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Quinta-feira, 17 de Abril de 1997 II Série - RC - Número 76

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 16 de Abril de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião eram 18 horas e 20 minutos.
Procedeu-se à discussão e votação das propostas de alteração aos artigos 22.º e 23.º
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Pedro Passos
Coelho (PSD), Odete Santos (PCP), José Magalhães (PS), Cláudio Monteiro (PS), Calvão da Silva, Moreira da Silva, Barbosa de Melo e Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá (PCP), Guilherme Silva (PSD) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Sá. Julgo compreender a razão por que o faz.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que queria colocar representa, no fim de contas, a manifestação de uma preocupação acrescida em relação àquela que já ontem foi aqui manifestada pelo Sr. Deputado João Amaral.
Creio que aquilo que se passa em matéria de actas é qualquer coisa de verdadeiramente absurdo e preocupante e exige medidas da presidência da Assembleia, dos Serviços, etc., etc., e inclusive averiguação de responsabilidades em relação àquilo que está a acontecer.
Se me permitem e recorrendo apenas a um dia - mas os exemplos podiam ser múltiplos - na página 55 da Acta da reunião do dia 19 de Setembro de 1996, de manhã, diz-se: "O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Segundo o ponto de vista do PSD, não é a apresentação de (... ? ...) de problemas (... ?? ...) é preciso uma mobilidade, fazemos aqui uma manobra constitucional que inclua em todas as situações uma manutenção das condições existentes da ?? antes da (inaudível) isso deve ser deixado para a lei, para resolver casos por partes esta matéria".

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós lemos e revimos!...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, Sr. Deputado! Julgo que é indispensável que a Comissão tenha consciência da gravidade do que está colocado.
Na acta referente à tarde do mesmo dia, na página 10, são atribuídos vários parágrafos de perguntas feitas ao dirigente da CGTP Manuel Carvalho da Silva pelo Sr. Presidente e a mim, designadamente, é-me atribuída a defesa da consagração constitucional dos "serviços mínimos".
Ainda na mesma acta, na página 39, não é identificado o Deputado que fez uma pergunta, estando em lugar do seu nome três pontos de interrogação e depois está escrito: "(início da frase não se percebe) exclui expressamente, implicitamente, a possibilidade de proceder livremente, quer dizer (não se entende) a lei directamente à negociação colectiva".
Depois, o Sr. João Proença responde: "pois, poderá ser um avanço que é um conteúdo da lei (não se entende) a negociação colectiva".
Sr. Presidente, esta situação continua, o Sr. João Proença diz coisas enormes, como é evidente, e a seguir outra entidade identificada com três pontos de interrogação diz: "nós, em representação da acção industrial portuguesa, Dr. António de Almeida, portuense, queria eu dizer..."

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode sintetizar?...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, realmente eu poderia continuar a dar exemplos...
Creio que o esforço que é feito pelos Serviços de Redacção da Assembleia e que nós conhecemos de revisões constitucionais anteriores e de outros actos parlamentares gravados, é verdadeiramente notável e aquilo que se passa nesta matéria, numa questão de grande responsabilidade e que é obrigatório publicar é objecto de grande preocupação. Isto impõe a averiguação do que se passou e, inclusive, de responsabilidades.
Naturalmente que, neste plano, faremos todo o esforço para rever os textos passíveis de revisão, mas há matérias em que o substracto que nos é fornecido não permite a respectiva revisão e, por mim, quero dizer que sou completamente alheio a várias enormidades que me são atribuídas ao longo das actas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Entregaram o trabalho de transcrição das cassetes a empresas estrangeiras...!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não tem o Presidente da Comissão dito outra coisa se não confirmar e participar das preocupações que os Srs. Deputados têm manifestado relativamente à matéria.
O Presidente da Comissão, num dos seus primeiros actos nesta segunda leitura, oficiou ao Sr. Presidente da Assembleia no sentido de apelar a todas as diligências que fossem possíveis para superar a situação de dificuldade e até de gravidade em que nos encontramos neste domínio.
Por outro lado, junto com a Divisão de Redacção da Assembleia, cuja dedicação me apraz voltar a registar, tem-se combinado uma metodologia de trabalho através da qual estas actas que acabaram de ser referidas pelo Sr. Deputado Luís Sá e outras que enfermam do mesmo vício, venham a ser revistas a partir das cassetes originais, o que significa que estas distribuições de actas que estão a ser feitas devem ser entendidas pelos Srs. Deputados apenas como um "borrão" de acta e não como uma acta em sentido próprio. Esses textos dão-nos alguma sustentação para a memória possível dos debates da primeira leitura, mas as actas em sentido próprio não poderão ser o resultado transcrito daquilo que são os "borrões" que nos têm sido distribuídos.
Portanto, Sr. Deputado Luís Sá, comungo da preocupação que expressou e o que peço ao PCP e aos Deputados dos outros grupos parlamentares é que cooperem com a Mesa para a superação das dificuldades. O problema está posto e reafirmado e continuaremos a fazer todas as diligências para que ele possa ser efectivamente resolvido da melhor maneira.
Dito isto, Srs. Deputados, passamos à ordem do dia, que tem a ver com os artigos 22.º e seguintes da Constituição.
Relativamente ao artigo 22.º não foram apresentadas quaisquer novas propostas, portanto vamos votar as propostas constantes dos projectos originais, que vos passo a recordar.
No projecto do PCP existe uma proposta para aditamento de dois novos números, mantendo o corpo actual do

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artigo; no projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros existe uma proposta de alteração do n.º 1 que é o actual corpo do artigo e o aditamento de dois novos números. É tudo relativamente ao artigo 22.º

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, no meu projecto existe também uma proposta de alteração a este artigo.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho! Peço desculpa! Na verdade, no seu projecto, há também uma proposta de alteração relativamente a uma passagem do corpo do artigo. Por outro lado, no projecto do PS há também uma proposta de aditamento de um novo número.
Srs. Deputados, este conjunto normativo está agora em apreciação em segunda leitura, sendo certo que, como não há novas propostas, não vejo que haja razão para novos debates. No entanto, esta foi uma matéria que ficou muito em aberto na primeira leitura, por isso pergunto aos autores das propostas se, da reflexão que foi indiciada na primeira leitura, há algum elemento novo que queiram carrear para o debate.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado, sobretudo porque não tive ocasião, em sede de primeira leitura, de fazer esta apresentação.
Não irei agora juntar muitos dos argumentos que, com certeza, outros proponentes juntaram, na medida em que existiam outras propostas, nomeadamente a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e também a do PCP, sobre exactamente a mesma matéria, mas apenas, de uma forma muito sintética, dizer que o actual corpo do artigo 22.º já abrange as diversas funções dos agentes do Estado, portanto do que se trata aqui é de fazer uma discriminação que impeça que, por leitura do artigo 218.º, nomeadamente do seu n.º 2, que se refere expressamente ao nível de irresponsabilidade dos magistrados, venha a resultar uma falta de assumpção de responsabilidade do próprio Estado por acções ou omissões dos seus agentes, nomeadamente ao nível da sua função jurisdicional.
Portanto, aquilo que se pretende de facto, sem prejuízo de outra discussão e de outras decisões quanto a novos números para este artigo, é fazer aqui uma discriminação objectiva que não permita que, por outra leitura do texto constitucional, o Estado se iniba de assumir as suas responsabilidades, nomeadamente por via de acção ou omissão da sua função jurisdicional, independentemente daquilo que tem a ver com os titulares dessa função individualmente considerados, porque essa, como todos sabemos, além da norma geral que é consensual num Estado de direito, em qualquer Estado de direito, está plasmada também na nossa Constituição.
Peço desculpa a todos os Srs. Deputados e também ao Sr. Presidente por aduzir, com muito espírito de síntese, argumentos que, provavelmente, aqui foram expendidos pelos autores de outras propostas de alteração afins, mas como não tive oportunidade, em sede de primeira leitura, de os enunciar, gostaria que ficasse registado que este é o espírito da alteração que é proposta e que julgo que é compartilhado por várias outras bancadas e por outros Srs. Deputados.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e inscrever-me para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada, para formular o seu pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, o meu pedido de esclarecimento é o seguinte - e depois já me pronunciarei sobre o sentido do actual artigo 22.º: a sua proposta contém ínsito o conceito de que essa responsabilidade é também por factos lícitos, por responsabilidade pelo risco, ou fez a proposta no sentido de que englobaria apenas a questão dos factos ilícitos? A pergunta assenta numa grande discussão que já se fez acerca do actual artigo 22.º, em que há alguma doutrina num certo sentido. Gostava de ver explicitado o conteúdo da sua proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, o sentido da alteração que defendo, como tive oportunidade de dizer, é o de permitir um esclarecimento em sede constitucional: o de que o Estado deva assumir esta responsabilidade, a regular por lei, relativamente também à função jurisdicional.
Todos sabemos que a lei deverá, depois, ser conformada no que respeita, neste caso particular, à responsabilidade individual dos juízes e que não pode ser considerada se não neste contexto, porque num contexto mais geral, a Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu, faz parte da função jurisdicional a noção de irresponsabilidade, mas não pode deixar de ser abrangente a norma da responsabilidade civil, lícita ou ilícita, em sede constitucional, sendo que a lei o deverá regular com precisão, sem com isso estar a contender com o que dispõe o n.º 2 do artigo 218.º, a propósito da função jurisdicional.
Portanto, o sentido da alteração é o de garantir que não fique apenas num magistério da própria função jurisdicional e dos seus órgãos ver ou não uma acção consequente, por via de prejuízos que sejam causados por essa função, sem que o próprio Estado assuma perante o cidadão as consequências das acções ou omissões lesivas não apenas dos direitos, liberdades e garantias mas também de outros direitos sociais e económicos que estejam estabelecidos.
Assim, o sentido da alteração é o de permitir que, do ponto de vista constitucional, nada obste a que a lei venha a regular uma responsabilidade civil muito particular, do que resulte da acção jurisdicional dos agentes do Estado.

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Em minha opinião, devem englobar-se em sede de lei ordinária não apenas os actos lícitos mas também os ilícitos. Mas, como fui claro ou, pelo menos, procurei sê-lo, julgo que, em primeiro lugar, do que se deve cuidar é de não haver em sede constitucional qualquer limitação para que a lei ordinária, depois, se possa regular da melhor forma.

O Sr. Presidente: - Apelo mais uma vez aos Srs. Deputados para que, na medida do possível, procurem não reintroduzir o debate de propostas que já foram discutidas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, era para dizer que, após a primeira leitura, debruçámo-nos sobre a Constituição e tirámos dela a seguinte conclusão: por um lado, o preceito já comporta as dimensões que agora se pretende explicitar, mas, como a explicitação pode ser virtuosa, estamos disponíveis para fazê-la; em segundo lugar, deve ser feita com prudente remissão para lei de casos e termos; e, em terceiro lugar, deve aproveitar-se como projecto-base o do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para dilucidar a questão da responsabilidade solidária, não a tornando obrigatória sempre e em todos os casos, como decorre da actual redacção do artigo 22.º, o que, aliás, nos ocupou durante 98% dos trabalhos da primeira leitura.
Isso implicaria, como diz o guião da primeira leitura que temos estado a utilizar, elaborado pelo Sr. Professor Vital Moreira, a eliminação da responsabilidade solidária no n.º 1; a distinção, como propõe o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, entre os n.os 1 e 2; a redacção do n.º 2 em que se assegurasse a responsabilidade por actos políticos, legislativos e judiciais nos termos da lei; e um n.º 3, em que se previsse a responsabilidade por actos lícitos nos casos e nos termos da lei.
Sr. Presidente, estamos disponíveis para isso e só para isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, este artigo é, de facto, dos artigos mais interessantes pela sua complicação, mas, segundo depreendi das suas palavras, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho parece que entende que a actual redacção do artigo 22.º não envolverá, neste momento, a responsabilidade por factos lícitos ou pelo risco. Esse não é o entendimento que tenho, que alguma doutrina tem e que tem, por exemplo, o ex-Presidente desta Comissão, o Dr. Vital Moreira. O entendimento hoje é que o de que o actual artigo 22.º já inclui essa responsabilidade objectiva, a responsabilidade pelo risco. Portanto, mesmo quando o prejuízo resultar para os cidadãos da função jurisdicional, mesmo quando não há qualquer possibilidade de responsabilizar os juízes, continuamos a pugnar pelo conceito, que vem mais adiante, da irresponsabilidade dos juízes, mesmo nesses casos; não havendo solidariedade, porque não há, o Estado é responsável à face do artigo 22.º
Lembro-me até de que no debate que houve na primeira leitura, quando eu focava este aspecto, o então Presidente Vital Moreira dizia: "Mas, Sr.ª Deputada, se não há solidariedade, há responsabilidade". Recordo isto porque penso que é muito importante a análise deste artigo e a conclusão, que me parece correctíssima, das notações à Constituição, feitas por Vital Moreira e Gomes Canotilho, que dizem que isto já está salvaguardado.
Segundo a doutrina os danos causados pelas funções administrativas, políticas, jurisdicionais e legislativas já estão cobertos pelo artigo 22.º. Se não, o princípio da reparação de todos os danos causados, que penso que é um princípio geral do Estado de direito democrático, estaria em causa - aliás, é a repetição de uma proposta que já anteriormente tínhamos feito noutra revisão constitucional,. Consideramos, pois, que deveríamos explicitar isso e, depois, também o que é para a lei a responsabilidade pelo risco criado pelo deficiente funcionamento dos serviços.
Creio que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem nesta matéria algumas propostas com interesse, embora tenhamos preferência, efectivamente, pelas nossas, na medida em que me parece que é mais correcto manter-se o actual artigo tal como está, com o entendimento de que aí já estão acções ou omissões que podem não ser consideradas ilícitas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, esta foi matéria que ficou em aberto para ulterior ponderação pelas várias bancadas e que tem, de facto, suscitado algumas dúvidas e algumas dificuldades, sobretudo agravadas pela circunstância de as actas, para além de em geral estarem como estão, neste caso em particular estarem absolutamente ilegíveis, não se percebendo designadamente qual é que foi a posição…

O Sr. Presidente: - É um caso de responsabilidade!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É um caso de responsabilidade por deficiente funcionamento não dos Serviços da Assembleia mas de outros serviços que, entretanto, foram contratados para o efeito.
Muito sinteticamente, queria dizer o seguinte: as propostas que foram feitas e que são formuladas no projecto que subscrevo, descontando a proposta que diz respeito à clarificação - e nisso concordo com a Sr.ª Deputada Odete Santos, que a responsabilidade civil também abrange a responsabilidade no exercício de outras funções que não a função administrativa, o que já cabia numa leitura possível do artigo, com a redacção em vigor, mas que não perderia em ser clarificado -, a questão fundamental situava-se, por um lado, na distinção entre os casos de responsabilidade por factos ilícitos e todos os demais casos e por outro, na questão de manter ou não a solidariedade como regra geral da responsabilidade civil, tal como actualmente está em vigor na Constituição.
E porque é que estas duas propostas foram formuladas e têm, aliás, uma articulação e uma justificação comuns?

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Pela circunstância de eu entender, por um lado, que, embora trabalhando com os conceitos tradicionais da responsabilidade civil, que são, aliás, conceitos importados do Direito Civil, o facto é que a evolução jurisprudencial do Direito Administrativo tem permitido perceber que tem havido uma evolução naquilo que são os conceitos tradicionais, quando referidos aos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente pela circunstância de, cada vez menos no Direito Administrativo, a culpa ser um elemento determinante da responsabilidade, designadamente pela circunstância de se ter desenvolvido a teoria, a que alude, aliás, de certa forma, uma das propostas do PCP, défauts du serviçe, do deficiente funcionamento dos serviços, tal como tem sido traduzido entre nós, razão pela qual me pareceu necessário ou importante que ficasse distinto no texto constitucional o princípio da responsabilidade por factos ilícitos, por um lado, e os demais casos, por outro.
Por outro lado, pareceu-me importante que a solidariedade não fosse estabelecida como regra geral, até por uma razão que é a seguinte: é que a solidariedade introduz necessariamente o problema da culpa na discussão da responsabilidade, pelo simples facto de que se é admissível ser dispensável o pressuposto da culpa naquilo que tem a ver com responsabilidade por deficiente funcionamento dos serviços, esse pressuposto nunca poderá ser dispensado naquilo que tem a ver com a imputação individual de responsabilidade ao funcionário ou agente.
Isto é: de alguma forma, a imputação solidária de responsabilidade pode perturbar a própria imputação da responsabilidade à Administração, na medida em que valorize especialmente o problema da culpa, tendo em conta que a acção é movida não apenas contra a Administração mas também contra o funcionário ou agente.
Por outro lado - e talvez esta seja a motivação ou a razão de política que está subjacente à proposta de eliminação da responsabilidade solidária como princípio geral -, pareceu-me que há aqui dois valores que são de difícil equilíbrio: um tem a ver com a circunstância de em nenhum momento poder perpassar pela cabeça do intérprete da norma constitucional que se pretende ilibar o funcionário ou o agente da sua responsabilidade individual pelo dano que seja causado ao particular.
Contudo, é preciso também que a imputação da responsabilidade individual ao funcionário ou agente não possa condicionar, como tem condicionado e como condiciona efectivamente, o próprio exercício ou a própria prossecução da actividade administrativa, pela razão simples de que, se é certo que ele tem de responder - e responderia sempre nem que fosse por via do exercício do direito de regresso -, o facto é que a possibilidade de lhe ser imputada solidariamente a responsabilidade tem um factor de inibição e de condicionamento do exercício da actividade pelos funcionários e agentes que não é de menosprezar, para além da sua utilização perversa em algumas circunstâncias, como já tem acontecido, designadamente quando se trata de titulares de cargos electivos, isto é, a propositura de uma acção com o único e exclusivo objectivo de criar um facto político relevante, que condicione o exercício da sua actividade. E isto tem acontecido em relação a diversos autarcas porque, apesar de o regime da Lei das Autarquias Locais não prever a solidariedade como regra, a interpretação que tem sido feita pelos tribunais administrativos é a de que essa norma é inconstitucional por força do artigo 22.º
Por outro lado, dispensando o problema dos titulares de cargos electivos…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, não!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, deixe-me acabar de expor ou de voltar a expor sucintamente a matéria, para que, depois, se possam pronunciar!
Estava eu a dizer que, para além do problema dos titulares dos cargos electivos, há, obviamente, o problema dos funcionários e agentes em geral, os quais frequentemente são condicionados no exercício da sua actividade pelo peso da eventual responsabilização imediata a título solidário com a Administração.
O que é que sucede? Sucede que a responsabilidade na Constituição vem tratada em três artigos: como princípio geral no artigo 22.º; responsabilidade de titulares de cargos políticos no artigo 120.º, salvo erro; e responsabilidade dos agentes e funcionários da Administração no artigo 271.º
A ideia é a de que, como princípio geral, a responsabilidade não seja estabelecida, mas que, por outro lado, seja estabelecida, como proponho no artigo 120.º que ela seja imputada solidariamente aos titulares de cargos políticos sempre que essa imputação seja feita a título doloso, que era, aliás, a regra que vigorava na Lei das Autarquias Locais, que pode estar, de alguma forma, prejudicada pela interpretação conforme à Constituição que tem sido feita das disposições da Lei das Autarquias Locais.
Ou seja: não se podem desresponsabilizar os funcionários e agentes, designadamente quando se trata de titulares de cargos políticos, portanto é preciso que a responsabilidade possa ser imputada em qualquer circunstância, sendo certo que ela só deve poder ser imputada imediatamente a título solidário com a Administração naqueles casos em que os factos sejam suficientemente graves, isto é, em que permitam imputar a responsabilidade a título doloso, para que, de outra forma, eles não se sintam condicionados no exercício da sua actividade.
Portanto, que fique claro que não há qualquer tentativa de desresponsabilização de funcionários e agentes; pelo contrário, essa responsabilidade será sempre imputável - a questão é saber quando é que ela deve ser imediatamente imputável a título solidário com o Estado ou outras entidades públicas e quando é que ela só deve ser imputada ao funcionário ou ao agente, seja ele titular de cargo político ou não, por via do exercício de uma acção de regresso.
Como princípio geral, julgo que deveria ser retirada a ideia da solidariedade; não obstante, julgo que na parte que diz respeito à responsabilidade dos titulares de cargos políticos ela deveria ser estabelecida como regra sempre que essa responsabilidade possa ser imputada a título doloso e que ela não seja estabelecida como regra, porque não proponho qualquer alteração nessa matéria, naquilo que diz respeito aos funcionários e agentes, e que aí se mantenha

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o princípio da responsabilidade imputada ou exercida pelo Estado a título de acção de regresso.
Julgo que isso é conjugado - e é importante que assim seja - com a distinção das duas situações: responsabilidade por factos ilícitos, num caso, e responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade objectiva ou pelo risco, no outro, porque, apesar de tudo, não são duas coisas exactamente idênticas, embora a responsabilidade pelo risco também seja objectiva, razão pela qual, nessa matéria, julgo preferível remeter para a lei porque, embora exista um princípio geral de responsabilidade, a lei deve determinar os casos em que essa responsabilidade efectivamente existe e os termos em que pode ser imputada.
Por outro lado, a distinção faz sentido porque, como disse a Sr.ª Deputada Odete Santos - e bem! -, nesses casos não faz o menor sentido estabelecer o princípio da solidariedade e o actual preceito constitucional permite a interpretação de que, mesmo quando a responsabilidade é por facto lícito ou pelo risco ou objectiva, poderia, eventualmente, ser imputada solidariamente e também pela razão que já tinha aduzido inicialmente, ou seja, que, sendo a responsabilidade civil da Administração configurável hoje frequentemente com dispensa do requisito da culpa, é importante estabelecer essa distinção e é importante que se afaste, como regra geral, o princípio da solidariedade, para evitar que, de certa forma, o problema da solidariedade possa funcionar como um condicionamento da imputação à Administração da responsabilidade, dado que essa responsabilidade pressupõe a culpa e traz o problema da culpa para o primeiro plano da discussão.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos os Srs. Deputados Calvão da Silva e Moreira da Silva, se bem percebi.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, já lhe dou a palavra para pedir o esclarecimento, mas antes queria dizer que, embora tenha em atenção que estes artigos ficaram em aberto para melhor ponderação da primeira para a segunda leituras, peço aos Srs. Deputados que façam um esforço para não reproduzir argumentos já registados.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Compreendi perfeitamente os argumentos do Sr. Deputado, mas queria apenas perguntar-lhe se não acha que, nas suas propostas, optou pela interpretação restritiva do artigo 22.º…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida! Restringe-lhe o alcance!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … e que, em relação ao n.º 3, em vez de "a lei estabelece os casos (...)" podia ser mais afirmativo e dizer que "o Estado e as demais entidades públicas respondem (...) nos termos da lei"?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Admito essa solução como possível, não excluo essa possibilidade, mas julgo que já hoje é entendimento maioritário que a responsabilidade objectiva, designadamente a responsabilidade pelo risco, não existe em todas as circunstâncias a não ser nos casos previstos pela lei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tem limites! Até porque o Código Civil tem limites de montantes!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Portanto, admito que a minha formulação possa ser mais restritiva e que a formulação que se deve preferir seja essa; não sendo substancialmente diferente é, pelo menos, mais indicativa quanto à obrigação de indemnizar, nesse sentido pode ser positivo o contributo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que entre o artigo 22.º tal qual está redigido na Constituição e as propostas de alternativa que são aqui apresentadas, pessoalmente, prefiro a redacção do actual. Por um lado, porque tem um estilo enxuto e, por outro, porque dá uma elasticidade de tal ordem que exige ainda mais tempo para sedimentar, quer na doutrina quer na jurisprudência, todo o seu alcance, potenciando ao máximo as virtualidades que ele comporta.
Há aqui algum sabor escolástico em várias das propostas adiantadas como melhoramentos possíveis, no entendimento dos seus autores, para o artigo 22.º, que, de algum modo, até podem enfraquecer as grandes virtualidades do actual artigo 22.º e, ao mesmo tempo - aí concedo num aparte que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro acabou de fazer -, dá uma ideia básica de que afinal a grande Constituição é o Código Civil, a grande Constituição, de facto, ainda é o Código Civil!

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é um grande civismo!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Pois é! Mas se olhar bem a actual Constituição e o artigo 22.º, o "tributo a César" tem de continuar a ser pago e, de facto, está a ser pago, porque o artigo 22.º não diz em que termos é que responde. Responde por culpa ou objectivamente? Por actos lícitos e por actos ilícitos? No entanto, depois, em face do Código Civil e de um decreto-lei especial de 1967, para os actos de gestão pública, tudo é resolvido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é só o Código Civil!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas foi nessa grande "fonte" que tudo ficou resolvido. E se compararmos o artigo 22.º e o cotejarmos com o artigo 271.º… Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não entendi a sua intervenção. Tira-lhe a responsabilidade solidária do Estado e não altera em nada o artigo 271.º, que diz respeito à responsabilidade dos funcionários e agentes? Então, se os funcionários e agentes, pelo artigo 271.º, vão ser na mesma responsabilizados,

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tal qual está, e se retira a responsabilidade solidária do Estado e fica sempre o Estado responsável, em que termos e como conjuga, depois, a responsabilidade do Estado com a responsabilidade, pelo artigo 271.º, dos seus órgãos, agentes e funcionários?

O Sr. Presidente: - Tinha de se conhecer o direito de regresso!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Está bem! Mas o direito de regresso compreende-se enquanto há responsabilidade de duas ou mais entidades, em que uma pagando por todas - regime de solidariedade -, tenha depois nas relações internas o direito de regresso. Como é que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro compatibiliza estes dois artigos, a partir do momento em que retira a responsabilidade solidária do Estado com os titulares dos órgãos ou dos agentes? Como é que compatibiliza isso?
Em sentido rigoroso, o que aqui está no artigo 22.º comporta actos de gestão privada e actos de gestão pública. Quanto aos actos de gestão privada, resolvemos a questão muito simplesmente - e aqui posso estar à vontade, mais do que no lado dos actos de gestão pública -, o Estado, actualmente, já responde objectivamente. Nos tempos presentes, o Estado responde objectivamente e não é preciso que o Sr. Deputado venha agora dizer que a lei estabelece os casos em que o estado vai responder objectivamente. Não, não! Actualmente já responde objectivamente pelos actos praticados pelos seus órgãos, agentes ou funcionários, desde que estes devam responder em termos de culpa. Já é assim! Portanto, não preciso de vir agora com um número autónomo dizer que "o Estado…" Dir-se-á na lei em que condições. Por acaso já é assim também. Desde que o funcionário, o agente ou os seus órgãos respondam em termos subjectivos já há responsabilidade objectiva do Estado...

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em todos os actos!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não! Estou a falar-lhe nos actos de gestão privada. Estou a falar naquilo que sei e deixo para si aquilo que…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as primeiras palavras do Orador)… com uma expressão "desde que"!?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado, nunca quis dizer tanto! Mas é assim! Já é uma responsabilidade objectiva.
O que quero com isto salientar é que já há uma responsabilidade objectiva do Estado nos actos de gestão privada. O Estado pode ter escolhido o melhor agente, o melhor funcionário para uma determinada tarefa, mas se ele actuou com culpa o Estado responde independentemente de não ter culpa alguma quer in elegendo, quer in instruendo, quer in vigilando. Automaticamente é uma responsabilidade objectiva. Mas é assim! E, depois, tem a acção de regresso - se quiser vai contra o seu agente ou funcionário.
Nos actos de gestão pública, temos um decreto-lei que merece… Acho que isto resolve tudo em termos de decreto-lei! É o Decreto-Lei n.º 48 051, de 1967, que deve ser alterado para melhor. É aí que devemos meter a foice, que, no seu caso, não será em "seara alheia", mas que, no meu caso, poderá ser! Mas é na sua própria "seara"! Alteremos esse decreto-lei e vai ver que, em consonância com o artigo 22.º…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível ouvir as palavras do Orador).

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas se alterarmos esse decreto-lei e o aperfeiçoarmos, não precisamos de dar qualquer "machadada" no artigo 22.º da Constituição!... Tem todas as virtualidades para poder ser explorado, ainda e também, julgo eu, a nível do Direito Administrativo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o diálogo é sempre muito importante, quando nele se verifica uma aproximação à possibilidade de se fazer luz. Das intervenções feitas até ao momento, não resulta qualquer aproximação a um consenso com virtualidades de alteração constitucional. Ou estou enganado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Está certo!

O Sr. Presidente: - Se da parte do PS ou do PSD houver alguma possibilidade de algo neste sentido, com vista à obtenção de algum consenso… Chamo, aliás, a atenção para a circunstância de o guião do ex-Presidente da Comissão ter indiciado que esse consenso parecia poder fazer-se em torno do essencial das propostas apresentadas pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas, aparentemente, com as intervenções produzidas pela bancada do PSD parece que assim não é. Peço, por isso, ao PSD o favor de clarificar a sua posição. Se não houver condições para o consenso mínimo, passamos já à votação, não vale a pena reproduzirmos argumentos.
Alguém do PSD poderá responder em termos úteis a esta questão?
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, não levo a mal que tenha feito essa intervenção, exactamente antes da minha intervenção escalonada, mas, sem abusar, referiria duas ou três questões no sentido em que V. Ex.ª colocou a questão.
Para o Partido Social-Democrata não está afastado esse possível consenso desde que as respostas possam ser satisfatórias. O que acontece exactamente entre a primeira e a segunda leituras, resultado de uma reflexão sobre este artigo e sobre as várias propostas que temos sobre a Mesa, é que verificámos algumas virtualidades, embora também tivéssemos verificado a possibilidade de alguns defeitos, que poderão, eventualmente, ser agora aplanados pelos seus autores. Daí a razão de algumas questões que levantarei.

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Relativamente a este artigo 22.º - com a brevidade possível desta intervenção -, quero dizer que ele é dos artigos mais essenciais para a defesa do Estado de direito, que é a responsabilização da entidade pública face à violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o cidadão. E isto é fundamental! Um Estado democrático que não salvaguarde o direito indemnizatório, o direito à reparação pela violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem porá em causa o fundamento e os alicerces desse Estado de direito.
Por isso, qualquer alteração neste princípio fundamental, no princípio da responsabilidade, levará, com certeza, a repercussões de enorme gravidade. Peço apenas para, num segundo, fazermos uma reflexão, que já tivemos oportunidade de fazer, sobre o debate constitucional em torno da criação deste artigo 22.º e das suas sucessivas alterações, concretamente, em 1982, com a introdução do princípio da solidariedade e, em 1989, com a discussão em torno de uma das questões fundamentais destas propostas, que é a especificação das funções do Estado que poderão estar abrangidas por responsabilidade, ou seja, não só a administrativa mas também a legislativa, a jurisdicional e a política. Esses debates foram extraordinariamente ricos sobre o conteúdo deste artigo 22.º
Ora, o que agora se pretende com estas propostas - e permitam-me que o diga, embora com o merecimento para os seus autores - é, no meu entender, desvirtuar completamente o princípio da responsabilidade. E perdoem-me que o diga desta forma, com esta gravidade, mas chamava à colação a razão histórica do aparecimento do princípio da solidariedade. O que acontecia antes da solidariedade era a clara inoperância do princípio da responsabilidade em termos práticos.
O que se verificava sem o princípio da solidariedade da responsabilidade das entidades públicas - e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro sabe muito bem - era que quando um particular, lesado nos seus direitos, tentava a acção de responsabilidade ao Estado ou ao funcionário que provocou esse dano, impressionantemente recebia como resposta por parte do tribunal administrativo a sanção da ilegitimidade passiva e recebia-o porque estava sempre errado se propunha a acção contra o Estado sozinho, se propunha a acção contra o funcionário sozinho, se propunha a acção contra os dois, pois estava sempre errado na opinião do tribunal administrativo. Era sempre uma fórmula de deitar abaixo liminarmente a acção com base na ilegitimidade passiva. O princípio da solidariedade veio resolver esse problema.
E o problema que coloca de a solidariedade impossibilitar uma discussão da responsabilidade objectiva não tem sentido, na minha opinião, e pedia-lhe que reflectisse um pouco sobre isso, porque hoje o que se verifica claramente com a responsabilidade solidária - e também disse isso um pouco na sua intervenção - é que a jurisprudência administrativa evoluiu no sentido não de retirar a culpa mas de a equiparar a uma situação de ilicitude.
O funcionário não zeloso é que aquele que não cumpre as leis e por isso, quando há ilicitude, há, quase diríamos, automaticamente culpa. Ela está lá, mas consumida pela ilicitude. E isso existe na solidariedade!
A culpa serve para o direito de regresso, que é algo de substancialmente diferente. A responsabilidade é solidária, o que significa que o particular lesado pode propor a acção contra o Estado sozinho, contra o funcionário sozinho, fazer valer o seu direito à reparação e depois o Estado ou o funcionário, se assim o entenderem, exercerem o seu direito de regresso sobre a contraparte na medida da culpa, e aí, então, sim, na medida da culpa da sua contraparte na eventual violação de direitos ou nos prejuízos para outrem.
E esta situação já se verificava! O Sr. Deputado Calvão da Silva referiu o Código Civil de 1966, mas eu referiria o Código Civil de 1967, quando, ao abrigo de uma responsabilidade claramente subjectiva no direito civil, já Guimarães Pedrosa e Marcello Caetano argumentavam que para o Estado se deveria fixar alguns casos claramente de responsabilidade por facto ilícito objectiva, no caso, por exemplo, de deficiente funcionamento do serviço, que já era aventado.
Por isso, esta questão é fundamental. Na minha opinião, deixar cair a solidariedade - e era para essa reflexão clara que aqui chamava a atenção - é regredirmos no princípio da responsabilidade e, como tal, no Estado de direito.
Também relativamente à definição que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro refere, quanto à autonomização ou à remissão para a lei da responsabilidade objectiva do Estado, contraposta a uma responsabilidade por ilicitude. Mas a responsabilidade por facto ilícito pode ser objectiva e, por isso, não há que fazer uma contraposição entre responsabilidade por facto ilícito e responsabilidade por facto objectivo ou responsabilidade objectiva. A responsabilidade por facto ilícito pode ser uma responsabilidade objectiva também. Por isso, penso que claramente essa questão deveria ser reponderada.
Finalmente, quanto à questão da particularização das várias funções do Estado, chamava à colação o enorme debate que houve em 1989 sobre esta matéria, sob proposta, penso, do PCP, que levantava essa questão e que teve exactamente a oposição de vários dos Deputados aqui presentes na reunião, desde logo do actual Presidente da Comissão.
Concluía sobre essa matéria referindo que já tenho escrito, por isso não me podem desmentir, posições bastante generosas sobre a interpretação deste artigo 22.º, por isso, não poderão dizer que a interpretação que faço deste artigo 22.º será limitadora da responsabilidade de algumas dessas funções.
Mas uma coisa é isso e outra é dizer expressamente na nossa Constituição que haverá sempre e em todos os casos responsabilidade pela função legislativa, pela função política e pela função jurisdicional sem mais, porque penso que isso trará problemas que nem o nosso Colega Rui Medeiros avançou na sua tese de mestrado sobre a responsabilidade pela função legislativa do Estado.
Penso, por isso, que também deveríamos reponderar os termos tão amplos como esta especificação da responsabilidade pelas várias funções do Estado que aqui estão colocadas. E com estas precisões termino.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, gostava de pedir ao Sr. Deputado Moreira da Silva um esclarecimento que tem a ver com a questão da responsabilidade objectiva.
Penso que o Sr. Deputado afunilou muito a questão da responsabilidade objectiva, partindo do princípio de que existe já a responsabilidade objectiva do Estado, atenta sempre numa culpa do funcionário ou do deficiente funcionamento do serviço. Mas a responsabilidade objectiva, no Código Civil, pode existir sem provar nem culpa nem ilicitude - e o Sr. Deputado não se referiu a esta questão... Como é que resolve, face ao entendimento que dá do artigo 22.º, uma questão em que um funcionário vai a guiar o automóvel do Estado, no cumprimento das suas funções, não se prova culpa dele nem qualquer facto ilícito… No entendimento do Sr. Deputado, está no artigo 22.º...
Como é que resolve o problema? Num sistema de saúde que funcionasse bem, em que não houvesse qualquer facto ilícito, porque funcionava tudo muito bem - obviamente não é esse o nosso caso… Suponha isso, mas essa actividade na área da saúde é sempre uma actividade de risco, em que podem ser tomados todos os cuidados e em que podem surgir problemas nas transfusões de sangue, etc., mesmo com um funcionamento muito bom. Como é que resolve isso, no entendimento que o Sr. Deputado dá do artigo 22.º, que é restritivo, segundo a sua exposição? É um entendimento muito restritivo. Existe sempre solidariedade! E o entendimento que alguma doutrina lhe dá é o de que, mesmo não havendo solidariedade, pode haver, com base neste artigo, responsabilidade do Estado.
Portanto, a sua intervenção deixa por resolver uma área em que o Estado deve ser responsabilizado dentro dos limites da lei, por responsabilidade puramente objectiva, sem determinação de qualquer facto ilícito nem de culpa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - No tempo que o Sr. Presidente me concedeu para a minha intervenção, não podia, obviamente, fazer grandes explicações, mas posso facultar o meu artigo à Sr.ª Deputada Odete Santos para ver que a minha interpretação não é, de facto, restritiva sobre este artigo 22.º
De qualquer forma, muito sinteticamente, dir-lhe-ia que nada do que diz decorre da minha intervenção; o que a Sr.ª Deputada faz é - perdoe-me dizê-lo - alguma confusão entre os três tipos de responsabilidade da Administração Pública, porque todos os casos que avançou são casos de responsabilidade por factos ilícitos, todos eles.
O que se verifica é aquilo que a jurisprudência ultimamente tem claramente fixado… Um caso de acidente de automóvel, um caso de negligência médica, todos esses casos são casos de responsabilidade por factos ilícitos. Uma árvore ou um candeeiro que caiem na rua em cima de um transeunte ou em cima de um automóvel, todos esses casos…

(Por ter havido sobreposição de vozes, não foi possível transcrever as palavras dos Oradores).

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, para haver resposta ao seu pedido de esclarecimento é necessário que o Sr. Deputado possa falar!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Está bem! Mas o Sr. Deputado Moreira da Silva está a responder a perguntas que eu não fiz!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, estava a tentar explicar que todos os factos que a Sr.ª Deputada apontou são factos ilícitos e o que tinha apontado são casos de deficiência de funcionamento de serviços. E o que tem sido resolvido nessas situações - e muito bem! - é que são situações em que há inversão do ónus da prova, claramente. E o que se verifica nesses casos - aliás, todos esses casos que apontou são resolvidos, até porque o Código Civil tem artigos...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Nas actividades perigosas!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - … para atender a essas situações e elas são muito claras e são resolvidas por este artigo 22.º, tal como são bem resolvidas pela legislação administrativa e não precisam de qualquer alteração deste artigo. E nos casos em que diz que são precisas alterações, digo-lhe o que é que precisava de alterações. Precisava de uma reformulação completa da legislação, que não da Constituição, mas fundamentalmente o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48 051. Esse é que precisava de ser totalmente alterado. E se Deus quiser e os constituintes, depois de alterarmos o artigo 271.º , talvez seja possível alterá-lo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já agora, se as pessoas quiserem, porque não é Deus que vem escrever o artigo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, começo por fazer uma afirmação que é, a meu ver, é uma evidência, uma tautologia: este artigo 22.º, como está escrito, precisa necessariamente de uma interposição do legislador, porque é um daqueles artigos feito sob reserva de uma interpositio legislatoria, portanto, não há possibilidade de o operacionalizar sem a intervenção de uma lei propriamente dita.
O talento que tenho visto aqui, nesta reunião - e tem sido muito -, à volta deste artigo é desperdiçado; deveríamos estar a tratar de fazer as leis que operacionalizam este princípio. Agora, mexer num princípio que está assim gizado, fazendo aí distinções, quanto, por

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exemplo, em relação às funções, se diz que o Estado, no exercício das suas funções… Que funções? E agora começo a fazer distinções, mas uma distinção implica outra. E agora, lendo as várias propostas, todas brilhantes, pergunto: as funções consultivas, que hoje, na privatística, são consideradas causa e factor de responsabilização - e lembro a tese de Zino Monteiro, de Coimbra -, ficam de fora ao fazer as distinções? É porque, quando começamos a fazer distinções, temos de saber que, ao distinguir por uma coisa, abrimos brechas no outro lado.
O artigo está feito de uma maneira que implica, pela própria natureza das coisas, a "operacionalização" legislativa. O talento que VV. Ex.as aqui exibiram - e foi muito - devia ser aplicado a mudarmos as leis ou os passos das leis que precisam de ser mudados.
Na verdade, aquele diploma de Novembro de 1967 é um belíssimo diploma, mas corresponde a uma época, por isso é preciso agora, como é natural, um outro passo, mas não é preciso mudar a Constituição para mudarmos esse diploma. O que está na Constituição comporta isso e muito mais. Sejamos legisladores e não fujamos para a frente como se fosse por aqui que resolvêssemos os problemas básicos. Não é esta a função sequer da Constituição e muito menos de um artigo como este, que, como foi aqui salientado - e bem! -, é um artigo lapidar, de frontispício do Estado de direito. Não mexamos nele, porque ele já contém o essencial: está feita a afirmação de princípio.
Portanto, inclinar-me-ia para que, com dizia há pouco para os meus circunstantes, quieta non movere - não mexamos naquilo que está "quieto" e façamos é leis, que bem precisamos delas neste domínio!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tendo em conta que este debate ajudou, e muito positivamente, à clarificação das dimensões muito fecundas do artigo 22.º, retiramos a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero dizer sinteticamente o seguinte: o debate feito na primeira leitura e este que agora estamos a travar permitiram reafirmar alguma substância às virtualidades e às potencialidades do artigo 22.º, sendo certo, porém, que há uma questão, julgo eu, que ficará por resolver, e não me parece haver consenso para a resolver agora, por isso não vale a pena insistir nessa matéria, que tem a ver com o problema de a solidariedade ser entendida não no seu sentido próprio, enquanto possibilidade de imputar ou não a responsabilidade a ambos, Estado e agente ou funcionário, mas com a circunstância de a solidariedade implicar, como regra geral, tal como está estabelecida, a possibilidade de imputar imediatamente essa responsabilidade, desde logo, a ambos, coisa que no regime do decreto-lei de 1967 não acontecia, dado que a acção de regresso só era estabelecida como uma segunda fase da imputação da responsabilidade, pois a solidariedade estava, por assim dizer, desenvolvida em dois momentos, no primeiro dos quais apenas o Estado era chamado a responder.
E é essa a virtualidade do regime do Decreto-lei de 1967 que se mantém hoje, no meu entendimento, que é prejudicada pelo preceito da Constituição e é com base nesse preceito da Constituição actual que a jurisprudência tem feito uma interpretação de não conformidade com a Constituição das disposições legais que estabelecem esse regime.
É por essa razão, e apenas por essa razão, não como forma de afastar a responsabilidade dos funcionários ou agentes, mas apenas como forma de evitar que a lei possa ter a liberdade de estabelecer que, em determinados casos, essa responsabilidade seja imputável em dois momentos distintos.
Portanto, nesse sentido, gostaria de retirar a proposta que apresentámos quanto ao n.º 3 e, se me for permitido pela Mesa, de reformular a minha proposta para o n.º 1, mantendo a proposta originária, com a omissão à especificação da ilicitude, dado que, eliminando a propostas quanto ao n.º 3, deixa de fazer sentido que haja essa distinção no n.º 1. Quanto ao mais manteria a proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, se bem percebi, retira a proposta de alteração ao n.º 3 e faz uma proposta de alteração ao n.º 2...

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, Sr. Presidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! É só suprimir a palavra "ilícitas".

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Quero suprimir a palavra "ilícitas" na minha proposta do n.º 1…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Suprimir a expressão?

O Sr. Cláudio Monteiro (PSD): - Suprimir a expressão "ilícitas" na minha proposta para o n.º 1, manter a proposta para o n.º 2 e suprimir a minha proposta para o n.º 3.

O Sr. Presidente: - Isso implica que mantém o actual corpo do artigo?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Mantenho o actual corpo da minha proposta, não o do artigo!
Retiro a palavra "ilícitas" e remeto para a lei a distinção doutrinária, para evitar que esta discussão se transforme numa discussão escolástica sobre as várias modalidades de responsabilidade e sobre o alcance do princípio da responsabilidade, mas tendo em conta que continuo a entender que o preceito actual constitui um entrave ao desfasamento da imputação em dois momentos distintos da responsabilidade, porque tem determinado o entendimento da inconstitucionalidade das normas legais que assim o

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estabelecem, quer o regime de 1967 quer o regime da Lei das Autarquias Locais.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso não se resolve alterando a lei?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Não se resolve porque o entendimento é o de que é inconstitucional dispor outra coisa que não seja a possibilidade de imputar imediatamente a responsabilidade a ambos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, mas esse entendimento é incontroverso?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Tanto quanto sei, hoje em dia, é mais ou menos incontroverso, tendo em conta a jurisprudência dominante e pacífica!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas a lei que regula a responsabilidade dos titulares das autarquias locais não foi declarada inconstitucional, que eu saiba!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Com força obrigatória geral não, mas posso dar-lhe sentenças de vários casos em concreto e em todos eles foi declarada inconstitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não vale a pena fazer a reinterpretação da Constituição em função de uma interpretação jurisprudencial…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, segundo a ideia que o Sr. Deputado Barbosa de Melo expressou - e bem! -, se é uma questão de remeter a latitude da regulamentação para o legislador e de não a associar ao nível constitucional, se algo constitui um entrave a essa liberdade do legislador tem sido a inserção aqui da expressão solidariedade, porque ela não é tanto entendida enquanto possibilidade de imputar a ambos a responsabilidade, porque isso não está em causa, e isso, obviamente, a lei consagra e deve consagrar. A única coisa que está em causa é que essa responsabilidade pode ser imputada a ambos em dois momentos distintos, nunca, num primeiro momento, só ao Estado, excepto nos casos em que ela seja imputável a título doloso, e, num segundo momento, ao funcionário ou agente que deu culpa ao dano.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Esse segundo momento é para acabar com a solidariedade!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, porque a lei que trata…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, mas não entrem em diálogo!
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, faça favor de acabar a sua explicação.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Portanto, nesse sentido, porque tem sido essa a interpretação dominante e restritiva,…

Uma Voz: - Isso levanta problemas… (Por sobreposição de vozes, não foi possível transcrever as palavras do Orador não identificado).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Nuns casos levanta e noutros permite que se utilize a acção de responsabilidade até para outros fins que não seja a de imputar a responsabilidade propriamente dita.
Nesse sentido, continuo a julgar que tem toda a vantagem em que essa referência não conste do texto constitucional e que seja a lei a regular os casos em que assim que deva ser e entendo que a Constituição deve, desde logo, regular os casos em assim deva ser, quando, no artigo relativo à responsabilidade dos titulares de cargos políticos, digo que ela deve ser imputada solidariamente sempre que ela seja imputável a título doloso, querendo com isso dizer que, nesses casos, nem a lei pode impor esse desfasamento em dois momentos; antes deve permitir que ela seja imediatamente imputável aos titulares de cargos políticos, mas apenas quando seja imputável a título doloso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, julgo que deixei explícito qual era o alcance da proposta. Não era, de facto, tornar a interpretação do artigo 22.º mais restritiva do que aquela que hoje é feita, antes pelo contrário. De resto, a esse respeito, diria apenas, quanto à observação que o Sr. Deputado Barbosa de Melo aqui fez, que, se o princípio que ele enunciou é quase absoluto, a verdade é que, em sede constitucional, perdemos às vezes bastante tempo a explicitar algumas orientações que a lei deve conformar, pelo que por maioria de razão o deveríamos fazer em matéria de frontispício e de artigos mais fundamentais que outros.
Portanto, o alcance da proposta não era o de reduzir na interpretação a aplicação, por via de lei, do artigo; era, sim, o de, no confronto com outros artigos, nomeadamente os artigos 271.º e 281.º, que estabelecem quer o nível de irresponsabilidade, neste caso dos juízes, quer, depois, o direito de acção de regresso por parte do Estado, não haver, por via de interpretação da lei, uma noção mais restritiva do que aquela que estaria compreendida no artigo 22.º
Em qualquer caso, e dado que visivelmente não existe consenso para esta matéria, retirarei a minha proposta, mas, pelo menos, que a acta o registe: que o sentido da minha proposta beneficiaria, com certeza, com o distinguere que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro havia feito quanto à questão da solidariedade. De facto, a intenção que aqui manifestei através desta proposta de alteração só estaria verdadeiramente completa e não seria atraiçoada se abarcasse também o distinguere que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fazia com a sua proposta.
De todo o modo, não havendo consenso em relação a esta matéria, por mim retiro esta proposta, confiando nas palavras do Sr. Deputado Barbosa de Melo de que, em sede de lei, um dia se venha a conseguir uma

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explicitação tal por via a que não seja por mera função estatutária que se viessem a alcançar níveis de responsabilização de agentes do Estado, nomeadamente através da função jurisdicional, de que não estou em condições de nomear um único caso que, até hoje, tivesse transcendido o mero efeito disciplinar da respectiva classe, mas que tivesse sido assumida pelo Estado enquanto tal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria chamar a vossa atenção para o seguinte: se com tanta sapiência, como a que resultou deste debate, não teremos, em todo o caso, perdido hoje a oportunidade de fazer alguma clarificação constitucional em matéria de tão grande delicadeza, como resultou de todas as intervenções que foram aqui expressas hoje?
Em todo caso, Srs. Deputados, quero comungar da vossa disposição de que a intermediação do legislador ordinário terá de plasmar ao nível da lei uma melhor delimitação dos níveis de responsabilidade e das formas de articulação entre a responsabilidade do Estado e a responsabilidade dos titulares de cargos políticos e dos seus agentes.
Dito isto, Srs. Deputados, passamos à votação das propostas que não foram retiradas. Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração ao n.º 1, constante do projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já depois de retirada a palavra "ilícitas"?

O Sr. Presidente: - Sim, depois de retirada a palavra "ilícitas".

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro e abstenções do PS e do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Era a seguinte:

1 - O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora à votação, por ordem de entrada, da proposta para o n.º 2 constante do projecto do PCP, que é, como sabemos, um número novo, que coincide também com a proposta para o n.º 2 constante do projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pelo que a votação terá o valor de uma votação em simultâneo.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, posso retirar a minha proposta e votar a do PCP!

O Sr. Presidente: - Se assim o entende, será também uma forma de facilitar a votação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso fazer uma interpelação à Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para esclarecer, para que não haja dúvidas, face ao debate que fizemos e nomeadamente à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que me pareceu que criou um sentimento geral, pelo menos nessa parte, se os proponentes nem ao menos aceitam incluir aqui um "nomeadamente" ou coisa que o valha, uma vez que ficou mais ou menos patente que, de facto, hoje em dia,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Há outras funções que não estão neste elenco e que podem gerar responsabilidade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … este enunciado de quatro tipo de funções não será talvez um enunciado exaustivo. O texto actual tem o mérito de, ao não enunciar as funções, permitir que a lei vá pôr as exclusões…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado, acha que vale a pena?!

(Por sobreposição de vozes, não foi possível transcrever as palavras dos Oradores.)

O Sr. Luís Sá (PCP): - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes vota a favor no caso de haver essa abertura da parte do PCP?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Só quero saber o que é que se vota!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que se vai votar é a versão integral, e não alterada, da proposta para o n.º 2 do projecto do PCP. Vamos passar à votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro e abstenções do PS e do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Era a seguinte:

2 - A responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas abrange as acções ou omissões praticadas no exercício das funções administrativa, política, jurisdicional e legislativa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta para o n.º 3 constante do projecto do PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP, votos a favor do PCP e abstenções

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do PS e do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho.

Era a seguinte:

3 - O Estado e as demais entidades públicas respondem pelos prejuízos causados a outrem por falta ou deficiente funcionamento dos seus serviços e pelo risco criado pela sua actividade, nos termos da lei.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, votei contra esta modificação da Constituição, mas não votei contra a doutrina que nela está implícita, porque julgo que o texto vigente do artigo 22.º abrange a responsabilidade pelo deficiente funcionamento dos serviços e também a responsabilidade pelo risco. Portanto, votei contra a modificação da Constituição e não contra a doutrina que o PCP explicitou, votei exactamente contra a explicitação desta doutrina.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço também a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, já dissemos qual era o nosso entendimento do artigo 22.º e também entendemos que ele contém a responsabilidade pelo risco. Isto tem sido muito debatido na doutrina e se há uns que dizem que, de facto, já lá está a responsabilidade pelo risco, também há quem defenda que não, portanto achamos que se perdeu uma boa oportunidade para clarificar isto no sentido mais progressista.
Isto era importante porque, pese embora a vontade, que agora ouvi, de darmos, de repente, uns passos na legislação ordinária, a verdade é que se passaram 21 anos sem que isso se tivesse feito.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se vamos inaugurar um método novo, que é no grupo parlamentar haver tantas declarações de voto possíveis quantos os seus Deputados, interpelo os respectivos grupos parlamentares para saber se essa é a metodologia que consideram correcta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, há, naturalmente, disposições e intervenções que assumem um carácter pessoal de cada um dos Srs. Deputados, que perfeitamente se compadece dessa expressão plena do mandato de Deputado.

O Sr. Presidente: - A título excepcional, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva para uma declaração de voto.

O Sr. Calvão e Silva (PSD): - Sr. Presidente, era apenas para dizer que a responsabilidade pelo deficiente funcionamento dos serviços é, para mim, uma responsabilidade por factos ilícitos, claramente abrangida pelo actual artigo 22.º - não é preciso dizê-lo!
Quanto à responsabilidade pelo risco, ela dependerá muito da lei ordinária, porque a responsabilidade objectiva e pelo risco é excepcional e, nessa medida, obviamente que a lei ordinária dirá em que casos ela deverá existir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, para sua satisfação, vou fazer esta declaração de voto também em nome do meu grupo parlamentar.
Acho que esta discussão foi extremamente interessante e relevante e a circunstância de termos aqui registado opiniões técnicas de muita valia, designadamente a do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que foi constituinte, por isso traz-nos aqui alguma pureza mais da intenção originária e das revisões que esta disposição teve, e, portanto, também para o intérprete e para as dúvidas que a Sr.ª Deputada Odete Santos aqui levantava, e que eu desconheço, que surgem por vezes na jurisprudência e na doutrina, a expressão dessas opiniões também é uma achega importante.
Creio que foi o Sr. Professor Vaz Serra que escreveu algures que o instituto da responsabilidade civil, a forma como ela é regulada e a sua eficiência nas sociedades em que se insere, é um índice de evolução dessa sociedade. Penso que isto é efectivamente assim. E é ainda mais assim quando se trata da responsabilização civil do Estado e de entidades públicas, porque, infelizmente, a História regista muito, mesmo entre nós, alguma impunidade do Estado e das entidades públicas. E a Constituição, quando proclama este princípio e esta disposição, fê-lo efectivamente, como já foi aqui afirmado por vários dos Srs. Deputados, no sentido de uma proclamação clara e enfatização do Estado de direito.
Isto significa que o mexer nesta disposição, independentemente da variedade de questões que foram sendo levantadas à volta da sua interpretação, deve ser muitíssimo cuidada. Vamos ter tempo para isso. Houve aqui alguma mistura de preocupações da doutrina e da jurisprudência, mas ficou nitidamente claro que é uma mistura que tem mais a ver com a legislação ordinária, que desenvolve o princípio da responsabilização do Estado e das entidades públicas, do que com este preceito constitucional.
Vamos, portanto, deixar isso para cada uma das sedes e naturalmente que, quando tivermos de mexer na legislação ordinária - e parece que ficou aqui gizado um propósito nesse sentido -, se viermos, então, a dar-nos conta de que alguma limitação o preceito constitucional nos traz, ficaremos, por certo, com a porta aberta para, em próxima revisão e com as cautelas necessárias, fazermos as melhorias que, eventualmente, possam tornar-se evidentes nesta disposição.

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E esta questão é tão importante quanto é certo que ficou aqui também demonstrado que várias das propostas, extremamente bem intencionadas, traziam algo que nenhum dos proponentes pretendia, que era restrições ao âmbito de aplicação desta disposição - e isto mostra bem o perigo de podermos, eventualmente, aprová-las sem uma ponderação e sem uma cautela maior noutro momento, se for caso disso.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não darei para as declarações de voto mais tempo do que aquele que é o tempo regimental previsto no Regimento da Assembleia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos para uma declaração de voto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, Sr. Presidente! Eu já fiz a minha declaração de voto!

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para uma declaração de voto.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a minha declaração de voto vale globalmente para o conjunto das propostas que foram votadas.
Queria dizer que, não sendo positivista por convicção, às vezes o sou por necessidade e as propostas foram feitas, obviamente, não com o sentido de restringir o âmbito das responsabilidade, mas no sentido de clarificar o regime, para impedir, na prática, aquilo que tem acontecido entre nós, desde que esta norma está em vigor na Constituição.
É que, não obstante a nobreza e a amplitude do princípio, tal como ele está estabelecido, a prática tem revelado o seguinte: os tribunais administrativos não condenam o Estado a responder civilmente nos casos em que verdadeiramente o deveria fazer e a acção de responsabilidade é utilizada frequentemente como uma arma de arremesso político, por um lado, ou como uma ameaça constante que faz pesar sobre os funcionários quando os particulares com eles se relacionam, por outro.
E a prática tem sido esta porque os tribunais administrativos ainda não têm, porventura, a "maturidade" suficiente para assimilar todo o alcance da norma. É público e notório, entre nós, que, em matéria de responsabilidade civil, estamos muito aquém daquilo que é normal, daquilo que seria esperado em termos de efectiva responsabilização do Estado, não apenas na imputação da responsabilidade como na definição dos montantes da indemnização que seja devida.
Portanto, obviamente que o sentido nunca foi o de restringir; foi, pelo contrário, o de tornar mais operacional o texto constitucional, para permitir que a lei pudesse inverter o estado das coisas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao artigo 23.º, que é o artigo referente ao Provedor de Justiça.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A esta hora!?...

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, a esta hora, dado que os trabalhos começaram muito depois da hora que estava inicialmente prevista!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não foi por nossa responsabilidade, porque eu estava aqui a horas!

O Sr. Presidente: - Não foi, certamente, Sr. Deputado! Não se trata de um acto de censura, mas da constatação de um facto.
Srs. Deputados, o artigo relativo ao Provedor de Justiça não regista propostas novas.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Regista, regista!

O Sr. Presidente: - Acontece, no entanto, que a proposta nova é materialmente coincidente com uma proposta já apresentada anteriormente, por essa razão considero que estamos em condições de passar à votação dos projectos apresentados originariamente para este artigo.

O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito é que o Sr. Deputado António Filipe pede a palavra?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, na medida em que temos propostas, gostaríamos que fossem discutidas e votadas como é hábito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quando não há propostas novas, o debate é substituído pelo debate travado na primeira leitura e, portanto, não há lugar a novo debate.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para uma interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é só para que não fiquem dúvidas, porque o Sr. Presidente levantou agora uma questão de metodologia. Isso que o Sr. Presidente disse é um princípio que foi adquirido - e falo pela minha bancada - pela parte do PSD para o bom andamento dos trabalhos, mas que não passe a valer como princípio absoluto, porque há matérias… É que isto é a segunda leitura e não é a votação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dá-me licença?

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O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, já reparou que essa tem sido, aliás, a minha interpretação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim! Mas é que agora disse diferentemente, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, evidentemente que não é minha intenção restringir de forma absoluta a palavra dos Srs. Deputados, era um apelo que fazia aos Srs. Deputados. E, portanto, tinha, aliás, começado por procurar fazer a ronda sobre se… (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras finais do Orador).
O Sr. Deputado António Filipe, suponho, tinha pedido a palavra para voltar a justificar materialmente as propostas do PCP. Era para esse efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente! Era para complementar a primeira leitura!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, com o apelo de que seja tão sintético quanto possível, para que não haja repetição não necessária dos argumentos aduzidos na primeira leitura e já constantes das actas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a primeira proposta que apresentámos diz respeito ao n.º 2 e tem a ver com a resposta que deve ser dada às recomendações do Provedor de Justiça, comunicando a posição que a entidade em causa entenda dever assumir relativamente a essas recomendações.
Uma questão que foi discutida na primeira leitura - e creio que não houve uma conclusão relativamente à posição de todos os partidos sobre ela - tem a ver com a conjugação entre esta proposta e o dever geral de cooperação. Existe um dever geral de cooperação estabelecido para com o Provedor de Justiça, mas o tratamento a dar às recomendações que sejam feitas por ele não está incluído nesse dever geral de cooperação - aliás, no próprio Estatuto faz parte de uma outra disposição que não se confunde com a primeira.
Daí que, do nosso ponto de vista, faça todo o sentido que seja constitucionalizada a figura da recomendação do Provedor de Justiça, no sentido de que se institua a obrigatoriedade de as entidades a quem essas recomendações forem dirigidas comunicarem, num prazo razoável, a posição que tenham sobre elas.
Claro que as recomendações do Provedor de Justiça não são vinculativas e, portanto, no caso de uma recomendação do Provedor de Justiça à Assembleia da República isso não significa que esta tenha de legislar no sentido desejado ou sugerido por ele. Mas aquilo que não deve acontecer é que se faça tábua rasa das recomendações do Provedor de Justiça e não haja qualquer resposta.
Portanto, nesse sentido, seria útil que esta figura fosse, de facto, constitucionalizada com este exacto sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, como sabe tinha propostas de alteração para os n.os 2 e 3 e de aditamento de um novo n.º 4, passando o actual n.º 4 a n.º 5.
Em relação ao n.º 2, tendo em conta, aliás, as observações feitas na primeira leitura pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, considerando que, não estando a lei ou o legislador ordinário impedido de consagrar a eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias também ao nível da sua protecção, por via do Provedor de Justiça, e sendo prematuro, tendo em conta a pouca experiência que há nessa matéria, admito não cristalizar e passar essa matéria para o legislador ordinário, como ele hoje consagra - e bem! - essa faculdade ao Provedor de Justiça.
A discussão na primeira leitura permitiu claramente conjugar o actual n.º 2 com a interpretação que eu pretendia dar no sentido de que, quando se diz que a actividade do Provedor de Justiça é independente de meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis, isso não pode significar, em qualquer circunstância, que o legislador ordinário esteja habilitado a fazer ficar aquela queixa dependente do esgotamento dos meios graciosos, designadamente como tem sucedido em algumas circunstâncias, conhecidas de todas e, aliás, conhecidas daqueles que são membros da 1.ª Comissão e que ouviram o Sr. Provedor de Justiça relatar, nomeadamente as dificuldades que têm surgido com a interpretação de alguns diplomas orgânicos da administração militar.
Por outro lado, em relação à questão da limitação do mandato e à quantificação dessa limitação, embora a proposta que agora é apresentada conjuntamente pelo PS e pelo PSD não satisfaça integralmente o sentido e o alcance da proposta que eu próprio fazia nesta matéria, dado que remete para a lei essa definição, o que é facto é que a proposta que eu apresentava era conjugada com uma série de outras propostas do meu projecto que pretendiam, de alguma forma, estabelecer com clareza a ideia ou o princípio de que em democracia, num Estado de direito democrático e designadamente numa república, todos os cargos têm uma duração limitada, e é desejável que essa limitação esteja concretamente estabelecida e que não haja margem para dúvidas que ela não possa ser estabelecida.
Essa evolução, tanto quanto se conhece, de algumas propostas conjuntas do PS e do PSD, vai acontecer, não só com este aditamento que agora é feito no caso do Provedor de Justiça, mas sobretudo com aquilo que, porventura, se proporá em matéria de limitação do mandato do Procurador de República.
Retiro as minhas propostas para o artigo 23.º

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma pergunta ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, o Sr. Deputado Luís Sá.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, ouvi com muita atenção a sua explicação, no entanto há uma coisa que não fica, de todo em todo, clara. O Sr. Deputado propunha o princípio do mandato não renovável, que tem, naturalmente, uma lógica: trata-se, no fim de contas, de garantir a independência não apenas do ponto de vista de estatuto jurídico mas também independência na prática, fazendo com que, no fim de contas, o Provedor de Justiça não fique dependente, para a renovação do seu mandato, de uma qualquer maioria partidária, se se quiser, do seu bom comportamento político, na óptica do poder, no caso de haver aqui uma manutenção desse mesmo poder.
A questão que lhe queria colocar, porque o Sr. Deputado não esclareceu este ponto, ao contrário dos outros, é o que é que pensa desta situação concreta e designadamente do facto de a proposta que consta do acordo do PS e do PSD não contemplar este aspecto.
Já agora, gostaria também que se pronunciasse sobre outras propostas que são adiantadas e que creio que poderiam reforçar os meios de controlo democrático da Administração Pública, como sejam o princípio da resposta em prazo razoável, o princípio da fundamentação dessa mesma resposta, bem como outros princípios, designadamente a questão da competência para impugnação contenciosa da validade de regulamento ou acto administrativo que afecte interesses gerais ou difusos, que consta igualmente na proposta do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, usei da palavra para justificar a retirada das minhas propostas e não para fazer uma intervenção. Portanto, não entendi nem entendo, porque, aliás, já o fiz na primeira leitura, necessário pronunciar-me sobre as propostas do PCP, em relação às quais, tenho…

O Sr. Luís Sá (PCP): - A primeira questão é sobre a sua própria proposta!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Eu estava só a resolver o que é mais fácil de resolver!
Estava eu a dizer que tenho concordância com umas e discordância com outras.
Em relação à minha própria proposta, é evidente que, tendo eu aceite, não só pela imposição dos factos, com pela própria bondade da solução, que o mandato não ficasse definido concretamente na Constituição em termos quantitativos, obviamente que, sem prejuízo de continuar a entender que seria preferível uma solução que estabelecesse o princípio da não renovação sucessiva, que não possa admitir que esse princípio seja estabelecido, não estando concretamente fixada a duração do mandato no texto constitucional, pela simples razão de que isso teria a perversidade de permitir que o legislador ordinário estabelecesse um mandato de um ano, não renovável sucessivamente, o que obviamente, não estaria no espírito de quem fez a proposta.
Portanto, se retiro globalmente a proposta é porque o princípio da não renovação sucessiva não pode ser estabelecido sem que seja simultânea e concretamente fixada a duração do mandato, sob pena de poder permitir, pelo menos, uma utilização ou uma faculdade perversa pelo legislador.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A sua proposta, tal como a do PCP, garantia as duas coisas! Acordo secreto!…

O Sr. José Magalhães (PS): - Acordo secreto!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Acordo secreto, íntimo, dele! Não! O acordo secreto é outra coisa, como os Srs. Deputados bem sabem! De momento, não era a esse que me referia!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O acordo secreto é um chavão que serve para tudo!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - No que se refere ao meu posicionamento individual do acordo, Sr. Deputado, depois terá oportunidade de julgar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta do PCP não era de não renovação!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Então, não era! Veja lá com atenção!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, em relação às propostas que estão pendentes, a acrescer ao que já dissemos, não votaremos a favor da alusão à proibição de destituição porque ela flui da Constituição e da lei e é inconcebível que, a qualquer título, a Constituição possa ser interpretada de forma distinta disto.
Em segundo lugar, em relação à não resposta em prazo razoável ou à resposta em prazo irrazoável, uma circunstância dessas violaria o dever de cooperação, tal qual já resulta do artigo 23.º, n.º 4.
Em relação ao princípio da proibição de renovação do mandato, ele não é consagrado na lei - e ainda bem! -, uma vez que visa acautelar margem de manobra em circunstâncias várias que alguns de nós seremos capazes de imaginar. Portanto, nem é consagrado nem isso se nos afigura desejável.
Neste sentido, votaremos a proposta do PSD de temporalização do mandato - e é esse o significado da expressão "posição comum". Não há aqui uma proposta comum, há a adesão à ideia, por isso votaremos favoravelmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra, porque, uma vez que houve a intenção da parte de um dos proponentes de manter a sua proposta, o PSD tem de dar uma satisfação para explicitar o seu voto, se não, fá-lo-ei em declaração de voto, o que não tem grande vantagem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a posição do PSD não é exactamente aquela que acabou de ser expressa pelo Sr. Deputado José Magalhães, ou seja, concordo com aquilo que ele já disse no sentido de que o princípio de cooperação que decorre do n.º 4, do nosso ponto de vista, já implica questões como aquela que é formulada no novo n.º 2, proposto pelo Partido Comunista, só que não é por essa razão que o PSD irá votar contra a proposta do PCP mas, sim, pela razão que foi explicitada na primeira leitura, porque, entretanto, não foram aduzidos novos dados, nem das auscultações que foram feitas ao Sr. Provedor de Justiça, por parte do meu partido resultaram dados que indiciassem necessidade da constitucionalização deste preceito, de que nos parece que o conteúdo útil da proposta do novo n.º 2, do PCP; não é matéria com dignidade constitucional, é matéria de certa forma de natureza adjectiva relativamente ao funcionamento do órgão Provedor de Justiça, do instituto Provedor de Justiça, se quisermos na nossa ordem jurídica nacional.
Sinceramente da parte do PSD não é matéria que tenha dignidade constitucional. Não é a Constituição da República que tem de, relativamente aos vários órgãos que constitucionaliza e perfazem o nosso modelo político, para além das suas competências, dispor sobre o comportamento que a restante sociedade e os restantes órgãos da Administração devem ter relativamente ao exercício normal das competências de cada um dos órgãos.
É por essa razão fundamentalmente que o PSD irá votar contra e a essa razão não vimos aduzidos, por parte dos proponentes, qualquer argumento que nos faça alterar a posição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente aos pontos de alteração deste artigo já estão apreciadas, relativamente às propostas com autores presentes, as relativas ao n.º 2 e aos n.os 4 e 5 da proposta do PCP.
Pergunto ao PCP se se lhe oferece dizer mais alguma coisa...

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, sim relativamente à alínea b). Creio que, relativamente ao n.º 4, a questão está razoavelmente clarificada, mas creio que vale a pena salientar, apesar disso, que, embora a redacção não seja muito explícita a esse respeito, a proposta do PCP para o n.º 4 apontava para um período único, não renovável, de seis anos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma alteração?

O Sr. António Filipe (PCP): - Não é uma alteração, Sr. Deputado. Isso foi clarificado na primeira leitura.
Relativamente às propostas para o n.º 5, a proposta relativa à alínea a) tratar-se-ia apenas de uma operação sistemática, na medida em que esta competência do Provedor de Justiça está prevista noutro local da Constituição, relativamente ao requerimento para declaração de inconstitucionalidade por omissão junto do Tribunal Constitucional, pelo que a inovação do n.º 5 diz respeito à alínea b), na medida em que se propõe que seja atribuída ao Provedor de Justiça a competência para impugnar contenciosamente a validade de regulamentos ou actos administrativos que efectuem interesses gerais ou difusos.
A preocupação desta norma é a de dar uma protecção acrescida, através da possibilidade de intervenção do Provedor de Justiça à tutela de interesses gerais e difusos, na medida em que, como se sabe, esta é uma das questões que têm vindo a ser muito discutida nos últimos anos e onde se verifica que há, de facto, um défice de protecção dos cidadãos, uma vez que o prejuízo que é provocado a cada cidadão, por exemplo, por uma acção que cause uma catástrofe ambiental, em muitos casos, não é suficiente para que um cidadão isolado possa accionar alguém por isso, mas é uma questão suficientemente grave para ficar impune. Daí que uma das formas possíveis para tutelar esses direitos difusos pode ser precisamente, entre outras, a actuação do Provedor de Justiça, daí esta nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar as propostas de alteração ao artigo 23.º, em primeiro lugar, a proposta apresentada pelo PCP para o n.º 2.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP e abstenções do PS e do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - Os órgãos aos quais forem dirigidas recomendações devem, em prazo razoável, comunicar ao Provedor de Justiça a posição fundamentada que quanto a elas assumam.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta - e se esse for o vosso entendimento assim se fará - prejudica a proposta constante do projecto de Os Verdes, bem com uma proposta constante do projecto do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. É esse o entendimento da Comissão? Assim procederemos.
Srs. Deputados, vamos passar agora à votação de uma proposta de alteração constante do projecto de Os Verdes, relativamente ao n.º 3, que visa substituir a palavra "designado" pela palavra "eleito".

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer um reparo sistemático, isto é, a proposta do PCP

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relativamente a esta matéria surgia como n.º 4, porque a proposta do PCP era aditada.

O Sr. Presidente: - Já lá vamos, Sr. Deputado!

O Sr. António Filipe (PCP): - Certo! Queria apenas chamar a atenção para este facto!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar a proposta de Os Verdes para o n.º 3.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

3 - O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular eleito pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à votação da proposta de um n.º 4, constante da proposta do PCP, que, para além da questão da substituição da palavra "designado" por "eleito", inclui também a "temporalização" do mandato por seis anos, não podendo ser destituído.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, acho que falta votar a proposta para o n.º 3 do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, antes de passarmos ao n.º 4.

O Sr. Presidente: - É a mesma coisa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é o n.º 3! Não estamos a seguir a ordem?

O Sr. Presidente: - Mas é a mesma matéria! Srs. Deputados, é que a ordem da classificação das propostas por parte dos Deputados não corresponde à ordem material!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que o n.º 4 do PCP é verdadeiramente um n.º 3.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta de um n.º 4 constante do projecto do PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do CDS-PP e do PCP e a abstenção do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

4 - O Provedor de Justiça é um órgão independente e o seu titular é eleito pela Assembleia da República pelo período de seis anos, não podendo ser destituído.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda relativamente ao n.º 3, vamos votar a proposta constante da posição comum dos Srs. Deputados do PS e do PSD, resultante da proposta originária do PSD.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas perguntar o seguinte: mas o PSD…

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma posição comum!

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, mas o que vamos nós votar? Votamos a proposta do PSD ou votamos a posição comum?

O Sr. Presidente: - A "posição comum"!

O Sr. António Filipe (PCP): - É que eu não conheço a figura regimental da "posição comum"!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Retira a proposta originária!

O Sr. António Filipe (PCP): - Ai retira!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos em momento de votação.

Submetida à votação, foi aprovada, tendo obtido maioria necessária, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

É a seguinte:

3 - O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República, pelo tempo que a lei determinar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para este número está prejudicada.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do n.º 5 constante da proposta do PCP, da qual constam duas alíneas. Podemos votá-las em conjunto?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, sem objecção, mas com um reparo: é que, como o conteúdo da alínea a) está consagrado na Constituição mas noutra sede, uma eventual votação conjunta não possa ter interpretações perversas.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

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Era a seguinte:

5 - Cabe ainda ao Provedor de Justiça:

a) Requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade por omissão;
b) Impugnar contenciosamente a validade de qualquer regulamento ou de acto administrativo que afecte interesses gerais ou difusos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão e votação do artigo 23.º. Passamos agora à apreciação do artigo 23.º-A sobre o Provedor Ecológico.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estão cá os proponentes, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou aqui por encerrados os nossos trabalhos. Reuniremos amanhã, às 21 horas.

Eram 20 horas e 5 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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