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Quinta-feira, 21 de Novembro de 1996 II Série - RC - Número 55
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 20 de Novembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 15 horas e 25 minutos.
Iniciou-se a discussão do artigo 229.º e das correspondentes propostas de alteração constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Ferreira Ramos (CDS-PP), Medeiros Ferreira (PS), Luís Sá (PCP), Mota Amaral e Barbosa de Melo (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Guilherme Silva e Luís Marques Guedes (PSD) e Arlindo Oliveira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar a reunião no ponto em que ficámos ontem. Ontem discutimos os parâmetros limitadores do poder legislativo regional e hoje vamos passar ao âmbito do poder legislativo regional.
Nos termos actuais da Constituição, as regiões autónomas podem legislar "em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania".
Segundo a interpretação doutrinal e jurisprudencial prevalecente, tal significa que as regiões podem legislar nas matérias que, caso a caso, tenham peculiaridade suficientemente relevante para justificar um regime regional próprio. As matérias próprias dos órgãos de soberania são as que estão previstas nos artigos 167.º e 168.º da Constituição, mais as que o Tribunal Constitucional tem acrescentado, ad hoc, por só poderem ser decididas pela República, em virtude da natureza das coisas.
A este regime das normas constitucionais propõem-se as seguintes alterações: o PP propõe a abolição do requisito "interesse específico" regional; o PS propõe um esclarecimento constitucional do conceito "matérias reservadas aos órgãos de soberania", alterando a fórmula constitucional, de modo que onde se diz "competência própria dos órgãos de soberania" passe a dizer-se "competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo", e esclarecendo, no artigo 230.º, quais são essas matérias exclusivas; o PCP propõe também a substituição da expressão "competência própria dos órgãos de soberania" por "competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo"; o PSD não propõe alterações nesta matéria; o Sr. Deputado Guilherme Silva e outros do PSD, como é corrente, afastam tudo e a proposta do Sr. Deputado António Trindade e outros do PS é igual à do PS.
Creio que devemos discutir em conjunto estas propostas já que focam todas a mesma questão: por um lado, o requisito positivo do interesse específico e, por outro lado, o limite negativo das matérias reservadas aos órgãos de soberania. São, pois, duas partes do mesmo harmónio, pelo que vamos discuti-las em conjunto.
Pela ordem de apresentação, começo por dar a palavra ao PP para apresentar a sua proposta de abolição do requisito "interesse específico", se assim o desejar. Depois, darei a palavra ao PS e a seguir ao Sr. Deputado Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação ao artigo 229.º, o Partido Popular procede à abolição da expressão "de interesse específico", mantendo somente…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, permita que o interrompa só para esclarecer os Srs. Deputados que a proposta em causa faz parte de um aditamento que o PP fez chegar à mesa - trata-se do artigo 229.º, alínea a), n.º 1, do suplemento do projecto do PP -, no sentido da abolição do requisito "de interesse específico".
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Exactamente. Trata-se da abolição do requisito "de interesse específico", mantendo-se, como é óbvio, o do respeito pela Constituição e pelas leis gerais da República.
A posição do Partido Popular nesta matéria, e na sequência dos trabalhos de ontem à tarde, é de abertura para a adopção da solução proposta pelo Sr. Presidente da Comissão, no sentido de tentarmos ultrapassar a problemática, que alguns dos Srs. Deputados levantaram, relativamente à definição do conceito de leis gerais da República.
As nossas alterações nesta matéria ficam-se por aqui, pelo que penso não haver necessidade de tomar mais tempo com a sua apresentação.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Ferreira Ramos, agradecendo a sua exposição, aproveito para lhe dar as boas-vindas a esta Comissão, visto que o PP nos informou que V. Ex.ª veio substituir o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
Passo, então, a dar a palavra ao PS para apresentar a sua proposta, a qual contém não só alterações da alínea a), n.º1, do artigo 229.º mas também o novo artigo 230.º, onde se definem as matérias da competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, a nossa intenção com esta proposta de alteração foi, como já ontem se viu, a de retirar desta questão dos poderes das regiões autónomas a limitação introduzida pelo conceito de leis gerais da República e definir pela positiva os poderes dessas mesmas regiões.
Também fazemos uma clarificação na alínea a), n.º 1, do artigo 229.º no respeitante aos órgãos de soberania com competência legislativa, e daí a referência à Assembleia da República e ao Governo em substituição do conceito de órgãos de soberania, na medida em que alguns não têm, obviamente, capacidade legislativa. Trata-se, pois, de uma clarificação neste domínio.
A inovação a que damos mais importância, neste artigo 229.º, é exactamente a da alínea i), n.º 1, do mesmo artigo, sobre o poder tributário próprio, ou seja…
O Sr. Presidente: - Já lá iremos, Sr. Deputado. Proponho que não misturemos as duas coisas.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não? Porquê?
O Sr. Presidente: - Porque creio que será melhor agora discutirmos só a regra geral, isto é, a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º e o artigo 230.º, e limitada à questão do âmbito do poder legislativo.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Pensei que se tratava da discussão das propostas sobre o artigo 229.º, mas, nesse caso, apesar de já ontem termos discutido essa questão e manifestado que a nossa proposta inicial nos parece ainda a mais escorreita, não fechamos as portas a um compromisso na linha da proposta apresentada pelo Sr. Presidente, muito embora a questão do seu enunciado preciso mereça depois uma reflexão cuidada, especialmente na sua redacção.
Em relação ao artigo 230.º, confesso que estou numa posição relativamente ingrata, porque esta proposta de eliminação
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do artigo 230.º e a sua substituição por uma série de limitações à acção legislativa regional é das sugestões do PS que me parecem de natureza diferente nesta nova proposta do PS. Contudo, penso que também é uma boa base de trabalho e, aliás, terá com certeza eco na posição do PSD, que não apresenta nada neste domínio, mas cuja opinião poderemos depois ouvir.
Na matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, consideramos, obviamente, todas as alíneas respeitantes à competência reservada e à competência exclusiva. Depois, há aqui uma série de outros limites entre os quais se encontra a legislação geral do direito privado e do processo civil, mas penso que tudo isto é compreensível e destina-se apenas a restringir o limite dos poderes legislativos da região.
Não é a título exemplificativo que está aqui este artigo 230.º, mas, sim, a título taxativo. Estes são realmente os limites da acção legislativa da região em relação à competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo. Pode haver aqui um assunto ou outro que me pareça mais discutível, até dada a própria evolução tecnológica, mas tal não me parece relevante neste momento.
Dentro de alguns anos, possivelmente a questão da meteorologia já não terá essa dimensão nacional, em virtude da própria evolução tecnológica. Já lá vão os tempos - se me permitem que faça uma referência histórica - em que o segredo sobre o estado do tempo no Atlântico Norte era um dos pedidos que os Aliados nos faziam e a sua transmissão um dos serviços que o serviço nacional de meteorologia prestava aos Aliados sediados nos Açores. Hoje em dia, com a fotografia por satélite, com as previsões universais sobre o tempo, os serviços meteorológicos já não têm essa dimensão, nem estratégica, para quem a possui, a nível universal, nem nacional. No entanto, compreende-se que, por uma questão de inércia e do estado actual da redistribuição dos serviços e das competências, esta questão dos serviços meteorológicos possa ainda figurar na proposta do PS.
Quanto ao resto, creio que não merece grande explanação teórica; tudo faz parte da prática legislativa corrente e não há aqui outra intenção que não seja a de clarificar taxativamente as competências em que as assembleias legislativas regionais não poderão exercer a sua acção legislativa por ela pertencer à Assembleia da República e ao Governo.
O Sr. Presidente: - A proposta do PCP é coincidente com a do PS, salvo quanto ao artigo 230.º, que não contempla, não é verdade, Sr. Deputado Luís Sá?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida nenhuma que sim, Sr. Presidente.
Creio que há um pequeno pormenor, que não tem grande importância, mas que talvez valesse a pena rever, que é o facto de onde se diz "órgãos de soberania" passar a dizer-se "Governo e Assembleia da República". Chamo a atenção para esse ponto, até porque é, ou seria, uma fórmula paralela à do artigo 115.º.
Deixando de lado essa questão, creio que ontem ficou bastante claro que os limites da competência legislativa regional são simultaneamente as leis gerais da República, o interesse específico e a competência de órgãos de soberania.
Creio também que é difícil, apesar de serem questões separadas, do ponto de vista do método de análise, ter uma posição sobre uma das matérias sem ter, em simultâneo, uma visão global daquilo que se passa, porque penso que poderia caminhar-se, como se caminhou, para a possibilidade de se optar por uma fórmula numa destas componentes diferente da que viesse a ser adoptada noutras, introduzindo-se assim um desequilíbrio no conjunto.
Por isso, pretendo, sem prejuízo desta intervenção, reservar a posição de fundo nesta matéria para a apreciação do consenso global que for introduzido.
Apenas para dar um exemplo, devo dizer que me parece que substituir "leis gerais da República" por "princípios fundamentais das leis gerais da República" sem simultaneamente introduzir factores de equilíbrio nas outras componentes pode conduzir a uma situação que não seja a mais consentânea com a ideia de unidade nacional e, ao mesmo tempo, a ideia de uma autonomia político-administrativa clara e de sentido democrático ao serviço das populações.
Quanto à questão do interesse específico, julgo que aquilo que já foi produzido pela doutrina e pela jurisprudência e o próprio tratamento desta questão nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas é algo que devemos ter presente.
Em particular, penso que os estatutos foram muito longe, podendo mesmo, por vezes, duvidar-se da correcção técnica de algumas formulações. Para se entender o que pretendo dizer, passo a dar um exemplo: quando, no artigo 30.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira, se estabelece que constitui matéria de interesse específico para a Região, designadamente: "c) Orientação, direcção, coordenação e fiscalização dos serviços e institutos públicos, empresas nacionalizadas ou públicas que exerçam a sua actividade exclusiva ou predominantemente na Região e noutros casos em que o interesse regional o justifique", creio que se está, obviamente, a ir bastante longe, até demasiado longe, introduzindo factores de alguma perplexidade.
De resto, este elenco de matérias de interesse específico, sob o ponto de vista da constitucionalidade, tem sido questionado nalguns pontos por importantes especialistas.
Daí que me pergunte se não pode ser mais vantajosa a via de estabelecer uma densificação da competência dos órgãos de soberania, em vez da via de constitucionalizar algumas matérias de interesse específico, como propõe, por exemplo, o Prof. Jorge Miranda. Faço esta pergunta, sem prejuízo de colocar a questão, que já ontem tive oportunidade de referir, e que é esta: se houver consenso no sentido da revisão do artigo 230.º, creio que o exame das matérias que constam deste artigo, tendo presente aquilo que os estatutos consideram ser de interesse específico, deveria estar em cima da mesa para um exame extremamente cuidado. Isto, para que não fossem introduzidos limites injustificados de autonomia e, ao mesmo tempo, não fossem esquecidas matérias que são importantes do ponto de vista de um Estado, que, embora parcialmente regionalizado, continua a ser um Estado unitário, e em que determinadas matérias, relativamente às quais muitas vezes discutimos o interesse específico, por vezes até estão a ser objecto de legislação comunitária, que, como é evidente, vincula todo o País incluindo as respectivas regiões.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, corrigindo o que eu disse a respeito do projecto do Sr. Deputado Guilherme Silva, ele também propõe "apenas" a eliminação do requisito de interesse específico, mas mantém o limite da competência reservada dos órgãos de soberania, embora, logo na alínea b), admita a competência delegada numa parte dessa matéria. Esta proposta é igual à do PP e, portanto, não carece apresentação - aliás, o seu autor não se encontra presente.
Srs. Deputados, estão em discussão conjunta estas propostas, a saber, o requisito de interesse específico, proposto pelos Deputados do PP e pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, e esclarecimento do conceito de matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania exclusiva do Governo e da Assembleia da República, tal como o PS propõe.
Srs. Deputados, está aberta à discussão.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Ss. Deputado.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, quero salientar que, com muito pesar, não participei na discussão de ontem. No final da semana, desloquei-me aos Açores e permaneci para a Sessão Solene de Abertura da XI Legislatura da Assembleia Legislativa Regional, que teve lugar ontem, na Horta, e foi presidida pelo Sr. Presidente da República. O Sr. Presidente da Assembleia da República tinha-me encarregue de o representar, e ao Parlamento, nessa Sessão Solene. Deste modo, não pude estar presente ontem, nos trabalhos da nossa Comissão.
Mas pelo que já ouvi, da apresentação da proposta desta manhã, e pelo relato que me fez o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, sei que este assunto do poder legislativo foi um dos temas centrais da discussão do dia de ontem. Regozijo-me com o facto de a Comissão estar sensível para a importância deste problema, aliás, em conversa com o Sr. Presidente, no início dos trabalhos da Comissão, eu tinha já sabido do empenho que ele próprio tem na ultrapassagem do impasse em que nos encontramos.
Nesta matéria, deparamo-nos com um dos temas fundamentais para o fortalecimento da autonomia político-administrativa que a Constituição garantiu aos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Ao longo destes 20 anos da experiência constitucional, a interpretação dos preceitos constitucionais sobre a matéria do poder legislativo tem dado origem a inúmeras dificuldades para o funcionamento dos órgãos democráticos do Governo próprio dos Açores e da Madeira.
Em diversas ocasiões, foram feitas tentativas com vista a modificar aquilo que, sobretudo devido à interpretação restritiva do Tribunal Constitucional, se revela como um verdadeiro "colete de forças" à capacidade de autogoverno das populações insulares. Mas não tem sido possível. Vejo agora com satisfação que nos aproximamos de um consenso no sentido de libertar o poder legislativo próprio e dar asas à capacidade criativa das forças insulares, através dos seus órgãos representativos democraticamente eleitos, para resolverem os seus problemas específicos, os seus problemas próprios. Estava a ver se me corrigia desta expressão… Estou preso, também, da linguagem constitucional, mas esse é exactamente um dos ponto mais complicados, que é a questão da especificidade insular.
Sobre esta matéria, quero dizer que ela é das mais complexas e mais difíceis de abordar para o PSD. Desde logo, foi salientado pelo Sr. Presidente, quando verificou os textos presentes à Assembleia da República, que não há propostas da parte do PSD. Ora bem, pelo que me consta, através da pequena história da elaboração dos textos, trata-se de uma gralha do projecto do PSD. Esta é a versão do antigo presidente da comissão política regional do PSD, mas, tratando-se de uma gralha que não foi rectificada, o PSD, para todos os devidos efeitos, não tem propostas para esta matéria.
No entanto, faz parte da nossa elaboração, como partido e como partido que tem especiais responsabilidades, por termos sido o partido maioritário nos Açores e na Madeira, ao longo de 20 anos (continuando a ser na Madeira que, não, agora, nos Açores), temos uma experiência nesta matéria, temos uma elaboração interna feita sobre ela, e deveríamos ter apresentado as nossas propostas, as nossas reflexões sobre essa matéria. É certo que já está abordado, em projectos de revisão constitucional apresentado por Deputados do PSD, porém a proposta oficial do partido não contém qualquer inovação nesse ponto, além daquela de esclarecer o órgão de soberania… Mas nem sequer isso, parece-me, pelo que os órgãos de soberania deveriam ser a Assembleia da República e o Governo que são os únicos que têm competência legislativa.
Portanto, o que é que, visto o conjunto das propostas, se me oferece dizer sobre essa matéria? Pelo que me contaram, ontem já foi discutida a questão da barreira, da delimitação do poder legislativo das regiões pela Constituição e é coisa sobre a qual não há dúvidas nenhumas. Já a delimitação das leis da Assembleia da República, posso garantir-vos, tem sido uma das razões mais frequentes de contestação da legislação regional perante o Tribunal Constitucional e, até, da sua anulação, dos vetos sucessivos do Ministro da República, pois há sempre uma lei da República que é, obviamente, interpretada como sendo geral. Devido à inventiva do nosso antigo colega Mota Pinto na redacção de um estatuto, por mais que nos remetamos para a versão que o estatuto dá sobre o que são leis gerais da República, depois acabamos por ficar na mesma, estamos torneados em qualquer outra ocasião para que se chegue à conclusão de que há sempre uma lei da República desconhecida que espera pelas leis regionais para as invalidar.
E a questão do interesse específico é também um problema muito melindroso. À partida, quando se fala em interesse específico e não se estabelecem limitações sobre a matéria, podia ter-se a aspiração (e era essa a aspiração que havia) que se deixava uma grande margem de liberdade para a decisão dos órgãos do governo próprio democrático dos Açores e da Madeira. No entanto, a experiência veio a ser exactamente a oposta. Daí talvez que a aproximação que, agora, é feita por parte do PS, corresponda a uma resposta, talvez adequada, se não é possível, se se revelou que não era prático, que, através do conhecimento da capacidade em áreas de interesse específico, as regiões tentarem suprir os seus próprios problemas,
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então, nessa altura, vamos é delimitar quais são as áreas que cabem aos órgãos de soberania e, quanto ao princípio da liberdade da actuação dos órgãos do governo próprio, ele seria assim melhor respeitado.
Mas, atenção, quando sabemos qual é a experiência do Tribunal Constitucional...
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Mota Amaral, para que não restem equívocos: o PS não propõe a abolição do requisito de interesse específico.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, não tenho dúvidas a esse respeito, mas fez bem em sublinhá-lo. Porque eu ia agora intervir sobre isso, e dizer, exactamente, que, ao fazer uma abordagem deste género, então o PS toma uma medida que me parece incompleta porque deixando o interesse específico na Constituição e deixando pesar sobre ele toda a interpretação que o Tribunal Constitucional faz, designadamente a exigência de uma demonstração, a propósito de cada medida, de que há um interesse específico, e, depois, mesmo apesar da invocação e da demonstração, o não reconhecimento, a não aceitação desse interesse específico, chegaremos a uma solução que não dará resposta adequada à aspiração regional.
Em conversa com o Sr. Presidente da nossa Comissão, há umas semanas atrás, lembrávamos um dos pontos controvertidos com o Tribunal Constitucional - as leis sobre limitação de velocidade. O absurdo é que não haja medidas de delimitação de velocidade diferentes nas diversas parcelas do território nacional! Porque é que não há-de haver uma limitação a 100%, sendo certo que a ideia era a de uma limitação mais restrita? Porque é que a limitação máxima de velocidade nas ilhas, que são pequenas, cujas estradas são mais deficientes, não há-de ser apenas a velocidade máxima de 80 a 90Km/hora, em vez de ser a de 100 a 120Km/hora? Contudo, o Tribunal Constitucional invalidou as leis regionais estabelecidas para essa matéria, considerando que não era matéria de interesse específico. As restrições introduzidas no início sobre a aplicação obrigatória, possivelmente até a legislação nacional deveria seguir esse caminho! Tem acontecido este fenómeno engraçado: iniciativas inovadoras surgidas nas regiões autónomas são anuladas pelo Tribunal Constitucional e, posteriormente, são introduzidas em legislação nacional.
Medidas sobre a obrigatoriedade da utilização de meios técnicos para a averiguação da taxa de alcoolemia impostas pela legislação regional foram consideradas inconstitucionais, possivelmente porque elas foram introduzidas através de qualquer portaria banal do Secretário de Estado dos Transportes para vigorar em todo o País e ninguém com isso se amofinou... Enfim, suponho eu, não tenho conhecimento dessa parte da portaria, não posso comprová-lo.
Mas a minha opinião sobre esta matéria (gostaria que ela fosse a opinião do PSD, mas isso é uma matéria sobre a qual permanentemente tem de haver diálogo interno) é que a solução para o problema do poder legislativo, próprio, regional está - aproveitando a iniciativa do PS - numa definição das áreas sobre as quais não se poderá avançar. Então, é preciso deixar cair, com a conformação, a interpretação, a carga que sobre ela faz pesar o Tribunal Constitucional, a exigência do interesse específico e a própria limitação das leis gerais da República, porque as leis gerais da República assinaladas estão nas matérias da competência reservada à Assembleia da República e ao Governo (mas, o governo só tem uma competência reservada que é a sua própria organização, como todos sabem), e, eventualmente, em mais algumas matérias que, porventura, se lhe acrescentem.
Mas, rigorosamente, é nestas matérias da competência exclusiva, da competência reservada da Assembleia da República, que se encontra o núcleo essencial de conformação de um ordenamento jurídico de âmbito nacional. Porque julgo - julgo, não, para os serviços regionais não tenho qualquer dúvida, pelo que afirmo que a perspectiva regional não é a de se escapulir à unidade do ordenamento jurídico nacional, é uma abordagem da unidade na diversidade, da unidade na pluralidade. Isto é, descontadas as questões que definem o nosso ordenamento jurídico, o ordenamento jurídico nacional, português, a nossa cidadania, a nossa plenitude de cidadania, que dizem respeito aos direitos fundamentais, à organização fundamental do Direito Privado, ao Direito da Família, às leis penais, ao funcionamento dos tribunais…
MARIA JOAO=… e que dizem respeito aos direitos fundamentais, à organização fundamental do Direito Privado, ao Direito da Família, às leis penais, ao funcionamento dos tribunais. É claro que essas são questões absolutamente inquestionáveis, mas há milhentas outras questões em matéria de direitos reais, por exemplo, nas quais não vejo por que não se há-de aceitar um ordenamento jurídico plural, pois, como é do conhecimento geral de todos os cidadãos portugueses, há soluções diferentes no território continental da República (tenho deixado cair a utilização da palavra "continente" porque ela foi apropriada por uma rede de supermercados e parece-me que não podemos continuar a utilizá-la!) e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, o que não mingua, de forma alguma, a unidade nacional.
Sobre a referência que o Sr. Deputado Luís Sá fez há pouco acerca da legislação comunitária, temo que, às vezes, algumas tentativas de uniformização que têm vindo a ser decretadas para todo o território da União Europeia sejam, pela sua mesquinhez, e às vezes até pela sua estupidez, o pior serviço que estão a prestar à causa da união da Europa, na medida em que a Europa, para ser alguma coisa, tem de ser uma unidade na pluralidade.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, queria fazer apenas a seguinte pergunta: o PSD apresentará uma proposta de supressão do conceito "interesse específico"?
O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, esperamos que resulte do diálogo nesta Comissão a busca de um consenso nesta matéria, o qual, para ser útil, só pode ser conseguido no sentido de essa questão ser abordada. Mas não pensamos formalizar uma proposta como tal.
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O Sr. Presidente: *Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, normalmente, quando não há uma enumeração taxativa de competências de uma região, há cláusulas gerais (que naturalmente têm inconvenientes, mas também a vantagem da flexibilidade) que apontam para essa definição de atribuições e competências.
Assim, eliminando cláusulas gerais como a do interesse específico e, eventualmente, a das leis gerais da República, gostaria de saber se o Sr. Deputado é partidário da compensação através de uma enumeração taxativa, designadamente na própria Constituição, das atribuições e competências, ou se pura e simplesmente ficaríamos numa situação de deserto nesta matéria, isto é, eliminação simultânea das cláusulas de interesse geral e insistência de uma enumeração taxativa das regiões ou de uma enumeração cuidadosa das competências dos órgãos de soberania para as competências das regiões serem definidas por exclusão de partes.
O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, Sr. Deputado, qualquer destas soluções é possível.
A proposta que está em cima da mesa é de limitação pela via negativa e talvez seja essa que devemos abordar, mas não nos esqueçamos nunca que, ao incluirmos na nossa Constituição, um dos elementos fundamentais da organização do Estado, um núcleo bastante amplo de matérias de competência reservada aos órgãos de soberania, nomeadamente a Assembleia da República, já estamos a definir uma área bastante ampla, que obviamente constitui também uma limitação à competência das regiões.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, não vou fazer uma grande explanação sobre esta temática, que aliás é interessantíssima, pois estamos a mexer numa das coisas que caracteriza a República desde 1976 de uma forma peculiar: a criação de regiões autónomas dotadas de poderes que, mesmo no plano da Constituição, em certos casos excedem os poderes próprios dos Estados federados numa união federal.
Esta é uma matéria que tem em conta, como aliás não deixou de se referir na própria Constituição, toda uma tradição, um movimento ancestral nas regiões (hoje autónomas, antes distritos, já autónomos, pelo menos na palavra, se é que não na substância) que ao longo do século se foi sedimentando, obviamente com condicionamentos geográficos e históricos.
A Constituição da República deu um passo importante, reorganizando territorialmente o Estado de uma forma que todos consideramos feliz. Hoje, o poder regional faz parte da estrutura, é um modo de ser do Estado português.
Aqui, discutimos, ontem e hoje, um problema muito complexo para o qual concorrem dois vectores significativos e que, às vezes, na nossa argumentação, não são devidamente separados mas que terão de ser mantidos nitidamente distintos: um tem a ver com a hierarquia das fontes de Direito (no fundo, com a preferência de que lei) e o outro tem a ver com o domínio da competência em sentido material, isto é, com o âmbito próprio da lei, das leis regionais e das leis nacionais.
Há uma mistura permanente destes dois planos e talvez pudéssemos reflectir, não tanto num grupo político como o é naturalmente uma comissão, mas num pequeno grupo reservado, menor, não político, mas técnico, no sentido de fazer a distinção destes dois aspectos, pois talvez ganhássemos politicamente alguma coisa com isso.
Aliás, não é surpreendente que assim seja, porque um Estado de direito é um Estado onde o direito é cânone, marca de acção política. Talvez a procura de uma boa conceptuologia nos pudesse ajudar a resolver correctamente todos os problemas nesta matéria.
De qualquer modo, tenho dito, tenho escrito e insisto que a interpretação do Tribunal Constitucional em matéria de interesse específico tem sido estrita, é uma interpretação rigorista. Muitas vezes, lêem-se os textos que saem do órgão constitucional e fica-se com a impressão de que o que está escrito na Constituição é "interesse exclusivo das regiões"; só que não é isso que lá está escrito, mas sim "interesse específico". Ora, a especificidade não implica que não haja concorrências várias, múltiplas de bens comuns, digamos assim.
A este propósito, lembro alguma coisa da tradição jurídico-pública portuguesa, nomeadamente de Fezas Vital, que fez, neste domínio, um trabalho interessantíssimo sobre as fontes de Direito que continua actual. Os diferentes círculos dos interesses públicos ou do bem comum no fundo estão na base da hierarquia das leis e o interesse específico não é necessariamente o interesse exclusivo. O Tribunal dá muitas vezes quase a impressão de que só pensa no interesse exclusivo quando quer definir o âmbito material, o domínio da competência legislativa regional.
As propostas que vejo não estão ainda muito claras, no meu espírito, e, não estando claras no espírito, também não podem estar claras nas nossas formulações.
De qualquer modo, a técnica usada na proposta do PS parece-me inaceitável; aliás, tenho receio que haja repetições nas muitas das suas alíneas, pois nos artigos 167.º e 168.º da Constituição estão referidas muitas coisas que me dá a impressão que aparecem enumeradas nestas alíneas. Bom, mas o problema não é esse, o problema é a técnica.
O artigo 242.º, que tem a ver com as autarquias locais, seguiu uma técnica escorreita, deste ponto de vista, porque definiu apenas a hierarquia. O poder regulamentar das autarquias locais é global, abrange tudo o que não esteja preocupado por leis, normas ou regulamentos provindos de autarquias de grau superior; usou-se só o esquema do critério da hierarquia das leis. Neste ponto não se pode fazer o mesmo; do meu ponto de vista, não seria correcto fazer-se desta maneira, tem de se fazer de outra, incluindo-se aqui um elemento material.
Mas há o seguinte problema: como é que se resolve a concorrência de competências? Isto teria de passar - desculpem voltar a insistir neste ponto - por uma reflexão, porque estamos a mexer em coisas que são rigorosas em si e temos de procurar o rigor delas, sendo que, como se
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vê pelos textos que aqui estão, no nosso espírito as coisas não estão rigorosas ainda.
Com isto só quis fazer um alerta para alguns aspectos e sugerir uma metodologia para tratarmos este tema com melhor saída.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, pretendo um esclarecimento sobre a intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que obviamente ouvi com muita atenção.
Eu próprio, quando fiz a apresentação deste artigo 230.º do projecto do PS, referi algum mau estar pessoal sobre a diferente natureza das competências próprias da Assembleia da República e do Governo que estão aqui elencadas, o que, obviamente, corresponde à filosofia de base de resolvermos de uma forma taxativa os limites do poder legislativo regional.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo tem vindo, pelo menos nas sessões a que tenho assistido, a insistir muito na tecnicidade dos trabalhos de revisão constitucional. Obviamente, aceito que essa tecnicidade seja necessária na fase final de redacção - aliás, está previsto que todas as leis passam pelo critério da redacção jurídica técnica -, mas não é próprio desta Comissão estar sempre a invocar a tecnicidade dessas redacções, até porque podíamos chegar ao limite de esse comité de sábios poder depois apresentar ele próprio a um "césar", com uma tecnicidade escorreita, que colocaria a referendo o trabalho feito por essa equipa de técnicos jurídicos.
Não é disso que se trata nesta Comissão de Revisão Constitucional, além de que eu não ousaria perguntar ao Sr. Deputado Barbosa de Melo o que é que ele pensa da tecnicidade dos 10 Mandamentos!
Como tal, creio que teremos, de certa maneira, de remeter a tecnicidade, que todos promovemos nas nossas faculdades de Direito para sermos bem assessorados nos nossos trabalhos, para segundas núpcias. Que esse não seja o primeiro argumento das nossas discussões nesta Comissão, em que o debate tem que ser argumentativo e político, independentemente da sabedoria que depois, a partir das nossas discussões, os juristas possam vir a enquadrar.
Dito isto, compreendo que esta proposta mereça depois uma reformulação, a qual até poderia, de certa maneira, ter em conta um princípio que o Direito português está a acolher, pausadamente é certo e por indução dos nossos compromissos com a União Europeia, que é o princípio da subsidariedade. De facto, não sabemos até que ponto o princípio da subsidariedade poderá ou não ser aplicado às relações entre a República e as regiões autónomas.
Não quero introduzir esse elemento como proposta concreta, mas penso que podemos tê-lo em conta nas reflexões sobre os poderes legislativos da República e das regiões autónomas, dentro do princípio de "quem faz melhor, mais perto dos cidadãos". Era isto que queria submeter à consideração do Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
TERESA=O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Penso que foi formulado como tal, dirigido directamente, por isso penso que vamos cumprir a regra.
Gostaria, apenas, de fazer um comentário geral. Sr. Deputado Medeiros Ferreira, prezo-o e admiro-o desde os tempos da constituinte, não quis, obviamente, tornar este auditório na Sala dos Capelos.
A tecnicidade a que aludi - não sei se usei a palavra, suponho que não - tem a ver não com a literalidade, ou seja, não é uma questão de ditado ou de redacção, mas com a estrutura racional que está por detrás disto. O que significa que o conhecimento da estrutura racional é que nos pode ajudar a discutir politicamente os assuntos. Em relação à política, o conhecimento da estrutura racional das coisas é uma questão que deve ser vista previamente e não depois. Foi isso que quis dizer, e só isso! Não liguei este assunto à tecnicidade e muito menos à tecnicidade de uma certa mentalidade jurídica. Portanto, não foi essa a minha intenção, muito longe disso!
A ideia da subsidiariedade é, assim, uma ideia velha. Não foi agora o Tratado de Maastricht que veio trazer o princípio da subsidiariedade. Trata-se de uma ideia que começou a ser usada em textos políticos. Nos anos trinta até foi usada pela primeira vez numa encíclica.
VV. Ex.as não têm acesso a estas leituras como eu tenho, por estar noutro quadrante da organização mental portuguesa, mas quero dizer-lhes que foi um tema largamente discutido. O princípio fundamental, se calhar, terá sido usado pelo Sr. Bispo do Porto na célebre carta ao Dr. Salazar que o levou ao exílio durante 10 anos. É erga omnes, a subsidiariedade fez parte integrante da tomada de posição dele relativamente ao poder político então constituído.
Na verdade, é isso que estamos a discutir, porque, no fundo, estamos aqui para saber quem faz melhor as coisas. Penso que é assim que devemos resolver esta temática, perguntando quem é que faz melhor.
Julgo que é tempo de abolirmos um certo clima de suspeição recíproco que tem existido entre (para usarmos o termo da tal cadeia de hipermercados) esta parte ocidental do território de Portugal em relação à parte oriental. Estas tensões são recíprocas, e acho que é tempo de as vencermos.
Por conseguinte, a ideia tem de ser mesmo a que referi, que é uma ideia geral, uma ideia que dinamiza a distribuição de tarefas e competências na organização dos Estados. Deve perguntar-se quem é que faz melhor as coisas, até onde é que deve ser deixado ao município, se deverá ser deixado à região autónoma, até onde deve ser o Estado central a resolver. É a estas questões que temos de responder!
Simplesmente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, e aqui é que está o aspecto fulcral, se pusermos aqui a subsidiariedade isso não significa que fiquem resolvidas as coisas, porque depois tem de haver quem a determine em concreto dado que também ela é um conceito indeterminado. E depois lá vem um tribunal, como vai acontecer na Europa, que ninguém tenha ilusões a esse respeito. Usa-se a palavra, mas o problema não fica resolvido.
Mais uma vez, não se trata aqui de "literalidades". As minhas tecnicidades não são iguais às literalidades.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o projecto que subscrevo não tem propostas sobre esta matéria, não necessariamente por entender que não devam ser introduzidas algumas alterações, mas por prever, como efectivamente sucedeu, que existiriam propostas suficientes e, porventura, propostas mais progressistas e mais ousadas, que seriam sempre matéria suficiente para discussão.
Julgo, no entanto, que o Sr. Deputado Barbosa de Melo, há pouco, colocou bem a questão, quando disse que é preciso distinguir bem os dois critérios de repartição: o critério hierárquico e o critério material.
O critério hierárquico já foi discutido ontem, e há um acordo de princípio ou, pelo menos, há uma aparente disponibilidade generalizada para aligeirar o critério da hierarquia.
O Sr. Presidente: - Para já, Sr. Deputado, só há disponibilidade para considerar a proposta na generalidade.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pelo menos isso, para aligeirar o critério da hierarquia, designadamente enfraquecendo o conceito de lei geral da república e estabelecendo a relação na base apenas dos princípios gerais ou dos princípios fundamentais da legislação geral da república, deixando portanto de ser um parâmetro de conformidade absoluta uma vez que se relativiza o parâmetro.
Hoje, supostamente, deveríamos discutir os critérios de limitação material de competência, quer no que diz respeito ao requisito do interesse específico que a Constituição actualmente estabelece, quer no que diz respeito ao conceito de reserva de competência dos órgãos de soberania que a Constituição, também hoje, estabelece.
Em relação a este último, particularmente, julgo que é interessante discuti-lo um pouco mais profundamente, porque de alguma maneira se tem tentado ligar esta questão da reserva dos órgãos de soberania à questão do interesse específico. Aliás, o Sr. Deputado Mota Amaral quase e fez isso quando disse que admitia a delimitação proposta pela negativa pelo Partido Socialista, desde que isso implicasse como contrapartida a eliminação do interesse específico.
Em meu entender, as coisas não podem ser vistas exactamente assim. Devo dizer que não participei na elaboração do projecto do PS e portanto não respondo por ele, mas se bem interpreto o que o PS refere quando propõe a delimitação pela negativa das áreas de competência reservada dos órgãos de soberania, fá-lo não como contrapartida da eliminação do interesse específico mas como contrapartida da alteração, apesar de tudo significativa, que introduz quando deixa de falar em competência reservada dos órgãos de soberania e passa a falar de competência exclusiva do Governo e da Assembleia da República. Porquê? Porque isso tem a consequência seguinte: toda a área que hoje se considera concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República passaria também a ser concorrencial relativamente aos órgãos de governo próprios das regiões autónomas.
Esta é a diferença fundamental da proposta do PS para o artigo 229.º, que leva a que o PS, no artigo 230.º, venha estabelecer uma enumeração taxativa de outras matérias, para além daquelas que cabem na competência exclusiva de qualquer um daqueles órgãos e que passariam a ser da competência reservada dos órgãos de soberania.
Isto tem que ver com a circunstância de a técnica legislativa utilizada actualmente na Constituição ser pensada fundamentalmente na perspectiva do problema da repartição de competências entre o Governo e a Assembleia da República. Isto é, os artigos 167.º e 168.º só estão estruturados na perspectiva da separação das competências entre o Governo e a Assembleia da República, não estão pensados na perspectiva da separação da competência entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprios das regiões autónomas.
Por isso, quando o PS propõe (tanto quanto eu percebo) que se passe a falar em competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo, isso abriria às regiões autónomas todo um leque de matérias que hoje é concorrencial entre a Assembleia da República e o Governo. Daí o Sr. Deputado Barbosa de Melo ter dito que o Tribunal Constitucional, para além das áreas do artigo 167.º e 168.º, também tem introduzido, de forma ad-hoc, novas limitações, ou seja, novas áreas, precisamente porque em nenhum artigo da Constituição se estabelece essa distinção. Ora, esta distinção parece-me essencial, apesar de tudo.
Admito que haja discordâncias e discrepâncias relativamente àquilo que deve ser o âmbito de reserva dos órgãos de soberania e aquilo que deve ser o âmbito de competência das regiões autónomas, mas essa especificação parece-me essencial. Porque o que é facto é que, não colocando as questões como colocou o Sr. Deputado Barbosa de Melo, ou seja, no plano da desconfiança, porque não é isso que obviamente está em causa...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ai não é?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não é! Não é isso obviamente que está em causa!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Isso é uma interpretação autêntica!
Risos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É uma interpretação autêntica na lógica da perseguição.
O Sr. Presidente: - Uma interpretação autêntica dos dois lados, em que há desconfiança do lado de lá e não há do lado de cá!
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Nós sabemos que do lado de cá não se desconfia de nada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, confesso que tenho a minha consciência muito tranquila quanto àquilo que é a posição genérica em relação à descentralização e em relação à repartição de poderes entre vários centros de poder.
Julgo, aliás, que esta discussão é interessante e que algumas das intervenções feitas a propósito desta discussão seriam interessantes também quando viéssemos a discutir o poder local, não apenas aquele que já existe, como aquele que, se tudo correr bem, virá a existir, designadamente
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no que diz respeito às regiões administrativas. Isto porque aí é que, se calhar, a desconfiança é muito grande. E aí nem sequer estamos a falar em competência legislativa, nem propomos, nem queremos que as regiões administrativas tenham competência legislativa. E por muito menos do que isso, as resistências e o perigo da quebra da unidade do Estado parecem estar muito mais presentes na consciência de alguns Deputados do que quando discutem as regiões autónomas. Apesar de tudo, ignoram alguns dos perigos reais que podem existir nessa matéria, sobretudo quando estamos a discutir isso no plano...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Olhe que o Sr. Presidente da República já se pronunciou em sentido diverso!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Nunca é demais lembrar o tipo de argumentação que se utiliza, sobretudo na lógica em que o Sr. Deputado usou a propósito do problema da repartição dos poderes, invocando inclusive o exemplo das autarquias locais.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, as diferenças são claras! A história, a cultura, a tradição são coisas muito diferentes!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que não façam apartes e que utilizem o microfone quando falam e se identifiquem. Sobretudo, agradeço que me permitam dar-lhes a palavra.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Portanto, nesta matéria, julgo que seria errado eliminar-se - como se chegou a propor e como propõe o projecto do Sr. Deputado Guilherme Silva - o requisito do interesse específico. Isto porque julgo que é este requisito do interesse específico que justifica a própria existência dos poderes legislativos das regiões autónomas.
Os poderes legislativos das regiões autónomas - é preciso reconhecê-lo - são poderes legislativos próprios quanto à titularidade, mas são poderes legislativos derivados no sentido de que derivam da soberania. Por outras palavras, os órgãos de poder político das regiões autónomas não têm legitimidade constituinte própria, e portanto não a têm por direito próprio nesse sentido, têm-na na medida da descentralização política (e não só política, como político-administrativa) que a Constituição estabelece e que lhes permite participar no exercício desse poder.
Isto implica, necessariamente, que haja um critério de repartição e que o primeiro critério de repartição seja evidentemente um critério que separa aquilo que é competência reservada dos órgãos de soberania e aquilo que é competência dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas.
O critério do interesse específico surge como critério material da delimitação da competência, na estrita medida em que o critério supostamente revela aquilo que justifica a própria existência de poder legislativo das regiões autónomas: as especificidades de carácter geográfico, económico e social, ou seja, as especificidades próprias das regiões que justificam a existência de poder legislativo. Dito de outra forma, se essas especificidades não existem, provavelmente, não haveria necessidade de conceder autonomia política, para além da autonomia administrativa, e consequentemente também não haveria necessidade de conceder poderes legislativos próprios às regiões autónomas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o tribunal é que não entende assim!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - O que o tribunal faz é uma coisa diferente. O que o tribunal faz é uma interpretação, porventura, restritiva - e não ponho em causa que ela seja restritiva. Mas essa não é uma matéria, necessariamente, que se possa resolver no texto constitucional. A não ser que se quisesse objectivar a competência a tal ponto de elaborar - como fazem os estatutos das regiões - uma enumeração exemplificativa ou taxativa de todas as competências legislativas das regiões autónomas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Parece o Prof. Jorge Miranda!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Agora, o que julgo é o seguinte: não se pode a pretexto da interpretação restritiva que tem sido feita do conceito, tendo em conta o seu grau de indeterminação, pura e simplesmente optar pela sua eliminação, porque aí então a indeterminação seria maior, sobretudo no que respeita ao outro prévio problema que coloquei que é o da repartição entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Portanto, julgo que não se pode corrigir um mal com um mal maior. E, se é verdade que a interpretação tem sido restritiva e que isso pode ter causado ou pode causar algum prejuízo ao normal exercício da competência legislativa das regiões, o remédio para esse efeito não é seguramente eliminar-se o requisito, quanto muito seria diminuir o grau de indeterminação.
FERNANDA= Porém, o que é facto é que a única fórmula que encontro para diminuir o grau de indeterminarão é taxativa ou exemplificava a enunciar as matérias que podem constituir objecto dos actos legislativos das regiões autónomas. Agora, o que eu não sei é se isso também não será perverso mesmo na perspectiva dos órgãos de governo próprio das regiões, isto é, não sei se é possível estabelecer, de forma rigorosa, uma enumeração, ainda que meramente exemplificava, desses poderes e não sei em que medida é que isso não pode porventura deixar de fora matérias, se calhar em relação às quais, porventura, haveria interesse específico e por interpretação se há-de chegar à conclusão que afinal não há, porque o legislador não enunciou ou não enumerou.
Mas, o que é facto é que qualquer enumeração exemplificava não dispensa a cláusula geral e esta tem de ser, necessariamente, o interesse específico. Ora, é por essa razão que eu digo que mesmo que se opte por diminuir o grau de indeterminarão do conceito, isso nunca dispensará a cláusula geral, até porque só se pode diminuir o grau de indeterminarão do conceito ou por uma enumeração taxativa ou exemplificava. Assim, se ela for taxativa desaparece
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a cláusula geral mas cria-se uma enumeração de tal forma estanque que porventura isso pode ser pior solução do que a solução actual, se a enumeração for meramente exemplificava isso numa dispensará uma cláusula geral, porque não conheço enumeração meramente exemplificava que não tenha cláusula geral, uma vez que é esse o parâmetro de interpretação para descobrir as outras competências que não estando previstas também se consideram incluídas por efeito da identidade de termos que se pode estabelecer com aquelas que estão expressamente previstas.
Nesse sentido, julgo que não se deve misturar a discussão da delimitação material da competência com o problema da distribuição das competências entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas. E, portanto, embora a discussão do artigo 230.º, esteja, de alguma maneira, ligada à discussão do artigo 229.º, julgo que aquilo que o PS propõe, no artigo 230.º, não é, apesar de tudo, ou não pode ser, entendido como moeda de troca para a eliminação do requisito do interesses específico. Assim, portanto só pode ser entendido como "moeda de troca" para a flexibilização do conceito de reserva de competência dos órgãos de soberania ou pela restrição mais propriamente, uma vez que se propõe que se fale apenas em competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo. No fundo, a enumeração proposta no artigo 230.º é a identificação daquelas áreas que não sendo da competência exclusiva nem do Governo, nem da Assembleia da República, devem ser da competência reservada dos órgãos de soberania entendidos no seu conjunto por relação às regiões autónomas.
Outro problema diferente é o do artigo 229.º e do requisito do interesse específico relativamente ao qual julgo errado ter sido proposto a sua eliminação, admito, contudo, que pudesse haver algum esforço no sentido de reduzir o grau de indeterminarão para evitar, designadamente, que ele possa ser sujeito a uma interpretação restritiva, como tem sido, entre outros, pelo Tribunal Constitucional, mas para que isso acontecesse era preciso que houvesse uma qualquer proposta de enumeração, ainda que meramente exemplificava, a qual, em qualquer caso, na minha perspectiva, nunca dispensaria a cláusula geral, porque esta tem que ser sempre o critério base para completar a enumeração exemplificava que, porventura, se viesse a encontrar.
Portanto e, apesar de tudo, julgo que tem de distinguir-se estes dois problemas e não se pode colocá-los como contrapartida um do outro. E se alguma razão existe - e existe - para que o legislador constituinte tenha estabelecido três requisitos com base em critérios diferenciados julgo eu que essas razões se mantêm. Agora, o que, porventura, se pode discutir é a excessiva restrição que a forma como esses requisitos estão estabelecidos pode ter imposto na história constitucional e na história política recente das regiões autónomas e, por isso, admito como legítimo e como perfeitamente possível que se possam introduzir flexibilizações e eliminar algumas restrições.
No fundo, é isso que se tem feito, pois em relação ao critério da hierarquia já se avançou um pouco no sentido de flexibilizar o conceito de leis gerais da República e, portanto, para diminuir, por assim dizer, o grau de vinculação da legislação regional à legislação geral da República; em relação ao requisito da reserva de competência o PS, no fundo, também propõe isso, isto é, propõe uma restrição no âmbito da reserva, porque objectivamente é isso que o PS faz apesar de parecer que faz o contrário quando enumera uma série de matérias, repito, é isso que faz porque deixou de falar em competência reservada e passou a falar em competência exclusiva.
Em relação, ao interesse específico só há propostas ou da sua manutenção pura e simples ou da sua eliminação pura e simples, como julgo que a eliminação é pior solução que a manutenção pura e simples, penso que a haver alguma evolução nesse sentido, essa evolução teria que ser quanto muito na tentativa de fixar uma enumeração meramente exemplificava que pudesse, por assim dizer, consolidar algumas das áreas relativamente às quais é pacífico e é consensual que as regiões autónomas e os seus órgãos de governo próprio possam exercer as suas competências.
Portanto, no essencial, isso significa que não me parece errada a técnica utilizada na Constituição na parte que diz respeito às eleição de três requisitos para definir o âmbito e a extensão da competência legislativa das regiões, agora, o que porventura pode acontecer é que eles tenham sido estabelecidos de forma excessivamente restritiva e o que é preciso é encontrar formas flexíveis para que eles sejam interpretados com alguma maleabilidade a fim de permitir adaptar-se melhor às circunstâncias. Agora, isto não significa que, pura e simplesmente, se corrija o mal criando um mal maior, isto é, eliminando os parâmetros quer os materiais, quer os hierárquicos, quer outros, criando, porventura, uma indeterminarão e um grau de confusão ainda maiores e criando, também, riscos de sobreposição indesejada de diplomas legislativos sobre a mesma matéria, o que, seguramente, poderia acontecer na falta de quaisquer outros parâmetros.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, não esteve cá desde o início, quer correr o risco de repetir aquilo que já foi dito?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, que remédio, terei que correr esse risco, agora o mal é para VV. Ex.as que terão de me ouvir.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, estamos a ouvi-lo.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, apesar das explicações do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, confesso que esta solução proposta pelo PS da, manutenção, por um lado, das leis gerais da República, ainda que modificando o conceito dessas mesmas leis, manutenção do interesse específico, por outro, e depois com a enumeração de um elenco de matérias no artigo 230.º da competência exclusiva do domínio da Assembleia da República faz lembrar-me a situação de alguém que aceita mudar o facto de alguém que engordou ligeiramente, mas que por uma questão de economia mantém o mesmo colete e à mesma medida. Ora, é um pouco isto que está a acontecer na solução proposta pelo PS e esfuma-se nestas três traves a amplitude que poderíamos desejar e que, aparentemente,
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a solução do Partido Socialista veiculava de reforço dos poderes legislativos da Assembleia Legislativa Regional. Portanto, não vejo que estas três traves possam manter-se sem que elas se traduzam praticamente numa manutenção do Estado de poderes legislativos das Assembleias Legislativas Regionais.
Assim, a conciliação esforçada do Partido Socialista em manter estes três limites parece-me que é extremamente redutora das competências das Assembleias Legislativas Regionais. Não vejo que se possa conciliar numa ideia de avanço - e de reforço desses poderes -, a manutenção da exigência do interesse específico por um lado e aquele elenco de competências exclusivas que vem proposto no artigo 230.º, para não falar já, como há pouco referia, naquele limite das leis gerais da República com a possibilidade de autoqualificação dos diplomas como leis gerais da República pelo próprio legislador.
Isto parece-me de um perigo...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, essa questão já foi discutida, proponho que proponho que as separemos, de outro modo estamos sempre em ritmo circular.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Já foi, mas relaciona-se manifestamente com esta questão, o Sr. Presidente ontem já nos fez alguma advertência no sentido de que não poderíamos imputar sistematicamente ao Tribunal Constitucional os males da visão restritiva relativamente aos poderes das Assembleias Legislativas Regionais.
Mas a verdade é que nós, nesta sede de revisão constitucional, temos de ter presente a prática dos executores do direito, neste caso do direito constitucional, e, obviamente, que não podemos ajuizar dessa prática dos executores do direito constitucional sem começar pelo Tribunal Constitucional que é o executor por excelência desse direito. Portanto, não me parece que possamos alhearmo-nos dessa jurisprudência e assumir aqui as correcções, as inovações, as alterações, que possam impedir as distorções que o Tribunal Constitucional vem fazendo, ou pelo menos uma prática que vem desvirtuando, do meu ponto de vista, esta matéria e os poderes das Assembleias Legislativas Regionais.
Se vamos persistir em manter o conceito ou a exigência do interesse específico, sem dar aqui mais qualquer coisa que corrija essa jurisprudência, basicamente, vamos manter na mesma os poderes das Assembleias Legislativas Regionais.
A fórmula que o Prof. Jorge Miranda aqui ensaia de dar uma indicação exemplificativa de interesse específico, se for para a manutenção desse conceito, então eu proporia que se vertesse, aqui na Constituição, ainda que de forma exemplificativa, aquilo que os estatutos têm do que seja matéria de interesse específico, isto para evitar qualquer discussão sobre a constitucionalidade daquilo que os estatutos hoje contêm nessa matéria e sem prejuízo do carácter exemplificativo dessa indicação.
É evidente que sobre esta questão - e isto já foi aqui referido quer pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, quer pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e suponho também que pelo Sr. Deputado Mota Amaral, pois não ouvi a sua intervenção - há, obviamente, um trabalho complicado a fazer, porque, como dizia o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a Constituição está pensada numa distribuição de competências legislativas entre a Assembleia e o Governo, o que já revela de si alguma minoração dos poderes legislativos das Assembleias regionais, não houve, desde início, a assunção desta repartição de poderes legislativos num "plano de igualdade" para determinadas áreas territoriais que devem ter competências próprias não interferidas a não ser pelos princípios constitucionais e fundamentais do direito da ordem jurídica nacional. Assim, e tirando esse aspecto, há que assumir aqui uma "competência concorrencial", definida pela área de competência territorial e não, necessariamente, pelo conceito de interesse específico que vem gerando as dúvidas e as posições que são conhecidas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos confrontados perante o seguinte: o âmbito material dos poderes legislativos regionais estão delimitados negativamente pelos poderes próprios dos órgãos de soberania que a doutrina e o Tribunal Constitucional transformaram numa cláusula geral e negativamente pelo requisito do interesse específico que a doutrina e o Tribunal Constitucional transformaram numa exigência a provar caso a caso e isto, a meu ver, tem sido uma óbvia constrição do poder legislativo regional. Assim, penso que isto criou - não me custa reconhecê-lo - algum défice de afirmação da autonomia regional em matéria legislativa, sabendo bem que a autonomia regional não é só matéria legislativa, pode haver enorme autonomia regional com débil autonomia legislativa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas ela é extremamente importante!
O Sr. Presidente: - Estabeleçamos as respectivas devidas nuances e não transformemos a autonomia regional igual a autonomia legislativa...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas esse défice tem sido tentado superar…
O Sr. Presidente: - Todos nós sabemos que é assim! Ontem, fiz uma sugestão para aligeirar substancialmente o parâmetro que respeite as leis gerais, hoje proponho uma solução intermédia.
TERESA= Penso que o Partido Socialista responde a um destes problemas, portanto não vale a pena desvalorizarmos a proposta do PS nesse ponto.
Na verdade, quais são hoje as matérias reservadas aos poderes próprios dos órgãos de soberania, nos termos de alguma doutrina e nos termos do Tribunal Constitucional? E aqui a Constituição diz o que o Tribunal Constitucional diz que ela diz. E não se sai daqui.
Trata-se de matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania (e cito o que está em vários acórdãos) não apenas as matérias dos artigos 167.º e 168.º - que são as matérias que a Constituição reserva à Assembleia da República - mas também todas as matérias com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos ou que respeitem ou se repercutam nas várias parcelas do território.
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Esta cláusula geral, que consta pelo menos de uma dúzia de acórdãos do Tribunal Constitucional, serviu para "ampliar", segundo o approach ou o enfoque do Tribunal Constitucional, e permitiu-lhe transformar esta norma do artigo 229.º alínea a) numa cláusula geral, referindo que o Tribunal Constitucional deve definir caso a caso o que é que é matéria reservada aos órgãos de soberania, que, ipso facto, fica logo afastada de qualquer capacidade legislativa das regiões autónomas.
O que o PS faz é apagar essa cláusula geral, preenchendo-a. Podemos discutir o preenchimento que o PS lhe dá, excessivo ou não. Mas a partir do momento em que houvesse uma norma como aquela que o PS propõe para o artigo 230.º, deixaria de haver dúvidas que deixou de cláusula geral. O Tribunal Constitucional não poderia continuar a inventar casos em que, segundo ele, se trata de matérias de relevo imediato para a generalidade dos cidadãos ou que respeitam ou se repercutem nas diversas parcelas do território.
A partir daí, seria apenas matéria da exclusiva competência da República - deixamos de falar agora de quais são os órgãos legislativos - e passariam a ser reservadas à competência legislativa da República as matérias dos artigos 167.º, 168.º e aquelas que o PS se propõe, aqui, acrescentar.
Por conseguinte, não desvalorizamos esse ponto. Poderemos discutir o âmbito daquilo que o PS lá põe. Agora, não há dúvida de que com isso se obteria um ganho. Ou seja, a área que à partida está excluída à competência legislativa regional deixaria de ter esse ponto em segurança e passaria a estar claramente clarificado.
Depois surge uma segunda questão, que diz respeito ao interesse específico. O interesse específico, na base daquilo que o Tribunal Constitucional diz, é aquilo que em cada caso, seja do interesse exclusivo da região autónoma, ou revista na região autónoma respectiva peculiar configuração susceptível de justificar um regime próprio. Esta é a definição tabelar de interesse específico, que consta de centenas de acórdãos do Tribunal Constitucional e de toda doutrina desde o Prof. Jorge Miranda.
Ora bem, o que é que é proposto? A maior parte dos partidos não apresentou qualquer proposta, mas o PP e o Sr. Deputado Guilherme Silva propõem a abolição pura e simples do requisito do interesse específico.
Ora, penso que estas propostas são inaceitáveis!
Penso que há dois sistemas de regulação dos poderes legislativos das regiões em Estados descentralizados politicamente. Um dos sistemas preconiza a regra federal, que diz que pertence ao Estado federal tudo aquilo que não pertença aos Estados federados. E a Constituição indica quais são as competências que pertencem aos Estados federados. O outro sistema defende a regra contrária. Isto é, que pertence aos órgãos descentralizados, apenas, aquilo que a Constituição indica - é o caso da Constituição italiana - e existem formas intermédias de cláusula geral.
O que o PP e o Sr. Deputado Guilherme Silva propõem é o método federal. Isto é, a região autónoma passa a ser competente para tudo aquilo que não esteja constitucionalmente reservado para a República. Devo dizer que o princípio, como tal, parece-me ser de rejeitar. Portanto, não poderia estar à partida conceptualmente com ele.
Em todo o caso, penso que com este conceito de interesse específico se estabeleceu uma constrição, a meu ver, imoderada dos poderes regionais.
Em face do exposto, proponho que, mantendo a cláusula geral, a Constituição ela mesma contenha, desde já, um elenco que passe a ser considerado de interesses específico ope constituciones, isto é, acerca do qual não se possa questionar se é ou não de interesse específico.
Isto significa que, a partir daí, passaria a haver três áreas.
A primeira, que é aquela que já existe, seria a área reservada à República. Penso que devemos aproveitar o projecto do PS para abandonar a cláusula geral e esclarecer rigorosamente o que é reservado à República.
A segunda é uma área que à partida a Constituição consignaria, independentemente de averiguação concreta, como uma matéria de interesse específico acerca da qual a região poderia sempre legislar sem ter de provar que era matéria de interesse exclusivo ou que a matéria reveste peculiar configuração, na região. Proponho que tomemos como base de partida, com mais ou menos arredondamento, a sugestão prevista no projecto do Prof. Jorge Miranda para o n.º 2 e, obviamente, enjeito à partida a ideia de pôr o cardápio universal dos projectos dos estatutos regionais actualmente vigentes, que o Tribunal Constitucional, pura e simplesmente, declarou como valendo nada. Isto é, como sendo uma pura presunção de interesse regional.
No intermédio destas duas áreas que referi existira uma terceira, que é aquilo que existe hoje, ou seja, a possibilidade de considerar que as matérias são de interesse específico, se se verificarem os requisitos do actual critério, isto é, que são exclusivas ou que revestem, nas regiões, peculiar configuração.
Proponho, portanto, que as regiões autónomas tenham o poder para legislar, com o respeito pelos princípios fundamentais da legislação da República - questão que já vimos ontem - em matérias de interesse específico para as regiões, que não estejam reservadas à competência exclusiva dos órgãos legislativos da República.
Depois, num artigo à parte, diríamos duas coisas: primeiro, que se consideram de interesse específico aquelas matérias que o Prof. Jorge Miranda elenca e mais algumas que se resolva arredondar. E acrescentar-se-ia uma alínea final que diria: "as demais matérias que respeitem exclusivamente às regiões ou que nelas assumam peculiar configuração". É a definição tabeliónica da doutrina e do Tribunal Constitucional.
Para o n.º 1 projecto do PS propõe o seguinte: "consideram-se matérias da competência exclusiva da República".
Devo dizer que não estou aqui a tratar da configuração concreta de cada um destes blocos, estou a apenas a propor uma metodologia, uma filosofia de solução do problema. Ou seja, delimitar claramente o bloco da competência legislativa reservada da República, segundo a regra proposta pelo PS, acabando com a cláusula geral que actualmente existe. Considerando a existência de um bloco que seria à partida ope constituciones considerado como matéria de interesse específico acerca do qual as regiões não teriam de fazer qualquer prova, ou seja, ninguém a poderia pôr em causa, por falta de interesse específico. E um bloco intermédio.
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Tudo o resto continuaria submetido à cláusula geral de interesse específico.
Srs. Deputados, penso que não podemos fazer revoluções nesta matéria. Julgo que tudo isto deve ser feito com conta, peso, medida e, sobretudo, muita moderação.
As propostas do PP e do Deputado Guilherme Silva são radicais, portanto, a meu ver, teoricamente incongruentes com o nosso sistema e, desde logo, por isso, não devem merecer consideração.
Avançar neste momento para o entendimento de que tudo aquilo que não seja da competência exclusiva da República passa a ser automaticamente a competência legislativa da regiões autónomas parece-me claramente excessivo.
Em face disto, nesta primeira fase - sem prejuízo de na próxima revisão constitucional, daqui a 5 anos, virmos a aumentar o bloco do interesse específico ope constituciones -, ousaria pedir ao PS que considerasse a hipótese de especificar, desde já, um conjunto de matérias de interesse específico ope constituciones a juntar à ideia de clarificar a matéria da competência legislativa exclusiva da República.
Aos Deputados do PSD e do PP - nomeadamente ao Sr. Deputado Guilherme Silva, já que o PSD não tem propostas nesta área -, proponho que considerem esta solução como uma proposta equilibrada, o que significa um ganho substancial em termos de garantia à partida de um mínimo de competência legislativa da regiões autónomas inquestionável em matéria de clarificação e de iluminação de uma enorme parte (ousaria dizer, de 99%) dos conflitos que têm ocorrido em matéria de competência legislativa regional.
Eis a sugestão que vos deixo!
Muito do que referi, como saberão, resulta de um aproveitar e "cerzir" de ideias oriundas do projecto do PS e do projecto do ex-Deputado Jorge Miranda.
Eis a sugestão que faço e que está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, a propósito da questão ou da linha de fundo que o Tribunal Constitucional adoptou, no sentido de considerar que para além das matérias da competência que a Constituição reserva aos órgãos de soberania, pergunto se não bastaria fazer uma restrição própria em relação à alínea a), contrariando essa discordância e dizendo que só são limitação para o poder legislativo regional, unicamente, as matérias que a Constituição reserva nos artigos 167.º e 168.º.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Mota Amaral, como terá compreendido, não estou de acordo com o que sugere, porque entendo que, de facto, matérias da competência exclusiva da República não devem ser só aquelas que actualmente constam do artigo 167.º e 168.º. Julgo que há, de facto, outras matérias que pela sua natureza devem fazer parte da esfera da reserva exclusiva legislativa da República.
Cito a questão, por exemplo, da relação do comércio externo; cito a relação do regime de uso e porte de armas; cito uma série de situações que constam de acórdãos do Tribunal Constitucional e na doutrina.
O que penso é há vantagem em clarificar quais são, e não manter a cláusula em aberto, permitindo a cada autor e em cada caso do Tribunal Constitucional dizer-se que é esta, e mais esta, e mais aquela, e mais aqueloutra. Deve ser a Constituição a dizer à partida o que é a competência legislativa reservada da República.
Respondendo à sua pergunta, estou de acordo em clarificar, mas penso que a clarificação não pode ser dada apenas pelo artigo 167.º e artigo 168.º, porque, de facto, há matérias para as quais só a República deve ser competente para legislar à partida.
O que penso, de acordo com a proposta que foi apresentada pelo próprio PS, é que algumas das alíneas do PS possam ser arredondadas. Talvez possa achar excessivo, mas concordo com a ideia de delimitar a competência legislativa exclusiva da República, entendendo que ela não deve ser só o que consta dos artigos 167.º e 168.º. Estou de acordo, portanto respondo à sua pergunta como me foi feita.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª referiu, a minha proposta vai mais longe do que sugestão que V. Ex.ª apresenta, mas é óbvio que tenho de ter o realismo de compreender que a sugestão de V. Ex.ª está muito melhor colocada para fazer uma ponte necessária aos 2/3 das soluções que temos aqui de lograr obter, e consequentemente tenho de ter o realismo de a aceitar como base de trabalho e, sem abandonar o empenho de a ver um pouco mais aproximada da minha proposta, tomar como base de trabalho para uma solução definitiva e de avanço que, tenho que reconhecer, a sua proposta já contém relativamente ao proposto sobre poderes legislativos da Assembleia Legislativa Regional.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Presidente, no fundo, o V. Ex.ª está a propor um novo artigo 230.º, partindo do princípio que o actual 230.º será eliminado na sua totalidade.
O Sr. Presidente: * Iremos lá depois. A questão da eliminação do artigo 230.º ainda não está na calha. Estamos apenas a analisar um hipotético artigo 230.º-A ou, chamemos-lhe, 229.º-A.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, sem desposar e sem fazer nossa a sua proposta, creio que ela poderá ser um bom caminho para o entendimento, se o PSD também o entender.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu ousaria dizer o seguinte: não gostaria de pôr a questão em termos de saber se ela é uma boa base para o entendimento. Gostaria de saber se ela é, em termos de mérito, uma boa base para uma solução justa e meritória da questão.
Risos.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, isso eu não poderei dizer, mas acho que é uma boa base de entendimento.
O Sr. António Reis (PS): - Já agora, gostaria de dizer que o Partido Socialista considera que essa proposta tem virtudes próprias e que não é apenas uma boa base de entendimento.
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O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, isso eu não poderei dizer, mas acho que é uma boa base de entendimento.
O Sr. António Reis (PS): - Já agora, gostaria de dizer que o Partido Socialista considera que essa proposta tem virtudes próprias e que não é apenas uma boa base de entendimento.
TERESA DC=… O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Deputado, o PS de todo o território continental da República!
Risos.
O Sr. Presidente: * Foi apenas um reforço. De resto, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira tornou claro que está aqui também como Deputado da República e não como representante do sindicato regional!
Penso que esse enfoque é o correcto e portanto, Srs. Deputados, penso que se admitíssemos esta base como base de trabalho, então valeria a pena darmos algum tempo para pensarmos o contorno exacto da reserva da competência exclusiva da República na base do projecto do PS e do bloco de interesse específico ope constituciones que na base do projecto do Prof. Jorge Miranda se estabeleceria.
Nesse sentido, penso que não teria muito interesse avançarmos aqui, concretamente agora, mas antes dar algum tempo aos partidos e aos Deputados para considerarem, individualmente, essa delimitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Creio que a posição definitiva que viermos a tomar depende do elenco de matérias de interesse específico e do elenco de matérias da competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo. A meu ver, são dois factos que serão decisivamente conformadores…
O Sr. Presidente: * Para mim também!
O Sr. Luís Sá (PCP): * … deste tipo de sistema.
Nesse sentido, admitimos que se trabalhe nesta direcção, reservando a posição para a apreciação do resultado final.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, no fundo, vou dizer a mesma coisa que disse agora o Sr. Deputado Luís Sá. Ou seja, como base de trabalho, a proposta do Sr. Presidente parece-nos uma proposta virtuosa, sendo certo que, fundamentalmente da delimitação daquilo que é matéria reservada em termos legislativos aos órgãos legislativos da República, politicamente é aí que se julgará a adesão do PSD à solução que tecnicamente acabar por ser encontrada.
Com toda a franqueza, não me queria alongar, mas vou já deixar aqui uma nota. Percorrendo as actuais alíneas propostas pelo Partido Socialista para o artigo 230.º, há aqui um alargado conjunto de matérias que ao PSD parece que não devem constar da reserva exclusiva dos órgãos legislativos da República. A base de trabalho, repito, parece-nos bastante virtuosa, mas tudo dependerá da flexibilidade que houver da parte do Partido Socialista para permitir que haja uma transferência significativa de competências para os órgãos legislativos regionais.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de me debruçar sobre a declaração do Sr. Deputado Marques Guedes, em nome do Partido Social Democrata, relativamente à proposta que o Sr. Presidente apresentou. Queria, forçosamente, fazer acerca dela um comentário de fundo.
Julgo que esta proposta, nos seus diversos aspectos, corresponde a uma abertura no sentido do desbloqueamento da situação presente e creio que a experiência do Sr. Presidente como juiz do Tribunal Constitucional também ajuda a perspectivar esse problema
Uma das questões que cria até alguma angústia nos responsáveis regionais - e os responsáveis regionais são portugueses como os outros e, portanto, encaram a realidade regional na sua perspectiva nacional - é ver como a atrofia da capacidade legislativa põe em causa, na prática, a própria função e a identidade dos órgãos chave da autonomia regional, que são as assembleias legislativas regionais.
Curiosamente, a partir da altura em que as assembleias regionais passaram a ser qualificadas como assembleias legislativas foi quando, devido ao aperto do Tribunal Constitucional (e unanimemente era reconhecida como sendo uma competência restritiva) passaram a ter, na prática, menos capacidade legislativa.
Não há dúvida que deveríamos ir para medidas mais radicais, mas também reconheço a razoabilidade ou a razão do argumento do Sr. Presidente no sentido de que essas ideias se podem proceder por pequenos passos.
Podíamos fazer aqui a experiência de deixar cair a questão das leis gerais da República, de fazer cair a exigência do interesse específico, abrindo uma margem de liberdade - obviamente aproveitaríamos isso faz parte da nossa responsabilidade enquanto responsáveis da Assembleia da República -, para vermos como decorria essa experiência daqui até próxima revisão constitucional. Todavia, já vimos que o modo como se urdiu o poder legislativo constituinte e a sua aplicação posterior levou à atrofia do poder legislativo regional.
Hoje damos um passo importante no sentido de quebrarmos este bloqueio, inclusivamente com esta questão. Penso que das várias interpretações aqui apresentadas vai ser possível, com certeza, construir uma fórmula razoável que concite o apoio unânime da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Gostava de dizer que ouvi com muita atenção o Sr. Deputado Mota Amaral, pois penso que o que ele acaba de dizer é importante. Da nossa parte, também gostaríamos que todo este articulado tivesse o maior consenso possível a nível da Assembleia da República e por isso mesmo estamos dispostos,
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como já aqui foi dito por mim, a ter em conta a proposta do Sr. Presidente nesta matéria.
Por outro lado, gostaria de responder à questão colocada pelo PSD por, de certa maneira, estar aberto à reformulação da nossa proposta do artigo 230.º
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, nós somos Deputados nacionais, mas estou aqui pela Madeira, embora seja Deputado da República.
Queria dizer que a proposta do Sr. Presidente é bem aceite por nós, embora já ontem tivesse conversado com o presidente do Grupo Parlamentar do PS no Funchal e tivesse adiantado a proposta do Presidente. A proposta e teria sido bem aceite, era uma perspectiva que acolhemos com agrado.
Gostaria ainda de dizer que há, e nota-se, uma certa desconfiança em relação às reivindicações das ilhas. É um problema secular, já vem de muitos anos. O Sr. Presidente ainda há pouco referiu um dos interesses específicos da Madeira à colonia. Estou metido nisso…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, se me permite, o Tribunal Constitucional é acusado de jurisprudência muito restritiva, mas se houve uma ajuda que o Tribunal Constitucional deu à Madeira foi reconhecer que a legislação sobre a colonia não violava a competência reservada da Assembleia da República. Eu fui o relator desse acórdão.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, eu reconheço isso porque fui nomeado como um dos peritos pelo Tribunal da Relação. Estou, desde o princípio, na extinção da colonia, mas deixei há pouco tempo porque é obrigatório.
Até hoje, estou convencido, e há advogados na Madeira que o dizem, que fui eu que tornei a lei exequível da forma como se fizeram as avaliações porque, caso contrário, o senhorio ficava sem o terreno e ainda era obrigado a pagar dinheiro ao colono. Se fizéssemos bem as contas era isso que acontecia, mas a verdade é que se tornou exequível e isso foi para a frente.
O Sr. Presidente: * Não podemos dizer mal de tudo, Sr. Deputado. A conquista da autonomia regional é uma das grandes conquistas do 25 de Abril. Penso que pode haver queixas em relação a algumas constrições ou défices, porque há; agora haver, por isso, "prato da balança" em relação àquilo que se ganhou, penso que não seria justo!
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Penso que sim. Foi uma conquista do povo português e dos madeirenses, mas a verdade é que não se dá nada a ninguém. Foi preciso lutar e a luta, como diz o Presidente do Governo Regional lá na sua maneira peculiar de fazer a política, e diz que continua,… Talvez essa desconfiança até tenha origem na forma como o Presidente do Governo Regional faz política; está sempre em guerrilha! Penso que há menos guerrilha em relação a Angola e Moçambique do que há em relação à Madeira.
Risos.
É uma forma de criar um inimigo externo e usar as populações.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não apoiado!
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Não é por acaso que ele consegue os votos; é assim! E aparece o PS na Madeira e, agora a propósito, é um elemento de… Não há sintonia com o PS nacional também em matéria de poderes legislativos da assembleia legislativa regional. Dá-me ideia que se está a pedir demais. Há que acabar com isto, penso eu!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, nesta matéria, a minha proposta vai além da proposta do PS regional!
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Exactamente! É que há "já sei" na apresentação das nossas propostas, lembro-me de uma conversa...
O Sr. Presidente: * Já há auto-constrição?! Já há self-restraint!
Risos.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Lembro-me de uma conversa que tive, e posso revelá-la, com o Presidente do grupo do PS no Funchal. Eu perguntei-lhe: "O que pensa das leis gerais da República?" e ele disse "Bem, essa, se a pusermos, vamos levar sopa!"
Risos.
E estou a ver que não levamos!
O Sr. Presidente: * Ainda vou ser condecorado pela Região Autónoma da Madeira!
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Estou a ver que se caminha para o entendimento!
Ainda a respeito das leis gerais da República, que hoje, muitas delas, não se cumprem na Madeira, era melhor arranjar um entendimento por forma a poder-se legislar naquilo que interessava à Madeira. Não se cumprem, realmente, e não sei porquê, mas a verdade é que elas não são aplicadas em muitos casos.
Lembro-me que ainda era eu vereador da Câmara Municipal do Funchal - e convém contar esta história que parece uma anedota…
O Sr. Presidente: * Peço-lhe que seja breve. Apesar da boa disposição em que estamos, temos de avançar.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Houve um concurso para habitação social e um empreiteiro perdeu. Nós perdemos na Câmara 150 000 contos porque há legislação europeia que impõe que se faça construção com parede dupla. Ora, ninguém na Madeira, mesmo gente de meio, gente rica, constrói com parede dupla. Perdemos 150 000 contos porque há legislação europeia, com certeza legislada lá para o Norte da Europa, a dizer que na Madeira se tem de construir paredes duplas. Isto parece caricato, parece anedota, mas a verdade é que
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perdemos 150 000 contos, e não me admira que isso não aconteça em relação às leis gerais da República!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, manifesta-se abertura para discutir a matéria na base da proposta que fiz. Vamos passar à frente.
Como sabem, as autorizações legislativas foram criadas, em 1989, para admitir que as regiões autónomas pudessem "furar" as leis gerais, isto é, para que pudessem desvincular-se da obrigação de cumprimento das leis gerais. A solução era, a meu ver, abstrusa, nunca foi utilizada e se porventura os parâmetros das regiões gerais for substituído por parâmetros, por princípios gerais esta ideia das autorizações legislativas deixa de ter sentido, e assim mesmo o entendem Pedro Passos Coelho e Jorge Miranda, que ao proporem a eliminação do parâmetro das leis gerais propõem também a eliminação das autorizações legislativas.
Mas há outra autorização legislativa que agora se propõe em alguns projectos, mais uma vez do Sr. Deputado Guilherme Silva, que é, nem mais nem menos, a de admitir… E a do PP ainda é mais radical! Ou seja, as regiões autónomas poderiam legislar sempre, no caso do PP, mediante autorização da Assembleia da República, aparentemente sobre tudo.
MARIA JOAO=… Mais modesto é o Sr. Deputado Guilherme Silva, que admite que, sob autorização, as regiões possam legislar em matéria de reserva relativa da Assembleia da República quando haja interesse específico.
Adopto estas propostas para discussão, dizendo desde já que discordo de ambas, pelo que não farei nenhuma sugestão, salvo a de desejar que elas não sejam acolhidas!
Srs. Deputados, está em discussão a alínea b) do artigo 229.º do projecto do PP e a alínea b) do projecto do Sr. Deputado Guilherme Silva, que é do seguinte teor: "Legislar, sob autorização, em matérias de interesse específico para os Estados regionais da competência, da reserva relativa, da Assembleia da República"; temos ainda uma proposta do PSD, de teor igual à do PP, que é a seguinte: "Legislar, sob autorização da Assembleia da República e com respeito da Constituição, em matérias de interesse específico para as regiões".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª apresentou essas propostas como se fossem qualquer coisa de estranho, mas recordo apenas, pois o Sr. Presidente não o referiu, que isto significa a manutenção do que já consta da Constituição (ou seja, a Constituição prevê expressamente a possibilidade de autorização da Assembleia da República) e, mais do que isso, propõe-se - coisa que o PS, tanto quanto sei, não altera - a manutenção dos n.os 2, 3 e 4 deste mesmo artigo, que regulamentam como é que se procede a essas autorizações legislativas.
Ora, o próprio PS, aparentemente, uma vez que não tenho aqui nota de que revogue os n.os 2, 3 e 4 do artigo 229.º, também mantém as autorizações legislativas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não tem razão, e passo a explicar porquê.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tenho razão? Sr. Presidente, pelo menos tenho razão na parte em que chamei a atenção para o facto de que não há inovação absolutamente nenhuma nesta matéria, isto é, trata-se da manutenção daquilo que está na Constituição!
Além disso, a única coisa que o PSD propõe, nesta matéria, quanto ao texto actualmente em vigor, é a ablação da parte final da alínea b), que se refere às matérias "(…) que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania".
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me explicar por que é que não tem razão, pois importa clarificar estas coisas, não há razão nenhuma para haver equívocos, e o PSD pode ter cometido um lapso ou não!
Actualmente, as autorizações legislativas só estão previstas, como o artigo 115.º, n.º 4, claramente estabelece, para admitir que as regiões autónomas possam legislar contra lei geral da República; não é, não é, não é - repito três vezes - para autorizar as regiões autónomas a legislar em matéria de competência reservada da Assembleia da República.
O PSD eliminou o parâmetro das leis gerais, mas não só manteve, o que já seria estranho, a ideia das autorizações legislativas, como, ao cortar-lhe a parte final, tornou claro que pretende que haja autorizações legislativas em toda a matéria de competência reservada da Assembleia toda, mesmo a da sua competência exclusiva.
A meu ver, isto é inquestionável, Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Por isso, não tem razão em dizer que o PSD não propôs nenhuma alteração; propôs uma e radical, a mais radical destas todas, semelhante à do PP, e mais do que a do próprio Sr. Deputado Guilherme Silva!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, reitero que não é verdade a parte final do que o Sr. Presidente acabou de referir, porque, se assim fosse, o PSD alteraria os n.os 2, 3 e 4, que põem em paralelo as autorizações legislativas com aquilo que está disposto no artigo 168.º, pelo que, obviamente, só tem que ver com a reserva de competência relativa da Assembleia da República.
Como tal, não vale a pena mistificar as coisas. O PSD não propõe uma alteração no sentido de abarcar a reserva absoluta de competência da Assembleia da República, nem isso faria qualquer tipo de sentido! Mas desta proposta do PSD resulta, de facto, uma inovação relativamente ao texto actual, e é essa explicitação que me cabe aqui referir.
Do mesmo passo que a Assembleia da República pode considerar, em certo tipo de circunstâncias, conceder autorização legislativa ao Governo da República para legislar em determinadas matérias, partindo do princípio de que há alguma vantagem na aplicação da lei nessas matérias, (como é óbvio, sempre condicionando as autorizações legislativas a um mecanismo que está perfeitamente explicitado no artigo 168.º e repetido na parte final deste artigo 229.º), com toda a frontalidade, o PSD não entende por que é que esse mesmo mecanismo não pode aplicar-se no tocante às regiões autónomas.
A não ser que haja um qualquer mecanismo de suspeição política relativamente à utilização das autorizações legislativas por parte das regiões autónomas, não vemos rigorosamente por que é que a Assembleia da República
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não pode optar, em igualdade de circunstâncias e em determinadas matérias que constam do artigo 168.,º por atribuir competência para legislar à assembleia legislativa regional, com o cumprimento dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 168.º, como já resulta claro da actual legislação, nomeadamente a parte final do artigo 229.º. Por que é que a Assembleia da República não pode decidir atribuir competência à assembleia legislativa regional, se entender, porventura, que esta terá mais sensibilidade para legislar ou que tal é vantajoso, em termos políticos, para as próprias populações locais, delimitando a extensão, o objecto e o sentido, como faz relativamente a todas as autorizações legislativas para o Governo da República?
Esta é que é a proposta do PSD e o que gostaríamos é que fosse apresentado pelo PS um argumento qualquer que não seja o da mera suspeição relativamente à capacidade, à idoneidade ou à seriedade das assembleias legislativas regionais para dar cumprimento a uma autorização legislativa da Assembleia da República, que esta só aprova quando quer, como quer e com os limites que entende, como é óbvio!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está clarificada a proposta do PSD, que passa assim a ser igual à do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, está clarificada depois da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, porque, objectivamente, o texto não é nada claro!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é um processo de intenções!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é um processo de intenções!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É com certeza! Qual é a função da primeira leitura? Não é a de explicitarmos as propostas? Por isso é que pedi ao Sr. Presidente para falar! É que, antes de eu falar pelo PSD, foi aqui tirada a conclusão de que fazemos uma determinada proposta que não corresponde àquela que é efectivamente a nossa proposta!
A função da primeira leitura é esta, é a de explicitarmos uns aos outros qual é a função das propostas!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas foi isso que eu disse: ficou explicitado depois da sua intervenção! Peço-lhe desculpa, mas não há nada de desconfiança em relação à intenção do PSD, nem nada de carga política, em dizer-se que, objectivamente, o que está escrito na vossa proposta não é exactamente isso que referiu! A remissão do n.º 2 para o artigo 168.º é a remissão para os n.os 2 e 3 do artigo 168.º, ou seja, quanto ao procedimento da autorização e não quanto ao âmbito das matérias que podem ou não ser objecto da autorização - objectivamente, é isso que cá está! Agora, se diz que a intenção não era essa, esse é um problema diferente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não existe autorização legislativa no âmbito do artigo 167.º! Não existe, pura e simplesmente, para ninguém, como é evidente, e isso é uma brincadeira!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é! A proposta do PSD está esclarecida, agora não digamos que é brincadeira a interpretação que se retirou logicamente de dois textos diferentes, o do PSD e o do Sr. Deputado Guilherme Silva!
Está esclarecido o alcance da proposta. Depois da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ficou claro que o PSD só quer admitir autorizações legislativas em matérias de reserva relativa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, ultrapassada essa questão, ainda assim, julgo que há aqui um aspecto a considerar.
Há pouco, quando intervim, referi, designadamente, e nisso obtive alguma concordância, que o texto constitucional actual, quando estabelece a reserva de competência da Assembleia, fá-lo no sentido de distinguir aquilo que é competência da Assembleia e aquilo que é competência do Governo, isto é, procede à repartição de competência entre dois órgãos de soberania. Como tal, a enumeração das matérias constante dos artigos 167.º e 168.º, em particular deste último, tem que ver com o problema da repartição de competências entre a Assembleia e o Governo.
O âmbito material do artigo 168.º está pensado nessa lógica, não na lógica da repartição de competência entre os órgãos de soberania e os órgãos do governo próprio das regiões. Razão pela qual, aliás, surgiu a necessidade, que a proposta do PS contemplou e a sugestão do Sr. Presidente também contempla, de estabelecer um outro critério de repartição, que é um critério de repartição entre órgãos de soberania e órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Assim, pura e simplesmente equiparar as autorizações legislativas previstas no artigo 229.º às previstas no artigo 168.º…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é o argumento da dignidade!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é uma questão de dignidade, mas sim de que há matérias do artigo 168.º que porventura não se entenderá que possam ser susceptíveis de autorização legislativa aos órgãos de governo próprio das regiões!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Porque a Assembleia não a concede!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Essa é uma posição, obviamente, mas a solução não resulta necessariamente de se remeter para um acto de vontade da Assembleia, pode resultar de objectivamente se estabelecer o critério de repartição no próprio texto constitucional.
É preciso não esquecer que o artigo 168.º, em regra, limita-se a reservar a competência às bases gerais de determinadas matérias - em regra é isso que está em causa. A alínea c) do artigo 229.º já permite às assembleias legislativas regionais que, em paralelo com a competência que o Governo também tem nessa matéria, possam vir a desenvolver as bases gerais.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não são autorizações legislativas!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não são autorizações legislativas, mas cumprem a função que porventura cumpriria… Isto é, a única lógica que vejo neste artigo é a de permitir que as assembleias regionais possam legislar sobre aquelas matérias; só que já podem, desde que o façam com respeito pelas bases gerais estabelecidas pela Assembleia da República, nos termos do artigo 168.º. Podem desenvolver as bases gerais no sentido de as adaptar às necessidades próprias das regiões autónomas, na medida em que um regime geral ou as bases gerais de um determinado regime jurídico implica, por natureza, apenas a definição dos grandes princípios e não a regulamentação exaustiva de toda a matéria.
Tal significa que o sistema actualmente previsto na Constituição, que permite às assembleias legislativas regionais, através de decreto legislativo regional, desenvolver as bases dos regimes jurídicos definidos pela Assembleia no âmbito da sua esfera de competência reservada, absoluta ou relativa, já resolve o problema da adaptação às regiões autónomas de legislação emanada nos termos daqueles dois artigos, inclusive o artigo 168.º.
Assim sendo, não vejo que haja necessidade de permitir aquilo que não faz sentido, ou seja, as regiões autónomas definirem elas próprias as bases gerais do regime A, B ou C, que é, em regra, o que está em causa no artigo 168.º. O que faz sentido é permitir que as assembleias legislativas regionais possam definir as especificidades próprias daquele regime no âmbito da região autónoma e não faz sentido que elas possam, como sucede na maior parte das alíneas do artigo 168.º, definir as bases gerais do regime jurídico A ou B, porque isso só se justificaria na lógica de que essas bases gerais do regime jurídico seriam em sentido contrário ou oposto às definidas para todo o continente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para todo o país ou para todo o continente?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para todo o continente, uma vez que nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira vigorariam regimes diferenciais.
Nesse sentido, não vejo justificação para a existência de poder legislativo relativamente a essas matérias. Não esqueçamos que já discutimos a parte do artigo que define a competência legislativa da Assembleia em que precisamente o que se pretendeu foi estabelecer aquilo que é reserva dos órgãos de soberania e aquilo que é reserva dos órgãos de governo próprio.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é que é substantivo, o resto é um mecanismo de operacionalidade! O artigo 168.º é um mecanismo de operacionalidade, não é de dignidade nem de repartição, como o Sr. Deputado disse! É de mera operacionalidade!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, então, na sua lógica, desde que haja vontade política em determinado momento, tudo se pode fazer!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, desde que a Constituição o tenha incluído no artigo 168.º! Já tivemos aqui esta discussão quando discutimos os artigos 167.º e 168.º.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Assim sendo, devolvo-lhe a pergunta: então qual é a necessidade dessa funcionalidade ou dessa operacionalidade?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não posso permitir o diálogo.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, já terminou?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sim, fico-me por aqui, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar gostava de dizer que tenho uma entrevista com o Sr. Presidente da Assembleia da República ao meio dia e meia, por questões relacionadas com a Comissão de Assuntos Europeus, pelo que gostaria de fazer a minha intervenção muito sinteticamente.
No projecto do PS, não apresentamos qualquer alteração da alínea b) do artigo 229.º, mas compreendemos que, se a proposta em análise tiver desenvolvimentos, é possível que essa alínea b) tenha de cair. Contudo, por enquanto, e na medida em que nada está estabelecido…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos a discutir as propostas do PSD e do Sr. Deputado Guilherme Silva no sentido de acrescentar uma autorização legislativa e isso é consequencial, não tem nada a ver com o que cá está, é um ponto novo.
Agora trata-se de discutir se as regiões autónomas podem legislar nas matérias do artigo 168.º, mediante autorização legislativa da Assembleia da República, pois essa é que é a proposta do PSD.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Essa não aceitamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, queríamos igualmente referir que não estamos de acordo com esta proposta, pelas razões já referidas e, de resto, creio que não tem grande sentido fazer uma discussão muito extensa de uma matéria que pode eventualmente ser prejudicada se houver alterações na alínea a).
De qualquer modo, a nossa posição de fundo é claramente contrária, e não vou repetir por que razões, pois já foram referidas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD para esta matéria não tem viabilidade.
Damos assim por encerrados os trabalhos de hoje. Continuaremos amanhã a discussão das restantes matérias referentes ao artigo 229.º, a partir das 15 horas, já que a sessão que estava marcada para a noite foi, por consenso, antecipada para a tarde.
Eram 19 horas e 10 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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