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Quarta-feira, 9 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 35
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 8 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à continuação da apreciação das propostas de alteração relativas aos artigos 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 101.º e 102.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá (PCP), José Magalhães e Alberto Martins (PS), Francisco José Martins e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, na última reunião esgotámos a análise do artigo 86.º. Passamos, agora, ao artigo 87.º, com a epígrafe "Empresas privadas".
Quanto ao n.º 1 foi apresentada uma proposta de eliminação do PSD. O preceito é do seguinte teor: "O Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas e protege as pequenas e médias empresas economicamente viáveis."
Têm a palavra os proponentes para justificar a proposta, se o entenderem necessário.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PSD de supressão do n.º 1 do artigo 87.º entronca, desde logo, numa proposta de sentido similar que fizemos para o n.º 1 do artigo 61.º, já aqui discutido nesta Comissão, onde se diz que "A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral."
Na altura, na discussão que tivemos a propósito desse artigo, o PSD solicitava a supressão da referência ao carácter privado da iniciativa, optando por escrever apenas "A iniciativa económica exerce-se livremente nos quadros (…)". Parece-nos, à semelhança do que acontece aqui também, que haver uma referência expressa da Constituição à necessidade de funcionamento das empresas ou da iniciativa privada nos quadros da lei, principalmente por não haver, como o PSD propunha, quer na redacção do artigo 61.º quer de um outro artigo qualquer, uma norma idêntica genérica relativa a todos os sectores de propriedade e a todos os tipos de iniciativa económica, faz ressaltar uma clara suspeição sobre a iniciativa privada, como algo que tem que ser muito bem fiscalizado pela lei e pela Constituição, como se não fossemos um Estado de direito, onde todas as actividades, não só as do sector privado como também, seguramente, e até talvez por maioria de razão, as do sector público, devem actuar no respeito integral dos quadros definidos na Constituição e nas leis.
Parece-nos, de facto, existir um desequilíbrio na redacção da Constituição por haver sistematicamente, conforme acabei de referir o exemplo do artigo 61.º, referências à iniciativa privada, criando um quadro de menor consideração do legislador constitucional relativamente à iniciativa privada, o que nos parece totalmente descabido, injustificado e apenas entendível na perspectiva de uma Constituição de cariz marcadamente socialista, onde, de facto, a iniciativa privada era algo que teria de tolerar-se, quiçá transitoriamente, e, portanto, enquanto ainda existisse era preciso, vigilantemente, estar atento às formas como ela se movimentava.
Não é claramente essa a filosofia actual e não é esse o cariz que o PSD entende que a Constituição da República deve ter. É fundamentalmente neste sentido que, à semelhança do que fizemos relativamente a outros dispositivos já aqui debatidos, reitero a proposta do PSD de retirar da Constituição todo este tipo de normas que rigorosamente nada acrescentam ao princípio natural, universal e geral que decorre da natureza do Estado de direito, ou seja, à necessária e inquestionável submissão de todas as actividades económicas ao completo respeito da Constituição e da lei e à incumbência fiscalizadora que o Estado sempre terá que ter. Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esta a proposta do PSD.
Quero deixar uma última nota quanto à parte final do n.º 1 do artigo 87.º, que refere a protecção às pequenas e médias empresas economicamente viáveis. Parece-nos um acrescento sem grande ganho em termos do texto constitucional. De facto, as políticas de apoio às pequenas e médias empresas hoje em dia existem, e pensamos que devem continuar a existir, por parte do legislador ordinário como forma de potenciar a criação de empregos, não nos parece, porém, que se trate de matéria constitucional.
À semelhança do que aqui já temos debatido relativamente a outros aspectos da Constituição, esta matéria tem que ver com opções gestionárias e políticas, com o programa político de cada Governo em cada momento, não nos parecendo que deva ser expressamente cuidada pela Constituição da República, embora, obviamente, concordemos com o resultado final, ou seja, com o interesse em apoiar as pequenas e médias empresas, não só as economicamente viáveis como a própria criação e formação de pequenas e médias empresas. Neste sentido, até nos parece que o texto constitucional não vai muito longe, precisamente por ser criado eivado de uma filosofia diferente - aliás, chamo a atenção dos Srs. Deputados para este facto.
A razão por que o PSD propõe a eliminação do n.º 1 do artigo 87.º prende-se com o facto de a motivação subjacente a este número ser claramente outra, uma motivação com a qual não concordamos, e a própria formulação da parte final do dispositivo acaba por ser disso mesmo expressão. De facto, não só o apoio às pequenas e médias empresas economicamente viáveis, portanto, àquelas que já existem, deve ser uma preocupação do Estado em termos de política económica corrente; deve também ser sua a preocupação de apoiar a criação e o fomento de pequenas e médias empresas. Portanto, também por aí se veria claramente que a norma constitucional é insuficiente, mas o objectivo não era esse; o objectivo era outro, com o qual não concordamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes parte de um princípio que, de todo em todo, julgo não ter fundamento.
A finalidade fundamental desta disposição constitucional não é afirmar que as empresas privadas devem cumprir a lei - é claro que aí a intervenção do Sr. Deputado poderia ter algum fundamento -, pois num Estado de direito todos devem cumprir a lei. Creio, assim, que a disposição tem claramente outra finalidade.
A primeira finalidade é referir que o Estado deve fiscalizar o cumprimento da lei pelas empresas. Sobre este aspecto, se referirmos questões como a fiscalidade, as normas ambientais, as relações de trabalho, as relações de concorrência, a protecção dos consumidores e a protecção da saúde pública, temos aqui todo um campo - e outros
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haverá - em que o Estado, a Administração Pública em geral, não só deve fiscalizar as empresas privadas (de resto, também o cumprimento da lei por outras entidades) como não pode deixar de o fazer. Nesse sentido, esta norma pode ter uma finalidade que não propriamente representar o preconceito contra as empresas privadas que o Sr. Deputado referiu.
Por outro lado, creio que a referência às pequenas e médias empresas tem uma finalidade igualmente importante. Em primeiro lugar, é uma norma de autorização de discriminações positivas, que, creio, é relevante face, por exemplo, ao princípio da igualdade, que de todo em todo tem utilidade.
Em segundo lugar, é uma norma que aponta para políticas positivas. Nesse sentido, tem o carácter de uma norma programática que obriga o Estado a políticas positivas e à não regressão em políticas de protecção de pequenas e médias empresas, que seriam finalidades claramente empobrecidas se a norma fosse eliminada.
A afirmação do Sr. Deputado dizendo que o legislador ordinário sempre pode fazer o que quer choca com estas duas questões. Em primeiro lugar, como discriminaria positivamente as pequenas e médias empresas e estaria autorizado para tal? Em segundo lugar, como estaria obrigado a políticas de protecção das pequenas e médias empresas e à não regressão nas políticas que têm sido postas em prática? Ora, é para esse tipo de considerações que vemos com alguma dificuldade - eu diria até, se me permite, com alguma estranheza - a proposta do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, quero dar-vos conta que se encontra entre nós o Sr. Dr. Adulai Baldé, Assessor de Gabinete do Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, que aqui está numa visita de estudo e que me pediu para assistir durante algum tempo à nossa reunião, aliás, como fez em relação a outras comissões da Assembleia da República. É com todo o gosto que dei assentimento a esse pedido.
Sr. Dr. Adulai Baldé, sê bem-vindo. Desejo-lhe êxito na sua missão. Como sabe, esta é uma Comissão eventual criada para a tarefa específica de revisão constitucional, para se pronunciar sobre os projectos de revisão apresentados à Assembleia da República pelos Deputados e pelos Partidos, prévia à discussão e decisão do Plenário da Assembleia da República. Sr. Doutor, esteja à vontade, disponha do seu tempo e mantenha-se connosco enquanto considerar necessário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pareceu-me que o Deputado Luís Sá colocou duas questões concretas.
Quanto à primeira questão, a da fiscalização, Sr. Deputado, com toda a franqueza, para nós é evidente que não precisa de constar no preceito que o Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas.
O Estado tem a incumbência de fiscalizar o respeito da Constituição e das leis pelas empresas privadas, pelas empresas públicas, pelos cidadãos individualmente considerados e pelos estrangeiros que transitem no território nacional. Ou seja, essa incumbência de respeito da Constituição e da lei é um dos pilares básicos da competência do Estado e, com franqueza, não percebo minimamente que haja qualquer necessidade de explicitar essa obrigatoriedade da parte do Estado relativamente às empresas privadas.
É precisamente do desequilíbrio que resulta do facto de haver uma menção expressa na Constituição às empresas privadas, não o havendo em relação a todo outro tipo de actividade (particular, pública, corporativa, individual, colectiva)…
O Sr. Luís Sá (PCP): - O Estado tem poderes de superintendência sobre as empresas públicas; é ainda mais do que uma mera fiscalização!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que estamos a discutir neste momento - não vamos discutir agora outro tipo de intervenções por parte do Estado - é o Estado fiscalizar o respeito pela Constituição e pela lei.
Há um desequilíbrio manifesto no texto constitucional relativamente à realidade das empresas privadas, porque a fiscalização do cumprimento da Constituição e das leis é uma função básica do Estado em relação a todo e qualquer tipo de actividade, qualquer que seja o seu sujeito. Portanto, não vemos qualquer necessidade da existência desta norma para que o Estado tenha essas competências, como é evidente.
Quanto à questão das pequenas e médias empresas...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, se me permite interrompê-lo, quero dizer que este preceito pode ser uma protecção das empresas privadas, exactamente para afirmar que o Estado só fiscaliza, que não tutela, não superintende, ou seja, que não tem outro tipo de poderes que não o de fiscalização.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, na opinião do PSD, se é essa a função do preceito, muito obrigado, mas as empresas privadas dispensam-no (na opinião do PSD, obviamente, sem a veleidade de pretender falar sem procuração). Naquilo que politicamente o PSD entende, muito obrigado, mas, de facto, não é preciso. Este é daqueles presentes envenenados que, claramente, não beneficiam quem pretendem auxiliar.
Quanto à segunda questão que o Sr. Deputado coloca, a das pequenas e médias empresas, como penso que deixei claro na minha intervenção, é evidente que o PSD está de acordo com esse objectivo. Parece-nos, no entanto, que a forma como ele surge neste número… Não sejamos ingénuos, esse objectivo surge neste número claramente dentro da lógica que acabei de explicitar há pouco e que não vou repetir para não perdermos mais tempo.
Porém, se houver intenção de reformular e criar algum instrumento na Constituição que expressamente aponte para uma prioridade do Estado no apoio às pequenas e médias empresas, mas não apenas às economicamente viáveis porque, como expliquei também, parece-nos que isso será redutor (a política de apoio às pequenas e médias empresas não deve acontecer apenas relativamente àquelas que já existem e que tenham algum estudo de viabilidade económica garantido; é uma lógica diferente), estaremos abertos a uma reformulação qualquer e à sua inclusão num qualquer ponto da Constituição. Reitero que esta abertura é apenas para deixar claro que não há nenhuma intenção do PSD de passar para segundo plano o apoio às pequenas e médias empresas; parece-nos, porém, que isso não é necessário.
Com toda a franqueza, parece-nos que tal resulta, e deverá resultar, das opções de política económica de cada Governo, legitimado democraticamente em cada momento
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Obviamente, essa foi uma política prosseguida pelos Governos do PSD enquanto foi poder, e sê-lo-á, ou não, quando o PSD voltar a ser poder, dependendo da conjuntura e das necessidades económicas que se colocarem no momento, como é evidente. Não há aqui dogmas sobre esta matéria, muito menos em termos de economia.
Portanto, que fique claro, se é essa a preocupação, que concordamos com o resultado da segunda parte do preceito, porém não, com certeza, na formulação que aqui surge.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua em discussão a proposta de eliminação do n.º 1 do artigo 87.º da Constituição, apresentada pelo PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a evolução do debate contribui, apesar de tudo, para esclarecer um pouco e, aliás, dar um outro tom à posição do PSD.
Por um lado, não parece um exercício recomendável fazer o que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes fez, ou seja, um exame milimétrico de motivações, um tanto "demonizante", avivar memórias históricas unilaterais e bastante redutoras, aliás, para dar a este preceito um alcance que não é o dele. Não perfilhamos a interpretação redutora, sem ingenuidade, e não vemos no artigo 87.º um espartilho mortal que seja necessário eliminar e desapertar. Verdadeiramente, como já foi dito e redito, este artigo institui uma protecção contra ingerências e débitos do Estado, é uma norma garantística, e, por outro lado, autoriza políticas de promoção activa da defesa das pequenas e médias empresas em determinadas condições. Em Portugal, isso foi no passado, e é no presente, justo e, provavelmente, será no futuro tão justo como hoje é.
Na óptica da "Constituição zero" e do "zero de Constituição", obviamente, normas deste tipo não têm nunca lugar, mas congratulamo-nos com a disponibilidade do PSD para, face à nossa indisponibilidade para eliminar a norma, considerar hipóteses de alargar a protecção das pequenas e médias empresas.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Para alargar a protecção também nós estamos disponíveis, obviamente!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou fazer uma pequena observação. O papel desta norma é legitimar expressamente, com ou sem socialismo - não creio que uma coisa tenha que ver com a outra -, uma função de Wirtschaftsaufsicht, como diriam os alemães, isto é, de fiscalização, de controlo, de monitorização do Estado. É uma função universal, por mais liberais e capitalistas que as economias sejam, e é tanto mais necessária quando, havendo uma afirmação do princípio da liberdade da iniciativa económica, há que consagrar contrapartidas da regulação e fiscalização públicas.
Há, no entanto, um ponto em que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem razão: esta função só está afirmada em relação às empresas privadas. Em relação às empresas públicas, obviamente, isso é desnecessário, pois estão sujeitas a mais do que fiscalização, mas em relação às outras empresas que não sejam estritamente privadas é óbvio que esse aspecto não está expressamente contido no artigo 87.º. Não creio, no entanto, que isso só por si justifique a eliminação do artigo, justificaria quanto muito a generalização da norma, portanto, um princípio de regulação e fiscalização públicas da actividade económica. Porém, não foi isso o proposto, e penso que a amputação pura e simples do preceito seria perniciosa e daria lugar a interpretações de todo em todo inaceitáveis.
Srs. Deputados, há, no entanto, um ponto que a meu ver careceria de reflexão. De facto, existe um certo tipo de empresas privadas que, esse sim, justificaria uma menção especial quanto à fiscalização, aquelas a que a doutrina administrativista chama, desde há muito tempo, no seguimento da doutrina de Marcelo Caetano e de Freitas do Amaral, que depois se generalizou, as empresas de interesse geral.
Trata-se daquelas empresas que utilizam bens de domínio público (as concessionárias de serviços públicos, os prestadores de serviços públicos, que, aliás, serão cada vez mais à medida que o processo de privatização aumentar) e de outras empresas que, pelo seu objecto, tenham particular interesse público (dispenso-me de elaborar este conceito, que está suficientemente estabelecido na doutrina), em relação às quais talvez se justificasse exactamente uma norma especial de fiscalização. Isto é, aquilo que a Constituição dispõe em geral para as empresas privadas talvez merecesse estar em especial para um certo tipo de empresas, que por abreviatura e por economia conceptual poderíamos designar como as empresas de interesse geral, remetendo eu esse conceito para a doutrina administrativista estabelecer.
Srs. Deputados, este é um ponto que deixo à vossa consideração, se entenderem que merece alguma consideração.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas deixa à nossa consideração sob que forma, Sr. Presidente? Pergunto isto para podermos medir e avaliar melhor a sugestão.
O Sr. Presidente: - A meu ver, isto devia ser objecto de dois enquadramentos: ou retirar-se daqui a norma geral sobre a Wirtschaftsaufsicht, que passaria para uma norma geral qualquer, portanto a norma de fiscalização pública de actividade económica não estadual, já que a estadual está sujeita a mais do que fiscalização, metendo-se aqui uma norma específica de fiscalização das empresas de interesse geral, que poderiam discriminar-se, ou seja, as empresas que gerem bens de domínio público, as concessionárias de serviços públicos, as prestadoras de serviços públicos, etc. (iríamos ao conceito tal como está estabelecido na doutrina); ou, pura e simplesmente, acrescentar-se ao que está no n.º 1 uma norma específica, referindo-se em especial as empresas de interesse nacional, de interesse geral, como diz a doutrina. Portanto, acrescentar-se-ia um inciso ao n.º 1 do artigo 87.º. Aliás, talvez isso ajudasse a retirar um dos argumentos ao PSD, que é o único a que eu atribuo algum valor. De facto, não havendo uma norma geral de Wirtschaftsaufsicht, esta norma específica para as empresas privadas claramente institui uma espécie de discriminação negativa.
A sugestão maximalista que faço é retirar-se do n.º 1 o princípio geral de fiscalização económica, que passaria para outro lado, para o artigo 80.º, por exemplo. Colocar-se-ia neste artigo apenas a norma especial de fiscalização
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de certas empresas privadas. A sugestão minimalista é o n.º 1 passar a referir: "O Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas, em especial das empresas de interesse geral, ou discriminando o que são empresas de interesse geral.
Srs. Deputados, deixo à vossa consideração.
O Sr. José Magalhães (PS): - E manter-se-iam os n.os 2 e 3 actuais?
O Sr. Presidente: - Isso para já não está em causa; iremos aos n.os 2 e 3 depois.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estaremos abertos designadamente em relação àquilo a que o Sr. Presidente chamou a proposta minimalista, com o seguinte sublinhado: entendemos que as empresas de interesse geral estão submetidas a um estatuto especial que corresponde exactamente a uma fiscalização...
O Sr. Presidente: - Isso é algo que justamente não está constitucionalizado! Assim, a minha sugestão é para constitucionalizar explicitamente…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. Mas queria acrescentar que esse estatuto especial é efectivamente tradicional, e é tão intenso que leva mesmo sectores da doutrina a entender que as empresas concessionárias fazem parte da Administração Pública, ou seja, que não se limitam a colaborar com a Administração Pública e a ter poderes públicos, fazem parte da própria Administração Pública. Foi nesse sentido que argumentei, referindo que esta norma pode ser lida como uma garantia de limites de poderes do Estado face às empresas, não propriamente como uma terrível ameaça sobre a iniciativa privada, como parecem ser algumas das leituras.
Entretanto, estaremos inteiramente abertos para examinar a formulação do acrescento ao n.º 1 do artigo 87.º que o Sr. Presidente aqui propôs.
O Sr. Presidente: - Fica feita a sugestão, que será retomada quando os Srs. Deputados o entenderem.
Srs. Deputados, a proposta de eliminação do n.º 1 claramente não mostra viabilidade, vamos, por isso, passar ao n.º 2, para o qual existe uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Estatui o n.º 2 do artigo 87.º da Constituição o seguinte: "O Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório, nos casos expressamente previstos na lei e, em regra, mediante prévia decisão judicial."
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe a eliminação da expressão "em regra". Não estando cá o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, alguém adopta esta proposta, quanto mais não seja para efeitos de discussão?
Pausa.
Claramente a proposta não é perfilhada.
Srs. Deputados, passamos para o n.º 3, relativamente ao qual existe uma proposta do PSD. Onde a norma estabelece "A lei definirá os sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza", o PSD propõe que passe a constar "A lei poderá definir (…)". Ou seja, um imperativo constitucional seria transformado numa faculdade constitucional.
Tem a palavra um dos proponentes, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pedia a atenção especial do Partido Socialista porque, de facto, atendendo à actual jurisprudência do Tribunal Constitucional (embora não seja jurisprudência expressa é suficientemente indiciadora daquilo que será a posição expressa do Tribunal Constitucional face a esta questão), esta parece-nos uma matéria relativamente à qual há todo o interesse em fazer uma clarificação na Constituição.
De facto, aquando da alteração à lei de delimitação de sectores em 1988 foi proferido, a propósito até, salvo erro, de um pedido de fiscalização da constitucionalidade por parte de Deputados do Partido Comunista Português, um acórdão do Tribunal Constitucional que, pese embora não dando provimento a essa declaração de inconstitucionalidade, pedida então, salvo erro, pelo Partido Comunista (penso não estar a cometer nenhum erro, mas se o fizer alguém corrigir-me-á), desenvolve a doutrina que a necessidade de definição de sectores básicos da economia passa necessariamente pela existência de um sector público da economia com contornos suficientemente significativos e que, em teoria, poderia, num futuro a curto prazo, ou seja, eventualmente, numa próxima nova alteração da lei de delimitação de sectores, configurar uma alteração do quadro de tal forma redutora do sector público que, então sim, se entraria em inconstitucionalidade por violação do princípio da necessidade de existência de sectores básicos, aos quais é vedada a actividade de empresas privadas.
Esta densificação é, obviamente, a opinião do Tribunal Constitucional expendida no citado acórdão, mas o Tribunal tem toda a legitimidade para formular a interpretação que entenda mais adequada. Se não for essa a interpretação dos outros órgãos de soberania o que haverá a fazer não é questionar ou pôr em causa as opiniões e as decisões do Tribunal mas, sim, clarificar em termos da ordem jurídica as situações por forma a que o Tribunal possa adoptar uma postura e uma leitura diferentes da legislação em causa.
Isto é tão mais significativo quanto é certo, olhando para a actual lei de delimitação de sectores… De resto, isso decorre também da própria política formulada para alguns dos sectores no programa do actual Governo. Veja-se, por exemplo, o sector das telecomunicações, onde manifestamente a continuação do programa de privatizações já anunciado e clarificado por parte do Governo - estou a dar o exemplo expresso das telecomunicações porque é uma das matérias que ainda consta da lei de delimitação de sectores com uma configuração clara - pressupõe necessariamente uma alteração da lei de delimitação de sectores. De resto, já na última sessão legislativa tivemos ocasião de discutir isso aqui, a propósito de um projecto apresentado pelo Partido Social Democrata.
Ora, o problema é que aquando dessa alteração da lei de delimitação de sectores, que vai ser necessária para esse e, eventualmente, para outro tipo de sectores - isso dependerá do programa de privatizações e da política que o
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Governo entender seguir nessa matéria -, poder-se-á claramente, do nosso ponto de vista, entrar em colisão com a interpretação que resulta da jurisprudência expendida pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria.
Embora, obviamente, o PSD respeite integralmente, como não podia deixar de ser, os acórdãos e as decisões dos tribunais portugueses e, por maioria de razão, os do Tribunal Constitucional, não concorda que seja essa a correcta interpretação da Constituição, nomeadamente no que diz respeito à faculdade ou não faculdade (inibição, capacidade, possibilidade) de o Governo da República optar por uma política de privatizações que altere e se desligue, em termos do diploma que regula a delimitação de sectores, da imperatividade de manter no sector público determinados sectores da economia.
O PSD entende que não é essa a formulação adequada, mas reconhece que existe, por parte de órgãos jurisdicionais - porque é um dado adquirido - uma interpretação eventualmente diferente. De qualquer forma, parece-nos fundamental que se proceda a uma clarificação deste tipo, para deixar o sinal claro por parte do legislador constitucional de que não é essa a função do sector público da economia e, portanto, não deve ser essa a leitura, a jusante, dos órgãos jurisdicionais competentes do texto constitucional.
Portanto, deve deixar-se o mais claro possível no texto constitucional que, em cada momento, o governo, legitimado democraticamente, poderá, de acordo com as suas opções de política económica, definir quais são os sectores onde é vedada a iniciativa privada e, num momento diferente, um outro governo ou, quiçá, o mesmo governo poderá optar eventualmente por uma política diferente se a conjuntura se alterar e as suas opções em matéria económica assim o aconselharem.
O que pretendemos com esta norma é tão-só deixar claro que não existe essa imperatividade e rigidez na definição dos sectores básicos, cabendo ao legislador (neste caso, como sabemos, esta é uma competência originária da Assembleia da República), isto é, a outros órgãos de soberania que não os tribunais, definir em cada momento quais são os sectores básicos onde a iniciativa privada pode ou não pode, ou deixa de poder, ou passa a poder exercer a sua actividade.
É essa a função, é esse o objectivo estrito deste acerto do texto constitucional proposto pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Posta à consideração esta proposta, tudo somado, trata-se de transformar um imperativo constitucional numa faculdade constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, relida em pleno ano de 1996, a norma aparece-nos distintamente no horizonte com toda a sua história. A obrigatoriedade constitucional foi reinterpretada, a obrigatoriedade de um mínimo de vedação revelou-se interpretável, ela própria, de maneira minimalista e não suscita hoje, no quadro político, um debate extraordinariamente polémico nesta matéria, nem se desenha que tal debate se possa suscitar. A opção proposta pelo PSD é a transição desse mínimo de vedação obrigatório para nenhuma obrigatoriedade.
Tal proposta merecerá, da nossa parte, uma consideração muito cuidadosa, porque se o Sr. Deputado disse o que disse, conhecemos igualmente a arquitectura constitucional, a sua história e, como se sabe, não sentimos necessidade de adiantar, à partida, qualquer alteração desta norma.
Mas, repito, o contexto em que a discutimos, o seu alcance é hoje totalmente desprovido do "nevoeiro de dramaticidade" que levou às justas a que se referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, designadamente em sede de Tribunal Constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, como é de prever, opomo-nos a esta alteração. Creio que o que resta de sectores básicos vedados, depois de toda a história conhecida, é bem pouco, e há áreas que nos parecem corresponder ao mínimo dos mínimos. Refiro-me, por exemplo, à indústria de armamento. Por isso mesmo não vemos qualquer vantagem, bem pelo contrário, em ir mais longe do que o que já se foi por via das revisões constitucionais anteriores, das actuações dos governos e das maiorias parlamentares e da própria jurisprudência.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, se me permite, faço uma pequena pergunta embaraçosa, que é a seguinte: a história desta norma não mostra até que ponto é que a jurisprudência constitucional não consegue opor um dique efectivo à vontade política de abertura de sectores?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a este propósito, poderia invocar, inclusive, iniciativas de fiscalização abstracta de constitucionalidade, que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, de resto, já referiu, e poderia acrescentar o próprio esforço do Sr. Presidente enquanto conselheiro do Tribunal Constitucional, que também é conhecido. O que não se poderá esperar é que haja apoio da parte do Grupo Parlamentar do PCP para que se vá ainda mais longe por iniciativa do próprio legislador de revisão constitucional. Seria pedir demais, como calcula!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não deixa de ser significativo que o debate de hoje, designadamente a intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, se centre em torno da ideia do mínimo e, dentro do mínimo, se faça uma referência concreta à indústria de armamento. Ou seja, em epíteto, poderíamos dizer: "Da banca e dos seguros ao armamento como mínimo"!
Portanto, creio que as reflexões que o Sr. Presidente deixou exaradas e aquelas que eu próprio tive ocasião de documentar para acta são relevantes e há que as ponderar cuidadosamente, em nome da própria eficácia constitucional e do sentido da Constituição como programa normativo e entidade cuja normatividade seja espessa, densificável e relevante.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de alteração conta com a oposição do PCP e as objecções do PS, ainda que admitam uma consideração cuidadosa da proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Espero bem que seja muito cuidadosa!
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 88.º, que tem como epígrafe "Actividade económica e investimentos estrangeiros" e em relação ao qual foram apresentadas duas propostas, uma de eliminação do PSD e outra de alteração do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.
Estatui o artigo 88.º da Constituição que "A lei disciplinará a actividade económica e os investimentos por parte de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras, a fim de garantir a sua contribuição para o desenvolvimento do país e defender a independência nacional e os interesses dos trabalhadores."
As duas propostas estão à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a razão de ser da proposta do PSD de supressão desta norma tem que ver com o princípio geral que vigora em vários dos capítulos da actual Constituição, em particular neste capítulo relativo à organização económica. Parece-nos que há manifestamente um excesso de articulado na Constituição, uma vez que ela que deve conter, apenas e tão-só, regras e princípios gerais básicos sobre a organização económica, que é, pela natureza das coisas, algo de extremamente dinâmico na vida dos Estados modernos e cuja gestão, por parte dos governos democraticamente legitimados em cada momento, tem de ter a máxima flexibilidade possível, tendo em vista a sua eficiência e eficácia.
Parece-nos claramente que este artigo 88.º não acrescenta nada de fundamental à situação actual.
É evidente que é função da lei disciplinar a actividade económica, como todo o tipo de relações que se estabelecem na sociedade, por maioria de razão as relações potencialmente conflituais, como é o caso da actividade económica - este é um dado adquirido. Mas parece-nos que esta norma nada acrescenta de significativo ao texto constitucional e, nesse sentido, propomos a sua eliminação por entendermos que é algo que não carece de estar na Constituição.
Tratando-se da Lei Fundamental, e em matéria de organização económica em particular, dela devem constar os princípios fundamentais e não vemos que o do artigo 88.º seja um princípio fundamental! Obviamente, essa matéria deve ser tratada pelo legislador ordinário, na ordem jurídica normal: a actividade normal de disciplina da parte do Estado é regular a actividade económica, regular os investimentos por pessoas, quer estrangeiras quer nacionais.
Os objectivos de contribuir para "o desenvolvimento do país e defender a independência nacional e os interesses dos trabalhadores" - tirando o primeiro, que é uma evidência em toda a política económica e, de resto, já vem consagrado no início deste capítulo enquanto regra fundamental - não acrescentam rigorosamente nada ao poder disciplinador do Estado nesta matéria; são princípios fundamentais que estarão sempre presentes nesta como em qualquer outra actividade.
Portanto, não há neste caso, ao contrário de outros que já aqui discutimos, qualquer opção do PSD no sentido de entender que esta é uma norma que, hoje em dia, consta erradamente da Constituição e deve ser retirada para saneamento adequado do texto constitucional. Neste caso, diria que a opção do PSD é mais uma opção de utilidade e de eficácia do texto fundamental, ao qual a norma em causa não acrescenta rigorosamente nada de essencial.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tenho qualquer dúvida de que a possibilidade de a lei disciplinar o investimento estrangeiro, garantindo a independência nacional - e esta norma tem de ser vista em conjunto com a admissão constitucional da participação na União Europeia e os interesses dos trabalhadores -, resultaria, eventualmente, de outras normas e princípios constitucionais. Simplesmente, há aqui mais do que uma mera autorização, há uma obrigação de legislar. E julgo que este é, talvez, um dos assuntos que o desenvolvimento das relações internacionais da actividade política tornou mais actual, em particular a questão da defesa dos interesses dos trabalhadores.
É sabido que, no quadro da negociação dos acordos de Marraquexe da liberalização do comércio internacional e da formação da Organização Mundial de Comércio, houve uma matéria que foi particularmente discutida, a do dumping social, tendo particularmente em vista os interesses dos trabalhadores, e a do dumping ambiental. Isto é, trata-se de impedir que a captação do investimento estrangeiro e até o crescimento económico sejam obtidos à custa do sacrifício dos direitos dos trabalhadores e a capacidade competitiva obtida através de salários baixos e de formas de trabalho infra-humano, que me dispenso de qualificar.
Há, designadamente no âmbito Organização Internacional de Trabalho, um conjunto de normas mínimas nesta matéria para o combate ao dumping social e há, como é sabido, muito frequentemente, uma negociação caso a caso do investimento estrangeiro - basta referir o caso da Ford/Volkswagen e, mais recentemente, da eventual permanência da Renault em Portugal. E, nesse sentido, diria que talvez esta norma seja, neste momento, mais actual até do que há 20 anos atrás.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta norma é necessária no sentido em que funciona como uma disposição de autodeterminação nacional no plano económico e político e tem o efeito de uma remissão legal. Nesse sentido, ela não põe em causa aquilo que nos parece ser decisivo (e que está incorporado no nosso ordenamento através de alguns tratados, desde logo com o Tratado da União Europeia) quanto à liberdade de estabelecimento e quanto à supressão das restrições aos movimentos de capitais.
Creio que esta última questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá também está incorporada no nosso ordenamento (muito embora esteja implícita esta conformação legal, desde logo na Carta Social Europeia), independentemente desta disposição para a qual aponta o comando constitucional em termos legislativos, pelo que esta norma, na sua singeleza, é enquadradora, é uma remissão legal que vale o que vale, em termos da forma como a Constituição está elaborada, e é uma norma de confirmação de diversos dispositivos constitucionais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de eliminação do PSD não se mostra viável, contando com a oposição do PCP e do PS. Foi ainda apresentada uma
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proposta de alteração da redacção, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que ninguém perfilhou.
Vamos, por isso, passar ao artigo 89.º, em relação ao qual existem duas propostas de eliminação, uma do CDS-PP e outra do PSD.
O actual n.º 1 do artigo 89.ºrefere que "Os meios de produção em abandono podem ser expropriados em condições a fixar por lei, que terá em devida conta a situação específica da propriedade dos trabalhadores emigrantes", e o n.º 2 estipula que "Os meios de produção em abandono injustificado podem ainda ser objecto de arrendamento ou de concessão de exploração compulsivos, em condições a fixar por lei." É esta a norma cuja eliminação está proposta.
Tem a palavra Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em coerência com a posição que já defendemos relativamente a outros artigos deste capítulo, neste caso, claramente, a supressão do actual artigo 89.º proposta do PSD é justificada pelo que já aqui foi dito pelo PSD relativamente a outros artigos atrás discutidos. Ou seja, consta já do artigo 62.º (o PSD propõe que passe para o artigo 47.º ou 48.º da Constituição) o princípio da expropriação e requisição nos termos da lei. E é evidente que esse é o princípio que deve subsistir em todo e qualquer tipo de apropriação pública, estatal ou colectiva de propriedade, não nos parecendo minimamente que possa haver qualquer princípio de apropriação colectiva dos meios de produção.
Já discutimos esta questão a propósito do artigo 80.º, cuja alínea c) refere como princípio estruturante da organização económica a apropriação colectiva de meios de produção, e na altura propusemos que essa alínea não deveria figurar na Constituição da República. Consequentemente, este é um artigo que também deve ser retirado da Constituição.
Sempre poderá, ao abrigo do princípio que possibilita à lei estabelecer regras de expropriação e de requisição condicionadas pelo interesse público, o que já decorre do actual artigo 62.º da Constituição - houve um entendimento geral, ou pelo menos maioritário, no sentido de ele poder passar para outra sede da Constituição, embora mantendo, obviamente, a sua actual configuração. É esse o princípio que deve prevalecer, não deve existir nenhuma forma estruturante da organização económica que passe pela lógica intervencionista sistemática do Estado de apropriação colectiva de meios de produção. E este artigo é claramente a expressão prática dessa alínea c) do actual artigo 80.º, e não se justifica minimamente.
Em suma, a parte respeitante à expropriação está já coberta e, quanto ao resto, do nosso ponto de vista, não se justifica minimamente a existência deste artigo.
O Sr. Presidente: - Está à discussão a proposta de eliminação do artigo 89.º.
Recordo que, de acordo com o proposto pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, este artigo perderia a autonomia e passaria a figurar juntamente com o actual artigo 83.º numa nova formulação, num novo artigo 84.º-A, que fundiria o actual artigo 83.º com o actual artigo 89.º, com alterações de redacção.
Lanço para a discussão esta proposta de sistematização (que pessoalmente adopto, aliás). Ou seja, se a proposta de eliminação não for para a frente, adopto a proposta de fusão do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Estão, pois, à discussão as duas propostas, sendo que a de eliminação obviamente precede a de reformulação sistemática.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta é uma mera norma de autorização, com um fundamento específico. Não se trata de uma obrigação para os governos adoptarem esta política e, nesse sentido, também por considerarmos que existem cada vez mais meios de produção ao abandono e que é natural que qualquer governo, com outra eventual orientação, queira prosseguir esta política, não vemos vantagem nesta eliminação, a não ser que sejamos melhor elucidados.
Já não teríamos qualquer objecção à reinserção sistemática que é proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta norma é bem conhecida e nas operações de "cirurgia" constitucional que foram sendo feitas ao longo das revisões constitucionais, inclusive a última (aprovada por unanimidade, se não estou em erro), reinseriu o preceito e aditou-lhe este n.º 2, que agora apreciamos.
O n.º 2 representava, no consenso dos Deputados da revisão constitucional, um esforço de criar uma espécie de patamar prévio à expropriação, dentro de uma lógica que é perfeitamente fiel ao disposto no artigo 81.º, o qual considera ser uma incumbência prioritária do Estado assegurar a plena utilização das forças produtivas, mas fá-lo neste domínio, como aliás já foi sublinhado, de maneira razoavelmente suave, uma vez que em ambas as formulações, tanto o n.º1 como o n.º2, não impõem uma política nem de expropriação nem de arrendamento compulsivo.
Trata-se, portanto, de uma cláusula que enquadra, limita, define, tipifica as circunstâncias em que pode quebrar-se a ordem normal das coisas por ter ocorrido uma circunstância anormal, ou seja, o abandono, num sentido que tem de ser, de resto, densificado pela lei, uma vez que não se trata de abandono por qualquer estado de contacto ou de não-uso de carácter imediato de um meio de produção, ainda com a salvaguarda específica da situação de meios que estejam na propriedade de emigrantes, etc.
A história da utilização do preceito não revela, de resto, nos últimos anos, que essa faculdade tenha sido imprescindível para dar resposta à situação, mas também não a revela "morta" e prescindível em condições absolutas e ilimitadas.
A ideia da reinserção sistemática pode ser interessante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria manifestar alguma surpresa e deixar certas considerações sobre as intervenções que foram produzidas sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, queria lembrar apenas que a forma como está redigido o artigo 89.º não acrescenta rigorosamente nada à faculdade que decorre do actual artigo 62.º. De facto, o que nele se estatui não é que os meios de produção em abandono são expropriados, nem poderia sê-lo,
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porque tal seria uma coisa perfeitamente aberrante e, provavelmente, até um prémio ao infractor, ou seja, a incapacidade gestionária por parte de detentores de meios de produção poderia facilmente dar lugar a um súbito enriquecimento. Para tal bastaria deixarem em abandono as suas terras ou os outros meios de produção de que sejam detentores e, com isso, beneficiar automaticamente de uma obrigatoriedade de o Estado, com o dinheiro dos contribuintes, expropriar, adquirir os bens, pagando a justa indemnização, como é evidente, em termos do Estado de direito que somos.
A única coisa que aqui se estatui é que os meios de produção podem ser expropriados, em termos a fixar por lei. Portanto, é evidente que o que ocorre não é rigorosamente nada a mais do que o que decorre do princípio geral de fixação por lei de regras e de regimes de expropriação e de requisição, conforme vem estipulado no artigo 62.º.
Nesse sentido, comecemos por clarificar que esta norma não tem conteúdo útil algum em termos jurídicos e, portanto, só pode ter um conteúdo em termos políticos. Não vale a pena iludirmos a questão!
O Sr. José Magalhães (PS): - Permita-me apenas que recorde o seguinte aspecto: o Sr. Deputado lembra-se da redacção originária que alterámos em 1989? O preceito rezava que (não o referi porque o supunha mais presente), no caso de abandono injustificado, a expropriação não conferia direito a indemnização. Era esse o alcance originário do preceito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado auxilia-me a ter mais razão no que estou a dizer.
De facto, o texto tal como está, hoje em dia, não tem nenhum efeito prático. Ou seja, o Sr. Deputado acaba de confirmar que inicialmente o texto poderia ter um objectivo, um efeito prático, mas que já lhe foi retirado.
O Sr. José Magalhães (PS): - É só para desdramatizar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como já aqui referimos por diversas vezes, foi pena que a revisão de 1989 tenha sido feita uns meses antes da queda do muro de Berlim; se tivesse sido feita uns meses depois, nomeadamente neste como noutros artigos, talvez se tivesse retirado esse peso excessivo e não tivesse havido o complexo ou o "fantasma" de cá deixar o quer que fosse, porque de facto é um "fóssil" sem grande vantagem nem interesse em termos da ordem jurídica.
Quanto ao texto que consta do artigo 89.º, até ao momento, o ponto de vista do PSD (pelo menos de uma forma que o PSD pense ser de ponderar e de reflectir) não foi rebatido por nenhum dos Srs. Deputados.
Quanto à hipótese sugerida pelo Sr. Presidente de, na reformulação deste artigo 89.º, se tentar tomar a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro do artigo 84.º, devo manifestar, desde já, algumas reservas profundas por parte do PSD, desde logo porque, de facto, a questão de fundo mantém-se.
Ou seja, não nos parecendo que haja interesse jurídico algum evidente da parte da estipulação constitucional desta possibilidade, uma vez que ela decorrerá já do princípio geral da estipulação por lei de um regime jurídico de expropriação e de requisição nos termos do interesse geral, resta ainda a consideração de natureza política.
Uma vez que foi o Sr. Presidente que avançou com este tema para a discussão, devo dizer-lhe que nos oferece reservas, desde logo porque introduz uma questão de opção - o PSD até a pode perfilhar, mas entendemos que não deve constar do texto constitucional - por uma determinada política, neste caso, a função social da propriedade.
O PSD também reconhece - conforme já aqui foi dito pelo Sr. Presidente - essa chamada de atenção em relação a várias disposições da Constituição. Não deve a Constituição servir para "atar de pés e mãos" as opções ideológicas e de orientação de política dos governos que, em cada momento, são democraticamente escolhidos e legitimados. Nesse sentido, embora o PSD também se reveja, de certa forma, nos princípios que decorrem da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não nos parece que haja utilidade, em qualquer circunstância, numa "rigidificação" do texto constitucional por este tipo de opções.
Em termos de organização económica, em cada momento terão de ser tomadas as medidas mais adequadas para trabalhar e tentar resolver os problemas que se colocam na dinâmica própria da actividade económica.
A formulação proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro nada acrescenta juridicamente, porque a norma tem sempre uma perspectiva meramente facultativa, isto é, não acrescenta nenhuma obrigatoriedade constitucional, aponta, isso sim, para um conteúdo de opção política, de direccionamento político da actividade do governo e da Assembleia da República no que respeita à legislação que produzam em matéria económica. De facto, isso parece-nos algo que não deve ser utilizado em abstracto e genericamente em termos da redacção dos textos constitucionais.
Posto isto, manifesto a reserva do PSD quanto à vantagem, nesta primeira leitura, em operar-se uma alteração conforme a que foi aventada pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma pequena observação.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu a falta de conteúdo útil desta disposição, designadamente em confronto com o artigo 62.º, e eu gostaria de fazer a seguinte observação: a expropriação por utilidade pública, como é sabido, normalmente tem por finalidade a utilização de bens por parte do Estado-administração ou outras pessoas colectivas públicas, mas aqui cria-se uma possibilidade de arrendamento ou de concessão de exploração, o que aponta para a utilização por privados. Nesse sentido, até poderia dizer-se que há, aqui, uma protecção da iniciativa privada, porque de outra forma, exclusivamente com o artigo 62.º, parece que o Estado ficaria obrigado a organizar a exploração directa dos meios de produção expropriados.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de eliminação, que era comum ao CDS-PP e ao PSD, não se mostra viável, porque tem a oposição do PCP e do PS, e a sugestão de reformulação sistemática, que eu fiz no seguimento da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tendo embora a abertura do PS e do PCP, tem reservas profundas do PSD. Salvo revisão de posições, o artigo fica como está e onde está.
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Passamos à discussão das propostas relativas ao artigo 90.º, a saber: uma proposta de eliminação, comum ao CDS-PP e ao PSD, e uma proposta de alteração da redacção, apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD, entre os quais o Deputado Francisco Martins, que se encontra entre nós.
O artigo 90.º, com a epígrafe "Participação dos trabalhadores na gestão", tem a seguinte redacção: "Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão." Srs. Deputados, é este o preceito em causa.
Darei a palavra aos proponentes para defenderem as respectivas propostas.
Desde já, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para justificar a proposta de eliminação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PSD de eliminação deste preceito resulta da leitura que o PSD faz da realidade.
Não se trata de um problema de cumprimento ou incumprimento da norma. Esta norma, embora constitucionalmente prevista, de acordo com o entendimento que o PSD tem do conceito de empresa e da participação dos seus agentes, nomeadamente também dos trabalhadores, na vida da empresa, não tem tido - a realidade encarregou-se de o demonstrar -utilidade prática, nem se tem traduzido numa vantagem real para os interesses dos trabalhadores enquanto agentes fundamentais da realidade da empresa. Portanto, a nosso ver, é uma norma que não tem resultados eficazes e não tem interesse real.
A expressão e a participação dos trabalhadores na vida das empresas desenvolve-se por formas diferentes, os interesses dos trabalhadores são diferenciados e, por essa razão, entendemos que deve retirar-se esta norma da Constituição, sem que com isso haja qualquer perda efectiva e real dos verdadeiros interesses de participação dos trabalhadores na vida das empresas, a qual, do nosso ponto de vista, não passa pela participação ou pelo controle, numa visão ainda mais extremista, da gestão das empresas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a norma constante do artigo 90.º é um princípio geral, que, de resto, encontra expressão noutras disposições constitucionais. Refiro-me, em particular, à alínea f) do n.º 5 do artigo 54.º, que estabelece exactamente o direito de as comissões de trabalhadores garantirem a eleição de representantes para os órgãos sociais das empresas públicas. Esta é uma das expressões, mas há outras.
Per exemplo, neste momento, as indústrias de manutenção militar e de armamento estão a ser reorganizadas e o Governo tem referido não apenas a obrigação mas também a vontade de assegurar a participação dos trabalhadores e das respectivas comissões de trabalhadores na reorganização de cada uma das empresas e no conjunto do sector. De resto, mesmo quando a prática de participação dos trabalhadores na gestão das empresas públicas não é adequadamente assegurada, tem sido reconhecido, com frequência, pelo menos por parte dos conselhos de administração e pelos governos, o seu dever de assegurar esta participação.
Creio que a alternativa da eliminação não faria desaparecer o direito de os trabalhadores participarem na gestão, na medida em que há propostas do PSD, como, por exemplo, a de eliminação deste direito das comissões de trabalhadores que referi, que já se mostraram inviáveis, mas com certeza empobreceria um princípio que assegura que não haja nesta matéria uma estatização e uma burocratização, garantindo mais democracia no interior das empresas e, inclusive, que princípios gerais, como o princípio da democracia participativa, tão generosamente consagrado na Constituição, tenha uma das expressões mais importantes, que é exactamente a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, neste caso públicas, tal como há outras expressões ao longo da Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não ouvimos, da parte do PSD, a expressão de uma filosofia, de uma política, constitucional, que legitimasse ou justificasse, de forma cabal, a eliminação desta norma.
Digo isto, porque, se é óbvio que não está nas mãos do legislador, em sede constitucional, impor uma pletora de iniciativas que permitam "enxamear" por toda a parte dinâmicos comités em que trabalhadores participem e em que a gestão, por isso mesmo, seja transfigurada, iluminada e reforçada, também é verdade que é tudo menos líquido que dos paradigmas empresariais do século XXI deixem de fazer parte modalidades de democracia participativa, provavelmente distintas daquelas que conhecemos nos anos 70/80 e mesmo 90, mas igualmente fiéis à ideia de que é possível que os trabalhadores desempenhem mais do que a função subordinada, ela própria dirigida, conduzida, e que insuflem alguma contribuição à própria dinâmica de gestão.
A Constituição é, desse ponto de vista, extraordinariamente lábil, muito generosa e não impõe um espartilho em matéria de modalidades, mas impõe um comando, e esse comando, infelizmente, num determinado ciclo histórico, foi excessivamente desrespeitado, desnaturado e mesmo invertido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de eliminação do artigo 90.º não se mostra viável, por oposição do PCP e do PS.
Há ainda uma proposta de alteração da redacção do artigo 90.º, apresentada pelos Deputados do PSD, Arménio Santos e outros. Os proponentes propõem que a redacção deste artigo deixe de ser "Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão.", passando a ser "É garantida aos trabalhadores a participação na gestão das empresas integradas no sector público, designadamente através da sua representação junto dos respectivos órgãos de gestão e fiscalização, nos termos da lei."
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins, para apresentar esta proposta.
O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por dizer que esta proposta se enquadra num projecto de revisão que visa essencialmente a preocupação social e também a garantia dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. E, neste particular, o que se pretende é alargar o âmbito da participação dos trabalhadores, em termos de representatividade, aos órgãos de fiscalização.
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Esta proposta não é nem mais nem menos do que procurar trazer ao texto constitucional aquilo que neste momento já está materializado em lei ordinária. Portanto, a lei já prevê esta participação e o que se pretende, como digo, é que o alargamento da representatividade dos trabalhadores mereça tutela constitucional.
Neste particular, e como referiu o Sr. Deputado Luís Sá, o artigo 54.º refere no seu n.º 5, alínea f), como direito das comissões dos trabalhadores, a eleição dos representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais. E ao utilizar a expressão "para os órgãos sociais", ao fazê-lo no plural está a referir, também neste ponto e nesta alínea da Constituição, que a representatividade dos trabalhadores é nos órgãos sociais. Ora bem, será na gestão, mas será também, ao que parece, noutros órgãos.
Por conseguinte, a nossa proposta, dentro deste âmbito, procura tão-somente a manutenção do que está consagrado, e, como disse e repito, alargar o âmbito dessa participação aos órgãos de fiscalização, procurando expressar no texto constitucional aquilo que já é uma prática e está regulamentado em lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quero colocar uma pequena questão ao Sr. Deputado Francisco Martins.
O Sr. Deputado fala em alargar o âmbito, mas a minha dúvida é esta: quando há remissão para o texto legal aquilo que é um comando constitucional da gestão passa a ser uma remissão legal da gestão e, portanto, nesse plano, ao menos, significaria uma diminuição do âmbito!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins, para responder a esta objecção.
O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, Alberto Martins, penso que tanto o âmbito da gestão como o da fiscalização estão, de certo modo, definidos no âmbito da lei e, desde já, merecem tutela no texto constitucional…
(Por motivos de ordem técnica, não foi possível registar as palavras finais do orador nem as palavras iniciais do Sr. Presidente).
O Sr. Presidente: - …clara redução em relação ao que actualmente consta da Constituição.
O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, penso - e, de resto, já o disse anteriormente em sede própria - que a realidade actual da participação dos trabalhadores na empresa deve ser repensada. Este projecto, e eu sublinhei-o bem, defende uma filosofia nova de relacionamento entre entidade empregadora e empregado, por isso, defendemos os conceitos de concertação, inclusive no âmbito de empresa, e temos a microconcertação como referência.
Pensamos que esta forma de adequar a nova realidade das relações laborais não deve pôr em causa a participação efectiva dos trabalhadores no âmbito da empresa - e, neste particular, no âmbito da gestão e da fiscalização -, antes devemos procurar ser mais concretos e apurar até onde é possível fazê-lo realmente.
A preocupação dos trabalhadores, penso eu, é a de poderem ter informação e contribuir efectivamente para a defesa dos seus direitos dentro da empresa, sabendo, naturalmente, qual é a sua posição em termos de relação de trabalho.
Não sei se esta proposta diminui o texto constitucional - porventura, em termos de texto poderá fazê-lo -, mas o que se pretende, em matéria de filosofia de relações de trabalho, é que a forma de participar seja a que parece mais adequada, e, porventura, mais aceite, em termos da relação empregador/empregado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, de forma muito breve, até devido às explicações já dadas pelo Sr. Deputado Francisco José Martins, queria dizer que esta proposta corresponde a uma real diminuição da amplitude e do alcance do preceito constitucional, uma vez que ele está consagrado de forma exemplar e tópica no disposto no artigo 90.º.
Quanto à participação efectiva na gestão, a proposta remete-a para a formulação legal, ou seja, é o filtro legal que vai definir o núcleo essencial dessa participação que será feita junto dos respectivos órgãos. Portanto, o alcance é muito mais limitado, restringindo de forma significativa aquilo que está consagrado no texto constitucional, e daí não merecer o nosso acolhimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que está dito o fundamental nesta matéria. Parece-nos que, intenções à parte, o resultado seria claramente redutor, quer face a esta norma quer face ao que está estabelecido - e já o referi - na alínea f) do n.º 5 do artigo 54.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda nesta sede, permitam-me uma sugestão pessoal. Quando discutimos a parte relativa aos direitos dos trabalhadores, uma das questões que ficou mais ou menos em suspenso foi a de encontrar uma formulação para a ideia da participação dos trabalhadores nas empresas - não nas do sector público, que é aqui tratado em concreto -, para a ideia de concertação.
Surge-me o problema de saber se não será superada a proposta de eliminação, isto é, ficando o artigo tal como está, pergunto se não seria esta a boa sede para introduzir essa matéria, para introduzir formas de concertação a nível de empresa.
Recuperando essa ideia, sugiro que seja introduzida uma fórmula deste estilo: nas demais empresas podem ser estabelecidos (claro, é uma faculdade constitucional), por via de lei ou de convenção colectiva, formas de concertação social - portanto, seria microconcertação -, incluindo a participação dos trabalhadores junto dos órgãos de gestão e de fiscalização (nesta sede é que utilizaria a fórmula do Sr. Deputado Francisco Martins).
Independentemente da formulação, a minha ideia é a seguinte: este artigo 90.º está claramente previsto, a sua história assim o justifica, para o sector público. Penso que seria boa ideia conglobar aqui a ideia de participação dos
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trabalhadores em geral, portanto, prever aqui a ideia que se tinha sugerido sobre a concertação.
Sem qualquer compromisso pessoal da minha parte, é óbvio - é uma sugestão para ser pensada -, proponho se acrescente um n.º 2 ao artigo 90.º, que recupere essa ideia e que dê cobertura constitucional para uma decisão maioritária, ou para as convenções colectivas que venham a ser celebradas, admitindo formas específicas de concertação ou de participação. Eis a sugestão que faço. Se quiserem "pegar-lhe", são livres para o fazer.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a sua sugestão corresponde ao sentido do debate que vínhamos travando, ou seja, se bem me lembro, quando se discutiu a questão da concertação e da microconcertação ficou aventada a hipótese de encontrar-se uma localização adequada para dar vazão e expressão a algumas propostas partilhadas por diversas bancadas nesta área. Talvez seja, de facto, esta a boa sede, o que implicaria, designadamente, reordenar e reformular a epígrafe.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto ao âmbito, a redacção que já está na epígrafe não discrimina o sector público.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto, portanto, com pequenos retoques, creio que isso poderia ser um contributo…
O Sr. Presidente: - A questão é só a de saber se este artigo pode, ou não, ser aproveitado para uma ideia geral de participação dos trabalhadores na gestão.
Srs. Deputados, continua à consideração a sugestão, se entenderem que ela merece ser discutida.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa resposta, insisto, é positiva. Naturalmente, não basta para fundar uma nova norma constitucional.
O Sr. Presidente: - O silêncio do PCP e do PSD significa que para já não estão disponíveis para encarar essa hipótese, por isso, passamos à frente.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, nós encaramos essa proposta e, eventualmente, haverá sugestões quanto à redacção concreta. Por exemplo, tenho mais simpatia por uma fórmula que ponha em primeiro lugar a participação e a concertação e que não faça uma derivar da outra, necessariamente. Mas estes são pequenos pormenores de redacção a resolver ulteriormente.
Em geral, creio que há abertura para considerar a sugestão atentamente.
O Sr. Presidente: - Tem objecções relativamente à expressão "concertação a nível de empresa"?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, a objecção não é em relação a essa expressão mas, sim, em relação à ordem das expressões "participação" e "concertação" e à ideia da participação como uma das expressões da concertação, porque pode não ser necessariamente assim. De qualquer modo, como já referi, creio que são pormenores a discutir em sede de redacção e não propriamente neste âmbito.
É evidente que a expressão "concertação" está hoje adquirida, na prática, todos os dias. Neste momento, a CGTP está envolvida num processo de concertação, como é evidente…
O Sr. Presidente: - Sim, mas o que há de novo na proposta dos Srs. Deputados Arménio Santos, Francisco José Martins e outros do PSD é a ideia de estender esse conceito a nível de empresa, portanto, a chamada microconcertação.
A minha sugestão divide-se em duas partes: a primeira é transformar este artigo, que neste momento é específico para o sector público, num artigo geral sobre o papel dos trabalhadores a nível da empresa, acrescentando-lhe uma norma para as outras empresas que não as do sector público; a segunda é dar guarida constitucional a esse conceito que vem do projecto dos Deputados referidos. A sugestão mantém-se, será considerada ou não segundo a oportunidade.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das propostas relativas ao artigo 91.º.
Quanto a este artigo, existe uma proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD, a qual, no entanto, congloba com outra proposta de aditamento de um novo artigo, o 94.º-A, com a epígrafe "Grandes opções de desenvolvimento", que, embora eliminando qualquer referência à ideia de planeamento, na verdade mantém a ideia de planeamento só que sem utilizar a palavra que, aparentemente, "queima os lábios" dos proponentes. Não estando presentes os proponentes, e sendo este o sentido da sua proposta de eliminação, a não ser que alguém adopte essa proposta para discussão, vamos passar à frente.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de chamar a atenção para uma questão, apenas porque pode ser útil para o andamento dos trabalhos (o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho não está presente mas, como é evidente, pode aparecer a todo o momento).
Os limites materiais de revisão mantêm-se - o artigo 288.º, em particular a alínea g) - e, mesmo ao abrigo da teoria da dupla revisão, eles não permitem eliminar, pura e simplesmente, todas as normas da Constituição relativas aos planos de desenvolvimento económico e social, e outros, como parece ser propósito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, é verdade que assim é, mas se analisar bem o artigo 94.º-A, proposto pelos Deputados em causa, verificará que eles mantêm toda a ideia de previsão de grandes opções, só que lhe retiram o nome, "desbaptizam-na"! Ou seja, essa Lei das Grandes Opções de desenvolvimento deixa de ter nome: passará a ser a lei das grandes opções de desenvolvimento (GOD), em vez da Lei das Grandes Opções do Plano (GOP).
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, falta saber se esse "desbaptizado", nas suas intenções, não é em si mesmo violador dos limites materiais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não estando agora em causa a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros, vamos passar à discussão das propostas de alteração do texto do artigo 91.º, com a epígrafe "Objectivos dos planos", apresentadas pelo PS, pelo PCP e pelo PSD.
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Darei a palavra aos respectivos proponentes por ordem, para justificarem as suas alterações, que não são idênticas, embora haja algumas convergências.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, do PS, para justificar a proposta de alteração ao artigo 91.º, sobretudo o aditamento da expressão "e de desenvolvimento regional" e outras pequenas alterações feitas na redacção final do artigo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta autojustifica-se. Ela visa aditar uma mera menção a uma componente relevante do desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento regional. E isso é harmonioso com toda a perspectiva constitucional neste domínio.
Não se trata de fazer qualquer inovação dramaticamente significativa, trata-se de uma benfeitoria, ou de um enriquecimento de um registo regional, aí onde ele, provavelmente, sempre teve que existir, interpretada a Constituição rectamente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a pergunta é exactamente essa: não é verdade que os planos de desenvolvimento regional já estão na categoria geral dos planos de desenvolvimento económico e social?
O Sr. José Magalhães (PS): - Desculpe, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Não será verdade que os planos de desenvolvimento regional já estão contidos no conceito geral de planos de desenvolvimento económico e social, pelo que o aditamento seria supérfluo e redundante? Esta questão aplica-se também ao PCP, que, no entanto, não propõe apenas essa alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à primeira questão, a preocupação que existe nesta matéria é claramente a seguinte: é que nós, quando inserimos este acrescento, tínhamos presente o plano de desenvolvimento regional, que, como é sabido, é o pressuposto da negociação do quadro comunitário de apoio, e o plano de desenvolvimento regional poderia, num certo entendimento, ser tido como resultante de imposições do Direito Comunitário, obedecendo prioritariamente a normas do Direito Comunitário e não propriamente ao conjunto de objectivos que aqui estão estabelecidos para os planos de desenvolvimento económico e social.
Sem dúvida nenhuma que o plano de desenvolvimento regional é um plano de desenvolvimento económico e social, mas também sem dúvida nenhuma que o plano de desenvolvimento regional adquire - por circunstâncias que são conhecidas, designadamente, pelo facto de Portugal ser um dos países da coesão e beneficiário de financiamentos comunitários e pelo facto de ser um plano extraordinariamente abrangente e, eventualmente, até mais do que os outros planos de desenvolvimento económico e social - uma importância tão particular que nos parece que se justificaria esta autonomização neste contexto, para que não restassem quaisquer dúvidas de que o plano de desenvolvimento regional, para além dos objectivos próprios estabelecidos na Comunidade Europeia, tem objectivos gerais do planeamento e dos planos estabelecidos na Constituição da República Portuguesa.
Claro que entendemos que se esta proposta não for aceite nem por isso o plano de desenvolvimento regional, apesar do seu destino predominantemente comunitário, deixará de estar obrigado aos princípios estabelecidos no artigo 91.º e noutros artigos da Constituição. No entanto, esta clarificação, em face da importância que adquiriu o plano de desenvolvimento regional, não deixa de ser extraordinariamente relevante, a nosso ver. Mais: hoje em dia há a prática de elaborar apenas um plano de desenvolvimento regional para todo o País e, portanto, de tomar Portugal como apenas uma região. Esta prática pode não ser a mesma no futuro, como não é a de outros países da Comunidade Europeia, independentemente do enquadramento global, pelo que também isso poderia justificar esta clarificação.
Quanto à proposta de acrescentar aos objectivos dos planos a defesa do mundo rural e o combate ao despovoamento e desertificação, é claro que pode entender-se, e nós assim entendemos, que objectivos como o desenvolvimento harmonioso de sectores e regiões já compreendem este desenvolvimento. É evidente que não podemos entender o desenvolvimento harmonioso de sectores e regiões sem que se defenda o mundo rural e combata o despovoamento e a desertificação, simplesmente a verdade é que nem o mundo rural tem sido defendido nem o despovoamento e a desertificação têm sido combatidos, pelo contrário, têm sido extraordinariamente agravados nos últimos anos. Por isso pareceu-nos que podia ter vantagem esta autonomização, no sentido de haver uma particular responsabilização do poder político por alcançar estes objectivos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar as propostas do PSD, que são várias.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, as propostas do PSD, em termos de conteúdo útil, visam, em primeiro lugar, acrescentar ao princípio do desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões o conceito de desenvolvimento harmonioso e integrado (todos conhecem o significado dessa expressão). De facto, a proposta é apenas no sentido de completar uma referência que já estava no artigo, mas de forma parcial.
A segunda proposta de conteúdo útil é no sentido de, quando se fala na justa repartição do produto, retirar a especificação a "repartição individual e regional". Quanto à repartição regional, esta já está englobada no desenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões e, portanto, obviamente, tem que haver uma distribuição e uma repartição equilibrada regionalmente. Quanto à repartição individual, ela apenas decorre do aumento da qualidade de vida, uma vez que os planos não descem à repartição, à distribuição personalizada do crescimento e do desenvolvimento lato sensu.
A terceira proposta de alteração do texto tem que ver com a preservação do equilíbrio ecológico, referida na parte final da actual norma. De resto, no contexto da terminologia utilizada nos artigos anteriores da Constituição relacionados com o ambiente, o conceito geral de preservação do ambiente sempre tem sido entendido, e é entendido no texto constitucional, como contendo a vertente ecológica, que é uma das vertentes do ambiente, não a única. O conceito de qualidade do ambiente é o conceito mais vasto que abarca todas as vertentes, nomeadamente a ecológica, o equilíbrio ecológico.
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Como o Sr. Presidente dizia a propósito das propostas do PS e do PCP quanto à especificação do desenvolvimento regional, este artigo contém apenas os conceitos gerais a que deve obedecer a actividade de planos de desenvolvimento, a que devem obedecer todos os planos e, portanto, a preservação do ambiente é um conceito mais genérico que, do nosso ponto de vista, abarca tudo.
Por último, propomos o acrescento (penso que significativo) de algo que não resulta do actual texto constitucional mas que nos parece ser uma falta importante, uma vez que se trata do artigo que introdutoriamente dispõe sobre os objectivos estruturantes da actividade de definição e aprovação de planos de desenvolvimento económico e social, que é estar presente nesses objectivos a realização da política de defesa nacional.
Todos sabemos, e penso que quer o Sr. Deputado Luís Sá quer o Sr. Deputado José Magalhães bem entenderão - se não for o caso, poderemos falar um pouco sobre o assunto -, que o conceito que o PSD aqui pretende colocar de defesa nacional não tem que ver com a vertente armada da defesa nacional, tem que ver com toda a lógica daquilo que é o conceito...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Da segurança alimentar!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também!…
O Sr. José Magalhães (PS): - É um ponto de encontro!…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Estava a brincar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas brinca bem!… Obviamente, essa também será uma das vertentes, não no conceito que já discutimos atrás, de especificar com determinados objectivos a estruturação económica, mas dentro da lógica dos objectivos da actividade de planeamento. É evidente que a actividade de planeamento tem os objectivos vertidos na Constituição, do nosso ponto de vista com algumas correcções que acabei de explicitar bem, mas parece-nos que a referência ao pano de fundo da realização da política de defesa nacional, considerada nos seus contornos globais, é fundamental, porque assim justifica de facto o interesse e a necessidade da actividade de planeamento.
O Sr. Presidente: - Colocadas à discussão estas propostas em conjunto, quem se quer pronunciar sobre elas? Obviamente, também sobre as dos demais partidos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, conforme já deixei entreouvido na exposição que fiz sobre a proposta do PSD, não nos parece, de facto, que a proposta do Partido Socialista quanto ao desenvolvimento regional tenha qualquer vantagem; é uma especificação daquilo que já lá está contido. Este é o artigo que define os objectivos gerais de toda a actividade de planeamento, que se desenvolve através de planos de desenvolvimento de carácter regional, como de carácter nacional.
O Sr. Luís Sá (PCP): - De carácter comunitário!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dentro deste conceito pode haver toda uma actividade de planeamento que, em cada momento, é aquela que for sentida como a necessária, para além daquela que já decorre do texto constitucional e da legislação ordinária sobre a matéria. Ora, essa especificação dos planos de desenvolvimento regional não nos parece que tenha qualquer vantagem especial, consideramos que é estar apenas a engrossar o texto constitucional.
Quanto à proposta do Partido Comunista Português, de acrescentar nos objectivos a defesa do mundo rural e o combate ao despovoamento e desertificação, também pensamos que ela decorre do conceito de desenvolvimento harmonioso e integrado dos sectores e regiões, aliás, não é de outra forma que entendemos este tipo de objectivo. É evidente, haverá outros objectivos também tão ou mais importantes, como, por exemplo, o combate à degradação acentuada da vida nos subúrbios urbanos (hoje em dia, este é também um objectivo muito sentido e necessário na actividade de planos de desenvolvimento económico e social).
Portanto, com isto quero apenas significar que, de facto, embora todos concordemos com o mérito das formulações em concreto que aqui estão, sempre que especializamos começamos a deixar de fora alguns aspectos. É um pouco como as cerejas, ou seja, à medida que nos vamos lembrando de alguns aspectos concretos e de algumas áreas específicas a cobrir, logo nos lembramos de outras, tão ou mais importantes, tão ou mais necessárias, tão ou mais sentidas na sua necessidade de ataque, de combate, de cobertura através da planificação do desenvolvimento económico e social.
Ora, isto leva-nos à conclusão de que é preferível manter os conceitos gerais para evitar estar a especializar, a especificar determinadas realidades, correndo o risco evidente e objectivo de deixar de fora outras tão ou mais gritantes. A propósito do mundo rural, cito um problema que, obviamente, também todos reconhecemos como instante e fundamental nos objectivos de desenvolvimento económico e social, que é aquele decorrente das actuais concentrações urbanas. De certa forma, digamos que é o reverso da medalha deste despovoamento e desertificação do mundo rural.
Portanto, trata-se de especificações ou especializações da norma geral que nos parecem não trazer grande vantagem, pelo contrário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero lembrar que a nossa proposta atinente ao desenvolvimento regional se articula com a que apresentámos em sede do artigo 258.º e à qual se aludiu brevemente na altura própria, ou seja, relativamente aos direitos das regiões na elaboração de planos regionais, etc. Portanto, a reflexão que é preciso fazer sobre como uma dinâmica de planeamento regional pode articular-se com a participação - coisa distinta - na elaboração dos planos nacionais e com a concessão aos ditos daquilo a que eu chamaria uma preocupação do desenvolvimento regional, Esta é uma questão séria, uma questão de futuro,
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aliás, discutida no quadro da União Europeia com razoável sabedoria e paixão, em alguns casos.
Portanto, não nos parece que a questão seja despicienda. O ponto está em saber se é uma questão de vida ou de morte. Obviamente, como o Sr. Presidente sublinhou, não o é, mas é uma questão relevante.
A segunda nota é para dizer que temos uma atitude de grande prudência tanto nas especificações como nas eliminações e nos aditamentos. É isso que nos leva a encarar com simpatia a proposta do PSD quanto ao aditamento de uma alusão ao desenvolvimento integrado. Não vemos nisso nenhum inconveniente, pelo contrário.
Por outro lado, não vemos vantagem alguma na eliminação proposta, e também gostaria de sublinhar que não vimos fundamentado em termos cabais o acrescento final, entre os objectivos dos planos, da realização da política de defesa nacional. Ou se fica por aquilo que decorre da norma constitucional vigente, ou seja, é óbvio que a realização destes pressupostos e destes objectivos a que a Constituição já alude coloca o País em condições de desenvolver em todos os planos a sua própria política de defesa nacional, ou opta-se por aditar uma ideia de instrumentalização da política económica e social, do desenvolvimento económico e social a um conceito estratégico, geoestratégico ou de defesa nacional (esse é um conceito um pouco bizarro face à Constituição que temos), significando, de resto, da parte dos proponentes, uma verdadeira viragem de filosofia, um pouco serôdia nos tempos que correm.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, como tive oportunidade de referir, a nossa principal preocupação quando propusemos o acrescento dos planos de desenvolvimento regional era ter em conta, acima de tudo, o plano de desenvolvimento regional obrigatório nos termos da legislação comunitária.
Naturalmente, fica referido para registo que não deixamos de entender que as normas constitucionais se aplicam à elaboração do plano de desenvolvimento regional e não apenas aos respectivos objectivos, compatibilizados, como é óbvio, com os objectivos próprios a que Portugal está obrigado no âmbito da Comunidade Europeia, inclusive no plano formal.
Ora, nos planos formal e institucional isso significa preservar a intervenção da Assembleia da República, do Conselho Económico e Social, etc., coisa que não tem sido feita - por exemplo, o último quadro comunitário de apoio foi assinado no Centro Cultural de Belém sem estar sequer distribuído à Assembleia da República, aos Deputados.
Portanto, a inserção deste tipo de questão e de preocupação não é possível, mas, creio, é óbvio que não pode entender-se que do facto do PDR, por exemplo, ser um resultado da integração comunitária o Governo português e as instituições portuguesas não estão obrigados a procedimentos e a objectivos a que, a nível genérico, estão obrigados, nos termos das normas constitucionais relativas aos planos e ao planeamento. Este é o primeiro aspecto que queria referir.
O segundo aspecto refere-se à proposta de defesa do mundo rural e combate ao despovoamento e desertificação. Em primeiro lugar, quero chamar a atenção para o facto de voltarmos a esta questão a propósito do artigo 96.º, em que o PCP também a coloca no que se refere aos objectivos da política agrícola. De qualquer modo, quero sublinhar o entendimento já expresso na minha intervenção de apresentação desta matéria, tendo eu dito que considerava tratar-se de uma mera especificação do objectivo de desenvolvimento harmonioso de sectores e regiões já inserido na Constituição, o que significa, naturalmente, que qualquer plano está obrigado a atingir este objectivo.
De resto, a propósito de uma observação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero chamar a atenção para um aspecto. O combate ao despovoamento e a própria defesa do mundo rural é uma das formas de caminhar para a melhoria da situação nas áreas metropolitanas, obviamente. Este é um dos aspectos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi o que eu disse. É o reverso da medalha!
O Sr. Luís Sá (PCP): - O outro aspecto prende-se com o facto de a questão das condições de vida nas áreas metropolitanas estar, não totalmente, mas em boa medida, apontada no objectivo de defesa do ambiente, que consta igualmente deste artigo.
Quanto à proposta do desenvolvimento integrado, julgamos que a ideia está implícita na norma, como, por exemplo, na própria ideia de desenvolvimento harmonioso de sectores e regiões e noutros objectivos que constam igualmente deste artigo, mas não vemos qualquer desvantagem em que um conceito que tem sido muito trabalhado ao longo dos últimos anos e que tem várias componentes venha a ser inserido na Constituição.
No que se refere à proposta de eliminar a expressão "do equilíbrio ecológico", julgo que, tal como está, esta norma contém efectivamente redundâncias. Aliás, a própria ideia de equilíbrio ecológico tem vindo a ser criticada, como é sabido.
A ecologia é o estudo dos ecossistemas e não propriamente uma política a ser praticada pela Administração Pública, pelo Estado, etc. A questão é que a expressão tem simultaneamente algum valor simbólico, não obstante a sua redundância e a sua incorrecção. É só isto que leva a ter alguma hesitação, porque do ponto de vista estrito do rigor eu seria tentado a ter simpatia pela proposta do PSD. No entanto, este valor simbólico, inclusive a utilização constante do termo noutros lugares da Constituição leva, como disse, a ter bastante hesitação.
Quanto à proposta final, no sentido de inserir nos planos a realização da política de defesa nacional, é sabido que, de todos os lados, é apontada a necessidade de redefinição do conceito estratégico de defesa nacional, de todos os lados é apontado o facto de a defesa não ser estritamente militar e ter obrigatoriamente um conjunto de componentes. Este facto não faz, no entanto, que nos pareça particularmente importante e valiosa a inserção do objectivo da realização da política nacional como uma das grandes finalidades, um dos grandes objectivos do plano, que é, no fim de contas, o essencial desta norma.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão a tirar da discussão é que não tem acolhimento do PSD nem a proposta do PS nem a do PCP, no sentido de especificar, dentro dos planos de desenvolvimento económico e social, os de desenvolvimento regional.
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Tem também objecções do PSD e reservas do PS a ideia de acrescentar aos objectivos dos planos a defesa do mundo rural e o combate ao despovoamento e desertificação, proposta pelo PCP.
Tem acolhimento do PS e do PCP a ideia proposta pelo PSD de aditamento da qualificação do desenvolvimento integrado dos sectores e regiões. Já não tem acolhimento a ideia de eliminar a qualificação da justa repartição individual e regional do produto nacional.
A ideia de eliminar a aparente duplicação da referência ao equilíbrio ecológico tem reservas, embora não fortes, segundo me pareceu, do PCP. Do PS não ouvi ainda qualquer posição.
Quanto à parte final do artigo, a ideia de acrescentar a realização da política de defesa nacional como objectivo do planeamento tem as objecções e oposição do PS e do PCP.
Gostaria de ouvir a posição do PS quanto à ideia de eliminar a expressão "preservação do equilíbrio ecológico".
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, incluí a nossa pouca simpatia pela proposta na alusão que fiz à prudência nas eliminações.
O Sr. Presidente: - Portanto, o PS tem reservas, mas sem excluir a possibilidade de considerar a hipótese.
Só por isso não valeria a pena alterar o artigo, mas se vai ser alterado por outra razão talvez valha a pena fazê-lo quanto a esse aspecto, porque, de facto, há uma certa redundância. Ao dizer-se "a preservação do equilíbrio ecológico e a defesa do ambiente" há uma redundância. Ora, se o artigo vai ser alterado para acrescentar-se a expressão "o desenvolvimento harmonioso e integrado" - pelo menos para isso -, então talvez fosse de boa política cortar essa expressão, no que pouparíamos três palavras no discurso da Constituição.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 92.º, com a epígrafe "Natureza dos planos". O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD propõem a sua eliminação, o PSD propõe o seu "emagrecimento" e o PS o seu aditamento.
Estão à discussão a proposta de eliminação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, se alguém quiser adoptá-la para esse efeito, e a proposta do PSD de substituição por uma fórmula bastante mais reduzida. A proposta do PS contém apenas uma pequena alteração na parte final do artigo e o aditamento de um n.º 2, o que iremos analisar de seguida.
Neste momento, estão à consideração a proposta de eliminação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, se alguém quiser adoptá-la para o efeito, a proposta de substituição do PSD e a proposta de pequena alteração do PS, que consta no final do n.º 1 da mesma.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostava de ouvir a apresentação do Partido Socialista, seguindo-se a ordem cronológica.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. Então, dou a palavra ao Partido Socialista para justificar a proposta de alteração do texto do artigo, que na sua proposta seria o n.º 1, por efeito de aditamento de um n.º 2. Não está em causa agora o n.º 2, mas apenas a alteração que propõe ao discurso do actual texto da Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a alteração que propomos é verdadeiramente um pequeno afinamento técnico. Nesse sentido, vale a pena fazê-lo, porque se trata de harmonizar o conteúdo da Constituição nesta sede com aquilo que adiante é estatuído em matéria de repartição de competências entre órgãos de soberania quanto à elaboração dos vários instrumentos do planeamento.
Ou seja, os planos são elaborados pelo Governo de acordo com as Grandes Opções do Plano, as quais constam de lei aprovada pelo Parlamento, como se diz adiante, e, obviamente, presume-se que de acordo com o Programa do Governo. Ora, o Programa do Governo, como se sabe, é um instrumento de orientação política que vincula o Governo e a maioria, presume-se, mas que tem que ser materializado e plasmado num conjunto de medidas, as quais são aprovadas uma a uma em função de maiorias, que ainda por cima podem ser diversificadas, o que é muitíssimo interessante em situações de Governo de maioria relativa. É inteiramente irrelevante que seja essa a situação que hoje vivemos, verdadeiramente a nossa proposta prima por ser isenta em relação ao status quo.
O Sr. Presidente: - O Programa do Governo não vincula apenas os planos, vincula toda a actividade do Governo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Por um lado vincula tudo, por outro lado não é um instrumento normativo que se imponha sobre a lei, nem tem o valor de lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar a proposta de alteração do PSD, bastante mais substanciosa do artigo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por momentos, pensei que o Sr. Presidente ia dizer "a proposta muito mais rica", porque, de facto, a proposta do PSD é muito mais rica em termos de conteúdo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, para explicitar a lógica que preside a esta proposta do PSD temos que equacionar este Título II, sobre os planos, no seu conjunto. De facto, como já discutimos a propósito da parte inicial do capítulo da organização económica, a forma como o PSD entende a actividade de planificação não tem que ver com o conceito inicial, que a Constituição contém, de lógica de economia planificada, em que os planos jogam um papel próprio nessa estruturação da actividade económica.
A lógica que o PSD concebe e defende na manutenção da actividade de planeamento no texto constitucional tem que ver com a elaboração de planos de desenvolvimento, portanto, com a lógica de plano de desenvolvimento, não com a lógica de economia planificada. Assim sendo, é evidente que para este artigo 92.º, sobre a natureza dos planos, o qual decorre da actual conceptualização que a Constituição ainda emana sobre a lógica planificadora da economia, o PSD entende que nele deve ficar explicitado que os planos de desenvolvimento são da responsabilidade do Governo, que actuará com a liberdade decorrente do seu programa, ele próprio legitimado quer por sufrágio eleitoral, indirectamente, quer pela aprovação dos representantes directamente eleitos pelo povo na Assembleia da República aquando da apreciação do Programa do Governo nos termos constitucionais.
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Portanto, toda a lógica que, do ponto de vista do PSD, enforma a actividade de planeamento, de elaboração de planos de desenvolvimento como princípio estruturante da organização económica do Estado, tem a sua expressão necessária aqui, quanto à natureza dos planos, ao evidenciar sem mais que os planos de desenvolvimento são elaborados pelo Governo de acordo com a vinculação política a que ele está obrigado, quer perante o eleitorado quer perante os representantes eleitos do povo na Assembleia da República, o que se faz através do programa político do Governo, apreciado nessa Assembleia previamente à entrada em funções dos governos.
Tudo o mais, nomeadamente aquilo que actualmente resulta do texto constitucional, tem que ver com uma lógica que refutamos. O texto constitucional, ao longo das revisões constitucionais, foi tendo alterações de adequação, nesta ou naquela matéria, face à evolução que foi tendo nas revisões, sem nunca se pôr em causa (por razões que não vale a pena estar a equacionar agora) a necessidade de reordenamento e de reconceptualização daquela que deve ser verdadeiramente a actividade de planeamento em termos de organização económica do Estado. E que é, como discutimos aqui a propósito do artigo dos princípios estruturantes da organização económica, uma actividade de planeamento virada para o desenvolvimento económico e social, da responsabilidade do Governo. Será, pois, agora, em sede do artigo 92.º, altura de o dizer.
A intervenção da Assembleia da República consta do artigo seguinte, que diz respeito à elaboração dos planos, para o qual o PSD não propõe nenhuma alteração. Esse artigo irá prever, com toda a clareza, a intervenção que a Assembleia da República tem de ter, relativamente a esta actividade de planeamento, na aprovação das Grandes Opções do Plano. Estes, obviamente, devem ser apresentados pelo Governo e a Assembleia da República, na sua actividade fiscalizadora normal, deve ter como competência não só fiscalizar o acompanhamento da sua execução como, num primeiro momento, aprovar.
Portanto, o PSD não propõe nenhuma alteração quanto à intervenção da Assembleia da República, já que nos parece que o actual artigo 93.º tem uma formulação adequada.
Quanto ao artigo 92.º trata-se de saber qual a natureza destes planos e, do nosso ponto de vista, a única coisa que interessa dizer, porque é essa a margem de manobra que deve ter um governo democraticamente legitimado em cada momento, é que esses planos de desenvolvimento económico são elaborados pelo Governo de acordo com os compromissos políticos a que ele está obrigado perante os portugueses e perante os seus representantes na Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a parte final da sua intervenção ajuda, por um lado, a iluminar mas, por outro lado, a ensombrar a parte inicial, porque o leitor que tome a proposta do PSD, atinente ao artigo 92.º, pelo seu valor facial, julgará que se trata de um "terramoto" institucional em matéria de competência de órgãos de soberania para elaborar instrumentos de planeamento.
Contudo, se analisarmos - como sublinhou, e bem - as propostas, ou, aliás, a inexistência de propostas para o artigo 93.º e, designadamente, para o artigo 164.º, alínea g), no projecto de revisão do constitucional do PSD, verifica-se que o PSD não pretende alterar a repartição de competências e, portanto, continuará a competir à Assembleia da República aprovar as GOP; o Governo elaborará os instrumentos de plano habilitado com essas GOP, seguramente não contra elas e não sem elas. Portanto, o valor a dar à proposta que refere que os planos são aprovados pelo Governo de acordo com o seu programa tem que ser reinterpretada neste sentido: de acordo com o seu programa e de acordo com as GOP, ou seja, de acordo com as directrizes constantes de normas legais, se para tal obtiver a maioria bastante e se os instrumentos forem aprovados, e nos termos decorrentes dessa aprovação.
No fundo, não se dá ao Programa do Governo nenhum valor que ele não possa ter nem se diminui o valor dos mecanismos que é necessário fazer intervir para que o Governo elabore os ditos cujos planos. Então, o que é que se faz? Faz-se a descarga constitucional em relação à tipificação dos modelos de instrumentos de planeamento. Essa, sim, é a parte em que a norma, ou a proposta de norma, tem um conteúdo inovador. Dispensa definições, dispensa a expressão da articulação entre os instrumentos de planeamento e a sua expressão financeira orçamental; alarga as possibilidades de tipificação que o legislador ordinário tem e não altera a arquitectura constitucional em matéria de repartição de competências para a elaboração dos instrumentos.
Portanto, não vale a pena vender a proposta por mais do que aquilo que ela é. Ela é aquilo que é!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, pensei que as posições fossem perfeitamente claras. De resto, tentei marcar a apresentação da proposta do PSD com base numa filosofia geral, mas posso ser mais preciso se o Sr. Deputado José Magalhães entender ser ainda necessário.
O actual texto constitucional (que tem a história que tem, chegou aqui como chegou, não vale a pena discutir isso) continua enformado de uma filosofia que tem a ver, por um lado, com a actividade planificadora da economia, e que passaria, nesta parte relativa aos planos, por uma obrigatoriedade constitucional de elaboração de planos anuais, gerais, nacionais e portanto, sectoriais, regionais, planos de médio prazo e planos de longo prazo.
O Sr. Presidente: - De longo prazo já não há!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, os de longo prazo já não existem.
O Sr. Deputado está a seguir o meu raciocínio, com certeza!
O Sr. José Magalhães (PS): - Estou, estou! Aliás, sintetizei-o.
O Sr. Deputado pôs o enfoque num aspecto da proposta que é totalmente irrelevante, e até enganoso, que é a alusão ao programa do Governo. A proposta é, se me permite, tecnicamente menos correcta do que a proposta que o PS agora adianta, já que esta põe a Constituição de acordo consigo própria e não insinua que o Programa do Governo tenha qualquer valor que não aquele que tem, sem
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o majorar um cêntimo. Por outro lado, desvaloriza aquilo que é típico da sua proposta, que é alargar a liberdade para a configuração dos instrumentos de planeamento. Mas, de qualquer forma, trata-se de uma proposta que vamos considerar séria e cuidadosamente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, quanto à questão do Programa do Governo, relembro-lhe apenas, porque pode inferir-se outra coisa das suas palavras, que o que consta da proposta é rigorosamente o que consta do texto actual. Portanto, não há qualquer inovação da parte do PSD, é a Constituição que actualmente estatui que o plano é elaborado pelo Governo de acordo com o seu Programa. E o PSD não altera uma vírgula!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, peço que não me interrompa sistematicamente, sob pena de não permitir que eu explicite o que o Sr. Deputado tentou pôr em causa. Se quiser pôr em causa novamente, depois de eu terminar, poderá voltar a fazê-lo! Mas, interromper sistematicamente, ainda por cima com questões que são perfeitamente marginais, nem sequer são questões pertinentes, como esta questão do Programa…
A proposta do PSD consiste, pura e simplesmente, em manter o início e o fim do artigo 92.º. Apenas retira, não lhe acrescenta nenhuma palavra nova. Todas as palavras que o PSD propõe já constam do texto actual, apenas retira o "miolo" que decorre (e era essa explicitação que eu estava a dar) exclusivamente de uma lógica que, todos temos de reconhecer, está perfeitamente desajustada. A obrigatoriedade de o Governo realizar uma planificação nacional anual, nacional, sectorial, por regiões e, ainda, um plano de médio prazo, é evidente que, hoje em dia, não faz sentido! O que faz sentido, do ponto de vista do PSD - é essa a reformulação que eu pedia que o Partido Socialista equacionasse no seu todo, sendo evidente que a primeira leitura serve para estas coisas, como o Sr. Presidente muitas vezes nos recorda, e bem -, é que a actividade de planeamento passasse a ficar contemplada na Constituição sem obrigatoriedade de ser feita anualmente.
A experiência que o PSD tem - e penso que o Partido Socialista tenderá a reconhecer-se rapidamente nessa perspectiva das coisas - é a de que esta obrigatoriedade constitucional de fazer uma actividade de planificação permanente, anual, de médio prazo, o facto de se subjugar toda a organização e gestão da actividade económica a uma lógica planificadora, é algo que hoje em dia está perfeitamente afastado. Teremos, pois, oportunidade de, na revisão de 1996, afastar definitivamente o conceito de organização económica estruturada numa actividade planificadora da economia.
Portanto, faz todo o sentido consagrar na Constituição que o Governo deixe de ser obrigado a apresentar planos anuais. Ora, a lógica da proposta do PSD é que o Governo deixe de ser obrigado a apresentar planos de médio prazo, que deixe de ser obrigado a fazer a actividade planificadora na lógica que decorria do texto inicial, que foi tendo sucessivas alterações - ainda que pequenas, aquelas que foi sendo possível consensualizar entre os dois maiores partidos portugueses -, de forma a que se passe a equacionar a actividade de planeamento como uma actividade de elaboração, em colaboração com os parceiros sociais, de planos de desenvolvimento económico e social, que terão o alcance e a perspectiva que, obviamente, em cada momento, os governos, de acordo com a sua política económica, entenderem ser a mais desejável e a mais adequada.
É certo que a Assembleia da República deverá manter, de acordo com a proposta do PSD, a aprovação genérica das Grandes Opções a que deve presidir a elaboração de todos esses planos, quaisquer que eles sejam, que os Governos legitimados sintam necessidade de ir elaborando e fazendo aprovar. A Assembleia da República terá sempre de aprovar as grandes linhas desta actividade de planeamento e, como veremos à frente, haverá um conjunto de entidades, nomeadamente parceiros sociais e outras entidades, como organizações de família e autarquias locais, que terão de ter, também, um papel na discussão e na definição das orientações que devem presidir à definição desses planos de desenvolvimento económico e social.
Sr. Deputado, é este o contexto da proposta do PSD, com uma formulação mais para a esquerda ou mais para a direita. Peço ao Partido Socialista para equacionar estas questões dentro de uma lógica própria. Aliás, o projecto de revisão constitucional do PSD e as propostas sucessivas para os artigos 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º e 95.º inscrevem-se dentro dessa lógica, pelo que peço que seja a essa luz, e não à luz rígida, fixista de tirar a fotografia ao artigo A ou ao artigo B, que se equacione se faz ou não sentido tal alteração.
Se o Partido Socialista estiver aberto a abandonar a lógica estruturante da economia planificada e a equacionar a actividade de planeamento numa perspectiva de plano de desenvolvimento regional, então, sim, poderemos avançar para analisar como é que essa actividade se desenrola, a quem compete e qual a natureza dos planos: se são governamentais, supra-governamentais ou parlamentares. Só então iremos discutir a natureza, a intervenção da Assembleia da República e das outras entidades na elaboração dos planos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dar uma pequena explicação ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, talvez até mais pelo tom do que pelo conteúdo.
Sr. Deputado, não vale a pena atirar os rocinantes para batalhas que não existem e desentender aquilo que foi dito. Chamei a atenção para um pequeno aspecto, que é o que, de resto, corresponde à nossa proposta para o n.º 1, e não posso ser censurado por ter "defendido a dama" com o pundonor que é, de acordo com a leitura que fazemos, adequado. Mas também não irei além daquilo que é adequado.
Ou seja, a nossa proposta (e foi só a isso que me referi) inova onde o PSD conservou, mas sem razão. E creio que nos podemos entender simplesmente para pôr a Constituição de acordo com a arquitectura institucional e não estabelecer o equívoco quanto ao valor dos Programas do Governo nesta matéria.
O PSD é, provavelmente, susceptível de ser persuadido de que a nossa proposta para a parte final é mais conforme à arquitectura da repartição de competências entre órgãos de poder. Mas esta é, tendo em conta a economia
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da discussão, uma questão sobre a qual creio não valer a pena estabelecer nenhuma polémica. Poderemos todos estar de acordo quanto a esse ponto.
Resolvido este ponto, é possível passar à outra questão, e quanto a essa a nossa "estrela polar" é simples de enunciar. Não vale a pena, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tentar amarrar o Partido Socialista ou convidá-lo a abandonar lógicas de planeamento central que, filosoficamente, nunca perfilhou, graças ao que a Constituição, de resto, estatui o que estatui e não outra coisa.
A possibilidade de encarar flexibilizações, neste como noutros artigos, está em aberto para nós, sem perda de "estrelas polares" e de fios condutores, como sejam aqueles que o Sr. Deputado enunciou e nos quais nos reconhecemos. Ou seja, não devem ser diminuídas as garantias de intervenção e de participação; não deve ser diminuída a garantia de participação de órgãos de soberania no processo de produção dos instrumentos que deva haver e, evidentemente, conhecemos muito bem, acompanhamos, participamos na elaboração e na reinvenção dos instrumentos de planeamento. Isto faz parte da agenda política do fim do século e, no contexto criado pelo avanço da construção europeia, exige-se que não percamos o apego a determinados princípios, designadamente os princípios "participatórios" e os princípios de intervenção representativa dos diversos órgãos de poder.
Protestos do Deputado do PCP, Luís Sá.
O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, que está a pedi-la com razão, e com algum nervosismo, desde que deixei estabelecer um diálogo pouco usual nesta discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Com nervosismo não, com interesse, Sr. Presidente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria apenas de dizer o seguinte: para já, há uma dicotomia, que creio que era bom ultrapassar, entre a economia planificada e a economia de mercado. Ora, é evidente para todos que há possibilidade teórica de socialismo no mercado e de planeamento em economias capitalistas. Estes são pontos que estão mais do que ultrapassados.
Tendo em conta, por exemplo, de novo, a questão do plano de desenvolvimento regional plurianual, a que a Comunidade Europeia obriga, e o qual é extremamente extenso, pormenorizado, etc., ou os planos regionais que foram aprovados, os múltiplos planos especiais, com categorias próprias, que igualmente o PSD fez aprovar e cuja lei foi sujeita a ratificação por esta Casa (os sete tipos de planos especiais para diferentes objectivos), creio que chegaremos facilmente à conclusão de que não é por aqui que passa o mais importante.
Nesta área há um aspecto importante a ter em conta, que é o facto de esta norma ter algumas finalidades, que creio serem razoavelmente evidentes. Primeiro, o Orçamento deve ser expressão financeira do Plano, e esta norma vale em relação à Comunidade Europeia, quando, por exemplo, determina que o Quadro Comunitário de Apoio deve ser expressão financeira do plano de desenvolvimento regional a que ele obriga - creio que é razoavelmente elementar. Dispõe esta norma, por outro lado, que os planos regionais ou planos sectoriais, existindo, devem ser igualmente subordinados ao plano anual.
Creio que são questões razoavelmente elementares e que só um grau muito razoável de preconceito nesta área é que pode levar à respectiva eliminação, sem prejuízo dos aperfeiçoamentos que seja de introduzir.
Creio que a proposta do PS no sentido de substituir a expressão "de acordo com o seu programa" pela expressão "de acordo com a Lei das Grandes Opções" é razoável num aspecto. É que não se concebe, em princípio, que o Governo execute políticas, elabore programas, que não sejam de acordo com o seu programa. E noutro conjunto de normas da competência do Governo não é acrescentada a expressão "de acordo com o seu programa".
Entretanto, surge-me uma interrogação, que é a de saber se a expressão "de acordo com a Lei das Grandes Opções" tem uma utilidade definida e importante. Também não conceberia a existência de planos de desenvolvimento que não estivessem de acordo com a Lei das Grandes Opções. Mas, em todo o caso, não colocamos objecções a esta substituição.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço que seja breve na medida em que tenho de encerrar a reunião.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de colocar uma questão (assim, o Partido Socialista levava trabalhos para casa e ficava de pensar nela), a qual foi suscitada pela intervenção do Sr. Deputado José Magalhães e que, pelos vistos, também, passa a ser extensível ao Partido Comunista, uma vez que o Sr. Deputado Luís Sá, na sua intervenção, deu algum assentimento, embora não tivesse sido totalmente explícito, à proposta do Partido Socialista.
A questão que coloco é esta: como é que se compagina esta proposta do Partido Socialista com a lógica do artigo 93.º? Porque se o artigo 93.º estabelece que a Assembleia da República tem a competência de, relativamente a cada plano, apreciar e avalizar as grandes opções ou, utilizando uma terminologia mais corrente, as grandes linhas que orientam o plano que lhe é submetido pelo Governo, há uma certa contradição de princípios - digo-o com toda a franqueza e com toda a honestidade intelectual. Conforme é proposto pelo Partido Socialista, se o Governo já está confinado às grandes opções para a elaboração dos planos, fará pouco sentido estatuir, mais à frente, no artigo 93.º que, ainda assim, os planos são "tríados". É quase como não uma aprovação dos planos por parte da Assembleia da República mas uma ratificação! A Assembleia limita-se a ratificar, a confirmar que as grandes opções foram respeitadas pelo Governo na elaboração dos planos.
Há, de facto, aqui alguma contradição. O artigo 92.º diz respeito à natureza dos planos e o artigo 93.º à sua elaboração. E, portanto, se há uma regra de submissão ou de necessidade de triagem (parece-nos a nós, PSD, adequado que assim seja), de intervenção da Assembleia da República de forma a fiscalizar se os planos obedecem a determinadas grandes linhas, as tais grandes opções, em que a Assembleia da República se revê, deve continuar prevista no texto constitucional a competência de a Assembleia da República aprovar o plano, fiscalizando as suas grandes linhas. Mas fará já menos sentido que a proposta do Partido Socialista venha estabelecer que os planos têm de ser elaborados pelo Governo de acordo com a Lei das Grandes Opções. Ou seja, até parece que há uma realidade
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pré-existente à liberdade que o Governo tem de elaborar planos, de preparar os planos, limitando-se a Assembleia da República a "agarrar" na proposta de plano que lhe é submetida (competência que lhe é conferida pelo artigo 93.º, e bem), e, quase que numa prática de sobreposição, verificar se o plano que lhe é remetido confere ou não com as grandes opções.
Parece-nos que esta não é a lógica mais adequada, com toda a franqueza. Será mais adequado que o artigo 92.º preveja que os planos são da liberdade do Governo, de acordo com o seu programa político (tal como já consta actualmente na Constituição, e bem), e que, então, a Assembleia da República, como refere o artigo 93.º, aprove as grandes opções correspondentes a cada plano e, posteriormente, em termos cronológicos, aprecie os relatórios da sua execução, no âmbito da actividade fiscalizadora normal que tem sobre o Governo e, em específico, sobre as grandes orientações da política económica.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, insiste em falar?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, insisto porque suponho que, nesta matéria, não se justifica que haja "trabalhos de casa", a não ser num sentido irónico.
A proposta do PSD, se bem entendo, não altera em nada a actual repartição de competências para a elaboração destes instrumentos. E se não altera em nada, tal significa que a Assembleia da República, como nós sugerimos e propomos, e como, de resto, tem acontecido, com uma excepção, aprova as chamadas grandes opções do plano, com base nas quais o Governo prepara e elabora o dito cujo, ou os ditos cujos, os quais são fiscalizados pelo Parlamento. O Parlamento não aprova os planos, e o PSD não propõe tal coisa! O resto é um equívoco.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não podemos continuar até porque creio que estamos a discutir uma questão de pormenor, uma questão acidental, que é a de saber a que se vincula o plano elaborado pelo Governo. Não estamos a discutir a proposta principal, que é a do PSD. Proponho que à tarde, quando recomeçarmos os trabalhos, vamos ao cerne da questão.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 12 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, tínhamos ficado no artigo 92.º, cuja discussão não terminou.
Há aqui dois problemas distintos que importa separar. Um deles decorre da proposta do PS, que, sem alterar o actual conteúdo do artigo, apenas substitui a parte final, isto é, onde se lê "de acordo com o programa do Governo", passar-se-ia a ler "de acordo com a Lei das Grandes Opções". O outro prende-se com a proposta do PSD, que elimina toda a parte central do artigo, de tal modo que o artigo passasse a estatuir apenas "Os planos de desenvolvimento económico e social são elaborados pelo Governo de acordo com o seu programa", eliminando, portanto, a referência aos planos a médio prazo, ao plano anual, à expressão financeira do Orçamento de Estado do plano anual, ao conteúdo do plano anual, etc.
Propunha que analisássemos ponto a ponto, isto é, que discutíssemos (ainda que a discussão já tivesse sido iniciada e, a meu ver, não há muito mais a acrescentar) ou assentássemos posições primeiro sobre a proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, vou recolocar a questão porque, embora tome 5 minutos do tempo da Comissão, penso que haverá um ganho na medida em que, de uma assentada, poderemos ter uma visão diferente sobre a globalidade dos artigos deste título, e não apenas do artigo 92.º.
Quero reiterar a posição defendida pelo PSD, que já tinha sido aventada e que na altura pensei que tinha sido suficientemente compreendida pelo Partido Socialista, aquando da discussão do artigo 80.º.
A questão é a seguinte: o PSD não concorda com a definição, em termos constitucionais, de uma lógica de economia planificada, e, enquanto tal, não concorda que deva haver planos anuais, sectoriais, de médio prazo, regionais… Enfim, não concordamos que haja uma lógica de planificação da economia que abranja, quer temporal, quer sectorial, quer regionalmente, toda a actividade económica. Não é esta a proposta que o PSD tem para a revisão constitucional.
Pelo contrário, o PSD até entende que essa não é a realidade de hoje em dia, constituindo uma questão totalmente ultrapassada e que só faria sentido na perspectiva de uma Constituição escrita com base num modelo económico de economia planificada, modelo esse que foi abandonado. Há, portanto, que aproveitar esta revisão constitucional para retirar toda essa lógica planificadora da Constituição. Sendo certo que o PSD entende que existe não esse tipo de planificação mas uma valência de planeamento fundamental, moderna, actual que deve estar consagrada na Constituição, a qual deve manter um capítulo referente a essa actividade de planeamento, centrada no seu conceito e na sua densificação e de que, actualmente, de resto, ela beneficia em termos da economia e da sociedade portuguesas.
Defendemos por isso, a propósito do artigo 80.º, que se eliminasse a alínea relativa à planificação democrática da economia e se optasse, eventualmente, por substituir aquela ideia por uma lógica de planeamento para o desenvolvimento económico e social, planeamento esse que era participado, na sua elaboração e definição, por agentes da sociedade, conforme o Conselho Económico e Social (os representantes dos trabalhadores, os representantes das associações patronais e a Associação Nacional de Municípios Portugueses), isto é, por toda aquela realidade que hoje em dia conhecemos e que faz parte do conceito moderno de planeamento.
Posto isto, no Título II, fundamentalmente nos artigos 91.º, 92.º, 93.º, 94.º e 95.ºdo texto constitucional, encontramos ainda uma confusão entre os planos de desenvolvimento e um outro tipo de planos, os quais só fazem sentido numa lógica de economia planificada - que o PSD entende que nunca foi plenamente realizada na sociedade portuguesa.
Ou seja, o texto constitucional de algum modo deixa claro - desde logo no artigo 92.º - que os planos de desenvolvimento devem subordinar-se às orientações fundamentais dos planos sectoriais e regionais. Portanto, a
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lógica que decorre do actual texto constitucional (que tem a história que tem e, aliás, vários dos Srs. Deputados que estão nesta Comissão conhecem, seguramente, melhor do que eu como é que se chegou à actual redacção) é a de que, para além da realidade dos planos de desenvolvimento, preexiste uma outra que decorre da lógica planificadora da economia e que corresponde aos tais planos que devem condicionar, segundo o que estatuía o artigo 92.º, a própria elaboração dos planos de desenvolvimento.
Com toda a clareza e frontalidade, o PSD propõe que eliminemos de uma vez por todas da Constituição algo que nunca teve um uso pleno em Portugal. No nosso regime democrático, pelo menos nos governos constitucionais, nunca houve uma actividade planificadora da economia tal qual estava prevista, numa lógica de planeamento anual, de médio prazo, de longo prazo, sectorial, regional. Nunca houve essa política planificadora, portanto, o texto tal qual está até carece de uma veracidade histórica.
Do ponto de vista do PSD, hoje em dia, esse texto não faz qualquer sentido e, numa perspectiva moderna, não é esse tipo de actividade de planeamento que deve ser consagrado no texto constitucional. É por isso que na nossa proposta relativa ao artigo 92.º retiramos todo o miolo do artigo, que, no fundo, é a submissão da actividade de planos de desenvolvimento a outro tipo de planos que, como já dissemos aquando da discussão do artigo 80.º, pura e simplesmente não deve existir.
Quanto à lógica da Lei das Grandes Opções, das grandes linhas orientadoras, entendemos que ela deve manter-se, porque, se é certo que a actividade de planos de desenvolvimento deve ser da competência do Governo também é certo que deve haver um controle das grandes opções do plano feito pela Assembleia da República, que tem a incumbência de fiscalizar o Governo, bem como, em termos de política económica, a orientação do Estado.
Nesse sentido, na redacção do artigo 92.º acabaríamos com a submissão dos planos de desenvolvimento a uma outra realidade de planos, que nunca existiu e que não deve existir daqui para a frente, e na redacção do artigo 93.º manteríamos apenas que o Governo, quando realiza planos de desenvolvimento, deve submeter previamente à aprovação da Assembleia da República as grandes opções dessa sua actividade planificadora. Uma vez aprovadas pela Assembleia da República essas grandes opções, configuradas na Lei das Grandes Opções, o Governo desenvolve normalmente a sua actividade planificadora, de execução de planos de desenvolvimento, já não na tal lógica de planificação da economia que preexiste aos planos de desenvolvimento. É este o conceito que enforma as propostas do PSD para este capítulo.
Resumindo, queremos acabar com essa lógica de planificação da economia na Parte II da Constituição, relativa à Organização Económica - já o tínhamos dito aquando da discussão do artigo 80.º -, o que tem uma especial expressão no Título II, sobre os planos, onde queremos reduzir a existência de planos a uma actividade, que nos parece uma actividade moderna e lógica, com todo o interesse e toda a validade em termos de política económica, aos planos de desenvolvimento económico e social, com a informação que hoje em dia têm e que nós procuraremos manter.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agradecemos esta informação complementar. O nosso juízo nesta matéria está expresso: contribuiremos para aquilo que já foi enunciado, ou seja, para a reponderação de funções constitucionais dentro de determinados limites.
É preciso reinventar, nenhuma dúvida há, os instrumentos de planeamento, e isso, disse-o há pouco, faz parte da agenda política do fim deste século, ou seja, é preciso criar novos mecanismos associados a formas de cooperação entre os Estados membros da União Europeia, capazes de dar voz às dimensões regionais que existem em todos os Estados do nosso vastíssimo território. É preciso saber fazê-lo sem instaurar um comando financista e monetarista sem sensibilidade social; é preciso saber fazê-lo preservando margens de decisão razoáveis por parte de órgãos nacionais e instaurando, ao mesmo tempo, mecanismos de controlo e de ajustamento recíproco das diversas opções. É esse "mosaico" complexo que é preciso que caiba harmoniosamente dentro do tecido constitucional.
De facto, não encontrámos até hoje nenhum obstáculo constitucional a que tal ocorresse e assim temos gerido, com inclinações e colorações diferentes, este quadro, que se revelou bastante mais "plástico" do que alguns julgavam e que literalmente nada tem a ver com instituições de planeamento central, que nunca foram letra constitucional em Portugal, uma vez que, como se sabe, a inspiração para esta parte da Constituição partiu mais das experiências de planeamento do pós-guerra nos Estados com economias de mercado, em especial da francesa, do que de quaisquer outras.
Sr. Presidente, dito tudo isto, para sintetizar, manifesto a nossa disponibilidade para reponderar e flexibilizar soluções sem perder de vista os princípios. Quais são esses princípios? Estamos abertos à criação de novos mecanismos desde que respeitem a natureza da nossa economia, o papel do Estado, a iniciativa privada e os princípios de participação, que se desejam concertados. Dentro destes princípios estamos disponíveis para encontrar flexibilizações constitucionais.
Suponho que esta resposta será objecto de excelente acolhimento por parte do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Confirmo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão registadas as posições quanto à proposta do PSD: o PS está aberto à flexibilização do texto, em termos a apurar, e o PCP manifestou a sua oposição.
A proposta do PS, de alterar a redacção da parte final do artigo 92.º, isto é, de onde consta "(…) de acordo com o seu programa." passar a constar "(…) de acordo com a lei das grandes opções.", tem a oposição do PSD, se bem interpretei.
Tem a palavra o Sr. Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, face a esta reponderação que entendemos necessária - e congratulamo-nos muito que o Partido Socialista também tenha uma visão moderna sobre este assunto, neste momento -, parece-nos que, da própria articulação que é necessário fazer-se deste artigo (se este artigo da natureza dos planos ficar na Constituição) com o artigo seguinte, não faz grande sentido dizermos que os
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planos - para já, a primeira parte da proposta do Partido Socialista continua a referir, do nosso ponto de vista incorrectamente, planos de médio prazo e o plano anual - de desenvolvimento económico e social são elaborados com base na Lei das Grandes Opções.
Penso que toda a mecânica tem de ser reponderada, e a proposta do PSD (que será agora reanalisada face a esta posição de abertura da parte do Partido Socialista) é a de ver exactamente, nesta actividade de planos de desenvolvimento, onde é que entra o Governo e onde é que entra a Assembleia da República. Isto é, ponderar quais são os aspectos que a Assembleia da República tem de aprovar, bem como acompanhar e fiscalizar subsequentemente, como consta do artigo 93.º "(…) apreciar os respectivos relatórios de execução". Tem que haver, repito, toda uma reponderação.
Portanto, não nos parece útil analisar agora, isoladamente, esta proposta de alteração da redacção da parte final do artigo 92.º, porque a nossa posição é de que todo o artigo 92.º está "inquinado" e tem que ser reponderado numa perspectiva global.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica esclarecido esse ponto. Portanto, também esta proposta de alteração será abrangida pela reconsideração do texto de todo o artigo 92.º.
Há ainda uma proposta de aditamento de um n.º 2 ao artigo 92.º, apresentada pelo Partido Socialista, que tem a ver com os planos de desenvolvimento regional e que é do seguinte teor: "Os planos de desenvolvimento regional são elaborados pelas juntas regionais, traduzem as opções dos planos regionais e concretizam os contratos-programa estabelecidos entre a administração central e a administração regional."
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta vale por si, ou seja, vale nesta sede ou noutra, mas entendeu-se que esta poderia ser uma boa sede para se aludir ao carácter plural, às diversas modalidades de planeamento, aliás dentro da lógica do actual Título II.
A norma é económica, proclama uma repartição de competências e define uma lógica, ou seja, deve caber às juntas elaborar aquilo a que chamamos planos de desenvolvimento regional, esses planos devem traduzir certas grandes opções e devem concretizar-se contratos-programa estabelecidos entre a administração central e a administração regional.
Está aqui em debate uma questão que vai exigir apuramento. Já há leis em vigor nesta matéria, aprovadas por razoável consenso, elas saíram nas páginas no Diário da República, naturalmente, mas não estão testadas por planejadores regionais, figura que é preciso que nasça e que, depois de nascer, terá que ter algum tirocínio.
Saber em que é que vai consistir este planeamento regional e qual a sua margem de manobra pressupõe que sejam pré-respondidas questões interessantes sobre a panóplia de competências e atribuições das próprias regiões administrativas, o volume e fontes de recursos, logo a sua capacidade de empreendimento, e as áreas selectivas em que vai inserir-se a sua acção. A nossa proposta adianta já alguma ideia, que é também um limite de actuação, ou seja, o planeamento deve estar estritamente ligado a contratos-programa estabelecidos entre a administração central e a administração regional, para realizar determinados grandes objectivos em áreas infra-estruturais, mas não só.
Para nós, a questão sobre se a melhor sede é o artigo 92.º ou o artigo 258.º, no qual actualmente se disciplina a elaboração dos planos regionais e a participação nos planos nacionais, é uma questão não fechada, por definição, mas cremos que a introdução de uma menção ao desenvolvimento regional e aos planos de desenvolvimento regional poderia ser mais, e simultaneamente, uma tradução de verdade constitucional. O desenvolvimento há-de ser regional, ou dificilmente o será.
O Sr. Presidente: - Está posta à discussão a proposta do Partido Socialista.
Srs. Deputados, noto o seguinte aspecto: se a ideia é completar os planos a nível de Estado com os planos a nível de outras entidades territoriais infra-estaduais, então também seria de trazer para aqui os planos das regiões autónomas, porque esses até estão previstos na Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, perguntamo-nos sobre se o artigo 258.º não seria a sede própria para introduzir melhorias nesta matéria. É claro que não concebemos regiões administrativas sem a competência de elaborar planos de desenvolvimento regional.
Entretanto, para além do problema de inserção sistemática, que não é o principal, e da coerência, que acaba de ser referido pelo Sr. Presidente, há um aspecto sobre o qual nos interrogamos, que é o da grande valorização que se introduz nesta proposta ao estabelecer os contratos-programa celebrados entre a administração central e a administração regional como expressão máxima dos planos regionais, isto é, os planos regionais aparecem aqui, acima de tudo, como expressão da concretização de contratos-programa. Ora, penso que é completamente líquida e adquirida por todos nós a ideia de que a "contratualização" de actividades no seio da Administração Pública só pode ter vantagens e de que alargar domínios de cooperação em vez de proceder à separação rígida de atribuições e competências é inteiramente explicável, podendo daí resultar mais-valias em termos de eficácia e eficiência.
Contudo, simultaneamente há um problema que resulta claro no meu espírito, que é o seguinte: por exemplo, o Governo acabou de reunir com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, tendo apresentado opções fundamentais do Orçamento do Estado para 1997, em que, para além de um alargamento muito restrito do Fundo de Equilíbrio Financeiro, propõe um alargamento de 52% da verba para contratos-programa.
Ora, esta verba para contratos-programa tem uma característica que é a possibilidade de alargar fortemente a discricionariedade da administração central na selecção dos contraentes. Portanto, por esta via pode introduzir-se um instrumento de favores e desfavores, que eventualmente pode não ter que ver com opções explicáveis no plano de desenvolvimento económico e social, do cumprimento de objectivos constitucionais legais, mas pode ter, por intuito estritamente, discriminações políticas em ano eleitoral.
Isto para referir que há vertentes - e eu não estou naturalmente a fazer processos de intenções nesta matéria, nem quero fazer, isso seria totalmente ilegítimo - que
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podem resultar desta valorização dos contratos-programa, que até pode admitir-se perfeitamente não terem sido queridas pelos proponentes, mas que não deixam de ser relevantes quando meditamos sobre o alcance desta norma que é proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que há um esforço de reponderação desta proposta, por parte do Partido Socialista, na sequência da reflexão global a que Partido Socialista deu o seu agréement, relativamente ao contexto geral de todo este título da actividade de planeamento.
Se repararmos bem, esta proposta do Partido Socialista, de aditamento de um n.º 2 ao artigo 92.º, ainda vem enformada, de certa maneira, da visão de submissão da actividade de planos de desenvolvimento à outra realidade planificadora, tanto que a redacção deste n.º 2 ainda diz que os planos de desenvolvimento regional são elaborados pelas juntas, traduzindo opções de planos regionais. Portanto, este n.º 2 ainda se baseia na lógica de que preexiste uma actividade planificadora, ainda que regional, da competência do Estado - é isso que cá está escrito -,…
O Sr. Presidente: - Penso que está a exagerar…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e os planos de desenvolvimento serão elaborados traduzindo as opções dos planos regionais.
Ora, no reequacionamento que temos que fazer, em termos globais, desta actividade de planeamento, penso que esta sobreposição de instrumentos de planeamento tenderá a desaparecer. Por conseguinte, o que fará sentido pensar (e o Partido Social-Democrata manifesta-se disponível desde já para ponderar a questão nesse reequacionamento global) é que, à semelhança do que se passa nos planos de desenvolvimento económico e social numa perspectiva nacional, que são elaborados pelo Governo, deve haver, necessariamente, para os planos de desenvolvimento que tenham incidência estritamente regional - quando se diz aqui planos de desenvolvimento regional, entenda-se assim, como é evidente, é essa a intenção dos proponentes -, uma participação (eu não queria usar já a palavra de uma competência de elaboração, definitiva, total, por parte das instâncias regionais) por parte das instâncias regionais.
Os planos de desenvolvimento regional devem obedecer ao princípio de desenvolvimento harmonioso e integrado entre regiões, que está previsto logo no primeiro artigo do título relativo aos planos (estabelece que todos os planos de desenvolvimento devem obedecer aos critérios de desenvolvimento harmonioso e integrado das regiões e dos sectores), e, obviamente, estão subordinados à lógica de plano de desenvolvimento nacional, mas têm que ter uma participação muito grande por parte das junta ou dos órgãos regionais, que temos de discutir até onde irá.
Chamo também a atenção para o seguinte facto: como já ficou acordado nesta Comissão que em qualquer circunstância a regionalização estará sempre condicionada a um passo prévio, que é o referendo, não podemos consagrar na Constituição mecanismos que ponham em causa a existência de planos de incidência regional, no caso de não virem a haver órgãos regionais.
Digo isto porque se nós condicionamos - e isso já é um dado adquirido - a implantação dos órgãos regionais a um referendo prévio temos todos, obviamente, que aceitar, democraticamente, que pode dar-se o caso de a constituição de órgãos regionais não ser para tão breve quanto isso, e se não for para tão breve quanto isso, não é por aí, do meu ponto de vista, que deve ficar liminarmente inibida na Constituição a hipótese de existir qualquer plano de desenvolvimento de incidência regional.
Portanto, temos que ter esta dupla cautela na ponderação da norma que vier a ficar consagrada na Constituição sobre esta matéria, sendo certo que desde já manifesto a abertura do Partido Social-Democrata, para, na reapreciação global desta questão da actividade de planeamento, contemplarmos a realidade de planos de desenvolvimento de incidência regional, e, se forem contemplados, terão necessariamente que sê-lo com a expressa menção a uma competência acrescida dos órgãos regionais sobre a sua definição, mas a uma competência exclusiva já não sei, precisamente pelo facto de a regionalização estar condicionada, noutro sector da Constituição, à realização prévia de um referendo, que pode dar qualquer dos dois resultados. Pelo exposto, não podemos coarctar desde já a hipótese de existência de planos de desenvolvimento pura e simplesmente porque só podem ser elaborados por órgãos que se calhar não existirão tão depressa quanto isso.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, queria colocar uma questão ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: - Claro que pode, Sr. Deputado, mas apelo para o seguinte: penso que estamos a perder o sentido de economia, de não dispersão, com esta questão. Já vamos com cerca de três horas de discussão sobre este artigo e creio que nem o artigo nem as questões até agora encontradas o merecem.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, partilho da sua preocupação, com esta nota: é que penso que o argumento que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de utilizar corresponde a uma interpretação de todo inaceitável do acordo que o PS e o PSD estabeleceram - estou tanto mais à-vontade quanto é sabido que me opus a ele -, porque, verdadeiramente, o que será referendado é a lei de instituição em concreto e a instituição em concreto de cada região, não é a questão de saber se é obrigatório ou não instituir regiões em Portugal. Isso é obrigatório e vai continuar a ser. A proposta do PSD foi outra. Como é sabido, o acordo que o seu partido estabeleceu vai num sentido bem diferente.
Já todos concordámos noutra ocasião que, por exemplo, se houver um referendo negativo, tal só cria ao poder político a obrigação de fazer outra lei que tenha um referendo positivo, não permitindo a interpretação de que fica afastada a obrigação constitucional de instituir regiões em Portugal.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, não façamos "chover outra vez no molhado". Essa questão está resolvida,…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas, Sr. Presidente, esta questão é importante…
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O Sr. Presidente: - … já se tomaram decisões e até já se fizeram votações, portanto não vale a pena trazê-la outra vez para esta "cena"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é a única parte de revisão que já teve duas leituras!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Está bem, mas não há outra interpretação possível!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nós sabemos que o PCP votou contra.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que está em causa neste ponto é o seguinte: se na redacção do artigo 92.º, que prevê os planos de nível estadual, deve mencionar-se também os planos regionais. É a única questão que proponho que seja posta à discussão.
O PS propôs trazer para o artigo 92.º os planos regionais, que já estão previstos no artigo 258.º. Aliás, a esse propósito, observei que caso se fizesse essa transposição também se deveria trazer para este artigo os planos das regiões autónomas. É sobre estas questões que quero que os partidos discutam e assumam posições. Quero, portanto, que me digam se concordam, ou não, em trazer para o capítulo geral dos planos a menção especial dos planos das regiões administrativas e das regiões autónomas.
Tem a palavra o Sr. José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): -Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa inclinação foi favorável, embora como acaba de mencionar e bem, incompleta, uma vez que não levámos o esforço de transposição e de tipificação, ou de alusão às várias espécies de planos, até ao seu extremo limite, mas isso, muito obviamente, não nos suscitaria qualquer objecção e corresponderia à verdade constitucional.
Toda a discussão feita em torno do chamado planeamento regional parece um pouco prejudicada por uma má compreensão, ou por uma não aquisição plena, dos resultados da nossa discussão sobre as regiões administrativas. Mas esse aspecto foi clarificado há pouco e o Sr. Deputado Luís Sá interpretou bem os resultados a que tínhamos chegado - entenda-se o PSD e o PS - no debate feito na primeira parte da revisão constitucional, em duas leituras.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, inclino-me no sentido de não ver mais-valia alguma na inserção do planeamento regional nesta "cena", independentemente de também mencionar um outro aspecto: hoje o planeamento municipal tem igualmente uma componente económica e social. É sabido que os planos directores municipais, em particular, têm cada vez mais uma preocupação de desenvolvimento integrado que inclui não apenas os aspectos de ordenamento do território, que eram tradicionais, mas também componentes deste tipo. Daí que a questão que se me coloca é a de saber se poderíamos tratar aqui o problema do planeamento e dos vários planos em termos coerentes de modo a que não haja lacunas complicadas.
De resto, permanece também a outra observação que colocámos a respeito da ênfase dada aos contratos-programa, designadamente a propósito de atribuir, como função primeira, aos planos regionais a concretização de contratos-programa com a administração central, o que é também uma concepção que, como referi, não acompanhamos.
O Sr. Presidente: - Fica registada a objecção do PCP quanto à inserção e ao conteúdo.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostaria que tomasse posição, de forma sumária, sobre as duas questões que coloquei, agora independentemente da formulação, porque, quanto a isso, já ficaram registadas as dúvidas, as reservas ou as objecções do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se nos coloca a questão nesses termos, devo responder o seguinte: desde logo, existe uma diferença muito substancial - e ela tem de ser objecto da reponderação de que falei - entre aquela que é a realidade das autonomias das regiões autónomas, passo o pleonasmo, e da autonomia que terão, ou não, no figurino que vier a ser adoptado da regionalização, as regiões administrativas no continente.
Portanto, a questão que terá que ser reponderada desde logo, e de uma forma madura e reflectida, do ponto de vista do PSD, é se, face à panóplia de competências - no artigo 255.º está estabelecido que as competências das regiões administrativas serão cometidas para lei própria e, portanto, não é a Constituição que cuida disso -, fará ou não sentido falar em autênticos planos de desenvolvimento…
(Por motivos de ordem técnica, não foi possível registar as palavras finais do orador nem o pedido de esclarecimento do Sr. Presidente).
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta do PSD é de eliminação desse artigo. O que o Sr. Presidente disse ficou adquirido por não haver maioria de dois terços para alterar o artigo. É completamente diferente, Sr. Presidente!…
O Sr. Presidente: - É esse o destino das revisões constitucionais, ou seja, irmos por partes!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Porém, chamo a atenção para o facto de a referência do artigo 258.º aos planos regionais ser exactamente a mesma que é colocada no artigo 92.º.
Há pouco, solicitei que houvesse uma ponderação entre esta primeira leitura e a segunda leitura, pelo menos da parte do Partido Socialista, que é fundamental para a revisão, no sentido de acabar com essa lógica planificadora de planos nacionais, planos regionais, planos sectoriais, planos de médio prazo e planos anuais (os de longo prazo já foram extintos, graças a Deus)!
É toda essa lógica que deve ser posta em causa! Se o artigo 258.º está como está, recordo que apenas o PSD propôs a sua eliminação - e o Sr. Presidente sabe-o muito melhor do que qualquer um de nós, pois tem a responsabilidade de gerir esta Comissão -, o que não foi possível na leitura que fizemos inicialmente deste capítulo da Constituição. Não tendo sido possível atingir os dois terços para alterá-lo, o Sr. Presidente, e muito pragmaticamente, disse "não havendo maioria, fica como está"! Ora, isso é completamente diferente de o PSD defender a permanência
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de planos regionais, que é a mesma lógica que aqui está colocada, Sr. Presidente, com toda a franqueza!…
O problema que deve colocar-se agora é o seguinte: se vamos aceitar reponderar toda esta lógica da planificação, aquilo que ficar adquirido neste título da Constituição terá que depois ter a sua repercussão necessária, nomeadamente nas regiões autónomas, com as devidas adaptações. É que quanto às regiões autónomas, como o Sr. Presidente sabe, também se fala no plano regional e nos planos de desenvolvimento económico regional, ou seja, continua a haver também a mesma duplicidade de filosofia quanto ao planeamento que ressalta do artigo 92.º.
Portanto, tudo o que resolvermos em sede desta parte inicial da Constituição terá que ter depois a sua reflexão necessária mais lá para a frente, quer nas autonomias regionais, quer nas regiões administrativas, quer noutras sedes em que, eventualmente (penso que em mais nenhuma sede se coloca o problema do planeamento), a Constituição fale disso.
Assim sendo, o problema não pode ser visto ao contrário: primeiro temos de decidir se há esta duplicidade de realidades de planificação tout court da economia numa perspectiva sectorial, numa perspectiva regional, numa perspectiva de regiões autónomas como uma perspectiva temporal!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, posso perceber que o PSD, para já, não dá o seu acolhimento a este aditamento. É esta a conclusão que sumariamente posso retirar?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o que pode acolher…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a posição do PSD de fundo já foi afirmada uma, duas, três, quatro vezes! Creio que não vale a pena insistirmos dez ou quinze vezes nesse ponto. Isso está adquirido.
Quero, no entanto, lembrar-lhe que uma revisão constitucional assenta na necessidade de haver um compromisso de dois terços, se o não houver fica o que está! E é para isso que também apelo à sua compreensão. A questão está em o PSD optar entre uma solução compromissória para dois terços ou nenhuma solução. É tão simples quanto isto! Portanto, não vale a pena estarmos a "patinar" horas num artigo para o qual claramente vai haver necessidade de um compromisso e em que as posições de princípio do PSD já estão reiteradamente afirmadas.
Quanto a este ponto, tenho de retirar que o PSD, para já, não dá acolhimento à sugestão de transportar para este artigo a ideia de planos regionais. Ficamos neste ponto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto, Sr. Presidente. Os planos regionais já constam do actual texto do artigo 92.º.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, esse artigo refere-se a planos sectoriais e regionais.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 93.º, relativamente ao qual foi apresentada uma proposta de eliminação pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD, coisa que não tem correspondência no projecto oficial - digamos assim - do PSD, e uma proposta do PS, de aditamento de um novo n.º 3, a qual obedece à lógica do anterior aditamento, ou seja, a de transportar para este artigo a ideia do mecanismo de planeamento regional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Sr. Presidente: - Se houver acolhimento da proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho para efeitos de discussão, discute-se, senão passo à frente.
Pausa.
Não havendo acolhimento da referida proposta, passamos para a do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no fundo a nossa proposta está discutida, porquanto ou há consenso para se alterar a lógica do artigo e ampliá-la, ou não há e, nesse caso, esta proposta está em "dominó" e não tem viabilidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, claramente, a proposta de aditamento de um n.º 3 ao artigo 93.º, apresentada pelo PS, tem a mesma lógica da proposta de aditamento de um n.º 2 ao artigo 92.º. A discussão está feita. Se não houver acolhimento para a proposta de aditamento, para a ideia de transportar para a constituição económica geral o mecanismo dos planos regionais, obviamente não se aditará nem o n.º 2 do artigo 92.º nem o n.º 3 do artigo 93.º. De qualquer modo, a aditar-se, teríamos de prever também a aprovação dos planos das regiões autónomas por parte das respectivas assembleias legislativas regionais.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 94.º, para o qual existe apenas a proposta de eliminação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD. Se não houver ninguém que adopte esta proposta para discussão, passamos à frente. Ela não tem correspondência no projecto oficial do PSD, que aqui não propõe eliminação alguma.
Pausa.
Srs. Deputados, passamos para o artigo 95.º, com a epígrafe "Conselho Económico e Social", relativamente ao qual foram apresentadas várias propostas de alteração. Começando pelo n.º 1, foi apresentada uma proposta de alteração pelo Sr Deputado Arménio Santos e outros do PSD. Os citados proponentes querem que onde se estatui "O Conselho Económico e Social é o órgão de consulta e concertação no domínio das políticas (…)", passe a constar "O Conselho Económico e Social é o órgão de consulta do Governo e de concertação (…)".
Não estando presentes os proponentes, se houver alguém que adopte esta proposta para efeitos de discussão, discutimo-la; se não houver, passamos adiante.
Sinceramente, não vejo qual é o ganho que se obtém com tal alteração. Actualmente, o Conselho Económico e Social é um órgão de consulta de quem a lei definir, portanto pode ser um órgão de consulta da Assembleia da República, do Governo, da Administração, etc. Assim, não vejo vantagem em restringir esta consulta ao Governo.
Pausa.
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Srs. Deputados, passamos à frente.
Quanto ao n.º 2 do artigo 95.º do actual texto constitucional, foram apresentadas propostas de alteração pelos Srs. Deputados Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS e pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD. Nenhum dos proponentes se encontra presente, pelo que se não houver adopção destas propostas de alteração para efeitos de discussão também passarei à frente.
No que se refere à composição do Conselho Económico e Social, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe o aditamento das organizações representativas das famílias, enquanto que o Sr. Deputado Arménio Santos propõe o aditamento das associações de defesa do ambiente, da família e dos consumidores, além do Governador do Banco de Portugal.
Consideram os Srs. Deputados que alguma destas propostas merece discussão? Para que se proceda à discussão não é necessário o perfilhamento expresso das propostas, basta considerar que elas devem ser discutidas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, veria com interesse que se ponderasse a inclusão da referência às organizações representativas das famílias, tratando-se de uma instituição que a Constituição reconhece ser uma unidade basilar da sociedade. Sendo certo que as famílias se organizam, ou estão organizadas permanentemente em instituições representativas (não estou a advogar, estou a pôr a questão), não seria de incluir neste artigo a referência, que se encontra nos dois projectos de alteração, às organizações representativas das famílias?
É claro que, hoje, o Conselho Económico e Social funciona como uma espécie de câmara de representação de interesses, um pouco como o Senado fazia no passado e a Câmara Corporativa fazia no período salazarista. Ora, criou-se o Conselho Económico e Social, ele foi evoluindo, vê-se que há necessidade deste órgão, pelo que pergunto se não é de incluir também as famílias como tal, com óptica própria.
Há várias questões (uma delas é mais interessante, se calhar porque é a mais viva e coloca-se permanentemente), como as fiscais, a maneira de dividir e de englobar o rendimento familiar, por exemplo, em que as famílias também têm uma palavra a dizer, sendo uma óptica familiar relevante nesta matéria. Ora, parece-me que faz sentido esta posição ser expressa através de um órgão de consulta e de concertação nos domínios das políticas económica e social.
Portanto, proponho uma reflexão, e só uma reflexão - não proponho a aceitação desta sugestão feita pelos dois grupos de Deputados -, sobre se não é de incluir, no tempo que estamos a viver, uma referência à família, sendo certo que o Conselho Económico e Social evoluiu para uma espécie de representação de interesses (diria que é um senado envergonhado, se quisermos, um senado sem senadores).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão um ponto comum às duas propostas referidas, as dos Deputados Cláudio Monteiro e Arménio Santos, ou seja, o de mencionar expressamente como representação necessária no Conselho Económico e Social as organizações representativas das famílias.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, vamos ponderar essa proposta, porque é sabido que se desenham, neste momento, na Assembleia da República iniciativas tendentes a, por via legal e aproveitando a natureza desta norma constitucional, que dá ao legislador ordinário uma margem de manobra criativa bastante significativa, reconfigurar a composição do Conselho Económico e Social, designadamente por forma a abranger representantes de famílias ou da instituição familiar.
A elevação constitucional com carácter obrigatório tem implicações de que todos estamos cientes. Pela nossa parte ponderaremos esta questão e oportunamente veicularemos uma posição final.
Serve tudo isto para dizer que compreendemos perfeitamente o espírito e a natureza de uma inserção deste tipo, que, obviamente, nada tem que ver com concepções que no passado presidiram à formação de outros órgãos e de outros conselhos, que só por razões adventícias reúnem no mesmo sítio em que este reúne.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, em relação à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, talvez haja a destacar uma questão meramente formal, mas que creio ter alguma lógica, que é a de nomear o Governo, as regiões autónomas e as autarquias locais em conjunto, antes de outras organizações, ou seja, são nomeadas umas primeiro, outras depois. Creio que há, ou pode haver, alguma lógica nisso, pelo que ponho esse aspecto à consideração.
Quanto à proposta de acrescentar outras associações representativas, teremos abertura para considerar a representação de associações da família. Chamamos a atenção, no entanto, para que esse facto abrirá uma lógica, tida em conta, aliás, na proposta dos Deputados do PSD, que é a de considerar também outras estruturas associativas, como a de defesa do ambiente ou dos consumidores.
Em particular, neste momento, como é sabido, o elenco de associações de defesa do ambiente é muito grande, e algumas delas de grande significado e de grande papel. Estas questões têm um significado cada vez maior para o presente e para o futuro do País e uma atenção crescente, como é sabido, designadamente numa torrente de legislação da parte da Comunidade Europeia, com obrigações de transposição interna, inclusive com incidências muito significativas em termos de planeamento e orçamentais. Nesse sentido, creio que poderia ser também considerada esta questão.
De resto, as associações de consumidores e os próprios direitos dos consumidores, em princípio, também poderão ser valorizados no quadro desta revisão - aliás, há
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um consenso indiciado nesse sentido. Portanto, creio que esta questão não deveria ser considerada em separado das outras, designadamente da questão das associações de defesa da família.
O Sr. Presidente: - Portanto, Srs. Deputados, não fica excluída a hipótese de se considerar o aditamento em causa. Se se vier a alterar o n.º 2 deste artigo, talvez seja de aceitar a ideia da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, referida pelo Sr. Deputado Luís Sá, e alterar a ordem das entidades mencionadas, colocando as regiões autónomas e as autarquias locais a seguir aos representantes do Governo, portanto, à cabeça das entidades representadas no Conselho Económico e Social.
Vamos passar à proposta do Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD, que de certa forma cria dois novos números, respectivamente os n.os 2 e 4 do artigo 95.º
O n.º 2 do artigo 95.º constante da proposta do Sr. Deputado Arménio Santos refere o seguinte: "A lei define os casos em que a consulta do Conselho Económico e Social é obrigatória (…)". Consideram que merece discussão especial, ou passamos em diante?
Pausa.
Srs. Deputados, passamos ao n.º 4 do mesmo projecto, que diz "Os representantes do Governo têm assento no Conselho Económico e Social, sem direito a voto".
Não havendo adopção destas propostas, passamos à frente, para o Título III, artigo 96.º. Para já, existe uma proposta de eliminação de todo o capítulo, dos artigos 96.º a 103.º, apresentada pelo CDS-PP.
Repito: para o Título III, "Políticas agrícola, comercial e industrial", artigos 96.º e seguintes, existe uma proposta de eliminação global do CDS-PP, ou seja, a proposta não tem que ver apenas com este artigo mas com todo o título. Não estando presentes os seus proponentes, a proposta não é adoptada por nenhum dos outros partidos, que, pelo contrário, têm propostas de alteração específica quanto a vários desses artigos.
Passamos, então, às propostas concretas relativas ao artigo em causa.
Quanto à alínea a) do n.º 1, que enumera os objectivos da política agrícola, existem propostas do PSD e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. O PSD propõe uma redacção alternativa para a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º.
Têm a palavra os proponentes, caso queiram argumentar a favor da proposta.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, diria que a proposta do PSD é de racionalização de todo este número, nomeadamente de reestruturação das alíneas a) e b). Em vez de falar-se em produção e produtividade da agricultura deverá utilizar-se aquela que hoje é a palavra-chave - pelo menos parece ser -, a palavra que se usa, ou seja, a competitividade da agricultura (este será o ponto relevante). Para além disso, deixa para a alínea b) o que diz respeito à valorização do factor humano, dos recursos. Aparece na alínea a) uma expressão que creio ser de uma outra cultura, que não é já da nossa cultura constitucional, a saber, "os meios humanos". O homem nunca é um meio! Há aqui algo que vem de um período dos anos 60, esta linguagem tecnocrática…
O Sr. Presidente: - Mas o PSD propõe uma expressão, recursos humanos, que não é a mais feliz!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É melhor recursos que meios!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Também dá uma ideia instrumentalizadora da espécie humana!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A expressão é "valorização dos recursos humanos", daquilo que é do Homem!
O Sr. Presidente: - É uma expressão um bocado humanista!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Diria que se trata de uma alteração relacionada com a gramática deste preceito, não propriamente do seu conteúdo - aliás, este é um texto prolixo. Sobretudo quanto às alíneas a) e b), se lidas em conjunto, dificilmente se descrimina o sentido que pretendem ter. Ora, a nossa proposta visa racionalizá-las nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à discussão, em conjunto, as propostas do PSD para as alíneas a) e b), sendo que para a alínea b) existe uma proposta convergente do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão em causa propostas de natureza distinta. Nuns casos, a substituição do léxico constitucional e do conceptualismo não oferece nenhum inconveniente. Suponho que aludir à competitividade, sobretudo se em aditamento, implica hoje delicados equilíbrios entre a gestão dos aumentos da produção e os não aumentos adequados, concertados, planeados, em sentido verdadeiro e próprio, etc. A ideia de competitividade é, sem dúvida alguma, moderna e positiva. É disso que se trata hoje.
Já alguma da rescrita que o PSD um pouco especiosamente faz arrisca-se a ser tomada como diminuição do conteúdo, ou pelo menos de algumas das menções positivas que a Constituição hoje faz a conceitos razoavelmente inequívocos, com a promoção da melhoria da situação económica, social e cultural reduzida, na proposta do PSD, ao conceito de promoção económica e social (não sei por que se retirou o cultural), operação de cirurgia em que, francamente, é difícil ver grandes vantagens. Os inconvenientes são alguns. Também não vale a pena dramatizar, mas os inconvenientes são, sem dúvida nenhuma, alguns.
Portanto, adoptaremos nesta matéria a mesma atitude flexível que adoptámos quando discutimos disposições
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de carácter similar, designadamente quanto ao artigo 81.º da Constituição (flexibilidade atenta, se me permite esta síntese).
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não quero deixar de confrontá-lo com aquilo que na proposta do PSD, além da rescrita terminológica, representa uma clara proposta de eliminação de conteúdo, referindo-se à segunda parte da actual alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição. Seria conveniente não deixarmos "debaixo do tapete" as questões essenciais, ou seja, a proposta de eliminação.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a alusão à racionalização das estruturas fundiárias, etc., foi reconvertida parcialmente na alínea b) da proposta do PSD, mas já não assim em relação ao acesso à propriedade, à posse da terra, etc., ou seja, à parte final da norma. Não manifestei, não casualmente, nenhuma simpatia pela eliminação da parte final da actual alínea b) pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, creio que tem sido uma filosofia frequentemente referida nesta Comissão, para além de não se ver inconveniente numa alteração, ser preciso ver-se vantagem. Ora, francamente, em relação à questão da competitividade, não vejo vantagem significativa na substituição do conceito "aumento da produção e da produtividade" por "aumento da competitividade".
Para mais num contexto de liberalização do comércio internacional e de integração europeia em que frequentemente é adoptada a lógica, em particular nociva em relação a um país como Portugal, de pagar para diminuir a produção em função de interesses que não são necessariamente os nossos, e sem prejuízo de a competitividade ser um valor, não vejo vantagem relevante nesta substituição.
Em relação à questão dos "meios humanos", tal como o Sr. Deputado Barbosa de Melo, não tenho simpatia por esta expressão, simplesmente a questão que se coloca é a de encontrar uma substituição adequada que não seja também a expressão tecnocratizante "recursos humanos", que acaba por poder ser interpretada como traduzindo uma instrumentalização da pessoa humana, que naturalmente não é o objectivo do Sr. Deputado nem o nosso.
Nesse sentido, não nos parece particularmente vantajosa nem indispensável nenhuma das propostas, e creio que há mesmo algumas ideias que actualmente constam neste artigo, maxime na alínea b), que poderiam ser de algum modo empobrecidas. Por exemplo, a referência à promoção da melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores não significa necessariamente o mesmo que a promoção da valorização dos recursos humanos na agricultura, que pode ter…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, essa ideia foi transposta pelo PSD para o final da alínea a) da sua proposta.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Tem razão, Sr. Presidente. Retiro o que disse na última parte da minha intervenção, se me permite.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ideia da promoção económica e social dos agricultores e trabalhadores rurais mantém-se, só foi retirada a ideia da promoção cultural, que foi transposta da alínea b) para a alínea a).
Assim sendo, verdadeiramente, para além de alguma rescrita conceptual, a grande proposta do PSD é a de eliminação da segunda parte da alínea b), que representa o ícone "a terra a quem a trabalha", para dizer tudo de uma vez.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não é propriamente isso! É eliminar daqui…
O Sr. Presidente: - É rigorosamente isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É que está em tantas constituições… Passa-se os olhos pelo mundo e continua tudo tão na mesma! Mas talvez seja necessário as pessoas iludirem-se a si próprias. Um pouco de ilusão não fica mal ao homem enquanto vai vivendo…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta discussão mostra o seguinte: o PCP manifesta a sua oposição, que não vê nenhuma vantagem, antes pelo contrário, nas alterações; o PS não fecha a porta à reformulação textual das alíneas, mas levanta objecções quanto à sua amputação normativa, quanto ao conteúdo do preceito. Portanto, conclui-se que existe um débil acolhimento destas propostas.
Quanto à alínea c), não há propostas de alteração.
Já quanto à alínea d), foi apresentada uma proposta de alteração pelo PCP que corresponde à alínea e). Onde a Constituição refere: "Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, (…)", o PCP propõe "Assegurar o uso, gestão e aproveitamento racionais (…)", e na parte final acrescenta a expressão "(…) defesa contra o seu esgotamento;", sendo que o esgotamento diz respeito obviamente aos solos e restantes recursos naturais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá para apresentar a proposta e provar que há vantagem nesta alteração.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que esta é daquelas questões em que o que se tem passado pode sublinhar esta vantagem, sem prejuízo de considerar que o que aqui é dito, em rigor, já está referido nos conceitos anteriormente utilizados nesta mesma alínea. Simplesmente, a própria prática revelou a existência de situações que justificam a clarificação de preocupações em sede de revisão constitucional. A rejeição da nossa proposta não pode ser entendida como a legitimidade de uma menor importância por parte do poder político em relação a este tipo de preocupação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração o projecto do PCP, para alterar a actual alínea d) da Constituição e que corresponde à alínea e) daquela iniciativa.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, chamaria a atenção para a alínea d).
O Sr. Presidente: - Costumo colocar os aditamentos em último lugar.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Portanto, sendo assim, a alínea d) discute-se no fim?
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O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado, os aditamentos de novas alíneas discutem-se no fim. Para já discutimos as propostas de alteração das actuais alíneas. Assim, existem duas propostas de alteração para a alínea d), uma do PCP e outra do Deputado João Corregedor da Fonseca, que, é, em boa parte, convergente com a do PCP.
Tem a palavra o Sr. José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não por acaso, o Sr. Deputado Luís Sá teve oportunidade de sublinhar quais seriam as consequências do eventual não acolhimento desta proposta. E, de facto, da redacção actual das alíneas a), b), c), d) e e)não é suposto que resulte outra coisa que não seja a defesa e desenvolvimento do mundo rural, conceito que, aliás, carece de especificações, uma vez que ele não é visto, e seguramente não o é pelos proponentes…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, estamos a discutir a alínea e)?
O Sr. Presidente: - Estamos a discutir alterações à alínea d), que constam da alínea e) do projecto do PCP.
O Sr. José Magalhães (PS): - O valor acrescentado da alteração, Sr. Presidente, é, de facto, limitado, e suponho que isto decorre directa e expressamente do conteúdo do preceito actual. Portanto, só numa óptica de "super-perfeccionismo" é que pode ter-se por imprescindível um aditamento deste tipo.
O Sr. Presidente: - Portanto, a meu ver, a questão é fundamentalmente de economia constitucional. Trata-se de um aperfeiçoamento, mas o problema é saber se todos os aperfeiçoamentos possíveis devem constar da Constituição, sob pena de, se calhar, termos uma Constituição substancialmente maior do que aquela que já temos.
De resto, este aditamento vinha ao encontro da ideia de desenvolvimento sustentável, portanto, da ideia do não esgotamento de recursos.
Chamo a atenção para as contribuições dos cidadãos, nomeadamente para a proposta do GEOTA em relação ao artigo 96.º, onde se fala na ideia de garantir a viabilidade e a estabilidade dos ecossistemas.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, do ponto de vista do PSD, este aperfeiçoamento justifica uma alteração da alínea?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, com todo o respeito e admiração por este zelo perfeccionista, até julgo que não há aperfeiçoamento de maior. Já cá está tudo! O aproveitamento racional do solo faz parte da gestão racional do solo; o uso, gestão e aproveitamento fazem parte da mesma realidade.
Por outro lado, quanto à expressão "defesa contra o seu esgotamento", ela já consta da Constituição. É evidente que só num espaço urbano é que se pode imaginar que a terra se pode gerir bem esgotando-a. Um agricultor rir-se-ia até deste aditamento: está mal gerido porque deixaram esgotar a terra…
Portanto, penso que nada se ganha com o aditamento e que ele nada traz de novo. Aliás, penso que a alínea d) está bem redigida, porque está sintética, é simples, é directa e diz tudo. Portanto, do nosso ponto de vista, o aditamento nada altera e aqui o que abunda prejudica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não tornemos prolixo aquilo que na Constituição ainda o não é.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, queria penas dizer que concordo inteiramente com o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Creio, no entanto, que este zelo, eventualmente excessivo, tem uma fonte, que são os riscos efectivos de esgotamento a partir de uma série de situações concretas como, por exemplo, a política florestal e outras. Mas não tenho dificuldade alguma em entender que esse tipo de políticas já não é conforme com aquilo que neste momento a Constituição aponta como objectivos fundamentais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à alínea e), para a qual existe uma proposta de alteração do PSD. Onde a Constituição estatui "Incentivar o associativismo dos agricultores e a exploração directa da terra.", o PSD propõe o seguinte: "Incentivar o associativismo e promover a formação profissional dos agentes de desenvolvimento rural".
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo para justificar a proposta, se o entender necessário.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, há dois momentos na proposta, um de negação e outro de afirmação.
Começo pelo momento da afirmação, porque me é pessoalmente mais simpático. Trata-se, claro está, de fazer referência a uma dimensão do dinamismo necessário nas comunidades rurais, a um actor cada vez mais importante, que é o agente de desenvolvimento rural. As nossas comunidades rurais tradicionais tinham uns agentes fixos, que eram actores institucionais, um ligado à Igreja, outro ligado ao Estado, cada qual desempenhando o seu papel, os quais faziam parte da animação própria de uma comunidade rural. É claro que estes actores tradicionais já não têm hoje tanto sentido como tinham, nem têm, sobretudo, a prise social que tiveram. E, além disso, para esses animadores há exigências de preparação, de formação que os tradicionais actores visíveis nas comunidades rurais já não têm, já que aqueles têm mais técnicas. A dinamização do mundo rural não passa só por ter cantoneiros e guardas florestais, ou por ter um abade em cada comunidade, um professor, etc.; já não passa só por isso! Precisa, hoje, de outro tipo de animadores, que são os agentes de desenvolvimento rural. Este é o lado positivo da proposta do PSD.
A redacção apresentada visa substituir a fórmula "Incentivar (…) a exploração directa da terra". Do meu ponto de vista e também do ponto de vista do PSD, a exploração directa da terra prende-se com uma outra coisa, que vem referida, e bem, no artigo 97.º, e que nós não mudamos, que são as unidades de exploração familiar. A exploração directa da terra vem envolvida na preferência, manifestada no artigo 97.º, nomeadamente a propósito das terras expropriadas (e só dessas é que o Estado pode dispor directamente), em integrar as terras expropriadas em unidades de exploração familiar.
Quanto ao resto, porventura, a terra muitas vezes é valorizada com outros meios financeiros, económicos, mais em termos de benefício para a colectividade - desgraçadamente, diria eu, na minha fórmula - por um certo desenvolvimento do capitalismo agrário. Também ele enriquece as comunidades. Não sei até onde é que pode ser
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um objectivo racional, hoje, dizer-se que é preciso incentivar a exploração directa da terra, mas admito que esta fórmula ainda deva ficar na Constituição. O que fundamentalmente me preocuparia era que deixássemos de lado o apelo constitucional à necessidade de um outro actor nas comunidades rurais, que é o agente de desenvolvimento rural.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da actual alínea constam duas questões que, aliás, pouca ligação têm entre si: por um lado, incentivar o associativismo dos agricultores e, por outro lado, incentivar a exploração directa da terra. O PSD propõe eliminar a segunda parte e acrescentar uma outra "(…)promover a formação profissional dos agentes de desenvolvimento rural". É esta dupla alteração do PSD que está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a alteração é, de facto, dupla e muito desigual, porque quanto à introdução de um novo conteúdo, qual seja a alusão àquilo a que se chama formação profissional dos agentes de desenvolvimento regional, tal consistiria em introduzir um novo conceito relativamente indeterminado no léxico constitucional. Mas, enfim, operações similiares foram feitas no passado, com mais ou menos proveito, consoante as circunstâncias.
Outra questão bastante distinta é a supressão da inclusão como objectivo no capítulo agrícola do incentivo à exploração directa da terra. Sabida a importância que a exploração directa da terra tem em toda a arquitectura da constituição agrícola, esta eliminação só poderia ter-se como uma diminuição do conteúdo ou como uma perda. E, francamente, nem vejo que isso seja uma exigência da política agrária, que o PSD tem proclamado como sua, na qual a exaltação do contrário disso não tem sido frequente (que eu me tenha apercebido), pelo menos a exaltação retórica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vemos vantagens, pelo contrário, vemos inconvenientes nesta alteração.
Creio que a ideia da promoção da formação profissional dos agentes do desenvolvimento rural pode resultar de outras alíneas, com esta ou com outra formulação, mas poderíamos ter alguma abertura quanto a examinar esta questão.
Quanto à eliminação da ideia da exploração directa da terra como objectivo da política agrícola, como é de esperar, não estamos de acordo.
O Sr. Presidente: - A proposta não recolhe apoios que a viabilizem no estado actual da discussão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, lembro que existem dois aspectos na proposta, um que diz respeito à eliminação e o outro a um aditamento.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, quanto ao aditamento não manifestei nenhuma indisponibilidade, mas é preciso ponderar com cuidado o alcance exacto deste conceito relativamente indeterminado, uma vez que, como sabe, as "meta-linguagens" são infinitamente respeitadas, por vezes são infinitamente obscuras e acrescentam muita "ganga" ao léxico constitucional.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Foi precisamente o que intuí das suas palavras. Portanto, peço ao Sr. Presidente que, ao fazer a síntese, não deixe de referir esse aspecto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica registado que o PS não "fecha a porta" à possibilidade de aditar a ideia de promover a formação profissional dos agentes de desenvolvimento rural.
Vamos passar às novas alíneas propostas pelo PCP e por Os Verdes.
O PCP propôs o aditamento de uma nova alínea d), que é do seguinte teor: "Contribuir para a defesa e desenvolvimento do mundo rural, bem como para o combate ao despovoamento e à desertificação;". E Os Verdes propuseram três novas alíneas, as alíneas f), g) e h), que me dispenso de ler.
Srs. Deputados, estão à consideração os aditamentos do PCP e os de Os Verdes, na medida em que considerarem que eles devem ser adoptados para discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta manhã, como é sabido, já foi referida a questão da defesa do mundo rural e do combate ao despovoamento e à desertificação noutro contexto, a propósito do artigo 91.º e dos objectivos dos planos.
Julgamos, contudo, que esta questão é suficientemente relevante para ser autonomizada. Sem dúvida nenhuma que perpassa pelos objectivos da política agrícola a ideia de desenvolvimento do mundo rural e da sua defesa; também é claro que, se estes objectivos fossem executados, provavelmente não haveria tão graves problemas de despovoamento e de desertificação. Cremos, no entanto, que esta é daquelas matérias em que a situação que o País atingiu, e que se tem vindo a agravar, é de tal ordem que se justifica a referência. Basta olhar para as estatísticas, inclusive para os dados do recenseamento eleitoral de cada ano; basta ter em conta a situação de centenas de aldeias em vias de extinção (algumas delas têm apenas meia dúzia de pessoas) para comprovar a relevância do problema do despovoamento, da desertificação e, em termos mais gerais, da falta de desenvolvimento do mundo rural.
Esta é daquelas questões em que a rejeição da alínea não desobriga qualquer governo de, nos termos de uma série de outros objectivos que são referidos noutros artigos da Constituição, desenvolver políticas com estas finalidades. O que não significa, de forma alguma, que a gravidade do problema não pudesse justificar um sinal claro do legislador da revisão constitucional no sentido de colocar este objectivo em primeiro plano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de aditamento do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a ideia de incluir como objectivo autónomo aquele que é, desejavelmente, o resultado da concretização de todos os objectivos enunciados nas alíneas a) a e) é uma solução razoavelmente discutível. Ou seja, para evitar o despovoamento, para evitar a desertificação, para garantir aquilo a que se chama a defesa e desenvolvimento do mundo rural, é essencial dotar a agricultura de infra-estruturas, promover a melhoria da situação económica, social e cultural, racionalizar as estruturas fundiárias, criar as condições para a igualdade, etc.. E realizados estes objectivos, não teremos senão a defesa e desenvolvimento do mundo rural e, desejavelmente, teremos um território não despovoado nem desertificado.
Portanto, a valia fotográfica, narrativa, descritiva de uma determinada situação é inegável, pois trata-se de aludir ao despovoamento e à desertificação que nos apoquentam e preocupam. Todavia, estes são já bons objectivos da política agrícola. A superação dessa situação é seguramente o objectivo ou um dos objectivos cruciais da política agrícola, tal qual foi configurada pela Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, subscrevo as considerações feitas, começando pelas do Sr. Deputado Luís Sá, ao dizer que se esta alteração não ficar não se retira nenhuma obrigação aos poderes constituintes para desenvolver as políticas neste sentido.
Todavia, chamo a atenção em particular para o disposto na alínea c), na qual ninguém propõe "mexidas", na qual, como dizia o Sr. Deputado José Magalhães, "está tudo". O que é que se refere nessa alínea? Refere-se que é obrigação, que é, no fundo, objectivo necessário da política agrícola - seguida pelo Estado, claro está - "criar as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores". Trata-se de uma revolução muito grande a de evitar que o sector agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com os outros sectores. Se este objectivo for atingido, consegue-se seguramente atingir o outro objectivo que é proposto. Em condições de igualdade, há muito quem prefira repovoar os campos e voltar a animar o nosso mundo rural. Assim, em princípio, o PSD não se opõe à doutrina que aqui está e considera que ela já faz parte do texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto ao n.º 2 do artigo 96.º foi apresentada uma proposta de alteração pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, que consiste no aditamento da expressão "condicionalismos ecológicos, económicos e sociais do país". Não havendo adopção desta proposta, passamos para a discussão de uma proposta de aditamento de dois novos números, apresentada pelo PCP, cujos Deputados têm a palavra para a defender.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o texto do n.º 3 fala por si. Trata-se de propor a consagração constitucional explícita da promoção da produção nacional. Creio que esta questão é particularmente importante em face de algumas políticas agrícolas comunitárias, que têm sido, por vezes, como é sabido, fortemente contestadas pelos agricultores, e até pelos governos pontualmente.
Esta questão é de algum modo referida na alínea a) do n.º1, quando se refere "Aumentar a produção e a produtividade da agricultura (…)", mas o problema explícito da promoção da produção nacional contém algo mais do que a ideia do aumento da produção e da produtividade da agricultura.
Por outro lado, incluímos a ideia do rendimento justo para os agricultores, também já está referida noutras alíneas do n.º 1, porque entendemos que, em face da situação, é adequado explicitá-la, estando subjacente a ela a noção de que, frequentemente, este rendimento não é o mais adequado - a este propósito, lembro que, a esta mesma hora, na Sala do Senado, está a decorrer um seminário sobre esta matéria, sendo que este é um dos problemas mais relevantes que se encontra em debate.
Também neste caso entendemos que a não consagração da nossa proposta não pode ser objecto, como é óbvio, de uma interpretação a contrario e que os Srs. Deputados dos outros partidos, ao intervirem sobre esta matéria, não deixarão, com certeza, de sublinhar uma interpretação da Constituição que corresponderá à ideia de que o poder político está desde já obrigado a alcançar estes objectivos. Esta é uma daquelas matérias em que, em face das políticas que têm vindo a ser executadas e tendo em conta a situação actual, poderia haver vantagem na explicitação, mas em que a não explicitação não pode ser objecto de interpretações a contrario.
Particularmente importante (e julgo até tratar-se de uma lacuna no plano dos objectivos da política agrícola) é a referência - nos termos em que o PCP propõe, ou outros, já que há, de resto, outras referências nesta matéria - à questão da política florestal.
Também aqui se podem encontrar referências noutras disposições e se poderá afirmar que elas já contêm o tipo de preocupações inserido na nossa proposta. Cremos, no entanto, que um país como Portugal, com recursos florestais tão vastos, em que a questão da política florestal é tão importante, só ganharia em pôr termo àquilo que eu não chamaria uma lacuna constitucional, mas, sim, uma relativa subalternização da política florestal em relação a outras políticas.
A partir do momento em que existe um título do qual fazem parte as políticas agrícolas, comerciais e industriais, cremos que esta lacuna ganharia toda a vantagem em ser preenchida.
Quando adiantamos - de uma forma, aliás, que procurámos que fosse muito sintética - os objectivos da política de florestação, procuramos adoptar conceitos que, neste momento, são particularmente importantes, como a ideia de desenvolvimento florestal sustentado (que é um afloramento da própria ideia de desenvolvimento sustentado mais global), a ideia da floresta de uso múltiplo e a defesa e conservação dos recursos florestais.
A ideia da floresta de uso múltiplo é particularmente importante em face de determinadas políticas florestais depredadoras e conducentes a um uso exclusivo da floresta para fins industriais, que em última instância conduziriam, como é sabido, à destruição a prazo de solos e de recursos naturais. Esta é daquelas matérias em que julgamos que determinadas políticas que foram executadas ao longo do tempo tornariam particularmente importante a densificação desta área da política agrícola.
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Chamo a atenção para o facto de que a proposta de Os Verdes, quer em relação a uma alínea que acrescenta ao n.º 1 quer no que respeita ao próprio n.º 2, vai muito neste sentido, bem como as preocupações manifestadas por várias organizações e por cidadãos que contactaram quer com os partidos quer com a Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração as duas propostas do PCP - uma delas tem correspondência com uma proposta de aditamento de Os Verdes - e que são de alcance assaz diverso.
A primeira, de aditamento de um n.º 3, visa impor ao Estado a obrigação de criar as condições necessárias para promover a produção nacional e um rendimento justo para os agricultores, etc., e a segunda, de aditamento de um n.º 4, impõe ao Estado a adopção de uma política de florestação que assegure um desenvolvimento florestal sustentado, etc. Este segundo aditamento tem correspondência no projecto de Os Verdes e também no projecto do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), no qual uma das alíneas que se propunha acrescentar ao artigo 96.º era exactamente a de salvaguardar o património florestal, promovendo a florestação das espécies florestais autóctones e das ameaçadas de extinção.
São estas as propostas que estão à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, julgo interpretar a sensibilidade do PSD se disser que, quanto ao n.º 3, repito o que disse há pouco: já está lá.
Todavia, o n.º 4 tem uma nota que merece o acolhimento e a sensibilidade da Constituição, que é o desenvolvimento florestal. A minha dúvida é se isto deve figurar num número autónomo, se essa sensibilidade não seria conseguida, como tópico lapidar, com base num retoque na redacção do actual n.º 2, que poderia passar a ser a seguinte: o Estado promoverá uma política de ordenamento, reconversão agrária e desenvolvimento florestal, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.
Talvez este pequeno retoque fosse suficiente para mostrar que a "assembleia de revisão" quis incluir no texto constitucional uma sensibilização para um problema que, no fundo, é do ordenamento do nosso espaço territorial. Tal seria mais um tópico no n.º 2 do que propriamente uma redacção tão extensa e com tantos pormenores como a que vem no vosso n.º 4. Portanto, estamos abertos a repensar essa alteração numa segunda consideração destas matérias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, as observações feitas pelo Deputado Barbosa de Melo a propósito de política florestal são perfeitamente razoáveis e, pela nossa parte, temos toda a sensibilidade para a mesma. É, pura e simplesmente, uma questão de se encontrar uma fórmula.
A propósito da proposta do PCP quanto ao n.º 3, vi defenderem-na em termos que se assemelhavam - provável e involuntariamente demais - à apologia de uma espécie de cláusula antieuropeia em matéria de política agrícola, o que é razoavelmente contraditório com a alusão também feita à nula negatividade, em termos de conteúdo, da sua eventual não aprovação.
Digo isto, porque, de facto, ou deveras esta cláusula tem o alcance de uma apólice antieuropeia, que ao aludir à promoção da produção nacional o faria com um sentido que impediria a aplicação em Portugal de normas ou regras da chamada política agrícola comum, tal como das medidas que na sequência desta, e provavelmente após esta, terão que ser aplicadas em todo o território da União Europeia, ou a ter qualquer outro alcance a norma é redundante.
Presumo que ver nesta norma a tal cláusula de salvaguarda antieuropeia é forçosamente um excesso, porque ela está redigida em termos excessivamente lábeis para ter esse efeito. Resta-me, então, a outra interpretação, e nesse caso é provavelmente "reeditadora" de conteúdos já constantes da própria norma constitucional, no fundamental, e redundante, no restante. Portanto, Sr. Presidente, ou apólice ou redundância, não vemos que verdadeiramente haja perda no não acolhimento da proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero colocar uma questão minúscula, para dizer o seguinte: estamos abertos - tentando que haja o mínimo possível de perdas em relação às preocupações que tínhamos - à inserção da política florestal noutro contexto, garantindo, naturalmente, as preocupações fundamentais que julgamos dever haver nesta parte.
Gostaria apenas de fazer uma observação em relação à ideia de termos pretendido criar uma cláusula antieuropeia no n.º 3, cujo aditamento propusemos. Não se trata, efectivamente, disto.
De resto, creio que conviria não confundir uma posição antieuropeia com a oposição a determinadas políticas que são praticadas, num determinado contexto, pela Comunidade Europeia. Efectivamente, temos combatido, e creio que justamente, a ideia da redução sistemática da produção nacional no âmbito europeu. É evidente que promover a produção nacional num contexto de integração europeia e de determinadas políticas significaria lutar por quotas agrícolas, combater medidas de redução, designadamente as injustificadas e as indiscriminadas. No fim de contas, não é mais nem menos do que aquilo que o Governo afirma que faz cada vez que há um Conselho de Ministros da Agricultura.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de aditamento do n.º 3 não mostra viabilidade, porque tem a oposição do PSD e do PS.
A ideia que consta da proposta de aditamento de um n.º 4, de menção de uma política de florestação e de ordenamento florestal, ou de desenvolvimento florestal, tem acolhimento de princípio do PS e do PSD, preferivelmente através de uma fórmula mais económica, que não implique, designadamente, o aditamento de um número, mas que possa ser acolhida nos anteriores números, nomeadamente no n.º 2.
Creio que é um ganho, um aperfeiçoamento, uma vantagem prever essa ideia, mas fica por apurar em que termos. Eu próprio procurarei sugerir uma formulação, quanto mais não seja acolhendo a que o Sr. Deputado Barbosa
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de Melo fez de aditar uma menção expressa no n.º 2 do actual artigo 96.º. À falta de melhor, ficamos com essa ideia acolhida de acrescentar uma menção ao ordenamento florestal no n.º 2 do artigo 96.º.
Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo 97.º, o qual, aliás, proponho que se discuta em conjunto com o artigo 98.º, uma vez que têm a ver com a questão da reforma das estruturas fundiárias.
O CDS-PP e o PSD propõem a eliminação dos dois artigos, com uma diferença, é que o CDS-PP propôs, a propósito do artigo 62.º, uma norma que recuperava algo do que consta nestes artigos.
O CDS-PP propôs o aditamento de um n.º 3 ao artigo 62.º, com a seguinte redacção: "Qualquer redimensionamento ou o emparcelamento das unidades de exploração agrícola far-se-á sempre, nos termos da lei, sem prejuízo do direito de propriedade privada e do direito de indemnização se a esta houver lugar." Portanto, pelo menos são transpostos para o n.º 3 do artigo 62.º os conceitos de redimensionamento e emparcelamento das unidades de exploração agrícola.
Pelo contrário, o PSD propõe a eliminação pura e simples dos dois artigos.
Os Deputados do PS, Cláudio Monteiro e outros, propõem a conglobação deste dois artigos num único artigo, o artigo 98.º, com a epígrafe "Reordenamento agrário". Portanto, a informação dada no nosso guião, segundo é proposta a eliminação pura e simples do artigo 97.º, não corresponde à verdade dos projectos.
Por conseguinte, estão em causa, em conjunto, a proposta de eliminação do PSD, a proposta de redução, digamos assim, do CDS-PP - ficaria reduzida ao actual artigo 62.º, num n.º 3 a aditar, constante do projecto daquele partido - e a proposta de conglobação num único artigo, apresentada pelos Deputados do PS, Cláudio Monteiro e outros, também neste caso com alterações de redacção, como se pode ver pela leitura do artigo.
Começando pela proposta mais radical, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, para apresentar a proposta de eliminação tout court.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é uma palavra muito breve e muito simples. Tudo o que aqui foi dito, e que é significativo do ponto de vista de reordenamento agrário, já foi dito mais atrás!
Hoje, recordam-se dois conceitos nestes dois artigos, os latifúndios e os minifúndios, que também carregam consigo um sentido que vai para além de um sentido puramente económico e agrícola. São dois conceitos que têm anexações ideológicas manifestas, e é a partir desta óptica que o PSD, tendo a consciência de que com isso em nada perturba o normativo constitucional, propõe a eliminação destes dois preceitos.
O Sr. Presidente: - Conceitos que, de resto, só constam das epígrafes. Mas o PSD não propõe só a eliminação das epígrafes.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Porque já está tudo repetido, Sr. Presidente. Foi para manter a epígrafe que se fez tão prolixa prosa jurídica.
O Sr. Presidente: - Os representantes do CDS-PP querem acrescentar alguma coisa à sua proposta de substituição global destes artigos pelo n.º 3 do artigo 62.º?
Estas propostas estão à discussão em conjunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vou repetir considerações de carácter geral, as quais, aliás, creio que foram feitas pelos vários grupos parlamentares, designadamente a propósito do debate do artigo 81.º, alínea h), que consagra exactamente, como incumbência prioritária do Estado, eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio.
A partir do momento em que essa proposta não foi aceite indiciariamente, creio que o efeito desta eliminação proposta pelo PSD seria curioso, na medida em que há um conjunto de garantias (aliás, a história deste conjunto de normas é conhecida, desde a consagração da reforma agrária nos termos iniciais, que estão presentes no espírito de todos, até este momento), como o direito à expropriação, o direito à reserva de uma área suficiente para a viabilidade e racionalidade da sua própria exploração, que, eventualmente, seriam eliminadas neste contexto.
Portanto, chamo a atenção para o facto de que essa proposta do PSD poderia fazer sentido e ter coerência em conjunto com a própria eliminação do artigo 80.º, alínea h). Neste momento, tendo essa proposta sido rejeitada, creio que, eventualmente, os próprios proponentes terão razão para reconsiderá-la neste novo contexto.
De qualquer modo, não vamos repetir, por razões de economia, tudo aquilo que já dissemos no debate do anterior preceito.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, os proponentes mantêm a proposta e esperam, naturalmente, que os opositores à outra proposta também se mantenham coerentes consigo próprios.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas seria interessante a outra não ser aceite e esta sê-lo!
O Sr. José Magalhães (PS): - Interesse um bocado mórbido, de resto…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Faça V. Ex.ª a experiência, logo veremos como acertar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta matéria, as obras básicas foram feitas em 1989 - e todos sabemos como e dentro de que limites. Não se trata apenas de uma epígrafe, trata-se de conteúdos normativos que têm hoje o alcance rigorosamente resultante dos termos em que essa revisão foi feita. Nem mais, nem menos!
Portanto, onde o Sr. Deputado Barbosa de Melo insiste um pouco em ver prolixidade há o resultado da supressão e da alteração de outros conteúdos constitucionais e uma norma que ficou razoavelmente enxuta.
A epígrafe também não é um epitáfio e deixa à realidade larga possibilidade de dinâmica em tempos que variarão.
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Portanto, em matéria de Constituição, nesta parte, a eliminação não é senão uma obra letal.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O PSD mantém que a epígrafe é mesmo um epitáfio, V.Ex.ª mantém o "cadáver" fora, não o enterra!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, a questão é precisamente saber se V. Ex.ª está perante um "cadáver" e se deve fazer o papel de "coveiro" ou se a obra é outra…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O que está neste normativo já está previsto em toda a Constituição e é regulado por lei. Tudo isto está sempre dependente da lei. Como diria um brasileiro, isto é prosa!
O Sr. José Magalhães (PS): - É tão "prosa" que V. Ex.ª insiste em eliminá-la.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não gosto de "cadáveres" espalhados pela Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso vale, naturalmente, para o artigo 98.º.
O Sr. Presidente: - Pois, por suposto que sim, aliás, coloquei-os à discussão em conjunto.
Pessoalmente interrogo-me sobre se, valendo as epígrafes o que valem, portanto, não podendo acrescentar aquilo que não está nos artigos, a ideia do Deputado Cláudio Monteiro de fundir os dois artigos sem perda de conteúdo, com uma epígrafe bastante mais neutra, "Reordenamento Agrário", não poderia ser adoptada pelos Deputados do PSD como segunda escolha, face à rejeição da proposta de eliminação pura e simples. É uma sugestão que lhes deixo. Obviamente, não farei essa proposta, mas fica como proposta de táctica por parte do PSD.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É um ganho, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Mas não é uma proposta, é preciso que o PSD a faça!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Presumo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro não desistiu dela.
O Sr. Presidente: - Pois não, Sr. Deputado, mas poderá fazê-lo a toda a hora, sempre!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Todos se deverão pronunciar sobre ela.
O Sr. Presidente: - Se ela for levantada para efeitos de discussão, uma vez que o proponente não está presente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, seria possível fazer uma pausa técnica de 5 minutos? Nós temos necessidade de fazer uma pequena consulta política devido a uma iniciativa de um outro partido e, simultaneamente, precisava de me deslocar ao exterior para um contacto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos aguardar 5 minutos.
Pausa.
Srs. Deputados, estamos em condições de retomar os nossos trabalhos.
Vamos discutir o artigo 99.º, com a epígrafe "Formas de exploração de terra alheia", sobre o qual existe uma proposta de eliminação apresentada pelo CDS-PP, que, aqui, não deixou os créditos pelas mãos do PSD, tendo ficado, de facto, mais radical.
Srs. Deputados, está à consideração a proposta de eliminação do artigo 99.º, apresentada pelo CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, verdadeiramente, não nos passa pela cabeça eliminar a proibição constitucional do aforamento e da colonia. Além disso, quanto à previsão do n.º 1 deste artigo, de que o arrendamento e as outras formas de exploração de terra alheia serão regulados por lei, em determinadas condições e com determinados objectivos, não nos parece que deva sofrer alteração.
Portanto, somos claramente contra a proposta do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua à discussão a proposta do CDS-PP, de eliminação do artigo 99.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que o artigo 99.º tem ainda um papel normativo importante.
Quando passo por esta área da nossa ordem jurídica, não deixo de invocar no meu espírito uma das coisas que mais me marcou no meu tempo de estudante, em 1957. Refiro-me a uma conferência do então Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, com o título "A Miséria Imerecida das Populações Rurais". Uma miséria que resultava da lei de então, porque um arrendatário da terra, naturalmente da terra alheia, nenhuma garantia de estabilidade tinha para o seu contrato e os seus interesses não contavam para nada. À vista de um ano podia ser despedido e lá ia com os pobres tarecos de terra em terra, a ponto de o conferencista, nesse texto - aliás, publicado e que faz parte das obras completas desse grande pensador português - , concluir que "a terra serva (…)", portanto, vinculada com os regimes pré-liberais, "(…)libertava o agricultor, a terra livre escravizou-o".
Ora bem, a previsão do n.º 1 do artigo 99.º é contra esta escravização, por parte da terra, a terra livre, isto é, é contra a escravização daqueles que a trabalham.
Por outro lado, a colonia - sobretudo a colonia, e o aforamento ainda, eventualmente -, hoje, também está "moída", mas nunca se sabe, porque as coisas às vezes reinventam-se. A colonia também foi causa de muita exploração da vida humana, nomeadamente na ilha da Madeira.
Penso que é bom que este artigo continue na Constituição, porque a terra livre pode escravizar quem a trabalha; é bom que ela garanta a liberdade de quem a trabalha.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a inviabilidade da proposta está à vista. De facto, sem prejuízo de uma alteração de redacção operada no n.º 2, esta norma até agora não tinha sido posta em causa e, a meu ver, parece-me que deveria continuar a não ser posta em causa.
Vamos, então, entrar na discussão do artigo 100.º, com a epígrafe "Auxílio do Estado", para o qual existe uma proposta de eliminação do CDS-PP, que é comum à ideia de eliminação de todo este capítulo constitucional e, portanto, deve dar-se por prejudicada dado o não acolhimento dessa ideia de "limpeza" constitucional de todo o capítulo.
Foram também apresentadas propostas concretas de reformulação do artigo.
Há uma proposta de reformulação global deste artigo, apresentada pelo PSD, que se traduz na eliminação do n.º 2 e na reformulação do n.º 1 num único texto. Depois, existem ainda algumas propostas de alteração de algumas das alíneas em concreto.
Proponho que comecemos pela proposta de reformulação global, apresentada pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como disse, a proposta do PSD é de reformulação global e tem dois tipos de preocupações.
Por um lado, substantivamente, retirar daqui - que se diga com clareza - alguns aspectos que nos parece não deverem constar da constituição económica, nomeadamente dentro do tal espírito (não é por demais, porque ainda estamos em matéria que a isso diz respeito) de reter na Constituição os princípios gerais que possam, de acordo com os vários programas e posicionamento ideológico dos partidos democráticos, permitir a formulação e a aplicação de políticas económicas consequentes com esses mesmos programas.
Portanto, a preocupação foi a de simplificar este artigo, mantendo apenas os princípios que nos parecem ser o denominador comum em que todos os partidos democráticos (e quando digo todos quero significar a diversidade de partidos com os seus programas políticos diferenciados, naturalmente) se poderão rever, por forma a que nenhum deles se veja obrigado a perseguir uma política com que não concorde ou veja coarctada a persecução de uma outra política que entenda mais adequada.
É nesse sentido que a reformulação que propomos para o artigo 100.º se enquadra, deixando claro que "Na prossecução dos objectivos da política agrícola e do desenvolvimento rural, (…)" - acrescentámos o termo "desenvolvimento rural" não propriamente com a preocupação que acabei de enunciar mas com a preocupação mais genérica de equacionar a política agrícola na perspectiva adequada de desenvolvimento rural - "(…) o Estado apoiará preferencialmente, nos termos da lei, os pequenos e médios agricultores, (…)" - mantemos o apoio preferencial aos pequenos e médios agricultores - "(…), individualmente ou associados, e as iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural."
O texto actual da Constituição refere-se expressamente à associação dos agricultores em cooperativas. Pode não ser só esse o tipo de associação, do nosso ponto de vista, pelo que preferíamos optar por uma formulação mais genérica. Para além disso, há uma lacuna ao não prever iniciativas locais, conceito que hoje em dia tem já um adequado curso e densificação na ordem jurídica e no entendimento generalizado do que isso significa.
Por outro lado, chamo também a atenção para o facto de propormos remeter, no texto constitucional, este apoio do Estado para os termos da lei. De facto, actualmente, o artigo 100.º não o refere de forma explícita, mas parece-nos evidente que nesta, como na generalidade das políticas de natureza económica, terá sempre de haver alguma flexibilidade para que ao nível do legislador ordinário possam ser encontrados os mecanismos mais adequados, quer em cada momento quer de acordo com as definições de prioridades políticas de cada governo, com os seus programas políticos próprios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é esta a descrição inicial da proposta do PSD que eu pretendia fazer.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PSD de reformulação do artigo 100.º.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o artigo 100.º tem uma redacção que resulta de momentos vários de criação constitucional, com a participação, de resto, não de um mas de vários partidos, de uma pletora bastante alargada de partidos.
Verdadeiramente, este artigo apresenta duas componentes: o enunciado geral do conceito no n.º 1 e, depois, especificações que não são exaustivas. Esse é o primeiro ponto a sublinhar. Ou seja, a margem de manobra de governação, de desenvolvimento de políticas de matiz distinto que incluam outros instrumentos além dos previstos e elencados a título meramente exemplificativo no n.º 2 é inteiramente possível. É possível hoje e foi possível noutro contexto, portanto, não há aqui um limite férreo, espartilhante e castrante para aplicação de políticas diversas. Há, naturalmente, um limite para a aplicação de políticas de desapoio ou de agressão do mundo rural, designadamente dos interesses elencados e sistematizados nas várias alíneas.
Francamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vemos que, salvo numa actividade de total rescrita da Constituição nesta parte… A Constituição poderia ter sido escrita de outra maneira, seguramente, pois há outras não menos nobres que têm conteúdos distintos e formulações menos específicas, que não aludem, por exemplo, aos elementos, aos acidentes fitopatológicos ou que não têm o grau de desagregação e pormenorização que a nossa Constituição tem, mas a verdade é que, por um lado, não se trata de um limite oposto ao desenvolvimento económico - bem ao contrário - e, por outro lado, não nos coloca nenhum problema de orientação de política constitucional, excepto nessa óptica de refundição, refundação e rescrita global, que nos parece indesejável como princípio filosófico.
A norma do PSD, diga-se por último, é fortemente redutora de praticamente todas as componentes que, sob a epígrafe de "Auxílio do Estado", a Constituição consigna no artigo 100.º.
Portanto, não se trata de uma revisão de léxico, não se trata de um aggiornamento; trata-se, sim, de uma significativa diminuição de componentes bastante precisos de conteúdos constitucionais relevantes numa área bastante importante, qual seja o auxílio do Estado, com as suas
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preferências, o enunciado das suas dimensões, dos diversos tipos de instrumentos a utilizar, embora sem carácter exaustivo, etc. Parece-nos que seria uma perda para os agricultores e para a política agrícola que o PSD não fundamenta cabalmente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso usar da palavra?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta concreta ao Partido Socialista.
Entende o Partido Socialista que faz sentido a Constituição da República actualmente especificar que o apoio do Estado à actividade agrícola compreende o apoio de empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e a jusante da produção? É esse o sentido adequado da política agrícola? Não entende o PS que isso não só hoje em dia não é praticado pelo actual governo, suportado pelo Partido Socialista, como, obviamente, é um excesso em termos de orientação para um qualquer governo que possa assentar o seu programa de acção, o seu programa político, numa lógica económica completamente diferente?
A segunda questão que quero colocar está ligada directamente com a alínea c), que citou, relativa aos acidentes climatéricos e fitopatológicos. Vamos distinguir uma coisa: o que aqui está é a socialização dos riscos. Ora, entende ou não o Partido Socialista que hoje em dia o que faz sentido é aquilo que existe, ou seja, um apoio do Estado aos seguros próprios para este tipo de riscos? Isto é, uma parte é socializada porque comparticipada por um apoio específico da parte do Estado, outra parte não é socializada porque suportada pelo próprio agricultor.
A lógica não deve ser a socialização como aqui está. A lógica deve ser, ou não, uma política de criação de seguros subsidiados, portanto com prémios bonificados pelo próprio Estado, mas onde a comparticipação do próprio agricultor é fundamental? Assim, não há uma socialização integral dos riscos, como aquela que aparentemente resulta do actual texto constitucional.
Sr. Presidente, trata-se de questões concretas sobre as quais eu gostava de ouvir o Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a verdade é que o PSD, a propósito de duas notas…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - São exemplos!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... que considera fundamentadoras de uma necessidade urgente de aggiornamento, se comporta como quem…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!…
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma necessidade de aggiornamento, de actualização, de modernização, do texto constitucional!…
Como estava a dizer, o PSD, a propósito de duas notas que considera fundamentadoras de uma necessidade urgente de aggiornamento, comporta-se como aquele que, criticando o vidro e a porta do veículo, lança o veículo inteiro para o camartelo da demolição. É que aquilo que o PSD propõe é a eliminação pura do preceito, não se limita a alterar a alínea b) ou a corrigir este ou aquele aspecto da alínea c), o que, aliás, seria discutível porque faz uma leitura unidimensionalizadora da própria concepção de socialização dos riscos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que fazemos é remeter para a lei!…
O Sr. José Magalhães (PS): - O que o PSD faz é desconstitucionalizar e suprimir comandos constitucionais e, obviamente, ao suprimir comandos constitucionais, exprimir graus de protecção diversos. Felizmente não faz isso na zona das liberdades e garantias com o mesmo ar, mas fá-lo aqui com grande aisance.
Não acompanhamos esse zelo. Se o PSD formular propostas de matização, de reformulação em concreto de coisas que provada e fundadamente se comprovem como completamente ao arrepio dos ventos dos tempos, vamos considerá-las com todo o cuidado, como estamos a fazer como atitude geral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é óbvio que a proposta do PSD de eliminação global do n.º 2 pode ser reconvertida em proposta de eliminação e substituição concreta de cada uma destas alíneas. Lá iremos se for caso disso, para já está em discussão a proposta global do PSD, que implica a reescrita do n.º 1 e a eliminação do n.º 2 do artigo 100.º.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente que a preocupação que temos colocado de defesa e desenvolvimento do mundo rural, a qual nos levou, aliás, a apresentar propostas com este objectivo a propósito dos artigos 91.º e 96.º, aponta para a ideia de manter, e até nalgumas matérias reforçar, o auxílio do Estado (sem prejuízo de um aperfeiçoamento ou outro), e não propriamente para uma política de menor responsabilização do Estado numa área em que, reconhecidamente - estaremos todos de acordo -, se coloca uma situação de crise, de desertificação, de despovoamento e de desqualificação do mundo rural, já anteriormente aqui reconhecida.
A proposta de acrescentar iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural, por outro lado, sobretudo num quadro em que tudo o resto é eliminado, não nos parece ter o equilíbrio que julgaríamos minimamente conveniente e necessário para alcançar este objectivo, que de algum modo corresponde à ideia de defesa e desenvolvimento do mundo rural que colocámos noutro contexto.
Por isso mesmo, não vemos qualquer vantagem - pelo contrário, veríamos inconvenientes - na aceitação da proposta do PSD, quer em relação ao n.º 1 quer, naturalmente, em relação à eliminação do n.º 2, sem prejuízo de poder vir a considerar o elenco das alíneas do n.º 2 e, eventualmente, a redacção de uma ou de outra alínea. De resto, nós próprios, como é sabido, fazemos uma proposta de aditamento nesta matéria.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de reformulação global apresentada pelo PSD, nesses termos, não se mostra susceptível de ter acolhimento, porém existem em relação ao n.º 2 propostas concretas quanto a algumas das alíneas. Obviamente, o PSD pode, se quiser, reconverter a sua proposta de eliminação global do n.º 2 em proposta de eliminação selectiva ou de reformulação selectiva de algumas destas alíneas.
Começando pelas propostas apresentadas, em relação ao actual elenco só existem propostas de aditamento, e são essas que vamos considerar.
Temos uma proposta do PCP de aditamento de uma nova alínea e), que refere o seguinte: "Apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e promoção da produção nacional." Já li isto algures no projecto do PCP, suponho que é a terceira vez que aparece.
Existe também uma proposta, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, de uma nova alínea d), do seguinte teor: "Estímulos às iniciativas empresariais dos pequenos e médios agricultores."
Srs. Deputados, estão à consideração estas duas propostas de aditamento, para o caso de alguém adoptar a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que não se encontra presente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá para apresentar a proposta do PCP, de aditamento de uma nova alínea e), que refere o "Apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e promoção da produção nacional".
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que se trata de duas questões completamente diferentes.
Em relação à promoção da produção nacional, o Sr. Presidente referiu, e bem, que há várias propostas do PCP nesse sentido, o que fizemos na esperança de, eventualmente, uma delas ser aceite. Creio que é uma proposta que fala por si. Já a justifiquei, ela foi analisada noutros contextos, pelo que nada mais acrescentarei.
Quanto à questão dos circuitos de comercialização, partimos do princípio de que a referência constante da alínea b) não é suficiente para atingir este objectivo particularmente importante para garantir a defesa e o desenvolvimento da agricultura e do mundo rural.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, "A racionalização dos circuitos de distribuição" é justamente o que estabelece a actual alínea b) do artigo 102.º, com a epígrafe "Objectivos da política comercial"!
O Sr. José Magalhães (PS): - E é o que se lê no n.º 1 do artigo 96.º, na parte em que isso tem relacionamento com os objectivos gerais da política agrícola!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem dúvida que isso é importante e temo-lo em conta. De resto, também existem nesse plano propostas específicas da parte do PCP.
Julgamos, no entanto, que, independentemente de esse ser um objectivo específico da política comercial, não deixa de dever ser também um objectivo muito particular da política agrícola, visando não já apenas a qualidade da política comercial mas, também, especificamente o desenvolvimento agrícola.
Nesse sentido, a criação de obrigações específicas do Estado em relação ao apoio à agricultura neste domínio é algo que não se esgota na fixação de objectivos da política comercial. É que uma coisa é a racionalização de circuitos de comercialização no âmbito da política comercial, que pode ter como objectivo proteger exclusivamente comerciantes e consumidores, e outra coisa é fazê-lo no âmbito da política agrícola, que terá, naturalmente, o objectivo prioritário de apoiar agricultores, unidades produtivas de trabalhadores, cooperativas, etc.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de aditamento de uma nova alínea por parte do PCP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, todas as explicitações são possíveis, sobretudo quando repetem conteúdos constitucionais - os especialistas, muito respeitavelmente, tendem a fazê-lo, como reflexo directo da sua própria competência na matéria. Mas a verdade é que eu tenho dificuldade em deixar de ler na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição, na sua redacção actual, na parte em que impõe como objectivo da política agrícola assegurar o melhor abastecimento do País, uma nota de racionalização e de garantia de bom abastecimento, etc, etc, para além, naturalmente, da alusão que é também desejada agora, em repetição, pelo PCP, da promoção da produção nacional, que é, de resto, o objectivo número um do enunciado actual dos objectivos da política agrícola.
É evidente que o auxílio aos produtores visa aumentar a produção; em alguns casos visa diminuí-la também, mas isso são as subtilezas da política agrícola…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso colocar uma questão?
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado José Magalhães, o que o PCP propõe não é propriamente o fomento da produção nacional mas, sim, a promoção da produção nacional, ou seja, esquemas de apoio selectivo à produção nacional, nomeadamente através de meios que a União Europeia proíbe.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Pode significar promover o vinho português no estrangeiro, por exemplo.
Sr. Presidente, se me permite, gostaria de formular uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães, não sobre esta questão da promoção da produção nacional mas sobre a questão do apoio à racionalização dos circuitos de comercialização, que é a seguinte: o Sr. Deputado considera que nos objectivos de política agrícola que referiu, e que são objectivos globais, está contida a obrigação específica do apoio do Estado nesta matéria?
Isto é, creio que pode ser entendido - gostaria que não fosse esse o entendimento - que uma coisa são objectivos globais da política agrícola e outra coisa é uma obrigação concreta, densificada, da qual resulta a obrigação de criação de programas próprios de racionalizar circuitos de comercialização; que uma coisa é garantir o abastecimento
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do País, que pode, designadamente, ser conseguido através da importação de produtos estrangeiros estritamente e outra coisa é racionalizar os circuitos de comercialização da produção nacional.
Tenho feito um esforço de, permanentemente, procurar que não sejam possíveis interpretações a contrario da rejeição de normas e, naturalmente, procurarei fazê-lo também neste caso. No entanto, julgo que a interpretação do Sr. Deputado José Magalhães no sentido de que o objectivo do melhor abastecimento do País já obriga a um auxílio específico do Estado à produção e aos agricultores e trabalhadores da agricultura é algo a que só com muita benevolência se poderia chegar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se levo a pergunta até ao extremo, na interpretação dada pelo Sr. Deputado Luís Sá, na qualidade de autor da pergunta, a proposta do PCP significa um privilégio à produção nacional, que implicaria a tal "apólice" antieuropeia de que eu falei há pouco! Ou seja, a proibição política…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, já tive oportunidade de fazer um apelo no sentido de que não se interprete como posição antieuropeia a posição contrária a uma política concreta da União Europeia porque, em última instância, também teria de ter uma posição contra o Estado quando estivesse contra uma determinada política do Estado!
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pedi a palavra exactamente porque penso que as últimas intervenções sucessivas dos Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães foram bem elucidativas do que o PSD tem vindo a dizer, genericamente, sobre estes artigos que temos estado a analisar.
O Sr. Deputado Luís Sá foi linear ao confirmar o que resulta do entendimento do PSD. Na verdade, uma coisa são os objectivos de política que devem ser perseguidos e que o PSD defende, à semelhança do que acontece mais à frente (onde chegaremos daqui a pouco), e para a política comercial e para a política industrial deve haver na Constituição um artigo que defina quais os objectivos que devem presidir genericamente às políticas nas áreas da agricultura, do comércio e da indústria; outra coisa é criar obrigações claras e peremptórias ao Estado para prosseguir determinado tipo de políticas objectivamente e para traçar políticas casuísticas para acorrer a determinado tipo de situações.
É isso, no fundo, o que faz o n.º 2 deste artigo 100.º, daí o PSD, pura e simplesmente, ao abrigo da lógica que expendi há pouco, propor a eliminação dos artigos 97.º, 98.º e 99.º, remetendo para o legislador ordinário, que, em cada momento, pode ter, de acordo com o Governo que maioritariamente estiver no poder na altura, opções de política diferentes para levar a bom termo os objectivos da política agrícola (esses, sim, devem constar no artigo 96.º da Constituição).
Apesar de tudo, no caso da agricultura - o que já não acontece no texto constitucional, como veremos a seguir, no caso das políticas comercial e industrial, em que só encontramos artigos sobre os grandes objectivos -, é perfeitamente defensável, pelas condições reais do País e pelas condições estratégicas que tal implica, que haja mais um artigo sobre o auxílio do Estado.
No entanto, esse artigo deve ser suficientemente genérico para não criar os embaraços a que agora aqui assistimos nesta troca de posições, em que o PCP, obviamente, defende que não devem fixar-se apenas objectivos mas, sim, a consignação de obrigatoriedade do Governo, em cada momento, acorrer a políticas concretas para isto ou para aquilo. Naturalmente, na sua lógica de intervencionismo, que é a ideologia que considera ser a mais adequada para a organização económica do País, o PCP entende que devem ser acrescentadas mais algumas obrigações claras para o Governo, em cada momento, traduzir em políticas concretas, o que leva ao embaraço manifesto do Partido Socialista de dizer que, então, mais vale não acrescentar nada, independentemente da bondade do que o Sr. Deputado Luís Sá estava a dizer!
Sejamos claros, Sr. Deputado: é evidente que o que o Sr. Deputado Luís Sá estava a explicar - e penso que o Partido Socialista também o entendeu claramente - é diferente do que se estatui mais à frente, no artigo relativo aos princípios gerais da política comercial, quando se trata a questão da racionalização dos circuitos de distribuição! Uma coisa é na perspectiva de objectivos de política comercial, outra coisa é na perspectiva da produção agrícola. São realidades, de facto, distintas!
O problema está exactamente - e foi perfeitamente elucidativa esta troca de intervenções - no facto de a Constituição não dever entrar por estes caminhos!
O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria apenas dizer que o que esta troca de impressões verdadeiramente prova é que entre um pólo que diz tudo pôr e outro, representado pelo PSD, que diz tudo tirar, o PS tem uma posição equânime, equilibrada e que faz falta, aliás, precisamente pelo seu carácter equilibrado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não lhe conhecia esse cariz centrista…
O Sr. José Magalhães (PS): - Entre o tirar tudo e o pôr o mais possível, há ainda uma outra posição possível, a de conservar o que é virtuoso, a de estar aberto a algumas alterações que moderem e, mais ainda, a de ser coerente.
Não vale a pena o PSD fazer um ar de verdadeira "chacina" nesta matéria porque, à frente, o PSD não tem literalmente problema algum - e provavelmente bem - em propor o aditamento, no artigo 103.º, de mais uma menção ao apoio às pequenas e médias empresas, incentivos locais de desenvolvimento, densificações que nós, aliás, provavelmente até votaremos alegremente e com todo o aplauso.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No plano dos objectivos tudo é discutível!
O Sr. José Magalhães (PS): - Por outro lado, o PSD não se dá ao cuidado de levar o seu zelo abolicionista ao ponto de também fazer a ablação das políticas sectoriais em matéria de comércio e indústria, pelas razões que o Sr. Deputado mal enunciou. Mas ainda bem!
Portanto, em matéria de embaraço, o embaraço do PS é nenhum e a nossa disponibilidade para discutir isto fora dos argumentos ad terrorem é total; dentro dos argumentos ad terrorem é nula! Portanto, somos inteiramente insensíveis a observações desse tipo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pretendia apresentar uma proposta construtiva.
Sobre a promoção da produção nacional, creio que está tudo dito; sobre a questão do apoio à racionalização dos circuitos de comercialização, colocava a hipótese de esta proposta poder ser um acrescento à alínea b) do n.º 2, isto é, a sua redacção ficaria: apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e a empresas públicas e de cooperativas (…).
Portanto, a partir do momento em que seja introduzida qualquer alteração neste artigo (creio que o PS mostrou abertura nesse sentido), talvez esta proposta pudesse ser minimamente racional e coerente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Como substituição, portanto, da alínea b) vigente?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, seria um acrescento à alínea b), ou seja, antes do que já conta do actual texto da alínea b), escrever-se-ia: apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e a empresas públicas (…). Visto que a matéria é obviamente a mesma, não é difícil concordar, tanto que as vias assinaladas na alínea b) não são as únicas para chegar a este objectivo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a ideia de flexibilizar a alínea b), abrindo-a a múltiplas formas de racionalização de circuitos de comercialização, é uma ideia perfeitamente operacional e trabalhável. Aliás, talvez o PSD nos possa ajudar a explorar esse aspecto, em vez de vislumbrar "mosquitos" na outra banda. Venham as propostas!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não apresentaremos propostas para consignar políticas do Governo em termos constitucionais. Não o faremos!
O Sr. José Magalhães (PS): - Quanto ao mais, estamos cientes dos equilíbrios e desequilíbrios.
Sr. Deputado Luís marques Guedes, quem esqueceu que as normas sobre políticas sectoriais do comércio e indústria foram introduzidas na segunda revisão constitucional e construídas na circunstância e pelas razões que constam abundantemente das actas; quem esqueceu que a constituição agrícola é seguramente mais vasta, mais precisa e pormenorizada do que a Constituição aplicada a outros sectores que desempenham um papel mais relevante no contexto das economias modernas; quem esqueceu que a constituição dos serviços está praticamente ausente? Sabemos que assim é!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PCP reformulou a sua proposta e eu gostaria de conhecer a posição dos partidos em relação á nova formulação.
Tem a palavra o Sr. Luís marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, repito aquilo que já…
O Sr. Presidente: - A posição do PSD continua a ser de oposição, não é?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, continua a ser de oposição. O PSD não fará qualquer tipo de proposta de acrescento do que quer que seja à consignação de políticas a executar pelos Governos em matéria económica, em concreto.
Quantos aos artigos que dizem respeito aos objectivos da política económica, estamos perfeitamente abertos e com toda a ponderação reflectiremos sobre as propostas que forem avançadas. Já em termos de criar consignações constitucionais para a persecução de políticas objectivas nesta ou naquela área, repito, o PSD não tem abertura.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está inviabilizada a proposta do PCP, pelo menos na sua parte reformulada, mas gostaria apenas de clarificar um ponto.
O PSD propôs a eliminação do n.º 2 e eu desafiei-o explicitamente a saber se, tendo sido rejeitada a proposta de eliminação global do n.º 2, o PSD estaria interessado, ainda assim, em considerar isoladamente algumas dessas alíneas ou se prefere o "tudo e o nada".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, sem blague, respondo directamente neste sentido: se for para retirar alguma alínea, com certeza, lembrando que, nomeadamente, dei exemplo de duas (sobre a criação de empresas públicas e a socialização dos riscos) ao Sr. Deputado José Magalhães e a resposta dele não foi conclusiva; se for para alterar ou para reformular, com franqueza, Sr. Presidente, do nosso ponto de vista o problema é uma falsa questão.
Do nosso ponto de vista, o que está consagrado neste domínio é, em grande medida, letra morta - e era bom que houvesse reconhecimento da parte dos demais partidos de que assim é - e, por assim ser, não vale a pena s estarmos a mexer no "cadáver". Mais vale, então, se não for para retirar tudo, que comecemos por retirar aquilo em que todos estamos de acordo, aquilo que é letra morta manifesta!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se bem entendi, o Sr. Presidente sugere a eliminação…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não sugeri nada, limitei-me a pôr à consideração a proposta do PSD de eliminação global do n.º 2, proposta que não foi acolhida.
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Sugiro ao PSD que, tendo sido rejeitada a proposta de eliminação global, encare a hipótese de pôr à consideração a eliminação ou a reformulação específica de algumas das alíneas. Considero que devia haver alguma margem para melhorar nomeadamente as alíneas b) e c).
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, já demos o nosso assentimento para tal mas, até agora, não foi essa a vontade indiciada pelo PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD já disse que concorda com uma possível reformulação se ela for redutiva, mas não contem connosco para "ressuscitar o morto"!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas qual "morto"? O problema é precisamente destrinçar entre o "morto" e o "vivo"! Além de que essa linguagem necrotéria não facilita a discussão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica registada a disponibilidade do PSD para encarar a possibilidade de revisão das alíneas b) e c) do n.º2, ficando com o ónus de propor alternativas.
A proposta de Os Verdes de aditamento do novo artigo 100.º-A, que tem como epígrafe "Objectivos da política florestal", deve considerar-se prejudicada face à discussão havida e ao compromisso encontrado quanto ao aditamento de uma referência ao desenvolvimento florestal.
Passamos ao artigo 101.º, que tem como epígrafe "Participação na definição da política agrícola", para o qual existem duas propostas de eliminação, do CDS-PP e do PSD, e uma de alteração, de Os Verdes, que se traduz num alargamento dessa norma.
Têm a palavra os proponentes da eliminação, se desejarem fazê-lo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sugerimos a eliminação desta disposição porque, conforme já falámos genericamente a propósito do artigo 80.º, tínhamos ficado de encontrar uma formulação para o artigo 80.º, com o prestimoso auxílio do Sr. Presidente, numa perspectiva estruturante de toda a organização económica e, portanto, seguramente, também da política agrícola, através de uma alínea que previsse um conceito de participação de organizações de trabalhadores e, neste caso, dos agricultores, dos empresários, na definição das estratégias de desenvolvimento.
Genericamente, parece-nos que o artigo 101.º se reconduz ao princípio genérico que pretendíamos que fosse estruturante para toda a constituição económica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta de eliminação deste artigo, que é um dos mais reiterativos da Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, numa fase anterior do debate, tinha-se estabelecido uma espécie de consenso indiciário, que só importa reafirmar nesta matéria, uma vez que o que nos rege não é o fetiche da palavra, é a não perda de conteúdos. E, portanto, assentes as inserções adequadas, estamos disponíveis para fazer o que ficou adiantado na altura própria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que ficou adiantado foi um princípio geral de participação das organizações representativas dos agentes económicos na definição de todas as medidas económicas e sociais - o que, aliás, já consta do artigo 81.º -, tendo ficado agenciado o seu transporte para o artigo 80.º. Mas tal não altera o seguinte problema: o artigo 101.º especifica, para a área da política agrícola, o princípio de participação e, portanto, trata-se de determinar se deve ou não haver a especificação do princípio de participação em sede agrícola. O CDS-PP e o PSD entendem que não e, por isso, propõem a sua eliminação.
Gostaria de registar a posição do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tomámos a iniciativa de propor esta matéria e a nossa inclinação geral não é favorável à supressão e ao desmantelamento de mecanismos de participação; pelo contrário, uma das características do nosso projecto é o reforço geral dos patamares de participação cívica e de classes socioprofissionais e não a remoção patamares, pelo que teremos que ser persuadidos com muito boas razões de que esta alteração não afecta conteúdos essenciais e, sobretudo, que é vantajosa. Não se trata só de provar que não é imprescindível, trata-se de provar que é vantajosa, prova essa que ainda não foi feita.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá, para se pronunciar sobre as propostas de eliminação do artigo 101.º, apresentadas pelo CDS-PP e pelo PSD, e de aditamento, apresentada por Os Verdes, que consiste em acrescentar a referência à política florestal.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é evidente que o artigo 101.º desenvolve, a propósito da política agrícola, um princípio de participação dos trabalhadores rurais e dos agricultores que já decorria dos princípios da democracia participativa e dos princípios gerais que vigoram nesta matéria. Este facto não significa que a autoridade constituinte não tenha tido a preocupação de, a propósito de diferentes sectores, de diferentes entidades, densificar a participação.
Se esta norma não tivesse sido inserida, nós teríamos facilidade em deduzir dos princípios gerais uma obrigação de participação na política agrícola. Mas, a partir do momento em que a norma existe, parece-nos que tudo o que seja eliminar obrigações da parte das autoridades de garantirem a participação é empobrecer a densificação do princípio da democracia participativa, que - e bem - houve a preocupação de consagrar amplamente na Constituição.
Creio que, de resto, nos últimos anos, tem-se verificado um défice de participação também neste plano e importaria assegurar, eventualmente também por via da legislação ordinária, mais formas de participação e não propriamente eliminar princípios que a consagram.
Quanto à participação na definição da política florestal, creio que a alteração aponta para entender a política
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florestal como parte da política agrícola; trata-se de, no artigo 96.º, considerar como um dos objectivos da política agrícola o desenvolvimento florestal e propomos que seja um desenvolvimento florestal sustentado. Nesse sentido, se a proposta de Os Verdes de referir explicitamente a participação na política florestal não for aceite, é claro que esta tem de ser compreendida como parte da obrigação de garantir a participação na política agrícola. De resto, já entendemos que assim é, por isso mesmo não adiantámos esta proposta, embora tenhamos tido a preocupação de propor a consagração explícita da política florestal na Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de responder ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Começo por acrescentar um argumento objectivo, que é o seguinte: já citei o artigo 80.º, que tem expressão prática no artigo 95.º, como o Sr. Deputado José Magalhães bem sabe. O Conselho Económico e Social, como o próprio artigo refere, tem como objectivo a institucionalização de um fórum, onde a feitura, a definição e o acompanhamento da execução das políticas económicas e sociais (nelas se incluindo, obviamente, a agrícola, a florestal e todas as outras) são objecto de participação efectiva por parte dos representantes dos trabalhadores e dos empresários, neste caso agricultores ou silvicultores, se for florestal. Portanto este princípio já está hoje mesmo institucionalizado.
E, com franqueza, Sr. Deputado José Magalhães, permita-me acrescentar o seguinte: ambos sabemos que é esse, e mais nenhum, o fórum efectivo no qual se tem dado execução a este princípio constitucional. Ou seja, é evidente (a realidade é uma evidência) que a participação na definição dessas políticas mereceu, há alguns anos, (porque não é assim desde a Revolução, como bem sabe), a própria institucionalização de um órgão chamado Conselho Económico e Social, que preenche todos estes objectivos e, eventualmente, alguns para além destes, como a concertação, que está para além da definição e acompanhamento da execução de políticas genéricas, sendo que a própria concertação social é realizada também nesse fórum institucional que foi entretanto criado.
Termino com mais um argumento: estar esta norma e não estar, por exemplo, uma norma idêntica quanto à política industrial, área onde obviamente… De resto, na boa tradição marxista, a participação dos trabalhadores do sector industrial mais se justificaria, mas a norma não existe na Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Está na Constituição mas não nessa secção especificamente!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Deputado. É isso mesmo que o PSD propõe: se já está consagrado esse princípio noutra sede, não tem nada que estar também neste artigo, porque desequilibra esta formulação em que está arrumado o capítulo das políticas económicas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, claramente, essa é uma questão de approach em relação à economia constitucional.
A norma em causa não acrescenta estritamente nada, mas retirá-la ou não depende de uma opção quanto ao "emagrecimento" formal da constituição económica. É claro que se se optasse por um enfoque de "emagrecimento" formal, esta norma seria claramente uma das candidatas à poupança do preceito constitucional.
Contudo, não é esse, para já, o approach adoptado e, nesse sentido, regista-se a oposição do PCP e o não acolhimento do PS quanto a esta proposta conjunta do CDS-PP e do PSD.
Passamos, então, a uma proposta nova do PCP, a qual não se pode ter por reiterativa. Trata-se de uma proposta relativa ao artigo 101.º-A, que é do seguinte teor: "A lei estabelece as condições em que, por motivo de relevante interesse nacional, deve ser limitada a apropriação do solo nacional por estrangeiros."
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta proposta vale por si, não resultando de qualquer perspectiva neotársica nesta matéria. Julgamos que existem vantagens em consagrar a possibilidade de uma reserva mínima de solo nacional, tal como existem já uma reserva agrícola e uma reserva ecológica.
A situação neste plano é conhecida e o seu desenvolvimento também é minimamente previsível. É isso que justifica esta norma.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma coisa é a adopção de medidas de controlo da apropriação e do uso dos solos, no quadro das obrigações decorrentes dos tratados da União Europeia, outra coisa é a consagração constitucional de uma norma deste tipo, cujo valor simbólico e cujo rótulo são susceptíveis de serem lidos como proibição do investimento estrangeiro na área fundiária, por via constitucional ou cláusula constitucional proibitiva, o que, em pleno ano de 1996, seria considerado, seguramente, um elemento negativo para o nosso normal relacionamento e para a prosperidade do País em matéria de atracção de investimento numa área relevante.
A inexistência dessa norma constitucional não impede aquilo que é susceptível de ser executado no quadro das políticas previstas por tratados. Estados-membros há que o fazem em condições que não têm, de resto, precedente em Portugal e por razões históricas que, em Portugal, não se verificaram com a mesma intensidade que em outros países, como a Dinamarca.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o valor simbólico desta norma seria provavelmente considerável. Mas é preciso ter em conta que seria duplo: corta para os dois lados e, provavelmente, corta também a "carne" que se diz pretender defender.
O Sr. Presidente: - Ninguém mais quer pronunciar-se sobre esta matéria?
Penso que o silêncio significa não acolhimento.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós discutimos esta matéria longamente em 1989 e eu, que fui um dos subscritores de uma proposta deste teor, que agora é renovada, confesso que fiquei francamente impressionado tanto pelos resultados do debate como pelos argumentos produzidos na altura pelos Srs. Deputados, designadamente pelo Sr. Deputado Almeida Santos e outros, que evidenciavam os inconvenientes e o valor jurídico-constitucional da inserção constitucional. Porque não se trata só de regular juridicamente, no trem da lei ordinária, mecanismos de limitação de apropriação, de cláusulas de salvaguarda; trata-se de, a título constitucional, erigir em norma constitucional um princípio que é inevitavelmente susceptível de ser lido como "não queremos o teu investimento, afasta-te de Portugal, este solo é nosso"! E tudo o que está associado a isso, nessas condições, ou resulta de feridas antiquíssimas - caso de algumas que ainda hoje proíbem determinadas formas de apropriação de solos em determinados países da União Europeia, porque são, no fundo, ainda resultado de um conflito sangrento - ou, então, é susceptível de ser, pura e simplesmente, um elemento indutor de uma determinada imagem do País em relação ao seu relacionamento com o exterior. E essa imagem, suponho, é hoje altamente indesejável!
Pelo contrário, o País tem condições para extrair vantagem, sem perda do investimento estrangeiro também em matéria de apropriação de solos e sem prejuízo dos controlos, naturalmente, e da inexistência de qualquer regime de excepção ou de quaisquer estados dentro do Estado, etc.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de resto, a título de faculdade constitucional para operar essas limitações, temos o artigo 88.º para as necessárias válvulas de segurança.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 102.º (Objectivos da política comercial), para o qual o PP propõe a eliminação, mas no contexto geral da eliminação de todo o capítulo. Não se trata de eliminar propriamente só este artigo.
Consideramos, portanto, prejudicada essa proposta e passamos às propostas de alteração, começando pelas do PCP, que propõe a alteração das alíneas a), b) e c).
Para apresentá-las, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): -Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta para a alínea a), visa acrescentar ao objectivo da "concorrência salutar dos agentes mercantis" a referência à salvaguarda do comércio tradicional.
Como é sabido, neste momento há preocupações e há uma ameaça muito especial nesta matéria. De resto, polémicas recentes, como a questão dos horários das grandes superfícies, trouxeram para primeiro plano uma questão que já não é de hoje, e por isso julgamos que a evolução do quadro dos agentes mercantis justificaria que a referência à concorrência fosse acrescentada deste objectivo.
Não está em causa, naturalmente, a existência das grandes superfícies, trata-se apenas de fixar como um dos objectivos da política comercial encontrar formas de apoio do comércio tradicional que lhe permitam um relacionamento total com o consumidor e que signifique mais-valias em relação a outras formas de comércio que surgiram desde o momento em que a Constituição foi elaborada.
Quanto à questão do ordenamento dos espaços comerciais, há aqui igualmente uma preocupação que, em rigor, está contida na ideia de racionalização dos circuitos de distribuição. Simplesmente esta é uma especificação que a própria evolução da situação nesta matéria poderia tornar vantajosa.
Relativamente à alínea c), trata-se de acrescentar, acima de tudo, a ideia de combater práticas gravemente lesivas dos sectores produtivos. Em rigor, a referência às práticas violadoras da concorrência está, de algum modo, contida na alínea a), mas há aqui uma obrigação específica de combate. Em relação a práticas gravemente lesivas dos sectores produtivos trata-se, também aqui, de proteger sectores que claramente têm vindo a ser ameaçados com as políticas que têm sido desenvolvidas nesta matéria e com a própria evolução dos circuitos, que é conhecida e que já referi.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração estas três propostas de alteração, que em todos os casos consistem em aditamentos visando especificar ou particularizar aspectos dos objectivos já constantes do artigo 102.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à primeira proposta, o acrescento da referência expressa ao comércio tradicional, o PSD está particularmente à-vontade porque, como é conhecido, foram os governos do PSD que lançaram programas específicos de salvaguarda do comércio tradicional. Discuta-se ou não se discuta a sua eficácia, a verdade é que…
O Sr. Presidente: - Discute-se!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, mas isso é como em tudo em política económica, Sr. Presidente. Mas foram lançados programas específicos relacionados com o comércio tradicional, coisa que não tinha, com essa intensidade, sido feita anteriormente. Portanto, o PSD está particularmente à-vontade neste domínio.
É evidente que o PSD entende que essa política justifica-se quando as condições e a conjuntura económica assim o aconselham, mas pode não se justificar noutras circunstâncias. Portanto, inseria esta proposta exactamente naquela reflexão genérica que o PSD faz quanto ao indesejável de particularizar demasiado algum tipo de situações, que podem justificar-se conjunturalmente em determinadas circunstâncias mas que podem não ser, de facto, princípios genéricos universal e intemporalmente presentes, ou seja, a todo o tempo e em todo o lugar.
No momento presente, por exemplo, embora nos pareça evidente que se justifica a necessidade de existência de políticas governamentais dirigidas expressamente para o comércio tradicional - e, para bem do próprio comércio tradicional, era bom que deixassem de se justificar com a mesma intensidade a breve trecho -, julgamos que a constitucionalização não é um bom princípio nesta matéria.
Quanto à questão do ordenamento dos espaços comerciais, pediria ao Sr. Deputado Luís Sá, assim que terminasse esta minha intervenção, que me esclarecesse mais exactamente sobre o que é que se entende por ordenamento. Como, de facto, esse conceito é um bocado novo quando aplicado aos espaços comerciais, pedia-lhe alguma explicitação
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mais concreta para entender exactamente qual é a intenção dos proponentes.
Por último, quanto à alínea c), relativamente aos princípios do combate às práticas violadoras da concorrência ou gravemente lesivas para os sectores produtivos, desde logo chamo a atenção para o facto de, genericamente, essa política já estar incluída no artigo 81.º como incumbência prioritária do Estado para toda a actividade económica. De resto, esse foi um dos aspectos em que o PSD apresentou propostas concretas que mereceram alguma abertura do Partido Socialista, para reflectir exactamente sobre a adequada formulação a dar a algumas das alíneas do texto actual. O que propúnhamos era uma reformulação que apontassem claramente - até a terminologia é parecida com esta - para o combate a práticas restritivas ou lesivas da concorrência e do interesse geral.
Acresce que, no caso concreto, ao incluir-se nos objectivos da política comercial uma referência expressa aos sectores produtivos, se introduz como que uma hipótese de subordinação da política comercial a um outro sector, que lhe fica a montante, e de que não deve cuidar, do nosso ponto de vista, um artigo como este, no qual se definem os objectivos genéricos que devem ser prosseguidos numa determinada política para um sector, que é o sector comercial neste caso.
Em suma, a introdução da referência a algo que lhe fica a montante parece-nos talvez um pouco desajustado. Embora o princípio geral nos pareça globalmente adequado, pensamos que ele já está previsto onde deve estar, isto é, nas normas genéricas que constam do início deste capítulo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Sá foi convidado a esclarecer no sentido da expressão "ordenamento dos espaços comerciais".
Faça favor.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tive oportunidade de dizer que a questão do ordenamento dos espaços comerciais, de algum modo, estava contida na ideia da racionalização dos circuitos de distribuição, Todavia, neste momento, há um problema específico ligado ao aparecimento de novas formas de comércio, particularmente de grandes superfícies e de centros comerciais, o que faz com que, até no quadro do ordenamento do território, seja particularmente importante garantir, para sobrevivência das formas tradicionais de comércio, para protecção do próprio consumidor, uma adequada localização dos diferentes espaços comerciais, até no plano físico e outros.
Trata-se, portanto, de um sublinhado, isto é, de sublinhar a necessidade de uma intervenção da Administração Pública particularmente atenta em relação a esta questão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No fundo, uma intervenção como a que já existe. Como sabe, a instalação das grandes superfícies não é livre!
O Sr. Luís Sá (PCP): -Exacto, Sr. Deputado, só que aqui aponta-se para algo que é não apenas a necessidade de o Estado autorizar mas igualmente de fazê-lo com critérios que resultam de outros artigos, nomeadamente a protecção do consumidor, a protecção de outras categorias de comércio, a racionalidade geral dos circuitos de distribuição, etc.
Trata-se, acima de tudo, de uma alínea do ordenamento do território, da protecção dos consumidores e de um sublinhado no quadro da ideia geral de racionalizar os circuitos de distribuição, para além de outra ideia, que é a da concorrência salutar dos agentes mercantis.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os esclarecimentos são úteis e gostaríamos apenas de aditar as seguintes observações: por um lado, a alusão à necessidade de combate às actividades violadoras da concorrência é parcialmente redundante, senão totalmente, em relação ao objectivo que já decorre da alínea a) do artigo 102.º.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, se me permite, creio que isso mesmo ficou claro da minha intervenção! Referi que, se quiser, até elimino essa parte da proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Por outro lado, a alusão a um novo conceito de prática comercial gravemente lesiva do sector produtivo carece de "densificação" ou especificação, porque é de uma enormíssima indeterminação e o valor operacional de tal conceito é, a não haver esclarecimentos, arrasador, ou então inútil.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ou, então, uma norma tão genérica que já está prevista em disposição anterior!
O Sr. José Magalhães (PS): -Ora, num extremo, ou seja, numa interpretação extraordinariamente genérica, está consumidíssimo por proclamações, aliás, melhores, mais densas e mais específicas; num outro extremo, é uma espécie de arma atómica ou, então, uma inutilidade conceptual, porque - escusado será de dizê-lo - o que é uma actividade ou uma prática gravemente lesiva dos sectores produtivos? De que sectores produtivos? Quer dizer, nem sequer há, nesta matéria, rigor conceptual apurável, que eu seja capaz de perceber, e o Sr. Deputado também não contribuiu especialmente para isso.
A questão mais melindrosa é a que diz respeito ao inciso que se propõe que seja aditado à alínea a), porque -o que é típico da tarefa que estamos a desempenhar - estamos a lidar com os instrumentos de Direito Constitucional, portanto, quando criamos uma cláusula de salvaguarda que estabelece que a concorrência nesta área só se pode efectuar, e efectuar-se-á, sempre com a salvaguarda do comércio tradicional, de todo o comércio tradicional, de qualquer comércio tradicional e sem mais comércio tradicional, está a dar-se ao legislador ordinário um pesado encargo, com implicações que suscitam algum melindre.
Quanto ao comércio tradicional, trata-se de modernizar, de reconverter, de salvar - além de que o comércio tradicional também já não é o que era, e felizmente, em muitos casos -, portanto a protecção a conferir não é uma protecção anquilosante, nem uma protecção de conservação, nem uma protecção de conservação a todo o custo, em quaisquer circunstâncias, antes é uma protecção de salvação, rumo a uma transformação e a uma modernização.
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Convém, por isso, não dar a ideia de fixismo, de conservação a todo o preço, de conservação do que quer que seja em quaisquer condições, e de que tudo o que quer que seja está recoberto pela noção - aliás, mais vulgar e propagandística do que com recorte jurídico-conceptual preciso - de comércio tradicional. Isto, naturalmente, sem qualquer prejuízo da nossa profunda preocupação, no terreno das políticas ordinárias e concretas, pela defesa de interesses legítimos de comerciantes em processo de modernização, pertencentes à dita cuja área do comércio tradicional. Em suma, diria que é preciso cuidado nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, e quanto à proposta relativa à alínea b)?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a alínea b) é um pouco imperceptível. Talvez o Sr. Deputado Luís Sá pudesse ajudar-nos um pouco a vislumbrar o que possa querer dizer.
O Sr. Presidente: - Já foi concitado a fazê-lo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, junto o meu apelo a que isso seja feito, porque precisamos dessa explicitação para tentar perceber o que é que fluiria, em termos práticos e úteis, da norma.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como já me considero esclarecido pela explicitação do Sr. Deputado Luís Sá, posso acrescentar agora o que não adiantei há pouco.
Pelo que compreendi da explicitação que o Sr. Deputado deu, e que agradeço, tendo em vista fundamentalmente as duas grandes ordens de preocupações que enunciou, e que têm a ver com o consumidor e com o pequeno comércio - também falou no ordenamento do território, mas essa é uma realidade mais vasta… Mas, dizia, as duas grandes preocupações que retive foram a do consumidor e a do potencial desequilíbrio entre as grandes superfícies e o pequenos comerciantes. Ora, devo dizer que tenho um entendimento genérico relativamente a esses dois objectivos, porque é de objectivos que tratamos de cuidar neste artigo, mais concretamente de objectivos da política comercial.
No que respeita ao consumidor, penso que essa questão está especificamente salvaguardado na alínea e), ou seja, toda a política comercial tem sempre de ter como objectivo a protecção dos consumidores.
Quanto à questão do potencial desequilíbrio entre o grande comércio, ou as grandes superfícies comerciais - os centros comerciais, os hipermercados, e por aí a fora -, e o pequeno comércio e os pequenos comerciantes, penso que, de algum modo, é evidente que a alínea a), ao prever, como objectivo da política comercial, a concorrência salutar dos agentes mercantis não pode ser interpretada de outra forma. Ou seja, essa concorrência salutar, uma vez que existem desigualdades objectivas entre determinado tipo de comerciantes, não pode deixar de ser um tipo de concorrência que, dentro da desigualdade objectiva que existe, consiga manter algum equilíbrio salutar.
Assim, de algum modo, face à explicitação que deu, parece-nos que as duas grandes linhas de preocupação que enunciou - a outra, a da distribuição geográfica, a do ordenamento do território já é demasiado vaga para obter, do nosso ponto de vista, uma consagração constitucional explícita - já estão suficientemente acauteladas, em termos de objectivos, quer na alínea e), especificamente, quer na alínea a), precisamente porque não pode entender-se esta alínea num sentido diverso daquele que enunciou.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas gostaria de sublinhar que o que está em causa, acima de tudo, nesta matéria, é o propósito de, tendo em conta a situação da actividade mercantil existente neste momento, fazer um conjunto de sublinhados que correspondam a essa mesma situação.
Quanto à ideia de que a previsão da concorrência salutar como objectivo da política comercial implica a salvaguarda do comércio tradicional, ela parece-nos correcta, mas tal não significa, de forma alguma, que não entendamos que se justificaria salientar esse aspecto
Quando referimos o comércio tradicional, não se trata de um espírito de conservantismo. É evidente, para nós, que o comércio tradicional só pode sobreviver no quadro da sua própria modernização e fazendo com que a sua actividade se traduza em vantagens para o consumidor, que podem não ser necessariamente em preço mas noutros aspectos, como sejam a qualidade, a relação pessoal, etc. É evidente que o comércio tradicional já não é o que era, mas parece-nos também que se justifica este apoio pela importância económica que tem e pelo facto de envolver, como é o caso, muito milhares de comerciantes e de empregados.
Congratulamo-nos com o facto de ter sido referido que a concorrência salutar obriga a que se proteja o comércio tradicional, e só podemos desejar que esse seja o entendimento de todo e qualquer governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esse é um caminho de duas vias. É preciso não esquecer!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Srs. Deputados, quanto à questão do ordenamento dos espaços comerciais, tentei que ficasse claro que se tratava de sublinhar algo que já decorre da ideia de racionalizar os circuitos comerciais de distribuição, quando conjugado este objectivo com todos os outros, inclusive com outras normas da Constituição. Portanto, a não aceitação dessa nossa proposta não significa qualquer alteração das obrigações que decorrem para o poder político nesta matéria.
Julgo, igualmente, que as normas gerais de política económica, designadamente quando se refere o equilíbrio de sectores produtivos, e outras apontarão igualmente para a obrigação de proteger os sectores produtivos de práticas gravemente lesivas, o que não significa, de forma nenhuma, subordinar o comércio a outros sectores da economia, mas também não pode significar uma desprotecção de outros sectores face a práticas comerciais que são bem conhecidas nesta matéria, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu particularmente, julgo, as práticas das grandes superfícies.
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Por exemplo, ainda há dias, alguns jovens agricultores que visitaram a Assembleia da República tiveram oportunidade de referir que encontram dificuldades de colocação dos seus produtos; suponho que ofereceram ao Sr. Deputado, como a muitos outros, alguns produtos agrícolas que produziram e em relação aos quais têm dificuldades de colocação.
O Sr. Presidente: - Creio que o Partido Socialista não tomou posição quanto à proposta de alteração da alínea b), sobre o tal ordenamento dos espaços comerciais.
Pausa.
Srs. Deputados, as propostas foram todas interpretadas como contendo especificações de aspectos contidos nas alíneas que visam alterar por aditamento, tendo por isso a oposição do PSD e o não acolhimento do PS.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, para referir uma questão de interesse geral.
Apercebi-me, há pouco, e troquei impressões com os serviços para ter uma informação mais rigorosa, de que não temos disponível nem operacional, verdadeiramente, nenhuma acta dos nossos trabalhos, ou seja, as descodificações não foram feitas e isso deve-se a dificuldades de organização dos serviços, que são solicitados a descodificar ao mesmo tempo trabalhos parlamentares de diversa natureza, desde os de Plenário aos de comissões várias, incluindo as de inquérito.
Portanto, Sr. Presidente, creio que seria útil que a Mesa fizesse alguma diligência no sentido de, por um lado, assegurar que as descodificações se façam e, por outro lado, que se dê cumprimento à nossa ideia, unânime de resto, de divulgar com a maior amplitude possível os próprios trabalhos em tempo real, ou seja, o mais possível próximo da data em que se produzem. A Assembleia da República abriu um arquivo público digital, acessível generalizadamente, mas esse arquivo de muito pouco valerá se não for nutrido com informação corrente e, designadamente, com a transcrição dos debates que estamos a realizar. Isso poderá ter algum interesse para que se perceba a natureza real das discussões que aqui estamos a ter e não há nenhuma razão técnica para que não o façamos, situação que no passado era tão difícil e quase impossível.
Pelos vistos, falha-nos aquilo que é primário, não por responsabilidade daqueles que connosco trabalham e que assistem aos nossos debates, mas por problemas de organização que é preciso superar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, nós partilhamos desta preocupação e apoiaremos uma diligência do Sr. Presidente ou da Mesa no sentido de procurar, junto do Presidente da Assembleia da República ou de outros serviços, resolver esta situação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quando esta questão aqui se pôs, dirigi-me imediatamente aos serviços competentes, que me invocaram as dificuldades de meios com que lutam, mas fiquei com a convicção de que a descodificação poderia iniciar-se a breve trecho. Pelos vistos, infelizmente, isso não ocorreu. Terei agora - e fá-lo-ia por minha iniciativa, mas mais confortado o farei com o apoio da Comissão - de interceder junto do Presidente da Assembleia da República, no sentido de lhe solicitar a criação das condições necessárias para avançar com os trabalhos.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, queria acrescentar uma pequena nota, que me parece óbvia. Julgo que a competência e o esforço dos serviços estão acima de qualquer suspeita neste contexto, aspecto que não queria deixar de sublinhar.
O Sr. Presidente: - Desnecessário seria dizê-lo.
Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se amanhã, às 10 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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