos feito, a palavra "demagogia" era passível de ser utilizada - de autonomizar uma alínea em relação à alínea a). E porquê? Porque temos a consciência de que, se colocássemos a educação pré-escolar como obrigatória, aí sim, teríamos provavelmente graves dificuldades, e por várias razões, não apenas da disponibilidade do Estado, não se trata disso, ou da sua exequibilidade, mas também da família, pois esta não é obrigada, em nossa opinião, a colocar a criança no ensino pré-escolar. Agora, o Estado é que tem de disponibilizar essa possibilidade à família, o que é completamente diferente. Por isso, por causa da questão do "obrigatório", não as misturámos, não pegámos nessa alínea e não a colocámos juntamente com a alínea a).
É neste contexto que vemos como muito positiva, com todas estas ressalvas, a abertura mostrada neste domínio pelo Partido Socialista, que nos parece de relevar e extremamente sensata. Não cremos também que, por aí, possa ser apodada de demagógica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vamos lá ver se nos entendemos! De facto, a
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Constituição está pejada de objectivos a prazo, de grandes orientações e obrigações para o Estado, que, todos o sabemos, nenhum governo está em condições de cumprir aqui e agora, de imediato, no prazo de seis meses, um ano ou até quatro ou cinco anos, sequer numa legislatura. Não é por isso que essas disposições deixam de figurar no texto constitucional, como grandes metas orientadoras e foi nesse sentido que interpretei a proposta do PCP e lhe dei o meu apoio. Agora, se constitucionalistas eméritos me vêm dizer que, neste contexto, essa alínea tem o carácter de uma norma obrigatória de cumprimento imediato, sem ser considerada como uma meta a prazo…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E para inscrever no Orçamento!
O Sr. António Reis (PS): - … ou como um objectivo orientador, tal como o interpretei, nesse caso, obviamente, não poderia aceitar que uma tal norma figurasse na Constituição. Mas nunca foi assim que interpretei e não é assim que, a meu ver, são interpretadas muitas outras disposições que se encontram no texto constitucional.
O Sr. José Calçada (PCP): - É evidente! Concordamos em absoluto!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PCP): - Sr. Presidente, primeiro, em resposta ao Sr. Deputado José Calçada, penso que, pela minha exposição, ficou evidente que, independentemente de não me parecer que "demagogia" seja nenhum palavrão, porque, enfim, entendo que faz parte das coisas, não entendo o termo "demagogia"…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, permita que lhe diga que é uma palavra demasiado forte que, habitualmente, não tem sido utilizada aqui, na Comissão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tenho complexos quanto ao termo!
O Sr. Presidente: - Admito que, no Plenário, seja normal, mas peço que, de facto, não utilizemos palavras desnecessariamente fortes aqui na Comissão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD: - Confesso que não tenho complexos quanto ao termo, não sinto qualquer sensibilidade pejorativa na sua utilização e ele era dirigido…
O Sr. José Calçada (PCP): - Então, qual é que sente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, peço-lhe que…
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, desculpe, se não é pejorativo, é o quê?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, peço-lhe que evitemos…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, é uma constatação… Não sei dizer de outro modo!
O Sr. José Calçada (PCP): - Tornou-o mais pejorativo!
O Sr. Presidente: - É, de facto, uma condenação política.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora, dirigi-o também, claramente, e o Sr. Deputado, com certeza, bem entendeu, ao Partido Socialista, pelas responsabilidades de governação que actualmente detém nesta matéria.
Portanto, chamo a atenção exactamente para o seguinte: uma coisa são princípios que podem estar inscritos na Constituição numa perspectiva programática, outra coisa é, na actual revisão, o partido que detém o poder propor a inclusão na Constituição de um princípio destes. É que, obviamente, em termos de seriedade política, penso que fica imediatamente amarrado a dar todas as condições, nomeadamente em termos de canalização de meios orçamentais no Orçamento do Estado que propõe à Assembleia da República, para a sua imediata concretização. Ou, então, utiliza termos como aqueles que o PSD, numa perspectiva reformista, pretendeu alargar à Constituição, no sentido de desenvolver um sistema universal ou qualquer coisa do género. Penso que manifestar, pura e simplesmente, adesão à criação de um sistema universal e gratuito do pré-escolar, sob pena de… Reformulo a ideia, para não utilizar a tal palavra tabu, embora percebam o que pretendo dizer. Entendo que esta proposta fica prejudicada, em termos de seriedade política, se não for imediatamente acompanhada de uma canalização clara de meios do Governo, uma vez que se trata do partido do Governo, para a concretização desse fim. E é aqui que entram as dúvidas que o Deputado Pedro Passos Coelho, eu próprio e penso que, de certa maneira, o Sr. Presidente, na sua intervenção, embora em graus diferentes, suscitámos, no sentido de saber se o Partido Socialista, que, neste momento, tem o governo do País, tem, de facto, a noção exacta do que isto implica para o País, em termos de meios, de custos e de capacidade de execução. A dúvida é essa! Sob pena de cairmos aqui num princípio constitucional que, depois, ficará para as calendas e não terá grande respeitabilidade, em termos de implementação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos por partes.
Em relação à proposta do PCP, para acrescentar a regra de gratuitidade e universalidade no ensino pré-escolar, regista-se a oposição do PSD, a oposição do PS, ou seja, abertura mas…
O Sr. António Reis (PS): - Depende da interpretação semântica que dermos a este dispositivo, isto é, depende de saber se se trata de um objectivo ou de uma norma de cumprimento imediato.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Reis, como constitucionalista, retiro da actual alínea a) o seguinte sentido: qualquer criança em idade escolar tem o direito de se apresentar perante uma escola pública e exigir inscrição. Ora, penso que esse direito não está em condições de ser garantido para o ensino pré-escolar.
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Portanto, o máximo que admitiria, como constitucionalista, era estabelecer um princípio de alargamento e de não limitação do acesso por carência económica.
O Sr. António Reis (PS): - Mas poderíamos, por exemplo, encontrar uma solução de compromisso…
O Sr. Presidente: - Poder-se-ia ir nesse sentido, mas mais do que isso parece-me insensato.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, se me dá licença, nesse caso, poderíamos encontrar uma solução de compromisso, se o PCP estivesse aberto a ela, no sentido de introduzir o advérbio de modo "progressivamente" universal e gratuito.
O Sr. Presidente: - Progressivamente universal é capaz de não ser…
Ficamos neste ponto, ou seja, há abertura do PS para considerar uma formulação que ultrapasse as objecções que enunciei.
O Sr. José Calçada (PCP): - Vamos ponderar, Sr. Presidente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós somos favoráveis a todas as aberturas, agora, exigir que se vá transformar em gratuita uma coisa relativamente à qual, neste tempo, não há condições para transformar em gratuita…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que estamos entendidos e não vale a pena ir mais além.
Regista-se abertura do PS e do próprio PCP, conforme foi manifestado agora pelo Sr. Deputado José Calçada - estou a dizê-lo para a acta, uma vez que o aceno do Sr. Deputado José Calçada não ficou registado, dado que temos uma máquina de gravação de vozes e não de gestos -…
O Sr. José Calçada (PCP): - Não, não! Temos abertura em relação à eventual reconsideração.
O Sr. Presidente: - O PS manifesta abertura para encarar, nessa área, uma norma programática, directiva, e o PCP admite poder contribuir para essa reformulação.
Quanto à proposta do PSD, de substituir, na alínea b), a ideia de criar um sistema público de educação pré-escolar pela de desenvolver o sistema de educação pré-escolar, o PCP opôs-se, o PS também, pelo que não tem acolhimento.
Srs. Deputados, dado o adiantado da hora - são 12 horas e 40 minutos -, vamos encerrar a reunião. Voltaremos a reunir na próxima terça-feira, pelas 10 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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