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Quarta-feira, 11 de Dezembro de 1996 II Série - RC - Número 64

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 10 de Dezembro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 40 minutos.
Procedeu-se à discussão das propostas de alteração relativas aos artigos 277.º e 278.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Moreira da Silva (PSD), José Magalhães (PS), Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe e Luís Sá (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, como estarão recordados, na semana passada ficámos no artigo 268.º, mas resolvemos adiar a discussão dessa matéria em virtude da ausência do Sr. Deputado Barbosa de Melo. Resolvemos também não nos ocuparmos esta semana do capítulo das Forças Armadas a pedido de Deputados especialmente interessados nessa área. Tínhamos, pois, combinado passar para a discussão do artigo 277.º, iniciando o capítulo relativo à fiscalização da constitucionalidade, e é isso que vamos fazer.
Em relação ao n.º 1 do artigo 277.º, foi apresentada uma proposta de alteração pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD, mas dado que ela tem a ver com o chamado "recurso de amparo" ou "recurso de constitucionalidade", dá-se por prejudicada nesta sede.
O PS propõe o aditamento de um novo número que visa isentar de fiscalização sucessiva da constitucionalidade as leis de revisão constitucional, mas como essa matéria está ligada a uma proposta relativa ao artigo seguinte, sobre fiscalização preventiva dessas leis, discuti-la-emos juntamente com o n.º 4-A do artigo 278.º proposto pelo PS.
Como tal, mais tarde voltaremos atrás para discutir estas duas propostas em conjunto.
Quando ao artigo 278.º, foi apresentada uma proposta de eliminação da fiscalização preventiva da constitucionalidade, pura e simples, pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente ao artigo 277.º, o Sr. Presidente vê alguma possibilidade de se fazer uma pequena alteração ao n.º 2, substituindo a palavra "tratados" por "convenções internacionais", que penso ser a terminologia neutra que a Constituição utiliza, no sentido de abranger não só tratados de forma solene mas também os acordos em forma simplificada?

O Sr. Presidente: - Não é por acaso que se optou por escrever "tratados".

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sei bem que não é por acaso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este número não tinha sido objecto de propostas de alteração mas, havendo consenso nesse sentido, poderemos discutir esta proposta do Sr. Deputado Moreira da Silva.
A proposta do Deputado Moreira da Silva é a seguinte: a actual norma da Constituição refere apenas os tratados em sentido estrito e deverá passar a referir as convenções internacionais, abrangendo, pois, também os acordos em forma simplificada.
Sr. Deputado, qual é a justificação para a sua proposta?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que não haverá razões de fundo que objectem a que os acordos em forma simplificada também possam sofrer de inconstitucionalidade orgânica ou formal. O sentido da minha proposta é, pois, o de passar a abranger os acordos em forma simplificada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, se bem compreendi a situação proposta, ela teria consequências um pouco distintas daquelas que resultam desta introdução. Verdadeiramente, a consequência seria a de que a inconstitucionalidade não impediria a aplicação mediante duas condições: reciprocidade e não violação de uma disposição fundamental.
É conhecido o conjunto de dificuldades que esta norma, que é verdadeiramente excepcional, tem suscitado. Ora, o alargamento do âmbito de aplicação desta norma de verdadeiros e próprios tratados internacionais a meros acordos internacionais - mesmo no cenário decorrente da aceitação eventual das propostas que o PS apresentou, de um reforço considerável da competência parlamentar e de uma diminuição correspondente da competência governamental - seria muito significativo e suponho que agravaria as dificuldades, que já são consideráveis, resultantes de uma solução excepcional como esta.
Ou seja, e em síntese, alargar-se-ia a excepção por forma a cobrir algumas áreas em que a produção de actos de direito internacional inconstitucionais mais dano pode causar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira Silva.

O Sr. Moreira da Silva: - Sr. Presidente, percebo perfeitamente as dúvidas levantadas pelo PS, no entanto, permita-me que refira que este n.º 2 do artigo 277.º tem um conteúdo muito idêntico ao do artigo 46.º da Convenção de Viena de 1969, que prevê que a inconstitucionalidade orgânica ou formal não prejudica a aplicabilidade e a vigência de uma determinada convenção na comunidade internacional, mas com a salvaguarda (a mesma que consta da parte final do artigo 46.º da Convenção de Viena) de não estar em causa uma disposição fundamental de direito interno, pois, caso tal se verifique, não se aplicará a Convenção.
Recordo que "violação de uma disposição fundamental" integra a violação de um direito fundamental previsto no nosso ordenamento jurídico ou de um princípio contido, por exemplo, no artigo 288.º, sobre os limites materiais de revisão. Ora, penso que se poderia aplicar esse princípio quer a tratados internacionais quer a acordos em forma simplificada. Veria mal que um acordo em forma simplificada pudesse vigorar e obrigar Portugal internacionalmente em violação de um direito fundamental ou de um princípio fundamental previsto e consagrado, por exemplo, no artigo 288.º da Constituição.
Por isso, a minha ideia é a de alargar esta excepção - disse excepção, pois é-o, com certeza, mas penso que é uma excepção fundamental e fundamentada - aos acordos em forma simplificada, porque não vejo esta excepção apenas para os tratados.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do Deputado Moreira da Silva é no sentido de substituir, no n.º 2 do artigo 277.º, "tratados" por "convenções", por forma a incluir os acordos em forma simplificada. Uma tal alteração implica obviamente consenso generalizado, pelo que gostaria de ouvir dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a questão fundamental ficou mais ou menos explicitada pelas intervenções sucessivas dos Srs. Deputados Moreira da Silva e José Magalhães.
O problema é o de saber qual é, actualmente, a boa interpretação deste dispositivo constitucional. De facto, o problema está em saber se a visão explicitada pelo Sr. Deputado José Magalhães é a boa visão, o que significa que todos estamos de acordo com os argumentos defendidos, ou se, pelo contrário, como o Prof. Jorge Miranda, nomeadamente, defende, a visão certa é exactamente a oposta. A interpretação que o Prof. Jorge Miranda faz deste n.º 2 é a de que os acordos e as convenções internacionais lato sensu (isto é, tanto tratados como acordos) são de aplicação directa na ordem jurídica, sendo que apenas no caso dos tratados a inconstitucionalidade por violação de disposições fundamentais pode arredar a sua aplicação.
Assim, segundo essa doutrina, o que aqui estará em causa não é alargar aos acordos uma excepção de vigência ainda que com inconstitucionalidades mas, pelo contrário, alargar aos acordos a sua não vigência quando violem disposições fundamentais. Isto partindo-se do princípio, como faz alguma doutrina, de que os acordos, depois de assinados e ratificados regularmente, sendo de aplicação directa na ordem jurídica portuguesa, vinculam o Estado português independentemente de terem ou não qualquer tipo de inconstitucionalidade, sendo que este artigo apenas daria a cobertura a casos especiais de violações grosseiras (passo a expressão) em tratados, nada dizendo sobre violações grosseiras em acordos.
Trata-se, pois, de dirimir aqui um pouco esta questão controvertida na doutrina, que é a de saber qual é o regime que seguem os acordos vigentes em termos de âmbito nacional: se eles de facto vinculam automática e directamente o Estado português e se inscrevem na nossa ordem jurídica independentemente de qualquer outro tipo de formalidades ou não. Da interpretação que façamos desta questão doutrinal resultará que damos razão ao Sr. Deputado José Magalhães ou ao Sr. Deputado Moreira da Silva.
Com franqueza, penso que esta é que é a questão fundamental que vale a pena aqui equacionar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a meu ver, a questão não pode ser posta nestes termos.
Segundo a nossa ordem jurídica, as normas não são, obviamente, aplicáveis se forem inconstitucionais, mas esta norma é uma excepção. As normas de tratados internacionais, apesar de inconstitucionais, serão aplicáveis desde que essa inconstitucionalidade seja apenas orgânica ou formal, desde que o tratado tenha sido regularmente ratificado e desde que não ponham em causa nenhuma norma fundamental da ordem interna.
É este o sentido e não penso que sobre isso possa haver grandes tergiversações. Não é um problema de interpretação mas, sim, de saber se este regime, esta excepção, esta irrelevância de certas inconstitucionalidades orgânicas ou formais é ou não extensível aos acordos em forma simplificada.
Pessoalmente, confesso que, à partida, não excluiria considerar esta extensão. Contudo, preciso de a estudar melhor, pois é uma matéria em que não me movo à vontade. O que temos é de garantir, pelo menos em relação aos acordos internacionais, aquilo que garantimos em relação aos tratados. Assim, se em relação aos tratados internacionais exigimos a ratificação, ou seja, que eles tenham, pelo menos, a assinatura do Presidente da República, em relação aos acordos em forma simplificada também só os salvaguardaria se, pelo menos, tivesse havido um decreto ou uma resolução de aprovação assinada pelo Presidente da República. Isto porque, a meu ver, um princípio fundamental da nossa ordem constitucional e do direito internacional é o de que a vinculação externa de um Estado implica uma assinatura do Presidente da República.
Como tal, talvez a proposta devesse referir: "A inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais regularmente ratificados ou de acordos devidamente assinados".
Nesta formulação, pessoalmente, à partida, não excluiria essa possibilidade, mas gostaria de estudar melhor a questão, entendendo perfeitamente qual é o alcance da proposta do Sr. Deputado Moreira da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que concordo com a sua posição. Embora não o tivesse referido, concordo perfeitamente que com a expressão "ratificados ou assinados". Penso, aliás, que a alínea b) do artigo 137.º já faz essa referência, inconstitucionaliza os acordos em forma ultra-simplificada, mas concordo perfeitamente que essa questão também fique expressa nesta sede para que não haja dúvidas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta questão fica, portanto, em suspenso, pois tal alteração implicaria uma adesão do PCP e do PP. De qualquer modo, a questão está colocada e voltaremos, numa segunda ocasião, a considerar esta hipótese.
Srs. Deputados, quanto ao n.º 1 do artigo 278.º foi apresentada uma proposta pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, mas é puramente consequencial e, portanto, dá-se como prejudicada. O mesmo vale para a proposta apresentada pelo Sr. Deputado António Trindade e outra do PS quanto ao n.º 2, que tem a ver com a designação dos Ministros da República.
Assim, passamos às propostas de eliminação constantes dos projectos de revisão constitucional do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar a proposta de eliminação da fiscalização preventiva da constitucionalidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PSD radica-se numa apreciação claramente política da situação. Ou seja, actualmente o nosso sistema prevê uma duplicação de instrumentos na verificação da constitucionalidade, uma vez que a constitucionalidade tanto pode ser apreciada ou fiscalizada preventivamente

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como sucessivamente, ou seja, posteriormente à sua inclusão na ordem jurídica.
A prática constitucional dos últimos anos veio demonstrar que existe um desvirtuamento potencial (muitas vezes concretizado) deste mecanismo de fiscalização, transformando a fiscalização preventiva não num instrumento de triagem jurisdicional da constitucionalidade de determinado tipo de normas mas antes como instrumento de combate político.
Do ponto de vista do PSD, esta situação é duplamente indesejável. Indesejável, desde logo, porque transforma uma matéria de fiscalização jurisdicional, e de fiscalização de constitucionalidade, em armas de arremesso de combate político, desarticulando desse modo o harmonioso relacionamento entre órgãos de soberania, e, em segundo lugar, porque prejudica seriamente o próprio tribunal na exacta medida em que o arrasta para uma querela de contornos políticos e não de contornos estritamente jurídicos, pondo assim em causa a própria imagem de isenção e de independência do mesmo tribunal. A verdade é que há exemplos clássicos nesta matéria na nossa história recente, o que fez com que o PSD apresentasse esta proposta.
De facto, há matérias que, por estarem no plano político, se devem inscrever nas competências políticas do Presidente da República, que tem toda legitimidade para politicamente fazer uma triagem sobre os actos de política legislativa e, nesse sentido, utilizar o instrumento político que dispõe ao abrigo da Constituição e que, do nosso ponto de vista, é o veto claramente. Todavia, o que se tem verificado, em algumas situações, é que essa intervenção política legítima do Presidente da República aparece camuflada sobre a forma de fiscalização preventiva da constitucionalidade, criando embaraços ao próprio tribunal e uma deficiente compreensão por parte dos próprios cidadãos e da opinião pública face à natureza política das questões que estão postas sobre a mesa. O exemplo clássico a que me refiro prende-se com a legislação laboral.
Na verdade, durante o mandato do anterior Presidente da República, foi por ele utilizado o argumento de que toda a legislação que tinha que ver com o núcleo central da legislação laboral, por razões de não dever estar condicionado a mecanismos de alguma incerteza ou insegurança sobre uma questão tão fundamental para os cidadãos, devia ser previamente submetida ao crivo do Tribunal Constitucional para aferir da sua constitucionalidade. Assim, com base nesta argumentação, ao longo de vários anos, toda a legislação produzida, quer pela Assembleia da quer pelo Governo, sob autorização legislativa da Assembleia da República sobre esta matéria, foi enviada, sucessivamente, para apreciação preventiva do Tribunal Constitucional.
Porém, mudou o Presidente da República e o primeiro acto legislativo de tomo sobre a legislação laboral - a célebre legislação sobre a flexibilidade e a polivalência, cuja aprovação dividiu de uma forma bastante marcada o próprio Parlamento -, apesar de ter havido apelos instantes nesse mesmo debate para que o Sr. Presidente da República o enviasse previamente ao Tribunal Constitucional para fiscalização, a fim de evitar as dúvidas que foram colocadas por algumas bancadas sobre a constitucionalidade do diploma, o que é certo é que o Presidente da República promulgou a lei sem utilizar este mecanismo.
Ora, do nosso ponto de vista, esta situação denota a politização a que está claramente sujeito este instrumento das competências do Presidente da República, que tem sido claramente desvirtuado no sentido de se transformar num instrumento de intervenção política. Não pondo aqui minimamente em causa as competências políticas do Presidente da República face ao processo e à política legislativa, o PSD entende que, de uma forma transparente, essa intervenção política do Presidente da República deve exercer-se através do mecanismo de veto, que é o instrumento adequado para o Presidente da República colocar dúvidas políticas em relação ao processo e às opções legislativas que em cada momento são tomadas, quer pela Assembleia da República quer pelo Governo.
Portanto, a proposta do PSD radica-se nesta perspectiva da utilização política a que este instrumento vem sendo votado e, pela nossa parte, a fiscalização da constitucionalidade das normas deve ser feita de uma forma única, pois não há razão para haver essa duplicidade de situações que provocam os tais efeitos perversos que acabei de referir. Assim, uma vez que o poder de solicitar a fiscalização da constitucionalidade é comum a vários órgãos, não se compreende que apenas no caso do Presidente da República - e, enfim, por analogia, dos actuais Ministros da República -, exista este mecanismo de apreciação preventiva, criando uma situação de desigualdade quando, eventualmente, os valores fundamentais a perturbar, os valores de cumprimento da Constituição sejam os mesmos relativamente a muito outro tipo de situações.
Tudo isto milita no sentido de concretizar o entendimento de que o mecanismo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, que historicamente se justificou num primeiro momento, após a revolução democrática, em que era necessário alterar toda uma prática legislativa, todo o sistema político-legislativo do País - e era previsível que dessas reformas, dessas alterações profundas da ordem jurídica pudessem vir a ocorrer alguns equívocos, alguns sobressaltos e, por isso, do nosso ponto de vista, foi perfeitamente adequado o mecanismo de fiscalização preventiva -, passada esta fase, com a estabilização do sistema democrático, já não faz sentido hoje em dia. O PSD considera que a existência de um único mecanismo, de um único instrumento de fiscalização da constitucionalidade é suficiente.
A competência política de intervenção sobre a política legislativa, sobre o processo legislativo da parte do Presidente da República não está em causa, pois estará sempre salvaguardada através do mecanismo de veto, poder do Presidente da República que, obviamente, o PSD respeita e não tem a mínima intenção de alterar. Mas parece-nos indesejável esta duplicidade de instrumentos que, inclusive, como referi inicialmente, afectam a própria função jurisdicional do tribunal que, deste modo, se vê arrastar para uma querela política.
Esta é a razão da proposta do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão esta proposta do PSD, de eliminação da fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a primeira observação acerca desta proposta é que ela merece a nossa discordância frontal, pois creio que o PSD está a colocar a questão ao contrário, quando acusa

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o mecanismo da fiscalização preventiva da constitucionalidade de servir como arma de arremesso político, porque esta proposta do PSD é que é uma arma de arremesso político contra um mecanismo jurisdicional.
Efectivamente, o que o PSD pretende com esta proposta não é apenas afectar poderes presidenciais, o poder de o Presidente da República requerer (embora não seja um poder só do Presidente da República, a verdade é que tem sido exercido por ele) a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas constantes de decretos que lhe tenham sido enviados, como também acabar com um mecanismo de fiscalização da constitucionalidade com o mecanismo jurisdicional.
O Presidente da República não decide materialmente a questão, a sua margem é a de decidir se suscita, ou não, dúvidas de constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, para que este decida. Portanto, fundamentalmente, o que o PSD pretende é acabar com esse mecanismo de fiscalização da constitucionalidade.
Creio que não tem havido, por parte dos Presidentes da República, um abuso na utilização desta figura, como o PSD pretende fazer crer. Tem mesmo ocorrido algum comedimento, apenas se recorrendo a ela quando estão em causa diplomas relevantes que suscitam uma polémica grande, daí que seja reduzido o número de casos em que o Presidente da República suscitou a fiscalização preventiva da constitucionalidade, isto independentemente de qualquer juízo de concordância ou discordância que se faça em relação a cada um dos diplomas cuja fiscalização tem sido suscitada por vários Presidentes da República - do meu ponto de vista, existiram casos em que tiveram razão em suscitar dúvidas e em colocar a questão, noutros casos nem por isso. Mas não é essa a questão.
O que aqui está em causa é saber se deve ou não existir uma possibilidade de, a título preventivo, ser suscitada a questão da constitucionalidade de determinados diplomas perante o Tribunal Constitucional. Penso que esta possibilidade se tem revelado vantajosa para o regime democrático e constitucional, porque a não existência de um mecanismo de fiscalização preventiva permitiria que uma qualquer maioria parlamentar pudesse fazer aprovar diplomas com as inconstitucionalidades mais grosseiras, sendo que, nesses casos, a única possibilidade que existiria para impedir a sua aplicação seria ou o recurso à fiscalização sucessiva, com a natural morosidade que lhe está associada, ou, então, a sua não aplicação em casos concretos pelos tribunais.
Portanto, esta possibilidade da fiscalização preventiva da constitucionalidade é, de facto, uma garantia da Constituição, na medida em que não entrarão em vigor normas que sejam consideradas pelo Tribunal Constitucional como inconstitucionais. Pensamos que o sistema só tem a ganhar com a existência deste mecanismo, daí que sejamos contrários à proposta apresentada pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, as propostas de alteração que apresentámos sobre este artigo desgarra-se de forma cristalina e inequívoca, e sem necessidade de excessiva fundamentação, que a nossa posição está nos antípodas desta.
Na verdade, todos sabemos que o mecanismo da fiscalização preventiva da constitucionalidade tem vantagens e inconvenientes. Os inconvenientes são apreciáveis e correspondem a riscos inerentes, como seja o de, na fiscalização preventiva, ecoar - e ecoar muito - a tensão política que marque um determinado processo legislativo; o risco decorrente do facto de as apreciações serem feitas "a quente" e com um prazo ultra apertado; o risco de uma absolvição ou de uma condenação sumária; o risco de uma apreciação selectiva decorrente do facto de a entidade requerente não suscitar a fiscalização de determinadas normas mas, em contrapartida, suscitar a de outras, e nessa selectividade facultar viabilizações ou inviabilizações que possam deixar de lado o principal e fazer incidir a fiscalização sobre o inteiramente secundário, etc.
Estes são, portanto, riscos que a prática constitucional foi comprovando, mas não devemos esquecer a outra parte da realidade, que é a importante função de preservação da Constituição, evitando "feridas" e não ocorrendo a posteriori, e ainda o papel crucial que este mecanismo pode ter se, designadamente, as instituições funcionarem não sob o signo da guerra institucional, não sob o signo de teorias abstrusas e, de resto, constitucionalmente indesejáveis, como a efémera teoria das forças de bloqueio e outras inspiradas na mesma matriz de guerrilha ou de guerra institucional. Em cenários dessa natureza não teremos perturbação excessiva e teremos a vantagem de uma clarificação precípua, atempada, antes da "ferida", por assim dizer.
Foi isso que nos levou a não apenas não enjeitarmos o mecanismo - na esteira, de resto, da revisão constitucional de 1989, que alargou a legitimidade para requerer a fiscalização preventiva ao Primeiro-Ministro e a um quinto dos Deputados da Assembleia da República em relação às leis orgânicas - como a propor, nesta revisão constitucional, dois outros alargamentos a que me refiro de imediato, Sr. Presidente, para encurtar razões.

O Sr. Presidente: - Fá-lo-á mais tarde, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nesse caso, deixo essa abordagem para um segundo momento.
Por estas considerações, Sr. Presidente, e em fidelidade ao espírito que nos leva apresentar estas duas propostas que mencionarei na altura própria, não vemos com nenhuma simpatia esta proposta do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pessoalmente também penso que a proposta não deve ser aprovada, não que a fiscalização preventiva não tenha alguns inconvenientes, inconvenientes esses que foram apontados, mas a meu ver indevidamente sublinhados. Eles fazem parte da communis opinio de todas as apreciações desta figura, entre nós e lá fora.
Em primeiro lugar, a figura não é insólita (ela não é apenas portuguesa, é tipicamente francesa, existe na Espanha e noutros lados) e, após algumas reservas iniciais, a verdade é que a figura resulta bem, como resultou em Portugal, ao fim de 20 anos. O saldo tem mostrado que os inconvenientes, existindo, não são tão grandes como se poderiam temer e que as vantagens são bastante maiores do que aquelas que se poderiam antecipar.
Fundamentalmente, as vantagens são duas.

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Em primeiro lugar, a fiscalização preventiva preclude a consumação de efeitos de leis inconstitucionais. Todos sabemos que a fiscalização sucessiva pode demorar um, dois ou três anos e que, entretanto, se realizam efeitos que, normalmente e por tendência, o Tribunal Constitucional é levado a salvaguardar, o que quer dizer que leis flagrantemente inconstitucionais podem, apesar de tudo, ter funcionado e produzir efeitos como se nunca tivessem sido inconstitucionais.
Em segundo lugar, e esta é uma vantagem não despicienda, mesmo quando o Tribunal Constitucional conclui pela não inconstitucionalidade, tal tem um enorme efeito que é o de eliminar as dúvidas de inconstitucionalidade, estabelecendo assim um efeito de apaziguamento institucional e político.
Penso que em algumas questões-chave, como a do aborto, a da lei dos despedimentos, a da reforma agrária e a relativa aos sectores de produção, as declarações de não inconstitucionalidade (quando elas existiram) do Tribunal Constitucional exerceram efeitos extraordinariamente apaziguadores em termos institucionais e políticos. E se não tivesse havido fiscalização preventiva teríamos tido factores permanentes de conflitualidade política e institucional enquanto o Tribunal Constitucional não viesse a pronunciar-se a posteriori, passado um, dois, três ou quatro anos.
Este efeito de eliminação das dúvidas, de retirar um argumento de "deslegitimação" das leis é extremamente positivo. A fiscalização preventiva serve, por um lado, para legitimar as leis quando elas não são inconstitucionais e, por outro lado, para impedir que elas produzam efeitos e consumam efeitos quando elas o são.
No caso concreto da fiscalização dos decretos legislativos regionais, pergunto a mim mesmo e a cada um dos Srs. Deputados que conheça minimamente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que teria sido a nossa ordem jurídica nas regiões autónomas se não fosse a fiscalização preventiva e se as dúzias de "facadas" grosseiras na ordem constitucional não teriam permanecido não fora esta virtuosa figura da fiscalização preventiva da constitucionalidade.
De resto, desde 1989, a fiscalização preventiva da constitucionalidade não é apenas um instrumento do Presidente da República para se furtar a promulgar leis inconstitucionais ou para ter a certeza de que quando as promulga elas não são inconstitucionais; serve também para instrumento de garantia das chamadas leis orgânicas, isto é, de um conjunto de leis particularmente qualificadas que não só o Presidente da República como o próprio Primeiro-Ministro e os Deputados dos grupos parlamentares, incluindo os da oposição, têm um meio de impedir que leis que fazem parte do travejamento daquilo a que poderemos chamar uma construção material não entrem em vigor antes de serem submetidas ao escrutínio do Tribunal Constitucional.
Por estas razões, penso que a figura da fiscalização preventiva não deve ser eliminada, pelo contrário, deve ser ampliada. De resto, como sabem, lá fora existe fiscalização obrigatória de certos tipos de normas. Aliás, o Prof. Jorge Miranda propõe passar para a nossa ordem jurídico-constitucional um instituto que existe na Constituição espanhola, que é a fiscalização preventiva obrigatória dos tratados internacionais a troco de depois, obviamente, não poderem ser fiscalizados sucessivamente.
Ora, o PS propõe algo de semelhante a propósito das leis de revisão constitucional. Em qualquer dos casos, penso que devíamos encarar seriamente essas hipóteses.
Aliás, se não houver novas intervenções sobre a proposta do PSD iríamos passar às propostas de aditamento…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de passar às propostas de aditamento, concede-me a palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, gostaria apenas de concluir este ponto, dizendo que, embora de uma forma indirecta ou subliminar - foi esse o entendimento com que fiquei -, penso que acabou de ser reconhecido por todos os Srs. Deputados que usaram da palavra que, de facto, existe uma utilização discricionária e, nesse sentido, política da parte do Presidente da República deste mecanismo. E os inconvenientes que daí resultam para o próprio Tribunal Constitucional, em primeira linha, são por demais evidentes. Basta olharmos para as dificuldades que ciclicamente existem quanto à substituição dos juízes e a recomposição do Tribunal Constitucional, o que tem que ver fundamentalmente com o problema da fiscalização preventiva. Não vale a pena iludir a questão.
O último exemplo que o Sr. Presidente dá com bastante propriedade, o exemplo do direito comparado, é também elucidativo. Ou seja, coisa perfeitamente diferente é a criação da figura da fiscalização preventiva em situações vinculadas, em relação às quais existe uma obrigatoriedade, seja da parte do Presidente da República ou não. Por exemplo, na nossa Constituição essa situação já está prevista: as perguntas do referendo têm de ser previamente fiscalizadas pelo Tribunal Constitucional. É uma questão de segurança jurídica para determinado tipo de situações, mas o facto de existir, como existe por exemplo em França, relativamente às leis da Assembleia, a obrigatoriedade da fiscalização da sua constitucionalidade, sendo uma obrigatoriedade vinculada, retira-lhe exactamente aquela que é a crítica que o PSD faz a este instrumento, que é a sua utilização discricionária - leia-se a sua utilização para o combate político.
Essa é que é a crítica fundamental que o PSD coloca, crítica essa que não só não foi contrariada por nenhuma das intervenções como, aparentemente, em algumas das situações até, foi louvada por alguns dos intervenientes. Nisso se distingue a posição das pessoas que falaram relativamente à posição do PSD.
O PSD entende que a maioridade a que já chegou a nossa democracia permite perfeitamente a assunção transparente das competências políticas através de instrumentos políticos, como é o direito de veto do Sr. Presidente da República, e deixar as funções jurisdicionais de fiscalização de constitucionalidade das normas, sejam elas normas políticas emanadas de órgãos legislativos como normas relativas a direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos. Do nosso ponto de vista, não há inconstitucionalidades "de primeira" e inconstitucionalidades "de segunda". E se para uns a morosidade da justiça, que também aqui foi citada, é aceitável, não percebo por que é que para outros não há-de ser aceitável também!

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Penso que o nosso sistema democrático já atingiu uma maioridade saudável, uma estabilidade adequada e, de facto, o PSD entende que não há razões absolutamente nenhumas, a não ser continuar a alimentar o combate político e o potencial desvirtuamento de determinados instrumentos que deveriam ter funções estritamente jurisdicionais e que se tem demonstrado que, sucessivamente, são utilizados por razões políticas.
Só me resta lamentar que ainda não seja possível, nesta revisão constitucional (eventualmente com o Sr. Presidente referia), evoluir-se pelo menos no sentido de acabar com a discricionariedade - leia-se, politização do instrumento - e passar-se para a sua estrita, à semelhança do que existe em alguns outros direitos comparados, se for esse o entendimento da sua necessidade, existência vinculada a determinado tipo de legislação e de situações. Actualmente essa existência vinculada já está prevista para a lei do referendo, no que se refere às perguntas, e poderá haver para outro tipo de situações ou não. Essa seria uma questão discutível e, pelo menos, teria o grande ganho de retirar a politização inadequada quer para o equilíbrio do sistema político quer para o próprio funcionamento jurisdicional do Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foram apresentadas propostas de aditamento de figuras de fiscalização preventiva não dependentes do Presidente da República em relação a três tipos de normas.
Desde logo, em relação às normas da revisão constitucional, proposta do PS para o n.º4-B; em relação às normas regimentais da Assembleia da República e das assembleias legislativas regionais, proposta do PS para o n.º4-A; e em relação às normas constantes de tratados de participação de Portugal em organizações internacionais de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e respeitantes a assuntos militares, proposta apresentada pelo Prof. Jorge Miranda e que eu adopto para efeitos de discussão.
As três propostas estão à consideração, Srs. Deputados.
Para apresentar as propostas de aditamento dos n.os 4-A e 4-B ao artigo 278 º, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, estão em causa duas significativas e importantes melhorias.
A primeira visa aumentar, de forma bastante relevante, os meios através dos quais os Deputados, tanto à Assembleia da República como aos parlamentos regionais, dispõem para garantir a constitucionalidade do respectivo regime. Não se justificam excessivas considerações sobre a importância do Regimento na vida parlamentar e da relevância que pode ter, por um lado, a prevenção de agressões que podem macular o funcionamento dos parlamentos e, por outro, a função de clarificação e de certificação que a fiscalização preventiva pode ter, eliminando ou depreciando conflitos que revisões regimentais polémicas podem causar no tecido parlamentar. É esse o significado da primeira proposta.
A segunda visa garantir o mesmo objectivo em relação à lei de revisão constitucional, cuja importância crucial é óbvia e em relação à qual o facto de a polémica sobre a revisão poder ser objecto de uma avaliação nesta instância, que segundo os critérios próprios desta pode ter a enorme vantagem de "pôr uma pedra" sobre aquilo que deva ser objecto de tal medida ou de clarificar, adoptando as providências adequadas, aquilo que a interpretação recta da Constituição determine.
Trata-se, portanto, de potenciar neste dois campos as virtudes do instituto da fiscalização preventiva da constitucionalidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pela minha parte, como adoptei a proposta do Prof. Jorge Miranda, importa-me também apresentá-la.
Penso que há certas normas em relação às quais a fiscalização sucessiva é sempre uma má solução; isto é, deixar entrar em vigor um determinado tipo de normas, para mais tarde, passados dois, três ou quatro anos, vir a verificar-se que elas são inconstitucionais, é sempre mau, por isso devia ser evitado.
Para mim, há dois tipos de normas com esta natureza, sendo o primeiro aquele que abrange as próprias normas da revisão constitucional. Penso, portanto, que nenhuma lei de revisão constitucional devia tornar-se definitiva enquanto acusada, com alguma razão, de ser inconstitucional, quer por razões de intempestividade, de inconstitucionalidade formal ou mesmo de inconstitucionalidade material. O segundo tipo de normas é o que se prende com certo tipo de tratados, exactamente aqueles que o Sr. Prof. Jorge Miranda cita, ou seja, os tratados de participação em organizações internacionais, de amizade, de paz, de defesa e de rectificação de fronteiras.
Em face do exposto, pergunto-vos que lógica terá fazer um tratado de rectificação de fronteiras com a Espanha - em relação à qual, como sabemos, há fronteiras que ainda não estão definitivamente assentes -, e depois, passados dois ou três anos, o Tribunal Constitucional vir dizer que o tratado é inconstitucional. Pergunto: com que "cara" é que um Estado pode apresentar-se perante a comunidade internacional, nestas circunstâncias?
Portanto, em relação a esses dois tipos de normas, entendo que a solução justa é abrir a fiscalização preventiva, ou torná-la mesmo obrigatória, e precludir a fiscalização sucessiva, isto é, isentar esse tipo de normas de fiscalização sucessiva.
É esta a razão por que, em relação à proposta apresentada pelo PS sobre as leis da revisão constitucional, entendo que devem ser acrescentados os tratados mencionados pelo Sr. Prof. Jorge Miranda.
Srs. Deputados, estão apresentadas as três propostas e está aberta a respectiva discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo pela proposta apresentada pelo PS, de aditamento do n.º 4-B, para dizer o seguinte: conforme decorre do próprio artigo 286.º da Constituição, as leis de revisão constitucional são aprovadas por maioria de dois terços e têm um tratamento especial, designadamente o próprio artigo 286.º consagra a não possibilidade de intervenção política do Presidente da República no que se refere a alterações da Constituição. Nisso se concretiza a norma do n.º 3 do artigo 286.º, que inibe o Presidente da República de recusar a promulgação das leis de revisão - que é o tal poder político, de que falei há pouco, que ele pode exercer através do veto.

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Ora, a razão de ser desta situação tem a ver com um pressuposto, que para o PSD é fundamental, que é o de a Constituição não ser imutável nem irreversível em nenhum dos seus aspectos, e não pode ser entendida como algo que é anterior ou que está para além da vontade dos portugueses, através dos seus legítimos representantes e das maiorias qualificadas que já são exigidas pela própria Constituição, para garantir a adequada representatividade e estabilidade das alterações dos seus preceitos fundamentais. É neste sentido que o PSD entende e interpreta o mecanismo de efeitos de decisão das eventuais declarações de inconstitucionalidade, que são supridas por dois terços, genericamente, o que é equivalente à maioria qualificada da revisão constitucional.
É, pois, neste sentido que pode interpretar-se a analogia de situações que passo a referir: da mesma forma que a generalidade das declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional podem ser "contrariadas" por uma reconfirmação através de uma maioria qualificada de dois terços na Assembleia da República, fazendo cair, assim, o obstáculo que é colocado pela apreciação de violação da Constituição (do nosso ponto de vista, também militam razões de dinâmica, da própria dialéctica da evolução da nossa democracia e da vontade soberana dos portugueses, neste caso, exercida através dos seus representantes na Assembleia da República), também entendemos que não devem existir entraves especiais aos mecanismos de revisão e de evolução do texto constitucional.
No fundo, a proposta apresentada vem introduzir um mecanismo de verificação preventiva do Tribunal Constitucional, sendo certo que, aparentemente, conforme resulta do artigo seguinte da Constituição, a mesma maioria de dois terços que inicialmente aprovou o texto constitucional poderia reconfirmar a vontade de alterar a Constituição neste pormenor. Portanto, o que teoricamente seria entendido como um mecanismo de garantir alguma estabilidade na apreciação, através da ratificação da compatibilidade constitucional por parte do Tribunal Constitucional, poder-se-ia traduzir apenas numa estabilidade transitória, até que, eventualmente, o Tribunal Constitucional, após uma possível declaração de inconstitucionalidade, visse reconfirmado o texto inicialmente proposto pela exacta maioria de dois terços que tinha aprovado a revisão da Constituição.
Esta é, no fundo, apenas uma hipótese académica, como qualquer outra, mas que serve para ilustrar a dúvida de filosofia que o PSD tem sobre esta matéria.
De facto, o PSD não entende que a Constituição deva ser preservada como documento irreversível e imutável, que é prévio à vontade do próprio soberano ou dos seus representantes, em cada momento qualificados para a interpretar. Pelo contrário, o PSD tem uma visão descomplexada: a Constituição é a lei fundamental, pelo que deve ser um texto no qual uma maioria significativa - senão a totalidade - dos portugueses se possa rever em questões fundamentais.
O mecanismo de revisão da Constituição é um momento formal, já com mecanismos de estabilidade suficientemente adequados para não permitir grandes conturbações na evolução natural que o texto constitucional vai tendo, daí que a introdução deste mecanismo (não sendo dramática) não nos pareça saudável, na medida em que induz apenas alguma perturbação num mecanismo de evolução normal do texto constitucional, que, do nosso ponto de vista, deveria ser tido como democraticamente saudável e perfeitamente justificável a todos os títulos.
Quanto à proposta de aditamento do n.º 4-A, também apresentada pelo PS, com toda a franqueza, devo dizer que a compreendo. No entanto, a primeira interrogação que queria colocar, com toda a lealdade, é se esta alteração não será motivada por uma lógica de situação concreta, eventualmente ocorrida no passado.
Coloco esta questão porque, de facto, sendo certo que o Regimento da Assembleia da República é uma lei importantíssima em termos de funcionamento da democracia - ou não fosse a Assembleia a sede do sistema de democracia representativa -, ele deve, obviamente, respeitar escrupulosamente os princípios constitucionais. E a Assembleia da República, sendo tudo isso, também é, por excelência, tal como o processo legislativo que nela decorre, o mecanismos mais transparente que existe do funcionamento da nossa democracia. Ou seja, não há nada mais transparente, nada mais aberto do que o processo legislativo na Assembleia: as sessões da Assembleia são públicas por natureza, a participação do povo português no próprio funcionamento da Assembleia, assistindo aos trabalhos da Assembleia, é um mecanismo constitucionalmente garantido, e os mecanismos de sancionamento político daí decorrentes, para eventuais perturbações constitucionais nesse funcionamento, são uma evidência por demais comprovável.
Em relação à introdução de um mecanismo de fiscalização preventiva, parece-me que, se pusermos no prato da balança os "prós" e os "contras", eventualmente encontraríamos mais "contras" do que "prós". Isto porque os "prós", como acabei de referir, são já salvaguardados pela extraordinária abertura e transparência dos trabalhos parlamentares e por todo o processo legislativo da Assembleia, com o sancionamento político natural, daí decorrente, das opções tomadas no âmbito do trabalho parlamentar. No entanto, teria o "contra" de poder ser utilizado sistematicamente (lá está, a tal crítica que o PSD faz genericamente ao instrumento de apreciação preventiva) como arma de arremesso político ou como arma de guerrilha política, particularmente gravosa no contexto desta proposta do PS, quando, por razões estritamente aritméticas, fosse aplicado às assembleias legislativas regionais. Isto porque um quinto dos deputados das assembleias legislativas regionais é, de facto, um grupo restrito de representantes das populações das regiões autónomas.
É, pois, evidente que os "contras" da aprovação de um sistema destes seriam mais desestabilizadores do que estabilizadores - uso esta expressão, para não utilizar a palavra moralizadores, que, obviamente, não se aplica por estarmos no domínio da política pura e da utilização de instrumentos políticos.
Por último, quanto à proposta que o Sr. Presidente adopta, que foi formulada pelo Prof. Jorge Miranda, devo dizer - como, de resto, decorre da boa interpretação da declaração que fiz a propósito da proposta do PSD de eliminação da fiscalização preventiva - que, obviamente, a apreciação que o PSD faz desta matéria é qualitativamente diferente. Ou seja, uma proposta que tenha por base retirar aquele que é o efeito nefasto (para nós) deste instrumento da fiscalização preventiva, que é o da sua utilização

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discricionária (leia-se politização), é evidentemente olhada por parte do PSD, à partida e desde logo, com alguma abertura e receptividade.
A proposta que aqui está em causa, numa matéria tão delicada como é a da estabilização do relacionamento internacional entre Portugal e outros países, vai no sentido de permitir uma estabilização mais segura das normas que são negociadas e aprovadas internacionalmente pelo Estado português, com vista a atribuir uma maior dignificação e uma maior capacidade negocial do Estado português em situações futuras, uma vez que se podem, eventualmente, fazer acrescer, aqui, mecanismos de garantia e de estabilidade no respeito e no cumprimento, por parte do Estado português, de determinado tipo de normas que possa eventualmente convencionar com Estados amigos.
Esta é, pois, uma questão que o PSD vê com receptividade, pelo que gostaria de deixar expressa uma atitude de abertura - até porque esta proposta, por não constar de nenhum dos textos, não foi previamente discutida nem politicamente adquirida dentro do PSD. No entanto, pelos contornos que abstractamente situei, e uma vez que se trata aqui da colocação de uma fiscalização preventiva vinculada ou obrigada por lei - ou seja, não passível de utilização discricionária e de utilização política como arma de arremesso -, é evidente que todas as nossas dúvidas quanto a este instrumento de fiscalização preventiva cedem numa situação como esta, ou seja, caem por terra, pura e simplesmente não ocorrem!
Em face do exposto, manifesto tão-só a abertura do PSD, Sr. Presidente, visto que não existe uma posição política consolidada dentro do PSD, porque a mesma não constava de nenhum dos projectos de revisão constitucional. Contudo, repito, a nossa posição é de alguma receptividade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria apenas lembrar o seguinte: tanto a proposta do PS, relativa ao alargamento da possibilidade de fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis de revisão constitucional, como a proposta do Prof. Jorge Miranda, que eu adoptei, de fiscalização obrigatória de certo tipo de tratados estão ligadas à preclusão da fiscalização sucessiva. O PS propõe-na, expressamente, no novo n.º 3 do artigo 277.º e o Prof. Jorge Miranda propõe-na no n.º 5 do artigo 279.º. Aliás, a preclusão da fiscalização sucessiva só se compreende tornando obrigatória, ou alargando e tornando relativamente normal, a fiscalização preventiva.
Srs. Deputados, estão à discussão as propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta fase da discussão, gostaria apenas de registar duas observações, começando pela seguinte nota prévia: há um longo caminho a percorrer, se desejarmos chegar a qualquer acordo ou a qualquer conjugação de votos que permita alterar a Constituição neste ponto. E, francamente, gostaria de ter ouvido mais e melhores razões para a não aceitação preliminar das nossas propostas.
Em relação às observações, e dirijo-me sobretudo ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há duas linhas de argumentação que importa ainda explorar. A alternativa, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não é entre controlo preventivo ou controlo nenhum - essa alternativa não está ao nosso alcance. A alternativa grau zero de controlo colide com o sistema constitucional actual e, portanto, ao rejeitar esta abertura, proposta pelo PS, o Sr. Deputado, no fundo, acaba por coonestar um sistema que é o de controlo sucessivo, o que, mesmo à luz das suas teses, não oferece vantagem alguma mas, sim, bastantes inconvenientes.
Assim sendo, a sua argumentação assenta basicamente num equívoco: o equívoco de que seja sustentável a teoria do grau zero de controlo, e deixe de lado as considerações feitas sobre a mutabilidade, a mutação constitucional, ou o elogio da mutação constitucional, feita à margem de regras! Sendo certo que a Constituição, em sítio nenhum, decreta a sua eternidade, a verdade é que há regras para essa mudança e, na garantia dessas regras - quanto ao tempo, quanto ao modo, quanto à forma, quanto aos limites -, está também um pilar fundamental do Estado de direito democrático.
De qualquer modo, o cerne da sua argumentação, repito Sr. Deputado, assenta, todo ele, num equívoco. Daí a nossa proposta: suprima-se o controlo sucessivo, eliminem-se as dúvidas à partida, garanta-se a estabilidade constitucional precocemente! Não vi que este argumento tivesse obtido resposta, sobretudo por ignorar abundantemente os termos da escolha. Quando nos equivocamos sobre os termos da escolha, inventamos disjuntivas, de um lado das quais está o vazio - é o caso, perfeitamente!
Em relação à segunda linha de argumentação, essa, francamente, ainda a percebo menos, porque sendo certo que o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre reformas regimentais (designadamente uma determinada reforma, normalmente polémica na altura, sobre a qual, de resto, o juízo do Tribunal não foi de censura), o que nos levou a esta démarche e nos conduziu a esta proposta é: discutam-se os contornos, discuta-se se a maioria de um quinto é adequada!
A maioria de um quinto - repita-se ou sublinhe-se - resultou do respeito, pela nossa parte, da solução a que já tínhamos sido conduzidos em conjunto, em consenso, na segunda revisão constitucional, a propósito do n.º 4 do artigo 278.º, no qual tínhamos escolhido essa maioria para delimitar o número de Deputados necessário para accionar a fiscalização preventiva, em relação aos diplomas a promulgar como leis orgânicas. Foi esta a razão objectiva da nossa proposta, não qualquer outra. Mas, enfim, isso é igualmente discutível, embora não esteja aí, seguramente, o cerne das dúvidas do PSD.
Quanto às vantagens de uma figura deste tipo para aclarar soluções que tenham sido polémicas, numa revisão regimental; para pacificar a vida interna do Parlamento e impedir que ela se desenrole sob o signo contínuo da dúvida ou da reforma espúria, ou do conflito concreto, de cada vez que uma norma polémica é invocada, quanto aos méritos de uma solução desse tipo, parece-me que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não pôde argumentar materialmente nada de significativo.
Por isso, Sr. Presidente, uma vez que se trata de começar e não de acabar aqui o percurso, gostaria de sublinhar que insistiremos neste ponto, porque nos parece ter vantagens

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e, da argumentação expendida, não vimos qualquer inconveniente real. Tanto em assembleias onde haja uma maioria parlamentar absoluta, como em assembleias onde haja uma maioria flutuante ou relativa, ou alterações da composição da própria maioria, sempre um quinto dos Deputados poder desencadear a apreciação preventiva de um quadro regimental controverso será um factor de clarificação, de consolidação e de positiva prevenção.
Por conseguinte, Sr. Presidente, bater-nos-emos seriamente para que esta oportunidade de revisão constitucional não seja perdida neste ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, da nossa parte, não temos objecção, antes pelo contrário, à possibilidade de fiscalização preventiva de normas constantes de regimentos de assembleias, quer da Assembleia da República quer de assembleias legislativas regionais.
Portanto, é uma ideia que vemos com muito bons olhos, parecendo-nos inclusivamente excessiva a exigência de um quinto dos Deputados para requerer essa apreciação. Afigura-se-nos que não seria necessário e que a ideia ganharia mais se não fosse adoptado um rigor tão excessivo, ou uma exigência tão excessiva que, na Assembleia da República, é de 50 Deputados. Creio, pois, que não seria necessário exigir um número tão grande de Deputados para suscitar essa questão.
Relativamente à possibilidade da apreciação preventiva da constitucionalidade, quer em relação a normas constantes de revisões constitucionais quer, na proposta do Prof. Jorge Miranda, extensiva a normas de tratados internacionais (não tenho aqui a formulação, mas creio que é isso), pensamos que se trata de algo que também deve merecer ponderação. Assim, pela nossa parte, é com abertura que registamos estas propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria fazer esta segunda intervenção apenas para desfazer alguns eventuais mal entendidos que possam resultar da discussão que já aqui travámos.
Em primeiro lugar, queria chamar atenção para o seguinte: aparentemente, embora esse aspecto não tenha sido citado expressamente pelos proponentes, a proposta do PS relativa à fiscalização preventiva das leis de revisão (aparentemente, reafirmo) apenas teria o condão de, em termos práticos, concretizar a teoria da necessidade da dupla revisão, no caso da alteração de limites materiais da Constituição.
Teoricamente, o que pode estar em causa numa apreciação preventiva da constitucionalidade, quando a Assembleia da República imbuída de poderes constitucionais opta por alterar o texto fundamental, é saber se - excluindo, obviamente, questões de lapsos procedimentais que também podem ocorrer (e sabemos que na nossa história constitucional, não da revisão constitucional mas na aprovação de diplomas de reserva da Assembleia, ou seja, diplomas importantes, já aconteceram exemplos de alguns lapsos procedimentais). Mas, dizia, pondo de parte este tipo de situações, a apreciação de constitucionalidade não teria aqui, até porque não poderia tê-la, qualquer tipo de função de apreciação política sobre as opções tomadas na revisão da Constituição, mas, fundamentalmente, uma função apenas restritas a questões que têm a ver, nomeadamente, com a célebre (e muito discutida) questão da necessidade ou não de dupla revisão, no caso de alteração dos limites materiais de revisão.
Portanto, do meu ponto de vista, embora não expressa pelos proponentes, esta seria uma primeira consequência da eventual aprovação desta proposta do PS, com a qual, devo dizer claramente, o PSD não está de acordo. Tal como já aconteceu em 1989, o PSD entende que quando a Assembleia da República está legitimamente imbuída de poderes constitucionais não há necessidade de fazer a dupla revisão para se alterar matérias para as quais se exige uma maioria qualificada de alteração. Esta é a primeira questão.
Em segundo lugar, Sr. Deputado José Magalhães, há pouco fiquei-me apenas pelo plano geral mas, em abstracto, devo dizer-lhe que há, inclusive, nesta proposta do PS, uma séria de incongruências. Por exemplo, a possibilidade de o Primeiro-Ministro requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da lei de revisão, só se poria em termos académicos, porque pressuporia um Governo que nem sequer tivesse uma maioria superior a um terço a apoiá-lo na Assembleia da República; seria impensável, em termos práticos, a existência de um Primeiro-Ministro e de um Governo que estão na oposição relativamente a dois terços da Assembleia da República. Esta é uma situação perfeitamente caricata e que, enfim, só academicamente poderia existir.
É que, teoricamente, um terço dos Deputados da Assembleia da República corresponde à maioria derrotada. Aliás, neste momento, essa maioria até é aritmeticamente impossível porque 230 não é divisível por 3, pura e simplesmente! Tal pressuporia uma situação em que haveria dois terços exactos, nem mais um nem menos um, que aprovariam a lei de revisão, e um terço exacto que era contra a lei de revisão, e esse, sim, poderia… Parto do princípio de que quem aprovou a lei de revisão não vai pedir a apreciação da sua constitucionalidade, como é evidente, pois não tem interesse político nenhum em fazê-lo.
Em suma, a proposta do PS é perfeitamente irrealista porque, como disse, 230 não é divisível por 3 e, portanto, nem sequer se pode colocar o problema, isto é, só em teoria! Enquanto iniciativa quer do Governo quer de um terço dos Deputados esta seria uma situação perfeitamente caricata (teria de haver uma divisão perfeitamente abstrusa da situação política, do quadro político da Assembleia da República), situação essa que, eventualmente, não foi pensada pelos próprios.
No que se refere à questão do Regimento, Sr. Presidente, terminaria dizendo que tudo seria diferente se o Partido Socialista - e esse é o sentido útil do debate que hoje temos estado aqui a travar, em termos de interpretação das posições de cada um dos partidos - reconduzisse esta sua proposta a um eventual mecanismo de fiscalização obrigatória dos regimentos (falo de fiscalização obrigatória dos regimentos atendendo exactamente ao tal valor estruturante e fundamental para o funcionamento do nosso modelo de democracia representativa), retirando tudo aquilo que, desde

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o princípio desta reunião, o PSD tem vindo a criticar neste mecanismo, neste instrumento da fiscalização preventiva, que é a sua utilização política, a sua utilização como arma de combate político.
Como dizia, tudo seria diferente se, em vez de se prever mecanismos para um quinto dos Deputados… E, neste caso, o PCP - e bem - já vem argumentar que não pode ser uma iniciativa de um quinto dos Deputados, porque não têm um quinto dos Deputados. Actualmente, um quinto dos Deputados correspondem a 46…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Nós estamos é preocupados com o PP!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, o PP também lá não chegaria, porque nem o PP, nem o PCP, nem os dois juntos, sequer, têm 46 Deputados, na actual conjuntura política.
Cá estão todos os inconvenientes que resultam exactamente da lógica de politização a que está sujeito este instrumento da fiscalização preventiva. Tudo seria diferente se se optasse por apresentar propostas que, desde logo, arredassem estes contornos políticos do instrumento e, por exemplo, à semelhança do que o Sr. Presidente nos colocou como repto para discussão desta proposta do Prof. Jorge Miranda, se os proponentes avançassem com uma qualquer proposta de constitucionalização de um princípio de fiscalização necessária das normas do Regimento. Em qualquer circunstância, ter-se-ia de ver se seria uma qualquer norma avulsa ou se teria de ser feita uma alteração ao Regimento. Enfim, há uma série de aspectos a ponderar nesta matéria.
Da mesma forma, há que ponderar uma outra questão importante, que eventualmente também decorre desta lógica da fiscalização preventiva das leis de revisão no seu todo, que tem a ver com a necessidade de aferir se o prazo hoje constitucionalmente estabelecido para a fiscalização preventiva, que é de 20 dias, é suficiente para uma fiscalização incidente sobre matérias tão importantes como a Constituição da República ou o Regimento da Assembleia da República, que também é um documento bastante extenso. É que, atendendo ao que está em causa, aqui a questão não deveria ser a apreciação da norma A ou B mas, sim, a apreciação da legitimidade constitucional de todas as alterações que são feitas. Trata-se, pois, de outro aspecto que tem de ser reponderado.
Queria deixar aqui esta nota apenas para reflexão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que queria colocar diz respeito aos critérios de determinação do limiar de Deputados para intervirem junto do Tribunal Constitucional.
A situação que está colocada nestas propostas é a seguinte: actualmente, na alínea f) do n.º 2 do artigo 281.º, em relação à declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade, exige-se um décimo dos Deputados; em relação às leis orgânicas, um quinto; em relação aos regimentos, um quinto - não se percebe exactamente porquê! -; em relação ao requerimento de declarações de inconstitucionalidade de leis de revisão, um terço. Isto é, a intenção inicial da Constituição foi claramente a de garantir que os principais grupos parlamentares, designadamente os dos quatro partidos principais do sistema partidário, tivessem o poder de suscitar um pedido de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade pelo Tribunal Constitucional.
Como tal, da parte do PCP, o problema não é medir os seus Deputados nem fixar critérios de oportunidade política mas, pura e simplesmente, garantir alguma coerência nesta matéria e, designadamente, restaurar a situação do texto constitucional aquando da sua elaboração, que apontava exactamente para os quatro principais partidos terem este direito.
É evidente que o número de Deputados da Assembleia da República evoluiu, tal como o sistema partidário, mas o reconhecimento de um direito em concreto não apenas aos dois principais partidos do leque partidário (em termos eleitorais e de número de Deputados) como aos quatro principais partidos é uma questão que continua em cima da mesa e é um problema político, que se quer ou não se quer, com a certeza de que, quando se colocam estes números, está a dar-se o direito a uns e não a outros.
A questão que queria colocar ao Sr. Deputado é a de saber se ignora que este é o problema fundamental e que não é propriamente por puros critérios de oportunidade política que o PCP, através do Sr. Deputado António Filipe, levantou esta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou ser telegráfico.
Devo dizer que concordo totalmente com o Sr. Deputado Luís Sá. Efectivamente, são esses alguns dos inconvenientes que o PSD tem estado a esgrimir à volta deste mecanismo da fiscalização preventiva e, pelos vistos, quando vos "dói", os senhores também percebem que o mecanismo é perverso!
Ora, é exactamente por isso que sugeri, há pouco, que tudo seria diferente se o mecanismo fosse de fiscalização obrigatória atendendo à relevância de determinado tipo de processos legislativos. Se se chegar à conclusão de que o processo legislativo de alteração dos regimentos das assembleias é estruturante do sistema e, como tal, não deve ser passível de qualquer tipo de dúvidas, então não se submeta esta questão a maiorias ou minorias políticas, obrigue-se à fiscalização! Mas acabe-se com a politização, que tem imensos inconvenientes, inclusive aqueles que o Sr. Deputado acabou de referir, e muito bem, e com os quais concordo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não pára de me surpreender com os novos pressupostos das suas argumentações, de vez em quando!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É bom sinal, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Gostaria de referir alguns aspectos sobre a questão da fiscalização das leis de revisão constitucional.
A proposta apresentada pelo PS para o artigo 278.º é consequência da sua proposta para o n.º 3 do artigo 277.º,

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isto é, o PS propõe o alargamento da fiscalização preventiva para assim poder justificar a eliminação da fiscalização sucessiva. Quanto à fiscalização da constitucionalidade das leis de revisão constitucional, ela existe, pura e simplesmente; o problema é o de saber se estamos ou não disponíveis para eliminar a fiscalização sucessiva, abrindo ou alargando a fiscalização preventiva - é tão-só isto.
Trata-se de um problema que nada tem a ver com a questão da inconstitucionalidade material. Esta revisão constitucional que estamos a fazer, segundo uma autorizada voz, já é inconstitucional - estamos a fazer uma revisão inconstitucional, segundo o ex-Deputado Jorge Miranda! Assim, ao aprovarmos a lei de revisão constitucional, esta revisão continuará com a imagem de ser inconstitucional! Se porventura mexermos no sistema eleitoral, é provável que alguns Deputados dos PCP venham dizer que esta revisão é inconstitucional porque mexe nesse artigo; se, porventura, mexêssemos na eleição do presidente da câmara municipal, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes diria que tínhamos cometido uma grosseira inconstitucionalidade material!
Isto apenas para referir três casos de inconstitucionalidade que já foram suscitados: um que está na calha desde há dois anos, que é a inconstitucionalidade por intempestividade da revisão, e outros dois, de inconstitucionalidade material, que foram levantados aqui, na Comissão, um dos quais pelo próprio Sr. Deputado Luís Marques Guedes que disse, redondo, "preto no branco", e de forma, aliás, insólita, que a eleição indirecta da câmara municipal seria inconstitucional.
Passemos a questões mais concretas e mais possíveis. Por exemplo, a Constituição proíbe a revisão constitucional em Estado de sítio ou em Estado de emergência, que, a ser feita, sofre de inconstitucionalidade procedimental. Assim, podemos antes fazer uma revisão constitucional extraordinária sem assumir poderes de revisão constitucional expressos. Outro caso será a feitura de uma revisão constitucional sob referendo promovido pelo Presidente da República. Tudo isto são inconstitucionalidades da revisão constitucional que nada têm a ver com o conteúdo da mesma.
O problema que coloco e que me preocupa é o de saber até que ponto é vantajoso consumar revisões constitucionais desta natureza, acusadas, bem ou mal, de serem inconstitucionais, e manter durante toda a vida o problema da legitimidade da Constituição que nos rege. Preferia que as coisas fossem "limpas" à partida, isto é, antes da consumação, do acouchement, do parto, isto é, que se soubesse que a "criança" nasce limpa e escorreita!
Não gostaria nada que esta revisão, que o Prof. Jorge Miranda qualifica como inconstitucional, se mantivesse com essa dúvida, com essa mácula de ser inconstitucional e preferia que tivéssemos a possibilidade de submeter esta questão ao Tribunal Constitucional para que este dissesse claramente que não há inconstitucionalidade alguma nesta revisão.
O que acontece neste caso ocorre em todos os outros que citei; é uma questão de estabilidade institucional e de pôr fim à conflitualidade política.
O problema não está em introduzir a fiscalização preventiva mas, sim, em acabar com a fiscalização sucessiva, o que só é possível se dermos a possibilidade de alargar a fiscalização preventiva. Quanto a este ponto, é óbvio que um terço dos Deputados é um exagero. Penso que a proposta do PS, nesse ponto, é excessiva, mas não porque as contas do Sr. Deputado Luís Marques Guedes tenham alguma razão de ser, pois é óbvio que todo o número é divisível por três, com um resto - também 231 não é divisível por dois e, no entanto, há maiorias absolutas na nossa Constituição. Como tal, francamente não percebo esse tipo de argumento.
O problema não é esse, nem sequer o facto de, sendo uma revisão aprovada necessariamente por dois terços, só restar um terço para pedir a fiscalização. Eu próprio, que certamente irei votar favoravelmente a revisão constitucional que vamos aprovar, seria o primeiro a subscrever um pedido de fiscalização preventiva desta revisão exactamente para ultrapassar as dúvidas que foram colocadas sobre a sua legitimidade por alguém autorizado. Não é necessário votar contra a revisão para pedir a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Como disse, neste caso concreto, eu seria o primeiro a fazê-lo e, certamente, comigo haveria muitos Deputados que gostariam de eliminar a dúvida sobre a legitimidade constitucional desta revisão.
Como tal, a proposta do PS é perfeitamente congruente. O que está em causa é saber se há ou não vantagem em eliminar a fiscalização sucessiva e em tornar claro, à partida, que as revisões constitucionais não são inconstitucionais, sobretudo por razões procedimentais, de tempo e dos limites circunstanciais de revisão.
Quanto aos limites materiais, já sabemos que, havendo a teoria da dupla revisão, a possibilidade de inconstitucionalidade material só pode ocorrer em leituras extremistas e fundamentalistas. Aliás, ainda no outro dia, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes nos brindou com a ideia de que era impossível mudar a eleição da câmara municipal para eleição indirecta - coisa que, suponho, até agora ninguém tinha defendido, mas há sempre coisas novas à face do mundo e temos de estar preparados para não nos surpreendermos com elas!
A questão que se põe é a de saber se a norma do n.º 4.º-B é uma pura consequência da norma do n.º 3 do artigo 277.º e, portanto, uma coisa é certa: o PSD não pode escolher aprovar o n.º 3 do artigo 277.º enjeitando o n.º 4-B do artigo 278.º, pois é um pacote único, como é óbvio. Se não aprova o n.º 4-B do artigo 278.º, é óbvio que a proposta do PS para o n.º 3 do artigo 277.º cai e ficamos como está, ou seja, continuamos a ser um Estado em que as leis de revisão constitucional, como qualquer outra lei, são a todo o tempo impugnáveis perante o Tribunal Constitucional. É essa a situação existente e, aparentemente, é essa a situação que o PSD quer.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria apenas dizer que não me referi à parte da proposta do n.º 4-B do PS referente a um terço dos Deputados exigível para requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas constantes de revisões constitucionais.
O Sr. Deputado Luís Sá já referiu, e bem, a disparidade que existe nas exigências de número de Deputados para requerer a fiscalização da constitucionalidade e quanto aos seus fundamentos, mas creio que o argumento do Sr. Deputado Luís Marques Guedes relativamente à questão da

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divisibilidade não é válido, embora o argumento político da exigência de um terço já o seja. Isto é, não faz muito sentido que se exija que para suscitar perante o Tribunal Constitucional o problema da constitucionalidade de uma revisão constitucional seja preciso contar com quem a aprovou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. António Filipe (PCP): - Efectivamente, é essa a questão. O Sr. Presidente diz que é possível encontrar situações dessas…

O Sr. Presidente: - Mas eu não disse que um terço era excessivo. Não argumente contra mim!

O Sr. António Filipe (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. Mas como me pronunciei sobre essa norma sem ter referido esta questão do um terço, queria fazê-lo agora para dizer que creio que o argumento decisivo é o de que não faz sentido que seja obrigatório ter de recorrer a alguém que integrou os dois terços que aprovaram essa lei de revisão para suscitar a apreciação da constitucionalidade da mesma. Esta é uma proposta que, nos termos em que está apresentada, se nega a si própria, pelo que a menção a um terço dos Deputados deveria ser corrigida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, gostaria de complementar algumas das afirmações que o Sr. Presidente fez dirigidas a posições defendidas por mim e pelo PSD.
Em primeiro lugar, queria clarificar perfeitamente uma matéria que ficou um pouco atravessada nas propostas do Partido Socialista, que é a questão da eleição dos presidentes de câmara.
A precisão que quero fazer vai neste sentido: o que disse, e repito, é que se o Partido Socialista tem sido sempre tão zeloso quando discutimos as alterações ao sistema eleitoral, ao invocar o princípio que consta no artigo 288.º relativamente ao sistema de representação proporcional e à potencial ou putativa violação desse sistema pelas propostas que estão colocadas sobre a mesa, nomeadamente por parte do PSD, também deveria ter em conta (o que até é curioso) que é exactamente na mesma alínea do artigo 288.º, em que se fala do sistema de representação proporcional, aí de uma forma perfeitamente aberta e abstracta, porque não se diz qual a fórmula de representação proporcional, apenas se fala no sistema - como se houvesse um único, e toda a gente sabe que não é assim, que há muitíssimos! -, mas, dizia eu, é nessa mesma alínea que a Constituição coloca como limite à revisão constitucional o sufrágio universal, directo, secreto e periódico da designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local.
Ora, como actualmente, segundo o estabelecido na Constituição, o presidente da câmara é um órgão eleito por sufrágio directo, universal, secreto e periódico, do nosso ponto de vista, obviamente, pela mesma ordem de razões que o Partido Socialista é sempre tão pressuroso a dizer "Aqui d'el Rei! Não se pode alterar a lei eleitoral para as câmaras, porque viola os limites materiais na parte relativa ao sistema de representação proporcional", eu chamo a vossa atenção para que, por maioria de razão, então, deveriam ter muito mais cuidado ao apresentarem propostas como aquelas que apresentaram para a abolição do sufrágio de eleição.

O Sr. Presidente: - Posso interromper, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vou lançar-lhe um pequeno desafio, que é o de encontrar um autor que tenha, ao menos, sugerido a possibilidade de essa alínea salvaguardar o elenco dos órgãos electivos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se calhar não encontro porque nunca ninguém pensou nisso! O que penso é que não há verdades imutáveis nesta matéria!

Risos

O Sr. José Magalhães (PS): - Sugiro a leitura de uma bibliografia mínima!

O Sr. Presidente: - Vou sugerir-lhe a leitura da bibliografia elementar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, creio que essa sua sugestão nem sequer fica bem a um ilustre académico, como é o caso de V. Ex.ª, porque sabe perfeitamente que não há verdades adquiridas nestas matérias, como é evidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Há um equívoco!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há equívoco algum, Sr. Deputado. O que digo, e mantenho - e, pelos vistos, tocou-vos fundo, porque continuam a falar disso -, é que o vosso argumento de defesa da representação…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há teses que, de facto, não podem deixar de surpreender. E essa é uma delas, de certeza!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é, Sr. Presidente. Nós também ficámos surpreendidos com a tese de abolição da eleição para o presidente de câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma coisa é ficar surpreendido quanto à solução política, mas argumentar que ela seria inconstitucional é que é, de facto - permita-me a expressão -, algo insustentável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, os limites materiais estão escritos na Constituição por alguma razão!
Desfeita essa dúvida, o segundo aspecto que gostaria de elucidar prende-se exactamente com a questão de um terço

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e de dois terços dos Deputados. O Sr. Deputado António Filipe coloca a questão, e bem, quanto à pertinência da objecção que fiz. No entanto, chamo a vossa atenção - já é a segunda vez que o faço e tenho pena de não ter ouvido o PCP reflectir sobre este assunto - para o seguinte: a forma de o superar não é diminuir a perplexidade, é afastar o problema político!
Se há nesta, como em qualquer outra matéria, problemas - não há no que respeita à lei de revisão constitucional, mas há quanto às leis que aprovam o regimento -, então objective-se a situação e pondere-se nesse plano a constitucionalização da fiscalização necessária de determinado tipo de leis, nomeadamente as que aprovam regimentos, as que aprovam tratados ou o que quer que seja. Essa, sim, do nosso ponto de vista, será a maneira correcta de perspectivar politicamente o que está aqui em causa.
Por último, Sr. Presidente, quanto à questão da fiscalização da constitucionalidade das leis de revisão constitucional, quero referir que não temo qualquer problema quanto à fiscalização sucessiva das leis de revisão, nem o problema existe de facto. Há vinte anos que temos Constituição da República e, que me recorde, nunca houve qualquer problema de instabilidade tremenda, de insegurança, de incerteza face à Lei Fundamental, por força de um qualquer mecanismo de fiscalização sucessiva sobre as alterações que foram introduzidas...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, até agora nunca ninguém questionou as leis de revisão constitucional!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - E agora, pela primeira vez, isso está a ser feito!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, mas é exactamente esse o ponto que quero sublinhar. Em vinte anos, que me recorde, nunca foi levantado qualquer problema, insegurança ou incerteza relativamente às alterações da Constituição. Ora, a ideia de que é um ganho decisivo afastar-se a possibilidade de fiscalização sucessiva foi um argumento esgrimido pelo PS. Mas, com toda a franqueza, Sr. Presidente, a realidade demonstra-nos que esse drama não existe. Nunca o sentimos e pensamos que ele não existe, de facto!
Pelo contrário, para o PSD, existem, sim, problemas de legitimação política. Portanto, não se trata de um problema de legalidade em torno da revisão constitucional, pelas razões que referi inicialmente.
Ora, quanto aos problemas de legitimação política - não é que seja uma questão análoga a esta, mas tem o mesmo cerne, que é o de uma legitimação não jurídica, não jurisdicional mas política -, relativamente às leis da revisão constitucional, o PSD propõe a possibilidade de um referendo nacional. Aí, sim, estaria em causa um problema não de legitimação jurisdicional mas de legitimação política. Esta é que é a questão fundamental para nós.
Se a Constituição carece de legitimação - e não estou a falar de legitimação jurisdicional mas, sim, fundamentalmente, de legitimação política, à semelhança do que existe em países tão perto de nós e tão democratas como a nossa vizinha Espanha -, o problema, a ser equacionado (e o PSD equaciona-o no seu projecto de revisão constitucional), prender-se-ia eventualmente com a possibilidade de um referendo, além da legitimação do soberano povo português face às leis de revisão, e não teria lugar no plano da sua verificação jurisdicional.
Esta é a posição do PSD e não vale a pena ter aqui "meias tintas" sobre o assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, deixe-me apenas fazer uma observação a propósito de uma questão suscitada pelo Sr. Deputado Marques Guedes, quando se referiu à possibilidade da fiscalização obrigatória, designadamente de regimentos, pois parece-me que isso não faz muito sentido.
Com efeito, para que haja uma fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional, creio que o mínimo é exigir que alguém coloque alguma questão, suscite alguma dúvida ou impugne alguma norma perante o Tribunal Constitucional. Não me parece, pois, que faça grande sentido que quando fosse aprovado um regimento de uma assembleia, fosse da Assembleia da República, fosse de uma assembleia legislativa regional, que oficiosamente esses regimentos fossem mandados para o Tribunal Constitucional, dizendo: "Os senhores pronunciem-se"!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é assim na Lei do Referendo?

O Sr. António Filipe (PCP): - É assim relativamente à pergunta para o referendo, Sr. Deputado. Ou seja, a questão coloca-se não em relação à Lei do Referendo mas no que respeita à pergunta a formular para o referendo, o que é completamente diferente! Ou seja, é completamente diferente perguntar ao Tribunal Constitucional se é constitucional que esta pergunta seja feita aos eleitores ou enviar-lhe um regimento com 250 normas pedindo-lhes que, se encontrarem alguma inconstitucionalidade, digam-nos! Isto não faz qualquer sentido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está registada a oposição do PSD em relação às propostas em causa.
O PSD solicitou que terminássemos a reunião mais cedo, hoje, pedido que foi deferido. A próxima reunião está agendada para quinta-feira, à noite. Contudo, se a votação do Orçamento do Estado se prolongar para além dessa hora, não poderá haver reunião. Caso contrário, a Comissão reunirá na próxima quinta-feira à noite, como habitualmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, caso não haja reunião na quinta-feira, fica a mesma adiada para segunda-feira, às 15 horas?

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
Está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 15 minutos.

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