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Sábado, 12 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 38
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 11 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) iniciou a reunião eram 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 111.º a 116.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Osvaldo Castro (PS), Luís Sá (PCP), Cláudio Monteiro (PS) e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos com a discussão do artigo 111.º, para o qual há duas propostas de alteração, uma do CDS-PP e outra dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, no sentido de se especificar os termos do exercício do poder político. Perante isto, pergunto se vale a pena fazer esta especificação, uma vez que já foi feita no artigo 10.º.
Ou seja, o CDS-PP propõe a seguinte especificação: "O poder político pertence ao povo, que o exerce através de representantes eleitos ou por meio de referendo, nos termos da Constituição e da lei.", que já se encontra no artigo 10.º.
Em todo o caso, as propostas, que são coincidentes, estão em discussão, se alguém as quiser adoptar para esse efeito, visto não se encontrarem presentes os proponentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é exactamente aquilo que acabou de citar, mas gostaria de relembrar que as coisas não foram tão nítidas como isso.
Houve abertura da parte do Partido Socialista e do Partido Comunista Português,…
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e, portanto, nesta fase, a única coisa que quero dizer é que o Partido Social Democrata, a confirmar-se a tal abertura, prefere que a matéria seja incluída no artigo 10.º, até por nos parecer que é não só uma sede como também tem mais força em termos gerais por se tratar de uma parte mais relevante da Constituição.
Mas, se não for assim, eventualmente, teremos de reequacionar.
O Sr. Presidente: - Claro.
Portanto, em princípio, a questão da especificação ficou aberta no artigo 10.º.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, nós reiteramos a abertura que demos nessa altura.
O Sr. Presidente: - Creio que não vale a pena repetir aqui a discussão que já foi feita no artigo 10.º, independentemente de esta especificação vir a ficar aqui ou não. A discussão está feita.
Assim, Srs. Deputados, passamos ao artigo 112.º, para o qual foi apresentada pelo PSD uma proposta de eliminação.
Para justificar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD propõe a eliminação precisamente porque propôs, também para o artigo 10.º, a transposição deste número.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se o Sr. Presidente está recordado, o PSD propõe, no artigo 10.º, que esta matéria passe a ser o n.º 2 do artigo, apenas com uma ligeira alteração, que é a de, em vez de falar em sistema democrático ou em instrumento fundamental de consolidação do sistema, falar em "instrumento fundamental da democracia". O sistema democrático está consolidado em Portugal, graças a Deus, passados 22 anos da Revolução.
Portanto, neste momento, a nossa proposta é que passe a constar "instrumento fundamental da democracia", porque a democracia já é uma realidade.
Todavia, quanto à matéria do artigo 112.º, propúnhamos, de facto, a sua transposição para o artigo 10.º pela mesma ordem de razões que há pouco referi a propósito do artigo 110.º; ou seja, parece-nos que tem mais força na parte inicial da Constituição, por ser uma parte mais nobre. Um princípio como este, que nos parece fundamental, deve, do nosso ponto de vista, ser transposto - e é esta a proposta do PSD - para a parte dos princípios fundamentais que a Constituição rege, atendendo, exactamente, à extraordinária relevância que nos parece assumir tanto esta matéria como a do artigo 110.º.
Portanto, a nossa proposta para o artigo 112.º não é propriamente de eliminação mas, sim, de alteração sistemática.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr Deputado. Há uma transferência para o n.º 2 do artigo 10.º, que, aliás, na altura foi considerada, não se tendo chegado a apurar uma conclusão, porque, nesta primeira leitura, a ressistematização não tem sido cuidada.
De qualquer modo, esta questão está de novo em aberto, pelo que pergunto se voltamos a ela ou sobrestamos nela quando voltarmos ao artigo 10.º, em segunda leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, se não estou em erro, também houve, da nossa parte, abertura à questão da sistematização. Assim, pensamos que, talvez no regresso ao artigo 10.º, poderemos decidir definitivamente.
O Sr. Presidente: - Está decidido. Quando voltarmos ao artigo 10.º decidiremos se esta matéria passará para aí ou não, como na altura ficou em aberto. E, portanto, esta proposta do PSD, que, de facto, não é uma verdadeira eliminação, fica em aberto.
Srs. Deputados, passamos, então, ao artigo 113.º, para o qual não há propostas de alteração, salvo de um dos cidadãos que propôs a eliminação dos tribunais de entre os órgãos de soberania. Porém, não creio que esta proposta seja acolhida por alguém.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem é o proponente, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O proponente é o Sr. Vítor Manuel da Silva Garcia, que, salvo erro, é advogado de…
Este cidadão propôs a eliminação dos tribunais de entre os órgãos de soberania com a seguinte justificação: "A
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retirada dos tribunais baseia-se em: a não sujeição a eleições democráticas, o que leva a instituição a uma posição de certa maneira arrogante perante o cidadão", perguntando "Porquê os tribunais e não também a educação ou a saúde, por exemplo".
Em relação ao artigo 114.º, também não foram apresentadas propostas de alteração, além da do Professor Jorge Miranda, que propõe uma série de alterações, que vos convido a ler - e relembro que a audição com ele será na próxima terça-feira, às 17 horas e 30 minutos. Como não há propostas, só por consenso é que se poderia adoptar qualquer uma das propostas apresentadas pelo Professor Jorge Miranda, mas penso que o melhor será deixarmos isto para discutirmos com ele.
Sendo assim, vamos passar ao artigo 115.º, cuja epígrafe é "Actos normativos", para o qual existem numerosas propostas de alteração.
Srs. Deputados, proponho que todas as propostas relativas ao poder legislativo das regiões autónomas sejam adiadas para quando discutirmos o respectivo capítulo, primeiro, por conexão da matéria e, segundo, por os Deputados mais interessados nessa matéria não se encontrarem presentes, não fazendo, por isso, sentido procedermos a essa discussão.
Visto haver concordância quanto a este ponto, passamos às restantes propostas.
Assim, para o n.º 1, não há propostas de alteração, mas, para o n.º 2, o PS e o PCP apresentaram propostas de alteração em dois números, os n.os 2 e 3 - portanto, o actual n.º 2, nos projectos do PS e do PCP, foi objecto de um "deslinde", de uma separação em dois números -, e há também do Professor Jorge Miranda.
O actual n.º 2 diz o seguinte: "As leis e decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo do valor reforçado das leis orgânicas e da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.".
O PS e o PCP propõem a separação desta norma, estabelecendo, numa, o princípio da igualdade das leis e dos decretos-leis sem prejuízo da sua subordinação às leis de valor reforçado e, noutra, a definição das leis de valor reforçado, ao que o PCP acrescenta no seu n.º 2 um princípio segundo a qual os decretos-leis não podem contrariar as leis, salvo autorização legislativa; mais enxuta e sumária é a proposta do Professor Jorge Miranda, que é do seguinte teor: "As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-lei publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvem as bases gerais dos regimes jurídicos.".
Srs. Deputados, estão em discussão estas propostas, e faço minha a proposta do Prof. Jorge Miranda por razões que explicarei daqui a pouco.
Tem, entretanto, a palavra para apresentar as propostas o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, o essencial que pretendemos foi subdividir as leis e os decretos-lei de igual valor, digamos, tal como é considerado, das leis de valor reforçado, incluindo um novo número.
O Sr. Presidente: - E com uma definição constitucional de "leis de valor reforçado".
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim, com essa definição constitucional.
O Sr. Presidente: - Está de acordo, no essencial, de acordo com a definição doutrinária e jurisprudencial desse conceito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, os nossos objectivos são fundamentalmente os mesmos. Creio, de resto, que, considerando em conjunto as redacções propostas nos n.os 2 e 3, pelo PCP e pelo PS, verifica-se que há uma coincidência de objectivos e até de redacção em grande medida. Há, no entanto, aqui um problema que, sem prejuízo da referência feito pelo Sr. Presidente à jurisprudência, nos tem vindo a preocupar e que justifica uma particular utilidade desta proposta. É que, por vezes, em alguma jurisprudência, o entendimento do que significa "leis de valor reforçado" e da sua relação com outros diplomas foi muito estreito. E dou um exemplo concreto.
Foi entendido que a lei do Orçamento de cada ano não teria de respeitar a Lei de Finanças Locais. Este é um exemplo típico da doutrina de uma lei que é um pressuposto normativo de outras leis. Apesar disso, tal entendimento não prevaleceu no Tribunal Constitucional, quando esta questão foi apreciada.
O Sr. Presidente: - Continuaria sem prevalecer mesmo com a vossa norma. Se, para mim, a jurisprudencial é a interpretação, continuaria igual.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, Sr. Presidente. Creio que se tornaria muito mais difícil porque a redacção actual aponta para o valor reforçado, acima de tudo, das leis orgânicas. E aqui tanto há uma generalização do conceito de leis de valor reforçado não apenas às leis orgânicas mas também às leis que constituem pressuposto normativo de outras leis, o que, aliás, foi objecto de um tratamento específico de Joaquim Gomes Canotilho, como é sabido, a propósito, por exemplo, da lei do Orçamento.
Creio que esta generalização do conceito de leis de valor reforçado, não apenas às leis orgânicas mas também a outros tipos de leis, tornaria muito mais difícil a insistência num caminho jurisprudencial que já na altura nos pareceu errado; creio que, com esta redacção, esse caminho ficaria, com alta probabilidade, inviabilizado.
Pronunciar-me-ei sobre a proposta do Professor Jorge Miranda na altura própria, e desde já adianto que me parece ter aqui mais-valias importantes.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Sá não se referiu a um aspecto muito particular da proposta do PCP, que é autónomo em relação à do PS, que é a expressão "os decretos-leis não podem contrariar as leis salvo autorização legislativa".
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida alguma, Sr. Presidente. Tem razão. Creio que isso corresponde a uma
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preocupação, que merece ser sublinhada, apesar de ser evidente para todos, que é a de afirmar algo que, a meu ver, é inerente ao próprio Estado democrático de direito, que é a supremacia parlamentar, designadamente em matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou agora justificar por que é que entendo que o actual n.º 2 do artigo 115.º tem dois equívocos - aliás, está nas minhas anotações à Constituição, no lugar próprio -, e porque me parece que tanto as propostas do PS como do PCP aumentariam a equivocidade e os maus entendimentos da norma.
O que actualmente a norma diz é o seguinte: "As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo do valor reforçado das leis orgânicas e da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.". Ora bem, o programa normativo do preceito muda da primeira para a segunda parte: primeiro "As leis e os decretos-leis têm igual valor…", e, depois, "… sem prejuízo do valor reforçado das leis orgânicas (…)". Ora, o valor reforçado das leis não tem a ver com a relação entre as leis e os decretos-leis mas, sim, com a relação entre leis de valor reforçado (leis ou decretos-leis) e outras leis de valor não reforçado (leis ou decretos-leis).
Portanto, não tem nada a ver com o programa da primeira parte que trata apenas da relação entre leis e decretos-leis. E só por isto é que me parece que a norma do Professor Jorge Miranda é perfeita, porque diz: "As leis e decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvem as bases gerais dos regimes jurídicos.". Ele mantém-se perfeitamente no contexto do programa normativo do preceito, resolvendo uma questão muito simples, a relação entre leis e decretos-leis. É a única que a norma pretende resolver.
Tal como está, a norma pretende resolver duas questões distintas: uma, é a relação entre leis e decretos-leis e, a outra, é a relação entre leis de valor reforçado e leis sem valor reforçado, o que já nada tem a ver com a primeira, porque esta segunda relação é independente da primeira, aplica-se quer a leis quer a decretos-leis, e, portanto, nada tem a ver uma coisa com a outra.
Segundo equívoco: as leis orgânicas não são leis de valor reforçado. É um equívoco perfeito; as leis orgânicas não leis de valor reforçado! As leis orgânicas são apenas um método específico de formação das leis, mas não são leis de valor reforçado. O que as leis orgânicas querem dizer é que as leis sobre certas matérias têm de ser formadas de certa maneira. Mas estas leis não têm qualquer valor reforçado.
Uma lei sobre círculos eleitorais é uma lei sobre círculos eleitorais! É uma lei de valor reforçado, porque tem de ser aprovada por dois terços, votada na especialidade no Plenário da Assembleia da República, sujeita a um regime de fiscalização preventiva muito especial - isto é o regime da lei orgânica.
A lei orgânica é uma forma particular de aprovação de leis, nada tem a ver com uma hierarquia de leis. Apenas quer dizer que essas matérias, se constarem de leis que não tenham tido a formação exigida na Constituição, são inconstitucionais. Mas são inconstitucionais orgânica ou formalmente! Não são inconstitucionais materialmente por violarem outra lei.
Portanto, não é nenhuma relação entre leis.
O que está na Constituição, hoje, já é um equívoco, e, em minha opinião, o PS e o PCP, com estas propostas, apenas aumentam o equívoco.
Dito isto, proponho que distingamos duas coisas: uma é a relação entre leis e decretos-leis e, para isso, proporia uma norma semelhante à do Professor Jorge Miranda; outra é a relação entre leis de valor reforçado e leis sem valor reforçado, e isto merecia um número autónomo - e aqui creio que tanto o PS como o PCP têm razão quando propõem, como mais-valia, a definição de leis de valor reforçado. Proponho é que se retire o valor reforçado das leis orgânicas, porque, de facto, não são leis de valor reforçado.
Por que é que importa definir o que são leis de valor reforçado? De facto, a Constituição hoje é clara ao dizer que são ilegítimas as leis, sejam leis ou decretos-leis propriamente ditos, por violação de leis com valor reforçado - é o que consta na alínea a) do n.º 2 do artigo 280.º. E, de facto, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido que leis com valor reforçado, além, erradamente, das leis orgânicas, são as leis que, segundo a Constituição, devem obedecer a outras leis. E as leis que, segundo a Constituição, devem obedecer as outras leis são, por exemplo, os decretos-leis autorizados em relação às leis autorizantes, os decretos-leis de desenvolvimento em relação às leis de bases, a lei de criação das regiões em relação à lei-quadro das regiões, a lei de criação de municípios em relação à lei-quadro da criação de municípios, a lei de elevação de vilas a cidades em relação à respectiva lei de enquadramento, as leis de autorização de empréstimos em relação à lei-quadro de autorização de empréstimo, a lei do Orçamento em relação à lei do enquadramento orçamental, e há casos duvidosos que, a meu ver, se devem manter duvidosos e que não devemos ter a pretensão de os resolver, como é o caso citado pelo Sr. Deputado Luís de Sá, sobre saber se a Lei das Finanças Locais é uma lei reforçada em relação à lei do Orçamento. Eu defendi que sim; o Tribunal Constitucional entendeu que não. Eu penso que esta questão deve manter-se em aberto, não devemos ter a pretensão de a resolver na Constituição. E a vossa norma não resolveria a questão, porque o Tribunal Constitucional manteria a plena liberdade de saber se a Lei das Finanças Locais é uma lei que, segundo a Constituição, deve ser obedecida pela lei do Orçamento, já que os outros casos são evidentes.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não têm nenhuma utilidade, se não for essa!
O Sr. Presidente: - É a própria Constituição, em preceitos muito concretos, que diz que a lei de criação de uma região administrativa tem de obedecer à lei-quadro da criação das regiões administrativas, que a lei
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do Orçamento tem de obedecer à lei-quadro de enquadramento orçamental, e por aí adiante.
Portanto, estes casos são pacíficos em toda a doutrina e jurisprudência. E a Constituição, nos respectivos sítios, estabelece uma relação de hierarquia entre leis, e aí, sim, há uma relação entre a lei de valor reforçado e a lei comum, digamos assim, ou a lei ordinária.
Eis, portanto, o motivo por que me apropriei da proposta apresentada pelo Professor Jorge Miranda e por que penso que as propostas do PS e do PCP devem ser corrigidas dos equívocos, que já constam do actual n.º 2, e que seriam acentuados com estas redacções.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Presidente não se importa de repetir a formulação do Professor Jorge Miranda.
O Sr. Presidente: - O Professor Jorge Miranda só se refere à primeira questão. Mas eu disse que havia duas questões: uma, é a relação entre leis e decretos-lei e, a outra, que é independente desta, só em parte é que é coincidente, é a relação entre leis de valor reforçado e leis comuns hoc sensu. E ele, no n.º 2, mantém só a primeira, que é: "As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.". E aqui é que entra a segunda parte da proposta do PCP, no sentido de que "os decretos-lei também não podem contrariar as leis salvo autorização legislativa" - esta é uma proposta nova do PCP.
Portanto, a primeira questão é a relação entre leis e decretos-leis.
Quanto à segunda questão, a existência de leis de valor reforçado, que é independente desta ou que só em parte coincide com ela, proponho que ela, de facto, seja mantida aqui, no artigo 115.º, mas que seja reformulada, autonomizada e liberta dos equívocos que até agora a têm acompanhado.
Srs. Deputados, eis, em termos provocantes, a questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, eu também o vou provocar, porque me parece que, apesar de tudo, a formulação que o Professor Jorge Miranda sugere e que o Sr. Presidente acolhe não resolve todos os equívocos, pela razão que passo a expor.
Na primeira parte, quando se fala em leis e decretos-leis, faz-se apelo a categorias de actos normativos ou de actos legislativos em função da respectiva forma,…
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … enquanto que a relação paramétrica, como se costuma dizer, que rege a relação entre leis de valor reforçado, seja ele geral ou específico, e as demais leis, faz apelo ao seu conteúdo material. E é por esta razão que o equívoco surge, e é até por esta razão que o equívoco não é resolvido.
Há decretos-leis de bases gerais, isto é há leis de bases reguladas por decretos-leis, e, em relação a estas por exemplo, quaisquer leis de desenvolvimento, sejam elas decretos-leis ou lei da Assembleia da República, também lhe devem igual respeito e também estão subordinadas ao respectivo…
O Sr. Presidente: - Contesto!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Bom, aí há um ponto de divergência, seguramente.
Aliás, é até por essa razão que eu julgo que a proposta do PCP é perigosa, embora assente na fundamentação de que o que está em causa são leis de autorização e decretos-lei autorizados, porque, sem fazer a distinção no texto constitucional, deixaria de haver matéria concorrencial sempre que houvesse um prévio acto legislativo emanado da Assembleia da República. Isto é, a competência da Assembleia da República precludiria a competência do Governo em matéria concorrencial, porque, a partir do momento em que a Assembleia da República tivesse legislado sobre uma determinada matéria, fosse ela ou não concorrencial, a priori, deixaria de o ser a partir desse momento porque os decretos-leis deviam respeito à lei da Assembleia da República e não podiam revogá-la ou substituí-la, ainda que se entendesse que a matéria originariamente fosse concorrencial no sentido de que, na omissão da Assembleia da República, o Governo sobre ela se poderia pronunciar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não quero propor um consenso na proposta do PCP, mas isso é o que acontece em toda as democracias. Nós é que somos uma excepção anómala.
A existência de uma poder legislativo governamental é uma excepção anómala, como sabe. Não há nenhum país, tirando a França, que, aliás, até é pior, porque exclui matérias da competência legislativa da Assembleia. Tirando a França, não há nenhum outro país onde o Governo tenha poderes legislativos autónomos.
Portanto, o PCP limitar-se-ia a recuperar esse sábio princípio republicano da competência primacial da Assembleia em matéria legislativa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, Sr. Presidente, tenho algum receio sobre quais serão os…
O Sr. Presidente: - Mas não estamos a discutir a proposta do PCP. Proponho que separemos as questões.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Certo. Mas eu só invoquei a minha crítica à proposta do PCP porque ela também é uma decorrência da minha crítica à posição, segundo a qual, não há leis de bases aprovadas por decretos-leis. Isto porque, em última análise, o problema é o mesmo.
Para já, é meu entendimento que não há só as leis de bases referidas nos artigos 167.º e 168.º, porque o conceito de leis de bases tem a ver com o seu conteúdo material, com o facto de dispor apenas as bases ou os parâmetros essenciais de um determinado regime jurídico e não com a circunstância de ter uma forma especial.
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Bom, mas mesmo nos casos do artigo 168.º, é possível que haja leis de bases autorizadas, e, portanto, aprovadas por decretos-leis. E, em relação a essas, sendo certo que se pode sempre colocar a questão do ponto de vista formal, o que é facto é que, do ponto de vista material, qualquer lei de desenvolvimento, seja ela da Assembleia da República ou do Governo, em princípio dever-lhe-ia respeito, pelo menos é este o entendimento que tenho e é por esta razão que penso que o equívoco, de certa maneira, pode continuar a persistir, e isto por uma razão, aliás, muito simples. Se reparar, o n.º 1 fala em actos legislativos e, no n.º 2, só não se fala em actos legislativos porque se quer excluir os decretos legislativos regionais; ou seja, não se quer equipará-los, apesar de tudo, às leis e aos decretos-leis. Isto porque se, no n.º 2, se falasse em actos legislativos tout court, sem se referir especificamente às leis e aos decretos-leis, já faria muito mais sentido uma redacção mais restrita, como aquela que propõe.
Continuando a falar-se em leis e decretos-leis, estabelece-se, por um lado, numa primeira parte da norma, aquilo que é uma relação entre dois actos com forma diferente, para, depois, fazer apelo a uma relação que tem a ver com o respectivo conteúdo e não com a respectiva forma.
O Sr. Presidente: - A segunda parte continua apenas a ser entre leis e decretos-leis!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não.
O Sr. Presidente: - Independentemente de, depois, poder ser aplicada por analogia às outras questões que pôs. Mas a norma mantém-se perfeitamente coerente.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para além do mais, confesso, compreendendo aquilo que disse em relação às leis orgânicas, tenho algumas dúvidas que esse entendimento seja o mais correcto…
O Sr. Presidente: - Contesto!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Julgo que uma das evoluções da doutrina, neste últimos tempos, nesta matéria tem a ver com a circunstância de se distinguir aquilo que são as leis de valor reforçado dos demais diplomas que têm valor reforçado específico, que têm força paramétrica restrita a certo tipo de actos, como as leis de base, as leis de autorização legislativa. Isto é, julgo que hoje em dia já há uma corrente doutrinária razoável que defende que as leis de bases e as leis de autorização legislativa não são leis de valor reforçado precisamente porque o seu valor reforçado, sendo específico, isto é sendo dirigido a um acto ou a uma única categoria de actos, não o coloca propriamente num plano superior em relação a todos os demais actos. O que é facto é que uma redacção com um âmbito tão restrito como aquela que sugere, omitindo a ideia de lei de valor reforçado…
O Sr. Presidente: - Não omite nada. Separa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Se não omite, está como?
O Sr. Presidente: - Punha em números separados, disse-o expressamente. Separava as duas questões.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas mantém um número a tratar as leis de valor reforçado!
O Sr. Presidente: - Claro! Isso não está em causa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - No qual inclui, entre outros, a relação entre lei geral da República e decreto legislativo regional ou…
O Sr. Presidente: - Também, por que não?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Então, nesse sentido, já a crítica não tem tanta razão de ser,…
O Sr. Presidente: - Creio que não.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … porque eu pensava que eliminava a figura das leis de valor reforçado.
O Sr. Presidente: - Não, não, pelo contrário! Fui um dos construtores dessa teoria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quanto à questão da supremacia das leis em relação aos decretos-leis, creio que tanto a minha primeira intervenção como a de V. Ex.ª nesta matéria responderam à questão colocada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Uma coisa é haver competência legislativa do Governo e outra coisa é levar a ruptura com o princípio clássico da separação de poderes até um ponto em que o poder legislativo, pura e simplesmente, possa ser ultrapassado por aquilo que classicamente era o poder executivo. E, sobre este aspecto, creio que a proposta do PCP tem a virtude de propor a reafirmação do poder legislativo do Parlamento num momento em que, um pouco por toda a Europa, a doutrina tanto fala da crise dos Parlamentos. Acho que seria um sinal bastante saudável e clarificador nesta matéria.
Quanto ao conceito de lei de valor reforçado, conheço naturalmente a posição do Sr. Presidente nesta matéria, a qual merece um enorme respeito, mas creio que tanto o PS como o PCP partiram de outro conceito. Penso que não temos que tomar partido em questões doutrinais e que é possível, sem qualquer perda de conteúdo, encontrar uma redacção que não comprometa…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, se vivemos com o equívoco até agora, podemos continuar a viver com ele.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, não! Proponho que esse equívoco seja efectivamente esclarecido, tanto mais que as leis orgânicas têm o seu acréscimo de valor resolvido com a questão do procedimento e a da maioria qualificada da aprovação. Aquilo que não está completamente garantido é o valor reforçado, na prática, daquilo que a doutrina tem qualificado como leis de valor reforçado mas que nem
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sempre têm tido esse valor. Por exemplo, o Sr. Presidente deu um conjunto de exemplos de leis de valor reforçado, mas eu diria que, com muita frequência, esta mesma Assembleia cria cidades e vilas que não cabem nos critérios da lei-quadro, ou que é altamente discutível que caibam.
Portanto, é uma prática que efectivamente é constante. Ma esta é uma questão menor, porque há questões maiores, como, por exemplo, a questão…
O Sr. Presidente: - A nossa vida está cheia de leis inconstitucionais e não é por causa disso que deixam de o ser!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Há dias, estive a analisar um regulamento de polícia na Madeira e verifiquei que até os jogos de computador proíbe. Tem um elenco de jogos que são permitidos no respectivo arquipélago, mas não inclui jogos de computador nem grande parte dos jogos populares, certamente, por esquecimento…
O Sr. Presidente: - O uso constituciona o que ainda não existe!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas há muitas coisas destas que, às vezes, até por falta de ligação completa à realidade pura e simplesmente, depois não são tidas em conta.
Mas, independentemente desta questão, creio que, a partir do momento em que este artigo vai ser revisto, só ganharíamos em procurar esclarecer um conjunto de questões que têm sido menos claras. E, neste sentido, faço uma proposta: se houver consenso acerca das intenções políticas e jurídicas nesta matéria, pelo menos um consenso indiciário, proponho que o Sr. Presidente, tendo em conta as propostas do Professor Jorge Miranda e as preocupações subjacentes aos projectos do PS e do PCP relativamente aos n.os 2 e 3, apresente um texto que ulteriormente permita um reexame. Pela nossa parte, salvaguardadas as preocupações que já apresentamos, teremos todo o interesse e abertura em examinar esse texto no sentido de garantir um acréscimo efectivo de benefícios neste plano.
O Sr. Presidente: - Bom, mas há questões que têm de ser decididas.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida! Eu diria, esclarecidas as questões, se houver vontade política para…
O Sr. Presidente: - Proponho que se vá por partes.
Aquilo que há de inovador na projecto do PCP é a segunda parte do n.º 2, ou seja a expressão "(…) os decretos-leis não podem contrariar leis salvo autorização legislativa.".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que ainda não me pronunciei sobre a questão e tendo em conta algumas das coisas que já aqui foram ditas, vou aproveitar para situar a posição do Partido Social Democrata que tem uma perspectiva diferente.
Desde logo, penso que, em termos genéricos, foram aqui lançados alguns equívocos nomeadamente quando se coloca a questão do regime português e do valor das leis por cotejo com os decretos-lei, quando comparados com a situação de outros países. Esta comparação não é possível, a menos que se proponha - o que, por exemplo, na economia da proposta do Partido Comunista Português não acontece minimamente - no global de todo o artigo uma reformulação total, como acontece nos países onde isso assim é. Nesses países, onde, de facto, não há competência legislativa da parte do Governo, há uma capacidade de governação através de regulamentos e de actos administrativos que não existe em Portugal.
Portanto, a proposta do Partido Comunista Português, a cru, é a governação parlamentar, e não é, nem de perto nem de longe, a aproximação a outro tipo de modelos que existem em outros países, igualmente democráticos, aonde, como o Sr. Presidente referiu, existe uma quase exclusividade legislativa da parte dos parlamentos, sim senhor, mas existe também outro tipo de instrumentos para a governação, que não existe em Portugal e que são expressamente vedados no próprio artigo 115.º, nos números mais à frente, e para os quais o PCP não propõe qualquer alteração qualitativa que dê corpo ou tente enformar uma lógica diferente do funcionamento do sistema.
Assim, na prática, a única coisa que resultaria, do meu ponto de vista, da proposta do PCP, quanto a esta questão, já aqui apelidada de "quase exclusividade parlamentar", em termos de resultado quanto ao processo legislativo, era…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso seria uma supremacia parlamentar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Acrescento aos exemplos que já foram aqui citados, quer pelo Sr. Presidente, quer pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, uma outra situação caricata que resultaria desta proposta, que é o seguinte: nos processos de ratificação, uma vez ratificados estes diplomas, automaticamente o Governo ficava completamente incapaz de mexer uma palha que fosse, isto porque, através do instrumento de ratificação, a Assembleia passava a congelar legislativamente todas as iniciativas que o Governo tomasse sobre as mais variadas matérias. Isto é uma evidência! Isto resultaria claro do que aqui está. Bastava a Assembleia pedir a ratificação para, a partir desse momento, o Governo nunca mais poder mexer naquela matéria. Esta era uma consequência evidente, que ainda não tinha sido aqui citada.
Em qualquer circunstância, uma vez que estou a falar do projecto do PCP, para além deste problema - de ser, do ponto de vista do PSD, inaceitável, a não ser no eventual reequacionamento total dos instrumentos que regem a produção de actos normativos e a competência para a sua produção -, em termos constitucionais, é completamente inaceitável por, pura e simplesmente, subordinar a capacidade normativa do Governo à intervenção da Assembleia da República. Isto, a nosso ver, seria a parlamentarização do Governo ou, se quisermos, a paralisação quase total do Governo em termos da sua gestão corrente.
Portanto, só poderia ser equacionado quando acompanhado de uma série de outros instrumentos que possibilitassem a normal e a necessária competência de actuação
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por parte do órgão de soberania Governo, o que não acontece na economia desta proposta.
Quanto à outra questão que resulta da proposta do PCP e que tem a ver com a questão da autorização legislativa, penso que ela não fica claramente dilucidada. Manifestamente, prefiro a fórmula actual, segundo a qual, tendo em conta o princípio geral, que é o de competências concorrenciais entre os dois órgãos de soberania, tem de haver a clarificação de que há determinado tipo de situações, nomeadamente o caso do uso de autorização legislativa, em que, por estar em causa não a lógica concorrencial mas a de uma reserva relativa - a autorização legislativa só ocorre quando há situações de reserva, e se há uma situação de reserva é evidente que não há lógica concorrencial -, os decretos-leis terão de se subordinar às autorizações legislativas. Mas penso que a clarificação feita pela actual redacção é a mais adequada.
Relativamente à proposta do Partido Socialista, com toda a franqueza, nem consigo perceber exactamente o que é que, em termos de resultado, visava com ela, desde logo, porque punha totalmente em causa, por exemplo, a necessidade de respeito integral dos decretos-leis na situação das autorizações legislativas, já para não entrar na questão das bases gerais, que, de facto, é uma questão um pouco mais fluída…
O Sr. Presidente: - Não, isso não é assim, Sr. Deputado Luís Marques Guedes. O PS não altera nada disso. O PS só clarifica a definição de leis de valor reforçado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente, também omite aquilo que está no actual texto quanto à subordinação.
O Sr. Presidente: - Não, isso está no n.º 3, que diz: "Têm valor reforçado, para além das leis orgânicas, das leis de bases, das leis de autorização legislativa, as leis que (…)".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ainda não estávamos a discutir o n.º 3, mas quanto ao…
O Sr. Presidente: - O n.º 3 define o que está no n.º 2. O PS apenas separa em dois números…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não. Como o Sr. Presidente referiu, e muito bem, e eu concordo perfeitamente com a sua análise inicial, é evidente que o n.º 2 ao estabelecer, à cabeça, que existe um princípio de igualdade, tem, desde logo, de dilucidar determinado tipo de situações, como o Professor Jorge Miranda propõe e como o actual texto também faz.
O actual texto pode ter coisas a mais, mas não é seguramente essa, do meu ponto de vista; uma vez que é no n.º 2 que está claramente o princípio concorrencial, é aqui que, desde logo, se tem de dilucidar este tipo de situações. E também foi isto que entendi das suas palavras iniciais, e é isto que resulta da proposta, que começamos por confessar aqui, do Professor Jorge Miranda. E é isto que o Partido Socialista não faz. O PS retira da lógica…
O Sr. Presidente: - Não retira, remete o n.º 2 para o n.º 3.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há bocadinho, a propósito da questão do valor reforçado, ouvi o Sr. Presidente explicar, marcando alguns pontos com alguma racionalidade, devo confessar, que essa matéria estava aqui a mais e que, portanto, deveria ser autonomizada; quanto a questão que, obviamente, está, e bem, e deve cá estar, está agora a defender que pode não estar, que pode estar num outro lado.
O Sr. Presidente: - Não, não! Eu disse que o PS mantém e aumenta o equívoco que já encontra no actual n.º 2.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estamos a discutir apenas o n.º 2.
Termino com uma última questão, para a qual o PSD está aberto a uma ponderação, que é a que foi colocada pelo Sr. Presidente, na sequência da proposta do Professor Jorge Miranda, referente a eventual autonomização da referência às leis de valor reforçado. Pelo que ouvi das suas intervenções, Sr. Presidente, parece-me que a intenção de V. Ex.ª não é a sua eliminação do contexto deste artigo…
O Sr. Presidente: - Pois não.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … mas, sim, eventualmente a sua reformulação.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Parece-nos que tem razão quando diz que, na lógica deste número, a questão das leis de valor reforçado entra aqui um bocado a martelo. No entanto, peço ao Sr. Presidente algum auxílio, nomeadamente de reflexão técnica, sobre esta questão.
Independentemente da questão que já citou, há um outro problema que, a meu ver, poderíamos aqui equacionar, porque, na prática, acontece várias vezes. As leis orgânicas são as leis que constam nas alíneas a) a d) ou a e), salvo erro, do artigo 167.º, e são genéricas, como, por exemplo, as leis eleitorais dos órgãos de soberania. Ora, relativamente a estas leis, nos últimos anos, tenho assistido a algumas interpretações, tais como as de que há determinado tipo de matérias que constam das leis eleitorais que são matérias de natureza meramente adjectiva e processual e que, neste contexto, pode entender-se que não fazem parte do núcleo essencial da reserva, porque, sendo matéria meramente processual ou adjectiva, pode-se adoptar outros mecanismos que resultem de outros princípios gerais dispostos para as leis eleitorais. E, portanto, a dúvida que, a meu ver, aqui se deve equacionar é saber se se deve manter ou não o princípio que consta no n.º 2, que é o princípio de subordinação necessária ao valor reforçado das leis orgânicas, atendendo a esse reforço de valor, de força, das leis e decretos-leis normais às leis que, pelo facto de serem orgânicas, passariam necessariamente a não poder ser interpretadas nem derrogadas por outros
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princípios genéricos que constem de outro tipo de legislação. Por outras palavras, há dúvidas sobre se continua ou não a fazer sentido mantermos esse princípio, porque essa interpretação existe. E sei, nomeadamente, que existe no que se refere à questão das leis eleitorais.
Já li muita coisa sobre este tipo de interpretação, nomeadamente por parte do STAPE, a propósito de matérias que, por serem consideradas estritamente adjectivas e por esse facto não integrarem o núcleo essencial da alínea a) do artigo 167.º, não têm a ver com a questão substantiva do regime, e, como tal, independentemente de estarem na lei orgânica que dispõe sobre a eleição dos órgãos de soberania, pode perfeitamente entender-se que, com vantagem, se podem adoptar outro tipo de mecanismos.
Esta dúvida também deve ser equacionada aqui por nós.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dar um esclarecimento, porque, pelas intervenções que sucederam à minha, ficou-se um pouco com a ideia de que a defesa da competência legislativa concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República revelava, em certa medida, um menosprezo ou uma menor atenção dada às funções do Parlamento e ao seu primado legislativo contra a tradição republicana que invocou.
Quero dizer que, nesta matéria, a Constituição assegura o primado da Assembleia da República em matéria do exercício da função legislativa, por um lado, através da respectiva reserva de competência, e, por outro, através do instituto da ratificação…
O Sr. Presidente: - Ou da não ratificação!
O Sr. Cláudio Monteiro: - … ou da recusa de ratificação. E por isso o conhecimento da competência concorrencial do Governo em certas matérias não põe em causa esse primado, sobretudo porque, hoje - e isto é de facto aquilo que penso -, a verdadeira separação de poderes é a separação de poderes entre Governo e oposição e não tanto a separação de poderes entre a Assembleia da República e o Governo. E esta só é relevante na medida em que o sistema não gere soluções maioritárias que permitam que esta separação se esgote na relação Governo/oposição. E, quando isto não sucede, como na Legislatura presente, cá estão as válvulas de escape que garantem o primado da Assembleia da República através do instituto da ratificação,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o corrija, da não ratificação, porque hoje não há ratificação.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … da recusa de ratificação, que permite, apesar de tudo, salvaguardar, em última instância, este primado. Mas isto só acontece assim quando a relação Governo/oposição transfere de facto para o Parlamento o centro do poder, porque, quando isso não acontece, os mecanismos de controlo têm de ser outros e não passam tanto pela existência desta distinção tão radical entre competência legislativa privilegiada da Assembleia da República e competência subsidiária ou complementar do Governo.
É por esta razão que, a meu ver, o sistema português tem demonstrado funcionar bem e se calhar está mais adequado à realidade do mundo contemporâneo do que outros sistemas, designadamente aquele que diz respeito à circunstância de, quando falamos hoje em lei, já não falarmos na lei geral e abstracta, já não falarmos em Rousseau, em Montesquieu, infelizmente falamos nas leis que criam vagas nas escolas públicas e outras que tais, cuja distância entre o acto legislativo geral e abstracto e a medida do Governo é, de facto, muito reduzida.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, quero adiantar um ponto em relação à minha posição.
Os dois equívocos que referi não são originários desta norma, foram acrescentados em 1989. A norma, tal como estava em 1982, quando foi formulada, entre outros, por Jorge Miranda, Nunes de Almeida, Costa Andrade e eu próprio, era apenas e exactamente aquilo que o Jorge Miranda agora propõe que ela diga, ou seja "As leis e os decretos-lei têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais do regimes jurídicos". Era isto que estava e é isto que o Professor Jorge Miranda propõe que volte a constar.
Em 1989, inadvertidamente, acrescentou-se um outro programa normativo, misturando-o com o originário. O originário procurava resolver a questão da relação entre leis e decretos-leis, acrescentou-se um segundo, que foi de procurar estabelecer a relação entre leis de valor reforçado e leis comuns hoc sensu. Ora, o que proponho é que se separe as duas questões, na esteira do Professor Jorge Miranda.
Repito, o que proponho é que o n.º 2 volte a dizer o que dizia e que se acrescente um n.º 3, onde, pura e simplesmente, conste algo como "São leis de valor reforçado aquelas que, segundo a Constituição…", seguindo-se a formulação do PS e do PCP, que, neste aspecto, é comum e é uma formulação que tem o acordo doutrinal e jurisprudencial. Ou melhor, proponho a seguinte redacção para o n.º 3: "São leis de valor reforçado,…", se quiserem manter o equívoco, "… além das leis orgânicas, as que, por força da Constituição, sejam um pressuposto normativo de outras leis ou por outras leis devam ser respeitadas.".
Em suma, a minha proposta concreta é a de separar o n.º 2 do n.º 3, sendo o n.º 2 para a relação de leis e decretos-leis e o n.º 3 para a questão das leis de valor reforçado, e eliminávamos, assim, os equívocos.
Quanto ao outro equívoco das leis orgânicas, não faço muita questão nele, temos vivido com ele nos últimos sete anos e continuaremos a viver. Proporia é que, apesar de tudo, "esticássemos" as leis orgânicas, se quiserem mantê-las, com um inciso formal do tipo: "São leis de valor reforçado, além das leis orgânicas, as que…", para tornar claro que elas não são reforçadas no mesmo plano. Só no sentido translato é que as leis orgânicas são leis de valor reforçado.
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Portanto, consentiria manter esse equívoco desde que se desse algum sinal verbal de que, apesar de tudo, não se trata da mesma relação, já que uma é uma relação material - a relação entre a lei de enquadramento orçamental e a lei do Orçamento é uma relação de dependência material. Isto é, a lei do Orçamento tem de respeitar, na sua formação e no seu conteúdo material, a lei do enquadramento orçamental. A relação das leis orgânicas com as outras leis, na realidade, não é nenhuma. O que a expressão "lei orgânica" quer dizer é que certas matérias têm de revestir certa forma, têm de ser aprovadas de certa maneira, estão sujeitas a certos regimes de aprovação e de fiscalização preventiva, mais nada.
Mas, se não vos convenço neste ponto, proponho que, apesar de tudo, se faça pelo menos uma distinção quanto ao facto de esse carácter reforçado das leis orgânicas não ser da mesma estirpe das leis propriamente reforçadas, como, por exemplo, a relação entre as leis da República e leis regionais.
Em suma, a minha proposta concreta, que fica feita, é no sentido de consideramos três questões diferentes: uma, a proposta do PCP sobre a relação entre leis e decretos-leis (segunda parte do n.º 2 da proposta do PCP); outra, a separação normativa entre as duas relações que enunciei; e, por último, a definição de leis de valor reforçado.
Se estiverem de acordo com esta arrumação da matéria e tomada de posição, passaríamos à discussão de cada uma delas, começando pela proposta do PCP para a preclusão do poder legislativo do Governo face à existência de leis da Assembleia da República. Na verdade, o que o PCP propõe é que, sempre que haja lei da Assembleia da República, fica precludido o poder concorrencial do Governo, o qual, a partir dessa altura, só pode revogar leis da Assembleia, mesmo fora da competência reservada, se autorizado pela Assembleia. Este é o conteúdo da proposta do PCP.
Srs. Deputados, convido-os a tomarem posição sobre esta matéria, apesar de ela já ter sido mais ou menos explicitada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o argumento do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, segundo o qual a tradicional separação de poderes foi substituída por uma nova separação de poderes entre o Governo e a oposição, que é, de resto, uma posição que já tive oportunidade de publicamente perfilhar - como é sabido, a doutrina italiana (De Vergottini e outros) tem exactamente essa opinião -, só levaria a valorizar a proposta do PCP, porque, na prática, com muita frequência, designadamente em situações de maioria absoluta parlamentar, o líder do Governo é o líder efectivo da maioria parlamentar. Sabemos que, em geral, a prática é mais ou menos esta, dependendo, naturalmente, dos sistemas políticos.
Contudo, este facto não retira importância, pelo contrário, à actividade parlamentar, porque é no seio do próprio Parlamento que se pode operar, em grande medida, a separação de poderes entre Governo e oposição. Se um Governo serve para diminuir a actividade parlamentar, então, haverá mais diplomas legais aprovados no seio do conselho de ministros sem o princípio do contraditório entre Governo e oposição e sem o papel da oposição.
Logo, o argumento do Sr. Deputado Cláudio Monteiro só levaria a reforçar a importância da proposta do PCP, designadamente como instrumento de valorização da separação de poderes entre o Governo e a oposição, na medida exacta em que daria maior importância ao papel da oposição no seio do próprio Parlamento, como deve ter fora do Parlamento.
Portanto, eu diria que o argumento aumenta a relevância da nossa proposta em vez de a diminuir.
Quanto ao instituto da ratificação, tenho alguma dificuldade em compreender que, em relação a decretos-leis alterados pela Assembleia da República, o Governo possa, no dia seguinte, fazer um decreto-lei repondo aquilo que a Assembleia da República alterou. É um exemplo que levaria exactamente ao contrário daquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes quis referir.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se a Assembleia pode fazê-lo, por que é que o Governo não faz?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exactamente porque partimos do princípio de que deve ser afirmada a supremacia legislativa da Assembleia da República. E, como é sabido, o Governo não pode ratificar leis da Assembleia da República, é a Assembleia da República que pode ratificar decretos-leis do Governo. E isto tem de ter um sentido e um efeito prático, e o efeito prático só se pode justificar nesse plano com a supremacia legislativa parlamentar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, então, isso só seria aceitável se fosse criada constitucionalmente uma esfera significativa de reserva de competência do Governo, o que não acontece.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, como é sabido, a nossa posição, nessa matéria, caracteriza-se, até para efeitos pragmáticos, por bastante prudência. O Sr. Deputado não nos tem visto apresentar projectos de lei sobre tudo, correspondendo à ideia de que o País deve ser governado a partir do Parlamento, o que não significa, de forma alguma, que possamos contemporizar com uma prática de subalternização do Parlamento ou com a criação de uma reserva de administração perfeitamente desmedida, como eventualmente haveria tentações num outro plano. Se, no fim de contas, o Sr. Deputado tanto quer, como moeda de troca para aceitar a supremacia parlamentar, a criação de uma desmedida reserva de administração, não apenas de regulamentos independentes, que aqui estão, mas igualmente de toda uma série de outras medidas, então, diremos que lamentamos muito mas teremos, com certeza, grandes dificuldades em conceber essa matéria.
Agora, o que nos parece, insisto, é que é um bom princípio do Estado democrático e da valorização do papel da oposição, do contraditório Governo/oposição e, em geral, do acompanhamento da actividade legislativa por parte da opinião
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pública a valorização do próprio Parlamento. É uma valorização do sistema político, da sua democraticidade…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O nosso sistema não é parlamentar!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, o nosso sistema não é parlamentar, mas isso não significa que não possa ser um sistema de ablação dos poderes parlamentares. Como é natural, não estamos de acordo com isso. E eu já disse que o documento do Deputado Cláudio Monteiro conduz ao contrário do que eu disse.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não façamos argumentações reiterativas.
A proposta não se mostra viável, tem a oposição do PSD e, pelo menos, o não acolhimento do PS.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Embora o PS esteja ausente!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aguardo tomadas de posição quanto à questão de separar a relação entre as leis e os decretos-leis da relação entre leis de valor reforçado e outras.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do Orador) o comentário do PS foi de tal modo que… designadamente naquela perspectiva de que possa haver uma formulação alternativa da redacção, como a que tinha sido sugerida pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Que, aliás, já fiz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Partido Social Democrata também manifesta abertura, embora, depois, queiramos equacionar a formulação, porque, nomeadamente a proposta que há pouco foi avançada, mas não discutida, de acolhermos uma redacção próxima das propostas apresentadas para o n.º 3, pelo PCP e pelo PS, oferece-nos algumas dúvidas, como depois, na altura, expressarei.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode avançá-la já, talvez esta seja a ocasião para isso, a não ser que queira reservar a posição…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para já, eu dava abertura à posição de autonomizar…
O Sr. Presidente: - Muito bem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Já tínhamos manifestado toda a abertura quanto a esta matéria, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sendo assim, temos: abertura à separação das duas questões, passando a constar do n.º 2 a redacção originária, tal como, aliás, o Professor Jorge Miranda propõe, ou seja "As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvem as bases gerais dos regimes jurídicos.", e acrescentando-se um n.º 3, com a redacção "Têm valor reforçado (além das leis orgânicas) as leis que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou por outras leis devam ser respeitadas.". Esta seria a forma tabeliónica da doutrina e da jurisprudência que, quanto a este aspecto, não criaria grandes problemas, a meu ver.
Passamos agora ao n.º 3 do artigo 115.º, que ficará de remisso, pois é, como sabemos, uma questão relativa ao poder legislativo regional, bem como o n.º 4 do mesmo artigo, por tratar de leis gerais da República e que têm a ver com o mesmo assunto.
Assim, passamos ao n.º 5 do artigo 115.º, para o qual há uma proposta do PSD com a seguinte redacção: "Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de natureza regulamentar o poder de, com eficácia externa, interpretar, modificar, suspender ou revogar quaisquer dos seus preceitos.".
O PSD propõe substituir a expressão "actos de outra natureza" por "actos de natureza regulamentar", restringindo assim.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD também tem uma proposta para o n.º 3.
O Sr. Presidente: - Exactamente, mas essa foi passada, ficou de remissa para a altura própria.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Aliás, não é só o PSD que apresenta uma proposta para o n.º 3, o mesmo acontece com o Deputado Pedro Passos Coelho, o Deputado Guilherme Silva, pelo menos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto ao n.º 5…
O Sr. Presidente: - Que na proposta do PSD é o n.º 4.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
Sinteticamente, a proposta do PSD, cinge o contexto a "actos de natureza regulamentar", em vez de, genericamente, "actos de outra natureza", como consta do actual texto, e retira a integração do elenco dos objectivos possíveis de alterar as leis - interpretação, integração, modificação e suspensão -, porque lhe parece que esta descrição está demasiado longa e que todas as realidades possíveis já ficam satisfeitas pela expressão "interpretar, modificar, suspender ou revogar".
Preferimos "actos de natureza regulamentar", porque, a nosso ver, há que especificar o que está em causa, e não nos parece que "actos de outra natureza" especifique exactamente
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o tipo de actos que podem estar aqui em causa, quando o objectivo desta norma é claramente o de remissa para regulamentação, em actos regulamentares.
É isto que aqui está em causa, e, portanto, o objectivo do PSD é tão-só não o de alterar o conteúdo substantivo mas o de o clarificar apenas, sem lhe alterar a substância em termos práticos.
O Sr. Presidente: - Suponho que há um "não dito" pelo PSD que talvez deva ser dito, é que isto tem a ver com o legitimar dos assentos das instâncias superiores.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não.
O Sr. Presidente: - Então, o que é que há-de ser, Sr. Deputado? De outro modo não entendo a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, é claro que o texto, tal como está, tem uma incongruência manifesta. Se o texto diz que não é permitido a actos de natureza não legislativa interpretar, integrar, com eficácia externa, preceitos da lei, é claro que isto inviabiliza a sentença. Uma sentença, uma decisão qualquer, que é um "acto de outra natureza" e não um acto legislativo, interpreta, e interpreta com força de caso julgado, as normas que aplica.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas é a Constituição que as cria e não a lei, Sr Deputado.
O Sr. Presidente: - Estão previstas na Constituição.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Esta norma é dirigida à Administração Pública, claramente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas não há dúvida alguma que esta fórmula está errada.
O Sr. Presidente: - Isso quer dizer "com eficácia de norma", sempre foi entendido nesses termos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Portanto, a norma o que é senão um regulamento?!
O Sr. Presidente: - Não. Os assentos são normas, como se sabe, e há outras normas além dos regulamentos e dos assentos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ora bem, mas não são só os assentos, e eventualmente os assentos, se a lei o disser, claro está.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Presidente conhece alguma lei que remeta para o assento?
O Sr. Presidente: - Não.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, pode ser esse o objectivo…
O Sr. Presidente: - O Código Civil admite que os assentos interpretem e integrem as leis. Portanto, é óbvio que essa lei, numa leitura estrita da Constituição… Como sabe, o Tribunal Constitucional fez uma interpretação, assaz restritiva, desta norma, mas aplicou-a. Entende que não há liberdade e que a lei, tal como está, na medida em que admite os assentos sem mais, é inconstitucional.
Portanto, esta norma, alterada como o PSD propõe, repunha a perfeita constitucionalidade dos assentos, tal como estão originariamente previstos no Código Civil e nos restantes códigos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E se calhar era um ganho!
O Sr. Presidente: - Bom, essa é a questão, e, por isso, a levantei.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas não é só essa. Aliás, lembro-me da história deste preceito e o porquê de isto se ter incluído aqui; foi em razão daquela prática, longa, de que as dúvidas suscitadas na interpretação…
O Sr. Presidente: - …se resolvessem por despacho conjunto do ministro tal e tal.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E isto ficou aqui assim.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Passava a ser legítimo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, não!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Desde que o despacho não fosse um regulamento.
O Sr. Presidente: - Não, o despacho genérico é um regulamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o risco é precisamente esse, sobretudo quando a alteração da expressão "actos de outra natureza" para "actos de natureza regulamentar" é associada à supressão da referência à integração, designadamente à integração de lacunas. No caso concreto, o problema já não se coloca só em relação a actos de natureza regulamentar mas também a actos administrativos, que, no caso concreto, integrem a solução que está omissa na lei e que é remetida, por assim dizer, para a Administração Pública.
É verdade que o problema tem a ver sobretudo com os actos interpretativos, que, em princípio, revestem natureza regulamentar e que, portanto, continuariam abrangidos por este preceito, mas penso que este preceito proíbe o fenómeno da deslegalização em sentido amplo e não apenas em sentido restrito a este aspecto particular dos despachos interpretativos, porque, em algumas circunstâncias, a própria técnica remissiva, que, ainda hoje, continua a ser frequente na lei, pode ser questionada. Mas ela é, em qualquer caso - e julgo que o texto tem essa virtude porque não resolve o problema aqui -, questionada, sobretudo
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naquilo que diz respeito ao problema de saber onde acaba a reserva de lei e onde começa a sua regulamentação e a sua complementação por actos de natureza regulamentar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por isso é fundamental tirar daqui o "integrar".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, porque a execução e a complementação não se traduzem em integração nesse sentido, porque a integração é uma actividade criativa, isto é, só se integra uma lacuna quando a lei é omissa em determinada matéria. E, portanto, julgo que aí o risco de se eliminar a expressão "integrar" é o risco de se permitir que, por outra via, algo que, se calhar, não é querido pela própria proposta do PSD.
No fundo, tanto quanto percebo, o que o PSD quer é evitar algumas discussões que têm surgido a propósito não dos despachos interpretativos mas da técnica remissiva de regulamentação para decretos regulamentares ou para portarias ou para outros actos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há teses que defendam a constitucionalidade nos apoios. Pode referir-se que para o PCP as leis da comunicação social são claramente inconstitucionais. Se estivéssemos na Legislatura anterior, o Presidente da República não deixava passar.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas a questão fundamental, apesar de tudo, ainda é…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, o decreto-lei diz só que os apoios são feitos por portaria. Aquilo é claramente inconstitucional, do meu ponto de vista.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, Sr. Deputado, no sentido em que coloca a questão, julgo que o problema existe no actual texto constitucional. Porque, nesse sentido, a questão continua a ser resolvida no plano material, isto é, saber onde acaba a reserva de lei e onde começa a execução e a complementação da lei. Ou seja, a remissão é sempre lícita e não ofende a proibição de deslegalização sempre que a remissão se circunscreva à matéria regulamentar; ela só deixa de ser lícita, só passa a constituir deslegalização, quando inclui matéria que tem dignidade legislativa e que é reservada à lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quando é integradora do regime. O regime não está definido na lei e passa a ser feito por portaria, que é o caso do diploma…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas eu aí penso que é um equívoco da interpretação da expressão "integração".
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que não…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, tirando a questão sobre a qual o Sr. Deputado Barbosa de Melo já aqui teceu considerações, a dos "actos de outras natureza", para a qual o PSD apresentou uma proposta de alteração, apenas quero dizer que, quanto à questão da integração, embora se possa chegar à conclusão que tecnicamente a via adequada não é a que propomos, o objectivo do PSD é obter esse resultado, porque, e digo-o com toda a abertura, o PSD teve, durante as duas legislaturas anteriores, a experiência de, sistematicamente, esbarrar com a interpretação que era feita, e, do nosso ponto vista, com legitimidade, por parte da Presidência da República, do artigo 115.º. Havia sistematicamente, por força do artigo 115.º, como que uma barreira à capacidade de remissão de actos legislativos (decretos-leis) para actos regulamentares (portarias ou decretos regulamentares) de uma série de matérias, da qual dei o exemplo da de ontem.
Devo dizer, com toda a abertura, que o PSD entende que o diploma, como o de ontem, é aceitável do ponto de vista do nosso sistema, mas - e posso afirmá-lo com toda a clareza, sem medo de qualquer tipo de desmentido -, na altura em que o PSD estava no governo, ele nunca passaria, não tinha qualquer hipótese de passar no Presidente da República. E como o PSD entende que deveria passar, que deve passar e que as coisas se devem poder fazer assim, quer dar um contributo nesse sentido para o artigo 115.º.
Contudo, se, tecnicamente, o Sr. Presidente e os Srs. Deputados entenderem que esta não é a fórmula mais adequada, quero que fique claro que o objectivo do PSD é este e que estamos totalmente abertos para se encontrar uma fórmula que o permita, porque nos parece ser aberrante aquilo que se passa. Actualmente, segundo me parece, este Presidente da República também pensou diferente, apesar de eu achar que o anterior Presidente da República tinha toda a razão, porque, de facto, tal como o actual artigo 115.º está redigido, não é possível a remissão, e deveria ser.
O Sr. Presidente: - Não é esse o meu entendimento, e, para mim, não é o Presidente da República quem interpreta a Constituição, quanto muito o Tribunal Constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, se o objectivo desta norma, que, segundo parece, não é, fosse o de constitucionalizar os assentos, teríamos muito dificuldade em dar o nosso acordo.
Creio que é dominante na doutrina o entendimento de que os assentos traduzem uma actividade normativa do poder judicial e que já foi objecto de tratamento jurisprudencial, e, como o Sr. Presidente referiu, não vemos vantagem em alterar a situação. Assim, como também não vemos vantagem em suprimir a expressão "integrar", tão-pouco na alteração proposta pelo PSD.
Esta norma tem um conjunto de objectivos que resultaram, aliás, de práticas perversas, conhecidas ao longo do tempo, e que foram, e muito bem, vedadas, e tem também um outro objectivo, não menos importante, que é o de tratar, por via regulamentar, matéria que deve ser legislativa, diminuindo todas as garantias inerentes a esse conteúdo legislativo.
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A alteração proposta pelo PSD, independentemente das intenções, poderia efectivamente abrir caminho para o regresso a práticas perversas ou para um alastramento da actividade regulamentar em prejuízo da actividade legislativa, com as correspondentes consequências ao nível de um crescimento da actividade administrativa e uma diminuição da actividade política, em sentido restrito, o que, como referi, só empobreceria os direitos e garantias dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, apesar de ter caído aqui de pára-quedas, o PS deve ser chamado a tomar posição sobre a proposta do PSD para o n.º 5, que é o n.º 4 da proposta do PSD.
Relembro que o actual n.º 5 diz: "Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza…", aqui, o PSD propõe a sua substituição por "actos de natureza regulamentar", "… o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar,…", aqui, o PSD propõe a eliminação da palavra "integrar", "… modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos".
Manifestaram-se contra esta alteração o PCP, o Deputado Cláudio Monteiro e eu mesmo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Confirmo a opinião do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, aliás, representa o PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, antes de formalizar a conclusão definitiva.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço ao Partido Socialista que pondere seriamente esta segunda parte da proposta do PSD, que é claramente a mais relevante; quanto à primeira parte, como já foi dito por mim e pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, não foi minimamente a matéria dos assentos que foi ponderada por parte do Partido Social Democrata para esta alteração mas, sim, uma clarificação da norma. E, enfim, se pode haver esse tipo de leitura, não foi claramente essa a nossa intenção.
Mas, a segunda parte da norma, essa sim, parece-nos uma questão essencial, é uma proposta que o PSD faz com a total transparência, tanto mais que, em 1989, como é sabido, porque não houve abertura da parte do Partido Socialista, não conseguimos alterar o artigo 115.º. Nessa altura, o PS, que era oposição, o PSD era governo, entendia que todas as peias e obstáculos eram bons para a fiscalização da actividade governamental. Mas, agora, o PSD, que está na oposição, é o primeiro a dizer, com toda a abertura, que isto está mal, que isto, como está, não faz sentido e que daqui resulta situações profundamente caricatas, como aquela a que ontem assistimos aqui, na Assembleia da República, de um diploma de dois artigos, sobre apoios do Estado à comunicação social, que se limita a dizer "O Secretário de Estado aprovará por portaria os regulamentos…". Não diz rigorosamente nada! Não define o regime!
No fundo, se não é chamar a isto, às portarias que vão ser feitas, a verdadeira integração do regime, então, não sei o que é.
Agora, se não for, pelo menos encontremos uma solução para obviar à situação, que, do meu ponto de vista, decorre do actual artigo 115.º, da impossibilidade prática de haver em diplomas legais… Ou seja, o único entendimento que, a meu ver, resulta do artigo 115.º, para além dos regulamentos independentes, que nada têm a ver com isto, em matérias que têm de ser objecto de diplomas legais, nomeadamente a criação de subsídios, porque obedece ao princípio da legalidade das despesas, é o de que tem de ser o decreto-lei a definir todo o regime e apenas podem ser deixadas normas de execução para portarias e decretos regulamentares.
É isto que decorre actualmente do artigo 115.º.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que conteste inteiramente esta posição. Este número não diz nada disso, e, se quiser, a fundamentação desta posição está na Constituição anotada e na experiência do Tribunal Constitucional.
Esse entendimento nunca foi feito! E, portanto, se foi o entendimento da Presidência da República no passado - não sei se foi ou não -, foi uma interpretação errada.
Interpreto as normas independentemente de quem está no Governo. A Constituição anotada, pelo menos aquela que tenho, sobre esta norma diz claramente que isto não impede a remissão para acto regulamentar do desenvolvimento legislativo do que quer que seja, desde que não haja reserva de lei.
O caso concreto que citou da comunicação social, de duas uma: ou a matéria dos apoios à imprensa é matéria de reserva de lei, e não é por aqui mas por efeito do artigo 18.º e do artigo concreto da Constituição sobre "Liberdade de expressão e informação", ou não é.
Se é matéria de reserva de lei, então é inconstitucional o regulamento, porque versa sobre reserva de lei. Não tem nada a ver com isto. Agora, se não é matéria de reserva de lei, toda a lei pode fazer o que essa lei fez, ou seja remeter para portaria uma parte da regulamentação. Isto é incontestável! Sobre isto não há dúvidas e, a meu ver, não é posto em causa por ninguém com autoridade, pelos constitucionalistas, pela doutrina que conheço e pelo Tribunal Constitucional.
Portanto, esse perigo não existe, sinceramente lho digo. Não levante fantasmas onde eles não existem!
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, julgo que o equívoco aqui é o de interpretar essa remissão como querendo dar ao regulamento alguma competência que ele não tem. Isto porque essa remissão só tem duas funções úteis: primeiro, definir a forma e competência do órgão que há-de exercer o poder de regulamentação e, segundo, diferir, quanto muito, a entrada em vigor do próprio preceito, tornando-o inexequível até ao momento em que essa regulamentação for adoptada. Isto porque, quanto ao mais, o que vigora é esse princípio, não é daqui que resulta qualquer proibição, porque a matéria ou é de execução e de complementação… E mesmo que não haja qualquer remissão sempre poderia o Governo regulamentar - e a única coisa que não estaria definida era a forma e a competência -, e, neste caso, provavelmente, a exequibilidade
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da norma não poderia ser questionada, excepto se os seus termos assim o justificassem, pela falta de regulamento.
Quando existe uma remissão, a meu ver, a única coisa útil que se acrescenta é a forma e a competência do acto regulamentar e é, quanto muito, a eficácia da própria norma quando ela está carecida de regulamentação.
Agora, quanto ao mais, é um problema de reserva de lei ou de reserva de regulamento, e penso que não há qualquer impedimento pela circunstância de constar no artigo esta expressão, porque, a não se interpretar assim, então, o que se pretende é caucionar a técnica da deslegalização, é efectivamente permitir que a lei se demita de regulamentar a matéria e remeta a regulamentação para um regulamento, que, nessa altura, já não o é materialmente mas, sim, um acto legislativo.
A meu ver, é só esta a questão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com estas diferenças de interpretação do n.º 5 do artigo 115.º - a minha é bastante menos insidiosa do que a que foi imputada por outros membros da Comissão -, regista-se, no entanto, o não acolhimento por parte do PCP, do PS e do Deputado Cláudio Monteiro a esta proposta de alteração apresentada pelo PSD.
Srs. Deputados, vamos passar aos n.os 6 e 7 do artigo 115.º, para os quais, mais uma vez, existe apenas uma proposta do PSD, que funde estes números num único número.
Actualmente, o n.º 6 diz que "Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes." e o n.º 7 diz que "Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.".
O PSD propõe a fusão deste dois números num único, com a seguinte redacção: "Os regulamentos independentes revestem a forma de decreto regulamentar, devendo todos os demais indicar expressamente as leis que definem a competência para a sua emissão.".
Tem a palavra o Sr Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em minha opinião, a explicação que acaba de dar diz praticamente tudo. De facto, não há qualquer alteração de conteúdo ao actual texto na proposta do PSD mas, sim, apenas uma clarificação e uma simplificação daquilo que actualmente é dito nos n.os 6 e 7 do artigo 115.º nesta matéria.
Desde logo, o actual n.º 6, relativamente aos regulamentos independentes, o seu único conteúdo normativo, deixa claro que os regulamentos independentes devem revestir a forma de decreto regulamentar. E isto o PSD passa a dizê-lo de uma forma clara com a expressão "Os regulamentos independentes revestem a forma de decreto regulamentar", sendo o resto aquilo que sobra do conteúdo normativo dos actuais n.os 6 e 7 em termos substantivos, dizendo-se que também os outros tipos de decretos regulamentares - existem e podem sempre existir, porque é um dos tipos de actos normativos claramente existente - devem indicar, que é, aliás, aquilo que já acontece, expressamente as leis habilitantes.
É apenas isto que, simplificando os actuais n.os 6 e 7 do artigo 115.º, a Constituição deve dizer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se fosse só isso, eu diria, então, para trocar os números; não sendo só isso, devo dizer "nunca".
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, vou manifestar a mesma perplexidade só por uma razão: é que daqui resulta a inconstitucionalização do regulamento independente de outros órgãos que não seja o Governo, designadamente os regulamentos independentes das autarquias locais e das regiões autónomas, porque todos têm de revestir a forma de decreto regulamentar e só o Governo é que emite decretos regulamentares. Isto é, percebo a preocupação em eliminar o supérfluo da norma; e o supérfluo da norma reside em dizer-se que "revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado", ou seja, quando a lei assim o determine. Isto é óbvio, quando a lei determina reveste a forma de decreto regulamentar!
Portanto, o que o n.º 6, deveria dizer, pura e simplesmente, era "Os regulamentos independentes do Governo revestem a forma de decreto regulamentar".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, isso é tudo muito bonito, mas o n.º 6 diz rigorosamente que os regulamentos independentes revestem a forma de decreto regulamentar.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Diz que os do Governo revestem, não diz "os regulamentos independentes", e há outros regulamentos independentes que não são do Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, eu mantenho, porque o actual n.º 6 diz rigorosamente a mesma coisa, ou seja, diz que "Os regulamentos independentes", não diz "os do Governo"…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Diz…
O Sr. Presidente: - Não, diz "Os regulamentos do Governo (…)".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mas consta: "(…) bem como no caso de regulamentos independentes.".
Portanto, não diz "os regulamentos independentes do Governo", diz "os regulamentos independentes".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas quem leia aqui outra coisa que não seja "bem como no caso dos regulamentos independentes do Governo", a meu ver, lê de mais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, então, não impute à proposta do PSD uma coisa que não tem, porque o PSD limita-se a repetir aquilo que lá está. O que
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se pode dizer é que o PSD deveria aproveitar para clarificar uma coisa que no actual texto ainda não está clarificada. Isto é outra coisa. Agora, não se impute ao PSD algo que ele não propõe. O PSD não propõe a ablação de nada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não sei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta, além do que foi referido pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem uma outra coisa, procura incutir a ideia de que os regulamentos independentes podem ser totalmente independentes, mesmo sem lei que defina a competência para a sua emissão. E isto é que me parece absolutamente inaceitável.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Aliás, neste sentido há uma alteração com a expressão "devendo os demais indicar expressamente nas leis", quando, actualmente, no texto constitucional, quem tem de indicar as leis são os regulamentos independentes; os demais fazem uma coisa diferente…
O Sr. Presidente: - É essa a alteração radical.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta alteração, para nós, é inaceitável, porque faz tábua rasa do princípio da legalidade em relação aos regulamentos independentes, designadamente ao não incluir - pelo contrário, inculca que deixa de ser necessário - a indicação do fundamento legal dos regulamentos independentes. E, nesta matéria, naturalmente não podemos acompanhar a proposta.
Também parece evidente que a doutrina aponta, com muita clareza, para não se dar abertura aos regulamentos autónomos, àqueles que derivariam de um poder regulamentar genérico de autoridades administrativas. Ora, a redacção proposta pelo PSD apontaria, também aí, no sentido contrário.
Tratar-se-ia, no fim de contas, de um grande alastramento do poder regulamentar sem as devidas cautelas, designadamente a preservação do princípio da legalidade e até informação do cidadão acerca do fundamento desse poder regulamentar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, o PS, como agora é Governo, deveria apropriar-se imediatamente desta proposta. Evitava ter de recorrer a decreto-lei, fazia regulamentos independentes, com o que, além do mais, se furtava ao poder de não ratificação da Assembleia. Assim, tinha resolvido o problema dos governos minoritários.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas não, Sr. Presidente. Estamos em sede de revisão constitucional, não estamos em sede de conjuntura política. Não vamos por aí.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ó Sr. Presidente, se me permite, gostava de chamar a atenção para esta ideia elementar: os regulamentos independentes são fundados sempre na Constituição e só na Constituição. Os regulamentos fundados na lei nunca são independentes, não têm um poder autónomo, próprio do órgão, um poder derivado da lei. Se são independentes é porque são fundados directamente na Constituição. É o caso do artigo 242.º.
O Sr. Presidente: - O que a Constituição diz é que não há esses regulamentos independentes.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não há?! Então, faça favor de ler esse artigo, que diz "As autarquias locais…"…
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, está tudo discutido.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não está discutido! Há uma discussão, mas há n discussões possíveis, não nos fechemos às discussões que estão feitas.
O Sr. Presidente: - Se isso fosse assim, o PSD não precisava de alterar a norma.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não altera! Deixa claro que "As autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior (…)". Há aqui visivelmente um poder regulamentar autónomo que deriva da Constituição. O poder legislativo não fecha toda a dinamização da ordem jurídica!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, o que está na vossa proposta é que o Governo passava a ter poder regulamentar…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Onde a lei lhe der poder regulamentar.
O Sr. Presidente: - Mas eu, o PS e o PCP opomo-nos a que o Governo tenha poder regulamentar independente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mesmo nos sítios onde a Constituição lhe dá esse poder, na vossa opinião não o tem?!
O Sr. Presidente: - Não, porque em nenhum lado lho dá.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sendo assim, não precisa… Então, não se preocupe, deixe estar só aquele onde ela dá, que é o que…
O Sr. Presidente: - Então, deixe ficar a norma tal como está. Não se preocupe.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Ó Sr. Deputado, o autónomo ou o independente aqui significa apenas que não é feito em execução de uma lei em especial.
O Sr. Presidente: - Ou sem uma lei que atribua competência para o efeito.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só significa isto.
O Sr. Presidente: - Mais nada.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não significa que, designadamente por via do regulamento, se possa invadir a reserva de lei!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Nos limites. Está nos limites. Agora, a competência que fundamenta tem de ser na lei?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É a competência subjectiva e objectiva. É dizer qual é o órgão e qual é a matéria.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E tem de ser a lei a dar, não pode ser a Constituição?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas não é dizer o conteúdo! É que os limites não são os que resultam da definição da competência subjectiva e objectiva, porque essa resulta, apenas, da definição legal do órgão competente e da matéria sobre que versa o regulamento. Quanto ao conteúdo, é que ele é independente no sentido em que não regulamenta nenhuma lei em especial.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é uma questão de desconfiança! A questão é que a redacção actual já salvaguarda isso, e, como não se quer mais, a alteração que se propõe, em última análise, permite a interpretação de que se está a dar mais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a tal desconfiança, de facto!
O Sr. Presidente: - Não há desconfiança alguma, Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Por favor…! Enfim, as coisas são claras. O que a proposta do PSD propõe é que o Governo possa recorrer, em vez de decreto-lei, a regulamento. É óbvio!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por favor, não conteste aquilo que é óbvio!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não é verdade!
O Sr. Presidente: - Então, se não é verdade, retire a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ó Sr. Presidente, por amor de Deus, isso nem sequer é forma de conduzir os trabalhos.
É evidente que não é verdade, e eu tenho toda a legitimidade para interpretar e explicitar a proposta, como todos os outros Deputados, na motivação real que…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, então diga-me como é que lê o n.º 5.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ó Sr. Presidente,…
O Sr. Presidente: - "Os regulamentos independentes revestem a forma de decreto regulamentar, devendo (…) os demais indicar expressamente as leis que definem a competência para a sua emissão.".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza.
O Sr. Presidente: - Portanto, os regulamentos independentes do Governo não têm de indicar lei alguma, logo não têm…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Porque há decretos regulamentares que decorrem do exercício do poder autónomo de regulamentação, e o Governo pode fazê-lo…
O Sr. Presidente: - Não pode. Hoje não pode. Vocês propõe que possa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode, sim, senhor.
O Sr. Presidente: - Não pode, não senhor!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só não pode nas matérias que estão reservadas à lei.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é verdade! Não é verdade! Vocês tentaram isso e sempre foi "chumbado" pelo Tribunal Constitucional, e bem! De facto, hoje, não pode!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há dezenas de decretos regulamentares em vigor que não têm normalmente…
O Sr. Presidente: - São inconstitucionais. É óbvio! Como há outras leis inconstitucionais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se são constitucionais, foram promulgados pelo Sr. Presidente da República, que era muito cioso na verificação da constitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há leis promulgadas pelo Presidente da República que são inconstitucionais.
Todos os decretos-leis sem a precedência legal são inconstitucionais. Isto é unânime. E por isso é que vocês se propuseram alterar. De outro modo, aliás, não se compreenderia que não se propusessem alterar.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é preciso não esquecer uma coisa: na
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nossa cultura jurídica, o que valoriza é o elemento de interpretação objectiva e não o elemento de interpretação subjectiva. Só os investigadores é que lêem as actas da revisão constitucional. E, portanto, ninguém discute a motivação do PSD - aliás, neste caso, até se pode discutir de facto, tendo em conta a experiência passada e alguns exemplos do passado.
Mas, em última análise, o que interessa saber é se, objectivamente, da alteração que se propõe, resulta ou não mais do que aquilo que o texto constitucional diz hoje. E eu julgo que resulta mais do que aquilo que o texto constitucional diz hoje.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a tal desconfiança!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta para alterar os n.os 6 e 7 não se mostra viável, pois têm a oposição do PS, do PCP e do Deputado Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, vamos passar às propostas de aditamento ao artigo 115.º.
Temos uma proposta de um novo n.º 7, apresentada pelo PS, que é do seguinte teor: "A regulamentação das leis aprovadas pela Assembleia da República sobre matérias da sua competência absoluta é feita por decreto-lei.".
Sr. Deputado Osvaldo Castro, isto não é excessivo?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Só agora li a norma, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Eu oponho-me.
Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a ideia é apenas de um desenvolvimento, tal qual se faz no actual n.º 6 em relação à regulamentação do Governo, e visa-se, de algum modo, deixar clarificado que as leis da Assembleia da República, nas matérias rigorosamente da sua competência absoluta, sejam regulamentadas apenas por decreto-lei. É óbvio que isto pode já decorrer da Constituição e de outros preceitos.
Vamos ver o que é que o PSD e os outros partidos pensam.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, parece evidente que não decorre de outros preceitos da Constituição, em primeiro lugar.
Em segundo lugar, já há bocado apresentámos propostas que correspondem à ideia ou à preocupação de valorização da actividade parlamentar.
Olhando, entretanto, para o elenco de matérias de reserva absoluta de competência, creio que é de ponderar se esta exigência não é excessiva em relação a algumas questões. Mas é uma questão sobre a qual, com toda a abertura, iremos meditar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Há pouco, não tomei a palavra para fazer a defesa da proposta, porque não a assumo como minha.
O Sr. Presidente: - Eu também não!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De facto, a meu ver, ela pode ser excessiva, porque só teria algum efeito útil - mas, se calhar, também aí perderia automaticamente a sua utilidade por ser redundante em relação ao que actualmente se diz no n.º 2 do artigo 115.º - se se entendesse por "regulamentação" "desenvolvimento" na parte em que o artigo 168.º, frequentemente, a reserva absoluta restringe-se às bases gerais, que carecem não de regulamentação mas de desenvolvimento.
Agora, só julgo que é excessiva porque é, mais uma vez, introduzir uma restrição formal onde a delimitação é essencialmente material. Isto é, o problema é saber onde acaba a reserva de lei e onde começa o desenvolvimento e a complementação das leis por regulamento e não tanto saber se a forma deve ser a A, B ou C, sobretudo porque, tratando-se de regulamentação do Governo, a especialidade da fórmula não traz necessariamente nada de novo, a não ser, porventura, na parte em que permite que a Assembleia sujeite a um processo de recusa de ratificação.
Mas se a regulamentação fosse feita, por exemplo, por decreto regulamentar nada traria de novo no que diz respeito à possibilidade da sua fiscalização preventiva, e, portanto, julgo que é demasiado restritiva e pouco flexível a norma, não havendo nela grande utilidade, embora se reconheça que, na parte em que o artigo 167.º traduz apenas a ideia da definição, pela Assembleia, das bases ou princípios gerais do regime jurídico, não a regulamentação mas o seu desenvolvimento, têm de ser necessariamente feitos por decreto-lei, e, neste sentido, teria a minha concordância. Porém, julgo que é mais do que isto o que se pretende aqui dizer.
O Sr. Presidente: - Claramente que é.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta.
Isto significa ou quer significar que toda a matéria por natureza regulamentar passa a ser sujeita aos poderes de ratificação da Assembleia?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É isso.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É mau.
O Sr. Presidente: - Também me parece.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para além do que já foi referido, olhando para o elenco de matérias de reserva absoluta de competência da Assembleia, inclusive para algumas propostas, que eventualmente terão aceitação, de alargamento dessas matérias, creio que esta norma parece efectivamente excessiva.
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Por exemplo, em relação às bases do sistema de ensino, que é uma das matérias de reserva absoluta de competência, pergunto: até onde iríamos se tudo o que decorre daqui fosse estritamente matéria de decreto-lei? Creio que há aqui consequências que, eventualmente, não foram todas medidas e até, se calhar, não são queridas pelos proponentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta do PS tem, além do mais, a meu ver, outra contra-indicação.
Hoje, é opinião comum, e está reiteradamente afirmada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, em matéria de competência reservada à Assembleia, o poder regulamentar é puramente executivo, isto é, limita-se aos pormenores da execução.
Portanto, não há poder regulamentar em matéria de reserva de competência que não seja estritamente executivo. Logo, esta norma daria abertura para um entendimento mais ampliativo do poder regulamentar em matéria de competência absoluta. Isto é, já que é feito por decreto-lei e já que a Assembleia ficaria sempre com o poder de ratificar, então, seria admissível, em termos práticos, que a lei, à partida, limitasse a sua reserva de lei e deixasse para o Governo a regulamentação, a que estaria obrigado, em decreto-lei.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Se desenvolver isso assim, ainda acolhe o voto favorável do PSD!
O Sr. Presidente: - De maneira que acabaria por ser uma autorização apócrifa, como muito bem disse em off record o Sr. Deputado Barbosa de Melo - e parece-me que a expressão é feliz -, e, a meu ver, teria uma consequência perversa, não desejada claramente pelos proponentes, porque aquilo que, aparentemente, quereriam era diminuir a esfera de normação governamental, pois acabaria num certo reforço do poder normativo do Governo em matéria de reserva absoluta de competência.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, compreendemos isso e os argumentos aduzidos e, nessa circunstância, propomos que se passe adiante.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, a proposta de aditamento do PSD deixa de estar em discussão.
Ainda em relação ao artigo 115.º, o PCP apresenta duas propostas de aditamento, um novo n.º 4, que, por uma questão regional, fica de remissa, e um novo n.º 5, que é do seguinte teor: "Os diplomas de desenvolvimento, bem como os regulamentos que forem necessários para a execução das leis, serão emitidos no prazo de três meses, salvo se as leis determinarem outro prazo.".
Esta é uma norma que tem precedentes, quanto a regulamentos, na Constituição de 1933 e que tem soluções semelhantes em algumas outras constituições.
Por minha parte entendo, desde já, subscrever esta proposta, embora não saiba se três meses em alguns casos… Bom, a lei pode sempre estabelecer outro prazo. Portanto, como prazo subsidiário, talvez não seja…
Está em discussão a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estaremos naturalmente abertos, se esta for a condição para ser aceite, à ponderação o prazo. De qualquer modo, estaríamos abertos a todos os argumentos nesta matéria.
Creio que esta proposta se explica por si própria, que tem virtudes, sendo uma delas a de evitar, agora no plano normativo, aquilo que, por exemplo, no plano do procedimento administrativo a figura do acto tácito procura evitar. Isto é, procura evitar que, por via de uma omissão ou do desleixo, se acabe por esvaziar, na prática, a actividade normativa de outros órgãos.
Por outro lado, há aqui um princípio geral de imposição de diligência na actividade normativa que nos parece igualmente vantajoso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Sá.
É claro que compreendo perfeitamente a preocupação que está por detrás desta proposta. Saber se deve ser três meses, seis meses… Na Constituição de 1933, suponho, era seis meses.
Sr. Deputado, sabemos que domina hoje - mal, do meu ponto de vista, mas, enfim, os tempos mudam e a dinâmica interpretativa e aplicadora da ordem jurídica também -, contrariamente à velha regra de que não há nulidade sem texto (a nulidade, pelo menos, ou qualquer forma de invalidade tem de ter a cominação expressa na lei), a tendência para, muitas vezes, invocar a invalidade de um acto só porque não foi cumprido um seu qualquer pressuposto. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: uma norma destas não terá, neste clima interpretativo, a consequência de invalidar actos que, por exemplo, tenham sido praticados depois desse prazo, depois do tempo? Isto é, a lei está aprovada e o acto a seguir é feito fora do prazo, o que significa que a lei é nula, que caducou. Não tem este risco?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para além de haver paralelos no Direito Constitucional Comparado e até na história constitucional portuguesa, temos um paralelo nesta matéria, que é o prazo conferido aos Estados, por exemplo, para transpor as directivas. E vemos que, por exemplo, em relação a esta questão, a jurisprudência que foi desenvolvida não vai no sentido de considerar nulos os actos se não for cumprido o prazo; pelo contrário, vai no sentido de conferir efeito directo às directivas que não foram transpostas, designadamente quando estão em causa direitos dos cidadãos, etc., determinadas consequências.
É claro que este é um problema que não está aqui imediatamente resolvido, mas creio que todo o sentido da consagração constitucional de uma norma iria, obrigatoriamente, reforçar os direitos dos cidadãos e não propriamente, por exemplo, considerar nulos os actos praticados nas condições que o Sr. Deputado referiu.
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Muito obrigado, pelo esclarecimento, que era importante.
O Sr. Presidente: - O cumprimento em mora é cumprimento. Mas tem paralelo no Direito; não tenho agora bem preciso mas suponho que é a constituição alemã que também contém uma norma de obrigação de regulamentação em tempo determinado. E a interpretação corrente é a de que, obviamente, o cumprimento em mora é cumprimento.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Já o era na Constituição de 1933.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu disse que era uma norma sem excepção. Eu só quis que ficasse aqui dito que era esta a intenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, apesar de tudo, partilho um pouco o receio do Sr. Deputado Barbosa de Melo, não por a nulidade não ter texto, ela teria texto pela simples razão de que desta norma decorria a caducidade do diploma que não é executado e consequentemente a inconstitucionalidade, orgânica, num caso de lei de desenvolvimento, ou de outra natureza, tratando-se de outros actos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente, só não será assim se se entender que é uma norma sem excepção, nesse sentido.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente: - Confesso que nunca vi defender tal ponto de vista em relação a normas constitucionais. O cumprimento em mora é cumprimento. Está em mora, mas a norma continua em vigor.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, mas, hoje, há um problema de competência ratione temporis; esgotou o prazo já não tens competência. Hoje, esse valor nos órgãos públicos tem eficácia no princípio jurídico. Ter competência para fazer uma coisa não é ter competência para a fazer a todo o tempo. Pode haver situações em que haja uma incompetência ratione temporis.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, manifestei essa dúvida tendo até em conta o exemplo que o Sr. Deputado Luís Sá foi buscar ao Direito Administrativo, porque o acto expresso posterior ao acto tácito o que faz é, por um lado, revogar o acto tácito e, por outro, quando é fixado um prazo, como sucede frequentemente hoje a propósito da emissão de pareceres por entidades estranhas ao órgão competente, o que se entende é que a competência esgota-se em razão do tempo, e esse parecer deixa de ter a relevância jurídica que tinha se não for emitido dentro do prazo estabelecido na lei para o efeito. E por essa razão é que tenho, de facto, e apesar de tudo, essa dúvida, embora admita que a interpretação mais bondosa e mais correcta seja, porventura, aquela em que a mora não prejudica o cumprimento.
O Sr. Presidente: - Claro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para além disto, também confesso que tenho alguma dúvida…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Em matéria de acto tácito, a regra, hoje, é a do acto tácito positivo, o que significaria, por exemplo, que, se fosse constitutivo de direitos, não seria revogável.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só é em alguns domínios dados como mais permissivos, e, mesmo assim, em domínios muito restritos, embora naquele exemplo, que é mais frequentemente citado, que é o do direito do urbanismo, essa regra seja de facto a vigente, apesar de, juridicamente, essa situação não ser ainda regra.
Agora, confesso que tenho alguma dúvida quanto à utilidade da fixação de um prazo com a consequente ou a correspondente permissão do seu afastamento. Isto é, a utilidade da fixação de um prazo só resultaria se não fosse possível à lei afastá-lo; sendo possível a lei afastá-lo, esse prazo pode ser sempre posterior. Está bem, funciona como regra supletiva, pode ter essa virtualidade, mas o que é facto é que, tal como está formulado, o preceito garante aquilo que - e, se calhar, é aquilo a que sou mais sensível e que me conferiria algum contributo útil - é a ideia de estabelecer uma obrigação de execução e de desenvolvimento. No fundo, o que resulta daquilo é só isto, porque o prazo, como funciona supletivamente, pode sempre ser afastado…
O Sr. Presidente: - Mas por outro prazo!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exacto.
O Sr. Presidente: - Então, quer dizer que o legislador sempre terá de justificar por que é que estabelece um prazo mais largo. Há dois valores nesta norma.
O Sr. Luís Sá (PCP): - O dever de celeridade existe sempre.
Há uma vontade de maleabilidade, atendendo às questões concretas. Agora, o dever de celeridade e o dever de o legislador estabelecer uma obrigação de celeridade é algo que existe sempre e que é sempre importante do ponto de vista do bom funcionamento dos poderes públicos e da garantia dos direitos dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o valor desta norma, a meu ver, é duplo, pois não permite que deixe de
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haver um prazo de desenvolvimento ou regulamentação de uma lei. E ou a lei estabelece um ou vale o prazo supletivo que aí está. Quer isto dizer que, se a lei estabelece um prazo, só tem sentido estabelecê-lo maior, embora o legislador possa estabelecer um prazo menor. Portanto, tem apenas este valor.
De resto, não conheço, nem no domínio da Constituição de 1933 nem no domínio das constituições estrangeiras, que têm normas semelhantes em relação ao poder regulamentar, a mínima dúvida sobre o alcance jurídico de normas destas. Nunca se colocou o problema de não ser válido o cumprimento depois de esgotado o prazo.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O prazo é meramente ordenador, como diriam os nossos magistrados!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, neste caso, é uma norma à qual damos abertura, ainda que, enfim, sujeita a alguma ponderação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para expressar a sua posição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD toma a posição na perspectiva oposta, ou seja, não afastamos liminarmente, mas, desde já, manifestamos as maiores reservas, por razões, além das técnicas que foram aqui discutidas, de uma apreciação política das coisas.
A verdade é que o princípio geral é louvável. Como disse o Sr. Deputado Luís Sá, e bem, enquanto princípio geral ele deve entender-se sempre como já existente na Constituição e decorrente de uma série de princípios e de direitos fundamentais, os quais, tem de se entender, decorrem já de outros preceitos da Constituição. E a inclusão do texto em concreto parece-nos que pode chocar com outros equilíbrios políticos que, hoje, nos parecem adequados no texto constitucional e na ordem jurídica vigente.
De facto, todos sabemos como muitas vezes na prática, por razões às vezes bastante aceitáveis e louváveis, os prazos de celeridade para a regulamentação de determinado tipo de diplomas acabam por não poder ser cumpridos, o que naturalmente resulta sempre numa excepção de natureza política, em nossa opinião. Assim, à partida, embora, nesta primeira leitura, não afastemos liminarmente a hipótese, a nossa posição é de reserva. Não nos parece que isto tenha ganhos que não seja o de um redundar depois em situações que objectivamente nem sequer podem ser imputáveis à responsabilidade da administração - e poderá haver com certeza muitos casos destes -, o que redundará num sancionamento político, eventualmente inadequado.
Portanto, a nossa posição inicial é de reserva.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminada a discussão relativamente a esta proposta de aditamento de um n.º 5 ao artigo 115.º, do PCP, para a qual há abertura por parte do PS, oposição por parte do PSD, mas sem afastar liminarmente o reconsiderar da questão, e reservas do Deputado Cláudio Monteiro.
Vamos passar ao artigo 116.º.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 115.º, há ainda uma proposta para o n.º 5, do PS.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Essa proposta ficou de remisso por também ter a ver com a questão regional.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Com certeza.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no artigo 116.º, cuja epígrafe é "Princípios gerais do direito eleitoral", relativamente ao qual foram apresentadas várias propostas.
Vamos começar pelas propostas apresentadas para o n.º 2, visto não haver nenhuma para o n.º 1. Assim, para o n.º 2, há uma proposta do PS, que é do seguinte teor: "O Recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal, sem prejuízo do disposto nos artigos 15.º, n.os 4 e 5, e 124.º n.º 1, alínea b).". Ora, isto tem a ver com os direitos eleitorais das eleições locais dos estrangeiros residentes em Portugal e com os direitos eleitorais dos portugueses residentes no estrangeiro nas eleições presidenciais (artigo 124.º, n.º 1, alínea b)). Deixando de lado esta hipótese, mantém-se, para já, em aberto a primeira, porque, de facto, há um reconhecimento de direitos eleitorais selectivo para as eleições locais no que aos estrangeiros residentes em Portugal.
Srs. Deputados, isto só se aplica quanto à questão da unicidade, "sem prejuízo" quanto à unicidade.
Há algum Sr. Deputado do PS que queira apresentar a proposta?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isto não faz sentido.
O Sr. Presidente: - Esta excepção, "este prejuízo", só se coloca quanto à unicidade. De facto, aí não é única, há-de haver um recenseamento próprio para os estrangeiros residentes em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que se me coloca é a seguinte: afastando-se o problema da capacidade eleitoral para o Presidente da República, por parte de determinados cidadãos estrangeiros residentes…
O Sr. Presidente: - Já lá vamos, Sr. Deputado. Não vale a pena discutirmos isso agora.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A questão é que, quando o artigo 15.º foi alterado, não foi considerada imprescindível esta revisão do n.º 2 pelo seguinte, que me parece algo de relativamente evidente: uma coisa é a unicidade do recenseamento e, outra, é a diversidade da capacidade eleitoral consoante os vários actos eleitorais. É evidente que eu, nas eleições autárquicas, tenho direito de voto na freguesia e no município onde resido e não num outro qualquer lugar. É evidente também que já hoje…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, esclareça-me um ponto.
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Por exemplo, se o recenseamento é único, o Sr. Joaquim Baldé, cidadão guineense e residente em Portugal, passa a ter capacidade eleitoral para as autarquias locais e passa a figurar no recenseamento único da República. Então, numa eleição para a Assembleia da República, como é que se sabe que ele não tem capacidade eleitoral para tal acto se não houver um recenseamento separado desses cidadãos? É esta a questão.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, de uma forma muito simples: já neste momento, por exemplo, os cidadãos recenseados no estrangeiro têm capacidade eleitoral para a Assembleia da República, mas não têm para o Presidente da República nem para as autarquias locais.
O Sr. Presidente: - Portanto, o problema aí nem se coloca! Aí nem sequer há eleição…!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o problema que actualmente se coloca, creio eu, não é o de pôr termo à unicidade do recenseamento mas, por via da identificação, designadamente, garantir que aquele cidadão…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já imaginou o que é em 10 000 ou 20 000 mesas eleitorais ter de se distinguir em relação a cada cidadão se ele tem ou não capacidade eleitoral para aquela eleição! Isto não pode ser! Pura e simplesmente, não pode ser!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso é simples, designadamente exigindo a identificação por via do bilhete de identidade.
O Sr. Presidente: - Como é que isso pode ser, Sr. Deputado!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado Luís Sá levanta a questão real, mas, a meu ver, formula-a de uma forma inadequada, como o Sr. Presidente diz, e, neste aspecto, concordo. Isto porque, tal como está formulada, depois a solução levaria a impossibilidades.
Porém, em minha opinião, o cerne da questão é o seguinte: não podemos confundir recenseamento eleitoral com cadernos eleitorais. E o problema é que os cadernos eleitorais têm de ser distintos - e não vamos confundir as coisas -, como, aliás, dizia o Sr. Deputado Luís Sá, e aí concordo, porque, como é evidente, não pode haver cadernos eleitorais únicos, e, no fundo, é também esta a preocupação dos proponentes.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Coisa diferente é pôr-se em causa, à partida, a norma que aqui está e que tem a ver com o recenseamento.
O que tem de ficar claro, e eventualmente poderemos ponderar e tentar encontrar uma formulação mais adequada, é o se impor aqui a separação de cadernos eleitorais de acordo com o tipo de sufrágios ou de eleições, como dizia o Sr. Deputado Luís de Sá, atendendo à capacidade eleitoral que os cidadãos têm para cada um desses sufrágios.
Portanto, os cadernos eleitorais é que não podem fazer automaticamente a transposição deste recenseamento. O recenseamento deve ser único, e, do nosso ponto de vista, não há mal algum em que seja único.
Agora, o que ressalta desta proposta do Partido Socialista é a necessidade de clarificar, e talvez com alguma razão na Constituição, que os cadernos eleitorais não podem necessariamente ser a mera transcrição do recenseamento, têm de atender a diferenciações que resultem da capacidade eleitoral, distinta para cada um dos determinados tipos de sufrágio, como citava o Sr. Deputado Luís Sá. Mas parece-me que são coisas um pouco distintas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, não deixamos de estar de acordo em que se necessite de uma fórmula que, de algum modo, salvaguarde aquilo que foi dito, porque o objectivo está perfeitamente entendido. O que sucede é que o princípio da unicidade em matéria eleitoral, e, no caso, do recenseamento eleitoral único, até com base num parecer de 1982 da Comissão Constitucional, é possivelmente utilizável em todos os actos eleitorais por sufrágio directo e universal. Existe esse parecer, que não pode ser esquecido.
O Sr. Presidente: - E é um bom parecer. É a aplicação correcta do actual texto constitucional.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E, portanto, o que de algum modo pretendemos salvaguardar é uma diversidade de situações, que hoje são admitidas, e que o princípio da unicidade tivesse então esse entendimento, o de que não há um único recenseamento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é só salvaguardar o princípio da unicidade mas, sim, a unicidade do recenseamento…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, não. Aliás, nós mantemo-lo cá. O princípio da unicidade está cá, acrescentamos apenas princípios que mantemos, tais como os princípios da permanência, da unicidade, designadamente. Agora, o que pretendemos é salvaguardar estas situações, podemos é talvez encontrar uma fórmula mais feliz.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vou tomar muito tempo, Sr. Presidente, é apenas para acrescentar que, ao PSD, parece que o princípio da unicidade do recenseamento deve manter-se e que a solução não deve ser por aí.
De facto, há todas as condições para se encontrar a satisfação do problema suscitado sem mexer no princípio
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da unicidade, o qual, a nosso ver, deve ser preservado sob pena de se poder criar uma perturbação muito significativa numa matéria extraordinariamente delicada.
Portanto, o princípio da unicidade, do nosso ponto de vista, pode manter-se e atingir-se à mesma o resultado pretendido, que nos parece válido, através, nomeadamente, da questão dos cadernos eleitorais, porque é isto que coloca o problema que é suscitado pelos proponentes.
O Sr. Presidente: - Portanto, o que o PS quer dizer é o seguinte: sem prejuízo da elaboração de cadernos separados para os cidadãos e para as eleições referidos no artigo tal.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estou de acordo com a questão tal qual foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Ou seja, a questão que há a ponderar, e foi isto que suscitou a minha intervenção, é saber se a elaboração de cadernos eleitorais separados implica uma autorização constitucional para o efeito, se não pode ser objecto de lei ordinária, sem ofensa a qualquer dos princípios aqui estão consagrados.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é mau, porque actualmente já o é…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não nos opomos a que a Constituição imponha…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, até agora o entendimento é que recenseamento único implica caderno único. Está na doutrina, está nos pareceres, etc.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente: - Não implica, necessariamente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não implica nada. A elaboração dos cadernos não é por categorias.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Nem têm de votar na mesma urna, pelo contrário!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A elaboração dos cadernos, como se sabe, é por uma cronologia do recenseamento, nada tem a ver com categorias!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, pensámos que seria útil a inclusão desta ideia.
Quanto à formulação no entender do Sr. Presidente, e depois sujeita a…
O Sr. Presidente: - É uma sugestão minha de redacção. Proponho, por exemplo, algo como "sem prejuízo da elaboração de cadernos separados para os eleitores e eleições previstas nos artigos…".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente. Peço desculpa, mas desse modo é poderíamos, de facto, incorrer no problema referido pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Não é "cadernos separados para os eleitores". Não, não!
O Sr. Presidente: - É "cadernos separados para os eleitores"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! Não acho que seja assim.
Em minha opinião, o que a Constituição deve dizer apenas é: "sem prejuízo de cadernos eleitorais distintos para as eleições referidas…".
O Sr. Presidente: - Exactamente, basta isso! Basta dizer "para as eleições locais".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a lei dirá claramente que o recenseamento é único e que a inscrição dos eleitores nos cadernos segue um aspecto cronológico e não qualitativo. E depois os cadernos são desagregados, dentro daquela lógica que falamos…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso quer dizer que o recenseamento não é único. É óbvio! Se tem de haver um caderno próprio para as eleições locais é óbvio que o recenseamento não é único, que há dois recenseamentos. Há o recenseamento para as eleições locais e há o recenseamento para todas as eleições.
Portanto, esta excepção ao princípio da unicidade é óbvia, independentemente do modo de a formular.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O acto de recenseamento é um acto só. Os prazos para o recenseamento, em que ele está a decorrer… Tudo isto é sempre referido ao mesmo acontecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não faço questão de especificar que é excepção à unicidade. Em termos materiais é assim.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não sei se será, mesmo em termos materiais. Mas, de qualquer modo, está adquirida a ideia de que é preciso reformular isto - e, a meu ver, bem!
O Sr. Presidente: - Estamos a procurar uma fórmula que evite essa questão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação aos novos eleitores, aos que, por exemplo, têm 19 anos, todos sabem como votam, porque são dos últimos cadernos…
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É porque são feitos por ordem cronológica e não por de nacionalidade ou… É uma ordem cronológica e, por isso, não vem mal ao mundo! Para efeitos estatísticos, isso às vezes é interessante.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, propomos que esta questão seja melhor ponderada, tanto mais que nas eleições para o Parlamento Europeu já houve voto de estrangeiros residentes em Portugal. Portanto, o melhor, talvez seja ponderar a prática e eventualmente consultar o STAPE para se chegar a uma formulação mais ponderada.
O Sr. Presidente: - É uma boa ideia a de ouvir o STAPE sobre esta matéria. Estamos todos de acordo?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Concordamos, é uma boa ideia, Sr. Presidente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma boa ideia, sim senhor!
O Sr. Presidente: - Sendo assim, vou dar execução a isso.
Já agora pergunto se é só o STAPE ou também a Comissão Nacional de Eleições.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente, a Comissão Nacional de Eleições nada tem a ver com isto. Este é um problema técnico, Sr. Presidente.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, penso que o STAPE é a entidade indicada e com mais experiência nisto.
O Sr. Presidente: - Exacto. Sobrestamos nesta questão.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, admito que a Comissão Nacional de Eleições oportunamente se tenha pronunciado sobre isto, até porque, se houve cadernos separados, se calhar o STAPE consultou-a.
Por isso, não se perderia nada fazer em consultar a Comissão Nacional de Eleições e se ela entender não se pronunciar não se pronuncia.
O Sr. Presidente: - O STAPE dir-nos-á, de certeza, isso.
Srs. Deputados, em relação ao n.º 3 do artigo 116.º, há uma proposta de alteração da alínea d), apresentada pelos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros.
Para a apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, presumo que se tenha saltado as outras alterações para o n.º 2 por não estar presente o proponente, que é o Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Presidente: - Não, não. Essa proposta é de aditamento, e os aditamentos vão sempre para último lugar.
Portanto, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe a seguinte redacção para a alínea d) do n.º 3: "Transparência e fiscalização das contas eleitorais", enquanto a actual redacção é "Fiscalização das contas eleitorais".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só um reforço de um princípio, que, de certa forma, já aí está situado. A única questão que se poderia levantar era saber o que se entende exactamente por fiscalização, nomeadamente se é uma fiscalização feita pelo Tribunal de Contas ou pelo Tribunal Constitucional, no âmbito de um processo que não é público ou que não é do conhecimento generalizado. A única coisa que se visa é introduzir ou incorporar no texto constitucional a ideia de que, para além de terem de ser fiscalizadas as contas, tem de haver possibilidade de os cidadãos terem conhecimento do conteúdo dessas contas e designadamente do conteúdo dos respectivos actos de fiscalização, sob pena de o texto actual permitir o princípio da fiscalização e que ela se faça de forma secreta ou sigilosa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta.
Independentemente daquilo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro disse, no fundo, a única consequência prática é a publicitação das contas. Ou não é? Não vejo outra. É evidente que a fiscalização vai continuar a ser feita como é, e a única diferença é que elas passam a ser publicitadas. Não passam, elas já são!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! A questão da transparência não se reporta única e exclusivamente à fiscalização, tem, obviamente, também o conteúdo material de enformar a legislação relativa a contas eleitorais no sentido de garantir a transparência, designadamente no que respeita ao conhecimento das fontes das receitas obtidas pelos partidos ou por outras entidades que concorram à eleições.
O princípio, enquanto parâmetro legislativo, também tem um conteúdo material próprio.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em qualquer circunstância, também é já o que acontece.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É o que acontece na lei, não é!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, sem prejuízo e com todo o respeito pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, parece-me que é um tanto redundante, porque creio que a ideia de fiscalização, embora, às vezes, não se aplique, contém em si a ideia da transparência. Portanto, talvez não valesse a pena acrescentar isso. Se calhar, seria melhor fazê-lo ao nível da lei ordinária para que a fiscalização seja efectivada de forma a garantir a transparência. É que não sei se a inclusão desse inciso…
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De qualquer modo, não temos qualquer objecção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que o PSD, feitas as explicações, manifesta abertura a esta alteração. De resto, é já o que acontece actualmente, e se há interesse em constitucionalizar, para que nunca venha a deixar de acontecer, o PSD não tem qualquer óbice.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, vemos com muita simpatia a preocupação que está subjacente a esta proposta. Creio que, tendo em conta a posição dos outros partidos, o seu destino está definido. O que nós não gostaríamos é que esse destino definido fosse interpretado como significando algo de diferente, de que o princípio da transparência decorre obrigatoriamente da ideia de fiscalização das contas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o "destino definido", aparentemente, é no sentido de acolhimento.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se é no sentido do acolhimento, naturalmente, acompanhá-lo-emos. Pareceu-me perceber da intervenção do Sr. Deputado…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há abertura por parte do PS, do PSD…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, eu tinha percebido que a posição do PS era no sentido de que já estava incluído, e, portanto, não considerava necessário.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Eu terminei não objectando. Mas parece-me que está incluído.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se há abertura, isso corresponde, naturalmente, a uma preocupação nossa, embora entendamos que não há fiscalização das contas sem incluir a discriminação das fontes e a publicidade.
Mas, se isto ficar claramente explicitado, como é natural, só há vantagens.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta para a alínea d) do n.º 3 do artigo 116.º, apresentada pelos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, obtém a abertura, senão o acolhimento, de todas as forças políticas.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro está em vias de estar de parabéns por também obter o meu apoio.
Srs. Deputados, relativamente ao n.º 5 do artigo 116.º também foram apresentadas várias propostas. Acontece que as propostas mais radicais são as do CDS-PP e dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, esta última de eliminação do princípio da proporcionalidade, que não se encontram presentes, e a mais moderada é a do PSD, que é no sentido de restringir o âmbito de aplicação do princípio da proporcionalidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a proposta do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu não diria restringir.
O que o PSD propõe são duas coisas: na primeira parte, a clarificação relativamente aos órgãos colegiais e, na segunda parte, a estipulação expressa de uma excepção que tem a ver com uma proposta, que surgirá lá mais à frente, relativa à conversão de votos em mandatos no caso dos executivos camarários, aonde, como é sabido, a proposta do PSD vai ao encontro de uma antiga preocupação, que é a de dotar os executivos camarários com o tal princípio da homogeneidade. E, neste sentido, necessariamente, tem de haver uma distorção do sistema proporcional no que respeita ao permitir que os vencedores das eleições camarárias disponham de uma maioria efectiva no executivo. E isto resulta sempre numa excepção da aplicação da regra da proporcionalidade, uma vez que há uma distorção no plano da conversão de votos em mandatos em termos proporcionais.
Portanto, justifica-se esta proposta pelo contexto da proposta que apresentamos para um artigo que se encontra mais à frente, e, neste sentido, até me parece que esta discussão só deveria ocorrer nessa altura, quando discutirmos essa outra proposta que apresentamos. Em minha opinião, não faz sentido estarmos agora a dar início a uma discussão sobre a lógica de formação dos executivos camarários.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem plena razão, pelo que proponho que a questão de excepção, apresentada pelo PSD, seja discutida no momento próprio. Porém, adopto, para efeitos de discussão, a proposta apresentada pelo CDS-PP, de desconstitucionalização do princípio da proporcionalidade.
A proposta do CDS-PP tem a ver com o sistema eleitoral por eles proposto, que é um sistema eleitoral maioritário para a Assembleia da República, mas penso que esta proposta não deve deixar de ser discutida e que a ausência dos proponentes, neste caso, não deve levar-nos a passar à frente.
Portanto, pessoalmente, adopto a proposta do CDS-PP para efeitos de discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente. sem prejuízo da discussão da proposta do PSD na altura própria, quando for discutido o artigo 252.º, não gostaria de deixar de fazer, desde já, uma declaração, se me é permitido.
Felicito o PSD por finalmente ter admitido que a sua proposta de transformar maiorias relativas em maiorias absolutas é uma distorção do princípio da representação proporcional. A verdade é que o PSD insistiu nesta proposta em sede de legislação ordinária, tendo, na altura, afirmado repetidas vezes que era compatível com a Constituição - e é sempre bom acabar por dar razão a quem a tem!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Quanto à proposta colocada em discussão pelo Sr. Presidente, além dos problemas de fundo - e o nosso apego à representação proporcional é conhecido -, não deixo de invocar os limites materiais da revisão constitucional, designadamente o artigo 288.º, alínea h), que, em minha opinião, de todo em todo, excluem a viabilidade desta proposta. Isto é, se houvesse maioria para isso, e espero que nunca haja, teríamos de alterar primeiro o artigo 288.º e, igualmente, de admitir a discutidíssima tese da dupla revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Em qualquer caso, teríamos de aguardar pela próxima revisão constitucional.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exactamente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, sem querer tomar muito tempo e uma vez que a declaração do Sr. Deputado Luís Sá teve objectivos estritamente políticos, permita-me que faça apenas uma rectificação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o princípio da proporcionalidade - e penso que o Sr. Deputado Luís Sá não porá isto em causa - tem obviamente várias interpretações possíveis, podendo-se interpretar no sentido aritmético ou matemático estrito como também em sentidos diversos, com toda a correcção intelectual, o que se pode retirar com clareza, sem processo de intenções, é que a razão de ser da proposta do PSD é deixar claro que não é apenas no sentido estrito, que tem vindo a fazer alguma escola em alguns partidos políticos portugueses, como acabou de referir, que o princípio da proporcionalidade se pode de facto manter também através da representação das minorias, sem que com isso se ponha em causa soluções como aquela que o PSD propõe mais à frente.
Portanto, o que o PSD pretende com esta solução é claramente deixar aqui expressa a possibilidade, e, se quiser ler ao contrário, poder ler: o que o PSD quer dizer com isto é que o princípio da proporcionalidade não é incompatível com a solução que propomos no artigo 252.º.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É altamente incompatível, e dou-lhe um exemplo.
A Câmara Municipal do Porto, com quatro Deputados do partido afecto ao presidente da câmara municipal, com a vossa proposta, passaria de 4 para 7, e os outros lugares eram repartidos pelos partidos…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD neste momento não está em discussão, o que está em discussão é a do CDS-PP, que adoptei para esse efeito. Peço-vos, portanto, que a retomem e tomem sobre ela uma posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, relativamente a esta proposta, para já, não estamos disponíveis para alterações ao artigo 288.º, até nem apresentamos propostas sobre essa matéria…
O Sr. Presidente: - Mas há a propostas do CDS-PP e do PSD, se não estou em erro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Mas nós não as temos. E, portanto, parece-nos que o princípio da representação proporcional, exactamente mercê da alínea h) do artigo 288.º, é insusceptível de revisão. Nesta circunstância, pensamos que não podemos acolher a proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem que isto seja interpretado como qualquer concordância com a proposta do PSD para o artigo 252.º,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas ficava-lhe bem!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … julgo que a proposta em questão não tem outro conteúdo útil que não seja esse, pelo que ela fica sempre condicionada pela adesão que vier a ser dada ao artigo 252.º.
Quanto à outra questão, partilhando da tese da dupla revisão, também veria com alguma dificuldade alterações a esta matéria, embora também não concorde com as posições aqui expressas, porque, designadamente no projecto que subscrevo, se propõe a eliminação do limite material que se refere à proporcionalidade do sistema. Até por entender - para que isto também não fique mal interpretado - que não é preciso alterar o sistema proporcional como se altera na proposta do PSD para o artigo 252.º, basta fazer como, aliás, o PSD já propôs, reduzir os círculos à insignificância, para que o princípio da proporcionalidade seja claramente afectado, mantendo-se o sistema de correlação proporcional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD relativamente ao n.º 5 fica de remissa e a proposta do CDS-PP, que eu adoptei, não tem acolhimento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, muito rapidamente, gostaria de chamar a atenção para o facto de este assunto ter de ser reequacionado porque o que o PS acaba de dizer, levado à letra, inviabilizaria também a proposta do Partido Socialista sobre os executivos camarários. E, portanto, neste sentido, parece-nos evidente que é algo que o próprio Partido Socialista…
O Sr. Presidente: - Os executivos camarários passavam a ser directamente eleitos, e, portanto, não se aplica a questão, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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