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Sexta-feira, 4 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 34

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 3 de Outubro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 22 horas e 5 minutos.
Procedeu-se à discussão de propostas de alteração relativas aos artigos 81.º (cont.) a 86.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Lino de Carvalho (PCP) e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 00 horas.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 22 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, está em discussão o artigo 81.º
Na reunião da passada quarta-feira, debruçámo-nos sobre a alínea j), relativamente à qual se caminhava para uma plataforma de consenso, no sentido de acrescentar à actual fórmula "Proteger o consumidor;" um aditamento que daria a este preceito a redacção seguinte: "Proteger o consumidor e garantir os seus direitos."
Em relação à alínea l), também nos debruçámos sobre as propostas de eliminação, apresentadas pelo CDS-PP e pelo PSD.
Vamos passar à alínea m). Esta alínea visa "Assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do País", sendo que Os Verdes propõem, mais uma vez, que seja acrescentada a expressão "sustentável", a seguir à palavra "desenvolvimento", o que, de resto, propõem, pelo menos, uma dúzia de vezes no seu projecto.
Em minha opinião, este não é, claramente, o lugar mais apropriado para incluir esta expressão. No entanto, deixo a discussão em aberto, caso algum Sr. Deputado pretenda usar da palavra relativamente a esta proposta.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se se verificar o consenso que parece estar a desenhar-se, no sentido de ser criada uma nova alínea sobre o desenvolvimento sustentado, consideraremos que, no fundamental, os objectivos visados ficarão preenchidos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Srs. Deputados, passamos à discussão da alínea n), que prevê "Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional."
Em relação a esta alínea, foram apresentadas as seguintes propostas: uma, pelo PSD, no sentido de eliminar a parte final, isto é, a expressão "promovendo, neste domínio, a cooperação internacional", e outra, de Os Verdes, que corresponde à alínea o) do seu projecto de revisão constitucional, do seguinte teor: "Adoptar uma política nacional de energia, que preserve os recursos naturais e o equilíbrio ecológico através da racionalização do consumo, da diversificação e reutilização de energias limpas e renováveis".
Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta do PSD surge ao abrigo daquela predisposição para a qual, indirectamente, o Sr. Presidente chamou a atenção, e bem, de todos os Deputados presentes na última reunião da Comissão, no sentido de retirar da Constituição palavras que nada acrescentam. A única razão pela qual o PSD propõe a supressão desta parte final é porque nos parece que ela nada acrescenta ao texto actual. É evidente que a substância desta alínea está na parte inicial, dado que a incumbência do Estado está aí expressa.
Quanto à cooperação internacional, neste como em qualquer outro domínio, caberá ao Estado promovê-la, sempre que assim o entender e se adequar aos objectivos nacionais.
Portanto, não nos parece que haja grande vantagem na manutenção desta parte final.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PSD, de eliminação da parte final da alínea n), por achar excrescente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, se bem percebi, Os Verdes também acabam por propor o mesmo.

O Sr. Presidente: - De facto, Os Verdes também propõem a eliminação da segunda parte. Trata-se de uma proposta comum ao PSD e ao Os Verdes, o que não é muito vulgar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Em todo o caso, há, na proposta de Os Verdes, uma alusão a uma componente inovadora. Por isso, o Sr. Presidente separou a discussão das duas coisas, se bem entendi.

O Sr. Presidente: - Só que Os Verdes não se encontram presentes. Em princípio, se não houver ninguém que adopte, que perfilhe, pelo menos para discussão, a proposta de Os Verdes…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite…

O Sr. Presidente: - No entanto, há um aspecto que é comum a ambas as propostas, que é a eliminação da segunda parte da alínea n). Depois, a proposta de Os Verdes pretende também clarificar ou, se quisermos, concretizar, desenvolver, densificar, a primeira parte.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não há, provavelmente, nem intenção nem resultado objectivo de perda de conteúdo em função da eliminação da segunda parte da alínea n), até porque a cooperação internacional é traço comum a várias componentes do artigo 81.º e das várias incumbências.

O Sr. Presidente: - Como a política científica e tecnológica…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto. Em muitas delas, diria até em quase todas elas, e cada vez mais. Sei que, na óptica de alguns, não será extremamente desejável (e o PP não está, hoje, entre nós, mas enfim…), pode ser mesmo indesejável, mas é uma verdade. Será cada vez mais necessária a cooperação internacional e, até, certas formas de actuação concertada internacional, envolvendo partilha de soberania e outros mecanismos desse género.
De modo que estamos perante aquilo a que eu chamaria uma correcção de carácter técnico e, nesse sentido, sem perda de conteúdo aceitável.
Agora, no que diz respeito à outra questão introduzida por Os Verdes, essa, merece ser examinada, pelo que, se for necessário fazer um processo de adopção provisória, nós fá-lo-emos para viabilizar a discussão. Entenda-se "adopção" para efeito de discussão.

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O Sr. Presidente: - Gostaria de saber se o PCP tem algo a dizer relativamente à eliminação da segunda parte da alínea n), ou seja, a eliminação da expressão "promovendo, neste domínio, a cooperação internacional".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, inclinamo-nos para a ideia de que a eliminação desta formulação, aparentemente, não parece alterar o conteúdo fundamental deste comando constitucional.

O Sr. Presidente: - Há, então, abertura por parte do PCP para considerar a proposta do PSD.
Srs. Deputados, o PS entende ser útil pôr à discussão a densificação da primeira parte contida na proposta de Os Verdes, que refere: "Adoptar uma política nacional de energia, que preserve os recursos naturais e o equilíbrio ecológico através da racionalização do consumo, da diversificação e reutilização de energias limpas e renováveis".
Pergunto se isto não é apenas pôr à mostra aquilo que já está consagrado.
Está em discussão a proposta.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o problema não é tanto o suscitado pela alínea o) do artigo 81.º da proposta apresentada por Os Verdes, que é, como sublinhou, uma explicitação de diversas dimensões que estão contidas no preceito, mas mais a alusão contida noutra proposta, a do PCP, que alude à política nacional da água.

O Sr. Presidente: - Mas essa é outra questão, Sr. Deputado. Já lá vamos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu sei que é outra questão. A coincidência é de ordenação. Em todo o caso, temos base para concluir pela pertinência da proposta apresentada por Os Verdes, mas pela sua inconclusão, aliás, já está incluído no conteúdo útil do preceito. Há algumas ideias que são meritórias, como a da racionalização do consumo, que, como tal, aponta para uma ideia de contenção, que, talvez, não flua da explicitação contida como preservação dos recursos naturais e de equilíbrio ecológico… Mas, no fundo, a contenção do consumo é também uma forma de preservação.
Por conseguinte, Sr. Presidente, in dubio, não faria uma interpretação extensiva do actual preceito constitucional e talvez seja luxuoso aditar-lhe todas as vertentes que Os Verdes propõem. O aditamento da expressão "reutilização de energias limpas e renováveis" engrossaria, seguramente, o léxico ecológico da Constituição.

O Sr. Presidente: - Bom, se quiserem pôr o léxico constitucional à la page, talvez tenhamos a obrigação de fazer uma revisão constitucional, pelo menos, de cinco em cinco anos, para actualização léxico-gráfica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que não é só isso que está em causa. O PSD não concorda com esta alteração porque ela vai mais longe do que isto. Ou seja (e para utilizar o termo que o Sr. Deputado Mota Amaral há pouco referia), ao densificar, mas densificar desta forma especiosa e não meramente indicativa, o conteúdo da actual primeira parte da alínea, vai condicionar, de uma forma que nos parece incorrecta…

O Sr. Presidente: - Reducionista, aliás!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto!
Entendemos, pois, que vai condicionar, de uma forma que nos parece incorrecta e redutora (ou reducionista, como o Sr. Presidente diz, e muito bem) a margem de manobra que, do nosso ponto de vista, os órgãos do Estado, que em cada momento estejam legitimados para prosseguir as políticas mais azadas, devem possuir.
Consequentemente, nesta como noutras matérias, não vemos vantagem de espécie alguma - pelo contrário, vemos como um mau princípio - a tentativa de, através do texto constitucional, condicionar negativamente a liberdade de acção que os órgãos legitimados (neste caso, provavelmente, o Governo) deverão ter para a definição e execução das políticas mais adequadas.
Do nosso ponto de vista, a Constituição deve determinar as regras do jogo dentro das quais o Estado deve actuar através dos seus órgãos próprios - o que, de resto, já faz de uma forma que nos parece perfeitamente adequada e equilibrada -, pelo que nos parece errado que a Constituição desça ao pormenor de definir não só as regras mas também os mecanismos de acção que os órgãos próprios do Estado devem adoptar na execução das políticas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, parece não haver clima para densificar a primeira parte da alínea n), pelo que vamos passar à discussão da alínea o), proposta pelo PCP, do seguinte teor: "Adoptar uma política nacional da água, no respeito dos direitos dos agricultores e com aproveitamento e gestão racional dos recursos hídricos, e promover as adequadas acções no plano internacional por forma a garantir uma adequada disponibilidade de reservas com origem em bacias hidrográficas internacionais".
Para apresentar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, independentemente da nossa posição que vai no sentido de que haveria vantagem em consagrar esta incumbência prioritária do Estado, entendemos também que a formulação que utilizamos é demasiado longa e prolixa, podendo, com vantagem, ser muito sintetizada.
Creio que aquilo que está por detrás da nossa preocupação é conhecido de todos: a escassez, a cada vez maior, a nível internacional, da água e as dificuldades que existem, nesta matéria, no plano da quantidade e da qualidade; a importância verdadeiramente estratégica, a todos os níveis, que este recurso tem e, naturalmente, as questões que se têm vindo a colocar, por um lado, com as instituições que devem assegurar esta gestão e, por outro, com o facto de Portugal, em grande medida, ter de desenvolver uma política de cooperação com a Espanha nesta matéria, através dos difíceis convénios que são conhecidos.
Creio que, se for aceitável por parte dos outros partidos uma formulação do tipo "Adoptar uma política nacional da água, assegurando a gestão racional dos recursos

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hídricos", talvez fosse eficiente e, por nós, seria, em todo o caso, vantajoso.
De resto, recordo que, quando foi discutida a nossa proposta de tratamento desta questão no âmbito do direito do ambiente - concretamente, o artigo 66.º -, remetemos para aqui, tendo o Sr. Deputado José Magalhães referido que considerava desadequado o tratamento no âmbito do artigo 66.º mas que entendia que a questão era muito importante e que teria abertura para a considerar noutro contexto.
Parece-me que este facto permite sublinhar, ainda com mais vigor, a importância que damos, nesta versão racionalizada, à nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão esta proposta, que não é de mera actualização verbal mas que trata de uma questão que, em 20 anos, obviamente, ganhou uma importância que não tinha nos anos 70.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que, na formulação que é agora adiantada, na sequência da discussão que fizemos, a proposta pode perfeitamente ser acolhida.

O Sr. Presidente: - Muito bem!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, independentemente da bondade evidente da proposta, com essa ou com outra redacção, tendo em conta a abertura que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de anunciar, não fico convencido de que este artigo, que diz respeito às incumbências prioritárias do Estado, no âmbito económico e social, seja, porventura, o mais azado para incluir esta alínea.
Em relação à alínea imediatamente anterior, que tem que ver com a política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais, eu leio-a na perspectiva que o artigo nos coloca, que é a da política económica e social e não propriamente na perspectiva estrita de preservação ou de defesa dos recursos naturais. Este é um artigo que tem que ver com as incumbências do Estado no âmbito da política económica e social.
De facto, não sei exactamente se a gestão de uma política nacional de água e a gestão dos recursos hídricos, genericamente considerados (e estou um pouco a pensar em voz alta) se enquadram no - para utilizar uma expressão muito cara ao Sr. Deputado José Magalhães - "programa normativo" deste artigo. É só esta a minha dificuldade.
Mas, desde já, manifesto a abertura do PSD para encontrar o local mais adequado na Constituição para fazer uma referência à gestão dos recursos hídricos, uma vez constatada a ausência de uma referência expressa deste tipo na Constituição.
Portanto, a minha única dúvida é a de saber (e estou a pensar um pouco em voz alta) se se enquadra propriamente nesta sede da política económica e social, porque, se chegarmos à conclusão de que se enquadra, pois com certeza.
Quanto ao conteúdo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se me permite uma intervenção pessoal nessa área, penso que as conexões em matéria constitucional não têm de se encaixar a 100%, como as peças de um "lego". Penso que há sempre que privilegiar a conexão principal.
Ora, hoje, a questão dos recursos hídricos é uma questão fundamental de qualquer pressuposto de qualquer política económica e social, desde logo do viver urbano e de qualquer política económica em matéria de energia, de agricultura, de equilíbrio ecológico, etc.
Portanto, sem deixar de considerar que há outras conexões que a política dos recursos hídricos tem com o ambiente, com a qualidade de vida, com a independência nacional, com uma série de outras conexões, penso que a mais próxima, até porque é mais abrangente, é a política económica e social.
Parece-me, pois, que teríamos - e, de facto, nas últimas duas décadas a questão dos recursos hídricos transformou-se numa questão-chave de todas as sociedades e, em particular, na Europa, nos países do sul -, um claro ganho constitucional em matéria de actualização da Constituição e creio a fórmula enxuta que foi proposta agora pelo Deputado Luís Sá é adoptável, sem prejuízo de reconhecer que, de entre outras conexões que esta matéria tem, esta talvez seja a menos artificial, a menos imprópria.
Portanto, faço um apelo para a sua reconsideração neste âmbito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desde já, dou, obviamente (penso até que o tinha feito na intervenção anterior…

O Sr. Presidente: - Claro, claro! Tinha ficado clara a adesão do PSD à ideia deste ganho.
As dúvidas são quanto à colocação sistemática.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, face a esta achega do Sr. Presidente, eu diria que ficámos meio convencidos.
Portanto, passámos de uma posição de…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tenho uma proposta de compromisso: se o Sr. Deputado Marques Guedes encontrar uma sistematização melhor, estamos abertos a considerá-la. Tenho dúvidas que seja possível…

O Sr. Presidente: - Ficamos abertos à consideração da colocação sistemática, com o compromisso de que, se não encontrarmos outro melhor, em princípio, fica aqui.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, podemos sobrestar neste ponto?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à apreciação da alínea p) do artigo 81.º do projecto de revisão constitucional do PCP, do seguinte teor: "Garantir um nível adequado de segurança alimentar."
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a segurança alimentar é uma questão que preocupa, hoje, a comunidade internacional, em geral, e está patente não só nos fóruns internacionais (aliás, com formulações muito próximas destas) mas também nas preocupações de cada um dos Estados, em particular.

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A segurança alimentar é de tal modo importante que a nossa Lei de Bases da Defesa Nacional e das Forças Armadas consagra-a como uma das necessidades e objectivos, no quadro das decorrências que advêm do próprio artigo 9.º, de garantir a independência nacional - uma das tarefas fundamentais do Estado neste terreno.
Pensamos, por isso, Sr. Presidente, que a questão tem suficiente relevância para ser consagrada no quadro constitucional como uma das incumbências do Estado, no âmbito económico e social, designadamente, quando, no quadro dos processos de mundialização da economia, estas questões, muitas vezes, são, hoje, vitais e têm que ser minimamente asseguradas, por razões, até, de independência nacional.
É esta a justificação que fazemos nesta fase de debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é o velho reflexo autárcico do PCP?
Srs. Deputados, está em discussão a proposta do PCP.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, o objectivo desta proposta está suficientemente acautelado pelo princípio genérico que consta da alínea a) deste artigo. De resto, nem outra coisa poderia ser. Ou seja, se houvesse, de facto, uma lacuna numa matéria tão fundamental, como é a da alimentação dos cidadãos, é evidente que nunca poderia constar numa alínea final de um artigo como este, teria sempre de vir na primeira alínea. E, do nosso ponto de vista, de facto, ela já está consagrada na alínea a).
Não podemos entender, minimamente, não aceitamos, sequer, uma leitura diversa da alínea a) que não abarque, necessariamente, a segurança alimentar adequada, o nível adequado de bem-estar de segurança alimentar, porque não se podem conceber os conceitos de bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas sem pão. Para nós, essa é uma questão perfeitamente adquirida.
Sinceramente, não pensamos que haja algum ganho; muito pelo contrário, é, eventualmente, pôr em crise a interpretação, que nos parece essencialíssima e não discutível, da própria alínea a).
Portanto, não nos parece que seja uma proposta com qualquer tipo de vantagem para o texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, francamente, não sei se a proposta não introduz algumas questões que suscitarão, depois, subquestões impeditivas de um acolhimento de algo que, aparentemente, não é polémico.
Ou seja, todos conhecemos a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, a expressão é importada para este artigo com o sentido específico que tem da metalinguagem e do conjunto de códigos a que a dita cuja lei alude e que consubstancia em parte e, portanto, não tem o sentido vulgar que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes estava, aparentemente, a dar-lhe.
Trata-se de um conceito geoestratégico, de um conceito cuja inserção em toda a mecânica orgânica e conceptologia da defesa nacional e da geoestratégia é bastante conhecida. É uma das condições imprescindíveis à garantia da defesa nacional.
É certo, todavia, que há muitas outras. Há outras relacionadas com os níveis de preparação das Forças Armadas, como a sua estrutura, a sua composição, os meios financeiros ou de outra natureza, o adestramento, as alianças internacionais e outros relacionados com a capacidade de sobrevivência nacional em caso de agressão, de ataque de qualquer natureza, que não estão definidos no Título X - Defesa nacional.
O título, desse ponto de vista, é razoavelmente pobre, a não ser que se dê um sentido muito lato ao artigo 273.º, n.º 1, mas a súbita e algo especiosa inserção, entre as incumbências prioritárias do Estado, de uma inserida especificamente na óptica da defesa nacional destoa um pouco de toda a estrutura do artigo.
Ou seja, a estrutura do artigo visa fixar incumbências, algumas das quais têm consequências para a defesa nacional, naturalmente, mas não estão vertidas na óptica da defesa nacional mas, isso sim, na óptica do desenvolvimento económico e social, a não ser que instrumentalizemos o desenvolvimento económico e social com um pressuposto, o da garantia e condição da política de defesa nacional. É uma concepção! Não é a nossa! Porque é uma concepção total e um pouco totalitária, até, da defesa nacional, ou seja, o mundo é visto em função da defesa nacional. Portanto, as crianças são alimentadas, porque são excelentes soldados, num cenário, e soldados "burros", no outro; os cientistas são financiados, porque podem financiar a criação de armas, etc.
É uma leitura ou releitura de defesa nacional da Constituição, que, do primeiro ao último artigo, pode ser reescrita nesta óptica.
Suponho que não é esse o espírito do PCP, porque isso implicaria uma grande alteração de filosofia, talvez demasiada. Portanto, Sr. Presidente, parece-me um pouco desinserida da filosofia deste artigo.
Agora, obviamente que a segurança alimentar é muito importante e tem um carácter vital para a sobrevivência.

O Sr. Presidente: - Agora, sem blague, parece-me francamente excrescente esta alínea p) proposta pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que, quanto a esta proposta de inserção no artigo 81.º, não temos a concepção guerreira do Deputado José Magalhães.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Toda a gente fica mais tranquila!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado sabe que não é.
Só que eu dei-a como um elemento exemplificativo da importância desta norma, de tal modo que a própria Lei de Defesa Nacional se preocupa com essa questão. É evidente que essa é uma, porventura, não sei se a mais importante, vertente do problema.
Porém, Sr. Presidente, sem prejuízo de outras opiniões, é evidente que os problemas da saúde alimentar têm esta decorrência que foi referida, mas também têm as decorrências ligadas à independência nacional dos povos, do

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ponto de vista da promoção do seu bem-estar, mas não se consome completamente na alínea a), porque, então, há um conjunto de outros preceitos que também se consumiriam na alínea a). Quando falamos em operar as necessárias correcções de desigualdade na distribuição da riqueza e do rendimento, isto também é uma decorrência de promoção do aumento do bem-estar equilibrado do povo. Portanto, não me parece que isso possa ser um argumento, porque há outros preceitos que também estão inseridos, lato sensu, na alínea a), mas que, depois, são explicitados noutros comandos constitucionais.
Neste caso concreto, explicitar esta norma parece-nos adequado face à importância deste problema, hoje, não só em Portugal mas também no mundo e em todos os fóruns onde essa questão é tratada.
Mas, de momento, fica aqui o nosso desejo, pelo menos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vale a pena, a propósito de normas destas, haver "não ditos".
É óbvio que a razão por que me parece que esta norma não deve aqui figurar é porque está ligada a ideias de autarcia e de garantia de mínimos de auto-suficiência alimentar que tem que ver com políticas que, hoje, sob o ponto de vista do PS e do PSD (as forças políticas dominantes em Portugal), não são palatáveis em termos de política no quadro da União Europeia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Presidente já usou a expressão "autarcia" duas vezes! Esta questão nada tem que ver com a ideia de autarcia!

O Sr. Presidente: - É obvio que tem! A auto-suficiência alimentar implica garantir um mínimo de autoprodução alimentar, tem que ver com a garantia de stocks…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, uma coisa é falar em auto-suficiência, outra é falar em níveis adequados ou níveis suficientes de segurança alimentar. Há mínimos que os países…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há países altamente seguros que não produzem 5% dos respectivos alimentos. Como sabe, essas questões são mais do que discutíveis.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dê-me um exemplo!

O Sr. Presidente: - Não! Não vou agora passar em revista as "Namíbias" e todos os países que têm desertos…

O Sr. José Magalhães (PS): - Para não falar do principado do Liechtenstein!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à proposta, várias vezes referida, no sentido de aditar uma norma sobre o desenvolvimento sustentável ou sustentado, que é comum às propostas de Os Verdes, do PCP e do PS em colocações diversas nos seus projectos de revisão constitucional.
Foram sendo eliminadas, por colocação imprópria, nos artigos 9.º e 66.º e foram remetidas para este artigo 81.º.
Acontece que, nesta sede, existe uma proposta, uma das muitas, de Os Verdes em relação a esta matéria.
Assim, está em discussão a proposta de Os Verdes de uma nova alínea a) ao artigo 81.º, proposta que assumo para efeitos de discussão, do seguinte teor: "Assegurar um desenvolvimento sustentável capaz de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer as gerações vindouras." Claramente, não assumo esta formulação, mas estou aberto para a reformular.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o primeiro contributo que desejaria dar a esta discussão - e penso que tem sido esse, genericamente, a delimitação da discussão que temos vindo a ter ao longo dos artigos à volta desta questão - é no sentido de dizer que o PSD está aberto à sua inserção numa perspectiva de desenvolvimento ambiental ou ecologicamente sustentado, o termo que se entender mais adequado.
Como já aqui foi dito a propósito de outras discussões, o desenvolvimento sustentado também é um termo utilizado, por exemplo, em áreas económico-financeiras. Fala-se em desenvolvimento sustentado como uma política de desenvolvimento assente numa lógica de crescimento sustentado.
Assim, em primeiro lugar, queria referir (e penso que é essa a intenção de Os Verdes) a necessidade de deixar claro - o que não resulta do texto que o Sr. Presidente pôs à discussão - que o aqui está em causa é a perspectiva ambiental. Esta é a primeira questão que queria ver esclarecida, até porque, se o que está em causa é a perspectiva do desenvolvimento económico, existe já, neste mesmo artigo, a alínea d) para a qual, segundo as minhas anotações, não houve entendimento suficiente para se proceder a alterações ao texto actual.
Partir-se-á, portanto, do princípio, nesta fase, de que a actual alínea a) do artigo 81.º do texto constitucional é para se manter tal qual está e que se acrescentará um artigo, que, do nosso ponto de vista, devia vir, eventualmente, logo a seguir à alínea d), passando a ser a nova alínea e), que, para além da vertente do desenvolvimento económico e social, que já cá temos, apontaria para a sustentabilidade da política de desenvolvimento numa perspectiva ambiental ou, enfim, o termo que for entendido como o mais adequado.
Para uma formulação nesse quadro, o PSD, como já o fez anteriormente, manifesta desde já a sua abertura, bem como para incluir também no texto uma discussão, que também já aqui tivemos, sobre a perspectiva - tratar-se-á de ver a formulação mais adequada - que essa sustentabilidade deve ter do não comprometimento das gerações vindouras. Não gosto muito da formulação que aqui está, mas é um princípio que também estamos abertos a considerar, se for encontrada uma redacção adequada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que já fizemos este debate quando discutimos o artigo 66.º, em relação ao qual o Partido Socialista tinha, e tem, no tocante ao n.º 2, uma proposta de aditamento de um curto, e na nossa óptica bastante inciso, "Promover o desenvolvimento sustentável…". Na altura, discutimos as vantagens e as desvantagens de alusões às gerações presentes, passadas e vindouras. Da nossa parte, a vantagem é nenhuma, nesta sede.
Não queríamos importar alguma da ganga que habitualmente rodeia a alusão ao ambiente sustentável e, portanto,

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a introdução do conceito, em si mesmo, seria um bom enriquecimento. Dele partem tantas, tão variadas e em tantas direcções indicações, directrizes e dimensões que nos parece que isso enriqueceria significativamente, sem mais, o texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a minha inclinação também é essa: acrescentar o conceito, sem mais retórica.
O conceito já tem, hoje, uma densificação na área do ambiente e da qualidade de vida que lhe dá um recorte suficientemente não polémico, portanto, é a ideia da utilização não predatória dos recursos naturais de modo a não exaurir as fontes da vida, esta posta em termos comuns no sentido do desenvolvimento sustentado.
Portanto, creio que não vale a pena "pôr mais no cardápio nem na carta". É encontrar um lugar adequado para acrescentar o conceito "desenvolvimento sustentado".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a discussão sobre a importância deste conceito já foi feita e que não é oportuno repeti-la. Parece-nos que é importante inseri-lo.
Julgamos, de resto, que a referência às gerações vindouras é, talvez, a essência do próprio conceito de desenvolvimento sustentado. Nesse sentido, talvez tenha qualquer coisa de redundante, porque o conceito de desenvolvimento sustentado faz sentido, na medida em que esta é uma das preocupações fundamentais, naturalmente com a ideia, que também já colocámos, de conciliar o interesse das gerações presentes e não ter um tipo de fundamentalismo, que, por vezes, se verifica nesta matéria.
Julgo que talvez pudesse haver uma alternativa no sentido de acrescentar, na actual alínea a), a expressão "Promover o desenvolvimento sustentado e o aumento do bem-estar social e económico…", ou, então, uma alínea autónoma que dissesse, pura e simplesmente, isto: "Promover o desenvolvimento sustentado".
Estaremos abertos a qualquer das possibilidades, em coerência com a nossa própria proposta de, embora noutro lugar, inserir este conceito na Constituição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, adquirida a convergência no sentido de introduzir o conceito, resta saber se o inserimos na actual alínea a) ou na actual alínea d), porque parece que não há lugar a erigir uma alínea autónoma.
Se pudéssemos alterar o discurso da alínea a) ou da alínea d), talvez fosse a solução mais económica.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, atendendo ao carácter abrangente que o conceito tem, atendendo às vertentes múltiplas que ele pode ter, atendendo ao facto de poder e dever, na óptica predominantemente ambiental, estar presente uma série de outras políticas, julgo que talvez fosse adequado inserir na alínea a)…

O Sr. Presidente: - Proponho o seguinte: "Promover o desenvolvimento sustentado ou sustentável, bem como o aumento do bem-estar social e económico (…)".

O Sr. Luís Sá (PCP): - Corresponde, no fundamental, à questão que coloquei há pouco.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é uma sugestão que faço…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu já tinha argumentado, detidamente, a favor do desenvolvimento sustentado e também já lhe tinha dito que não é uma questão de vida ou de morte.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, parece-me altamente correcto que seja incluído na primeira alínea, ou seja, na alínea a).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não vejo inconvenientes decisivos se ficar na alínea a), mas, com franqueza, penso que esta alínea está muito bem como está. O desenvolvimento é tratado na alínea d), pelo que me parecia mais correcto orientar o desenvolvimento económico…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! A alínea d) visa o equilíbrio entre as regiões e a supressão das assimetrias.

O Sr. Luís Sá (PCP): - O desenvolvimento também é tratado na alínea a). Na minha opinião, o que está na alínea a) é desenvolvimento, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Há várias alusões ao desenvolvimento. Há subcomponentes, causas e incumbências que contribuem para o dito desenvolvimento.

O Sr. Luís Sá (PCP) - "Bem-estar social e económico", "qualidade de vida do povo", é desenvolvimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - A plena utilização das forças produtivas…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que o Sr. Deputado Marques Guedes tem um ponto de razão, mas proponho o seguinte: salvo reconsideração e, em última análise, direito de veto do Deputado Marques Guedes quanto à inserção sistemática, ficaríamos por aqui.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é do Deputado Marques Guedes. Pode ser dos Deputados do PSD!

O Sr. Presidente: - Claro! Dos Deputados do PSD!
Vou anotar "sob reserva do PSD quanto à colocação sistemática. Alternativa: alínea d)".

Pausa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é "sustentado" ou "sustentável"? Parece-me que é "sustentado"!

O Sr. José Magalhães (PS): - Também fizemos essa discussão.
Sr. Presidente, propunha que se fizesse um pequeno apuramento, porque tivemos uma discussão sobre uma certa leitura fundamentalista associada ao "sustentável", leitura que, naturalmente, não partilhamos. Com toda a franqueza,

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devo dizer que me repugna um pouco a tradução do inglês para "sustentado".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Penso que o "sustentável" é passível de ser "sustentado".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sustainable!

O Sr. Presidente: - Em inglês, é "sustainable"!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está bem, mas o termo "sustentável", em português, significa susceptibilidade de ser sustentado.

O Sr. Presidente: - Exacto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E, portanto, eu prefiro dizer "sustentado". Não é a mera susceptibilidade que está aqui em causa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Só que "sustentado" é também o resultado da sustentação!

O Sr. Presidente: - Fica sob reserva, Srs. Deputados. Vamos apurar, perante os linguistas, o léxico deste domínio.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 82.º, para o qual existe uma proposta de eliminação, apresentada pelo PSD.
Para justificar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta de eliminação prende-se com aquilo que enunciei quando entrámos na Parte II, relativa à Organização económica. Ou seja, o objectivo genérico que o Partido Social Democrata formula no seu projecto é no sentido de procurar reduzir o texto constitucional, em matéria da organização económica do Estado, a princípios gerais e à afirmação das regras essenciais.
O essencial deste artigo 82.º, do ponto de vista do PSD, está já contido na alínea b) do artigo 80.º, onde se fala na coexistência dos três sectores de propriedade dos meios de produção.
O n.º 1 do artigo 82.º é a mera repetição do que já está no artigo 80.º e os n.os 2, 3 e 4 do mesmo artigo são densificações dos conceitos de sectores de propriedade, que, hoje em dia, estão perfeitamente adquiridos e que, em qualquer circunstância, a fazerem sentido, fá-lo-iam em termos de legislação ordinária, muito embora, hoje em dia, sejam conceitos suficientemente firmados e adquiridos, em basta legislação ordinária, na nossa ordem jurídica.
Consequentemente, nas presentes circunstâncias, cremos que nada acrescentam de significativo ao texto constitucional. Eventualmente, justificar-se-iam noutros momentos em que, face à revolução operada na própria ordem económica e no direito económico nacional, terá sido necessário indicar caminhos para a densificação conceptual de determinado tipo de realidades.
Além disso, no caso particular do n.º 4 do artigo 82.º, parece-nos que o actual texto constitucional está incorrecto. Hoje em dia, há variadíssima legislação ordinária que não só tem vindo a separar claramente o chamado sector social de propriedade do sector cooperativo mas também o próprio texto constitucional especifica o que é que se deve entender por sector cooperativo e social, deixando de fora realidades que são, hoje, consideradas na legislação ordinária como sector social. Estou a recordar-me, por exemplo, das instituições particulares de solidariedade social, que, claramente, escapam à especificação que o n.º 4 deste artigo enuncia.
Portanto, entendemos que não só não há necessidade deste artigo na Constituição como há, até, alguma incorrecção, nomeadamente no que respeita ao n.º 4, pelas razões que acabei de explicitar.
Assim, uma vez que está adquirido o fundamental deste artigo, que é a coexistência dos três sectores, e porque ele acaba por ser a repetição do que se diz na alínea b) do artigo 80.º, o PSD vê com vantagem a eliminação deste artigo 82.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta de eliminação do artigo 82.º, apresentada pelo PSD.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, na parte final da intervenção, o Sr. Deputado Marques Guedes usou um argumento que nos leva a uma interrogação, sendo que essa interrogação está, naturalmente, nos antípodas da proposta de eliminação que o PSD apresenta.
Inútil será dizer que este artigo tem uma importância considerável, mesmo no actual quadro constitucional, posterior à revisão constitucional de 1989; tem um papel de definição clara de uma componente da arquitectura constitucional, sendo, aliás, um pilar da Constituição económica; tem uma função definitória, que já esteve associada a algumas das mais importantes querelas e discussões de grande relevância na nossa história constitucional, querelas, em parte, serenadas pela revisão constitucional de 1989, repito. No entanto, há ainda algumas questões em aberto - e o Sr. Deputado aludiu a uma -, sendo que elas deveriam levar, porventura, a algum aperfeiçoamento ou a alguma clarificação.
Vou dar-lhe dois exemplos.
O primeiro diz respeito, precisamente, aos meios de produção que não são possuídos e geridos por cooperativas nem podem qualificar-se…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se me permite que o interrompa, gostaria de dar conta que me foi entregue pelo Deputado Rui Namorado, um dos especialistas nacionais em matéria de cooperativa e de economia social, um documento, no qual me propõe que eu adopte e sugira à Comissão o aditamento de uma alínea d) ao n.º 4 do artigo 82.º, do seguinte teor: "Os meios de produção possuídos e geridos por entidades de natureza mutualista e por quaisquer outras pessoas colectivas sem fins lucrativos que tenham como principal objectivo a solidariedade social."
Assim, o texto desta alínea d) consta de uma proposta concreta que o Deputado Rui Namorado fez, para ser aditada ao n.º 4 do artigo 82.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pelos vistos, manifestamente, falámos os dois com o Deputado Rui Namorado, e ainda bem! Só se ganha com isso! Digo

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isto porque, nesta matéria, a proposta agora veiculada (o que, aliás, me prestava igualmente a fazer, mas entendo relevante e importante que tenha sido feita) tem origem naquilo que é, de facto, um problema não resolvido.
Daí que talvez seja importante abrir lugar a uma inserção própria para este tipo de meios de produção, que existem, que têm uma importância considerável e que, provavelmente, poderão vir a ter mais importância…

O Sr. Presidente: - Tem uma importância crescente!

O Sr. José Magalhães (PS): - … no conceito de uma dinâmica maior da sociedade e da criação de estruturas e pessoas colectivas não lucrativas.
Contudo, a posição do…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só que a Constituição não tem de cuidar destas matérias!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas porque não, Sr. Deputado?!
De resto, lembro que, ainda nesta revisão constitucional, o PSD propôs incorporações de conteúdo constitucional em matérias que, em alguns casos, têm puro valor simbólico. Ora, aqui não se trata de acrescentar um valor simbólico mas, sim, de atestar conteúdos efectivos de acordo com a lei.

O Sr. Presidente: - Já agora, se me permitem, Srs. Deputados, e em conexão com esta matéria, quero salientar que o PSD propôs a autonomização de um artigo para as IPSS, que não é outra coisa senão isto que aqui está.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não é em conexão com esta matéria, Sr. Presidente. Aliás, já discutimos essa questão e, na altura, o Sr. Presidente até me deu razão no sentido de que o texto como estava, estava mal!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não é em desconexão, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - De qualquer forma, Srs. Deputados, neste momento, só está em discussão a proposta de eliminação do artigo 82.º.
No que diz respeito aos arranjos concretos, iremos analisar a proposta do PP e, depois, esta, se for caso disso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, partindo do princípio de que nós não estamos disponíveis para alterar este pilar da arquitectura constitucional - e não estamos disponíveis pelo que isso significaria do ponto de vista hermenêutico, do ponto de vista simbólico e do ponto de vista político -, estamos, no entanto, disponíveis (e apelava ao PSD que ponderasse nisto que estou a dizer) para considerar aperfeiçoamentos não apenas realistas mas em áreas de grande consenso, como suponho ser esta, por provas dadas pela vossa capacidade de propositura de outras redacções, ainda que noutros contextos e noutras sedes.
A segunda questão que o Sr. Deputado Rui Namorado e a nossa bancada consideram que seria interessante ponderar - mas essa, confesso, é mais difícil de ponderar e estamos menos satisfeitos com as contribuições que até agora chegaram, tanto da nossa bancada como, pelo que conhecemos, da troca de impressões com entidades exteriores à Assembleia da República - é a que diz respeito ao problema das régies cooperativas.
A verdade é que elas nasceram. Não sei que futuro é que elas terão - aliás, há um caso em que a experiência foi desastrosa, o da pseudo-régie cooperativa, que ainda hoje é a agência Lusa. Mas este é, talvez, um caso sui generis, pelo que não deve ser erigido em protótipo de coisa nenhuma nesta área.
Mas, voltando à questão, a verdade é que as régies cooperativas caracterizam-se por terem não apenas elementos cooperativos mas uma espécie de "casamento" ou mescla com elementos de carácter público, o que, naturalmente, interpretando a Constituição, de certa forma, como hermenêutica rígida e rigorosa, implica uma grande dificuldade em enquadrá-las neste conjunto de subsectores do sector cooperativo e social, reconstituído…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone não é possível registar as palavras do orador).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, as régies cooperativas são, hoje, uma realidade em todos os países.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas eu não estou a dizer o contrário, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Aliás, a palavra é francesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - E nem temos tradução para ela!

O Sr. Presidente: - Temos sim, Sr. Deputado. O nome oficial é cooperativas de interesse público.

O Sr. José Magalhães (PS): - Digamos que é um nome que exprime relativamente mal o conceito.

O Sr. Presidente: - Seja como for, Srs. Deputados, não é uma realidade nossa, apenas. É uma realidade que existe em todos os países, hoje em dia.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi no tempo do bloco central que o secretário de estado do sector cooperativo aprovou essa legislação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aliás, o Sr. Deputado Rui Namorado, a certa altura, aventou uma hipótese de formulação que dissesse que eram abrangidos igualmente pela alínea a), que é aquela que diz respeito à definição do sector cooperativo e social, os meios de produção possuídos e geridos pelas régies cooperativas. Mas procurava-se, depois, aditar determinadas condicionantes e limitações, designadamente referindo o seguinte: "… desde que a lei que a regule limite a possibilidade da sua não observância dos princípios cooperativos aos aspectos resultantes de natureza pública das entidades que as integram". Obviamente que sempre terá de ser assim. Ou seja, a lei terá que prever uma limitação desta isenção de princípios cooperativos a fortes razões de interesse público que estejam na origem da criação das ditas novas entidades.

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Estas são duas questões importantes e cruciais de adaptação à realidade. Tudo o mais pode ser executado em função de grandes balizas constitucionais, naturalmente, e de políticas governamentais. É o caso da dimensão do sector público, o papel, a pujança e a importância do sector privado, a dimensão relativa de cada um dos subsectores do chamado sector cooperativo e social, desde a revisão constitucional de 1989, entre outros.
Por isso, Sr. Deputado Marques Guedes, o desafio é este: na impossibilidade de demolição, que tal uma benfeitoria virtuosa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, parece-nos, também, que a eliminação do artigo 82.º não só empobreceria o nosso texto constitucional como tiraria do referido texto aquilo que, em nossa opinião, é um suporte instrumental e definidor da nossa Constituição.
Este artigo faz mais do que confirmar o que está na alínea b) do artigo 80.º. Ou seja, para além de dar relevância ao princípio da não subordinação dos três sectores de propriedade dos meios de produção, define, depois, no plano constitucional, fronteiras claras daquilo que se entende por cada um dos sectores.
Se eliminássemos o artigo 82.º, excluiríamos do texto constitucional, tanto quanto me parece, por exemplo, os meios de produção comunitários e a constitucionalização de uma realidade que hoje existe e que é muito importante em Portugal, que são os baldios. A alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º é o único local da Constituição em que os baldios estão inscritos.
Por conseguinte, parece-nos que a eliminação deste artigo redundaria numa fragilização daquilo que parece ser uma vertente essencial e definidora da nossa Constituição.
Quanto à inserção de outros preceitos, e sem prejuízo de uma maior ponderação face aos textos concretos em reuniões posteriores, devo dizer que tenho dúvidas sobre se, quando se fala em régies cooperativas, se está, de facto a referir a cooperativas de interesse público.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto às questões concretas, veremos depois.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - No que diz respeito às instituições de solidariedade social, deixamos de estar num terreno de grandes subsectores de propriedade para passarmos a estar num terreno de entidades concretas. Em relação a este aspecto, não sei se este é o lugar…

O Sr. Presidente: - Já iremos às questões concretas, Sr. Deputado. Para já, vamos analisar a eliminação ou a subsistência do artigo 82.º.
Srs. Deputados, penso que o PSD não tem razão na argumentação, porque, mesmo tendo em conta o artigo 80.º, que se refere ao princípio da coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo, a verdade é que existe uma diferença entre um princípio que tem a fluidez que têm todos os princípios e uma concreta garantia institucional.
Ora, numa linguagem constitucional, garantia institucional quer dizer isso mesmo: garantir que estes três sectores não podem ser postos em causa.
Por outras palavras, por mais liberal e privatista que fosse a política de um governo, imaginemos, do PP, ele não poderia pôr em causa o sector público, tal como por mais colectivista ou estatista que fosse a política económica de um governo, imaginemos, do PCP, ele não poderia pôr em causa o sector privado. Este é, pois, o valor deste preceito.
Além disso, o conceito de garantia institucional, que tem um século - como sabe, foi elaborado por Karl Schmidt, a propósito da Constituição de Weimar -, seria um que obviamente desapareceria, se eliminássemos o artigo 82.º.
Por outro lado, este artigo tem um carácter definitório, que, ao longo destes anos, foi elemento disciplinador essencial da doutrina e da jurisprudência constitucional. Porque não é indiferente estas definições que aí estão do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social. Saber que uma empresa, mesmo que seja propriedade do Estado, desde que entregue à gestão privada, é do sector privado, tem valor jurídico, não é uma pura definição teórica, é um valor jurídico que, obviamente, tem implicações jurídicas, a favor, aliás, do sector privado.
Quanto à definição do sector cooperativo e social, a mesma coisa.
Há três valores essenciais no artigo 82.º que seriam perdidos e que não estão previstos na alínea b) do artigo 80.º da Constituição.
Portanto, era um claro desbancamento constitucional de uma garantia institucional, bem como de uma definição de sectores e de algumas realidades, que, como o Sr. Deputado Lino de Carvalho, com razão, apontou, não estão, sequer, noutro lado, como é o caso dos meios de produção comunitários, scilicet os baldios.
Assim, pela minha parte, penso que não seria boa obra esta de eliminarmos o artigo 82.º da Constituição.

Pausa.

Srs. Deputados, inviabilizada a eliminação do artigo 82.º pelo não acolhimento da proposta do PSD, vamos, em primeiro lugar, passar à análise da proposta de alteração, apresentada pelo PP, do n.º 1 do mesmo artigo, do seguinte teor: "É garantida a coexistência de três sectores de propriedade", ou seja, eliminaria a expressão "dos meios de produção".

Pausa.

Verifico que não se encontra nenhum Sr. Deputado do PP…
Já agora, adianto que, em relação ao n.º 2, o PP também elimina a expressão "meios de produção", substituindo-a por "bens produtivos".
Parece-me que a questão fundamental do PP é a de eliminar a expressão "meios de produção".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, com essa lógica, o CDS-PP esqueceu-se do n.º 3!

O Sr. Presidente: - Esqueceram-se, claramente, do n.º 3, onde a expressão "meios de produção" aparece.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Se o CDS-PP não põe na proposta a expressão "meios de produção", quer dizer o quê? As bicicletas? Os patins? É que são propriedades! Passam a ficar neste conceito?

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O Sr. Presidente: - Os sapatos, os fatos, as gravatas…

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - São os sectores de propriedade dos bens produtivos. Curiosamente, não mexeram na epígrafe!

O Sr. Presidente: - Pois! Também não.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É capaz de ser gralha!

O Sr. Presidente: - Mas também não podemos exigir grande rigor.
Srs. Deputados, se esta proposta não for adoptada para discussão, passo adiante…

O Sr. José Magalhães (PS): - Piedosamente, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - … e ponho eu, pessoalmente, à consideração o aditamento de uma alínea - uma vez que isto não foi, expressamente, proposto por ninguém, pelo que exige consenso, como é óbvio - com a redacção proposta pelo Deputado Rui Namorado, ou seja, uma nova alínea d) ao n.º 4 do artigo 82.º, do seguinte teor: "Os meios de produção possuídos e geridos por entidades de natureza mutualista e por quaisquer outras pessoas colectivas sem fins lucrativos que tenham como principal objectivo a solidariedade social."
Srs. Deputados, adopto esta proposta como sugestão pessoal. Como é óbvio, basta uma força política dizer "não" para passarmos à frente. Espero é que não o façam.

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria pedir que me facultava uma cópia desse texto, porque precisávamos de o analisar com cuidado.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em segundo lugar, não queria fazer perder tempo mas, desde logo, gostava de dizer que entidades sem fins lucrativos são também, por exemplo, as fundações.

O Sr. Presidente: - Claro!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Bem lembrado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Do nosso ponto de vista, há uma série de realidades que têm de ser equacionadas para saber se se integram ou não dentro daquilo que deve ser o sector social.
Portanto, gostaríamos de ponderar sobre a proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, verá que, na proposta, em cuja formulação não participei, ela foi-me transmitida directamente pelo Deputado Rui Namorado tal como ela se encontra, cabem todas as entidades, sejam de carácter fundacional, associativo ou institucional - o caso das da Igreja que, como sabe, não são propriamente fundacionais nem associativas, são uma realidade própria, são institutos de uma outra entidade. Por isso é que se utilizou a expressão "entidades", desde que não tenham fins lucrativos e tenham objectivos de solidariedade social. Deste modo, abrangem-se todas as IPSS mais aquelas que, mesmo sem serem IPSS, cabem na ideia de não terem fins lucrativos e terem objectivos de solidariedade social. Assim, cabem, por exemplo, os bombeiros.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, nós também gostávamos de ter o texto da proposta para podermos…

O Sr. Presidente: - Será dado!
Portanto, fica de remissa, para já.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não sei se a introdução desse elemento altera, ou não, um pouco o figurino deste artigo, e estou a pensar em voz alta. Nós estamos aqui no terreno dos sectores e, depois, dos subsistemas desses sectores. Há instituições particulares de solidariedade social que têm a forma de cooperativa, por exemplo, e que constam na alínea a) do n.º 4.
Não sei se não poderemos introduzir um elemento de confusão e de menor rigor no quadro destes subsistemas.

O Sr. Presidente: - A maior parte não tem forma cooperativa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Portanto, parece-me que merece alguma ponderação e atenção, mas não me parece essencial.

O Sr. Presidente: - O problema não está aí. O problema reside numa realidade que, hoje, os juristas, sobretudo na Alemanha e nos países anglo-saxónicos, chamam vários nomes - dritter Sektor, o terceiro sector, a economia social, o sector não lucrativo, o sector solidário. Isto tem várias dimensões, existindo hoje uma imensa biografia, quer entre os juristas alemães, quer entre os juristas italianos, quer entre os economistas americanos e ingleses.
Portanto, isto é uma realidade, hoje, em grande evolução e grande tratamento teórico, não tem, ainda, conceitos adquiridos. Por isso é que estas fórmulas abrangentes e não caracterizadas, no estado actual da situação, me parecem as mais apropriadas, sendo certo que este é, hoje, um sector em crescimento, em Portugal e lá fora.

O Sr. José Magalhães (PS): - E no quadro da União Europeia, ainda por cima, com estruturas de representação…

O Sr. Presidente: - Aliás, com protecção especial.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Tem uma representação especial no Conselho Económico e Social.
Portanto, isto é, hoje, uma realidade indesmentível, incontornável, em todas as sociedades, independentemente da sua versão mais liberal, de tipo norte-americano, ou da sua situação mais social, de tipo germanístico, e que, em

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Portugal, conhecem desde, pelo menos, há 15 anos, um essor que é indesmentível.
Pessoalmente, e sem qualquer preconceito, eu consideraria que era uma clara melhoria reconhecer aí um sector, que não é propriamente produção de bens económicos. Muitos desses são mesmo produção de bens económicos, mas são, sobretudo, produção de serviços. Ora, hoje, a economia não é só de produção de sapatos e manteiga, é produção de serviços que têm, hoje, uma realidade que é indesmentível. Isto para responder ao argumento do Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, nós vamos voltar a esta discussão, mas aquilo que o Sr. Presidente está a dizer consolida um pouco a interrogação em voz alta que eu, há pouco, estava a expressar, que é a de que, por outro lado, isso é mais amplo que os sectores de propriedade, abrange outras realidades, tais como prestação de serviço à comunidade…

O Sr. Presidente: - Não é verdade! Tem a ver com produção de bens ou serviços.

O Sr. José Magalhães (PS): - Só estamos a falar do sector produtivo. Não estamos a falar de outras dimensões, nem de entidades de carácter cultural ou de outras formas de…

O Sr. Presidente: - É produção de bens ou serviços.

O Sr. José Magalhães (PS): - É para produzir serviços, é para produzir bens de qualquer natureza, e, ainda por cima, os tipos estão razoavelmente classificados no léxico da União Europeia, naturalmente por força dos nossos parceiros germânicos, holandeses, dinamarqueses…

O Sr. Presidente: - Se a minha tese de doutoramento não continuasse inédita, por enquanto, eu teria muito gosto em distribuir-lhes alguns parágrafos que tenho sobre esta matéria.

Risos.

Srs. Deputados, fiz a impetração e a advocação de uma proposta cuja iniciativa, de resto, não posso orgulhar-me de ter tido, mas que tenho todo o gosto em patrocinar. A proposta fica, pois, à consideração para uma próxima reunião.
Vamos passar à apreciação do artigo 83.º, para o qual existem duas propostas de eliminação: uma, do PSD, que, mais uma vez, ultrapassou o PP em matéria de radicalização constitucional da Constituição económica, e outra, do Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS, que, no entanto, apresentam uma proposta de um artigo 84.º-A, que congloba várias normas que, na Constituição económica, se referem à expropriação de meios de produção.
No entanto, fica de pé a proposta do PSD, de eliminação do artigo 83.º tout court.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, obrigado, não pelo epíteto de "radical" ao projecto de PSD mas por me dar a palavra.

Risos.

De facto, existe já a norma, que consta do actual artigo 62.º e que, eventualmente, transitará (conforme pareceu, nesta primeira leitura, haver abertura) para o artigo 47.º ou para o artigo 48.º, que diz respeito ao princípio da justa indemnização. Portanto, que fique claro que o PSD, com a eliminação deste artigo, não pretende pôr minimamente em causa a necessidade de existência de uma indemnização no caso em que haja desapropriação, passe o pleonasmo, da propriedade, ainda que por razões de interesse colectivo ou de interesse público.
Do nosso ponto de vista, isso já está resolvido, e bem, no actual artigo 62.º da Constituição, e o PSD, obviamente, não o deseja alterar.
Do nosso entendimento, o que aqui está até pode colocar uma situação diversa, que é a de, para além do princípio geral do artigo 62.º, o da justa indemnização, poder haver o estabelecimento de critérios diferentes da justa indemnização para determinado tipo de situações de apropriação. Pensamos não haver qualquer vantagem na estipulação de duas normas na Constituição com o mesmo objectivo último mas, eventualmente, com interpretações potencialmente diferentes.
Quanto à primeira parte do preceito, que tem que ver com a possibilidade de haver formas de intervenção e de apropriação dos meios de produção e solos, pensamos também, com toda a clareza, que o artigo 62.º, ao prever, genericamente, em termos constitucionais, as formas de expropriação e de requisição da propriedade, já contempla a possibilidade legal, que existe.
De resto, é na expressão exacta desse princípio do artigo 62.º que, actualmente, existe, na lei ordinária portuguesa, em vigor, um código das expropriações e das requisições, código, esse, que, necessariamente, acolhe esse princípio da utilidade pública e da justa indemnização em todas as decisões de expropriação ou de requisição.
Portanto, este artigo 83.º parece-nos (parafraseando o que eu já aqui disse na última reunião) ser algo que ainda ficou na revisão constitucional de 1989, porque esta foi feita uns meses antes daquilo que deveria ter sido em termos históricos. Em nossa opinião, com vantagem, este artigo já poderia ter sido retirado em anteriores revisões.
Portanto, Sr. Presidente, genericamente, a razão de ser da proposta do PSD é a que acabei de explicitar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta do PSD.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta disposição, cujas raízes conhecemos, e a trajectória que nos levou a reinserir, renumerar, esta norma com o conteúdo que tinha decorrido da primeira revisão constitucional, o qual representava uma alteração da feição originária do texto originário da Constituição, não estão hoje envoltas da polémica que resultou, no passado, não desta norma mas de outras com ela correlacionadas, as quais foram alteradas, e significativamente, na segunda revisão constitucional.
Por isso, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, por exemplo, propõe a eliminação do artigo 83.º e, a seguir, vê-se obrigado (já o veremos, a propósito do artigo 84.º-A) a especificar e a explicitar diversas coisas que dêem resposta

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a outras questões que se suscitam e que, em sede constitucional, estão resolvidas noutros artigos e, em sede legal, têm que ser, obviamente, desenvolvidas e equacionadas.
É uma norma que garante que há uma obrigação de não intervir, é uma norma garantística também, num sentido próprio. As formas de intervenção não podem ser quaisquer umas, as formas de apropriação colectiva não podem ser quaisquer umas, têm que estar definidas legalmente, o que é uma garantia, e a lei deve definir, ao mesmo tempo, os critérios de indemnização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Somos um Estado de direito. Essa garantia…

O Sr. José Magalhães (PS): - Bom, o Sr. Deputado não terá perdido a memória sobre a razão por que esta norma foi redigida nestes termos e teve esta feição!?
Digamos que, no interim, se perdeu o factor principal de polémica ou desapareceu, felizmente, não só por causa do Muro de Berlim, seguramente, e está pacificada a questão. Hoje, a norma não suscita, seguramente, a crispação, os problemas e as batalhas em artigos, como suscitou no passado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, salvo melhor interpretação, tenho ideia que os pressupostos reais que estão na base da proposta do PSD em relação ao artigo 83.º são contrários aos objectivos que o PSD pretende atingir. A ideia que tenho é a de que este artigo 83.º reforça, inclusivamente, as garantias constitucionais que estão expressas no artigo 62.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como assim?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Penso que o PSD, ao procurar eliminar este artigo, está a enfraquecer os seus próprios objectivos, que julgo estarem subjacentes à leitura deste preceito. A inserção deste artigo tal como está é, até, um reforço dos direitos expressos no artigo 62.º, pelo que somos pela sua manutenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sob o ponto de vista constitucional, este artigo tem três sentidos relevantes cuja eliminação implicaria desaparecimento.
A saber: primeiro, abre uma faculdade de nacionalização - este é o seu principal objectivo -, pois, através deste artigo, torna-se claro que uma maioria que queira nacionalizar pode fazê-lo; segundo, há um princípio de reserva de lei, isto é, as condições de nacionalização têm de estar estabelecidas na lei, não podendo ser remetidas para regulamento independente (não basta o princípio da legalidade geral), pelo que este princípio de reserva de lei é um princípio autónomo; terceiro, admite critérios específicos de indemnização, pois, sem este artigo, a lei das indemnizações pelas nacionalizações teria sido declarada inconstitucional e o Estado, em vez de ter gasto x milhões de contos para indemnizar, teria gasto dez vezes mais para o mesmo efeito.
A meu ver, nenhum destes três sentidos deve desaparecer da Constituição.
Em todo o caso, penso que há certos aspectos na redacção que podiam, eventualmente, ser encarados.
Sugiro, por exemplo, que se pense nesta fórmula: em vez de "apropriação colectiva", que tem essa densidade que cria alguma crispação em muitos espíritos, porque não a simples utilização de uma forma de "apropriação pública", que é muito mais neutra? Julgo que "nacionalização" é imprópria, porque suscita os mesmos problemas de rejeição e, além do mais, é tecnicamente impróprio porque nacionalização implica as nacionalizações feitas pelo Estado, pela Nação. Todavia, pode haver regionalizações ou municipalizações. A "apropriação pública" não tem de traduzir-se, necessariamente, numa estatização ou nacionalização.
Nesse sentido, penso que este artigo 83.º diz, de uma forma porventura retoricamente carregada, aquilo que o artigo 15.º da Constituição alemã, a Grundgesetz, diz ou que uma norma preambular da Constituição francesa diz. Ou seja, é admitir que o Estado pode nacionalizar, pode apropriar publicamente os meios de produção, acrescentando com critérios legalmente estabelecidos (reserva de lei) e com critérios específicos de indemnização, coisa que, a meu ver, não devíamos estar em condições de prescindir.
Assim, pela minha parte, também penso que este artigo não deve ser eliminado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a sua intervenção aumentou - se é que posso assim dizer - a necessidade da parte do PSD de acrescentar mais qualquer coisa.
De facto, o PSD não pretende pôr em causa…

O Sr. Presidente: - Proibir a faculdade de nacionalização?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!

O Sr. Presidente: - Eliminar a faculdade de nacionalização?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD não pretende…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Presidente tem de ser mais cuidadoso, porque assustou o PSD!

O Sr. Presidente: - Não! Não quero que as coisas fiquem "debaixo do tapete!"

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Assustou num sentido que já vou explicitar.

O Sr. Presidente: - Não precisava de se assustar, porque o Sr. Deputado conhece tão bem como eu - aliás, tem todas as razões para o conhecer - o acórdão do Tribunal Constitucional!

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! E era por aí que eu estava a começar, Sr. Presidente.
O PSD não pretende pôr em causa a chamada "legitimidade revolucionária"…

O Sr. Presidente: - Não é revolucionária! É a legitimidade normal de um Estado!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD não pretende pôr em causa a "legitimidade revolucionária" de determinados acontecimentos que são históricos, fazem parte da nossa história colectiva, e que, obviamente não são nem devem ser postos em causa. Tiveram a sua legitimidade própria, o seu momento histórico próprio, foram resolvidos pela sociedade e pela comunidade nacional da maneira que foi possível e foi entendido como o mais justo, o mais adequado e o mais equilibrado, acima de tudo. Que fique, portanto, claro.
Não vale a pena virmos agitar os "fantasmas" de que o PSD, com esta alteração, pretenderia recuar na história e pôr em causa o que quer que seja do percurso anterior, nomeadamente o percurso pós-revolução do 25 de Abril, onde houve uma política de apropriação colectiva de meios de produção. Embora o PSD claramente o condene e, na altura, o tenha feito também em termos políticos…

O Sr. Presidente: - Não é verdade, Sr. Deputado! Talvez a sua memória histórica não tenha obrigação de ser boa, mas isso não é verdade. O PSD não criticou, na altura, as nacionalizações!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é objectivo do PSD pôr isso em causa, em termos históricos.
Todavia, o PSD entende extraordinariamente pernicioso - daí o tal assustar que, há pouco, referia das palavras do Sr. Presidente - que, no estado presente, se admita que uma qualquer acção de expropriação, de nacionalização ou de apropriação pública ou colectiva - chamemo-lhe como quisermos - de meios de produção possa ocorrer à revelia daquilo que é o princípio da justa indemnização. Isso é algo que, com franqueza, Sr. Presidente, hoje em dia, em 1996 e daqui para a frente - porque se trata de rever a Constituição, que vai vigorar daqui para a frente -, é profundamente chocante, e o PSD demarca-se claramente de uma aceitação teórico-filosófica de um princípio desse tipo.
Como referi inicialmente, penso que, de uma forma suficientemente explícita, o princípio que deve vigorar, respeitar-se, em todas as formas de expropriação, seja por nacionalização, seja por apropriação, seja por intervenção pública, através de requisição ou de outro mecanismo, é o da justa indemnização. Se não foi assim no passado, houve razões históricas próprias que condicionaram essa situação.
Mas a história está feita e não é isso que está agora em causa. Seguramente, o que está em causa nesta revisão constitucional é continuarmos a entender que é aceitável, no nosso Estado de direito, que haja intervenções ou apropriações públicas de bens de propriedade dos cidadãos sem o respeito pelo pagamento de indemnização, ao abrigo da regra geral da justa indemnização.
Ora, o PSD entende que essa situação é um erro político, é um erro fundamental.
É evidente que o PSD, se tiver e quando tiver responsabilidades de governação, nunca enveredará por lógicas de expropriação ou de nacionalização, enfim, os tais vários campos possíveis de serem utilizados nesta sede, no desrespeito ou na ilusão de que é aceitável, na nossa sociedade e no Estado de direito, que somos, a fixação unilateral por parte do Estado dos critérios da indemnização que deve responder a esse acto de expropriação ou de nacionalização.
Nesse sentido, é evidente que a alteração do PSD tem um alcance preciso e, repetindo o termo que utilizei há pouco, com alguma liberdade que estas reuniões nos permitem, devo dizer que fiquei algo assustado ao ver reafirmar um princípio…

O Sr. Presidente: - Não exageremos, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mas o princípio foi reafirmado! Não fui eu que o trouxe para esta mesa!
Volto a dizer que fiquei assustado ao ver reafirmar um princípio com o qual o PSD não está de acordo.
Assim, pedimos aos outros partidos que ponderem se, hoje em dia, faz sentido falar-se em nacionalizações ou em expropriações, à revelia do princípio da justa indemnização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, volto a insistir, em minha opinião, e não sendo constitucionalista, parece-me que a eliminação deste artigo contraria aquela leitura que o Deputado Marques Guedes tem estado aqui a procurar fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, deixe a defesa dos interesses do PSD para o próprio PSD!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tenho ideia que a eliminação do artigo 83.º fragiliza as garantias dadas pelo artigo 62.º, o qual vê as suas garantias reforçadas através do artigo 83.º.
Aliás, o próprio PSD, enquanto governo, teve em um ou em dois casos concretos, que me recordo, intervenção, através de expropriação de meios de produção ao abandono, num caso de uma comunidade local, que entregou a entidades colectivas, mais amplas do que públicas, por causa daquela alteração, através de indemnização.
Ora, este artigo 83.º dá essa cobertura constitucional para esse tipo de intervenção. O PSD chegou a fazer, num determinado caso concreto de que tenho conhecimento, uma intervenção no meio de produção ao abandono, que foi entregue a uma comunidade local colectiva através do processo de expropriação e indemnizatório.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que aqui está é claramente a possibilidade de o Estado fixar, como o Sr. Presidente há pouco anunciou com clareza…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não quero - coisa que o PSD aparentemente quer - pôr em causa a lei de indemnizações! Essa é que é a questão essencial.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa posição sobre a matéria foi anunciada.
Gostaria, no entanto, de apelar à seguinte consideração: o Sr. Presidente introduziu um factor novo que não tínhamos introduzido no nosso projecto de revisão constitucional, mas que pode apresentar uma abertura a uma diversificação de formas de apropriação que são, hoje, aliás, como é decorrente em ordens jurídicas de Estados-membros da União Europeia e de outros e que envolvem até uma dimensão não apenas central, estatista, de apropriação com um sentido público e social, designadamente as dimensões regional e local.

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Sr. Presidente, não sei se, apesar da objecção político-ideológica que o PSD deduz, não será sensível, em segunda razão de apreciação, a esta abertura e à reformulação que o Sr. Presidente adiantou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, limito-me a propor, dado o facto de as expressões "apropriação colectiva" e "propriedade colectiva" chocarem as pessoas…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A palavra "colectiva" faz parte do léxico constitucional!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não havendo choque, não há razão para emoção…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Não sou eu que me sub-rogo na defesa dos pontos de vista do PSD!
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, deixem ao PSD o mérito ou o demérito de defender os seus pontos de vista!
Eu cheguei um pouco atrasado e por isso só agora é que posso entrar no debate desta matéria, mas tenho alguma admiração pelo que está a acontecer.
Quando vi que íamos discutir esta proposta, imaginei que chegava aqui e via os elementos mais radicais da história política pós-25 de Abril, sub-repticiamente, agradecerem que nós tivéssemos tido este gesto de fazer esta "limpeza" desta herança, que é uma herança anacrónica, do ponto de vista histórico…

O Sr. Presidente: - Não sabia que tínhamos chegado à hora da ironia!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … do ponto de vista ideológico, do ponto de vista económico. Isto não faz sentido nenhum!
Quando julguei que iam fazer um agradecimento ao PSD por ter tido a coragem de dizer o que disse, e deixavam que isto caísse pelo cesto dos papéis da história, imagem velha desta Constituição (e da Constituinte, sobretudo), quando supunha que VV. Ex.as iam agradecer ao PSD este gesto, eis que repõem a história e pretendem fixá-la num período muito curto da nossa vida.
Mas, enfim, este é o vosso demérito e o nosso mérito, ou inversamente. A história nos julgará!

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, o Sr. Deputado Marques Guedes, estou a presumir, propõe-se fazer uma espécie de cruzada, segundo a qual o Partido Socialista e a nova maioria pretendem conduzir, em Portugal, pela política de verdadeiro "zurzimento" de entidades susceptíveis de serem expropriadas e objecto de uma aprovação colectiva, sem indemnização.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, isto não é de 1986 nem de 1982, mas de 1989.

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi votado pelo PSD. E em 1982, os senhores tinham votado a ablação do anterior n.º 2, que, essa, sim, foi polémica. Mas a memória disso já se foi!…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 84.º, em relação ao qual existe duas propostas de alteração: uma, da alínea b) do n.º 1, e outra, da alínea f) do mesmo número, ambas apresentadas pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS.
Concretamente, em relação à alínea b) do n.º 1, onde se diz que pertencem ao domínio público: "As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário", o Deputado Cláudio Monteiro, que, aliás, neste momento não está presente, propõe que se acrescente a expressão "por lei", ficando esta alínea com a seguinte redacção: "As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido por lei ao proprietário ou superficiário".
Em relação a esta proposta, julgo que é óbvio que assim teria de ser, pelo que não vejo qual a vantagem em proceder a esta alteração.
No entanto, se algum Sr. Deputado pretender adoptar esta proposta para efeitos de discussão, faça favor.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente. Não desejamos.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Penso que a proposta não tem qualquer utilidade.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Srs. Deputados, deixamos a alínea b) e passamos à apreciação da alínea f) do n.º 1 proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS, do seguinte teor: "As instalações e equipamentos militares".
Pergunto se alguém quer adoptar esta proposta para efeitos de discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, suponho que a inclusão destes bens é contraproducente.
Num período em que há bens que estão instalados sob a administração das Forças Armadas, considerar, agora, de repente, por força constitucional, que tudo passa a ser do domínio público, obrigando a uma operação de desafectação, parece-me, não tem qualquer utilidade, além de que, a meu ver, traz complicações.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma questão prévia: alguém adopta esta proposta para efeitos de discussão?

O Sr. José Magalhães (PS): - Se me permite, Sr. Presidente, gostaria de a adoptar, só para não cair imediatamente a discussão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Adoptar o quê?

O Sr. José Magalhães (PS): - Penso que esta proposta deve ser discutida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas a proposta já está a ser discutida!

O Sr. Presidente: - Sim, mas temos adoptado o princípio, que mantenho, de que quem não tem um "padrinho"

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aqui ou alguém que perfilhe a proposta para efeitos de discussão, nem sequer se discute. Esta tem sido, até agora, a "doutrina", adoptada pacificamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Servirei de "padrinho" adventício, Sr. Presidente, apenas para referir que esta norma foi criada em 1989, com especial contributo do Deputado Rui Machete. E, verdadeiramente, ela está construída tão sabiamente quanto possível para não merecer um elenco exaustivo.
Por isso foi incluída uma alínea f), que alude a outros bens como tal classificados por lei e, entre esses, estão, obviamente, as instalações e equipamentos militares.
Pode haver algum problema com as linhas férreas nacionais, mas, como o regime do domínio público não proíbe determinadas formas de subtracção ao domínio público, não creio que tenhamos problemas em relação a esse aspecto - aliás, essa questão nem está colocada.
Portanto, penso que não há grande vantagem em alterar esta matéria. De resto, a tendência neste domínio é a da redução.
Se a questão se colocar, pode estar em causa as linhas férreas…

O Sr. Presidente: - Mas está em causa a exploração e não a propriedade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para resumir aquilo que há pouco sugeri.
Penso que não faz sentido, hoje, qualificar as instalações e equipamentos militares como coisas do domínio público.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas juridicamente são-no!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não todas!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Portanto, se vamos declarar que as instalações e equipamentos militares são bens do domínio público,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até as espingardas são equipamento militar.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … vamos alterar o regime jurídico de muita coisa, que, aliás, está, hoje, em desactivação.
Sabemos que há universidades que querem coisas que são das Forças Armadas, pelo que vir agora dizer que todos estes bens pertencem ao domínio público só cria problemas, não resolve coisa nenhuma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Iria criar problemas burocráticos terríveis!

O Sr. José Magalhães (PS): - É esse o problema, precisamente! Se há proposta apadrinhada para morrer é o caso desta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas gostava de saber por que é que o Deputado Cláudio Monteiro terá apresentado esta proposta.

O Sr. Presidente: - Teremos de esperar pela presença dele, para esse efeito.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 85.º, em relação ao qual foi apresentada, pelo PSD, uma proposta de eliminação.
Para a apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, todos sabemos que, recentemente, já nesta Legislatura, o próprio Governo do Partido Socialista se viu confrontado e obstaculizado na execução da sua política por alguma inabilidade, entre outras razões, mas fundamentalmente, por estar aqui esta norma.
De facto, hoje em dia, com toda a lealdade e com toda a abertura, não vemos razões para, do mesmo modo que as nacionalizações se podem fazer nos termos da lei, lei, essa, com uma amplitude tremenda e, do nosso ponto de vista, demasiado extensiva e violadora de princípios fundamentais, como o da justa indemnização…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Guedes é que quer eliminar o princípio da reserva de lei, que está na Constituição.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Estou tentado a concordar com a argumentação feita há pouco pelo Deputado Barbosa de Melo!

O Sr. Presidente: - Prossiga a sua argumentação, Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que no artigo 62.º, que citei variadíssimas vezes na minha intervenção, também existe o princípio da reserva de lei. E é esse princípio, que eu várias vezes citei, que já está na Constituição e que deve prevalecer para todas as situações. Portanto, essa crítica não tem o mínimo fundamento.
O artigo 62.º fala expressamente na reserva de lei, como é evidente. A expropriação e a requisição têm de ser feitas nos termos da lei. Isso já está no artigo 62.º! E eu citei abundantemente este artigo!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - (Por não ter falado ao microfone, não é possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Lino de Caravalho, o que não é minimamente adequado é estar a dizer que o princípio da reserva de lei ficava precludido pela proposta do PSD, quando eu citei, por variadíssimas vezes, que o princípio correcto é o que consta do artigo 62.º, que tem exactamente este mesmo princípio.
Portanto, não é sério estar a colocar as coisas nestes termos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não se exalte e prossiga na sua argumentação.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Seguindo na minha argumentação, Sr. Presidente, gostaria de colocar a questão seguinte: uma vez que a possibilidade legal de nacionalização é conferida quer nos termos do artigo 62.º (que, conforme defende o PSD, deve ser o único a prevalecer na Constituição), quer nos termos do artigo 83.º, que o PS aparentemente pretende que se mantenha, não vemos por que razão o movimento inverso não é possível.
De resto, na esteira daquilo que, a outros títulos, o Sr. Presidente tem referido (e, convenhamos, já tive a oportunidade de fazer uma vénia à sensatez dessa observação), pode colocar-se a seguinte questão: se se permite que um governo legitimado democraticamente possa deitar mão de uma política de nacionalizações, por que é que não o poderá fazer na mesma exacta medida numa política de reprivatizações?
Esta é a questão que se deve colocar aqui, sem complexos e de uma forma desassombrada. Porque se é assim para uma política de nacionalizações, por que é que não poderá ser assim para a política inversa, seja em relação ao mesmo governo ou a um governo que lhe suceda?
Com toda a lealdade, parece-nos que esta questão é demasiado importante e que não se compadece com argumentos um pouco estafados, que só se podem estribar numa visão conservadora e de tentativa de não modernizar a Constituição naquilo que, verdadeiramente, do nosso ponto de vista, deve ser modernizado.
Todos nós sabemos, alguns melhores do que outros - com certeza que, nomeadamente, os Srs. Deputados Barbosa de Melo e Vital Moreira, por razões óbvias, conhecem, seguramente, melhor do que eu - a evolução histórica que o tratamento constitucional destas matérias teve; porém, hoje em dia, o problema deve colocar-se com toda a frontalidade nestes termos: se a nacionalização é permitida como uma liberdade constitucional perfeitamente normalizada (apenas não normalizada em relação à justa indemnização, matéria que discutimos há pouco) em termos de lançar mão do instrumento, por que é que o movimento de sentido contrário não é assim também?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta norma, seguramente, divide, hoje, menos do que ontem e dividirá menos amanhã do que hoje.
Não nos esqueceremos que esta norma, aprovada pelo PS e pelo PSD na revisão constitucional de 1989, foi reinserida e, portanto, é verdadeiramente herdeira do famoso artigo 83.º.
O PS tinha, nessa revisão constitucional, como é público e notório, propostas tendentes a criar regimes que, através das chamadas leis paraconstitucionais, permitissem sempre que a decisão sobre esta matéria fosse mais qualificada e decidida por uma maioria mais exigente que qualquer maioria restrita, e essa proposta foi rejeitada.
A proposta que foi consagrada em termos constitucionais é aquela que faz depender os actos de reprivatização, os tipos de bens aludidos no n.º 1 do artigo 85.º (porque quanto às privatizações de pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas situadas fora dos sectores básicos da economia, como se sabe, o regime é distinto desde há bastante tempo), a uma maioria alargada. E isso tem uma justificação.
A Constituição, em relação a outros tipos de grandes actos, procura que sejam maiorias reforçadas, maiorias alargadas, a praticar decisões desse tipo.
É uma filosofia razoável e o preceito é herdeiro de umas histórias, que o PSD bem conhece e que não desperta, hoje, seguramente, as emoções que despertou no passado.
Portanto, pela nossa parte, sentimo-nos confortáveis com este artigo. Não nos incomoda termos de ser acompanhados para tomar estas decisões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para além de toda a retórica possível, como há pouco referi, todos sabemos que este artigo é herdeiro de um outro e integra-se num capítulo, que, por sua vez, é herdeiro de formulações diferentes que foram evoluindo ao longo do tempo. Em 1989, foi possível reduzir isto para uma lei-quadro, quando antigamente nem isso era possível, havia uma irreversibilidade. Mas conseguiu reduzir-se.
A questão que, com muita clareza, coloco ao Partido Socialista - muito embora compreenda perfeitamente que o Partido Socialista gostasse de reservar a sua posição para uma outra altura, mas, mais tarde ou mais cedo, terá de ser confrontado com esta questão - é esta: se, hoje em dia, o Partido Socialista entende que a nacionalização é um acto de gestão política perfeitamente normalizada para um qualquer governo, por que é que a desnacionalização não o é?

O Sr. Presidente: - Mas é, Sr. Deputado! Só para essas. O regime geral é de livre privatização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, então, se quiser, por que é que a desnacionalização não é para todas?!

O Sr. Presidente: - Essa é uma norma transitória para o passado! O regime geral é de liberdade de privatização.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A pergunta está feita. O Partido Socialista percebeu perfeitamente a questão. Se me quiser responder, responde; se não quiser, não responde.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, a resposta foi dada e, aliás, estou de acordo com ela. Por isso citei tanto a história do preceito. É que, verdadeiramente, o preceito ficou nesta sede porque repugnou substituir o princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após 25 de Abril de 1974 por uma norma que, inserida nas disposições finais e transitórias, cumprisse a função que esta cumpre.
Mas, verdadeiramente, todos conhecemos qual é o regime geral, por um lado, quais são os seus limites e, também, as suas facilidades, e, quanto a este regime, também sabemos qual é o seu alcance no presente contexto histórico.
Portanto, este facto não se ajusta mal ao actual corpo da República.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ajusta-se pessimamente!

O Sr. Presidente: - Tenho uma solução compromissória, que é a de passar este artigo para junto do artigo 296.º - Disposições transitórias.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já cumpre essa função!

O Sr. Presidente: - Fica claro que é uma norma para o passado!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que use da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, ligeiramente modificada mas muito pouquinho, propunha que se eliminasse daqui este artigo e que considerasse depois a recuperação daquilo que, eventualmente, for recuperável dele nas "Disposições transitórias".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para já, transfere-se o artigo e, depois, consideramos as alterações.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas qual seria a benfeitoria que o Sr. Deputado Barbosa de Melo, em termos de conteúdo, concebia? Suprimia a exigência de maioria qualificada?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Depois, veremos o que deveremos fazer ao artigo.
Para já, fica eliminado deste sítio e, nas "Disposições transitórias", vai ser considerado o que restar dele.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que assim não vai conseguir adesão ao princípio da eliminação deste artigo. Ao da transferência talvez consiga.

O Sr. José Magalhães (PS): - É que é ao "restar" que o Sr. Deputado vai ter de responder alguma coisa! Porque se ameaça laminar…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não somos nós, seguramente, que estamos aqui em condições de melhor defender este artigo, por razões que a História regista.
Na última revisão constitucional, não concordámos com a inserção deste artigo em substituição do anterior, mas, no quadro actual, entendemos que ele está aqui e que está bem e não queremos, de forma alguma, passar este preceito reforçado da lei-quadro para uma solução mais simples e de menos garantia do que aquela que está aqui.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós metemos metade do regime aqui e metade no artigo 296.º.

O Sr. Presidente: - Pois, o regime de fundo está no artigo 296.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Sr. Presidente: - Aparentemente, ficou aqui só para preencher o lugar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Cirurgicamente, porque o regime essencial está no artigo 296.º!

O Sr. Presidente: - Bom, mas mesmo para mudar de lugar é preciso haver uma proposta e esta ser aceite. Eu fiz a sugestão, que não foi aceite, pelo que passamos à frente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Também não foi rejeitada, diga-se em abono da verdade!

Pausa.

O Sr. Presidente: - A sugestão persiste!
Srs. Deputados, passamos ao artigo 86.º, relativamente ao qual existe uma proposta de eliminação de todo o artigo, apresentada pelo CDS-PP.
Como o PP não se encontra presente, pergunto se algum Sr. Deputado adopta esta proposta, para efeitos de discussão.

Pausa.

Srs. Deputados, uma vez que ninguém a adopta, vamos passar ao n.º 2 do mesmo artigo, para o qual existem duas propostas de alteração: uma, do PCP, e outra, do Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS.
Começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho para apresentar e justificar a sua proposta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, independentemente da formulação final que, eventualmente, vier, depois, a ficar, a nossa proposta destina-se a clarificar aquilo que parece ser uma omissão no quadro de apoios específicos que a lei deverá definir para as cooperativas na decorrência deste dispositivo constitucional.
O actual dispositivo constitucional refere que "A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico", mas não se refere ao auxílio técnico e financeiro. Ora, isto tem tido expressões concretas nas normas jurídicas que têm vindo a sair, designadamente, no que se refere ao acesso às comparticipações financeiras, comunitárias e outras, que, no quadro das cooperativas, não assumem apoios mais favoráveis do que outras empresas, ao contrário de outros aspectos que a lei determina.
Portanto, a nossa intenção era a de procurar clarificar este aspecto à luz de experiências concretas que têm existido e que têm dificultado a aplicação às cooperativas, na sua plenitude, deste estímulo e, enfim, desta discriminação positiva que a Constituição consagra.
Concedo que é excessiva a formulação por nós proposta e que poderia encontrar-se uma formulação mais enxuta, no sentido de, a seguir à expressão "auxílio técnico", se considerar "e financeiro".

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PCP, no sentido de aditar ao n.º 2 a referência "(…) e de acesso a subsídios, subvenções ou comparticipações financeiras de origem interna ou externa".

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o alcance da norma proposta é inequívoco.
No fundo, do que se trata é do alargamento do número de espécies de formas de apoio e se esse alargamento deve ir ao ponto que é proposto e, por outro lado, quais são as consequências jurídicas de algumas das soluções, designadamente a que aponta para um privilégio no acesso a subsídios, subvenções e comparticipações financeiras. Era interessante esclarecer este ponto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado, eu referi que a nossa proposta procura colmatar aquilo que, aparentemente, é uma omissão deste preceito constitucional, na medida em que, hoje, no quadro da inserção comunitárias do País e da presença das cooperativas nesse quadro, não há mecanismos - e isso tem-se traduzido no concreto - que permitam, também nesse terreno, consagrar este preceito constitucional do acesso mais favorável das cooperativas a outro tipo de apoios.
Neste sentido, há pouco, eu disse que talvez se pudesse encontrar uma formulação mais enxuta do que esta formulação tão complexa e pôr só a expressão "auxílio técnico e financeiro." No "financeiro", poderia consagrar-se toda a panóplia de expressões que consta da nossa proposta actual, tais como: subsídios, subvenções, comparticipações…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta, reformulada, do PCP, do seguinte teor: "A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico e financeiro."

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a questão cifra-se em saber quais são, exactamente, as dimensões abrangidas.
O conteúdo originário da norma está cognoscível, está diante de nós. O texto da Constituição em vigor já alude (e o conteúdo da proposta inicial do PCP também) a "condições mais favoráveis à obtenção de crédito". Se aditássemos "e de auxílio técnico e financeiro", um tanto inespecificamente, estaríamos a abranger algumas das modalidades que o PCP refere na proposta originária, e não outras.
O problema é este: há uma diferença entre o que está incluído no primeiro termo da norma e o que está incluído no segundo termo da norma. No primeiro termo, há uma elencagem que remete para o legislador a possibilidade de definir benefícios fiscais e financeiros. Poderá fazê-lo em termos bastante latos. Quanto ao segundo, há um conjunto de indicações de concessões de estatuto mais favorável.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho, aparentemente, inclina-se para enriquecer a segunda parte e não a primeira. A questão é a de que sejamos um pouco específicos, talvez mais específicos, no enriquecimento, sob pena de criarmos um conceito indeterminado e pobre ou um conceito indeterminado e riquíssimo com implicações que excedam, eventualmente, aquilo que é razoável no actual contexto das nossas economias comunitárias e mundiais.
Fiz-me entender, Sr. Deputado?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Eu já respondo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, talvez seja conveniente ouvir primeiro o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, creio que não vale a pena estarmos aqui com meias palavras!
O objectivo essencial da formulação inicial, que não da mais genérica, que o Partido Comunista agora avança, é o de constitucionalizar um princípio de prioridade das cooperativas no acesso a políticas de subsídio financeiro, sejam elas políticas nacionais sejam elas políticas comunitárias, uma vez que, claramente, se diz "(…) subvenções ou comparticipações financeiras de origem interna ou externa."
Portanto, o animus dos proponentes tem que ver com a estipulação constitucional, portanto, incontornável por parte do legislador ordinário, de um princípio de prioridade em todos os mecanismos de subsidiação a actividades económicas, nomeadamente, a requerimentos que sejam formulados por entidades com natureza cooperativa.
Nesse sentido, para o PSD parece ser, claramente, uma opção que não se justifica, independentemente de propugnarmos a manutenção, no texto constitucional, de referências expressas e especiais às cooperativas. Propomos que fique na Constituição os n.ºs 1 e 2 do actual artigo 86.º e, inclusive, o n.º 1 fala claramente na obrigação do Estado em estimular e apoiar a criação e a actividade de cooperativas. Parece-nos que é uma realidade que deve merecer um carinho especial, o que não acontece, por exemplo, relativamente ao sector privado, onde não nos parece haver razões para existirem estímulos especiais ao aparecimento de iniciativas privadas. Existe o direito e o princípio geral dos cidadãos, que é um direito inalienável, não me parece que o Estado tenha de ter aí um papel especialmente acarinhador. No caso das cooperativas, já assim é.
Agora, em termos de política económica do Estado, uma vez que até estamos no capítulo de Organização económica, parece-nos exagerado e pouco consequente propugnar-se aqui uma priorização absoluta, que depois, obviamente, tornar-se-ia num mecanismo perfeitamente incontornável para todas as legislações e regulamentos de aplicação de subsídios e de políticas de financiamento e de auxílio financeiro por parte do Estado à actividade económica, pondo sempre à frente de tudo o mais e de tudo o resto qualquer entidade cooperativa. Esta forma de

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propriedade e de actividade económica parece-nos que está para além daquilo que deve ser o tratamento preferencial e especialmente acarinhador do Estado.
Nesse sentido, não concordamos com a proposta conforme nos é apresentada e, mesmo, com a formulação que o Sr. Deputado Lino de Carvalho há pouco avançou, que, obviamente, ultrapassa um pouco os problemas mas, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, já está na primeira parte da norma o princípio geral de a lei poder estipular benefícios, quer fiscais quer financeiros. Ver-se-á a forma que, em cada momento, o legislador entenda mais adequada para estipular benefícios para as cooperativas.
Agora, estipular o princípio de obrigatoriedade de criação de condições mais favoráveis para os auxílios financeiros parece-nos ir longe demais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a Constituição já hoje consagra um particular acarinhamento ou, se quisermos antes dizer, uma discriminação positiva às cooperativas em políticas que o Estado entenda desencadear.
Ora bem, o actual n.º 2 procura concretizar isso, ao dizer "A lei definirá os benefícios (…), bem como as condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico". Não refere "(…) as condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico e financeiro", que normalmente são dois elementos que estão associados na legislação.
Parece-nos, pois, que há aqui claramente uma omissão, que, depois, limita a possibilidade que o Estado, quando assim o entender, pode ter, designadamente no projecto de concursos de acesso até de programas comunitários e outros, para consagrar o quadro legal de referência, de apoio. Aliás, já está aqui o "auxílio técnico" e o elemento financeiro é o elemento complementar desta expressão "auxílio técnico" mas necessário para concretizar este preceito constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta tem a oposição do PSD e as reservas do PS e, por isso, não se mostra viável.
Vamos passar à proposta de eliminação do n.º 3, apresentada pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta de eliminação deste n.º 3 resulta do seguinte: o PSD não vê, actualmente, qualquer razão em termos de lógica política para haver um preceito constitucional que obrigue o Estado - leia-se, obrigue todos os contribuintes nacionais - a apoiar expressamente determinado tipo de experiências de autogestão, que, obviamente, serão prosseguidas por alguns cidadãos.
Parece-nos, portanto, incorrecto - não é essa a filosofia que pretendemos - que um capítulo sobre a Organização económica do País aponte para favorecimentos deste tipo, ainda por cima à custa dos restantes cidadãos do País.
Como todos sabemos, o que se trata aqui é de saber se todos os outros contribuintes vão, ou não, comparticipar com os seus impostos para apoiar determinado tipo de experiências de alguns cidadãos. Parece-nos que não, e é esta a explicação do PSD para eliminar este n.º 3.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta de eliminação do n.º 3 do artigo 86.º está à consideração. O preceito dispõe o seguinte: "São apoiadas pelo Estado as experiências viáveis de autogestão."
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta proposta do PSD, tal como outras, e articulada estreitamente com outras, visa admitir uma produção enormíssima de "certidões de óbito" constitucionais, pedregulhos…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esta é clara!

O Sr. José Magalhães (PS): - … sobre entidades as mais diversas.
Sr. Presidente, também é verdade que, frequentemente, o PSD põe "pedras" em vivos, outras em mortos…
Neste caso, a questão está em saber se o PS está disponível para colaborar, simbolicamente, nesse esforço e para fechar, com um estrondo, portas, sendo certo que o Estado não pode apoiar experiências de autogestão que não sejam viáveis e, por outro lado, não pode apoiar experiências de autogestão que não existam. Esse é um limite natural que a Constituição não pode ultrapassar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, isto são símbolos, são palavras que são simbólicas!
A pergunta que faço é a de saber se este símbolo ainda faz algum sentido histórico. O sítio do mundo onde isto teve alguma versão foi na Jugoslávia. Depois de tudo o que aconteceu, ainda fará sentido estarmos aqui apegados a uma palavra como esta?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Barbosa de Melo, não me diga que a guerra das Balcãs foi por causa da experiência de autogestão!?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu disse que era uma palavra simbólica e que, depois de tudo o que aconteceu nessa área, esses símbolos devem perder o sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, parece-nos melhor não ir pelo caminho desta leitura geoestratégica, porque penso que é excessiva. Julgo que o que está previsto na Constituição já é suficientemente delimitador da intervenção do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de eliminação do n.º 3 do artigo 86.º, apresentada pelo PSD, não mostra, neste momento, ter acolhimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PS quer que todos os governos apoiem a autogestão!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não toda a autogestão!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é meia-noite. Espero-vos na próxima terça-feira, às 10 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 00 horas.

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