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Quarta-feira, 13 de Novembro de 1996 II Série - RC - Número 52

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 12 de Novembro de 1996

S U M Á R I O


A reunião teve início às 10 horas e 50 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 217.º, 218.º, 220.º, 221.º, 222.º e 224.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Odete Santos (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Francisco Martins (PSD), Luís Sá (PCP), Moreira da Silva (PSD), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Alberto Martins (PS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente suspendeu a reunião às 12 horas e 30 minutos, tendo reiniciado os trabalhos às 15 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, vamos entrar no Capítulo III - Estatuto dos Juízes.
Para o artigo 217.º (Magistratura dos tribunais judiciais), existem propostas do PSD para os n.os 1, 2, 3 e 4, que, por terem todas uma lógica e uma coerência, serão colocadas à votação em conjunto, e propostas do PS e do CDS-PP para o n.º 4.
Em relação a este artigo, há duas questões diferentes, que suponho que vale a pena discutir separadamente: uma é saber se o artigo, que neste momento se refere apenas aos magistrados dos tribunais judiciais, deve passar a abranger também os juízes dos demais tribunais, isto é, os juízes dos tribunais administrativos e fiscais, que é a lógica da proposta do PSD; outra tem a ver com o seu regime.
Proponho que discutamos, em primeiro lugar, a questão do alargamento do âmbito normativo do preceito a fim de abranger também os tribunais administrativos e fiscais e, depois, as questões de fundo quanto ao regime.
Têm a palavra os Srs. Deputados do PSD para apresentarem este aspecto das suas propostas, que é comum ao n.º 1 e, por extensão, aos n.os 2, 3 e 4.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, como V. Ex.ª disse, isto integra-se numa proposta essencial da parte do PSD de pôr em termos de igualdade e de juntar a magistratura judicial com a magistratura actualmente existente nos tribunais administrativos e fiscais, havendo, depois, uma série de propostas de reformulação do texto constitucional ao longo deste Capítulo que decorrem exactamente desta posição de fundo.
O PSD propõe - e teremos oportunidade de verificar isso no aprofundamento desta discussão - a manutenção da existência dos dois tribunais supremos. Tanto o Supremo Tribunal de Justiça como o Supremo Tribunal Administrativo continuarão a existir, só que há aqui uma preocupação de juntar as duas magistraturas e de tentar criar um corpo mais interligado do que aquele que actualmente existe, dando à magistratura judicial uma certa unidade que actualmente não existe.
E a razão de ser fundamental é a de que existem, inclusive nas regras de comunicabilidade que estão em vigor entre as duas magistraturas, alguns problemas que provocam situações de menor justiça relativa entre uma e outra das carreiras e uma das formas que nos parece mais adequada para ultrapassar essas situações de alguma injustiça relativa é exactamente a opção que aqui preconizamos de juntar as duas magistraturas, não prejudicando com isso a estrutura judiciária actualmente existente e que pressupõe, obviamente, como referi, a manutenção das duas estruturas, em termos de tribunais, que actualmente decorre da existência dos tribunais administrativos e fiscais, com uma estrutura própria, a par do Supremo Tribunal de Justiça e dos tribunais judiciais comuns.
Fundamentalmente, em termos genéricos, é esta a lógica da proposta, e, depois, se da discussão resultar a necessidade de especificar e de discutir pontualmente algumas das formulações encontradas pelo PSD, voltaremos, obviamente, a intervir e daremos todas as explicações que forem necessárias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ligada a esta proposta do PSD existe uma proposta do mesmo partido relativa à unificação dos conselhos superiores num único. As questões não estão necessariamente ligadas, porque aquela pode seguir sem esta, em todo o caso quero chamar a atenção para este facto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, é só para manifestar o meu total acordo, obviamente, à proposta do PSD, que foi devidamente fundamentada.
E, neste momento, porque vamos reflectir sobre a proposta, quero tão-somente sublinhar aqui um ponto que me parece importante. Tivemos uma audiência pública, no dia 3 de Outubro, com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e penso que é importante que tenhamos presente a receptividade, a abertura total, da própria associação a esta proposta.
Trata-se, a meu ver, de um contributo importante, dado que a mesma visa os juízes e eles próprios, enquanto associação, manifestaram o seu acordo, significando com isso, de resto, que a proposta é até muito louvável, quer no que se refere à magistratura dos tribunais judiciais quer no que diz respeito ao próprio Conselho Superior da Magistratura no que concerne também à junção das duas magistraturas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a este propósito, cabe referir a proposta do ex-Deputado Jorge Miranda, que é convergente com esta quer quanto à ideia da unificação do tratamento em matéria de acesso, quer quanto à unificação do conselho de governo da magistratura.
Está em discussão esta proposta de alargamento do âmbito do artigo 217.º de modo a tratar em conjunto os juízes dos tribunais judiciais e os juízes dos tribunais administrativos e fiscais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaríamos realmente que os Srs. Deputados dos vários partidos se pronunciassem sobre esta matéria, pois penso que ela é suficientemente relevante para justificar aqui uma expressão das sensibilidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, percebendo, embora, o objectivo da proposta do PSD, confesso que tenho algumas dúvidas, por isso preciso de ser melhor esclarecido, designadamente no sentido de saber se a unificação do estatuto é tão abrangente que implique a unificação, por assim dizer, e a promiscuidade entre as carreiras, no sentido positivo do termo.
Julgo que há aqui uma opção de fundo que nunca ficou claramente resolvida nem no texto constitucional nem na lei, que tem a ver com a especialização dos tribunais administrativos e fiscais e com o que isso pode implicar ou não em termos de formação dos magistrados correspondentes e também da respectiva carreira.
Tem-se assistido, nos últimos anos, a que os tribunais administrativos e fiscais funcionem às vezes como uma espécie de reserva de promoção para magistrados da magistratura comum, que, por razões várias, são ultrapassados por outros no acesso aos tribunais superiores, designadamente aos tribunais da relação e ao Supremo Tribunal Administrativo.

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Ora, isso tem-se feito com um grave prejuízo para a justiça administrativa, precisamente por falta de competência especializada desses magistrados. Não é que a sua competência técnico-jurídica esteja em causa, mas é óbvio que anos de experiência nos tribunais criminais ou nos tribunais cíveis normalmente não são o melhor background para o acesso, por exemplo, ao Supremo Tribunal Administrativo, porém isso tem-se verificado. Frequentemente são nomeados para o Supremo Tribunal Administrativo juízes desembargadores das relações, que, por razões várias, são "ultrapassados" na corrida para os lugares do Supremo Tribunal de Justiça, e isso tem-se feito com grave prejuízo para a justiça administrativa. Nesse sentido, confesso que tenho algumas dúvidas.
Admito que seja louvável a ideia da unificação do estatuto enquanto reflexo da dignidade dos magistrados, da sua independência, do seu estatuto, designadamente remuneratório, e, portanto, da sua situação funcional. Agora, do ponto de vista da sua situação profissional propriamente dita, na perspectiva do desenvolvimento das respectivas carreiras, tenho algumas dúvidas de que esta medida, pese embora a bondade que está subjacente à proposta, no sentido de criar condições de igualdade entre as várias magistraturas ou entre os magistrados dos vários tribunais, que não são magistraturas diversas, não traga algum prejuízo, designadamente para os tribunais administrativos e fiscais, onde, supostamente, a jurisdição é especializada e, portanto, supõe uma formação específica e uma carreira própria no sentido de progressão até atingir o seu topo, designadamente os lugares do Supremo Tribunal Administrativo.
É que o problema, aliás, vai colocar-se com maior equidade agora com a criação do Tribunal Central Administrativo, que pode vir a funcionar para os tribunais judiciais de 1.ª instância como o STA tem funcionado para as relações, como forma de suprir a falta de acesso aos tribunais de 2.ª instância, designadamente aos tribunais da relação. E mais uma vez isso pode acontecer com algum prejuízo para a especialização que se exige na justiça administrativa e fiscal.
Portanto, tenho algumas dúvidas de que se possa ir tão longe a ponto de, eventualmente, pôr em causa esta ideia de que, havendo jurisdições especializadas, elas exigem formação especializada e uma carreira, que, embora tendo de conter mecanismos de mobilidade e permitindo, obviamente, a comunicação entre os magistrados dos vários tribunais, tem de haver, apesar de tudo, alguma cautela e algumas restrições necessárias em função desse objectivo primeiro, que é o de garantir a especialização como forma de salvaguardar a boa justiça administrativa e fiscal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas isso não é da sede dos concursos e das respectivas regras de acesso?!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Claro!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuam em discussão as propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta proposta tem, desde logo, um valor facial que não deixa de se sublinhar, que é o facto de poder configurar-se como mais um passo no caminho da jurisdicionalização plena dos tribunais administrativos.
Como é sabido, eles foram, em Portugal como noutros países, órgãos independentes da Administração Pública, houve um caminho percorrido de história, muito longo, no sentido de terem o estatuto de tribunais tal como os outros, e, nesse sentido, é compreensível que esta proposta do PSD possa constituir e ser lida como um contributo adicional.
Creio, de resto, que este aspecto e uma eventual equiparação plena de estatuto socioprofissional é, provavelmente, o que está na base do apoio das estruturas representativas dos juízes, particularmente da sua associação sindical, a esta proposta, e também o que leva o Prof. Jorge Miranda a propor o mesmo.
Creio que, entretanto, devemos ponderar com o devido cuidado as implicações, por exemplo, do desaparecimento na proposta do PSD da expressão "formam um corpo único". Isto é: a ideia de reger por um só estatuto passa a abranger os juízes dos tribunais judiciais, administrativos e fiscais, mas, em compensação, a ideia de que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único desaparece.
Creio que é importante obter uma clarificação completa desta matéria.

O Sr. Presidente: - Mas isso responde a uma objecção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Pois! Mas, eventualmente, há outras implicações que eu gostaria que fossem objecto de uma reflexão mais aprofundada.
Por outro lado, creio que o facto de, simultaneamente, se fazer esta proposta, mantendo diferentes categorias de tribunais - como é óbvio, ninguém propôs que fosse alterado o artigo 211.º nesta matéria -, também deve ser devidamente ponderado.
Portanto, a nossa posição é de abertura, mas gostaríamos que o debate pudesse ser aprofundado, no sentido de equacionarmos melhor a nossa posição definitiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, todos concordamos que não vale a pena termos aqui, em sede de revisão constitucional, meias palavras ou subentendidos entre nós, por isso, tendo presente as cautelas que colocou, gostava que me esclarecesse se a questão da expressão "corpo único" tem ou não a ver com aquela polémica a propósito do método de eleição dos representantes para o Conselho Superior de Magistratura

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, pode ser uma das implicações óbvias, tanto mais que o Sr. Presidente se encarregou de lembrar há bocado que esta proposta coexiste com uma outra, que é a da unificação dos dois conselhos superiores das magistraturas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, relativamente a isto, quero apenas colocar-lhe a seguinte questão: como o Sr. Presidente referiu, é evidente que é uma decorrência praticamente necessária da proposta do Partido Social Democrata, no sentido de promover uma reunião das duas magistraturas e a sua jurisdicionalização de uma forma mais constitucionalizada e mais afinada, a retirada da expressão "corpo único".
Mas, independentemente de podermos ter tido ontem e de podermos ter hoje ou amanhã opiniões diferenciadas relativamente aos métodos ou aos mecanismos de eleição para o Conselho Superior de Magistratura, não pensa o

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Partido Comunista que, em qualquer circunstância, essa é uma questão, apesar de tudo, menor do que o problema que aqui está em discussão e que deve ser regido pela lei ordinária, não devendo nós cristalizarmo-nos aqui em interpretações de algumas passagens do texto constitucional, prejudicando, assim, soluções que são, como o Sr. Deputado deixou claro também na primeira parte da sua intervenção, eventualmente, virtuosas em si, apenas porque estamos com o receio de que isto vá, a jusante, permitir amanhã que alguém venha a alterar a legislação?
Com toda a franqueza, o meu medo é que, por uma interpretação enviesada e por uma preocupação de cristalização de uma qualquer solução, possa vir a pôr-se em causa uma solução que, no mínimo, encerra virtualidades que são mais ou menos reconhecidas por toda a gente, nomeadamente pelos próprios magistrados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a questão dos conselhos superiores, unificados ou não, não é uma questão menor.
Como foi invocada a posição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses acerca desta matéria, creio que, já agora, também valeria a pena invocar que a proposta de unificar os conselhos superiores num só, como é sabido, foi uma proposta combatida na óptica de poder vir, eventualmente, a afectar a independência das magistraturas na sua essência e a possibilitar uma interferência do poder político nessas magistraturas. Portanto, quero sublinhar que não se trata de uma questão menor, pelo contrário, creio que é uma questão maior.
E naturalmente que há aqui um problema que a unificação dos conselhos superiores poderia, aliás, facilitar, que é a questão de os tribunais administrativos serem hoje altamente especializados, e, portanto, a permeabilidade nas carreiras, etc., ser um aspecto que não é também ele menor e que, por isso mesmo, também deve ser sublinhado. É evidente que este é um problema que pode ser resolvido por outras vias, mas creio que tem de estar também presente no nosso debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que não devemos fazer o debate sob o signo dos tribunais administrativos do passado, uma vez que esses foram extintos e a reforma dos tribunais administrativos feita ao longo do regime democrático conduziu a tribunais verdadeiros e próprios, com um elevado grau de especialização, que suponho que ninguém considerará similares no espírito, na forma de funcionamento e na atitude perante a Administração àqueles que, sob a mesma designação, existiram sob outro regime. E, portanto, não se trata, nessa matéria,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Há resquícios!

O Sr. José Magalhães (PS): - Independentemente daquilo que nas administrações públicas sobrevive de profundamente indesejável, de resto, em muitos aspectos contrário à Constituição, e que é aquilo que nos tribunais não se aproxima do modelo ideal, creio que essa observação é justa.
Não foi por acaso que aprovámos, creio que mesmo por unanimidade, a última reforma intercalar do contencioso administrativo, que levou à criação do Tribunal Central Administrativo e que se preparam outras reformas que visam aperfeiçoar o método de funcionamento, reforçar os direitos e as garantias dos cidadãos e, simultaneamente, conceder à jurisdição administrativa mais capacidade de aproximação aos cidadãos, para além, naturalmente, dos três graus de jurisdição.
Portanto, há uma reforma em movimento e creio que é bom ter em conta que essa reforma tem sido um processo relativamente lento, sendo algo cuja complexidade de execução só vale a pena perturbar, com uma diferenciação induzida por via constitucional, se, de facto, apurarmos que há relevantes e positivos resultados, eu diria resultados líquidos, nessa operação e que não se trata de alguma coisa de puramente simbólico ou de alguma coisa que, na balança de forças entre as magistraturas, seja simbolicamente premiadora de uma magistratura, não digo contra outra mas, seguramente, em detrimento de outra.
A segunda observação diz respeito aos modelos. De facto, há dois modelos puros: um é o da abolição, pura e simplesmente, da magistratura do contencioso, como tal, e da especialização; outro é o da separação e regras diferenciadoras quanto ao recrutamento, quanto à formação e quanto ao estatuto, e isso foi levado razoavelmente longe entre nós.
Aparentemente aqui propõe-se uma coisa que é um híbrido, cujas potencialidades importa apurar e, por isso, vamos, obviamente, procurar contribuir e ajudar a esse apuramento.
Aquilo que resulta das explicações já fornecidas é um híbrido aparentemente com as seguintes características: em primeiro lugar, integração estatutária; em segundo lugar, diferenciação orgânica e - suponho - diferenciação de formação e especialização, situação que ficou também um pouco implícita, porque o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não defendeu o contrário disso, mas suponho que não andará longe deste princípio, uma vez que isso é consonante com a solução que adoptam para o artigo 220.º; em terceiro lugar, o fim da diferenciação actual dos órgãos de gestão, mas não a homogeneidade ou a identidade em relação ao sistema de gestão actual do Conselho Superior da Magistratura, uma vez que no Conselho seriam miscigenadas três componentes, a administrativa, a fiscal e a judicial - se dermos autonomia à fiscal -, e isso teria, obviamente, algumas consequências, mas seria ainda aí uma solução compromissória; e, em quarto lugar - suponho que os Srs. Deputados não a referiram, mas é uma questão crucial -, isso far-se-ia tudo com salvaguarda de direitos adquiridos e com a conservação de disposições relativas decorrentes do actual estado, o que lança a reforma miscigenadora, no seu horizonte de aplicação, bem para além do ano 2000 - e estou a ser, suponho eu, optimista.
Por outro lado, a solução compromissória adoptada em sede do artigo 220.º conduz a várias coisas, algumas das quais representam uma significativa mudança…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não antecipemos a discussão do artigo 220.º, que não está à discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que é impossível considerar o híbrido do PSD prescindindo do facto de a sua solução ser aparentemente de integração estatutária com subordinação ao Conselho Superior da Magistratura reconstruído, reformatado, reformulado, com dois supremos, um, seguramente nesse cenário, mais supremo do que outro, porque o seu Presidente seria o presidente do Conselho Superior da Magistratura,…

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O Sr. Luís Sá (PCP): - É uma das questões muito delicadas que é colocada!

O Sr. José Magalhães (PS): - ... o que coloca, obviamente, consideráveis problemas.
Mas reparem: coloca problemas aos quais eu, francamente, sou imune do ponto de vista simbólico, do ponto de vista da luta simbólica de magistraturas ou do confronto entre magistraturas, mas não é essa a questão. A questão é a de saber se a operação de cirurgia estética ou, se quiserem, a operação de cirurgia arquitectónica tem consequências que, do ponto de vista das reformas em curso e do caminho que, no modelo separado, temos vindo a percorrer, valham ou justifiquem a mudança constitucional. Isto por causa do sistema de cautelas de que os Srs. Deputados falaram pouco, mas que, seguramente, terão de falar muito mais, a avançarmos por um caminho deste tipo.
Quando chegar ao artigo 220.º, ainda terei ocasião de examinar outras consequências desta solução integratória.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a minha convicção neste momento é que as duas coisas não são cindíveis. Vamos, por isso, chamar às colação o artigo 220.º, que trata da unificação dos conselhos superiores.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero, antes de mais, recusar inteiramente a observação do Sr. Deputado José Magalhães de que a nossa solução é um híbrido, é uma solução híbrida, pois ela nada tem de híbrida; é muito clara!
Obviamente que reconhece, como se viu na discussão que já se fez em disposições anteriores, a jurisdição administrativa, agora enriquecida, em sede legislativa, com uma nova instância, e ainda bem, porque penso que isso, ao contrário do que referiu o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, até facilita e torna mais viabilizante esta solução, porque, realmente, já há aí mais um paralelismo em relação à jurisdição comum, que são as três instâncias, mesmo para as carreiras, e isso também é importante.
Portanto, não há aqui nada de híbrido, o que há é coerência na perspectiva de que não podemos sustentar, por um lado, em sede deste artigo 217.º, a unificação do estatuto dos juízes dos tribunais comuns e da jurisdição administrativa e, por outro, não levar à última consequência de, na cúpula, termos apenas um conselho superior, como se propõe em sede do artigo 220.º. Isto é tudo menos híbrido! Poderia ser híbrido, se nós mantivéssemos essa solução coxa de defender aqui a unificação do estatuto e, em sede de conselhos, mantê-los separados - aí, sim, poderia aceitar…

O Sr. José Magalhães (PS): - É um híbrido que os senhores não aboliram.
A expressão que utilizei, "híbrido", é, em confronto, em relação aos dois modelos que eu referi: o modelo da separação e o modelo da abolição. O senhores não tratam da abolição…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Da abolição de quê?

O Sr. José Magalhães (PS): - Da magistratura do contencioso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Obviamente! Mas acho que essa abolição, por um lado, não tem sentido e, por outro, não me parece que impeça…

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas fazem uma abolição parcial!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … a unificação estatutária. Penso que são coisas que, interligadas, são distintas, em termos conceituais e em termos da definição e da subordinação a órgãos comuns por parte das magistraturas hoje separadas.
Penso que há duas virtualidades nesta proposta: por um lado, é mais um passo no sentido de reforçar a jurisdicionalização plena do contencioso administrativo, que, apesar de tudo e da evolução democrática que teve, e bem, ainda mantém, por razões de práticas de muitos anos, alguns resquícios que é bom que, em passos deste tipo, se eliminem. Esta é uma primeira virtualidade.
A segunda são as desigualdades que estas separações estatutárias vêm criando nas próprias carreiras e no acesso aos graus vários da carreira por parte das magistraturas e de que as representações sindicais dão conta, situações essas que todos nós conhecemos.
Penso, pois, que esta proposta tem esta dupla virtualidade.
Quanto às críticas do ponto de vista da especialização, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, devo dizer-lhe que, nessa altura, o problema colocar-se-ia também em relação a outras áreas, designadamente a laboral e a criminal. Isso são áreas que, obviamente, exigem uma especialização diferenciada e o facto de estarem já hoje unificadas estatutariamente não tem impedido que essa especialização se faça.
Como disse, e bem, o Sr. Presidente, essa é uma questão que se coloca em sede de acesso, de promoção e dos critérios que a lei fixe para essa ascensão, e, nessa sede, acho bem. E haverá, com certeza, as medidas adequadas - as adequadas e outras que desta solução constitucional se torne necessário complementar em sede de lei ordinária -, mas o que não há aqui é nada que impeça que esta solução constitucional seja consagrada, dando, depois, o legislador, coerentemente, sequência àquilo que, em sede constitucional, viermos aqui a aprovar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, também vejo a proposta do PSD, de unificação das magistraturas, como um meio de atingir mais um grau na plena judicialização dos tribunais administrativos, cuja evolução tem vindo a ser feita desde 1974, designadamente em 1982, com a revisão de 1982, e, em 1984 e 1985, com as novas leis do contencioso administrativo, que fixaram claramente essa realidade.
Mas penso que - e foi-o aqui referido - o elemento psicológico da comparação dos magistrados administrativos com os magistrados judiciais (e, a meu ver, isso é uma realidade), a não integração plena na mesma magistratura, que ainda se verifica e, com isso e como consequência, a ideia de que os tribunais administrativos são tribunais de segunda ordem, postos à margem, aos quais só se ascende por impossibilidade, em muitos casos, de continuar a sua carreira na magistratura judicial, são alguns dos exemplos já aqui referidos.
Por outro lado, quanto à formação, o que se verifica é que, apesar de a lei ter fixado alguma formação especializada, a única formação que subsiste é a da experiência, que, em alguns casos, é curta.
Por isso, esta unificação, agora proposta, dará o passo, talvez definitivo, na criação de uma mentalidade plenamente

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judicializada, que, em muito, poderá beneficiar o contencioso administrativo. É que, hoje, o contencioso administrativo já não é, e sê-lo-á cada vez menos, uma jurisdição de mera legalidade; é, sim, cada vez mais, e penso que para aí se avança, um contencioso de plena jurisdição, que em tudo se assemelha ao contencioso judicial.
Assim, julgo que esta unificação será também bastante benéfica - nem que seja a nível psicológico, porque os restantes passos já foram dados na revisão anterior e nas leis do contencioso de 1984/85 - para os tribunais administrativos deixarem de estar minorizados, no seguimento, aliás, da plena constitucionalização das suas funções em 1989, pela alteração do artigo 214.º.
Em suma, penso que esta alteração tem um significado profundo, não apenas formal, e levará, com certeza, naquilo que, aliás, será o objecto da jurisdição administrativa, à maior protecção dos direitos fundamentais do cidadão, sempre que ele seja afectado, nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, por um acto ou por uma actuação da administração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, compreendo o propósito do PSD; acho é que o conjunto das propostas do PSD, em certa medida, corre o risco de agravar o estatuto de menoridade dos tribunais administrativos e fiscais.
Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a Constituição estabelece a jurisdição administrativa e fiscal como uma ordem judicial distinta da jurisdição comum no artigo 213.º. O Sr. Deputado falou nos tribunais de trabalho e noutros tribunais especializados, mas, uma coisa, são tribunais especializados e, outra, é a ordem judicial especializada.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Temos uma preocupação de formação.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - São duas coisas, apesar de tudo, distintas, porque o magistrado judicial, por natureza, é um magistrado que tem de estar preparado para a sua jurisdição, que é comum em matéria cível e criminal, sem prejuízo de, em algumas circunstâncias, haver tribunais com competência específica ou tribunais especializados. Isto é diferente de se fazer uma carreira numa magistratura diversa, isto é, numa ordem judicial diversa, em que a especialização é o ponto central da distinção.
Ora, isso significa que há que distinguir aqui duas coisas: uma é falar do estatuto socioprofissional, como o Deputado Luís Sá fez há pouco, que tem a ver com os direitos e regalias profissionais dos juízes - e aí, obviamente, não contesto que a integração pode ser benéfica, no sentido da equiparação do estatuto dos magistrados em geral, no que diz respeito à sua situação funcional; outra é a integração e o reflexo que isso pode ter na miscigenação das carreiras, com o prejuízo que isso pode acarretar para a especialização dos tribunais e, eventualmente, para acentuar algumas das situações que actualmente criam esta ideia de menoridade dos tribunais administrativos e fiscais.
É que, quanto à vossa proposta de integração dos Conselhos Superiores, pergunto se ela não constitucionaliza, de certa forma, o papel de menoridade dos tribunais administrativos e fiscais, quando estabelece, como inerência, a presidência ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apenas garantindo a integração no Conselho do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo - parece que, afinal, há um que é mais supremo do que o outro…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Esse problema já se põe hoje em relação a outras questões, designadamente do protocolo de Estado!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para além do mais porque a integração tem este efeito na perspectiva da eleição dos magistrados que integram o Conselho Superior de Magistratura: na lógica do corpo único e de uma eleição única para todos os tribunais, de acordo com o princípio da representação profissional, isso significa necessariamente que, dos sete magistrados eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura, nunca mais do que um será proveniente dos tribunais administrativos e fiscais.
O que significará, tendo em conta as competências do Conselho Superior da Magistratura, que a carreira na magistratura dos tribunais administrativos e fiscais será, na prática, regulada por um Conselho Superior da Magistratura que tem como presidente o Presidente do STJ e, provavelmente, mais seis juízes da magistratura judicial.
Portanto, nessa perspectiva, tenho algumas dúvidas de que isto não acentue o papel de menoridade dos tribunais administrativos e fiscais e não coloque os juízes, que fizeram grande parte da sua carreira nos tribunais administrativos e fiscais, numa situação de menoridade em relação aos magistrados da jurisdição comum, os quais terão tendência, na regulamentação da carreira, naquilo que são os poderes que porventura lhes assistem enquanto membros do Conselho Superior da Magistratura, a facilitar a miscigenação das carreiras, nomeadamente a mobilidade entre as carreiras, porque isso alarga as suas possibilidades em termos de evolução socioprofissional, ainda que isso, porventura, se faça com prejuízo da justiça administrativa e fiscal, como, porventura, poderá ocorrer.
Por isso, julgo que é preciso encarar isto com muita cautela e é preciso perceber até que ponto é que se consegue, nestas propostas, discernir aquilo que tem a ver com o estatuto, com a situação funcional do magistrado - e, aí, obviamente, não questionamos que um magistrado tem de ser um magistrado, onde quer que exerça as suas funções, e tem de ter a mesma dignidade profissional ou socioprofissional, se quiser -, daquilo que é integrar, pura e simplesmente, as carreiras, no que isso tem como consequência no exercício das próprias funções dos vários tribunais e das várias ordens judiciais.
Ora, julgo que a proposta do PSD é muito pouco clara nessa matéria e abre porta para que na legislação ordinária - para além da administração e da gestão corrente que é feita pelo Conselho Superior da Magistratura, nos termos em que ele é proposto - o papel de menoridade que actualmente se verifica em relação aos tribunais administrativos e fiscais, porventura, seja acentuado.
É esse o risco que, a meu ver, essa proposta comporta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero somente dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Nós estamos a discutir propostas e, obviamente, essas propostas são passíveis de aperfeiçoamento e somos sensíveis a algumas das observações que fez agora - aliás,

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já a Associação Sindical dos Magistrados Judiciais Portugueses tinha chamado a nossa atenção para isso.
Assim, em relação à representação dos juízes em sede do Conselho Superior da Magistratura e à sua composição, estamos abertos a encontrar uma fórmula que evite esse efeito perverso que referiu e que introduza um elemento de equilíbrio na representação dos juízes dos tribunais administrativos, essa é, creio, uma questão perfeitamente razoável.
Gostaria era que VV. Ex.as fizessem propostas concretas, mas que não tomassem a posição de negação ou de rejeição da proposta que tem virtualidades e que pode ser aperfeiçoada com os vossos contributos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão não só o artigo 217.º, na parte da unificação do estatuto dos juízes, mas também o artigo 220.º, na parte da unificação dos Conselhos Superiores.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é exactamente sobre essa segunda questão, em complemento da intervenção anterior, que quero pronunciar-me, questão essa que, de algum modo, já esteve presente na minha primeira intervenção.
Creio que é impossível ler as propostas do PSD sem ser em conjunto e, nesse sentido, creio que é boa a decisão do Sr. Presidente de colocá-las em debate conjuntamente. É que, em minha opinião, se há alguma carência em matéria de jurisdicionalização plena, não é propriamente em termos de garantia de independência, mas exactamente em relação à plena eliminação das desigualdades de estatuto.
Em relação a isso, tudo o que se pretenda fazer nessa matéria naturalmente que terá o nosso apoio. Diferente disto é avançar com uma proposta que liga a ideia de que deve haver um só estatuto para todos os juízes à ideia de que deve haver um só Conselho Superior para todos os juízes e, mais ainda, com a proposta de que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça presida ao respectivo órgão.
É que, para nós, aqui não há qualquer problema do tipo de simpatia corporativa, a saber: que magistratura é que nos é mais simpática? Qual é que tem maior dignidade? A nossa posição é muito clara: têm idêntica importância, têm idêntica dignidade - isto é próprio do Estado de direito democrático e não pode deixar de ser.
Agora, a proposta do PSD dá ideia de que "retira com uma mão aquilo que dá com a outra". Isto é: num lugar, afirma a identidade de estatuto; noutro lugar, afirma que a magistratura que alcança a igualdade através desta proposta tem um estatuto subordinado, na medida em que o Presidente do STA não é o Presidente do Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me exactamente para, reiterando aquilo que o Deputado Guilherme Silva há pouco referiu, dizer algo que evitaria que o Sr. Deputado Luís Sá tivesse dito o que disse.
Queria ter já adiantado, porque estava mesmo a ver que a discussão ia evoluir neste sentido,…

Vozes do PS e do PCP: - Já tinha evoluído!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … em relação à questão sobre a qual o Sr. Deputado Luís Sá estava agora a discorrer e que decorre do 220.º, o seguinte: quando o PSD elaborou esta proposta, estiveram em discussão dentro do PSD - e essa reflexão foi feita pelas pessoas que participaram na elaboração do nosso projecto - várias opções, sendo que uma delas passava pela presidência rotativa, ou seja por constitucionalizar aqui uma rotatividade das presidências. Isto, para lhe dizer que várias propostas estiveram sobre a mesa e que nenhuma delas nos causa o menor embaraço. Tínhamos era que optar por uma, para escrever aqui, para ser discutida em sede da revisão constitucional e encontrarmos, todos em conjunto, a melhor das soluções.
Portanto, uma primeira solução possível foi a da rotatividade - e, desde já, devo recolocar aqui, por parte do PSD, a total abertura para a consagração, por exemplo, de uma solução deste tipo.
Outra alternativa foi, pura e simplesmente, a Constituição não referir quem é o presidente do Conselho Superior da Magistratura e deixar aos próprios membros do Conselho a eleição do seu presidente. Esta foi outra hipótese de trabalho que esteve sobre a mesa, na elaboração por parte do PSD do seu projecto de lei, e que, embora nos pareça de algum modo um pouco empobrecedora em termos da dignidade com que a Constituição trata de toda a problemática da estrutura judiciária, em qualquer circunstância, atendendo ao problema de fundo que o Sr. Deputado colocou, também é perfeitamente válida para o PSD.
Assim sendo, não vale a pena tentar fazer críticas à proposta do PSD por aquilo que ela não é.
Era só esta nota que queria deixar-lhe, Sr. Deputado Luís Sá e, com ela, termino para o Sr. Deputado poder continuar a desenvolver o seu raciocínio.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Luís Marques Guedes ainda não substituiu a proposta do PSD pela do ex-Deputado Jorge Miranda, pois não?…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Por aquilo que ela deixou de ser!

O Sr. José Magalhães (PS): - Por aquilo que ela é mentalmente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estamos numa primeira leitura, que serve para explicitarmos as nossas posições. E estou a tentar fazê-lo com a maior transparência possível. Não vale a pena é criticar…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, creio que haveria ainda uma outra hipótese a equacionar pelo PSD, que era a de garantir uma plena igualdade de estatuto e, simultaneamente, manter Conselhos Superiores separados. Era uma terceira possibilidade, que não deixaria de ser igualmente bastante interessante.
É que o Sr. Deputado Guilherme Silva comparou aqui a situação do magistrado judicial, que tem de tratar do direito civil, do direito penal, enfim, de diferentes especialidades, com o magistrado que tem de tratar das matérias que cabem aos tribunais comuns e os magistrados que estão especializados em matéria administrativa.
Ora, Sr. Deputado, salvo o devido respeito, uma coisa nada tem a ver com a outra. Diria até que, se uma coisa tivesse a ver com a outra, então, era melhor, pura e simplesmente, unificar os tribunais - aliás, em termos de direito

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comparado, como é sabido, não é caso único. Aquilo que justifica as vantagens de manter jurisdições separadas é exactamente o carácter muito específico da matéria administrativa, designadamente o facto de estar a lidar-se com conflitos de valores, com o interesse público, muito frequentemente, e, simultaneamente, a necessidade de compatibilizá-los, na medida do possível, com direitos fundamentais e com direitos subjectivos privados ou públicos e, naturalmente, esta questão suscitar problemas que podem ser melhor equacionados num quadro de especialização crescente.
E se nós passarmos para uma perspectiva de tribunais que tratam de meras questões de legalidade, de tribunais que tratam dos problemas numa óptica mais vasta, diria até que o problema da necessidade de especialização pode aprofundar-se, em vez de diminuir a respectiva necessidade.
Imaginemos, por exemplo, que os juízes portugueses passam a tratar de questões de mérito. Em matéria ambiental, por exemplo, há muitas questões em que as fronteiras entre a legalidade e o mérito são cada vez mais difíceis de discernir. Independentemente de a Lei de Bases do Ambiente, de uma forma extremamente discutível, atribuir estas questões aos tribunais comuns, sabemos que há muita matéria que é equacionada pelos tribunais administrativos.
Além do mais, creio que o problema da especialização vai colocar-se de uma forma cada vez mais acentuada e não o contrário. Pode ser que o futuro venha a desmentir esta perspectiva, mas creio que muito provavelmente ela é a verdadeira.
Ora, mantendo-se a ideia, como, insisto, houve aqui a orientação de manter, de um corpo de tribunais administrativos e fiscais separado do dos tribunais comuns, creio que resulta lógico, e evita os problemas que o PSD enfrentou, manter as jurisdições separadas. Aliás, propostas semelhantes, no passado, geraram conflitos, que são bem conhecidos, pelo que não vejo vantagem alguma em entrar por aí, salvo, naturalmente, a coerência do PSD com aquilo que já defendeu, designadamente quando estava no Governo, mas isso é um problema do PSD e não necessariamente nosso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, acrescentava apenas um dado que não referi e que deve adicionar-se àquilo que já disse a propósito da total abertura da parte do PSD. Ponderámos essa questão, quer relativamente aos mecanismos a resolver no artigo 220.º quanto à presidência, quer, inclusive - mas, para já, optámos por deixar o texto como está -, quanto à quantificação aritmética do número de juízes eleitos para este órgão, o Conselho Superior da Magistratura.
É que, de facto, temos a noção de que, com a fusão das duas estruturas, eventualmente o número de juízes representados no Conselho Superior da Magistratura poderá ter de sofrer algum ajustamento no sentido do seu crescimento.
Devo dizer que falámos com as associações de juízes sobre a matéria e a posição da associação sindical de juízes foi no sentido de que deveria, eventualmente, equacionar-se um acréscimo de sete para nove do número de juízes eleitos, atendendo à actual proporcionalidade aritmética existente entre o número de juízes dos tribunais judiciais e o número de juízes dos tribunais administrativos e fiscais.
Julgo que esta é uma matéria que deve ser equacionada e reflectida por todos nós em conjunto, mas não será seguramente por o Conselho Superior da Magistratura passar de dezassete para dezanove ou para vinte e um membros que perderá qualquer tipo da eficácia necessária e desejável no seu funcionamento. Aliás, a abertura do PSD sobre essa matéria é também total. Optámos apenas, na elaboração do nosso projecto sobre esta matéria, por manter o texto actual, porque, primeiro, é preciso adquirir entre todos nós a bondade deste passo que, como já foi aqui referido, a própria generalidade das magistraturas ou, pelo menos, grande parte dessas magistraturas acolhe com receptividade.
Uma vez adquirida toda a exacta formulação do texto constitucional em torno disto, ela deve ser reflectida. E deve ser reflectida, do nosso ponto de vista, numa perspectiva clara de assegurar a correcta representatividade a todas as magistraturas e não introduzir nenhum mecanismo - e nisso estou completamente de acordo com o Sr. Deputado Luís Sá - de menorização ou deixar alguma marca, algum rótulo, de menor importância em relação a uma das áreas da magistratura comparativamente com a outra. Este é um aspecto com o qual não podemos estar mais de acordo e onde, penso, estamos em perfeita sintonia. Portanto, todas as modelações aqui são as modelações adequadas.
Aproveito estar no uso da palavra para aduzir já algumas considerações relativamente a uma sugestão que decorreu das palavras do Sr. Deputado Luís Sá e que era a de que poderíamos, eventualmente, dar este passo com maior timidez, fazendo a unificação estatutária, mas mantendo a dualidade de institutos, neste caso, de Conselhos Superiores.
É evidente, Sr. Deputado, que essa é uma hipótese também possível, mas penso que essa, de facto, é demasiado tímida. Ou seja, mantemos integralmente - e basta olhar para os artigos 211.º e 214.º - a especialização, que é recomendável e necessária, do nosso ponto de vista, entre os dois tipos de situações e queremos manter as duas estruturas em paralelo, a saber, o Supremo Tribunal de Justiça, por um lado, e o Supremo Tribunal Administrativo, por outro.
Agora, o que nos parece é que, para se dar o passo no sentido que preconizamos, ficarmos apenas pela unificação do estatuto dos juízes e não avançarmos também, pelo menos, neste órgão de cúpula das magistraturas, seria um passo demasiado tímido, confesso, embora também tivesse sido equacionado.
A solução é, de facto, promover a unificação estatutária, promover, em termos de estrutura de representatividade e com competências obviamente reguladoras em matéria de disciplina e outras, essa unidade, embora mantendo, em termos estritamente judiciários, as estruturas do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, em relação às quais se manteria, na proposta do PSD, a situação actual, conforme decorre dos já discutidos artigos 211.º e 214.º.
Mas, repito, em termos estatutários e do funcionamento interno das magistraturas, aí sim, pensamos que não há que ser tímido e que se deve, com toda a abertura para encontrar as soluções mais equilibradas a uma adequada representatividade dos juízes, dar o passo no sentido da harmonização de situações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é só para perguntar se o PSD admite, ou não, que a unificação estatutária e tudo aquilo que os magistrados pretendem em matéria

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de promoção de carreiras, de direitos socioprofissionais e de equiparação plena pode ser feito mantendo Conselhos Superiores separados. Independentemente de o Sr. Deputado dizer que é um passo mais tímido, pergunto se, do ponto de vista prático, não podem ser alcançados exactamente os mesmos resultados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, agradeço que se limite à resposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Vou limitar-me à resposta, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Luís Sá, em teoria, podem ser alcançados os mesmos resultados, só que, na prática, relembro-lhe o seguinte: a coexistência de dois Conselhos Superiores pressupõe, necessariamente, a coexistência de competências para elaboração de regras diferenciadas em matérias de colocação e em matérias disciplinares e, necessariamente, o curso das coisas levaria não a uma harmonização plena mas, sim, à manutenção de alguma diferenciação - isto é evidente.
Quer dizer, manter os Conselhos só para dizer que eles coexistem não faz sentido. Os Conselhos têm competências próprias, terão sempre de ter um acervo de competências próprias, e, se esse acervo de competências próprias se mantiver separado, é evidente que a plena igualdade de carreiras acaba por não ser uma realidade. Penso que a própria realidade se encarregaria de demonstrar que essa não é a solução que caminha rapidamente para a tal igualização de situações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que os contornos da solução híbrida, mercê do debate, estão hoje mais precisos,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Insiste!…

O Sr. José Magalhães (PS): - … mas creio que a qualificação é justa. Isto não tem qualquer cunho pejorativo…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado tem uma atracção especial por esse conceito de "híbrido"!

O Sr. José Magalhães (PS): - É o que corresponde rigorosamente àquilo que os Srs. Deputados têm vindo a definir melhor. Sobretudo, então, em cenários como presidências rotativas, mitigações de competências, estamos no domínio puro das soluções híbridas! Toda a gente sabe!

Risos do PSD.

O grande problema é que não levam esse hibridismo até ao extremo. Por exemplo, dentro de uma solução híbrida, respeitadora dos princípios que tinham enunciado, chegariam, no fundo, a uma espécie de conjugação, não a uma fusão, não a um merging, mas a uma cumulação. Teriam, de um lado, a secção judicial, dentro do conselho único, e, do outro, a secção administrativa, com um número semelhante de representantes, reproduzindo o universo actualmente existente, mas num universo reconstituído, com uma cúpula jurídico-formal, no sítio próprio, ou seja, no topo, sem afectar o conteúdo da base, para não perturbar equilíbrios adquiridos e que, de facto, resultaram de muitas e várias operações praticadas, tanto em sede de legislação ordinária como em sede constitucional.
E digo isto porquê? Por causa do debate, ao qual não queria acrescentar nada - de resto, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro equacionou muito bem, creio eu, as consequências da solução proposta pelo PSD para o artigo 220.º quanto à alínea c), designadamente, e às consequências da alínea c). Parece-me que isso é uma análise irrefutável…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já respondemos a isso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas queria chamar a atenção para dois outros problemas do mesmo tipo: é que olhámos só para a alínea c), mas é preciso olhar para as alíneas a) e b). Ou seja, este conselho, o actual Conselho Superior da Magistratura, tem diversidade de procedências e há um delicado equilíbrio ou conjugação de equilíbrios nesta fórmula 1-2-7-7. E esta fórmula 1-2-7-7, com as características específicas, aliás, do que decorre da alínea a), num conselho unificado, vamos chamar-lhe assim…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não quer impedir a solução por razões protocolares?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não! Não é por razões protocolares. Não é uma razão protocolar que preside à alquimia do Conselho Superior da Magistratura actual!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Mais do que protocolar, tem um valor simbólico!

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma razão que tem a ver com a estrutura e relações entre os órgãos de soberania e os órgãos do poder. Neste caso concreto, como sabem, a Assembleia da República intervém na formação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - e é uma experiência interessante, é uma experiência bastante interessante. É impossível esquecer esse ponto. Eu estou a juntar tópicos para o caderno de reflexão complexo da questão, possível, eventual, no cenário da integração.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É um contributo híbrido, mas é sempre importante!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, é um contributo institucional. Mas, Sr. Presidente, apenas pro memoria, a questão da representação ou dos elementos designados pelo Sr. Presidente da República e pela Assembleia da República adquire outros contornos neste cenário do órgão, mesmo que unificado nesta solução mista, para não ofender, que vem agora proposta. Teremos cuidado, portanto, e ponderaremos, com esta abertura de espírito mas com estes cuidados, as questões suscitadas por estas propostas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD, para já, não logra convencer - tem as objecções e as reservas tanto do PS como do PCP. No caso do PCP, menos, se bem interpretei a posição.
Passamos adiante, e adiante é voltar ao artigo 217.º, para apreciar as propostas do PSD para os n.os 2 e 3 do artigo 217.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desculpe-me, mas então como é que ficou quanto ao n.º 1?

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O Sr. Presidente: - Quanto ao n.º 1, não logra convencer neste momento, por objecções do PS e do PCP.
Srs. Deputados, vamos passar às propostas do PSD para os n.os 2 e 3. As propostas do PSD para os n.os 2 e 3 estão à discussão, começando pela sua apresentação pelos proponentes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Posso pedir só uma clarificação, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pareceu-me ficar com a ideia clara de que, quanto à questão da unificação estatutária, o PCP estava de acordo! O PCP podia não estar de acordo era depois quanto à questão dos órgãos, da manutenção de um ou dois órgãos. Ora, o n.º 1 do PSD fala na unificação estatutária dos juízes, apenas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, pode esclarecer a posição do PCP?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Em primeiro lugar, creio que ficaram claras objecções em relação à supressão da ideia de que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único. Em segundo lugar, manifestámos efectivamente abertura em relação à consagração constitucional do princípio da igualdade das magistraturas, o que não significa tirar daí consequências em termos orgânicos, designadamente em matéria de unificação dos conselhos superiores.

O Sr. Presidente: - E quanto à proposta concreta do PSD para o n.º 1 do artigo 217.º?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao estatuto, independentemente da ponderação dos termos concretos da formulação, manifestámos a nossa abertura; em relação à questão orgânica, não. Independentemente também da questão do corpo único dos magistrados judiciais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães, se pudesse comentar a vossa posição, diria que é uma posição híbrida!

O Sr. Luís Sá (PCP): - É devidamente pensada e ponderada. É híbrida? Talvez! Os híbridos nem sempre são negativos!

Risos.

O Sr. Presidente: - Está esclarecida, fica registada a abertura do PCP para consagrar a ideia de um só estatuto, sem prejuízo do princípio de que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único.
Srs. Deputados, estão à discussão as propostas do PSD para o artigo 217.º, n.os 2 e 3. Deixando de lado a questão dos tribunais judiciais, a eliminação da qualificação dos tribunais judiciais, que era uma norma puramente subsidiária da ideia de unificação do artigo 217.º, as propostas consistem no seguinte: no n.º 1, o princípio de que "a lei determina os requisitos e regras do recrutamento dos juízes dos tribunais de 1.ª instância", passaria a dizer "os tribunais de 1.ª e de 2.ª instância"; e no n.º 3, onde se diz que "o recrutamento dos juízes dos tribunais de 2.ª instância é por concurso curricular entre juízes da 1.ª instância", afastar-se-ia esta última parte da norma.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar a proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, nesta síntese que fez, praticamente tocou também nos aspectos substantivos, para além dos meramente descritivos.
É evidente que, face à discussão que aqui já mantivemos, em coerência com as propostas do PSD, no n.º 2 tem de retirar-se a referência exclusiva aos tribunais judiciais, porque é de todos os tribunais de 1.ª instância e de 2.ª instância também - parece-nos, de facto, que há aqui toda a vantagem em que seja a própria lei a determinar os requisitos e regras de recrutamento dos juízes dos tribunais quer da 1.ª quer da 2.ª instância.
Quanto ao n.º 3, a retirada de "judiciais" a seguir a "tribunais" inscreve-se exactamente na mesma ordem de ideias.
Quanto à parte final, terminar em "concurso curricular" esta delimitação entre os juízes da 1.ª instância, pois se já se diz no n.º 2 que compete à lei determinar os requisitos e as regras de recrutamento dos juízes dos tribunais de 1.ª e de 2.ª instância, é evidente que aqui, no n.º 3, a Constituição não deve estar a delimitar, do nosso ponto de vista, de uma forma, por um lado, repetitiva e, por outro lado, eventualmente redutora daquelas que sejam as opções da lei na decorrência do n.º 2; a Constituição deve limitar-se a acrescer àquilo que está no n.º 2 - e que remete para a lei as regras de recrutamento - apenas o princípio de que, em qualquer circunstância, essas regras devem observar a prevalência do critério de mérito e a necessidade de observância também do concurso curricular. Portanto, voltar a repetir aqui uma matéria que, do nosso ponto de vista, deve decorrer daquilo que a lei, ao abrigo do n.º 2, vier a estipular quanto às regras de recrutamento dos juízes, parece-nos redutor em certa medida.
A descrição é esta: eu diria que estas alterações de formulação decorrem, substantivamente, do princípio já aqui enunciado e, nesta matéria, não me parece, com toda a franqueza, que haja inovações de grande substância da parte do PSD, quanto ao texto actual.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de remetê-los para as propostas do Prof. Jorge Miranda e do Dr. Jesus Martins, que também convergem aqui com a proposta do PSD no sentido de não reservar o acesso à 2.ª instância aos juízes da 1.ª instância.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente no sentido de saber se, com isso, se permite o acesso directo dos magistrados do Ministério Público e de outros juristas de mérito à 2.ª instância.

O Sr. Presidente: - Deixa isso à lei, claramente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a resposta é telegráfica e foi dada pelo comentário do Sr. Presidente: a proposta do PSD, que eu referi, é a de remeter para a lei esta matéria - deixar claro que compete ao legislador definir as regras de recrutamento e os requisitos que deve observar o recrutamento para os tribunais de 1.ª e 2.ª instância.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, essa é mesmo a única alteração que consta das propostas do PSD.
Srs. Deputados, está aberta a discussão desta proposta.

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A menos que se entendesse que a proposta continha uma espécie de inversão da carreira segundo a qual se começava por cima e se vinha descendo por aí abaixo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão.
Sr. Deputado Moreira da Silva, tem a palavra.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, eu gostava de adoptar, para efeitos de discussão - penso que seria útil - uma das propostas do Prof. Jorge Miranda relativamente ao concurso de provas públicas relativamente ao acesso à 2.ª instância. Penso que poderá ter algumas virtualidades, desde logo na 2.ª instância e não nas instâncias superiores, devido à própria idade dos magistrados nesta altura - penso que será a altura certa no acesso à 2.ª instância - e que poderá permitir um acesso a juízes com méritos comprovados e públicos, podendo ser bastante útil para a nossa magistratura.
Por isso, gostava de ouvir algumas opiniões sobre esta matéria, sendo que a minha, pessoal, é favorável à introdução deste conceito de concurso de provas públicas para o acesso à 2.ª instância.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está também lançada para a mesa de discussão uma outra ideia, adoptada pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, colhida do projecto do Prof. Jorge de Miranda, de o concurso de acesso aos tribunais de 2.ª instância ser feito por concurso de provas públicas - ideia que, na proposta do PS, aparecia citada a título facultativo, legalmente facultativo para o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Mas, por enquanto, estamos apenas a discutir o acesso à 2.ª instância. Srs. Deputados, a proposta do PSD está devidamente esclarecida quanto ao seu alcance e suscito tomadas de posição, argumentos pró e contra.
Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não há relevantes argumentos contra a correcção…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É altura de adoptar uma posição híbrida!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Noto aí algum excesso de incómodo em relação à apostrofação! Não há razão para tanto, Sr. Deputado! O debate foi um debate bastante interessante e temos hoje um puzzle bastante complexo mas mais claro para podermos apreciar.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estava apenas a fazer um aparte.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sendo certo que é um debate que será considerado por eminentes juristas e seguramente juízes, seremos julgados, e bem, provavelmente, pelo debate. Portanto, não se ofenda!
Em relação às três questões suscitadas, a adiantada pelo PS suscitou, embora seja inacreditavelmente…

O Sr. Presidente: - Ainda não está à discussão!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não está? Mas o Sr. Presidente referiu-a.

O Sr. Presidente: - Referi-a porque o Sr. Deputado Moreira da Silva a transportou para o acesso à 2.ª instância.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não seria melhor discutirmos os blocos temáticos para economizar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Por mim, não tenho oposição - alarga-se também à proposta do PS para o acesso ao STJ.

O Sr. José Magalhães (PS): - Talvez seja vantajoso, Sr. Presidente, porque no fundo o que está aí em questão é saber qual é a relevância da dosagem mérito/antiguidade e a nossa proposta, curiosamente, não diz respeito a esse aspecto - diz respeito à muito calibrada e limitada inserção, ainda por cima como faculdade concedida ao legislador, da possibilidade de criação de inserção no processo de acesso de um elemento, a prestação de provas públicas, com a relevância nos termos que a lei vier a estabelecer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o Sr. Deputado Moreira da Silva propôs, pegando na proposta do Prof. Jorge Miranda, transportar a ideia de concurso de provas públicas para o acesso à 2.ª instância e não para o acesso ao STJ, ou não só…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto, não só para o acesso ao STJ.
Esta nossa proposta, que tivemos ocasião de discutir com representantes da Associação Sindical dos Juízes, numa audiência pública realizada há algumas semanas, suscitou, com alguma surpresa nossa, grandes reservas. O que, francamente, não nos facultou argumentos muito espessos quanto às razões de fundo dessas reservas, porque verdadeiramente se trata não de alterar o actual concurso curricular, como tal definido, mas de criar um processo de acesso, um momento de prestação em condições a determinar, as quais seguramente serão calibradas.
A verdade é que a questão do acesso e da situação do Supremo Tribunal de Justiça tanto quanto ao período de tempo em que os senhores conselheiros exercem as suas funções até ao chamado período de jubilação - aliás, a leitura que o direito comparado nos permite sobre as formas de provimento, de acesso a órgãos com a mesma natureza, as oscilações em relação ao cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 217.º com resultados bastantes distantes daqueles que o artigo 217.º, n.º 4, permite, e outros, exigem seguramente várias medidas, muitas das quais vão ser tomadas agora no plano da lei ordinária - não é uma questão simples, pelo que terá de ser feito com todo o cuidado, com vista à eficácia e à estabilidade do órgão.
A nossa proposta é, de facto, extraordinariamente modesta e cuidadosa ao só prever o que prevê. A ideia de, por similitude de raciocínio, incluir um momento de prestação de provas públicas - o que teria especial interesse num cenário de alargamento do acesso, ou seja, aplicar-se aí também a regra do acesso aberto a magistrados oriundos do Ministério Público e a outros juristas de mérito - não nos provoca nenhuma reacção negativa. Vamos ponderar, francamente.
Em relação ao n.º 3 proposto pelo PSD, vamos igualmente considerar com um espírito positivo. Trata-se de homogeneizar as soluções do n.º 3 e do n.º 4 e de permitir, com a mesma remissão para a lei ordinária, dosagens de acesso que, sem prejuízo naturalmente do acesso de

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juízes, garantam um enriquecimento daquilo que é um órgão superior e supremo e que, portanto, tem especiais exigências de ter os melhores juristas do País, os melhores juristas da República, sem dúvida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Moreira da Silva, tem a palavra.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães referiu abertura às provas públicas mas, na proposta do PS, relativamente ao Supremo Tribunal de Justiça; relativamente à possibilidade de essas provas públicas serem realizadas antes na 2.ª instância, também manifestou abertura?

O Sr. Presidente: - Também manifestou abertura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, pessoalmente, queria manifestar alguma reserva no que respeita às provas públicas relativamente à 2.ª instância apenas, e não relativamente ao STJ, pela seguinte razão: julgo que tem de haver alguma ponderação, para haver um justo equilíbrio entre, por um lado, aquilo que são as exigências de qualidade dos magistrados para garantir o correcto exercício da sua função e, por outro lado, aquilo que são as exigências do ponto de vista da carreira e, portanto, do ponto de vista da progressão e da tutela das expectativas da progressão da carreira entre os factores antiguidade e os factores mérito.
Eu lembro-me, a propósito de uma proposta de alteração ao estatuto da carreira docente, há uns anos atrás, que o Prof. Freitas do Amaral fez um texto no qual fazia a análise comparativa do estatuto das várias carreiras, dos vários corpos especiais da função pública, incluindo a magistratura, a carreira docente, os militares, os diplomatas, os médicos, etc., para demonstrar o absurdo das exigências que eram feitas em relação à carreira docente, designadamente no que respeita a prestação de provas públicas e a prestação de provas ou a graus de acesso por mérito na carreira profissional, e chegou à conclusão de que há uma certa tradição no nosso ordenamento jurídico de que nos corpos especiais haja, fundamentalmente, dois graus de acesso, ou um grau de ingresso e um grau de acesso, em que se sujeitam os candidatos a provas públicas de mérito - normalmente, no ingresso propriamente dito e no acesso ao topo da carreira. É assim que acontece com os diplomatas, é assim que acontece com os militares e, em tempos, era assim que acontecia com a carreira docente, sendo que se foram multiplicando, por via da lei ordinária, às vezes até por via da interpretação que da lei ordinária era feita pelos órgãos próprios das universidades… e na própria administração pública, embora aí, nas carreiras do regime geral, a questão se coloque, apesar de tudo, em termos diferenciados.
Portanto, se é útil ou se pode ser útil, designadamente para garantir a qualidade dos magistrados que compõem os tribunais superiores, que possa prever-se a possibilidade de o acesso aos tribunais superiores se fazer por provas de mérito e que essas provas, para além do mais, sejam públicas, isso é verdade.
Mas julgo que é preciso ter algum cuidado em passar-se de uma situação de oito para oitenta, exigindo essas provas de mérito e públicas em todos os graus de acesso da carreira da magistratura, sendo certo que ela já existe no que respeita ao ingresso, uma vez que os candidatos hoje têm que prestar provas ao Centro de Estudos Judiciários e essas provas são públicas e são provas de mérito - portanto, desde logo, há um primeiro grau em que são prestadas provas públicas e em que é avaliado o mérito dos candidatos.
Por isso, julgo que prever-se dois graus - o de ingresso e o de acesso ao escalão superior da carreira - em que essas provas existam e em que seja avaliado o mérito do candidato por essa via, julgo que é útil.
Quanto ao mais, o critério do mérito estará sempre presente, quanto mais não seja por avaliação curricular, tal como acontece, aliás, hoje em dia no que se refere aos acessos intermédios, isto é, à progressão intermédia na carreira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, há aqui um conjunto de questões que, de algum modo, creio que têm que ser vistas separadamente, embora tenham depois, muitas delas, uma conexão bastante estreita. Uma delas é a ideia de o recrutamento dos juízes dos tribunais de 2.ª instância deixar de ser feito exclusivamente entre os juízes de 1.ª instância. Há bocado, foi aqui muito referida a posição da Associação Sindical dos Juízes e creio que era interessante o PSD referir igualmente a posição desta associação sindical nesta matéria; isto é, se foi ouvida, qual é a sua opinião?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Foi ouvida, foi.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Pois, eu sei - isto é, calculo que foi. Por isso mesmo, acho que era interessante o PSD relatar e apreciar essa posição.
Um segundo aspecto que eu gostaria igualmente de referir era o seguinte: julgo que o problema do concurso de provas públicas é especialmente justificado naquela ou naquelas instâncias em que haja uma abertura a não magistrados. Em relação a magistrados, naturalmente que pode também haver vantagens - há vantagens e há inconvenientes que têm que ser devidamente ponderados, mas julgo que, em geral, é particularmente justificada numa situação em que o recrutamento não se faça exclusivamente na magistratura e se faça, em geral, entre outros juristas de mérito, isto para usar a expressão que consta da Constituição.
Julgo que resulta, do conjunto de questões que referi e do conjunto de questões que o PSD vai referir, matéria suficiente para olharmos estas propostas com muita cautela e, pela nossa parte, preferíamos reservar a nossa posição quer atendendo ao aprofundamento do debate quer atendendo a melhor ponderação ulterior.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, compartilho hoje da ideia de que a concepção tradicional da magistratura como uma carreira é errada e que devia ser alterada, devendo o cargo do juiz, à face da nossa Constituição, ser um cargo e não uma carreira, pelo que, a meu ver, o paralelismo com carreiras de funcionalismo, mesmo corpos especiais, não deve aplicar-se.
Assim, entendo que o acesso deve ser para o exercício de um cargo e a ideia de que um juiz que entra no Conselho Superior da Magistratura para aprendiz de juiz, há-de entrar para juiz aos 24 ou 25 anos e acabar no Supremo

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Tribunal de Justiça quando tiver 60 anos, é o pior que temos feito à ideia da justiça em Portugal, por isso devíamos alterar radicalmente esta situação.
Portanto, eu concordaria, salvo pequenas alterações de pormenor, com as ideias do Prof. Jorge Miranda e do próprio Dr. Jesus Martins, desde logo no acesso à 1.ª instância. A ideia de fabricarmos juízes de 1.ª instância numa escola e de os pormos a julgar aos 25 anos é uma ideia que me causa, essa sim, uma enorme erisipela! Creio que devíamos ter a coragem em alterar. É claro que, para isso, não precisamos de alterar a Constituição - hoje a lei pode fazê-lo sem alterar a Constituição.
Penso que a proposta do PSD, pelo menos, é muito mais cautelosa que a do Prof. Jorge Miranda, de eliminar da Constituição o exclusivo do acesso à 2.ª instância por parte dos juízes da 1.ª instância, é meritória e, pela minha parte, dou-lhe o meu inteiro acordo.
Quanto à ideia de meter as provas públicas na 2.ª instância ou apenas no último tribunal, sinceramente aí não tenho opinião formada. Penso que, pelo menos em relação ao STJ e ao STA, claro, por extensão, devia haver concurso de provas públicas; mas a ideia de provas públicas está, na proposta do Prof. Jorge Miranda, logo na 2.ª instância e, a mim, confesso que não me causa nenhuma oposição de fundo, sobretudo a partir do princípio em que penso que a abertura a outros candidatos, para além dos juízes da 1.ª instância, torna essa solução não só normal mas porventura adequada.
Posto isto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, era precisamente sobre as provas públicas, relativamente à 2.ª instância, que eu gostava de me pronunciar, não num espírito corporativo, até porque não sou magistrada, mas por uma questão que acho que, sendo leal, não devemos omitir nem devemos sequer esquecer.
De momento, quando os juízes progridem na carreira atende-se a dois factores: à antiguidade e ao mérito, sendo este último obtido pelas notas resultantes das inspecções. Acontece, no entanto, e basta falar com uma série de juízes, que eles solicitam inspecções e elas não vêm - e, portanto, não têm nota. Por isso, quando chega o momento da progressão, da eventual entrada na Relação, passam-lhes à frente uma série de outros.
Ora bem, a questão que eu pretendo colocar à discussão tem a ver com a possibilidade de solicitar as provas públicas, com carácter supletivo para esses, exactamente para suprir a falta de informação de mérito.
Pessoalmente, sou a favor desta proposta mas, obviamente, coloco-a à discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que a questão que agora é colocada pela Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo é profundamente legítima - de resto, é uma das questões que foram discutidas pelo PSD internamente, aquando da formulação deste texto, e também sobre o mesmo trocámos impressões com a Associação Sindical dos Juízes, nomeadamente quando com eles falámos - só que, com toda a franqueza e não podendo estar mais sensível à questão que é colocada, decorre exactamente daquilo que eu, na minha intervenção inicial, tinha chamado de situações concretas de menor justiça relativa.
Por exemplo, há uma situação para que nos foi chamada a atenção pela Associação Sindical de Juízes e que é similar a essa que a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo colocou e que tem que ver com o facto de na actual estrutura dos tribunais administrativos e fiscais, as coisas se processarem de uma forma diferente, até pelo menor número de juízes, e isso, em determinadas circunstâncias, permitir situações de privilégio relativamente a esses juízes quando comparados com outros juízes da 1.ª instância dos tribunais judiciais.
Portanto, a questão a que eu quero chegar é esta: a realidade, de facto, apresenta uma série de situações concretas que ultrapassam, necessariamente, do meu ponto de vista, a previsão exaustiva de todas as situações por parte do legislador e sobremaneira, repito sobremaneira, por parte do legislador constitucional.
Era esta a conclusão que queria tirar, ou seja, não podemos estar mais sensíveis a este tipo de questões mas, com toda a franqueza, não me parece, minimamente, que seja a sede constitucional a adequada para tentarmos encontrar soluções que resolvam estes problemas, por um lado, porque nunca iremos conseguir encontrar soluções para todos os problemas nesta sede, e, por outro lado, porque tudo quanto possamos acrescentar ao texto constitucional sobre esta matéria vai, obviamente, em última instância, acabar por criar alguns embaraços ao legislador ordinário, dentro da flexibilidade que ele vai ter de adoptar para encontrar, de uma forma equitativa e equilibrada, as soluções que tentem obviar ao maior número possível de situações de injustiça.
Portanto, com franqueza, neste caso… Este, como outros exemplos, é mais uma razão para se remeter para o legislador ordinário a exacta modelação das regras que devem presidir a estas normas de acesso.
Quero acrescentar apenas uma consideração relativamente à questão da prestação de provas públicas suscitada pelo Partido Socialista.
Em primeiro lugar, para responder à questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá, de facto, também trocámos impressões com a Associação Sindical dos Juízes sobre esta matéria e ela posicionou-se frontalmente contra - aliás, devo confessar que, pelo menos pela nossa parte, não seria de esperar uma posição muito diferente.
O que eu penso que é de relevar, e deve ser relevado sobremaneira, no debate que estamos hoje aqui a fazer, desde o princípio da manhã, é o facto de, por exemplo, no que respeita à questão de que falámos antes, da fusão dos Conselhos Superiores, em que, obviamente, também se colocam problemas de alguma redução ou, no mínimo, de partilha de determinado tipo de competências de certos juízes com outros, haver uma posição de grande abertura e receptividade por parte das associações sindicais. Eu acho que é nesse tipo de posições que devemos ponderar e reflectir com mais cuidado do que, com franqueza, nesta questão da prestação de provas públicas.
Em todo o caso, a posição da associação sindical foi aquela que, obviamente, nós esperávamos. Podíamos ter sido surpreendidos mas não fomos e acabou por ser aquela a posição um pouco institucional, eu diria, da parte de uma associação sindical, enfim, aquilo foi o que seria esperável da parte de uma associação sindical.
Agora, indo à questão de fundo, gostava de a comentar neste sentido: embora perceba as questões, nomeadamente as que o Sr. Presidente suscitou na sua intervenção, que

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giram à volta da problemática do acesso e das escolhas e da visão dos lugares da magistratura fundamentalmente como cargos, nomeadamente em termos de estrutura, e não numa perspectiva de carreira, obviamente que sou sensível e o PSD é sensível e concorda genericamente com essa visão, daí, por exemplo, a imprescindibilidade, do nosso ponto de vista, da manutenção do princípio que decorre do actual n.º 4 do artigo 217.º da Constituição, que é o da abertura a pessoas fora da carreira, precisamente para retirar, digamos, esse tonus carreirista, no mau sentido, da ocupação de cargos dentro da estrutura judiciária.
Mas há outros problemas que eu gostaria de colocar. Fazendo, por exemplo, o paralelismo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fez com o pessoal docente, que é um corpo especial, há uma diferença muito significativa. As pessoas tendem, muitas vezes, a confundir o que são os graus dentro da carreira docente e o que são os cargos que depois se ocupam, de acordo com a acessibilidade que é proporcionada pelo facto de haver um determinado grau académico.
Portanto, não vejo muito bem como é que se poderia realizar a transplantação para aqui, para o corpo especial da magistratura, dessa situação. Não vejo como é que os juízes pudessem aceder a um determinado grau que ficaria qualificado como o grau que daria acesso potencial ao Supremo Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Administrativo e, depois, aguardar pela existência de uma vaga. Como é que isso se processaria depois?! Penso que, inevitavelmente, a escolha tem de partir de uma análise curricular, como está actualmente consagrado na lei, até porque não vejo muito bem como é que se poderia, depois, consagrar, na prática, a prestação de provas em concorrência de vários candidatos para um lugar que vaga no Supremo Tribunal. Não vejo muito bem como é que este tipo de situações seria operacionalizável!
Portanto, com toda a franqueza, esta proposta genérica da prestação de provas públicas, se faz sentido, e fá-lo com certeza, sem dúvida nenhuma, em termos teóricos, em abstracto, fará muito mais sentido nas situações que foram já aqui suscitadas, nomeadamente pela Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo, e que se colocam no acesso a patamares diferentes dentro da magistratura, porque aí, sim, aí, a progressão dentro da carreira e a nomeação para postos diferenciados está, hoje em dia, dependente de uma série de condições que, muitas vezes, sem qualquer responsabilidade imputável ao juiz em causa, ele não vê objectivamente preenchidas e, por força disso, vê-se preterido em algo a que, pelo menos, tem direito a competir em igualdade de circunstâncias.
Agora, no acesso aos dois tribunais supremos, vemos com dificuldade a mera operacionalização de uma situação desse tipo, para além de considerações de outro tipo que são, enfim, já mais subjectivas mas que todos temos presentes e que têm a ver também com a própria dignidade da função e por aí fora, até porque não é desprezível toda uma tradição que existe aqui e que deve ser ponderada e reflectida, nos seus exactos termos, por nós, sem qualquer tipo de complexo.
Mas o problema fundamental que o PSD coloca, quanto a esta proposta, é, de facto, um problema de operacionalização em termos da competitividade que, obviamente, surgiria numa situação de abertura de vagas. Como é que é compaginável este tipo de situações?! Não vemos muito bem a concretização disto.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, para uma intervenção muito breve. Eu já tencionava pedir a palavra, na sequência da sua intervenção, Sr. Presidente, e mais agora. Compreendo a sua preocupação, mas é muito rápido.
Quero apenas dizer o seguinte: embora eu seja sensível a essa ideia de que a magistratura deve ser vista como um conjunto de cargos e não como uma carreira, julgo que isso está, apesar de tudo, colocado numa perspectiva muito optimista, mais no plano do dever ser do que no plano do ser. Aliás, é curioso que, nesta discussão, sempre que se referenciaram as posições dos magistrados, se referenciaram as posições da Associação Sindical dos Magistrados, o que revela bem o seu espírito de corpo e o modo como a magistratura hoje em dia funciona.
Portanto, o que digo, com algum realismo, é que é preciso ter cuidado para evitar que se garantam os poderes e as prerrogativas dos titulares dos cargos e também para que se conservem alguns dos direitos e regalias dos membros do corpo. Digo isto com toda a sinceridade, porque, por exemplo, quando me referi aos corpos especiais fi-lo numa perspectiva estritamente funcional e socioprofissional, para usar a expressão que foi aqui utilizada há pouco, e não me referi, em especial, à carreira docente, embora o exemplo seja curioso, porque, enquanto que, por exemplo, em 1974, no topo da carreira docente, um professor catedrático estava equiparado, em termos de dignidade, designadamente em termos de vencimento, ao general de quatro estrelas e ao juiz-conselheiro do STJ, hoje, o professor catedrático ganha metade do que um juiz-conselheiro do STJ e pouco mais de metade do que um general de quatro estrelas, precisamente porque, tendo em conta a lógica de corpo que sempre funcionou na magistratura, isso deu-lhe sempre um peso e um poder próprios, nomeadamente no que respeita à reivindicação dos seus direitos profissionais, que permitiram que a carreira da magistratura fosse sempre olhada com mais atenção e com mais cuidado pelo legislador do que, porventura, outras carreiras que, em termos de dignidade profissional apenas, se lhe equiparavam.
É só por essa razão que entendo que é preciso ter alguma cautela e ponderação, porque as duas perspectivas existem, isto é, eles são titulares de cargos mas também são membros de um corpo profissional e é preciso olhá-los também como tal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que já é altura de começarmos a tomar posições. Há duas situações, uma das quais é a que consta da proposta do PSD, no sentido de afastar o actual exclusivo constitucionalmente estabelecido no acesso à 2.ª instância por parte dos juízes da 1.ª instância. Gostaria que os outros partidos tomassem uma posição concreta sobre esta proposta.
Em segundo lugar, importa considerar o lugar que há-de ser dado às provas públicas.
Na ideia do Professor Jorge Miranda, as provas públicas deveriam ter lugar logo no acesso à 2.ª instância; no projecto do Dr. Jesus Martins, elas deveriam ter lugar logo no acesso à 1.ª instância; no projecto do PS, elas surgem limitadas ao STJ; pela minha parte, já agora, proponho uma alternativa. Entendo que deveríamos remeter esta matéria para a lei, através de um novo número, no seguinte sentido: "Nos processos de acesso previstos nos números anteriores pode haver provas públicas, nos termos da lei.". Eis

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a sugestão que deixo para ser considerada juntamente com a proposta do PS que, em si mesma, me pareceu não colher imediata adesão por parte do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, se bem entendi, seria uma solução global, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Era remeter para a lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Remeter para a lei em relação às três instâncias?

O Sr. Presidente: - Em relação às três instâncias.

O Sr. José Magalhães (PS): - Receio, Sr. Presidente, que colha ainda menos adesão do que a proposta originária do PS.

O Sr. Presidente: - Não deixo de a fazer por causa disso, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Com certeza!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria que tomassem posição primeiro quanto à proposta do PSD, no sentido de afastar o exclusivo constitucional de acesso à 2.ª instância por parte dos juízes de 1.ª instância, remetendo para a lei o regime de acesso à 2.ª instância.
Qual é a posição dos Srs. Deputados do PS?

O Sr. José Magalhães (PS): - Mostrámos disponibilidade para considerar essa proposta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Qual é a posição do PCP?

O Sr. Luís Sá (PCP): - O PCP reserva a sua posição.

O Sr. Presidente: - Em relação às provas públicas, o PS propõe-nas, deixando isso para a lei no que se refere ao STJ.
O Professor Jorge Miranda, com o apoio do Deputado Moreira da Silva, propõe-nas logo para a 2.ª instância.
Pela minha parte, propus que a figura seja prevista mas remetendo para a lei o seu âmbito e a sua configuração.
Srs. Deputados, gostaria que tomassem posição quanto a estas ideias. O PS tem a sua proposta própria…

O Sr. José Magalhães (PS): - Temos, Sr. Presidente, mas vamos considerar essa. Uma vez que surgiu agora, temos necessidade de criar um compasso de reflexão orgânica, para obtermos uma posição que ainda não está apurada.

O Sr. Presidente: - Qual é a posição dos Srs. Deputados do PSD?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a posição do PSD é favorável quanto à questão de fundo mas com as reservas que decorrem daquilo que foi suscitado aqui, nomeadamente pela Deputada Eduarda Azevedo e por mim, ou seja, se é certo que, em determinado tipo de circunstâncias, quanto mais não seja com carácter supletivo, as provas públicas podem ter uma validade significativa, já a imposição constitucional, que pode ser sempre entendida como uma regra que deve ser aplicada a todo o tipo de situações indiscriminadamente, parece-nos, eventualmente, forçada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, chamo-lhe a atenção para o seguinte: nem o PS propunha isso, uma vez que dizia "(…) podendo igualmente incluir a prestação de provas públicas (…)", o que significa que remetia para a lei, e a minha proposta é a de remeter tudo para a lei.
Portanto, Sr. Deputado, o argumento que está a utilizar, salvo o devido respeito, não acerta no alvo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois, Sr. Presidente. Portanto, nós, quanto à questão de fundo, temos as maiores reservas no que respeita ao acesso ao Supremo, pelas razões que referi, o problema não se coloca no acesso à 1.ª instância, porque as pessoas saem com formação…

O Sr. Presidente: - No actual regime legal! Mas pode ser alterado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Portanto, a lei terá sempre de dispor regras de…

O Sr. Presidente: - E pode prever provas públicas! Por que não?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Actualmente prevê, porque os exames no CEJ são provas públicas.

O Sr. Presidente: - Mas não são para acesso à magistratura, são para acesso à escola.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Para a saída! Há exame de saída!

O Sr. Presidente: - Tem razão, tem razão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, nós estamos receptivos e podemos equacionar uma qualquer redacção que coloque o problema em termos opcionais e naquela perspectiva de complementaridade no acesso da 1.ª à 2.ª instância, ou seja, não necessariamente da 1.ª à 2.ª instância mas no acesso à 2.ª instância, porque, como já vimos e o Sr. Presidente já o referiu, e bem, nós propomos o fim da exclusividade dos juízes da 1.ª instância no acesso à 2.ª.
Portanto, o problema, do ponto de vista do PSD, é equacionável, numa lógica de complementaridade e no acesso à 2.ª instância.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, entrou no final de uma discussão, pelo que espero que não esteja…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, mas eu sei o que se está a discutir.

O Sr. Presidente: - Quero chamar-lhe a atenção para o risco que corre de…

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente, exactamente por ter chegado só agora.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero perguntar-lhe se não considera suficientes as inspecções feitas aos juízes da 1.ª instância para o acesso à 2.ª.

O Sr. Presidente: - Como vê, incorreu no risco, Sr.ª Deputada. Essa questão tinha sido considerada…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O problema é exactamente esse, Sr.ª Deputada! É que, muitas vezes, acontece, e nós temos conhecimento, todos nós, em conversa com os juízes, de que como as fiscalizações, as inspecções, não ocorrem com a celeridade e a periodicidade exigível, muitas vezes, muitos juízes queixam-se de que, como não foram inspeccionados, vêem passar à sua frente…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nem mesmo com a alteração feita ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, que prevê…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A questão que foi suscitada pelo PSD, Sr.ª Deputada, e penso que a compreenderá,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está bem, Sr. Deputado! Já percebi!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … foi a seguinte: nos casos em que os juízes se sintam preteridos, pelo facto de não terem sido inspeccionados, eles poderão, eventualmente, requerer a prestação de provas públicas para suprir essa falha,…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Mas não é isso…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … por estarem sem notas.
Por isso é que eu estava a dizer…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas nos termos do Estatuto, podem requerer a inspecção.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas a inspecção, muitas vezes, não é feita! Apesar de a requererem, não é feita!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos apurar o conjunto das propostas.
A proposta do PSD merece a disponibilidade do PS e a reserva de posição do PCP.
A proposta relativa ao lugar das provas públicas, que, no projecto do PS, está previsto, a título legalmente facultativo, no n.º 4, e que eu procurei, numa formulação, remeter na totalidade para a lei, fica em aberto. Regista-se uma reserva de posição tanto do PS quanto do PCP, que suponho que, à partida, também não se opôs, e também do PSD, pelo que se mantém em aberto a minha formulação e, obviamente, também a do próprio PS, para serem consideradas ulteriormente.
Chamo, no entanto, a atenção para o seguinte: se nós queremos que, de facto, a lei tenha possibilidade de consagrar provas públicas, a Constituição deve, pelo menos, permiti-lo, porque, de outro modo, tal como estão os n.os 2 e 3 do artigo 217.º, isso não será admitido.
Portanto, penso que, não sendo excluída por nenhum partido a hipótese de essa ser uma boa solução, então, devemos encarar seriamente uma remissão para a lei dessa possibilidade, já quanto aos termos, já quanto à própria extensão e faculdade em que isso ficaria.
Por conseguinte, insisto no mérito da minha proposta, como minimalista, para deixar a questão ao legislador ordinário.
Srs. Deputados, prosseguiremos da parte da tarde, com a discussão do artigo 218.º.
Está suspensa a reunião.

Eram 12 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que vamos recomeçar a reunião.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do artigo 218.º, cuja epígrafe é "Garantias e incompatibilidades".
Em relação a este artigo existe uma proposta do Deputado Pedro Passos Coelho e outros, de eliminação do n.º 2, cujo alcance, sinceramente, não percebo, pelo que é pena não estar cá o autor para a explicar. Assim, não estando ele, não sou eu quem a vai retomar para discussão, nem vou pedir, obviamente, ao PSD que a justifique.
Passamos ao n.º 4, relativamente ao qual existe, da parte do PSD, um apuramento consequencial que não merece discussão autónoma porque tem a ver com a unificação dos conselhos superiores.
Independentemente disso, há duas coisas que quero suscitar, as quais constam do projecto do Professor Jorge Miranda e têm a ver com o seguinte: penso que o estatuto dos juízes tem, hoje, duas falhas essenciais, uma das quais tem a ver com o facto de não haver cobertura constitucional para as restrições que a lei estabelece à actividade político-partidária dos juízes.
O ex-Deputado Jorge Miranda e o Dr. Jesus Martins propõem-se constitucionalizar essas restrições, e, a meu ver, com razão.
A outra ideia é a de que hoje não há cobertura constitucional para limitar o exercício pelos juízes de cargos que, na minha opinião, expõem indevidamente a sua credibilidade e a sua legitimidade. Isto tem a ver com a participação em clubes desportivos, federações desportivas, etc. Pessoalmente, propunha que se acrescentasse, no artigo 218.º, não a norma que, para esse aspecto, está proposta mas algo que fosse no seguinte sentido: "A lei determina as demais incompatibilidades dos juízes", para permitir que a lei admitisse incompatibilidades do exercício efectivo de funções de juiz com o exercício de funções em clubes e federações desportivas. Penso que, neste momento, estão a fazer mais mal à magistratura do que muitas outras coisas que, eventualmente, poderíamos elencar.
Ponho também à consideração a hipótese de constitucionalizar as restrições previstas na lei para a actividade político-partidária dos juízes. O Professor Jorge Miranda é mais definitivo do que eu, porque propõe a seguinte redacção: "São vedadas aos juízes a filiação em partidos

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ou associações políticas e quaisquer actividades político-partidárias e eleitorais de carácter público". Isto vai além da lei, porque a lei actual não proíbe a filiação. Nenhuma das leis - o Estatuto dos Magistrados Judiciais, o Estatuto dos Juízes dos Tribunais Administrativos, a Lei do Tribunal Constitucional - proíbe explicitamente a filiação, proíbe é a actividade político-partidária de carácter público. Portanto, pode-se ser membro de um partido, tal como da maçonaria ou de qualquer outra organização, mas não se pode é ter actividade pública dessa natureza.
Portanto, com essa caução, eu adoptaria a proposta do Professor Jorge Miranda, não no sentido de a Constituição vedar directamente mas no sentido de autorizar a lei a fazê-lo, ou seja, a lei determinará as restrições ao exercício de actividades político-partidárias por parte dos juízes. Uma fórmula destas, em vez de ser a Constituição a restringir directamente, seria uma autorização legal e, em vez de se autorizar a proibição de filiação, cobrir-se-iam as actuais restrições que já estão na lei e não têm cobertura constitucional, as quais, até agora, nunca foram questionadas mas não estamos livres de virem a sê-lo.
O terceiro ponto que quero suscitar, este, talvez, mais polémico, é que penso que a segunda parte do actual n.º 3 do artigo 218.º tem sido, verdadeiramente, deletério para a independência da magistratura. Penso que hoje temos muitos juízes, e não só dos supremos tribunais, a dar aulas em universidades, públicas e privadas, no caso das públicas, obviamente, a título gratuito, no caso das privadas só formalmente a título gratuito. E, portanto, acontece com os juízes nas universidades privadas aquilo que acontece com muitas outras funções, isto é, são pagos de forma indirecta, o que, a meu ver, tem efeitos verdadeiramente explosivos a nível da classe.
Mas, sem prejuízo deste terceiro ponto, penso que devemos encarar com particular abertura os dois primeiros, que, aliás, constam quer do projecto do Professor Jorge Miranda quer do do Dr. Jesus Martins, ou seja, constitucionalizar restrições à actividade político-partidária e admitir que a lei estabeleça incompatibilidades para além daquelas que hoje existem.
O Professor Jorge Miranda apresenta ainda uma outra proposta, que, aliás, defendeu quando esteve connosco, na audição que realizámos, segundo a qual "Os juízes que aceitem qualquer outra função, pública ou privada, não podem regressar ao exercício efectivo da magistratura, salvo novo ingresso nos termos gerais.". Isto significa que um juiz que aceitasse ser ministro, secretário de estado ou outro cargo público perderia o seu cargo e só poderia voltar à magistratura concorrendo de novo. Como viram, o Professor Jorge Miranda atribui uma grande importância a esta norma e, por conseguinte, só por isso, não quero deixar de pô-la à discussão.
Portanto, proponho-vos quatro temas de reflexão e desnecessário será dizer que qualquer deles carece de consenso, porque nenhum deles foi proposto. É com este sentido que submeto estes quatro temas à discussão, por ordem da importância que eu próprio lhes atribuí.
Em primeiro lugar, penso que devíamos constitucionalizar ou, pelo menos, admitir que a lei estabelecesse as restrições às actividades político-partidárias; em segundo lugar, creio que devíamos admitir que a lei estabelecesse incompatibilidades, de modo a cobrir, nomeadamente, a proibição do exercício de funções, por juízes em exercício, em federações desportivas e clubes desportivos; em terceiro lugar, devíamos encarar a eliminação da segunda parte do n.º 3 do actual artigo 218.º; em quarto lugar, devíamos ponderar a proposta do Professor Jorge Miranda para cassar a qualidade de juiz, uma vez aceite o exercício de funções públicas.
Portanto, por esta ordem de importância, sob o meu ponto de vista pessoal, vamos apreciar estas questões.
As duas primeiras têm a minha adesão pessoal, as duas segundas suscito-as apenas para levantar o problema. Creio que, nesta sede, sem qualquer crispação e total abertura - felizmente, estamos sós - devemos discutir, livremente, estes quatro temas.
Srs. Deputados, estão em discussão.
Quem quer pronunciar-se?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero pronunciar-me sobre a primeira das questões, ou seja, a eventual constitucionalização da restrição a qualquer actividade político-partidária.
Embora o Sr. Presidente não tenha referido expressamente a questão, a proposta do Professor Jorge Miranda vai um pouco mais longe e fala mesmo em actividades eleitorais de carácter público, que eu penso que, eventualmente, até é a questão que assume uma…

O Sr. Presidente: - Mas essa já tem cobertura constitucional, porque, hoje, o artigo quarenta e tal da Constituição admite restrições à capacidade eleitoral passiva. Portanto, essa tem cobertura, isto é a norma que hoje admite que a lei estabeleça restrições à capacidade eleitoral passiva dá cobertura à actual norma legal que proíbe os juízes de se candidatarem.
Para o que não há cobertura é para a norma dos estatutos dos magistrados judiciais que lhes proíbe actividades político-partidárias, ou seja, que eles apareçam nas estruturas partidárias, que exerçam cargos em partidos, que apareçam publicamente como filiados em partidos. Isso é que não tem cobertura constitucional, porque, hoje, no artigo relativo ao acesso a cargos públicos, que é o artigo 50.º, há cobertura em relação ao acesso a cargos electivos, uma vez que "(…) a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.".
Portanto, esta norma dá cobertura às actuais inelegibilidades dos juízes e, no meu entender, mais do que isso seria um reforço, como é óbvio.
Assim, não teria dúvida alguma em adoptar também essa parte do projecto do Professor Jorge Miranda.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois! A primeira observação que queria fazer era essa.
A questão fundamental, embora, obviamente, também tenha relevância a participação em órgãos partidários relevantes, é a participação em listas eleitorais e em actos eleitorais. Essa é que me parece, de facto, a questão mais marcante, em termos de deixar marcas complicadas no pressuposto de isenção e de independência a que os juízes, no exercício das suas funções, naturalmente estão…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, permita-me e desculpe uma observação. Não imagina que é mais grave ou tão mais grave que o juiz apareça, em

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qualquer comício partidário, na mesa ou intervindo, mesmo não sendo candidato?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não era bem essa a questão que eu estava a colocar; o que eu estava a querer significar era que o facto de não se prever expressamente a questão eleitoral tornaria bem mais fácil ladear a disposição constitucional, através da simples não assunção funcional de cargos directivos nas estruturas partidárias e aparecendo apenas com o rótulo de independente em listas de candidatos a determinados actos eleitorais.

O Sr. Presidente: - Nesse ponto, tem razão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Seria um subterfúgio facilmente utilizado pelos partidos políticos, aparentemente com cobertura constitucional, porque, utilizando o mecanismo dos independentes em listas, poderia haver uma participação eleitoral em relação à qual se argumentasse estar fora da incompatibilidade constitucional, uma vez que não haveria uma participação directa em termos partidários.
Penso que as duas questões não devem ser dissociadas, sob pena de se criar aqui uma janela através da qual o mesmo objectivo é perseguido de uma forma enviesada, e, portanto, parece-me que o equacionar da questão que o Sr. Presidente coloca deve ser visto também nesta perspectiva.
Manifestamos toda a abertura para ponderar internamente, porque, como o Sr. Presidente calculará, não se tratando, de resto, de uma questão que tenha sido proposta pelos outros projectos, quer de Deputados, quer de grupos parlamentares, o Partido Social Democrata, enquanto tal, não tem uma posição definida, por isso, como é óbvio, precisa de algum tempo, mas, desde já, deixo aqui a total abertura do PSD, porque, de facto, isso está dentro do espírito que o projecto do PSD de revisão constitucional pretende imprimir em termos deste capítulo das magistraturas.
De facto, parece-me que, claramente, como o Sr. Presidente enunciou, a constitucionalização de uma norma deste tipo reforçaria a isenção e a imparcialidade do exercício da magistratura, em claro benefício da sua dignificação. Portanto, o princípio, para nós, é um princípio adquirido.
Deixo, portanto, aqui a abertura do PSD a essa primeira sugestão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o primeiro aspecto não nos merece senão simpatia, na medida exacta em que, no nosso próprio projecto de revisão constitucional, adiantámos algumas soluções que obedecem a essa principiologia de evitar zonas de sombra e de fazer clarificações, sobretudo aí onde ela não tem gerado especial divergência.
Neste caso não há qualquer divergência ou seja: a solução constante da lei ordinária está hoje sedimentada e é pacífica quanto ao exercício de actividades partidárias com projecção externa, qualquer que seja a dimensão que elas assumam, intervenção directa e indirecta, incluindo-se aí, obviamente, as formas ínvias.
Em relação às actividades do foro reservado e próprio dos magistrados no seu relacionamento com partidos políticos existentes ou a criar, suponho que também nenhuma polémica levantará o facto de se criar uma cláusula constitucional que, de resto, não especificando quais as proibições, seja…
De facto, há dois modelos ou, pelo menos, há várias posições a utilizar para se chegar a uma boa redacção, mas cláusulas pormenorizadas do tipo daquelas que o Professor Jorge Miranda aponta têm, sem dúvida alguma, vantagens, mas também têm alguns inconvenientes, designadamente ao obrigarem a uma tipificação, à partida, que ou é enunciativa e deixa à lei ordinária uma margem de manobra para as aditar, funcionando essas cláusulas como cláusulas de exemplo, ou é uma remissão para o legislador ordinário, convindo, todavia, aí ter cautelas de carácter material similares àquelas que tivemos quando, em sede de artigo 50.º, n.º 3, na 2.ª revisão constitucional, confeccionámos a norma a que há pouco aludimos.
Portanto, creio que seria importante que, nessa circunstância, a norma tivesse também cláusulas materiais que especificassem a razão funcional e os objectivos de interesse público que levam a que haja uma restrição não dos direitos como tais mas do exercício dos direitos, como é constitucionalmente correcto e adequado e é adoptado noutras sedes da Constituição.
Com estes cuidados, suponho que essa operação, que é de pura clarificação de uma matéria que não é polémica, não gerará, ela própria, polémica sobreabundante, que não teria, neste caso, justificação objectiva, mas, como sabemos, as polémicas muitas vezes não nascem de factores objectivos.
A segunda questão, Sr. Presidente, só para derribar, é saber se, neste momento, o artigo 218.º, n.º 3, que proscreve o exercício de quaisquer funções, isto é, que consagra, no fundo, o princípio da exclusividade…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos a ir ponto a ponto, portanto, neste momento só estamos a discutir…

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas o segundo ponto não era a cobertura para limitar o exercício de cargos por juízes em associações e em entidades?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado! Só pus o primeiro ponto à discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, peço desculpa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Só está em discussão a constitucionalização da actual norma sobre restrições das actividades político-partidárias dos juízes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, nós somos favoráveis à constitucionalização do que já existe hoje na lei ordinária.

O Sr. Presidente: - Penso que seria uma excelente obra constitucional conseguir este ponto. Era, de facto, evitar uma lacuna constitucional, com as vantagens que isso tem sempre para a Constituição, sobretudo havendo um ponto não polémico, que ninguém questiona, que é o de que os juízes têm de ter limitações nesse âmbito.
Passemos, então, ao segundo ponto, ou seja, a abertura para a lei determinar outras incompatibilidades que, nomeadamente, permitam pôr fim a esse escândalo que é o

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exercício de funções por juízes em clubes e federações desportivas.
Como sabem, há na Constituição uma norma geral que remete as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos para a lei, mas essa norma não existe no que diz respeito aos juízes. Portanto, o que proponho é que em relação aos magistrados a lei possa estabelecer incompatibilidades, além daquelas que a própria Constituição já estabelece.
Portanto, sugiro uma norma deste tipo: "A lei determinará as demais incompatibilidades dos juízes".
Srs. Deputados, ainda em sede de artigo 218.º - Garantias e incompatibilidades, proponho uma norma que permita que a lei estabeleça incompatibilidades de exercício de outros cargos, além da proibição de funções que está no seu n.º 3.
Pessoalmente devo dizer que se há alguma coisa que choca o cidadão comum é ver o Juiz Jesus de não sei quê vir à televisão entrar nessa discussão de lama, que é actualmente a arbitragem do futebol em Portugal. Acho absolutamente inadmissível! Um sistema que permite coisas destas permite que os juízes se enlameiem de forma perfeitamente intolerável. Penso que hoje não há cobertura constitucional para que a lei limite essas questões. Proponho, por isso, que haja uma cobertura constitucional para que a lei tome medidas nessa área. Esta é a minha proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou raciocinar um pouco em voz alta, e, por isso, peço desculpa ao Sr. Presidente e aos colegas se, eventualmente, não for totalmente claro neste meu raciocínio, mas, como a questão está a ser posta de novo, o que se pede é que a gente reflicta numa perspectiva aberta.
Quanto ao resultado final, não posso estar mais de acordo com o que o Sr. Presidente disse, relembrando, no entanto, que esse caso das associações desportivas é talvez o mais gritantemente colocado no dia-a-dia junto da opinião pública, mas eu coloco-o em plano de igualdade com qualquer outro tipo de associações.
Imaginemos que, de hoje a amanhã, há juízes que se destacam por serem presidentes ou membros de órgãos executivos de associações ambientalistas! É evidente que a isenção de um juiz…

O Sr. Presidente: - Com carácter militante!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, com carácter militante!
Qualquer cidadão que, de hoje a amanhã, tivesse de ver perante o tribunal uma questão qualquer de natureza ambiental ou ecológica, desconfiaria da isenção desse juiz! É um dado objectivo!
A situação desportiva tem-se colocado quotidianamente, mas não quer dizer que outro tipo de situações não se possam colocar também. E, portanto, o problema, utilizando a expressão do Sr. Presidente, é mais o da militância por causas e por interesses, porque, obviamente, essa militância em abstracto de causas e de interesses, por mais meritórias que elas possam ser, afectam o estatuto de isenção e de imparcialidade com que todo o cidadão tem de encarar um juiz quando deposita nas suas mãos a decisão de um interesse que lhe é próprio, que lhe é privado. Portanto, penso que a questão extravasa, obviamente, o campo estritamente desportivo.
Mas a dúvida que quero colocar, Sr. Presidente, é a seguinte: penso que o texto constitucional, como o Sr. Presidente disse, não remete para a lei uma autorização genérica para estipular restrições à liberdade de exercício de determinado tipo de actividades no caso dos juízes, portanto as incompatibilidades decorrem, no caso dos juízes, genericamente da Constituição, e, à partida, parece-me que é um princípio são.
Uma formulação como a que o Sr. Presidente enunciou, no fundo, desvirtuaria uma lógica que, com toda a franqueza, embora esteja a pensar em voz alta apenas, me parece correcta, que é a de, ao contrário do que se faz nomeadamente para os cargos políticos, a Constituição não remeter para o legislador ordinário, mas ter tido a preocupação de ser ela própria a estipular, em sede constitucional, as regras fundamentais das incompatibilidades e das garantias que os magistrados devem ter para o exercício das suas funções.
Nesse sentido, porque não, Sr. Presidente, fazer uma formulação ao contrário, ou seja, adoptando o actual sistema constitucional, tentar ensaiar aqui uma norma que, por exemplo, em paralelo com o que se diz "(…) não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada (…)", vá um pouco mais longe e diga "(…) não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada ou participar em órgãos sociais de natureza associativa (…)" - genericamente considerados - e depois, eventualmente, isso sim, deixar, como se faz em algumas das outras normas, alguma ressalva para uma excepção que a lei possa vir a consagrar para alguma situação concreta que seja meritória em absoluta e que neste momento não estejamos a visualizar?!
Isto para não fechar também totalmente a porta, porque é mais essa a metodologia utilizada neste artigo pela própria Constituição, que utiliza várias vezes o programa normativo, como o Sr. Deputado José Magalhães costuma utilizar este termo, de estipular aqui que os juízes não podem fazer isto ou aquilo, dizendo, depois, "salvo excepção consignada na lei".
Se sentimos a necessidade de, eventualmente, deixar aqui alguma porta aberta para uma realidade que não estamos a antever, talvez se deva ir mais por este lado do que, pura e simplesmente, abandonar o princípio das incompatibilidades no caso dos juízes, porque são situações perfeitamente sui generis e diferenciadas das dos titulares de cargos políticos, ainda que de órgãos de soberania.
Assim à partida, vejo melhor esta solução do que uma solução que, pura e simplesmente, remeta para a lei, porque penso que isto descaracterizaria, de algum modo, o carácter muito particular que, do meu ponto de vista, os juízes assumem dentro do nosso próprio texto constitucional, por razões que têm a ver com o primado da isenção e da independência que é inerente ao exercício da sua função e que, do meu ponto de vista, não deve deixar de o ser.
Portanto, eu prefiro não dar uma margem tão grande ao legislador comum e tentar consubstanciar um princípio que cubra esse aspecto de uma forma clara e imperativa no texto constitucional, embora, eventualmente, se o cuidado que temos de ter é o de não "querermos ser mais papistas do que o Papa" e de não estarmos aqui a deixar não coberta uma situação qualquer que a realidade venha a demonstrar ser meritória, utilizando um mecanismo idêntico àquele que se utiliza no n.º 2 ou no n.º 1.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração, em primeiro lugar, se há ou não que encarar constitucionalmente

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o problema das incompatibilidades dos juízes e, em segundo lugar, qual a formulação que deve utilizar-se ao fazê-lo - remeter para a lei ou estabelecer uma norma geral, admitindo excepções legais.
Eu propus a primeira forma e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes parece preferir a segunda, que seria algo do género: "Os juízes não podem desempenhar qualquer outra função ou cargo público ou privado, ressalvadas as excepções previstas na lei, nos casos em que isso não ponha em causa a independência da respectiva magistratura". Uma fórmula destas, suponho que corresponderia ao seu…

O Sr. José Magalhães (PS): - E eliminava a actual possibilidade constitucional do exercício, a título gratuito, de funções docentes?!

O Sr. Presidente: - Não, não! Isso é o terceiro ponto, que não está em discussão! Só está em discussão a questão de outras incompatibilidades.

O Sr. José Magalhães (PS): - Posso fazer uma observação, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu gostaria de ter absoluta certeza de que esgotámos as possibilidades de boa hermenêutica daquilo que decorre do artigo 218.º, n.º 3, em vigor. Porque, como o Sr. Presidente bem descreveu no diagnóstico inicial de situação, verificaram-se, sobretudo nos últimos anos, algumas situações de acumulação que deram origem a controvérsia pública e outras que não deram origem a qualquer controvérsia, mas que dariam, se fossem eliminadas e sujeitas a escrutínio.

O Sr. Presidente: - Mas deviam dar!

O Sr. José Magalhães (PS): - A verdade, todavia, é que se trata, como o Sr. Presidente bem sublinhou, de abusos.

O Sr. Presidente: - Não sei se são abusos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Abusos! Ou seja: tal como tipificou a situação, vislumbro abusos! Porque, tipificada de outra forma, não vislumbro senão uma actividade bastante sacrificada - e sei razoavelmente do que falo e, aliás, o Sr. Presidente também -, de acumulação de uma actividade remunerada e de uma actividade gratuita, o que significa, aliás, no limite, uma contribuição activa e líquida do próprio para o exercício da actividade gratuita.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, ainda não estamos a discutir o terceiro ponto, que é a eliminação da segunda parte do n.º 3, estamos a discutir apenas…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, mas eu estou atido ao n.º 3, porque ele, de facto, tem uma regra geral e, depois, uma excepção!

O Sr. Presidente: - Mas não é isso que estamos a discutir, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não estamos a discutir a regra geral?

O Sr. Presidente: - Não estamos a discutir o n.º 3 actual, estamos a discutir o acrescento ao n.º 3, que, além da proibição de exercer outras funções, estabelece incompatibilidade com outros cargos, quando isso ponha em causa a independência dos juízes. E citei, nomeadamente, o caso do exercício de cargos em clubes e federações desportivas, tendo sido citados outros exemplos em que a militância em associações ou grupos de interesses é incôngrua com a independência e imparcialidade dos juízes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Era em relação a essa questão, Sr. Presidente, que eu estava a sublinhar que não sei - e gostaria que pudéssemos discutir a matéria - se esgotámos as virtualidades hermenêuticas da primeira parte do texto actual, porque ele veda…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A prática de actos sem autorização…

O Sr. Presidente: - Veda funções num caso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A sua dúvida é se o actual texto não proibiria estas situações!

O Sr. José Magalhães (PS): - Se o actual texto, devidamente interpretado, e que pressupõe exclusividade - é esse o alcance deste preceito -, …

O Sr. Presidente: - Exclusividade profissional!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, exclusividade profissional!
Como eu estava a dizer, se o actual texto, devidamente interpretado, e que pressupõe exclusividade, não leva, do ponto de vista da sua gestão correcta e adequada, a considerar-se que a acumulação de funções esvazia ou põe em crise o próprio exercício independente e normal.
Eu, francamente, não atribuo - e esta é uma matéria interessante - um significado puramente formal à proibição de desempenho de funções públicas e privadas, sobretudo privadas, quando se é magistrado. Não é um significado puramente formal! Ou seja: por um lado, a acumulação oculta é inconstitucional - essa é-o obviamente - e a criação de cargos ocultos é, aliás, ela própria uma forma de violação qualificada da lei que viola o direito de associação e que faz incorrer os responsáveis em significativas responsabilidades, ao menos na letra da lei.
Quanto a determinadas acumulações, que são acumulações com cargos ou com funções privadas de conhecimento não escondido, portanto de conhecimento generalizado, quando as mesmas possam pôr em crise o exercício profissional, eficaz e independente, creio que, à luz do próprio texto actual, serão dificilmente compatibilizáveis com a Constituição.
Ou seja: na famosa hipótese que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco aventava, do chamado juiz ecologista,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Fundamentalista!

O Sr. José Magalhães (PS): - … do "'ecolojuista' fundamentalista", presidente da associação dos ecologistas e decidindo nessa matéria, suponho que é uma hipótese verdadeiramente extrema e não é por acaso que nunca se verificou.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E para isso a lei processual tem resposta!

O Sr. José Magalhães (PS): - E, depois, haveria impedimentos, suspeições e toda uma série de mecanismos que impossibilitariam o exercício. Mas, aliás, nesse caso, devo dizer com carácter muito sistemático que esse juiz ficava sujeito a que fossem deduzidas suspeições sistematicamente, e, portanto, no limite, deixava…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Claro que era preciso que tivesse num tribunal especial!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
Mas, no limite, deixava de poder intervir profissionalmente ou teria de se deslocar para uma outra sede, onde esse tipo de colisão não se verificasse.
Ou seja: a questão não é prática, não se verifica, excepto num caso, suponho eu, francamente aí com algum abuso e com alguma interpretação bastante lábil…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Permita-me que o interrompa, Sr. Deputado?
Concordo com o que acabou de dizer, só que o problema não foi colocado nesses termos. O que está aqui em causa não é saber se actualmente a legislação já permite ou não, através, nomeadamente, do mecanismo das suspeições, afastar o problema. A questão que aqui está a ser colocada é se vale ou não a pena a gente, pura e simplesmente, constitucionalizar a proibição e, portanto, não mais este problema ter de ser resolvido através do mecanismo de afastamento do juiz, do mecanismo das suspeições, mas, pura e simplesmente, ser algo que, a bem da isenção, da imparcialidade e da independência da magistratura, é vedado. Quem é juiz é juiz e não pode meter-se nisso, independentemente de ser incorrecto e de podermos recorrer a estes mecanismos da suspeição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, sou sensível a essa preocupação e também à preocupação de não fazer uma espécie de suspeição generalizante ou chamada mancha inquinante da classe, como se alastrasse entre a magistratura, como uma verdadeira epidemia, uma febre de exercício de cargos de carácter privado ou de carácter público, comprometendo gravemente a isenção do exercício da magistratura. Isso não existe. Os casos que o Sr. Presidente referiu são pontuais e a questão jurídico-constitucional…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, atrevo-me a desafiá-lo a falar com meia dúzia de juízes sobre esta matéria. Será unânime, suponho eu, pelo menos tem sido unânime comigo, a ideia de que se há alguma coisa que, neste momento, inquina a imagem pública dos juízes são os juízes que andam no futebol!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por poucos que sejam!

O Sr. José Magalhães (PS): - São os casos, medidos e contados, onde se verificam situações desse tipo.

O Sr. Presidente: - Basta um!

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, a nossa preocupação é, em primeiro lugar, que uma operação desse tipo se faça sob o signo de uma norma não gerada na base de qualquer suspeição sobre uma classe, uma vez que se trata de casos pontuais, e, em segundo lugar, é importante que ela se faça em termos medidos, ou seja, moderados - diria até medidos ao milímetro -, e estabelecendo, de facto, de olhos postos no futuro, uma regra, através da discussão.
Eu gostaria que esta questão pudesse ser ainda discutida - e isso vai acontecer, seguramente - e que também tivéssemos ocasião de a discutir directamente com os magistrados, para que se faça em tom de total e pacífica remodelação legislativa, com grande sentido de proporção, porque suponho que nesta matéria não é aqui que há elementos que sejam susceptíveis de gerar grandes preocupações. Há casos pontuais que importa, de facto, não deixar alastrar e que suponho que a própria magistratura, com os seus meios próprios, procura moderar, limitar e, em certo sentido, neutralizar.
Portanto, estamos disponíveis para considerar, dentro destes limites, a moderação do texto ou a cautela constitucional, mas não a suspeição.

O Sr. Presidente: - Qual é a disponibilidade do PCP para esta matéria?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É para encarar isso, mas, devo dizer, de uma maneira cautelosa. Por exemplo, acho que a proposta que o Sr. Presidente apresentou, remetendo para a lei, talvez seja mais cautelosa.
Não é apenas a questão dos ambientalistas que me preocupa, também me preocupa, por exemplo, uma colectividade de cultura e recreio, com actividades culturais. Numa associação cultural que os magistrados possam constituir - e já o tentaram fazer -, de carácter meramente cultural, os juízes não podem exercer funções nos órgãos sociais? Penso que era mais cautelosa a proposta que o Sr. Presidente apresentou, remetendo para a lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficamos assim: há abertura generalizada para encarar esta hipótese, mas as fórmulas não são coincidentes.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para deixar aqui, desde já, duas ou três notas que me parecem razoáveis.
Desde logo, considero pertinente esta discussão e as propostas que o Sr. Presidente lançou para a mesa, pela sua actualidade e porque, naturalmente, têm muito a ver com aquilo que é a sociedade. Estamos a discutir a Constituição, estamos a discutir a lei fundamental, a lei primeira de todas as leis, e é bom que tenhamos em atenção aquilo que no dia-a-dia vai decorrendo, à luz de uma preocupação, que é, naturalmente, a imagem da magistratura, dos juízes, no que concerne à sua isenção e à sua independência.
Por conseguinte, quando falamos, designadamente na proposta em concreto, naquilo que é o protagonismo dos juízes em situações que, naturalmente, causam um certo melindre, e, como referiu - e bem -, a questão do futebol é aquela que, nos dias que correm, tem chamado particular atenção, é naturalmente uma reflexão que se prende

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com aquilo que o cidadão comum vê no papel do juiz, naquilo que ele representa na sociedade, e o questionar dessa própria isenção e independência.
Penso que isto tem a ver com todo o conjunto de incompatibilidades, e já temos algumas no texto constitucional, mais concretamente nos n.os 3 e 4. Penso que estas quatro propostas são pertinentes e, por isso, temos de reflectir sobre elas com serenidade.
Portanto, quero manifestar - de resto, o meu colega Luís Marques Guedes já o disse e eu estou completamente de acordo - que se trata de uma matéria que, pela sua natureza e importância, merece e, mais do que isso, tem de ser discutida e apreciada. A meu ver, a porta tem de ficar aberta, quer pela reflexão no sentido de consagrar constitucionalmente, desde logo, alguns princípios, quer pela própria remessa para a lei ordinária, mas parece-me pertinente e indispensável repensar isto, e este é o momento adequado para tal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, além destas duas propostas que se me afiguravam, à partida, dignas de acolhimento, há duas outras que são polémicas, a saber: uma minha e outra do Professor Jorge Miranda.
Na primeira, que é minha, propõe-se a eliminação da segunda parte do n.º 3, que é uma excepção ao princípio da exclusividade profissional dos juízes; na segunda, que é do Professor Jorge Miranda, propõe-se que os juízes que aceitem qualquer outra função pública ou privada não podem regressar ao exercício efectivo da magistratura, salvo novo ingresso nos termos gerais.
Como sabem, esta situação foi discutida recentemente em Espanha, sem ter tido seguimento, a propósito de um juiz que tinha sido ministro do governo de Gonzalez, e também tem sido discutida noutros lados.
Srs. Deputados, como as duas propostas são polémicas - uma é minha e outra é do Professor Jorge Miranda -, somos insuspeitos nesta matéria, mas não quero deixar de colocá-las à discussão. Uma é no sentido de não admitir excepções ao princípio da exclusividade profissional dos juízes e outra de não permitir que um juiz, mantendo essa qualidade, exerça cargos políticos, continuando a contar na sua carreira como juiz e, depois, regresse à sua actividade judicial como se nada tivesse acontecido.
Devo dizer que, como não foram propostas por qualquer projecto de revisão, implicam, para serem aceites, consenso generalizado, bastando, portanto, a sua não aceitação por qualquer dos Srs. Deputados para que não possam ser discutidas. Mas eu proponho-as à discussão em espírito aberto e descomprometido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo pela primeira das questões, que tem a ver com a eventual supressão da ressalva final do actual n.º 3.
A actualidade do assunto, como o Sr. Presidente referiu, é evidente, e da parte do PSD devo, com toda a lealdade, reconhecer não só que é evidente como até já nesta legislatura houve um incidente político a propósito de uma questão do Ministro das Finanças, em que o PSD levantou a questão, fundamentalmente pelo conceito pouco definido que decorre deste texto constitucional em termos da lógica de não remuneração.
Como o Sr. Presidente, em abstracto, referiu, quando, pela primeira vez, há pouco, falou neste problema, a questão é que, hoje em dia, nomeadamente em termos de funções docentes de natureza privada, o que há é um conjunto de realidades que, de uma ou de outra forma, são construídas propositadamente para ladear a literalidade do texto constitucional relativo à não remuneração e que causam depois, por serem questões que são do conhecimento público e acontecem em maior ou menor grau em variadas situações, um sentimento de alguma falta de clareza e de transparência em torno deste tipo de situações.
Agora, à primeira vista, devo dizer que o PSD reconhece validade à questão fundamental que preside à manutenção no texto constitucional deste princípio. Ou seja, para nós, o princípio do exercício de funções docentes e de investigação científica de natureza jurídica é algo que se prende com a própria qualificação profissional permanente dos magistrados.
Foi, pois, nesse sentido que o PSD sempre entendeu a validade deste preceito constitucional e da legislação ordinária onde este conceito é repetido, o que sucede em vários diplomas, como sabemos, nomeadamente no funcionalismo público e por aí fora, porque há bastante legislação sobre a matéria e há várias situações onde este conceito, passo a expressão, este conteúdo normativo, é utilizado para salvaguardar um princípio que nos parece actual, que é o princípio de mesmo em situações onde, à partida, a exclusividade é a norma, a regra, razões que se prendem fundamentalmente com a qualificação científica e técnica justificam, do nosso ponto de vista, uma situação de excepção.
É evidente, no entanto, e é aqui que se situa o tal problema que me parece ser questionado pela proposta que o Sr. Presidente lançou para a discussão, que há aqui uma fronteira delicada quanto a saber onde é que, à pala deste valor da qualificação científica e técnica, não está, de facto, a ser posto em causa o princípio da exclusividade, nomeadamente em termos de surgir este tipo de funções com carácter de complementaridade em relação à função de base. E é aqui que, de facto, se colocam problemas mas, do ponto de vista do PSD, isso sucede mais na interpretação, designadamente, do conceito de não remunerados, do facto de essas funções não serem remuneradas. O problema está aí!
Portanto, o PSD não tem grande receptividade em relação à ideia de, pura e simplesmente, retirar do texto constitucional esta excepção das funções docentes e de investigação científica, às quais, pelas razões que acabei de expor, reconhecemos mérito, porque as consideramos nobres e, do nosso ponto de vista, a sua utilidade mantém-se actual.
No entanto, somos sensíveis à utilização menos própria deste preceito e, nesse sentido, estaríamos receptivos não em relação à retirada, pura e simples, do texto constitucional desta parte final do n.º 3 mas, eventualmente, a uma sua clarificação, se houver entendimento generalizado de que é possível fazer essa clarificação no sentido de reconduzir esta excepção à sua função, à função que esteve na ideia do legislador constituinte quando aqui a colocou. Nesse caso, sim, nesse caso, o PSD estará perfeitamente aberto a reflectir em conjunto com os outros partidos sobre uma alteração da formulação do texto constitucional, de modo a reconduzi-lo, se isso for possível, a este princípio fundamental.
Para, pura e simplesmente, retirar o princípio, o PSD não manifesta abertura, porque nos parece que, de facto, ele faz sentido e é actual, não perdeu actualidade, do nosso ponto de vista, não é daquelas coisas em relação às quais se possa dizer: "Bom! Isto fez sentido num determinado período

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histórico e, hoje em dia, eventualmente, está ultrapassado". Não é esse o caso, entendemos que o princípio é correcto, mantém actualidade, estaremos, isso, sim, receptivos, se for possível, a fazer uma sua qualquer clarificação, para acabar com determinados excessos e abusos que existem em algum tipo de situações, e nós também somos os primeiros a reconhecer que existem, aliás, já manifestámos em várias ocasiões esse tipo de preocupações.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este ponto continua em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que há uma questão que devemos colocar, face a uma proposta que podemos chamar radical, que é a do Professor Jorge Miranda, que seria a da sua própria compatibilização com o direito, liberdade e garantia previsto, desde logo, no artigo 50.º - e se não fosse este, seriam outros -, da possibilidade de um juiz, por ser juiz, poder aceder a cargos públicos ou exercer determinados direitos políticos. A questão está em saber se esta norma não a violaria claramente e, entrando em contradição, qual delas deveria prevalecer. No meu entender, deveria prevalecer o direito de acesso a cargos públicos, com a norma específica que está no artigo 50.º da Constituição, onde se estabelece que ninguém pode ser prejudicado no exercício das suas funções.
Portanto, penso que estabelecer-se que, depois do exercício de direitos políticos, um juiz não poderia ingressar ou teria que requerer, de novo, o ingresso na carreira prejudicaria gravemente este direito de acesso a cargos públicos e de exercício de direitos políticos e, pelo menos, esta questão deveria ser ressalvada, em face de uma norma com esse radicalismo.
Retirando isso, que me parece extraordinariamente importante, entendo, como disse o Sr. Deputado Marques Guedes, que esta matéria é suficientemente importante para admitirmos que talvez possa ser aqui discutida e merecer o nosso apoio uma formulação menos radical.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuam à discussão estes dois pontos, ou seja, a minha proposta e a do ex-Deputado Jorge Miranda.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, há limites para aquilo que é possível fazer constitucionalmente, excepto quando se faz uma coisa que é terminante e radical. A coisa terminante e radical é aquela que é proposta, no sentido literal da palavra, pelo Sr. Professor Jorge Miranda, ou seja, eliminar a possibilidade, mas isso tem um preço que é o de proibir situações de acumulação virtuosa, que foram, de resto, as únicas que os constituintes figuraram como desejável, possível e admissível. O que é que se ganha com isso? Ganha-se clareza! O que é que se perde com isso? Perde-se interpenetração e transmissão fluida de uma experiência única, que é a experiência de magistrados, com a qual, seguramente, o ensino não sai prejudicado.
Ou seja, não vejo, francamente, razão alguma para decretar o monopólio dos professores, que são seguramente respeitáveis, sobretudo os de Direito, sem dúvida - e contra mim falo, naturalmente -, porque esse monopólio não faz sentido se a participação de outras entidades for entendida nos termos constitucionais. Isto é, trata-se, sem dúvida, de uma actividade oblativa mas isso não quer dizer que tenha de ser uma actividade prejudicial. E esse equilíbrio é difícil de estabelecer, mas é possível!
Por um lado, há meios de verificação e de combate à ilegalidade, ou seja, como se sabe, não há outputs que não sejam controláveis fiscalmente, pelo que, se uma determinada faculdade faz pagamentos de carácter indirecto, esses pagamentos são detectáveis e registáveis. Assim haja vontade política para os identificar, registar e salientar!
Por outro lado, os próprios conselhos são susceptíveis de…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, está a falar a sério?

O Sr. José Magalhães (PS): - Perfeitamente a sério, Sr. Presidente! A realidade é que é complexa e, em alguns casos,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Deve estar a pensar em algum caso concreto!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Estou a pensar em dois casos concretos: um, que eu diria bom, e outro, que o PSD perverteu a ponto de o transformar em motivo de polémica e que, de resto, nunca deveria ter acontecido, porque, como sabem, aconteceu em relação ao Professor Sousa Franco, em circunstâncias de pura vindicta e de discussão francamente lamentável. Aliás, nós não reeditaremos, a título nenhum, essa discussão nem a transporemos para esta sede e não faremos este debate sob o signo de um caso de vindicta, ainda por cima com grave conspurcação e tentativa de enlameamento público. E estou a dizer pouco em relação à gravidade do episódio em causa!…
Por outro lado, parece-nos que o preço pago pela ablação é um preço elevado. E, portanto, proibir, pura e simplesmente, qualquer juiz, mesmo juízes com grande experiência, que a têm e devem transmiti-la, e com os quais, aliás, as nossas faculdades beneficiariam bastante - não tenho dúvida nenhuma -, proibir, pura e simplesmente, de raiz, significa, sem dúvida alguma, estabelecer um numerus clausus a favor de uma classe socioprofissional, que, por acréscimo, é a minha. Parece-me, no entanto, que isso tem um preço social e global muito elevado!
Agora, há que cumprir a Constituição! Sem dúvida! Mas essa é outra questão que não está situada na esfera que estamos agora a discutir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, nós também não estamos de acordo em suprimir esta segunda parte do n.º 3.
O facto de haver violações da Constituição em relação a esse aspecto penso que não o justifica e que, de facto, aquilo que os juízes - e há alguns - podem transmitir, no ensino, na faculdade, é de um valor muito grande, pelo que entendemos que é melhor manter-se a norma tal como está.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vale a pena dizer muito mais, porque basta a oposição de um e a questão fica excluída.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois basta!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, nós não propusemos nenhuma alteração a esta matéria mas, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já adiantou, em princípio, o PSD apoia uma qualquer clarificação da norma, para que não se criem situações que já foram levantadas e que o foram não com o sentido que o Sr. Deputado José Magalhães referiu.
No entanto, para além da posição que o Deputado Luís Marques Guedes, em termos partidários, já manifestou, quero adiantar que se fôssemos tratar desta matéria, no passado e no futuro, em termos de considerar que, só pela circunstância de as pessoas envolvidas serem magistrados, tem de se presumir que tudo está bem, então, eu alinharia com o Sr. Presidente, no sentido de, pura e simplesmente, retirarmos esta possibilidade. Mas se vamos ter a lucidez de não fazer processos de intenção prévios num sentido ou noutro nessas situações e de querer que o normativo constitucional seja cumprido, na sua pureza, então, ou o clarificamos ou, efectivamente,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas como o clarificaríamos? É que essa foi a questão que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deixou no ar mas não explicou.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, não temos aqui, neste momento, uma redacção formalizada, até porque, como disse de início, e o Deputado Luís Marques Guedes também o adiantou, da nossa parte, em princípio, não víamos razão para alterar esta matéria.
Portanto, a questão é a seguinte: concordamos com o princípio, vemos com bons olhos que encontremos redacções clarificadoras, de modo a que não se repitam situações que o passado permitiu que subsistissem e que não são dignificantes para a magistratura nem para as pessoas que nelas estão envolvidas, mas o que não entendemos nem aceitamos é que haja uma exclusão de fiscalização dessas situações. É que se é para pactuarmos com elas e fingirmos que não as percebemos, então, que se siga a proposta do Sr. Presidente e se elimine essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a encerrar, formulei a proposta não por qualquer questão passada ou em concreto mas porque me parece que o princípio da exclusão do exercício da função judicial é um bem em si mesmo e não deve ter excepções. Não consigo perceber como é que um juiz pode ter processos atrasados durante dois ou três anos e ter tempo para, semanalmente, reger dois ou três cursos em universidades privadas ou públicas. É, pura e simplesmente, essa a questão!
Independentemente disso, e mesmo que não houvesse o que há, é desprestigiante para a magistratura toda a gente saber que há pagamentos em espécie, férias a título de pagamento, viagens, e outras coisas, que, a meu ver, inquinam toda e qualquer excepção desta natureza.
Se os Srs. Deputados entendem que isso deve manter-se, que se deva manter…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, eu colocaria a disjuntiva em termos diferentes. Eu creio que o que divide esta Comissão não é os Deputados que querem manter um status quo, na parte em que ele contrarie a Constituição e a lei, e os Deputados que não o querem manter mas aqueles que entendem que a solução da ablação tem custos desprezíveis e aqueles que entendem que não tem custos desprezíveis, ou seja, que a situação é de tal forma grave, desse ponto de vista, que a única solução é uma solução de ablação que impeça a interpenetração.
Ora, é sobre um juízo quanto a essa matéria que é preciso que se tente estabelecer um consenso e não porque nos seja indiferente aquilo que se passa e, que, aliás, eu gostaria de retratar igualmente com rigor. É que, havendo tantas centenas de magistrados, em tantas jurisdições e em tantos tipos de tribunais, temos de ter em atenção o número daqueles a quem se aplicará, no limite, o retrato que o Sr. Presidente descreveu, ou seja, de grave incúria dos deveres profissionais e superzelo dos deveres que qualificaríamos de lucrativos. Esse retrato tem de ser feito com rigor, sob pena de se gerar uma imagem distorcida da magistratura. E isso, entre outras coisas, porque também há um Conselho Superior da Magistratura que, nessas circunstâncias, seria cúmplice do não exercício das funções, na situação que descreveu,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ou de um menos bom exercício!

O Sr. José Magalhães (PS): - … de falta de zelo absoluto na esfera profissional e de grande zelo, ainda por cima bem remunerado, de forma oculta e ilegal, no exercício de funções privadas. São duas situações, ambas clamorosas e ambas susceptíveis de gerarem infracção disciplinar.
Portanto, se essa situação correspondesse a uma epidemia, o que eu suponho que não acontece, o legislador poderia ser tentado a uma medida radical; não correspondendo a uma epidemia, ainda estão ao alcance do legislador outras medidas. E foi para essas que procurei apontar, precisamente por sensibilidade em relação à questão e não por uma qualquer dicotomia, se me permite, um bocadinho perversa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, fica registada a sua qualificação, mas deixe-me dizer-lhe que não me move qualquer mau juízo sobre a magistratura em geral, aliás, pertenci-lhe, com honra, durante seis anos e, portanto, não é isso que está em causa; o que está em causa é um princípio e penso que o princípio da exclusividade é, em si mesmo, um bem que não devia ter excepções. É tão-só isto! Para mim, um juiz que não está exclusivamente ao serviço da judicatura prejudica a judicatura quando exerce outras funções que não a judicatura. É tão-só e somente isto!
Não havendo consenso sobre esta matéria, passamos a outro ponto polémico, conforme eu próprio o qualifiquei, que é o da proposta do ex-Deputado Jorge Miranda, no sentido de que os juízes que deixem de exercer a judicatura e optem por exercer outra função, caso queiram voltar à magistratura tenham de começar, por exemplo, por outro concurso.
Está à discussão, sou eu que a coloco à discussão, e, tal como sucedeu com a anterior, é óbvio que supõe consenso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não me vou repetir mas vou utilizar aquela que foi a metodologia de trabalho que o Sr. Presidente propôs para a discussão destes quatro pontos, ou seja, vou fazer, digamos,

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como que uma primeira abordagem e até, em alguns casos, passo a expressão, uma reflexão em voz alta.
A primeira opinião que temos sobre uma proposta como esta é que ela é excessiva, porque abarca situações em que se vai muito para além daquilo que, do nosso ponto de vista, deve preencher o conceito de isenção, de imparcialidade e por aí fora.
De facto, há muitas funções públicas cujo exercício, do nosso ponto de vista, deve ser entendido como um direito fundamental de qualquer cidadão, e também de um juiz, sem que esse exercício possa ser entendido minimamente como algo que, uma vez terminado, vai pôr em causa o prestígio, as garantias de imparcialidade, a isenção e a independência que um juiz deve ter, bem como o prestígio, que também é fundamental, do nosso ponto de vista, que aos olhos dos cidadãos, em geral, esse juiz possa ter deixado de merecer, pelo facto de ter exercido aquelas funções. Estou a pensar, nomeadamente - e foi um dos exemplos que foi aqui suscitado, quando o Sr. Presidente lançou a hipótese de discutirmos estas questões -, no exercício de funções governativas e, com franqueza, não vejo que o exercício de funções governativas seja, em si, algo que, uma vez terminado, menorize, aos olhos do cidadão em geral, o prestígio, a isenção, a independência e a imparcialidade de que um juiz deve estar investido para o exercício da judicatura.
Portanto, parece-nos que, de facto, o que aqui está é excessivo, além de, do nosso ponto de vista, mexer não com problemas que têm a ver com a exclusividade do exercício de funções mas com a inibição para o exercício de algumas coisas que se devem inscrever já no plano dos direitos fundamentais do cidadão. Parece-nos, portanto, assim, numa primeira apreciação, que esta proposta formulada pelo Professor Jorge Miranda é, de facto, excessiva.
No fundo, o Professor Jorge Miranda reconhece que, aqui, a exclusividade deve ceder o passo, ou seja, há possibilidades de o juiz aceitar o exercício de uma função pública mas, nesses casos, então,…

O Sr. Presidente: - Deixam de o ser!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Deixam de o ser e volta tudo à estaca zero!
Eu, com franqueza, posso configurar a questão da participação em órgãos de soberania e, sinceramente, não vejo em que é que isso possa afectar, uma vez terminado o exercício dessa função - a qual, aliás, deve ser exercida em termos de exclusividade e, portanto, não é minimamente cumulável, nem é isso que está em causa, com o exercício da função de magistrado - o magistrado nem na sua isenção, nem na sua independência, nem na sua imparcialidade, nem tão-pouco no prestígio para o exercício da sua função de magistratura. Portanto, parece-me, de facto, excessivo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, eu, que mais do que ninguém prezo a independência, a isenção e a objectividade dos magistrados, não partilho desta visão monástica da magistratura que os torna, por assim dizer, cinzentos, a ponto de impedir o exercício da função sempre que tenham manifestado publicamente posições políticas e que tenham exercido as funções, sejam elas governativas ou outras, porventura em representação de um partido ou de uma força política, porque me parece que está no espírito da proposta a ideia de que isso inquina a independência, a isenção e a objectividade dessas pessoas para continuarem a exercer o cargo de magistrado.
Confesso que, pela minha parte, me preocupo mais com aqueles que não manifestam publicamente as suas convicções e que, não obstante, enfim, de acordo com as suas pré-compreensões, porventura, moldam o exercício da justiça de forma mais parcial e menos objectiva do que era suposto ser moldado o exercício dessa função. Por conseguinte, não acredito muito em certas proibições que, por demasiado restritivas, acabam por não impedir nada, impedem tudo ao mesmo tempo e, em certa medida, limitam os direitos fundamentais, designadamente os de participação política, de cujo exercício, na minha opinião, nenhum cidadão pode estar privado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que quer a intervenção do Sr. Deputado Marques Guedes quer, agora, a do Deputado Cláudio Monteiro fazem crítica acertada, com todo o respeito pelo Professor Jorge Miranda, a esta proposta, até porque, de acordo com a redacção actual, pelo menos em determinado tipo de situações, que são as chamadas as comissões de serviço, este exercício de outras funções fora da magistratura está dependente de uma autorização do Conselho Superior da Magistratura, que fará uma avaliação da conveniência ou inconveniência dessa função exterior à magistratura por parte dos magistrados.
Depois, há outra questão: é que se a ideia é, efectivamente, levantar alguma suspeição sobre a isenção e a independência, depois da passagem por essas funções exteriores à magistratura, há já hoje, na nossa lei, a figura da suspeição, por um lado, que pode ser suscitada quando essas situações possam colocar-se, em termos concretos, e o próprio impedimento, por outro, que é levantado pelo magistrado.
Estou a imaginar, por exemplo, um determinado magistrado que tenha estado ligado a uma empresa privada fora da magistratura e que, mais tarde, quando ele regressa para julgar, tenha um determinado caso com ela relacionado. Naturalmente, esse magistrado tem a figura do impedimento, que pode e deve utilizar e, se não o fizer, gera sempre, por outro lado, a figura da suspeição.
Portanto, penso que, nesses casos, as coisas estão asseguradas, sem necessidade deste radicalismo.
Por outro lado, não vejo, de todo, inconveniente em que a magistratura possa, ela própria, enriquecer os seus quadros, digamos assim, não globalmente falando, mas, pelo menos, que essa hipótese seja admitida, no sentido cultural, no sentido do conhecimento, da passagem pela vida… Nós sentimos isso muitas vezes! Os juízes que são apenas juízes e que sempre foram juízes, muitas vezes, não conhecem aspectos da vida que outro tipo de actividades e a passagem por outras funções facultam. Portanto, não vejo, até por esse aspecto…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Devia ser obrigatório!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não! Disse o contrário! Disse que não me parece que a solução também seja a de dizer: "Agora vão passar seis meses na administração das multinacionais ou não sei quê". Penso que não mas entendo que…

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Foi isso que aconteceu com o magistrado espanhol!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Seis meses na prisão, por exemplo!

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Penso que não até porque a função de juiz não se esgota na função de julgar propriamente dita, há outras, mesmo dentro do quadro das funções internas da auto-regulação da magistratura a que podem ser chamados e essa experiência, muitas vezes, é útil e não deve ser coarctada ou, pelo menos, não deve ser coarctada nos termos em que o Professor Jorge Miranda propõe. Aliás, há uma realidade indiscutível: é que não há homens bacteriologicamente puros, muitos menos juízes, deputados e políticos em geral e, portanto, não se pode estar a pensar numa magistratura gerada in vitro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, embora me pareça que não é preciso pôr muito mais na carta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não quero pôr quase literalmente mais nada na carta a não ser talvez esta reflexão: não creio que estejamos ainda, em Portugal, e suponho que não viremos a estar, aliás, creio que não sou hiperoptimista nesta matéria, que é alguma coisa que corresponde a uma posição que julgo tendencialmente equilibrada…
Em Portugal, estamos longe de duas coisas: estamos longe do governo de juízes e estamos longe dos juízes no governo como sinal de uma doença. Temos, de facto, magistrados no Governo mas não como sinal de doença alguma, não muitos, de resto, e magistrados cuja qualidade tem sido geralmente reconhecida, mas não há nenhuma tendência entre nós similar àquela que levou, em determinados momentos de doença de sistemas políticos, a…
Repare, Sr. Presidente, que estou ciente de que a proposta do Sr. Professor Jorge Miranda é muito mais lata do que esta que estamos a discutir, não é só o exercício de funções governamentais e, obviamente, não é o exercício de funções que já estão constitucionalmente proibidas que está em causa.

O Sr. Presidente: - Todas as públicas e privadas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Todas as públicas e privadas, de qualquer natureza, e com uma sanção draconiana, caso essa fronteira seja passada algum dia: retorno à classe primária da respectiva profissão, com reingresso e reinicialização, o que…

O Sr. Presidente: - Não necessariamente, Sr. Deputado! Poderia concorrer, directamente, para o STJ!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, pois! Exacto!

O Sr. Presidente: - Alguém que tivesse sido ministro…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Podia ser jurista de mérito!

O Sr. Presidente: - … seria jurista de mérito, o que lhe daria acesso às…

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dar-lhe-ia acesso, seguramente, a uma longa fila de espera!

O Sr. Presidente: - Não exageremos também nessa medida draconiana!
Sr. Deputado José Magalhães, peço perdão pela interrupção, faça favor de prosseguir.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se isso não fosse clarificado, não sei se não se suscitariam dúvidas!

O Sr. José Magalhães (PS): - A não ser clarificado, sempre se suscitariam dúvidas! Mas, enfim, tenhamos também um cenário não apocalíptico de uma proposta que é, em si mesma, bastante drástica.
Portanto, o mal do juiz no governo, como forma algo espúria de mistura entre dois poderes e de granjear, através de uma espécie de uma importação selectiva de um magistrado, designadamente obedecendo ao protótipo de um magistrado impoluto, o qual possa funcionar como contraveneno, numa situação de crise, gerando uma imagem positiva de isenção, de transparência e de honradez, num quadro já muito danificado perante a opinião pública e carecido desta espécie de prótese judiciária, à falta de qualidade de pessoal político e de uma atitude de não suspeição em relação à classe política, traduz sempre, quando acontece, qualquer que seja o partido no poder, uma situação de instabilidade e de doença democrática.
O recente caso espanhol, que anda nas bocas do mundo e que nos trouxe lições bastante fecundas quanto a esse ponto, traduziu-se numa viagem de ida e volta ao sistema, de ida hiperoptimista e de volta hiperpessimista, de resto, quiçá, um pouco ressabiada, que depois teve custos políticos inerentes, e não tem curso entre nós e espero que nunca tenha.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - E em Itália ainda não houve volta! Estamos à espera!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim! Em relação ao caso italiano ainda é cedo para fazer um juízo sobre qual será o resultado dessa migração.
Portanto, Sr. Presidente, há, como já foi sublinhado, proibições legais em relação ao exercício de funções de Deputado, de autarca, de parlamentar regional, etc., há proibições específicas nessa matéria para os casos mais gritantes, mas não há razão para fazer equivaler o Governo a uma fonte de sida cívica, da qual só se pode sair com uma espécie de HIV cívico, do qual nunca mais se recupera, para uma função honrada como a de juiz. Não fazemos esse label ao Governo da República e, aliás, suponho que o autor também não.
A rigidez do princípio pode conduzir a soluções que podem ser ultrapassadas com facilidade ou com eficácia através do mecanismo normal dos impedimentos e das suspeições e também das incompatibilidades após o exercício de funções. Porque, como foi sublinhado, a tendência da nossa lei é para não estabelecer só incompatibilidades durante o exercício de funções mas também certas incompatibilidades ex post ou certas inibições posteriores.

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Creio que essa tendência é correcta e positiva. Na última reforma parlamentar reforçámos essa tendência e ela aplica-se a todos, e, portanto, também, eventualmente, aos governantes juízes que passem a ser juízes ex-governantes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não vale a pena demorar muito mais tempo sobre este assunto. De facto não ouvi, porque não estive cá, a explicação do Professor Jorge Miranda em relação a esta proposta, mas, quando a li, pensei que havia alguma influência do caso espanhol.
Acho que a solução poderia dar origem a algumas entorses, como já foram notadas, nomeadamente na questão do regresso à magistratura. Poderiam ter acesso ao Supremo Tribunal de Justiça por concurso, como juristas de mérito, e, portanto penso que, de facto, é uma solução que não tem justificação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, gostaria, muito rapidamente, de deixar também a minha opinião sobre esta temática.
Estive na audiência com o Professor Jorge Miranda, onde ele sublinhou bem esta proposta. Não lhe quero tirar o mérito, mas penso que ela tem muito a ver com aquilo que o Sr. Presidente defendeu hoje mesmo, que é o princípio da exclusividade da actividade da magistratura.
Entendo que isso é pertinente e correcto, mas também quero reflectir na seguinte ordem de razões: até que ponto esse princípio, com o mérito que tem, não põe em causa aquilo que considero ser o direito a uma opção de um cidadão que é juiz - o que, em sede de direitos, liberdades e garantias, seria questionável, mas mais questionável ainda seria à luz de outro princípio constitucional -, que é o acesso a cargos públicos e a impossibilidade de esse acesso e de esse exercício coarctar quaisquer direitos a posteriori?
A proposta, a vingar, teria, necessariamente, de consubstanciar aquilo que seria uma melhoria, uma mais-valia, muitas vezes repetida nesta Comissão, daquilo que é o texto actual. O n.º 4 do artigo 218.º é bem claro no sentido de sublinhar que esse exercício pressupõe autorização do conselho superior competente, e penso que isso é, realmente, uma reserva, é um pressuposto de salvaguarda, para esse exercício de funções.
Penso, por conseguinte, sem prejuízo de questionar aquilo que é a ideia e o espírito da proposta do Professor Jorge Miranda, que o actual n.º 4 traduz bem aquilo que é correcto e está bem, pelo que não se justifica qualquer alteração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco José Martins, um juiz não precisa de autorização do Conselho Superior da Magistratura para ser ministro - aliás, só para as comissões de serviço, em sentido técnico, é que está prevista essa autorização.
Em todo o caso, penso que o Professor Jorge Miranda ao pôr ênfase nesta proposta, mesmo ela não fazendo vencimento, como, obviamente, não faz, ficará agradado quando souber que a sua proposta teve a discussão que requeria e merecia. É esse o respeito que devemos às iniciativas dos cidadãos e, nesse aspecto, penso que não podia deixar de a pôr à discussão.
Srs. Deputados, a proposta do PSD para o artigo 219.º, que tem a ver com a fusão dos n.os 1 e 2, é consequencial da proposta de fusão dos dois conselhos, pelo que passamos ao artigo 220.º.
A proposta de fusão dos conselhos já foi discutida e a conclusão da manhã foi a de que não existem, tanto por parte do PS como da parte do PCP, objecções de partida mas, sim, reserva de posição, portanto estamos nisto.
Mas creio que, independentemente disso, podemos discutir a proposta do PS, porque não tem directamente a ver com a existência de um ou dois conselhos. Se continuar a haver o Conselho Superior da Magistratura, esta proposta do PS mantém interesse.
Está, portanto, em discussão a proposta do PS para a alínea a), que desobriga o Presidente da República de nomear, entre os dois membros do Conselho Superior da Magistratura que lhe compete nomear, um magistrado judicial, permitindo-lhe, portanto, nomear dois membros que não sejam magistrados judiciais. O sentido da proposta do PS é permitir que nenhum dos dois elementos designados pelo Presidente da República para o Conselho Superior da Magistratura tenha de ser magistrado judicial.
Tem a palavra o Partido Socialista para apresentar a sua proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, trata-se de uma proposta cujo alcance acabou de ser sintetizado e que, aliás, tivemos ocasião de discutir com os Srs. Magistrados com quem trocámos impressões sobre esta matéria.
Nessa circunstância aprofundámos - e é importante que agora seja devidamente lavrado em acta - que a nossa ideia é transparente: trata-se de permitir ao Presidente da República a escolha dos dois membros do Conselho Superior da Magistratura, que lhe cabe designar, sem que tenha de escolher um de entre os magistrados judiciais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas porquê, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, trata-se de uma flexibilização que permite reajustar a composição do Conselho e, designadamente, reequilibrar as duas componentes - a oriunda obrigatoriamente da magistratura e a c não oriunda da magistratura -, sendo certo que a Assembleia da República não tem a limitação que o artigo 220.º, n.º 1, alínea a) instituiu no tocante ao Presidente da República. Ou seja: a Assembleia da República pode eleger para o Conselho quaisquer cidadãos que reúnam as condições para esse efeito, mas o Presidente da República tem esta limitação. De onde vem a limitação? Todos nos recordamos que é uma homenagem a um princípio de representação por juízes, ainda que com extracções e origens diferentes.
No limite, a nossa proposta não perturbaria esse equilíbrio essencial e menos ainda constrange o Presidente da República a deixar de, se o entender, designar dois juízes, dois magistrados, mas não com carácter obrigatório.
Portanto, não nos parece que esta margem acrescida de liberdade seja prejudicial à filosofia de funcionamento adequado e composição adequada do Conselho e alarga, sem dúvida alguma, embora ligeiramente, numa unidade o poder do Presidente da República.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, para dizer tudo, a actual composição do Conselho Superior da Magistratura compõe-se de dezassete membros, havendo duas maiorias: nove são designados por elementos exteriores aos juízes - nove em dezassete constitui uma maioria -, sendo sete pela Assembleia da República e dois pelo Presidente da República, mas também nove são juízes - nove em dezassete constitui outra maioria -, sendo sete eleitos pelos juízes, um designado pelo Presidente da República e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que preside ao Conselho. Portanto, há aqui duas maiorias: uma maioria de elementos designados exteriormente e uma maioria de juízes. O PS propõe que não tenha de haver a segunda maioria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que não tenha de haver obrigatoriamente uma maioria de juízes!

O Sr. Presidente: - Certo! Que não tenha obrigatoriamente!
Srs. Deputados, está em discussão esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, julgo que há aqui só um argumento a salientar, que é o de que, se estamos preocupados com a independência, a imparcialidade e a objectividade dos magistrados, vejo com alguma dificuldade a posição em que fica o magistrado que é nomeado para o Conselho pelo Presidente e que não é eleito pelos seus pares. Julgo que fica numa má posição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, permita-me uma observação: e aqueles que são designados pela Assembleia da República, sob proposta dos partidos? É um bocado pior!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É! Mas a Constituição não obriga a que seja assim!

O Sr. José Magalhães (PS): - De maneira nenhuma!

O Sr. Presidente: - Mas também não proíbe!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas não obriga! A diferença fundamental é que não obriga! Tanto mais que, tanto quanto sei, os membros do Conselho Superior da Magistratura não deixam de ser magistrados enquanto exercem as funções de membro do Conselho Superior da Magistratura,…

O Sr. Presidente: - Não deixam, seguramente!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … o que significa que, ao contrário daquilo que sucedia na proposta do Professor Jorge Miranda, o problema da eventual isenção se coloca no momento em que ele exerce as funções de magistrado e não no momento posterior, como era o caso.
Portanto, não vejo que faça sentido a obrigatoriedade, a não ser que se entenda que seja essencial garantir uma maioria de magistrados no Conselho. Julgo, aliás, que a única função é essa, e eu pergunto-me por que é que essa maioria é garantida à custa da liberdade do Presidente da República e não à custa da liberdade da Assembleia da República, que, nomeadamente, elege muito mais membros do Conselho do que o Presidente da República, que só nomeia dois!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tem de eleger juízes!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, se é essencial garantir esta maioria de magistrados, porque é que ela se faz à custa da liberdade do Presidente da República e não à custa da liberdade da Assembleia da República, que até elege mais juízes do que aqueles que o Presidente designa?
Portanto, também podia perfeitamente ter-se encontrado uma solução em que fossem sete eleitos pela Assembleia, sendo um deles, obrigatoriamente, magistrado, e deixava-se a liberdade ao Presidente da nomeação dos dois representantes.
Julgo que, de facto, nos termos em que está, não faz muito sentido e era preferível que houvesse menos vinculação do que aquela que existe actualmente, ainda que, depois, possa acontecer, como acontece frequentemente na prática, em que acabam por ser nomeados ou eleitos pela Assembleia magistrados, e que isso garanta, em termos práticos, essa maioria, que suponho que é desejável, mas não sei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero manifestar aqui algumas dúvidas relativamente a esta intervenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que colocou um acento tónico, utilizando as suas palavras, no problema de saber se as maiorias ou minorias aritméticas - para mim isso não é a questão fundamental - eram feitas à custa da liberdade do Presidente da República ou à custa da liberdade da Assembleia da República.
Devo dizer que a leitura que faço deste preceito da Constituição não é, obviamente, de que os dois membros designados pelo Presidente da República são como que representantes da vontade ou espiões do Presidente da República dentro do Conselho Superior da Magistratura. Não tenho essa visão e, portanto, custa-me perceber essa lógica de ser à custa da liberdade ou do que quer que seja.
Posso estar errado, mas a lógica que para mim faz sentido retirar desta alínea a) do n.º 1 do artigo 220.º é de que o Presidente da República tem dois representantes no Conselho Superior da Magistratura, representantes que, obviamente, terão uma relação de proximidade permanente com ele no sentido de o manter perfeitamente informado sobre como é que decorrem as matérias e os assuntos que o Conselho Superior de Magistratura é chamado a acompanhar e a pronunciar-se.
A leitura que faço de um deles ter de ser magistrado judicial é uma leitura utilitária para o Presidente da República, isto é, de que, pelo menos, um dos seus representantes no Conselho é magistrado e, por isso, sempre terá uma visão própria e algo diferenciada de um qualquer outro jurista inserido num órgão de cúpula, como é o Conselho Superior da Magistratura, relativamente à estrutura judiciária e de que, portanto, há vantagem para o Presidente da República que, na sua representação, haja, pelo menos, uma visão interna daquilo que é a magistratura, que, enfim, é o objecto útil da actividade quotidiana do Conselho.
Nesse sentido, penso que a função desta alínea a) é muito mais numa lógica utilitária, que não numa lógica política, essa, sim, é que poderia fazer sentido face ao tal termo de "à custa da liberdade do Presidente da República",

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portanto de o Presidente da República estar coarctado da sua liberdade de escolher politicamente Fulano ou Beltrano, de informação e de acompanhamento por parte do Presidente da República através de membros que privilegiadamente, dada a proximidade que necessariamente acabarão por ter com o Presidente da República por serem livremente escolhidos por ele, lhe permitirão um acompanhamento, porque é essa a sua função também nesta sede, daquilo que o Conselho Superior da Magistratura trata.
Poder-se-á dizer: "Bom! Mas ainda que a Constituição não diga que um deles tem de ser um magistrado judicial, sempre o Presidente da República poderá escolher um!". Com certeza que poderá! Agora, não vejo é que haja substantivamente razão para alterar isto, pois penso que o que aqui está tem uma lógica utilitária que, de certa forma, tenderá a despolitizar o tipo de escolhas que o Presidente da República faz nesta sede. Neste sentido, com franqueza, não vejo vantagem em alterar a disposição.
Concordo que não viria mal ao mundo se, eventualmente, uma proposta de alteração como aquela que o Partido Socialista apresenta ficasse consagrada na Constituição, porque o Presidente da República, qualquer que ele seja, sempre poderá continuar a escolher um ou dois magistrados e não ficaria inibido disso pelo facto de uma proposta desse tipo ser aprovada.
Agora, com toda a franqueza, penso que não traz ganho de causa, e, eventualmente, o resultado prático é um sinal de politização - esse, sim, do meu ponto de vista, indesejável - que, através da revisão constitucional, se estava a dar relativamente aos representantes designados pelo Presidente da República.
Portanto, no prato da balança vejo mais perversa do que vantajosa a inscrição na Constituição de uma alteração deste tipo, embora reconheça que ela, na prática, pode não significar qualquer alteração da situação actual, mas, do meu ponto de vista, tem, de facto, essa carga mais perversa do que vantajosa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que a solução que actualmente a Constituição tem conciliou duas formas de ver este problema e alguma disputa que, em certo momento, houve sobre qual deveria ser a constituição deste Conselho. Quando vim para a Assembleia da República, verificou-se logo a seguir a primeira revisão da Constituição e, embora sendo uma novata, pude aperceber-me de que havia uma corrente que pugnava por um autogoverno da magistratura e outra em sentido contrário, mas creio que se encontrou uma solução que nos parece certa.
De qualquer forma, penso que a magistratura beneficiou sob o ponto de vista da legalidade democrática. Quando se pergunta de onde é que vem a legitimidade dos juízes, uma vez que eles não são eleitos - há quem chegue a dizer isto -, penso que este artigo da Constituição dá o suporte para afirmar que há uma legitimação democrática da magistratura através da representação política no Conselho Superior da Magistratura.
Por outro lado, a solução actual tem uma vantagem, que é a formação dessas duas maiorias que foram há bocado notadas. Há um que é magistrado e que, por um lado, tem conhecimento dos problemas com que se defrontam os magistrados, mas, por outro, está a representar o poder político. Trata-se de uma solução de equilíbrio que, segundo creio, ao longo dos anos, desde que foi adoptada pela Constituição, tem funcionado bem, por isso alterar esta disposição no sentido em que é proposto, como foi notado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes na parte final da sua intervenção, podia voltar-se perversamente contra o próprio Presidente da República.
Achamos, portanto, que se deve manter a actual constituição do Conselho como vem na Constituição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, alguém mais se quer pronunciar sobre este tema?

Pausa.

A proposta do Partido Socialista não se mostra viável, uma vez que tem a oposição do PSD e do PCP.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 221.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Presidente dá, portanto, como apreciada a proposta do PSD para o artigo 220.º.

O Sr. Presidente: - Ela é puramente consequencial, de modo que a sua discussão foi feita de manhã!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Então, Sr. Presidente, permitir-me-á que acrescente qualquer coisa mais a propósito da proposta do Partido Socialista?

O Sr. Presidente: - Faça favor. Mas peço-lhe que seja breve, porque creio que os argumentos estão no essencial…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
Já vimos quais são os problemas dos equilíbrios e das maiorias que se formam no seio do Conselho Superior da Magistratura, mas, em todo o caso, quero referir o seguinte: esta proposta do Professor Jorge Miranda relativamente à rotatividade eventual da presidência do Conselho na perspectiva…

O Sr. Presidente: - No caso de ele ser unificado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... da sua unificação tem também a abertura do PSD, como, aliás, penso que já foi adiantado da parte da manhã.
Com todos os eventuais inconvenientes que já foram referidos, na proposta do Professor Jorge Miranda, no que diz respeito às escolhas por parte do Presidente da República, já há um reflexo da preocupação da representação dos magistrados do contencioso administrativo e fiscal e dos magistrados da magistratura comum.
Na ideia eventual da unificação, penso que na proposta do PSD estes sete juízes eleitos pelos seus pares também deveriam ter alguma correcção, no sentido de assegurar uma representação dos juízes da área do contencioso administrativo e fiscal, uma vez que o texto proposto não a assegura.

O Sr. Presidente: - Fica, portanto, registada a posição do PSD para a proposta de unificação.
Srs. Deputados, vamos, agora sim, passar ao artigo 221.º.

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Para o n.º 1, que diz respeito à competência do Ministério Público, existem propostas do CDS-PP, do PCP e do PSD.
A proposta do PCP desdobra o actual n.º 1 em dois números: no n.º 1 diz-se que "Ao Ministério Público compete exercer a acção penal e defender a legalidade democrática" e no n.º 2 diz-se que "Ao Ministério Público cabe ainda a defesa dos interesses que a lei determinar, competindo-lhe, nomeadamente (…)", seguindo-se três alíneas inovatórias.
A proposta do PSD diz que "Ao Ministério Público compete, nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade e os interesses determinados por lei". Trata-se, portanto, de aditar a expressão "nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania" e de suprimir a palavra "democrática".
Para começar pela ordem de apresentação, têm a palavra os Srs. Deputados do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Só em relação ao n.º 1, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Em relação aos n.os 1 e 2, uma vez que visam alterar o actual n.º 1.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, nós desdobramos o n.º 1 actual em dois números, com algumas alterações: no n.º 1 suprimimos a competência do Ministério Público para representar o Estado, porque se trata de uma questão que já vem sendo debatida há muitos anos e penso que pela maior parte do Ministério Público tem sido reivindicada a eliminação desta representação, porque pode a representação do Estado entrar em conflito com o outro objectivo, que é o da defesa da legalidade democrática; no n.º 2 prevemos a defesa dos interesses que a lei determinar e nas alíneas a), b) e c) desenvolvemos alguns desses interesses, designadamente em relação à protecção do património público, da legalidade das finanças públicas e de outros interesses que me escuso de enunciar, mas que os Srs. Deputados poderão visualizar na nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Têm a palavra os Srs. Deputados do PSD para apresentar a proposta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, em relação à proposta agora apresentada pelo PCP, a crítica que faço tem a ver…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe que apresente a proposta do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, pensei que íamos discutir cada uma de per si.

O Sr. Presidente: - Não, não! Discuti-las-emos globalmente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A proposta do PSD faz a inserção de um inciso que não vem hoje no artigo 221.º e que nos parece uma matéria particularmente relevante.
Num momento em que se debatem problemas de segurança e de criminalidade, que a todos preocupam do ponto de vista colectivo, e em que se levantam, por vezes, também algumas dúvidas de qual a óptica e o grau de intervenção das várias instituições do Estado, pensamos que são importantes duas coisas: primeiro, deixar aqui claro, pelo menos de uma forma implícita, que a política criminal é definida pelos órgãos de soberania, estando aqui subentendidos, o Governo e a Assembleia da República; segundo, reconhecer constitucionalmente que ao Ministério Público, enquanto órgão de intervenção na área criminal, quer do ponto de vista da prevenção, quer da repressão, cabe uma quota-parte importante na execução dessa política, no respeito, digamos assim, pelas linhas que superiormente tenham sido definidas pelos órgãos de soberania, sem prejuízo das demais competências específicas e subespecíficas que a Constituição e, de uma forma mais precisa, a lei lhe fixarem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em discussão estas duas propostas: uma do PCP para retirar ao Ministério Público a competência constitucional para representar o Estado e, no mesmo passo, explicitar uma série de outras competências da esfera do Ministério Público na área da defesa de certos interesses; outra do PSD esclarecendo a competência do Ministério Público para participar na execução da política criminal…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se V. Ex.ª me permitir, completaria a minha intervenção abordando já a proposta do PCP.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem, então, a palavra.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a crítica que eu estava a tecer em relação à proposta do PCP, quando V. Ex.ª - e bem -, por uma questão de método e de sistemática, entendeu que eu devia apresentar primeiro a proposta do PSD, era no sentido de me parecer que esta fórmula, que é muito usual no PCP, de entrar numa pormenorização excessiva no texto constitucional tem inconvenientes, porque, por vezes, petrifica determinadas soluções, que, depois, se vem a ver que não são as mais adequadas, e diminui muitas vezes, do ponto de vista valorativo, outras áreas que, eventualmente, a Constituição não contém ou que, pela evolução das coisas, na altura em que se optou por lá inserir não tinham relevância…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, está lá "nomeadamente"!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pois está! Mas não deixa de ter um significado preciso, quando se introduz, antes desse "nomeadamente", um determinado número de coisas!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A defesa dos interesses!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Certo! Mas penso que não tem em vista um princípio geral que, a meu ver, em sede de revisão é importante que se tenha, que é tornar cada vez mais a Constituição uma base de definição de princípios e de regras fundamentais e nunca um regulamento. Daí achar que há uma tendência excessivamente regulamentar nesta proposta e noutras semelhantes.

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Tudo o que aqui está é perfeitamente atribuível e já está atribuído, em grande parte, ao Ministério Público em sede de lei ordinária. E na fórmula hoje contida na Constituição, que é, designadamente no n.º 1, "(…) exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar", esta expressão "que a lei determinar" é suficiente para, nesse local e nessa sede, podermos pôr estas e outras e as demais atribuições que a evolução da vida social, económica e cultural for entendendo que devem caber ao Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, mais uma vez falando por mim, sobretudo nestas matérias em que nem tudo é pacífico, julgo que a proposta do PCP é positiva na parte em que propõe a eliminação da função de representação do Estado, se entendermos essa função como a de representação do Estado enquanto pessoa colectiva de direito público, do Estado-administração, portanto, não só nos tribunais administrativos, mas fundamentalmente nesses, e também nos tribunais comuns quando isso sucede.
Julgo que, por um lado, pode haver um conflito resultante da circunstância de o Ministério Público estar, porventura, a defender um interesse da Administração que pode não corresponder - e isso é o que há-de ser apurado em função do resultado do processo - à legalidade objectiva. Mas, sobretudo, julgo que é mais do que isso: é que o Estado-administração, hoje, é de tal forma complexo que a doutrina e mesmo o legislador já vieram reconhecer recentemente que, pese embora a personalidade jurídica una que se lhe deve reconhecer, o facto é que as atribuições estão repartidas, designadamente no que diz respeito à pessoa colectiva Estado, em função dos vários departamentos ministeriais, o que, por um lado, implica uma heterogeneidade de fins a prosseguir e de interesses a tutelar e a defender, tornando difícil, designadamente, que o Ministério Público esteja em condições de abarcar a defesa de todos esses interesses, e, por outro, leva a pensar sobre qual a diferença que existe entre a defesa do Estado ou a defesa do instituto público, sendo certo que este, por ser pessoa colectiva distinta da do Estado, não é representado pelo Ministério Público mas por advogado próprio, o qual, frequentes vezes é o jurista do próprio serviço. E acontece frequentemente movermos uma acção solidariamente contra o Estado e contra um instituto público e vermos o Ministério Público e um advogado, ou um jurista de um serviço, do outro lado, no processo, quando, na prática, o único que está em condições de assegurar a representação daqueles interesses é normalmente o jurista ou o advogado desse instituto público e não o Ministério Público.
Isso, aliás, é o que permite perceber por que é que - e julgo que seria interessante uma estatística e um estudo sociológico sobre essa matéria - o Ministério Público em 95% dos casos de acções que são movidas contra o Estado, designadamente acções de responsabilidade civil, primeiro, pede um prazo excessivamente longo para produzir a defesa - é que está tão distante da matéria de facto em discussão no processo que precisa de um prazo enorme para se inteirar dela - e, segundo, em 80% dos casos, defende por excepção e nunca discute a matéria de fundo, até porque não tem, pura e simplesmente, informação dos serviços ou dos directamente interessados na matéria. O que, normalmente, resulta em prejuízo, por um lado, para a posição do Estado, porque é mal defendido, e, por outro, para os particulares e os administrados, designadamente porque vêem o processo protelado por um tempo inadmissível, pela circunstância de o Ministério Público, primeiro, ter de ir falar com o jurista do serviço para, depois, poder eventualmente produzir uma defesa naquele processo. Portanto, nessa parte, julgo que a proposta é, de facto, positiva.
Na parte restante, julgo que ela é perigosa, designadamente na parte em que alarga, com uma enumeração ainda que meramente exemplificativa, substancialmente os interesses a tutelar pelo Ministério Público, na medida em que se, por um lado, lhe retira a tutela do interesse público, quando esse interesse público é o interesse da pessoa colectiva pública Estado, por outro lado, comete-lhe especificamente a tutela de interesses difusos, o que não sei se é necessariamente a função do Ministério Público.
A acção pública não se confunde, apesar de tudo, com a acção popular - e a acção popular está prevista constitucionalmente e está prevista e regulamentada na lei -, e os titulares desses interesses serão outros que não o Ministério Público, razão pela qual tenho algumas dúvidas que, nestas circunstâncias, faça sentido que haja uma especificação tal como ela é proposta. O que acontecerá é que, quando estes interesses difusos coincidam com a legalidade objectiva, o Ministério Público, enquanto garante da legalidade objectiva, poderá agir recorrendo para tal à acção pública, mas não à acção popular, porque não é sua função tutelar outros interesses que não sejam aqueles que resultam da verificação e da garantia da legalidade objectiva.
Portanto, julgo que é, apesar de tudo, perigosa neste sentido, porque pode permitir designadamente que as funções do Ministério Público possam ser utilizadas para outros fins que não exactamente aqueles para os quais elas estão concebidas actualmente, nomeadamente ganhando protagonismo em matérias sensíveis mediaticamente, como sejam as do ambiente ou do património, as quais só devem estar a cargo do Ministério Público quando esteja em causa um problema de legalidade objectiva e não um problema do interesse difuso da comunidade, uma espécie de representação política indirecta, que, julgo, é perigosa.
Pelas mesmas razões, julgo que é perigosa a proposta do PSD, quando vem especificar esta sua função de participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania. Naquilo que a proposta tem de positivo, que é o reconhecer que a política criminal não é definida pelo Ministério Público mas pelos órgãos de soberania, ela é supérflua. Isso parece-me evidente, tendo em conta que o exercício da função política está reservado aos órgãos de soberania, excepto na parte em que ele está "delegado" nos órgãos de governo próprio das regiões autónomas - e faço esta ressalva por simpatia pelo Deputado Guilherme Silva -, o que significa necessariamente que o Ministério Público não participa por natureza na definição do política criminal.
Agora, esta associação do Ministério Público à execução da política criminal, nos termos em que é proposta, parece estabelecer uma relação de confiança directa e imediata entre aqueles que a definem e os magistrados do Ministério Público. É que é essa a relação de confiança que existe, ao nível da Administração Pública, entre um ministro que define a política e os titulares dos órgãos

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dirigentes e superiores da Administração Pública que têm por função executá-la. E é isso que justifica, designadamente, a livre nomeação e exoneração dos titulares desses órgãos, precisamente porque a execução da política normalmente tem subjacente uma relação de confiança directa e imediata com os órgãos que a definem, coisa que me parece que não está necessariamente no espírito da Constituição, pelo menos no texto actual, no que respeita às relações entre o Ministério Público e o Governo.
Sem prejuízo da nomeação feita pelo Presidente da República sob proposta do Primeiro-Ministro, quanto ao mais, não me parece estar implícita na Constituição, nos termos actuais, essa relação de confiança, porque, pelo contrário, parece-me que a Constituição parte do pressuposto de que uma relação de confiança estabelecida nestes moldes poderia pôr em causa a imparcialidade, a objectividade e a isenção do Ministério Público no exercício das suas funções e poderia trazer o Ministério Público para a área da actividade política, nomeadamente na parte em que diz respeito à execução da política definida pelo Governo.
Isto é, por que razão é que se há-de impor ao Ministério Público, constitucionalmente, que ele execute a política deste Governo e que, amanhã, execute a política do Governo subsequente, contrária à do outro Governo? Parece-me que há aqui, apesar de tudo, alguma confusão entre a tutela da legalidade objectiva e o exercício da acção penal e a execução da política criminal que é definida pelos órgãos de soberania, designadamente pelo Governo. E essa associação é perigosa, pelo menos no sentido em que, sendo mal interpretada, pode permitir aquilo que, porventura, se quererá evitar e de que, porventura, o Ministério Público tem sido acusado de fazer, que é o excessivo protagonismo político do Ministério Público, para além daquilo que é o exercício normal das suas funções.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuam em discussão estas duas propostas, a do PCP e a do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, dou o meu acordo parcial relativamente à primeira parte da intervenção do orador anterior, ou seja, à parte das críticas às alterações propostas pelo Partido Comunista Português. Penso que não foi essa a intenção, mas o que dela resulta é que, retirando expressamente a função de representação do Estado ao Ministério Público, atribui-lhe a representação do Estado não como administração, mas como colectividade, na medida em que, desde logo, lhe atribui estas funções em relação a interesses difusos e até a interesses colectivos, designadamente os relativos ao meio ambiente, ao património cultural e à defesa dos consumidores.
Ora, reforçar esta crítica parece-me pertinente. Além disso, o elencar de algumas das funções, que nem sei se serão as principais, levará com certeza o intérprete e aplicador deste artigo a vários problemas derivados da necessidade de destes três casos concretos retirar uma regra geral. E se tínhamos essa tarefa facilitada, na medida em que temos apenas a regra geral do actual artigo, depois passaremos a ter de interpretar uma regra geral destes três casos concretos, o que colocará, com certeza, problemas muito difíceis de compatibilização.
Por isso, penso que a actual redacção tem mais virtualidades do que a redacção proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quero suscitar algumas dúvidas em relação às propostas apresentadas, desde logo, face ao contributo dado a esta Comissão pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas devo dizer que, de facto, sobre esta matéria, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, não só apresentou por escrito um conjunto de propostas de redacção concreta para todos os artigos respeitantes ao Ministério Público, a saber, os artigos 221.º e 222.º, como, na audiência que teve connosco, reiterou e reforçou essas propostas. Uma delas é justamente a de retirar ao Ministério Público a representação do Estado junto dos tribunais.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. É precisamente nesse ponto que quero suscitar um esclarecimento, desde logo, dos proponentes, que são os Srs. Deputados do Partido Comunista Português, quando afastam a representação do Estado.
Sendo certo que para todos nós se torna claro - e, ainda agora, com a intervenção que ouvimos do nosso colega, Deputado Cláudio Monteiro - que a representação dos interesses privados do Estado pode criar situações de particular colisão entre a defesa do Estado e a defesa da legalidade que se situa, eventualmente, do lado dos administrados, tenho a dúvida - e suscito-a aos Srs. Deputados proponentes - sobre se não haverá uma representação pública do Estado, que não estou a ver concretizada de forma precisa, que mereça protecção. Esta a dúvida que suscito à proposta apresentada pelo PCP.
Outra questão, já relativamente à proposta do PSD, é a alteração particularmente radical da natureza do Ministério Público, quando participa na execução da política criminal, o que dava, naturalmente, ao Ministério Público uma fisionomia e uma natureza totalmente distinta da actual e, como foi dito, e bem, na intervenção anterior, uma característica de elemento executor da política governamental, ao arrepio do seu estatuto constitucional e da sua identidade, hoje, definida em termos constitucionais. Esta é também uma das questões que nos foi suscitada na audição a que o Sr. Presidente agora aludiu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, tenho algumas reservas relativamente a esta solução radical, de retirar a representação do Estado ao Ministério Público e penso que o Sr. Deputado Alberto Martins tocou nesse aspecto. O Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu-se à circunstância de, hoje, os serviços, de um modo geral, estarem dotados de assessores e de auditores jurídicos, que intervêm. Mas o Estado não se esgota aí! A realidade Estado é muito mais vasta e penso que não há ainda uma estrutura global do Estado em toda a sua extensão nacional que nos tranquilize, de modo a podermos deixar os interesses do Estado e os demais que eles envolvem sem representação adequada, o que constitui uma regra, uma regra histórica, digamos, de representação do Estado por

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parte do Ministério Público. Penso que estamos um pouco no escuro, salvo melhor opinião, ao propor uma alteração tão radical a esta regra.
Compreendo as preocupações de alguma difícil conciliação, de que o Ministério Público será eco no documento que deixou à Comissão e que tem sido ciclicamente colocado, mas não creio que, neste momento, possamos, pura e simplesmente, prescindir dessa representação, dessa forma.
Já no que diz respeito ao problema colocado pelo Sr. Deputado Alberto Martins quanto à participação do Ministério Público na execução da política criminal, a questão que se põe é esta: participa ou não o Ministério Público na execução desta política? Deve ou não deve participar o Ministério Público na execução desta política?
Basta pensar que há órgãos que têm a ver com a intervenção na área criminal, o Conselho Superior de Segurança e outros organismos, onde está o próprio Procurador-Geral ou representações do Ministério Público. Ora, isso não acontece por acaso; é, com certeza, para haver articulações nessas áreas.
Acho é que não devemos confundir a circunstância de, em cada momento e em função do nosso funcionamento institucional e democrático, ser definida pelos órgãos competentes para o efeito - e que, repito, são o Governo e a Assembleia da República - a política criminal com o facto de o Ministério Público ter uma estrutura autónoma (e tem-na, obviamente), mas que não é estanque de uma participação, por força das suas funções, na execução dessa política.
Esta é uma questão da qual não podemos sair: ou vamos deixar que o Ministério Público participe nessa execução para ficar em 100% autónomo, ou vamos mantê-lo nessa parcela importante de participação na execução dessa política. E, obviamente, não me parece que, à partida, as prioridades que sejam definidas e que o Ministério Público tenha de executar e de levar a bom termo, designadamente pelas orientações que o próprio Procurador-Geral tenha de dar em cada momento, o tornem num órgão alheio à situação que, social e criminalmente, em termos de segurança, se coloca em cada momento e que exige respostas, em sede de políticas criminais, dos órgãos de soberania.
Esta situação não me parece que tenha de ser tão estancável, tão separada, que, per si, possa afectar a autonomia do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos aqui vários problemas. Vamos analisá-los um por um. Os argumentos já foram trocados, pelo que, agora, gostaria que os Srs. Deputados tomassem posições mais claras quanto aos problemas um a um.
Primeiro, temos o problema da representação do Estado por parte do Ministério Público. A proposta do PCP, de retirar ao Ministério Público a função de representação do Estado, coincide com a proposta do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Essa proposta foi acolhida pelo Deputado Cláudio Monteiro e suponho que, com alguma qualificação, mas no fundo convergente, também pelo Deputado Moreira da Silva, porém o PS e o PSD formulam objecções quanto a esta proposta.
O que pergunto, e proponho, é se satisfaria as duas partes uma fórmula tal como esta: "Ao Ministério Público compete exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, bem como representar o Estado e outras entidades públicas nos casos e termos previstos na lei".
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, julgo que se deve pensar numa redacção semelhante, em que se pudesse compatibilizar a representação do Estado, sempre que não houvesse conflito com os interesses que, pelos vistos, pelo consenso havido à volta desta mesa, poderiam ser considerados superiores, como, por exemplo, a legalidade, a defesa da legalidade, ou algum outro interesse que pudesse colidir com a representação do Estado.
Penso que a proposta do Sr. Presidente irá nesse caminho e tudo o que for nesse caminho terá…

O Sr. Presidente: - Os proponentes acham suficiente e os opositores acham palatável esta proposta…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é uma redacção que ponderaremos, não lhe fechamos a porta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer o seguinte: em relação à proposta do Sr. Presidente…

O Sr. Presidente: - Sugestão! Eu não faço propostas!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Em relação à sugestão do Sr. Presidente, acho que ela melhora o n.º 1 do artigo 221.º da Constituição, embora, para nós, a representação do Estado de que a Constituição fala seja representação de interesses privados, porque o resto, os interesses públicos, cai na defesa da legalidade democrática.
É por isso que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público também quer a eliminação da representação do Estado. Mas, de qualquer forma, como o Sr. Presidente sugere, penso que melhora o actual n.º 1 da Constituição. Prefiro-a à sugestão do Sr. Deputado do PSD, porque penso que era mais complicado estar, caso a caso, a averiguar quando havia conflito, etc.
Em relação ao n.º 2, por um lado, o Sr. Deputado Guilherme Silva disse…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, permita-me que oiça a resposta dos demais partidos quanto à sugestão que fiz. Dir-se-ia: "Ao Ministério Público compete exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar, bem como representar o Estado ou outras entidades públicas nos casos e termos previstos na lei" e, em vez de "Ao Ministério Público compete representar o Estado (…)", acrescentar-se-ia, no fim e em vez disso, "(…) bem como representar o Estado ou outras entidades públicas nos casos e nos termos previstos na lei".
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte estamos disponíveis para encarar essa fórmula. Penso que ela responde às dúvidas que temos quanto à representação do Estado excluir os interesses privados. Temos dúvidas, claro, se a representação do Estado se esgota no simples entendimento da legalidade democrática;

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embora percebamos o sentido do que foi dito, temos dúvidas quanto a isso.
Estamos de acordo com a sugestão, para usar os seus termos, apresentada pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Havendo abertura a esta sugestão, ficávamos, então - com reserva de posição, que nestas matérias sempre se mantém por parte dos partidos - a trabalhar sobre esta hipótese.
Quanto às alíneas a), b) e c) do n.º 2, proposto do PCP, que discriminam um conjunto de interesses que competiria ao Ministério Público defender, o PCP quer acrescentar argumentos à sua proposta?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quero só salientar o seguinte: por um lado, o Sr. Deputado Guilherme Silva disse que isto já estava na lei.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Grande parte disto está!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Depois, ouvi alguns Srs. Deputados dizerem que não, que havia aqui algumas competências que não estavam na lei.
Creio que, por exemplo, em relação a interesses difusos, os relativos ao meio ambiente, ao património cultural e aos direitos dos consumidores já estão consagrados na Lei de Bases do Ambiente, na Lei de Bases do Património Cultural e na lei de defesa dos consumidores, respectivamente. Portanto, penso que as objecções colocadas não colhem.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Já está na lei!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não perdíamos nada em que estivesse na Constituição. Agora, a discussão já se põe noutros termos, pois foram apresentadas críticas em relação à competência em si.
Por outro lado, consta do próprio estatuto do Ministério Público a representação dos interesses sociais. Portanto, penso que era muito importante consagrar-se qualquer dessas alíneas, mas, sobretudo, a alínea b).

O Sr. Presidente: - Sobre esta matéria, a de explicitar constitucionalmente o conjunto de interesses que ao Ministério Público cabe defender, gostaria de ouvir tomadas de posição por parte dos Srs. Deputados. O PSD reitera a sua oposição? E o PS?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, temos dúvidas não quanto ao bom propósito desta iniciativa mas quanto à vantagem em cristalizar excessivamente competências na Constituição relativamente a este domínio. Apesar disso, atendemos o bom sentido da proposta e gostávamos de reflectir mais maduramente em momento posterior.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PCP, nesta parte, não se mostra viável. A oposição do PSD impede-o, mesmo se as objecções do PS mantinham a possibilidade de reconsideração da questão.
A proposta do PSD para…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quero chamar a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte: penso que aquelas objecções que colocaram em relação à representação do Estado estavam salvaguardadas, depois, na alínea c) que propusemos, onde se diz, nomeadamente, "exercer outras atribuições de defesa de interesses públicos (…)".

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Mas termina dizendo "(…) compatíveis com a sua função constitucional.". E, se for retirado "função constitucional"…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso abria aquela questão…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, porque são os interesses públicos, não são os interesses privados!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vale a pena voltarmos atrás. Sr.ª Deputada Odete Santos, os demais partidos não estão disponíveis para…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Há interesses privados do Estado!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, oiça-me!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com a actual redacção, é!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Não ouve e, ainda por cima, está a fumar!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com o Sr. Presidente desta Comissão, pode-se fumar!

O Sr. Presidente: - Salvo se alguém invocar essa questão! Nessa altura, farei prevalecer imediatamente…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, como sei que alguém não a invoca por delicadeza, deixo de fumar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria agora de ouvir as tomadas de posição dos vários partidos acerca da proposta do PSD, de acrescentar ao n.º 1 a ideia de que compete ao Ministério Público participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.
O PCP mantém a oposição?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mantém, sim, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - O PS esclareceu as dúvidas no sentido da oposição, ou dá abertura à proposta do PSD?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, o PS manifesta reserva plena quanto a esta proposta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, por acaso, não explicitei claramente a opinião do PCP.

O Sr. Presidente: - Mas ainda tem direito a explicitá-la, Sr.ª Deputada. Faça favor.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, entendemos que esta proposta é muito complicada, porque tem a ver com o estatuto do Ministério Público.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Se não enriquecermos esta discussão com propostas complicadas, isto torna-se uma monotonia!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, mas é que isto não tem só a ver com o que o Sr. Deputado Guilherme Silva disse na sua intervenção; isto vai muito longe. É que, a partir daqui, podia restabelecer-se a dependência do Ministério Público…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, não, nem pense nisso!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, sim. A partir daqui, estava aberto o caminho.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr.ª Deputada, isto tem de ser compatibilizado com outras normas constitucionais!

O Sr. Presidente: - Então, Sr.ª Deputada Odete Santos, pelo que entendi, nesta matéria, há todos os motivos para julgar que a proposta do PSD não é inocente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É claro!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Presidente mantém um poder de síntese extraordinário!

O Sr. Presidente: - Limitei-me a fazer uma interpretação da posição do PCP; não mencionei qualquer posição pessoal sobre a matéria.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eu sei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também aqui o Dr. Jesus Martins, um dos peticionários que aqui foi ouvido, suscita a questão das incompatibilidades e do exercício de actividades político-partidárias por parte dos agentes do Ministério Público.
Por isso, Srs. Deputados, se adoptarmos determinadas posições em matéria de juízes, devemos, por paralelismo, adoptá-las também em sede do Ministério Público, mas isso ficará para ulterior consideração.
Srs. Deputados, há propostas do PCP para o n.º 2 e para o n.º 4 - são as propostas constantes, respectivamente, do n.º 3 e do n.º 5 do projecto do PCP. Quanto ao actual n.º 2, n.º 3 do projecto do PCP, onde a Constituição diz: "o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia nos termos da lei", o PCP propõe: "o Ministério Público goza de estatuto próprio, o qual assegura a sua autonomia em relação aos órgãos da administração pública e a exclusiva vinculação a critérios de legalidade, objectividade e imparcialidade".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para justificar a proposta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que a proposta fala por si: pretende-se consagrar aqui, para que depois não houvesse algumas tentações em termos de lei ordinária de fazer regredir…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Que nesse caso seria muito ordinária!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está a interpretar o meu pensamento!

Risos.

De regredir em relação ao Ministério Público um estatuto que ele conquistou, que conquistou com algum esforço e que nos parece que se deve manter. Nomeadamente a questão da vinculação a critérios de legalidade, de objectividade e de imparcialidade.

O Sr. Presidente: - Está à discussão esta proposta do PCP, que é convergente, com uma ligeira diferença, com uma proposta apresentada pelo próprio Ministério Público para o n.º 2 do artigo 221.º, na petição do sindicato.
Está à discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, parece-nos que a redacção actual da Constituição é uma redacção equilibrada e bem ponderada, que não justifica a necessidade destas alterações, embora percebamos as preocupações do partido proponente.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, percebe perfeitamente!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Percebo perfeitamente as preocupações do partido proponente, mas não me parece necessário e indispensável que a Constituição, sistematicamente, desça a estes pormenores em matéria de princípios.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isto não são pormenores! Por amor de Deus!...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Em matéria de princípios.

O Sr. João Amaral (PCP) : - Depois de isto estar aprovado, vamos ver qual é a sua opinião dos pormenores…

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Bem vê, isto é uma experiência nova que precisa de ser trabalhada em detalhe!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

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O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, neste particular, estamos de acordo com o PSD, relativamente à fórmula constitucional, que nos parece escorreita, e temos as dúvidas que o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que tanto tem lutado pela afirmação do seu estatuto, coloca no texto que fez chegar à Comissão, quando diz: "sendo manifesta que se trata de uma inovação que só complica sendo ainda susceptível de interpretações perversas a alteração que se reporta aos órgãos da administração pública".
Por isso, a dúvida que colocamos é esta mesma dúvida que o sindicato coloca quanto à autonomia em relação aos órgãos da administração pública - qual é o alcance, a extensão desta autonomia. Esta dúvida foi colocada, esta dúvida merece ser explicitada por parte dos Srs. Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, não penso que o sindicato se queixe de que a proposta do PCP é curta - em vez da independência em relação à administração pública, podia ser, como o sindicato propõe, …

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas aquilo que o Sr. Deputado Alberto Martins quis dizer é que o sindicato se queixa…

O Sr. Presidente: - … independência em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Mas o sindicato queixa-se de a indefinição ser imprecisa. É essa a questão!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a observação que o sindicato faz é de que o conceito de administração pública devia ser interpretado de uma forma …

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É melhor não mexer, é melhor não mexer na disposição!

O Sr. João Amaral (PCP): - E, portanto, a sugestão feita, que nós entendemos…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - São sensíveis!

O Sr. João Amaral (PCP): - Somos sensíveis! Levar-nos-ia a alterar a redacção que está proposta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E pô-la conforme está, na redacção actual?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não!

O Sr. Presidente: - Deputado Guilherme Silva, não lance desnecessariamente sabão para a discussão!

Risos.

O Sr. João Amaral (PCP): - A observação feita pelo sindicato refere-se a uma formulação que penso que não é suficiente ou que pode ser…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pode ser restritiva ou pode ser equívoca.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não seria, forçosamente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas pode conduzir a interpretações perversas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Portanto, Sr. Deputado Alberto Martins, nós acolhemos a sua sugestão no sentido de explicitar melhor esta questão.

O Sr. Presidente: - A proposta do PCP é reformulada nos termos propostos pelo próprio sindicato.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, com excepção dessa questão, com a qual eu não concordava, que dizia respeito à especificação da administração pública ou dos órgãos da administração pública, confesso que veria com alguma simpatia a proposta do PSD, no sentido em que reforçava a ideia de que a autonomia, a existir, existe nos dois sentidos.

O Sr. Presidente: - Do PCP; não do PSD.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sim, do PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas disse PSD!

O Sr. Presidente: - Já há pouco também disse PSD.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Às vezes, confundo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Acha que se presta a confusões?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não nesta matéria, Sr.ª Deputada!
Vejo com alguma simpatia uma proposta que especificasse esta ideia de que a autonomia é nos dois sentidos, e que não garante apenas a autonomia no sentido da independência do Ministério Público perante os órgãos do poder político em geral, e a administração pública em particular, mas também lhes impõe o ónus, ou o dever, se preferirem, da objectividade, da imparcialidade e, obviamente, do respeito pela legalidade, porque isso é inerente à sua própria função. Aliás, tendo em conta o modo como a proposta foi sustentada, fiquei com alguma dúvida se se pretendia apenas consolidar a autonomia ou se isto era uma manifestação de desejo sobre aquilo que é a postura e a função do Ministério Público para futuro; isto é, se não havia aqui alguma espécie de manifestação de desconfiança em relação à falta de objectividade e de imparcialidade…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … e eventual menor respeito…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pode haver desconfiança em relação a tentativas de que!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é outra leitura perversa possível!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É. Mas, neste sentido…

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a vivacidade do debate é bem vinda, mas esta troca de apartes mais ou menos desregulada não é conveniente.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, Sr. Presidente, este aparte foi importante para eu poder terminar dizendo que, com este sentido com que o PCP apresenta a proposta, eu não a vejo com simpatia; vejo-a com simpatia na forma como eu a lia e na interpretação que eu lhe dava, que é ligeiramente diversa, apesar de tudo, daquela que é feita pelos proponentes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas o que vale, para efeitos de discussão, é a interpretação autêntica.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Creio que ninguém percebeu a última observação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Vejo isto como bom porque é um desejo de maior objectividade e imparcialidade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah! Então, acha que não tem sido objectivo?! Nem tem sido imparcial?!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, se me prometer mudar os seus apartes, deixo-a fumar!

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Estou hesitando!

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, resolvidas as dúvidas quanto aos órgãos da administração pública, dúvida que se suscitava na proposta do PCP, nós vemos com simpatia o sentido da proposta do PCP quanto à definição da autonomia do Ministério Público, portanto acolhemos esse sentido positivo da proposta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Só o sentido!

O Sr. Alberto Martins (PS): - O sentido e a fórmula, que deveria ser melhorada para resolver os problemas que o PCP já identificou como problemas que não são bem resolvidos em termos de fórmula, mas são-no, no essencial, em termos dos grandes objectivos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Claro!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, continuo a ter grandes problemas com esta redacção da proposta pelo PCP, apesar das várias explicações que já trouxeram esclarecimentos relativamente à mesma. Mas eu continuo a ver na redacção tal como está duas reduções relativamente ao estatuto e à autonomia do Ministério Público actual: uma, primeiro, é que hoje na Constituição há garantia da sua autonomia, lato senso, e na redacção futura proposta pelo PCP prevê-se apenas autonomia relativamente a uma parte, ou seja, à administração pública - não há autonomia relativamente ao Presidente da República ou a outros órgãos de soberania, pelo que penso que poderá haver aqui …

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no refraseamento feito pelo PCP isso já foi ultrapassado, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Então, penso que essa questão ficaria ultrapassada com vantagem. Mas há uma segunda questão, relativamente à exclusividade da vinculação a três critérios: legalidade, objectividade e imparcialidade - eu via outros princípios que poderiam servir de critérios de actuação ao Ministério Público e que ultrapassariam apenas e exclusivamente esses três.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Como, por exemplo?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - O critério da justiça, por exemplo, que vejo postergado desta redacção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, está aí nestes três!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Ou seja, esta exclusividade de estes três princípios servirem de critério à sua actuação parece-me curto e parece-me redutor face ao actual panorama do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não vamos desconversar sobre isto, porque o texto da Constituição tem "autonomia nos termos da lei" - e isto dá para muita coisa! Dá, inclusivamente, para estabelecer que o Ministério Público é obrigado a submeter-se a despachos de hierarquia, quaisquer que eles sejam, mesmo que ultrapassem a legalidade, a objectividade e a imparcialidade. E depois justiça está aqui, porque a justiça exerce-se quando não se segue por critérios de oportunidade. É um exemplo! Portanto, o princípio da justiça é realizado através destes três princípios que se costumam ressaltar sempre porque são estes três princípios que marcam, de facto, a actuação do Ministério Público independente do poder executivo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Deputado Moreira da Silva, tem a palavra.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, isso seria introduzir graves problemas na compatibilização das várias normas constitucionais. Temos o artigo 266.º, que a Sr.ª Deputada bem conhece, com uma densificação dos princípios que acaba de enumerar completamente diferente daquilo que aqui expôs. Teríamos princípios constitucionais com conteúdos divergentes embora com a mesma terminologia: o princípio da justiça com um sentido para a administração pública, o princípio da justiça com um sentido para a actuação do Ministério Público; o princípio

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da legalidade com um sentido para a administração pública e com outro sentido para o Ministério Público. Penso que isso só iria trazer problemas de compatibilização e de aplicação destes princípios perfeitamente despiciendos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, gostava de dizer que não me parece que a situação de não explicitação de princípios era preferível a uma explicitação de princípios. Tenho como adquirido que é importante explicitar princípios; está em questão saber quais são.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Podemos sempre pecar por defeito. O melhor é não…

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Eu penso que ficamos esclarecidos que a posição do PCP seria de abertura à inclusão de outros princípios e não exclusivamente destes. O que é sensivelmente diferente da proposta do PCP tal como foi apresentada, que era exclusivamente esses três.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso agora demorava a demonstrar-lhe como o princípio da igualdade está aqui.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que ficámos esclarecidos de que o problema do PSD não é o de faltarem cá princípios mas, sim, o de não quererem princípio nenhum.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não, é o de, eventualmente, ficarmos esclarecidos de qual é a posição do PCP; o que é diferente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PCP, reformulada de acordo com a do Sindicato do Ministério Público e aberta à inclusão dos princípios que, no artigo 266.º, são mencionados para a administração pública, a saber, além destes, a justiça e a proporcionalidade, tem a oposição do PSD, propriamente dito, apesar da abertura do Sr. Deputado Moreira da Silva, e tem a abertura do PS, mas não se mostra para já viável.
Vamos ao n.º 4, para o qual existe uma proposta do PCP, é o seu n.º 5, onde se diz "a nomeação, colocação, transferência, promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar, competem à Procuradoria-Geral da República", o PCP propõe que se passe a dizer "competem ao Conselho Superior do Ministério Público nos termos da lei".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que esta proposta é muito simples: isto é como, de facto, a lei determina - quem exerce a acção de disciplinar é o Conselho Superior do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - E a nomeação, também é o Conselho Superior?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A nomeação é o Conselho também.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também esta proposta tem o acordo do Sindicato do Ministério Público (n.º 6 do documento a que me referi já várias vezes) e está à discussão.
O Ministério Público é um órgão complexo que inclui na sua estrutura um Conselho Superior do Ministério Público, mas a que pertencem outros órgãos, designadamente o Procurador-Geral da República. Hoje, a Constituição diz que a nomeação pertence à Procuradoria-Geral, sem especificar a que órgão concreto. O que a alteração propõe é especificar que, dentro dos órgãos da Procuradoria-Geral da República, seria necessariamente o Conselho Superior do Ministério Público.
Srs. Deputados, o sentido da proposta é claro e gostaria que fosse igualmente clara a posição dos partidos, além da do proponente, que é óbvia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, nós temos algumas reservas quanto ao sentido preciso e útil desta proposta, gostaríamos de a aclarar e aprofundar posteriormente: porquê retirar do texto constitucional e a sua concretização ou afunilamento no Conselho Superior do Ministério Público e não na Procuradoria-Geral? Gostaríamos de ouvir dos proponentes uma explicação mais precisa deste afunilamento da solução, ainda que a solução legal vá nesse sentido, gostaríamos que precisasse se a própria solução legal (não tenho aqui presente o texto legal), de nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público cabe, neste momento, tal como o exercício de acção disciplinar, ao Conselho Superior do Ministério Público.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, não tenho isso aqui, mas é ao Conselho que cabe. Aliás, há, nos termos da lei, um paralelismo entre o que se passa em relação aos magistrados judiciais e aos magistrados do Ministério Público. É também o Conselho do Ministério Público que faz a gestão dos seus quadros, que exerce a acção disciplinar e não vejo em que é que consiste o afunilamento. Se calhar, embora Procuradoria seja um termo que compreende o Procurador e o próprio Conselho, há um afunilamento maior ao dizer só Procuradoria - talvez seja muito curto. E eu penso que deve exarar-se aqui a competência do Conselho.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Deputada, posso fazer-lhe uma pergunta?
A Procuradoria-Geral da República é presidida pelo Procurador e compreende o Conselho.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu sei!

O Sr. Alberto Martins (PS): - E a leitura que eu temo é que esta solução pudesse ser vista como uma redução constitucional dos poderes da Procuradoria-Geral da República, o que, no caso concreto, em termos precisos, não me parece adequado, desde logo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Isso poderá ter a ver com a opção que depois poderão tomar, em termos da constitucionalização ou não do Conselho; ou se pensam na prática, na lei ordinária, alterar a constituição do Conselho, isto porque o Procurador-Geral pertence ao Conselho, logo preside ao Conselho.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Deputada, gostaria de dizer, a título pessoal, e tenho que testar essa posição

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com o meu grupo parlamentar, que a ideia de constitucionalizar o Conselho parece-me virtuosa, mas constitucionalizá-lo por esta via, tenho dúvidas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nós temos uma proposta sobre isso.

O Sr. Presidente: - Iremos lá, Sr.ª Deputada. O que está agora em causa é saber se as competências de nomeação, transferência, colocação e acção disciplinar devem competir exclusivamente ao Conselho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, nós acompanhámos aquilo que o Sr. Deputado Alberto Martins disse quanto à pertinência desta proposta. Podemos reflectir mas, desde já, não damos a nossa anuência.

O Sr. Presidente: - Creio que o paralelismo com a magistratura judicial não colhe - não existe nenhum juiz geral da República. Portanto, o Conselho é o órgão superior e o único da magistratura.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente. Mas isso leva, se o Sr. Presidente me desse licença…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, deixe-me acabar e depois responderá.
Creio que o paralelismo não se justifica e, pela minha parte, eu veria aqui uma desnecessária redução da figura constitucional do Procurador-Geral da República. Penso que a solução legal não é necessária e, sem qualquer entorse aos princípios constitucionais, obviamente pode ter alternativas.
Sr.ª Deputada Odete Santos, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, isso coloca outras questões relacionadas com o estatuto do Procurador até com a própria nomeação. Aliás, respondendo a uma objecção do Sr. Deputado Alberto Martins, o Conselho já está constitucionalizado no artigo 222.º.
De qualquer maneira, penso que um órgão colectivo, que é presidido pelo Procurador-Geral da República, que deve desempenhar estas funções. E não vejo como é que isto seja reduzir as funções do Procurador-Geral da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto a esta proposta de fixação constitucional da competência dentro dos órgãos da Procuradoria-Geral, o PS manifestou objecções, mas reserva posição para reconsideração da proposta; o PSD manifesta as mesmas objecções.
Creio que esgotámos o que respeita ao artigo 221.º.
Passamos ao artigo 222.º, Procuradoria-Geral da República, para o qual existem propostas do PCP e uma proposta do Deputado Cláudio Monteiro, que já foi prejudicada na altura própria; ficamos, pois, apenas com as propostas do PCP, que visam consolidar a composição do Conselho Superior do Ministério Público.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o artigo 222.º já contém a constitucionalização do Conselho Superior do Ministério Público, com membros eleitos pela Assembleia e membros eleitos pelo magistrado do Ministério Público.
Nós propomos que a Constituição consagre uma composição do Conselho Superior do Ministério Público da forma que, no fundamental, embora não assim, porque isto foi alterado no último governo do PSD, mas que tenha a constituição que é consagrada aí: Procurador-Geral, sete membros eleitos pelos magistrados do Ministério Público, um Procurador-Geral, dois Procuradores da República, quatro delegados e sete membros eleitos pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta que altera a actual composição legal do Conselho.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto, altera!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração.
Sr. Deputado Moreira da Silva, tem a palavra.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, para já, quero pedir alguns esclarecimentos. Vejo aqui alguma tentativa de paralelismo com a composição do Conselho Superior de Magistratura ao propor sete membros eleitos entre os seus pares e sete membros eleitos pela Assembleia da República, embora não se tenha colocado aqui a possibilidade de o Presidente da República poder também designar alguns membros.
Por outro lado, faz-se aqui uma distinção, que não é feita no Conselho Superior da Magistratura, estabelecendo algumas quotas relativamente às várias categorias da carreira dos magistrados do Ministério Público, propondo-se um Procurador-Geral Adjunto, dois Procuradores da República, quatro delegados do Procurador da República, o que não se faz relativamente aos magistrados onde não se refere expressamente que determinado número tem de ser de magistrados de primeira instância ou de segunda instância ou dos tribunais superiores.
Na verdade, não me parece que isso tenha interesse aqui, mas gostava de ouvir explicações mais pormenorizadas sobre estas duas questões, já que se distinguem claramente, dentro de um princípio de paralelismo.
Houve com certeza algo que os levou a fazer essas exclusões e gostaria de ouvir os esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, já agora ouvíamos o PS, depois teria ocasião de comentar as duas posições.
Sr. Deputado Alberto Martins, tem a palavra.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, eu tenho algumas dúvidas sobre a bondade desta proposta, não da sua intenção, que se percebe até historicamente - ela é localizada por preocupações que, no passado, todos temos presentes -, mas tenho dúvidas sobre se ela não será, em termos constitucionais, um excesso de proposta, se me permite dizê-lo assim, no sentido de ser uma excessiva corporatização e, sobretudo, uma excessiva incursão na organização interna do próprio Ministério Público.
Entendemos as razões desta proposta, que têm certamente uma raiz sindical histórica muito precisa, mas duvidamos que ela deva ter essa tradução em termos da lei constitucional, daí as minhas dúvidas.
Assim, coloco esta questão à Sr.ª Deputada Odete Santos - que acompanhou muito bem este processo no passado - relativamente à necessidade de haver esta pormenorização,

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desde logo, da forma de eleição dos membros e do escalonamento das representações, os Procuradores Adjuntos, Procuradores-Gerais, os delegados, etc.
Penso que isto é uma incursão que uma situação histórica justificou mas que a solução constitucional - que foi, aliás, oposta à solução histórica e teve vencimento - justifica a solução, no tempo, da proposta apresentada pelo Ministro Laborinho Lúcio a este título, e foi uma solução, desde logo, vista como inconstitucional e o próprio texto constitucional dava…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Desculpe, vista como inconstitucional, não tenho ideia!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Nalguns dos pareceres foi vista como inconstitucional.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, mas não foi declarada inconstitucional!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Não. Foi considerada nalguns dos pareceres que foram formulados, desde logo no parecer do Prof. Jorge Miranda e ele próprio teve vencimento na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, elaborando um parecer que foi votado por maioria na Comissão.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, sim, isso lembro-me. Mas não foi considerado inconstitucional.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Mas a minha dúvida radica aí e gostava de ouvir a sua explicação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Uma questão é em relação a esta alínea b), se deveria ter tão precisamente, tão minuciosamente esta constituição.
Embora nos pareça que esta constituição, de facto, é aquela que contém uma representação de todos os patamares da chamada hierarquia do Ministério Público, essa objecção, se for só aí, nessa alínea, poderemos discuti-la. Mas eu penso que o Sr. Deputado Alberto Martins vai mais longe e o que se coloca é a dúvida sobre se a Constituição deve conter a composição, nem que seja só o Procurador - e, já agora, para responder ao PSD, o Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente da República, o que não acontece com o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que aí sempre tinha que haver alguma distinção.
No entanto, a questão de fundo que o Sr. Deputado Alberto Martins colocou é mais importante e creio que, em minha opinião, é mais grave: pareceu-me que não admitia que a Constituição consagrasse qualquer composição do Conselho Superior do Ministério Público e aí eu respondo com uma pergunta: por que é que há-de consagrar em relação aos magistrados judiciais e não há-de consagrar em relação ao Ministério Público? Se me apresentar uma argumentação justificativa desta diferença, eu poderei...
Aliás, eu compreendo que a Constituição ainda hoje se apresente com esta diferença, dada a evolução que tem havido em relação à maneira como se encara o Ministério Público, compreendo que se chegue a 1996 e a Constituição ainda contenha esta diferença. E já foi um avanço, um grande avanço, estar cá referido o Conselho Superior do Ministério Público! Agora, porque não dar mais um passo e porquê esta diferenciação entre as magistraturas?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta.
Mais uma vez, Sr.ª Deputada Odete Santos, não concordo consigo, porque penso que o paralelismo não colhe. Os problemas de autogoverno da magistratura nunca foram, em lado algum, transponíveis em termos iguais para o Ministério Público, mesmo nos países onde a autonomia do Ministério Público mais evoluiu. Penso, por isso, que o paralelo não é invocável, em todo o caso isso não milita decisivamente contra a proposta do PCP.
Gostaria, no entanto, de chamar a atenção para o facto de a proposta do PCP conter duas coisas: uma, implícita, é afastar a representação do Governo do Conselho Superior do Ministério Público, que foi o que suscitou mais polémica no passado; outra é conter uma composição concreta, ou seja, o Procurador-Geral da República, sete membros eleitos pelos magistrados do Ministério Público e sete membros eleitos pela Assembleia da República.
Pergunto aos proponentes se o mais importante é a primeira parte ou a segunda ou se atribuem a mesma importância às duas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o mais importante é a primeira parte! O Sr. Presidente disse "retirar o Governo…

O Sr. Presidente: - Eu ouvi bem, Sr.ª Deputada!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Presidente disse "retirar o Governo" em primeiro lugar, não foi?

O Sr. Presidente: - Exacto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu já disse há bocado que a representação concreta dos membros eleitos pelo Ministério Público, isto é, um Procurador-Geral Adjunto, dois Procuradores, etc., pode ser retirada!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não a posso ajudar mais!
Srs. Deputados, está em discussão esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, quanto ao tirar os membros do Governo, no passado manifestámos a nossa disponibilidade nesse sentido.
Relativamente à fixação ou não de um número de membros do Conselho Superior do Ministério Público - e é disso que se trata -, gostaríamos de deixar em aberto esta questão, uma vez que isso não nos parece ser uma questão decisiva.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, tomando como base o actual texto da Constituição, onde se diz "(…) que inclui membros eleitos pela Assembleia da República (…)" podia encontrar-se uma redacção que dissesse, por exemplo, "(…) composto pelo Procurador-Geral da República, por membros eleitos pela Assembleia da República e por membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público".

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O Sr. Alberto Martins (PS): - Estamos de acordo! Aliás, essa foi uma das leituras que foi feita no sentido restritivo, para evitar a integração de membros do Governo. Penso que a solução é justa e adequada e há abertura para ela por parte do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PSD, peço-lhes que se pronunciem sobre estas duas questões: uma é considerar uma formulação toda feita para a composição e outra é dizer apenas que é composto por.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à proposta completa apresentada inicialmente pelo PCP, não vemos grande interesse nem vantagem na sua introdução, já no que diz respeito a esta última proposta reservaremos para depois a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vale a pena discutir, não é Sr.ª Deputada Odete Santos?
A proposta refraseada pelo PCP tem, em princípio, o acolhimento do PS e uma abertura do PSD, e diz o seguinte: "(…) compreende o Conselho Superior do Ministério Público, que é composto pelo Procurador-Geral da República, por membros eleitos pela Assembleia da República e por membros de entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público".
A proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que diz que "O Procurador-Geral da República é designado por eleição pela Assembleia da República por um mandato, não renovável sucessivamente, de seis anos", está prejudicada, não é?
A questão do mandato e da não renovabilidade já foi discutida na altura própria, em tese geral. Não quero levantá-la agora em tese particular, uma vez que a questão em tese geral se mantém em aberto, ainda não está esgotada.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - E que se perspectiva que não esteja prejudicada!

O Sr. Presidente: - Se, porventura, não se assentar numa regra geral, voltaremos aqui em tese específica.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Presumo que voltaremos ou, pelo menos, espero que voltemos!

O Sr. Presidente: - Eu espero que não, Sr. Deputado Cláudio Monteiro! Espero que resolvamos isso em tese geral!
As propostas do Sr. Deputado Guilherme Silva para os artigos 222.º-A e 222.º-B já foram discutidas, por isso vamos passar aos artigos respeitantes ao Tribunal Constitucional.
Srs. Deputados, ainda a propósito das propostas do Sr. Deputado Guilherme Silva de auto-regulação dos advogados e da Ordem dos Advogados, que, aliás, não são só dele, são também do Sr. João Corregedor da Fonseca, entre outros, há um dos nossos peticionários, o Dr. Jesus Martins, que propõe um Capítulo V - Advogados, com os artigos 224.º - Funções e estatuto e 225.º - Ordem dos Advogados, que, na realidade, são convergentes com a posição da Ordem que o próprio Sr. Deputado Guilherme Silva tinha também adoptado nas suas próprias propostas. Essa matéria já foi discutida lá atrás e ficou em aberto para nova discussão, isto é, o PS reservou a sua posição.
Para o artigo 224.º, relacionado com o Tribunal Constitucional, existem propostas dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, do PS quanto ao n.º 3, do PCP também quanto ao n.º 3 e do PSD, desde logo, quanto à composição.
Srs. Deputados, vamos começar pela composição. O n.º 1 do artigo 224.º diz que "O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes".
Os Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros e o PSD propõem que os juízes sejam todos designados pela Assembleia da República, acabando com os juízes cooptados, acrescentando o PSD que seis desses treze são obrigatoriamente escolhidos entre juízes dos restantes tribunais e os demais de entre juristas de reconhecido mérito. É caso para perguntar se os juízes de outros tribunais não são juízes de reconhecido mérito!
O Professor Jorge Miranda tem uma proposta radicalmente distinta, que vem na linha tradicional das suas propostas, que é a de desparlamentarizar relativamente a composição do Tribunal Constitucional, que é do seguinte teor: "1. O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dois designados pelo Presidente da República, oito designados pela Assembleia da República e três cooptados pelos dez primeiros.
2. Os juízes designados pelo Presidente da República e os cooptados são escolhidos de entre juízes dos restantes tribunais e os demais de entre juristas que não sejam juízes dos demais tribunais".
São estas as propostas que estão à discussão: uma no sentido de acentuar a parlamentarização; outra no sentido de temperar a parlamentarização.
Têm a palavra os Deputados do PSD para apresentarem a sua proposta de parlamentarização.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta, sem alterar, naturalmente, o número de juízes que compõem o Tribunal Constitucional, visa, desde logo, como o Sr. Presidente referiu, acabar com a cooptação e limitar a escolha entre juízes para seis, abarcando os restantes juristas de reconhecido mérito.
Trata-se de uma proposta mais ampla, no sentido de alargamento, isto é, de que mais do que juízes interessa que haja, realmente, juristas a quem, não sendo juízes, é, ao fim e ao cabo, reconhecido mérito para justificarem a sua integração neste tribunal.
Nesta primeira fase, ficar-me-ia por aqui na justificação da proposta, reservando-me, no entanto, o direito de responder às questões que me vierem a ser colocadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, além do Professor Jorge Miranda, também a Política XXI sugere uma redacção para a composição deste Tribunal, que é a seguinte: "O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo quatro eleitos de entre os juízes que estiverem em funções,…" - portanto cooptados - "… por voto secreto em que todos participarão, quatro designados pela Assembleia da República, dois designados pelo Presidente da República e três cooptados pelos anteriores".
Portanto, quatro são eleitos de entre os juízes que estiverem em funções, não sei a que juízes se refere, mas deve ser a todos, aos magistrados judiciais, aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais e, se calhar, também aos dos tribunais militares! Esta é a proposta da Política XXI para o n.º 1.

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Quero dizer que, desde o início, não simpatizo com o actual sistema de nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional, mas também sempre disse que, tendo este entrado em funções e tendo funcionado, só deve ser afastado quando houver uma alternativa que seja indubitavelmente melhor do que a que existe actualmente.
O que é que eu vejo de mal no actual sistema? Por um lado, a exclusiva parlamentarização de partida da nomeação dos juízes do Tribunal Constitucional, porque, na minha óptica, os juízes deviam ser nomeados pelo Parlamento, pelos juízes e pelo Presidente da República, e, por outro, no que se refere à composição actual, tenho duas objecções fundadas: a ideia da cooptação, que estabelece uma distinção entre juízes de raiz e juízes derivados, e a ideia de haver magistrados de carreira que são escolhidos pela Assembleia da República sob proposta partidária, e nisso concordo exactamente com o Professor Jorge Miranda.
Portanto, nesta parte a proposta do PSD agrava dois dos pontos censuráveis que penso existirem no actual sistema: agrava na medida em que parlamentariza, de todo em todo, e agrava na medida em que aumenta o número de juízes, magistrados de carreira, que são escolhidos pela Assembleia da República sob proposta partidária, ou seja, são objecto de escolha e selecção partidária. E, por outro lado, tem apenas um ponto positivo, que é o de eliminar a cooptação, mas, a meu ver, em troca de uma solução pior do que essa. Isto é: trocar a cooptação pela solução do PSD, a meu ver, não é solucionar um mal, é substituir um mal por outro maior.
Estão em discussão a proposta do PSD, oficialmente apresentada, e as do Professor Jorge Miranda e da Política XXI, que eu próprio coloco à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, em meu nome pessoal e em nome dos subscritores do projecto que apresentei, devo dizer que nesta matéria não propomos qualquer alteração, porque fazemos um balanço parcialmente coincidente com aquele que o Sr. Presidente fez, isto é, entendemos que esta é a solução menos má e está por demonstrar uma solução alternativa que elimine alguns dos prejuízos ou alguns dos problemas citados pela actual forma de designação dos membros do Tribunal Constitucional.
Agora, também não quero deixar de sublinhar, e julgo que isto tem sido patente ao longo destes quase 14 anos de vida do Tribunal Constitucional, que esta forma de designação ou esta carga política na forma de designação do Tribunal Constitucional tem, apesar de tudo, tido as suas virtudes, desde logo a de legitimar democraticamente aquilo que é a função legislativa negativa que o Tribunal Constitucional, apesar de tudo, prossegue, na medida em que tem o poder de fazer cessar os efeitos de leis vigentes, e, portanto, tem o poder de, de certa forma, moldar o ordenamento jurídico vigente, o que não deixa de ser uma espécie de participação no exercício da função legislativa, que é mais acentuada, aliás, na nossa Constituição, quando se permitem as chamadas sentenças manipulativas, que permitem ao Tribunal Constitucional fixar o sentido constitucionalmente correcto ou a interpretação constitucionalmente correcta de uma norma.
Nesse sentido, julgo que essa função carece de legitimação democrática, razão pela qual, nessa perspectiva, a eleição pela Assembleia da República dos juízes é positiva.
Por outro lado, esta forma de designação tem-se revelado virtuosa, no sentido de permitir uma diversificação dos juízes do Tribunal Constitucional, isto é, no sentido de impedir que todos eles sejam juízes de carreira e que estejam, por assim dizer, enredados naquilo que é a máquina judicial, nomeadamente no que se refere à possibilidade de inverter a jurisprudência constante dos tribunais.
Os tribunais são muito conservadores, no sentido de que dificilmente invertem sentidos jurisprudenciais firmados ao longo dos tempos, os quais nem sempre são positivos, e o Tribunal Constitucional tem revelado essa capacidade em algumas áreas muito sensíveis precisamente por estar liberto dessa carga corporativa, que, apesar de tudo, ainda está presente no exercício da função judicial em geral.
Lembro-me, por exemplo, que, em matéria de expropriações por utilidade pública, foi notável a capacidade que o Tribunal teve de inverter aquilo que era a jurisprudência dominante dos tribunais comuns - e fê-lo em defesa das garantias dos administrados e, portanto, na minha perspectiva, no sentido correcto -, e isso talvez não tivesse sido possível se esta legitimação democrática do Tribunal Constitucional não existisse.
Portanto, não sei se substituir a cooptação dos três elementos por mais três elementos designados pela Assembleia da República não será substituir um mal menor por um mal ainda maior. Julgo que, se ambos têm aspectos negativos, talvez não valha a pena introduzir um elemento de perturbação e mexer na forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional, até porque, verdade seja dita, a forma pela qual são indicados os juízes do Tribunal Constitucional pelos partidos políticos não é estranha também a indicação dos juízes que vêm a ser cooptados no futuro pelos juízes eleitos pela Assembleia da República, o que significa que, na minha perspectiva, a alteração proposta pelo PSD é uma mera alteração de forma, porque nada traz de substancialmente novo em relação à forma como o tribunal hoje é designado, sobretudo na medida em que, apesar de tudo, os juízes eleitos pela Assembleia da República não têm gozado dessa liberdade de cooptar livremente os três elementos.
Admito que possa entender o contrário, mas, na minha perspectiva, não têm gozado dessa liberdade, e a composição do Tribunal Constitucional sempre foi tratada globalmente pelas forças políticas representadas na Assembleia da República, e isso tem incluído os três juízes que mais tarde vêm a ser cooptados pelos juízes eleitos.
Portanto, se não vejo grande prejuízo na alteração proposta pelo PSD, também não vejo grande vantagem em introduzi-la e em alterar o texto constitucional, porque nessa matéria julgo que, de facto, podemos dizer que a forma actual de designação dos juízes do Tribunal Constitucional é um pouco como a democracia; é um dos sistemas possíveis, talvez seja ainda o menos mau de todos, pelo menos não foi demonstrado que haja um melhor para o substituir.

O Sr. Presidente: - A grande vantagem de haver duas propostas, uma num sentido e outra noutro, é que as duas se anulam!
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista não propôs em relação a este ponto qualquer alteração, não apresentou qualquer proposta, porque qualquer fórmula abstracta é melhor, mas a questão é de soluções

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concretas. E se acompanhamos o Sr. Presidente quanto à identidade genética da composição do Tribunal, que poderia ser outra, a experiência mostra-nos que algum défice da génese político-partidária do Tribunal está temperada, até pela solução dos dois terços que hoje é adoptada na designação dos seus membros, e a cooptação dos três juízes, que é apresentada no texto constitucional, acaba por ser a reintrodução da vontade da Assembleia de forma negocial, muitas vezes reequilibradora.
É certo que poderia apontar-se essa questão de legitimidade, mas, na prática, ela não tem existido na vida externa e na forma como as decisões do Tribunal e as suas deliberações têm sido realizadas.
Para garantir e para temperar esta génese político-partidária da composição, aventamos uma fórmula que, essa sim, reforça a autonomia e tempera precisamente essas dificuldades genéticas, com o reforço da autonomia dos juízes do Tribunal, dando-lhes um prazo fixo e, portanto, resolvendo algumas dificuldades de partida. Aludo a esta proposta, porque ela é, efectivamente, um elemento decisivo de temperação da origem político-partidária da designação dos membros do Tribunal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é sabido que, quando, em 1982, foi extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional, o PCP se opôs e levantou grandes reservas em relação à solução adoptada na época, que, aliás, foi objecto de uma grande controvérsia. Houve críticas e observações que foram feitas na altura como, por exemplo, a de que, sendo o Presidente da República directamente eleito e apresentando ou nomeando toda uma série de entidades para outros cargos, não faz muito sentido nem está muito de acordo com o sistema de Governo consagrado na nossa Constituição o facto de também não indicar juízes para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, o facto de os juízes eleitos pela Assembleia da República serem juízes de carreira e, não obstante isso, serem propostos por partidos também é um problema pertinente.
Em relação ao problema da cooptação, julgo que, a partir do momento em que ela existe, não se pode aceitar a leitura, embora, naturalmente, os factos a possam induzir, de que há juízes de primeira - os que são imediatamente eleitos - e juízes de segunda - os que ulteriormente são cooptados. Creio que se trata, na verdade, de um duplo compromisso: um compromisso que é obrigatório para efeitos do primeiro núcleo de juízes directamente nomeados pela Assembleia da República e, ulteriormente, um segundo compromisso, eventualmente reequilibrador, esperemos que sim.
Mas o problema que sempre foi colocado, a nosso ver, nesta matéria e que nos levou a não apresentar uma proposta, tem a ver exactamente com a extrema dificuldade de encontrar equilíbrios depois de formada e de relativamente consolidada uma determinada instituição. Esperávamos que, eventualmente, o debate pudesse abrir outros caminhos, outras possibilidades, mas estamos aqui perante uma situação que é efectivamente contraditória. Por um lado, temos propostas que vão no sentido da parlamentarização integral, portanto, levando ainda mais longe aquilo que actualmente já resulta, embora por via indirecta, da vontade parlamentar, e, por outro, as propostas do Professor Jorge Miranda e da Política XXI, que vão exactamente no sentido contrário da proposta do PSD e da proposta dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.
Daí que, naturalmente, se torne particularmente difícil num quadro deste tipo encontrar o equilíbrio que não foi encontrado em 1982, mas continuaremos abertos à ponderação desta matéria, sensíveis às críticas que são apresentadas mas também julgando que se impõe, naturalmente, a maior prudência.
A proposta, coincidente com a do PS, em relação ao n.º 3, que vamos discutir a seguir, é uma proposta que, de algum modo, procura colmatar uma das deficiências e perversidades da génese parlamentar do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, face a este debate que já se gerou em torno destas propostas, nomeadamente da do PSD, quero, desde já, afirmar que penso que são excessivas algumas das críticas que o Sr. Presidente fez à mesma.
Desde logo, penso - se não é claro, será defeito nosso - que a proposta do PSD pretende, no fundo, pôr a claro algo, como já aqui foi referido, que é a situação prática. Ou seja: os três juízes cooptados são, no fundo, eleitos directamente, uma designação indirecta da Assembleia da República, porque, no fundo…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Moreira da Silva, permita-me que lhe diga isto: suponho que não posso ser contrariado pelos factos. Nas duas cooptações que houve, os juízes cooptados, penso eu, na maior parte dos casos, não teriam aceite ir para o Tribunal Constitucional senão por via da cooptação, isto é, não teriam aceite ser propostos por partidos políticos na Assembleia da República.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Mas foi gerado um consenso com a base...

O Sr. Presidente: - Então, isto quer dizer que a vossa proposta não altera as coisas!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, noutra realidade não sei aquilo que poderá acontecer, mas compreendo que, eventualmente, essa terá sido a razão por que foi fixada determinada composição, que terá as suas virtualidades.
Pensamos, no entanto, que, face aos problemas práticos que houve em muitos casos, e até em alguns casos de vagatura do cargo, e que são reconhecidos - e estou a recordar-me do último -, para se arranjar o consenso para a cooptação ou para arranjar alguém que quisesse aceitar, no caso de ser cooptado naquele preciso momento para preencher a vacatura do cargo, a incompletude da composição do Tribunal inicial poderia ser resolvida desta forma, e há uma proposta que nós apresentámos em cima da mesa para discussão, sem descurar que, obviamente, temos perfeita noção da bondade ou não bondade do sistema encontrado em 1982, que é discutível.
Não só em Portugal como também noutras experiências constitucionais são sempre discutíveis essas formas de composição. Mas em Portugal existe esta que está fixada, e nós tentámos apenas resolver um problema, que pensamos

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de ordem prática, que tem surgido com as cooptações. Penso que a nossa proposta tem um conteúdo menos profundo do que aquele que às vezes lhe tem sido atribuído.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero apenas deixar aqui duas ou três notas.
A primeira é que o sistema tem funcionado, mas, entretanto, o actual Tribunal está em prorrogatio há mais de 16 meses, e não é pela cooptação.
A segunda é que a cooptação tem sido uma válvula de escape para o sistema de escolha predominantemente parlamentar. Sem ela as dificuldades de composição do Tribunal Constitucional seriam muito maiores do que têm sido. Portanto, a cooptação, a meu ver, é um mal, mas é um mal que corrige um outro mal. Vocês, ao retirarem-na, criam um mal maior. Sobre isso estou profundamente convicto.
A terceira é que, a meu ver, é impossível, na prática, encontrar uma alternativa para a composição do Tribunal Constitucional sempre que pensemos no imediato, isto é, para o Tribunal que está para vir; se pensarmos numa composição do Tribunal Constitucional para daqui a nove anos, provavelmente a liberdade que temos de formulação será muito maior.
Na discussão que houve no Partido Socialista para o projecto de revisão constitucional, cheguei a pensar apresentar uma composição ideal para o Tribunal e dizer que ela entraria em vigor, pura e simplesmente, daqui a nove anos, num prazo em que nenhum de nós saiba previsivelmente qual é a maioria parlamentar, qual é o Presidente da República e qual é a configuração de cada um dos conselhos superiores da magistratura.
Neste caso, é provável que uma proposta do género "O Tribunal Constitucional é composto por quatro membros eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços, três juízes dos Tribunais Judiciais eleitos por maioria qualificada pelo Conselho Superior da Magistratura, três juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais eleitos pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais por maioria de dois terços e três juízes designados pelo Presidente da República" fosse palatável, uma vez que era para daqui a 9 ou a 12 anos, isto é, que nenhum de nós saberia exactamente qual iria ser a configuração dos órgãos de soberania. Mas, como esta proposta, obviamente, soaria a artificial, nem sequer eu próprio a considerei.
Tudo isto para dizer o seguinte: a formulação que está no texto constitucional tem funcionado tant mal que bien e, por isso, para a substituir é preciso apresentar uma que corrija os seus malefícios, mas que seja praticável e mais consensual do que ela. A meu ver, esta proposta do PSD não preenche nenhum destes critérios.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só uma nota muito pequenina em relação ao projecto do Professor Jorge Miranda.
Embora a questão da possível nomeação de alguns juízes pelo Presidente da República tenha estado subjacente, nomeadamente na sua intervenção, quero chamar a atenção para o seguinte: o perigo dessa possível nomeação de juízes do Tribunal Constitucional pelo Presidente não reside apenas no facto de se conhecer hoje qual é o Presidente e de isso poder condicionar essa opção constitucional, reside também no facto de, tendo em conta as funções constitucionais quer do Presidente quer do Tribunal Constitucional, isso implicar que o Presidente, em certas circunstâncias, esteja, de certa forma, vinculado pela posição do Tribunal Constitucional. Ora, mau seria que ele pudesse designar representantes dele e, de alguma forma, condicionar, por essa via, a própria posição do Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, nunca seriam representantes! Todos os juízes do Supreme Court of the United States são designados pelo Presidente dos Estados Unidos e, no entanto, não há tribunal mais independente em relação ao próprio Presidente dos Estados Unidos. O problema, a meu ver, não se põe nesses termos.

Pausa.

Bom! Parece que a conclusão é óbvia: a proposta do PSD não colhe adesão e não há alternativas válidas para o texto constitucional.
Passamos à proposta relativa ao n.º 3 do artigo 224.º, cuja redacção actual é a seguinte: "Os juízes do Tribunal Constitucional são designados por seis anos.".
O PS propõe a seguinte alteração: "(…) são designados por nove anos, não podendo ser reconduzidos.". O PCP propõe a mesma coisa, com outra redacção: "(…) têm um único mandato de nove anos.".
Srs. Deputados, pela minha parte, adiro entusiasticamente a esta proposta, aliás, manifestei-me, desde o princípio, contra - desde o princípio, isto é, desde a fórmula que consta da Constituição - um mandato curto e renovável dos juízes do Tribunal Constitucional.
Penso que uma das ideias essenciais da independência judicial é os juízes saberem que a sua manutenção ou recondução no mandato não depende dos seus juízos. Ora, mandatos curtos renováveis implicam que o juiz que queira permanecer seja pressionado para actuar no sentido de ver renovado o mandato.
Portanto, entendo que a própria ideia de independência dos juízes supõe mandatos suficientemente longos e não renovabilidade - aliás, é essa a solução, sem excepções, do direito comparado. Não conheço nenhuma solução de direito comparado, daquelas que nos são mais próximas, das europeias - a espanhola, a italiana, a austríaca, a francesa, a alemã, etc. -, que não tenha uma de duas soluções: os juízes do Tribunal Constitucional ou são vitalícios e, portanto, por natureza, têm um mandato longo e não renovável ou são de mandato longo e não renovável. Períodos de 9 ou 12 anos são as ideias do direito comparado.
Assim, penso que o mínimo que podemos fazer, para ultrapassar algumas críticas ao Tribunal Constitucional, é exactamente o alongamento do mandato e a não renovabilidade. E isto não é puramente teórico! Toda a gente sabe que, na primeira renovação do Tribunal Constitucional, um dos juízes se viu não reconduzido - não é o meu caso, como sabem, porque eu saí por vontade própria -…

Risos.

Apesar de ter sido proposto!
Mas, como estava a dizer, um dos juízes não se viu reconduzido, por decisões, por posições que tomou enquanto juiz.

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Penso que essa possibilidade e essa suspeição devem ser radicalmente afastadas e, se alguma coisa merece, hoje, relativo consenso, na comunidade jurídica, é esta ideia.
Portanto, pela minha parte, permito-me dar a minha opinião, com a pouca força que ela possa ter, a favor de uma solução desta natureza.
Srs. Deputados, está à discussão.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Permite-me o uso da palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, nós estamos de acordo, aliás, o Sr. Presidente acaba de fazer uma síntese que colhe a nossa adesão, no sentido de que este n.º 3 é uma solução equilibradora da origem e da génese da composição do Tribunal.
Como já dissemos, o Tribunal Constitucional tem uma composição geneticamente político-partidária, ainda que decorra da Assembleia, e esta ideia do mandato longo e não renovável reforça as garantias de independência e inamovibilidade dos juízes. É, indiscutivelmente, um elemento de autonomia e estabilidade e, como disse - e todos temos consciência disso -, os mandatos curtos podem forçar uma maior permeabilidade no exercício das funções, na mira, eventual, sem prejuízo da idoneidade de cada pessoa em concreto mas com prejuízo da isenção do cargo, da renovação do mandato.
O mandato com termo fixo, não renovável, dá, desde logo, à partida, não obstante a génese que aqui já foi apontada, uma total independência no exercício do cargo. O designado depende apenas de si próprio, do mérito da sua actuação, da sua vontade, não está condicionado a nada nem a quem quer que seja, nem a pressões de qualquer ordem. As garantias de independência e de inamovibilidade - e de imparcialidade, naturalmente, desde logo - são reforçadas por esta via, pelo que acolhemos esta solução com muito agrado e vemo-la ser retomada também, aliás, correspondendo a uma ideia genérica da comunidade política, pelo Partido Comunista e penso que também pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD.

O Sr. Presidente: - Exactamente!
Srs. Deputados, quero acrescentar que, além da proposta do PS e do PCP, também o Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD propõem uma solução semelhante, ou seja, um período de nove anos não renovável, e o Professor Jorge Miranda propõe a mesma solução, com uma nuance, isto é, os juízes do Tribunal Constitucional "(…) são designados por nove anos e não podem ser reconduzidos para o período imediato", admitindo, portanto, que possam vir a ser renomeados passados nove anos depois de ter terminado o primeiro mandato. Portanto, é uma qualificação em relação à proposta que estávamos a considerar, pelo que não quero deixar de lhes chamar a atenção para ela.
Srs. Deputados, vamos continuar a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Muito rapidamente, Sr. Presidente, para dizer que concordo, no essencial,…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Então, e o PCP?!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Ah! Ainda estão a apresentar as propostas? Peço desculpa mas pensava que já estávamos na fase da discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o que vou dizer é muito pouco.
Nós reconhecemo-nos, no fundamental, nos termos da apresentação feita pelo Sr. Presidente e pelo Deputado Alberto Martins.
Para nós, esta proposta garante melhor a independência dos juízes do Tribunal Constitucional e, nesse sentido, entendemos que é fundamental a sua aceitação e a sua consagração nesta revisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, rapidamente, quero dizer que concordo com o sentido das observações que foram feitas mas gostaria de acolher a sugestão feita pelo Professor Jorge Miranda, na sequência, aliás, do que já havíamos proposto em relação ao Procurador-Geral da República e a outros cargos relativamente aos quais propomos a limitação do mandato, com impossibilidade de renovação sucessiva. Isto, pela simples razão de que eu vejo com a mesma preocupação a existência de cargos vitalícios e a existência de proibições vitalícias.
Ora, parece-me que, tendo em conta a duração do mandato, sobretudo se for alterado de seis para nove anos, a impossibilidade de renovação sucessiva garante a independência, porque será um pouco exagerado fazer juízos de que se está a actuar em função do que vai acontecer daqui a dezoito anos.
Portanto, nesse sentido, julgo que deve ficar explícito que essa impossibilidade de renovação é só quanto ao mandato subsequente e não se deve estender por todo o período da vida do designado, sob pena de se querer combater o mal da designação vitalícia - não é este o caso, porque aquilo que se pretende é fundamentalmente salvaguardar a independência - com a existência de uma proibição vitalícia, a qual também me parece perversa e limitadora, num certo sentido, dos direitos de participação cívica dos cidadãos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, como bem foi referido neste debate, o que está, realmente, subjacente à eleição dos juízes, no que concerne ao seu mandato, é a isenção e, bem assim, naturalmente, a total independência no exercício do cargo.
Ora, a questão que nos obriga a reflectir é esta: essa isenção e essa independência são pressuposto do mandato mais ou menos longo, em razão do tempo? E, por outro lado, importa que reflictamos também sobre isto: nove anos é um período longo? Seis anos não é um período longo? É um período curto?
Questão diversa seria, realmente, uma proposta no sentido de que esse mandato fosse vitalício. Aí, sim, se calhar, teríamos uma abertura maior em termos de considerar aquilo que seria um mandato mais longo.

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A experiência diz-nos que - assim me parece! - o mandato actual, de seis anos, e que o PSD, de resto, continua a defender no seu projecto, não tem sido condição, pelo menos por aquilo que sabemos, para que a independência no exercício dos cargos, por parte dos juízes, tenha sido condicionada, em termos de liberdade e de isenção.
O Sr. Presidente, de resto, referiu que há um caso - e os juízes são treze!… - em que o juiz não foi reconduzido. Será que um caso, em treze, é exemplo para que possamos considerar que, se não fosse por seis anos mas por nove, essa situação já não se justificaria ou já não seria real?!

O Sr. Presidente: - Não! É a não renovação, Sr. Deputado.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - A não renovação…

O Sr. Luís Sá (PCP): - O problema essencial é a não renovação, não é a duração do mandato! Efectivamente, a duração do mandato não é decisiva para a independência.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Tudo bem! Mas a questão…

O Sr. Luís Sá (PCP): - O não ter de esperar por atestados de bom comportamento é que é fundamental!

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - O não estar à espera de atestados!
Mas a questão essencial é esta: seis ou nove anos, e este é também um ponto de reflexão, são ou não determinantes - e penso que isso é o essencial - para considerar que um juiz que é eleito exerce o seu cargo de forma independente ou não, com isenção ou não, na medida em que tem presente no seu espírito que pode ver o seu mandato reconduzido ou não? Essa é a questão! E, pela nossa parte, não consideramos que a prática ou que a proposta em concreto de mudança de seis para nove anos seja determinante em termos de considerar que isso vai alterar o estatuto e a isenção dos próprios juízes. Por isso, não…

O Sr. Presidente: - É a não renovação, Sr. Deputado! Há dois elementos na proposta: um é o mandato, outro é a não renovação.

O Sr. Alberto Martins (PS): - O problema é a renovação imediata do mandato!

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - O PSD continua a não ver bondade na proposta, no sentido de que a manutenção dos seis anos permitirá, naturalmente, a continuação da renovação.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado Francisco José Martins, há surpresas nesta Comissão!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que não avancemos muito nesta ideia e que o PSD, ao menos, nos diga que esta não é uma posição definitiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente, o Sr. Deputado Francisco Martins defendeu, e bem, a proposta que temos. Em princípio, esta é a nossa posição!
Quanto à questão do Tribunal Constitucional, por um lado, todos temos de reconhecer que aquilo que hoje a Constituição consagra foi fruto de muita reflexão, foi fruto de muita discussão dos constituintes e, por outro, trata-se de um órgão…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dos constituintes, não!

Risos.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Dos "reconstituintes"!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exacto! Dos Deputados que consagraram esta solução.
De qualquer forma, aquilo que pensamos é que se trata de um órgão de uma importância particular e que as mexidas que devem ser feitas em sede de revisão constitucional têm de ser profundamente debatidas e profundamente pensadas.
Nós propomos os seis anos, e está implícita a possibilidade de renovação, mas não deixamos de reconhecer mérito à proposta que acaba por ligar as duas coisas, ou seja, por um lado, o tempo de mandato, prolongando-o, e impedindo a renovação, por outro, dentro da ideia de que o exercício do mandato sem a perspectiva da renovação - e, portanto, sem a preocupação de uma determinada conduta que possa ser avaliada para garantir ou para corroborar a possibilidade da recondução em novo mandato - pode introduzir nos juízes com esta função superior um estado de espírito de isenção e um maior distanciamento relativamente aos órgãos que os elegem ou indicam.
Portanto, não nos fechamos à possibilidade de reflectir e de vir a encontrar ou de ir ao encontro de algumas das propostas aqui veiculadas mas, de qualquer forma, por agora, reiteramos aquela que é a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, só mais uma nota.
Em primeiro lugar, a questão fundamental é a da não renovação, a outra é derivada.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Claro! É evidente!

O Sr. Presidente: - Nós só propomos o aumento do mandato, partindo do princípio da não renovação. Uma vez que proibimos a renovação, entendemos que seis anos pode ser pouco tempo para alguém que está bem instalado na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça e que não quer ir aborrecer-se no Tribunal Constitucional durante seis anos para voltar, depois, ao seu lugar de origem.
Portanto, o aumento de seis para nove é uma consequência da não renovação e esta é a questão fundamental.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - De qualquer forma, quero dizer que, mesmo na perspectiva da não renovação, considero um mandato de nove anos um bocadinho excessivo.

O Sr. Presidente: - Mas nós estamos abertos a ponderar isso! Porém, essa é uma questão derivada e consequencial; a questão fundamental é a não renovação.

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Em segundo lugar, a questão da não renovação é uma questão de princípio. Hoje, em qualquer manual de teoria da judicatura, a questão da renovação de mandatos temporários, temporariamente limitados, é uma questão essencial, como garantia, como definição do próprio princípio da independência!
Em terceiro lugar, esta não é uma questão partidária. Tenho participado em muitas discussões académicas sobre esta matéria, na comemoração dos 10 anos do Tribunal Constitucional, na comemoração dos 20 anos da Constituição, ou seja, em imensas discussões onde a questão partidária não está em causa! E a unanimidade a este respeito é praticamente indiscutível. Portanto, esta é uma questão sentida na comunidade jurídica. Mais, os juízes dos tribunais judiciais, sentem que a ideia de estarem dependentes de renovação é um elemento de pressão e de desconfiança em relação ao próprio exercício da magistratura.
Penso que nós dávamos uma enorme mais-valia de legitimação - não é de legitimidade, é de legitimação - do Tribunal Constitucional, se consagrássemos o princípio da não renovação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, sou sensível aos argumentos expendidos sobre esta solução, consagrada, aliás, pelo meu colega Deputado Pedro Passos Coelho na sua proposta.
No entanto, punha também à reflexão uma outra questão que, penso, não se prende exactamente com esta, pois podia ser resolvida por normas transitórias ou por outras, e que é a de os juízes não cessarem todos na mesma altura o seu mandato, havendo a possibilidade de uma substituição por um terço, por dois terços ou por metade dos seus elementos, ao longo do tempo, e não no mesmo momento, para permitir alguma continuidade de jurisprudência.
Esta é uma questão nova que coloco relativamente a estas propostas, que prevêem a não renovação dos mandatos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Moreira da Silva, primeiro, é óbvio que, em sede de disposições transitórias, podemos considerar isso. Em segundo lugar, lembro-lhe que, mesmo com um mandato de seis anos, o Tribunal, que está cessante, renovou dois dos seus juízes. É que os juízes demitem-se, saem ou morrem, isto é, também estão sujeitos à lei da vida.
Portanto, com um mandato para nove anos, a possibilidade de um tribunal chegar ao fim com os treze juízes é praticamente impossível, na prática, pelo que, penso, essa hipótese não se poria. Em todo o caso, podemos inserir uma nota transitória, dizendo que uma parte dos juízes, a determinar por sorteio, teriam um mandato não de nove mas de seis anos, ou de quatro anos e meio, ou outra fórmula que permitisse uma não solução de continuidade de um tribunal, de forma a não cessarem todos os juízes ao mesmo tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, quero só deixar duas notas muito simples. O que procurei sublinhar na minha intervenção foram duas coisas que, para mim, são importantes.
Em primeiro lugar, chamar longo ou curto a um mandato de nove ou seis anos é subjectivo, Sr. Presidente. De resto, referi que, então, porventura, seria mais curial falar num mandato vitalício; então sim, a independência seria total, pois não estava sujeito a qualquer subordinação ou condicionalismo.
Outra questão que sublinhei, e volto a sublinhar, é que não concebo que um juiz seja mais ou menos independente e isento consoante tenha um mandato de nove ou de seis anos. Ele sê-lo-á até para um mandato de um ou dois anos, pois isso está subjacente à sua própria actividade.
Em todo o caso, e fico satisfeito, o Partido Social Democrata - e o Sr. Deputado Guilherme Silva deixou isso aqui bem claro - não fecha a porta, mas, naturalmente, tem de reflectir à luz daquilo que entende ser mais adequado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco José Martins, o prazo de nove anos, que propomos, é o prazo menor indicado pelo direito comparado, o qual indica nove ou doze anos. E não o faz por acaso, estas coisas não são arbitrais. Por que é que, em geral, as soluções lá fora são de nove ou doze anos e nunca abaixo disso? Porque, na verdade, há certos ciclos da vida e da actividade. E quem esteve no Tribunal Constitucional sabe que há um ciclo de actividade, que as pessoas demoram a arrancar num tribunal como aquele, que normalmente para elas é exótico em relação à sua actividade anterior, e que, depois, quando se aproxima o fim do mandato, elas pensam "já agora, se calhar, já não julgo isto" e começam a meter na gaveta os respectivos processos. Assim sendo, se este ciclo for alongado para nove anos, a produtividade, no pico de produção, aumenta e, se calhar, é isso que justifica os nove ou doze anos do direito comparado e não os nossos exíguos seis anos.
Mas - e insisto neste ponto - a questão do aumento do prazo é decurso da não renovabilidade. Pensamos que ir retirar um juiz do STJ para um mandato único de seis anos pode ser um óbice à sua deslocação, pode ser que ele não esteja disponível para sair das suas tamanquinhas confortáveis no STJ para, ao fim de seis anos, ter de voltar.
É essa a questão. Insisto: a questão do período é secundária e derivada; a questão essencial é a da não renovação.
Srs. Deputados, a conclusão a tirar é a de que há abertura do PSD para considerar esta proposta, comum ao PS, ao PCP, ao ex-Deputado Jorge Miranda, ao Deputado Pedro Passos Coelho, a tutti quanti, e que consideraria muito bem-vinda, se fosse para a frente.
Fica também em aberto a possibilidade de acolher a sugestão de Jorge Miranda, de não ser não renovação absoluta mas, sim, não renovação relativa, para o mandato seguinte. Se isto facilitar a adesão do PSD, por mim, não faço a mínima objecção a esta solução.
Srs. Deputados, foi-me solicitado pelo PS que a reunião de hoje acabasse mais cedo. Tal como tenho decidido em relação a outros pedidos fundamentados dos restantes partidos, terminamos, então, aqui os nossos trabalhos. Na próxima reunião, começaremos com o artigo 225.º.
Quero ainda deixar duas notas. A primeira é que, amanhã, de manhã, há uma reunião excepcional, para uma audição que estava marcada. Proponho que se estabeleça uma pequena subcomissão, em que, além de mim, esteja um membro de cada partido. Trata-se da audição de uma entidade que não pôde cá estar na segunda-feira.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É uma daquelas audições que estavam previstas?

O Sr. Presidente: - É o grupo de trabalho do Ministério da Justiça para a revisão da Lei de Saúde Mental, o qual quer ser ouvido sobre a norma relativa à detenção preventiva de alienados mentais.
Srs. Deputados, proponho que me digam, desde já, quem é que estará aqui comigo, amanhã, às 11 horas e 30 minutos, para receber essa delegação.
A segunda nota é que não haverá reunião na sexta-feira, de manhã, mas haverá na quinta-feira, à noite, obviamente.
Para a próxima semana, como não há reunião plenária, proporia (e já falei deste assunto com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que, em princípio, está de acordo) que as reuniões da Comissão tivessem lugar nos seguintes dias: terça-feira, de manhã e de tarde, como sempre; quarta-feira, à tarde, e não de manhã, se estivessem de acordo; quinta-feira, à tarde, e não à noite, e sexta-feira, de manhã, como é habitual. Ou seja, manteríamos o mesmo número de reuniões: terça-feira, de manhã e à tarde; quarta-feira, à tarde, em vez de quarta-feira, de manhã; quinta-feira, à tarde, em vez de quinta-feira, à noite, e sexta-feira, de manhã.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, temos é de harmonizar isso com as reuniões da Comissão de Economia, Finanças e Plano, para a discussão do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Está bem, Sr. Deputado. Mas a maior parte dos Deputados aqui podem, suponho, agilizar…
De qualquer modo, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu o seu acordo a esta sugestão. Ainda podemos discutir isso na quinta-feira, à noite, mas queria pôr, desde já, esta hipótese para o calendário das reuniões da próxima semana.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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