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Quinta-feira, 3 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 32

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 2 de Outubro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 25 minutos.
Procedeu-se à continuação da apreciação das propostas de alteração relativas ao artigo 81.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Osvaldo Castro (PS), Luís Sá (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Claúdio Monteiro e José Magalhães (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 11 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, como sabem, a reunião de hoje terminará dentro de cerca de uma hora, em virtude de uma combinação feita ontem.
Antes de iniciarmos a discussão propriamente dita, queria lembrar-vos que temos marcada uma série de audiências para amanhã à tarde, com associações da comunidade jurídica - as associação sindicais representativas dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores - e duas associações de defesa dos cidadãos, audiências que se realizarão nesta sala.
Como estará a decorrer uma reunião plenária à mesma hora, os grupos parlamentares têm de agenciar um meio de ter aqui um número mínimo de pessoas, sobretudo das áreas em causa, isto é, sensíveis às matérias da organização da justiça, dos direitos fundamentais sobretudo em matéria criminal, já que serão essas as questões que, com certeza, serão tratadas. Marquei o início das audiências para as 15horas e 30 minutos e, a fim de não fazermos esperar os nossos convidados, depois de marcarmos presença no Plenário, espero que estejamos aqui às 15h20 para podermos iniciar a primeira audiência às 15h30.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente, qual vai ser o modelo seguido?

O Sr. Presidente: O modelo será aquele que se utilizou para os parceiros sociais. Portanto faremos audiências isoladas com a duração de cerca de 30 minutos para cada um.
Ouviremos as associações de defesa dos direitos cívicos, o Fórum Justiça e Liberdades e a Civitas, e ainda as associações sindicais representativas dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores.

O Sr. Osvaldo Castro (PSD): Pergunto ao PSD, por intermédio do Sr. Presidente, se garante a sua presença na próxima quinta-feira à noite. É que, Sr. Presidente, penso que temos de encontrar uma solução no sentido de que o PS e o PSD garantam pelo menos duas presenças na reunião e que o PCP, o CDS-PP e Os Verdes garantam pelo menos uma presença.

Pausa.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos no ponto em que os deixámos.
Não tinham sido apuradas as conclusões da discussão relativamente à alínea d) do artigo 81.º, para a qual foram apresentadas propostas do CDS-PP e do PSD.
O PSD propõe eliminar a segunda parte da alínea, onde se lê: "eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo". Esta proposta de eliminação, se bem se recordam, suscitou objecções por parte do PCP e reservas - para dizer o menos - por parte do PS
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, creio que não tinha ficado totalmente resolvida a questão do desenvolvimento sustentado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tinha ficado apurado que essa questão tivesse necessariamente a ver com esta alínea. Suponho que a ideia dominante é a de que isso ultrapassa a questão do desenvolvimento económico e social no sentido do crescimento equilibrado de sectores e regiões.
A minha opinião é que o desenvolvimento sustentado tem a ver sobretudo com uma utilização racional dos recursos naturais de modo não predatório, de modo a não esgotá-los, de modo a respeitar a capacidade de as gerações futuras continuarem a poder viver no mundo. Esta não é a minha especialidade, mas suponho ser esta a ideia geral do panorama do desenvolvimento sustentado. Portanto, é uma ideia de utilização adequada, racional, poupada dos recursos humanos, em termos de não predarmos as gerações e de não privarmos os nossos sucessores de determinadas condições de vida na terra.
Em suma, penso que devíamos discutir a questão do desenvolvimento sustentável ou numa alínea autónoma ou a propósito de outra alínea que tivesse mais a ver com esta questão. E, portanto, vamos discutir a alínea d) independentemente disso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, mas esta alínea é a única que fala de desenvolvimento, e a palavra "sustentado" não deixa de ser um qualificativo do próprio desenvolvimento.

O Sr. Luís Sá (PCP): Poderia haver uma nova alínea entre as actuais a) e b), por exemplo!

O Sr. Presidente: Independentemente dessa questão, proponho que discutamos para já as propostas que temos sobre a mesa para a alínea d), nomeadamente a proposta do PSD de eliminação da segunda parte. Quanto a esta matéria, o PS ainda não tinha manifestado uma opinião e o PCP tinha apresentado objecções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, compreendemos que a proposta do PSD contém, no geral, toda a ideia que aqui está plasmada. Apesar de tudo, em nome do mundo rural e das diferenças que ainda subsistem, parece-nos importante manter esta ideia de se irem eliminando progressivamente as diferenças entre a cidade e o campo.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, deixamos a questão do desenvolvimento sustentado para o fim e passamos à alínea e) do mesmo artigo 81.º, na qual se estatui: "Eliminar e impedir a formação de monopólios privados, bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral;", em relação à qual foi apresentada uma proposta de eliminação do PP, uma proposta de substituição do Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS e uma proposta de eliminação, se não estou em erro, do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não é bem de uma proposta de eliminação, é de fusão da alínea e) com a alínea f).

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O Sr. Presidente: Exacto.
Estão, portanto, à discussão três propostas: a de eliminação do PP; a de substituição do Deputado Claúdio Monteiro, que propõe que se passe a referir "Regulamentar a formação de monopólios por forma a reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral;" e a do PSD, também de substituição, das alíneas e) e f) - a actual alínea f) é do seguinte teor: "Assegurar a equilibrada concorrência entre as empresas;" - , fundindo-as numa única alínea com a seguinte redacção: "Promover o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a assegurar a defesa dos interesses dos consumidores e a impedir as práticas lesivas da concorrência e do interesse geral;".
Começo por dar a palavra aos proponentes para as justificarem, se o entenderem necessário.
Como o PP nada tem a acrescentar, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, a justificação é muito simples. A proposta de alteração é conservadora no sentido em que mantém no essencial a estrutura da alínea, limitando-se a introduzir duas alterações substantivas: uma que diz respeito ao âmbito de aplicação da alínea, que passaria a dispor sobre monopólios em geral e não apenas sobre monopólios privados, e outra que consiste na eliminação da proibição e no estabelecimento de uma norma de obrigação de regulamentação, pela simples razão de que, de acordo com as normas comunitárias, os monopólios existem e estão regulamentados, designadamente no âmbito do Direito da Concorrência e, portanto, não nos parece fazer sentido manter a proibição da existência de monopólios.
O que nos parece fazer sentido é estabelecer a regra de que deverá existir uma adequada regulamentação de forma a que o seu funcionamento não lese interesses gerais.
Admito que a referência às regras da concorrência, que é feita no projecto do PSD designadamente, possa fazer algum sentido nesta sede e, eventualmente, talvez valesse a pena reformular a proposta, caso haja consenso para o fazer, pelo menos no que diz respeito à introdução dessa referência.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PSD vai um pouco mais longe.
Antes de mais, devo dizer que concordo plenamente (de resto, foi essa a intenção do PSD) com o que o Deputado Claúdio Monteiro acabou de dizer acerca dos monopólios. De facto, hoje em dia o problema não se põe em termos de maldade necessária ou de proibição dos monopólios mas, sim, em termos de enquadramento dos monopólios numa perspectiva de funcionamento adequado e eficiente dos mercados. Os monopólios não são um mal necessário em si próprios, mas são sempre um mal quando ponham em causa o são, normal e eficiente funcionamento dos mercados.
Nesse sentido, quer a questão dos monopólios quer a ideia da concorrência estão necessariamente interligadas. Por isso, na primeira parte da norma, o PSD adopta uma fórmula na perspectiva que nos parece ser a mais correcta tendo em conta o verdadeiro objectivo em causa, quer no princípio de funcionamento concorrencial quer no princípio de condicionamento dos monopólios, que é o funcionamento eficiente dos mercados.
Acrescenta o PSD um outro aspecto na norma, que me parece da maior relevância substantiva e que não está actualmente no texto constitucional - uma lacuna grave -, que é a preocupação pela existência de uma sã concorrência, aqui traduzida pelo PSD pelo funcionamento eficiente dos mercados. Do nosso ponto de vista, este é um aspecto que deve estar interligado (para além de mantermos a questão do interesse geral, já que, como é evidente, não a pretendemos retirar) à defesa dos interesses dos consumidores.
É evidente, e muitos exemplos se podem dar, todos os conhecemos do dia-a-dia, que algumas opções de natureza económica, embora possam ter que ver com alguma adequação ou pacificação de conflitos existentes nos mercados entre os vários agentes, muitas vezes surgem com o condão negativo de não vir na defesa ou no interesse geral dos consumidores.
Portanto, do ponto de vista do PSD, trata-se de um princípio que deve estar intimamente ligado, por um lado, a esta incumbência do Estado que tem que ver com os funcionamentos dos mercados e a salvaguarda de práticas adequadas de concorrência e, por outro lado, à preocupação de defesa dos interesses dos consumidores. Para além, obviamente, de se dever manter a sua ligação ao princípio de salvaguarda do interesse geral, como já consta do actual texto constitucional, e que o PSD mantém na sua proposta.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estão em discussão três propostas: uma de eliminação da alínea e), proposta pelo PP, outra de substituição dessa mesma alínea, proposta pelo Deputado Cláudio Monteiro, substituindo a ideia de eliminar e impedir a formação de monopólios pela ideia de regulamentação da formação de monopólios tout court, e outra do PSD, que funde e reformula as alíneas e), f) e j), conglobando no mesmo artigo a ideia de impedir os abusos e as práticas lesivas do interesse geral, garantir a concorrência e proteger o consumidor.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vemos particulares vantagens na referência aos monopólios em geral. Há situações em que, como é óbvio, existem monopólios públicos - uma indústria de armamento, por exemplo -, mas não concebemos que esses monopólios não sejam regulamentados. E a inserção desta norma na Constituição tem uma finalidade específica, os monopólios privados, e não vemos que mais-valia resultaria de tratar tudo no mesmo plano.
Quanto ao segundo aspecto, a referência à questão comunitária, o problema coloca-se nestes termos (e creio que, neste domínio, a doutrina e até a jurisprudência comunitárias são bastante claras): os monopólios podem ou não existir e esse facto, à escala de cada território, é uma questão interna de cada Estado. Mas a partir do momento em que existam, os monopólios passam a ser objecto de regulamentação também pela Comunidade Europeia.
No Direito Comunitário não há norma alguma que determine que passa a ser obrigatório para cada Estado permitir a existência de monopólios. Naturalmente, havendo regras, por exemplo, em matéria de liberdade de estabelecimento

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para cada país, essas regras são aplicáveis a todos e a cada um dos países da Comunidade Europeia, o que corresponde, pelo menos, a uma perspectiva de excluir a existência desses monopólios
Mas, como disse, não há nenhuma proibição de cada Estado estabelecer determinados monopólios. Por exemplo, o Estado português, pelo facto de ser membro da Comunidade Europeia, não está obrigado a deixar de ter o monopólio público da indústria de armamento e transformá-la num sector aberto a todas e a cada uma das empresas com nacionalidade de um dos países da Comunidade Europeia.
Creio, portanto, que o argumento não é de todo em todo procedente.
A terceira questão, a propósito da concorrência, que se refere ao objectivo de assegurar a defesa dos interesses dos consumidores, levanta-nos uma dúvida. Ou seja, para além de haver uma preocupação - que, aliás, temos a perspectiva de enriquecer - de consagrar os direitos dos consumidores no artigo 60.º, a questão que se me coloca é basicamente esta: o único objectivo da concorrência é assegurar a defesa dos interesses dos consumidores? Não haverá o objectivo de assegurar igualmente os direitos de quem quer operar num determinado sector da economia? Não haverá preocupações, inclusive, com o próprio modelo económico no seu conjunto?
Estamos sempre de acordo em promover, consagrar e ampliar os direitos dos consumidores; o problema é saber se essa referência não é empobrecedora das próprias finalidades da concorrência.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, embora a dúvida deixada no ar por parte do Sr. Deputado Luís Sá não tenha sido uma pergunta formal, cumpre-me esclarecer o seguinte: é evidente que o PSD não pretende com esta sua formulação reduzir a incumbência do Estado de velar pela eficiência dos mercados e pela não existência de práticas lesivas de concorrência à defesa dos interesses dos consumidores. O que pensamos é que as incumbências do Estado - independentemente das outras razões que o Sr. Deputado avançou aqui e que são, nomeadamente a de impedir as práticas lesivas da concorrência e a de defender o interesse geral - também devem ser orientadas pela preocupação de defesa dos interesses dos consumidores. Ora, o actual texto constitucional não faz esta ligação expressa.
A verdade é que hoje em dia encontramos muitas situações - para não entrar em polémicas, posso lançar apenas o exemplo dos hipermercados - em que existem intervenções de política económica do Estado junto dos mercados. E a preocupação do PSD é que esse tipo de intervenções, a par de outras preocupações (como sejam a não existência de práticas lesivas da concorrência, o interesse geral, etc.), tenham em atenção necessariamente a defesa dos interesses dos consumidores. De facto, parece-nos claro que, uma vez que estamos a tratar das incumbências do Estado no âmbito económico e social, o Estado não pode deixar de fazer pautar as suas intervenções neste domínio, nomeadamente quando actua directamente sobre a concorrência nos mercados, sem ter a preocupação acoplada de defesa dos interesses dos consumidores.
Portanto, é um acrescento que não um exclusivo que o PSD pretende dar a esta preocupação.

O Sr. Luís Sá (PCP): Se me permite, Sr. Deputado, a questão que se põe é esta: a Constituição não liga especificamente aos direitos dos consumidores como não liga aos interesses dos empresários, dos titulares das quotas e acções ou dos trabalhadores das respectivas empresas que sejam vítimas de práticas lesivas da concorrência. O problema é saber se, para além dos consumidores, não há um conjunto de entidades suficientemente relevante para questionarmos a referência explícita apenas a uma delas. É esta a nossa dúvida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado, não é apenas a uma delas, é a mais importante!

O Sr. Luís Sá (PCP): Sem dúvida que é a mais importante, mas as outras também são!

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, o debate prova que as grandes mudanças foram operadas especialmente em 1989, nos termos que são conhecidos. Do que se trata agora (basta olhar para as propostas para isso se tornar evidente) é de algo com uma dimensão e com uma natureza dificilmente comparável. O PSD não pretende, aliás manifestamente, nem legitimar nem impulsionar a formação de monopólios. Não é esse o alcance da respectiva proposta e seria, de resto, anacrónico que o fosse e contrário ao vento dos tempos - e contrário, aliás, a obrigações comunitárias igualmente claras. Portanto, não se trata, deste ponto de vista, de inverter o sinal da Constituição mas, sim, de formular noutros termos uma incumbência, a qual visa tornar inteiramente claro que os abusos do poder económico não devem ser consentidos.
Além do mais, como já foi evidenciado, o regime de defesa da concorrência está hoje regulado no direito interno e no Direito Comunitário em termos que tenderão a exigir mais e mais mecanismos de controle e a impedir a formação de novos tipos de monopólios, alguns dos quais sofisticados - pense no que está a acontecer em áreas sensíveis das nossas industrias mais avançadas no terreno europeu, como a electrónica ou a telecomunicacional, etc. -, em relação aos quais a Comissão Europeia tem um papel crucial no seu impedimento. Não se trata disso agora, trata-se apenas de sublinhar que os ventos não sopram no sentido de uma supressão de mecanismos de eliminação ou de prevenção do abuso de poder económico.
Suponho que a formulação concreta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro não diz o que quer, porque alude à regulamentação da formação de monopólios, sendo certo que não é aflorado no pensamento do autor o livre florescimento de monopólios como forma desejável e fisiológica de realização dos objectivos económicos e sociais próprios de uma economia moderna.
A formulação do PSD é, por um lado, provavelmente insuficiente porque alude ao funcionamento eficiente dos mercados, expressão na qual é possível ler, aliás, o combate aos monopólios, uma vez que num sistema inteiramente dominado por um conjunto de estruturas monopolistas... Por outro lado (se me permitem inserir este inciso),

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não encontro aqui os ecos e reminiscências de debates do passado sobre a opção antimonopolista da Constituição. O PSD desloca o centro de gravidade do debate num sentido que agora, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acaba de sublinhar, pretende ser global.
Portanto, pela nossa parte, estamos cientes destes limites da reformulação. Não propusemos, aliás, nenhuma alteração, mas estamos cientes de que o debate não é hoje, nestes termos, um debate crucial e a valia das emendas é ela própria limitada.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, o que é que tem a dizer quanto à ideia de conglobar as alínea e), f) e j), ideia que procede do PSD?

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, é óbvio que o problema pode colocar-se, e tal encurtaria o artigo em questão, desde que não acarrete perda de conteúdo. Por exemplo, a ligação que o PSD faz, para incluir a defesa dos interesses dos consumidores, entre a política de regulação dos mercados, por assim dizer, e a protecção dos consumidores ou a defesa dos direitos dos consumidores pode ser lida como algo reducionista. Ou seja, é obvio que, por um lado, essa política tem muito mais objectivos do que a defesa dos consumidores…

O Sr. Presidente: Seria reducionista dos dois lados!

O Sr. José Magalhães (PS): Sim, dos dois lados, Sr. Presidente.
Por um lado, essa política tem muito mais objectivos do que a defesa dos consumidores e, por outro lado, a defesa dos consumidores inclui outras medidas que não apenas o combate a certos desmandos, excessos ou abusos do poder económico. Ou seja, é uma política de 360 graus, não é uma política dirigida apenas a uma frente.
Obviamente, a operação não é impossível, mas é difícil fazê-la sem uma grande prolixidade, que criaria uma espécie de "mega-alínea", caso em que a economia é francamente nula, e algum risco de perda do conteúdo. É esta a impressão que temos da proposta. Percebemos o intuito, o qual não é, em si, descarecido de mérito, mas tem este inconveniente, que, suponho, aliás, os Deputados reconhecerão, designadamente quanto a este último aspecto que o Sr. Presidente e eu realçámos.

O Sr. Presidente: Menos objecções levantará a inclusão da alínea f)…

O Sr. José Magalhães (PS): Sem dúvida alguma, Sr. Presidente, até porque sempre houve uma articulação entre as alíneas e) e f).

O Sr. Presidente: Por isso é que estão próximas!

O Sr. José Magalhães (PS): Exacto! Uma articulação directa e obvia, aliás uma é a face complementar da outra.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, resta debater alguns pontos concretos.
Primeiro, a ideia de suprimir a referência "eliminar e impedir a formação de monopólios privados", que é o conteúdo principal da proposta do PSD, e é o que a distingue da proposta do Sr. Deputado Claúdio Monteiro, que não elimina a expressão, substitui-a por "regulamentar a formação de monopólios".
Quanto a posições sobre esta proposta, os Srs. Deputados do PCP já disseram que se opõem. O Partido Socialista opõe-se também?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, uma fusão limitada sem perda de conteúdo não nos mereceria nenhuma objecção dramática.

O Sr. Presidente: - A ideia de "sem perda de conteúdo" inclui a primeira parte do texto?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a primeira parte da alínea e), com essa ou outra formulação, parece-nos exprimir um princípio vivo, razoável e moderno.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece-me lícito concluir o seguinte desta discussão: há uma abertura à conglomeração das alíneas e) e f); há alguma abertura do PS para considerar a reformulação da primeira parte da alínea e), mas não para eliminá-la; há oposição do PCP a esta operação.
Nesta sede, e ainda a propósito da alínea f), há uma proposta do CDS-PP que importa considerar. Visa substituir a expressão "equilibrada concorrência" por "concorrência leal". Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, há pouco, até por uma questão de economia, não me alonguei sobre a matéria da concorrência.
Não concordamos muito com a proposta do Partido Popular porque em matéria de concorrência e de incumbências do Estado, que é aquilo de que estamos a tratar, é evidente que ao Estado cabe impedir a ocorrência de práticas lesivas da concorrência.
A concorrência é uma lei própria dos mercados e que se opera dentro dos mesmos, cabendo ao Estado regulamentar a matéria por forma a impedir práticas lesivas do funcionamento dessa concorrência. Portanto, tudo quanto seja adjectivar essa concorrência enquanto competência própria do Estado não nos parece a via mais adequada, tendo em conta aquilo que está em causa.
Não é o Estado que faz a concorrência ser boa, ser má ou ser assim, assim. Cabe-lhe, isso sim, num Estado de direito como aquele que defendemos, regulamentar os mercados por forma a impedir a ocorrência de práticas lesivas da concorrência. Portanto, optamos por uma formulação pela negativa, não pela afirmação de um qualificativo que até pode ser bonito mas que, depois, tem dificuldades práticas na expressão das políticas e das competências que o Estado deve exercer nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do CDS-PP que visa substituir a expressão "equilibrada concorrência" por "concorrência leal".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes aduziu argumentos que me parecem razoáveis contra uma alteração desse tipo.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Também os perfilhamos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à alínea g), para a qual existem propostas do CDS-PP e do PSD.
O CDS-PP propõe substituir "Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses da economia do país", por "Desenvolver as relações económicas com todos os Estados [em vez de povos], salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos Portugueses e da economia do país". Portanto, a única alteração é aquela que sublinhei.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Outra alteração é escrever "Portugueses" com maiúscula!

O Sr. Presidente: - Exacto!
A proposta do PSD é mais "económica". Diz o seguinte: "Desenvolver as relações económicas internacionais, salvaguardando sempre a independência e o interesse nacional". Esta alínea corresponde à alínea f) da proposta do PSD.
Srs. Deputados, estão à consideração estas propostas. Começo por dar a palavra aos proponentes, caso queiram acrescentar alguma coisa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além de uma economia da redacção que o PSD propõe, há alguns aspectos substantivos que me permitia realçar.
Por um lado, a proposta do PSD de substituir, no actual texto, a expressão "relações económicas com todos os povos" pelo princípio genérico de "relações económicas internacionais" tem que ver com alguns aspectos pontuais, sendo um dos quais, por exemplo, não se levantar na Constituição o problema de saber se as relações devem ser Estado a Estado ou se vão para além disso, se podem ser estabelecidas de forma individual, independentemente das relações entre os Estados.
Não escondo também que esta clareza de dizer-se "com todos os povos" - embora com a salvaguarda que vem a seguir - pode criar algumas dificuldades, como sabemos. Hoje em dia, por exemplo - e embora não seja proibido -, há claramente intenção do Estado Português, aliás, isso já vem desde há alguns anos, de impedir as relações económicas com a Indonésia.
Portanto, nenhuma das questão é decisiva, mas há um pequeno conjunto de factores que levaram o Partido Social Democrata a optar, nesta primeira parte, por uma terminologia, por um lado, mais simples e, por outro lado, mais clássica, ou seja, "desenvolver as relações económicas internacionais". Depois, na segunda parte da norma, em vez de discriminar "interesses dos portugueses e da economia" optou por utilizar uma expressão geral, que é a expressão hoje em dia utilizada, quiçá em alguns aspectos mais rica do que isso, uma vez que pode englobar também princípios que nas relações económicas não devem ser menosprezados, tais como os princípios gerais de defesa nacional.
Portanto, optamos por colocar nesta alínea o conceito genérico de "interesse nacional", parecendo-nos que tem algum ganho de riqueza conceptual relativamente à discriminação actual do texto, que fala em "interesses dos portugueses e da economia". O interesse nacional é isso, mas é mais do que isso, e parece que nas relações económicas esse "mais do que isso" também faz falta, porque é evidente que o desenvolvimento das relações económicas internacionais também deve preocupar-se com factores mais etéreos, menos palpáveis, como, por exemplo, a defesa nacional (defesa nacional lato sensu, não em termos militares, obviamente).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração estas propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ambas as propostas se afiguram criticáveis, sinto interrogações sobre a "desejabilidade" de empreendermos esta obra. Que ela não pretende alterar em nada o alcance do preceito, isso ficou inteiramente claro pelo que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Quanto ao que é característico deste preceito, o PSD não aduz nenhuma alteração significativa, ou seja, critica, de resto em termos previdentes, a reformulação proposta pelo CDS-PP, porque, obviamente, a imposição de "relações económicas com todos os Estados" implicaria algumas relações com alguns Estados com os quais não queremos, nem devemos, ter relações nenhumas (o Sr. Deputado enunciou um desses países, mas pode vir a acontecer que desgraçadamente haja outros). Portanto, a imposição constitucional de uma incumbência prioritária de relacionamento com qualquer e todos os Estados teria esse inconveniente.
Por outro lado, em relação às outras componentes da proposta, elas não implicam nenhuma verdadeira alteração significativa. Substituir a expressão "interesses dos portugueses" pela alusão à salvaguarda do interesse nacional não supõe da parte do PSD a invenção de uma noção de interesse nacional contrária ao interesse da comunidade, isto é, dos portugueses como tais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vai para além disso!

O Sr. José Magalhães (PS): - Suponho que não lhe dá um sentido nem transpessoal nem supra-histórico que destrua os interesses dos portugueses em nome do interesse da comunidade e do seu futuro ou do seu passado. Portanto, suponho que esse tipo de concepção é alheia ao pensamento político do PSD, tratando-se, por conseguinte, de uma questão pura de linguagem e de conteúdo. Em termos de conteúdo suponho que não há nenhuma vantagem palpável em formular nesse sentido.

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Quanto à expressão usada pelo PSD, "desenvolver as relações económicas internacionais", se estivéssemos a regular a constituição da OCDE, que deve estar preocupada com o desenvolvimento das relações económicas internacionais em geral, a expressão seria perfeita. Porém, do que se trata aqui não é de Portugal estatuir sobre o desenvolvimento das relações em geral mas, sim, de garantir o desenvolvimento de relações económicas de Portugal com os outros componentes, com os outros elementos da economia internacional. Portanto, salvo melhor opinião - não gostaria de ser "contra-especioso" em relação à especiosidade da proposta -, creio que a proposta é susceptível de induzir neste tipo de equívoco. Trata-se, assim, de uma obra cuja vantagem comparativa me parece bastante difícil de demonstrar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, por uma questão de economia, creio que está tudo dito sobre a proposta do CDS-PP. Efectivamente, ela tem para nós os inconvenientes aqui referidos e que, na nossa opinião, são de todo inaceitáveis.
Por outro lado, não vemos nenhuma vantagem nas alterações propostas pelo PSD, tendo nós, como temos, o entendimento que a expressão "relações económicas com todos os povos" não pode deixar de compreender relações económicas no âmbito de organizações económicas regionais, organizações económicas internacionais, etc.; não são necessariamente relações povo a povo, são também relações multilaterais. Nunca tivemos outro entendimento e julgamos que o mesmo não é de todo em todo de incomportável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas chamar a atenção para o seguinte aspecto. É evidente que a faculdade interpretativa lata, da qual, obviamente, o bom senso da doutrina e da jurisprudência tem dado mostras cabais ao longo de 20 anos, não leva a que não tenhamos capacidade para lançar um olhar crítico sobre o texto constitucional.
Penso ser indiscutível e que toda a gente entende que, de facto, a Constituição refere claramente - porque é isso que ela refere, independentemente de depois fazermos uma interpretação mais para aqui ou mais para ali - que é incumbência prioritária do Estado (atenção: é incumbência prioritária do Estado; é disso que estamos a falar neste artigo) desenvolver relações económicas com todos os povos. Ora, sabemos hoje em dia que as relações económicas internacionais têm regras próprias que não se compadecem com este tipo de voluntarismo, nítida e claramente. Aliás, há vastos exemplos disso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado, não é um princípio de abertura!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Podemos citar o Iraque e uma série de circunstâncias. É evidente que não é isso o que está em causa. O Estado português não deve ter por incumbência "desenvolver as relações económicas com todos os povos", deve evoluir-se para um conceito mais coadunado com a realidade das coisas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, posso interrompê-lo?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estou já a terminar, Sr. Deputado.
Por outro lado, também é evidente para todos que as salvaguardas que devem estar em causa estão aqui discriminadas, ou seja, a independência nacional, os interesses dos portugueses e da economia, quando claramente o interesse nacional comporta vertentes que estão para além do interesse dos portugueses e da economia stricto sensu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, teria gostado de interromper o Sr. Deputado Luís Marques Guedes quando ele se preparava para a "carga final", que compreendo, porque tanto na cavalaria como na dinâmica dos corpos é um movimento difícil de ter.

O Sr. Presidente: - Aliás, se calhar foi por isso que o Sr. Deputado quis interrompê-lo!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que me pareceu interessante que ele sustasse o ímpeto para reduzir o preceito, ou seja, não vale a pena tentarmos fazer interpretações "unidimensionalizadoras" do preceito. Dele não decorre uma imposição de políticas "igualizadoras" do relacionamento ou que impeçam o estabelecimento de concertações, de prioridades, etc. Portanto, não vale a pena dar ao preceito um alcance que ele nunca teve, não tem e nem pode ter.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estamos a dar-lhe o alcance que deve ter!

O Sr. José Magalhães(PS): - Sobretudo, Sr. Deputado, a grande vantagem destas operações de revisão é precisamente podermos substituir expressões de valia dúbia por expressões de valia comprovada. Às vezes, a valia dúbia do texto (não é o caso, creio) está evidenciada e comprovada pela doutrina e pela jurisprudência. Mesmo nesses casos, e sempre, é necessário demonstrar a valia alternativa e superior da proposta.
Ora, creio que não se demonstrou neste debate, até agora, que a expressão proposta pelo PSD tenha uma valia alternativa esmagadora. Com a expressão "desenvolver as relações económicas internacionais", o Sr. Deputado tem que reinterpretar a norma como significando...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é a incumbência do Estado!

O Sr. José Magalhães (PS): - ... o desenvolvimento das relações do nosso Estado, não interpretar a escrita do preceito como se fossemos uma super organização internacional a comandar o desenvolvimento das relações económicas internacionais…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não é do nosso Estado!

O Sr. José Magalhães (PS): - …e, depois, o nosso contributo para o desenvolvimento da economia mundial!…

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! A lógica que aqui está…

O Sr. José Magalhães (PS): - É razoável? Não sei!…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que não vale a pena prosseguirmos com quiproquós. Parece que a proposta do PSD está suficientemente justificada, trata-se agora de saber se o ganho eventual justifica alterar a alínea. É só isso o que temos de saber. Suponho que não vale a pena nem supervalorizar as propostas para mostrar que elas devem ser aprovadas, nem desvalorizá-las para mostrar que não merecem ser aprovadas; elas têm o valor que têm.
Na verdade, lida literalmente, a actual alínea parece impor ao Estado ter relações com todas as ilhas do Pacífico e com os cento e tal Estados do mundo. A proposta do PSD, aparentemente, visa dizer que esse esforço de diversificação da economia das nossas relações externas não implica necessariamente ter relações com todos e cada um dos Estados existentes no mundo. Como é óbvio, é esse o significado que já hoje há-de retirar-se da norma. Saber se há-de pôr-se a norma literalmente de acordo com a interpretação razoável é a única questão em jogo.
Claramente, neste momento não há condições para avançar por aí. Vamos, por isso, passar à frente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que não nos opomos à consideração de formulação alternativa.

O Sr. Presidente: - O PS não fecha definitivamente a porta.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea h) do artigo 81.º, que estatui "Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio". Eliminar esta alínea é o que propõem o CDS-PP, o PSD e o Sr. Deputado do PS Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, não havendo necessidade por parte dos proponentes de justificar a proposta, está a mesma à discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, também não vemos especial necessidade de fundamentar por que não propusemos a eliminação desta alínea.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se não carecem de justificação as propostas de alteração, menos carecem as propostas de não alteração. Já mais esperável é que se pronuncie sobre as propostas de alteração.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas justificar que a proposta é feita em conjugação com as propostas de eliminação do artigo 97.º e de reordenação do artigo 98.º para estabelecer um regime geral sobre reordenamento agrário, independentemente da natureza latifundiária ou minifundiária das explorações agrícolas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra para justificar e enquadrar a sua proposta.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no projecto que subscrevo propõe-se que o actual artigo 98.º, que dispõe sobre o "Redimensionamento do minifúndio", passe a dispor sobre reordenamento agrário em geral, o que implica igualmente a eliminação do artigo 97.º, que dispõe sobre a "Eliminação dos latifúndios".
No fundo, julgo que a discussão da fundamentação da própria proposta de eliminação da alínea em causa do artigo 80.º resulta em grande parte desta lógica de resistematização operada, que, obviamente, também implica uma maior neutralidade por parte do Estado face aos latifúndios.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta de eliminação da alínea h).

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de acrescentar algo. O PSD, à semelhança daquilo que foi agora explicitado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, elabora conjuntamente esta proposta de eliminação da alínea com propostas de eliminação, quer do artigo 97.º quer do artigo 98.º. De facto, nos objectivos da política agrícola - o que já acontece, e o PSD mantém no artigo 96.º - deve manter-se o princípio geral de racionalização das estruturas fundiárias. Já nos parece totalmente inadequado, errado e desactualizado haver nos objectivos da política agrícola necessariamente a eliminação de latifúndios ou o redimensionamento de minifúndios.
As realidades de hoje em dia são realidades dinâmicas, o mundo rural é também crescentemente um mundo empresarial, o qual não se compadece com ficcionismos constitucionais deste tipo. Neste sentido, o princípio geral que deve prevalecer numa constituição, numa lei fundamental, é o da racionalização das estruturas fundiárias, não mais do que isso. Não só não vemos interesse como vemos imensos inconvenientes em haver mais do que isso na lei fundamental. A própria dinâmica empresarial do mundo e do desenvolvimento rural a isso aconselha, para além de outras considerações de ordem política e ideológica.
Até numa perspectiva apenas de modernidade penso que se justifica plenamente desaparecer essa referência, não só nos capítulos específicos sobre a política agrícola, como por maioria de razão nesta parte geral de "Organização económica", como incumbência prioritária do Estado. A incumbência prioritária do Estado, hoje em dia, no actual estádio das políticas de desenvolvimento, nomeadamente do mundo rural, apontar de uma forma perfeitamente ficcionista para objectivos deste tipo parece-nos muito pouco racional e muito pouco moderno!…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas acrescentar que as propostas do

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projecto que subscrevo não vão tão longe como as do PSD, designadamente porque na parte que diz respeito à regulamentação do reordenamento agrário a preocupação é sobretudo de método e de forma, mais do que de substância. Assim, o nosso projecto consagra uma relativa neutralidade no que se refere às opções de política agrícola concreta que deverão ser, obviamente, sufragadas e executadas em função dos programas do Governo que para o efeito forem apresentados.
Porém, não nos parece necessariamente perverso que a Constituição regule ou estabeleça normas sobre o reordenamento agrário, designadamente sobre o parcelamento ou reparcelamento dos solos para fins agrícolas. Aliás, matéria semelhante também se coloca, ou pode colocar-se, em relação aos solos urbanos.
Portanto, tendo em conta a própria evolução e a história do texto constitucional, designadamente no que diz respeito à configuração do direito à indemnização nos casos de expropriação de solos para fins agrícolas, parece-me preferível manter alguma referência a esse propósito até para evitar também que possa entender-se o direito à indemnização em caso de expropriação de forma diversa daquele que é estipulado no artigo 62.º, dado que é essa a história constitucional e legal em matéria de solos para fins agrícolas. Designadamente, nessa parte reforça-se a ideia de que o direito à indemnização neste caso concreto é também o direito à justa indemnização a que se refere o artigo 62.º, e não apenas, como actualmente se dispõe nos artigos 97.º e 98.º, o direito à correspondente indemnização sem este especial qualificativo da justiça da mesma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que esta alínea h), o artigo 97.º e poucas mais referências são aquilo que resta de um dos objectivos fundamentais da Constituição na sua versão originária, que era o de pôr termo ao drama do latifúndio e simultaneamente assegurar estruturas mais racionais de exploração da terra.
Neste momento, particularmente em relação à questão do latifúndio, quem conhece o drama de muitas populações e de muitas famílias, quem conhece a situação de desertificação e de aumento exponencial do desemprego, de baixa do rendimento médio da população com PIB per capita mais baixo da Comunidade Europeia, aldeias inteiras, com meia dúzia de pessoas, em vias de extinção sem terem sido criadas formas ou alternativas de desenvolvimento, quem conhece (basta ver os número) a situação de dezenas de milhares de emigrantes que estão fora do País porque não encontraram alternativa na sua própria terra, engrossando o grande contingente da emigração, naturalmente que terá dificuldade em ver a eliminação desta alínea, do artigo 97.º ou de quaisquer outras referências que vão neste sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em 1989, a revisão constitucional rescreveu este preceito em termos cujo alcance dispenso de sintetizar, mas esse alcance é significativo e a obra feita deu resposta ao grosso das preocupações que eram adiantadas a título de estabelecimento de um maior nível de consenso constitucional quanto à questão aqui equacionada.
Quanto ao sistema anacrónico, antieconómico e desumano responsável pelo atraso escolar e pela exploração de gerações de portugueses, suponho que todos sabemos que não voltará; no mundo rural de hoje isso é uma aberração, como sempre foi. Aliás, no mundo rural de hoje é mais do que uma aberração, é uma impossibilidade. As marcas da rejeição do passado estão na Constituição, estão bem, e uma neutralidade tal que não comportasse a condenação de políticas tendentes a promover aquilo que pudesse ser encarado como uma reconstituição de um sistema anacrónico, essa solução - a de uma neutralidade desse tipo - seria uma opção excessiva e "desnaturadora".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que estamos a discutir tem que ver com as propostas referentes ao artigo 97.º, como o Sr. Deputado Luís Sá observou. Tanto o CDS-PP como o PSD propõem a eliminação dos artigos correspondentes, portanto, proponho que não se avance mais nesta discussão agora. Se for caso disso, voltar-se-á a esta matéria após considerar os artigos em causa. Para já, esta proposta de eliminação pura e simples tem a oposição do PCP e do Partido Socialista.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea i) do artigo 81.º. O PS propõe a sua eliminação e o CDS-PP a sua reformulação. Acontece, porém, independentemente da sua formulação concreta, que ontem, por sugestão minha, houve abertura de vários partidos à ideia de transferir esta alínea para os princípios fundamentais do artigo 80.º. Sendo assim, isto parece significar o decaimento da proposta de eliminação da alínea, sem prejuízo da proposta de alteração ou substituição dela, que é o que o CDS-PP propõe. Srs. Deputados, é isto o que está em discussão.
Portanto, sabendo-se que neste momento está em consideração a proposta de transferência da alínea i) para o artigo 80.º e, portanto, adquirida para já essa transferência, vamos ver a questão da sua formulação, que o CDS-PP propõe que se altere. Esta alínea diz o seguinte: "Assegurar a participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas na definição, na execução e no controlo das principais medidas económicas e sociais". Ora, o CDS-PP propõe que onde se diz "na definição, na execução e no controlo" passe a dizer-se apenas "na definição", caindo, portanto, a expressão "na execução e no controlo".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas essa proposta refere-se à definição em sentido lato, para englobar diversas fases de um processo de intervenção e de acompanhamento, ou em sentido estrito?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sou "caixa de correio" para os Deputados proponentes do CDS-PP.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida, Sr. Presidente, apenas julguei que houvesse eco…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, onde consta "na definição, na execução e no controlo", o CDS-PP propõe que passe a constar "na definição", ponto que ainda não foi discutido.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Ah, não foi discutido?! Peço desculpa, Sr. Presidente, mas eu estava convencido de que…

O Sr. Presidente: - A única coisa que se discutiu foi a possibilidade de se transferir a ideia da participação, que está na alínea i) do artigo 81.º, para o artigo 80.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é uma excelente ideia.

O Sr. Presidente: - Portanto, isso está, para já, relativamente adquirido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, pretendo fazer uma proposta de sistematização do nosso debate.
Havendo não apenas a ideia de transferir esta alínea, mas também a de a transferir reformulada e de modo a ter em conta não apenas a participação a nível nacional mas também a nível micro, isto é, das unidades económicas, julgo que talvez fosse de adoptar o método de esperarmos por uma proposta de reformulação global da alínea e de não debatermos neste momento propostas pontuais que podem ficar de todo em todo ultrapassadas com a proposta que vier a ser elaborada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, eu adopto essa sugestão e proponho aos Srs. Deputados que adiram a ela. Isto é, tendo tido acolhimento a proposta de se transferir esta ideia de participação para o artigo 80.º, em termos a reformular, e tendo, aliás, sido formulada uma sugestão nesta área, proponho que prescindamos agora de discutir esta proposta do CDS-PP.
Uma vez que os Srs. Deputados em geral, e em particular os do CDS-PP, estão de acordo, ficamos nestes termos: em princípio a alínea i) do artigo 81.º desaparecerá e o seu conteúdo, com uma reformulação a propor e a considerar, será transferido para o artigo 80º.
Srs. Deputados, passamos a discutir a proposta do CDS-PP, relativa à alínea j) do artigo 81.º - o PSD propôs que se fundisse numa alínea única as alíneas e), f) e j), mas essa proposta não foi considerada, portanto, para já, as alíneas mantêm a sua autonomia -, que é a seguinte: "Garantir os direitos dos consumidores". Esta proposta de substituição está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD acolhe com receptividade essa proposta.

O Sr. Presidente: - E os restantes Srs. Deputados?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, temos toda a receptividade, porque a proposta formula, em termos que aludem a direitos subjectivos próprios dos consumidores individualmente considerados e em colectivo, aquilo que é uma alusão à protecção. Não conseguimos vislumbrar aqui nenhuma perda de conteúdo.

O Sr. Presidente: - E o PCP?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o PCP não vê nenhuma grande perda, mas também não vê nenhum grande ganho. O problema será saber se vale a pena fazer alterações apenas por não se ver uma grande perda.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão. Para alterar a Constituição não é preciso provar que não se perde nada mas, sim, que as alterações implicam ganhos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não por acaso, Sr. Presidente, utilizei a formulação pouco entusiasmada que utilizei!

O Sr. Presidente: - A questão é esta: é óbvio que a garantia dos direitos dos consumidores resulta do artigo 60.º, por isso, pergunto-me se a ideia de proteger o consumidor não abrangerá eventuais interesses, inclusive interesses difusos, que vão para além dos direitos subjectivos dos consumidores. Até tenho dúvidas sobre se não haverá alguma perda aqui.
Mais, duvido que uma política de defesa do consumidor tenha que traduzir-se necessariamente na satisfação de direitos subjectivos; ela pode traduzir-se em ganhos de carácter geral e não propriamente na garantia de direitos subjectivos. Mas o que eu disse fica aqui para reflexão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, há claramente uma formulação algo feliz por parte do partido Popular na sua proposta. No entanto, e considerando também as preocupações que o Sr. Deputado Luís Sá exprimiu - e o Sr. Deputado Calvão da Silva, ainda há pouco, aqui, ao meu lado, falava também na mesma questão -, penso que poderiam conciliar-se as duas redacções eventualmente, mantendo o actual texto e acrescentando qualquer coisa do género "Proteger o consumidor e garantir os seus direitos", na perspectiva de se ganhar…

O Sr. Presidente: - Mas estamos todos de acordo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é que, do nosso ponto de vista, a proposta do Partido Popular tem vantagens, porque introduz a lógica subjectiva dos direitos, que actualmente…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Como incumbência prioritária do Estado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Acha que não é, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Estou a dizer que é! Nesta perspectiva, com esta redacção, admito que possa haver alguma vantagem, mas em alternativa não.

O Sr. Presidente: -Salvo reconsideração dos Srs. Deputados, parece haver, neste momento, um consenso para considerar a seguinte fórmula: "Proteger o consumidor e garantir os seus direitos".

O Sr. José Magalhães (PS): - Excelente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuo a "queixar-me" de que todas as alterações constitucionais consistem sempre em acrescentar mais palavras aos artigos… Na XX revisão constitucional a Constituição estará muito mais volumosa.!

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O Sr. José Magalhães (PS): - Com em todos os corpos não é só uma questão de volume, é um questão de saber o conteúdo!

O Sr. Presidente: - As palavras têm vindo a "crescer" de revisão para revisão constitucional.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das propostas de eliminação da alínea l), do artigo 81.º, que é do seguinte teor: "Criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia", apresentadas pelo CDS-PP e pelo PSD.
Srs. Deputados, está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para justificar a proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, lembrava que ontem, a propósito da alínea d) do artigo 80º, que tem a ver com a planificação democrática da economia, este assunto já foi objecto de discussão. Aliás, foi discutido conjuntamente com a tal proposta-síntese apresentada pelo Sr. Presidente, no sentido de englobar a lógica de concertação numa formulação diferente, isto é, substituindo esta alínea da planificação democrática pela participação quer dos trabalhadores quer das organizações de empregadores na definição de planos de desenvolvimento. Portanto, tratar-se-ia de uma lógica diferente no conceito de concertação para planos de desenvolvimento.
Nesse sentido, não vou repetir os argumentos da discussão de ontem, mas pela mesma razão pela qual iremos, eventualmente, operar uma substituição nos princípios estruturantes do artigo 80.º, também aqui, nas incumbências prioritárias do Estado, nos parece que a criação destas estruturas já consta do artigo 95.º ou 96.º da Constituição…

O Sr. José Magalhães (PS): - Do artigo 91.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, estava a tentar referir-me ao Conselho Económico e Social, já previsto na Constituição, que é uma estrutura própria, institucional, de concertação e de participação para o sistema de planeamento democrático, para além dos artigos que dizem respeito ao Plano e que, como ontem também referi na discussão, o PSD não retira da Constituição.
Portanto, parece-nos que não há grande interesse em manter esta disposição na Constituição, quando já há, um pouco mais à frente, uma série de artigos autónomos que dizem respeito a esta realidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de eliminar das incumbências prioritárias Estado a tarefa de "Criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PSD suscita-nos algumas dúvidas, porque o PSD no título próprio não cura de eliminar normas atinentes àquilo que chama de planos de desenvolvimento económicos e sociais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso foi devidamente sublinhado pelos próprios autores: eles não eliminam a ideia dos planos de desenvolvimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, com toda a franqueza, qual é a sua leitura da actual alínea l)?

O Sr. José Magalhães (PS): - Se me permite, Sr. Presidente, penso que é um dos instrumentos relevantes para se alcançar um conjunto de objectivos que a Constituição enumera. Não é "absolutizado", tem o alcance que tem, ou seja, não se trata de um processo ditado e imposto, centralizado e, menos ainda, hipercentralizado; é participado. De resto, foi reformulado ao longo de todas as revisões constitucionais, com excepção da europeia, no sentido de acomodar aquilo que vinham sendo reflexões feitas na própria realidade económica e no funcionamento do sistema económico e político, com base num olhar atento ao que se passava na própria Europa e nos processos de regulação económica participada com intervenção relevante do Estado.
Fazer este expurgo não altera, mesmo na vossa óptica, aquilo que são responsabilidades de ordenamento e de regulação democrática, naturalmente; superparticipada, desejavelmente; dialogante, nem sempre, em função dos governos. Portanto, a vantagem cirúrgica da operação é talvez simbólica, se eu bem percebo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, apenas chamava a atenção para uma questão que ontem foi abordada, aqui, genericamente, na nossa discussão…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, não percebo o "casamento" entre isto e a concertação, num sentido de absorção…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é só a questão da concertação, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - A concertação é imprescindível, sem dúvida alguma, e, provavelmente, é possível reforçar o sinal constitucional nessa matéria. O Sr. Presidente "queixar-se-á" de que lá vêm mais palavras, mas aí trata-se, porventura, de incorporar conceitos e de reforçar uma dimensão social e de concertação estratégica. Mas um "casamento", como sabe, não é uma mutilação nem uma ablação, é uma conjugação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, apenas acrescentava algo que ontem, na reunião que aqui tivemos, já foi explicitado por nós.
A perspectiva de planificação económica, portanto, de uma economia planificada, é claramente um aspecto programático perfeitamente desactualizado. Utilizando até um argumento que também é utilizado - e com algum conhecimento de causa por parte do próprio PSD - pelo Partido Socialista no que respeita a outras propostas do PSD, parece-nos evidente que a Constituição deve abandonar esta

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lógica de impor um conceito de economia planificada, quer porque ele é perfeitamente inadequado e incorrecto quer porque seria sempre um condicionamento…

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado não está a reescrever a Constituição de 1976, revista em 1989 à luz da Constituição soviética, pois não?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Deputado.
Aliás, foi pena que a revisão de 1989 tivesse ocorrido antes da queda do muro de Berlim, senão talvez tivesse sido feita de uma forma provavelmente ainda mais moderna. Mas ainda estamos a tempo de o fazer, estamos em 1996!
Sr. Deputado, a minha chamada de atenção é só esta: a Constituição, e bem, mantém o conceito de planeamento na perspectiva de planos de desenvolvimento. É isso que vem na Constituição, nos artigos 91º e seguintes, culminando depois no artigo 95.º, que cria, e bem, o Conselho Económico e Social.
Não propomos nenhuma alteração a esse artigo, como de resto não propomos a outros, no sentido da eliminação ou da redução, mas trata-se sempre de planos na perspectiva de desenvolvimento, isto é, de planos de desenvolvimento democraticamente participados com instituições como o Conselho Económico e Social, que estão constitucionalmente previstas e onde fica a democraticidade da… Como sabe, o Conselho Económico e Social não é só para a concertação, também é para a planificação numa perspectiva de desenvolvimento!

O Sr. José Magalhães (PS): Claro, exacto! Nós não defendemos outra coisa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É nesse sentido que nós propomos, quer no artigo 80.º, que já discutimos ontem, quer no artigo 81.º, o abandono ou a eliminação de uma referência a uma lógica que subsistiu em 1989, ainda não ligada necessariamente aos planos de desenvolvimento mas, sim, ao planeamento da economia. O que está na alínea l) é o planeamento democrático da economia!
Portanto, nós gostaríamos que a Constituição passasse a prever os planos sempre na perspectiva de planos de desenvolvimento económico e social, como acontece em capítulo próprio, com estruturas próprias, e abandonasse, nesta parte genérica, o conceito de planeamento da economia.

O Sr. José Magalhães (PS): Mas o Sr. Deputado propõe alguma formulação ou reformulação?
O PSD abriu a discussão com o anúncio de uma supressão, mas o seu raciocínio, porventura, até vai mais no sentido de uma reformulação, consonante com aquilo que propõe para o artigo 91.º e seguintes, o qual, de resto, devo dizer-lhe, não tem remota sombra de semelhança com qualquer "dragão" que deva assustar quem quer que seja em 1996.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, eu comprometi-me com os membros da Comissão, nomeadamente com os que pertencem à 1.ª Comissão, que poria fim à reunião pouco depois das 11 horas e 30 minutos. Era o que gostaria de fazer, mas não sem abordar este ponto, se for caso disso, para não termos de voltar atrás.
No entanto, a meu ver, o argumento do PSD não é irrelevante. A formulação existente obedece à formulação da 1.ª versão da Constituição, quando isso estava acoplado com o Conselho Nacional do Plano, com toda a panóplia institucional de um programa "planificatório" da economia.

O Sr. José Magalhães (PS): O qual foi alterado em 1989!

O Sr. Presidente: Está bem, mas esta formulação manteve-se!

O Sr. José Magalhães (PS): Com o alcance decorrente de 1991!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, o que está previsto não é propriamente a estrutura do vosso plano mas, sim, a ideia de um aparelho institucional "planificatório".
Nesse aspecto, creio que o PSD tem um ponto a marcar quando diz que esta formulação não está de acordo com que a Constituição estabelece mais à frente quanto aos planos de desenvolvimento. Portanto, talvez valesse a pena fazer algum esforço de reformulação.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, nós estamos abertos à reformulação, sem dúvida nenhuma. De resto, a sua contribuição ajuda a firmar, ou a eliminar, um equívoco que porventura se tenha criado (aliás, suponho que não se criou), mas isso pressupõe, da parte do PSD, um esforço não de ablação mas de reformulação.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, o PSD, face ao não acolhimento da proposta de simples supressão, tem o ónus de apresentar uma proposta de reformulação, que o PS não inviabiliza à partida.
Tem a palavra o Sr. Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, aceito essa incumbência que nos coloca. Queria apenas pedir-lhe o seguinte: uma vez que ficou de tentar encontrar, nos princípios "estruturantes" do artigo 80.º, uma formulação que tem a ver exactamente com a substituição da alínea d), aproveitando para integrar também, eventualmente, a alínea f), relativa à intervenção democrática dos trabalhadores pelo menos tem que ver claramente com a alínea d) e, portanto, com o retirar a planificação democrática da economia, criando um conceito diferente , talvez fosse prudente aguardarmos a exacta formulação do princípio "estruturante", para depois, nas incumbências do Estado (artigo 81.º), seguir um bocadinho a linha do princípio "estruturante" que ficar no artigo 80.º.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, recordo que amanhã temos uma audiência com estimáveis estruturas da comunidade jurídica, a saber: a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, a Associação Sindical dos Magistrados Judiciais; e duas associações de defesa dos direitos dos cidadãos, ou seja, o Fórum Justiça e Liberdades e a Civitas.
Amanhã, a reunião começa às 15 horas 30 minutos, fazendo-se sucessivas audiências singulares.
Srs. Deputados, está terminada a reunião.

Eram 11 horas e 40 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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