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Sábado, 23 de Novembro de 1996 II Série - RC - Número 57

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 22 de Novembro de 1996

S U M Á R I O


A reunião teve início às 10 horas e 40 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 229.º, 231.º e 232.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Arlindo Oliveira (PS), Mota Amaral (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP), Osvaldo Castro (PS), Moreira da Silva (PSD), Luís Sá (PCP), Cláudio Monteiro (PS), Guilherme Silva (PSD) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, para esta semana, temos o seguinte programa: terça-feira, teremos uma audição sobre autoridades legislativas independentes em que participarão alguns dos membros desta Comissão, pelo que, conforme conversa prévia, combinámos que não haveria reunião desta Comissão da parte da tarde mas haverá da parte da manhã,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): De manhã, já é hábito!

O Sr. Presidente: ... pois achámos que devíamos conciliar uma coisa com a outra. Portanto, dividiremos assim o trabalho: quarta-feira, haverá reunião de manhã, como normalmente; quinta-feira à noite, como normalmente, e sexta-feira de manhã. É este o programa para a próxima semana.
Srs. Deputados, dirigi ontem ao Presidente da Assembleia da República uma carta instando-o a tomar providências no sentido de os serviços procederem à transcrição e publicação das actas da Comissão, dado que as diligências pessoais que eu próprio tinha feito junto dos serviços não tinham surtido grande efeito. Hoje de manhã foi-me dado conta de que essas providências irão ser tomadas e que o atraso poderá ser recuperado dentro de algumas, poucas, semanas, em tempo útil para, na segunda volta, termos disponíveis as actas.
Mais uma observação, repetindo o que já disse ontem: sem prejuízo obviamente, sem desmerecer o contexto da matéria em que estamos envolvidos, penso que há uma hierarquia de importância das propostas, pelo que suponho que devíamos fazer um esforço de autocontenção para não gastarmos excessivo tempo com questões relativamente menores, como ontem, a meu ver, aconteceu em relação a várias alíneas do artigo 229.º. Este é um apelo pessoal que faço aos Srs. Deputados, nomeadamente àqueles que mais têm intervindo nesta matéria.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 231.º.
Relativamente ao n.º 1 deste artigo existem propostas do PS, do PCP e do Deputado António Trindade. A proposta do PS tem a ver com a questão de financiamento das regiões autónomas, pelo que proponho que não voltemos a repetir o grande debate de ontem e que voltemos aqui na segunda volta, depois de se decidir a questão das alíneas b) e i) do artigo 229.º.
Portanto, quanto à proposta do PS, no que respeita ao n.º 1, sobre as transferências do Orçamento do Estado, voltaríamos a ela quando tivéssemos alcançado uma solução quanto à questão do regime de autonomia financeira, ou seja dos apoios financeiros às regiões autónomas.
A proposta do PCP é de natureza diferente: tem a ver com a lei financeira, e isso é coincidente com várias outras propostas. Debatê-la-emos em conjunto, porque há duas alternativas: uma, do PSD, no sentido de as relações financeiras serem reguladas pelo próprio estatuto; outras propostas do PS, do PCP, do PP e do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, no sentido de essas relações serem reguladas por uma lei comum, uma lei-quadro, ou seja uma lei reforçada da Assembleia da República. Discuti-la-emos, portanto, em conjunto.
A proposta do Sr. Deputado António Trindade, a que resta, visa acrescentar na parte final do n.º 1: "(...) tendo em conta o princípio da continuidade territorial".
Como o proponente não se encontra presente, não sei se alguém quer retomar esta proposta, cujo sentido, aliás, me escapa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O n.º 1? A do Sr. Deputado António Trindade?

O Sr. Presidente: Sim, a do Sr. Deputado António Trindade, parte final do n.º 1.
Sr. Deputado Arlindo Oliveira, quer pôr à discussão essa...

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Não percebi o que disse, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: É a proposta para alterar o n.º 1, do artigo 231.º, que visa acrescentar ao actual texto "(...) e tendo em conta o princípio da descontinuidade territorial".

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Pois, mas parece que percebi o Sr. Presidente dizer que o sentido lhe escapava.

O Sr. Presidente: Cujo sentido me escapava - disse exactamente isso.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Sr. Presidente, penso que essa proposta, que é feita pela Madeira, tem em vista o princípio da continuidade por forma a que na Madeira os preços de alguns produtos não sejam mais caros do que no Continente; quer dizer, que haja, da parte do Estado, solidariedade no sentido de melhorar o custo de vida na Madeira, em virtude de haver o mar pelo meio, porque esse é um problema que já acontece até em relação às Canárias e parece que, mesmo em relação à União Europeia, vai ser um princípio que vai ficar consignado agora no Tratado, pelo menos ao que parece há força nesse sentido - aliás, os espanhóis canarianos estão a fazer pressão nesse sentido e a Madeira e os Açores também.
Portanto, é natural que também da parte do Governo da República haja essa intenção de solidariedade, no sentido de que, aos madeirenses, seja concedida uma situação de igualdade em relação aos residentes no Continente - ou seja, aos residentes na República, para não confundir com os hipermercados, como dizia há dias o Sr. Deputado Mota Amaral...!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Arlindo Oliveira, a intenção parece-me meritória, agora duvido que lá estejam a lutar para pôr isso na Constituição. Em segundo lugar, não lhe parece que isso já está no actual texto ao dele constar expressões como, por exemplo "correcção das desigualdades derivadas de insularidade"? Portanto, é "chover no molhado" acrescentar essa…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Era enfatizar.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Penso que, estando no texto constitucional, daria mais força. Era um direito alcançado pelos madeirenses.

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O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à discussão a proposta do Sr. Deputado António Trindade, que foi apresentada pelo Sr. Deputado Arlindo Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, de facto, o PSD não vê vantagem, independentemente de o princípio da continuidade territorial poder ser um princípio que venha a ser adoptado pela União Europeia, relativamente a determinado tipo de procedimentos, porque o nosso texto constitucional fala já nas desigualdades derivadas da insularidade.
Portanto, parece-nos que não acrescenta nada ao texto constitucional e, se é apenas para acrescentar, porque existe eventualmente a consagração desse princípio em textos da União Europeia, não nos parece que haja qualquer necessidade de o transpor, necessariamente, para a nossa Constituição, a menos que a nossa Constituição fosse omissa relativamente à necessidade de consideração da especificidade decorrente da descontinuidade.
Ora, isso para nós, está já plasmado perfeitamente na consideração que a Constituição faz da obrigatoriedade da correcção de desigualdades derivadas de insularidade. É isso mesmo, dito por outra maneira. Digamos, que é dito à portuguesa e parece-nos que está bem dito.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, ninguém mais quer pronunciar-se sobre a matéria?
A proposta não tem acolhimento, não por oposição ao conteúdo, mas por se entender que ela não acrescenta nada ao texto que se encontra no actual n.º 1.
Passamos ao n.º 2, para o qual existem propostas de alteração apresentadas pelo CDS-PP, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e pelo Sr. Deputado António Trindade. A proposta do CDS-PP já foi discutida ontem a propósito da questão de explicitar a audição em matérias relativas à União Europeia. Já foi discutida ontem a proposta do artigo 229.º e foi acolhida numa redacção que há-de ser apurada. Portanto, a proposta do CDS-PP está consumida, digamos assim.
A proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva é a de acrescentar os seguintes elementos: além da questão da União Europeia, que também já está prejudicada, acrescentar a ideia "com a necessária antecedência", ou seja: "a Assembleia da República, o Governo" - em vez de os órgãos de soberania - "ouvirão sempre com a necessária antecedência os órgãos do governo próprio das regiões autónomas, relativamente às questões da sua competência (...)".
Portanto, a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva é a de substituir "órgãos de soberania" por "Assembleia da República e Governo", acrescentando o inciso "ouvirão sempre com a necessária antecedência". São estas alterações em relação ao n.º 2 que a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva contém. Não estando cá os proponentes, pergunto se alguém quer adoptar esta proposta para discussão?

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Sr. Presidente, já existe uma lei, aprovada pela Assembleia Legislativa Regional, que define o modo de audição e como se processa, e que já foi aprovada pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente: Exacto. Foi aprovada recentemente uma proposta sobre essa matéria, sob a iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, mas isso, não preclude a proposta.
Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, relativamente ao princípio, o princípio da audição prévia, o PSD está de acordo, bem como, penso, estarão de acordo os outros partidos, que, exactamente como acabou de nos referir o Sr. Deputado, foram signatários e aprovaram uma legislação na última sessão legislativa, se bem me recordo, sobre esta mesma matéria.
Quanto à sua consagração constitucional nada temos contra; pelo contrário, eventualmente, será a forma de dar um valor mais definitivo à necessidade do princípio da audição.
Assim, expresso aqui a receptividade do PSD relativamente à consagração constitucional deste princípio de audição prévia. Se houver condições para que ele fique adquirido, gostaríamos, em qualquer circunstância, de reponderar um pouco a formulação exacta da norma para torná-la mais enxuta, porque nos parece que ela está um pouco adjectivada. Pensamos que a consagração do princípio é válida, ou pode ser válida sem qualquer tipo de considerações de natureza adjectiva.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é a substituição da expressão "órgãos de soberania" por "Assembleia da República e o Governo".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, colocaria essa questão exactamente no plano da redacção. Nesta fase, friso apenas que o PSD é receptivo ao princípio da plasmação constitucional da audição prévia. Quanto à sua formulação exacta, relegaria para um momento posterior, para a formulação em definitivo da norma, se houver condições para a plasmação desse princípio.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à discussão.

Pausa.

Juntamente com esta proposta há a do Sr. Deputado António Trindade que vou pôr também à discussão, segundo a qual "os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões respeitantes às regiões autónomas, os órgãos do governo próprio, nos termos do estatuto e da lei". É este acrescento que o Sr. Deputado António Trindade faz e que, a meu ver, é uma fórmula bastante preferível à do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Srs. Deputados, estão à discussão estas duas propostas: a do Sr. Deputado António Trindade e a do Sr. Deputado Guilherme Silva, para alterar o actual n.º 2 do artigo 231.º da Constituição.

Pausa.

Srs. Deputados, se ninguém se inscreve, inscrevo-me eu.
Sinceramente, este é um artigo que nunca deu problemas e que acaba de ser densificado por uma lei. Se o artigo não deu problemas, não vejo porque é que se há-de mexer: ou por perfeccionismo ou pela ideia de exibir, eventualmente, mais um troféu de caça no fim daquilo a que eu (por alguma piada), dei em designar por sindicato regional! Não vejo, de facto, necessidade, inclusivamente por estar, pacificamente, na lei por unanimidade.

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Pela minha parte, sendo adversário de alterações puramente estéticas da Constituição, eis o tipo de propostas que, à partida, me causa alguma objecção, em todo o caso as propostas estão feitas e estão à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): Sr. Presidente, V. Ex.ª tem razão. Sobre este artigo não houve grandes confrontações que subissem ao Tribunal Constitucional e que criassem jurisprudência restritiva da opinião regional, porque, isso sim, foi constante a invocação por parte das entidades regionais, a propósito das mais diversas matérias, de não terem sido ouvidas atempadamente.
Assim, quando nas propostas aparece uma sugestão no sentido de se fixar como condição da validade dos actos a audição atempada dos órgãos do governo próprio regional, pretende-se dar resposta a estas carências de audição a tempo ou à confrontação com numerosos factos consumados que constam da nossa experiência destes vinte anos de autonomia.
Julgo, pois, que a sugestão contida no texto apresentado pelo Sr. Deputado António Trindade e outros, no sentido de se esclarecer ou de se remeter para o estatuto e para a lei - lei essa que até, por sinal, já hoje existe aprovada pela Assembleia da República na presente legislatura - é um passo significativo.
Quanto à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, relativamente ao n.º 3 deste artigo, ela só peca por ser restrita aos actos legislativos, quando uma boa parte da controvérsia sobre o direito de audição das regiões autónomas se desenvolve nas esferas da acção governativa e não propriamente legislativa, pelo que também essas áreas deveriam estar condicionadas à audição atempada e à consideração dos interesses regionais, se é que se pretende encontrar uma definição do interesse nacional que atenda à realidade plural do Estado português. De outra forma, confrontar-nos-emos repetidas vezes com verdadeiras imposições de interesses de uma parcela do Estado sobre os interesses de outras parcelas do Estado.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, devo dizer que o n.º 3 da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva constava da proposta da Assembleia Regional da Madeira, que os próprios proponentes deixaram cair na lei. Ora, se caiu na lei, pô-la na Constituição ser-me-ia particularmente inaceitável, mas...
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, antes de passar ao n.º 3, ainda sobre o n.º 2, chamo a atenção do Sr. Presidente, face à intervenção que o Sr. Presidente teve a seguir à minha primeira intervenção, para o facto de que há um acrescento relativamente ao texto actual: de facto, o princípio de audição prévia, apenas enquanto tal, está já no n.º 2 da actual Constituição; a intenção que pretendi dar à minha primeira intervenção, embora não estejam cá os proponentes, mas da leitura possível sem a sua explicitação mais aprofundada, é a de que o que é feito é acrescentar a parte final em que se especifica, para além da audição prévia nas questões da competência própria dos órgãos de soberania, a necessidade de audição relativamente a questões que sejam atribuídas por tratado a instituições próprias da União Europeia respeitantes aos Estados regionais.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, essa parte já considerámos prejudicada, ou seja consumida pela alínea que ontem discutimos sobre essa matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): A alínea não está formulada ainda, Sr. Presidente. Ficámos todos de reflectir…

O Sr. Presidente: Por isso mesmo. Voltaremos a ela quando…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas é relativamente a isso que eu quero referir - e é isso que quero deixar em acta - que o PSD concorda com o princípio e é receptivo a ele. E chamo a atenção para o facto de que, de resto, fará sentido acrescentar aqui este princípio, em modos similares àqueles que foram propostos pelo próprio PS relativamente à inclusão de uma alínea também nas competências da Assembleia da República, exactamente no sentido da pronúncia prévia relativa a matérias pendentes de decisão nos órgãos da União Europeia.
No fundo, trata-se - a redacção depois será reflectida se houver adesão à ideia - de plasmar na Constituição o princípio da audição não apenas relativamente a actos legislativos da Assembleia ou do Governo, porque isso já existe na actual Constituição, mas o princípio da audição relativamente a competências que sejam atribuídas a instituições da União Europeia por força do tratado e que são participadas negocialmente pelos representantes do Governo português em sede dessa própria União Europeia.
Portanto, também aí, obviamente, a consagração do princípio da audição prévia parece-nos que faz sentido, sendo que depois veremos qual a formulação mais correcta.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, tinha proposto que não trouxéssemos, outra vez, a questão da participação em questões da União Europeia, mas já que insistem nisso, por favor, disponham do debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): Sr. Presidente, não sei se acha que tem cabimento discutir, neste ponto, também a proposta do n.º 3 do artigo 231.º, apresentada pelo Partido Popular.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É que essa proposta é idêntica à do n.º 3 da proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): Exactamente, Sr. Deputado. Basicamente, aquilo que eu queria dizer é que o Partido Popular, não tendo conseguido o desiderato de eleger deputados pelas regiões autónomas, conjuga corporativamente os diversos sindicatos quer nacional quer regional.

O Sr. Presidente: Provera que o primeiro existisse!

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): A única situação que queria aqui referir é que, não obstante este artigo não ter dado qualquer tipo de problemas, o que é certo é que, nomeadamente o Sr. Presidente, nas suas anotações, e se bem compreendi o alcance dessas anotações à Constituição da República, refere também alguma falta de concretização

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daquilo que é, ou que deve ser, o direito de audição.
Portanto, a proposta do Partido Popular é somente no sentido de que se possa conseguir dar alguma validade prática a este direito de audição.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à discussão e peço que seja tomada posição quanto a estas propostas, pois não podemos estar indefinidamente a marcar passo.
Estão à discussão as propostas do Sr. Deputado Guilherme Silva e Sr. Deputado António Trindade, para o n.º 2 do artigo 231.º e, ligado a ele, o n.º 3 do projecto do Sr. Deputado Guilherme Silva e os n.os 2 e 3 do projecto do CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora não tendo acompanhado a discussão nos dias anteriores, por razões outras, a verdade é que nos parece que as formulações que se pretendem adoptar, salvo melhor opinião, nada acrescentam ao que já existe no texto constitucional, isto é o princípio da audição prévia está cá e apenas se visa, de algum modo, calendarizar, criando a necessidade de uma antecedência necessária, que, ainda por cima, é algo que não está exactamente definido.
Por outro lado, a substituição da expressão "órgãos de soberania", constante da proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva, pela expressão "Assembleia da República e Governo", também não nos parece que venha a trazer melhorias, antes pelo contrário, na medida em que a expressão "órgãos de soberania" tem um sentido mais vasto. Portanto, em princípio, não estamos de acordo em acolher as propostas assim formuladas.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Moreira da Silva, peço que seja breve.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): Sr. Presidente, serei breve. O Sr. Deputado Guilherme Silva não estava cá para explicitar mas, como o Partido Popular também tem uma redacção idêntica a este n.º 3 do artigo 231.º, talvez possa explicar-nos o que é que aí se pretende, porque penso que haverá aqui alguma confusão quanto a esta validade e eficácia: ou é validade ou é eficácia. Se é audição prévia, penso que deve ser validade. Mas deveria, talvez, explicitar-se isso.
Para já, na minha opinião, não estou muito de acordo com a inclusão deste artigo. Penso que devíamos, eventualmente, colocar esta questão como até agora, como uma questão de política a ser analisada…

O Sr. Presidente: Há doutrina e há jurisprudência.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): Exacto, e não colocar a questão desta forma. Pedia, então, a explicitação.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, reconhecemos que houve alguns momentos em que não foi respeitado o princípio da audiência prévia com a antecedência que se imporia em termos razoáveis. É uma queixa que é bastante frequente, por parte daqueles que participam em órgãos de poder das regiões autónomas, incluindo membros das Assembleias Legislativas Regionais.
No entanto, julgamos que o facto de ter sido aprovada uma lei nesta matéria e de, simultaneamente, ter havido manifestos avanços, isso constitui uma densificação do princípio da audiência prévia no sentido de garantir a ideia de que a audiência implica também um prazo para permitir que esse princípio de audição tenha um sentido útil.
É evidente que são referidos casos, que conhecemos, de pedidos de audição com 48 horas de antecedência apenas, ou com prazos de 48 horas em situações semelhantes, ao longo dos últimos 10 anos, o que, na prática, são situações que correspondem a não cumprir, em termos materiais, o princípio de audição. Mas o facto de ter sido aprovada legislação nessa matéria faz com que, neste momento, propostas deste tipo nada acrescentem de substancialmente novo, na nossa perspectiva, àquilo que já consta, por um lado, da Constituição bem entendida e, por outro lado, da lei ordinária. Porque a Constituição bem entendida creio que não pode ter outra interpretação a não ser a de que ouvir implica ouvir com a antecedência minimamente razoável para o direito de audição não ser esvaziado de conteúdo - isto é algo que sempre nos pareceu evidente.
A partir do momento em que este princípio, além do mais, está garantido na própria legislação ordinária, creio que este tipo de adendas acrescentam bem pouco em relação aquilo que já está garantido, a não ser que nos seja demonstrado o contrário e, nesse caso, naturalmente, teremos espírito aberto para ouvir essa demonstração.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, quero acrescentar só um dado que não ouvi ainda ser referido. Isto já é necessariamente assim, do meu ponto de vista, por força do n.º 3 do artigo 3.º da Constituição que, expressamente, faz depender a validade das leis da sua conformidade com a Constituição.
Portanto, a partir do momento em que existe obrigatoriedade constitucional da audição, que está consagrada (do que estamos aqui a cuidar é de saber se a vamos alterar neste ou naquele sentido mas, relativamente ao princípio da obrigatoriedade da audição, penso estar já consagrado), é evidente - e penso que tem sido essa claramente a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente do Tribunal Constitucional - a interpretação de que a preterição da formalidade da obrigação constitucional da audiência implica, necessariamente, a não validade da lei. Isso decorre expressamente do n.º 3 do artigo 3.º da Constituição.
Penso que o acrescento disto aqui não tem qualquer vantagem útil, embora haja, de facto, aquele aspecto procedimental que o Sr. Deputado Luís Sá agora referiu e que tem que ver com a dilação do prazo da audiência, mas, com toda a franqueza, não me parece que isso seja minimamente matéria com dignidade constitucional. É, seguramente, como o Sr. Deputado Luís Sá disse, e muito bem - não posso estar mais de acordo -, matéria a ser regulada em lei própria, como já acontece neste momento, e qualquer dúvida sobre esta matéria deve ser esclarecida em termos de legislação ordinária.
O princípio constitucional está na lei. O artigo 3.º da Constituição comete, como consequência, a invalidade dos actos políticos e, nomeadamente, dos actos legislativos nessas condições.

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Portanto, penso que o problema não deve ser colocado e, nesse sentido, o PSD não vê qualquer vantagem no acrescento quer da proposta dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros quer da proposta do Partido Popular. A proposta dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros tem o plácito dessa questão do atempado, mas, de facto, não me parece que essa questão seja matéria que justifique a inserção de uma norma constitucional expressa.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): Sr. Presidente, pelas posições tomadas pelos diversos partidos, estas propostas não apresentam viabilidade, no entanto, não quero deixar de fazer um apelo ao Partido Socialista, ao Partido Comunista e ao Partido Social Democrata no sentido de, ao longo deste processo, eventualmente, reverem as suas posições.
O facto de haver uma lei aprovada recentemente na Assembleia da República sobre esta matéria não dá qualquer garantia, porque esta lei, no momento oportuno, há-de ser levada ao Tribunal Constitucional e vai ser considerada inconstitucional, porque ele…

O Sr. Presidente: Ó Sr. Deputado, o que o Tribunal Constitucional tem é muitos acórdãos a declarar inconstitucionais leis da Assembleia República por falta de audição dos órgãos regionais!

O Sr. Mota Amaral (PSD): Sim! Isso é verdade!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, neste ponto não tem qualquer razão!

O Sr. Mota Amaral (PSD): Mas, em contrapartida, Sr. Presidente, o Tribunal Constitucional não deixará de invocar que as limitações ao poder dos órgãos de soberania são apenas aquelas que resultam da Constituição e não as que vêm a ser induzidas pela legislação ordinária. Nós próprios nos queixámos sobre essa matéria a propósito de vários preceitos dos Estatutos que, apesar de serem resultantes de uma lei aprovada pela Assembleia da República, normalmente até por unanimidade, têm sido considerados inconstitucionais, porque vão para além daquilo que a Constituição estabelece.
De modo que não nos devemos segurar só sobre essa matéria e, por outro lado, devemos pensar bem que não estão apenas em causa neste domínio, como já mencionei, os actos jurídicos do Estado mas também os actos da governação. Valeria a pena ser dada uma garantia às regiões autónomas sobre esta matéria.
Penso que esta questão pode, eventualmente, ser reconsiderada, a fim de, com isso, garantirmos melhor a autonomia regional.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, até ao fim do processo de revisão constitucional, todas as questões podem ser relevantadas, mas, para já, as propostas não se mostram viáveis.
Há ainda propostas que, em comum, têm a ver com a questão de saber qual é o instrumento regulador das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas, havendo nelas duas posições: uma, do PS, do PCP, dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros e dos Deputados do PS António Trindade e outros, que se propõem explicitar que esse instrumento regulador das relações financeiras seja uma lei da Assembleia da República, e alguns desses projectos propõem que seja mesmo uma lei orgânica, como é o caso do PCP, se não estou em erro; outra, divergente desta, do PSD (n.º 2 do artigo 231.º) e dos Srs. Deputados do PSD Guilherme Silva e outros que visa alterar a Constituição nessa área, estabelecendo que é matéria dos estatutos regionais.
Estão em discussão todas estas propostas sobre o tema "Instrumento jurídico de regulação da cooperação financeira dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais".
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): Sr. Presidente, a proposta do PSD fundamenta-se na vantagem em assegurar que a lei que regula a matéria das finanças regionais seja uma lei da mais alta dignidade, envolva máximas garantias e assegure uma intensa participação das próprias regiões autónomas.
Ora, a lei que por excelência preenche esses requisitos é o estatuto político-administrativo de cada uma das regiões autónomas. Estes mesmos estatutos, conforme todos nos lembramos, porque isso consta da Constituição, resultam da iniciativa das assembleias legislativas regionais, são aprovados pela Assembleia da República e têm garantias especiais estabelecidas na própria Constituição, que os configuram como uma lei quase constitucional. A legislação ordinária não pode opor-se às disposições dos estatutos e é possível, em recurso para o Tribunal Constitucional, obter a anulação da legislação que viole os preceitos dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas.
Dentro desse quadro, a melhor e mais eficaz garantia em matéria tão delicada, tão melindrosa e tão decisiva para as autonomias regionais, como é a matéria financeira ser dada às regiões autónomas, é a que consiste na inclusão do estatuto financeiro nos seus próprios estatutos político-administrativos.
A simples remissão para uma lei de finanças regionais não dá qualquer garantia de qualidade. Sabemos isso pela praxe constitucional relativamente à lei das finanças locais. A lei das finanças locais todos os anos é revista pela lei do Orçamento do Estado. O problema já foi levado às mais altas instâncias e foi confirmado que a lei das finanças locais é uma lei igual a qualquer outra, por isso, todos os anos outra lei do mesmo do valor a pode modificar, não dando, portanto, garantia ao poder local.
Vem o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, num aditamento que também está presente e que, portanto, também se encontra em apreciação e em discussão, propor que se trate de uma lei de valor reforçado, uma lei orgânica. Mas as leis orgânicas não têm as garantias especiais que a Constituição atribui aos estatutos político-administrativos das regiões autónomas.
Dir-se-á que estes estatutos político-administrativos são leis especialmente rígidas e que é difícil modificá-las, mas também é bom que a definição de um quadro financeiro tenha uma certa rigidez, que não uma rigidez total e absoluta, porque ele pode ser sempre modificado para dar garantias de uma programação num médio prazo para as autoridades regionais, tendo em vista o seu desenvolvimento económico e social.
Portanto, a melhor solução é, sem dúvida, aquela que o PSD propõe, que é a de remeter para os estatutos político-

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administrativos a definição do relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas.
Peço, por isso, ao Partido Socialista para que reveja a sua posição, no sentido de dar o passo seguinte ao da lei orgânica, ao da lei de valor reforçado, e venha aderir à nossa proposta, no sentido de darmos com isto a máxima garantia às autonomias regionais.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Mota Amaral, a título de esclarecimento, a única diferença entre uma lei orgânica e os estatutos regionais é a seguinte: ambas as leis são reforçadas, mas os estatutos regionais só podem ser mudados por iniciativa regional.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Portanto, na verdade, o que o PSD quer é tornar irreversível essa matéria no estatuto regional. Já não lhe basta a irreversibilidade da Constituição, quer também a irreversibilidade da lei nessa matéria.

O Sr. Mota Amaral (PSD): A experiência ensina muito, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: Exacto.
Srs. Deputados, estão em discussão as duas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, gostaria de apresentar a proposta do PCP sobre esta matéria. Trata-se, efectivamente, de garantir, ao mesmo tempo, que fique clarificado o valor reforçado que propomos para a lei de finanças regionais.
Quero, de resto, dizer que entendo que a própria lei de finanças locais constitui um pressuposto normativo de outras leis,…

O Sr. Presidente: - Não o entende sozinho, como sabe!

O Sr. Luís Sá (PCP): - … concretamente da lei do Orçamento de Estado, e, portanto, dever-lhe-ia ser atribuído um valor reforçado, que, infelizmente, a jurisprudência constitucional não lhe atribuiu, aliás, num douto acórdão do Juiz António Vitorino, mas que foi efectivamente um problema de jurisprudência e não propriamente o facto de…

O Sr. Presidente: Como o meu parecer, se calhar não tão douto como o da pessoa que está a falar neste momento.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sem dúvida!
Para além disso, um artigo do Professor Gomes Canotilho sobre a lei do Orçamento do Estado aponta claramente para atribuir valor reforçado à lei de finanças locais. Portanto, considero que a lei de finanças regionais deveria, pela sua própria natureza, ter igualmente um valor reforçado.
A partir do momento em que existe esta jurisprudência, propomos que este valor reforçado seja clarificado na Constituição, seja com a forma de lei orgânica, como está actualmente, seja com outra categoria que venha a ser atribuída às leis orgânicas e, no essencial, com os mesmos efeitos práticos.
O problema fundamental que se coloca nesta matéria é aquele que o Sr. Presidente disse, isto é, se os órgãos de soberania deixarão, em matéria de finanças regionais, de ter iniciativa de alterar, eventualmente no sentido de aprofundar o financiamento das regiões autónomas, por exemplo, se isso se vier a impor em função de uma reforma fiscal ou de qualquer outra razão. Entendemos que isso não deve acontecer, isto é, que a lei das finanças regionais deve ter esse valor reforçado, mas que o direito de iniciativa não deve deixar de caber também aos órgãos de soberania.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, julgo que, no essencial, já foi dito aquilo que está em discussão.
Compreendo algumas das preocupações, designadamente do Sr. Deputado Mota Amaral, em relação ao enfraquecimento de uma futura lei de finanças regionais, qualquer que seja a sua designação do ponto de vista formal. É um receio que não deixa de ter algum fundamento, designadamente no que respeita à história recente em matéria de autonomia do poder local e em matéria de finanças locais, relativamente à qual a força jurídica que a lei supostamente deveria ter não tem sido reconhecida e tem criado problemas. E no passado recente criou problemas sérios às autonomias das autarquias locais.
Agora, não se pode passar do 8 para o 80, isto é, julgo que as regiões autónomas, tal como as autarquias locais, não podem ser reféns do Estado, também o Estado não pode ser refém das regiões autónomas, no sentido de que a diferença fundamental que existe entre uma lei de valor reforçado, tout court, e o estatuto político-administrativo das regiões autónomas é que num caso há reserva de iniciativa às regiões autónomas e no outro não há reserva de iniciativa aos órgãos de soberania, porque também as regiões autónomas nessa matéria terão, seguramente, iniciativa.
Portanto, julgo que, nessa perspectiva e se tivermos em conta aquilo que ontem se disse sobre a solidariedade nos dois sentidos, isso significa, necessariamente, que não se pode passar do zero, que é a falta de enquadramento legal que existe hoje, para um enquadramento legal estanque, fechado e irreversível, deve haver cautelas no sentido de evitar que, unilateral e arbitrariamente, uma das partes da "relação" possa impor a sua vontade, designadamente que o Estado possa, por enfraquecimento constante da lei e a propósito de cada Orçamento do Estado, alterar as condições das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas. Mas, devendo evitar-se isso, também não se deve cair no oposto de tornar irreversível um quadro legal que, para além do mais, será sempre experimental numa primeira fase, visto que ele não existe neste momento.
Portanto, ainda que houve necessidade ou ainda que se viesse a sentir a necessidade de tornar "irreversível", neste sentido de deixar à iniciativa das regiões autónomas a sua alteração, julgo que isso só poderia acontecer no momento em que houvesse alguma experiência na matéria, para se depreender daí se há ou não necessidade dessa nova tranca à lei. Por isso, passar do 0 para o 80, parece-me, de facto, excessivo.
Neste momento não há quadro legal, mas deve haver. As relações financeiras devem ser transparentes. O Estado

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não deve, unilateral e arbitrariamente, poder enfraquecer a autonomia financeira das regiões, mas também não deve ficar preso a um quadro legal que, para além do mais, nesta primeira fase, será sempre uma experiência e será sempre um quadro legal ideal, que pode não corresponder, depois, à realidade e às necessidades das relações financeiras entre ambos.
Nesse sentido, julgo que deve, de facto, encontrar-se um mecanismo que possa reforçar o valor de uma lei sobre essa matéria, mas que não o reforce a ponto de a tornar fechada apenas à iniciativa de uma das partes. Uma vez que se trata de uma relação financeira entre duas partes, ambas as partes devem ter, pelo menos, a capacidade de propor alterações a esse quadro.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Sr. Presidente, a argumentação que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro aqui adianta - peço desculpa por fazer esta alusão - muito sinceramente encerra uma ideia de tutela que roça a ideia de uma relação colonial.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, por favor, se entramos nesse estilo de argumentação, penso que não chegamos a lado nenhum.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Mas é verdade, Sr. Presidente! É que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro está preocupado com a circunstância de os órgãos da República ficarem impedidos de tomar a iniciativa de introduzir alterações em matéria de finanças regionais, se ela ficar em sede estatutária.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, naturalmente que as regiões autónomas, primeiras destinatárias deste normativo, que tem dignidade e importância para estar acolhido em sede estatutária, serão, naturalmente, as primeiras a ajuizar da conveniência, da vantagem e da necessidade das alterações. Por isso, em sede de estatuto, conforme hoje já está constitucionalmente estabelecido, são elas, através das suas assembleias legislativas regionais, que ajuízam da oportunidade, da conveniência e da necessidade dessa alteração. Penso que isto deve ser perfeitamente compreendido e aceite, designadamente em relação à matéria das relações financeiras entre o Estado e as regiões.
A sua posição encerra uma suspeição de que as regiões autónomas vão impedir uma evolução legislativa que se torne necessária, mas o Sr. Deputado deve respeitar e aceitar que sejam elas a ajuizar dessa conveniência ou não.
É certo que há uma relação bilateral Estado/regiões autónomas, mas é óbvio que os cidadãos afectados ou beneficiados por esta regulamentação são, em primeira linha, os cidadãos portugueses das regiões autónomas, que têm órgãos do governo próprio, que têm uma assembleia legislativa própria e que têm um estatuto que a Constituição prevê que seja aprovado e alterado com determinado mecanismo.
Trata-se de uma matéria que tem dignidade estatutária, que tem relevância estatutária, e não me parece que sejam esses receios e esse manietar de iniciativa por parte dos órgãos de soberania que devem impedir que esta solução e as normas relativas às relações existentes entre o Estado e as regiões autónomas sejam inseridas no estatuto.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, obviamente que não vou discutir se as minhas perspectivas encerram ou não uma visão colonial das regiões autónomas, porque parece-me de tal forma absurda a afirmação que nem vale a pena desenvolvê-la.
Agora, Sr. Deputado, se alguma suspeição existe, é a suspeição inversa, e V. Ex.ª, se calhar, como participou na liderança de uma maioria que sistematicamente violou a lei das autarquias locais e esvaziou a autonomia do poder local, está a associar àquilo que fez no passado o temor…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Em matéria autonómica tenho muito mais receio da actual maioria!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Se há suspeição, seguramente que é esse o fundamento da sua suspeição, mas, se assim é, ele é erróneo!
Agora, Sr. Deputado, a questão fundamental é esta: se é uma relação financeira que trata de fluxos financeiros, aliás, fundamentalmente de fluxos financeiros no sentido do Estado para as regiões autónomas, e se em relação a todos esses fluxos não há um direito próprio das regiões autónomas - embora haja um direito, obviamente, quanto às transferências de verbas do Orçamento do Estado, mas não haverá, seguramente, em relação a todos os aspectos dessas transferências e do respectivo regime -, não vejo, sinceramente, qual é a razão para que a reserva de iniciativa seja reservada às regiões autónomas, porque do que se trata é de um quadro que estabelece as relações financeiras entre dois entes - o Estado e as regiões autónomas. E, se é uma relação, é uma relação a dois e nos dois sentidos.
Portanto, não há, de facto, necessidade de fechar a iniciativa apenas a uma das partes, sobretudo tendo em conta que, não existindo, até hoje, qualquer quadro…
O PSD, aliás, tem invocado frequentemente como argumento contrário a algumas das propostas de alteração que têm sido feitas ao longo de todo o texto constitucional a circunstância de que, quando se pretende estabelecer uma inovação, não se dever avançar demasiado sem que haja alguma experiência quanto à aplicação de uma nova disposição ou de um novo regime legal.
E a questão fundamental aqui é que se vai estabelecer, pela primeira vez, a necessidade de haver na lei um quadro financeiro que regule os fluxos entre as regiões e o Estado. Nesse sentido, isso significa, necessariamente, que se vai iniciar uma nova fase do relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas e, portanto, não vejo que faça sentido que algo que ainda não está experimentado e que ainda não se sabe se resulta ou se funciona nos termos em que se pretende que venha a funcionar, nomeadamente conferindo maior transparência às relações entre o Estado e as regiões autónomas, fique, desde logo, fechado a sete chaves.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Se isso acontecer, as assembleias legislativas regionais tomarão a iniciativa de…

Risos.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, face à troca de opiniões que já aqui tiveram lugar, gostava de centrar um bocado a posição do PSD, na defesa do seu projecto, nas seguintes considerações: penso que é evidente para todos nós que uma matéria tão importante como é o regime financeiro, onde se inclui o problema das receitas próprias, é necessariamente uma condição essencial ao próprio perfil das autonomias e à existência das regiões autónomas.
Penso que é evidente para todos, em abstracto, e que todos concordaremos que a matéria das receitas próprias é uma matéria essencial à própria existência e funcionamento das autonomias e, nesse sentido, pela natureza das coisas, é uma matéria eminentemente estatutária. Eu diria que quase que nem valeria a pena, então, falar-se em autonomias e em regiões autónomas se a matéria que diz respeito às suas receitas próprias não pudesse, por algumas outras considerações de conjuntura ou de oportunidade, ser considerada matéria estatutária.
Portanto, no plano dos princípios, penso que a proposta do PSD, obviamente, faz todo o sentido, diria mesmo que é a única que faz sentido verdadeiro.
Contra-argumentar-se com problemas de conjuntura, com a necessidade, de hoje a amanhã, de um qualquer cataclismo de natureza financeira ou de uma qualquer reforma profunda no sistema financeiro nacional que obrigue a uma revisão do relacionamento financeiro entre o Estado e as regiões autónomas… É evidente que são situações que terão de ser resolvidas na sua própria sede, como muitas outras. Sempre que ocorram reformulações profundas, reformas profundas disto ou daquilo, há que fazer ajustamentos de uma série de mecanismos.
Agora, o que é evidente para todos, penso eu, que a matéria das relações financeiras, das receitas financeiras próprias, que são um pilar fundamental ao desenvolvimento e ao bom funcionamento da autonomia, é uma matéria que não foi resolvida de início e que tem de ser resolvida e é claramente uma matéria eminentemente estatutária. Não tenhamos quaisquer dúvidas!
Não me convence o argumento dos 9 e dos 10, porque, no fundo, o que está aqui em causa na argumentação que ouvi ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro é o argumento dos 9 e dos 10, é o argumento de o Estado, por ter mais ou menos dinheiro, vir-se obrigado, eventualmente, de hoje a amanhã, a tirar ou dar mais um bocadinho do dinheiro e não ter iniciativa para fazer isso. O argumento dos 9 e dos 10, do meu ponto de vista, deve ver-se perante a lógica dos princípios, e aqui estamos, de facto, perante um princípio essencial ao funcionamento da autonomia.
Se aquilo que se vai consagrar estatutariamente, na sequência da aprovação de uma norma destas na Constituição, é muito ousado, é um ponto de chegada - para utilizar um pouco a lógica que foi despendida pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro - ou é um ponto de partida para ser desenvolvido nos próximos tempos, isso decorrerá, necessariamente, daquela que for a apreciação da legislação sobre as relações financeiras, que vai ter de ser, na sequência desta revisão constitucional, trabalhada e negociada em termos definitivos pelas assembleias legislativas regionais e pela Assembleia da República para a sua aprovação e consagração final.
Nesta conformidade, diria que a chamada de atenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é uma chamada de atenção que é normal em todos os processos legislativos e isso, obviamente, terá de ser devidamente acautelado na aprovação dos estatutos. Porventura terão de ser colocados mecanismos de proporcionalidade, terão de ser consagradas situações de excepção e ocorrências de situações de excepção que obriguem a determinado tipo de procedimentos, agora, nada disso retira a essencialidade do problema, que é saber se esta matéria é ou não matéria com dignidade estatutária, e, do ponto de vista do PSD, é claramente.
Portanto, a posição que o PSD toma sobre esta matéria, face à discussão aqui mantida, é a de que desejamos claramente que haja uma reponderação por parte do Partido Socialista, do Partido Comunista e do Partido Popular, embora o Partido Popular ainda não se tenha pronunciado sobre a questão…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o Partido Popular tem uma proposta expressa - lei orgânica!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Então, foi lapso meu. Peço desculpa.
Portanto, como estava a dizer, desejamos que haja uma reponderação de todos os Srs. Deputados, no sentido de, deixando de parte análises de conjuntura financeira ou de problemas eminentemente contabilísticos, olharem para os princípios e considerarem claramente que estamos a falar de matéria que é um dos pilares fundamentais da lógica da construção das autonomias e que, nesse sentido, é matéria eminentemente estatutária.
Se há que haver cautelas, que as haja na formulação inicial que se vai dar a este tipo de legislação, para que ela possa, depois, ser objecto de um prudente e gradual aprofundamento ao longo do tempo, respeitando, obviamente, sempre que esta é uma matéria fundamental às autonomias e que, a partir do momento em que seja consagrada, não há, por natureza, retornos nesta matéria.
O Sr. Presidente falou no problema da irreversibilidade. Se quer colocar a questão nesses termos, é evidente para o PSD que a matéria das autonomias é uma matéria irreversível em termos constitucionais e em termos nacionais. Não haverá recuo, a menos que haja uma revolução neste país. Do ponto de vista do PSD…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, até há um limite material de revisão! A que propósito estamos a discutir isso?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Com certeza! Mas quem falou na irreversibilidade foi o Sr. Presidente, não fui eu!

O Sr. Presidente: Claro! No contexto particular em que estamos a pôr as questões!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): E é nesse contexto exactamente que o PSD…

O Sr. Presidente: Exactamente no contexto que o Sr. Deputado Mota Amaral ontem tinha posto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): E é exactamente nesse contexto, Sr. Presidente, que o PSD também deseja manifestar aqui a sua posição.
Termino dizendo apenas o seguinte: em qualquer circunstância, é evidente que tanto a proposta do Partido Socialista, como a proposta do Partido Popular - para a

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qual o Sr. Presidente me chamou a atenção e com toda a razão -, como a proposta do próprio Partido Comunista, que se limita a remeter para a lei,…

O Sr. Presidente: Não é verdade! Também propõe uma lei orgânica!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … são obviamente avanços ou, pelo menos, a consagração necessária de uma matéria, em relação à qual todos nós, pelos vistos, reconhecemos haver uma necessidade de aprofundamento do regime das autonomias que decorre do texto constitucional em vigor. Portanto, estamos todos de acordo em que é necessário dar este passo.
Era bom que não tivéssemos complexos e que reconhecêssemos que isto é matéria de natureza estatutária, para que o passo pudesse ser dado na sua sede própria e adequada, que é o estatuto, ainda que pudesse sê-lo de forma gradual, de forma prudente, como diz o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Com certeza, tudo isso terá de estar sobre a mesa; agora que é matéria de natureza estatutária, o PSD não tem grandes dúvidas sobre isso e espera que possa haver uma reponderação da parte dos Srs. Deputados, no sentido de consagrá-lo em termos estatutários.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, não vou alongar-me muito, até porque o PS, pela voz do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, apresentou a proposta que pensamos constituir um avanço suficiente. A existência de uma lei de valor reforçado, a exigência de maioria qualificada e a circunstância de estarmos a falar de uma lei orgânica é já, em nosso entender, um avanço suficiente.
Agora, folgo bastante que o PSD esteja, hoje, com uma visão diferente da de um famoso professor de Finanças, que, para acabar com a regionalização administrativa, falava, quando era Primeiro-Ministro, dos péssimos exemplos de despesísmo das regiões autónomas. Folgo bastante que o PSD esteja a entrar nessa via.
E, pelo que me parece, quem tem complexos - é exactamente ao contrário - é o PSD nacional pela sua voz.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Preconceito?!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Óbvio! Sabe que o antipreconceito, às vezes, é o pior que existe. Mas preconceito é preconceito.
Estamos a falar de uma República e, de facto, isto não tem de ser, nem deve ser, assim. Aliás, isto até já foi dito pelo Sr. Deputado Luís Sá. Em matéria de reforma fiscal, por exemplo, se não houvesse capacidade de iniciativa da República e se tal estivesse absolutamente consagrado em sede estatutária, obviamente que poderia haver problemas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * E se tivesse um mau funcionamento, Sr. Deputado? Com toda a franqueza...!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Ó Sr. Deputado, nesta matéria, não vale a pena apelar, porque pensamos que a proposta já apresentada pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira - aliás, muito semelhante às propostas do PCP e do PP - é avanço suficiente, no sentido de garantir que existam verdadeiras leis de finanças regionais também nas regiões autónomas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É uma visão centralista!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, as observações complementares, muito breves, que quero fazer são as seguintes: creio que é, de algum modo, surpreendente ouvir o PSD dizer que estamos perante uma matéria constitutiva e determinante das autonomias, quando o facto é que o PSD teve muito tempo para elaborar uma lei das finanças regionais, que, aliás, poderia garantir, por um lado, o adequado financiamento e, por outro, o combate ao despesísmo, de que falou o Prof. Cavaco Silva e que foi agora referido.
A segunda questão que quero igualmente sublinhar tem a ver com o problema de ser matéria estatutária por natureza.
Quando falamos de matéria estatutária, estamos a falar de atribuições, de competências, de estrutura orgânica, de questões organizativas e de direitos das regiões autónomas, em matérias que têm a ver, no fundamental, com, por um lado, as regiões autónomas e, por outro, o seu relacionamento com órgãos de soberania.
Ora, aqui, estamos a falar em algo que vai para além disso. Para além do problema, por exemplo, da reforma fiscal, da alteração ou revisão do regime de impostos, etc., e do reflexo que pode ter em lei de finanças regionais, há um outro aspecto: é que estamos a falar do financiamento do Estado às regiões. E, em última instância, estaríamos a condicionar não apenas poderes de soberania de ordem fiscal, que o Estado não pode deixar de ter, mas também a gestão das finanças públicas, isto é, do Estado, dos próprios dinheiros que são do Estado, na perspectiva de transferir para as regiões autónomas, tendo em conta princípios estabelecidos na Constituição e tendo em conta a política financeira do Estado.
Assim, ao desafio feito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes à reponderação por parte dos outros partidos, respondia com um desafio à reponderação por parte do PSD, porque creio que seria já um acrescento significativo assegurar aquilo que já devia estar garantido, em termos doutrinários e jurisprudênciais, mas que não está, que é um estatuto de lei orgânica ou de lei de valor reforçado.
Creio que este é um avanço bastante importante que protege as regiões autónomas em relação às flutuações de políticas financeiras que pudessem vir a prejudicá-las no Orçamento do Estado de cada ano, para além de outras qualificações, e que já seria um passo bastante importante para a autonomia, um passo realista e um passo adequado. E creio que o PSD, se não aceitar estas propostas, assume a responsabilidade de não ser dado este passo, que seria bastante importante.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * O PSD aceita!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que não vale a pena…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: * Ó Sr. Deputado Marques Guedes, por favor…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, fui citado duas vezes! Não tenho culpa, eu não citei ninguém!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe que seja breve, por favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, associo-me à sua preocupação, até para lamentar aqui algo: o Sr. Presidente sabe bem que tem conduzido os trabalhos de maneira a, na esmagadora maioria das situações, evitar este tipo de guerrilhas e de questiúnculas, mas, aparentemente, pelas vozes dos Srs. Deputados Osvaldo Castro e Luís Sá, pretendeu-se…

O Sr. Presidente: * Hoje, foi o Sr. Deputado Guilherme Silva quem iniciou os trabalhos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, não é isso. O Sr. Presidente não me ouviu até ao fim.
Pretendeu-se voltar a trazer à colação dos textos constitucionais, que estão sobre a mesa, a guerra político-partidária, ainda por cima relativamente ao passado.
Sei que o Prof. Cavaco Silva continua a ensombrar os sonhos dos Srs. Deputados, ou de alguns dos Srs. Deputados,…

O Sr. João Amaral (PCP): * Ensombra os vossos sonhos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * … mas é lamentável e dispensável que, sistematicamente, a propósito da discussão de textos que estão a ser analisados em sede de revisão constitucional, venham trazer à colação essas…

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, peço o vosso silêncio.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vá directo ao assunto, por favor, e seja breve.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, estou a ir directo ao assunto, porque o assunto foi directamente este. E não fui eu que o trouxe à colação, mas os Srs. Deputados!
Terminava, dizendo o seguinte: é evidente que não podem passar em claro e, portanto, recuso liminarmente as afirmações feitas, que só podem decorrer exactamente dos tais sonhos que deturparam minimamente a realidade. Na verdade, a posição do PSD, ao longo dos tempos em que foi poder, nunca teve esse tom que se pretendeu dar-lhe, relativamente às autonomias; pelo contrário, as críticas que o PSD pôde ir fazendo, aqui e acolá, tinham a ver com problemas de realidade e de eficiência de gestão, aqui ou ali e em determinadas circunstâncias, com o problema dos défices, mas nunca com a questão de fundo, a que o PSD ponderou e aqui propõe, que é a vantagem óbvia - até precisamente para evitar que, de hoje à amanhã,…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, já lhe pedi três vezes que economize…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * … haja deslizes nos défices - de haver uma consagração legal de regras do jogo.
Essa vantagem é inequívoca e parece que quem está com medo de consagrá-la em definitivo não é o PSD.

O Sr. Presidente: * Todos a propõem, Sr. Deputado. Todos propõem que haja regras do jogo.
Não sendo viável a proposta do PSD, penso que, a título de second best, o PSD considera as do PS, do PCP e do CDS-PP. Portanto, penso que podemos dar por adquirida, independentemente da formulação, a ideia de que vai haver uma lei de finanças regionais, a título reforçado.
Srs. Deputados, passamos, agora, ao artigo 232.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * O Sr. Deputado Medeiros Ferreira fala em leis de finanças regionais.

O Sr. Presidente: * Deixemos essa questão para o apuramento final - se há uma lei, se são leis…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * É uma questão de redacção, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o artigo 232.º - Representação da soberania da República - tem a ver com o Ministro da República.
O CDS-PP não altera o artigo, mas propõe, no artigo 290.º-A, n.º 2, um referendo sobre o cargo de Ministro da República.
O Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros propõem a eliminação do cargo de Ministro da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Muito bem!

O Sr. Presidente: * O PS propõe uma alteração da configuração do cargo de Ministro da República, em termos que iremos analisar.
O PCP propõe uma pequena alteração quanto à nomeação do Ministro da República.
O PSD propõe a substituição dos Ministros da República por um Ministro…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * A proposta mais simples e mais certeira é a do Deputado Pedro Passos Coelho!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, começo a pensar: quão bem estávamos antes do Sr. Deputado Guilherme Silva chegar!

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, eu sei que, em matéria de autonomia, sou incómodo para a República.

Risos.

O Sr. Presidente: * Mas não seja incómodo para a reunião.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * V. Ex.ª, Sr. Deputado Guilherme Silva, votou favoravelmente o Orçamento do ano passado.

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O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Osvaldo Castro, peço-lhe que poupe os apartes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Está a ver como VV. Ex.as não me devem isso!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Desculpe-me, Sr. Presidente. Estava só a responder a um aparte do Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Presidente: * Como dizia, o PSD propõe a substituição dos Ministros da República por um Ministro para as Regiões Autónomas.
O Sr. Deputado Guilherme Silva e outros propõem que os Ministros da República sejam substituídos, em cada uma das Regiões Autónomas, por um delegado do Governo da República.
Finalmente, o Sr. Deputado António Trindade e outros apresentam uma proposta que é coincidente, suponho que em tudo, com a proposta do PS.
Vou dar a palavra, por esta ordem e tendo em conta os presentes, aos respectivos proponentes, para apresentarem a sua proposta. Assim, vamos começar pela proposta do PS, que consiste essencialmente no seguinte: o Ministro da República deixa de ser qualificado como representante especial da soberania da República nas regiões autónomas; é eliminada a função de coordenação dos serviços centrais do Estado, no respeitante aos interesses da região, e é marcado um termo do mandato para o Ministro da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * O Sr. Presidente está a propor…

O Sr. Presidente: * Estou a propor que apresente todas as alterações do PS para o artigo 232.º.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, do que se trata, no essencial, nesta proposta do Partido Socialista, é fazer uma reconfiguração deste órgão constitucional autónomo que é o Ministro da República.
Não sei se se poderá entender, tão rapidamente como o Sr. Presidente referiu, que o Ministro da República deixa de ser um representante especial da soberania. Quer dizer, nós não alteramos a epígrafe…

O Sr. Presidente: * Só não digo isso, porque o PS não propõe a alteração da epígrafe.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Exactamente! V. Ex.ª dirá isso na altura própria e nós, na altura, avaliaremos. Mas, neste momento, o que me incumbe referir é que não alteramos a epígrafe, o que quer dizer que a circunstância de termos simplificado, na norma do n.º 1, a ideia de representação especial não significa, na sua essência, que se altere isso.
Quanto ao resto, o que o Partido Socialista propõe, no essencial, não é substancialmente diferente do que já se encontrava no preceito actual, à excepção de se fixar um mandato, que acompanhará, de algum modo, o mandato do Presidente da República.
No essencial, esta é a ideia. Isto, enfim, com o sentido de dar a um novo Presidente da República a possibilidade e a liberdade de proceder a uma nova nomeação. No fundo, é este o sentido: o de haver uma certa limitação de mandato.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, sobre a proposta do PCP,…

O Sr. Presidente: * É só para esse efeito, para apresentar a proposta do PCP, que lhe dou a palavra, neste momento, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, se me fosse permitido, gostaria, antes de apresentar a proposta do PCP, de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado, mas peço-lhe que não aproveite para fazer uma intervenção.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Não, não! De forma alguma, Sr. Presidente!
A pergunta é muito concreta e é esta: qual é o alcance prático, Sr. Deputado Osvaldo Castro, de substituir a competência para a coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado pela competência de superintender na actividade dos serviços e funções administrativas do Estado?

O Sr. Presidente: * Não é substituição, é amputação, porque essa superintendência já consta, hoje, do n.º 3. Portanto, não se trata de uma substituição.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sim, Sr. Presidente, mas, mesmo aí, resta esta pergunta: qual é a vantagem de eliminar a coordenação? É que, normalmente, o que é apontado, designadamente, na doutrina, em relação a Ministros da República residentes, particularmente em regiões insulares, é exactamente coordenar a actividade dos serviços centrais, garantindo uma integração da respectiva actividade.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, então, quer só saber por que é que o PS amputou essa parte.
Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Sr. Presidente, nós temos a ideia, embora percebamos o que o Sr. Deputado Luís Sá tem em vista, de que a superintendência na actividade dos serviços envolve, de algum modo, tarefas de coordenação. Portanto, foi uma mera simplificação da norma.
Quanto ao conteúdo, poderá não haver esse entendimento.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Superintendência tem um sentido preciso, em direito público, como sabe.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Pois tem!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra, agora, para apresentar a proposta do PCP.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quando elaborámos a nossa proposta, fomos sensíveis à preocupação política bastante generalizada, de obter o máximo de consensualidade em torno da figura do Ministro da República e o máximo de articulação entre o Ministro da República e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Ponderámos, entretanto, várias observações nesta matéria. Por exemplo, o risco, que é evidente, de a figura do Ministro da República ser alvo imediato de uma polémica, em torno não apenas do próprio cargo e da própria instituição mas também da própria figura proposta, que seria vítima da polémica gerada em torno do cargo e da instituição.
Nesse sentido, queríamos comunicar que, após a ponderação que fizemos, retiramos esta proposta.

O Sr. Presidente: * Realmente, não era das mais avisadas das propostas do PCP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Retira a proposta de alteração do n.º 1?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sim, retiramos a proposta de alteração do n.º 1.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, devia tê-lo solicitado após a intervenção do Sr. Deputado Osvaldo Castro. Agora, fá-la-á, na altura própria, a título de intervenção, Sr. Deputado Guilherme Silva.
Têm a palavra os Srs. Deputados do PSD, para apresentar a sua proposta.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, sobre a proposta do PSD, estamos aqui numa situação embaraçosa.

O Sr. Presidente: * É que há duas! A oficial e a do Sr. Deputado Guilherme Silva…

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Há a oficial, presente na Assembleia da República, que consta do projecto de revisão constitucional n.º 5/VII. Mas, posteriormente à apresentação deste projecto de revisão constitucional e, em repetidas ocasiões, o Partido Social Democrata tem afirmado que a sua posição é a que constava do projecto de revisão constitucional do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e, portanto, esse projecto tem de ser aqui avocado para também ser objecto de discussão e apresentação.

O Sr. Presidente: * Então, não é avocado. Sr. Deputado, o PSD retira a sua proposta e substitui-a pela do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho?

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Esse ponto é complicado, Sr. Presidente…

Risos.

… mas, se a política tem alguma lógica, devia ser essa a situação.

O Sr. Presidente: * Há três propostas da área do PSD sobre esta matéria?

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Há três propostas.

O Sr. Presidente: * Qual é a oficial, então, Sr. Deputado? É que dei a palavra aos proponentes da proposta oficial do PSD, ou seja, do projecto de revisão constitucional n.º 5/VII.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * A acreditar nas declarações do Sr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, é a extinção do Ministro da República e, portanto, a proposta que o PSD deve subscrever é a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

Risos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta do PSD também - e, no fundo, o Sr. Presidente sabe-o bem, pois, na sua apresentação inicial sucinta, deu nota disso - propõe a extinção da figura dos Ministros da República.
É evidente que a proposta do PSD é uma alteração qualitativa da situação actual e, nesse sentido, o PSD propõe a remoção dos Ministros da República, tal qual existem e tal qual a sua figura está densificada no texto constitucional.
A proposta do PSD vai no sentido de uma evolução que aponta para deixar de haver a figura híbrida, a figura de meio-caminho, de não-membros do Governo.
O Sr. Presidente referiu, e bem, na sua apresentação inicial, que o PSD propõe a criação de um Ministro do Governo para as Regiões Autónomas. Isso é, desde logo, um dos traços qualitativamente diferenciados da situação dos actuais Ministros da República - aliás, o Sr. Presidente não o disse por acaso e tem toda a razão.
De facto, a proposta do PSD vai no sentido de acabar com esta figura de meio-caminho entre o órgão de soberania Governo e o órgão de soberania Presidente da República, com uma dependência articulada que consta do actual texto constitucional, e de consagrar a figura de um membro do Governo com a categoria de Ministro para as Regiões Autónomas, que é nomeado e exonerado pelo Presidente da República sob proposta do Primeiro-Ministro - no fundo, como o são os outros Ministros -, e com o acrescento da audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Relembro também ao Sr. Presidente o que ficou pendente relativamente às competências do Conselho de Estado: hoje, por força do actual texto constitucional, há uma alínea expressa (alínea c) do artigo 148.º), nas competências do Conselho de Estado, que prevê a sua audição aquando da nomeação por parte do Sr. Presidente da República dos Ministros da República.
Ora, o PSD, nesta conformidade, propõe - e, por isso, propôs também lá atrás - a remoção dessa alínea expressa, no sentido de que, passando o Ministro das Regiões Autónomas a ser um membro do Governo, a sua nomeação,

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por parte do Sr. Presidente da República, depende de proposta do Primeiro-Ministro, não fazendo grande sentido haver a necessidade da consulta do Conselho de Estado para este membro do Governo.
No fundo, a proposta do PSD é uma evolução relativamente à situação actual que, historicamente - enfim, não vale a pena estarmos aqui a perder tempo -, tem tido as vicissitudes que são conhecidas.
Assim, o PSD entende que há condições para se evoluir na consagração de uma figura que é, de resto, similar àquela que existe noutros Estados de direito democrático, com regiões dotadas de alguma autonomia, e onde também existem situações como esta, ou seja, membros do Governo vocacionados especificamente para essas autonomias e para o relacionamento com essas autonomias, embora - e chamava a atenção do Sr. Presidente para esse aspecto, que, no entanto, não é propriamente discutido em sede do artigo 232.º - o PSD mantenha uma especificidade, pois o Ministro para as Regiões Autónomas não é um membro do Governo igual aos outros, no sentido da sua panóplia de competências correntes.

O Sr. Presidente: * É um membro do Governo de "via reduzida", em part-time!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é isso, Sr. Presidente. Mantemos, como o Sr. Presidente sabe - mais à frente, não é neste artigo que o vamos discutir -, o poder de veto relativamente aos actos de promulgação de diplomas legislativos dos órgãos de governo próprio e mantemos a competência de indigitação do presidente do governo regional na decorrência dos actos eleitorais.
Portanto, há um conjunto de competências, que, actualmente, estão cometidas à figura do Ministro da República, tal qual ela existe na Constituição, e que continuarão a ser competências do Ministro para as Regiões Autónomas na proposta formulada pelo PSD.
Para já, não entraria muito nisso, porque essa discussão terá de ser feita mais à frente, mas era só para chamar a atenção que também não se trata da recondução, pura e simples, da problemática das regiões autónomas a um tratamento departamental dentro do Governo.
Trata-se da manutenção, em qualquer circunstância, de uma figura com competências específicas, constitucionalmente previstas e consagradas, como veremos mais à frente, embora haja, de facto, uma alteração qualitativa, que é a da recondução da figura do Ministro para as Regiões Autónomas a membro do Governo, acabando com a situação de meio-caminho de representação da soberania, com poderes de representatividade também, que actualmente tem a figura constitucional do Ministro da República.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, para apresentar a sua proposta para o artigo 232.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, mais uma vez, em sede de revisão constitucional, propomos a eliminação do cargo de Ministro da República.
Nota-se, em algumas propostas, algum sentido da inutilidade deste cargo, de tal forma que o Partido Socialista o esvazia de funções. Tem, como se sabe, nos termos do artigo 232.º, a função de superintender nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região, coordenando-as com as exercidas pela própria região.
Ora, o facto de o Partido Socialista retirar esta competência é, efectivamente, o reconhecimento da inutilidade deste cargo, que, rigorosamente, se resume a essa função, ainda por cima - e aí tenho de saudar a iniciativa do Partido Socialista - retirando-lhe também a representação da soberania, que, efectivamente, era de todo inadequada.
Isto significa que o Partido Socialista sabe bem que, ao fim e ao cabo,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Não quis ouvir as minhas palavras...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * … os Ministros do Governo da República que tutelam serviços periféricos das regiões autónomas sentem-se mais à vontade a tratar directamente das questões, designadamente, com os órgãos de governo próprio, do que por interposta pessoa, neste caso os Ministros da República. É essa a razão por que o Partido Socialista retira aqui estas competências aos Ministros da República.
Não quisemos, obviamente, criar um vazio nessa área. Reconhecemos que, pela sua natureza, há efectivamente serviços, como é, por exemplo, o caso da justiça, cuja integração numa ordem nacional se deve sobrepor, como é a ordem judicial, à orgânica regional, devendo manter-se esta situação de serviços periféricos. Consequentemente, propomos a nomeação de um delegado da República, um delegado do Governo, que seria nomeado pelo Primeiro-Ministro, findando o seu mandato, ao fim e ao cabo, com o próprio Governo, pelo que, em princípio, o seu mandato seria também de quatro anos, e que teria essa função de coordenação, hoje conferida, pelo n.º 3 do artigo 232.º, ao Ministro da República.
Vem de longe esta pretensão da extinção do cargo de Ministro da República. Lembro-me que o Prof. Barbosa de Melo e o actual Presidente do Tribunal Constitucional, em estudo que publicaram, salvo erro, a propósito da revisão constitucional de 1982, reconhecem que a figura do Ministro da República não tem sentido na estrutura democrática do Estado, nem na orgânica autonómica das regiões. É, portanto, uma figura um pouco pára-quedista, que não encontra, na estrutura democrática do Estado, repito, e na estrutura da autonomia, razão de ser, nem legitimidade e, consequentemente, apontavam, desde logo, para a necessidade de se vir a extinguir esse cargo, só não assumindo, então, a proposta de extinção, conforme disseram no comentário que elaboraram, porquanto, na altura, ainda estávamos numa situação de alguma transição de regionalização de serviços.
O processo autonómico estava em instalação, digamos assim, não consolidado como hoje está e, consequentemente, as razões que aqueles mestres de direito insuspeitos adiantavam estão, hoje, obviamente, ultrapassadas e tem toda a pertinência a crítica que, então, faziam e que nós retomamos, ao fim e ao cabo, ao apresentar esta proposta.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, em relação às propostas formuladas, importa ainda apreciar a dos Deputados do PS António Trindade e outros, que é coincidente com a do PS, salvo na parte em que altera o nome, deixando de ser Ministro da República para as Regiões Autónomas para ser apenas Ministro das Regiões Autónomas.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Ainda há uma proposta do PS/Madeira, Sr. Presidente. Talvez o Sr. Deputado Arlindo queira…

O Sr. Presidente: * Já foi apresentada, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Esta?! Já foi apresentada?!

O Sr. Presidente: - Acabo de a apresentar, Sr. Deputado. Se o proponente se quiser pronunciar sobre ela… Ela é coincidente com a do PS, salvo a questão do nome, pelo que…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Então, V. Ex.ª permite-me que faça uma observação a propósito desta proposta?

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, está aberta à discussão.
Está já inscrito o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, inscreveu-se o Sr. Deputado Guilherme Silva, inscrevo-me eu, o Sr. Deputado Luís Sá e o Sr. Deputado Mota Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero falar e quero falar na qualidade de subscritor do projecto de revisão constitucional n.º 8/VII, significando, com isso, que quero falar em nome pessoal, para dizer que, não tendo embora apresentado nenhuma proposta sobre a matéria, pelas mesmas razões, aliás, que já expliquei noutro momento deste debate, não concordo com nenhuma das propostas sobre a mesa e julgo que há aqui um equívoco que, a haver vantagem em introduzir alterações, se deveria esclarecer. E o equívoco resulta do entendimento que tenho de que a Constituição confundiu a representação da soberania com a representação do Governo e, nesse sentido, criou uma figura, de facto, equívoca, porque, simultaneamente, lhe atribuiu funções de representação da soberania…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Como diria o Deputado José Magalhães, híbrida.

Risos.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Híbrida! Exactamente!
Como estava a dizer, simultaneamente atribuiu-lhe funções de representação da soberania, designadamente no que se refere ao controlo da legalidade e da constitucionalidade dos actos dos órgãos de governo próprio das regiões, e pretendeu atribuir-lhe funções de representação do Governo, um pouco à imagem e semelhança do governador civil mas indo, porventura, mais longe do que a própria figura do governador civil isto porque nem os governadores civis têm, nos termos do seu estatuto, competência para a coordenação dos serviços da administração central do Estado no respectivo território. Há um desejo expresso na lei, segundo o qual eles devem promover essa cooperação, mas não têm, eles próprios, competência para proceder a essa coordenação. É isso que, de facto, julgo que, porventura, está a mais no texto constitucional.
Pela minha parte, como posição de princípio, não sou favorável à extinção do cargo de Ministro da República, não sou favorável à alteração da sua função de representação da soberania, porque entendo que é inadmissível colocar os órgãos de governo próprio das regiões autónomas a reportarem-se directamente ao Presidente da República, elevando-os à qualidade de órgãos de soberania que não têm e que não podem ter, no quadro actual da Constituição, em que a autonomia se desenvolve por transferência ou por delegação de poderes de soberania e não por direito próprio, como seria normal num quadro de tipo federal ou próximo disso, mas entendo que não se pode confundir essa função de representação da soberania com a função de representante do Governo, designadamente com a competência para coordenar os serviços da administração central no território e muito menos com a competência para proceder à coordenação entre esses serviços e os serviços regionais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso não deve existir!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Aí, entendo que o poder é, manifestamente, excessivo e, porventura, fere o próprio âmbito da autonomia, tal como ela está configurada na Constituição.
Na minha perspectiva, o Ministro da República nem deve sequer ter funções de coordenação, até porque hoje, parece-me que essas funções de coordenação fazem pouco sentido. O governador civil tem os dias contados, quer haja ou não regionalização, designadamente porque, hoje, a realidade das comunicações transformou as distâncias que anteriormente existiam e deixou de fazer sentido uma espécie de representante local do Governo, dado que o Governo, obviamente, exerce a sua actividade em todo o território nacional e, nesse sentido, relativamente aos serviços da administração central no território, entendo que devem estar na dependência directa do respectivo ministro, que tanto exerce a sua actividade nas regiões autónomas, como em Trás-os-Montes, como no Algarve.
Ora, não faz qualquer sentido que haja uma espécie de governador civil qualificado nas regiões autónomas quando, na minha opinião, porventura, já nem sequer faz sentido que exista um governador civil nas actuais circunscrições distritais.
Portanto, sou favorável à manutenção da figura do Ministro da República, entendo que deve manter a sua função de representação da soberania mas isso não deve ser confundido com a sua qualidade de representante do Governo. Ele não deve, designadamente, ter assento no Governo, parece-me que isso não tem qualquer sentido e, aliás, cria a situação caricata que actualmente existe, tendo em conta que, à semelhança do cargo de Procurador-Geral da República, este é um daqueles cargos sem limitação temporal e relativamente ao qual se torna muito difícil, politicamente,…

O Sr. Presidente: * Mas o PS propõe a alteração disso.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Eu sei que propõe!
Mas, como estava a dizer, este é um daqueles cargos relativamente aos quais se torna muito difícil a exoneração, o que faz com que os actuais Ministros da República exerçam o cargo sem limite temporal e sem prazo e, porventura,

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sem a confiança do Presidente da República e do Governo, a quem compete, respectivamente, nomear e propor a nomeação.
Ora, isto cria a situação bizarra de estarem os Ministros da República presentes no Conselho de Ministros, porventura sem a confiança do Governo - e não estou a dizer que têm ou não têm, estou a falar em termos abstractos -, com um direito de assento que, aliás, está mal definido porque não se sabe exactamente o que é que significa "em matérias respeitantes às regiões autónomas", tendo em conta a ambiguidade das próprias funções do Ministro da República.
Esta é, aliás, uma das razões pelas quais entendo que fazem ainda muito menos sentido as propostas do PSD e quaisquer outras que pretendam transformar o Ministro da República num puro e simples delegado do Governo nas regiões autónomas. No caso da proposta do PSD, atrever-me-ia até a dizer, na sequência do piropo que me foi dirigido pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que aqui, sim, temos o "ministro das Colónias", o membro do Governo que tem por função ou por atribuição fazer uma espécie de fiscalização das regiões autónomas. Parece-me que não faz qualquer sentido, é inadmissível esta proposta e é uma regressão em relação ao actual estatuto, pelo menos naquilo que é a perspectiva de autonomia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Mas olhe que a figura, com o recorte que lhe está a dar, também não perde esse tom colonial.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De facto, entendo que é preciso ter a consciência de que, embora pudesse ser desejável, na perspectiva de outros, um estatuto constitucional diferente, as autonomias regionais não são estados federais, são um resultado da descentralização política do Estado, reconhecido e garantido no texto constitucional, e não podem, apesar de tudo, invocar direitos próprios que nem sempre têm, porque são direitos resultantes da soberania, e querer colocar-se no mesmo plano dos órgãos de soberania.
Portanto, parece-me, de facto, inadmissível a proposta de pura e simples extinção do cargo de Ministro da República, sobretudo na lógica de que isso implicaria ou teria como consequência que os órgãos de governo próprio das regiões se reportariam ao Presidente da República, designadamente no que diz respeito ao controlo da legalidade e da constitucionalidade dos seus actos, no mesmo plano em que se reporta o Governo ou a Assembleia da República. Essa não é uma solução compatível com o actual estatuto das regiões autónomas e, nesse sentido, entendo que faz sentido manter a figura do Ministro da República com funções de representação da soberania. Agora, o que não se pode é cair no equívoco de transformar a representação da soberania na representação do Governo e atribuir também ao Ministro da República uma espécie de qualidade de super-governador civil que ele não deve ter. E não a deve ter porque não há necessidade de proceder à coordenação dos serviços. Por outro lado, também não há necessidade de que ele tenha assento no Governo. Ele reportar-se-á, institucionalmente, com o Governo da mesma forma que se reporta, institucionalmente, com o Presidente da República e não tem de ter, por direito próprio, um assento nas reuniões do Conselho de Ministros, nem faz o menor sentido que seja qualificado como Ministro propriamente dito, enquanto qualidade de membro do Governo. O nomen juris é mais ou menos irrelevante, o que interessa é a substância da sua função mas, também por isso, penso que a expressão "Ministro" não é uma expressão feliz e poderia, porventura, encontrar-se uma outra.
O que é facto é que entendo que, a haver alguma evolução, a evolução deve ser neste sentido: distinguir claramente a representação da soberania da representação do Governo, porque esta última não faz sentido. Quanto à primeira, entendo que tem toda a razão de ser e que a figura se deve manter com esta qualificação ou com outra.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro juntou todo um conjunto de argumentos reforçantes da extinção do cargo de Ministro da República. E isto é interessante porque temos o PS a retirar os poderes de representação da soberania ao Ministro da República e a transformá-lo, portanto, num delegado do Governo ou mesmo numa figura que não se percebe bem, porque também deixa de ter a coordenação dos serviços, ficando esvaziada de conteúdo em qualquer das vertentes, e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que junta todo um conjunto de argumentos, designadamente quando diz que os governadores civis têm os dias contados, porque as comunicações, hoje, têm esta faceta de meios de aproximação.
Mas isso também se coloca em relação às regiões autónomas. Nós não precisamos de um representante especial da soberania, porque, para nós, o representante da soberania é o Presidente da República, tal como deve ser também para o Sr. Deputado, e não gostaríamos de ter interpostas pessoas nessa relação de cidadania, nessa relação de afirmação portuguesa e de portugueses de corpo inteiro que somos.
Portanto, manter a figura com esse recorte, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, desculpe que lhe diga, não é reforçante da unidade nacional e, nesse sentido, razão tem o Partido Socialista, pelo menos quando lhe retira a representação da soberania, embora a sua proposta seja curta.
E quero dizer-lhe que deveria ser interessante para a unidade nacional acabar-se com os governadores civis e manter-se os Ministros da República nas regiões autónomas. Essa solução, do ponto de vista da unidade nacional, deveria ser uma construção constitucional extremamente interessante.
Relativamente à proposta do PS/Madeira, que o Sr. Presidente apresentou, e no silêncio dos Srs. Deputados do PS/Madeira, quero aqui registar esta circunstância: o PS/Madeira voltou atrás em matéria de autonomia regional, porque, ao menos, na anterior revisão constitucional que não prosseguiu, a proposta do, então, Deputado Luís Amado tinha um sentido um pouco evolutivo nesta matéria, que é o da proposta do PSD nacional, ou seja, a criação de um Ministro não residente e comum para as duas regiões autónomas.
É estranho, mas também elucidativo do sentido com que o PS/Madeira sente a autonomia regional e a sua relação com esta questão do Ministro da República, que se tenha voltado atrás e que se tenha agora proposto, de novo, a manutenção dos dois Ministros da República, um em cada uma das regiões autónomas. Estamos esclarecidos!

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Não houve aqui uma explicitação da razão de ser desta mudança, mas queria salientá-la e lamentá-la, porquanto gostaria mais que, nesta matéria, em termos de representação regional e independentemente da cooperação partidária, houvesse um consenso maior, a bem da autonomia regional.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, como também me inscrevi, cabe-me agora o uso da palavra.
O Ministro da República é, de facto, uma figura complexa, conforme está escrito em todos os "manuais" sobre o Ministro da República. É, por um lado, uma figura comissarial do Estado, isto é, representa o Estado no território politicamente descentralizado e é, por outro lado, uma figura prefeitural, ou seja, coordena os serviços desconcentrados do Estado nas regiões autónomas. Portanto, o paradigma não é o governador civil; o paradigma é o prefeito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É também!

O Sr. Presidente: - Nessa hibridez, o Ministro da República tem, de facto, uma dimensão complexa. Agora, essa dimensão complexa não tem inviabilizado a figura, pelo contrário, a doutrina e a jurisprudência têm-se encarregado de desenhar a figura, pelo que não é, certamente, por aí que "o gato tem ido às filhoses", pelo contrário.
Dizer, como aqui foi dito, que esta figura não tem lugar na estrutura democrática do Estado, nem legitimidade,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - As palavras não são minhas!

O Sr. Presidente: - … é um flatus vocis. É que não tem nada a ver com a realidade, nem com o Direito comparado, nem com nada, nem com teoria democrática nenhuma. Não conheço nenhum Estado com regiões autónomas que não tenha uma figura residente, seja como comissário do Estado, seja como prefeito governamental.
Portanto, esta é uma figura uniforme em todos os Estados com regiões autónomas. Um ministro residente, um comissário residente, um prefeito residente é uma figura comum a todas - rigorosamente a todas - as experiências de autonomia político-administrativa, por exemplo em Espanha, em Itália, na Dinamarca, em todas as que quisermos enunciar.
As propostas apresentadas são três: uma, que é a proposta radical do Sr. Deputado Guilherme Silva, segundo a qual se acaba com o Ministro da República e as relações comissariais do Estado, sendo que as funções, a que Jorge Miranda chama vicariantes, do Presidente da República passam a ser desempenhadas directamente pelo Presidente da República, isto é, a nomeação do governo regional e os respectivos membros, a promulgação ou veto dos decretos regionais e, portanto, todos os actos relativos ao governo e à actividade política regional.
A minha reacção a isto é dizer: nunca! Nunca! No dia em que isto estivesse consagrado, teríamos duas coisas: um Estado parafederal e uma receita para o desastre. Imaginar o Presidente da República a sofrer directamente os embates que tivemos, ao longo de vinte anos, entre alguns presidentes dos governos regionais e os Ministros da República, ver esses embates transferidos para o Presidente da República era, obviamente, a receita para o desastre em termos de estabilidade institucional, de mínima paz institucional neste país.
A proposta, no entanto, é coerente. É coerente com quem propôs consagrar Estados federados, constituições federais, autonomia constitucional, e tudo o resto. É perfeitamente coerente! É coerente que quem propôs isso proponha, obviamente, que as regiões autónomas estejam para o Presidente da República assim como o Governo da República está para o Presidente da República. Passam a estar exactamente no mesmo sentido!
É óbvio que, na Constituição, o Continente não é região autónoma mas, de facto, aquilo que ainda chamamos República passaria a ser região autónoma do Continente. E tudo seria coerente! Essa proposta é, claramente, coerente! Mas, exactamente por ser coerente, a meu ver, é inaceitável enquanto se mantiver a actual estrutura constitucional de um Estado unitário com regiões autónomas.
Portanto, as funções vicariantes do Presidente da República, que são desempenhadas pelo Ministro da República, têm de continuar a ser desempenhadas por outrem, por um representante do Estado, por um representante da República, por um representante do Presidente da República, como quiserem chamar-lhe, mas não podem, nunca, ser entregues ao Presidente da República. Isso não tem paralelo em lado algum e seria fazer explodir - explodir é a palavra exacta - o actual equilíbrio institucional da República.
Esta proposta, por ser coerente, mostra claramente os seus limites e esses são inaceitáveis enquanto tivermos a estrutura que temos a nível da Constituição.
Nesse aspecto, a proposta do PSD é, aparentemente, menos ousada, mas, exactamente por ser menos ousada, é totalmente incoerente. Quer dizer, passa a haver um Ministro, uma espécie de remake do antigo Ministro do Ultramar sediado em Lisboa, para as duas regiões autónomas, como membro do Governo - aliás, um membro do Governo de vida reduzida e a tempo parcial -, que desempenharia, em relação às regiões autónomas, funções típicas da representação do Estado.
Ora, isto implicaria uma clara governamentalização da relação do Estado com as regiões autónomas, só que estas funções, em vez de serem desempenhadas por um representante próprio, específico, da soberania do Presidente da República, passavam a estar investidas num simples Ministro do Governo da República de cada momento, o que seria uma misturada completamente inaceitável em termos conceituais e uma incoerência absoluta. Quer dizer, um Ministro da República, do mesmo tipo que os outros, com um puro estatuto governamental, passava a exercer funções que hoje competem a uma entidade institucional autónoma de representação do Estado.
A proposta do PSD é aparentemente adequada - é-o, sem dúvida - mas é incoerente e totalmente contraditória nos seus termos.
Quanto à proposta do Partido Socialista, sinceramente, não a entendo. De facto, a proposta do Partido Socialista não põe em causa o desenho do Ministro da República, nas suas duas vertentes: na vertente de prefeito do Governo, para superintender e coordenar ou acompanhar os serviços administrativos do Estado na região, e na vertente de órgão de representação do Estado para efeitos das relações com o Governo e com a actividade política regional.
Mas, então, é totalmente incompreensível por que é que a expressão "A soberania da República é especialmente

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representada(…)" foi, pura e simplesmente, amputada. Compreendo que ela possa ser um pouco crispada e que até pudesse haver vantagem em substitui-la por outra. Por exemplo, em vez de "A soberania da República é especialmente representada, em cada uma das regiões autónomas, por um Ministro da República (…)" poderia estabelecer-se algo como "Em cada uma das regiões autónomas existe um Ministro da República como representante do Estado na região", diga-se do Estado enquanto pessoa colectiva diferente da região. Seria uma fórmula mais enxuta e penso que aboliria alguma da crispação que a actual expressão constitucional encerra.
Agora, abolir esta expressão da função representativa do Estado mas, por outro lado, deixar essas funções, não faz sentido. É que o PS não as põe em causa, lá para a frente tudo se mantém - direito de assinatura, de veto, de nomeação do Presidente e dos membros do Governo Regional -, todas essas funções, a que, por economia, designarei como funções de comissário da República, o PS não as elimina, e bem. Então, a que propósito eliminar, pura e simplesmente, a designação conceitual que suporta essas funções, mantendo, no artigo 232.º, apenas aquilo que é menos importante e, porventura, excrescente na função do Ministro da República, que é justamente a sua função de prefeito?! Se alguma coisa há a manter, no artigo 232.º, é justamente a função de representação do Estado, é justamente a função de comissário da República para cada uma das regiões.
Portanto, a meu ver, a proposta do PS não é bem avisada. Penso que ela merece ser reflectida e, sem prejuízo de alterar a redacção do n.º 1, não vejo como é que seria coerente e não seria uma fonte do maior equívoco dizer-se, por um lado, que não se quer tocar na função comissarial do Ministro da República e, por outro, tirar-se da definição exactamente esse elemento essencial. O ganho que se teria seria nenhum, porque ele continuaria a ter os poderes que tem, as funções que tem, o desenho institucional que tem. A nível da definição, isso seria fonte do maior equívoco.
Portanto, uma proposta que, em vez de eliminar equívocos, aumenta equívocos, sinceramente, Srs. Deputados do Partido Socialista, penso que merece uma reflexão. A revisão constitucional não deve ser feita com isto, sobretudo nesta matéria. Se há equívocos, se há uma figura que cria equívocos, então, a rever-se, ela deve ser revista no sentido de afeiçoar e aprimorar arestas, não no sentido de as aumentar. Sinceramente, eis uma proposta que, a meu ver, não é bem avisada.
A minha posição nesta matéria é a seguinte: o actual quadro constitucional não suporta a eliminação de uma figura comissarial residente da República em cada uma das regiões autónomas e pôr isto em causa seria pôr em causa o actual quadro constitucional. O Sr. Deputado Guilherme Silva fá-lo à vontade, porque, de facto, o seu contexto é todo outro, pois ele propôs uma revolução constitucional. Essa revolução constitucional, felizmente, não foi para a frente, mas isto é uma peça dessa revolução constitucional. Portanto, se a revolução constitucional, em si mesma, não foi para a frente, esta peça não tem sentido nenhum, aliás, sem as outras peças, perde o sentido.
A proposta do PSD é incoerente, ilógica e põe em causa o elemento fundamental que é a figura do comissário residente. De facto, substituir os comissários residentes por um "Ministro do Ultramar" residente em Lisboa que teleguiado ou por computador fala com o presidente do governo regional, veta, promulga ou assina decretos, é uma coisa que, de facto, a meu ver, não é congruente com a ideia das regiões autónomas, sobretudo descontínuas e insulares. É que se mesmo nos países territorialmente contínuos, como a Itália ou a Espanha, essa figura existe, então, num sistema de descontinuidade geográfica, a figura do comissário residente é absolutamente imprescindível.
Quanto à figura do Ministro da República, estou disponível para dar algum relevo à argumentação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro mas, sinceramente, não a considero pertinente. Essa figura é, de facto, híbrida, mista e complexa, mas foi desenhada assim desde o princípio e tem funcionado! As figuras, para funcionarem, na política, não têm de ser necessariamente coerentes, isto é, pôr de um lado a figura do comissário e do outro lado a figura do prefeito. A verdade é que, com mais ou menos densidade, essa figura tem funcionado,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mal!

O Sr. Presidente: - … de forma, aliás, diferente nas regiões autónomas e tem funcionado mal para aqueles que pensam que não devia haver nenhum controlo da República sobre as regiões autónomas.
Hoje, há o Ministro da República, amanhã, diriam "Aqui d'el-rei o Presidente da República... A que propósito o Presidente da República?! Aqui d'el-rei que se está a limitar a autonomia". Hoje, propõe-se a abolição do Ministro da República; amanhã propor-se-ia a abolição do Presidente da República, isto é, a abolição em relação às regiões autónomas.
Portanto, o termo da conclusão é óbvio: tudo aquilo que se tem dito do Ministro da República ou de cada Ministro da República, porque veta, promulga, não promulga, etc. diriam, a partir daí, do Presidente da República, com uma diferença: é que a carga explosiva aumentaria de forma perfeitamente intolerável. A grande vantagem do Ministro da República é exactamente a de ser essa "almofada", esse intermediário, esse ponto de distanciamento entre o Presidente da República e as regiões autónomas. Propor a eliminação desta figura seria, de facto, propor a receita para o desastre e, sinceramente e de boa fé, penso que quem propõe isto não tem nenhuma razão para não crer que seria assim, que o resultado seria necessariamente esse.
No dia em que isto acontecesse, não só teríamos uma revolução constitucional consumada como teríamos o desastre institucional instituído! A partir do momento em que o Presidente da República tivesse de fazer o primeiro veto a um decreto regional ou mandar para o Tribunal Constitucional o primeiro decreto regional ou, porventura, tivesse de ouvir os partidos regionais para nomear o presidente do governo regional, seria o desastre. Tudo isto é evidente para quem queira pensar duas vezes sobre o quadro que se desenharia no momento em que desaparecesse o Ministro da República como figura comissarial.
Portanto, Srs. Deputados, a minha posição é a seguinte: oposição definitiva e rotunda às propostas do Sr. Deputado Guilherme Silva e do PSD; apelo e proposta concreta ao Partido Socialista para refazer, pelo menos, o n.º 1 da sua proposta, uma vez que, tal como está, é um convite ao equívoco e lá, onde existe um pequeno equívoco, multiplicá-lo por cem. Penso que a função da proposta do Partido Socialista e da revisão constitucional não pode ser esta.

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Srs. Deputados, estão ainda inscritos os Srs. Deputados Luís Sá e Mota Amaral.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há mais, Sr. Presidente, pelo que, uma vez que a discussão não vai terminar hoje,…

O Sr. Presidente: * Claro que não! Talvez seja de adiar…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Haver umas intervenções e não haver outras…

O Sr. Presidente: * Exacto!
Então, Srs. Deputados, por hoje, ficamos por aqui. Retomaremos esta discussão na próxima reunião.
Há um problema que quero pôr à vossa consideração, que é o seguinte: os serviços estão a distribuir uma cópia da transcrição das actas a cada partido. O Sr. Deputado Mota Amaral disse-me que isso não é boa solução e que devia ser distribuída uma cópia a cada Deputado. Penso que uma a cada um dos trinta e tal Deputados é excessivo, tendo em conta que, em cada reunião, participam quatro, cinco ou seis membros.
Por isso, proponho uma solução intermédia: os serviços verão, em relação a cada acta, os Deputados que intervieram e farão tantas cópias e distribuirão cada uma a quantos Deputados intervieram na reunião a que diz respeito a acta. Estamos de acordo quanto a esta solução?

Pausa.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estou de acordo, no fundamental, com um pequeno aditamento que proponho: que os Deputados que não intervieram possam, em caso de especial interesse, requerer as referidas actas.

O Sr. Presidente: * Claro! Isso é óbvio! Está garantido! Aliás, podem pedir ao camarada de partido uma fotocópia.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Camarada, companheiro ou amigo!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se na terça-feira.
Está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 35 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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