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Quarta-feira, 2 de Outubro de 1996       II Série - RC - Número 31
VII LEGISLATURA             2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 1 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 20 minutos.
Procedeu-se à discussão das propostas de alteração aos artigos 74.º a 81.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, que também interveio na qualidade de Deputado, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Augusto Boucinha (CDS-PP), Claúdio Monteiro (PS), Luísa Mesquita (PCP), Alberto Martins (PS), Luís Sá (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), Sérgio Sousa Pinto (PS), Guilherme Silva (PSD),), António Reis (PS), Bernardino Soares (PCP), Osvaldo Castro (PS), Calvão da Silva e Miguel Macedo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PSD pediu para, antes de retomarmos a discussão das propostas de revisão constitucional propriamente ditas, tomarmos posição sobre um assunto relativo à vice-presidência que lhe cabe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, no fundo, trata-se de uma questão simples: é apenas para pedir a substituição do Deputado indigitado pelo PSD para a vice-presidência desta Comissão, que é, actualmente, o Sr. Deputado Silva Marques, pelo também Deputado desta Comissão, Sr. Deputado Guilherme Silva. Como se mantêm os dois na Comissão, não há entrada nem saída de qualquer Sr. Deputado do PSD da Comissão, trata-se tão-só da substituição no cargo de vice-presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Silva Marques já tinha tido o cuidado e a vénia de me comunicar que, dada a sua impossibilidade de assegurar a vice-presidência da Comissão, iria pedir a sua substituição.
Suponho que a proposta do PSD de indigitação do Sr. Deputado Guilherme Silva não sofre qualquer contestação. Os Srs. Deputados têm alguma observação a fazer?
Pausa.
Srs. Deputados, a indigitação é aprovada por consenso, passando, portanto, o Sr. Deputado Guilherme Silva a ser o vice-presidente desta Comissão.
Como o mesmo não se encontra presente, dou-lhe, por intermédio do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, os parabéns pela eleição e espero contar com ele para os trabalhos da vice-presidência.
O PP também está em falta relativamente ao seu lugar na mesa da Comissão, mas, dada a situação existente no grupo parlamentar, penso que não seria de bom tom que eu o confrontasse com a indigitação do nome que lhe cabia, que era o Deputado Paulo Portas, o qual, tendo suspendido o mandato, nem sequer pode, como é óbvio, ocupar o lugar na Comissão. Aproveito, no entanto, a oportunidade para relembrar ao PP que tem em aberto o seu lugar na mesa da Comissão como secretário.
Srs. Deputados, vamos, agora, passar à ordem do dia.
Tínhamos ficado no artigo 74.º. Creio que a discussão quanto às propostas respeitantes à alínea b) pode dar-se por encerrada, tendo a proposta do PCP no sentido de alterar a sua redacção para "Criar um sistema público de educação pré-escolar, universal e gratuito" tido a oposição do PSD e as objecções, embora não definitivas, do Partido Socialista.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea e), para a qual existem propostas de eliminação, do PP e dos Deputados Cláudio Monteiro e outros, e propostas de alteração, dos Deputados Pedro Passos Coelho e outros, do PCP e do PSD.
Têm a palavra, se o desejar, o Deputado Cláudio Monteiro, para defender as suas propostas relativas à eliminação da alínea e) do artigo 74.º.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, muito rapidamente, para dizer que penso que ela se entende por si só. Obviamente que o que está em causa é a ideia de que a gratuitidade do ensino só deve existir como uma imposição constitucional no que se refere ao ensino básico e obrigatório, não deve existir no que se refere aos restantes graus do ensino.
Já estão vastamente demonstrados os conflitos que esta norma cria na sociedade portuguesa e os obstáculos que ela pode criar à acção governativa, concorde-se ou não com o sentido das propostas que foram feitas ao longo dos tempos e que acabaram por ser consagradas em lei, designadamente no que se refere ao ensino superior, a propósito da famosa lei das propinas. Julgo que esta é uma oportunidade para, nesta matéria, conferir alguma liberdade, que julgo essencial, para além daquilo que é, obviamente, o ensino obrigatório a que todos estão sujeitos e em relação ao qual não se pode pedir que, por um lado, sejam sujeitos e, por outro, estejam obrigados, por assim dizer, a suportar o custo desse mesmo ensino, dado que não têm uma livre opção ou uma livre escolha entre frequentá-lo ou não.
No que se refere aos demais graus de ensino, designadamente aos níveis superiores do sistema de ensino - não apenas o ensino superior mas também o nível superior do próprio ensino secundário a partir do limite da obrigatoriedade -, julgo que o princípio da gratuitidade é um princípio perverso, sem prejuízo de, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, o Estado dever assegurar condições de acesso iguais a todos, no sentido material do termo, o que, provavelmente, levará a que haja mecanismos de adaptação dos custos do ensino consoante as necessidades económicas e as condições socioeconómicas dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas de que o Deputado Pedro Passo Coelho é o primeiro subscritor e do PSD são convergentes, embora com redacção diferente. No essencial, trata-se de estabelecer a gratuitidade apenas para os mais carenciados, para os mais necessitados de meios económicos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho não está.
O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra. Como a proposta é coincidente…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta do PSD visa, no fundo, acrescentar ao actual texto constitucional um critério de aplicação para este estabelecimento da gratuitidade, porque todas as polémicas recentes, como foi citado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e todas as questões surgidas em torno do problema da gratuitidade ou não do ensino, do ponto de vista do PSD, aconselham a que se acabe, de facto, com este princípio, que, enquanto universal, nos parece um princípio errado, mas pode manter, a nosso ver, a sua actualidade, se for visto numa perspectiva de promoção de igualdade de oportunidades e de justiça social.
Portanto, a proposta do PSD é que este princípio da gratuitidade dos graus de ensino seja condicionado pelas 
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capacidades económicas dos cidadãos. Do nosso ponto de vista, hoje em dia, só faz sentido continuar a falar num sistema de progressividade na gratuitidade dos graus de ensino para os cidadãos que, por carência de meios económicos, se podem ver privados desse mesmo ensino e, nesse sentido, verem prejudicado o direito universal ao ensino e a própria igualdade de oportunidades, que, claramente, lhe vem associado.
Portanto, a proposta do PSD não é tão contundente como aquela que acabámos de ouvir da parte do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, pura e simplesmente, propõe a retirada deste princípio genérico de todos os graus de ensino, mantendo apenas aquilo que resulta da alínea a) e que tem a ver com o ensino básico. Parece-nos que este princípio genérico que acorreria a todos os outros graus de ensino, infelizmente, ainda mantém actualidade e continua-se a justificar algum esforço por parte do Estado no que respeita àqueles grupos de cidadãos que têm carências económicas graves, que lhes prejudicam, de uma forma objectiva, o acesso ao ensino e, dessa maneira, a igualdade de oportunidades.
Por isso, o PSD preferia - e, nesse sentido, esta proposta - manter esse princípio, ainda que ponderado por este critério de apreciação.
O Sr. Presidente: - O PCP vai no sentido contrário. Onde a Constituição diz "Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;", o PCP propõe "Estabelecer a gratuitidade de todos os graus de ensino público". Não sei porquê, porque hoje é óbvio que só se pode aplicar ao ensino público, Srs. Deputados do PCP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, estou ligeiramente atrasada e, portanto, se me permite - não sei se esta questão já foi levantada -, gostaríamos que a alínea f), de algum modo, fosse entendida…
O Sr. Presidente: - Estamos a falar da alínea e), Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sim, sim! Mas, quando agora enunciou o seu discurso, Sr. Presidente, deve ter reparado que leu a nossa alínea f) e não a alínea e).
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a minha referência é o que está na Constituição. O facto de vocês terem alterado a alínea… Portanto, é a alínea e) da Constituição que está em causa.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Então, estando nós a falar exactamente com o mesmo tipo de discurso, entender-nos-emos, com certeza.
Aquilo que propomos, no que tem a ver com a gratuitidade, é estabelecer a gratuitidade de todos os graus de ensino público. É um princípio que é inerente ao próprio artigo 74.º, no seu conjunto e, portanto, na nossa perspectiva, ele é ainda reforçado com aquilo que avançamos em termos de alínea e). Por isso, de facto, não gostaria de desligar a discussão do texto que está inscrito na alínea e), que tem a ver com a acção social escolar, que, como penso que é do conhecimento dos Srs. Deputados, é tão necessária e, simultaneamente, inexistente, por exemplo, no 1.º ciclo do ensino básico.
Quando se fala de gratuitidade, tem, efectivamente, de pensar-se, por exemplo, nas condições do 1.º ciclo do ensino básico, onde a acção escolar é perfeitamente inexistente, onde o apoio em termos de cantinas, de refeitórios, de bares e de material escolar é totalmente inexistente e onde se torna imprescindível esse mesmo auxílio.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é apenas para fazer um comentário, que tem a ver com a divergência existente entre a minha proposta e a proposta do PSD: a este propósito poder-se-ia evitar a mesma discussão que se fez a propósito do apoio judiciário e que se fez, mais tarde, a propósito do sistema de segurança social e também do sistema de saúde, que tem a ver com a circunstância de a estratificação, no texto constitucional, das classes sociais, por referência a um conceito de classes mais desfavorecidas ou de classes mais carenciadas, introduz uma ponderação no que se refere ao custo do ensino, mas introduz também um elemento demasiado rígido e objectivo que, em determinadas circunstâncias, pode, obviamente, ser um elemento que restrinja o acesso ao ensino a outros cidadãos que, não podendo ser qualificados como cidadãos carenciados, não têm, no caso concreto, possibilidades de acesso ao ensino, em função dos respectivos custos.
A expressão que, a propósito do sistema de saúde, se utiliza no texto constitucional vigente, nomeadamente a referência que faz à necessidade de ter em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, a admitir-se a necessidade de uma qualquer mitigação do princípio estabelecido actualmente na Constituição, é o método mais correcto, na medida que atende as capacidades subjectivas dos cidadãos.
Isto é, não fica demonstrado que apenas os cidadãos mais carenciados careçam de apoio, seja ele financeiro, seja ele social, para acesso ao ensino, porque, obviamente, isso variará em função das circunstâncias, em função do grau de ensino que estiver em causa e em função do custo desse mesmo ensino, aferido não objectivamente mas perante a capacidade económica do sujeito.
Portanto, a proposta de eliminação que se faz do texto constitucional não significa necessariamente, porque há outros princípios no texto constitucional que a isso obrigam, que o que se pretende é, pura e simplesmente, que os demais graus de ensino, que não os graus de ensino básico, sejam todos eles onerosos e que, com isso, se impeça o acesso generalizado dos cidadãos ao ensino. Não é necessário dizê-lo, julgo eu, porque há outros princípios e outros dispositivos constitucionais que obrigariam, necessariamente, o Estado, atendendo às condições económicas e sociais dos cidadãos, a assegurar o acesso dos cidadãos ao ensino, independentemente do seu custo, ainda que esse custo possa e deva existir em muitas circunstâncias.
Julgo que a cláusula proposta pelo PSD e pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, mesmo admitindo a necessidade de se introduzir um princípio ou uma cláusula desse género na Constituição, têm a desvantagem de fazer apelo a um conceito estanque de classe social mais desfavorecida ou economicamente mais necessitada, não salvaguardando, apesar de tudo, a possibilidade de todos os cidadãos acederem ao ensino de acordo com as suas 
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condições económicas e sociais, sejam eles cidadãos mais desfavorecidos ou não, dependendo das circunstâncias, o que implica, necessariamente - acrescentando até a ligação que foi feita ao problema da acção social escolar -, que o apoio que é concedido aos cidadãos para que eles possam frequentar o ensino, independentemente da sua condição económica, obviamente, varie na proporção da sua capacidade financeira, independentemente de ela ser nula ou de ela ser apenas reduzida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão.
Lembro que o Professor Jorge Miranda também tem uma proposta para esta norma que diz: "Estabelecer, progressivamente, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, a gratuitidade de todos os graus de ensino;".
Continuam à consideração dos Srs. Deputados as várias propostas - a de eliminação, a de redução, que é comum ao PSD e ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, e a de reforço do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista mantém a ideia de que se deve fixar na Constituição o texto tal como ele está consagrado, no sentido de que o princípio genérico deve ser o da gratuitidade dos diversos graus de ensino, em homenagem ao princípio da igualdade de oportunidades e não no quadro de uma solução residual, que seria a contida na ideia da gratuitidade só para os mais carenciados economicamente.
Pensamos que a barreira mínima da garantia de igualdade de oportunidades num Estado social traduz-se no assegurar a gratuitidade do ensino. A ideia do "progressivo" dá ao texto legal alguma flexibilidade interpretativa, que, a nosso ver, colhe e responde, digamos, a algumas adequações práticas que a própria realidade impõe.
O Sr. Presidente: - Isso significa oposição a todas as propostas de eliminação e de alteração, se bem interpreto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Como a proposta do PSD já foi apresentada e defendida…
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, as propostas, de resto, são em quase tudo idênticas e, portanto, embora não tivesse estado cá nesse preciso momento, tenho a certeza de que subscrevo aquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse em abono da proposta do PSD. Devo, no entanto, acrescentar que me parece que a redacção que o PSD encontrou tem vantagem sobre a que eu subscrevo, pois julgo que a expressão "os mais carenciados de meios económicos" é mais precisa do que "os mais necessitados".
Quanto ao sentido da proposta e pelo que me apercebi já da discussão, quero acrescentar apenas que ele é plenamente reformista, no sentido de que partimos de uma Constituição de base e de que, portanto, não estamos numa tarefa de construir de novo ou do zero um texto constitucional, senão eu estaria muito tentado a subscrever em pleno aquilo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro aqui sustentou há pouco. Mas, dentro de um espírito de reformismo, progressivo até quanto a esta norma, penso que só faria sentido fazer a evolução desta disposição para poder justamente abranger aqueles que estão mais carenciados de meios económicos como um instrumento já mais preciso do princípio da igualdade de oportunidades.
Sobre este ponto de vista e pelo que ouvi agora o Sr. Deputado afirmar, gostaria de questionar o Partido Socialista sobre se pensa que na interpretação desta alínea, além daquilo que referiu, também cabe ou não a interpretação de que aqueles que têm meios económicos mais favorecidos, aparte o ensino básico, venham também a ter a possibilidade de ter um ensino gratuito.
Era isto, no fundo, que eu gostaria que o próprio Partido Socialista esclarecesse, porque uma coisa é ver como é que se aplicam mecanismos que realizem a igualdade de oportunidades - e está fora de discussão que o ensino básico é universal e gratuito - e outra é se o Partido Socialista, fora o ensino básico, não entende que, por esta norma, também se pode perfeitamente compreender que aqueles que têm meios económicos bastante mais favorecidos devam ser abrangidos também pela gratuitidade dos restantes graus de ensino. É que isto, do meu ponto de vista e do ponto de vista do PSD, também não seria muito admissível e a história recente veio provar ser um disparate político.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua à consideração esta matéria.
Estou também inscrito para dizer o seguinte, coisa que já disse várias vezes: tenho para mim que, em matéria de serviços públicos, sobretudo quando eles não são universais, como é o caso do ensino superior, a gratuitidade dos mais abastados significa limitação da gratuitidade daqueles que mais necessitam. Portanto, eu, em princípio, estaria de acordo com a eliminação da alínea ou com uma fórmula semelhante àquela que o PSD propõe.
De qualquer modo, penso que a eliminação seria demasiado e que a interpretação ao contrário seria grave. Eu, pela minha parte, e apenas para efeitos de registo pessoal, direi que preferia que na alínea b) se dissesse algo como: "Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades e independentemente da carência de meios económicos, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística". Trata-se de uma fórmula semelhante àquela que está para o acesso ao direito e à justiça.
Penso que entre retirar, pura e simplesmente, o princípio da gratuitidade e trocá-lo por nada ou utilizar a fórmula do PSD, que, em si mesma, deixa lugar a problemas de formulação, eu pessoalmente preferiria uma fórmula mais ágil e, portanto, mais afirmativa do princípio da igualdade de oportunidades. Mas compreendo a posição do Partido Socialista, porque, apesar de tudo há também aí um património cultural do PS, por isso não serei eu quem vai defender uma posição divergente daquela que foi defendida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): -Sr. Presidente, é só para um brevíssimo comentário.
Se viéssemos a encarar a proposta que agora acabou de formular de fazer aqui o aditamento…
O Sr. Presidente: - É uma sugestão pessoal, não é uma proposta.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - É para efeitos de registo pessoal, for the record, para que fique registada a minha posição.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Mas, independentemente da sua motivação própria, não levará a mal, com certeza, que eu possa também fazer um comentário sobre essa sugestão que ditou. Ela pode suscitar apenas um problema, que é o seguinte: na alínea d) refere-se apenas tudo o que tem que ver, de facto, com o ensino superior, mas exclui-se o que tem a ver quer com o ensino secundário quer com o ensino pré-escolar, e, então, a norma seria lida, com a eliminação da alínea seguinte, partindo-se do princípio de que os outros graus de ensino ficavam, pura e simplesmente, de fora de qualquer linha reformista, e, portanto, estaríamos mais na linha daquilo que defendia directamente o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Não sei se esse não é um dos inconvenientes, por exemplo, em que a nossa proposta não incorre. Era apenas este o comentário.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nestas duas alíneas fala-se no ensino pré-escolar e no ensino básico. Quando na alínea d) se fala nos graus mais elevados do ensino, fala-se em todos aqueles que são superiores ao ensino básico. Portanto, a fórmula que aí está aplica-se a todos os graus de ensino acima do ensino básico.
Mas eu não fiz qualquer proposta concreta, manifestei apenas a minha posição quanto à questão que está aqui em discussão. As propostas que estão em discussão são aquelas que enunciei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, apenas uma nota de oposição.
A ideia da gratuitidade dos graus de ensino e o seu estabelecimento progressivo, em nosso juízo, não implica, contrariamente a alguns intérpretes e a alguns doutrinadores, a impossibilidade da aplicação de propinas, uma vez que a propina pode ser vista como uma prestação não propriamente para pagar o ensino mas para um sistema de acção social, que implica toda a formação escolar e não propriamente apenas o pagamento do estudo em termos estritos.
O Sr. Presidente: - Registada a posição do Partido Socialista, esta matéria continua em discussão.
Pausa.
Não vale a pena discutir mais, as posições estão tomadas. As propostas de alteração da alínea e) estão, neste ponto, inviabilizadas, quer num sentido, quer noutro, por objecções do Partido Socialista.
No final, discutiremos as propostas de aditamento de novas alíneas e, portanto, a proposta de aditamento à alínea e) apresentada pelo PCP será discutida no momento próprio.
Em relação à alínea g), que é "Promover e apoiar o ensino especial para deficientes", existe uma proposta de alteração, do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para fazer a sua apresentação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que é hoje pacífico na generalidade dos meios educativos que o ensino de deficientes não deve ser confinado ao chamado ensino especial, pelo contrário, segundo as pessoas que mais se debruçam e trabalham nestas áreas, em muitas das situações de deficiência há toda a vantagem em que as crianças possam ser integradas em meios normais de ensino e não "segregadas", no mau sentido, necessariamente, para o ensino especial.
Haverá situações em que daí não se poderá sair, lamentavelmente, mas em muitas outras não é assim. E é por essa razão apenas que o PSD propõe a alteração da redacção da norma constitucional, no sentido de manter tudo aquilo que cá está e de alargar também o conceito à lógica de o tratamento especial que é dado aos deficientes em termos de ensino poder passar também pela criação de condições de acesso de crianças com algum tipo de deficiência a turmas normais, a par de outras crianças com quem vão ter de construir e fazer a sua vida na globalidade.
Portanto, o objectivo do PSD é tão-só este e a proposta é substituir a expressão "(…) o ensino especial para deficientes;" por uma expressão mais genérica "(…) o acesso dos deficientes ao ensino;", que passará, necessariamente, quer por situações de ensino especial quer por outro tipo de situações, como hoje em dia existem.
O Sr. Presidente: - A proposta do PSD é substituir a actual redacção "Promover e apoiar o ensino especial para deficientes" por "Promover e apoiar o acesso dos deficientes ao ensino". É a ideia do conceito de ensino especial que está em causa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, é para colocar a seguinte questão: com toda a certeza que aquilo que aqui ouvi indiciou a aceitação plena de que o grau de deficiência dos alunos é diverso e que isso implica, efectivamente, uma ajuda e um apoio. Entenderá, com certeza, que esse apoio e essa ajuda terá de ver com esse mesmo grau de deficiência e concordará connosco de que nem todos os alunos poderão ter o mesmo apoio e a mesma ajuda, que haverá alguns cujo grau de deficiência permitirá a não segregação em turmas especiais mas uma integração total numa turma do ensino básico ou mesmo secundário, mas com certeza que estará de acordo também connosco de que haverá graus de deficiência de tal maneira profundos que, para além de uma suposta integração pontual, casuística e temporária, numa turma dita "normal", implicarão também um apoio muito especial do ensino especial - passe a repetição.
A questão que coloco é se não entende como perfeitamente positivo que o texto constitucional pudesse albergar dois princípios, ou seja, a proposta que agora foi apresentada pelo PSD simultaneamente com o texto anteriormente conhecido que é "Promover a apoiar o ensino especial para deficientes", considerando, portanto, esses dois degraus, essas duas situações assimétricas da deficiência, reforçando, assim, o texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, em termos da substância da proposta que me faz, estou totalmente de acordo. De resto, na explicitação
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inicial, tentei transmitir essa preocupação, que é a que resulta da proposta do PSD. De facto, sabemos que continua a haver - e, infelizmente, continuará sempre a haver - a necessidade da existência do ensino especial, mas há outras realidades para além do ensino especial que, do nosso ponto de vista, também devem continuar a merecer apoio.
Portanto, em termos de conteúdo, estou totalmente de acordo. Agora, Sr.ª Deputada, quanto à proposta em concreto, só vendo exactamente como é que ficaria a redacção, mas, à partida, não tenho…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A proposta poderia ser, por exemplo, "Promover e apoiar o acesso dos deficientes ao ensino…" - é a fórmula do PSD - "… e apoiar o ensino especial para deficientes, quando necessário".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, ponderaremos a sua sugestão. Vou tomar nota dela. Quero só discuti-la com outras pessoas porque não sou um expert dessa área.
No plano dos princípios, face à explicitação que a Sr.ª Deputada deu de qual é o vosso espírito, estamos em sintonia. Trata-se, agora, apenas de uma questão de redacção.
Chamava apenas a atenção para o facto de, a meu ver - e pedia também esse esforço da vossa parte -, o texto, tal como está formulado da parte do PSD, em nada empobrecer o actual texto. A não ser, o que não é minimamente desejável, que se faça aqui uma leitura de suspeição relativamente ao texto constitucional. A mim, parece-me evidente que, no texto do PSD, quando se fala em "promover e apoiar o acesso dos deficientes ao ensino", esse acesso ao ensino terá - usando as palavras da Sr.ª Deputada - as formas que a deficiência obrigar a que tenha.
Deste modo, haverá situações em que, obviamente, esta promoção e este apoio do Estado terá de se efectivar mediante o chamado ensino especial - ou chamado de outro nome qualquer, se, de hoje para amanhã, ele for alterado -, mas outras situações haverá em que esta promoção e este apoio da parte do Estado se poderá expressar apenas no derrube de dificuldades arquitectónicas ou outras, ou num apoio especial dentro das tais turmas normais.
O objectivo do PSD era fixar um conceito que, numa forma lata, abarcasse todas as realidades aqui em presença. Em qualquer circunstância, penso que entendi bem aquilo que o PCP explicitou e, daquilo que entendi, estamos em perfeita sintonia. Portanto, se se trata apenas de uma questão de redacção, isso é algo que poderemos concertar em sede de texto final.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, se me permite, não se trata só de uma questão de redacção; trata-se de o princípio salutar que o PSD defendeu, que é o princípio da não discriminação, eventualmente não servir (e, naturalmente, não nos passa pela cabeça que seja essa a intenção dos Srs. Deputados) para integrar no ensino "normal" os deficientes menos profundos e, eventualmente, eliminar formas de ensino que têm de ser obrigatórias para os deficientes profundos e muito profundos - e é nesse sentido que a nossa fórmula é colocada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, temos simpatia pelo princípio apresentado pelo PSD, entendendo-o como um princípio de discriminação positiva, que decorre, aliás, do princípio da igualdade, o qual consta da Constituição e do qual, em alguma medida, é apenas uma explicitação. Porém, vamos também ao encontro da preocupação do que já está contido no texto constitucional, que é a ideia de relevar um ensino especial e a necessidade de um ensino especial para deficientes. Assim sendo, creio que, com facilidade, encontraremos uma fórmula que vá ao encontro destas duas ideias, que, julgo, são positivas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, já que se vai fazer esta reflexão e tentar encontrar uma redacção que amplifique a intenção dos subscritores, gostaria de acrescentar o seguinte: em bom rigor, o ensino especial já compreende uma acção directa para deficientes com um elevado grau de incapacidade e o apoio a turmas regulares onde estejam integradas crianças com menor grau de deficiência, sendo que, nesse caso, haverá sempre, em princípio - infelizmente, com poucos meios e nem sempre isso acontece, como devia acontecer -, um professor do ensino especial, que fará o acompanhamento de uma ou mais crianças que estejam integradas em qualquer turma ou escola e que tenham um certo nível de incapacidade. Assim, em bom rigor, o ensino especial já compreende as diversas modalidades.
O problema está em que, justamente, apesar de, desde há alguns anos, se ter vindo a reconhecer a vantagem de um conjunto mais vasto de incapacidades que até aqui eram motivo de segregação de uma série de crianças dever deixar de existir, podendo, portanto, essas crianças ser acompanhadas nas turmas regulares, há ainda uma resistência muito grande a fazê-lo. E insistir no conceito tradicional da educação especial é, no fundo, ajudar à não integração dessas crianças em turmas regulares e continuar a permitir o status quo, que é empurrá-las para um ghetto, onde, de facto, as crianças, depois, não têm a mesma facilidade de evoluir, porque estão misturadas com níveis de deficiência muito superiores.
Por isso é que, do nosso ponto de vista - e vou concluir esta curta reflexão -, fazer a alusão aos deficientes sem aludir directamente ao nível de incapacidade, no direito que eles têm de se integrar também, enfim, de ter acesso ao ensino, é muito mais vasto do que estar a fazer, ao mesmo tempo, o enfoque sobre o ensino especial, que é uma das formas de proceder a essa integração e de garantir esse acesso ao ensino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a matéria está clarificada. A proposta do PSD tem acolhimento, com reserva do PCP e do PS de manter a referência ao "ensino especial". De resto, há uma proposta no sentido de dar
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versão escrita a estas duas ideias: por um lado, a de "promover e apoiar o acesso dos deficientes ao ensino", proposta pelo PSD, e, por outro, a de "apoiar o ensino especial para deficientes, quando necessário". A redacção, juntando tão-só as duas ideias, não me parece muito feliz, pelo que teríamos de encontrar alguma forma de dar uma volta a isto.
Pessoalmente, devo dizer que a segunda parte me parece redundante. A proposta do PSD, obviamente, inclui necessariamente a segunda, mas, se insistem nisto, também não sou eu que estou contra.
Fica, portanto, adquirida a alteração, ressalvada a redacção, que me parece dever ser objecto de uma tentativa de melhoria, de modo a evitar a redundância da referência a deficientes.
Vamos passar à alínea h), para qual existe apenas uma proposta, apresentada pelo Partido Socialista, que reza: "Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa, bem como promover condições de apoio especial no domínio educativo".
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, este aditamento, sugerido pelo Partido Socialista, tem a ver com a vontade de explicitar no texto constitucional a necessidade da existência de prestações de ensino com características necessariamente especiais e que têm a ver com a circunstância de os filhos dos emigrantes, em grande parte dos casos, não poderem frequentar o ensino em condições normais no território nacional, e, portanto, de abrir a Constituição a esta previsão, que vem especificar essa especialidade do ensino e essa prestação positiva que tem de ser facultada aos estudantes filhos de emigrantes portugueses.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pretendia tão-só uma especificação. De facto, o Sr. Deputado limitou-se agora a fazer a apresentação de um princípio genérico - com o qual, obviamente, sem qualquer dificuldade, estaremos seguramente todos de acordo -, mas gostaria de ver explicitadas essas condições especiais. É que, se há um apoio especial, parte-se do princípio de que deve ser analisado comparativamente com um outro qualquer, que é normal, e eu não estou a ver muito bem essa dicotomia. Quer dizer, esse apoio especial estabelece-se relativamente a quê? Não estou a conseguir perceber e precisava, confesso, de uma melhor explicitação por parte do Partido Socialista sobre qual é o exacto alcance do apoio especial, no domínio educativo, que se pretende dar aos filhos de emigrantes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, faça favor.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a intenção deste aditamento é, tão-só, a de não ignorar o condicionalismo geográfico de, em grande parte, os filhos dos emigrantes portugueses não estarem em território nacional e, portanto, de as condições de prestação do bem em si terem de ser condicionadas e adequadas a essa particularidade de circunstâncias, o que não significa que, em relação aos filhos de emigrantes no território nacional, o sistema educativo e o sistema de ensino também não possam ter, necessariamente, de ser objecto da introdução de algum tratamento especial, atendendo a algumas circunstâncias que a lei possa contemplar por se entender útil.
A ideia é a de que o condicionalismo geográfico poderá justificar um tratamento diferente e poderá justificar da parte do Estado a assumpção de um tratamento especial para vencer justamente esse condicionalismo. Portanto, caberá à lei encontrar, ou não, e dar, ou não, conteúdo a este princípio genérico, que acaba por ser também uma concretização da igualdade de oportunidades. No fundo, é disso que se trata relativamente aos estudantes que, em condições normais, digamos assim, não têm de conviver com esse condicionalismo geográfico.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de solicitar ao Sr. Deputado que fosse mais explícito relativamente à razão de ser desta sua formulação, no que tem a ver com a alteração do texto existente. É que, concretamente, estou a lembrar-me dos apoios pedagógicos acrescidos, que já são uma realidade em termos de lei; estou a lembrar-me daquilo que a lei já prevê em termos de contingente especial para filhos de emigrantes; estou a pensar nas equiparações especiais que são dadas a filhos de emigrantes oriundos de países lusófonos, ou não. Portanto, estou a lembrar-me de um conjunto muito lato de legislação que torna esta formulação pouco pertinente, a não ser que ela seja suficientemente explícita e tiver, justa e exclusivamente, uma referência sociogeográfica distinta.
No entanto, poderá existir todo um outro conjunto de razões que a justifiquem, ou, então, ela pretende tão-só reforçar aquilo que a lei já prevê, que são os tais apoios pedagógicos que referi, a tal presença do tal contingente especial, a tal legislação que prevê as equiparações, etc.
Concretamente, há uma questão, que não parece estar abrangida neste texto, que tem a ver com a língua portuguesa, e esse será, provavelmente, o handicap mais forte e mais pertinente.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - A língua portuguesa está salvaguardada na actual redacção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que é sempre lícito tentar descobrir hidden agenda nas propostas, mas não me parece ser este o caso. A proposta é clara e a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita encontrou perfeitamente a justificação: a de cobrir as medidas de dimensão positiva que, de resto, já existem na lei. Portanto, não me parece que tenhamos grande vantagem em gastar 10 minutos a descobrir mistérios na proposta do Partido Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, queria só chamar a atenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita de que a alusão à língua portuguesa está garantida pela actual redacção, que não é alterada no essencial - isto é apenas uma proposta de aditamento. O que está em causa é dar consagração e relevância constitucionais a todo
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esse conjunto de apoios que já existem e que, eventualmente, terão de ser aprofundados, mas isso é matéria que a lei, depois, terá de resolver.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD irá ponderar, porque, depois da explicitação dada pelo Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, não ficámos completamente convencidos da mais-valia desta alteração. Desde logo, o Sr. Deputado foi o primeiro, na explicitação que lhe pedi, a utilizar o argumento do espaço geográfico diferenciado, argumento esse que, do meu ponto de vista, não é aparentemente válido para esta alteração, uma vez que me parece perfeitamente pacífico que, no actual texto constitucional, ele está presente, pois não há outra razão para a existência da alínea h) na actual Constituição - "assegurar aos filhos de emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa" - que não seja a de os emigrantes não estarem no território nacional.
É que, evidentemente, se eles estiverem no território nacional, não se justifica qualquer necessidade específica de chamar a atenção para o ensino da língua portuguesa, como já aqui discutimos noutras sedes, pois, como é evidente, em Portugal só se fala português e só se ensina em português, nem para o acesso à cultura portuguesa, pois, se eles estiverem integrados e viverem em Portugal, sendo filhos de emigrantes, o problema não se coloca.
Assim sendo, é evidente, de uma forma perfeitamente clara para o PSD, que o actual texto constitucional tem esta referência específica tendo exactamente em vista a distância geográfica e o distanciamento relativamente ao território nacional por parte destes cidadãos portugueses. Nesse sentido, o principal argumento não nos parece suficientemente convincente, não nos parece que transporte alguma mais-valia nova, porque é isso que já está no texto.
De qualquer maneira, atendendo às intenções claramente positivas e bem intencionadas da proposta, conforme a explicitação feita pelo Sr. Deputado, o PSD irá ponderar e manifesta aqui a sua abertura de princípio, apenas com esta nota de não termos ficado perfeitamente convencidos de que isto traga alguma mais-valia e de que, nesse sentido, seja um ganho para o texto constitucional. Mas ponderaremos.
O Sr. Presidente: - Registada a abertura do PSD, quer o PCP acrescentar mais alguma coisa?
Pausa.
Srs. Deputados, vamos, então, passar às propostas de aditamento de novas alíneas ao n.º 3 do artigo 74.º. Propõem o aditamento de novas alíneas o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho (alínea g) "Garantir a formação técnico-profissional"), o PCP (alínea e) "Desenvolver, em todos os graus de educação e ensino, serviços de acção social escolar, concretizados através da atribuição de apoios gerais à prossecução dos estudos e da aplicação de critérios de discriminação positiva que visem a compensação social e educativa dos alunos economicamente mais carenciados") e Os Verdes (alíneas i) "Apoiar a criação de uma escola multicultural que favoreça a integração dos filhos de imigrantes" e j) "Assegurar a educação sexual dos jovens e a sua sensibilização para a defesa do ambiente, a tolerância e a paz").
Não estando presente a representante de Os Verdes, passamos à apresentação das restantes propostas.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, por lapso desta edição, é omissa uma proposta do Partido Socialista de aditamento de uma alínea i), também ela inovadora, que é a seguinte…
O Sr. Presidente: - Tive notícia de que, tal como aconteceu com o CDS-PP, também algumas propostas do PS se perderam.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Por isso, não as tenho aqui à mão. Então, pode ler, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Na proposta de aditamento, subscrita pelo PS, de uma alínea i), diz-se o seguinte: "Assegurar aos filhos de imigrantes legalmente residentes em Portugal a efectiva igualdade de oportunidades no ensino".
O Sr. Presidente: - Tem alguma coisa a ver com uma das propostas de Os Verdes.
Srs. Deputados, estão em discussão todas estas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, para apresentar a sua proposta de aditamento de uma nova alínea g), que refere: "Garantir a formação técnico-profissional".
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Fá-lo-ei com muita brevidade, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora a formação técnico-profissional seja, no nosso entendimento, uma componente indissociável de todo o sistema de ensino, a verdade é que nem sempre isto foi tão consensual como isso e nem sempre o Estado dirige o esforço necessário para garantir este tipo de ensino. Portanto, achamos que ele merece esta consagração constitucional, porque ele é também um elemento que condiciona a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais e é uma das formas através das quais o ensino proporciona ferramentas indispensáveis para a integração na vida activa e para a realização profissional dos cidadãos.
Esta é a argumentação básica. Embora a formação técnico-profissional já exista, de facto, como uma das componentes do ensino, às vezes, é muito mais pobre do que devia ser. Julgamos que esta consagração constitucional em tudo beneficiará o direito de os cidadãos, sempre que quiserem, necessitarem ou assim o escolherem livremente, terem acesso a instrumentos e ferramentas mais directas e até mais elaboradas de inserção na vida activa, que nem sempre, infelizmente, mesmo ao longo destes anos, se conseguiu proporcionar.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, se assim o desejar, para apresentar a proposta do PS.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta proposta prende-se, por um lado, com a constatação que fazemos, hoje, da dimensão numérica da comunidade imigrante em Portugal, com a sua situação de extrema pobreza, com o relevo e a autonomia que tem vindo a ganhar o problema da sua integração social, com a existência de obstáculos culturais e linguísticos (que não só sociais), que dificultam a sua integração, e, por outro lado, com a importância que a educação adquire como factor por excelência de mobilidade social e, portanto, de integração social.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a sua proposta de aditamento de uma nova alínea e), tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, que, aliás, há pouco, já abordou a questão, mas que pode, para o caso, querer voltar a fazê-lo.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, vou fazê-lo de uma forma talvez mais sintética ainda.
Pensamos nós que, em termos de acção social escolar, a questão há pouco aqui suscitada a propósito de uma outra alínea deste mesmo artigo ficará plenamente assumida.
Chamava ainda a atenção para que a acção social escolar, mais uma vez, é inexistente no 1.º ciclo do ensino básico. É reconhecida por este Governo e foi-o pelos governos anteriores, mas a verdade é que medidas efectivas para a sua concretização não têm sido tomadas e todos os anos se levantam questões gravosas, fundamentalmente em escolas do 1.º ciclo do ensino básico espalhadas por este país.
Assim, consideramos que, em termos de texto constitucional, era fundamental a inserção de um princípio que deixasse bem clara a necessidade e a concretização destes serviços de apoio social escolar, na concretização do princípio mais lato que tem a ver com a igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração todas as propostas em conjunto. Peço aos partidos que se pronunciem sobre as propostas alheias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir um esclarecimento. Com certeza por culpa minha ou por alguma distracção da minha parte, não consegui captar exactamente a proposta do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto faça o favor de reproduzir a sua proposta.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o PS propõe o aditamento de uma nova alínea ao n.º 3 do artigo 74.º, a alínea i), com a seguinte redacção: "Assegurar aos filhos de imigrantes legalmente residentes em Portugal a efectiva igualdade de oportunidades no ensino".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, na economia da sua proposta, é essencial esse inciso "legalmente residentes em Portugal"?
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Como, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na economia da sua proposta, é essencial o inciso "legalmente residentes em Portugal"? Por que não "assegurar aos filhos dos imigrantes a igualdade…"?
Pausa.
Srs. Deputados, estão à consideração as propostas alheias.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS):- Sr. Presidente, talvez, dentro do entendimento de que a educação é um bem de que não devem ser privados nem os residentes ilegalmente em Portugal…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
O Sr. Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, julgo que já podemos pronunciar-nos sobre todas as propostas.
Começo pela proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que tem a ver com a garantia da formação técnico-profissional. Consideramos que, como princípio, ele é fundamental mas não tem sido cumprido por nenhum dos últimos governos. A vertente técnica é quase, diríamos, ausente dos conteúdos e dos curricula dos ensinos básico e secundário, ela tem sido praticamente ignorada.
De qualquer modo - e gostaríamos de chamar a atenção para este aspecto -, o facto de a formação técnica trazer como adjuvante a profissional, cria-nos algum tipo de apreensões. Assim, gostaríamos de saber - e a questão é muito directa, Sr. Deputado - se, de facto, esta presença do profissional não virá a ter uma vertente profissionalizante que se aproxime já de algumas medidas tomadas ultimamente, no que tem a ver com essa mesma presença, concretamente, a partir do início do 2.º ciclo do ensino básico. É que se, efectivamente, for essa a leitura, não poderemos estar de acordo, como é óbvio, pois é demasiado cedo para um convite à vida activa das crianças.
Quanto ao cariz técnico, estamos inteiramente de acordo com ele e consideramos que, de facto, ele é perfeitamente ausente dos conteúdos programáticos de todo o ensino obrigatório.
Relativamente à proposta do Partido Socialista, no apoio aos imigrantes, estamos inteiramente de acordo com ela. Por outro lado, quanto à alteração sugerida pelo Sr. Presidente, ela merece a nossa total concordância e diria que, assim, o texto se aproximaria do texto proposto por Os Verdes, no que tem a ver com "apoiar a criação de uma escola multicultural que favoreça a integração dos filhos de imigrantes". Penso que, de algum modo, haveria uma correspondência entre os textos - e, isto, independentemente de Os Verdes não estarem presentes -, que seria um texto mais lato e mais abrangente e se adequaria quer àquilo que o Partido Socialista referiu quer à proposta de alteração do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer que a sugestão feita pelo Sr. Presidente é acolhida, pelo
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que poderíamos remover a alusão à legalidade da residência dos imigrantes.
Relativamente à proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros, do PSD, de introdução de uma alínea g), onde se diria "garantir a formação técnico-profissional", dá-me a ideia (posso estar enganado, mas os autores esclarecer-me-ão) de que há aqui a preocupação de corrigir uma espécie de injustiça histórica que teria sido cometida ao ensino técnico, sobretudo desde o 25 de Abril, com uma valorização excessiva, eventualmente, do ensino universitário e teórico e um prejuízo do politécnico e da formação técnica em geral.
O que me parece é que essa intenção, independentemente da sua razoabilidade, não tem propriamente cabimento neste artigo. Ou seja, o artigo não fica particularmente equilibrado com este contributo agora sugerido. Parece que, de algum modo, a formação técnico-profissional introduzida na alínea g) tem uma qualquer autonomia em relação às outras alíneas e se exclui do que fica estabelecido para todo o ensino, independentemente da sua vocação e da sua natureza.
Por outro lado, também não se percebe, nesse caso, por que é que não é feita uma alusão à componente humanística que o ensino deve ter, independentemente da sua componente técnica, àquela base mínima humanística que seria importante que a Constituição espelhasse e a que todo o ensino devia ser permeável, componente de formação humanística essa que também faria sentido, de acordo com esta concepção diferente do artigo 74º.
Portanto, parece que, do ponto de vista sistemático, não faz sentido garantir, desta forma, a formação técnico-profissional, sem qualquer alusão, nomeadamente, à formação humanística, ao ensino artístico e a todas as diferentes variantes do ensino que aqui ficavam incompreensivelmente discriminadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, embora não sendo do PSD esta proposta concreta da alínea g), penso, até por uma sintonia clara de posições do PSD relativamente aos proponentes desta alínea, que posso explicitar ou, pelo mesmo, contra-argumentar algumas das coisas que acabaram de ser ditas pelo Sr. Deputado do Partido Socialista.
Quanto ao conteúdo humanístico, com franqueza, isso já consta claramente do n.º 2 do artigo 74.º. Portanto, independentemente de entendermos que já lá está de uma maneira perfeitamente clara, ou não perfeitamente clara mas é para nós evidente que esse tipo de preocupações é perfeitamente horizontal e tem a ver com toda a lógica do ensino e não especificamente com o ensino direccionado para isto, para aquilo ou para aqueloutro.
É evidente que o conteúdo humanístico - o respeito pelas liberdades, pela tolerância, pelo desenvolvimento do espírito de compreensão e de solidariedade - é algo que atravessa horizontalmente o sistema de ensino e que, portanto, está, e muito bem, do nosso ponto de vista, no n.º 2 do artigo 74.º. Se há alguma lacuna, se se quer acrescentar algum termo, humanístico ou outro, é no n.º 2 do artigo 74.º e não, depois, aqui, nas alíneas.
Quanto à proposta em si, parece-nos - e não só a nós, PSD, pois trata-se de um dado objectivo - que houve (não nos últimos 20 anos, graças a Deus, mas nos primeiros 15 anos após a revolução) uma lacuna gravíssima no nosso sistema de ensino, que foi provocada, ao contrário do que o Sr. Deputado diz, não por uma excessiva valorização de outros tipos de ensino mas, pura e simplesmente, pelo abandono e pelo encerramento de vários tipos de ensino virados para as vertentes técnico-profissionais, que existiram até 1974/75 e que, pura e simplesmente, foram banidas do sistema e só foram retomadas em meados da década de 80.
Do nosso ponto de vista, parece-nos evidente que, historicamente, esse facto demonstrou ser uma lacuna grave do nosso sistema de ensino. Como a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita há pouco disse - e nisso concordo com ela -, efectivamente, há que ter aqui algum cuidado na terminologia a utilizar, apenas porque todos conhecemos historicamente a dificuldade em separar claramente aquilo que é a formação profissional daquilo que é o ensino técnico-profissional, e já a abordámos aqui a propósito dos artigos 59.º e 60.º (salvo erro, o Sr. Presidente terá isso melhor em memória), quando discutimos a parte dos direitos dos trabalhadores.
Em qualquer circunstância, com cuidados a ter, ou não, na terminologia a utilizar, o PSD dá claramente o seu apoio à tentativa de aqui, no n.º 3 do artigo 74.º, quer através de uma nova alínea, quer, eventualmente, através da revisão da alínea f), se proceder a uma maior explicitação do que se deve entender por "interligação do ensino e das actividades económicas, sociais e culturais".
O que é indesmentível, historicamente, é que se operou, a seguir ao 25 de Abril, o abandono de uma vertente fundamental - que, felizmente, nos últimos anos, foi retomada a nível do ensino - e, do nosso ponto de vista, a essa vertente faz falta uma explicitação clara de que é incumbência do Estado prover também a esse tipo de ensino. Trata-se de algo que, do ponto de vista do PSD, será um ganho para o texto constitucional, na formulação que for entendida por todos como a mais adequada e por forma a tentar encontrar um qualquer meio - estamos de acordo com isso - de fugir às dificuldades relativamente às quais a Sr.ª Deputada, ao de leve, levantou o véu, para chamar a nossa atenção.
Há, de facto, dificuldades, que eu reconheço, como reconhecemos todos, mas, enfim, penso que haverá, com certeza, condições para se encontrar a formulação adequada.
Quanto à outra proposta, a proposta dos serviços de acção social escolar, quero, desde já, formular a seguinte questão: do nosso ponto de vista, aceitar-se ou não o acrescento de uma alínea deste tipo na Constituição deve estar interligado - ou nós gostaríamos de ver previamente esclarecida essa matéria - com o problema da aceitação ou não da introdução do princípio, quanto à questão da progressiva gratuitidade dos graus de ensino, da sua diferenciação de acordo com os meios económicos das pessoas, nomeadamente dos cidadãos estudantes. É que também nos parece evidente que uma matéria como a da acção social escolar estará ou não tão mais ou tão menos na ordem do dia consoante haja ou não, de acordo com a política seguida pelo Estado para o ensino, uma preocupação dirigida do Estado no sentido de favorecer ou melhorar a igualdade de oportunidades, através de apoios direccionados preferencialmente para os mais carenciados.
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A questão da acção social escolar é mais do que isso, e eu compreendo-o, só que coloco outra questão como prévia: resolvamos primeiro se vamos ou não incluir na Constituição a outra parte, que nos parece, apesar de tudo, mais fundamental, e, a partir daí, o PSD equacionará a questão, embora manifeste, desde já, a sua total receptividade e abertura para a consagração de um princípio destes, que, repito, do nosso ponto de vista, deve estar sempre intimamente interligado com aquilo que for o texto constitucional no que se refere à preocupação do Estado, no plano da promoção da igualdade de oportunidades, dirigir os seus apoios, nomeadamente em termos de custo de ensino, mais para os cidadãos mais carenciados.
São duas coisas que temos dificuldade em ver dissociadas uma da outra. Se for negado o estabelecimento deste princípio no outro plano, não vemos muito bem, parece-nos até, de alguma forma, um contra-senso, estar aqui a consagrar isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não se pronunciou quanto à proposta do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à proposta do PS, Sr. Presidente, agradeço-lhe a lembrança, porque já estava a esquecer-me.
A minha primeira intervenção em relação a esta proposta não foi propriamente para pedir uma explicação, foi mais porque, de facto, não a tinha conseguido apreender. Agora, já a escrevi aqui, com a alteração que o Sr. Presidente formulou e que o Partido Socialista aceita, pelo que vou, então, dirigir um pedido de esclarecimentos ao PS.
Fico na dúvida se esta efectiva igualdade de oportunidades para os emigrantes - penso que é essa a terminologia utilizada - é no sentido positivo ou negativo, porque, sinceramente, não consigo entender de forma exacta a formulação "assegurar aos filhos dos emigrantes efectiva igualdade de oportunidades em todos os graus de ensino", uma vez que, conforme já ficou explicitado, estão em causa os filhos dos emigrantes que vivem em Portugal. Não percebo, pelo que peço uma explicitação do Partido Socialista sobre o que é que está aqui em causa…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - São imigrantes com i, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um problema de quotas? De quotas a mais? De quotas a menos?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - São imigrantes, não são emigrantes, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah! São imigrantes! Peço desculpa, Srs. Deputados.
Risos.
Não estava a perceber nada! É o mal de não ter o texto escrito, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, eu sublinhei a palavra quando li. Disse "imigrantes"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, já tinha confessado que não tinha conseguido apanhar o sentido.
O Sr. Presidente: - De resto, estas propostas do Partido Socialista foram despachadas para cópia aos representantes dos partidos há cerca de duas semanas,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah! Então, já podia ter dito, porque tenho-as aqui.
O Sr. Presidente: - … quando se descobriu que elas não tinham sido publicadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Essas foram as do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - As do CDS-PP, primeiro, e as do PS, depois.
Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se o Sr. Deputado Marques Guedes já concluiu…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já, já, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atrevo-me a pedir-lhes economia de meios verbais, dado que vamos com uma hora e tal de discussão deste artigo e precisamos de andar para a frente.
Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero ainda fazer uma observação em relação à intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista quanto à alínea g) desta proposta dos Deputados da JSD.
Em complemento à argumentação do Sr. Deputado Marques Guedes, que focou, e bem, os elementos históricos no sentido de se dar dignidade constitucional a este sector específico do ensino - sempre discutível se se deve ou não introduzir uma alínea que lhe dê dignidade constitucional expressa -, penso que as razões históricas por ele invocadas são, já de si, suficientes para justificar esta inserção, mas penso também que esta alínea tem hoje uma particular relevância, em face dos problemas que se colocam no mercado de trabalho, designadamente do desemprego.
Não é dissociável a realidade da formação técnico-profissional das pessoas e a maior ou menor facilidade com que obtêm colocação e, portanto, o ajustamento do mercado de trabalho a uma redução dos indiferenciados e dos menos qualificados, pelo que também essa circunstância reforça a ideia desta proposta, no sentido de se justificar, no artigo 74.º, uma alínea específica para a formação técnico-profissional. Penso que, acrescida dos argumentos históricos recentes a que o Deputado Luís Marques Guedes aludiu, esta é também uma razão ponderosa para que haja uma menção expressa deste sector do ensino.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, continuando nesta questão da alínea que pretende garantir a formação
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técnico-profissional, penso que algumas precisões devem ser feitas em relação àquilo que foi dito pelo PSD.
Em primeiro lugar, não creio que o que se passou a seguir ao 25 de Abril, e que consistiu na unificação dos ensinos básico e secundário, acabando com a discriminação entre escolas técnicas e liceus, tenha sido, em si, uma perda ou um prejuízo, pelo contrário, a unificação do ensino secundário e de certos graus do ensino básico foi um ganho, em termos de democratização do ensino. Isto não deve ser esquecido e deve ser aqui tido em conta. Que não tenha havido, logo a seguir, meios para garantir que níveis adequados de ensino técnico-profissional tivessem sido preservados, no âmbito desse ensino unificado, é outra questão!
Por outro lado, penso que é verdade que, nos últimos 10 anos, houve, de facto, uma recuperação no âmbito deste direito e da efectivação desta garantia. Nesse aspecto, parece-me que a norma vem, de certo modo, atrasada, porque procura garantir alguma coisa que, hoje em dia, o sistema escolar, melhor ou pior, já vai garantindo.
Onde existe, efectivamente, um défice do sistema escolar, em matéria de formação, é na área artística. Aí é que o Estado está muito longe de garantir aquele que deve ser o seu objectivo nessa área, ou seja, uma adequada formação artística.
Faria, pois, muito mais sentido acrescentar uma norma em que se garantisse a formação artística, que é o grande défice actual da actuação do Estado, a nível do sistema de ensino, do que uma norma que se limita a garantir a formação técnico-profissional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua a discussão desta questão?
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, apenas para lembrar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, como é do conhecimento geral, o ensino técnico existente no período anterior a 1974 era um dos mais importantes factores de perpetuação e de reprodução de uma ordem social e económica que me dispenso de qualificar.
A reconstrução do ensino técnico em ambiente democrático e em ambiente de esforço de democratização da educação, de modo a que o ensino técnico pudesse ser entendido sem preconceitos, foi, obviamente, um processo moroso e, como muito bem disse o Deputado António Reis, teve uma importância muito expressiva nos últimos anos. Portanto, a situação que hoje se vive retira, de algum modo, importância, significado ou utilidade a esta alusão. Mas, enfim, trata-se de uma alusão que, de facto, não tendo especiais virtualidades, também não tem gravidade, pelo que, se houvesse disponibilidade da parte das demais bancadas para acolher a alusão ao ensino artístico ou se fosse também reconhecido interesse nessa alusão, talvez se pudesse encontrar uma formulação consensual.
O Sr. Presidente: - O PS quer pronunciar-se sobre a proposta do PCP?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Se me permite, Sr. Presidente…
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, penso que o sentido da proposta é positivo, embora me interrogue se ela não estará já contida no n.º 1 do artigo 74.º, quando estabelece que "Todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar". Este "acesso e êxito escolar" tem uma abrangência que pode já englobar todas as especificações que estão contidas na alínea e) do PCP.
De qualquer forma, há disponibilidade para a aceitação do sentido desta norma, embora tenhamos dúvidas sobre a sua necessidade, enquanto precisão específica, pelo que deixamos esta questão em aberto para um posterior esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto ao comentário do Partido Socialista à proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, relativa ao ensino técnico-profissional, com toda a franqueza, não posso estar minimamente de acordo, por várias razões e, desde logo, penso que se trata, claramente, de uma visão profundamente sectária da realidade. Se havia questões ideológicas no ensino, e havia-as, com certeza, antes do 25 de Abril, era a todos os níveis. Não havia nenhuma bête noire no ensino que fosse o ensino técnico-profissional ou o ensino comercial, como se chamava na altura, pelo que isso é profundamente falso, além de que problemas ideológicos desse tipo existiam não só no ensino como em praticamente todos os sectores. E posso dar-lhe um exemplo: levado esse argumento à exaustão, não se percebe por que é que a seguir ao 25 de Abril não se acabou com a comunicação social, que era, claramente, antes do 25 de Abril, o veículo privilegiado de uma opressão e de uma repressão ideológicas sobre as pessoas e sobre a comunidade. Portanto, a levar à exaustão esse argumento, ter-se-ia acabado com a comunicação social em 1975 e, depois, num regime democrático estabilizado, ter-se-ia retomado o são princípio da liberdade de expressão.
Não faz, portanto, sentido, do nosso ponto de vista, a argumentação que o Partido Socialista utiliza para justificar aquilo que é injustificável.
De facto, foi uma perda significativa para o nosso país e para várias gerações o facto de o sistema de ensino ter sido amputado desta vertente, que é reconhecidamente tida como uma vertente essencial, numa lógica equilibrada de saída profissional e de liberdade de opções para todos os cidadãos, em matéria de educação e de ensino.
Quanto à conclusão que o Partido Socialista, depois, tira no sentido de que isto está atrasado na História, sucede precisamente o contrário: a História demonstra que isto se fez com total impunidade - impunidade no bom sentido, porque não é nenhum crime, foi uma opção governativa da altura, enfim, em face das dificuldades do País e porque houve, seguramente, uma série de factores que contribuíram para esse dado -, foi uma opção tomada sem que houvesse algum problema por aí além. Ora, é precisamente para evitar que, de hoje para amanhã, se volte a cair num erro como este que o PSD dá o seu apoio à constitucionalização deste princípio, de modo a que fique, claramente, vertido na Constituição que se trata de uma incumbência do Estado e, portanto, o Estado não pode vir, 
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amanhã, por mais válidas que possam vir a ser as razões conjunturais em cada momento, a abandonar novamente esta lógica, como já aconteceu no passado, com imensos prejuízos para o País.
Portanto, mantém, de facto, toda a actualidade…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Isso é um zelo anacrónico…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é um zelo anacrónico, pelo contrário.
Já agora, por que é que mantemos aqui a expressão "Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito"? Ele já existe! Tiramos isto da Constituição?! Não vale a pena continuar a inseri-lo?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para sermos práticos, suponho ter sentido, na intervenção do Deputado Sérgio Sousa Pinto, uma proposta de transacção, ou seja, o PS estaria disponível para aceitar uma menção à formação técnico-profissional em troca de uma menção à formação e educação artística.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu não entendi como uma transacção mas, sim, como uma proposta. Foi uma proposta do Sr. Deputado António Reis, que nos parece perfeitamente pertinente e que tem a ver até com aquilo que discutimos na reunião anterior, que foi o seguinte: toda a filosofia deste capítulo deveria ser repensada - com vantagem, pensamos -, no sentido de colocar em plano de igualdade uma série de coisas que são, de facto, iguais.
O ensino deve ser estendido a todas as vertentes e, obviamente, à criação cultural, que está no actual artigo 73.º e desaparece, depois, de algum modo, do artigo 74.º, que é aquele que diz respeito exclusivamente ao ensino.
Portanto, do nosso ponto de vista, faz todo o sentido a proposta do Sr. Deputado António Reis, porque, no fundo, ela decorre da mesma lógica que levou o PSD a propor uma reformulação destes artigos. Estamos totalmente de acordo que a vertente do ensino artístico falta no actual artigo 74.º, só que, neste caso, historicamente, a culpa já não é de opções complicadas em termos políticos, é mais um problema de rearranjo. Estamos, pois, perfeitamente abertos a isso, porque entendemos que nesta, como noutras matérias, o rearranjo do articulado faz sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, interpretei-o bem? Aquilo era uma proposta de transacção?
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente - Sr. Deputado Marques Guedes, a sua intervenção é uma abertura para a transacção?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Abertura total para, no ensino, contemplar todas as realidades que resultam do artigo 73.º, como é evidente, Sr. Presidente.
Quero apenas acrescentar uma coisa relativamente à proposta de alínea i), do Partido Socialista.
Sr. Presidente, a nossa dúvida, com toda a franqueza, não é quanto ao conteúdo da proposta mas quanto à sua lógica e à sua oportunidade. E isto pelo seguinte: em nenhum outro artigo da Constituição, nomeadamente nestes capítulos dos direitos dos cidadãos, aparece uma explicitação deste tipo, quando devia, obviamente, porque o problema coloca-se relativamente ao ensino dos filhos dos imigrantes como se coloca em relação à saúde dos mesmos, como se coloca em relação a um conjunto de outros direitos que resultam desta parte da Constituição. E o facto é que não encontrámos nenhuma proposta similar da parte do Partido Socialista em relação a estas matérias.
O PSD nunca fez nenhuma proposta sobre esta matéria, porque sempre entendeu…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, já agora, permita-me uma pergunta, a título de intervenção pessoal.
Não lhe parece que, em matéria de socialização e integração dos imigrantes, a questão do ensino é a questão básica e fulcral? Não lhe parece que é por aí que se deve começar, se queremos ter uma sociedade integrada, sendo hoje uma sociedade com muitos imigrantes? Não lhe parece que a questão do ensino dos filhos dos imigrantes é fulcral para a própria paz social e a integração cultural em Portugal?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, Sr. Presidente, como estava a dizer, quanto ao conteúdo, estamos todos de acordo. Agora, eu nunca entendi, do actual texto constitucional, que não houvesse, no que se refere aos cidadãos residentes em Portugal, igualdade de oportunidades no ensino, como na saúde, como em muitas outras áreas, como até no acesso ao trabalho, se a sua situação está legalizada.
O Sr. Presidente: - Está bem, mas não podemos desconhecer a realidade, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Mas eu não desconheço a realidade, Sr. Presidente! Agora, a única dúvida que o PSD tem sobre esta matéria não é quanto ao resultado final é quanto à oportunidade da inserção de uma norma deste tipo na Constituição, porque não encontramos paralelo. Quer dizer, em toda esta matéria dos direitos, fala-se sempre, genericamente, nos cidadãos e nunca se discrimina, positiva ou negativamente, se são cidadãos nacionais ou se não são cidadãos nacionais. É evidente que há aqui um princípio genérico de que tudo isto se dirige aos cidadãos nacionais, mas, depois, há uma interpretação extensiva nas matérias que têm a ver, obviamente, com direitos fundamentais, com direitos do Homem.
Portanto, não estou em desacordo, Sr. Presidente, mas, com toda a franqueza… E o Sr. Presidente até tem muito mais bagagem e capacidades técnicas para ponderar bem da lógica da inserção de uma norma deste tipo na Constituição!
A única dúvida que tenho não é quanto ao resultado, não é quanto ao animus que motiva os proponentes, a minha dúvida é apenas esta: faz sentido, na Constituição, abrirmos aqui, neste capítulo dos direitos, um direito particular, que é o direito ao ensino, numa alínea específica para cidadãos não nacionais? Isto integra-se bem na lógica 
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global? É só esta a minha dúvida, Sr. Presidente, não é quanto ao resultado.
O Sr. Presidente: - Se a pergunta me é feita, digo que se integra bem e que se torna necessária, em face da realidade que é hoje a nossa sociedade, sobretudo nas grandes metrópoles.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É só para fazer uma micropergunta. O problema é o seguinte: se é ignorada a questão…
O Sr. Presidente: - Penso que é preferível uma intervenção a uma pergunta. De outro modo, nunca sairemos daqui…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, Sr. Presidente, porque é mesmo uma pergunta.
Creio que não é ignorado pelo PSD o facto de, particularmente na Área Metropolitana de Lisboa, nos últimos anos, ter crescido exponencialmente o número de imigrantes e até a potencialidade de conflitos sociais. Aliás, houve aqui, na Assembleia da República, há pouco tempo, uma audição sobre a questão da Quinta do Mocho.
Por outro lado, também me parece que não é igualmente ignorado o facto de, numa revisão constitucional, se ter chegado ao ponto, e bem, de conceder o direito de voto, por exemplo, nas eleições autárquicas, aos filhos de imigrantes dos PALOP.
Portanto, tem havido, nesta matéria, e bem, um esforço de integração, e o problema do direito ao ensino - até, se calhar, mais do que o direito de voto - é essencial para garantir e combater discriminações, para garantir a integração, etc.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu constatei que foi referida uma evidência e não propriamente formulada uma pergunta.
Isso é evidente para todos, como também é evidente, Sr. Deputado Luís Sá, e o Sr. Deputado sabe-o, que, em todas essas matérias, obviamente, se introduz sempre uma lógica de reciprocidade. Sempre que se está a tratar de problemas de cidadãos de outros países, introduz-se uma lógica de reciprocidade, e isto em todos os textos, quer nos textos da própria Constituição - como já aqui vimos a propósito de outras matérias, mais para trás, quando discutimos artigos sobre essas questões -, quer em termos da legislação ordinária que o Sr. Deputado agora citou.
É exactamente por isso que me questiono, apenas em termos práticos, sobre a lógica de inserir aqui uma norma deste tipo, de que não encontro paralelo a não ser nos tais princípios da reciprocidade que existem relativamente a todos os cidadãos, porque é evidente que também os cidadãos portugueses devem merecer este tipo de tratamento quando imigrantes nos respectivos países.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não se pode pôr aqui uma norma de reciprocidade, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza!
Mas a dificuldade resulta, exactamente, de esta norma aparecer aqui um bocado a "martelo". Não é por mais nada!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero chamar a atenção do Sr. Deputado Marques Guedes de que, ao contrário do que ele afirmou, não se presume que as normas que estabelecem direitos fundamentais se dirigem aos cidadãos portugueses, pelo contrário, conjugadas todas estas normas com o artigo 15.º, n.º 1, da Constituição, presume-se que se dirigem a todos os cidadãos, incluindo os estrangeiros que permaneçam ou residam em Portugal, com as excepções previstas no n.º 2.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi isso que eu disse! Eu disse foi o contrário, disse que isso já resultava genericamente de todos os artigos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não resulta! E tanto assim é que a regra da reciprocidade só é exigida para afastar excepções, designadamente as excepções estabelecidas no n.º 2. Isto é, a Constituição estabelece o princípio geral de que todos os cidadãos, incluindo os estrangeiros, gozam dos direitos previstos na Constituição para os cidadãos nacionais, mas estabelece excepções no n.º 2 e estabelece excepções às excepções, permitindo que, mediante condições de reciprocidade, alguns dos direitos excepcionados no n.º 2 possam ser também concedidos aos imigrantes.
Portanto, o primeiro ponto assente é o de que é evidente que os imigrantes gozam deste direito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Claro!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Agora, a questão não é essa, a questão é a de saber se há ou não necessidade de estabelecer regras de discriminação positiva, que imponham ao Estado uma obrigação mais intensa do que aquela que existe em relação à generalidade dos cidadãos. Isto, aliás, à semelhança do que se fez com os cidadãos emigrantes, embora sendo estes cidadãos nacionais e estando eles em circunstâncias diferenciadas.
Portanto, o que visa este inciso, obviamente, é impor ao Estado uma especial obrigação de ponderar a situação dos cidadãos imigrantes, obrigando-o, designadamente, a introduzir medidas discriminatórias positivas para que aquilo que é uma igualdade formal e que está estabelecida no texto constitucional para todos, incluindo os estrangeiros, sendo, à partida, uma igualdade, possa constituir uma igualdade real. Daí se falar em "efectiva igualdade de oportunidades", para salientar que não se pretende formalmente garantir o mesmo direito que já está garantido no texto constitucional, o que se pretende é, pela via positiva, obrigar o Estado a criar condições para que essa igualdade seja real.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que as questões estão esclarecidas. No entanto, está ainda inscrita a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, pelo que não quero privá-la da palavra.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada, mas peço-lhe que seja breve.
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A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente, mas, como foram colocadas algumas questões relativamente à nossa proposta sobre a acção social escolar, gostaríamos de usar da palavra para as explicitar, se por acaso ficaram pouco explícitas na nossa intervenção inicial.
Relativamente à intervenção do Partido Socialista, efectivamente, é explícito no n.º 1 do artigo 74.º o direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, mas a verdade é que reforçar e explicitar este princípio, para nós, é fundamental. Até porque sabemos que a prática tem demonstrado que não tem sido clara a presença da acção social escolar em todos os graus de ensino, concretamente, como há pouco acabei de referir, no 1.º ciclo do ensino básico. Portanto, penso que o seu reforço e explicitação são necessários.
Relativamente à dúvida colocada pelo PSD, eu diria, Sr. Deputado, que a questão que suscitou é, de algum modo, simultaneamente, elemento de resposta à sua própria dúvida. É que é, efectivamente, o carácter progressivo da gratuitidade de todos os graus de ensino que implica a necessidade da existência da acção social escolar. Se isto não fosse uma realidade, provavelmente, já estaria resolvido todo o problema da não necessidade da existência da acção social escolar. Portanto, enquanto isto for uma realidade, é necessária a ajuda aos mais carenciados e a existência da acção social escolar.
Ainda em relação à presença da vertente técnico-profissional na proposta do PSD, as nossas dúvidas são, de facto, aquelas que já há pouco referimos. Pensamos que a vertente técnica poderá, com certeza, ser encontrada pelo Sr. Deputado no artigo que estamos a discutir, concretamente na alínea f), e no próprio artigo 76.º, com a epígrafe "Universidade e acesso ao ensino superior". Portanto, não vemos necessidade de explicitar esta vertente técnico-profissional, para além dos receios que, para nós, não são tão velados como o Sr. Deputado há pouco referiu, são mais claros, no que tem a ver com o surgimento da hipotética via profissional e profissionalizante demasiado cedo para o ensino, concretamente o ensino básico, o ensino obrigatório.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está apurada a discussão.
Em relação à proposta do PSD sobre formação técnico-profissional, a discussão produziu uma reformulação no sentido de a sua aceitação ser acompanhada também de uma menção à promoção do ensino artístico. Assim sendo, a formulação concreta da norma será, depois, encontrada e eu próprio poderei, eventualmente, vir a propor uma fórmula abrangente.
Importa dizer que esta proposta tem o acolhimento do PS e do PSD e mantêm-se as objecções do PCP, pelo menos em relação à primeira parte.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Quanto ao ensino artístico, estamos de acordo.
O Sr. Presidente: - Está registado, Sr. Deputado Luís Sá.
Quanto à proposta do Partido Socialista, no sentido de garantir aos filhos dos imigrantes a efectiva igualdade de oportunidades no acesso ao ensino, regista-se o acolhimento do PCP e as objecções do PSD.
Faço um apelo para que o PSD reconsidere, pois penso que não lhe ficava mal alguma prova de sensibilidade perante uma realidade evidente e que a igualdade de direitos deve, neste caso, ser assistida por positive action, por uma acção positiva que garanta uma efectiva igualdade quanto ao substancial contingente de imigrantes residentes, neste momento, em Portugal, sobretudo na área da Grande Lisboa.
Quanto à proposta do PCP, regista-se a abertura tanto do PS como do PSD. Pela minha parte, limito-me a registar que, no caso de vir a ser consagrada, a norma deverá ser "encolhida". A formulação constitucional tem regras de economia e penso que tudo o que excede a primeira parte - "Desenvolver, em todos os graus de educação e ensino, serviços de acção social escolar (…)" - é redundante, redondo e, a meu ver, constitucionalmente excrescente.
Fica registada, no entanto, a abertura para acrescento da alínea.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, depois deste esforço de síntese que V. Ex.ª acabou de enunciar, quero apenas chamar a atenção - para que fique claro e o silêncio do PSD não seja interpretado de uma forma incorrecta - para a posição do PSD quanto a esta alínea i) proposta pelo Partido Socialista.
De facto, as nossas dúvidas vão para além daquilo que entrevi da súmula que o Sr. Presidente agora deixou, desde logo, pelo seguinte: continuamos não convencidos, embora, obviamente, eu confesse que temos de reflectir mais profundamente sobre o assunto, até porque, de facto, não nos tínhamos apercebido desta proposta até ao momento, como ficou claro desta discussão.
Esta alínea só faz sentido se o que resultar daqui for, com toda a clareza, uma proposta da parte do Partido Socialista para incumbir o Estado - é disso que se trata, de uma incumbência prioritária, que são aquelas que estão explicitadas na Constituição, porque as outras são decorrências normais da actividade do Estado -, prioritariamente, de criar mecanismos de discriminação positiva. Só assim é que faz sentido, é que tem sentido útil, aprovar-se uma proposta deste tipo.
E a dúvida que tenho, com toda a franqueza - e gostava que o Partido Socialista também equacionasse nesta perspectiva a sua proposta -, é se será útil avançar-se já para um princípio de discriminação positiva dirigida pelo Estado a filhos de imigrantes, quando se sabe que o sistema de ensino está, infelizmente ainda, apesar de uma evolução muito grande nos últimos anos, longe de conseguir satisfazer e expressar uma efectiva igualdade de oportunidades para todos os jovens portugueses, para todos os cidadãos portugueses, e quando, no elenco destas alíneas das incumbências ou dos objectivos prioritários do Estado, na sua acção no âmbito do ensino, não existe qualquer norma específica nesse sentido, pelo contrário, todas as tentativas que aqui houve, relativamente a algumas das alíneas, de tentar ponderar as prioridades do Estado pelo carácter mais carenciado ou menos carenciado de meios económicos por parte de determinado grupo de cidadãos, 
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aparentemente, ainda não chegaram a qualquer assentimento genérico sobre um direccionamento claro das prioridades do Estado para apoio na política de ensino aos cidadãos mais carenciados, independentemente de toda a validade que reconhecemos, nomeadamente pela explicitação clara que o Sr. Presidente fez do que pode estar por trás de uma proposta destas
Portanto, não é minimamente a boa fé e as excelentes intenções dos proponentes que estão aqui em causa mas, sim, o equilíbrio que resultará do texto constitucional com este inciso, com toda a franqueza. Trata-se de tentar incluir aqui uma discriminação positiva, quando a verdade é que continuamos a achar que muito ainda tem de ser feito, nomeadamente para a salvaguarda da efectiva igualdade de oportunidades aos cidadãos portugueses mais carenciados.
Por isso, antes de avançarmos, com toda a boa fé e com todas as boas intenções, para uma discriminação positiva deste tipo, gostávamos de reflectir, porque, sinceramente, a última coisa que penso que todos nós queremos, em termos da representação que aqui temos do povo português à volta desta mesa, é que se criem na Constituição normas que, não provendo às necessidades reais dos cidadãos portugueses em determinadas matérias, comecem, desde já e com alguma utopia, a criar novas obrigações para o Estado, novas prioridades de acção para o Estado português, quando ainda não estão resolvidos alguns outros aspectos que são fundamentais. A nossa preocupação é mais essa, e era só isso que eu não queria que ficasse mal entendido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está esclarecida a posição do PSD. Há objecções do PSD, sem, no entanto, fechar definitivamente a porta a uma consideração.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, por favor, não vamos reiniciar a discussão, porque as posições estão tomadas!
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não nos parece que as suas objecções relativamente à inserção desta alínea neste artigo tenham fundamento, uma vez que, do ponto de vista sistemático e do ponto de vista do equilíbrio do artigo, as alíneas g) e h) também consagram discriminações.
Por outro lado, parece entender-se das palavras do Sr. Deputado, que a consagração da igualdade de oportunidades no n.º 1 deste artigo dispensava esta alínea, porque o Sr. Deputado parece negar a especificidade da situação que estamos aqui a debater. Simplesmente sucede que não só a dimensão numérica do problema lhe dá uma certa autonomia, que tem a ver com o número de imigrantes existente em Portugal, mas também a própria circunstância de aqui a exclusão não ser uma exclusão puramente económica, mas também uma exclusão cultural…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já encerrei a discussão. Peço-lhe que não insista. Só lhe dei a palavra para marcar posição, porque foi também para isso que a dei ao PSD. A posição do PS está esclarecida, portanto, peço que abrevie.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença que dê um exemplo concreto, porque acho que talvez seja útil à discussão?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, já encerrei a discussão, por favor não insista! Se quiser continuar a utilizar a palavra, não o posso proibir, mas tenho de pedir-lhe que não o faça, por uma questão de disciplina da discussão.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão ao artigo 75.º do texto constitucional, para o qual existem propostas para o n.º 1…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero só confirmar com V. Ex.ª que resulta da discussão dos artigos anteriores um consenso de eliminação do n.º 4 do artigo 74.º.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já tinha ficado assente que este n.º 4 era transferido lá para trás. Dei isso por adquirido. Quando discutimos o artigo referente aos "direitos dos trabalhadores", ficou adquirido que o conteúdo do n.º 4 do artigo 74º, ou seja, "É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar", seria transferido para a sede dos "direitos dos trabalhadores". Portanto, não me referi agora a isso, porque já o tinha dado como assente.
De qualquer forma, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, obrigado por me lembrar.
Quanto ao artigo 75.º do texto constitucional, e no que se refere ao n.º 1, existem propostas do PP, dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros e do PSD.
Onde a Constituição diz "O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população", o PP propõe que "Ao Estado cabe organizar e garantir a existência de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades do País"; os Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros propõem que "O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino exigida pela prossecução dos objectivos previstos no n.º 3 do artigo anterior"; e o PSD propõe que "O Estado promove o desenvolvimento de uma rede de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades da população", retirando, portanto, o qualificativo "públicos".
As propostas estão apresentadas, mas, para o caso de os proponentes quererem ainda justificá-las, têm a palavra.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer, com brevidade, que não me parece que a redacção que foi encontrada para esta proposta que subscrevo seja exactamente a melhor, mas, em qualquer caso, fica o fundamento de que me parece excessivo, como em outros artigo da Constituição, que o Estado aponte, em termos constitucionais, objectivos que são dificilmente termináveis e, portanto, o meu exercício foi não apenas de simplificação mas também de razoabilidade nos objectivos que constitucionalmente se devem fixar.
Admito que a redacção não seja muito boa. Tentarei, durante a discussão, apoiar as propostas que tenham uma redacção mais feliz do que aquela que aqui proponho.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta do PSD de alteração do n.º 1 do artigo 75.º tem de ser vista em conjunto com a sugestão de alteração da própria epígrafe do artigo, e resulta, no fundo, da posição que o PSD tem sobre esta matéria, no sentido de considerar que, de facto, hoje em dia, o ensino deve ser visto numa perspectiva de total igualdade entre os vários sectores do ensino - ensino particular, ensino público e ensino cooperativo.
Entende o PSD que, hoje em dia, cada vez faz menos sentido marcar-se constantemente esta diferenciação entre a realidade do ensino público e a realidade do ensino privado no País. A igualdade de ensino, na perspectiva como o PSD a equaciona, aponta para isso mesmo e a proposta do PSD deve ser lida exactamente nessa perspectiva.
É nosso entendimento que, em termos dos estabelecimentos de ensino, o Estado deve promover o desenvolvimento de uma rede de estabelecimentos de ensino, criando, obviamente, o ensino público, sempre que se justifique para cobrir as necessidades do direito ao ensino da totalidade dos cidadãos, mas sem nunca, com isso, pôr em causa a liberdade, a autonomia, o apoio e o estímulo que deve merecer a realidade do ensino privado e cooperativo no nosso país, como penso que, hoje em dia, é um dado assente generalizadamente no território nacional.
É apenas no sentido de acabar com essa marcação sistemática de distinção entre aquilo que é o ensino público e o ensino privado que o PSD propõe evoluir-se para uma forma mais genérica que abarque, de uma forma igualitária, todas as realidades do ensino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à discussão estas três propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, limitar-me-ei à proposta do PSD, agora explicitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, porque me parece ser aquela que marca uma distância porventura mais significativa com o que está hoje expresso no artigo 75.º do texto constitucional.
Quero, muito brevemente, dizer que estamos distanciados da leitura feita pelo Sr. Deputado, uma vez que entendemos que o aqui deve ser tratado é o exercício do um direito ao ensino, enquanto direito positivo, que obriga a uma prestação ou a uma atitude prestacional do Estado no sentido de garantir o ensino público por estabelecimentos públicos e tão-só. No resto, do que se trata é de garantir as condições de existência, de fiscalização e a natureza supletiva do ensino privado, se quisermos, mas aquilo a que o Estado está obrigado é aos estabelecimentos públicos que garantem um direito público ao ensino.
Portanto, se furtássemos o Estado dessa responsabilidade ou colocássemos o Estado na promoção de actividades que não lhe cabem, estaríamos aqui confrontados com uma situação de excesso do Estado relativamente ao ensino privado e de ausência do Estado relativamente ao ensino público. É uma mudança de filosofia que, em nosso entender, não se enquadra na solução constitucional, em relação à qual continuamos identificados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, se bem entendi as suas palavras,…
O Sr. Alberto Martins (PS): - Claro que entendeu!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … fiquei com a sensação de que V. Ex.ª leu a nossa proposta no sentido de demitirmos o Estado das suas obrigações, no âmbito do ensino público, relativamente à população. Ora, não é isso que…
O Sr. Presidente: - E parece que leu bem!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Leu mal! Leu mal!
Risos.
O Sr. Presidente: - Não leu mal, leu maliciosamente!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Leu mal, porque o n.º 1 da nossa proposta tem um "mais" e não um "menos" em relação ao n.º 1 actual do artigo 75º, e, portanto, é o contrário.
Registo e compreendo a dificuldade que o Partido Socialista ainda tem de afastar o Estado ou de permitir que haja aberturas para além da presença do Estado nestas áreas e noutras, mas é para aí que se tem de caminhar, Sr. Deputado Alberto Martins.
O que é importante é que o Estado, com a flexibilidade necessária para permitir também a intervenção e estimular, como nós, aliás, propomos no n.º 2, o ensino particular, possa assegurar que, efectivamente, haja um acesso amplo ao ensino por parte das populações, seja directamente pela mão do Estado, seja através de iniciativas privadas qualificadas e que mereçam o reconhecimento e o estímulo do Estado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, começaria por dizer ao Sr. Deputado do PSD que, de facto, o "mais" e o "menos" só conseguem a diluição. Penso que ela é óbvia na vossa proposta. Portanto, há, de facto, uma diluição total da obrigatoriedade do Estado relativamente ao ensino público e uma obrigatoriedade do Estado relativamente ao ensino privado.
Estamos inteiramente de acordo com as preocupações e com os princípios enunciados pelo PS. Consideramos, efectivamente, que o artigo 75.º não pode criar, por diluição, o antagonismo relativamente ao conteúdo do artigo 74.º, que acabámos de discutir, e relativamente ao qual houve alguns consensos perfeitamente explícitos - já não abrangendo os implícitos, que me parecem também ter existido. E, de facto, na nossa perspectiva, o ensino privado deve ter um carácter exclusivamente supletivo do ensino público.
Portanto, o artigo 75.º, no seu conteúdo, naquilo que já perfilha em termos do texto constitucional, tem a nossa inteira concordância.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Vai novamente criticar a proposta do PSD?!
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O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não necessariamente.
Quero, em primeiro lugar, explicitar um bocadinho mais o sentido da minha proposta. Sei que a sua redacção é particularmente infeliz, mas a verdade é que, Srs. Deputados, não se trata aqui de corresponder às necessidades de toda a população mas, sim, aos objectivos que o próprio Estado vê fixados pela Constituição nas suas incumbências de garantir o ensino. E, portanto, a actual formulação do n.º 1 é equívoca, porque, por um lado, parece apontar para a satisfação de uma necessidade individual de cada cidadão de aceder ao ensino superior e, por outro, sabemos que constitucionalmente nem todos os cidadãos acedem a este nível de ensino, apenas aqueles que revelem capacidade, e é isso que ainda hoje permite a confusão que temos, na sua ambiguidade, de saber o que é que são as provas de aferição ou não e o que é que significa fazer a avaliação dessa capacidade, como todos os Srs. Deputados reconhecem.
Ora, isso é equívoco com aquilo que, no meu entendimento, este número deveria visar. O que este número visa é a realização dos objectivos que, de facto, constitucionalmente, estão traçados para o Estado no artigo anterior e, portanto, não diz respeito às necessidades directas e individuais de cada cidadão mas, sim, ao entendimento daquilo que incumbe ao Estado realizar de uma forma mais genérica.
Se o Sr. Presidente tiver, como muitas vezes tem, uma sugestão útil que permita ultrapassar a infelicidade da minha redacção e, ao mesmo tempo, o equívoco do actual n.º 1 deste artigo, creio que seria bom.
A segunda observação é no sentido de que, na educação como na saúde, que são os dois sectores sociais mais pesados, comungo da filosofia do meu partido de não revelar qualquer complexo quanto à iniciativa que não é do Estado. Mas, com toda a sinceridade, também não vejo que se deva demitir de uma acção prioritária o próprio Estado, qual seja a de tomar aqui orientações, mas penso que isto está compreendido na proposta do PSD.
Em qualquer caso, não prescindo, isso sim, de acordo com esta ideia - mas disso trataremos a seguir -, é de que o que está contido no n.º 2 é indissociável do n.º 1, do ponto de vista do princípio de que o Estado deve também estimular o aparecimento da outra iniciativa.
O Sr. Presidente: - Já lá vamos, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Mas isso fica, como o Sr. Presidente frisou, para a segunda parte.
O Sr. Presidente: - Não posso ajudá-lo nesta circunstância, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Sabe que aí a nossa perspectiva é completamente distinta. Penso que Constituição não tem qualquer equívoco, ela é muito clara e garante um direito à escola pública a toda a gente. As escolas privadas são livres, não são subsidiárias, ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. São uma alternativa para quem quiser.
O que a Constituição garante é que todo o cidadão, para todas as áreas de ensino, tem uma alternativa pública, que o Estado deve garantir. Se quiser, a alternativa privada tem-na livremente, porque as escolas privadas são livres e são sempre uma alternativa. O que a Constituição se limita a dizer é que há sempre uma alternativa pública, isto é, que todo o cidadão tem direito a uma escola pública, plural, não confessional, aberta e tendencialmente gratuita. Isto é o que o n.º 1 diz, nada mais do que isto, e é isto que a Constituição deve, a meu ver, continuar a garantir. Nem mais, nem menos!
Portanto, não está em causa qualquer parti pris nem qualquer preconceito contra a escola privada, é uma questão de alternativa, sabendo-se que o que a Constituição garante é que todos os cidadãos têm sempre uma alternativa pública e que o Estado não pode descansar na ideia da escola privada se não houver uma alternativa pública. A garantia de uma alternativa de escola pública para todos os domínios é o único sentido do n.º 1 da Constituição, e eu, em relação a isso, estou inteiramente de acordo. Aliás, coincide com a nossa tradição republicana e democrática, que tem quase um século, e é bom que continue assim. Portanto, não pode ter o meu apoio para alterar este ponto de vista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, já agora, atendendo a que não me ocorre qualquer formulação melhor para a minha proposta e que o Sr. Presidente não está em condições de fazer na Comissão uma sugestão que melhore esta minha intenção, por divergir dela, retiro a minha proposta, uma vez que deixa de fazer sentido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do CDS-PP é apenas para alterar a redacção. Não sei se o CDS-PP insiste nela, se a considera essencial, porque, ao contrário do PSD, não põe em causa a filosofia constitucional. É de registar este ponto.
Srs. Deputados, estão apuradas as posições: existe objecção do PS e do PCP às propostas do PSD e dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.
Vamos, agora, passar ao n.º 2 do mesmo artigo, para o qual existe uma proposta do PSD, que diz o seguinte: "O Estado reconhece, estimula e fiscaliza o ensino particular e cooperativo nos termos da lei".
Srs. Deputados, está à discussão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que grande parte da discussão em torno desta proposta do PSD acabou por, indirectamente, ser realizada a propósito do n.º 1. Ou seja, é evidente que o acrescento da palavra "estimula", por parte do PSD, na redacção deste n.º 2 pretende exactamente significar, em consonância com aquela que é a redacção proposta pelo PSD para o n.º 1, essa igualização de situações, que é uma aspiração, agora já com alguns anos, da parte do ensino particular e cooperativo em Portugal, que o PSD acolhe e reconhece como legítima.
Nesse sentido, propõe aqui a alteração do texto constitucional exactamente para dar essa nota de igualização de tratamento que deve existir, do ponto de vista do PSD, em relação ao ensino particular e cooperativo, quando cotejado com o ensino público.
É evidente que os direitos dos cidadãos estão no artigo anterior, estão no artigo 74.º, onde se diz claramente que incumbe ao Estado assegurar o ensino básico, o pré-escolar e a educação permanente e garantir a todos os cidadãos o acesso a graus elevados de ensino, ao artístico e ao técnico-profissional, na redacção que iremos concertar entre todos. Tudo isso resulta do artigo 74.º.
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O artigo 75.º tem apenas a ver com a criação de redes de estabelecimentos de ensino, e aí, claramente, o PSD entende que, independentemente da obrigação que o Estado tem de garantir a todos os cidadãos esses vários graus de ensino, esse direito pode ser expresso, do nosso ponto de vista, tão bem através de escolas geridas pelo sector público como de escolas e estabelecimentos geridos de outra forma. Não temos aqui qualquer visão diferenciada e não nos parece que seja adequado o Estado continuar a privilegiar determinado tipo de formas de gestão de estabelecimentos de ensino, em prejuízo de outras.
Portanto, a proposta do PSD aqui é acrescentar o termo "estimula", precisamente no sentido de dar expressão a essa visão de tratamento igualitário entre todos os tipos de ensino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, temos alguma reserva quanto a este ideia do estímulo, se ela não for contida nos estritos termos em que já hoje é admitida, ou seja, "O Estado estimula e apoia a criação e a actividade de cooperativas", e, portanto, digamos que, por esta via, há um certo tipo de ensino - o ensino cooperativo - que já é estimulado nos termos do artigo 86.º da Constituição. Portanto, se os Srs. Deputados tiverem presente o n.º 1, há essa regra.
Quanto ao ensino particular, toda a ideia do apoio tem de ser vista em termos restritos, uma vez que esta dimensão prestacionista do Estado tem de ser equilibrada de forma precisa e rigorosa, como, aliás, todos reconhecemos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - As premissas há pouco enunciadas pelo Sr. Presidente no que se refere ao conteúdo do n.º 1 são suficientemente explícitas para reconhecer que ao Estado chega, como suficiente, o reconhecimento e a fiscalização do ensino particular e cooperativo, mesmo reconhecendo essa premissa perfeitamente particular de ao Estado poder, de algum modo, competir a ajuda ou o estímulo relativamente ao ensino cooperativo.
De qualquer modo, não é, efectivamente, esta a proposta do PSD, ela é muito mais abrangente, exactamente na dominância daquilo que já foi defendido em relação ao n.º 1 deste mesmo artigo, que se coaduna com esses princípios e com esses valores.
Portanto, na nossa perspectiva, não é de aceitar essa abrangência discursiva, porque ela é perigosa naquilo que tem a ver com a tal diluição de que há pouco falámos e com o tal carácter supletivo e perfeitamente livre do ensino privado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A Sr.ª Deputada só aceita se for em relação ao ensino cooperativo! Isso já está em agenda!
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Não foi exactamente isso que eu disse, Sr. Deputado! A língua portuguesa é, tanto quanto possível, traiçoeira, mas suficientemente explícita, e não foi exactamente isso que eu disse. O Sr. Deputado entendeu, com toda a certeza.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, independentemente da recusa, penso que clara, por parte do Partido Comunista, da eventual adesão a esta proposta, percebi uma posição algo expectante por parte do Partido Socialista. Por isso, relembro apenas ao Partido Socialista, para a reflexão que, seguramente, irá fazer, que tudo isto se passa, nos próprios termos do articulado que cá está, nos termos da lei.
Portanto, é evidente que se trata aqui, apenas, de dar um sinal claro, por parte da Constituição da República, ao menos no n.º 2 - uma vez que o Partido Socialista não deixa abertura para alterar o n.º 1 -, que penso que é a única norma constitucional que, expressamente e de uma forma clara, diz respeito ao ensino particular, de que o Estado, além de reconhecer e de fiscalizar, não apenas por ser um mal necessário, deve estimular, nos termos da lei. É, obviamente, o que cá está.
Não vale a pena levantarmos aqui fantasmas de que o PSD está a pretender, com esta simples alteração da Constituição, que o Estado passe a pôr milhões do Orçamento do Estado para o ensino público e para o ensino privado em situação de igualdade, porque não é isso que cá está; o que cá está proposto é que será remetido para o legislador ordinário.
Mas é, de facto, uma alteração qualitativa, do nosso ponto de vista perfeitamente justa e legítima hoje em dia, face ao papel fundamental que tem o ensino particular no contexto do carácter plural que deve ter uma vertente tão importante dos direitos dos cidadãos, como é o direito de aprender e o direito de ensinar.
Parece-nos evidente que haverá ganho no texto constitucional se na única referência que existe expressa na Constituição ao ensino particular, em vez de se dizer apenas que o Estado "reconhece e fiscaliza" - como que transmitindo a ideia, a sensação que é evocada pelos próprios de que é um mal menor, que o Estado tem que aceitar, vendo-se obrigado a aceitar o ensino particular mas sem grande entusiasmo e se não é essa, de facto, a intenção -, o PS, a maioria dos Deputados nesta Câmara, der adesão ao termo "estimula", ou a outro termo qualquer que manifeste o apoio do Estado, até como forma de prover a uma maior pluralidade no direito de ensinar e de aprender, o estímulo ou o apoio do Estado, que obviamente será depois regulado nos termos da lei, que é como cá está e como deve ser.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, independentemente da posição do PS, esta proposta não teria o meu apoio pessoal. Eu insisto neste ponto: o produto do ensino não é como produzir salsichas! As salsichas produzidas por uma empresa pública ou privada são iguais - em princípio, são iguais. O ensino não é o mesmo produto: o ensino numa escola pública, numa escola aberta, plural, não confessional, não ideologicamente marcada, não doutrinariamente definida, é um direito a que todo o cidadão tem direito, se o quiser. Tem a alternativa privada, mas na alternativa privada o Estado não pode impor pluralismo cultural, nem ideológico, nem confessional, porque a escola tem todo o direito de ser confessional, doutrinariamente.
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Mas o Estado não o deve estimular, o Estado não tem o dever de estimular o ensino confessional, até porque é um Estado laico e um Estado plural, ideologicamente plural e doutrinariamente aberto. Portanto, eu nunca poderia apoiar a ideia do Estado "estimular". Obviamente, reconhece-se, sem qualquer parti pris, sem qualquer sacrifício, que é um direito normal criar escolas privadas. Não se trata de nenhuma concessão nem de nenhum sacrifício - pode até apoiar, se entender necessário, em condições de igualdade e de equanimidade. Agora, a ideia de "estimular" é uma ideia que, a meu ver, está a mais no Estado não-confessional, num Estado plural.
Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, tem a palavra.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, sem prejudicar a ideia de abertura a esta proposta que a minha bancada quis deixar no ar, eu gostaria apenas de dizer que, com esta proposta, parece-me que o PSD pretende dar uma espécie de dignidade constitucional à política prosseguida nos últimos 10 anos. Ou seja, sucede apenas que, tendo o País limites ou, por outras palavras, tendo o mercado educativo limites, arriscamo-nos a estar perante mais uma proposta anacrónica do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa não deu para entender!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a razão do meu pedido de palavra é para, de alguma forma, também questionar o PSD relativamente ao que é que pretende com a inclusão deste termo "estímulo". Isto é, em que é que o quadro constitucional actual impede o livre exercício do ensino privado, o livre funcionamento de escolas? Efectivamente, aquilo que está estabelecido no texto constitucional é que o "Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo". Importa reconhecer que, de facto, na última década ou década e meia, o Estado tem reconhecido muito e fiscalizado pouco - é uma realidade, mas são estas as premissas constitucionais.
O Sr. Presidente: - Não! Até tem deixado funcionar sem reconhecimento, o que é mais grave! Nem sequer tem reconhecido!
O Sr. António Filipe (PCP): - Exacto! E se tem havido sector que tem sido florescente, tem sido, de facto, o ensino superior particular. Isto é um facto inegável. Basta verificar o crescimento de vagas disponíveis no ensino superior particular em contraste com alguma estagnação do número de vagas existente no ensino público, particularmente no ensino universitário público.
Ora, quando o PSD vem aqui fazer uma proposta de que o Estado "estimule" o ensino superior particular, parece que estamos a falar de algum sector em crise. Parece que estamos a falar na agricultura ou nas pescas portuguesas, a braços com uma crise terrível em que importa, de facto, que o Estado tome medidas de "estímulo"! Mas isso não se verifica, de forma nenhuma, relativamente ao ensino particular e cooperativo. Daí que aquilo que nos parece fundamental é que, efectivamente, aquilo que está hoje na Constituição, que é o de reconhecimento e de fiscalização do ensino particular e cooperativo, fosse, de facto, levado a cabo pelo Estado.
Creio que o Deputado Sérgio Sousa Pinto tem razão, quando há pouco imputava ao PSD graves responsabilidades neste estado de coisas. Efectivamente, foi na última década, mas continua a sê-lo até à data e houve exemplos recentes que suscitam as maiores dúvidas quanto ao funcionamento autorizado de estabelecimentos sem cuidar de saber se reúnem os requisitos mínimos para poderem funcionar, garantindo um mínimo de qualidade aos estudantes que os frequentam.
Não compreendemos onde é que o PSD quer chegar com esta inclusão de um "estímulo positivo", uma "obrigatoriedade do Estado estimular o ensino superior particular". Naturalmente, não nos move nenhum animosidade relativamente ao ensino superior particular, mas creio que, evidentemente,...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. António Filipe (PCP): - Vou concluir de imediato, Sr. Presidente.
Estava a dizer que não temos qualquer animosidade contra o ensino superior particular e entendemos que as pessoas que, por opção própria, recorrem a ele devem ter garantido todo o direito de o fazerem, mas o que é mau é que este crescimento tenha sido sobretudo motivado não por uma liberdade de opção mas por uma opção forçada, dada a estagnação do número de vagas existentes no ensino público.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é para responder à observação, em jeito de interpelação, que o Sr. Deputado António Filipe fez à proposta do PSD. Eu explico onde é que o PSD pretende chegar: é claro como água o objectivo do PSD e eu reconduzia a razão de ser da nossa posição àquela que foi a intervenção da sua colega de bancada há pouco, quando a Sr.ª Deputada disse claramente que, do ponto de vista do PCP, o ensino privado deve apenas ser entendido como estritamente supletivo (penso que foi essa a terminologia utilizada) do ensino público, onde ele não exista e quando não haja condições para ele suprir determinado tipo de realidades. Enfim, o termo utilizado foi "estritamente supletivo".
É essa exactamente a diferença: é que para nós…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Mendes, eu não tenho essa perspectiva…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu estava a responder ao Sr. Deputado António Filipe. É que a diferença está exactamente aí, ou seja, a diferença é que nós temos, do direito de ensinar e do direito de aprender, uma visão perfeitamente plural, onde entendemos que o ensino particular e cooperativo deve ser o mais dignificado possível para que haja, no plano do direito de todos os cidadãos ao ensino, uma riqueza que, no nosso ponto de vista, não resulta da lógica estritamente estatista - estatista no sentido de colocar como prioridade das prioridades o ensino público omnipresente.
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Entendemos que há toda a vantagem e o enriquecimento da própria comunidade na dignificação clara por parte do Estado do ensino particular e cooperativo, como forma. Obviamente que, nos termos da lei, o ensino é uma matéria - como dizia o Sr. Presidente e nisso estamos de acordo - suficientemente importante (e mais importante do que a fabricação de salsichas, embora essa também esteja subordinada a determinados condicionamentos, por menos de saúde pública) para ter que ser claramente condicionado pelo legislador. Mas quanto à dignificação do ensino particular e cooperativo (e nisso temos uma posição de partida radicalmente diferente da do PCP) há toda a vantagem para o próprio cidadão, para o enriquecimento cultural.
Do ponto de vista do PSD, o estímulo do ensino particular e cooperativo insere-se exactamente nesta perspectiva diferente de olhar para a realidade daquilo que é o direito dos cidadãos ao ensino. O direito dos cidadãos ao ensino, para nós, é muito mais do que receber uma cartilha ou receber uma vertente uniformizada em termos públicos de ensino. Há toda a vantagem nessa pluralidade, nessa riqueza de modos e de meios de ensinamento diferenciados, desde que sempre fiscalizados e condicionados, de alguma forma, pela própria lei, atendendo às finalidades que estão, desde logo, no artigo 73.º e que devem presidir a todo o sistema de educação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma precisão que julgo que é importante.
Nesta matéria, não posso ser suspeito porque frequentei o ensino particular (embora pré-escolar), porque tenho não apenas a liberdade jurídica mas também as condições económicas, sociais e culturais para tomar essa opção. Ora, julgo que o equívoco do PSD passa por não estar a inserir sistematicamente o artigo no seu contexto. É que não se trata aqui da liberdade, porque a liberdade está assegurada no artigo 43.º, n.º 4, onde se estabelece expressamente a garantia do direito de criação de escolas particulares e cooperativas, e, nesse sentido, é um direito de não interferência do Estado na liberdade de os cidadãos criarem estabelecimentos do ensino particular. O equívoco, aqui, só resulta da circunstância de que a expressão "reconhece" não tem o tom pejorativo que lhe deu, porque não se trata de consentir, um pouco forçadamente, trata-se de estabelecer uma obrigação positiva do Estado certificar o ensino que é ministrado pelas escolas particulares.
É isso que está em causa na expressão "reconhece", pois o "reconhece" aqui é no sentido de conceder a equiparação do diploma ministrado numa escola particular, não é no sentido de dizer "está bem, vá lá, podem criar umas escolas", com esse ar de desleixo que parece ter atribuído à expressão que aqui está contida neste artigo.
Mas o que o PSD propõe é uma coisa diferente, é criar uma nova obrigação positiva de, para além de reconhecer e certificar o ensino ministrado nas escolas particulares, conceder apoios de natureza diversa, porventura, inclusive, de natureza financeira, e é só isso que julgo que é perigoso, nesse sentido, porque do que se trata aqui, em sede de direitos económicos e sociais, é garantir o direito a prestações públicas, não é garantir o direito a prestações privadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Peço-lhe que seja breve.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Serei breve, Sr. Presidente.
Ao contrário daquilo que, a certo momento, foi sugerido relativamente à questão do ensino superior, o problema não é quantitativo, ou não deve ser prioritariamente quantitativo, embora esse tenha sido relativamente superado, em parte com o olhar descansado do Estado no poder de iniciativa do particular e cooperativo e não nas suas próprias possibilidades.
A questão, aqui, é de princípio, e o princípio, do meu ponto de vista, visa reforçar, com esta proposta do PSD relativa ao n.º 2, aquilo que, de facto, vem contido no artigo 43.º, de forma a que este n.º 2 não possa ser lido, como pode (e eu leio-o assim), como um olhar desconfiado que o Estado tem relativamente a essa iniciativa. Dir-me-ão que não é a perspectiva do PS ter esse olhar desconfiado e consentir aquilo que não pode impedir, que fica mal impedir. Com certeza, eu acredito plenamente nisso e, de resto, não tenho outros motivos para pensar de modo diverso. Mas, então, a questão de princípio que se põe é: por que não explicitar aqui melhor e ir mais longe, dando também ao Estado uma obrigação de fortalecimento da própria sociedade civil nesta matéria? Essa é a questão de princípio.
Creio que se estamos de acordo quanto à base do problema, que é a de que faz sentido uma forte iniciativa na área educacional e do ensino, além daquilo que é obrigação do Estado e no reconhecimento de que há uma sociedade civil forte, então, por que é que o Estado há-de, pura e simplesmente, descansar nesse poder de iniciativa e não há-de competir a si próprio também a tarefa de a incentivar? Penso que o Estado não deve prescindir da sua iniciativa, mas não pode descansar simplesmente apenas em algumas orientações ou iniciativas que possam não ser suficientemente plurais, não realizando, de facto, o direito à liberdade de escolha. E julgo que isto é uma das matérias que, se for consagrada, reforçará a liberdade de escolha dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, tem a palavra.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, creio que a grande alteração neste artigo se deu na revisão de 1989. Até aí, sim, o ensino particular e cooperativo tinha uma natureza vincadamente supletiva, tendo-se alterado o n.º 2, que dizia que "o Estado fiscaliza o ensino particular e cooperativo", e passou a dizer-se "reconhecer". O reconhecimento não é só…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é para dar mais um passo!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Agora, pretende-se dar um outro passo, mais um passo, dizendo-se "estímulo, nos termos da lei".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Numa lógica reformista!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Creio que o reconhecimento consagra uma ideia que é não só uma ideia de
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certificação, como já foi dito, mas também uma ideia de reconhecimento da utilidade pública, do serviço que pode ser prestado. Mas, por isso mesmo, a nossa posição de estarmos identificados com o n.º 2 actualmente vigente no texto constitucional não nos pode levar muito longe para além do seguinte: não podemos criar uma obrigação prestacionista do Estado que ultrapasse as obrigações decorrentes do reconhecimento de uma utilidade pública. Portanto, essa ideia de reconhecimento de uma utilidade pública para o serviço de ensino privado terá algumas decorrências, mas não pode tê-las a níveis tais que impliquem uma obrigação prestacionista para além de certos limites. Por isso, creio que vamos reflectir nesta proposta com a ideia de que a leitura nuclear que está no n.º 2 do artigo 75.º hoje em vigor, é aquela que nos parece mais adequada à garantia do direito ao ensino, enquanto direito individual de todos os cidadãos portugueses.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrada esta questão e esta tarde, às 15 horas, passaremos ao artigo 76.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, não vou poder estar hoje à tarde. Não sei se me permitiria, embora invertendo um pouco a lógica, que, em trinta segundos, apresentasse a minha proposta de alteração do n.º 2 do artigo 76.º, sem discussão, só para que ficasse em acta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem dois minutos para isso.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Dois minutos? Mais do que eu pedia!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção para a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro para o n.º 2 do artigo 76.º, segundo a qual "as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, patrimonial e financeira".
Sr. Deputado, tem a palavra.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta de alteração é no sentido de ampliar o conteúdo essencial da garantia de autonomia universitária que está estabelecida no n.º 2 do artigo 76.º, por entender que a autonomia patrimonial é um elemento essencial dessa autonomia.
É verdade que a lei a consagra, mas consagra-a também em termos ambíguos, de tal forma que não só se tem permitido a interpretação de que o reconhecimento da autonomia das universidades não implicou uma transferência ope lege do património anteriormente afecto ao Estado com esse fim para as próprias universidades como, para além do mais, tem permitido, não apenas em relação ao património passado, isto é, aquele que deveria ter sido e não foi efectivamente transferido do Estado para as universidades, a interpretação de que, mesmo aquele que é adquirido para futuro, segue os regimes do cadastro do Estado e integra o domínio público do Estado e não o património próprio das universidades.
A título de exemplo direi que o Reitor da Universidade de Lisboa, para ter uma viatura ao seu serviço, tem de pedir autorização à Direcção-Geral de Património do Estado e a viatura tem que ser inscrita no cadastro do Estado, não constituindo património da próprio da universidade. E quem fala na viatura, que é um instrumento acessório, fala também nos edifícios escolares e em equipamento científicos e outros necessários ao ensino. Isto, aliás, tem permitido um fenómeno perverso que é o da criação de pessoas colectivas de direito privado pelas universidades, umas de natureza fundacional outras não, de natureza associativa ou até de natureza empresarial, para obviar e ultrapassar alguns dos obstáculos que têm sido levantados à acção das universidades, designadamente pela circunstância de não estar garantido este núcleo essencial da sua autonomia, que é a autonomia de dispor do seu património próprio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica apresentada a proposta, que será discutida à tarde.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 12 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos reiniciar os trabalhos.
Eram 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no discussão do artigo 76.º. Para o n.º 1, existem propostas do PP e do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros.
O PP propõe simplesmente que "o regime de acesso ao ensino superior deve garantir a igualdade de oportunidades", o que quer dizer que reduz o texto à primeira parte do actual texto constitucional. O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros propõem que o texto passe a dizer: "o regime de acesso à universidade e demais instituições de ensino superior público, particular ou cooperativo garante a igualdade de oportunidades, a elevação do nível educativo, cultural ou científico, a democratização do sistema de ensino, devendo, no ensino superior público, ter em conta as necessidades do País em quadros qualificados".
Srs. Deputados, estão à discussão estas duas propostas, começando pelos proponentes, se quiserem acrescentar alguma coisa ao teor da sua própria proposta.
Não estando presente o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, talvez os Deputados do PSD queiram sub-rogar-se na sua defesa.
Sr. Deputado Augusto Boucinha, quer acrescentar alguma coisa à proposta do CDS-PP?
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Nada a acrescentar!
O Sr. Presidente: - Vale o mérito da proposta!
Srs. Deputados do PSD, pretendem usar da palavra?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Confesso que não estou à-vontade para interpretar exactamente qual é o objectivo da proposta e, portanto, não posso sub-rogar.
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O Sr. Presidente: - Está em causa a discussão da proposta do CDS-PP e, por extensão, a do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O silêncio significa não acolhimento, mas talvez os Srs. Deputados não queiram ficar-se pelo silêncio.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, não vemos que haja qualquer munus significativo com esta proposta em relação ao n.º 1, que é o que está aqui em causa.
O Sr. Deputado Passos Coelho pretende especificar, no fundo, que é apenas no ensino superior público que este regime de acesso deve ter em conta as necessidades do País em quadros qualificados e não me parece que se justifique uma tal prevenção ou limitação. Aqui define-se um regime geral de acesso à universidade em geral, sem discriminar e sem especificar se se trata de universidades públicas, privadas ou cooperativas, portanto, está tudo incluído, afinal de contas, e não vemos que se ganhe qualquer coisa em estar aqui a especificar cada um dos sectores do ensino superior.
Parece-me que estes objectivos que aqui estão definidos devem ser objectivos globais e comuns no regime de acesso à universidade, independentemente do seu estatuto próprio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PCP, querem pronunciar-se sobre estas propostas?
Sr. Deputado Bernardino Soares, tem a palavra.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer, em relação à proposta do Partido Popular, que entendemos como claramente empobrecedora do texto constitucional e, portanto, não estamos de acordo com ela, bem como não vemos também nenhuma vantagem em alterar o mesmo n.º 1 segundo a proposta do Sr. Deputado Passos Coelho, introduzindo aqui alguns factores que, a nosso ver, não devem ter inserção, até sistemática, neste artigo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer pronunciar-se sobre estas propostas?
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta do Partido Popular, de facto, à primeira vista e na falta de explicitação mais aprofundada, concordo que a proposta empobrece o texto constitucional de uma forma para a qual não vejo razão e fundamento bastante. Não parece minimamente ao PSD que o actual texto do n.º 1 seja supérfluo ou verse sobre matéria que tenha perdido interesse ou actualidade na sua provisão constitucional e, portanto, não subscreveria, à falta de uma melhor argumentação, esta proposta do Partido Popular.
Quanto à proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, conforme já tinha dito ao Sr. Presidente a propósito da eventualidade de me poder sub-rogar na explicitação da sua motivação, a dificuldade está mesmo aí: é que eu não consigo descortinar exactamente o alcance útil e palpável desta alteração.
O Sr. Presidente: - A mim, parece-me óbvio: tornaria aparentemente ilícito o numerus clausus nas escolas privadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Até porque, à falta de uma melhor explicitação, não compreendo e parece-me até óbvio que, dada a actual coexistência do ensino privado e público, com a necessidade óbvia do reconhecimento de utilidade pública por parte do Estado relativamente ao ensino particular e cooperativo, nos critérios que o Estado deve utilizar, que devem ser tendencialmente critérios objectivos e de qualidade, devem entrar em linha de conta princípios genéricos como as necessidades do País em quadros.
Portanto, na falta dos proponentes para explicitarem exactamente o alcance da proposta, não só não a consigo descortinar como aquilo que descortino me parece um pouco contraproducente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como as duas propostas não mostram viabilidade e não têm o acolhimento de nenhuma das forças políticas, vamos passar ao n.º 2, para o qual existem propostas do PP, do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Deputado Cláudio Monteiro já teve oportunidade de apresentar esta manhã o sentido da sua proposta, que é acrescentar à "autonomia universitária estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira" a "autonomia patrimonial"; o PP e o PS propõem a "generalização da autonomia às demais instituições do ensino superior" e o PP acrescenta e explicita ainda que lhes cabe, às universidades e às instituições de ensino superior, "definir as respectivas regras de ingresso".
Estão à discussão todas as propostas, ou seja, a do CDS-PP, a do PS e a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que já foi apresentada de manhã. A proposta do PS, que é a de estender a "autonomia universitária às demais instituições de ensino superior", acrescenta um proviso no final: "sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino".
Não é obrigatória a apresentação das propostas, elas valem pelo seu mérito próprio. Estão, então, à discussão as propostas do PP, do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Numa parte, as propostas do PS e do PP são convergentes relativamente à extensão da "autonomia universitária às demais instituições de ensino superior" e começo por pôr a estes proponentes a seguinte questão: formulada tal como está, isto implicaria estender a autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira e também patrimonial, se aprovássemos a proposta do Deputado Cláudio Monteiro, a todas as instituições de ensino superior, incluindo a Academia Naval, o Colégio Militar e assim por diante. É essa a intenção dos proponentes? 
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Não!
O Sr. Presidente: - Além dos institutos politécnicos, como é claro, que, suponho, foi o que esteve em causa
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nas propostas. Pergunto-me é se não foram demasiado longe, para lá da sua intenção.
Está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pronunciar-me-ia, primeiro, quanto à questão suscitada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, no final da reunião da manhã…
O Sr. Presidente: - Exacto, a de acrescentar "autonomia patrimonial" à autonomia universitária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desde já, queria comentar a posição do PSD sobre essa matéria. Quanto à proposta do Partido Socialista, pronunciar-me-ei após a apresentação da mesma por parte do PS.
Ora, relativamente à alteração proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, o PSD é contra e, desde logo, por uma razão fundamental: a autonomia patrimonial tem a ver, fundamentalmente - uma vez que a autonomia administrativa e financeira já existe, na actual versão constitucional -, não com os problemas de gestão administrativa e financeira, que esses estão acautelados pelas respectivas autonomias, mas com a capacidade dispositiva do património. Ora, do ponto de vista do PSD, o património físico das universidades é património do domínio público, e assim deve continuar a ser, à semelhança do que existe, por exemplo, com os hospitais, onde também existe autonomia administrativa e financeira na gestão das unidades de saúde. É evidente que são património do Estado, e assim devem continuar, repito, os edifícios e os prédios onde estão implantados esses serviços, no caso os serviços universitários.
É pena não estar cá o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para lhe expor as dúvidas que ao Partido Social Democrata coloca a uma proposta deste tipo. É que permitir-se isto na Constituição poderia levar a que, amanhã, uma qualquer universidade, por dificuldades financeiras ou orçamentais da sua gestão, poderia, no limite, hipotecar o edifício da universidade, ou, porventura, vendê-lo, ou fazer um aluguer de longa duração com alguém. E se estas competências de natureza patrimonial relativamente ao património físico onde a universidade funciona não são possíveis, todas as outras já são, genericamente, ao abrigo da autonomia administrativa e financeira.
Portanto, a parte dispositiva do património parece-nos não só indesejável como profundamente errada e até prejudicial para os interesses públicos, os interesses da comunidade, que é, afinal, a verdadeira titular e detentora não só do património existente como até do investimento que sucessivamente vem sendo feito. Todos nós sabemos da inexistência de meios financeiros auto-suficientes nas universidades para prover ao investimento e ao seu crescimento, em termos patrimoniais - pelo menos, falando em termos de instalações físicas. Por isso, todo esse investimento é feito pelo erário público, integrando-se no domínio público, e o PSD entende que é assim que deve continuar a ser.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, indo ao encontro das questões que o Sr. Presidente colocou relativamente à nossa proposta, gostaria de dizer que a ideia inicial ínsita na proposta era a de, em alguma medida, estabelecer uma homologia com o n.º 1 do artigo 76.º. Isto é, referimo-nos às universidades e às outras instituições do ensino superior, independentemente da designação nominativa (aos institutos públicos ou até a outras formas de organização do ensino superior público), naturalmente não indo a uma solução extrema, cujos riscos foram aqueles colocados por V. Ex.ª - não dizemos "demais instituições do ensino superior" mas "outras instituições", o que permite uma leitura adequada e eventualmente mais realista da solução legal que vier a enquadrar este comando constitucional -, e, naturalmente, fazendo saliência particular na ideia de a autonomia universitária, seja ela qual for e nos limites que estão aqui consignados, não poder pôr em causa aquilo que é um valor público, que é a qualidade do ensino ministrado, e haver meios adequados à avaliação desse ensino, sem prejuízo da ideia de autonomia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, queria referir-me à proposta do CDS-PP para o n.º 2 do artigo 76.º, a qual propõe que seja cometida à autonomia universitária a definição das regras de ingresso no ensino superior. Esta proposta parece-me excessiva, no sentido em que as regras de ingresso não podem ser confiadas a uma espécie de reserva absoluta das universidades, no exercício da sua autonomia, uma vez que uma solução desse tipo admitiria, por exemplo, o ressurgimento de provas do tipo da prova geral de acesso, ou seja, provas que avaliassem conteúdos de cultura geral e que, por essa forma, fossem lesivas da igualdade de oportunidades e dos objectivos de democratização no acesso à educação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuam em discussão todas as propostas de alteração para o n.º 2 do artigo 74.º. Peço que, a partir de agora, se pronunciem sobre todas as propostas que estão na mesa, ou seja, a do CDS-PP, que tem dois aspectos, os de alargar a autonomia a todas as instituições do ensino superior e de atribuir-lhes a definição das respectivas regras de ingresso; a proposta do PS, que também contém dois aspectos, os de alargar igualmente a autonomia às demais instituições do ensino superior e não apenas às universidades e de acrescentar o proviso da garantia da adequada avaliação da qualidade do ensino; e a proposta do Deputado Cláudio Monteiro, para alargar a autonomia à autonomia patrimonial. Portanto, temos, na verdade, quatro aspectos a considerar. Peço-vos que se pronunciem sobre todos eles, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, já me pronunciei sobre o aspecto da autonomia patrimonial, pelo que resta-me fazê-lo em relação aos três restantes. Tendo em vista a explicitação que o Partido Socialista agora fez da sua proposta, há um conjunto de considerações que gostava de tecer aqui.
Primeiro, de acordo com o enunciado que o Sr. Presidente acabou de fazer, relativamente ao alargamento do conteúdo normativo deste n.º 2, estendendo a autonomia das universidades a outro tipo de instituições
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do ensino superior, gostaria de fazer a seguinte reflexão: o entendimento que temos deste preceito constitucional é o de que existe a preocupação da Constituição da República de nomear discriminadamente as universidades enquanto núcleos de excelência em termos de ensino e, de acordo com isso, de dotá-las - em termos constitucionais e, portanto, desde logo, em termos inalienáveis - de um conjunto de direitos e prerrogativas que são inerentes, de acordo com aquilo que é uma tradição velha de muitos séculos em Portugal, a estas instituições universitárias.
A recente criação de outro tipo de instituições de ensino superior é muito desejável e muito defendida pelo Partido Social Democrata e, digamos, sem estar aqui a "chegar a brasa à sardinha", é histórico que o Partido Social Democrata tem responsabilidades muito grandes, nos anos recentes, numa extraordinária expansão do ensino superior a outro tipo de instituições que não as universidades, responsabilidade histórica de que obviamente nos orgulhamos e que não enjeitamos. O que nos parece é que alargar e quase que banalizar este preceito constitucional nestes termos, igualizando aquilo que é uma realidade que, do nosso ponto de vista, não pode ser minimamente posta em causa, como são as universidades, a um outro tipo de realidades que hoje em dia existe no nosso país, e ainda bem que assim é, não engrandece, em termos substantivos, o texto constitucional. O legislador ordinário sempre poderá, em qualquer circunstância, conferir um conjunto de autonomias que, na gestão que o Governo e a Assembleia da República fazem da coisa pública, entenda, em cada momento, como o mais adequado para a implantação e o desenvolvimento do ensino superior. O que me parece é que o preceito constitucional, tal qual está, tem um enfoque especial nas universidades e o PSD entende que assim deve ser e acha bem que assim seja, independentemente de o legislador ordinário poder (e não é isso que está em causa), a qualquer momento, conferir a outras instituições de ensino superior autonomias - algumas das que aqui estão, todas as que aqui estão e, eventualmente, algumas outras que aqui nem estão.
Por isso, não vemos qualquer vantagem, antes pelo contrário, vemos algum empobrecimento no tratamento que é feito pelo texto constitucional à realidade universitária, em Portugal, com esta alteração do texto, conforme é proposto nesta parte, de uma forma idêntica, pelo Partido Socialista e pelo Partido Popular.
O segundo aspecto do texto do Partido Socialista refere-se ao aditamento da expressão "sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino". Quanto à substância da proposta devo dizer, desde já, que obviamente o PSD está de acordo, pois foi sob a responsabilidade governamental do PSD que foi elaborada legislação que tem a ver exactamente com a preocupação de avaliação da qualidade do ensino superior.
No entanto - e fazia, desde já, esta chamada de atenção, pois esta questão vai colocar-se a seguir, relativamente à discussão do novo n.º 3 proposto pelo Partido Socialista -, para nós, há uma contradição, ou uma potencial contradição, nos termos destas duas propostas, porque é evidente que este acrescento que se faz no n.º 2 é no sentido de chamar a atenção para que, independentemente do gozo das autonomias pedagógica e científica (que fundamentalmente é aquela que tem a ver com a qualidade do ensino), essas autonomias são sempre delimitadas pelo princípio mais fundamental que é o da qualidade do ensino, que deve sobrepor-se, em algumas circunstâncias, a essa mesma autonomia e deve ser, em qualquer circunstância, uma preocupação que o Estado tem de acautelar. Quer dizer, não basta dar autonomia, tem depois, em nome da defesa dos direitos dos cidadãos, de prover que essa autonomia não seja utilizada em descaminho.
Nesse sentido, desde já chamava a atenção do Partido Socialista para o facto de não entendermos muito bem como é que o Partido Socialista propõe aqui, no n.º 2, com o entendimento que acabei de expressar, este condicionamento (e muito bem) à autonomia pedagógica e científica para, logo a seguir, propor um novo n.º 3, em que vem dar um enfoque superlativo exactamente à autonomia científica e pedagógica, que está a pôr em causa (e bem, no meu ponto de vista), no bom sentido - e pedia aos Srs. Deputados que, por favor, não tirassem palavras do contexto da explicação que estou a dar para depois fazerem interpretações malévolas daquilo que estou a dizer -, no n.º 2. Ou seja, não me parece fazer muito sentido que, depois, a seguir, no n.º 3, o Partido Socialista venha pretender dizer que, apesar de tudo, há autonomias que são mais importantes do que outras, exactamente aquelas que devem ser condicionadas, e bem, pelo inciso do n.º 2.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Faça favor.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que senhor diz e o que nós pretendemos dizer é o que já está, hoje, na lei ordinária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Hoje, na lei, já há uma avaliação da qualidade do ensino pelo Estado, quando concede os alvarás e a autorização para a constituição de instituições…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E não só!
O Sr. Alberto Martins (PS): - E não só! Exige também um conjunto de regras e procedimentos para as instituições de ensino superior particular. Mas isso não significa que, nessa questão nuclear, que identificou, depois haja um ordenamento e uma reorganização dos órgãos internos dessas instituições. Portanto, estamos de acordo com o que o senhor diz e é aquilo que está na nossa proposta.
A nossa proposta vem ao encontro dos procedimentos legais que estão hoje em vigor. É apenas, digamos, uma expressão emblematizada, se quiser, do sentido geral da legislação ordinária hoje em vigor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Feito este inciso, não queria entrar demasiado na discussão do n.º 3. A chamada de atenção fica aqui e, a seguir, quando o Sr. Presidente puser à discussão o n.º 3, desenvolverei um pouco mais a posição do PSD sobre esta matéria.
No que concerne, estritamente, ao n.º 2, ou seja, quanto ao acrescento "sem prejuízo de adequada avaliação da 
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qualidade do ensino", como referi, claramente, o PSD está de acordo. Não só está de acordo como - e o Sr. Deputado Alberto Martins acabou de o referir - isto é, no fundo, a tradução clara de legislação actualmente existente, na qual o PSD tem a responsabilidade histórica que todos conhecemos.
Portanto, é evidente que o PSD está de acordo com esta alteração, e está de acordo com ela em todas as suas valências: não apenas na questão citada pelo Sr. Deputado da autorização inicial de funcionamento mas também na avaliação contínua, alteração da Constituição a que damos o nosso total apoio, para que, de hoje para amanhã, não venha alguém dizer que uma lei que é aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo, em matéria de avaliação da qualidade do ensino nas universidades, fere o monstro sagrado da autonomia.
Portanto, é bom que fique na Constituição uma alteração deste tipo e, desde já, lhe dou a minha adesão. O que não percebo muito bem - e desenvolvê-lo-ei mais à frente - é por que é que, na exacta decorrência da bondade deste acrescento no n.º 2, se vem propor um novo n.º 3, a seguir. Mas, depois, lá iremos.
Para terminar e seguindo a metodologia proposta pelo Sr. Presidente, falta-me apenas expressar a posição do PSD relativamente à segunda parte da proposta do Partido Popular, que tem a ver com as regras de ingresso. Concordo com aquilo que já foi dito aqui. De facto, parece-nos (e, eventualmente, não pelas razões expressas) que o princípio da autonomia das universidades, desde logo, não carece de uma explicitação em sede de texto constitucional ou de uma particularização do seu alcance nesta ou naquela área. Em qualquer circunstância, quanto às regras de ingresso, parece-me tratar-se de uma área onde naturalmente se deve sobrepor à realidade da autonomia universitária outro tipo de interesses, que devem estar presentes na avaliação que o Estado faz destas situações.
Assim, este acrescento proposto pelo Partido Popular, do nosso ponto de vista, redundaria numa diminuição da capacidade do Estado para, em termos genéricos e abstractos, poder prover à satisfação de determinado tipo de direitos (que, do ponto de vista do PSD, são fundamentais) dos cidadãos, em geral, e dos jovens portugueses, em particular. Por isso, não damos o nosso apoio a este acrescento proposto pelo CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Bernardino Soares, tem a palavra, se assim o entender, para se pronunciar sobre os quatro pontos em discussão.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, começando pela questão do acrescento do carácter patrimonial da autonomia, não nos parece haver aqui vantagem em introduzir este alargamento e, portanto, não damos o nosso acordo a esta proposta.
Em relação à proposta do Partido Popular, julgamos que é manifestamente excessivo cristalizar esta solução na Constituição e temos sérias reservas em relação a ela.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a referir-se à primeira ou à segunda parte da proposta do Partido Popular?
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - À segunda parte, Sr. Presidente, à definição pelas universidades das regras de ingresso. Portanto, também não estamos de acordo com ela.
Em relação à proposta do Partido Socialista, no que diz respeito à avaliação da qualidade do ensino, em princípio, estamos de acordo, embora entendendo isto como um reforço ou uma garantia de uma situação que já existe e que, em nossa opinião, nunca esteve em causa. É nesse sentido que a entendemos e, em relação a esse sentido, não temos qualquer oposição.
Quanto ao alargamento da autonomia a outras instituições ou às demais instituições de ensino superior, há aqui, a nosso ver, algumas dificuldades, nomeadamente a de saber se isto, depois, tem efeitos práticos.
O Sr. Presidente: - Efeitos práticos tem! O problema é saber se esses práticos são bons ou não.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Os efeitos práticos que se pretendem.
O Sr. Presidente: - Os efeitos práticos são imediatos!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Ora, compreendendo a ressalva que o Sr. Presidente fez e que, de facto, tem todo o sentido, não nos parece que, com esta formulação, se venha garantir muito mais do que aquilo que já se garante através da lei. Portanto, não nos parece, com a interpretação restritiva que foi feita desta proposta, que haja um ganho tão grande em relação àquilo que já hoje existe e, deste modo, não nos parece de acolher.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados do Partido Socialista não tomaram posição quanto à proposta do Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, sobre essa proposta, talvez pudéssemos manter uma posição aberta e reservarmo-nos para a discussão dessa matéria em segunda leitura.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de sumariar a posição dos vários partidos, vou expor a minha opinião pessoal.
Penso que não há qualquer vantagem em alargar indiscriminadamente a autonomia universitária às restantes instituições do ensino superior. A realidade é tão diversa - desde os politécnicos, passando pelas escolas superiores de música, de dança, o Conservatório, a Academia Naval, Colégio Militar e toda uma série de instituições - que a aplicação, sem mais, deste tipo de autonomia provocaria soluções, a meu ver, de todo em todo, inconvenientes. E na impossibilidade de estabelecer aqui uma discriminação, penso que o prudente era, pura e simplesmente, não mexermos nos artigo e deixá-lo tal como ele se encontra, sem prejuízo de a lei, obviamente, poder estender a categorias destas ou a várias delas graus de autonomia mais ou menos intensos.
Estou de acordo com uma consideração, que me parece importante, do Sr. Deputado Luís Marques Guedes no sentido de que "meter no mesmo saco", mesmo que fôssemos dar um grau de autonomia a todas elas, a autonomia universitária, que tem uma tradição, uma filosofia, uma história, e as restantes instituições de ensino superior degradaria, 
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a meu ver, a eminência da autonomia universitária. Por mim, não vejo qualquer vantagem - aliás, só vejo desvantagens! - em alargar constitucionalmente a autonomia às restantes instituições de ensino superior.
Quanto às demais propostas, a do CDS-PP parece-me, de todo em todo, de rejeitar. Penso que alargar a autonomia das instituições de ensino superior à definição das suas próprias regras de ingresso é, de todo em todo, intolerável. Isso é uma tarefa do Estado, é uma tarefa geral, é uma tarefa que deve obedecer a princípios de igualdade, que, de facto, não se compadecem com a particularização de cada escola, sem prejuízo de dimensões de execução, de margens de discrição que a lei possa deixar em certas áreas muito restritas a cada uma das instituições.
Quanto à proposta do PS, a segunda parte parece-me de acolher.
Quanto à proposta do Sr. Cláudio Monteiro, sinceramente também não vejo vantagem, porque afirmar, em abstracto, uma autonomia patrimonial parece-me claramente excessivo. A autonomia científica, pedagógica e estatutária da universidade não carece necessariamente de autonomia patrimonial, que pode ser ajudada, é óbvio.
Por outro lado, o facto de não estar na Constituição não quer dizer que a lei não a consagre. O que penso é que uma afirmação geral e abstracta da autonomia patrimonial pode ser excessiva e, porventura, pouco prudente.
Portanto, por mim, destas propostas todas, veria com bons olhos a proposta do Partido Socialista relativa à garantia de adequada avaliação da qualidade do ensino, apesar de, mesmo esta, já ser apenas uma especificação, porque, garantindo a Constituição, como sabemos, a tutela do Estado sobre a administração autónoma (há uma regra geral no artigo 202.º, alínea d), se não estou em erro), dentro do âmbito da tutela do Estado sobre a administração autónoma sempre caberia esta e outras formas de tutela do Governo. E não é apenas esta, pois a lei pode prever outras formas de tutela sobre as universidades. Mas parece-me que não se perdia nada em especificar esta.
Posto isto, o apuramento que fiz das opiniões tomadas é o seguinte: em relação à proposta do PP sobre a autonomia de definição das regras de ingresso, ela tem a objecção de todos os demais partidos. A proposta comum ao CDS-PP e ao PS, de alargar a autonomia às restantes instituições de ensino superior, tem as objecções do PSD e do PCP. A segunda parte da proposta do PS, ressalvando a adequada avaliação da qualidade do ensino, tem o "sim" do PSD e do PCP, não se tendo pronunciado o CDS-PP.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Mas concordamos!
O Sr. Presidente: - Então, tem também o "sim" do CDS-PP. Quanto à sua formulação concreta, depois veremos.
A ideia de alargar a autonomia universitária à autonomia patrimonial tem a oposição do PSD e do PCP e uma abertura do Partido Socialista. Creio que reproduzi bem as posições adquiridas.
Posto isto, das quatro propostas que pus à consideração, fica adquirida a segunda parte da proposta do Partido Socialista.
Srs. Deputados, há propostas de novos números para este artigo, nomeadamente do Partido Socialista e do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Deputado Passos Coelho propõe um novo n.º 2, segundo o qual "O Estado financia o acesso ao ensino superior público, particular ou cooperativo dos cidadãos, nomeadamente através de empréstimos a reembolsar pelo seu valor real, sem juros, na data das prestações de restituição", e o PS propõe um novo n.º 3, de acordo com o qual "A lei assegura, em todas as instituições de ensino superior, a autonomia dos órgãos científicos e pedagógicos perante os restantes órgãos".
Como as propostas não têm nada a ver uma com a outra, proporia a sua discussão separada.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho não está presente, pelo que pergunto aos Deputados do PSD se adoptam ou perfilham esta proposta para efeitos de discussão. Isto não implica necessariamente perfilhá-la como tal, mas tão-só para efeitos de discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, não vemos que a especificação que resulta deste n.º 2 acrescente com vantagem algo àquilo que já decorre da alínea d) do n.º 3 do artigo 74.º, onde, genericamente, já se incumbe o Estado de "garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino (…)". Genericamente, o que este n.º 2 faz é, atendendo às eventuais dificuldades de alguns cidadãos, prever regimes específicos, neste caso, empréstimos.
A posição do Partido Social Democrata, genericamente e quanto a este tipo de normas, é a de que a Constituição não deve especificar aquilo que deve ser deixado, do nosso ponto de vista, à capacidade de decisão e de gestão do Governo da República ou da Assembleia da República, sobre matérias que têm a ver com a melhor forma de prover ao direito que os cidadãos têm, genericamente e garantido pelo Estado, de acesso aos graus superiores do ensino. Em cada momento, pode justificar-se esta medida ou aquela outra e parece-nos genericamente errado, como princípio, que a Constituição da República sirva para cristalizar determinado tipo de medidas de política que podem ser justificadas num determinado momento mas menos justificadas num outro, ou cuja complementarização seja aconselhável num outro ainda.
Apenas por esta razão de princípio - e não por discordarmos que o Estado possa adoptar uma medida deste tipo -, não vemos como uma vantagem para o texto constitucional, antes pelo contrário, a inclusão de uma norma deste tipo, como a proposta no n.º 2 do projecto assinado pelo Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Presidente: - Recordo apenas que esta proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho era convergente com a proposta de um dos nossos peticionários, aliás, o conhecido Henrique Medina Carreira, tal como a defendeu na audição pública a que procedemos, cuja proposta para o artigo 76.º, n.os 2 e 3, era, no fundamental, convergente com esta.
Passando adiante, temos a proposta do PS, relativa a um novo n.º 3, que, além da autonomia das universidades, como instituições, procura agora assegurar a autonomia, dentro de cada instituição, dos órgãos científicos e pedagógicos perante os restantes órgãos (supõe-se os restantes órgãos administrativos e de governo).
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Para apresentar e defender, se for caso disso, a proposta do PS, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, talvez seja a altura de esclarecer a questão há pouco colocada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes relativamente à contradição que existiria entre este n.º 3 e o anterior n.º 2.
O que aqui está em causa, efectivamente, é a autonomia, no interior da própria instituição de ensino superior, por parte dos órgãos científicos e pedagógicos, nomeadamente os conselhos científicos e os conselhos pedagógicos, em relação aos órgãos de carácter administrativo ou directivo, designadamente os conselhos directivos ou o director dessas instituições.
É um dispositivo que visa prevenir, no fundo, situações que já têm ocorrido de conflito entre estes órgãos, não apenas em instituições de ensino particular, porque, por vezes, elas também acontecem nas próprias instituições públicas.
Julgamos que a introdução deste novo número permitiria reforçar aquilo que nos parece ser um princípio fundamental a preservar, que é o de eliminar tentações de interferência por parte dos órgãos administrativos ou de gestão da faculdade nas competências próprias dos conselhos científicos e dos conselhos pedagógicos, nomeadamente, ou dos conselhos científicos nas competências próprias dos conselhos pedagógicos e vice-versa, uma vez que a questão também se pode pôr a esse nível, para que instituição funcione da forma mais saudável possível.
Portanto, nada tem a ver com a questão da autonomia relativamente a intervenções extra-universitárias, como é o que está em causa no n.º 2.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está posta à discussão esta proposta de consagração da autonomia intra-universitária dos órgãos científicos e pedagógicos das instituições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Reis, se assim é, não entende que isso é uma intromissão redutora do princípio geral da autonomia das universidades?
O Sr. António Reis (PS): - Do princípio…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Do princípio geral da autonomia!
O Sr. António Reis (PS): - Não, Sr. Deputado, justamente porque…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É redutor!
O Sr. António Reis (PS): - Não! São situações diferentes!
O que está em causa no número anterior é a autonomia do conjunto da instituição relativamente a interferências de carácter institucional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A instituição é que tem de resolver por si! O que o Sr. Deputado está a propor é que seja, desde já, a Constituição a resolver em nome da universidade!
O Sr. António Reis (PS): - Não! Aqui o que está em causa é completamente diferente! Estamos a tentar regular o tipo de relações que deve existir entre os órgãos dentro da instituição, entre os diferentes órgãos de cada instituição.
O Sr. Presidente: - Mas há um ponto em que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem razão: é óbvio que, obrigando a Constituição a autonomia pedagógica e científica dos respectivos órgãos, isso implica que a autonomia estatutária das universidades não inclui a liberdade de livremente estabelecer a organização interna das universidades, porque elas são obrigadas a consagrar órgãos autónomos científicos e pedagógicos. E, nesse aspecto, é uma limitação da autonomia estatutária.
O Sr. António Reis (PS): - Uma limitação por via constitucional…
O Sr. Presidente: - Claro! Claro!
O Sr. António Reis (PS): - … e não por via da actuação administrativa do Governo de cada momento!
O Sr. Presidente: - Certo!
O Sr. António Reis (PS): - Eu percebi! Obviamente!
O Sr. Presidente: - Portanto, o que está em causa é ...
O Sr. António Reis (PS): - O que estava em causa há pouco era a autonomia face ao Governo e não propriamente esta. Quando a Constituição regula isso…
O Sr. Presidente: - Está suficientemente distinguido. Parece-me que não há dúvidas sobre esse ponto, sobre o que está em causa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que entendemos como boa esta proposta, entendida neste sentido que o Sr. Deputado do Partido Socialista acabou de explicitar, e concordamos com ela. Embora sendo, tecnicamente, uma diminuição do âmbito da autonomia universitária, ela é perfeitamente justificável e só servirá para enriquecer o funcionamento das universidades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD não tem uma perspectiva favorável a esta alteração, desde logo, pelo seguinte: a primeira explicitação já foi dada pelo Sr. Deputado António Reis de que não se trata de uma norma virada para fora, porque, senão, teria a contradição para a qual eu já tinha chamado a atenção. Ora, sendo uma norma virada para dentro, do ponto de vista do PSD, não faz qualquer sentido porque, mais do que o exemplo que o Sr. Presidente acabou de explicitar, há uma outra questão ainda mais genérica, que é esta: o PSD entende que a autonomia universitária não é somatório de um conjunto de pequeninas autonomias que existem
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aqui e acolá e que, depois, todas juntas dão a autonomia universitária. A autonomia universitária, do ponto de vista do PSD, é um conceito unívoco, que se expressa em várias das vertentes que vêm enunciadas no texto constitucional.
Para que fique claro, esse princípio de autonomia universitária, tal e qual o PSD o entende, é um princípio homogéneo, mas também complexo, que se expressa, depois, em várias vertentes. Assim sendo, não faz qualquer sentido ou, no mínimo, é redutor desse conceito homogéneo de autonomia, estar a pôr-se em causa algumas das vertentes dessa autonomia como mais importantes ou menos importantes ou como conflituantes ou não conflituantes com outras formas de expressão dessa autonomia.
Entendemos que o princípio da autonomia universitária é um princípio homogéneo e que, como tal, deve ser deixada à própria instituição a definição em concreto e em todas as suas vertentes da forma harmoniosa de manifestação das várias vertentes que essa autonomia deve ter, que a Constituição, desde logo, diz quais são, mas que deve ser a própria realidade da instituição universitária a dirimir internamente qual a forma singular e própria como essa universidade decide organizar-se.
Não vemos que haja qualquer tipo de vantagem no abandono desta perspectiva das coisas no texto constitucional, porque, no fundo, o que resultaria, do ponto de vista do PSD, da inserção de uma norma deste tipo seria a leitura, quase que inevitável, de que, afinal, não há uma autonomia das universidades, há um conjunto de pequenas autonomias que estão consagradas na Constituição - a financeira, a pedagógica, a científica, a estatutária - e de todas elas gozam as universidades.
Não é essa a maneira como o PSD lê o actual texto constitucional e, por não ser essa, entende que a alteração proposta pelo PS é redutora do actual conceito de autonomia universitária. É mais neste sentido mais lato que o PSD coloca as suas objecções do que estritamente naquilo que se falou na intervenção anterior.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Compreendo a objecção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas com certeza que estamos ambos de acordo em que o conceito de autonomia aqui plasmado não é um conceito de autonomia absoluta, porque, se assim fosse, não teria havido abertura da sua parte à limitação que o PS propõe no n.º 2, ou seja, "(…)sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino".
Consequentemente, o n.º 3 estabelece, de facto, nesse aspecto - e aí tem lógica a observação que há pouco me fez -, uma segunda limitação em relação a essa autonomia global da universidade, que é a de internamente haver uma autonomia obrigatória dos órgãos científicos e pedagógicos perante os restantes órgãos. E porquê? Precisamente porque o que está aqui em causa, quando se pretende ressalvar esta autonomia dos órgãos científicos e pedagógicos perante os restantes órgãos, é, no fundo, dar uma garantia estatutária para a qualidade de ensino que se pretende preservar no número anterior.
É que, por vezes, há situações, sobretudo nas universidades privadas - todos temos conhecimento disso -, em que há uma pressão do objectivo do lucro económico que se pretende obter com a instituição, no sentido de se fazerem alterações, por exemplo, a planos curriculares de determinados cursos e de impor ao órgão científico responsável pela elaboração do plano curricular de cada curso determinadas cadeiras ou determinadas disciplinas que, em princípio, não fazem lá qualquer falta ou se encontram desadequadas, precisamente porque o órgão administrativo quer, através disso, obter um ganho em termos de captação de alunos e porque entende que aquilo pode dar mais lucro ao funcionamento da escola, prejudicando, eventualmente, a qualidade e a coerência do plano curricular de ensino.
É nesse sentido que se introduz, de facto, aqui uma segunda limitação, que visa, no fundo, garantir a efectivação da primeira limitação introduzida no n.º 2.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, serei breve.
Quero apenas perguntar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes se não considera que este dispositivo que consta da proposta do Partido Socialista poderia ter algumas virtualidades em termos de prevenir situações, como aquelas que se têm verificado no passado, sobretudo em instituições privadas, de conflitos entre os órgãos académicos e os órgãos de administração, sendo certo que, sobretudo nas instituições privadas, há um desequilíbrio de poderes e um ascendente evidente do órgão de administração relativamente aos demais órgãos ou aos órgãos académicos da universidade, e que a introdução deste dispositivo teria um efeito corrector e de prevenir a invasão de competências que, por vezes, se verifica do órgão de administração sobre os órgãos académicos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, com franqueza e respondendo directamente à sua pergunta, não entendo que isso seja vantajoso, ainda que para essa finalidade, e, genericamente, isso já tinha sido enunciado em tudo aquilo que o Sr. Deputado António Reis referiu.
O comentário que faço é o seguinte: continuo a não ficar convencido de que a forma adequada de permitir a ultrapassagem de situações como essa, que, obviamente, todos conhecemos e sabemos profundamente indesejáveis, não é a máxima "dividir para reinar". Porque, no fundo, o que decorre - em abstracto, compreenda-se - de uma proposta como esta que o Partido Socialista aqui faz é uma divisão de poderes dentro da autonomia universitária, é, dentro do complexo autonomia universitária, descer à malha pequena e autonomizar ainda mais uma determinada área de funcionamento específica da própria universidade - o exemplo que o Sr. Deputado António Reis deu é perfeitamente elucidativo disso -, beneficiando essa de uma protecção especial da parte do Estado, do nosso ponto de vista, com o efeito prático de, pura e simplesmente, torpedear e minar, de uma forma definitiva, o conceito genérico de autonomia universitária, porque isso seria, em abstracto, "dividir para reinar".
Quer dizer, parece-nos claro que essa é a forma mais rápida de acabar com a lógica de autonomia universitária, 
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porque a autonomia universitária, do nosso ponto de vista, tem de ter a tal perspectiva global que dê um carácter de homogeneidade.
Eu diria que a solução para o problema concreto que o Sr. Deputado situou passa, obviamente, pela fiscalização e pela avaliação da qualidade de ensino. Essa é que é a forma de intervenção correcta do Estado para prevenir e superar situações como aquelas que o Sr. Deputado citou a título de exemplo. Fora disso, parece-nos que o desejável, decorrente do princípio geral de autonomia universitária, é que todas as vertentes, todas as "forças" internas da realidade do instituto universitário estejam condenadas a entender-se, para bem da qualidade de ensino que, esse sim, é o padrão de aferição pelo qual o Estado irá permanentemente julgar a performance dessa realidade universitária, que o Estado dota de autonomia.
Fazer diferentemente, com franqueza, Sr. Deputado, continuo a achar que não é a forma positiva de atacar o problema, pelo contrário, é redutora e é uma forma singular de dividir um conceito que tem virtualidades enquanto tido como um todo e que, do nosso ponto de vista, perde claramente quando se começar a atacar desse modo, ainda que por razões válidas como aquela que foi explicitada pelo Sr. Deputado António Reis, e quando começar a ser compartimentada pelo próprio texto constitucional ou pelo texto legal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, se há, efectivamente, uma situação redutora da autonomia universitária é aquela que conduzirá à não aprovação desta proposta, que leva, na prática, a privilegiar, dentro dos órgãos das instituições de ensino superior, os seus órgãos directivos e administrativos, que são quem tem "a faca e o queijo na mão" em última análise, e, consequentemente, a autonomia passa a ser, na prática, exclusivamente a autonomia do órgão directivo e administrativo da instituição do ensino superior.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas autonomia também é responsabilidade, Sr. Deputado!
O Sr. António Reis (PS): - Isso é que, para mim, é, efectivamente, uma concepção redutora da autonomia da universidade, é reduzi-la à autonomia do órgão administrativo e directivo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que os argumentos estão trocados e as posições estão definidas.
Esta proposta tem o acordo do PCP, mas a oposição do PSD. No estado actual da questão, demonstra inviabilidade.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 77.º, n.º 1, para o qual existem propostas do PSD e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O actual n.º 1 tem a seguinte redacção: "Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei". O PSD propõe que a sua redacção passe a ser "Os professores e alunos participam na gestão das escolas, nos termos da lei", saindo, portanto, a expressão "têm direito" e o qualificativo "democrática"; o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, por seu lado, propõe que a sua redacção passe a ser "Os professores, os alunos e os pais têm o direito de participar na gestão das escolas, nos termos da lei", tendo acrescentado a expressão "e os pais" e subtraído o qualificativo "democrática", tal como o PSD.
Para apresentar a sua proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso explicitar que a substituição, por parte do PSD, de "têm o direito de participar" por "participam" tem como lógica - e essa é a intenção do PSD ao propor esta alteração - o reforço, actualizado, daquele que é o actual preceito constitucional.
De facto, neste momento, a participação dos professores e alunos na gestão das escolas vai sendo já uma realidade. Portanto, a proposta do PSD é no sentido de cristalizar uma realidade. Neste caso, ao contrário do que já vimos relativamente a outros artigos da Constituição, mais do que ter o direito de participar é evoluir já no texto constitucional e dizer claramente que "os professores e alunos participam". Trata-se de uma realidade que se impõe por si, que já não sofre contestação, e é esse o objectivo do PSD.
Quanto à questão de tirar o adjectivo "democrático" das escolas, ela tem a ver com aquilo que o PSD chama a limpeza semântica. Não vemos que o termo "gestão democrática" aqui acrescente o que quer que seja quanto à gestão das escolas tout court. Não equacionamos a participação dos professores e dos alunos na gestão da escolas que não seja numa perspectiva democrática e é apenas por isso, dentro da lógica de limpeza semântica que fizemos em vários artigos, que suprimimos aqui o termo "democrático".
O Sr. Presidente: - Nesse ponto a vossa proposta é convergente com a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, porém, acrescenta aos professores e alunos "os pais".
Srs. Deputados, estão à vossa consideração estas propostas
Tem a palavra Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, há uma tensão, verdadeira ou não, em resultado da abordagem legislativa que, nos últimos anos, tem sido feita dos modelos de gestão das escolas. Dessa abordagem tem resultado uma tensão entre aquilo que poderíamos chamar "critérios de eficácia" na gestão das escolas e aquilo que seria o funcionamento democrático dos órgãos de gestão dessas mesmas escolas.
No nosso entender, esta solução apresentada pelo PSD significaria, no fundo, um aniquilamento do princípio democrático na gestão das escolas, o qual o PSD dá por um adquirido, o que não justifica a consagração constitucional,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Graças a Deus!
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - ... mas, infelizmente, não é um adquirido tão adquirido como nós gostaríamos que fosse, e, por outro lado, a assunção de que as escolas deveriam ou teriam primordialmente de prosseguir metas de gestão, coisa que, seguramente, não estava na intenção dos autores desta proposta.
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Como as finalidades da escola são e continuarão sempre a ser finalidades educativas, cívicas e democráticas, o ganho, a vantagem ou as virtualidades da actual redacção da Constituição não se esgotam, não perdem actualidade, e, portanto, no nosso entender, não tem acolhimento esta sugestão do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que julgo que, em vastas áreas do nosso sistema de ensino, este direito não está tão adquirido quanto isso. Se tivermos em atenção, especialmente e por exemplo, a participação dos alunos, o direito não estará, em muitos casos, tão adquirido quanto isso.
Lembro, por exemplo, a situação de muitos estabelecimentos privados em que há obstáculos sérios a essa participação, e mesmo em estabelecimentos públicos nos níveis mais baixos de ensino - e não estou a falar, obviamente, do ensino básico mas, sim, no ensino secundário - não me parece que esteja completamente adquirido. Portanto, parece-nos mais vantajosa a formulação actual da primeira parte do n.º 1.
Por outro lado, para nós, também não tem qualquer sentido este exorcismo da expressão "democrática" no referido n.º 1. Parece-nos que é um qualificativo que tem um significado próprio, e não só histórico, e que, portanto, deve continuar a manter-se no preceito que estamos a discutir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Srs. Deputados do Partido Socialista, vamos falar claro: se por "gestão democrática" se entende uma gestão legitimada através do voto, uma gestão electiva, é evidente que não estamos de acordo, mas também não é essa a realidade das nossas escolas, não é essa a realidade do modelo de gestão das escolas; portanto, o único contexto em que actualmente…
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Mas, Sr. Deputado, é isso que se passa! É disso que se trata!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De uma gestão electiva?! Mas não é esse o modelo! E, que eu saiba, o Partido Socialista nem sequer alterou o modelo de gestão das escolas que está na lei e que está em vigor!
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente: - Não é, não! Nas escolas do ensino secundário, hoje, não é necessariamente electiva!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é necessário o conselho directivo, pelo contrário, há uma nova lei de gestão…
O Sr. Presidente: - Há um director... A administração, com participação, é certo, dos pais e dos alunos,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! E das autarquias!
O Sr. Presidente: - … mas a entidade gestora hoje, no fundamental, é um director.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma realidade!
O Sr. Presidente: - É uma disposição da lei aprovada pelo governo do PSD!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! E que está em vigor! O Governo do PS não a pôs em causa, salvo erro, porque estou agora a falar um pouco de cor, nem quando essa reforma foi feita, ainda no tempo do Ministro Roberto Carneiro, nem posteriormente, e, se o fez foi só relativamente a aspectos pontuais da lei de gestão da escolas, não foi quanto à questão de fundo do modelo em si. O modelo em si, tanto quanto me posso recordar - e não vale a pena agora interrompermos a reunião para irmos ver os canhenhos, porque estamos também na primeira leitura e o Partido Socialista, com certeza, terá oportunidade de verificar com mais cuidado as posições que assumiu na altura -, passou com o beneplácito do Partido Socialista e da generalidade dos partidos. Penso que apenas o Partido Comunista, na altura, questionou o modelo de fundo.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - O Partido Socialista também questionou!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não o modelo de fundo! Pode ter questionado aspectos pontuais do modelo de gestão, mas, de qualquer maneira, chamo a atenção para isso.
Porque, a não ser assim, como não é, pelo menos, a legislação está em vigor e o Partido Socialista é governo há um ano e ainda nada fez para a mudar; a ser esse outro o entendimento do texto constitucional, essa legislação é claramente inconstitucional. Além de o PS estar no governo há um ano e essa legislação já existir há cinco ou seis, nunca foi impugnada a sua constitucionalidade por parte do Partido Socialista.
Portanto, entendamos, desde logo, que não pode ser esse - ou, então, é uma descoberta recente da parte do Partido Socialista - o conceito da Constituição.
O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Creio que não! Seguramente que não! E seguramente que era uma coisa que rapidamente a comunidade levaria o Partido Socialista a rever, se viesse a adoptar uma posição dessas neste momento.
Mas, em qualquer circunstância, não sendo essa a realidade, é evidente que o termo "democrática", tal qual está na Constituição, não pode ter outro significado que não seja apenas o significado emblemático, como se colocou em tantos outros artigos da Constituição, pela linguagem que era utilizada na altura, porque se utilizava o termo "democrático". Como também acabou por ficar na Constituição, embora 
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nem todos o quisessem inicialmente, que Portugal é um Estado de direito democrático, é evidente que todas as formas de intervenção por parte do Estado, genericamente, em mecanismos tão importantes como a política de ensino e a gestão das escolas, terão de ser sempre, por natureza, numa perspectiva democrática lato sensu, porque, stricto sensu, não é essa a legislação que existe.
Portanto, entendamo-nos: o Partido Socialista que tenha a certeza daquilo que está a defender em termos de gestão da escolas. Pela parte do PSD, claramente entendemos que, como actualmente a gestão não é democrática, no sentido de electiva - se é democrática, é apenas por uma questão de referencial -, de facto, justifica-se a limpeza semântica. Já assim é, porque estamos num Estado de direito democrático.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não vamos dramatizar esta questão, porque, em última análise, esta redacção tem uma conotação histórica evidente, até porque toda a Constituição, malgrado as suas múltiplas revisões, é produto de uma revolução democrática que derrubou um regime autoritário. E, consequentemente, é natural que em muitos dos seus artigos figurem expressões que visem acentuar bem a diferença que passou a existir com um regime democrático em múltiplos aspectos da realidade relativamente àquilo que existia durante o regime autoritário anterior. É isso, fundamentalmente, que está aqui em causa neste artigo.
De facto, antes do 25 de Abril, antes da revolução democrática, não havia sequer o direito de participar na "gestão democrática" e daí também a importância desta expressão "têm o direito". É um direito adquirido com a Revolução e com a Constituição de 1976.
Por isso, entendo que é útil que continue a figurar a expressão "têm o direito". Foi um direito que Revolução e que a Constituição de 1976 trouxeram. Nesse sentido, deve estar aqui devidamente inserido.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não acha mais forte "participam"?
O Sr. António Reis (PS): - Não, não! A expressão "têm o direito" põe muito mais em evidência o facto de antes não haver esse direito e com a Revolução e com a Constituição de 1976 passar a haver esse direito. O "participam" é uma coisa sem tempo, sem história.
O mesmo se diga da expressão "democrática", porque antes da Revolução e antes da Constituição de 1976 não havia, de facto, gestão democrática nas escolas. Agora, com mais ou menos eleições, com algumas alterações ou não que foram feitas à lei da gestão da escolas, o certo é que a gestão é incomparavelmente muito mais democrática…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!
O Sr. António Reis (PS): - … do que aquela que existia antes do 25 de Abril.
Portanto, olhemos para este artigo com os olhos da História, com a memória da Revolução e com a memória da Constituição de 1976.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está apurado o sentido. A proposta do PSD tem a oposição do PS e do PCP.
Não foi considerada, porque o seu autor não está cá, mas não sei se alguém quer adoptar a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro para aditar "a participação dos pais" na gestão das escolas.
Pausa.
Srs. Deputados, como não há quem adopte a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, vamos passar ao artigo 78.º, que tem como epígrafe "Fruição e criação cultural".
O CDS-PP propõe uma revolução neste artigo. Propõe, desde logo, a alteração da epígrafe de "Fruição e criação cultural" para "Património cultural", sendo certo que a questão do património cultural é apenas uma componente daquela. Como propõe que se passe apenas a garantir o património cultural, altera a actual redacção do n.º 1 "Todos têm o direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural" para "Todos têm o direito de fruir o património cultural, bem como o dever de o preservar, defender e valorizar" e, depois, no n.º 2, retém apenas as alíneas que se referem especificamente ao património cultural, ou seja, as três últimas.
O PSD, por seu lado, também apresenta propostas para o n.º 1 e para algumas das alíneas do n.º 2. Deixando de lado agora as propostas para as alíneas do n.º 2, o PSD propõe a seguinte redacção para o n.º 1: "Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural e as artes e ofícios tradicionais". É este o conteúdo da proposta do PSD, portanto é um aditamento.
Têm a palavra os respectivos autores, se o quiserem fazer, para justificarem as suas propostas.
O Sr. Deputado do PP quer acrescentar algo ao seu projecto? Eu, de resto, já o apresentei.
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é pena que não esteja ninguém do Partido Ecologista Os Verdes, porque já não me recordo exactamente em que artigo é que foi levantada a questão, salvo erro, da medicina tradicional, mas foi certamente a propósito de um dos artigos anteriores que aqui foram discutidos.
Como, na altura, foi dito pelo PSD, em sede do artigo da saúde propriamente dito, isso levantava-nos e levanta-nos uma série de objecções e uma série de questões, que, de resto, se bem me recordo da discussão, o próprio Partido Ecologista Os Verdes acabou por reconhecer não ficarem resolvidas pela proposta que então fazia a propósito desse artigo. E, na altura, o PSD teve também ocasião de dizer que numa perspectiva, essa, sim, perfeitamente aceitável e defensável de salvaguarda do património cultural lato sensu, via com vantagem a inscrição no texto constitucional de uma referência expressa, genericamente, às artes e ofícios tradicionais, neles incluindo todas 
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as formas de expressão que este tipo de actividades tradicionais possa ter, não discriminando se é a questão dos curandeiros ou a questão dos Pauliteiros de Miranda ou o que quer que seja.
Há, de facto, um conjunto de actividades tradicionais que, do ponto de vista do PSD, fazem parte do conceito genérico de património cultural e que são uma realidade, até pelo risco real de que, hoje em dia, são vítimas, neste processo de desenvolvimento em que Portugal, à semelhança das outras sociedades ocidentais, está envolvido. São actividades que, de facto, são ameaçadas no dia-a-dia e parece que se justifica - é essa a razão de ser da proposta do PSD - uma explicitação, uma particularização, sendo certo que, no fundo, e desde já me antecipo a essa eventual questão, o conceito de património cultural lato sensu abarca já estas realidades.
Mas, de facto, face ao perigo real, da realidade do dia-a-dia, que se traduz em alguns atentados mais ou menos graves contra actividades tradicionais e artes tradicionais do nosso povo, parece-nos que este enfoque não é descabido, pelo contrário, justifica-se plenamente.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, estão à consideração estas duas propostas, a do PP e a do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, em primeiro lugar, quanto à proposta do PP, parece-nos, de todo em todo, inaceitável, como é óbvio, a supressão da inscrição na Constituição do direito à fruição e criação cultural e a adopção de uma perspectiva extremamente empobrecedora, ao referir apenas "o direito de fruir o património cultural", que é algo muito mais restrito. De resto, o PP nem é completamente coerente na sua própria proposta, na medida em que, no n.º 2, as alíneas b) e c) só com dificuldade é que podem ser inseridas no conceito de património cultural.
Parece-me, pois, que, além do mais, além da concepção de fundo, com a qual pura e simplesmente não nos identificamos e que consideramos, de todo em todo, descabida, até do ponto de vista técnico a proposta é incoerente.
Quanto à questão da inscrição das artes e ofícios tradicionais, podemos ver vantagens nesta matéria. Não será por iniciativa do PCP que este aditamento não será feito, embora façamos, desde já, uma declaração claríssima: é que não concebemos património cultural que não inclua as artes e ofícios tradicionais, as medicinas tradicionais ou tudo aquilo que for entendido. E o problema que se coloca, nesta matéria, a certa altura, é o seguinte: porquê inscrever aqui autonomamente as artes e ofícios tradicionais e não pormenorizar todas e cada uma das componentes do património cultural? Isto porque - e creio que estaremos todos de acordo e isto será inteiramente pacífico - o património cultural não é, obviamente, o património construído, o património erudito. Creio que isto é algo que está plenamente adquirido por todos nós.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, quero começar por fazer justiça ao Partido Popular, porque, ao contrário do que poderíamos deduzir de intervenções anteriores, de facto, a fruição e a criação cultural não foram abolidas do texto constitucional pelas propostas do Partido Popular. Se formos reler as suas propostas, verificamos que ele conserva o incentivo de todos à criação e fruição culturais, concretamente na proposta para o n.º 2 do artigo 73.º constante do seu projecto de revisão. Portanto, a proposta do Partido Popular tem de ser lida em articulação com aquilo que também está proposto para o artigo 73.º, porque aqui a única coisa que sucede é que, como o PP pretende uma formulação muito mais sintética destas questões da política cultural no texto constitucional, reduzindo o artigo 78.º ao património cultural.
De qualquer modo, nós consideramos que a importância da cultura justifica que não se veja reduzida ou sintetizada com tanta pressão como aquela que…
O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Deputado António Reis permite-me só uma observação…
O Sr. António Reis (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A sua chamada de atenção é importante mas também com um aditamento: é que nos termos em que está escrito o n.º 2 do artigo 73.º, por um lado, não significa que seja garantido o direito à cultura e, por outro lado, aparece ligado à promoção da educação e da cultura e não propriamente ao direito à criação e fruição cultural para todos os cidadãos, independentemente do sistema de ensino.
O Sr. António Reis (PS):   Evidentemente! Eu próprio acentuei que a pressão sintetizadora utilizada pelo PP neste caso foi excessiva. Portanto, nós entendemos que se justifica que o artigo 78.º continue consagrado a esta noção muito mais vasta e rica da fruição e criação cultural, que engloba a própria defesa e valorização do património cultural.
Relativamente à proposta do PSD, o Deputado Luís Marques Guedes, com certeza, compreenderá que a revisão constitucional não se destina a privilegiar, de tantos em tantos anos, dentro da obrigação vasta de defender o património cultural, as formas de património cultural que conjunturalmente podem estar mais em perigo. A ser assim, provavelmente, daqui a quatro anos, tínhamos de acrescentar às artes e ofícios tradicionais o folclore tradicional de cada região,…
O Sr. Presidente: O património fotográfico!
O Sr. António Reis (PS):   … o património fotográfico, o património arqueológico e por aí fora.
O conceito de património cultural é um conceito riquíssimo que abrange variadíssimos tipos de património, como muito bem sabe, nomeadamente o arqueológico, o arquitectónico, o folclórico, o musical, o etnográfico, etc., e as artes e ofícios tradicionais são uma das múltiplas formas de património cultural. Por que razão as deveríamos aqui discriminar e não discriminar todas as outras? Do mesmo modo que, em relação à criação cultural, poderíamos também discriminar a criação pictórica, escultórica, arquitectónica, musical, literária e por aí fora.
Portanto, nós temos a felicidade de possuir aqui conceitos suficientemente abrangentes e ricos, que englobam variadíssimas formas de concretização e de expressão, pelo
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que entendo que não se justifica eleger uma das múltiplas formas que esses conceitos podem revestir e plasmá-la no texto constitucional, em detrimento de todas as outras.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não é em detrimento!
O Sr. António Reis (PS): Na prática, está a privilegiar-se uma e não estão a privilegiar-se outras.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas não é em detrimento, porque o conceito de património cultural, como bem frisei, mantém-se.
O Sr. António Reis (PS): Claro! Mas, ao eleger aquela, está a excluir outras da explicitação, está a dar-lhe um estatuto especial dentro do conceito mais vasto.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados do PSD, não se pronunciaram quanto à proposta do PP.
Pausa.
Não são obrigados a tomar posição, como é óbvio, mas, para o caso de a terem, ficaria registada.
Pausa.
Srs. Deputados, está apurado o sentido da discussão, ou seja, as propostas em apreciação não têm viabilidade.
A proposta do CDS-PP mereceu as objecções do PS e do PCP e o mesmo se diga em relação à proposta do PSD.
Portanto, as propostas relativas ao n.º 1 do artigo 78.º não têm acolhimento.
Passamos ao n.º 2 do mesmo artigo, relativamente ao qual tínhamos uma proposta de eliminação das alíneas a) e b), apresentada pelo PP, mas, como isso decorre da alteração que estava proposta para o n.º 1, salvo melhor opinião, está prejudicada.
Assim sendo, resta a proposta do PSD e a do Deputado Cláudio Monteiro, para a alínea a), que visam apenas, se bem leio, eliminar a expressão "em especial dos trabalhadores". Ou seja, a Constituição estabelece que incumbe ao Estado "Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio" e o PSD e o Deputado Cláudio Monteiro propõem a eliminação da expressão "em especial dos trabalhadores", além de escreverem a palavra "país" com letra maiúscula, sendo que, na Constituição, está com letra minúscula.
O Sr. Luís Sá (PCP): E também a eliminação da expressão "e assegurar".
O Sr. Presidente:   Sim! Tem razão, Sr. Deputado.
Na Constituição, consta a expressão "Incentivar e assegurar" e na proposta do PSD consta apenas a expressão "Incentivar o acesso".
Estão registadas as alterações, com a ajuda do Sr. Deputado Luís Sá.
Para justificar a proposta do PSD, se o desejar fazer, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, começo por aquilo para que o Sr. Deputado Luís Sá já chamou a atenção, acrescentando, como é nosso dever, que, naquilo que respeita à supressão do termo "assegurar" - e independentemente de eu explicitar o porquê desta sugestão do Partido Social Democrata -, talvez tenha perdido alguma actualidade, uma vez que, à partida, não houve, para já, receptividade, nomeadamente da parte do Partido Socialista, para rever o artigo 73.º, houve receptividade para, eventualmente, o partir em dois ou mais artigos mas não propriamente para rever a sua terminologia. No n.º 3 do actual artigo 73.º fala-se em incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural e, portanto, a alteração dessa expressão aqui, nesta alínea a), conforme o PSD propõe, decorreria também, necessariamente, de uma correcção no artigo 73.º, para a qual, até ver e à partida, não houve grande receptividade, embora o PSD propusesse uma reformulação deste capítulo que contemplava também este aspecto.
Dito isto, explicito apenas, em qualquer circunstância, o porquê de o PSD fazer esta proposta.
Trata-se de uma questão fundamentalmente pragmática: parece-nos claro, a nós, PSD, que não existe meio real e sério, a não ser numa concepção diferente de Estado daquela para a qual, felizmente, do ponto de vista do PSD, o Estado português evoluiu depois da Revolução do 25 de Abril, de o Estado assegurar aquilo que consta da alínea a). O Estado poderá, com certeza, incentivar, mas assegurar… Por exemplo, podemos ver que esse termo é utilizado noutros artigos da Constituição, como aquele que acabámos de analisar, relativo ao ensino, e apenas é utilizado na alínea do "ensino básico, universal, obrigatório e gratuito", porque, de facto, nesse caso, o Estado assegura. E assegura mesmo! Doa a quem doer, custe o que custar, o Estado tem de assegurar, mas já se utiliza outro tipo de verbo, outro tipo de terminologia, quando se trata de falar de outras realidades.
Parece-nos a nós - e é apenas essa a razão de ser da supressão da palavra assegurar - que, não sendo real que o Estado tenha capacidade para assegurar o que consta desta alínea, então, a Constituição não o deve estabelecer. Além de que, em abstracto, nós entendemos que o que ao Estado incumbe, de facto, é incentivar o acesso dos cidadãos à cultura, mais do que assegurar, o que seria uma perfeita utopia e não sei até que ponto é que seria sequer desejada em virtude da expressão de controle ou de domínio da acção cultural a que isso porventura levaria.
Quanto à segunda proposta, que é, de resto, coincidente com a proposta também apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro, da supressão do inciso "em especial dos trabalhadores", parece-nos não só que é uma terminologia claramente desajustada, um conceito de privilégio que presidiu ideologicamente à redacção inicial da Constituição - um privilégio às classes trabalhadoras, numa clara divisão entre aquele que era o País que trabalhava e o que não trabalhava, segundo uma determinada concepção e divisão das coisas - como ainda, de um ponto de vista mais genérico, o PSD entende que, nesta, como noutras matérias, não há razão absolutamente nenhuma para, do nosso ponto de vista, privilegiar ou particularizar um determinado grupo de cidadãos, nomeadamente em face de um direito que deve ser tão horizontal e tão universal como o do acesso à acção cultural, à fruição e criação cultural, à acção cultural lato sensu.
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Não nos parece que seja próprio a Constituição privilegiar, priorizar ou dar uma ênfase especial a um determinado grupo de cidadãos portugueses, cuja delimitação, ainda por cima, como acabei de referir, hoje em dia não faz grande sentido ou, pelo menos, a sua delimitação em concreto é profundamente difícil, senão impossível, no actual modelo de sociedade que temos.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está à consideração a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, em relação à primeira das eliminações propostas, a do predicado "assegurar", somos contra, porque entendemos que essa expressão vem conferir um grau de responsabilização do Estado muito superior àquele que lhe é conferido pelo predicado "incentivar". A nossa ideia é a de que, de facto, faz sentido um predicado com esta força, porque leva o Estado a criar instrumentos, a criar infra-estruturas, nomeadamente, que permitam a efectivação deste direito, o qual, de outro modo, poderia ser meramente teórico.
Quanto à segunda eliminação proposta, nada temos a objectar, porque a expressão "todos os cidadãos" engloba, obviamente, os trabalhadores.
De facto, há situações em que o perfume histórico da Constituição pode ser suavizado, há outras em que ele continua a fazer sentido, e esta talvez seja uma das situações em que o perfume histórico da Constituição pode ser claramente suavizado ou mesmo eliminado. Até porque, hoje em dia, se a quiséssemos adequar…
O Sr. Presidente: Há situações em que o perfume pode ser retirado sem prejuízo da substância.
O Sr. António Reis (PS): Exacto! Até porque, hoje em dia, se quiséssemos actualizar a Constituição neste aspecto, se calhar, deveríamos substituir a expressão "trabalhadores" pela expressão "socialmente excluídos", muito mais em voga e, decerto, talvez mais pertinente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mais actual!
O Sr. António Reis (PS): Até porque a experiência mostra que, infelizmente, é necessário incentivar e assegurar o acesso à cultura por parte de outros grupos sociais que nem sequer são os "socialmente excluídos". Há grupos sociais altamente privilegiados que, infelizmente, bem precisavam de um incentivo especial para acederem aos meios culturais e para se cultivarem um pouco melhor.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à primeira proposta referida, a de suprimir o inciso "assegurar", o Sr. Deputado António Reis disse palavras com as quais, no essencial, nos identificamos, pelo que apenas acrescento que há que fazer justiça à Constituição, isto é, a ideia de incentivar e assegurar não resulta, na concepção constitucional, da actuação exclusiva do Estado, resulta da actuação do Estado em colaboração com todos os agentes culturais. E, naturalmente, não se trata de garantir sem mais e de um momento para o outro, trata-se de um programa constitucional que creio que ficaria empobrecido se isto fosse suprimido. Portanto, não está em causa uma concepção estadualizante de cultura, como, eventualmente, se poderia deduzir de algumas expressões do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Quanto à questão dos trabalhadores, creio que esta norma tem, naturalmente, um sentido histórico. Tratou-se de combater uma concepção segundo a qual a mão-de-obra assalariada não teria direitos, designadamente, direitos de criação e fruição cultural, razão pela qual foi consagrada esta discriminação positiva. É evidente que a consagração desta discriminação positiva não significa, de forma nenhuma, que sejam menosprezadas ou passadas para segundo plano outras camadas, como, por exemplo, os "socialmente excluídos". De resto, se o PS e o PSD quiserem acrescentar, a seguir a "trabalhadores", os "socialmente excluídos", estaremos inteiramente abertos.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, a discussão mostra que não há acolhimento da proposta do PSD no que respeita à eliminação da expressão "e assegurar"; quanto à segunda parte, à eliminação do inciso "em especial dos trabalhadores", tem o acolhimento do Partido Socialista e a oposição do PCP. De resto, nesta segunda parte, a proposta do PSD coincide também com a proposta do Deputado Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, havia ainda uma proposta de aditamento, do Deputado João Corregedor da Fonseca, mas parece-me que já está contida na segunda parte da alínea b) do artigo 78.º. Entretanto, o Sr. Deputado também não se encontra presente.
Havia também uma proposta de aditamento, apresentada pelo PSD, de um artigo 78.º-A, dedicado à autonomização do direito à investigação científica, mas a questão já foi discutida noutra sede, a propósito do artigo 73.º. Nessa altura, o PCP manifestou reservas e o PS manifestou abertura a esta autonomização. Portanto, ficamos no estado em que estávamos e não vale a pena retomar essa questão.
Vamos, então, passar ao artigo 79.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ficamos no estado em que estávamos, com uma alteração que foi proposta pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:   Exacto! Com uma alteração de redacção para o n.º 1, a qual foi proposta por mim e acolhida pelos proponentes. Ou seja, em vez de "Todos têm o direito (…)", passou a ler-se "É garantido o direito à criação e investigação científica".
Vamos, então, ao artigo 79.º, Srs. Deputados.
Em relação ao n.º 1 do artigo 79.º, existe uma proposta do PSD, no seguinte sentido: na Constituição, onde se estabelece que "Todos têm direito à cultura física e ao desporto", o PSD propõe que se estabeleça que "Todos têm direito à educação física e ao desporto".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, isso já foi aqui discutido a propósito de um outro artigo e, na altura, o Sr. Deputado Luís Sá disse que havia uma diferença entre os conceitos, a qual tinha uma razão de ser, tendo reservado a explicitação para o seu tempo. Ora, parece-me que é este o momento.
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De facto, para o PSD, o termo "cultura física" é de difícil compreensão, pelo facto de não ser a linguagem normalmente utilizada para identificar as situações que, do ponto de vista do PSD, se pretendem abarcar com o que está neste artigo. O termo genericamente utilizado, goste-se ou não se goste muito dele, é o termo "educação física e desporto" e a proposta do PSD tem em vista tão-só a adequação da terminologia constitucional àquela que é a terminologia genericamente utilizada no quotidiano para identificar essa realidade.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, apenas porque fui expressamente desafiado, o fundamental que se coloca nesta matéria é o seguinte: a expressão "educação física" remete para a educação formal, desde logo e sobretudo para a prática do desporto e da cultura física pelo próprio, o que significa que exclui outros aspectos que não têm propriamente a ver com a educação e muito menos com a educação formal. Refiro-me, por exemplo, ao direito à prática desportiva, ao direito a dispor de circuitos de manutenção para o acesso à saúde, uma vez que ela também passa por aí, ao problema da fruição como espectador, que é algo que pode estar ligado à prática e ao apoio à competição, e à alta competição.
Nesse sentido, parece-nos que o conceito de "direito à cultura física" é muito mais rico do que o do "direito à educação física", o qual remete, por exemplo, para a educação física nas escolas, para o ensino superior de educação física ou para outros níveis de ensino e não propriamente para as questões da prática desportiva, da manutenção e, inclusive, do direito à fruição da prática desportiva como espectador.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, nós subscrevemos a argumentação do Sr. Deputado Luís Sá.
A expressão "cultura física" é mais abrangente, mais rica, e deve permanecer no texto constitucional.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, a proposta do PSD, que acabámos de apreciar, não tem acolhimento, pelo que vamos passar ao n.º 2 do artigo 79.º.
Relativamente a este número, existe uma proposta do PCP que consiste em retirar a expressão "(…) bem como prevenir a violência no desporto", que o PCP autonomiza num novo n.º 4 e que não vamos agora discutir, porque a discutiremos quando apreciarmos a proposta de novo número, acrescentando, em vez dela, a expressão "visando a sua generalização", referindo-se à cultura física e ao desporto.
Para apresentar esta proposta, apenas quanto a este aspecto, isto é, quanto ao acrescento, na parte final do n.º 2, da expressão "visando a sua generalização", tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP):   Sr. Presidente, conforme já salientou, a questão da violência no desporto está, no nosso projecto, prevista noutro número.
Em relação ao acrescento da expressão "visando a sua generalização", a ideia que temos é a de que, tendo o fenómeno desportivo, a cultura física e o desporto uma importância fundamental na formação de cada indivíduo e na própria vida em sociedade, no enriquecimento da vida em sociedade, se justifica incluir neste artigo, relativo à cultura física e ao desporto, uma preocupação especial com o alargamento destes fenómenos e a sua generalização como objectivo a atingir. Pensamos que isto não é, de maneira nenhuma, um dado adquirido e, portanto, só temos a ganhar com o conteúdo de alguma maneira programático da nossa Constituição nesta matéria, tendo em vista o alargamento ao maior número possível de cidadãos do acesso à cultura física e ao desporto.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente, não nos parece haver grande utilidade na formulação que o PCP agora preconiza. Pensamos que, no fundo, todo o conjunto do artigo acaba por se tornar repetitivo.
O Sr. Presidente: Só está em causa o n.º 2, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Certo! Mas, enfim, Sr. Presidente, a verdade é que, como o que se está a pretender é substituir uma fórmula que parece muito precisa - sintética mas muito precisa -, e que é genérica, por uma que, na nossa opinião, nada acrescenta ao que já existe na Constituição, neste n.º 2, quanto à sua substância, não nos parece ser de incluir.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, o PSD não concorda com esta alteração e não apenas por considerar que nada acrescenta, pois entendemos que a proposta do Partido Comunista não é só para pintar de cor-de-rosa ou dourado o texto constitucional.
A leitura que o PSD faz desta proposta do Partido Comunista, fundado, de resto, em algumas práticas a que, apesar de sermos novos, conseguimos assistir, historicamente, é a seguinte: trata-se de algo que tem a ver com aquilo que ficou conhecido como "as políticas de massificação do desporto", ao qual o PSD frontal e claramente se opõe, por entender totalmente desajustado. O único efeito prático deste acrescento do Partido Comunista, mas que seria, de facto, um efeito prático, seria a necessidade de o Estado, de uma forma ou de outra, de uma forma mais idêntica ou menos idêntica à anteriormente registada, se ver obrigado a prosseguir políticas de massificação da actividade desportiva, da actividade física e desportiva. Nesse sentido, não concordamos com a alteração do texto constitucional.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, esta proposta não tem viabilidade, uma vez que se regista a oposição do PS e do PSD.
Vamos passar à proposta de aditamento do PCP, que propõe nada menos do que três novos números, sendo que um deles recupera a parte final do actual n.º 2 do artigo 79.º, conforme, há pouco, referi.
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Para apresentar simultaneamente os três argumentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP):   Sr. Presidente, em relação ao novo n.º 3 que propomos, por um lado, entendemos que reconhece e tem como base o papel prático fundamental que o associativismo desportivo tem tido, muitas vezes ou até, em larga medida, em substituição do próprio Estado, no fomento do acesso ao desporto e à cultura física dos cidadãos. Portanto, consideramos que tem sido o associativismo desportivo a propiciar o acesso à cultura física e ao desporto por parte de um conjunto muito largo de cidadãos, sendo esse um dos fundamentos desta proposta.
Por outro lado, julgamos também não ser despiciendo o facto de o próprio Estado valorizar o papel do associativismo desportivo, tendo em conta a própria realidade de participação das populações e da sua auto-organização neste fenómeno, o qual é, a nosso ver, de salvaguardar e de fomentar, justificando-se, assim, como segundo argumento, esta nossa proposta.
Finalmente, quero fazer apenas uma referência à parte final da proposta, quando se refere ao "respeito pela sua autonomia" - "sua", do associativismo desportivo -, que julgamos ser um factor fundamental e que deve ficar expresso, uma vez que não admitimos como válida a interferência do Estado nas formas de organização do associativismo desportivo e consideramos que esta autonomia é saudável e de preservar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedi-lhe que apresentasse as propostas de aditamento relativamente aos três números.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente.
Então, quanto ao n.º 4, trata-se da autonomização da questão que consta do n.º 2 e que tem a ver com a violência no desporto, contextualizando-a e enriquecendo-a com a necessidade de defender os princípios da ética e do espírito desportivo, que, em nossa opinião, têm estado muitas vezes em causa e têm vindo a ser pervertidos, criando, em alguns casos, situações em que há uma verdadeira adulteração do fenómeno desportivo, com a introdução de fenómenos, digamos, externos ao próprio fenómeno desportivo, que têm a ver com interesses económicos e outros, que, muitas vezes, criam desvios graves no seio do desporto.
Portanto, julgamos que esta contextualização, por si só, tem valor e enquadra muito bem a questão da violência no desporto, que tem cada vez maior importância e assume cada vez maior gravidade na nossa sociedade e que, julgamos, deve continuar a merecer referência constitucional, enquadrada neste âmbito que já explicitei.
Finalmente, o n.º 5 refere-se directamente às questões das representações desportivas nacionais. Julgamos ser um factor importantíssimo o cuidado e a preparação destas representações, sendo uma tarefa e uma garantia que cabe, sem dúvida, ao Estado. Portanto, em nossa opinião, também neste aspecto, importa assegurar e garantir que a progressiva comercialização e profissionalização do desporto não põem em causa aquilo que é a própria representação nacional e a imagem desportiva do País, assegurando-se a dignidade e o valor das nossas representações neste sentido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em discussão estas três propostas de aditamento de três números ao artigo 79.º, apresentadas pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, não vemos vantagens, em alguns casos, nem pertinência constitucional, noutros, nestes aditamentos propostos pelo Partido Comunista, pelo seguinte: os n.os 3 e 4 acabam por ser explicitações daquilo que já está contido no n.º 2, uma vez que esta colaboração com as escolas e associações e colectividades desportivas implica necessariamente a valorização e o apoio do papel desempenhado pelo associativismo desportivo.
A questão da autonomia do associativismo parece-me uma questão redundante, porque, num Estado democrático, as associações têm naturalmente de ser autónomas - assim, não se põe aqui qualquer problema.
Por outro lado, o n.º 4 já está contido na parte final do actual n.º 2, ao falar-se aí da necessidade de prevenir a violência no desporto.
O último número não nos parece ter pertinência constitucional, porque, mais uma vez, aqui, acaba por se valorizar um aspecto sectorial da política desportiva, um determinado tipo de medidas sectoriais no conjunto da política desportiva. Porquê esta medida e não outras? Não nos parece que este acrescento tenha pertinência no texto constitucional. Deverá, sim, fazer parte de um conjunto de muitas outras medidas de política desportiva que são assumidas nos programas eleitorais dos partidos e nos programas de governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o essencial está dito. De facto, também não vemos, para além do carácter repetitivo, grande valor acrescentado quer no n.º 3 quer no n.º 4 propostos pelo Partido Comunista Português. Tudo aquilo que lá se diz está já dito no actual texto constitucional, de uma forma genérica e, do ponto de vista do PSD, mais correcta. Quanto ao n.º 5, de facto, a sede própria para uma disposição deste tipo é claramente, como actualmente acontece, a Lei de Bases do Desporto e não o texto constitucional, sob pena, inclusive, de podermos interrogar-nos sobre o porquê de a Constituição eleger este aspecto parcial da realidade desportiva para constar do texto constitucional e não outros, porventura, com maior preponderância, como, por exemplo, o fomento especial da actividade desportiva nas camadas jovens, o que me parece, apesar de tudo, mais relevante e mais prioritário relativamente à própria representação externa do desporto nacional.
Nesse sentido, não vemos vantagem quanto aos n.os 3 e 4 e achamos inadequado a particularização daquilo que consta da proposta do n.º 5.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também me parece que estas propostas de aditamento do PCP não têm pertinência constitucional, independentemente da sua bondade em geral.
Agora, há um ponto que talvez mereça reflexão - e esse é um problema pertinentemente constitucional -, que é o seguinte: hoje, a lei, em Portugal, tal como em vários 
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outros países, atribui às federações desportivas, que continuam a ter um estatuto de associações privadas, poderes de auto-administração, poderes de disciplina na relação pública com poderes públicos de disciplina pública mesmo em relação a terceiros, em relação aos espectadores, em relação ao árbitro…
Não sei se não preencheríamos uma lacuna constitucional se prevíssemos aqui algo que desse cobertura constitucional a essa realidade, que me parece ser indiscutível - não se trata de a pôr em causa, mas, pelo contrário, de lhe dar alguma guarida constitucional, mantendo a discricionaridade legislativa para lhe dar o conteúdo concreto. Algo como isto: "a lei pode atribuir às federações desportivas ou às associações desportivas poderes de regulação e disciplina das respectivas áreas desportivas" - penso que valia a pena encarar algo como isto.
É uma sugestão que vos deixo, mas, uma vez que ela não foi proposta, talvez não seja de bom tom pôr isso de chofre à discussão. Porém, ficaria de mal comigo se não vos pusesse à consideração esse ponto, que levanta alguns problemas constitucionais e que talvez a Constituição devesse eliminar, de uma vez por todas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís de Sá.
O Sr. Luís de Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a sugestão é pertinente e, independentemente de ponderar os termos concretos, o PCP manifesta, desde já, toda a abertura para tê-la em consideração.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se desejarem pronunciar-se já sobre esta ideia ou se quiserem opor-se desde já ou reservar posição, têm a palavra se o desejarem.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, da nossa parte, estamos abertos à sugestão apresentada pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - A sugestão fica feita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, da parte do PSD, gostaríamos de poder ter algum texto, ainda que meramente esboçado, sobre a exacta formulação da proposta que, verbalmente, agora avançou, na certeza de que, obviamente, lhe daremos todo o tratamento e cuidado…
O Sr. Presidente: - Bom, obviamente sem qualquer pretensão de "definitividade", o texto de partida poderia ser este: "a lei pode atribuir às federações desportivas poderes de regulação e disciplina do respectivo sector". Portanto, era uma simples faculdade constitucional; a lei ficaria não só com a discricionaridade de o fazer ou não como também dos termos em que o faria. Penso que isso era importante para cobrir essa realidade que aí está, porque, de facto, a lei não se limita a atribuir poderes de auto-administração, de auto-regulação e de autodisciplina; atribui-lhe também poderes em relação a terceiros e, sobretudo, selecciona e atribui apenas a uma federação, isto é, a lei só consente essa atribuição a uma federação, o que aliás é lógico. Portanto, estabelece um princípio de unicidade não associativa, já que se podem constituir obviamente outras associações e outras federações, só que só uma delas terá poderes de regulação e de disciplina oficial.
Essa solução legislativa é boa - aliás, foi aprovada, suponho que por unanimidade, na última Lei de Bases do Desporto, feita sob o último governo -, mas penso que seria de bom tom dar-lhe cobertura constitucional, para não dar lugar às grandes dúvidas de constitucionalidade que essas questões suscitam lá fora e cá dentro. Assim sendo, deixo essa sugestão para nela pensarmos ulteriormente, se acharem que a questão merece consideração.
Srs. Deputados, como isto, encerrámos a Parte I da Constituição (Direitos Fundamentais). Passamos, agora, à Parte II - Organização Económica.
Quanto ao artigo 80.º, existem propostas para todos os gostos e feitios. A primeira, do CDS-PP, é de redução à expressão mais simples dos actuais seis princípios fundamentais de organização económica, passando a haver só um, o correspondente à actual alínea b), e tendo, então, o artigo 80.º a seguinte redacção: "A organização económica e social assenta no seguinte princípio: coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social da propriedade" - corresponde à actual alínea b), com uma alteração na parte final. O PSD e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõem a eliminação de várias alíneas e o acréscimo de outras.
Sugiro que consideremos as propostas uma a uma, em relação às actuais alíneas, ou seja, que comecemos pela alínea a), "subordinação do poder económico ao poder político democrático", em que existe, desde logo, uma proposta de eliminação do CDS-PP.
O CDS-PP quer acrescentar alguma coisa ao que o seu texto já diz?
O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, está em discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, não estamos rigorosamente de acordo com a proposta de eliminação apresentada pelo CDS-PP, porque nos parece que a subordinação do poder económico ao poder político e democrático é um dos princípios axiomáticos da Constituição vigente e que a sua supressão teria seguramente implicações em diversos domínios. Por essa razão, não damos o nosso acordo a esta eliminação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para além daquilo que foi dito, o PSD não concorda com esta formulação porque nos parece, apesar de tudo, que ela é claramente empobrecedora de princípios genéricos (conforme o próprio artigo diz, princípios fundamentais) que devem presidir à organização económica e que não se reconduzem, singelamente, como a proposta do Partido Popular o faz, à simples constatação da coexistência, pois essa decorre apenas do princípio da liberdade de iniciativa económica, que já está num dos artigos anteriores. Portanto, esta formulação parece-nos nitidamente empobrecedora. Aliás, a ser só isto, não era preciso ter um artigo, porque a liberdade de iniciativa já decorre de um artigo anterior; se o único princípio
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fundamental fosse o da coexistência singela, não era preciso haver artigo para isso.
Ao contrário, o PSD entende que, apesar de tudo, há alguns princípios fundamentais que devem subordinar a organização económica, mas não aqueles, como veremos adiante, que actualmente constam do texto constitucional (ou alguns deles), pois estão claramente desajustados da realidade económico-social portuguesa. Ou seja, no entendimento do PSD, há, de facto, alguns princípios fundamentais, que, sem qualquer tipo de complexo, devem subordinar genericamente toda a actividade económica.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, a proposta do CDS-PP, de eliminação da alínea a), não tem acolhimento.
Passamos à alínea b), para a qual não há propostas de alteração. Na realidade, o CDS-PP propõe a eliminação, na parte final, da expressão "dos meios de produção". A Constituição fala em "coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social da propriedade dos meios de produção" e o CDS-PP propõe que a redacção desta alínea termine em "da propriedade".
Srs. Deputados, está à consideração esta alteração da redacção da alínea b).
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, à falta de melhor explicitação por parte do CDS-PP, julgo que não o disse provavelmente à conta de um lapso. Eventualmente, não será um lapso tão inadvertido quanto isso, mas a verdade é que, mesmo na formulação do PP, esse artigo devia querer dizer "da propriedade dos meios de produção".
O Sr. Presidente: - Só esses é que estão em causa aqui, não é a propriedade em geral.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pois! E, como tal, à falta de outra explicitação, temos de recusar também.
O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra, a proposta não tem acolhimento.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea c), em relação à qual existem propostas de eliminação do CDS-PP e do PSD e uma proposta, que chamarei de substituição, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Propõe o Deputado Cláudio Monteiro que a alínea c), em vez de dizer, como diz, "apropriação colectiva de meios de produção e solos, de acordo com o interesse público, bem como dos recursos naturais", diga "aproveitamento dos meios de produção, dos solos e dos recursos naturais, de acordo com a sua função social".
Srs. Deputados, estão à consideração estas duas propostas: uma, de eliminação, que é comum ao CDS-PP e ao PSD, e outra, de substituição, do Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta do Deputado Cláudio Monteiro, de substituir a "apropriação colectiva" por "aproveitamento", pelo princípio geral de aproveitamento, e o "interesse público" pelo princípio geral da função social da propriedade, neste caso concreto, dos meios de produção, se bem que nesta formulação se passe a enunciar um princípio que, seguramente, não contaria com oposição da parte do PSD, a verdade é que, em nosso entender, isso é uma tentativa de remendar uma coisa que, pura e simplesmente, não devia ter remendo, devia ser retirada da Constituição.
Do ponto de vista do PSD, este é o artigo que tem a ver com os princípios fundamentais em que deve assentar a organização económica e social. Não vale a pena dissertarmos aqui demasiado sobre a histórica falência de determinados modelos e a aceitação universal - ou, pelo menos, à escala planetária, em termos genéricos, com algumas excepções pontualíssimas, hoje em dia - de uma lógica diferente de organização económica e social. E se assim é, os princípios fundamentais que a Constituição da República Portuguesa deve verter no papel devem ser princípios que marquem regras suficientemente genéricas e distintivas daquilo que pode ou não ser a nossa organização económica e social.
Nesse sentido, parece-nos que, mais do que remendar, que parece ser claramente a intenção do proponente, Deputado Cláudio Monteiro (embora ele esteja ausente), a de agarrar num texto que está claramente desadequado e tentar salvar qualquer coisa desse texto - apesar de, repito, na sua formulação definitiva, proposta pelo Deputado Cláudio Monteiro, não contar seguramente com nenhuma oposição essencial da parte do PSD -, se deve eliminar esta alínea, pois, a nosso ver, princípios fundamentais da organização económica e social não devem passar por especificações deste tipo. Isto redundaria numa alínea demasiado genérica para, do nosso ponto de vista, se justificar - a não ser apenas na tal perspectiva de salvar qualquer coisa do actual texto - a sua inserção na Constituição. Por isso, preferimos, pura e simplesmente, a ablação da actual alínea c), em vez do seu remendo, embora meritório.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a referência a quaisquer outros modelos, a propósito desta alínea, é de todo em todo descabida. Ou seja, a redacção que aqui está não é, nem de perto nem de longe, a redacção que estava na versão original da Constituição de 1976, como é sabido; esta é já um produto de revisões ulteriores. Por outro lado, creio que resulta muito claro deste preceito, e de outros da Constituição económica portuguesa, que se aponta aqui para uma economia mista, é disso, pura e simplesmente, que se trata.
De resto, chamo a atenção para que, quando se refere a "apropriação colectiva", a expressão que se utiliza é "de meios de produção"; não se diz inclusive "dos principais meios de produção", ao contrário do que foi dito noutro momento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E solos!
O Sr. Luís Sá (PCP): - No entanto, a consagração desta alínea em matéria de princípios fundamentais tem um sentido, que é o de fazer seguir o princípio da coexistência do sector publico, do sector privado e do sector cooperativo e social de uma ideia de apropriação colectiva de meios de produção, naturalmente como instrumento da existência, por um lado, de um sector público e, por outro, de um sector cooperativo e social.
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Portanto, o Sr. Deputado pode ficar tranquilo quanto a esta matéria, pois creio que não resultam daqui prejuízos especiais para as suas concepções.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Confesso que não fico nada tranquilizado!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Decorre do conjunto da Constituição económica, tal como está, a possibilidade de adopção de diferentes programas de governo, naturalmente de acordo com princípios fundamentais, que não são princípios neoliberais mas também não são os princípios que parecem assustar muito particularmente o Sr. Deputado. É a ideia de uma economia mista, acima de tudo, naturalmente subordinada ao poder político democrático, mas com a coexistência de diferentes sectores de propriedade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho a sensação de que o PSD continua a ver nesta linha alguns fantasmas que a Revisão Constitucional de 1989 já eliminou há sete anos atrás. De facto, é preciso ler com atenção o que aqui está efectivamente escrito. Fala-se, como disse, e bem, há pouco, o Deputado Luís de Sá, de "apropriação colectiva de meios de produção e solos" e não "dos meios de produção e solos".
Quanto aos recursos naturais, estamos com certeza todos de acordo em que os rios, os lagos e outros recursos naturais devem ser apropriados colectivamente, e com certeza que o PSD também não objectará, a menos que nesse aspecto já tenha revisto demasiado radicalmente o seu programa, a que alguns meios de produção possam ser apropriados colectivamente e a que o instituto da expropriação pública, utilizado para alguns solos, não tenha a sua razão de ser.
Nesse sentido, parece-me que se justifica plenamente que se mantenha, tal como está, esta alínea, que tem que ser vista em articulação com as restantes alíneas deste artigo e que evidentemente só ganha sentido à luz do conjunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta intervenção do Sr. Deputado António Reis leva-me a furar um bocadinho a disciplina que o Sr. Presidente tenta impor, e bem, nestas reuniões à metodologia de trabalho e a avançar já com uma coisa que não estava em discussão e que é a proposta de alínea b) por parte do PSD.
É que, no fundo, o PSD propõe a ablação desta alínea c), substituindo-a pelo princípio da subsidiariedade, que é colocado antes da "coexistência (…)" - e, com isto, respondo também ao Sr. Deputado Luís Sá -, porque parece-nos que a ordem das coisas tem de ser essa. Relembro que o corpo do artigo que estamos a tratar fala dos princípios fundamentais em que assenta a organização económica e social do País e parece-nos evidente que, em termos de organização económica e social, o princípio fundamental na acção do Estado é o da subsidiariedade - pelo menos, numa lógica reformista, já que o Sr. Deputado António Reis citou a história.
É evidente, escuso de dizê-lo, que a Revisão de 1982 foi a possível, a de 1989 foi a possível e esperamos que a de 1996 seja também a possível e se coadune com a evolução da realidade das coisas, da sociedade portuguesa e do modelo económico implantado em Portugal, hoje em dia, penso, claramente também já defendido (tarde, mas já defendido) pelo Partido Socialista.
Tendo isto em conta, já não faz sentido para o PSD - e penso também já não ser essa a prática política dos governos do Partido Socialista, hoje em dia - dizer-se que a organização económica e social não assenta num princípio da subsidiariedade do Estado, exclusivamente. Isso justifica toda a política de privatizações, ao contrário da política de apropriação colectiva de meios de produção. A política de privatizações aí está para demonstrar - e, pelos vistos, também agora seguida com empenho, pelo menos no discurso, da parte do Governo socialista - que essa orientação política é totalmente contrária à lógica de entender como princípio fundamental a apropriação colectiva de meios de produção. Não! A lógica, que justifica, de resto, a política de privatizações que muito bem tem sido preservada pelo actual Governo socialista, é a inclusão no texto constitucional, no plano da organização económica e social, do princípio da subsidiariedade da acção do Estado.
O Estado, de facto, só deve lá estar, numa lógica de subsidiariedade, num modelo de organização económica e social onde se justifique, quando se justifique e nos modelos por que se justifique.
O que actualmente ainda está no texto constitucional, porque em 1982 e em 1989 não foi possível evoluir, numa lógica reformista, para um conceito mais moderno, mais actual e mais verdadeiro, é algo que, hoje em dia, na prática, está, do ponto de vista do PSD, totalmente desfasado da realidade económica e social e que nas próprias políticas do actual Governo também já não é praticado, graças a Deus.
Se o PS insistir em chamar "fantasma", ou complexo, a uma coisa que, no fundo, ele próprio, enquanto governo, hoje em dia, também pratica e defende - e graças a Deus que assim o faz - e se insistir em manter este texto aqui na Constituição, direi que o Partido Socialista, na prática, está a desdizer a política económica seguida pelo seu Governo, quando não até quase que a inconstitucionalizá-la, a posteriori - se bem que este conceito não faça muito sentido…
Mas o fantasma é exactamente o vosso! É não reconhecer a realidade da evolução da organização do modelo económico e social nacional que o próprio Governo socialista, hoje em dia, claramente, quer no seu manifesto eleitoral quer no seu Programa do Governo - e se o mesmo se passa no programa de partido, ou não, isso já não sei, confesso-o, pois oiço dizer que o socialismo ficou na gaveta e não ficou e nunca o li todo…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso foi antes!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nunca o li todo, pelo que não sei se ainda lá está ou não. Agora, que o Programa do Governo claramente defende um princípio totalmente diferente…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O da coexistência!
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas nesse o PSD não toca!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Implica subsidiariedade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não, Sr. Deputado! A alínea relativa à coexistência já foi posta à discussão pelo Sr. Presidente e o PSD nem sequer se pronunciou sobre a proposta do Partido Popular para alterar essa alínea, porque o PSD propõe que se mantenha, tal qual está, na Constituição! A coexistência também nós defendemos! Isso que fique claro! Está cá e ninguém põe isso em causa! O que deixámos de defender, há muito tempo, e o Partido Socialista, desde que é governo, claramente também já deixou de defender, é a apropriação colectiva dos meios de produção, substituindo-a por uma política de privatizações…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - De meios de produção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não venha com preciosismos de linguagem! Substituindo-a, como dizia, por uma política clara de privatizações da economia, numa lógica que tem a ver, nesta ou noutra formulação, com o princípio da subsidiariedade da acção do Estado da actividade económica. Essa é que é a verdade!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, hoje em dia, sou bastante céptico acerca da fixação constitucional de modos de produção, de sistemas económicos. Portanto, penso que andou bem a revisão constitucional, na altura própria, ao eliminar o socialismo constitucional.
Mas é curioso que o PSD, ao mesmo tempo que lutava pela desconstitucionalização do socialismo, procurou sempre substituí-la pela constitucionalização do capitalismo. E estas propostas do PSD não visam apenas retirar o que resta do saber constitucional, visam substituí-lo por uma dose maciça de capitalismo constitucional! Ora bem, se o PSD estiver disponível para abdicar das suas propostas de constitucionalização maciça do capitalismo, eu estaria disposto a advogar, se for caso disso, as propostas de moderação dos vestígios a que o PSD, porventura ...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Quais são os vestígios?
O Sr. Presidente:   ... atribui muita importância, ao que resta do socialismo constitucional, porque não é coerente que o PSD reivindique que "o sistema económico não deve estar constitucionalizado, deve ser do domínio da maioria, deve ser da discrição da maioria política de cada momento". Quanto a isto, muito bem, mas para isso propõe o princípio da apropriação colectiva e depois acrescenta-lhe a teoria da subsidiariedade, elimina o artigo 82.º, elimina tudo aquilo que tem a ver, e propõe a fixação ad eternum, isto é, constitucionalmente, de apenas uma economia. Quer dizer, propõe não a retirada, não a desconstitucionalização do sistema económico, mas a substituição de uma constitucionalização, de que aliás já pouco resta, do socialismo constitucional por uma óbvia e maciça constitucionalização do capitalismo, ou de um certo capitalismo.
Ora bem, estou disposto a ser convencido de que não há vantagem que a Constituição persista em garantir um sistema económico, mas isso implica uma coerência.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me permite, como falava aqui - sem, com isso, perder atenção àquilo que dizia - com o Sr. Deputado José Gama, por considerar profundamente injusta, pelo menos no plano de pretender imputar um objectivo a algumas das propostas do PSD nesta matéria, a "acusação" ou a suspeição que lança de pretendermos constitucionalizar um qualquer capitalismo, feroz ou o que quer que seja, na Constituição da República ...
O Sr. Presidente: Eu não o qualifiquei!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Enfim, eu é que o qualifico! Mas qualificou-o de maciço!
O Sr. Presidente: Não! Dose maciça de constitucionalização!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Dose maciça de capitalismo constitucional!
Mas, Sr. Presidente, por considerar profundamente injusta essa acusação, é evidente que a resposta, sem acusação, ao repto que nos lança é totalmente favorável. Como adiante veremos, nomeadamente pelo exemplo que deu da supressão do artigo 82.º, fazemo-lo não em nome da sua substituição por nenhum artigo capitalista, maciço ou o que quer que seja, mas apenas por entendermos que ele é repetitivo, nomeadamente face à alínea b) deste artigo 80.º, que nós propúnhamos que passasse a alínea c). Não nos parece que ele tenha nenhum valor acrescentado na actual configuração enxuta e seca que, do nosso ponto de vista, deve ter o capítulo da organização económica da Constituição da República.
Portanto, a resposta do PSD é totalmente favorável. O que pretendemos é transformar o capítulo da organização económica da Constituição em algo que esteja de acordo com aquela que é a realidade defendida pela esmagadora maioria do eleitorado e dos partidos políticos que o representam em termos nacionais, e nesse sentido também o repúdio à tal acusação de "doses maciças de capitalismo".
Chamo a atenção do Sr. Presidente, porque essa é uma das razões pela qual, como eu referi à pouco, não concordamos, por exemplo, com a proposta do PP para o artigo 80.º, precisamente porque, por não defendermos a lógica maciça de capitalismo constitucional, entendemos que a organização económica e social, numa perspectiva de Estado solidário e de justiça social, tem de ter, necessariamente, determinados condicionamentos por parte da Constituição da República, desde logo, e depois na acção do Estado. Isso é evidente na doutrina e no programa do PSD, sempre o foi, não concebemos o desenvolvimento económico sem uma dimensão social e procuramos, ao longo do capítulo da organização económica da Constituição, expressar isso mesmo. Por ser essa a nossa motivação, a resposta ao repto do Sr. Presidente é, desde já, sim.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está à consideração.
Sr. Deputado António Reis, tem a palavra.
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O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, de facto o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tinha razão, há pouco, quando dizia que a proposta do PSD de eliminação da alínea c) tinha de ser vista em conjunto com o acrescento proposto na alínea b) da sua proposta, sobre a subsidiariedade da acção do Estado.
Ora, a questão que está aqui em jogo é esta: ou nós queremos que o artigo 80.º consagre um conjunto de princípios fundamentais suficientemente consensuais para, ao abrigo desses princípios, serem possíveis diferentes políticas governamentais que valorizem, em graus diferentes, o papel do Estado na economia (que é o que está aqui em causa nesta discussão, neste momento) ou nós entendemos que devemos, pelo contrário, fazer do texto constitucional um texto tão programático e tão orientado que obrigue qualquer governo a seguir uma determinada política económica, baseada num determinado papel do Estado na economia.
Tal como está, o artigo 80.º é suficientemente aberto e flexível para permitir diferentes entendimentos e diferentes graus de extensão do papel do Estado em relação à economia, de intervenção do Estado na economia. Ao propor a subsidiariedade da acção do Estado, o PSD está a limitar drasticamente esse papel, a impor a sua própria concepção doutrinária sobre o papel do Estado, pretendendo fazer dela a concepção constitucional que obrigue todo e qualquer governo, ou seja, está a substituir um antigo fundamentalismo colectivista pelo fundamentalismo neoliberal. E aquilo que o Sr. Deputado há pouco dizia sobre a política de privatizações do actual Governo, desculpe que lhe diga, não faz sentido neste caso. Uma coisa é uma política de privatizações e outra coisa é uma determinada concepção sobre o papel do Estado em relação às empresas, em relação à economia, em relação ao poder económico.
O PS pode conjugar perfeitamente, na sua acção governativa, uma política de privatizações com uma política que não limita o Estado a um papel meramente subsidiário ou supletivo, com uma política que, independentemente de quem é proprietário dos meios de produção, pode levar o Estado a outros tipos de intervenção na esfera económica que não através da propriedade dos meios de produção. E é essa contradição que está aqui devidamente eliminada nesta minha contra-argumentação, segundo penso.
Resumindo, o que está aqui em causa é, no fundo, fazer com que o artigo 80.º não obrigue, afinal de contas, o Estado a ter apenas um determinado tipo de papel na esfera económica e a ser suficientemente flexível para que, ao abrigo destes princípios fundamentais, sejam possíveis diferentes entendimentos do papel do Estado na economia.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, tentei interromper o Sr. Deputado, mas compreendo perfeitamente que, para seguir a sua linha de raciocínio, não tenha permitido essa interrupção.
Desde já, devo dizer-lhe (porque a sua argumentação foi suficientemente clara) que concedo perfeitamente que temos, de facto, entendimentos diferentes quanto à proposta de acrescento que começámos a discutir, um bocado à revelia da disciplina que o Sr. Presidente impõe à metodologia da discussão mas que eu próprio introduzi, da b) apresentada pelo PSD. Compreendo perfeitamente a argumentação do Sr. Deputado e é verdade, de facto, que o PSD defende, num modelo de organização do Estado, da organização económica e social, o princípio de menos Estado, e daí decorre este princípio fundamental da subsidiariedade da acção do Estado neste domínio.
Compreendo que o PS, nomeadamente, não tenha essa mesma concepção e, nesse sentido, não tenho dúvida nenhuma em conceder toda a validade ao argumento do Sr. Deputado, embora não me convença minimamente, não altero a minha posição de que o Estado, em termos de organização económica, deva, de facto, respeitar o princípio da subsidiariedade.
Mas, enfim, tem razão e nisso nos distinguimos e nisso se distinguirá, penso eu, sempre, ou em maior ou menor medida, a acção política dos governos socialistas da dos governos do PSD. Nesse sentido, sou sensível à sua objecção e creio que, de facto, é um ponto sério que coloca na mesa, que, obviamente, o PSD não terá dificuldade nenhuma em reconhecer que seria desejável mas entenda também, obviamente, a razão de ser.
Se houver abertura da parte do PS para encontrar uma formulação - de acordo um pouco com o repto que o Sr. Presidente pessoalmente lançou - que verta, no plano de denominadores comuns, assegurando depois, como o Sr. Deputado agora diz também, a flexibilidade constitucional necessária para permitir, dentro das margens do aceitável, que as políticas dos governos que maioritariamente são, em cada momento, colocados pela população no poder se possam desenvolver de uma forma democrática e harmoniosa, conto obviamente com essa disposição. E concedo, repito, que esta alínea b) proposta pelo PSD tem que ver com o modelo de organização económica que o PSD defende para Portugal, para o Estado português, para o País, genericamente considerado, e pode não ter que ver exactamente com o modelo que o PS defende.
Agora, convenhamos também, Sr. Deputado, que a actual alínea c) vai exactamente no sentido oposto - digamos que o seu exemplo é bom nos dois sentidos. Talvez o PSD, por reflexo de revolta ou de rebelião face à actual alínea c), tenha proposto algo que diz respeito à sua visão da sociedade e não tenha permitido que o texto constitucional possa respeitar outro tipo de modelo - concedo isso.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, queria dizer que nos identificamos inteiramente com a observação de carácter geral. Creio que ela é vantajosa porque tem a ver com esta alínea e com outras normas de alteração da Constituição económica e diz respeito, exactamente, à ideia de substituir aquilo que eu julgo ser não já a consagração de um modelo de socialismo, está longe de ser isso, mas uma norma, um conjunto claramente compromissório em que cabem diferentes programas.
Simplesmente, há, da parte do PSD, nesta proposta para o artigo 82.º que o Sr. Presidente citou - e creio que noutras, na eliminação do artigo 89.º, do artigo 90.º, eventualmente até na liberdade de contratação e organização empresarial, sem mais restrições - a ideia de tornar inconstitucionais outros programas de governo que não o do
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PSD. E é desta questão que se trata: o PSD tem o direito de ter um programa que, desde que seja sufragado pelas populações, será um programa de governo que caiba na Constituição, no quadro de princípios mínimos e de direitos fundamentais que têm que ser assegurados. Não pode é, naturalmente, impedir que, no futuro, o PS, eventualmente com uma orientação um pouco diferente, outros partidos ou coligações de partidos, etc., tenham um programa, por exemplo, em que o Estado não tenha uma acção meramente subsidiária, como aqui se obrigaria, ou em que determinados princípios que hoje constam da Constituição económica fossem, pura e simplesmente, eliminados ou profundamente alterados, consagrando, no fim de contas, um programa neoliberal que será o do PSD mas que não tem de ser de todo e qualquer governo que a população venha a sufragar e que a Assembleia da República venha a admitir.
O Sr. Presidente:   Naturalmente, isto é, insensivelmente e com a minha permissão, passámos também à alínea b) do projecto do PSD e proponho que assumamos explicitamente que essa discussão está em causa também.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente, como o meu camarada António Reis já disse, o que aqui nos aparece é o juízo de excesso por parte do PSD, ou seja, de facto, o PSD visa constitucionalizar aspectos grossos da sua visão programática da sociedade portuguesa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Já concedi isso, Sr. Deputado!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   E não é inocente a inclusão da alínea b), como, em aparte, lhe fui dizendo logo de início, não é inocente a inclusão do princípio da subsidiariedade da acção do Estado.
Temos a ideia de que a política económica se deve desenvolver com consciência social e que isso implica um certo papel do Estado. No entanto, admitimos que possa haver ajustamentos, é preciso que haja proposta concretas.
O Sr. Presidente, de facto, formulou um repto e já ficou claro das palavras do Deputado António Reis que aquilo que nós entendemos é que não deve permanecer na Constituição, em matéria de princípios fundamentais de organização económica, uma via de sentido único, isto é, que não se combata um certo excesso anteriormente existente com um novo excesso. Se se encontrar uma via que não seja impeditiva de que, amanhã, o PSD, se estiver no governo, possa aplicar o seu programa ou que uma coligação com os comunistas aplique o deles, ou que o PS aplique o seu, isso é viável, é possível e eventualmente desejável. Aliás, vamos encontrá-lo, se calhar, em alíneas e artigos lá mais para a frente.
Por isso, talvez, para ajudar que o problema seja ultrapassado, isto se se visa seriamente encontrar soluções, e nós, na linha do repto do Sr. Presidente da Comissão…
O Sr. Presidente: Só me responsabiliza a mim, Sr. Deputado!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   É obvio! Nem tenha dúvidas nenhumas, Sr. Presidente, quanto a isso!
Agora, gostávamos de ver, para ponderar, hipóteses de novas formulações, porque tal qual está, obviamente, temos de rejeitar, e vamos rejeitar a alínea b) proposta pelo PSD.
O Sr. Presidente: E a eliminação da alínea c)?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Claro! Evidentemente que rejeitaremos também a eliminação da alínea c), a não ser que se encontre, tal como propôs o Sr. Presidente, uma solução que se possa consensualizar. Isto pode não ser possível já e de imediato; se for, melhor; se não for possível, podemos deixar de remissa para uma outra circunstância.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, pessoalmente, a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro não me parece ter uma formulação aceitável, é demasiado marcada sob o ponto de vista ideológico. Penso que não era uma boa substituição para a actual alínea c).
A proposta de alínea b) apresentada pelo PSD parece-me francamente de rejeitar, não só por aquilo que disse há pouco mas porque creio que mesmo a subsidiariedade da acção do Estado tem de se pôr em dois planos: um é a questão do Estado empresário, outro é a questão do Estado regulador. E se eu admito hoje que para um partido liberal, mesmo liberal, seja defensável a eliminação do Estado empresário - aliás, isso hoje é comum às políticas de privatização europeias e não só - já em matéria de Estado regulador esse princípio da subsidiariedade do Estado é tudo menos adquirido; pelo contrário, o fim do Estado empresário apenas tem feito aumentar o papel do Estado regulador, mesmo nas políticas dos Estados mais liberais. Portanto, lá onde se privatiza, aumenta-se a regulação. Dizer, pura e simplesmente, subsidiariedade da acção do Estado, a meu ver, é uma matéria que hoje nenhum governo, por mais liberal que seja, está disposto a consagrar sequer como programa de governo e já não digo como programa constitucional!
Devo dizer-lhe que, hoje, a ideia de Estado empresário não me causa a mínima emoção - eu compartilho da política de privatizações do Governo da nova maioria do PS. Agora, se me vem falar em desregulação e em pôr fim ao Estado regulador, eu digo: "Alto aí! Pelo contrário!", porque o fim do Estado empresário só exige mais regulação. Se exige menos Estado a produzir, eu digo-lhe "mais Estado a regular". Essas duas coisas não são simultâneas, o processo de privatização não é acompanhado de um processo de desregulação, pelo contrário, o processo de privatização é acompanhado, e bem, necessariamente, por um processo de acentuação da regulação.
Não preciso de dar uma série de exemplos, desde a Bolsa até às telecomunicações, a privatização desses sectores em todos os países produziu códigos de regulação! Basta pegar no Código do Mercado de Valores Mobiliários para ver o que é que a privatização da Bolsa provocou. Basta ver em todos os países o que é que a privatização das telecomunicações provocou em códigos de regulação. E isto a nível nacional e a nível europeu. Esta fórmula, em si mesma, seria errada tal como está - subsidiariedade da acção do Estado. Puramente ideológica, diria eu, uma pura cedência à tentação ideológica do PSD. Em si mesma, estaria mal; como programa constitucional é inaceitável.
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Portanto, independentemente disso, independentemente da alínea c) que cá está, a proposta do PSD seria, a meu ver, sempre inaceitável.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer acrescentar alguma coisa?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Quero, Sr. Presidente, para discordar de algumas das coisas que disse.
O Sr. Presidente: Tem toda a liberdade! Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Discordar, relembrando que já ouvi nesta Comissão, inclusive pela voz, seguramente autorizada, do próprio Sr. Presidente, defender, a propósito de outras sedes, que a evolução nas sociedades modernas, em algumas das sociedades modernas, tem sido, em várias áreas de intervenção na sociedade, a transferência para organismos da própria sociedade e das próprias actividades de organismos de regulação própria, organismos reguladores.
O Sr. Presidente: É verdade! É verdade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Quando o Sr. Presidente faz a distinção entre Estado empresário e Estado regulador, obviamente que, na parte do Estado empresário, por maioria de razão, estamos os dois de acordo, mas na parte do Estado regulador tenho de fazer uma subdivisão: uma coisa é o Estado produtor de legislação, e aí obviamente não há nenhuma demissão, nem o PSD propõe nenhuma demissão da parte do Estado, nem assim poderia ser num Estado de direito democrático onde o princípio da legalidade é um princípio fundamental, não haverá nunca nenhuma demissão do Estado na regulação legislativa das actividades; outra coisa é regulador noutro plano, no plano do exercício da actividade, na presença necessária do Estado na regulação de determinados aspectos da própria actividade económica.
Tenho que discordar neste aspecto. Não quis o PSD significar nunca, com esta sua proposta, uma demissão do Estado regulador no plano legislativo; neste artigo, que é o artigo dos princípios fundamentais, no qual, do nosso ponto de vista, devem apenas ficar os princípios estruturantes da organização económica e social, princípios estruturantes nos quais o PSD defende, obviamente, a saída progressiva e sempre que possível do Estado da própria estruturação da actividade económica, sendo certo que isso não implica, nem implicará nunca, num Estado de direito democrático, a demissão do Estado do papel legislativo que lhe caberá sempre dentro da própria concepção de Estado de direito.
Portanto, permitia-me apenas fazer esta breve discordância daquilo que o Sr. Presidente explicitou nas suas palavras porque, de facto, poder-se-ia ter a leitura errada de que a lógica de Estado regulador contém apenas a vertente legislativa. Na verdade, não contém, contém outras. Quanto à legislativa, é evidente e isso está fora de causa, nunca o PSD defende nem defenderá a demissão, porque isso seria minar o próprio conceito e as bases do Estado de direito. É noutro tipo de funções, essas onde também já ouvi defender pontualmente, quer o Sr. Presidente, quer também o próprio PS, a propósito da discussão de um artigo anterior da Constituição - já não me recordo até exactamente qual era - a correcção e a aceitabilidade democrática deste tipo de modelo de estruturação de determinado tipo de actividades.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, se me é lícito tirar a conclusão, direi que, em relação à alínea c) actual, a proposta de eliminação comum ao PP e ao PSD não tem a oposição do PCP; por parte do PS, há objecções mas sem excluir liminarmente a possibilidade de reconsiderar uma proposta de formulação da alínea. Em relação à alínea b) proposta pelo PSD, existe oposição tanto do PCP como do PS, pelo que é considerada sem acolhimento.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea d), Planificação democrática da economia, que é um dos princípios actuais, também o PP e o PSD propõem que seja eliminada; o Deputado Cláudio Monteiro propõe que seja a expressão "planificação democrática" substituída pela expressão "planeamento económico e social". Estão à discussão a proposta de eliminação e a proposta de substituição.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, se me permite apenas para explicitar, para que a discussão não invada caminhos que não tenham que ver com a proposta que o PSD formula nesta matéria, eu diria o seguinte: a proposta do PSD, de retirada desta alínea, não significa a retirada, como se pode ver pelo projecto do PSD, da regulação constitucional sobre a actividade de planeamento, do desenvolvimento económico e social. O PSD propõe a alteração dos artigos 91.º e 92.º da Constituição, não a sua retirada mas apenas uma adaptação da sua formulação, bem como a manutenção dos artigos 93.º e 94.º, que, no contexto da Constituição, dizem respeito à matéria dos planos.
Propomos aqui a retirada da alínea d) apenas porque, como eu dizia à pouco, para nós, este artigo 80.º - Princípios fundamentais tem que ver com os princípios estruturantes da organização económica e social e não nos parece que o planeamento económico e social deva ser um princípio estruturante da organização económica e social. Isso resultaria, necessariamente, numa lógica de economia planificada que, claramente, não é o modelo de organização económica, em termos estruturais, que o País tem hoje em dia, nem sequer aquele que a generalidade dos partidos políticos, pelo menos os dois maiores partidos políticos, desejam em termos de modelo de organização económica.
Não vale a pena que seja trazido isso à colação para esta discussão porque o PSD não defende o puro e simples desaparecimento dos planos de desenvolvimento económico e social, pelo contrário, defende a sua manutenção no texto constitucional, mais à frente, no capítulo próprio, e defende que o planeamento da economia não seja um aspecto estruturante da organização do nosso modelo económico.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estão à consideração estas duas propostas: uma de eliminação, comum ao PP e ao PSD, e outra de substituição, apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro. Foi apresentada a proposta de eliminação, que está à discussão.
Pausa.
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O silêncio equivale a não acolhimento, mas estas questões não podem ser tratadas por silêncio. A questão é saber se o princípio da planificação deve ou não continuar a figurar como um dos princípios fundamentais - assim reza a epígrafe do artigo 80.º - da organização económico-social constitucional, ou seja, da Constituição económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, francamente, não vejo grande coerência na proposta de eliminação apresentada pelo PSD, quando mantém o artigo 91.º, embora com uma formulação diferente. De facto, ao reconhecer dignidade constitucional aos planos de desenvolvimento económico e social, não vejo porque é que não há-de, em coerência, considerar como um dos princípios fundamentais o planeamento ou a planificação.
Aqui não faremos grande questão em relação a esta terminologia, concedemos perfeitamente que ela pode ser mais actualizada, de acordo com a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas não vemos por que é que não há-de reconhecer dignidade de princípio fundamental a um planeamento que depois considera ter dignidade constitucional no título segundo da parte segunda da Constituição. A sensação que eu tenho é que os diferentes títulos da Constituição, bem como os restantes artigos que se seguem nesta parte da organização económica, procuram desenvolver aquilo que se encontra sintetizado e consagrado como um conjunto de princípios fundamentais. É essa falta de lógica na proposta de PSD que eu gostaria de ver melhor esclarecida.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, antes de responder, talvez seja conveniente ouvir o Sr. Deputado Luís Sá, a quem dou a palavra.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, uma pequena nota muito rápida, que é a seguinte: classicamente, havia uma dicotomia rígida entre economias planificadas e economias capitalistas, em que economias planificadas significariam um determinado modelo e economias capitalistas teriam, quando muito, um planeamento. Creio que se trata de uma dicotomia conceptual ultrapassada pelos factos e, pelo contrário, aquilo que se tem vindo a verificar, designadamente no quadro da integração europeia, é a criação de instrumentos, eu diria até de planificação, como o plano de desenvolvimento regional, provavelmente com um alcance e uma rigidez, por obrigação, decorrente da própria integração comunitária e como base de negociação do próprio quadro comunitário de apoio, que vai para além de tudo aquilo que era clássico em matéria de elaboração de planos.
Portanto, aqui o adjectivo "democrática" já tem preocupações de assegurar objectivos fundamentais no plano da participação de diferentes sectores, por isso não creio que existam vantagens em eliminar esta alínea. E creio, por outro lado, sem qualquer dúvida, já de acordo com aquilo que vinha do passado e agora ainda mais, que o princípio da actividade reguladora do Estado, por via de planos e de outros níveis da administração, é cada vez mais importante.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, tentando responder à questão que me foi directamente colocada pelo Sr. Deputado António Reis, adiantarei o seguinte: há, de facto, uma diferença significativa, Sr. Deputado, e é sobre isso que convido o Partido Socialista a reflectir.
Este artigo 80.º é o artigo dos princípios fundamentais, é aquele em que vai assentar, na própria terminologia utilizada pela Constituição, o modelo de organização económica e social. Portanto, colocar aqui a planificação ou a actividade de planeamento aponta claramente para um modelo de organização económica, porque é disto que se trata, é o primeiro artigo da parte da Constituição dedicado à organização económica, são os princípios fundamentais dessa mesma organização, que assenta num princípio de planificação. É todo o modelo que assenta num princípio de planificação.
Diferentemente, do ponto de vista do PSD, isso não é assim, já não é assim, felizmente, há muitos anos, se é que alguma vez o foi verdadeiramente, independentemente de ter ou não sido essa a vontade originária dos constituintes, independentemente da toda a validade que existe em termos de política de desenvolvimento. É exactamente essa a questão que o PSD coloca.
O planeamento económico e social tem todo o sentido enquanto política de desenvolvimento e de crescimento económico do País, mas já não tem sentido enquanto elemento estruturante da organização económica do País. A organização económica do País não parte de uma lógica planificada, parte de uma lógica de liberdade de iniciativa empresarial, porque é esse o modelo económico, o modelo de mercado, em que nos situamos.
É evidente que, na estruturação de todo este capítulo, lá à frente aparecerá a questão da actividade planeadora para o desenvolvimento, que o PSD defende e de que são exemplos, como o Sr. Deputado Luís Sá disse, e muito bem, o plano de desenvolvimento regional, outro tipo de actividades de planificação do desenvolvimento, estratégias de desenvolvimento, que, do ponto de vista do PSD, fazem todo o sentido.
Agora, a questão que se coloca neste artigo 80.º - e era esta reflexão que eu, à laia de resposta, deixava ao Sr. Deputado António Reis e ao Partido Socialista - é delimitarmos quais são os princípios fundamentais em que assenta a organização económica portuguesa. E se é claramente a economia de mercado, obviamente com preocupações de dimensão social do desenvolvimento, a questão da planificação económica fica aqui mal.
Do ponto de vista do PSD, faz falta neste capítulo, e não estaremos disponíveis para que na revisão constitucional de 1996 sejam retirados da Constituição os planos de desenvolvimento, na perspectiva de necessidade de definições estratégicas para o crescimento harmonioso do País, sustentado, equilibrado, de forma a corrigir as assimetrias entre regiões e por aí fora, tudo aquilo que actualmente já existe, com algumas correcções que proporemos adiante, mas, enfim, dentro dessa lógica.
Diferentemente é colocar nos princípios fundamentais estruturantes da própria organização algo que claramente, com toda a franqueza e com toda a abertura, do nosso ponto de vista, estigmatizaria de uma forma negativa o verdadeiro modelo económico, que é o modelo de mercado e de liberdade de iniciativa empresarial, como é o caso do princípio fundamental da planificação económica.
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O Sr. Presidente: Sr. Deputado, se bem percebi, o PSD faz uma distinção entre o planeamento do desenvolvimento como elemento da Constituição económica, por um lado, e o princípio da planificação como princípio da Constituição económica, por outro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente!
O Sr. Presidente:   Está, então, esclarecida a questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS):   Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agora compreendi melhor qual é, de facto, a lógica da proposta do PSD, sobretudo com os receios que estão subjacentes relativamente a esta formulação de planificação democrática da economia, considerada como princípio fundamental da organização económico-social. Penso, no entanto, que podemos fazer um esforço para superar esses receios, o qual passará, a meu ver, pela possibilidade de reformularmos a alínea d) de uma forma mais consentânea com aquilo que mais adiante, a partir do artigo 91.º, está formulado relativamente aos planos de desenvolvimento económico e social, até porque creio que não podemos olhar para a questão da organização económico-social como algo que está exclusivamente centrado, ou quase, na questão das formas de propriedade dos meios de produção.
A nossa visão da organização económica social ou do modelo económico-social, se assim quisermos, é mais vasta. Não se resume à questão de saber quem é o detentor da propriedade ou como é que co-existem os diferentes sectores de propriedade, tem a ver também com um modelo de desenvolvimento, tem a ver também com a questão do desenvolvimento.
Por essa razão, faz todo o sentido incluir aqui um princípio que vá para além da questão da propriedade ou para além da questão da subordinação do poder económico ao poder político e dê uma orientação sobre o modo como se deve processar o desenvolvimento. Assim, se fôssemos para uma formulação, que é uma espécie de compromisso entre a actual alínea d) e aquilo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe, do género "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social"… Considero importante manter o "democrático" para dar a ideia de que é um planeamento participado por estruturas representativas, que, aliás, são asseguradas, depois, pelo Conselho Económico e Social...
O Sr. Osvaldo Castro (PS):- A assistência social!
O Sr. António Reis (PS):   Exactamente.
Nesse sentido, ficava muito mais claro que não se trata aqui, na alínea d), de defender um papel excessivamente interventor do Estado na economia, como uma formulação como "planificação democrática", que está, de certo modo, datada, poderia sugerir, que é muito mais consentânea com tudo aquilo que o PSD aceita para o Título II - Planos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está feita uma proposta concreta de compromisso. Ela não tem obviamente resposta imediata, mas pode ficar para nos sobrestarmos nela.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que não tem uma resposta imediata, mas devo dizer que, por ser essa a questão - e o Sr. Deputado apanhou exactamente a questão fundamental que o PSD coloca -, à partida, parece-nos uma via perfeitamente explorável fazermos, de facto, essa distinção, ou seja, deixar claro que não é a estruturação do modelo económico que assenta numa lógica planificadora, com uma alínea com a seguinte redacção: "A definição de planos de desenvolvimento económico e social concertados com os parceiros sociais" ou coisa que o valha. Portanto, com essa lógica, sim. Não nos repugna que possa ser considerado um elemento estruturante do nosso modelo económico a concertação, na sociedade portuguesa, de planos de desenvolvimento. Diferentemente é incluir, a seco, a lógica de planificação da economia como estruturante do modelo.
Portanto, na perspectiva que o Sr. Deputado agora abre, acho que é uma via claramente a explorar e aí não haverá qualquer rebuço da parte do PSD em considerar a lógica da definição de planos de desenvolvimento concertados, portanto, com participação democrática dos vários parceiros, como um princípio fundamental da actividade económica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão aponta para uma abertura do Partido Socialista para reformular a alínea d) na forma que propôs, isto é, "Planeamento democrático do planeamento económico-social", e do PSD para abandonar a sua proposta de eliminação e considerar essa hipótese, sugerindo até a seguinte redacção alternativa: "Definição de planos de desenvolvimento económico e social concertados com os parceiros sociais".
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Nós preferimos a nossa proposta!
O Sr. Presidente: - Considero que qualquer delas é um ganho. Penso que mantêm uma ideia de elemento de planificação do desenvolvimento e corresponde a uma parte das preocupações do PSD, que quer tirar esta fórmula, dogmaticamente pesada, temos de o reconhecer, "planificação democrática da economia".
Se esta via está aberta, pela minha parte, devo dizer que também adiro a explorá-la e, portanto, apurar a convergência numa formulação que corresponda a este compromisso virtuoso.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à alínea e) do mesmo artigo, para a qual também existem propostas de eliminação do PP e do PSD.
A actual redacção da alínea e) é a seguinte: "Protecção do sector social e cooperativo de propriedade dos meios de produção". É esta alínea que o PP e o PSD se propõem eliminar.
Têm a palavra os proponentes, se o desejarem, para justificarem as propostas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A razão de ser da proposta de eliminação apresentada pelo PSD é apenas porque o princípio de protecção do sector cooperativo e social já está previsto à frente, noutros artigos da Constituição, e é um princípio a manter.
O Sr. Presidente: - É o artigo 86.º.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que não nos parece, de facto, é que, exactamente dentro da discussão que temos vindo a travar, seja um princípio estruturante de organização económica e social. É, de facto, uma incumbência do Estado, que vem desenvolvida à frente, em artigos próprios que têm a ver com o sector cooperativo e com o sector social, mas parece-nos que erradamente surge aqui como um princípio estruturante da organização económica e social. Portanto, é apenas por isso e não por recusarmos o conceito que lhe está subjacente, uma vez que ele se mantém mais à frente e especificadamente no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de eliminação, de entre os princípios fundamentais da constituição económica, do princípio da "Protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção", cuja existência está garantida na alínea b) e cuja protecção já consta, em parte, no artigo 86.º. A justificação do PSD, como ouvimos, é a de que é excessivo especializar esse princípio.
Está à discussão esta proposta de eliminação do PSD.
Pausa.
Srs. Deputados, a proposta pode não ser virtuosa, mas, em todo o caso, merece que se pronunciem sobre ela.
Pausa.
Seria a primeira vez que uma proposta não é sequer considerada merecedora que sobre ela se pronunciem.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, estávamos a dar o privilégio ao Sr. Deputado Luís Sá!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, aceito o desafio, para dizer apenas o seguinte: não é pelo facto de, mais adiante, esta questão estar efectivamente prevista, e está, que deixa de ter sentido a inclusão do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção como um dos esteios da organização económica e social.
De resto, a seguir, há normas sobre empresas privadas e isto não impede o PSD de, neste artigo, ter procurado reforçar a presença do sector privado, designadamente no que toca à norma que já referimos relativa à "subsidiariedade da acção do Estado" ou em relação à norma que discutiremos a seguir da "liberdade de contratação e de organização empresarial".
Portanto, diria que até há, talvez, alguma incoerência nas propostas do PSD, quando quer, simultaneamente, eliminar o sector cooperativo e social de propriedade e, ao mesmo tempo, reforçar a referência ao sector privado no contexto da organização económica e social.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, face a esta intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, ousava apenas fazer uma ligeira correcção, nomeadamente à parte final da sua intervenção. O que está em causa na liberdade de contratação diz respeito à propriedade privada, à propriedade cooperativa e à propriedade social, não é exclusiva da propriedade privada. A liberdade de contratação e de organização empresarial tem a ver com todos os modelos e não apenas com a propriedade privada.
O Sr. Presidente: - Já lá iremos a essa proposta, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PSD): - Sr. Presidente, a rectificação é devida e eu, efectivamente, até creio que o Sr. Deputado estava particularmente preocupado com o sector cooperativo e social quando fez esta proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu estava preocupado!?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, embora seja um facto que no artigo 86.º haja referência expressa às cooperativas e às experiências de autogestão, não quero crer, apesar dos remendos que foi tendo a Constituição, que esta inclusão seja um mero lapso dos constituintes ou de quem veio a rever posteriormente a Constituição. Creio que o artigo tem alguma décalage lógica, porque, depois de dizer que o poder económico está subordinado ao poder político democrático e de definir uma economia mista pela coexistência de diversos sectores, avança para aquilo que é ou que pode vir a deixar de ser a planificação democrática da economia e tem em conta uma realidade, que é uma realidade diferenciada.
Peço que o PSD aqui não veja um certo modelo de cooperativas e, concretamente, que não esteja a pensar nas cooperativas de produção do Alentejo, mas que pense que este é um sector de grande importância e de grande futuro - e ainda bem que agora até há um código cooperativo muito recente -, porque cada vez mais este tipo de pequena empresa cooperativa vai ser necessário à economia do País, só que carece, inevitavelmente, de um certo tipo de apoio.
Aliás, o Partido Socialista instituiu como um dos eixos da sua campanha - embora isso possa não ter uma grande importância para aqui - a necessidade de apoiar este sector, como forma de também criar emprego, particularmente nas zonas do interior do País. Isto é, há um vasto sector ligado, designadamente, aos ofícios artesanais, a que há pouco aludiam e queriam constitucionalizar, que só pela via do movimento cooperativo pode ter algum cabimento.
Creio que esta necessidade de apoio não está aqui por acaso e que não há qualquer razão para a retirar neste momento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta não mostra ter viabilidade, porque tem a oposição do PCP e do Partido Socialista.
Em todo o caso, quero lembrar o seguinte: este texto vem de 1989, visou substituir uma alínea que vinha de 1982, que, portanto, já substituía o texto primitivo da Constituição, a qual dizia "Desenvolvimento da propriedade social". Portanto, este foi o modo de não eliminar 
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puramente esta alínea e) e substituí-la por alguma coisa útil, em 1989.
Portanto, o que se trata não é propriamente de saber se a Constituição deve ou não proteger o sector cooperativo e social, porque essa protecção está noutro lado, e, aliás, nem os proponentes se propõem eliminá-la do seu sítio, mas, sim, saber se ela é suficientemente importante para estar aqui no artigo 80.º.
Claramente há aqui duas perspectivas: o PSD entende que não e o PS e o PCP entendem que sim, e essa discordância de pontos de vista não se mostra, neste momento, ultrapassável.
Vamos passar à alínea seguinte, que é a alínea f), para a qual existem propostas de eliminação do CDS-PP e do PSD e uma proposta de substituição do Deputado Cláudio Monteiro.
A alínea f) diz o seguinte: "Intervenção democrática dos trabalhadores". É esta alínea que o CDS-PP e o PSD se propõem eliminar e que o Deputado Cláudio Monteiro propõe que passe a dizer "Concertação económica e social".
Têm a palavra os proponentes para justificarem as suas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para justificar a proposta de eliminação da alínea f) do artigo 80.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta de eliminação, não tenho muito a acrescentar àquilo que já disse, ela vem na mesma lógica da proposta de eliminação da alínea e).
Interessa-me mais, até para avançarmos construtivamente, comentar a proposta do Deputado Cláudio Monteiro, em relação à qual, devo dizer, a posição do Partido Social Democrata é de grande abertura. De facto, parece-nos que é claramente feliz, mesmo na lógica de transportar para o artigo dos princípios fundamentais, e, nesse sentido, estruturantes do modelo económico do País, aquilo que vem mais à frente num artigo a que o PSD dá, de resto, grande importância, que é a consagração do Conselho Económico e Social e da política de concertação que ele deve envolver e demonstrar por parte do Estado.
Portanto, confesso que se o princípio da intervenção democrática dos trabalhadores é de difícil concretização hoje em dia, para além daquelas que são as formas já previstas, nomeadamente na parte dos direitos dos trabalhadores e, mais à frente, na sua participação, através das organizações representativas, no Conselho Económico e Social, já o princípio mais genérico da concertação, envolvendo todos os agentes económicos na organização económica e social, parece-nos uma proposta francamente de considerar e, nesse sentido, o Partido Social Democrata encara com bastante abertura a formulação neste artigo, nos princípios estruturantes da organização económica, do princípio da concertação.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): -Sr. Presidente, dá-me licença que faça uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, a pergunta que quero deixar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes é esta: ao acolher a ideia contida na proposta do Deputado Cláudio Monteiro - a ideia da concertação económica e social -, admite que aí está incluído aquilo que contêm na vossa proposta de alínea d)?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em que alínea, desculpe?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Na vossa proposta de alínea d).
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -É mais do que a alínea d)!
O Sr. Presidente: - É diferente! Nada tem a ver uma coisa com a outra!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah! Na nossa alínea d)! Tem razão, uma coisa nada tem a ver com a outra, Sr. Deputado! Com a questão de que tínhamos falado há pouco de substituir a actual alínea d) por uma lógica de definição de planos para o desenvolvimento? Não! A concertação é mais do que isso! De resto, como sabe, em sede do Conselho Económico e Social existe uma Comissão Permanente de Concertação que está para além dos trabalhos de elaboração e da pronúncia do Conselho em sede de planeamento, de planos de desenvolvimento. Portanto, a concertação, em qualquer circunstância, do nosso ponto de vista, tem valência suficiente para ser equacionada autonomamente relativamente aos planos de desenvolvimento.
A nossa proposta nada tem a ver com isso, Sr. Deputado, com franqueza. A nossa proposta tem a ver com o modelo de organização económica e social que existe em Portugal, que é o da economia de mercado, onde prevalece…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Penso que tem! Mas já percebi. Mais à frente veremos, então.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração as duas propostas de eliminação e a proposta de substituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, começando pela proposta de substituição, que, de algum modo, está ligada à outra, creio que o que está garantido na alínea f) é o princípio de que a democracia não se limita aos aspectos representativos globais, à participação global, que se estende até às unidades produtivas.
Este é um princípio organizatório fundamental, a nosso ver, da Constituição económica, e creio que era profundamente empobrecedor substituí-lo apenas pelo princípio da concertação. Ele tem lugar, designadamente, noutras disposições, por exemplo, o Conselho Económico e Social, mas é algo de profundamente diferente da intervenção democrática dos trabalhadores.
Naturalmente que, naquilo que disse, está implícita também a nossa posição a respeito da eliminação desta alínea. Creio que era profundamente empobrecedora. A intervenção democrática dos trabalhadores não tem a ver com as diferentes formas de apropriação dos meios de produção, tem a ver com um princípio, e naturalmente que este
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princípio da intervenção democrática pode exercer-se de várias formas dentro da empresa, inclusive por uma mera audição dos trabalhadores em algumas decisões fundamentais. Não vemos vantagem nem na proposta de alteração nem na proposta de eliminação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, no que toca à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro - "Concertação económica e social" -, em princípio, e ainda que sujeito a uma melhor reflexão, estamos abertos a admiti-la, desde que a formulação não tivesse este carácter tão genérico e incluísse uma ideia, que é uma ideia que o Sr. Deputado Luís Sá aqui trouxe e que, de algum modo, a CGTP, ainda que não abertamente, admitiu como viável, que era a de que a Constituição económica e social não fosse apenas de nível superestrutural mas pudesse ser ao nível também das unidades produtivas, das empresas.
Portanto, se se encontrar uma formulação que acolha esta ideia, o desenvolvimento, no fundo, da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, poderíamos encará-la positivamente.
O Sr. Presidente: - E quanto à proposta de eliminação?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - De eliminação da alínea f) "Intervenção democrática dos trabalhadores"?
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por aquilo que foi dito, pronunciei-me sobre a proposta de substituição do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Portanto, admito que se elimine a alínea…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eliminar não, substituir.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Substituir com este sentido.
O Sr. Presidente: - Existe, portanto, abertura à substituição.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Abertura à substituição com o sentido que deixei aqui expresso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me é permitida uma opinião, confesso que não tenho grande simpatia por inserir em sede de princípios fundamentais a ideia da concertação.
A concertação é um acto de acordo, de consenso, que não se impõe, quanto muito pode estimular-se, aclamar-se. Haverá concertação se os parceiros sociais estiverem em condições de a fazer, se a quiserem realizar. Elevar isto a princípio estrutural da Constituição económica, francamente, não me parece razoável. No meu modo de ver, esta ideia está bem onde está, lá à frente, no artigo sobre o Conselho Económico e Social.
Já não me repugnaria nada passar para a actual alínea f), substituindo-a, aquilo que está hoje na alínea i) do artigo 81.º "(…) participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas na definição, na execução e no controlo das principais medidas económicas e sociais". Tratava-se apenas de transferir este princípio, o princípio da participação - este, sim, parece-me um princípio estruturante -, o qual inclui a concertação, como é óbvio, mas não se esgota nela, porque pode haver participação sem concertação, como, aliás, todos sabem.
Eis uma sugestão que deixo à consideração.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim! Nós, em princípio, acolhemos essa sugestão, na medida em que nos parece feliz.
O Sr. António Reis (PS): -Parece-nos uma boa solução.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, só para esclarecimento…
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, e com toda a franqueza, em face da sugestão que fez agora, o problema que se coloca é só o de que o que está na alínea i), no fundo, tem tradução explícita e expressa no artigo 95.º da Constituição. Portanto, sob esse prisma, o que o PSD propunha…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que estamos a "co-lidar" é a questão de saber se esse é um princípio essencial, daqueles que devem constar aqui. O que importa não é saber se o vamos tirar ou não, a questão é saber se ele merece ser seleccionado, entre os principais, quando consta no artigo 80.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já ia aí, Sr. Presidente.
De resto, é por essa razão e apenas nesse sentido que o PSD, no artigo 81.º, propõe a eliminação de uma parte, apenas porque entende que, com o artigo 95.º da Constituição - que não é um artigo original, como todos sabemos, uma vez que foi aprovado em revisão e não na Assembleia Constituinte -, perdeu a razão fundamental de estar aqui, uma vez que passou de alínea a artigo inteiro, de corpo inteiro e com um desenvolvimento mais amplo sobre essa participação necessária das organizações representativas dos trabalhadores e das actividades económicas.
Concordo com aquilo em que o Deputado Osvaldo Castro estava a reflectir, há pouco, em voz alta ou, pelo menos, foi assim que o entendi, pois o PSD, claramente - e já discutiremos isso a propósito dos artigos que têm a ver com os direitos dos trabalhadores -, defende uma concepção de empresa onde exista a valência da chamada micro-concertação, como foi, na altura, aqui explicitado pelo Deputado Francisco José Martins, enquanto proponente de um projecto assinado pelo Deputado Arménio Santos e por ele próprio. É, de facto, essa, também, a concepção do PSD e isso está para além do Conselho Económico e Social.
Por conseguinte, transpor apenas a alínea i) parece-me pouco, ou seja, o princípio genérico da concertação, 
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enquanto estruturante da organização económica, desce também da superestrutura do Conselho Económico e Social, das grandes representações das organizações das confederações sindicais patronais - é essa a sensibilidade do PSD - à própria organização da empresa, da actividade económica e, muitas vezes, da unidade económica. É nesse sentido que o PSD entende a própria concepção de empresa, do moderno conceito de empresa, enquanto unidade onde há um conjunto de interesses, todos eles devendo ser acautelados, exactamente numa perspectiva estruturante da organização económica e social.
Portanto, percebendo a proposta do Sr. Presidente, a ideia do PSD vai um bocadinho mais no sentido daquilo que o Deputado Osvaldo Castro disse, vai um bocadinho além, vai um bocadinho mais longe do que isso. Repetir apenas o que está na alínea i) do artigo 81.º já é feito com vantagem pelo artigo 95.º. O princípio da concertação, como nós o entendemos, não existe só na superestrutura, é também, pelo menos desejavelmente, um princípio estruturante das próprias empresas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o meu problema é que penso que voltamos a uma discussão que já tivemos. A questão está em saber do interesse do PSD em afastar da Constituição fórmulas que considera dogmaticamente carregadas - e a intervenção democrática dos trabalhadores será uma delas, até porque me parece que é unilateral - e em saber se é boa solução substituí-las por outras que, para outras forças políticas, são também fórmulas dogmaticamente carregadas. Não são para o PS mas, se calhar, são para o PCP!
Portanto, o problema está em saber se devemos substituir fórmulas dogmaticamente carregadas por outras fórmulas também dogmaticamente carregadas e se não devemos utilizar fórmulas que sejam "palatáveis" para todas as forças políticas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é, Sr. Presidente! Como dizia o Sr. Deputado Miguel Macedo, o que temos de encontrar aqui, pragmaticamente, é a maioria de 2/3 para a revisão do texto, sob pena de ele ficar tal qual está. Portanto, independentemente de todo o respeito, e o Sr. Deputado Luís Sá sabe que assim é…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aqui entre nós, não puxe demasiado a corda. O que propus foi o seguinte: onde está "intervenção democrática dos trabalhadores" vamos substituir a palavra "intervenção" por "participação", onde está "dos trabalhadores" vamos pôr "dos trabalhadores e dos empresários". Acha que é pouco?! Não puxe demasiado a corda!
Aviso-o, desde já, que já não contribuo para mais normas com "protestantes".
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o problema é só a parte final da alínea i), onde se refere "na execução e no controlo das principais medidas económicas e sociais". É que isso é o que faz o Conselho Económico e Social, é a tal superestrutura…
O Sr. Presidente: - Mas eu tiro a palavra "principais" e ponho em todos os níveis da relação económica! Se o problema é esse, reformulo já, Sr. Deputado!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, nós congratulamo-nos com esta observação final e reservamos a nossa posição para quando virmos uma formulação concreta, porque a primeira questão que surgiu, quando o Sr. Presidente fez a sua proposta, independentemente das intenções, foi a de saber se não se estaria a remeter para uma participação ao nível das grandes medidas, designadamente ao nível nacional, deixando para segundo plano a questão que há pouco referi, que é a da participação democrática aos diferentes níveis, designadamente ao nível das unidades de produção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mantenho, como sugestão, a substituição da alínea f) por uma que formule o princípio da participação das organizações dos trabalhadores e das organizações das actividades económicas de tal modo que evite essa redução à macro-regulação e que contemple todas as formas, todos os níveis de regulação, ou seja, a micro, a meso e a macro-concertação.
Comprometo-me a apresentar à vossa consideração uma proposta nesta área e, se estiverem de acordo, poderemos, então, assentar numa plataforma destas, de convergência democrática das três forças políticas neste momento aqui presentes. E já agora, off the record, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a unanimidade é melhor do que 2/3!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida! Eu não quis pôr em causa, e o Sr. Deputado Luís Sá bem sabe, todo o mérito dessa atitude.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Estou admirado com a capacidade de chegarmos a alguma conclusão com este diálogo!
O Sr. Presidente: - É um incrédulo, Sr. Deputado Miguel Macedo!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Você está muito marcado com a ideia do diálogo!
O Sr. Presidente: - É, claramente, falta de confiança no diálogo!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não, não! Sou um entusiasta do diálogo!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Presidente é um convergente!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta a proposta do PSD relativamente a uma nova alínea d), com o seguinte teor: "Liberdade de contratação e de organização empresarial".
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, entende que, no contexto em que temos vindo a discutir, é de insistir nessa proposta? Ela está, obviamente, garantida atrás, na liberdade de iniciativa económica.
A liberdade de organização empresarial, nos termos da lei, aliás, nos termos do Código Comercial, está, obviamente,
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garantida, pelo que aqui ficaria deslocada. Seria considerá-la um direito, liberdade e garantia que já está no sítio próprio, pelo que, a ser explicitada, então, seria lá atrás, no artigo 61.º.
Portanto, parece que, no quadro da barganha do PSD, esta proposta já se torna dispensável, mas, de qualquer forma, não quero ajuizar em nome do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De facto, parece-me que ajuíza mal Sr. Presidente.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Deputado Luís Marques Guedes, agora fala o Deputado Miguel Macedo para retirar, não é verdade?!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não, não! Sou menos propenso ao diálogo do que o Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Isso, sem dúvida! Ele é muito falador!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Aliás, alguns colegas seus, há uns tempos, apresentavam-me como o arquétipo do cavaquista esgotado, sem nenhuma hipótese de reconversão.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não lhe conheci essa face, Sr. Deputado! Mas o Deputado Luís Marques Guedes é muito duro e vocês têm de o tornar mais maleável.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a alínea d), que insiste em manter.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, insisto em mantê-la e vou dizer porquê.
Antes de mais, quero, desde já, significar, até para antecipar qualquer tipo de críticas que, eventualmente, se poderiam sustar aqui em relação a esta matéria, que é evidente que esta liberdade de organização, nomeadamente de organização empresarial, terá que ter, como adiante se verá noutros artigos, alguns condicionamentos de ordem legal. Portanto, poder-se-ia, inclusive, equacionar, sem problema nenhum da nossa parte, embora também nos pareça, com toda a franqueza, que, tratando-se de princípios fundamentais, como se trata neste artigo, isso não é necessário, a hipótese de acrescentar aqui a expressão clássica "nos termos da lei" ou "nos termos da Constituição" ou coisa que o valha.
Agora, sem pôr em causa, obviamente, essa necessidade de condicionar - que existe, aliás, outros artigos da Constituição o fazem -, embora antecipe, desde já, a desnecessidade dessa argumentação, parece-nos que, de facto, em termos da verdadeira organização económica e social, é evidente que o modelo económico português, porque é disso que se trata neste artigo, assenta na liberdade de contratação e de organização empresarial, ou não fosse esse, não só como diz o Sr. Presidente, e bem, um direito que já está, claramente, do ponto de vista subjectivo, na parte dos direitos fundamentais dos cidadãos. Inserimo-lo aqui, na Parte II da Constituição, onde já não estamos a cuidar dos direitos, pelo que a crítica de que isto é repetitivo não me parece válida, uma vez que se trata aqui dos princípios fundamentais da organização económica. E é bom reafirmar aqui que a organização económica, o modelo económico nacional assenta no princípio da liberdade de contratação e de organização empresarial.
De resto, é exactamente por se tratar de um princípio estruturante do modelo económico nacional que tem, em toda a legislação ordinária - as chamadas leis-quadro ou leis fundamentais, como amplamente devem ser considerados os códigos comerciais e outro tipo de documentos legislativos que claramente enquadram, nesse sentido, leis-quadro, no sentido do enquadramento de determinado tipo de actividades -, uma consagração perfeitamente pacífica e até, historicamente, bastante antiga, no que se refere à organização económica e à actividade económica do País.
Portanto, do ponto de vista do PSD, parece-nos que é, claramente, um princípio estruturante - este, sim, um princípio fundamental da organização económica e social - do nosso modelo económico, defendido por todos os governos constitucionais que houve em Portugal, deixando de fora os governos provisórios que podem, aqui ou acolá, ter assentado a sua política económica e a organização económica, em determinados momentos, noutros princípios fundamentais. Mas todos os governos constitucionais da República democrática portuguesa sempre foram governos que assentaram a sua política económica e a organização económica do País no princípio fundamental de liberdade de contratação e de organização empresarial.
Nesse sentido, entendemos que é, de facto, esta a sede para a sua consagração. Não se pode confundir isto com o que está lá atrás, nos direitos subjectivos dos cidadãos, na liberdade de iniciativa, e com tudo o que isso significa, porque se trata aqui de delimitar quais são os princípios fundamentais da organização económica do País. É uma sede distinta e é aqui que, do ponto de vista do PSD, se deve reafirmar, com esta ou com outra formulação, o princípio de liberdade de iniciativa, que é estruturante da organização económica do País.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, relembro só aquilo que, há bocadinho, em troca de impressões com o Sr. Deputado Luís Sá, tive oportunidade de dizer.
É evidente que, com esta proposta, não quer o PSD significar que se pretende exclusivamente a iniciativa privada. Trata-se da liberdade de contratação e de organização empresarial seja no sector privado, seja no sector cooperativo, seja no sector social. Portanto, trata-se de liberdade em toda a sua dimensão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que, no fundamental, a questão está colocada. Independentemente deste esclarecimento, não gostaríamos que um eventual futuro governo do País, com participação do PSD, como
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aconteceu com outros governos provisórios, deixasse de executar um eventual programa que garantisse os direitos fundamentais e a democracia. E, como tal - supondo que foi essa a questão -, não estamos abertos, nem a julgamos, de resto, justificada ou que venha acrescentar alguma coisa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, nós temos, de facto, a ideia de que se trata de sublinhar a negro…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A negro?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS) - Salvo seja! A negro, no sentido de sublinhar, de sublinhar…
O Sr. Luís Sá (PCP): - A laranja!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pronto! Eu reformulo a ideia.
Trata-se de sublinhar a itálico, para não pensarem que o negro…
O Sr. Presidente: - O "negro" é a tradução portuguesa do inglês bold, que significa carregado.
O Sr. Deputado Marques Guedes vê sempre o perigo da imputação de uma hidden agenda em todas as observações.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pois vê! Mas, na verdade, trata-se de sublinhar a itálico aquilo que já está expresso nos direitos, liberdades e garantias. Portanto, parece, de facto, essa intenção de marcar…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também lá está a intervenção dos trabalhadores, não está?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pois está! Pois está!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E acabaram por aceitar…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E por isso mesmo nós, aqui, já admitimos que se pudesse encontrar uma formulação que não é a que cá está. Nós temos esse tipo de abertura, mas o PSD quer, de facto, impor algo que não acrescenta…
O Sr. Presidente: - Quer impor como Constituição económica o seu programa de Governo!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente! Quer sublinhar a negro - tenho de o dizer outra vez - e nós não podemos aceitar isso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o PS não defende a liberdade de contratação?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas ela está cá, ela existe e, portanto, não precisamos de a pôr aqui, ao nível da ossatura! Isto é, a liberdade de contratação não é um fémur, não é um osso principal, ao nível dos princípios fundamentais da organização económica.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é?!
O Sr. Presidente: - Não! Basta dizer que as formas de sociedade estão tipificadas na lei. Não há liberdade nenhuma de constituição, há liberdade de escolha das que estão tipificadas na lei.
Srs. Deputados, creio que não vale a pena continuarmos em discussão. Penso que esta proposta e este acrescento iria contra toda a filosofia que defendi sobre o que deve ser a Constituição económica e, portanto, neste caso, não só não apadrinho como me oponho francamente ao privilégio deste princípio constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, também quero discordar do que acaba de ser dito, quer pelo Sr. Presidente, quer pelo PS. Todos estão de acordo, com certeza, em que há um princípio fundamental que é a autonomia privada. E todos aprendemos que a autonomia privada…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por alguma razão não está na Constituição em lado nenhum! É obvio e não precisa de ser explicitado.
O Sr. Calvão e Silva (PSD): - Então, não se pode ter medo! O que importa é dizer se faz parte ou não da ossatura, porque faz! É uma vertente fundamental desse grande princípio que é a autonomia privada e, nessa medida, se é uma vertente fundamental, por que é que não há-de ficar explicitada? Não estamos a impor uma coisa que não seja da liberdade…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Deputado Calvão da Silva, o Sr. Deputado tem de ter em conta que estamos aqui a tratar dos princípios fundamentais. Houve uns tantos que foram seleccionados, de facto, com a sua ossatura e que têm desenvolvimentos para diante. E o Sr. Deputado sabe bem disso! Se considera, e pelos vistos o PSD considera, que é um princípio fundamental, é espantoso que nunca o tivesse considerado antes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sempre considerou!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não! Nestes termos, nunca! E isso é que é espantoso!
Por isso é que dizemos que, nesta matéria, há, claramente, o sentido de impor até as formulações programáticas do PSD. Mas, assim, é difícil consensualizar a revisão. É que nós, anteriormente - e não sei se o Sr. Deputado Calvão da Silva cá estava -, em algumas das alíneas, ainda procurámos encontrar pontos de entendimento, mas aqui parece-nos que o PSD insiste numa coisa que não tem sequer o relevo que lhe querem atribuir.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem pretender, nesta fase, alongar demasiado esta discussão, sempre diria, para ficar em acta, que, se é certo, como nesta discussão o PSD teve já oportunidade de conceder, com toda a lealdade e com toda a franqueza intelectual, que o princípio da subsidiariedade do Estado, o princípio de menos Estado é um princípio nosso, que não é, porventura, do Partido Socialista, como o Partido Socialista aqui expressou, já tenho dificuldade em compreender que o princípio de liberdade de contratação e de organização empresarial seja um princípio nosso e não do Partido Socialista.
Com toda a franqueza e com toda a lealdade, Sr. Deputado, nunca ouvi o Partido Socialista divergir fundamentalmente do princípio da liberdade de contratação e de organização empresarial, enquanto princípio fundamental de organização económica.
Coisa diferente, e já o concedi aqui, nesta primeira discussão, é a divergência e a opção distinta que o Partido Socialista reivindica em termos da política económica de menos Estado. Aqui, com certeza, concedi e reconheço que, eventualmente - e ainda para mais se é o próprio Partido Socialista a dizê-lo -, pode ser uma matéria que nos divide, pelo que aceitamos a distinção.
Agora, com toda a franqueza e com toda a lealdade, nunca tinha ouvido, da parte do Partido Socialista, que aquela questão fosse um traço distintivo relativamente ao Partido Social Democrata, na perspectiva da organização do modelo económico.
O Sr. Presidente: - Não é correcto pôr as coisas nesses termos, porque não se trata de saber se o PS diverge ou não do PSD nessa matéria. O PS diverge é em elevar isso a princípio da constituição económica. Tão simples quanto isso! Os senhores também não propuseram aqui a propriedade privada, nem a liberdade de iniciativa, nem o resto.
Portanto, não se trata de saber se o PS está ou não de acordo convosco nesta matéria. Não é isso que está em causa! O que está em causa é saber o que é que se eleva a princípio fundamental da Constituição económica. O PS opõe-se, e bem, a meu ver, pelo que não vale a pena fazer disto uma questão, ou seja, se quiserem, podem fazer uma questão à vontade, mas isso não altera o problema. Vocês querem insistir em substituir o socialismo constitucional por um liberalismo constitucional, mas não o conseguirão dessa forma. Portanto, penso que o PSD faz mal em insistir nesse ponto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, só por uma questão de registo, nestas coisas deve haver algum rigor intelectual. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não deve imputar ao PS aquilo que não foi dito pelo Deputado Osvaldo Castro, do PS.
Exactamente como o Sr. Presidente sintetizou, nós dissemos que isto está implícito nos direitos, liberdades e garantias e que discordávamos que isto fosse incluído nesta sede. Eu até disse o seguinte: discordávamos que isto fosse um fémur necessário para a ossatura deste corpo que são os princípios fundamentais.
O rigor intelectual, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e o Sr. Deputado não nos tem habituado a outra coisa, merece que, neste caso, lhe deixe ficar este registo. O Sr. Deputado tripudiou, claramente, sobre as minhas palavras, apenas para tentar deixar uma nota política. Essa barganha não a faço nem aqui, nem nos tribunais!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que não vale a pena insistirmos nesse ponto. A proposta não tem viabilidade…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode ser que venha a ter!
O Sr. Presidente: - Espero que não! Com o meu apoio, não terá, com certeza, e espero que o PSD não faça disso uma questão, porque parece-me que não ganhará nada com isso.
Vamos passar ao artigo 81.º, Srs. Deputados.
Em relação ao artigo 81.º existe toda uma série de propostas e temos de as analisar alínea a alínea.
Há uma proposta do PP, semelhante às anteriores do PSD, de aditamento de uma alínea a), com o seguinte teor: "Defender a economia do mercado garantindo o acesso à propriedade e iniciativas privadas".
Algum Sr. Deputado do PP quer defender a proposta? Pela minha parte, entendo que ela vale por si mesma, apresenta o mérito dos autos e está à consideração.
Pausa.
Srs. Deputados, a proposta está à consideração.
Pausa.
Srs. Deputados, não há nenhuma proposta, por mais rejeitável que seja, que não mereça uma explicação da posição tomada quanto a ela.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso explicitar a nossa posição.
É evidente que nada do que aqui está na alínea a) proposta pelo Partido Popular é contrário à maneira de ver as coisas por parte do PSD, o que nos parece, em qualquer circunstância, é que o conteúdo normativo deste artigo não tem a ver com a afirmação de princípios. Esses, do ponto de vista do PSD, devem ser vertidos, eventualmente, em sede do artigo 80.º.
Do que se trata aqui, no artigo 81.º, é de incumbências prioritárias do Estado, em termos da acção que o Estado deve promover no âmbito económico e social.
Nesse sentido, a garantia de acesso à propriedade e iniciativa privadas, bem como a defesa do conceito de economia de mercado não nos parece que tenham razão de ser para integrar este artigo, que tem a ver com as competências próprias do Estado no âmbito económico e social.
Por essa razão, e não propriamente pelo conteúdo substantivo daquilo que aqui se defende, não entendemos que isto fique bem neste artigo. São aspectos que, de uma forma ou de outra, ficam disseminados ao longo dos direitos e dos princípios estruturais, em outras sedes da Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto à nova alínea a) proposta pelo PP…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, a nós também nos parece que há uma manifesta
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deslocalização, também não inocente, no caso do PP, em relação a este conjunto de valores que aqui procura incluir.
Portanto, nós rejeitamos, claramente, esta proposta.
O Sr. Presidente: - Qual é a posição do PCP?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que, nesta matéria, o essencial está dito. Para além de uma concepção ideológica que se pretende tornar obrigatória para qualquer governo, independentemente de poder ser sufragado pelo voto popular, há aqui até, do ponto de vista teórico, algo que me parece discutível, que é o próprio conceito de economia de mercado. É sabido que há economias socialistas de mercado, há economias capitalistas fortemente planificadas, pelo que até o conceito me parece discutível e fortemente ultrapassado pelas realidades existentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à actual alínea a) do artigo 81.º, relativamente à qual existem propostas de alteração do PP, que, no caso, a transforma em alínea b), do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro.
O PP propõe que, na referida alínea, passe a constar apenas o seguinte: "Promover o aumento do bem-estar económico e social". Ou seja, retira toda a segunda parte do texto actual.
O PSD propõe que, me vez de "das classes mais desfavorecidas", se diga "das pessoas mais desfavorecidas" e que se retire a expressão "do povo", havendo, portanto, duas alterações de formulação, e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe que, em vez das expressões "do povo" e "das classes mais desfavorecidas", se diga "dos cidadãos" e "dos mais desprotegidos", respectivamente.
Têm a palavra os proponentes para apresentar as suas propostas para a alínea a) do artigo 81.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que a proposta não carece de apresentação, a menos que alguém peça alguma explicitação. A exposição do Sr. Presidente e a singeleza das propostas não carecem de qualquer explicitação adicional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação as propostas.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, desde logo, em relação à alínea… Não! O PP não…
O Sr. Presidente: - Estamos a discutir apenas a alínea a) do artigo 81.º, que corresponde à alínea b) da proposta do PP, à alínea a) da proposta do PSD e à alínea a) da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. A proposta do PP elimina toda a segunda parte da alínea e as propostas do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro substituem as expressões "do povo" e "das classes mais desfavorecidas".
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, desde logo, em relação à proposta do PP de supressão da parte final desta alínea, parece-nos que ela é empobrecedora, e, nessa circunstância, não estamos de acordo. Sem mais explicitações, creio que se percebe claramente.
Podemos admitir que se encontre uma formulação que possa ser mais adequada, até em termos terminológicos e semânticos, às realidades de hoje e que passe pela ideia de cidadania em vez da expressão mais marcada "da qualidade de vida do povo", e, portanto, talvez ficasse melhor a ideia de protecção dos desprotegidos e não tanto dos desfavorecidos, embora aqui não façamos grande questão.
No essencial, parece-nos que a proposta do Deputado Cláudio Monteiro poderia ter genericamente o nosso acolhimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à expressão "dos cidadãos", trata-se, evidentemente, de um ganho relativamente à terminologia "do povo". Em qualquer circunstância, parece-nos que os próprios conceitos de bem-estar social e económico e de qualidade de vida não carecem de qualquer discriminação em termos subjectivos, isto é, a quem se dirige, pois são conceitos que falam por si. Creio que também ficará bem sem qualquer indicação subjectiva.
No que se refere à questão "dos desprotegidos" ou "dos desfavorecidos", apelo ao Sr. Deputado Osvaldo Castro para equacionar melhor a questão, porque o conceito correcto parece-me ser, de facto, "dos desfavorecidos". Não me parece que a promoção do bem-estar se deva dirigir particularmente para os desprotegidos, porque os desprotegidos, embora sendo desprotegidos, até podem não ser particularmente desfavorecidos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Concedo nisso!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que está aqui em causa é a carência,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim, sim! É verdade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … são situações de carência, situações de desfavor.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a proposta do PP é, manifestamente, empobrecedora.
No que se refere à primeira proposta do PSD, para cortar a expressão "do povo" corta também a expressão "da qualidade de vida", que creio que…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não corta, não! Não corta, não! Só se é gralha!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Peço desculpa. Retiro essa parte.
Em todo o caso, creio que a expressão "do povo", que, aliás, é uma expressão utilizada em múltiplos sentidos na Constituição, não tem que significar necessariamente uma discriminação positiva radical. Aquilo que aparece aqui como uma discriminação positiva é, efectivamente, a referência "das classes mais desfavorecidas".
Neste aspecto, creio que não haverá qualquer vantagem - de resto, julgo que o Sr. Deputado já a retirou - 
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em relação à substituição por "desprotegidos", porque remete para um conceito bastante limitado nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Não! O PSD mantém "desfavorecidas", mantém a fórmula constitucional!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estava a referir-me à fórmula que o Sr. Deputado Osvaldo Castro admitiu num determinado momento e que, creio, depois retirou.
O Sr. Presidente: - Era a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto!
Naturalmente que, quando se fala de classes mais desfavorecidas, creio que não se utiliza um conceito rigoroso de classe em termos estritamente económicos.
O Sr. Presidente: - É no sentido de camadas ou sectores!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto! É no sentido de camadas ou sectores e não no sentido de um conceito restrito de classe, designadamente do conceito marxista de classe.
Nesse sentido, creio que esta formulação não teria de trazer particulares dificuldades ao Sr. Deputado. Creio que, de resto, é essa a interpretação na generalidade da doutrina que o Sr. Presidente referiu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite uma sugestão alternativa, que foi aqui conversada com os Srs. Deputados Miguel Macedo e Calvão da Silva, porque não dizer-se "Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas". E porquê "das pessoas"? Porque o conceito de pessoas é anterior ao conceito de cidadão e é mais essencial.
Portanto, até no sentido de aligeirar a formulação, para não estarmos a repetir "pessoas" em cima e "cidadãos" em baixo, ou vice-versa, ou "povo" e "classes" e não sei quê, por que não irmos, então, à essência das coisas, que nesta matéria são as pessoas, e dizer "Promover o aumento do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas", ultrapassando-se, assim, este problema terminológico, que, apesar de tudo, tem algum significado, embora não seja o essencial?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta assim formulada tem abertura do PS e objecções do PCP. Embora não fique inviabilizada, fica, no entanto, remissa.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea b) do artigo 81.º, para a qual existem propostas de alteração do PP e do PSD.
O PP propõe que, onde se diz hoje "Operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento", passe a dizer-se "Promover as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através de uma política fiscal adequada", havendo, portanto, uma alteração no início da alínea e um acrescento no final.
O PSD, por sua vez, propõe que se altere a redacção actual para "Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento".
Têm a palavra os proponentes, para apresentação das suas propostas
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, primeiro, farei um breve comentário à proposta do Partido Popular. De facto, parece-nos que substituir o termo "operar" por "promover" é empobrecedor nesta matéria. A visão que o PSD tem das incumbências do Estado, no se que refere à dimensão social e à protecção dos mais desfavorecidos, está para além da singela promoção. Pensamos que é, de facto, uma incumbência fundamental do Estado e, nesse sentido, substituir o verbo "operar" por "promover" parece-nos claramente empobrecedor e não nos parece correcto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas olhe que na proposta do PSD está assim!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não está, não, Sr. Deputado!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ah! Está a referir-se à parte inicial! Tem razão!
O Sr. Presidente: - O PSD mantém o verbo "promover".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto ao facto de o PP, na parte final da sua proposta, acrescentar o "nomeadamente", pensamos que não existe qualquer vantagem, porque, se é certo que a política fiscal pode ser um dos meios para corrigir as desigualdades de distribuição da riqueza, não me parece que seja o mais importante, desde logo, porque essas desigualdades se colocam muitas vezes para além do plano individual, que é o plano que é tratado fundamentalmente pela política fiscal. Portanto, também não vemos vantagem neste acrescento, neste enfoque, nesta particularização da política fiscal. Pensamos que há obrigações do Estado que se desenvolvem em variadíssimos domínios, com certeza que também na política fiscal, mas não nos parece que se desenvolvam sobretudo na política fiscal.
Passando a uma breve explicitação da proposta do Partido Social Democrata, entendemos que, embora mantendo integralmente no actual texto a incumbência do Estado de operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição, parece-nos que haverá ganhos se o texto constitucional mantiver a actual redacção, acrescentando, no entanto, os princípios genéricos da justiça social e da igualdade de oportunidades, porque é algo que, do nosso ponto de vista, está intimamente ligado ao problema das desigualdades e da distribuição de riqueza.
A promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades é, desde logo, o principal veículo para prevenir exactamente a existência destas desigualdades, sem embargo, obviamente - e permita-me a repetição, Sr. Presidente -, de a inclusão destes princípios no texto constitucional, do ponto de vista do PSD, não justificar a supressão do actual texto, cuja manutenção defendemos na íntegra.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à discussão estas duas propostas, a do PP e a do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, no que se refere à proposta do PP, não vemos qualquer vantagem em abandonar a expressão "operar". Creio, aliás, que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já disse tudo em relação a isso.
Quanto à questão de ela referir em especial a política fiscal, julgamos que não há qualquer vantagem nesta autonomização, porque não tem de ser, efectivamente, o único meio e, em algumas situações, pode não ser o meio dominante.
No que concerne à referência à questão da justiça social e da igualdade de oportunidades, a grande questão que se coloca na nossa perspectiva é esta: é que, neste momento, estamos a tratar das incumbências prioritárias do Estado em conexão com a organização económica. Faz sentido, como incumbência prioritária do Estado, no âmbito da constituição económica, referir a correcção das desigualdades na distribuição da riqueza.
A questão da justiça social e da igualdade de oportunidades creio que está amplamente referida noutros pontos da Constituição, designadamente quando são referidos direitos económicos, sociais e culturais e incumbências prioritárias do Estado no plano geral e não já no plano da economia. É neste sentido que, identificando-nos, obviamente, com a ideia de justiça social, tenho dúvidas de que haja algum acrescento, alguma mais-valia, se for aceite este aditamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, pensamos que, apesar de a Constituição ser já um texto longo e excessivo, neste caso concreto e sem pôr de parte aquilo que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de dizer de que esta ideia da justiça social e da igualdade de oportunidades está contida noutros pontos da Constituição, apesar de tudo…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Tarefas fundamentais do Estado! Artigo 9.º! É dito expressamente!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exacto!
Como estava a dizer, apesar de tudo, o facto de estar plasmada no artigo 9.º não nos parece, neste caso concreto, que haja mal algum, pelo contrário,…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mal não há!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - … em assinalar, nas incumbências prioritárias do Estado esta ideia. Portanto, acolhemos esta ideia.
Como é evidente, pelas razões já aduzidas, não acolhemos a ideia do PSD.
O Sr. Presidente: - Do PSD ou do PP?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Do PP!
De facto, não é só nem principalmente através do política fiscal que se conseguem operar as correcções das desigualdades.
Do mesmo modo em relação à expressão "promover", entendemos que está mais correcta a ideia de "operar".
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PP não tem acolhimento e a do PSD tem o acolhimento, pelo menos de princípio, do PS e as objecções do PCP, embora não me pareçam liminares.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É apenas um problema de redundância e nada mais!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à alínea c) do artigo 81.º, para a qual existem também propostas de alteração do CDS-PP, que a enumera como alínea d), e do PSD.
Em ambos os casos, trata-se de eliminar a primeira parte da alínea. Assim, em vez de se dizer "Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público", tanto o PP como o PSD propõem que se diga "Assegurar a eficiência do sector público", ficando, deste modo, a alínea c) reduzida à sua segunda parte.
Vou agora dar a palavra os proponentes, para o caso de quererem acrescentar algo às propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pretendo somente explicitar um pouco mais aquilo que acabou de referir sobre a alteração proposta pelo Partido Social Democrata. Parece-nos que, na decorrência exactamente daquilo que defendemos que é a realidade do modelo económico nacional, nas incumbências prioritárias do Estado, no actual contexto da alínea c), deve caber, sem dúvida, a de assegurar a eficiência do sector público, mas não vemos que seja incumbência do Estado assegurar a plena utilização das forças produtivas.
De facto, para além da carga ideológica que esta terminologia possa ter, não vemos como é que, em termos substantivos, é uma incumbência prioritária do Estado assegurar essa plena utilização das forças produtivas. É sim, seguramente, a segunda parte da actual norma, ou seja, a eficiência do sector público. Esse, sim, diz respeito directamente ao Estado e é seguramente incumbência do Estado assegurar essa eficiência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que aqui se coloca, independentemente da eficiência do sector público, é a de saber se não deve haver um esforço da parte do Estado no sentido de promover a plena utilização das forças produtivas e, designadamente, se, perante a verificação de recursos naturais ao abandono ou situações em que as riquezas do País não sejam devidamente exploradas, não deve haver uma actuação do Estado, actuação essa que não tem de traduzir-se na criação de empresas públicas ou em qualquer outro meio que leve necessariamente a esse resultado, mas que pode traduzir-se, por exemplo, na promoção do investimento privado.
Ora, creio que, nomeadamente, numa situação em que vemos zonas do País a serem desertificadas, com os respectivos recursos ao abandono, suprimir este objectivo não seria favorável.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, a nós também nos parece não haver qualquer ganho de causa em retirar esta ideia de "assegurar a plena utilização das forças produtivas". Pensamos que é mais vasto do que, pura e simplesmente, garantir a eficiência do sector público.
Por outro lado, julgamos que, às vezes, há ideias preconceituosas, mas a ideia de forças produtivas não me parece que tenha qualquer matriz ideológica marcada - a não ser que os economistas sejam de todas as matrizes como são. Portanto, penso que é talvez um excesso de linguagem o pensar-se desse modo.
Também pelas razões já aduzidas pelo Sr. Deputado Luís Sá, parece-nos que ainda hoje, no nosso país, há a necessidade de se procurar assegurar que as forças produtivas, para além do próprio sector público, tenham plena utilização. Por isso, nada ganhávamos com esta supressão. Não é isto que retira a enxúndia da Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta para a alínea c) do artigo 81.º, idêntica nas propostas do CDS-PP e do PSD, não tem acolhimento.
Vamos passar à alínea d) do artigo 81.º, para a qual existem, mais uma vez, propostas de alteração do CDS-PP, que a enumera como alínea e), e do PSD. A actual alínea d) diz: "Orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo".
O CDS-PP propõe a substituição da parte final, de modo a que, onde se diz "(…) as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo" se diga "(…) as diferenças económicas e sociais entre o litoral e o interior", para além de outras alterações, de pormenor, na formulação.
Por seu lado, o PSD propõe, mais radicalmente, eliminar toda a segunda parte da alínea, ou seja, a parte final, onde se diz "e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo", ficando apenas "Orientar o desenvolvimento económico no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões".
Para apresentar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trazia aqui à colação uma abertura que o PSD deixou aquando da discussão do artigo 66.º, nomeadamente, quanto a uma proposta do Partido Socialista, que, penso, nessa matéria, era algo coincidente com a do Partido Ecologista Os Verdes e que tinha a ver com o princípio do desenvolvimento sustentado ou sustentável. O Sr. Presidente recordar-se-á dessa polémica, a propósito de uma proposta do Partido Socialista para o artigo 66º.
O Sr. Presidente: - Sim, sim!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na altura, o PSD deixou a sua receptividade a que essa matéria fosse equacionada em sede do artigo 81.º e, mais particularmente, do nosso ponto de vista, sê-lo-ia provavelmente nesta alínea d). Nesse sentido, quero reafirmar aqui a abertura do Partido Social Democrata para equacionar a alteração da redacção da alínea d), no sentido de, nesta perspectiva da orientação do desenvolvimento como incumbência do Estado, introduzir o conceito de desenvolvimento sustentado ou sustentável, uma vez ultrapassada a tal querela sobre qual a terminologia mais adequada - assim, à partida, parece-nos que é a do desenvolvimento sustentado, mas enfim, não queremos ser aqui detentores da verdade.
Para além disso, justifico a proposta de retirada da parte final do actual texto da alínea d), onde se diz "eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo", por uma razão: com toda a franqueza, parece-nos claro que deve ser uma incumbência do Estado orientar o desenvolvimento económico para um crescimento equilibrado entre todos os sectores e regiões, mas é mais difícil compreender, a não ser na lógica de uma economia planificada, como é que o Estado poderá assegurar a eliminação das diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo.
Independentemente de ser claramente desejável esse resultado, como consta já do princípio de orientação da política de desenvolvimento para um desenvolvimento equilibrado entre sectores e regiões, vemos como pouco nítido colocar a "eliminação", como incumbência do Estado, no texto constitucional e apenas por essa razão propomos a sua eliminação. Não que discordemos do objectivo a que se propõe, mas parece-nos que já está suficientemente contido naquilo que o Estado poderá fazer em termos de política de desenvolvimento, na primeira parte do preceito.
O Sr. Presidente: - E quanto à proposta do CDS-PP, de substituir "as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo" por "as diferenças económicas e sociais entre o litoral e o interior"?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O problema será o mesmo, Sr. Presidente, porque, como penso que explicitei, não é tanto o resultado, pois esse o PSD apadrinha-o claramente e, de resto, penso que já está expresso na primeira parte, quando se fala num desenvolvimento equilibrado entre sectores e regiões - as regiões tanto são a cidade e o campo como o litoral e o interior, são todas as regiões, como é evidente, sem qualquer tipo de necessidade de enunciação. O que nos parece é que se dissermos apenas que incumbe ao Estado eliminar estas desigualdades, não vemos bem como é que o Estado pode vir a fazê-lo - e é apenas para além da orientação da política económica, que já está na primeira parte. É só por essa razão que não vemos que a "eliminação" possa ser uma incumbência do Estado, salvo melhor opinião.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de facto, quando, a propósito do artigo 66.º, houve uma proposta do Partido Socialista e de Os Verdes, e suponho que também do PCP, para acrescentar a ideia do desenvolvimento sustentado, acordou-se em que aí não cabia bem e que talvez coubesse aqui. Portanto, guardou-se essa ideia para ser discutida aqui, sem compromissos, nessa altura, de ninguém.
Entretanto e a este propósito, porque Os Verdes reiteram essa proposta, que é a alínea a) do artigo 81.º do projecto de Os Verdes e que diz "assegurar um desenvolvimento sustentável capaz de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer as gerações vindouras", necessariamente sempre teríamos de discutir esse
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problema aqui, mas a verdade é que já tínhamos assumido o compromisso de voltarmos à matéria nesta sede - duvido é que esta questão tenha a ver com a alínea d) do artigo 81.º (é uma dúvida pessoal). Portanto, não sei se devíamos misturar uma coisa com a outra. De qualquer modo, a questão foi trazida à colação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, era apenas para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sr. Deputado, admitia que, nessa sua formulação, se dissesse "orientar o desenvolvimento económico no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões do País"?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Acha que é necessário pôr a expressão "do País"?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por razões conjunturais, se calhar, é. Se calhar, é uma questão de conjuntura. Evidentemente que os constitucionalistas…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vejo inconveniente algum, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer que estamos, naturalmente, com a ideia de incluir a proposta de consagrar o objectivo do desenvolvimento sustentado neste contexto, com a mesma dúvida já formulada, isto é, se é este o local adequado ou se não se trata de algo mais largo e abrangente do que aqui é referido.
Quanto à ideia de, em vez de "entre a cidade e o campo", referir "entre o litoral e o interior", não vemos vantagens nessa formulação, porque creio que, de algum modo, as preocupações do PP com as diferenças entre o litoral e o interior estão compreendidas no objectivo do crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, embora naturalmente a formulação seja diferente.
Quanto à segunda parte, à ideia de "eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo", creio que este objectivo, em rigor, não aponta para o tipo de modelo, quase me atreveria a dizer, de fantasmas colocados pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes. É que eliminar progressivamente estas diferenças significa, por exemplo, o programa de electrificação rural, significa concretizar o objectivo de garantir o abastecimento de água às muitas aldeias onde ainda não chegou o abastecimento domiciliário de água.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, mas, então, não pode ser "orientar o desenvolvimento económico (…) e eliminar progressivamente (…)"; deve ser "orientar o desenvolvimento económico no sentido de um crescimento equilibrado (…) e de eliminar (…)", ou seja, se for a política de desenvolvimento que deve ir no sentido de um crescimento equilibrado e de eliminar progressivamente, estamos de acordo. Agora, dizer-se "orientar o desenvolvimento (…) e eliminar progressivamente as diferenças (…)", não vejo como é que o Estado elimina. Se for um objectivo da política de desenvolvimento, que é o que está a dizer, penso…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que é isso. Por exemplo, a Comunidade Europeia tem programas de defesa do mundo rural, que proclamam um objectivo que não anda muito longe do que aqui está, de "eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo", que levam a liquidar progressivamente o mundo rural. Creio que é desse tipo. Por mim, se isso resolve a questão, não teria grandes dúvidas em incluir aqui "(…) e de eliminar progressivamente (…)". Creio que isso não altera o entendimento que sempre foi feito, designadamente pela doutrina, deste artigo.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não é uma eliminação progressiva e essa é a grande diferença!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se me permite, Sr. Presidente, em qualquer circunstância, o PSD entende - e fica apenas isso, residualmente, para reflexão conjunta - que se é esse apenas o sentido, que é aquele que dei na minha intervenção inicial, então, na primeira parte, quando se fala em crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, a política de desenvolvimento direccionada para este objectivo de "crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões", obviamente que, de algum modo, também já contém este objectivo de eliminar progressivamente as diferenças económicas, porque é nisso que se consubstancia o crescimento.
Em qualquer circunstância, essa é que é a questão que me parece mais importante. Depois, é uma questão de ver se fica ou não repetitivo.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, se me permite, a questão não é repetitiva, a meu ver, pelo seguinte: é que há aqui uma referência explícita à cidade/campo e nós sabemos que tradicionalmente houve uma diferença de direitos económicos e sociais entre estes níveis e entre quem vive nestes níveis.
Nesse sentido, podemos dizer que há um sublinhado (a negro ou a itálico, pouco importa) de um aspecto do crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões que não nos parece de todo em todo despiciendo, bem pelo contrário. 
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queria dar por terminada a reunião. Talvez seja melhor prosseguirmos amanhã.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas eu ainda não falei, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é que foi-me pedido pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes para terminarmos antes da hora habitual, pelo que proponho que retomemos a reunião amanhã.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 25 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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