O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2223

Sexta-feira, 18 de Abril de 1997 II Série - RC - Número 77

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 17 de Abril de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 21 horas e 35 minutos.
Concluiu-se a discussão e votação das propostas de alteração ao artigo 23.º, e procedeu-se à apreciação e votação das relativas aos artigos 24.º, 25.º, 26.º, 27.º e 28.º.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Isabel Castro
(Os Verdes), Luís Marques Guedes (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), José Magalhães (PS), Odete Santos (PCP), Barbosa de Melo e Calvão da Silva (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Guilherme Silva e Moreira da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.

Página 2224

 

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos.

Eram 21 horas e 35 minutos

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de começar por vos informar que já temos o novo relatório de progresso relativo às reuniões dos dias 15 e 16 de Abril, que vai ser distribuído aos presidentes dos vários grupos parlamentares e eu insistiria na solução, na medida em que damos por confirmado o nosso trabalho anterior.
Pedirei também que nos seja distribuído o trabalho de Abril, que faz a integração de material e uma adenda ao projecto do CDS-PP que não tinha sido distribuído integralmente.
Entretanto, temos pendente pedido de audiência do Movimento Democrático das Mulheres. Como sabem, foi marcada a audiência da Associação Portuguesa das Mulheres Juristas para a próxima segunda-feira às 11 horas e não vejo inconveniente em que se façam estas audiências em simultâneo, já que, seguramente, a temática é afim à protestação que deu origem a estes dois pedidos de audiência.
Por último, com a excelente colaboração de todos e, particularmente, da Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual, temos aqui um guião referente à programação das entregas das actas, que também admitirei para que seja distribuído.
Penso que estamos agora em condições de passar à apreciação da norma que temos pela frente, e que é a relativa à proposta de um novo artigo 23.º-A, da autoria de Os Verdes e que se reporta ao provedor ecológico.
Para além da proposta de Os Verdes e das que constam do projecto originário, não há novas propostas de substituição neste domínio. Assim sendo, e salvo opinião em contrário, é meu entendimento que o debate útil em torno do artigo já foi travado.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, podemos hipoteticamente ter a experiência de outras propostas do meu partido para outros artigos sobre as quais o debate já estava travado, o que não impediu que os grupos parlamentares tivessem amadurecido as suas opiniões e reflectido diferentemente o sentido do seu voto.
Não sei se este novo artigo está nessas condições, de qualquer modo, gostaria de, sucintamente, repetir a ideia essencial que está associada ao provedor ecológico.
Não se trata de modo algum de uma desvalorização ou de esvaziar de conteúdo o Provedor de Justiça; trata-se, isso sim, é de considerarmos que é defensável o aditamento deste artigo para a criação do provedor ecológico face à complexificação e ao grande número de problemas e de violações dos direitos ambientais, à natureza dos próprios direitos ambientais e ao tipo de valores que estão em jogo e que não são passíveis de troca.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr.ª Deputada.
Antes de passarmos à votação deste artigo, gostaria apenas de perguntar à Sr.ª Deputada Isabel Castro se aceita que se vote o artigo em bloco ou se propõe alguma desagregação.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vamos votar a proposta para este artigo, Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP, votos a favor de Os Verdes e a abstenção do PCP.

Era a seguinte:

1 - O Provedor Ecológico é um órgão público independente, exercendo a sua actividade sem prejuízo da actividade do Provedor de Justiça e dos meios graciosos e contenciosos legalmente previstos, sendo o seu titular eleito pela Assembleia da República.
2 - Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor Ecológico na realização da sua missão.
3 - Os cidadãos podem apresentar queixas ao Provedor Ecológico por acções ou omissões de pessoas ou entidades, nomeadamente dos poderes públicos, contra o equilíbrio ecológico ou os direitos consagrados no artigo 66.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Passamos ao artigo 24.º, relativamente ao qual está na Mesa uma proposta do projecto originário do CDS-PP que também já foi discutida na primeira leitura, não havendo quaisquer outras propostas de substituição.
Trata-se, como sabem, de uma proposta de aditamento ao n.º 1, que acrescenta ao texto "a vida humana é inviolável" o texto "desde o momento da concepção".
Uma vez que ninguém parece pretender pronunciar-se, vamos passar à votação desta proposta.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - A vida humana é inviolável desde o momento da concepção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Gostaria de recordar que, aquando da primeira leitura, este artigo não foi discutido em profundidade porque na altura houve um pedido de adiamento no sentido de, de certa forma, o artigo ficar em suspenso.
Em qualquer circunstância, uma vez que os proponentes não reabriram a discussão, em nome do Partido Social-Democrata apenas farei esta declaração de voto para expressar o seguinte: entendemos que o princípio da inviolabilidade da vida humana não só está presente na nossa Constituição como, do ponto de vista do PSD, deve ter

Página 2225

 

uma leitura que vai para além daquilo que é conhecido em termos das propostas que têm havido na ordem jurídica portuguesa relativamente à vida humana e, nomeadamente, a legislação que em várias legislaturas tem sido colocada na Assembleia da República sobre a interrupção voluntária da gravidez. O Partido Social-Democrata tem opiniões sobre esta matéria, mas tem dado sistematicamente liberdade de voto aos seus Deputados, nomeadamente nesta legislatura, relativamente a várias propostas que foram surgindo sobre esta matéria.
No entanto, parece-nos que este texto tal como nos é presente pelo Partido Popular está errado na sua própria concepção, na medida em que falar-se relativamente à vida humana no momento da concepção é, eventualmente, abordar apenas uma parte do problema. Já aqui foi dito pelo Partido Social-Democrata, na tal troca de impressões da primeira leitura, que se desejamos colocar os limites onde começa a vida humana e onde ela termina, então deveremos falar tanto da concepção como de outros problemas, por exemplo a eutanásia.
Do ponto de vista do PSD, não é em sede da Constituição da República que se devem criar espartilhos à legislação ordinária. A discussão sobre esta matéria, que, como o PSD sempre tem entendido, é matéria de consciência, é uma discussão que tem de ser aberta à sociedade. Para além disso, não havendo conceitos científicos perfeitamente uníficos sobre esta matéria, entendemos que é errado colocar-se na Constituição da República, na Lei Fundamental, um espartilho que, em certa medida, dependendo da solução que for adoptada pelo legislador constituinte, pode violentar convicções e sentimentos profundos e íntimos de cada um dos cidadãos.
Por essa razão, e não por termos qualquer dúvida - e pessoalmente no meu caso - relativamente ao princípio da inviolabilidade da vida humana e a partir de que altura é que ele se deve contar, o PSD entende que não é na sede constitucional que uma matéria como esta deve ser litigada. Foi, portanto, apenas por essa razão que - e eu queria deixá-lo aqui em acta, em declaração de voto - os Deputados do Partido Social-Democrata votaram contra esta proposta.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Para usar do direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - O Partido Popular tem todo o respeito por todas as opiniões divergentes da sua, o que não pode é ouvir calado que se trata de um erro aquilo que afirma. Por isso, quero defender a honra do meu partido e as minhas convicções profundas.
Quero dizer que, para nós, não se trata aqui de forçar a legislação do país em qualquer outra sede mas, sim, única e exclusivamente, dizer que - e para nós não há qualquer dúvida nisso -, se a vida humana se inicia com a concepção, ela merece o respeito integral desde esse momento até se extinguir. Isto para lá de qualquer ideia sobre a interrupção da gravidez ou sobre a eutanásia. Não tem nada a ver uma coisa com a outra; trata-se, única e exclusivamente, de uma concepção integral sobre a vida humana que nós defendemos. Outros não a defenderão… Agora, não autorizo ninguém a dizer que é errado aquilo que nós defendemos, porque não é! O Sr. Deputado está no seu direito de discordar; não está é no direito de dizer que é errado, porque isso não lhe admito!

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tendo sido rejeitada uma proposta como esta, agora adiantada pelo PP mas que tinha já sido apresentada em revisões anteriores pelo CDS, isto significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que fica intacto e imprejudicado o riquíssimo património hermenêutico que, em torno deste artigo, se tem vindo a formar ao longo de mais de 20 anos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 25.º, relativamente ao qual há uma proposta constante do projecto inicial do PSD que suponho estar substituída por uma proposta que aparecerá no âmbito do artigo 26.º. Assim sendo, entendo que está não prejudicada mas substituída.
Não havendo entendimento em contrário, temos, então, para apreciar três propostas referentes ao n.º 3 deste artigo e que são, respectivamente, da autoria do PCP, de Os Verdes e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. Uma vez que estas propostas constam dos projectos originários, considero também que o tema, tendo sido abordado na primeira leitura, estará, em princípio, já devidamente tratado.
Há algum Sr. Deputado que, apesar de tudo, deseje exprimir alguma posição?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, creio que na primeira leitura foi colocada uma questão relativamente à inserção deste inciso neste artigo, e nós concordámos que, de facto, seria melhor deslocá-lo talvez… Não me lembro bem se era para o capítulo das garantias…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, de facto, foi deixada em aberto, sem nenhum compromisso, pelo PS a possibilidade de uma melhor reflexão sobre o tema e sobre a eventual inserção sistemática deste inciso no artigo 29.º in fine. Creio que esta resposta corresponde à pergunta colocada pela Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Era isso mesmo, Sr. Presidente. Consideramos importante que o texto constitucional consagre estas garantias, mas, de facto, não será talvez este o melhor artigo mas, sim, o que se refere às garantias quanto ao processo criminal.

O Sr. Presidente: - Estariam os Srs. Deputados disponíveis para mantermos em suspenso a votação destes números relativamente ao artigo 25.º até tratarmos integralmente do artigo 29.º?

Página 2226

 

O Sr. José Magalhães (PCP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o que se passa é que o PS deixou em aberto na primeira leitura para uma melhor reflexão a possibilidade de admitir alguma solução relativamente à temática das vítimas de crimes em sede do artigo 29.º. Não sei se quando discutirmos esse artigo haverá ou não alguma proposta. Por isso, o que estou a sugerir, como simples metodologia, é que se mantenham em suspenso os números relativos ao artigo 25.º até tratarmos do artigo 29.º

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Nuno Abecasis: - Sr. Presidente, gostaria de saber se a proposta do PSD de alteração ao n.º 1 deste artigo se mantém.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, ela não se mantém porque vai ser englobada, com o mesmo alcance, nas propostas que se reportam ao artigo 26.º. Quando chegarmos à apreciação do artigo 26.º o Sr. Deputado terá ocasião de verificar que assim é.
Srs. Deputados, gostaria de ouvir a vossa resposta à questão que formulei.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, parece-me que, em vez de no artigo 29.º, para o qual o Sr. Deputado José Magalhães chamou a atenção que não havia qualquer proposta…

O Sr. Presidente: - Pois não. Isso é verdade.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - …, isto ficaria bem no artigo 32.º, para o qual há propostas.

O Sr. Presidente: - Mas também não é impossível arrumar estas normas no artigo 29.º, desde que a Comissão considere que seria essa a melhor inserção sistemática.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me der licença, não creio que valha a pena prolongar muito esta discussão, porque das duas uma: ou há consenso constitucional alargado para uma solução positiva, ou, se não há, a inserção sistemática de uma solução inviável é um exercício um pouco estéril.
Pela nossa parte, votaremos a favor da proposta e digo isto com toda a liberdade e toda a simpatia. Para nós não há qualquer problema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, apenas queria fazer uma ligeiríssima reflexão.
Quando se fala das vítimas de um crime tem-se em conta que há um criminoso. Ora, se eu digo que as vítimas do crime têm direito à protecção do Estado e à sua indemnização, estou do mesmo passo a exonerar a responsabilidade do criminoso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Deputado. Diz-se que a vítima tem direito a receber adequada indemnização, mas não se diz que é do Estado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas, meu caro Sr. Deputado, diz-se aqui que "têm direito à protecção e apoio do Estado"…

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente, bem como a adequada indemnização por quem tenha…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas ninguém põe isso em causa! A função é fundamentalmente dirigida para o Estado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, se me dá licença, já há neste momento na legislação ordinária uma lei que trata das possibilidades de indemnização às vítimas de crime violento.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, o que eu queria dizer já V. Ex.ª me tirou da boca: é que isto é matéria da lei ordinária e não da Constituição. Exactamente porque tem esses dois lados da questão, não podemos num preceito constitucional que tem de obedecer a uma lógica linguística estrita - os textos constitucionais devem ser lapidares - fazer as distinções que se impõem fazer aqui.

O Sr. Presidente: - Suponho que o que o Sr. Deputado Barbosa de Melo nos quer transmitir é que não há disponibilidade da parte do PSD para votar favoravelmente esta matéria.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente. Quanto ao resto, nenhum de nós tem a pretensão de parar a História.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, está simplificado o processo e passaríamos à votação da proposta de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 25.º constante do projecto do PCP.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP, não tendo, por isso, obtido a maioria qualificada.

É a seguinte:

3 - As vítimas de crimes têm direito à protecção e ao apoio do Estado, bem como a adequada indemnização.

O Sr. Presidente: - Há agora uma proposta de Os Verdes que gostaria de saber se a Sr.ª Deputada Isabel Castro considera prejudicada face à votação anterior.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Considero sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Também era esse o meu entendimento.
Ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não posso fazer esta pergunta, mas suponho que há consenso para reconhecer que a sua proposta está também tecnicamente prejudicada.

Página 2227

 

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis, para uma declaração de voto.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto contra que assumi em nome do meu partido nada tem de discordância em relação ao conteúdo deste número. Fi-lo apenas porque me parece que ele não tem cabimento na Constituição mas, sim, no Direito ordinário. Portanto, apenas queria exprimir que, como é evidente, estou de acordo com o teor - aliás, nem podia deixar de estar -, a localização é que não me parece ser a adequada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma proposta constante do projecto do PSD relativa ao artigo 25.º-A que, suponho, também será tecnicamente substituída pela proposta apresentada para o artigo 26.º. É assim, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta do PSD, é correcto o entendimento de V. Ex.ª. No entanto, se me permite, gostaria de fazer-lhe uma interpelação no seguinte sentido: o Sr. Presidente solicitou aos Srs. Deputados que dessem como tecnicamente inviabilizada a proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, mas sugeria ao Sr. Presidente que a votássemos, porque, como sabemos pelas votações atrás feitas, já por mais de uma vez aconteceu serem votadas e subirem a Plenário duas redacções, às vezes bastante parecidas, para um mesmo número. Portanto, a única garantia que temos de que o próprio Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não quereria que a sua proposta fosse votada é votá-la.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi ligeiramente intempestiva a sua sugestão e só por isso peca. Quanto ao mais é inteiramente pertinente. Por mim, dado que há um Deputado que levanta uma dúvida, vamos, então, votar o n.º 3 do artigo 25.º constante do projecto de revisão constitucional n.º 11/VII, da autoria do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD e do CDS-PP, não tendo, por isso, obtido a maioria qualificada.

É o seguinte:

3 - O Estado protege e apoia as vítimas de crimes que têm direito a indemnização nos termos da lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 26.º

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, mas, relativamente ao artigo 25.º-A, V. Ex.ª dá-o como consumido pela outra proposta?

O Sr. Presidente: - Dei-o como substituído em função das propostas para o artigo 26.º. Suponho que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes estará de acordo, não é verdade?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Relativamente ao artigo 26.º, há uma proposta de alteração constante do projecto do PS, outra constante do projecto do PSD e ainda uma outra constante do projecto de Os Verdes.
Neste conjunto de propostas registo uma proposta de substituição ao n.º 1 apresentada pelo PS e pelo PSD, de onde julgo poder retirar que corresponde ao n.º 1 da proposta originária do PS. Neste sentido, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes se o PSD pretende manter a sua proposta quanto ao n.º 1 do artigo 26.º ou retirá-la.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD tem uma proposta comum com o Partido Socialista para este artigo que gostaríamos de ver votada em substituição da nossa. Não sei como é que o Sr. Presidente vai catalogar isto, mas penso que não faz sentido votarmos as duas coisas. Entregámos na Mesa, e foi de resto já distribuída, uma redacção para o n.º 1 assinado pelo PSD e era essa que gostaríamos de ver votada.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, o Sr. Deputado considera que a proposta inicial do PSD fica substituída pela nova proposta, não é assim?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Está, portanto, em apreciação uma proposta de substituição apresentada pelo PS e pelo PSD relativa ao n.º 1 do artigo 26.º, que representa materialmente um aditamento pela consagração de um novo direito: o direito ao desenvolvimento da personalidade.
Alguém deseja usar da palavra?
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, os tratos idoneamente celebrados devem ser pontualmente cumpridos, pelo que não vou, de maneira nenhuma, pôr em causa o acordo que está feito e que me parece correcto. Agora, alguma coisa se perdeu neste trânsito, o que é natural.

O Sr. Presidente: - Ou não se ganhou…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Perdeu-se, perdeu-se em relação à perspectiva do ganho. É um dano cessante ou, melhor, um lucro cessante.
O direito à honra tem uma nuance diferente do direito ao bom nome e à reputação. Em princípio, o direito ao bom nome e à reputação tem a ver com a imagem externa, a marca social posta sobre cada um de nós. É uma coisa que vem do exterior. Pelo contrário, no direito à honra reconhece-se a cada um o poder de ser ele mesmo a definir os limites da sua própria individualidade que quer ver respeitada socialmente. A máscara é sua; é ele o juiz da sua máscara e não a comunidade.
Ora, quando propusemos inicialmente que a Constituição consagrasse o respeito pelo direito à honra tínhamos em vista a protecção deste valor iminentemente pessoal, do qual só é juiz o próprio e não a comunidade onde o indivíduo se insere.

Página 2228

 

Entendeu-se, porém, que não era tempo ainda de consagrar isto na nossa Constituição, mas também julgo que não é por aí que, do meu ponto de vista, se deve abrir qualquer questão. Daqui a uns anos chegará a hora de alguém consagrar o direito à honra neste sentido, como um valor constitucional a proteger.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indo um pouco na mesma linha do Sr. Deputado Barbosa de Melo, julgo que o argumento de que o direito ao bom nome e à reputação já abrange e esgota o direito à honra não é inteiramente correcto, por isso também gostaria que ficasse consagrado o direito à honra, até porque, pela legislação ordinária que já temos, quer em várias partes do Direito Civil quer mesmo no Direito Criminal, se quisermos harmonizar e ficar só com uma expressão, então seria mais lógico ficar o direito à honra e não ao bom nome. Senão vejamos: vamos ao Código de Direito Penal e fala-se em crimes contra a honra; vamos ao Código de Direito Civil e aparece muito mais o direito à honra, do que o direito ao bom nome. Portanto, quase não se fala no direito ao bom nome e aparece mesmo associado à imagem a honra, pelo que há uma dessintonia entre a linguagem constitucional e a linguagem derivada, isto é, a ordinária.
Acresce que o bom nome e a reputação são apenas aquilo a que na honra se pode chamar honra externa, a tal ideia do eu social, da máscara que cada um usa e que nem sempre coincide com a honra interior de cada um. Por isso é que, como é evidente, é proibida a divulgação de factos que, não obstante serem verdadeiros, possam pôr em causa também a honra externa. Não obstante serem verdadeiros, em nome da honra interna de cada um são proibidos e mesmo algum artigo ou outro do Código de Direito Civil a que nos socorremos têm a ver com isto. Não se podem divulgar factos, mesmo sendo verdadeiros, que possam pôr em causa a honra da pessoa. No fundo, na honra há uma espécie de camadas... É como nas cebolas: vai-se descascando e vão-se encontrando vários tipos de honra: honra externa e honra interna.
Ora, a honra externa ou imagem moral externa está bem abarcada pelo direito ao bom nome e à reputação. Todavia, a honra interna não está na Constituição e, do meu ponto de vista, devia estar. Por isso, porque a verdadeira honra é a interna, a íntima, e é inata, e porque o bom nome e a reputação é algo de construído, são dois conceitos totalmente distintos. Nesta medida, não se pode dizer que estejam abarcados pela linguagem constitucional. Valha-nos, ao menos, ser a lei ordinária melhor que a Constituição, mas gostaria que esta benfeitoria constitucional pudesse ainda ser introduzida, porque não altera em nada o acordo entre o PS e o PSD. Pelo contrário, é só uma questão de, agora, nos sensibilizarmos para ver se vale a pena introduzir também esta parte da honra, que não está abrangida pelo direito ao bom nome e à reputação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma intervenção.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nem sempre a sensibilização é recíproca porque, infelizmente, não o conseguimos há pouco a propósito das vítimas dos crimes e também não o vamos conseguir agora. Aliás, o Sr. Deputado Barbosa de Melo sintetizou muitíssimo bem as razões pelas quais o PS votaria contra uma disposição desse tipo. As incidências da articulação deste direito com a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa poderiam ser, nessa óptica, devastadoras e nós não queremos isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, penso que estivemos a ouvir intervenções sobre uma proposta que tão-pouco estava em apreciação. A que está em apreciação é a relativa ao desenvolvimento da personalidade, sobre a qual, penso, iremos agora expressar o nosso sentido de voto.

O Sr. Presidente: - Exactamente. Era isso mesmo que ia dizer, Sr.ª Deputada.
Há uma posição comum relativamente ao n.º 1 do artigo 26.º apresentada pelo PS e pelo PSD e que é coincidente com a proposta originária do PS constante do seu projecto n.º 3/VII. Em consequência, a proposta do n.º 1 do projecto do PSD é considerada substituída por essa posição comum, pelo que vamos votar a posição comum que tecnicamente se identifica com o n.º 1 da proposta originária do PS.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, antes de votarmos gostaria de saber o que é que se entende exactamente por desenvolvimento da personalidade. É que se o que se entende é aquilo que se lê, então não posso estar de acordo com isso.

O Sr. Presidente: - Suponho que o Sr. Deputado está a dirigir uma pergunta aos autores da proposta, não é verdade?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, penso que esta matéria foi já convenientemente discutida na primeira leitura.
Em certo sentido, o que vamos é transpor para o Direito português a riquíssima hermenêutica e doutrina constitucional que se tem vindo a desenvolver na Alemanha em torno da respectiva Lei Fundamental. Trata-se de, em relação ao conjunto de características a que chamamos personalidade da pessoa humana, assegurar a cada um, com a natureza de direito fundamental, a possibilidade da mais plena livre expansão, compatível, naturalmente, com a vida em sociedade. Não se trata aqui de consagrar o direito de impor aos outros que não o queiram ou de impor as práticas fantabulásticas da criatura patologicamente afectada…

Risos.

Página 2229

 

… em violação de outros princípios e direitos constitucionais. Portanto, não se trata aqui da exaltação irrestrita de situações que, no limite, poderiam ser abomináveis mas, sim, de, em relação a um ser socialmente integrado e no quadro constitucional marcado pelos artigos 1.º e 2.º relativos à dignidade da pessoa humana, assegurar a cada um uma livre expressão e desenvolvimento das suas melhores potencialidades. Trata-se de um direito expansivo, mas de um direito num mundo e numa galáxia integrada que é a galáxia dos direitos fundamentais. Suponho que o Sr. Deputado, humanista como é, terá todas as razões para se congratular com tal coisa sem medo algum.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis, para uma intervenção.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Deputado, é evidente que não estou de acordo nem satisfeito, porque nenhuma limitação é posta aqui ao tipo de desenvolvimento de personalidade. Há pessoas com um determinado tipo de personalidade e de tendências que, penso, não podem ter a bênção constitucional para as desenvolver, na medida em que são profundamente danosas das comunidades humanas. Aliás, nestes últimos dias tem havido vários exemplos que ilustram bem o que acabo de dizer.
Portanto, não posso estar de acordo com este direito - aliás, penso que é desnecessário, porque tudo o que está posto complementarmente a esta expressão está perfeitamente na linha boa que se pode entender do que disse o Sr. Deputado José Magalhães. Mas tudo o resto também se pode entender, portanto não estou de acordo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não pode, não.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Ai pode, pode!

O Sr. José Magalhães (PS): - Com o nosso voto não!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Com o seu voto não, mas o que está escrito está escrito! Scripta manent!

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois, mas há uma diferença entre isto e a Engenharia Mecânica...!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Não há, não! Está muito enganado! A física é tudo do que o senhor vive, não é doutra coisa senão da física! Não se esqueça disso!

O Sr. José Magalhães (PS): - E da metafísica! Viva a física!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vou tentar dar a minha contribuição para a interpretação desta norma. Pode ser que ajude o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
É óbvio que o direito ao livre desenvolvimento da personalidade tem limites e é isso que este texto não tem, mas o texto constitucional alemão tem e nessa medida o Sr. Deputado tem toda a razão.
Votarei, obviamente, a favor deste inciso, isto é, do direito ao livre desenvolvimento da personalidade…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não está lá escrito "livre".

O Sr. Presidente: - O "livre" é uma invenção do Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas está no texto alemão!

O Sr. Presidente: - Mas não é o texto alemão que estamos a votar, Sr. Deputado! Estamos a votar o texto português!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Eu sei que não!

O Sr. José Magalhães (PS): - E por que é que não está neste?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não está aqui mas poderia estar! Aliás, só se ganharia com isso! Porque o livre desenvolvimento da personalidade tem a seguir, no texto alemão, três limites, e é com esse sentido que voto este texto, isto é, com esses limites, porque, mesmo não estando aqui, vão-se integrar, obviamente, como limites dentro do sentido global e geral da Constituição.
Portanto, esta é a razão por que voto a favor, não obstante não estarem cá estes limites. Dou direito ao livre desenvolvimento da personalidade na medida em que não atente contra direitos de outrem, a ordem constitucional ou os bons costumes, como se limita no texto alemão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vamos votar a favor desta proposta porque, de facto, tem de entender-se - e é assim que se entende - que os direitos consagrados na Constituição têm determinados limites, por exemplo quando se confrontam com o direito à dignidade da outra pessoa. Por isso mesmo, penso que a Constituição não autoriza a tirar a conclusão de que este desenvolvimento da personalidade não tem quaisquer limites. Como é óbvio, cada direito tem os limites imanentes quando se confronta com os direitos dos outros. Portanto, tirar conclusões ao contrário é, obviamente, concluir de uma maneira que a Constituição não autoriza.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação.
Recordo que estão em votação uma proposta para o n.º 1 do artigo 26.º da posição comum que coincide com o texto originário do PS e também uma proposta constante do projecto originário do Partidos Os Verdes.
Vamos votar em primeiro lugar a proposta para o n.º 1 do artigo 26.º do projecto originário do PS integrada em posição comum do PS e do PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por maioria de dois terços, com votos a favor do PSD, do PS e do PCP, votos contra do CDS-PP e a abstenção de Os Verdes.

É a seguinte:

1 - A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade

Página 2230

 

civil, à cidadania, ao bom nome e à reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade privada e familiar.

Vamos agora passar à votação do n.º 1 do artigo 26.º constante do projecto originário de Os Verdes.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas, Sr. Presidente, há aí uma proposta que merece alguma discussão.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, peço-lhe desculpa, mas estamos na fase de votação.
Vamos, então, votar o n.º 1 do artigo 26.º constante do projecto originário de Os Verdes.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, se me dá licença…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a oportunidade para falar coloquei-a eu há pouco e a Sr.ª Deputada para esse efeito não pediu a palavra! Agora estamos em plena votação!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Mas, Sr. Presidente, há pouco estávamos a falar sobre a primeira proposta e agora estamos a falar sobre a segunda…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe muita desculpa, mas o equívoco desta vez não é meu. Se fosse meu, reconhecia-o com todo o gosto, mas não é. Estamos neste momento em votação depois de termos esgotado a fase das intervenções, e é isso que vamos fazer. Se a Sr.ª Deputada depois quiser acrescentar alguma coisa, terá oportunidade de o fazer em declaração de voto.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

1 - A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e à reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à livre expressão de todas as diferenças.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel de Castro, para uma declaração de voto.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, não me pronunciei há pouco sobre a outra proposta, mas a nossa posição de abstenção resultou do facto de que, do nosso ponto de vista, a grande nuance que existe entre aquilo que acabou por ser a proposta acordada entre o PSD e o PS e a nossa resulta de uma expressão que o Sr. Deputado Calvão da Silva utilizou mas que não consta da formulação aprovada.
Nós estamos a falar da consagração do direito à diferença na perspectiva do desenvolvimento da personalidade, e isso significa, do nosso ponto de vista, o livre desenvolvimento da personalidade. Não é esse o sentido que a vossa proposta acabou por contemplar. Ela limita-se a falar do desenvolvimento da personalidade, e se não fala do livre desenvolvimento da personalidade é porque, em nossa opinião, os constrangimentos do ponto de vista social, os interditos culturais continuam a inviabilizar, e na prática a impedir, a livre expressão da personalidade nas suas múltiplas nuances e na complexidade com que é caracterizada nos seres humanos.
É óbvio que isto nada tem a ver com a discussão que, com algum mau gosto, foi feita na primeira leitura por alguns Srs. Deputados, dando exemplos aberrantes e patológicos de coisas que nada têm a ver, obviamente, com aquilo que se pretende. Como é evidente, a consagração de um direito tem sempre implícito, tem sempre como definição de referências os limites que o próprio exercício desse direito tem quando conflituam com direitos de outrem. Portanto, não é, obviamente, disso que se trata; não se trata de defender que, do ponto de vista patológico, todos os comportamentos e atitudes sociais possam ser aceitáveis. Trata-se de não só dizer que o direito à diferença é importante mas de o consagrar. Era exactamente nessa perspectiva que a nossa proposta se devia entender. Julgamos que aquilo que foi aprovado é uma solução empobrecedora.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da proposta de substituição apresentada pela posição comum consta uma proposta de aditamento ao n.º 1 que acabámos de votar, com o seguinte texto in fine: "(…) e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação".
Por outro lado, consta do projecto de Os Verdes um n.º 2 cuja expressão material é a seguinte: "A lei salvaguarda e protege os cidadãos contra quaisquer formas de perseguição e de discriminação".
São, pois, estes dois normativos que estão agora em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, na primeira leitura, a propósito desta proposta de aditamento de um novo n.º 2 a este artigo subscrita por Os Verdes, o PSD teve ocasião de expressar que, tendo abertura ao conteúdo normativo desta proposta na parte relativa à protecção contra quaisquer formas de discriminação, já não a terá quanto à protecção contra as formas de perseguição, pelos equívocos que foram aqui citados e que me escuso de repetir, lembrando apenas, nomeadamente, a óbvia e necessária perseguição judicial que tem de ser feita aos criminosos.
Portanto, quanto à protecção dos cidadãos contra quaisquer formas de discriminação, o PSD tinha já manifestado a sua abertura, discordando apenas que, conforme era proposta pelo Partido Ecologista, se abrisse uma nova norma na Constituição, isto é, um novo número neste artigo. Preferiríamos ponderar a inserção deste conceito no texto já existente, e foi isso que tivemos ocasião de reflectir em conjunto com o Partido Socialista, aparentemente com sucesso.
Queria deixar aqui, portanto, apenas a justificação da parte do Partido Social-Democrata de que a reflexão que levou a esta proposta comum de aditamento ao n.º 1 resultou da proposta apresentada pelo Partido Ecologista Os Verdes na primeira leitura, à qual o PSD deu abertura de princípio, ficando de equacionar uma melhor reinserção. Foi isso que fizemos e era isso que queria deixar aqui expresso.

Página 2231

 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é tão-só para explicitar que, da nossa parte, entendemos haver mérito na inclusão desta fórmula - e, do ponto de vista técnico-jurídico, há diferenças significativas entre esta forma e a originariamente proposta por Os Verdes - e o vigor constitucional desta fórmula, isto é, consagração sob a forma de direito subjectivo à protecção legal, é uma ferramenta constitucional de primeiro grau para o combate a discriminações. Não se trata de uma norma programática ou de uma incumbência do Estado ou dada ao legislador; trata-se de um verdadeiro e próprio direito subjectivo com o qual, creio, todos temos razões para nos congratularmos.
Por último, gostaria, também, de sublinhar que esta protecção é uma protecção a 360 graus, ou seja, contra todas as formas de discriminação, o que inclui a protecção contra determinadas formas de discriminação em função do sexo que nos ocuparam durante a discussão do artigo 13.º
Tivemos em atenção reivindicações e preocupações que nos foram transmitidas por entidades como a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas e outras. Estamos, também, empenhados em clarificar a importância disto na óptica dos efeitos pretendidos pela Convenção de Bioética, assinada em 4 de Abril. Com efeito, há hoje uma preocupação crescente com as consequências discriminatórias da aplicação de determinadas tecnologias - por exemplo, nos tratamentos genéticos, nos testes genéticos, na destruição ou alteração dos patrimónios genéticos contidos nos seres humanos, que são os que nos interessam nesta óptica. E as possibilidades de abuso nesse domínio e de discriminação no sentido próprio ficam, também por isso, cobertas por esta fórmula.
Portanto, trata-se de um enriquecimento significativo e congratulamo-nos com que tenha sido possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, de facto, como foi sublinhado, esta proposta está intimamente ligada à proposta que fizemos quanto ao artigo 13.º e que acabou por ter o acolhimento do PSD e do PS.
Achamos positivo que tenha havido uma nova abertura relativamente a esta questão e parece-nos que, no essencial, a nova formulação coincide com aquilo que pretendemos e claramente expressámos. Na realidade, ela acolhe substantivamente a essência da nossa proposta, o que significa que o espírito foi entendido. A forma é a mais adequada e, portanto, aquilo que nos interessa é que a preocupação originária de Os Verdes tenha sido alargada e partilhada por outros. Nesse sentido, parece-nos que é positiva a proposta para esta alínea tal como está formulada.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, posso concluir das suas palavras que retira a sua proposta?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento ao n.º 1 constante da proposta comum.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

1 - (…) e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à apreciação de aditamento de um novo número a este artigo, constante da proposta comum.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito sucintamente, gostaria de dizer que nos congratulamos com a possibilidade de o debate constitucional ter desembocado numa norma deste tipo. Ela distingue-se da proposta originária do Partido Socialista e distingue-se muito da proposta originária do PSD.
A questão que se pode colocar em relação a uma norma deste tipo é a de saber se é adequado neste momento adoptar constitucionalmente uma norma neste domínio ou se seria melhor deixar livre o legislador, como por vezes é dito. Na nossa opinião, não. O legislador, desde logo, já não é livre devido às regras constitucionais gerais que mandam proteger a dignidade humana e menos vai ser quando ratificarmos a convenção europeia, que foi assinada no dia 4 e que, como sabem, tem valor superior à lei.
Por outro lado, esta norma, tal qual aparece agora aventada, não consagra um direito à identidade genética - e nisso se distingue da originariamente apresentada pelo PSD. Limita-se a dar ao legislador ordinário uma directriz; manda-o proteger determinados valores, mas não especifica um caminho único para esse objectivo. O debate sobre o enquadramento constitucional, por exemplo, da interrupção voluntária da gravidez é deixado inteiramente imprejudicado por esta novidade e a própria questão da clonagem vai exigir legisferação ulterior. Seria melhor proibi-la ipsis verbis? Não o fizemos aqui e foi premeditadamente que não o fizemos, porque, como tão bem disse o Sr. Deputado Almeida Santos num depoimento público feito recentemente, pode vir a concluir-se ser esse o único recurso, mas é melhor deixar em suspenso a resposta constitucional. O legislador ordinário que delibere sobre essa matéria!…
Gostaria ainda de sublinhar que desta forma nos inserimos plenamente no debate que Deputados desta Assembleia têm vindo a fazer no âmbito da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e que permitiram a aprovação, com êxito, depois de muitos anos de discussão, da Convenção de Bioética que referi no início desta intervenção. É uma convenção sucinta, mas da qual constam elementos de protecção - designadamente do património genético, como referi - contra testes, manipulações e outras graves perturbações daquilo a que se chama regularmente identidade genética. Tivemos ocasião de pedir um parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que já consta dos autos, o qual não se pronuncia concretamente sobre as questões do enquadramento constitucional e, portanto, neste sentido, não nos é útil para a démarche que estamos agora a praticar nesta sede. Esse parecer pronuncia-se, em geral, sobre a questão da clonagem, mas sobre a clonagem esta norma não tem uma solução definitiva; remete a última palavra para o legislador ordinário, o que nos parece, repito, extremamente prudente.

Página 2232

 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de acrescentar algumas coisas ao que já foi dito e formular algumas precisões da parte do PSD.
Penso que, eventualmente por lapso - e se entendi mal peço desculpa -, o Sr. Deputado José Magalhães disse que não fica aqui consagrado qualquer direito à identidade genética. Ora, não é isso que resulta deste texto, nem foi isso o que se perdeu na proposta conjunta negociada entre o Partido Socialista e Partido Social-Democrata.
É um facto - e aí o Sr. Deputado José Magalhães tem toda a razão - que a proposta inicial do PSD apontava não para o direito à identidade mas para a inviolabilidade da identidade genética, e aí, sim, o PSD evoluiu. A proposta evoluiu no sentido de remeter para a lei a melhor forma de salvaguardar e garantir tanto a dignidade pessoal como a identidade genética.
O parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida é crítico relativamente a esta proposta de inclusão do conceito de identidade genética, e é crítico por uma razão que, do ponto de vista do PSD, não tem razão de ser: entende que, em termos científicos, a identidade genética é ainda, de certa forma, uma abstracção - para utilizar os termos do próprio parecer -, e, por ser uma abstracção, não deveria merecer uma inserção constitucional. Ora, se o problema fosse o da abstracção, é evidente que também a dignidade pessoal não poderia estar na Constituição, porque à volta desta mesa estamos 20 ou 30 pessoas e cada um de nós, com algumas nuances, terá, com certeza, um conceito diferente daquilo que é a sua dignidade pessoal.
Isto demonstra que os conceitos valem o que valem. Podem ter algum conteúdo de abstracção, no entanto, encerram em si valores que as pessoas entendem que têm densificação científica, ética e moral. É evidente que a inserção neste artigo sobre os direitos pessoais, a par da dignidade pessoal, do valor da identidade genética inscreve, na esfera dos direitos das pessoas e dos cidadãos portugueses, o direito a uma protecção de um bem que é a sua identidade genética.
No que o PSD evoluiu, de facto - e é nisto que faço uma pequena precisão relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães -, é que, no seu projecto inicial, como é do conhecimento de todos, se apontava, não neste artigo mas no artigo 25.º, para a inviolabilidade da identidade genética. No entanto, fomos sensíveis às questões colocadas e à discussão realizada no sentido de considerar que era perigoso, e talvez até exagerado, apontar-se para uma regra tão forte, a regra mais forte que, de resto, existe na Constituição: a regra da inviolabilidade, que é aplicada a poucos casos, como, por exemplo, a vida.
No caso da identidade genética, face à evolução científica e à constante mutação da Ciência sobre estas matérias, considerámos que seria, talvez, perigoso apontar desde já, na sua primeira inscrição na Constituição da República Portuguesa, para uma protecção tão peremptória como essa. Essa evolução, de facto, o PSD fê-la, mas fê-la conscientemente, e pensamos que a solução encontrada, isto é, a de remeter para a lei a forma adequada para, a par da protecção à dignidade pessoal, também velar pela protecção à identidade genética como um dos direitos fundamentais do ser humano à sua identidade própria, é um ganho indiscutível nesta revisão constitucional. Refiro-me também à parte final do texto para este novo número, que tem a ver com a adopção daquela que era a proposta para um artigo 25.º-A há pouco retirada por parte do PSD, que era uma proposta que ia, exactamente, no sentido de criar um direito de protecção do ser humano face ao desenvolvimento e utilização das tecnologias e da experimentação científica. Pensamos que, com vantagem e com propriedade neste caso, agregar também o direito à identidade genética neste confronto, nesta tensão, com a protecção que é devida aos direitos pessoais, nomeadamente face à evolução tecnológica e à experimentação científica, foi um ganho. Por isso, congratulamo-nos com esta fórmula e entendemos que ela, ao contrário de algumas críticas que têm vindo a público - opiniões respeitáveis, com certeza, mas críticas que, do nosso ponto de vista, enfermam de uma visão demasiado literal e parcial do que está aqui em causa -, constitui um ganho, abrindo um campo vasto ao legislador ordinário para, sem perder de vista o direito pessoal que aqui está e que deve estar presente em toda a legislação que venha a ser elaborada sobre esta matéria, permitir o desenvolvimento da experimentação científica e das tecnologias sem nunca pôr em causa os direitos pessoais, que, do ponto de vista do PSD, são sempre superiores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta aos autores desta proposta no sentido de saber como é que eles entendem que se pode desrespeitar ou alterar a identidade genética de um ser humano adulto.
Depois de ter a resposta, direi mais alguma coisa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para responder.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Posso tentar responder-lhe, Sr. Deputado, embora, como sabe, não seja nem um geneticista, nem sequer um perito médico. Portanto, não lhe poderei dar uma resposta técnica, mas penso que também não era essa a sua intenção.
Limitar-me-ei a repetir aquele que é o objectivo último desta norma que o PSD propôs em conjunto com o Partido Socialista: a inscrição na Constituição.
Não estamos, neste momento e nesta sede, preocupados em saber se é, ou vai ou não ser possível o legislador ordinário regulamentar alguma forma que proteja a intervenção naquilo que, hoje em dia, a medicina genética tem vindo a estudar para a resolução dos problemas médicos que o ser humano possa ter. O que para nós é fundamental é, face à evolução da tecnologia e da Ciência nesta matéria a que assistimos, inscrever na Constituição, no campo dos direitos pessoais, este direito à identidade genética para que, à semelhança do que acontece com todos os outros direitos já inscritos na Constituição, a ordem jurídica tenha de ter em atenção, quando vai modelar quais são os comportamentos e as acções passíveis de serem realizadas pela sociedade, o primado de um direito pessoal que ali ficou inscrito.
Foi essa a intenção dos autores e, portanto, terei alguma dificuldade em pronunciar-me para além disso. No dia em que houver uma proposta de legislação ordinária que, no respeito obviamente pelo texto fundamental, vier tentar

Página 2233

 

regular qualquer tipo de manipulação genética no ser humano, cá estaremos - e nessa altura pedirei a pessoas do meu e de outros partidos que sejam cientificamente mais habilitadas do que eu para explicar exactamente o que se pretende e o que não se pretende com determinado tipo de manipulação - para averiguar se, do ponto de vista do PSD, o direito fundamental da identidade da pessoa fica ou não salvaguardado. É evidente, no entanto, que, como o Sr. Deputado deve ter inferido da minha intervenção anterior, não temos uma visão totalmente fechada ou fundamentalista sobre esta matéria. Evoluímos, com efeito, de uma posição inicial que apontava para a inviolabilidade pura e simples, crua, da problemática da identidade genética para uma posição em que, com humildade e reconhecendo até o próprio parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que aponta no sentido de considerar que o conceito de identidade genética ainda é, de algum modo, uma abstracção, não tendo uma densificação científica perfeitamente unívoca e clara, entendemos que não tínhamos condições para estar desde já a dizer na Constituição: alto aí que esta questão é intocável!
Para já, o que nos parece importante e fundamental - e é esse o ganho desta revisão constitucional - é inscrever isto no plano dos direitos pessoais. É evidente que, a partir daqui, o legislador, quando se abalançar em matérias que tenham que ver com manipulação genética medicamente entendida - não sou médico, mas, enfim, faço uma ideia do que seja -, terá de ter sempre presente esta norma constitucional.
E cá estaremos todos nós, os políticos, os cientistas e entidades como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, para, face às propostas que possam surgir em concreto, dizer se elas mexem ou não com o valor fundamental que é o direito à identidade genética do ser humano.
É esta a resposta possível. Não sei se satisfiz o Sr. Deputado, mas peço desculpa se isso não aconteceu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, de facto, a proposta do PSD de consagrar a inviolabilidade da identidade genética parecia-me francamente má, porque deixava grandes interrogações e preocupações sobre se seria, depois, possível os cientistas submeterem as pessoas a tratamento para acabar com certas doenças do foro genético.
Quanto à proposta que agora aqui temos sobre a identidade genética do ser humano, devo dizer, depois da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, fiquei com uma opinião mais positiva que, no entanto, depois foi destruída pela intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
E explico porquê: é evidente que estes assuntos são muito complicados e não é só da Convenção Europeia sobre Bioética que nos podemos socorrer, porque a UNESCO anda há dois anos a estudar uma convenção sobre o genoma humano - e vai fazer uma outra reunião em Julho deste ano - que toca todos estes problemas. Nesses estudos aponta-se num sentido em que esta expressão "identidade genética do ser humano" poderá radicar, que é o de que o genoma humano é património comum da Humanidade. Isto é entendido no sentido de que são proibidas investigações que levem à hibridação.
Todavia, também é verdade que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acentuou aqui algumas questões que já me levam a questionar se isto deve ficar na Constituição da República. De facto, entendo que não deve ficar e que deve ser o legislador ordinário a pôr os limites à investigação científica sem estar manietado por aquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes salientou. Também a mim me pareceu ao princípio que a inclusão aqui nos direitos pessoais era errada e, se se pretende atingir os objectivos que o Sr. Deputado José Magalhães diz querer atingir com esta proposta, então deveria vir num outro artigo mais para diante, sobre a investigação científica, e não aqui, em matéria dos direitos pessoais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Investigação científica em relação a pessoas, naturalmente! Porque em relação a porcos a questão não é relevante…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ó Sr. Deputado José Magalhães, é muito seu hábito ter esses comentários para desvirtuar a intervenção de uma pessoa!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu só expliquei que era em relação a pessoas!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu sei que é em relação a pessoas e por isso falei! Eu percebo que é em relação a pessoas, mas não quer dizer que mais para diante, na investigação científica, não se referisse as pessoas!
Creio que, de facto, aqui se salienta demasiado uma coisa que não está adquirida e que a UNESCO reconhece: é que os indivíduos não se reduzem às suas características genéticas e o genoma humano está em constante mutação. As pessoas não podem ser discriminadas por terem uma identidade genética própria característica de grupos minoritários, como, por exemplo, os mongolóides (portadores de trissomia 21). Portanto, a legislação ordinária é que deve atender a todos esses casos e dizer que a identidade genética desses grupos minoritários não pode ser preservada contra o progresso desses grupos minoritários até com intervenções genéticas.
Também não possuo conhecimentos que possam ir tão longe quanto seria necessário, mas, por aquilo que pude estudar sobre estas questões nos debates que duram há dois anos na UNESCO, entendo que esta questão deve ser deixada para a lei ordinária e que não deve incluir-se na Constituição nada no sentido apontado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Votaremos, pois, contra esta proposta, querendo, no entanto, deixar claro que, colocando-se limites à investigação, devem esses limites ser tais que não impeçam os progressos e a melhoria da saúde do ser humano.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Voltando à vaca fria que ficou do almoço, devo dizer que obtive o que queria com a resposta que me foi dada. Aliás, a própria redacção aponta para aquilo que sugeri, isto é, não é possível fazer manipulação genética de seres adultos. Há um momento exacto para se fazer manipulação genética que é o momento da concepção, e mesmo assim tem as limitações que a Sr.ª Deputada Odete Santos acabou de referir,

Página 2234

 

ou seja, será legítima se for para tratar determinadas características da saúde.
Por uma questão de coerência, irei votar favoravelmente esta proposta, mas não posso deixar de registar a incoerência de quem votou contra a nossa formulação para o n.º 1 do artigo 24.º e agora consagra na Constituição a identidade genética que está caracterizada pelo momento da concepção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria só dar a minha perspectiva sobre por que é que acho que deve ficar a expressão "identidade genética do ser humano" na redacção proposta pelo PSD e pelo PS. No fundo, é uma espécie de constituição normativa do ser humano que me leva a identificar com esta ideia da identidade genética. É o combate a um qualquer eugenismo e ao desejo da perfectibilidade do homem, mesmo que fascinados por muitas teorias, como o darwinismo social, no fundo na génese de grandes ideologias de exclusão e xenofobia, e também de uma qualquer concepção de super homem, mesmo que de Nitzche, inspirador de alguns como Hitler.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de, em primeiro lugar, corroborar o que agora disse o Sr. Deputado Calvão da Silva. Aliás, seria curioso confrontar esta norma com outra que votámos acerca do desenvolvimento da personalidade e daí retirarmos um sentido útil e interessante deste debate.
Por outro lado, queria, também, salientar que as várias intervenções permitiram concluir que a latitude que a norma consagra ao legislador é suficientemente ampla, dado que, como aqui ficou salientado, nela couberam várias interpretações da mesma. É esse o objectivo essencial, salvaguardando-se aquilo que é o núcleo fundamental, ou seja, o princípio da protecção da identidade genética.
Não queria deixar, no entanto, de sugerir, à margem do mérito intrínseco da proposta e sem alteração do seu sentido, que fosse eventualmente reponderada a redacção que é dada à parte final do preceito no sentido de inverter a ordem dos factores, na medida em que, para além de mais escorreito do ponto de vista do português e, portanto, da técnica legislativa, seria porventura mais lógico do ponto de vista da ordem dos factores. Penso que talvez fizesse sentido dizer-se: nomeadamente na experimentação científica e na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias. Parece-me que este texto seria mais escorreito em termos de português e permitiria uma leitura mais fácil do preceito.
Do ponto de vista lógico - e posso, eventualmente, estar enganado por não ter conhecimentos suficientes -, parece-me que o problema da experimentação científica se coloca em momento anterior ao problema da criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias.

O Sr. Presidente: - Está colocada uma questão aos autores da proposta, pelo que concedo a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, inclinamo-nos para a redacção da proposta com a sequência que nela está expressa, não por ser arbitrária a ordem dos factores mas porque, neste caso, há uma lógica presidindo a esta narrativa, que é a seguinte: não se trata aqui de criar de uma espécie de cláusula de alarme contra a experimentação científica; trata-se sobretudo de uma preocupação bem documentada pelo debate, que para aqui quis transpor, embora sumariamente, que fizemos na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, isto é, a preocupação de garantir, designadamente, a protecção contra testes de predição ou previsão de doenças genéticas ou que sejam susceptíveis de detectar uma doença genética, as quais, obviamente, não têm nada a ver com a experimentação científica. Se as companhias de seguros começassem todas a exigir, para fazerem um seguro a qualquer um de nós, uma espécie de teste no qual detectassem a nossa predisposição para o ataque cardíaco na idade x, obviamente que isso seria uma grosseira violação da dignidade humana e seria insuportável para qualquer família política, mesmo para as que tenham nesta matéria uma disposição mais arredia à consagração constitucional.
São mais essas questões que motivam esta sequência do que a questão da experimentação científica qua tale, ainda que os títulos dos jornais da altura em que algumas destas normas vieram a público falassem muito da ovelhinha Dolly e da experimentação da clonagem, a qual, todavia, não maculou, não dominou, nem obcecou esta redacção. Ela vinha de muito antes e, pela parte que nos toca, foi apresentada na revisão constitucional de 1994, bem antes de as ovelhinhas estarem clonadas e muito longe de qualquer preocupação conjuntural com qualquer organização internacional. Esta sequência tem, portanto, um propósito e nesse sentido não estamos disponíveis para alterá-la.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Srs. Deputados, não se sabendo exactamente o que é identidade genética, não bastaria dizer: a lei garantirá a dignidade pessoal, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Gostaria apenas de chamar a atenção dos Srs. Deputados para um ponto de toda esta questão.
Julgo que estamos a ser demasiado fixistas ao julgar que a investigação neste domínio já tem os seus parâmetros definidos para o resto da História. A decifração do genoma humano é, no fundo, a decifração do código da própria espécie humana, mas esse código da espécie tem depois um código individual para cada um de nós que é, à partida, definido. Contudo, o problema que a Ciência hoje nos põe é o de, no percurso da vida, se modificar esse código. Ora, ao consagrarmos que a identidade genética de cada um de nós, e não a da espécie humana, tem de ser um bem pessoal garantido, penso que a nossa Constituição estará a dar um passo significativo em relação à Europa, como tem feito desde 1976 para cá. A prova está na convenção já várias vezes aqui citada e que gostaria

Página 2235

 

que as pessoas tivessem lido com cuidado porque nos informa de muitas coisas que andam para aí e que nos passam um pouco à margem das nossas preocupações comuns de membros do Parlamento, pois, naturalmente, esta é uma área que não é propriamente aquela onde estamos habitualmente.
Entendo que a preservação da identidade genética como está fica seguramente bem. Aliás, até gostava mais da formulação anterior, ou seja, a da inviolabilidade da identidade genética, mas, enfim, transijo com esta mudança seguindo aquilo que se acertou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, não estou a arrastar de propósito este assunto mas ele preocupa-me e continuarei a pensar nele porque é um tema extremamente complexo.
Apenas gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Barbosa de Melo o seguinte: segundo esse seu entendimento - e até disse preferir o termo inviolabilidade -, a descoberta científica que há quinze dias ou três semanas a televisão noticiou da cura do mongolismo através da substituição de um cromossoma por um cromossoma de plástico seria violar a identidade genética daquele ser humano? É que é preciso saber o que, de facto, se propõe e por isso é que entendo que deve ser em lei ordinária que isto deve ser tratado.

O Sr. José Magalhães (PS): - E será!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Em resposta à pergunta da Sr.ª Deputada Odete Santos, devo dizer que o enunciado de um princípio constitucional não poupa trabalho ao legislador ordinário. A Constituição tem as têtes de chapitre que a ordem jurídica ordinária depois desenvolve.
É evidente que pôr aqui este princípio não resolve tudo, mas não tenho dúvidas de que se deve pôr aqui este princípio. Só lhe ponho esta questão, Sr.ª Deputada: imagine que o mongolóide não quer ser curado daquilo que os outros chamam a sua doença. Imagine isso, Sr.ª Deputada! E, então, é fatal como o destino! Podemos ir buscar o Sr. Lyssenko, o Sr. Hitler, o "senhor não sei quantos" e dizer: agora és obrigado a ser assim! Já vi um "exercício" interessantíssimo, Sr.ª Deputada, e feito à margem da política!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Também pode ser ao contrário, Sr. Deputado: "para preservar a tua identidade genética não te podes transformar"!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Pode ser ao contrário, obviamente. Mas já vi um exercício feito por cientistas: um modelo do genoma tal como ele está descoberto - e sabemos que ainda não está todo descoberto - em que, por exemplo, daquilo que se sabe, ou se imagina saber, sobre Beethoven, ele não tinha o direito de nascer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de vos chamar a atenção para alguma coisa já aqui dita: é que, no fundo, estamos aqui a trabalhar com um cláusula de reserva de lei a partir do enunciado de um princípio e não com a tentativa de plasmar na Constituição a definição das condições de garantia da dignidade pessoal e dessa mesma identidade genética com um programa normativo pré-estabelecido constitucionalmente. Não é disso que se trata. Do que se trata é da tomada de consciência em sede constitucional de que o legislador ordinário não pode demitir-se de regular a sensibilidade destas matérias.
Este é apenas um pequeno contributo para tentar, Srs. Deputados, que pudéssemos passar adiante.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra porque acho que o assunto é importante, mas penso que estamos a desfocar a questão.
A Sr.ª Deputada Odete Santos não levará a mal - e sabe muito bem o respeito que tenho pelas sua opiniões -, mas acho que está a desfocar a questão. E chamava-lhe a atenção para o seguinte: para além das dúvidas a esta formulação, a Sr.ª Deputada colocou grandes dúvidas relativamente à formulação da proposta inicial do PSD no sentido de colocar a identidade genética no plano da inviolabilidade. Mas, Sr.ª Deputada, não há razão para isso! O artigo 25.º da Constituição da República diz, desde 1975, que a integridade física das pessoas é inviolável, e todos os dias se fazem operações em que se tira o apêndice às pessoas! Ora, em termos técnicos, é evidente que isso viola a integridade física, mas não é isso que está em causa, Sr.ª Deputada.
Quando inscrevermos na Constituição a identidade genética, ainda que disséssemos que era inviolável, não será por isso que se houver amanhã um avanço da medicina e toda a sociedade entender que esse é um acto médico correcto deixará de fazer-se, como se fazem as operações ao coração, ao apêndice, aos pulmões, ao fígado, etc. Toda a gente vê quando é necessário e dá o seu consentimento, e isso é que é fundamental, Sr.ª Deputada!
Ninguém pode tirar o fígado a outro se essa pessoa não quiser ficar sem o fígado. É isso que a Constituição diz quando consagra que a integridade física é inviolável e foi isso que o PSD quis dizer quando propôs que a identidade genética fosse inviolável. Isso não tem mal algum, como a Sr.ª Deputada concordará comigo.
Não vale a pena criarmos fantasmas, que inviolabilidade é uma coisa do outro mundo, porque não é, Sr.ª Deputada, como acabei de lhe explicar. Nunca foi entendido assim!... Há 20 anos que está na Constituição relativamente à integridade moral e física e nunca isso inibiu ninguém de ser tratado nos hospitais. Não é esse o problema, Sr.ª Deputada!
De qualquer maneira, fomos sensíveis a que, como o próprio Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida chamou a atenção, o conceito de identidade genética ainda é algo fluido e, como disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo, porque essa era uma negociação bilateral, concedemos numa parte que nos pareceu, apesar de tudo, acessória para resguardarmos o essencial, que era inscrever ex novo na Constituição este valor da identidade genética, que não constava do texto anterior, remetendo para a lei toda a margem de manobra.
No entanto, Sr.ª Deputada, repito que estou profundamente convicto de que, ainda que ficasse cá, como propunhamos no artigo 25.º, numa lógica de inviolabilidade, como está para a integridade física, não era por isso que

Página 2236

 

as crianças que tivessem num diagnóstico pré-natal uma deficiência qualquer susceptível de, com vantagem, ser corrigida ainda antes do nascimento, não era por isso, volto a dizê-lo, que a sociedade e a comunidade em geral ficariam impedidas de adoptar esse comportamento como um comportamento correcto, em paralelo com aquilo que são hoje em dia as operações para substituição do coração, do fígado, enfim, violações claras da integridade física do ser humano, mas que não comportam, do nosso ponto de vista, um atentado ao direito fundamental.
O que é aqui importante é o que o Sr. Deputado Barbosa de Melo referiu há pouco, isto é, o que não pode acontecer, nomeadamente quanto à violação da integridade física, é que alguém vá tirar um órgão a uma pessoa sem o seu consentimento. Isso é que não pode acontecer, porque as pessoas têm direito a essa integridade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, uma vez que V. Ex.ª pediu a palavra, pedia-lhe que se pronunciasse sobre a oportunidade ou não da sustentação das suas propostas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, ia exactamente falar reflexamente nessas propostas. Embora sejam dois artigos distintos, a verdade é que o seu conteúdo tem a ver com as alterações que estamos a discutir ao artigo 26.º
Gostaria de dizer que a minha proposta para o artigo 26.º-B daria, obviamente, resposta, sem prejuízo da pertinência das considerações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, às preocupações que aqui foram levantadas quer pela Sr.ª Deputada Odete Santos quer pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Isto porque ele previa a eventual alteração da identidade genética individual desde que com o consentimento do próprio e exclusivamente para fins terapêuticos. Essa questão estava, portanto, salvaguardada, mas parece-me óbvio que as considerações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes também lhe dão resposta.
Não se pode de forma alguma concluir daquilo que se está a pretender estabelecer na Constituição que ela inviabilizaria essas situações de fins terapêuticos, de intervenção com vista a dar resposta a problemas de saúde desde que consentidas. Para além disso, como o Sr. Presidente também já referiu, fica aqui uma remissão para a lei, na medida em que se diz "a lei garantirá". Portanto, obviamente a lei irá salvaguardar essas situações.
O que, do meu ponto de vista, era de todo inadmissível era que, neste momento e neste lugar, em sede de revisão da Constituição, os constituintes portugueses não estivessem preocupados com esta matéria e não dessem um sinal relativamente a ela. Ora, parece-me que esse sinal está dado com esta redacção cuidada, que não vai, obviamente, impedir o seu aprofundamento em sede de lei ordinária, onde todas as questões que aqui foram levantadas terão, com certeza, a salvaguarda e a resposta adequadas.
Neste contexto, considero que, no essencial, as questões que propunha nos artigos 26.º-A e 26.º-B estão absorvidas nas soluções em discussão em torno da proposta comum do PS e do PSD, pelo que retiro essas duas propostas.
Relativamente à minha proposta para um artigo 26.º-C, considero que sistematicamente não está bem aqui inserida, porque não se trata de um direito pessoal ou individual. Por outro lado, na medida em que algumas das suas vertentes estão já consagradas nalgumas das propostas já votadas e noutras que adiante se votarão, também retiro a proposta para esse artigo.

O Sr. Presidente: - Registo o seu notável espírito de cooperação, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, para uma intervenção.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção diz respeito a uma proposta adiantada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro no sentido em que se fizesse a inversão "nomeadamente na experimentação científica e na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias".
Ponderadas as coisas, julgo que a bancada do PSD se inclina para manter a redacção tal como ela está. Apesar de tudo - e, enfim, não há redacções perfeitas... -, tal como está na proposta comum, penso que esta redacção pelo menos não levanta um problema que a sua levantaria, que era uma certa atitude implícita no texto de aversão ao desenvolvimento da experimentação científica. Por isso, a experimentação científica fica no fim e não fica pior. É verdade que a experimentação científica tem os seus riscos, mas ninguém fecha essa história, nem o Sr. Deputado quer fechar. Na realidade, essa redacção poderia dar a ideia de que estávamos com medo da experimentação científica neste domínio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, para além dos poucos conhecimentos que adquiri sobre esta matéria e que também me tinham deixado muitas dúvidas, nomeadamente porque nunca encontrei em nenhum sítio o que era a "identidade genética" - e daí logo as minhas reservas a que um legislador, para mais um constituinte, usasse uma expressão que a comunidade científica ainda não sabe exactamente o que é -, vim para este debate no sentido de, efectivamente, me esclarecer.
Devo dizer que o debate foi muito interessante, mas não me esclareceu totalmente. Infelizmente, continuo com as mesmas dúvidas, sem que tenha retirado daqui uma conclusão sobre as repercussões desta proposta. No entanto, pelo menos uma coisa é certa: vai-se aprovar uma coisa, a identidade genética, que não se sabe o que é.
Creio que a dignidade pessoal está assegurada na Constituição frente à investigação científica e que, portanto, não era necessário metermo-nos por estes caminhos. Devo dizer que apreciei as propostas que o Sr. Deputado Guilherme Silva fez e que, de facto, as achei positivas na maneira como estavam formuladas. No entanto, uma vez que tenho ainda muitas dúvidas e porque me pareceu que poderia ser correcto o sentido que o Sr. Deputado José Magalhães deu a esta proposta, ou seja, o de considerar que o genoma humano é património da Humanidade e que formar seres híbridos seria vedado porque seria a deformação da espécie humana, sem prejuízo de continuar a estudar o assunto e posteriormente logo se verá, vou neste momento abster-me na votação desta proposta. Mas, repito, continuo com muitas dúvidas sobre ela.

Página 2237

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta comum para aditamento de um novo número ao artigo 26.º. Se esta proposta para um novo n.º 3 for aprovada, terá como consequência que o actual n.º 3 passará a n.º 4.

Submetida à votação, foi aprovada por maioria qualificada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

3 - A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.

Srs. Deputados, está votado o conjunto normativo relativo ao artigo 26.º. As propostas de novos artigos que eram da autoria do Sr. Deputado Guilherme Silva foram retiradas e o n.º 4 da proposta do PS foi considerada substituída pela que acabámos de votar.
Em consequência, vamos passar ao artigo 27.º, que, para além das propostas originárias, tem também uma proposta de substituição que abarca um conjunto de alíneas do n.º 3 do artigo. Nessa medida, pergunto aos autores da proposta se lhes parece adequada uma fundamentação geral ou uma fundamentação alínea por alínea.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente enunciámos sinteticamente no texto que V. Ex.ª tem nas mãos a fundamentação de cada uma das propostas. Talvez por uma questão de rapidez de procedimento e carácter cristalino da discussão seja melhor ir fechando tema a tema.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, o Sr. Deputado José Magalhães deseja continuar a usar da palavra relativamente àquilo que é a proposta comum para o desdobramento da alínea a)?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - O que se propõe aqui é uma correcção verdadeiramente técnica, que discutimos longuissimamente na primeira leitura, pelo que, creio, nenhuma dúvida vai haver sobre o seu alcance.
Trata-se de colocar em duas alíneas, distinguindo-as, a detenção em flagrante delito e a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.
Penso que esta é uma correcção técnica relevante por razões que todos conhecemos.

O Sr. Presidente: - É em sentido próprio uma correcção técnica e suponho, Srs. Deputados, que ela está inteiramente apreendida por todos.
Vamos, portanto, passar à votação em conjunto das alíneas a) e b) do n.º 3, uma vez que significam um desdobramento da actual alínea a).

Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

São as seguintes:

a) detenção em flagrante delito;
b) prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;

Srs. Deputados, vamos agora passar a uma proposta de substituição da alínea c) na versão subsequente à primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, há aqui uma dupla operação, desde logo, o facto de se acrescentar ao elenco típico hoje previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º uma outra cláusula. Essa cláusula ("ou outra medida coactiva") vem juntar-se às já existentes para contemplar situações que hoje em dia a lei ordinária prevê, mas que carecem de melhor regulamentação e definição. Espero que a legislação que venha a ser apresentada à Assembleia o faça em termos curiais, mas a verdade é que, ao aditarmos esta cláusula - e, como podem ver, esse inciso está manuscrito -, vamos aditar ao próprio texto já vigente uma regra de controlo judicial da aplicação destas medidas.
Neste sentido, vamos não apenas qualificar a nova situação introduzida, como fazer refractar às já previstas a obrigação de controlo judicial, o qual, de resto, hoje existe em modalidades que podem vir a ser aperfeiçoadas ou reconformadas, mas que traduzem uma ideia virtuosa: as medidas coactivas não devem ser descontroladas; as medidas que cerceiem a liberdade das pessoas, ainda que não sejam tipicamente prisão ou detenção, devem ser objecto de um módico de controlo judicial a prever pela legislação respectiva só aprovável pelo Parlamento. É uma garantia de lei material e uma garantia de controlo, ou seja, um revigoramento de direitos fundamentais de pessoas que carecem dessa protecção, sem, todavia, se tolher a possibilidade de criação deste tipo de medidas, quando isso seja necessário e adequado e feito de forma proporcional.
Trata-se, portanto, de um equilíbrio entre liberdade e coacção, que é um alvo constitucional e que aqui, dentro desse espírito, se pretende reformatar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, corroborando a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de dizer que, naturalmente, numa disposição que se insere nesta área da Constituição e, portanto, tem a ver com direitos fundamentais e, mais concretamente, com a liberdade, o legislador constituinte deve ter presente situações nalguma medida novas no âmbito da excepcionalidade da privação transitória da liberdade para fins muito específicos que a legislação ordinária vem contemplando. Tenho presente, e naturalmente que o Sr. Deputado José Magalhães também tinha quando interveio, as situações que se colocam, designadamente, quanto aos refugiados, às

Página 2238

 

situações em que se está a analisar pedidos de asilo ou de entrada no país que estão a ser observadas para efeito de decisão quanto à permanência ou não de cidadãos em Portugal, às detenções que a lei ordinária também já prevê para determinado tipo de identificação. Considero que era natural que se aproveitasse esta oportunidade para melhorar e alargar o âmbito desta disposição relativamente a situações que não caem no âmbito comum de expressões que já ganharam e que têm um sentido adquirido no Direito e, particularmente, no próprio Direito Penal e Processual Penal, como é o caso da prisão e da detenção. Era perfeitamente conveniente que se alargasse e que se inserissem aqui estas outras medidas coactivas sujeitas a controlo judicial e foi nesse sentido e com estas preocupações que se alterou a redacção desta alínea.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, gostaria de congratular-me com esta proposta e, em particular, com este inciso manuscrito que ela contém referente às medidas coactivas sujeitas a controlo judicial.
Na primeira leitura tive oportunidade de, a propósito desta norma e do artigo 28.º, insistir na preocupação que medidas policiais atípicas que existem e poderão vir a existir em maior número no nosso ordenamento jurídico estavam a suscitar, referindo-me particularmente, como é evidente, ao caso conhecido da detenção temporária ou precária de estrangeiros nos aeroportos, nos designados centros de acolhimento, até que o problema da autorização ou, nalguns casos, de recusa de autorização de entrada e repatriamento esteja resolvido. Manifestei a minha particular preocupação por não haver uma previsão legal com base constitucional imperativa que implicasse, sempre e em qualquer caso, que essa detenção, que não era qualificada como tal, fosse sujeito a controlo judicial sempre que se prolongasse por um período razoável que o legislador determinará. Foi, aliás, com esse sentido que fiz uma proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 28.º, em que se deixava de falar em prisão preventiva para se passar a falar em qualquer medida de privação da liberdade e julgo que a preocupação que estava subjacente a essa proposta fica, no essencial, resolvida com esta proposta de aditamento da alínea c) ao n.º 3 do artigo 27.º. Por isso, aproveito a oportunidade para comunicar ao Sr. Presidente que retirarei também a minha proposta relativa ao n.º 1 do artigo 28.º

O Sr. Presidente: - Donde se prova que, se nem sempre é assim, muitas vezes "da discussão nasce a luz"...
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Quero apenas colocar uma questão relativamente à expressão território nacional.
Recordando que ainda recentemente esta Assembleia aprovou para ratificação a Convenção do Direito do Mar onde se consagra a zona económica exclusiva, pensemos no caso de um pescador espanhol que, sem estar autorizado por Portugal, invada a nossa zona económica exclusiva das Ilhas Selvagens e…

O Sr. Presidente: - É mesmo tornar o exemplo complexo!…

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - … a nossa Armada prive da liberdade esse pescador. Ora, não está autorizada a fazê-lo por este n.º 3 porque não se trata de "território nacional".
Por isso, penso que poderia ser benéfica uma formulação que pudesse ir para além do "território nacional", no sentido de abranger áreas sob jurisdição nacional.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a citar uma questão nova, porque o conteúdo útil da proposta que está agora em apreciação, no seu aditamento, já recolhia o texto constitucional vigente e, esse sim, reportava-se ao "território nacional" sem fazer o distinguo ao que acabou de referir. Não sei, Sr. Deputado, se esse distinguo seria pertinente nesta sede.
No entanto, pergunto se algum Sr. Deputado deseja manifestar-se.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tal como outras hipóteses de carácter periférico - como, por exemplo, a do terrorista que quer permanecer num avião e, como se sabe, a aeronave em voo é também parte do "território nacional", o que coloca problemas interessantes de Direito Internacional... -, tudo se sintetiza e condensa no seguinte: a nave aterra, o barco português chega à ilha de Porto Santo ou ao Funchal, aporta a "território nacional" e o ser humano em causa é objecto das medidas de coacção a que estamos agora a referir-nos. Ou seja, o problema é tecnicamente irrelevante. Em termos de hipóteses, há também aquela das criaturas cuja definição como seres humanos seja dúbia. São hipóteses académicas muito interessantes, mas não são hipóteses típicas que devam preocupar um legislador constitucional.

Risos.

E já estou a excluir, obviamente, a hipótese do marciano e do seu estatuto jurídico à chegada, tipo Independence Day. Seria uma hipótese complicada, porque não sabemos da aplicabilidade da Constituição...
Portanto, Sr. Deputado, não creio que esse seja um problema relevante e que devamos submeter a normação regular, à chamada hipótese invulgar ou esotérica.

O Sr. Presidente: - Esta argumentação, que tem o seu quê de surrealista, deve ser levada à conta da hora em que estamos a trabalhar...!
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, aliás, esperaria que não fosse aqui advogada a técnica de controlo praticada pelo Rambo ou coisa parecida. Vamos admitir que seja transportado para um sítio onde se possa prender o homem.

Página 2239

 

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado Barbosa de Melo, e isso é Rambo?!

Risos.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Espero que o Sr. Deputado José Magalhães não esteja a advogar tal solução.

Risos.

Gostaria só de acrescentar algo que tem a ver com a redacção que aqui é proposta. É que julgo que a forma "sujeita a controlo judicial" que VV. Ex.as aqui introduziram manuscritamente não é tão feliz quanto poderia parecer à primeira vista. De acordo com a linguagem tradicional neste domínio, penso que deveria dizer-se: "confirmada por decisão judicial".

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado Barbosa de Melo, o controlo judicial pode ser ex sanctio…

O Sr. Presidente: - É mais dinâmico, Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. José Magalhães (PS): - É mais dinâmico e mais abrangente do que a confirmação, que é um acto…

O Sr. Presidente: - O "controlo judicial" não é só para confirmar uma situação adquirida; é para ir acompanhando a situação ao longo do seu desenvolvimento. É essa, aliás, a solução da lei em vigor.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - De qualquer forma, tenho dúvidas quanto à expressão controlo...

O Sr. Presidente: - Creio que nesta dúvida, Sr. Deputado, pode levar a benefício dos autores da proposta.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, o control just in time é uma forma e é controlo no próprio momento. Mas, de resto, não fica bem... "(...) prisão, detenção ou outra medida coactiva"…

O Sr. Presidente: - ... ", sujeita a controlo judicial"…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … "sujeita"…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não! "judicialmente controlada"!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Antes "submetida a controlo judicial"…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - ... "judicialmente controlada"…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ou "judicialmente controlada"...

O Sr. Presidente: - Bem, isso são aspectos semânticos que poderemos certamente ponderar…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Também não quero propor agora a solução, mas peço é que se esteja atento a esta redacção. Eu disse que era apenas uma questão de forma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Por acaso prefiro a expressão "judicialmente controladas".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que entre a proposta apresentada pelo PSD e a proposta que agora vem aqui há um avanço significativo, que reside nesta expressão "sujeita a controlo judicial".
Em relação à proposta do PSD estávamos manifestamente em desacordo, mas queremos registar como positivo este avanço, embora para mim se trate de detenções. Penso que estamos a inventar nomes, mas creio que isso terá surgido como necessário. De qualquer forma, penso que isto entra no regime das detenções.
Gostaria ainda de pedir aos proponentes desta proposta o seguinte esclarecimento: esta medida coactiva é imposta por quem? Antes do controlo? Talvez isto altere aquilo que eu tinha dito. Surgiu-me de repente…

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, O Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se a Sr.ª Deputada ler o corpo do n.º 3, vê que é a lei que vai determinar quem é que faz isso.
De resto a lei já existe; a lei já sujeita a controlo judicial tudo isto que está aqui proposto. Trata-se apenas da constitucionalização de uma realidade existente no nosso país.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, perante os esclarecimentos, suponho que estamos em condições de passar à votação desta proposta para um aditamento à actual alínea b), que passará a figurar como uma nova alínea c).
Vamos, então, votar.

Submetida à votação, foi aprovada por maioria qualificada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva, sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;

Srs. Deputados, no âmbito ainda desta proposta de substituição, vamos está em discussão a alteração da alínea e) do n.º 3.
Algum dos proponentes deseja justificá-la?

Página 2240

 

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, mantém-se a designação de alínea e)?

O Sr. Presidente: - Não, as alíneas serão depois reordenadas face às alterações que decorrerem das votações. Aliás, já decorreram e, por isso, em certo sentido, esta alínea e) já não é alínea e). Mas não vale a pena criar agora essa dúvida.
Volto a perguntar se algum dos Srs. Deputados proponentes deseja justificar esta proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verdadeiramente no proémio desta proposta explicámos o porquê da mesma. Trata-se de um alargamento que visa evitar uma situação extremamente perigosa e negativa, e que é uma determinada interpretação da actual alínea e) que tem a vindo a considerar que a detenção, ainda que por decisão judicial, para comparecer perante o Ministério Público não está coberta pela actual norma constitucional.
Não vale a pena estarmos a fazer exegese em função do Direito vigente; vamos fazê-la em função do Direito a vigorar, e face a esse nenhuma dúvida haverá. A autoridade judiciária tem um significado preciso entre nós, os fins são meritórios. Trata-se de, e apenas para realização de finalidades processuais relevantes, permitir tal coisa. Há controlo judicial, há decisão judicial e, portanto, Sr. Presidente estão salvaguardados todos os elementos que são necessários num Estado de direito democrático.

O Sr. Presidente: - Trata-se, portanto, de um controlo judicial para a possibilidade de se submeter à autoridade judiciária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O PSD concordou com esta formulação, na medida em que ela tem uma finalidade aclaradora, nos termos em que o Sr. Deputado José Magalhães referiu.
Em nome da celeridade processual, pareceu-nos que afastar esses equívocos seria benéfico, tanto mais que, como resulta da referência inicial da própria alínea, toda esta situação é sempre decorrente de uma decisão judicial, embora seja para comparecer perante uma autoridade judiciária que não tem de ser necessariamente um juiz.

O Sr. Presidente: - Penso que estamos todos entendidos, Srs. Deputados.
Vamos, portanto, passar à votação da proposta para esta alínea e), que, se for aprovada, vigorará como futura alínea f).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

É a seguinte:

e) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante a autoridade judiciária competente;

Passamos a uma proposta de aditamento de uma nova alínea, que vem classificada como f) mas que, se vier a ser aprovada, será a futura alínea g).
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta proposta representa uma evolução relativamente à inicialmente apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Trata-se de clarificar de maneira inequívoca em que circunstâncias, em que casos e com que regime é que pode haver a chamada detenção para identificação. Esta norma é, desse ponto de vista, cristalinamente clara: por um lado, só se aplica a suspeitos e, por outro lado, a regra da estrita necessidade, que o Partido Socialista propunha que abrangesse apenas a fixação do tempo de actuação da medida, aplica-se também, segundo esta versão, na fixação dos casos, ou seja, só nos casos estritamente necessários para cumprir a finalidade que preside a este instituto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, se bem entendi, isto que vem aqui proposto não é para os casos em que haja suspeição de prática de crime, porque nesses os sujeitos já podem ser detidos para identificação e, depois, se for caso, submetidos a prisão preventiva. Portanto, não se trata aqui de suspeição da prática do crime. É um suspeito, não se sabe é de quê. Será assim?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para responder
.
O Sr. José Magalhães (PS): - Esse aspecto foi longamente examinado na primeira leitura…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente, refere-se aos controlos de identidade…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, mas não são os controlos de identidade no sentido "passe cá"... Isto é, importando o debate do Direito francês, não são os controlos de identidade tipo "proposta de lei Dias Loureiro", a qual, aliás, não foi aprovada - e, como se sabe, a versão final incorporou alterações virtuosas, aliás propostas pelo Partido Socialista e pelo PCP e na altura consensualizadas pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, o que muito me apraz sublinhar.
Portanto, há uma distância enorme entre este clausulado e esses clausulados…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não há entre o último que o PS aprovou, em que passou de seis horas para três!

Página 2241

 

O Sr. José Magalhães (PS): - Há, há! Isto é, na opinião dos proponentes há! Obviamente que a hermenêutica será feita segundo os elementos típicos próprios. O Manuel Costa Andrade continua vivo e a ajudar-nos…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pronto, é um suspeito!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não é um suspeito no sentido grosseiro, no sentido da linguagem do cinema ou no sentido dos romances. É suspeito no sentido jurídico-constitucional português, com o sentido preciso que tem.
É importante que não haja qualquer dúvida, sob pena de se fazer uma interpretação perversa. O legislador constitucional, ignorando os conceitos básicos do nosso Direito e do nosso Código de Processo Penal, estaria a criar um conceito difuso, omniabrangente e, nesse sentido, contrário ao Estado de direito democrático. Não é isso que aqui está proposto e quem fizer hermenêutica perversa desta matéria fá-la-á à sua custa e por sua conta e risco.

A Sr.ª Odete Santos(PCP): - Oh, essa conversa já conheço há muito!... Sobre as 40 horas, etc.!…

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, é porque ainda não aprendeu, o que é grave!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, é que a prática mostra que o Sr. Deputado não tem razão!

O Sr. Presidente: - Ó Sr.ª Deputada Odete Santos, mesmo a Sr.ª Deputada deve encontrar algumas razões para confiar no Estado de direito.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu?! Porquê eu?

O Sr. Presidente: - Sim, com certeza!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sou suspeita?

Risos.

Se o Sr. Presidente me diz que tenho razões para confiar, é porque se passa aí alguma coisa…

O Sr. Presidente: - Pode ser que o Sr. Deputado Guilherme Silva a consiga convencer. Tem a palavra, Sr. Deputado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ah, esse muito menos!

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com essa confissão, será detida pelo tempo mínimo estritamente necessário…

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois, sou detida aí umas duas horas e meia…

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sim senhor! Vamos recomendar ao guarda da esquadra que não atrase o relógio...

Risos.

Bom, estamos um pouco a brincar, mas penso que esta questão tem particular relevância e é extremamente importante…

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, ninguém estava a brincar! Estávamos apenas bem dispostos!…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E é extremamente importante porque, designadamente na última legislatura, discutiu-se aqui um diploma que tocou muito perto com esta questão e que teve dificuldades na sua aprovação e até suspeitas de inconstitucionalidade.
Parece-me que todos estamos cientes de que é possível conciliar os valores fundamentais da liberdade - e este artigo é uma dessas traves mestras da Constituição e do nosso Estado de direito -, todavia também estamos cientes de que hoje todos nos debatemos com problemas de segurança complexos, como a abertura de fronteiras que torna mais complexa essa questão e como a cooperação que também nos é exigida, naturalmente, no âmbito do combate à criminalidade internacionalmente organizada.
Portanto, com o respeito máximo pelos direitos das pessoas, há que dotar o Estado de alguns mecanismos de eficiência para situações em que se torna necessária a intervenção da autoridade para, pelo tempo estritamente necessário, se identificar alguém que, obviamente, é suspeito de actividade criminosa. Não é suspeito de estar em Portugal…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas não é isso que está aqui!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … para apanhar sol ou para beneficiar do nosso ameno clima. Não é, com certeza, nessas situações que, quer por via de uma lei ordinária, quer muito menos por via da Constituição, essas detenções excepcionais e pelo tempo mínimo necessário irão ocorrer. Agora, parece-me evidente que a Constituição não se podia alhear dessas situações e deveria, neste catálogo que o artigo 27.º contem, prevê-las, ainda que de uma forma absolutamente excepcional. Julgo, efectivamente, que a conciliação entre a liberdade e a segurança é obtida aqui também com o equilíbrio necessário e com o assegurar das garantias fundamentais dos cidadãos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para uma intervenção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso que esta norma, ao invés de criar segurança, é geradora de insegurança.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Ó Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se me der licença, acrescentarei o que

Página 2242

 

tenho a acrescentar, que, aliás, não é muito, porque isto já foi muito discutido na Assembleia…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu sei disso!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - … antes mesmo de o Sr. Deputado Luís Marques Guedes estar cá.
Entendo que esta norma é geradora da maior insegurança porque a partir daqui qualquer órgão de policia criminal pode chegar ao pé de um cidadão e dizer: "O senhor é suspeito, acompanhe-me para identificação."
Portanto, isto é gerador da maior insegurança em relação ao pacato cidadão que fica sujeito a quaisquer atitudes deste género, prepotentes e arbitrárias.
Por outro lado, se são suspeitos de crime, como o Sr. Deputado Guilherme Silva disse, então vão à esquadra, são identificados e são apresentados ao Ministério Público com os indícios de crime que houver a seu respeito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães chamou há pouco a atenção para o prejuízo que poderá advir de interpretações hermenêuticas menos consentâneas com o propósito desta norma. Penso que esse aviso foi avisado, Sr.ª Deputada.
Não me parece razoável que diga que a partir daqui, ou seja, da admissão constitucional desta norma, seria aberto um campo novo de intervenção policial. O campo de intervenção policial para a detenção de suspeitos está legitimado na lei ordinária e já foi admitido conforme à Constituição mesmo sem a introdução deste normativo. A utilidade que considero existir neste normativo é a de ele vem balizar e criar, através dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, um constrangimento constitucional às possibilidades de utilização abusiva de uma faculdade de detenção de suspeitos para identificação. A meu ver, este é que é o verdadeiro propósito útil da norma que está proposta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está a ver, vamos alterar a lei ordinária!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, podemos passar à votação?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Agora é que penalizaram a lei!

O Sr. Presidente: - Dado que não há mais inscrições, vamos votar esta proposta de alínea f).

Submetida à votação, foi aprovada por maioria qualificada, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, registando-se a ausência de Os Verdes.

É a seguinte:

f) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;

Srs. Deputados, há ainda uma outra proposta de aditamento de uma nova alínea, que vem classificada como alínea g).

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Deverá ser a alínea h), Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - No realinhamento veremos, Sr. Deputado. É porque, entretanto, já há novas alíneas.
Algum dos Srs. Deputados autores da proposta deseja usar da palavra?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, nesse caso, a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Esta proposta teve origem no Partido Socialista, mas, verdadeiramente, está muito corrigida devido à audição que fizemos e que está registada em acta dos peritos da Comissão de Saúde Mental nomeada pelo Governo.
É assim que esta versão final fala especificamente de "portador de anomalia psíquica", expressão que é preferível à utilizada inicialmente pelo Partido Socialista, ou seja, "doente mental". Para além disso, a qualificação da metodologia a adoptar é também rigorosa: "decretado ou confirmado por autoridade judicial competente".
Cremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que fizemos aqui uma calibragem rigorosa de tudo o que é preciso fazer. A nova legislação sobre saúde mental vai permitir, esperamos nós, clarificar muitas situações gravíssimas e muito preocupantes de indefinição e indelimitação. Trata-se aqui de garantir a liberdade e a distinção entre as situações em que o internamento se justifica - e aí ele deve ser decretado pela forma própria, pois, de contrário, será inconstitucional - e aquelas situações em que nenhum internamento é tolerável e deve primar a liberdade humana e o direito a um tratamento em liberdade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra O Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, permita-me apenas que lhe ponha uma questão, na medida em que me ficou uma dúvida na transposição da proposta do Partido Socialista para a proposta da posição comum. Penso que talvez não tenha entendido exactamente a proposta do Partido Socialista.
Na proposta original do Partido Socialista dizia-se "o internamento de doente mental, como tal qualificado por tribunal judicial". Portanto, a qualificação pelo tribunal judicial era sobre o ser um doente mental e não sobre o internamento. Ora, na proposta agora apresentada é o internamento que é sujeito a ser decretado ou confirmado pela autoridade judicial e não a natureza da anomalia psíquica. Tenho razão nesta questão?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o juiz tem de apreciar isso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para responder.

O Sr. José Magalhães (PS): - Percebo perfeitamente a sua pergunta, aliás discutimos isso com a Comissão de Saúde Mental.

Página 2243

 

O n.º 3 deste artigo é um elenco de substantivos: prisão, detenção, prisão disciplinar, medidas de protecção, detenção. Neste caso, a medida é a medida de internamento, o internamento de uma pessoa que tem de ter um determinado conjunto de características ou de circunstâncias, que são um pressuposto a aferir pelo tribunal, pelo juiz e, portanto, obviamente não ab uno disce o outro…

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, a lei deve reger tudo isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Secundando a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães na explicação desta proposta comum, gostaria de dizer que esta questão é extremamente delicada. Sabe-se do melindre, das dificuldades e dos problemas que levanta. Mas é também uma questão que necessita, com alguma frequência, da intervenção do tribunal para não só impedir que, por esta via, se possa conduzir a situações de internamento de pessoas em que não se justifica essa medida por não serem portadores de anomalia mas também para permitir que haja uma avaliação das situações em que essa medida se impõe. Naturalmente que não é apenas a detenção em si ou a medida de internamento que o tribunal vai confirmar. Ele vai, efectivamente, verificar se se trata ou não de pessoa portadora de anomalia psíquica. É um pressuposto de aplicação da medida em causa e, portanto, há uma sindicância judicial da pessoa em si e da adequação ou não da medida de internamento, que o tribunal decretará, ou não, se entender que é adequado e necessário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria focar apenas o problema do "confirmado". É que não estou a ver uma situação em que, rigorosa e juridicamente, se possa dizer que um internamento é confirmado. Um doente vai para o hospital, está internado, faz tratamentos e alguém lá dentro, os médicos, chegam à conclusão que deve ficar. Ora, vai-se ao juiz pedir para confirmar o internamento?
O que o juiz pode fazer é sempre decretar o internamento, porque ele não está internado, está sob tratamento.
Então, pergunto: qual é o alcance disto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - É que pode confirmar-se o internamento em muitas situações e uma das mais preocupantes é aquela em que, em relação a pessoas que circulam pela via pública e em relação às quais haja uma suspeição ou, pelo menos, uma dúvida sobre se não serão portadoras de alguma anomalia psíquica, neste sentido técnico-jurídico preciso que estamos a usar, essas pessoas, sendo conduzidas ao lugar onde se tratam esse tipo de situações, podem, pura e simplesmente, aí ser colocadas nas mãos de um médico para serem objecto de um diagnóstico sem que haja intervenção de alguém independente que ajuíze se, sim ou não, esse acto de privação de liberdade pode ser mantido.
Neste sentido, pode haver confirmação de uma situação de privação de liberdade instrumental, aguardando a submissão a validação judicial e depois a tratamento, naturalmente, segundo as regras da ciência.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Então, é internamento à força! É internado à força e, então, aí é que é confirmado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Repare como é que as coisas se passam hoje em dia, Sr. Deputado! É porque se passam da maneira mais arbitrária!…
Em todo o caso, a conduta das autoridades policiais, remetendo a pessoa a um asilo ou a um hospital, não é solução bastante, nem adequada; tem de haver intervenção de uma entidade independente, um juiz, para validar e confirmar que se tratou de uma medida adequada e própria para a decisão concreta enfrentada. E há outras situações!…

O Sr. Presidente: - Creio que a explicação do Sr. Deputado traz boa compreensão ao significado da norma. Vamos, portanto, votá-la.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

É a seguinte:

g) Internamento de portador de anomalia psíquica decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.

Srs. Deputados, salvo melhor opinião, considero que todas as propostas constantes do projecto originário do PS e do PSD se encontram substituídas pelas propostas que acabámos de votar.
Penso, portanto, que estamos em condições de passar adiante ou terminar aqui os nossos trabalhos.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Dá-me licença que use da palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não queria deixar de, depois de votarmos todos estas alíneas aditadas ao inciso constitucional, referir que, no meu entender, devem ser tomadas as maiores cautelas na aplicação em concreto de cada uma destas excepções, tendo em conta que se o delinquente deve, com certeza, ser mantido detido o cidadão cumpridor, pelo contrário, deve o mais rapidamente possível ser libertado e ficar a salvo de qualquer privação da liberdade. Nessa medida, a proporcionalidade deve, obviamente, ser tomada em conta, evitando abusos e actuações menos próprias por parte da autoridade que deve praticar estas privações da liberdade.

Página 2244

 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, a minha declaração de voto visa todas as alíneas em geral e, em particular, uma que aqui foi introduzida e cujo objectivo compreendo. Refiro-me à alínea f), que diz respeito à detenção de suspeitos para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários. Com esta formulação, dá a ideia de que no domínio das restantes alíneas, que estão sujeitas à mesma regra geral, não vale o princípio da necessidade. Ora, julgo que não é essa a intenção desta Comissão ao aprovar uma coisa destas. Mas, a contrario, é o que resulta da forma como isto está redigido. Dir-se-á depois que só na alínea f) é que o legislador está sujeito ao princípio da necessidade, quando, na verdade, quaisquer destas medidas, seja para identificação seja em razão da prática de um crime, etc., etc., estão num Estado de direito sujeitas ao princípio da necessidade.
Não quis deixar de dizer isto porque julgo que ainda estou a interpretar o sentir geral de quem votou esta alínea e não quis introduzir aqui qualquer discriminação relativamente às restantes alíneas do n.º 3.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma declaração de voto, tendo, porventura, também em vista a articulação necessária entre o disposto no artigo 27.º e o que, relativamente a várias alíneas que estiveram em apreciação, continua a contender positivamente com o disposto no artigo seguinte, ou seja, no artigo 28.º

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, de facto, nada neste artigo contende com o artigo seguinte ou com outros da Constituição. Portanto, são aplicáveis aqui todas as regras hermenêuticas que, neste domínio, salvaguardam os direitos dos cidadãos e dão primazia à liberdade, sempre que tal seja possível para a eficácia das medidas de restrição que se pretende adoptar e imprimir. Designadamente, este sublinhado que consta da alínea g) atinente ao regime de detenção de suspeitos para efeitos de identificação é um sublinhado que tem uma história própria e que decorre da redacção originária do Partido Socialista. Visou-se acentuar, não tanto em relação ao tempo mas mais em relação aos casos, que não é em todos os casos que pode haver detenção de suspeitos no sentido peculiar deste artigo, mas apenas naqueles em que isso seja estritamente necessário e para os fins que aqui estão lícitos e não para outros.
Portanto, Sr. Presidente, nada aqui prejudica a aplicação das normas hermenêuticas gerais que tudo isto submetem a princípios de necessidade, adequação e pertinência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, para uma declaração de voto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Gostaria apenas de salientar a grande preocupação dos Srs. Deputados em justificar esta alínea!…
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Ó Sr.ª Deputada!…

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Refiro-me aos Srs. Deputados do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar adiante.
Relativamente ao artigo 28.º, o n.º 1 constante do projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro foi retirado, sobrando, portanto, um n.º 2 do projecto originário do PS e um n.º 2 do projecto originário do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Da primeira leitura tinha resultado uma disponibilidade para admitir consenso relativamente à possibilidade de, face à disposição actual do n.º 2 da Constituição, onde se diz "a prisão preventiva não se mantém", poder vir a admitir-se a expressão "a prisão preventiva não deve ser ordenada".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a questão que estava suscitada era esta: creio que, no termo da primeira leitura, tinha ficado uma dúvida que era a de saber se não valeria a pena fazer o sublinhado que o PS faz da natureza excepcional que a prisão preventiva deve ter, o que levaria a acolher a primeira parte com essa redacção ou outra similar - e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem até uma que tem virtualidades que me apraz sublinhar -, mas uma redacção que dissesse qualquer coisa do tipo: "a prisão preventiva tem natureza excepcional e não será decretada ou mantida sempre que possa ser substituída por caução, etc., etc., segue igual ao texto em vigor.

A Sra. Odete Santos (PCP): - Então, o melhor é passá-la a escrito!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ela escrita está, está na página 91. Poderia ser votada tal como está.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, é uma fusão das duas propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, mas por nós pode ficar como está.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, acho que esta questão tem de ser vista com mais cuidado e mais longamente. Estamos na hora de terminar os nossos trabalhos e, se o Sr. Presidente e os restantes grupos parlamentares concordassem, penso que seria melhor deixarmos isto para a próxima reunião.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim se fará de acordo com a sugestão do Sr. Deputado Guilherme Silva. Estamos, aliás, na hora que prefixamos para terminar os nossos trabalhos, portanto fica pendente o artigo 28.º

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Peço a palavra para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

Página 2245

 

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, foi-nos anunciado que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tinha pedido para ser recebido outra vez pela Comissão. Entendemos que essa audiência deve ser concedida porque, segundo creio, aquilo que se vem convencionando chamar a posição comum chegou a algum acordo no âmbito precisamente do Ministério Público, por isso penso que deveria ser a Comissão inteira a receber e ouvir o Sindicado dos Magistrados do Ministério Público.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, perante a sugestão da Sr.ª Deputada Odete Santos, que não estamos agora
também na melhor condição para ponderar, proponho o seguinte: a próxima reunião será na terça-feira às 10 horas e 30 minutos, ficando a Mesa e os respectivos coordenadores dos Grupos Parlamentares convocados para as 10 horas. Penso que esse será o momento adequado para ponderar a sugestão que acabámos de ouvir da Sr.ª Deputada Odete Santos.
Srs. Deputados, há uma proposta que acaba de ser admitida e que, se aguardarem um minuto, será ainda distribuída.
Está encerrada a reunião.

Eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 2246

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×