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Quinta-feira, 10 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 36

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 9 de Outubro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) iniciou a reunião eram 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 103.º, 106.º e 107.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os
Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Octávio Teixeira (PCP), José Magalhães (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD) e Augusto Boucinha (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, ontem, o Sr. Professor Jorge Miranda, entretanto regressado a Portugal, telefonou-me para concretizar a audiência que lhe estava prometida, que não pôde ser concretizada aquando da audiência geral por se encontrar ausente, e combinámos, salvo indicação em contrário, fazê-la na próxima terça-feira, dia 15, às 17 horas e 30 minutos. Como é um dia de reunião normal da Comissão, fá-la-íamos na parte final da reunião.
Portanto, se não houver objecções, fica, desde já, marcada, e peço, desde já, o interesse dos membros da Comissão para esse encontro com o primeiro proponente de uma das petições enviadas à Assembleia da República em matéria de revisão constitucional.
Como ontem terminámos o artigo 102.º da Constituição, começamos hoje com o artigo 103.º, para o qual existe uma proposta de eliminação do PP, que se integra na proposta geral de eliminação de todo este Capítulo, pelo que devemos dá-la por prejudicada, e uma proposta de alteração do PSD para a alínea d), respeitante ao apoio às pequenas e médias empresa.
Para a justificar, se entender necessário, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o actual texto da alínea d) fala do apoio às pequenas e médias empresas e, em geral, às iniciativas e empresas geradoras de emprego e fomentadoras de exportação ou de substituição de importações.
Quanto à primeira parte, ou seja ao "apoio às pequenas e médias empresas", o PSD não propõe qualquer alteração, consta já do texto constitucional, o que propõe é a substituição da segunda realidade citada no texto constitucional, que, de um ponto de vista genérico, tem a ver com iniciativas e empresas geradoras de emprego e fomentadoras de exportação ou de substituição de importações. Parece-nos que, hoje em dia, na economia portuguesa, já não deve ser objectivo prioritário da política industrial - é assim que devem ser lidas as alíneas deste artigo, que é o único da Constituição que versa expressamente sobre política industrial e que traça exactamente os objectivos que ela deve seguir - o apoio a empresas com vista apenas, como critério desse apoio, estarem voltadas para o fomento da exportação ou a substituição de importações. Parece-nos que esta é uma visão um pouco estreita daquilo que é a realidade dos grandes objectivos da política industrial nacional, da economia aberta, que Portugal é hoje em dia, e da sua integração num espaço mais alargado.
Hoje em dia, um dos grandes objectivos é, sem dúvida, a criação de emprego, e, neste aspecto, o PSD mantém-no claramente, substituindo até a expressão "geradoras de emprego" por "criação de emprego", por lhe parecer ser hoje o termo mais utilizado e mais explícito face ao objectivo.
Quanto ao matiz que deve estar presente na caracterização do tipo de iniciativas empresariais a merecer apoio em termos de objectivo industrial, parece-nos mais adequado citar um dos vectores que, hoje em dia, tem sido, fundamentalmente na lógica de políticas geradoras de emprego, mas também na de outro tipo de objectivos, levado em conta para a fixação das populações fora das zonas urbanas e por aí fora, que é o apoio às iniciativas locais de desenvolvimento. A terminologia por que o PSD optou é, enfim, com algumas nuances, a das chamadas iniciativas locais de emprego (ILE) - antigamente falava-se muito nas ILE, mas o termo, entretanto, tem evoluído. Em termos comunitários utiliza-se quer as iniciativas locais de desenvolvimento quer as acções de desenvolvimento local (ADL). De qualquer modo, pareceu-nos que, hoje em dia, o termo mais adequado e mais utilizado, apesar de tudo, já com alguma expressão em alguns documentos normativos no nosso país, é "iniciativas locais de desenvolvimento".
No que diz respeito ao objecto que este tipo de iniciativas deve ter, pareceu-nos, de acordo com aquela que é hoje em dia a perspectiva moderna da política industrial, ser de substituir o aspecto estreito do fomento da exportação e substituição de importações por uma lógica mais adequada de diversificação e flexibilidade da indústria, porque é esta, de facto, que, na economia aberta, aquela em que claramente Portugal hoje se insere e adoptou, é a estratégia, e são os objectivos mais adequados a uma maior capacidade de esbatimento de crises sectoriais ou de crises económicas cíclicas que, às vezes, não sendo generalizadas, afectam particularmente determinado tipo de sectores e de mercados internacionais.
Portanto, a perspectiva da diversificação e flexibilidade da indústria parece-nos um objectivo mais racional.
No fundo, a proposta do PSD é a de manter, do actual texto, os dois objectivos que lhe parecem indiscutíveis, o apoio às pequenas e médias empresas e a criação de emprego, substituindo apenas a expressão "geradoras de emprego" por "criação de emprego", por lhe parecer uma linguagem mais forte, e a de substituir a expressão genérica "iniciativas e empresas (…) fomentadoras de exportação ou de substituição de importações" pelo conceito "iniciativas locais de desenvolvimento" e pelo objectivo mais genérico "diversificação e flexibilidade da indústria".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, sinceramente, algumas das afirmações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes na apresentação da proposta do PSD deixaram-me um pouco perplexo e gostaria de me referir a elas, eventualmente suscitando alguns esclarecimentos adicionais.
A primeira questão tem a ver com o problema da substituição da expressão "apoio (…) às iniciativas" por "apoio (…) e iniciativas locais de desenvolvimento". Isto é a ideia de restringir as situações em que deverá haver, em termos de política, o apoio do Estado às iniciativas, na medida em que as iniciativas locais de desenvolvimento ou qualquer outra expressão - e a expressão "iniciativas locais de desenvolvimento" já foi utilizada, salvo erro, durante o período do governo do PSD, e o governo do PS tem matéria idêntica com outra designação -, independentemente da designação, estão incluídas no actual texto constitucional quando se coloca a questão do apoio às iniciativas. Essas estão incluídas e são uma parte das iniciativas possíveis.
O PSD, ao propor a substituição de iniciativas em termos gerais por "iniciativas locais de desenvolvimento", na

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minha perspectiva, estará a restringir as situações que devem suscitar o apoio por parte do Estado.
Por outro lado, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes refere que o fomento das exportações, na expressão "fomentadoras de exportação", é um conceito ultrapassado. Admito que seja um conceito ultrapassado…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é ultrapassado, é estreito!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … ou estreito! Mas, se assim é, é-o desde há muito pouco tempo, porque, pelo menos até há um ano atrás, esse era um dos grandes cavalos de batalha, no âmbito da explicitação dos objectivos essenciais da política económica, dos governos do PSD; o que era preciso era produzir para a exportação, era fomentar a exportação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não é um programa do governo para a exportação!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade, mas em termos de filosofia política, e, no caso, de filosofia de política económica, mais concretamente de política industrial.
Por conseguinte, se esse estreitamento se verificou, em termos de modernidade da vida, é uma modernidade muito recente; talvez não tenhamos experiência para se estar a fazer alterações. Se esta nova modernidade tem apenas um ano, talvez fosse preferível manter o que está para vermos qual é a experiência.
Por outro lado, temos a questão da introdução do conceito da diversificação e, fundamentalmente, o da flexibilidade da indústria. Julgo que em termos daquilo que, em texto constitucional, e como grandes princípios, deve ser colocado a uma política industrial é a questão do aumento da sua produção, da garantia ou da preservação do apoio à produção, que não é produção pela produção, evidentemente, mas, sim, mais competitiva, mais produtiva, etc., mas não a da flexibilidade. Porque o conceito de flexibilidade da indústria - e, aliás, o Sr. Deputado referiu-se, embora não de uma forma totalmente clara, a essa flexibilização das empresas em eventuais situações de crise - entra em boa parte, e a realidade mostra-o claramente, com o conceito, que o PSD também mantém na proposta, de criação de emprego, porque, por norma, essa flexibilidade tem a ver com a redução de postos de trabalho para eventual adequação ou adaptação às tais situações de crise de que falou.
Não me parece que seja mais racional introduzir um conceito de flexibilidade e retirar o fomento da produção, que, ao fim e ao cabo, é o que está implícito quando se fala no fomento da exportação ou da substituição de importações.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há uma alteração proposta pelo PSD, que é a de substituir "geradoras de emprego" por "criação de emprego", relativamente à qual, com toda a sinceridade, não vou entrar em discussão, porque, segundo me parece, é mais uma questão filosófica saber se o termo "criação" é mais claro e completo do que o termo "geradoras".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É mais utilizado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É mais uma questão de conceito filosófico, e, por conseguinte, julgo que, neste momento pelo menos, não vale a pena estarmos a aprofundar a matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há um aspecto que foi citado agora pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira relativamente ao qual quero, desde já, manifestar a nossa compreensão, porque, de facto, haverá aqui alguma alteração gramatical a fazer.
Na primeira parte da intervenção, o Sr. Deputado Octávio Teixeira chamou a atenção um facto, que, depois, não explicitou, mas penso ser este o seu pensamento, e ao qual, lendo melhor a redacção proposta, sou sensível, que é o de actualmente se falar, de uma forma geral, em "iniciativas e empresas geradoras de emprego" e na formulação proposta pelo PSD a "criação de emprego" acaba por ficar, aparentemente, se estou a ler bem, apenas ligada às pequenas e médias empresas e às iniciativas locais. Se é isto que se pode entender das suas palavras, se foi este o sentido que pretendeu dar à sua apreciação, concordo consigo, porque, de facto, a criação de emprego deve ser, em qualquer circunstância, qualquer que seja a empresa a fazê-lo, um dos objectivos da política industrial; e, neste sentido, a criação de emprego, tout court, venha ela de onde vier, deve ser sempre objecto de algum apoio do Estado.
Concordo perfeitamente com esta crítica, e, neste sentido, deixo, desde já, aqui a nota de que, em termos meramente gramaticais, ter-se-á de reescrever ou, de certa forma, encontrar uma solução adequada para que o objectivo "criação de emprego" não fique restringido ao emprego criado pelas iniciativas locais, como é evidente.
Portanto, quanto a esta crítica, dou desde já a adesão do PSD, porque, de facto, a criação de emprego tem de ser sempre, em qualquer circunstância, e não pode ser reduzido à lógica das iniciativas locais de desenvolvimento.
Sr. Deputado, quanto à questão do aumento da produção, permito-me desde logo chamar a atenção para o facto de ele se encontrar contemplado na alínea a), pelo que, do nosso ponto de vista, este problema não se coloca na alínea d), porque, enfim, esta alínea tem um contexto e o problema da produtividade industrial, do aumento da produção, está já numa outra alínea. Portanto, não é aqui que se deve cuidar deste problema.
No que diz respeito à exportação, o que expliquei, e foi por isto que utilizei o termo "estreito", é que, como é evidente, em termos de políticas governamentais - e, como o Sr. Deputado lembrou, e bem, este foi um dos vectores em que o PSD apostou -, a política de exportação será sempre um objectivo. Agora, em termos de texto constitucional, o que nos parece é que não deve ser só este a constar. Em nossa opinião, o texto constitucional deve ser mais genérico, deve ter um leque mais aberto, por forma a caber não só essas tais políticas de fomento e apoio à exportação, que, obviamente, são importantes, mas também outras. Isto porque do que se trata aqui é de definir na Constituição os grandes objectivos que devem estar presentes, que devem ser estruturantes da política industrial de cada governo, e o que nos pareceu foi que falar-se apenas em fomento da exportação pode ser curto e estreito relativamente à realidade da economia aberta, que,

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hoje em dia, claramente já somos - é indiscutível -, e onde, de facto, pode haver outro tipo de realidades, a par do objectivo exportação, e isto não quer dizer substituir a exportação, a merecer apoio da parte do Estado, ou seja dos governos de cada momento, de acordo com a política industrial definida pelos seus programas e pela legislação que vai sendo aprovada.
Portanto, quanto à diversificação e flexibilidade, a lógica aqui não é, minimamente, pôr de parte, não é substitutiva, para que fique claro - e, pelo desenvolvimento da intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, penso que se entendeu isso -, do quer que seja, é apenas na perspectiva de se utilizar um conceito mais lato, onde possa caber, a par de políticas deste tipo, outro tipo de políticas.
Relativamente à flexibilidade, devo dizer que não percebi muito bem a crítica do Sr. Deputado, porque juntou à análise que estava a fazer do termo a questão da produtividade. Mas a produtividade, como eu disse, já esta numa outra alínea.
Sr. Deputado, a expressão "diversificação e flexibilidade" utilizada por nós tem a ver exactamente com a perspectiva de que, tratando-se a economia portuguesa de uma pequena economia muito aberta, há toda a vantagem, exactamente por força dos ciclos de crescimento e de recessão que existem em termos de economia mundial, em haver uma capacidade clara para uma política de flexibilidade e diversificação dirigida não expressamente e apenas, como se poderia inferir do actual texto, a sectores de exportação mas também a outras apostas industriais nacionais, de modo a que Portugal possa estar, em cada momento, tendencialmente mais apto a poder encaixar e esbater… O objectivo é apenas este, Sr. Deputado!
Tratamos a discutir os grandes objectivos da política, e este é o único artigo da Constituição que se refere a eles, e pareceu-nos que, face às características que hoje temos na economia portuguesa, em termos industriais, os objectivos deveriam ser claramente alargados.
Termino repetindo apenas que, quanto à "criação de emprego", somos totalmente sensíveis à sua crítica. E de facto a criação de emprego por si é um objectivo que deve estar sempre presente na política industrial, dirigida a qualquer tipo de iniciativa empresarial e não apenas às pequenas e médias empresas ou às iniciativas locais. Portanto, teremos de encontrar aqui uma redacção que mantenha esse objectivo como sendo sempre prioritário e objecto de apoio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa posição é mais simples de emitir: por um lado, o próprio PSD admite que a solução que adiantou restringia e afunilava, num certo sentido, para as iniciativas locais de desenvolvimento aquilo que deve estar consignado em termos gerais; por outro lado, não fundamentou a supressão das alusões à política de fomento de exportação e de substituição de importações; e, por outro lado ainda, estamos abertos a consideração da inclusão de uma menção à flexibilidade no sentido que passo a expor.
O artigo 103.º já alude, entre os objectivos de política industrial, ao aumento da competitividade, e isto é crucial tanto nos tempos que correm como em quaisquer outros, suponho; por outro lado, a introdução da ideia de flexibilidade não deve ser associada a quaisquer ideias que não as de adaptabilidade, capacidade de acompanhamento da situação dos mercados e de maior eficácia e competitividade, com respeito, naturalmente, pelas outras regras constitucionais que não são por isto alteradas.
Portanto, não fazemos, nem é possível fazer-se, razoavelmente, um juízo de rigidez e não adaptação; o que é preciso é dar a este conceito, que estamos disponíveis para considerar, o alcance que ele pode ter no actual quadro constitucional, do qual, tendencialmente, passará a fazer parte.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de deixar mais duas notas, decorrentes daquela que foi a segunda intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Mais uma vez a questão dos objectivos que devem ser tidos em consideração para o apoio por parte do Estado. O Sr. Deputado considera que o conceito que é introduzido - flexibilidade da indústria - é mais aberto, é mais alargado do que aquele que cá está.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu diria que não é, que é precisamente o inverso! Mais do que isso, não é o inverso - retiro a expressão -, é completamente diferente. É substituir um objectivo por outro objectivo. É substituir o objectivo do aumento da produção, embora ele consta de uma outra alínea anterior. Refiro isto porque quer o fomento da exportação quer a substituição de importações se concretizam, se reduzem, ao fim e ao cabo, ao aumento da produção nacional, no caso concreto da industrial.
O PSD substitui esse objectivo pelo objectivo da flexibilidade das empresas. E, claramente, aqui o problema da flexibilidade das empresas industriais, como o Sr. Deputado referiu na sua primeira intervenção, está relacionado directamente - e não há aqui outras interpretações que possam vir alterar esta realidade objectiva - com o problema de crises. Ora, isto tem a ver fundamentalmente com o problema da redução do emprego, e, por isso, eu dizia que ele próprio, ao introduzir este objectivo da flexibilidade das empresas industriais, enquanto merecedoras de apoio por parte do Estado, entra em contradição com o outro objectivo, que o próprio PSD diz querer manter, que é o da criação de emprego. Há aqui uma contradição, porque a flexibilidade, enquanto elemento que, em situações de crise, pode permitir que as empresas reduzam o seu emprego, o emprego que têm, entra em contradição com o objectivo da criação de emprego.
Por conseguinte, não é um conceito mais alargado, não é um objectivo mais aberto, é, do nosso ponto de vista, um objectivo diferente e negativo em relação à alteração que se pretende introduzir ou à substituição que se pretende fazer, que é não apoiar o aumento da produção mas, sim, a flexibilidade.
No que toca à diversificação da indústria, penso que é geral e consensual a diversificação da especialização produtiva portuguesa, designadamente a industrial. Sobre este aspecto não há dúvidas da nossa parte. Agora, em relação à questão da flexibilidade, há certamente reservas, mais do

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que reservas, pois entendemos que a inclusão dessa questão no texto constitucional seria negativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desta segunda intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como já é a terceira vez que vai intervir sobre este ponto, peço-lhe que seja breve.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para comentar e deixar claro uma diferença que ressalta mais claramente desta segunda intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Com toda a clareza, o PSD propõe a diversificação e flexibilidade, se quiserem, para uma mais fácil compreensão, por contraposição a uma política de monoindústria ou a uma política de rigidez nos objectivos e na implantação industrial.
Para nós é evidente uma coisa, e penso que foi isto que ressaltou claramente desta sua segunda intervenção, Sr. Deputado: não há incongruência absolutamente alguma, do nosso ponto de vista, entre flexibilidade, quer entendida numa lógica de política industrial, quer entendida numa lógica de empresa a empresa, que foi aquela em que o Sr. Deputado se colocou mais na sua intervenção, e a criação de emprego. Para nós, essa flexibilidade é exactamente condição sine qua non para assegurar o emprego. O contrário é que é, para nós, a condição para acabar com o desemprego, porque, como não há empregos sem empresas e não há empresas se não houver capacidade competitiva e de colocação dos seus produtos no mercado… É evidente que, quando surgem crises, quando surgem perturbações nos mercados, a pior coisa que pode haver, com toda a clareza - é a nossa perspectiva -, é a tentativa de segurar à outrance postos de trabalho e empresas que não têm adaptabilidade à evolução do mercado ou cujo mercado deixou de existir.
Portanto, do nosso ponto de vista, a flexibilidade é uma condição sine qua non para a política de emprego, e nisto divergimos muito claramente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD não tem o acolhimento nem do PCP nem do PS, ressalvada a admissão da substituição de "geradoras de emprego" por "criação de emprego". Pergunto se estas pequenas obras verbais justificam a alteração da Constituição. Sinceramente, penso que não!
Srs. Deputados, passamos ao artigo 106.º, relativamente ao qual foram apresentadas muitas propostas de alteração, uma vez que para os artigos 104.º e 105.º não foram apresentadas propostas.
Assim, vamos começar pelo n.º 1, para o qual há propostas do PCP, dos Deputados do PS António Trindade e outros e dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros.
O PCP propõe a substituição de "O sistema fiscal visa a satisfação" por "O sistema fiscal é estruturado por lei com vista à satisfação".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao n.º 1, a nossa alteração é apenas…

O Sr. Presidente: - Aquela que acabei de dizer!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … a inclusão da expressão "é estruturado por lei", e, por conseguinte, julgo que é uma matéria que não suscitará grandes divergências de opinião, na medida em que se pretende que haja uma estrutura de todo o sistema fiscal consagrada em lei, para fugir bastante à prática que tem sido mais corrente, que é a de se assentar a criação e a evolução do sistema fiscal fora de um quadro global que o deva enformar.
Em relação ao n.º 1, é apenas esta alteração, a qual não me suscita, pelo menos de momento, melhores introduções explicativas e justificativas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do PCP para o n.º 1 do artigo 106.º.
Recordo, no entanto, que já o artigo 168.º, na sua alínea i), da Constituição fala expressamente, como sendo competência da lei, no sistema fiscal.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a explicação dada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira permite lançar luz sobre o real intuito do texto apresentado. Ele, tal qual está redigido, limita-se a dizer exactamente o mesmo que decorre do actual n.º 1 do artigo 106.º e da interpretação conjugado com as disposições que dizem que é sempre por lei que o sistema pode ser alterado.
Verdadeiramente, o princípio que se pretende adiantar é o de uma grande lei de ordenamento ou de uma lei-quadro do sistema fiscal como elemento ordenador de todo o sistema. Ou seja, no fundo, é a ideia de uma mega lei de estruturação. Não é isto que decorre da exacta formulação do texto proposto, mas esta é a ideia que ressalta da intervenção aclaradora do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Creio que nesta matéria o que importa assegurar, tirando lições do passado, é a unidade do sistema e o cumprimento da Constituição neste como em outros artigos, garantido sempre que a repartição institucional de competências nunca subverta aquilo que é a competência parlamentar indeclinável em termos que não despertam qualquer dúvida e sobre os quais há, aliás, pequenas propostas de benfeitoria.
Portanto, Sr. Presidente, a ideia de uma mega lei, como condição imprescindível para o sucesso do sistema, parece talvez um excesso formal ou formalista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a este propósito, seria conveniente juntar a esta discussão a proposta, do CDS-PP, de aditamento de um novo n.º 3, que é do seguinte teor: "Os princípios estruturantes do sistema fiscal serão definidos por uma lei geral tributária".
Suponho que a ideia é a mesma…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto, a ideia é a mesma. Expressa de maneira mais clara no caso.

O Sr. Presidente: - … e penso que há vantagem em discuti-las conjuntamente, já que os objectivos são, a meu ver, convergentes, embora com formulação diversa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

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A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pegando precisamente na proposta do CDS-PP, gostaria de questionar que princípios estruturantes do sistema fiscal é que estão aqui visados, uma vez que, como sabemos, eles são claramente o princípio da legalidade, que consta no n.º 2 do artigo 106.º e na sua articulação com o artigo 167.º, n.º 1, alínea i), o princípio da igualdade, as capacidades contributivas, etc., mas todos estes já como decorrência do princípio da igualdade, o qual tem a sua sede lá mais atrás, num artigo geral sobre o princípio da igualdade.
Portanto, para lá destes dois, que, penso, são pacíficos, gostaria de saber quais são os outros princípios estruturantes do sistema fiscal que o CDS-PP entende que deveriam constar da dita lei geral tributária, relativamente à qual me permito dizer que tenho alguma dúvida quanto ao interesse, à exequibilidade e à vantagem ou mais-valia que daí possa advir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Boucinha.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que no articulado do texto o objectivo específico que se pretende é a criação de uma lei geral tributária, para além dos objectivos enunciados pela Sr.ª Deputada do PSD. Penso que, dito isto, uma lei geral tributária procura abranger, no seu conteúdo, tudo aquilo que diga respeito a… Penso que é um objectivo, para além de outros considerandos…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a ideia é uma espécie de lei-quadro ou lei de bases do sistema fiscal, incluindo, portanto, os impostos existentes e as bases do regime geral de cada um?

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Exacto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para dar um breve esclarecimento.
Do meu ponto de vista, o que aqui se inclui, o que propomos, é, em termos gerais, a ideia que, tanto quanto posso descortinar, também está presente na proposta do CDS-PP: o próprio sistema fiscal, como um todo, deve ser estruturado. E, por conseguinte, terá pouco a ver com aquilo que vem no artigo 168.º, que trata da criação de impostos e do sistema fiscal em geral - o sistema fiscal em geral, mas não na sua globalidade.
Do nosso ponto de vista, seria importante e seria mesmo desejável que pudesse haver uma lei enquadradora de todo o sistema fiscal, que estruturasse o sistema fiscal como um todo, porque, havendo outros princípios, e até existem, na Constituição, a criação de impostos parcelares, avulsos, pode respeitar individualmente, ou pelo menos parecer respeitar individualmente, outros princípios inclusos na Constituição mas, depois, todos juntos transformam o sistema fiscal numa coisa que poderá não digo ser inconstitucional mas respeitar pouco a perspectiva global que é imprimida ao sistema fiscal no âmbito de outros artigos da Constituição - e estou a lembrar-me de um aspecto particular.
Existe constitucionalmente consagrado o princípio da progressividade do sistema fiscal, o que não quer dizer que todos os impostos tenham de ser progressivos. E, como nem todos os impostos têm de ser progressivos, a criação, sem estar sujeita a uma lei de enquadramento global, de diversos impostos pode conduzir a que, no conjunto desses impostos, o sistema deixe de ser progressivo. Este é apenas um caso particular, muito particular, para justificar aquilo que, do nosso ponto de vista, suscitaria o desejo de haver um enquadramento global de todo o sistema, independentemente das regras que existem depois para cada um dos impostos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, em relação às observações do Sr. Deputado Octávio Teixeira, permito-me discordar quanto a um ou a dois aspectos.
Quanto à observação que suscitou relativamente ao sistema fiscal como um todo e a eventuais fracturas desse todo, permito-me desde já dizer-lhe que, então, não há sistema fiscal, porque este deve ser um todo harmónico e bem articulado de impostos, caso contrário não há sistema fiscal.
Ora, nós não estamos a falar de figuras tributárias pervertidas mas, sim, de um todo harmonioso, e, nesta medida, o sistema fiscal não carece, no nosso entender, de um elemento de tal rigidez como seja a dita lei geral tributária.
Por outro lado, quanto à questão da progressividade que invocou, o Sr. Deputado sabe, tão bem quanto eu, que o artigo 107.º, por exemplo, fala na progressividade em relação a um determinado imposto, uma vez que, por exemplo, no que respeita à tributação das empresas em IRC, tudo milita no sentido não da progressividade mas da proporcionalidade da tributação. E, portanto, aí não se pode dizer que, por isso, o nosso sistema não adopta ou adopta uma ou outra modalidade; adopta em casos concretos, face a uma filosofia, que podemos questionar mas que, à partida, está muito claramente definida. Portanto, não é aleatório ser progressivo ou ser proporcional.
Assim, volto a dizer que, em relação ao elemento de rigidez, como seja uma lei geral tributária, o legislador ordinário não está inibido de o fazer, a Constituição não vai dar-lhe o aval precisamente porque o próprio legislador ordinário pode fazê-lo se o quiser. O que questiono é a mais-valia desse tal elemento de rigidez, porque, a meu ver, a menos-valia é manifesta, e, portanto, afigura-se-me que não será propriamente de acolher.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que compreendemos perfeitamente de onde emerge esta vontade, de resto, bipartidária e sustentada por alguns sectores da doutrina, de que haja uma lei geral tributária, ou uma superlei, ou uma lei-quadro, ou uma lei de bases, ou uma megalei, como se lhe queira chamar, nesta área. Isto deve-se, naturalmente, ao florescimento (expressão, aliás, imprópria, porque é simpática), digamos, ao caos na criação de espécies fiscais com consequências como aquelas que o Sr. Deputado Octávio Teixeira sintetizou

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e que caracterizam parte da nossa produção legislativa e parte da nossa vida nesta área.
O problema está em saber se esta terapêutica é adequada, e, deste ponto de vista, as dúvidas são razoáveis. Por um lado, podemos falar de uma lei geral tributária, ou de uma lei baptizada com outro nome qualquer, mas sempre teremos um problema prático enquanto legisladores - já não nestas vestes mas nas de legislador ordinário -, o de a configurar. E, nessa altura, estaremos perante um de dois cenários: num, essa lei é tão genérica que decalca basicamente a Constituição, que é, aliás, a lei geral tributária do País, a lei das leis tributárias e, no nosso caso, bastante densa, bastante rica e provavelmente resultará desta revisão, quiçá, ainda mais rica e mais densa; no outro, fazemos uma megacolecção de códigos, compilando, antologiando as várias espécies, o que, evidentemente, violaria a ideia de uma lei de princípios e colocaria sérias dificuldades operacionais.
Feito isto, optando nós por um ou por outro termo, com o que já teríamos, provavelmente, criado algumas dificuldades pelo caminho, o resultado não estaria, apesar de tudo, selado por uma garantia à "prova de bala" de incoerências, de menos perfeitas aplicações dos princípios da proporcionalidade, da progressividade e outros; ou seja, não há uma garantia jurídico-formal com o valor de "bala" para o desatino do legislador, a falta de respeito pelas regras de "pessoalidade" e outras coisas que se fazem tanto no quadro de uma lei geral tributária como no quadro de espécies fiscais avulsas.
Por tudo isto, Sr. Presidente, temos dúvidas de que esta seja uma boa solução. Mais ainda: consagrá-la nestes ou noutros termos quaisquer e não fazê-la seguir de uma emissão de legislação, geraria inconstitucionalidade por omissão, em causa em que deve haver clareza e frontalidade. Logo, o melhor é ser-se frontal à partida.
O legislador ordinário, obviamente, não está impedido de estabelecer instrumentos de ordenação parcial e leis-quadros, e não temos uma objecção anatomizadora, apenas é preciso ponderar com cuidado o valor disto na sede constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as posições estão assumidas. A proposta não se mostra viável por oposição do PS e do PSD.
Em relação ao n.º 2 do artigo 106.º, não foram apresentadas propostas. Em todo o caso, antes de mais, quero chamar a vossa atenção para um aspecto que tem a ver com as propostas que vêm a seguir.
O princípio da legalidade da reserva de lei, quanto à matéria de incidência, à taxa, aos benefícios fiscais e às garantias dos contribuintes, significa duas coisas: por um lado, não pode ser objecto de regulamento e, por outro, não pode ser objecto de decisão por parte de entidades que não sejam legislativas. E isto, obviamente, tem de ser harmonizado com propostas no sentido de admitirem a criação de impostos autárquicos, já que essas entidades não são autoridades legislativas.
Portanto, admitir a criação de impostos autárquicos, significa admitir a existência de impostos que não são criados por lei em cada um desses aspectos, isto é cuja incidência, taxa, benefícios fiscais ou garantias dos contribuintes - pelo menos no que diz respeito à taxa - terão de ser determinados por regulamento autónomo e não por lei. Mas isto obviamente derivará, se for consagrado, por efeito regra/excepção, ou seja, os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, mas ter-se-á de se entender implicitamente, se a ideia da criação dos impostos locais for para a frente, ressalvada a aplicação por regulamento autónomo. Se não for esta a ideia não sei como há impostos autárquicos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não os há!

O Sr. José Magalhães (PS): - Já os há!

O Sr. Luís Sá (PCP): - São os impostos do Estado, cujo produto é transferido para as autarquias.

O Sr. Presidente: - As derramas o que são, hoje? São impostos do Estado transferidos para as autarquias?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Cujo produto reverte integralmente para as autarquias!

O Sr. Presidente: - Não, as derramas são…

O Sr. José Magalhães (PS): - São lançadas pelas autarquias!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao n.º 3, para o qual há propostas.
A proposta apresentada pelo PSD inclui a ideia da natureza não retroactiva dos impostos, a qual deve ser discutida em conjunto com a proposta do PS para o seu n.º 4, com a proposta do PCP para o seu n.º 5 e com a proposta do Deputado João Corregedor da Fonseca para o seu n.º 3. São, portanto, várias propostas que aditam, em locais distintos, a ideia da não retroactividade da lei fiscal impositiva, digamos assim.
Assim, as propostas em discussão são do seguinte teor: "A lei fiscal não pode ser aplicada retroactivamente, sem prejuízo de as normas respeitantes a impostos directos poderem incidir sobre os rendimentos do ano anterior.", apresentada pelo PS; "A lei que criar ou aumentar impostos não pode ter efeito retroactivo, sendo vedada a tributação relativa factos geradores ocorridos antes da respectiva lei.", apresentada pelo PCP; e, finalmente, "Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não haja sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.", apresentada pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não estamos apegados a uma formulação mas, sim, ao princípio.
Finalmente, há um consenso inicial no sentido de se clarificar este ponto, objecto de abundante controvérsia doutrinal e jurisprudencial, como é sabido, e de pôr uma pedra num ciclo de instabilidade nesta matéria, não por uma prática reiterada e frequente, mas por algumas excepções decididamente gritantes para o problema ficar ilustrado.
A nossa formulação visa, com algum carácter pedagógico - ver-se-á se adequado se excessivo -, clarificar também um pouco o que é e o que não é a retroactividade e, designadamente, salvaguardar, como é evidente, o princípio de que as normas respeitantes a impostos directos

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que incidem sobre os rendimentos do ano anterior não devem ter efeitos retroactivos.
Obviamente, sempre assim terá que ser. A formulação do PSD é mais concisa, a formulação do PCP é mais longa. Talvez seja preferível a formulação mais concisa de todas as que, deste lado, foram apresentadas, desde que não gere equívoco.
Portanto, estamos abertos, Sr. Presidente, e congratulámo-nos com o facto de o debate se fazer com base num consenso inicial.

O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, em relação a esta questão da retroactividade, pela nossa parte e de forma idêntica, o que nos interessa fundamentalmente é constitucionalizar o princípio da não retroactividade. Felizmente, parece-me que, desta vez, haverá possibilidades de o fazer. A expressão exacta a ficar, em termos de texto final, poderá ser revista, e penso que não será difícil, embora me pareça que haja necessidade, e foi por esta razão que colocamos este inciso na parte final do n.º 5, de clarificar da melhor forma possível, para que não haja dúvidas no futuro. Uma coisa é, por exemplo, aquilo que aparece na proposta do Partido Socialista, "(…) os impostos directos poderem incidem sobre os rendimentos do ano anterior.", mas desde que o facto gerador do imposto tenha ocorrido antes da respectiva lei, o mesmo é dizer, que já esteja sujeito a tributação.
Por conseguinte, desde que se consiga explicitar e formular este princípio da retroactividade de forma a que não haja elementos dubitativos e que suscitem dúvidas para o futuro, pela nossa parte, estaremos completamente abertos a encontrar uma redacção de consenso.

O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta do PSD, cuja formulação é a mais radical e simultaneamente a mais genérica, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - É até a mais correcta, Sr. Presidente.
Permita-me que diga agora aquilo que disse em off, ou seja, que a proposta não é propriamente radical mas, sim, em nosso entender, escorreita. Estamos todos na mesma linha quanto às propostas já apresentadas. Afigura-se-nos que há que salvaguardar - e parece-nos que a proposta do PS não salvaguarda este aspecto - a situação de, posteriormente ao facto gerador, ser alterada a taxa, de ser aumentado, obviamente, o montante da cobrança do imposto, com a consequente afectação da situação do contribuinte.
Mostramos a nossa inteira adesão a este princípio da não retroactividade e afigura-se-nos que podemos chegar a um entendimento quanto à melhor redacção, desde que ela seja perfeitamente transparente, uma vez que é este o objectivo generalizado das intervenções já produzidas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Dr. Medina Carreira, no seu projecto enviado à Assembleia, propunha a seguinte redacção: "A lei fiscal que estatua sobre a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes só é aplicável aos factos ocorridos depois da sua entrada em vigor". É uma outra formulação para a mesma ideia.
Srs. Deputados, em que ficamos quanto à formulação e à colocação sistemática desta ideia? Gostaria que se discutisse, agora, a questão da formulação exacta da regra da não retroactividade fiscal.

Pausa.

Srs. Deputados, anoto as seguintes diferenças: o PCP estabelece que a retroactividade só é proibida para as leis que criam ou aumentam impostos e não para as que diminuam ou eliminem impostos; por outro lado, o PS ressalva a hipótese de aplicação de normas sobre impostos directos em relação a rendimentos do ano anterior. Creio serem estas as diferenças mais marcadas entre as propostas apresentadas, nas especificidades de cada uma delas.
Gostaria que se pronunciassem sobre estes dois pontos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, em relação à tese adiantada pelo Partido Socialista, volto a repetir que, por um lado, quanto à discriminação feita entre os impostos directos, nada se diz, apesar de, eventualmente, se ter em conta quer o IRC quer o IRS. De qualquer modo, seria bom que isso ficasse claro, pois não sei o que está subjacente ao pensamento do legislador. Por outro lado, o problema coloca-se uma vez mais, como referi há instantes, na questão do facto gerador, com as sequelas daí decorrentes.
Quando o Sr. Presidente leu a proposta do Dr. Medina Carreira, devo confessar que, enquanto fiscalista, essa proposta teve em mim alguma simpatia, porque é muito clara na medida em que faz o enfoque daqueles aspectos que são essenciais em qualquer imposto - a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes -, e, a partir daí, os princípios fundamentais, os tais de que falávamos há instantes, os tais princípios estruturantes do sistema fiscal, como a legalidade, a igualdade, as capacidades contributivas, etc., serão devidamente salvaguardados.
Contudo, é fundamental que também fique salvaguardado que qualquer alteração posterior ao facto gerador já envolverá uma retroactividade da lei fiscal.
É este o nosso entendimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Se bem entendi, Sr. Presidente - e peço desculpa se assim não foi -, aquilo que leu, como sendo a proposta do Dr. Medina Carreira, é o que ele apresenta para o artigo 29.º-A.

O Sr. Presidente: - Exacto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, em relação a esta formulação, tenho dúvidas, porque não sei se quando ele diz "A lei fiscal que estatua sobre a incidência, a taxa (…)" se se está a referir apenas à criação de um imposto. Isto porque, se não for assim, se for qualquer lei que incida sobre um qualquer destes elementos, inviabilizaria, a meu ver, aquilo que está inscrito na proposta do Partido Socialista, o que me parece negativo se

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desaparecer. Isto é, peguemos no sistema actual e verificamos que, anualmente - e isto coloca-se em relação aos impostos directos (IRS, IRC, contribuição autárquica) -, são, ou podem ser, alteradas as taxas sobre rendimentos do ano anterior. E isto, em nosso entender, deve ser mantido. Consideramos que isto é aceitável e admissível, e, na perspectiva da tal proposta do Dr. Medina Carreira, parece-nos que isto não poderia ser feito.
Do nosso ponto de vista, deve ser possível, com o sistema actual, alterar-se as taxas dos impostos directos, que são os que tributam os rendimentos do ano anterior; o que não deve ser permitido é que se possa vir a tributar um rendimento gerado no ano anterior e que não estava sujeito a tributação. A nosso ver, isto não deve ser possível.
Mas quanto à outra parte, à da alteração de taxas, é uma possibilidade que aceitamos, que admitimos e que entendemos que deve ser mantida.
A minha dúvida, quanto à proposta do Dr. Medina Carreira, é precisamente neste aspecto. Ou seja, se a proposta dele, do meu ponto de vista, poderia significar ou significaria não ser possível alterar as taxas em 1996 para tributar os rendimentos de 1995, aqueles que já estavam sujeitos a tributação, se é esta a leitura que se pode fazer da proposta do Dr. Medina Carreira, não estamos de acordo com ela.
Pareceu-me que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, na primeira intervenção, também estava de acordo com a ideia de se poderem alterar as taxas sobre rendimentos já sujeitos a tributação…

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não é um facto gerador!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente, mas deu-me a sensação de que agora, na segunda intervenção, terá tido uma posição diferente.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não, não! Mantive a mesma posição!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aqui, será necessário conseguir uma formulação que permita aquilo que vem explicitado na proposta do PS mas que não permita aquilo que vem explicitado na nossa proposta.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Exactamente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, sendo assim, é preciso arranjar a redacção.

O Sr. Presidente: - Não, não é. Podemos sobrestar e ficar para apurar a redacção, desde que saibamos o que queremos que conste.
Parece-me que a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira baliza correctamente os pontos que estão em causa, o âmbito que pretende na norma.
Posto isto, a redacção variaria entre o que é proposto pelo PS e pelo PCP. Suponho que qualquer delas, devidamente entendida, exprime o que se quer dizer. Talvez a do PS tenha alguns elementos de polissemia que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo pôs em relevo, e no seu fundo parece ter acolhimento do PCP, e é o valor que interessa salvaguardar.
A proposta do PCP claramente comporta a do PS, apenas proíbe a tributação relativa a factos geradores ocorridos antes da respectiva lei.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Exactamente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Se só é mudada esta, quer dizer que a outra é permitida.

O Sr. Presidente: - Se isto ficasse claro, poderíamos então sobrestar na questão da redacção, vendo depois, nas duas redacções propostas, pelo PS e pelo PCP, ou numa alternativa a estas duas, qual delas dará melhor guarida a este princípio.
Em todo o caso, devemos congratular-nos com a explicitação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, coisa que eu já defendia desde o texto originário da Constituição e que tenho devidamente exarado em várias declarações de voto de vencido de Acórdãos do Tribunal Constitucional, que infelizmente, não optou por esse ponto de vista.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - E que tantos engulhos causou aos fiscalistas!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar, agora, às propostas de aditamento de novos números, àquelas que ainda não foram consideradas.
O CDS-PP propõe o aditamento de um n.º 5, com a seguinte redacção: "Nenhum cidadão pode ser executado ou condenado em qualquer pena por dívidas fiscais enquanto não lhe tiverem sido satisfeitos os créditos líquidos exigíveis que detenha sobre qualquer entidade pública.".
É assim mesmo, Sr. Deputado Augusto Boucinha? Não lhe parece um exagero? O cidadão pode recusar-se a pagar um imposto que deva ao Estado porque, por exemplo, a câmara municipal deve-lhe 10 tostões ou a região autónoma ainda não lhe pagou o subsídio que lhe atribuiu?!

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, compreenda que não sei o espírito disto, eu fui…

O Sr. Presidente: - Não estou a falar do espírito, estou a falar da norma.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu defendo, efectivamente, que seja incluído qualquer coisa de modo a que também não se possa exigir a quem é credor do Estado, como pessoa de bem, um débito ao Estado, porque este último também é credor. E isto é um facto corrente hoje em dia, na vida real. Há muito cidadão que é credor do Estado, e que em Tribunal se prova que o é efectivamente, e que pela sua condição de cidadão-contribuinte também é devedor, como, por exemplo, das contribuições a que está legalmente sujeito.
É uma situação que se constata no dia-a-dia. E tanto quanto entendo do espírito de quem fez este artigo, penso que há alguma injustiça nesta situação, a de se exigir um débito a um cidadão, que é devedor pela sua condição de contribuinte, mas que também é credor. É uma situação que me parece um pouco complicada.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, juntamente com esta proposta do CDS-PP, está em discussão uma proposta, do PCP, para o n.º 3 do artigo 107.º-A,…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente.

O Sr. Presidente: - … segundo a qual "Nenhum particular pode ser executado por dívidas fiscais enquanto não lhe tiverem sido devolvidos os montantes exigíveis e indevidamente retidos pela administração fiscal.".
O âmbito é bastante mais contido, mesmo assim coloco ao Sr. Deputado Octávio Teixeira este problema: mesmo que as dívidas fiscais se refiram a outra entidade que não a entidade devedora? Imaginemos que é uma dívida fiscal da administração autónoma, de uma autarquia, por uma dívida do Estado. Não lhe parece que estas situações devem ser acauteladas? Ou seja, que este problema só se deve pôr em relação à administração fiscal devedora?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Administração central!

O Sr. Presidente: - Central ou municipal, conforme os casos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É evidente, Sr. Presidente. Se me permite, clarificarei, desde já, essa nossa proposta para o n.º 3 do artigo 107.º-A.
O nosso objectivo é precisamente esse. Ou seja, se a administração central, por hipótese, tiver dívidas para com o contribuinte, essa compensação, chamemos-lhe assim, deve ser feita, não com entidades diferentes. É evidente que se, por exemplo, a câmara municipal de um qualquer ponto do País dever a um determinado contribuinte e este por sua vez dever IRS ou IRC não deve haver compensação, porque são sujeitos diferentes em termos do devedor e do credor em relação ao particular.
A nossa redacção pode não ser perfeitamente clara, mas o nosso objectivo no n.º 3 do artigo 107.º-A é precisamente o referido pelo Sr. Presidente.
A proposta do CDS-PP parece-nos absolutamente excessiva e não aceitável.

O Sr. Presidente: - Em geral, o princípio parece-me meritório e virtuoso. Porém, coloco o problema: e o contrário? Isto é, não é igualmente virtuoso e meritório que o Estado seja dispensado de pagar ou de liquidar prestações que tenha relativamente aos particulares que tenham para com ele dívidas fiscais? E isto aplica-se a subsídios, a pensões, a bolsas e tutti quanti numa sociedade, num Estado prestador como é o nosso, depende de prestações do Estado. Ou isto é de sentido unilateral? Estamos a fazer uma Constituição unilateral, uma Constituição que só vê os cidadãos como beneficiários de prestações e não os cidadãos com deveres para com o Estado? Esta é a questão essencial, é saber se isto é apenas de sentido único ou se a regra não deve aplicar-se nos dois sentidos.
Portanto, gostaria de saber se os proponentes estão dispostos a considerar o reverso da medalha.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, aparentemente é de sentido único. Realmente é para tentar criar um sentido duplo, porque o Estado fá-lo ou pode fazê-lo já no momento actual, e em muitas leis isso aparece; por conseguinte, isso já existe. E quando apresentamos esta proposta no artigo 107.º-A, fizemo-lo para a garantia dos contribuintes, porque são estes que, neste momento, são lesados e não têm a possibilidade de, enquanto que o Estado tem essa possibilidade e muitas vezes, pelo menos, pratica-a, mesmo em termos legais.
Por conseguinte, julgo que é transformar o sentido único que actualmente existe num sentido múltiplo ou, pelo menos, duplo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração estas duas propostas de sentido convergente, mas de formulação bastante diversa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a formulação não é fácil. Há uma opção prévia a tomar, que é a de se saber, naturalmente, se se deve dar dignidade constitucional, e em que termos, a um princípio deste tipo, o qual, desde logo, coloca o problema que, de resto, o Sr. Presidente já enunciou. É verdade que o grau de desprotecção dos cidadãos na sua relação com o fisco atingiu, em Portugal, níveis bastante preocupantes e que não há um princípio de compensação, nem sequer um princípio de igual de tratamento das moras recíprocas, como sabem, embora tenham sido tomadas medidas tendentes a compensar essa situação, que atingiu pontos de extrema anomalia.
O problema é saber como redigir uma norma que, no topo constitucional e com o valor que isso tem, estabeleça um princípio de condicionamento das execuções, sobretudo acopulado ao princípio que o Sr. Presidente enunciou, creio que correctamente, de que o Estado não paga a devedores, ou não deve pagar a devedores, ou não deve incentivar a dívida impune. Não é fácil chegar a uma norma que não tenha consequências "atómicas" nesta matéria, mas estamos disponíveis para considerar burilamentos que permitam evitar, numa administração fiscal extremamente burocratizada, não dotada de adequados meios de verificação célere de todos os dados que é necessário ter disponíveis para criar o sistema de compensações cruzadas e de notificações, alertas e advertências que este princípio pressupõe para a sua execução e que se tornaria obrigatória em todos os escalões, desde o legal ao regulamentar e ao prático. Ou seja, neste quadro é preciso medir com prudência uma solução constitucional deste tipo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, afigura-se-nos, uma vez mais, tal como acabou agora de dizer o Sr. Deputado José Magalhães, que o princípio é meritório, mas a formulação talvez peque por algum excesso. Porém, teremos, certamente, oportunidade de encontrar a justa medida para enformar esse princípio que todos nós, enquanto contribuintes, sentimos a par e passo que é necessário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, quero pôr à

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vossa consideração o seguinte: parece-me que a formulação do PCP, embora bastante menos irrealista que a do CDS-PP, tem, apesar de tudo, uma coisa que interessa considerar, que é a expressão utilizada "os montantes exigíveis e indevidamente retidos", o que me parece muito pouco.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto.

O Sr. Presidente: - Há-de exigir-se, pelo menos, um caso decidido. De outro modo, todo e qualquer cidadão se recusa a pagar, invocando, pura e simplesmente, que tem um crédito exigível, e, enquanto a Administração não lhe decidir o caso, não paga.
Portanto, mesmo a atender que se admita que este princípio deva ser constitucionalizado, ele tem de ser rigorosamente limitado às situações de casos decididos, às situações em que o crédito particular esteja assente, seja caso julgado ou caso administrativamente decidido, seja já um crédito liquidado e, portanto, exigível em termos de executável. De outro modo, criamos a pura bagunça na administração fiscal.

O Sr. Octávio Teixeira (PS): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra precisamente para contrariar a ideia da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo e do Sr. Deputado José Magalhães, designadamente o Sr. Deputado José Magalhães, quando disseram que isto poderia colocar aqui uma "bomba atómica".
Não, é precisamente para chamar a atenção para isso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Depende dos termos!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Quando colocamos aí a expressão de "montantes exigíveis" não é para o indivíduo que diz "eu tenho a haver e a administração fiscal ainda não resolveu". Não! É para a situação em que o crédito é exigível ou que transitou em julgado, como disse o Sr. Presidente. O problema já está completamente clarificado, o devedor assume a dívida.
Peço desculpa por não utilizar os termos jurídicos, mas esta não é propriamente a minha especialidade. De qualquer modo, a ideia é exactamente esta.
Por conseguinte, julgo que não há hipótese de se vir a criar problemas "imensos" na administração fiscal, e não só. E, por outro lado, é absolutamente justo e correcto que a administração fiscal, que me diz "eu devo-lhe x", não possa estar, na porta ao lado, a exigir-me y enquanto não me pagar o x.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sumariando, temos abertura por parte do PS e do PSD para considerar a consagração desse princípio, salvaguardando que ele só se aplica entidade a entidade, não havendo comunicabilidade das dívidas, em relação a entidades diversas, e que se aplica apenas a créditos dos particulares já liquidados e, portanto, assentes em trânsito em julgado ou em caso administrativamente decidido.
Há, portanto, esta abertura, mas para já sem compromisso, fica assim decidida a questão.
Passamos, agora, à proposta, do PS, de aditamento de um novo n.º 3 do artigo 106.º, sobre a criação de impostos autárquicos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta proposta decorre de uma selecção que tem vindo a ser feita ao longo de muitos anos sobre as eficiências do actual quadro, em matéria de tipos de receitas adequadas e possíveis para os municípios e autarquias em geral.
Como sublinhou há alguns minutos, quando leu a proposta, trata-se de procurar articular duas coisas fundamentais nesta matéria: por um lado, alargar a margem de manobra das autarquias - lembra-se que o precedente nesta matéria foi o alargamento da margem de manobra que praticamos em relação às regiões autónomas, em termos que, aliás, suscitam especial prevenção dado o relativo inêxito da experiência, provavelmente devido aos termos em que, de resto, foi gizada - e, por outro, compatibilizar esse alargamento com o respeito pelas prerrogativas parlamentares indeclináveis neste domínio. E a nossa proposta procura fazê-lo.
Procura fazê-lo, porque, por um lado, pressupõe aquilo a que chamamos "lançamento de impostos autárquicos", utilizando esta expressão com um cunho que tem de ser particularizado e densificado pela legislação ordinária, naturalmente, mas que não é inocente. Esse lançamento deve fazer-se nos termos da lei; ou seja, ao legislador, à Assembleia da República caberá, em princípio, estabelecer tudo o que são, nos termos da conceptologia corrente, os elementos essenciais do imposto e as garantias dos contribuintes.
Não se trata, portanto, de dar uma espécie de carta branca às autarquias locais e aos seus órgãos próprios para lançarem, em quaisquer condições, com quaisquer taxas, com quaisquer elementos de incidência e, eventualmente, com garantias diminuídas, uma floresta de impostos autárquicos com a diversidade corrente da pluralidade de autarquias, embora saibamos que, nessa matéria, há regras de relacionamento com os contribuintes e de realismo que têm a ver com a natureza das economias respectivas, com mecanismos de funcionamento do sistema político e com delicados equilíbrios no relacionamento com o eleitorado que funcionam como limite natural e travão à proliferação de espécies fiscais e de condições que sejam inadequadas ou gravosas.
Em qualquer caso, a reserva de lei, neste sentido, deve funcionar como travão, como elemento enquadrador, como elemento sistematizador e preservador de uma unidade daquilo a que chamaríamos o sistema fiscal autárquico.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, permito-me dizer que isto significaria que as autarquias ficariam com o direito de lançar ou não o imposto. Quanto ao imposto em si mesmo, no seu desenho, isso seria tudo legal, incluindo a taxa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que devemos deixar ao legislador ordinário alguma margem de manobra.

O Sr. Presidente: - Não vejo qual, porque se a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e a garantia dos contribuintes, ainda que se ponha de lado as duas últimas, basta a lei citar a incidência e a taxa para o desenho legal ser todo legal, e, portanto, as autarquias ficarem com o direito de lançarem ou não os impostos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas eu tenho todo o gosto em tentar explicitar o mérito da proposta.

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O Sr. Presidente: - Por outro lado, esta norma não cobre a lei actual, nomeadamente as derramas, onde as autarquias, à margem da Constituição e com inauditos esforços dos constitucionalistas fiscais, têm liberdade de determinar, através de regulamento autónomo, não só a taxa mas também a incidência. E mesmo na contribuição autárquica são as autarquias que, entre parâmetros legais, fixam a taxa. Têm uma liberdade relativa de discricionariedade na fixação da taxa.
Não será de constitucionalizar a realidade, em vez de se ficar por um patamar claramente restritivo que vai tornar claro aquilo que, até hoje, tem estado debaixo do tapete - a meu ver mal, mas está!
Se o PS vai constitucionalizar os impostos autárquicos com esta versão, torna clara a inconstitucionalidade daqueles que já lá estão, ou seja das derramas que estão previstas na legislação e até do imposto autárquico, que prevê a discricionariedade numa margem de fixação por regulamento autónomo das autarquias da taxa da contribuição autárquica. E, portanto, a meu ver, estas duas coisas devem ser encaradas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, deveras foram encaradas, a questão é, obviamente, saber se foram bem resolvidas, e é para isso que este debate serve. Mas creio que, quanto à primeira das questões que colocou e, aliás, também quanto à segunda, a proposta está redigida em termos que julgamos suficientemente cautelosos, mas podem, como é óbvio, ser acrescidos de cautelas.
Fala-se de lançamento por lei, mas não se diz que há uma lei única e que não há possibilidade de flexibilização e de diversificação de regimes. Creio que o paradigma constitucional em matéria de criação de regiões administrativas pode ter alguma utilidade para tentar figurar o que pode ser um sistema diversificado que, partindo de uma mesma matriz, tenha adaptações em função das características autárquicas. É possível conceber um sistema deste tipo; este é um paradigma operativo.
Em segundo lugar, suponho que não é justo ou razoável interpretar, ou, pelo menos, não é este o nosso desejo, será, porventura, culpa do cálamo e do teclado, a expressão "estabelece os respectivos elementos essenciais" como implicando que não se comporte nenhuma flexibilidade, nenhuma margem de discricionariedade, nenhuma margem de escolha entre taxas ou figurações de incidência. Ou seja, o legislador ordinário e a entidade autárquica podem estabelecer um contrato legal, se se quiser, com mais liberdade do que a que estava pressuposta no esquema que esteve subjacente à crítica enunciada.
A nossa ideia é, de facto, não deixar nada debaixo do tapete, e, numa matéria destas, a transparência, a frontalidade política e a comparabilidade dos sistemas são coisas fundamentais para a vitalidade do sistema fiscal, para a prosperidade autárquica e para um saudável relacionamento com os contribuintes autárquicos e com os investidores, porque, naturalmente, há uma componente relevante se queremos que os municípios, designadamente, tenham um papel interessante na resolução de questões de desenvolvimento económico e social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de começar por referir que o que quer que se venha a legislar ou a propor em termos constitucionais nesta matéria de fiscalidade autárquica não deve ser diferente, quanto aos princípios, à matriz, daquilo que já está consagrado para a fiscalidade central e regional. Este é um aspecto fundamental.
Por outro lado, afigura-se-me que este n.º 3, que aqui se propõe, pode, pelo menos com a formulação apresentada, e a explicação do Sr. Deputado José Magalhães não me esclareceu, lançar algumas dúvidas quanto àquilo que se pretende, relativamente a saber se a autarquia vai ser sujeito activo dos impostos autárquicos ou se vai ter soberania fiscal quanto a esta matéria. E a margem de flexibilidade que ainda agora apontou, relativamente, por exemplo, às taxas, é algo que nos choca do ponto de vista fiscalista, precisamente porque é um elemento essencial, o qual, para salvaguarda dos interesses dos contribuintes, não pode ser deixado nas mãos da administração fiscal em termos de fixação -por isso mesmo é que existe o princípio da legalidade nos termos em que está consagrado na Constituição -, ele deve ser fixado pelo Parlamento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas sempre sem poder ser fixado dentro de limites, com margem superior e margem inferior?

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas esses limites também tem de ser fixados pelo Parlamento, como é óbvio!

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro que sim. Sempre. Mas obedecida essa condição, a Sr.ª Deputada admitiria uma margem de discricionariedade dentro de limites fixados por lei, pelo Parlamento?

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Isso já é uma questão de análise casuística.

O Sr. José Magalhães (PS): - É essa a nossa ideia básica.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas isso é uma questão de análise casuística.
Mas há um outro aspecto, em relação a esses elementos essenciais que igualmente nos choca, que é a circunstância de referir "a qual estabelece os respectivos elementos essenciais, bem como as garantias dos contribuintes". Ora, a leitura que faço dos elementos essenciais de qualquer imposto engloba a incidência, as taxas, os benefícios e as garantias. Portanto, as garantias são um elemento essencial tão importante quanto a incidência, a taxa, etc.
Por outro lado - e perdoe-se-me aqui uma fixação talvez tão fiscalista -, a formulação "podem lançar" faz-me imediatamente pensar, em termos de processo tributário, no lançamento, e o lançamento tem a ver com a incidência, seja ela real ou pessoal. Ora bem, continuo sem perceber se o que está aqui a pôr em causa é a soberania fiscal ou se é o ser sujeito activo da relação tributária.
Quanto a ser sujeito activo da relação tributária, devo dizer que nada tenho contra, antes bem pelo contrário. O mesmo se diga - não vem aqui ao caso, mas incidentalmente permito-me abordar - também quanto ao caso das regiões autónomas.

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Agora, no que respeita à soberania fiscal, já ponho bastantes reticências, para não dizer mesmo uma total reticência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, começo por dizer que, numa primeira leitura, não me suscita qualquer simpatia esta proposta do Partido Socialista. Compreendo o que o Sr. Presidente disse sobre a questão da derrama e também me encaminharia no sentido de se poder tirar a derrama debaixo do tapete. Porém, uma coisa é tentar retirar a derrama debaixo do tapete e outra é eliminar o tapete. E esta proposta sugere-me a ideia de retirar o tapete.
Independentemente de os impostos serem ou não aprovados - e do meu ponto de vista deveriam ser sempre - pela Assembleia da República, não vemos com simpatia a ideia da criação de impostos municipais.

O Sr. Presidente: - Não é claramente isso que aqui está!

O Sr. José Magalhães (PS): - Por isso não usámos a expressão "criação".

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então, talvez valha a pena clarificar se o que se pretende é a existência de impostos nacionais ou do Estado central - chamemos-lhe assim -, cuja receitas revertem para as autarquias, é uma coisa. Temos neste momento a contribuição autárquica. Isto é possível, existe, não é preciso qualquer alteração. Porém, se se pretende fazer uma alteração constitucional, é outra coisa aquilo que se pretende.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - São impostos que serão lançados pelas autarquias, se elas o quiserem, quando o quiserem e como o quiserem.

O Sr. José Magalhães (PS): - "Como o quiserem" não!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - "Como o quiserem" dentro dos limites estabelecidos pela lei, designadamente com os elementos essenciais que os impostos devem ter.
Também nos não merece simpatia essa ideia na medida em que a concorrência das autarquias pela via fiscal - eu sei que existe com a derrama… Mas, o "alargar", a tal questão de eliminar o tapete parece-nos que seria pior a emenda que o soneto. E isto também não nos merece simpatia, porque isso poderá conduzir a situações totalmente inaceitáveis do ponto de vista nacional, do ponto de vista dos interesses globais do país.
Já agora, Sr. Presidente, permita-me um parêntese muito conjuntural, para eu não gostaria de dar mais argumentos ao PSD para lutar contra a regionalização, dizendo: "Afinal, como nós temos dito, a regionalização é para aumentar os impostos, é para criar novos impostos, etc.". Sei que isto é conjuntural…

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Nós tomamos boa nota!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, logicamente, não se servirá disto…

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem lembraria ao PSD esse argumento!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que ideia! Que ideia!

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Nós tomamos boa nota!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A não ser que o PSD estivesse distraído. Mas ele está atento a isso!
É evidente que, como eu estava a dizer, isto é um argumento meramente conjuntural, com o qual, a nosso ver, também vale a pena ter em atenção do ponto de vista político. Mas as razões essenciais são as que referi há pouco, e, sinceramente, não olhamos para esta proposta com simpatia. Além de que, simultaneamente - não tenho participado nas reuniões da CERC, e não sei se a análise costuma ser feita nestes termos, ou não -, a apresentação, por parte do Partido Socialista, deste novo n.º 3 elimina o actual n.º 3 do artigo 106.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não elimina. O que a proposta diz é novo n.º 3, o que significa que se mantém o actual n.º 3.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Seria o futuro n.º 4. Então, até ao n.º 3 mantém-se.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Como está "3 - (novo)", poderia significar que substitui o anterior.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não. Pode ficar descansado. É, pura e simplesmente, uma solução técnica.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais uma vez, permito-me discordar. Penso que não deve haver impostos fora da Constituição; e, portanto, aquilo que acontece em relação aos impostos municipais, a meu ver, não pode continuar.
Sem prejuízo dos problemas de formulação, penso que os impostos municipais, na medida em que se entendam que devem continuar a existir, devem ser constitucionalizados.
Portanto, o meu problema em relação à proposta do PS, não é ir-se longe de mais mas, sim, ir-se longe de menos, porque, na verdade, hoje, as autarquias têm liberdade de definição da taxa da derrama e até da incidência. A não ser que continuemos na posição, um pouco hipócrita, de pensar: "Isto está debaixo do tapete… As pessoas não levantam a questão. Até agora ninguém impugnou, porque se impugnarem nem sei que tribunal é que vai… Portanto, vamos deixar!". Ora, eu sou contra isto, tal como tenho sido em relação ao artigo 29.º quanto às medidas privativas de liberdade. A meu ver, há certas coisas que não devem estar fora da Constituição. Provavelmente, vamos continuar a pensar: "Até agora ninguém pôs o problema,…" - e isto foi invocado, por exemplo, a propósito do internamento de doentes mentais - "… portanto não o vamos constitucionalizar!". Sou contra, e entendo que

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tudo aquilo que faz parte do cerne constitucional deve ser constitucionalizado.
Portanto, Srs. Deputados, de duas, uma: ou se entende que as derramas devem, pura e simplesmente, ser abolidas ou se entende que se deve encontrar uma formulação constitucional para a sua constitucionalização.
Logo, a meu ver, a proposta do PS vai longe de menos e não de mais.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que a questão está bem equacionada.
Entendemos que não se deveria fugir à questão, e, de facto, é cada vez mais difícil fugir à questão. E o "tapete", com efeito, cobre muito pouco, dada a situação financeira das autarquias, e, enfim, esperemos que melhore. Em todo o caso, o recurso a este instrumento é difícil de recusar em termos de uma gestão saudável dos sistemas financeiros autárquicos.
Vai originar competição? Provavelmente, mas ela está a fazer-se em relação a tantos outros terrenos e de forma saudável, contratualizada, e em qualquer caso transparente.
Nesta matéria, haverá sempre reserva de lei; haverá sempre capacidade do legislador de moderar, de limitar, de enquadrar. Não creio que possamos ignorar a questão, sobretudo depois desta revisão constitucional e deste tipo de discussão, de se tornar inteiramente claro de que todos sabemos que "o rei vai nu" e não arranjarmos um cobertor para o tapar! E, portanto, apelo a que se encontre um "cobertor" adequado e decente para as autarquias locais.
Suponho que não haverá condições para o fazer imediatamente, mas ainda teremos algum tempo para deixar levedar um pouco a solução técnico-jurídica correcta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, segundo o que me foi dito pela Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo sobre o decurso da discussão que estamos a ter - e, desde já, peço desculpa por me ter ausentado da sala -, não terá ficado claro uma coisa que, para o PSD, é fundamental.
Lembro que, relativamente a esta matéria, o PSD, não nesta sede mas mais à frente, no artigo relativo ao poder local, nas competências das autarquias, também apresentou uma proposta, onde, no plano das receitas próprias das autarquias, inclui as provenientes do poder tributário, que é algo que não consta no actual texto nessa sede e que, do ponto de vista do PSD, aparentemente - mas é por causa dessa aparência que precisávamos de, nesta primeira leitura, ver este ponto esclarecido por parte do Partido Socialista -, pode ser coincidente com esta intenção genérica do Partido Socialista, formulada em termos de permitir às autarquias o lançamento de impostos autárquicos. Portanto, há necessidade de haver aqui alguma clarificação.
Para nós é fundamental, é isto que defendemos, que a criação de impostos - e há pouco o Sr. Presidente fez comentários a propósito do n.º 2 do artigo 106.º e da sua eventual necessidade de revisão - deve continuar a ser inequivocamente uma competência da Assembleia da República. Gostaria que isto ficasse claro: os impostos só podem ser criados por lei, competência da Assembleia da República. É a nossa visão, a nossa perspectiva do enquadramento…

O Sr. Presidente: - Ninguém pôs isso em causa.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso não está completamente fora de questão!

O Sr. Presidente: - É inquestionável! É indiscutível! Ninguém propôs alterar isso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como eu disse, eu estava só a situar os princípios fundamentais em que o PSD perspectiva esta questão e agradecia que, depois, porque aparentemente ainda não terá ficado suficientemente claro para nós aquilo que se pretende, o Partido Socialista fizesse uma clarificação, pois, para nós, este é um ponto essencial.
A verdade é que nos parece que a realidade, hoje em dia, aponta para a existência de vários impostos cuja receita deve ser entendida como autárquica, claro. Hoje isto acontece já com alguns impostos, nomeadamente com a contribuição industrial, com o imposto autárquico da sisa, com o imposto municipal sobre veículos. Portanto, há já hoje algumas realidades tributárias que prefiguram claramente impostos, cujos montantes devem ser entendidos como receitas dos municípios. Foi neste sentido que o PSD mexeu na questão não nesta sede, porque não se trata de facto de alterar o actual sistema de criação de impostos e de permitir uma realidade nova, mas, sim, na de configurar claramente que pode haver, como já há, determinado tipo de impostos no nosso sistema fiscal cuja receita é autárquica. E, se assim é, parece-nos que deve haver algum poder tributário por parte das autarquias para, uma vez que a receita é uma receita própria das autarquias, poderem ter alguma maleabilidade na aplicação desse tipo de impostos.
Portanto, o poder tributário, tal como o configuramos - e gostaria de saber se o PS, quando se refere a lançamento de impostos, tem ou não uma ideia coincidente com a nossa e se o objectivo do Partido Socialista é o mesmo, e depois poderemos ver a forma de o consagrar na Constituição -, tem que ver não com os aspectos próprios da criação mas com a definição final da taxa do imposto, a própria possibilidade de a taxa ser zero ou tender para zero, em determinadas circunstâncias e em determinado tipo de impostos, quando, por exemplo, a autarquia entende, no caso da contribuição autárquica, favorecer determinado tipo de investimentos ou não, etc. Quer dizer, há aqui um campo sobre o qual, do nosso ponto de vista, deve incidir o problema do poder autárquico, para além, obviamente, do poder de cobrança, etc., responsabilidades e competências que hoje em dia já constam de legislação, no sentido de se proceder à sua transferência para as autarquias. No final da Legislatura anterior, houve até diplomas neste sentido, que, depois, foram vetados pelo Sr. Presidente da República, não tendo, portanto, entrado na ordem jurídica, mas chegaram a ser discutidos com as próprias autarquias, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Portanto, o PSD gostava de saber se o PS equaciona o problema na mesma perspectiva, porque, se assim for, poderemos enunciar, após esta primeira leitura, a coincidência de pontos de vista, que depois naturalmente resultará

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numa formulação e na sua colocação sistemática no sítio que for mais adequado.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados do PS já tinham esclarecido a sua proposta, justamente no sentido de ser de todo em todo coincidente com a que acaba de ser explicitada pelo PSD, e esta é que carecia de explicitação, porque, de facto, o poder tributar é bastante mais lábil do que a expressão que constante na proposta do PS. Mas, feita a explicitação, creio que, ao fim e ao cabo, querem justamente o mesmo. Isto é, querem que, para impostos criados por lei, os municípios tenham alguma discricionariedade, através de regulamento autónomo, dos instrumentos próprios de expressão normativa, de decidir. Mas isto implica que a formulação do PS não é rigorosa, porque fica aquém do que quer, e a formulação do PSD é demasiado ampla, porque vai além do que quer. A formulação do PS é curta porque, a admitir-se que as autarquias tenham, pelo menos, o poder para, por exemplo, fixar uma taxa dentro de limites máximos e mínimos, significa que as autarquias vão ter o poder de fixar taxas, o que é um elemento essencial do imposto, ou a possibilidade de, em certos casos, aplicar a taxa zero, o que é um benefício fiscal.
Portanto, trata-se precisamente da mesma coisa, o que entendo é que a formulação do PS é curta e a do PSD é longa. O poder tributário é tudo, é inclusivamente o poder de criar impostos, pelo que, em minha opinião, a formulação do PSD é demasiado longa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De criar impostos não, porque está aqui claro que só poderão ser criados por lei!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, a expressão "Os impostos criados por lei" consta no n.º 2 do artigo 106.º e impossibilitaria tudo. O n.º 2, tal como está, se não houver uma norma que o excepcione, impossibilita tudo. Porque, de facto, a não serem criados por lei, não pode haver criação de impostos, é óbvio, nem a fixação da sua incidência, nem da taxa, nem dos benefícios fiscais, nem das garantias dos contribuintes. Logo, nada disto pode ser feito por regulamento municipal.
Ora, quer o PS quer o PSD já declararam que o que querem é que haja impostos criados por lei, cujos elementos, digamos, limitadores sejam estabelecidos pela própria lei, mas cuja determinação, dentro de limites, fique à discricionariedade dos municípios. E isto implica dizer algo mais do que o PS diz e, a meu ver, algo menos do que o PSD diz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, continuo com a minha dúvida, que talvez passe a ser sistemática, que é a de saber o que é que de facto se pretende com a alteração constitucional.
Tendo em conta aquilo que foi há pouco referido como "tentar retirar algo que está debaixo do tapete", no caso concreto da derrama, julgo que, neste momento, não há qualquer impedimento constitucional à possibilidade de se legislar sobre a derrama em termos idênticos ao que se legislou sobre a contribuição autárquica, por exemplo. E, por conseguinte, isso suscita em mim…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me permite, interrompo o seu raciocínio porque talvez haja vantagem em clarificar um ponto.
Sr. Deputado, há duas diferenças essenciais: primeiro, as câmaras municipais têm já hoje uma possibilidade que não têm em relação à contribuição autárquica, que é a de lançarem ou não derramas. E a possibilidade desta decisão fundamental, a de lançar ou não lançar e a de escolher o momento em que o fazem, não a têm para a contribuição autárquica. Segundo, as câmaras municipais têm liberdade na fixação da taxa da derrama.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E da contribuição autárquica!

O Sr. Presidente: - No caso da contribuição autárquica, têm-na dentro de determinados parâmetros. Mas mesmo essa liberdade que têm em relação à contribuição autárquica não cabe nos actuais parâmetros constitucionais, porque se interpretar o n.º 2 do artigo 106.º, e ele diz "Os impostos são criados por lei, que…", a qual lei, "… determina (…) a taxa (…)", verificará que mesmo essa faculdade que hoje a lei da contribuição autárquica atribui aos municípios não tem cobertura constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É duvidosa!

O Sr. Presidente: - Ou é de "duvidosíssima" cobertura constitucional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Presidente, na sua interpretação, que respeito, considera que, quando se refere aos elementos essenciais, a taxa tem de ser um número exacto e imutável.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é por uma aplicação muito simples, pela mesma razão por que a lei não pode remeter para regulamento governamental a fixação de taxas entre parâmetros, também não o pode fazer para outras entidades que não sejam o Estado. Isto porque não pode fazer aplicações diversas do princípio da reserva de lei em matéria fiscal. O princípio da reserva de lei vale tanto contra o regulamento estadual (ministerial), como contra o regulamento municipal.
Portanto, a admitir-se aquilo que o Sr. Deputado admite, que a lei pode remeter para regulamento municipal a fixação de uma taxa dentro de parâmetros legais, teria de se admitir que a lei poderia remeter para portaria ministerial a fixação de taxas dentro de parâmetros legais. Ora, eu entendo que não, assim nunca foi entendido e continuo a pensar que deve continuar a não ser entendido.
Portanto, o princípio da reserva de lei deve ser igual, a não ser que a Constituição diga que não é, o que eu proponho. Ou seja, proponho que a Constituição diga que não é; que diga que a liberdade do regulamento autónomo municipal pode ser maior do que o regulamento governamental e que o princípio da reserva de lei em matéria fiscal pode e deve ser excepcional para os regulamentos autónomos autárquicos em geral. É isto que proponho e que se consolide aquilo que já está em matéria de impostos tipicamente municipais, como são as derramas. Eles estão criadas na lei, na legislação, só que o seu lançamento (utilizemos a palavra em termos não técnicos), o momento de o fazer e a sua taxa, dependem da discrição municipal.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto.

O Sr. Presidente: - E penso que isso deverá ser constitucionalizado, a não ser que entendamos que devemos pôr fim a dois séculos de autonomia municipal em matéria fiscal. Este um primeiro ponto.
Segundo ponto, mesmo em relação aos impostos não municipais, mas cuja receita é municipal, como é o caso do imposto autárquico, o imposto sobre a propriedade fundiária e predial, essa margem de discricionariedade que a lei lhe deixa é mais do que duvidosa constitucionalidade. E, em minha opinião, deve-se pôr fim às dúvidas que esse problema possa levantar, porque a solução legal, a meu ver, é boa. Se há parâmetros, máximos e mínimos, e deixaram o município escolher dentro dessa pequena margem uma taxa, essa solução é boa e deve ser constitucionalizada, não deve haver margens para dúvidas quanto à sua constitucionalidade.
Portanto, o que a proposta do PS, a meu ver, faz, em termos curtos, é querer constitucionalizar essas realidades.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de continuar e prometo ser breve.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, eu, pelo menos neste momento, continuo a manter as reservas que há pouco explicitei.
Julgo ser preferível continuar com o sistema dos impostos cuja receita reverte a favor das autarquias, porque, de facto, a contribuição autárquica não é um imposto autárquico.

O Sr. Presidente: - Estamos de acordo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A sisa também não é um imposto autárquico.

O Sr. Presidente: - Ninguém contestou isso, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente.

O Sr. Presidente: - Não precisa argumentar contra o que ninguém contestou.
Mas a derrama é um imposto autárquico.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Eu julgo que uma alteração dessas implicaria, como já foi referido, diversa discricionariedade atribuível às várias autarquias - e as várias autarquias, neste momento, são as que existem e podem vir a ser mais no futuro, não sei se próximo se muito longínquo -, o que poderia suscitar situações, do nosso ponto de vista e como há pouco referi, inconvenientes para o todo. E estou a lembrar-me concretamente do problema da sisa, enquanto imposto importante para uma maior ou menor promoção, por exemplo, da construção de habitação.
Neste momento, bem ou mal - não é isto que discuto -, por exemplo, a questão das isenções, etc., são definidas a nível nacional. As autarquias, por uma razão ou outra, por razões completamente díspares e divergentes, podem alterar todo o sistema. E esta seria, a meu ver, uma daquelas situações em que o efeito poderia ser extremamente negativo, na medida em que teria de haver, a criar-se esta possibilidade, alguma discricionariedade para as várias autarquias. Neste momento, mantemos…

O Sr. José Magalhães (PS): - Está nas mãos do legislador conceder a carta delimitadora dos poderes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas tem de haver alguma discricionariedade, mínima, porque senão… Então, coloco a questão: porquê? Porquê, então, alterar o sistema actual?!
Sabemos que as autarquias protestam desde há muitos anos… Por exemplo, em relação à questão da sisa, dizem: "O imposto é para nós, mas é o Governo quem decide quem isenta ou não isenta".

O Sr. Luís Marques Guedes (PS): - Não é o Governo, é a Assembleia!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Certo. Não esteja a pensar no governo do PSD!
Portanto, o que digo é que, neste momento, mantemos as nossas reservas quanto às proposta sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as posições estão suficientemente definidas, nos termos em que foram clarificadas pelos respectivos proponentes, e existe clara convergência de objectivos entre as propostas do PS e do PSD. Trata-se de encontrar uma formulação que evite aquilo que não se quer e admita claramente aquilo que se quer; e o que se quer é consolidar uma realidade que não se quer realmente que se mantenha fora da Constituição.
Com isto, passamos à proposta do PCP de aditamento de um n.º 4 ao artigo 106.º, que é do seguinte teor: "A lei define o regime das taxas".
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, esta nossa proposta suscita algumas considerações para que seja suficientemente bem interpretada e enquadrada.
Não temos qualquer dúvidas de que a reserva de lei que existe na actual Constituição em relação à reserva de lei da Assembleia da República abrange, do nosso ponto de vista, no âmbito fiscal, apenas os impostos e não as taxas.
Por outro lado, também temos a consciência clara de que, sob a designação de taxas - e isto tem suscitado muita controvérsia, muita discussão -, existem várias espécies tributárias que, no mínimo, suscitam as maiores dúvidas e reservas sobre o facto de serem taxas efectivas ou de serem, pelo menos parcialmente, impostos encapotados. Aquilo que aqui propomos é que fique no âmbito igualmente da Assembleia da República, da lei geral, a determinação do regime legal das taxas, a definição do enquadramento legal das taxas, a definição de quais são os elementos essenciais que uma espécie tributária deverá ter para ser considerada taxa e não o legislar sobre as taxas em concreto. O problema é definir, através de lei, o quadro global legal a que as taxas devem obedecer para evitar situações que têm existido, existem e continuarão a existir se este problema não for clarificado. E julgo que, em termos da controvérsia entre os fiscalistas - e o próprio Tribunal Constitucional já teve oportunidade de debater esta matéria aprofundadamente - continuamos a manter uma certa selva, que, neste momento, existe e que julgamos que deve ser limpa.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que, quanto à preocupação que acabou de ser explicitada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, o PSD está totalmente de acordo. De facto, assiste-se aqui e acolá, agora sem a preocupação de apontar o dedo a quem quer que seja ou a qualquer situação, a algumas situações - esta é a verdade - em que existem utilizações abusivas da figura da taxa que configuram autênticos impostos. E todos nos lembramos das taxas de televisão, para não citar outro tipo de coisas que são apenas restritas a algumas realidades camarárias.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ou a portagem das pontes!

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Ou a licença de uso e porte de arma!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na portagem há uma contraprestação, a meu ver, evidente, mas, enfim…
Mas há determinado tipo de realidades que, sendo penalizantes para os contribuintes, careceriam, do nosso ponto de vista, de um adequado enquadramento legal que evitasse qualquer tipo de excessos, ou de abusos, ou de injustiças relativamente aos cidadãos.
Em qualquer circunstância, coloco desde já aqui uma dúvida, que é a seguinte: de facto as taxas não são impostos, o problema nasce desde logo aí, e, portanto, não sendo impostos, não vejo muito bem como é que este artigo, que é do sistema fiscal, pode aqui cuidar do problema das taxas, só se for por exclusão de partes, porque as taxas não são sistema fiscal.

O Sr. Presidente: - Quando são taxas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, mas está a perceber o problema.
Logo, a minha principal dúvida é saber como é que se consegue o enquadramento constitucional desta matéria. Porque, para mim, parece-me evidente que tem de haver, e já há em alguns aspectos relativamente a algumas áreas, mas apenas na perspectiva sectorial - e não sei se é possível fazer-se uma lei genérica sobre todo este tipo de situações, sobre toda esta panóplia de situações que existe e que configura o problema colocado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira -, para algumas áreas de actividade a preocupação do legislador ordinário de, claramente, delimitar as situações aonde, pura e simplesmente, não é admitido o lançamento de qualquer tipo de taxação ou a criação de qualquer taxa a incidir sobre isto ou sobre aquilo.
Se é ou não possível criar um regime legal genérico, desde logo, a primeira dúvida. Mas, acima de tudo, a dúvida principal que desejo expressar é a sua inserção sistemática na Constituição e, nomeadamente, no sistema fiscal, porque existe, desde logo, esta contradição de princípio, já que as taxas não são sistema fiscal. E o problema é este, é daqui que ele nasce!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente a proposta tem um alcance superior nas intenções do que na formulação, e resulta de razões que são do conhecimento público e que partilhamos largamente. Ou seja, é necessário operar uma distinção entre aquilo que é o verdadeiro imposto e aquilo que é uma taxa, e sabemos das flutuações que nesta matéria têm existido e da polémica que tem envolvido a dilucidação prática da questão.
É óbvio que esta proposta qua tale, na sua redacção, não resolveria, infelizmente, este problema, porque é uma questão de qualificação, de bom senso, de sentido constitucional e de legalidade do legislador, de proclamar tão-só que a lei que define o regime das taxas não dá resposta, infelizmente, a isso.
Agora, talvez seja possível pensar numa inserção na sede própria, a qual, suponho, seria o enunciado das competências da Assembleia da República, de uma menção ao facto de ser da competência da Assembleia estabelecer o enquadramento geral da criação de taxas.

O Sr. Presidente: - Isso seria mais do que o PCP propõe, porque ele só propõe um princípio da legalidade das taxas e isso seria uma reserva de lei da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Estou consciente disso, Sr. Presidente.
Isso resolveria o problema que há pouco foi enunciado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o da inserção de uma alusão à questão das taxas em sede do sistema fiscal. De facto, é um pouco como falar do cão a propósito do gato. Quer dizer, o cão é o cão, não é o gato!
Falar daquilo que não é do sistema fiscal - e, infelizmente, tem sido baralhado com o sistema fiscal - em sede de sistema fiscal não é uma solução excelente. Talvez o melhor seja a reconversão e a reinserção sistemática desta preocupação, com, enfim, os termos que aventei ou com outros mais modestos, por forma a dar resposta a esta preocupação e a enriquecer a armadura constitucional contra a proliferação de espécies estranhas, algumas com a veste de taxa e com a natureza real de imposto. E aqui, infelizmente, o legislador constitucional não pode fazer tudo, designadamente substituir-se ao sentido de legalidade e de bom senso do legislador ordinário, mas pode estabelecer baias.
Portanto, deixo esta sugestão operacional para ser ponderada e trabalhada, se houver consenso para tal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, talvez seja útil deixar aqui duas notas.
Primeiro, a questão da inserção não me impressiona. Na verdade, a Constituição, em vários lugares, a propósito de uma coisa trata também de outras que são conexas. Basta citar o que acontece hoje com o n.º 8 do artigo 32.º, cuja epígrafe é "Garantias de processo criminal", e que diz "Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.". Portanto, é o princípio da conexão que leva a Constituição, em vários lugares, a prever coisas justamente a propósito de outras.
Logo, essa questão não me impressiona particularmente ou mesmo nada. É óbvio que as taxas não são impostos; então, não fazem parte do sistema fiscal.
Penso que a proposta do PCP tem duas vantagens: por um lado, constitucionaliza uma figura que hoje é importante

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no Estado administrativo, que é o nosso; e, por outro, limita-se a estabelecer um princípio de legalidade, isto é, uma lei-quadro ou uma lei geral há-de definir taxa, há-de estabelecer alguns princípios gerais quanto à competência e, porventura, quanto aos limites das taxas, enfim, aquilo que o legislador entenda.
É, portanto, uma norma não muito exigente. No entanto, já acharia excessivo estabelecer um princípio de reserva de competência da Assembleia da República, porque entendo que isso, por via legislativa governamental ou até autónoma, pode ser estabelecido.

O Sr. José Magalhães (PS): - É apenas o enquadramento geral, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - O que penso é que há uma clara desregulação nessa matéria. Há entidades que aplicam taxas sem que, por exemplo, a lei lhes atribua essa competência. Portanto, a possibilidade de entidades a quem a lei não atribui a competência de, por via simplesmente regulamentar, criarem ab initio taxas e terem plena liberdade de as estabelecer, quanto aos factos geradores e ao seu montante, parece-me uma situação que não deveria continuar. E, portanto, o legislador, fosse ele a Assembleia da República, o Governo ou até as regiões autónomas, dentro da respectiva competência, deveria ter aí uma obrigação de precedência legislativa, estabelecendo os princípios gerais nesta matéria.
Obviamente, longe de mim ir ao ponto - e o Sr. Deputado Octávio Teixeira, às tantas, ia caindo neste risco - de exigir que a lei estabeleça os elementos essenciais de cada taxa ou até de certos tipos de taxas, isto há-de ser deixado à Administração em cada caso concreto.
Agora, a ideia de constitucionalizar a figura da taxa, por um lado, como figura exactamente distinta do imposto e, por outro lado, de estabelecer algumas regras cautelares quanto à competência e, se calhar, até quanto à aos limites da tipificação dos factos geradores, parece-me uma boa ideia e penso que se ganharia em termos de Estado de direito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, com toda a sinceridade, a questão da inserção sistemática não a consideraria aqui como uma questão central e fundamental, embora nos pareça que possa incluir-se no artigo sobre o sistema fiscal. E digo no artigo sobre o sistema fiscal, porque a questão central que se coloca - e tenho-a referido desde o início - é o facto de a taxa não ser taxa. E, para se saber o que não é taxa, parece-nos essencial a definição do que é taxa, em termos dos tais seus elementos essenciais, que não têm de ser necessariamente os determinados e concretos elementos essenciais que cada um de nós possa pensar. Mas, por exemplo, a taxa, em princípio, tem de ter uma contrapartida, e este é um elemento essencial. Para se pagar uma taxa tem de haver uma contrapartida em termos de serviços. E, por aqui, também se pode ir para um princípio geral do custo, que pode não ser exactamente igual ao custo do serviço, mas deverá haver uma relação entre o nível da taxa e o custo do serviço prestado. Deverá haver, em termos de princípio geral.
Foi neste sentido que falei em elementos essenciais.
Mas, como eu dizia há pouco, a situação que temos no nosso país é que existe muita taxa que não é taxa.
Quanto à inserção, que, repito, para nós não é uma questão central e fundamental, eu não poria a questão entre o cão e o gato, mas poderia dizer, por exemplo, em relação ao sistema fiscal, que "todo o felino que não mie, não é gato". Não preciso de fazer a comparação com o cão! E isto já me permite dizer que "felino que não mie" não é taxa, é outra coisa; é imposto.

O Sr. Presidente: - Também pode haver gatos mudos!

Risos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não sendo a inserção a questão central, o argumento que foi aqui utilizado pelo PS e pelo próprio PSD, para a não inserção neste artigo, parece-me que pode ser completamente controvertido e também aceite com facilidade, pelo menos com alguma facilidade, como referiu o Sr. Presidente. Mas a questão essencial é esta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de trazer à colação dois aspectos: primeiro, o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse, e muito bem, que a taxa implica um nexo sinalagmático, como todos nós sabemos, mas também não devemos confundir taxa com preço, e, por isso, permita-se que o remeta para o Teixeira Ribeiro, que, muito claramente, esclarece esses aspectos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sabe que, em relação ao Teixeira Ribeiro, há coisas em que estou de acordo e outras em que não estou.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Com certeza, mas vamos para um manual de fundo e insuspeito em termos de escola de Lisboa, à qual pertenço. Mas, se quiser, o Sousa Franco também diz o mesmo.
Por outro lado, gostava de referir que, já que vamos nesta senda, daquilo que, de momento, se chama parafiscalidade, então, convinha não esquecermos a importância das contribuições especiais. Já que estamos a pôr tanta ênfase nas taxas, que, hoje, são claramente pagas por duas grandes razões, por utilização de bens do domínio público e por remoção de limites jurídicos à actuação dos particulares, então, vamos também para as contribuições especiais, onde o ambiente é ainda bastante difuso, e, provavelmente, dará um grande campo de manobra a comportamentos menos transparentes do que no campo das taxas. Porque a velha ideia de que o imposto de justiça, ao qual sempre se fazia esta graça fácil, "é um suave imposto e não uma taxa" e de que a taxa militar é uma taxa, quando é efectivamente um imposto - e esta era quase uma pergunta fatal para qualquer aluno que fizesse finanças públicas e que quisesse passar, porque, se respondesse mal, chumbava - já lá vai, já quase faz parte do anedotário.
Agora, em relação às contribuições especiais, permitam-me que diga que, no âmbito da parafiscalidade não há anedotário, às vezes há pagamentos bastante pesados sob a capa de um suposto imposto; e aqui, verdadeiramente, não tem de haver o nexo sinalagmático.

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Portanto, se formos por esta via, deixe-me ser um pouco mais ampla do que a proposta do Sr. Deputado Octávio Teixeira e proponho que se vá frontalmente para toda a parafiscalidade, dentro da linha metodológica que o Sr. Presidente apontou, e, a meu ver, muito correcta.

O Sr. Presidente: - Eis que o campo de alargou!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, parece-me um excelente alargamento e creio que deveríamos trabalhar no sentido de conseguir uma norma económica, com esta ou outra inserção. O meu exemplo dos cães e dos gatos foi aleatório, só para estimular, como se viu, e, aliás, com êxito, a discussão. E, portanto, não prestamos qualquer atenção dramática à questão da inserção sistemática. É preciso medir com cuidado até que ponto iremos na limitação das entidades que é suposto criarem e gerirem este tipo de elementos parafiscais.
Creio ser muito pertinente a alusão às contribuições especiais, dada a importância que hoje têm e que tenderão a ter, importando, aliás, que não desnaturem o sistema e não sejam uma forma ínvia, estranha e um tanto espúria de ocultar vezos de elevação da carga fiscal de maneira discreta. Isto está completamente fora da nossa perspectiva, e, portanto, creio que seria muito positivo uma dilucidação constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que no actual estado da discussão é conveniente sobrestar um pouco e concitar os Sr. Deputados a apresentarem propostas concretas para consideração, quer em relação às taxas propriamente ditas, quer em relação aos chamadas tributos das contribuições especiais ou parafiscais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se bem percebi, traduzir-se-ia basicamente num preceito que dissesse que o regime das taxas e das contribuições especiais é enquadrado por lei, ou é definido por lei, ou garantirá estes ou aqueles objectivos nos termos da lei, isto é, qualquer coisa que funcione como limite constrangente para as entidades criadoras.
Aliás, Sr. Presidente, não sendo instante que se fixe uma redacção neste exacto momento, estamos disponíveis para contribuir para ela, e creio que não será excessivamente difícil, alcançado que está um acordo de princípio quanto à desejabilidade da norma.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento, o máximo que se pode concluir é o seguinte: há abertura para considerar uma norma constitucional de atribuição à lei da definição do regime ou dos princípios gerais relativamente às taxas e, por sugestão da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, das contribuições especiais. Esta forma cautelosa é para especificar não só o não compromisso para já mas também a labilidade destes conceitos e a necessidade de ter cuidado na sua formulação.
A fórmula adiantada pelo Sr. Deputado José Magalhães, a de que a lei define os princípios ou as regras relativas às taxas e às contribuições especiais, fica, para já, como base da discussão.
Portanto, ficamos neste ponto, e com isto esgotamos a discussão do artigo 106.º.
Vamos passar ao artigo 107.º, começando pela estranha proposta de eliminação do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estranha?!

O Sr. Presidente: - Já agora permito-me especificar. Se se compreende a ideia de "descarga" da Constituição económica propriamente dita, a ideia de desconstitucionalização da Constituição fiscal é uma ideia insólita, mesmo em termos de direito comparado. Aquilo a que se está a assistir em direito comparado é exactamente à constitucionalização, à densificação da Constituição fiscal - aliás, se há alguma coisa que diz respeito às relações do Estado com os cidadãos é a Constituição fiscal. De maneira que insisto nesta ideia da estranha proposta de eliminação do artigo 107.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Também se propõe a eliminação do artigo 110.º, aliás!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não. Isso é um problema de leitura da parte do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Também se desconstitucionalizou quase toda a Constituição orçamental, o que é igualmente estranho.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma dificuldade de leitura.

O Sr. Presidente: - Já lá iremos, na altura própria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Fica o campo livre!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é assim. Isso tem de ser lido com o artigo 108.º, porque este engloba os artigos 109.º e 110.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao artigo 107.º, há de facto, genericamente, nesta proposta do PSD, uma desconstitucionalização da matéria que actualmente consta deste artigo.
No fundo, a razão de ser desta proposta provocatória é a constatação de que alguns dos aspectos que estão actualmente vertidos nos vários números do artigo 107.º da Constituição são, hoje em dia, questionáveis do ponto de vista da política fiscal, e, por isso mesmo, indo desde logo ao fundo da razão, têm a ver com uma certa dinâmica evolutiva desta matéria, o que, do ponto de vista do PSD, aconselha a retirada de alguma rigidez do texto constitucional.
É evidente que há - e deixo desde já e sem qualquer pejo claro este ponto - determinado tipo de princípios que constam em algumas das normas do artigo 107.º com as quais o PSD está em perfeita comunhão e não tem dúvidas em defendê-las. Porém, outros há que assim não é, como é claramente o caso do imposto sobre sucessões e doações, em relação ao qual ainda recentemente, como o Sr. Presidente e todos os Srs. Deputados estarão recordados, na audição que fizemos com os cidadãos que apresentaram projectos de revisão constitucional, o Dr. Medina Carreira defendeu, claramente, a extinção deste imposto. E hoje em dia é uma matéria que tem vindo a ser equacionada,

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com a adesão crescente de largos sectores e de vários fiscalistas nacionais. E, de igual modo, posso colocar - e aqui já não é o problema de adesão do PSD -, a título de exemplo, uma questão concreta e sem intuitos estritamente provocatórios: aquilo que se diz no n.º 2, levado à exaustão, põe em causa a constitucionalidade das intenções do actual Governo, que foram aprovadas no Orçamento do Estado…

Risos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

Não se ria, Sr. Deputado, porque foi aprovado com o voto favorável do Partido Comunista Português,…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Fundamentalmente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … embora com o voto contra do PSD.
Mas, como eu dizia, o actual n.º 2, levado à exaustão, põe em causa a constitucionalidade das intenções do Governo, de que a tributação deve incidir sobre o rendimento real e não sobre o rendimento presumido.
Sem qualquer intuito provocatório, a razão de ser da proposta do PSD é a constatação de que há, no artigo 107.º, algumas matérias que, hoje em dia, são objecto de reflexão e de análise séria e ponderada. Em matéria de política fiscal, há, hoje em dia, soluções que podem apontar em sentido diverso daquelas que estão cristalizadas em algumas partes deste artigo.
Portanto, a razão de ser da apresentação pelo PSD desta proposta de eliminação é um bocadinho a constatação desta realidade. E, uma vez que existe reserva da Assembleia em matéria de fixação de impostos, não nos parece que haja uma perda fundamental de garantias e de segurança em termos do ordenamento jurídico nacional sobre a matéria de impostos pelo simples facto de, do nosso ponto de visa, alguns aspectos que aqui constam estarem desadequados e deverem ser retirados para permitir alguma reformulação do sistema fiscal nacional. No entanto, há outros que se devem manter - e digo-o sem qualquer rebuço. Mas a proposta do PSD enquadra-se um pouco nesta preocupação de âmbito genérico.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta de eliminação do artigo 107.º, do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, manifestamente, esta proposta do PSD só pode ser entendida, como referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como provocatória. Ela só pode ser entendida neste sentido.
Por conseguinte, esta proposta de eliminação não terá o nosso apoio, porque eliminaria aspectos centrais dos impostos, e estou a referir-me, designadamente, ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. O princípio de ser um imposto único e de ser progressivo seria completamente eliminado, abrindo as portas a tudo o que é negativo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já disse que havia aspectos que, claramente…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sim, mas tenho de me debruçar sobre a proposta do PSD, que é de eliminação, pura e simplesmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas dei por adquirido que o PSD concorda com o princípio…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por outro lado, em relação à questão da tributação das empresas, é evidente que a utilização de métodos indiciários ou de eventual estabelecimento de tributações mínimas será dirimido na perspectiva da sua constitucionalidade ou não, se for esse o caso, no Tribunal Constitucional.
Mas eu apenas gostaria de lembrar que o n.º 2 diz "A tributação das empresas incidirá fundamentalmente (…)", não é exclusivamente. Aliás, julgo que é uma questão de realismo. Posso dizer-lhe que, na opinião do PCP, o princípio da tributação de lucro real é absolutamente correcto, mas não podemos ser idealistas, em algumas matérias, pelo menos.
Por conseguinte, a situação real do País e a possibilidade de se tributarem todos os elementos apenas do ponto de vista do rendimento real é, neste momento, extremamente difícil.
Quanto ao n.º 3, e era esta outra referência que desejo fazer…

O Sr. Presidente: - Já lá iremos, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes fez a apresentação de todo o artigo 107.º…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas a proposta é de eliminação total!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas, já agora, Sr. Presidente, se me permite, serei muito rápido.
Em relação ao imposto sobre sucessões e doações, apesar de não termos apresentado qualquer proposta de alteração, estamos abertos e disponíveis para substituir este imposto pelo imposto ou impostos sobre o património. Estamos totalmente abertos a isto.

O Sr. Presidente: - Aliás, já é um imposto sobre o património!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exacto. Mas para não se pôr aqui exclusivamente… Até por causa da perspectiva de poder haver alterações substanciais em termos de impostos sobre o património, a substituição da expressão "imposto sobre sucessões e doações" por "imposto…" ou impostos "… sobre o património", à partida, não nos suscitaria dificuldades.

O Sr. Presidente: - Iremos lá, na altura própria. Existe uma proposta de eliminação, e essa matéria será discutida.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a proposta do PSD consegue os seus efeitos, ou seja, provoca uma discussão e, neste sentido, é alguma coisa que, se fosse generalizada, poderia originar alguns arrepios. Não o fizeram felizmente em matéria de direitos, liberdades e garantias da mesma maneira que o fizeram neste ponto, e, portanto, vivemos em paz, pelo menos nessa área, e aqui também, aliás, porque está reduzida aos seus limites. Vamos, agora, começar a discutir o que fazer, excluída a

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hipótese teratológica e total do desbaste a cem por cento do artigo 107.º.
A discussão que tivemos no quadro das audiências públicas, designadamente a que fizemos com o Sr. Dr. Medina Carreira, foi extremamente profícua, extremamente útil e será, de resto, oportunamente transcrita e publicada ao lado destas actas. Contudo, há que saber até que ponto devemos ir na flexibilização das regras já hoje constantes do artigo 107.º. Algumas das coisas fazem parte do nosso universo de impostos estão condenadas a desaparecer e é natural que outras sejam ser introduzidas nesse universo.
Teremos, em breve, uma discussão sobre o sistema fiscal e a sua reforma, à qual é concedida alta prioridade e é imprescindível, e que se fará, sabemo-lo todos, sobre um terreno profundamente distorcido pela agregação, congregação e cumulação de anomalias que vieram agravar aspectos que já há 20 anos não eram sequer saudáveis.
Em matéria constitucional, devemos ser, creio eu, prudentes. Devemos enumerar garantias dos contribuintes, devemos enumerar elementos de carácter geral do sistema. A tipificação uma a uma das espécies tributárias revela riscos, como se prova, designadamente no caso do imposto sobre sucessões e doações.
Em suma, estamos abertos à flexibilização do n.º 3, designadamente, e a alguns eventuais aditamentos - há propostas sobre esta matéria com interesse e podem ser bases de trabalho -, mas com esta prudência, Sr. Presidente, a de não desbastar a cem por cento aquilo que já é um património constitucional na definição de objectivos, e que bom teria sido se tivessem sido respeitados pelo legislador ordinário em surtidas de criação fiscal próprias de outros tempos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de eliminação do artigo 107.º, do PSD, não tem acolhimento, tem a oposição do PS e do PCP.
Srs. Deputados, dou por terminados os nossos trabalhos de hoje, que serão retomados na quinta-feira, às 21 horas e 30 minutos.
Está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 40 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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