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Sexta-feira, 2 de Maio de 1997 II Série - RC - Número 83
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 30 de Abril de 1997
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 15 horas e 20 minutos.
Foram discutidas e votadas as propostas de alteração aos artigos 42.º, 43.º, 46.º, 47.º, 49.º e 51.º
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães e Cláudio Monteiro (PS), Luís Sá (PCP) e Guilherme Silva e Barbosa de Melo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 20 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estamos em fase de apreciação do artigo 42.º, que se reporta à liberdade de criação cultural.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a circunstância de este artigo não registar quaisquer propostas de substituição. Temos, apenas, uma proposta de alteração que consta do projecto originário do CDS-PP, partido que, neste momento, não se encontra presente. Todavia, esta proposta não tem outro alcance que não seja uma reequação sistemática, reunindo num único corpo aquilo que actualmente se apresenta nos n.os 1 e 2.
Srs. Deputados, feita esta apresentação singela do que está em causa, suponho que estamos em condições de passar à votação desta proposta do CDS-PP. Vamos, portanto, votar a proposta de modificação do artigo 42.º, constante do projecto originário do CDS-PP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP, não havendo votos a favor nem abstenções.
Era a seguinte:
É livre a criação intelectual, artística e científica que compreende o direito, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autos.
Passamos, agora, ao artigo 43.º, sobre liberdade de aprender e de ensinar, relativamente ao qual não há proposta novas, sendo que há a registar uma proposta de alteração ao n.º 2, constante do projecto originário do CDS-PP, e também uma proposta de alteração ao mesmo número, constante do projecto originário do PSD.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a circunstância de a proposta originária do projecto do PSD ter merecido algum acolhimento durante os debates da primeira leitura.
O Sr. Deputado António Filipe pede a palavra para que efeito?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, para intervir sobre as propostas relativas ao artigo 43.º
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sabe qual é o princípio metódico. Não há propostas novas... Naturalmente que se o Sr. Deputado quiser intervir para algum esclarecimento superveniente, tem a palavra.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que a proposta do PSD, que referiu ter tido algum acolhimento na primeira leitura, não beneficia, praticamente em nada, o texto actual, pelo que não parece haver razão suficiente para que o mesmo texto seja alterado.
Relativamente à proposta do CDS-PP, não nos merece especiais considerações a não ser a de que a sua formulação conduziria ao absurdo porque, se se diz que o ensino público não obedecerá a directrizes filosóficas, estéticas, ideológicas, políticas ou religiosas, sejam elas quais forem, então, temos de concluir que não há ensino. É que qualquer ensino tem de obedecer, inevitavelmente, a directrizes desta natureza, boas ou más.
Em relação à proposta do PSD, sinceramente, não vemos onde é que ela altera ou beneficia a redacção actual.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra, mas faço-lhe o mesmo apelo, tendo em conta que não há matéria nova que justifique a retoma da discussão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, conforme na minha intervenção irei explicitar, considero que há matéria nova.
O Sr. Presidente: - Tem alguma proposta para apresentar, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não, mas a matéria não é necessariamente de apresentação de propostas.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, ver, Sr. Deputado Marques Guedes. Tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como citou na sua intervenção e bem, e, de resto, consta do guião da primeira leitura do seu antecessor, esta proposta do n.º 2 teve o acolhimento quer do Partido Socialista, quer do partido Comunista, quer do Partido Ecologista Os Verdes. E o facto novo é que o Partido Comunista acabou de dizer que mudou de opinião. Foi isso o que todos ouvimos.
E, como foi isso que todos ouvimos e como a primeira leitura faz parte de todo este processo, se houve uma alteração entre a primeira e a segunda leituras, acho que há aqui um facto novo sobre o qual gostaria de dizer qualquer coisa e o PCP podia, depois, eventualmente responder.
A questão é que o Sr. Deputado acabou de dizer que não via qualquer vantagem útil na alteração proposta. Ora, isso foi perfeitamente explicitado na altura, com a receptividade do PCP, tendo tido o PSD ocasião de dizer que, de facto, há aqui um ganho de causa muito significativo.
Ora, se que o texto actual diz que "O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação(...)", e vivendo nós num Estado de direito, para se atribuir o direito tinha de ser através de um diploma legal, como a lei de bases, etc., conferindo, por hipótese, ao Estado o direito de, na definição dos currículos educacionais, poder introduzir directrizes filosóficas, políticas, ideológicas, religiosas ou outras. E para afastar, pura e simplesmente, há mais do que isso a afastar na Constituição. É que independentemente de a Lei de Bases atribuir ou deixar de atribuir esse direito ao Ministério da Educação, ao Governo ou à Assembleia, o que quer que seja, para nós, em definitivo, qualquer que se seja a entidade, não pode haver programação da educação e da cultura segundo directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
Portanto, o texto constitucional tal qual o lemos está, de facto, defeituoso porque apenas aponta para uma realidade que nunca ocorrerá. A verdade é que nomeadamente a programação da educação, por exemplo, decorre, de certa forma, da definição dos currículos escolares e nessa definição, do nosso ponto de vista, independentemente de a lei de bases o dizer ou não dizer, não pode haver qualquer programação por directivas filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas, religiosas ou outras. Foi essa a vantagem que foi entendida e reconhecida - o CDS-PP não
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participou no debate - e, conforme consta do guião do Prof. Vital Moreira, o Partido Comunista, na altura, deu acolhimento a esta lógica e a esta vantagem. E se o Sr. Deputado, agora, diz que não, que gostava que me explicasse melhor quais foram as razões que, entre a primeira e a segunda leituras, levaram o Partido Comunista a mudar de opinião.
O Sr. Presidente: - Suponho que o Sr. Deputado Marques Guedes falou a título de intervenção. Ora, a título de intervenção, há também um pedido do Sr. Deputado José Magalhães.
Tem a palavra, de imediato, o Sr. Deputado José Magalhães e, depois, darei a palavra ao Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, trata-se agora da segunda leitura e não faz sentido reabrir uma discussão, que já fizemos sobre esta matéria. Portanto, pela nossa parte, não a vamos reabrir; vamos, pura e simplesmente, manter-nos fiéis àquilo que dissemos na primeira leitura, ou seja, esta norma em nada altera o conteúdo do artigo que proíbe o Estado em Portugal de programar o ensino segundo directrizes sectárias, especiosas, que o tornem manchado por uma qualquer mistura de planos. Isso é assim e continuará a ser assim. Esta é uma alteração puramente de expressão literária.
Mas, devo dizer, isto não é precedente em relação a outras alterações, algumas muito especiosas, que estão adiante projectadas e em relação às quais o PS não assumiu compromisso algum de reescrever a Constituição. Temos uma concepção económica, limitada, minimalista do trabalho a fazer. Há mil maneiras de escrever constituições, mas esta foi a historicamente consagrada pelos Deputados Constituintes e nós somos fiéis a isso.
Neste caso, votaremos a favor, mas, Sr. Presidente, não vejo razão para passarmos longos minutos a discutir uma questão em que o Partido Socialista também vota a favor - há dois terços - e o PCP faz o que quiser, não contribui para dois terços sequer porque é livre.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, a quem peço um esforço de síntese.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que nós não mudámos de posição.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está nas actas, Sr. Deputado!
O Sr. António Filipe (PCP): - Aliás, esta é uma proposta que nem admite, propriamente, que haja mudanças de opinião na medida em que se trata de uma precisão meramente linguística e sem qualquer efeito material quanto ao texto constitucional.
É evidente, diz o Sr. Deputado Marques Guedes: "mas, com esta formulação proposta pelo PSD, o Estado não pode programar a educação e o ensino segundo directrizes filosóficas, ideológicas, políticas ou outras". Então, pergunto: no texto actual pode? É evidente que não, na medida em que não pode atribuir-se esse direito. Portanto, creio que nem me vou dar ao trabalho de votar contra esta proposta porque ela nem merece que se vote contra porque, de facto, é uma proposta de um mero acerto gramatical. Aliás, propostas destas poder-se-iam apresentar, relativamente a todos os artigos, sem alterar uma vírgula ao sentido material do texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Estamos inteiramente esclarecidos, com o que me congratulo. Se os Srs. Deputados quiserem, depois, ler o resultado do debate da primeira leitura, aí encontrarão uma interessante chamada de atenção da parte do Sr. Deputado Barbosa de Melo sobre este assunto.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta do CDS-PP para a modificação do n.º 2 do artigo 43.º
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP, não havendo votos a favor nem abstenções.
Era a seguinte:
2 - O ensino público não obedecerá a directrizes filosóficas, estéticas, ideológicas, políticas ou religiosas, estando obrigado ao pleno respeito pelos valores que conformam a identidade nacional.
Srs. Deputados, passamos, agora, à votação da proposta constante do projecto do PSD, também para alteração do n.º 2 do artigo 43.º
Submetida à votação, foi aprovada por maioria qualificada de dois terços, com votos a favor do PS e do PSD e a abstenção do PCP, não havendo votos contra.
É a seguinte:
2 - O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
Srs. Deputados, vamos passar agora à apreciação do artigo 46.º, que tem por epígrafe "Liberdade de associação". Este artigo regista uma proposta em segunda leitura de modificação do n.º 4, apresentada por Deputados do PS e do PSD, que visa acrescentar um novo inciso do seguinte teor: "nem organizações racistas", naturalmente como princípio de proibição da liberdade de associação. Para além desta proposta agora apresentada, há propostas iniciais de alteração ao n.º 4, constantes do projecto do CDS-PP. A proposta inicial do PS será, naturalmente, dada como substituída. A proposta do PSD inicial, suponho, também será dada como substituída.
Confirma, Sr. Deputado Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Confirmo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Há ainda uma proposta de Os Verdes, também de alteração do n.º 4.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só para corrigir, dizendo que havia, de facto, uma proposta do projecto n.º 8/VII, a qual vou retirar e justificar.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e dou-lhe a palavra para justificar a retirada da sua proposta.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, conforme já tinha sido discutido na primeira leitura, e sem prejuízo das objecções que, então, foram levantadas, foi explicado, julgo, que o objectivo da proposta tinha, obviamente, o único e exclusivo sentido de entender que, no estado actual da democracia portuguesa, não são necessárias cláusulas de protecção da democracia. Consequentemente, o sentido da proposta era de um reforço do sistema democrático e, obviamente, não da sua diminuição ou debilitação e, em nenhum caso, o sentido retirado por alguns de favorecimento ou de acolhimento da existência de partidos de ideologia fascista.
O que entendo é que, em 1997, não é necessário proteger a democracia com esse tipo de cláusulas de proibição. A democracia forte não necessita de cláusulas de protecção, só as democracias fracas ou não consolidadas.
Nesse sentido, e porque era só esse o sentido da proposta, naturalmente, retiro-a por resultar também da primeira leitura não haver acolhimento, nem mesmo haver necessidade de existir.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que estamos esclarecidos acerca do alcance da proposta que vamos votar sobre a alteração do actual n.º 4 do artigo 46.º, que consta do projecto originário do CDS-PP.
Portanto, vamos votar.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP, não havendo votos contra nem abstenções.
Era a seguinte:
4 - Não são consentidas associações armadas do tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações cujo objectivo ou acção atentem contra a dignidade nacional ou o regime democrático.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta apresentada, como referi, por Deputados do PS e do PSD, de modificação igualmente do n.º 4, com o aditamento da expressão "nem organizações racistas".
Srs. Deputados, vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada com a maioria qualificada de dois terços, com votos a favor do PS, do PSD e do PCP, não havendo votos contra nem abstenções.
É a seguinte:
4 - Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.
O Sr. Deputado Marques Guedes pede a palavra para que efeito?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Partido Social-Democrata retirou a sua proposta inicial, que tinha como resultado prático a não consagração da parte final da nossa proposta em que substituíamos a proibição das organizações que perfilhem ideologias fascistas por a proibição de organizações que perfilhem ideologias totalitárias.
De facto, do ponto de vista do PSD, o que está aqui em causa não é, nem pode ser, como é evidente, por força da Constituição, um parti pris ou uma qualquer proibição dirigida a um determinado tipo de ideologia.
Não, não é esse o nosso património constitucional, ao abrigo, de resto, da consagração do princípio do pluralismo democrático que consta dos artigos iniciais da Constituição. Aliás, numa interpretação a contrario, se o nosso Estado é fundado numa lógica de pluralismo democrático, é evidente que as proibições relativamente à liberdade de associação, a existirem, devem ser contra todos aqueles que atentem, expressamente, contra esse mesmo pluralismo, ou seja, contra as organizações de ideologia totalitária.
Essa é que seria a linguagem correcta da parte da Constituição, esse é que seria o princípio que estaria de acordo com os princípios fundamentais estruturantes do nosso Estado de direito. E é pena, ainda por cima, numa altura em que o fascismo, enquanto ideologia política, de facto, começa a ser algo dos compêndios de História...
O Sr. António Filipe (PCP): - Dos compêndios de História?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Acho que sim, Sr. Deputado.
É porque, hoje em dia, os perigos político-ideológicos vêm de ideologias de natureza totalitária, nomeadamente os fundamentalismos, que temos, infelizmente, em termos geográficos, até bastante ao pé da porta. Fundamentalismos esses que só por comodidade de linguagem é que podem ser apelidados de fascistas. O fascismo é uma ideologia, teve o seu período histórico e, penso, a expressão hoje, no mundo, não passará de meia dúzia de "bandos" saudosistas. Contudo, há, isso sim, outras ideologias de carácter totalitário actuantes e, em alguns casos, até governantes, em vastas zonas do território mundial e era contra esse totalitarismo e em nome da defesa do princípio do pluralismo democrático que a nossa Constituição se deveria precaver.
É pena que não tenha sido possível. Mais uma vez, à semelhança do que o PSD já disse, relativamente a outras propostas, os acordos são o que são, a proposta conjunta a que chegámos com o Partido Socialista levou-nos, obviamente, por uma questão de lealdade, a retirar a nossa proposta. Queria, contudo, deixar expresso em declaração de voto que, tendo retirado a sua proposta pelas razões do acordo político, o PSD não deixou de acreditar nela e espera que, numa próxima oportunidade, seja possível incluir tal rectificação.
Uma voz não identificada: - Essa alteração é uma abertura?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para nós não é uma alteração mas uma rectificação à Constituição.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Podia ficar "ideologias fascistas ou outras totalitárias".
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?
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O Sr. José Magalhães (PS): - Para uma breve declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Pela nossa parte, votamos favoravelmente este aditamento porque, cremos, por um lado, que é legítimo e, por outro, é útil e é sensato que a democracia adopte medidas de autodefesa, não por ser fraca mas porque tem o dever - e a experiência histórica o mostra - de ser tudo menos incauta.
Neste sentido, não deve ser ambígua na definição dos seus adversários, nem deve subestimar a gravidade da ideologia fascista do passado ou do presente ou mesmo do futuro.
Por outro lado, congratulamo-nos muito com a inclusão da proibição de organizações racistas. É um acto muito significativo e congratulamo-nos também com o facto de isso ser feito por unanimidade, nesta Câmara. De resto, isso insere-se num esforço que está a ser feito a nível europeu de combate ao racismo e à xenofobia que tem particular impacto este ano, precisamente. A Constituição dá um sinal e um sinal positivo de postergação e combate a alguma coisa que é hedionda e que, por isso, é muito importante que aqui seja abjectada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, ainda que brevemente, também queria exprimir congratulação pelo facto de ter sido introduzida no texto constitucional a proibição de organizações de carácter racista. Congratulamo-nos, por um lado, por o artigo, tal como existe actualmente, não ter sido mutilado, ter mantido na íntegra o seu conteúdo e, por outro lado, pelo facto de ter sido acrescentada a proibição de organizações de natureza racista.
Parece-nos, de facto, que é uma benfeitoria no texto constitucional. Nunca é de mais salvaguardar a nossa ordem jurídica a partir da nossa ordem constitucional, dando o sinal inequívoco de repúdio da nossa parte - e é positivo que tenha sido por unanimidade - relativamente ao aparecimento de laivos de racismo e xenofobia que, infelizmente, vão aparecendo por essa Europa fora e também em Portugal.
Portanto, penso que a votação que acabámos de fazer relativamente ao n.º 4 do artigo 46.º foi um sinal muito positivo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma proposta de Os Verdes que se reportava ainda à mesma matéria e que visava consagrar uma proibição de carácter racista. Materialmente tem o mesmo alcance da proposta que acabou de ser votada.
Pergunto se há consenso na Comissão para entendermos que esta proposta, por esse efeito, está absorvida pela outra e, como tal, prejudicada pelo que não será necessário colocá-la a votação.
Pausa.
Verifica-se que há consenso no sentido proposto.
Agora, Srs. Deputados, vamos apreciar propostas de novos números relativamente ao artigo 46.º, havendo um, constante do projecto do PCP, que vem classificado como um novo n.º 5 e que diz o seguinte: "A lei assegura que a atribuição pelo Estado, e por outras pessoas colectivas públicas, de isenção ou outros benefícios a qualquer associação respeite o princípio da igualdade e não implique deveres desnecessários ou despropositados".
Esta proposta não teve acolhimento na primeira leitura. Não há texto novo.
Penso, Srs. Deputados, que poderemos votar.
Vamos, portanto, passar à votação da proposta constante do ponto n.º 5 do projecto originário do PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, e votos a favor do PCP, não havendo abstenções.
Era a seguinte:
A lei assegura que a atribuição pelo Estado, e por outras pessoas colectivas públicas, de isenção ou outros benefícios a qualquer associação respeite o princípio da igualdade e não implique deveres desnecessários ou desproporcionados.
Srs. Deputados, há também uma proposta de novo n.º 4, constante do projecto n.º 10/VII de Os Verdes, com o seguinte teor: "É garantido às organizações não governamentais o direito de participar na definição das políticas relativas à sua área de actuação".
Vamos votar esta proposta.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, e votos a favor do PCP, não havendo abstenções.
Era a seguinte:
É garantido às organizações não governamentais o direito de participar na definição das políticas relativas à sua área de actuação.
Srs. Deputados, podemos passar ao artigo 47.º com a epígrafe "Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública".
Esta proposta não regista propriamente qualquer iniciativa de alteração mas, sim, de um artigo novo que era colocado pelo PSD por transferência do actual artigo 62.º relativo ao direito de propriedade. Os Srs. Deputados do PSD querem que esta matéria seja sujeita à apreciação, agora ou aquando do artigo 62.º?
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, vamos gastar o mesmo tempo agora que gastaríamos se a tratássemos a propósito do artigo 62.º. Portanto, em termos de economia temporal não se perde nem se ganha com o facto de o assunto ser tratado, agora ou depois.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é porque, quando se estiver a reflectir sobre a temática do direito de propriedade em geral, talvez tenhamos o espírito mais atento ao problema.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - De qualquer forma, a razão de ser desta proposta e a sua inserção sistemática estão na base e na origem da sua justificação.
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Como V. Ex.ª referiu, não há uma grande alteração - ou nem há mesmo alteração - entre o conteúdo do artigo 62.º actual e aquilo que é aqui proposto. E a proposta tem uma razão de ser muito simples: é que o artigo 62.º está na parte dos direitos económicos e sociais e aqui estamos a tratar de uma parte de direitos, liberdades e garantias. E se, no momento em que se elaborou a Constituição, como é sabido, a filosofia socializante que a inspirou relegava o direito de propriedade para o lugar onde foi colocado, pensamos que, com as revisões a que a Constituição já foi submetida e com o novo espírito que ela tem ganho por via dessas revisões, íamos, naturalmente, ao encontro de uma certa idiossincrasia do povo português, relativamente ao direito de propriedade, obviamente, sem os absolutismos que, em tempos, o direito de propriedade teve e com todo o seu sentido também social que, naturalmente, ganhou, numa evolução perfeitamente louvável e com que nos identificamos.
Contudo, por nem por isso ter perdido o carácter de um direito fundamental, deveria, na nossa perspectiva, ser transferido para esta parte sistemática da Constituição.
Aliás, tanto quanto temos presente da primeira leitura, houve alguma abertura para esta posição. O próprio Sr. Presidente da Comissão, na altura o Prof. Vital Moreira, referiu que talvez pudéssemos aditar "a todos é garantido o direito à propriedade privada e a sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição e da lei".
Nada temos a obstar a esse aditamento. Gostaríamos, sim, de ouvir os outros Grupos Parlamentares no sentido de saber se mantém alguma ideia da receptividade que pode ter sido desenhada na primeira leitura.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, só lhe queria colocar a seguinte questão: a alteração sistemática que propõe inseria, como referiu, o normativo no título relativo ao direitos, liberdades e garantias. Ocorre que, ao nível da divisão de competências, a matéria dos direitos, liberdade e garantias, como sabe, é de reserva relativa da Assembleia da República. Ora, com esta reinserção sistemática que o PSD propõe, passaríamos a tornar reserva relativa do Parlamento toda a matéria que tivesse, directa ou indirectamente, atinência ao direito de propriedade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Não sei se os Srs. Deputados do PSD meditaram suficientemente sobre as consequências que isso teria no processo legislativo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não têm nenhumas porque já é assim!
O Sr. Presidente: - E por isso, Srs. Deputados, por razões de adequação do processo legislativo, pergunto-vos se, de facto, não acham que não será suficientemente demonstrável a benfeitoria que queriam introduzir na estrutura dos direitos, liberdades e garantias, em função das dificuldades que, num procedimento legislativo, daí poderiam ser geradas. É uma questão que se coloca.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não há qualquer inconveniente!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Posso usar da palavra, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, inconveniente não há nenhum, mas o desiderato do PSD é exactamente esse, porque, em termos genéricos, hoje em dia, já toda a legislação que tem que ver com a questão da garantia do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, bem como as requisições e expropriações, é matéria de reserva da Assembleia da República, ou seja, o Código das Expropriações, nomeadamente, já é reserva da Assembleia.
O Sr. Presidente: - E os regulamentos municipais em matéria de planos directores municipais?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa matéria, ou seja, as questões de ordenamento em termos municipais são também reserva da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Não, o regulamento não é!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como é evidente. Mas o regulamento não pode ser contrário à lei.
Há só uma questão, Sr. Presidente, que é fundamental e está na base de muito do que o PSD aqui propõe. É que, hoje, na nossa Constituição - e o PSD teve ocasião de dizer isto na primeira leitura -, para se privatizar sectores públicos da economia, é preciso uma lei de maioria absoluta e, para se nacionalizar, qualquer Governo o pode fazer mediante um decreto-lei simples.
É este desequilíbrio na Constituição e no nosso sistema político que vem, como toda a gente sabe, do processo revolucionário que, do ponto de vista do PSD e num Estado de direito democrático, no século XXI, não faz qualquer sentido e, mais tarde ou mais cedo, obviamente, esta matéria tem de ser alterada pois não pode haver tratamento diferenciado relativamente à propriedade, em matérias tão fundamentais como sejam as privatizações e as nacionalizações, por exemplo. A diferença de tratamento, em termos de repercussão na matéria legislativa - e em resposta à questão que o Sr. Presidente nos coloca -, do ponto de vista do PSD, é significativa nesta questão que acabei de citar.
Em todas as outras matérias, a menos que o PSD esteja a ver mal - e gostaríamos de corrigir a nossa opinião se for esse o caso, desde que nos seja demonstrado -, em nossa opinião, não afecta minimamente o processo legislativo ou as competências legislativas actuais em relação a tudo quanto tem a ver com estas questões fundamentais do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte bem como à requisição e à expropriação ou, pelo menos, não teria qualquer efeito perverso, que o PSD esteja a visualizar, que tivesse de ser ponderado nesta solução.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Guedes coloca, digamos, a questão em termos ainda impositivamente dubitativos. E isto só para fazer uma consideração, se me permite, ou seja, para lembrar que, obviamente, ninguém hoje defende que o direito de propriedade seja um jus utendi, fruendi e abutendi, como nos termos clássicos. No entanto e até por causa disso, dada a função social da propriedade, há hoje muitos constrangimentos à liberdade e ao exercício do direito de propriedade.
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Os planos directores municipais, designadamente, como sabe, colocam não poucas limitações ao direito de edificação. E colocam-nas por "via normativa" e não por via legislativa. Se o Sr. Deputado coloca toda a problemática do direito de propriedade subordinado à competência da Assembleia da República, pergunto se, por essa via, não está a ter como consequência um objectivo obviamente não previsto que era o de inconstitucionalizar, por exemplo, tudo aquilo que tem a ver com os planos directores municipais e até de muitos outros planos directores ao nível do ordenamento do território, que têm a mesma natureza de regulamento.
Mas o Sr. Deputado Cláudio Monteiro também quer contribuir para clarificar este ponto, seguramente, e, por isso, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, como já tinha ficado dito mas pode ser reiterado, esta alteração sistemática não traz vantagens quanto àquilo que é o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional que qualifica o direito de propriedade privada, na sua dimensão subjectiva, como um direito análogo a um direito de liberdade e garantia e ao qual reconhece, designadamente, a aplicação do regime material e do regime formal dos direitos, liberdades e garantias, o que significa que, nessa medida, nada é alterado, designadamente quanto à esfera de reserva de competência relativa da Assembleia da República.
Pelo contrário, a alteração sistemática pode, de facto, significar alguma perda quanto àquilo que é a dimensão institucional do direito, por um lado, e quanto àquilo que é o entendimento da sua função não estritamente individual, designadamente a sua função social, por outro lado.
Não creio que haja grandes riscos naquilo que o Sr. Presidente dá como exemplo, desde logo porque não nos compete a nós resolver uma querela doutrinária sobre se o jus edificandi é ou não inerente ao direito de propriedade privada e se a restrição à construção constitui ou não uma restrição ou uma limitação ao direito de propriedade privada,...
O Sr. Presidente: - A questão que pôs antes é que é tipicamente uma questão de natureza doutrinária!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... questão essa que a doutrina deverá debater e resolver e que não devemos nunca resolver por decreto, por um lado, e, por outro lado, porque, em qualquer caso, ainda que se reconheça essa inerência e ainda que se reconheça a natureza, como se deve reconhecer de direito análogo ao direito de liberdade e garantia, o n.º 4 do artigo 65.º já hoje contempla a autorização constitucional para que o Estado e as autarquias locais possam definir o direito de utilização dos solos. Portanto, por essa via, o problema dos regulamentos autárquicos, em matéria de edificação, e o regulamento dos planos directores municipais estariam constitucionalmente salvaguardados na medida em que, também aí, a doutrina entende que se trata de reserva de lei, mas de reserva relativa de lei, e, portanto, reserva mediatizada por lei apenas, dado que a lei remete para os regimentos, essa matéria.
Portanto, julgo que não há vantagem em transferir o artigo para a sede dos direitos, liberdades e garantias, o que até implicava perda de significado do actual conteúdo do artigo, com a sua desinserção dos direitos económicos e sociais.
O Sr. Presidente: - Argumentos diferentes para alcançar o mesmo desiderato!
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer um pedido de esclarecimento, dirigido ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, porque, embora concordando com 90% daquilo que disse..
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A conclusão é que estava errada!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas eu queria fazer um pedido de esclarecimento e não uma intervenção!
E isto porque o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fez uma afirmação que me provocou imensa perplexidade. É que, a páginas tantas, disse que se era certo que juridicamente isto não implicaria grandes alterações, nomeadamente em matéria de reserva de competências legislativas, haveria - e penso que foi assim que disse - como que uma perda pela desinserção no título relativo aos direitos sociais.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - E também económicos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, direitos económicos, sociais e culturais. E, já agora, peguemos neles todos porque a questão que lhe queria colocar era a seguinte: se o Sr. Deputado acabou de dizer isso é porque entende que todos os direitos, que estão no Título II, dos direitos, liberdades e garantias, não têm valências sociais nem culturais, para não falarmos já em económicas.
Ora, sendo assim, perguntava, então, o que é que está a fazer, nos direitos, liberdades e garantias, o direito à criação cultural - se este não tem valências culturais, não sei o que é que terá valência cultural! -; o que é que está a fazer, nos direitos, liberdades e garantias, o direito de aprender e de ensinar; o que é que está a fazer, em termos de valência social, por exemplo, o direito da família; enfim, o que é que estão a fazer, nos direitos liberdades e garantias, esses direitos?
Sr. Deputado, convirá ou não - e é o pedido de esclarecimento que lhe faço - que o facto de vir a estar no Título II da Constituição, ou seja, incluído no título dos direitos, liberdade e garantias, não só não diminui rigorosamente nada relativamente às valências sociais ou culturais que cada um destes direitos possa ter como, pelo contrário, subsume todas essas valências. O contrário é que não é verdade. Quando não está nos direitos, liberdade e garantias, isto é, quando só está Título III relativo aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, aí sim, estaremos de acordo - e nem o Sr. Deputado disse o contrário -, perde, inevitavelmente, força jurídica e dignidade constitucional relativamente aos que estão no Título II. O contrário é que, pareceu-me, foi o que o Sr. Deputado...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Esta tese é intolerável e torna muito mais grave a vossa proposta!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se torna tudo mais grave ainda, então, gostava que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro me explicasse.
O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro para responder e, depois, ao
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Sr. Deputado Calvão da Silva para intervir e, seguidamente, aos Srs. Deputados Guilherme Silva e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, respondendo directamente à questão que me foi colocada, devo dizer que não tenho, obviamente, uma visão sociológica do Direito, mas deve compreender que nenhum direito é exercível senão em sociedade. Portanto, a questão não é obviamente essa e não tem que ver com a relevância social dos direitos em causa mas, sim, com a função individual ou a função social do Direito, o que é uma coisa bem diversa daquilo que colocou.
Por outro lado, a questão não é colocada em termos de contraposição entre uma e outra. O que disse foi que a inserção sistemática do artigo no capítulo dos direitos económicos e sociais em nada diminui a função de garantia individual e a função subjectiva do Direito,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Disse o contrário!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... designadamente porque, pela via do artigo 17.º, é-lhe reconhecida a qualidade de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
A inserção sistemática do artigo nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, por outro lado, reforça a função social do direito de propriedade privada. E essa dimensão é que, de alguma maneira, fica prejudicada pela sua desinserção desse título. Foi fundamentalmente isso que quis dizer.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia-lhes o favor de não reproduzirem os argumentos que já estão debitados na primeira leitura.
Uma vez que o Sr. Deputado José Magalhães quer interpelar a Mesa, tem a palavra.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, vejo desenhar-se uma tempestade e vejo alguns Srs. Deputados pedirem a palavra com brado de uma grande pugna constitucional sobre o direito de propriedade.
Gostaria de dizer que é uma inutilidade pura. O Partido Socialista não aceitará qualquer alteração do estatuto da propriedade privada nesta revisão constitucional.
Podemos, naturalmente, discutir no melhor estilo académico o sentido da propriedade privada no Direito Constitucional português. Ele é o que é e não sofrerá a mudança de uma vírgula. Portanto, se os Srs. Deputados quiserem perder o vosso tempo, enriquecem as actas seguramente mas não alterarão em nada o texto constitucional. Apelava a que não nos afastássemos muito dos limites do bom senso nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado José Magalhães. Aliás, esta interpelação é verdadeiramente dirigida a todos os Srs. Deputados, com a confissão, desde já, que o PS não convalidará esta proposta do PSD.
Srs. Deputados, peço que tenham, portanto, em atenção que haverá uma relativa inutilidade na vossa argumentação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, ouvi com muita atenção a interpelação do Sr. Deputado José Magalhães. Quero dizer, com toda a preocupação que temos de celeridade e de que os nossos trabalhos se façam o mais rapidamente possível, que, acho, não podemos, a propósito de nenhuma matéria, prejudicar o aprofundamento das questões.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso foi feito, na primeira leitura, durante dezenas de páginas!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Acho que não podemos prejudicar o aprofundamento das questões e, acima de tudo, não posso aceitar o comentário do Sr. Deputado José Magalhães de que há intervenções de Deputados, sejam quais forem, que são perdas de tempo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Perda de tempo e enorme!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E, ainda por cima, a razão por que o Sr. Deputado qualifica essas intervenções como "perdas de tempo"...
O Sr. José Magalhães (PS): - É horrível!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isto é, são perdas de tempo porque o PS não dá anuência a que se formem os dois terços.
Ó Sr. Deputado, deixe ficar algumas "sementes"! Deixe que as actas recolham essas sementes para ver se elas crescem e florescem e se, na próxima revisão, em matérias como esta, o Partido Socialista tem maior sensibilidade do que agora, neste particular.
O Sr. José Magalhães (PS): - Convém semear no Inverno!...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas não tolha esta possibilidade de semearmos. Deixe semear, o tempo está bom, está quente, pode ser que favoreça esse florescimento e esse crescimento.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não leu a Bíblia?... Não se semeia em pedra!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, vá à matéria, por favor.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas tenho ainda uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é pura chicana!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. José Magalhães (PS): - Quem semeia pedras, colhe pedras!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, contribua para que isto tenha correspondência com a sua interpelação de há pouco.
O Sr. José Magalhães (PS): - Era um aparte, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Calvão da Silva.
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O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Apesar de, em termos práticos, não vir a colher nada, vou deixar também a minha opinião pessoal e julgo que coincidente com a do PSD.
Acho que o problema fundamental é a nível dos grandes princípios e, salvo melhor opinião e descontando o contexto histórico em que esta inserção sistemática se verificou e continua, era tempo de corrigirmos, em nome dos princípios, independentemente do resultado da votação que o PS procura assegurar.
De facto, os direitos, liberdades e garantias pessoais - se há direitos fundamentais e pessoais como o direito à vida e integridade pessoal, há o direito à liberdade. E devo dizer-vos que, pessoalmente, não concebo liberdade sem propriedade e considero que a propriedade é um garante fundamental da liberdade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso está em dúvida!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - E não é por acaso que certas forças políticas totalitárias e certos regimes atacam, tão violentamente, até a abolição da propriedade privada. Não é por acaso, repito.
Se assim é, se a nível dos princípios a propriedade é uma garantia fundamental e é um direito fundamental pessoal da própria liberdade - rigorosamente não há liberdade sem propriedade -, não teria quaisquer dúvidas em afirmar que nem deveria ser o último artigo do capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais...
O Sr. José Magalhães (PS): - Devia ser o primeiro?!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas devia estar ao lado do direito à liberdade, logo ali, porque ambos andam associados: um é guarda avançada do outro e um não existe sem o outro.
Por esta razão de princípio, acho que era uma grande melhoria para a Constituição se fosse aprovado pelo PS agora, já, e não daqui a quatro ou cinco anos, como é costume, andando sempre a reboque dos acontecimentos.
Com efeito, o PSD é que é sempre a força motora da revisão constitucional, lança as sementes e, passado uns anos, o PS é que vem ao encontro dos grandes avanços que o PSD, anos antes, tinha proposto. E isto é tal qual o que o PS está a querer, neste momento, com a manutenção da situação.
Aliás, é a mesma coisa que aconteceu na primeira leitura em que o PS defende a autogestão e continua com "as teias de aranha em todas e não consegue limpar o sótão". É só isto que está a passar-se também a nível do direito de propriedade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, pedia que passasse a uma fase mais objectiva e menos proclamatória.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Já acabei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Já agora, permita-se-me que acrescente que a liberdade tem, na nossa Constituição, um fundamento mais ético do que material.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que estamos perante um caso de fundamentalismo. Há pouco, o Sr. Deputado Marques Guedes falava da condenação que o PSD fazia de todos os fundamentalismos, mas parece que, afinal, não condena todos. E isto porque acabamos de ter aqui - aliás mais uma porque em todas as revisões constitucionais, de facto, o PSD tem colocado esta questão - mais uma manifestação de "fundamentalismo proprietário" por parte do PSD.
O que o PSD contesta é que, afinal de contas, o direito de propriedade venha inserido na Constituição nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais. E vem aí na companhia, imagine-se, do direito ao trabalho, na companhia dos direitos dos trabalhadores, na companhia dos direitos dos consumidores...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não vem não, está enganado!
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, estou a folhear a Constituição!...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não. Os direitos verdadeiros estão...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não pode estar enganado, pois se está a ler a Constituição!...
O Sr. António Filipe (PCP): - Veja lá, Sr. Deputado. A não ser que a sua edição esteja truncada!
O Sr. José Magalhães (PS): - Tem uma edição diferente!
O Sr. António Filipe (PCP): - Mas..., continuando....
O Sr. Luís Sá (PCP): - É matéria em que o direito ao trabalho não conta nada face ao direito de propriedade!
O Sr. José Magalhães (PS): - Agora, estamos em jograis!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, compreendo que esteja excitado, mas não lhe dei a palavra.
Risos.
Sr. Deputado António Filipe, faça favor de continuar.
O Sr. António Filipe (PCP): - Por conseguinte, depois surge o direito de propriedade privada. Mas está bem acompanhado porque, a seguir, vem o direito à segurança social.
O Sr. Presidente: - E depois vem o direito à saúde. Isto é uma espécie de visita guiada!
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, já agora...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sabe bem que os direitos dos trabalhadores são os direitos...
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, se me permite... Eu ouvi-o com toda a atenção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas está a bloquear a questão!
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O Sr. António Filipe (PCP): - Não estou não, Sr. Deputado! O Sr. Deputado é que está a escamotear...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está a ler um capítulo inteiro de direitos, liberdades e garantias!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se continuarem assim, não haverá direito de propriedade para ninguém, no final deste debate!
Queira concluir, Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, agora só pretendia que fosse garantida a minha liberdade de expressão, que essa, inequivocamente, é um direito fundamental.
Mas, dizia eu - para incómodo do Sr. Deputado Marques Guedes -, que considero que não é má companhia para um qualquer direito estar na Constituição ao lado do direito ao trabalho, do direito à saúde (artigo 64.º), do direito à segurança social, do direito à habitação, do direito ao ambiente e qualidade de vida, e, enfim, poderíamos ir por aqui fora e dizer ainda do direito à família, do direito à educação, do direito à paternidade e maternidade, dos direitos da infância, dos direitos dos jovens e deficientes. Isto é, entendo que nenhum direito se deve considerar diminuído no seu alcance pelo facto de estar na Constituição, sistematicamente inserido, no mesmo quadro em que estão os artigos dos direitos que acabei de referir.
Mas, Sr. Deputado Marques Guedes, apetece dizer-lhe o seguinte: de facto o PSD vê uma grande incompatibilidade entre o direito de propriedade e o direito ao trabalho, em termos de inserção sistemática, e, creio, no plano dos factos, terá alguma razão porque, em nome do sacrossanto direito de propriedade, que os senhores, aqui, pelos vistos, defendem, está a ser posto em causa, todos os dias, o direito ao trabalho, quando um dos problemas das sociedades contemporâneas tem que ver, sobretudo, com a enorme concentração de riqueza, que tem, como contrapartida, uma enorme exclusão social.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Vou terminar, de imediato, Sr. Presidente.
Mas é que o direito de propriedade com carácter quase absoluto, como os senhores defendem, está a conduzir, de facto, à negação de muitos direitos fundamentais consagrados na Constituição. E era bom que os senhores reflectissem nisso e abandonassem, de facto, esse "fundamentalismo proprietário" de que, aqui, dão mostras.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, já chamei a atenção que não há proposta nova em debate e que o debate, relativamente à proposta inicial do PSD, deve ser adquirido nos termos da primeira leitura.
Se os Srs. Deputados compulsarem o que estão a dizer, agora, com o que já está dito nesta Comissão, verão que, no essencial, estão apenas a reproduzir-se.
Peço aos Srs. Deputados que não exerçam esse "direito de clonagem", que é completamente inútil, em termos de argumentação.
Risos.
Em termos de argumentação, repito. Ou os Srs. Deputados imaginavam que era outra qualquer?!
Estão inscritos os Srs. Deputados Guilherme Silva, Luís Sá e Barbosa de Melo, a quem começo por dar a palavra para uma pergunta ao Sr. Deputado António Filipe, com o pedido de que sejam ambos compreensivos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, julgo que vou ser muito sintético.
Começo por dizer que não estou a perceber coisa nenhuma deste debate.
O Sr. Presidente: - Nem eu, Sr. Deputado!
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Vejo identificada a propriedade, que aqui tem sido referida, como se fosse só a propriedade imobiliária, mais concretamente, a terra. Parece que me está a acontecer a mesma coisa que me aconteceu, há um bocado, lá em baixo. A terra!
O que está aqui em causa, é o meu direito a esta caneta. Ela é minha. Isto é um direito de propriedade. Paguei-a, é minha.
O Sr. José Magalhães (PS): - E continuará a ser, depois da revisão constitucional!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É esse direito que está aqui previsto.
Em segundo lugar, não se trata de uma questão de riqueza porque hoje, toda a gente sabe, a grande riqueza não incide sobre ela, propriedade. Até o mundo da telemática ou da informação "será" um direito sobre a informação? Não é, se calhar!
O Sr. José Magalhães (PS): - Entendo que sim, Sr. Deputado, mas não vamos discutir isso agora!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não estamos a discutir nem os latifúndios nem os minifúndios. Na "propriedade" incluem-se o automóvel..., os bens móveis, os imóveis. E é isto que está aqui a discutir-se e não outra coisa. Ou será?... Ou será só a propriedade imobiliária?
Era esta a pergunta que lhe fazia, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, mas suponho que está de acordo com o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. António Filipe (PCP): - Vou responder muito sinteticamente. O Sr. Deputado Marques Guedes situou o problema em termos de propriedade dos meios de produção.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não situei nada! Obriga-me a inscrever-me outra vez!
Risos.
O Sr. António Filipe (PCP): - Aliás, referiu expressamente que não teria havido as nacionalizações que houve se o direito de propriedade...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso foi uma resposta ao Sr. Presidente. Foi um exemplo.
O Sr. António Filipe (PCP): - Mas foi dito. Se foi exagero ou não, foi dito e registámos.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi exagero, foi um exemplo!
O Sr. António Filipe (PCP): - Nós registamos tanto os exageros como os comedimentos. Foi o Sr. Deputado que exagerou.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também esse tem de estar porque também há regimes que nacionalizam, nomeadamente a propriedade intelectual!
O Sr. António Filipe (PCP): - Considero que os direitos de propriedades, enfim, à caneta, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo referiu, tal como estão no texto constitucional no artigo 62.º, estão muito bem defendidos.
E era essa a questão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a primeira questão que me surpreende - também estou um pouco sem perceber esta parte final, como dizia, há momentos, o Sr. Deputado Barbosa de Melo - é realmente a posição do Sr. Deputado António Filipe - que é de estranhar no PCP - de considerar que a nossa Constituição não tem, entre os direitos, liberdades e garantias, os direitos dos trabalhadores.
O Sr. Luís Marques Guedes (PCP): - É extraordinário!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade? Não é verdade?!
O Sr. António Filipe (PCP): - Não disse isso.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Disse, disse. Desculpe, mas disse.
O Sr. António Filipe (PCP): - Eu até folheei a Constituição!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Dizendo que "este direito de propriedade estava muito bem onde estava porque estava junto dos direitos dos trabalhadores".
O Sr. António Filipe (PCP): - E é verdade. Está aqui...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É que o direito dos trabalhadores está nas liberdades e garantias também!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está nos direitos, liberdades e garantias, em segurança no emprego, comissões de trabalhadores, liberdade sindical, direito à grave, direitos das associações sindicais e contratação colectiva. Sr. Deputado, está! Tudo isto ainda torna mais estranho que o direito de propriedade não esteja lá. Com este sentido amplo que o Sr. Deputado Barbosa de Melo referiu.
Portanto, não sei se haveria alguma vontade oculta do PCP! Se os direitos não estivessem lá... É estranho no PCP essa vontade. Mas estão lá!
Quanto às questões que o Sr. Presidente começou por levantar, que era o problema de estarmos aqui a criar uma situação de confusão institucional e constitucional ao transpor para este capítulo o direito de propriedade, podendo vir a criar algumas colisões e alguns efeitos perversos, no que diz respeito às competências dos órgãos de soberania em matéria legislativa, designadamente ao problema da competência relativa da Assembleia da República, devo dizer que acontece, no entanto, que tudo ("os meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público") já está na reserva relativa.
Quanto ao problema dos regulamentos municipais e dos planos de ordenamento municipal, acontece que não, pelo contrário. E o Sr. Deputado Cláudio Monteiro já disse que "o perigo que o Sr. Presidente levantava não existia porque já havia uma norma habilitante que é o n.º 4 do artigo 65.º da Constituição".
Portanto, esses inconvenientes, de todo, não têm relevância relativamente à transposição do artigo 62.º para este capítulo. Haverá outras razões, outros argumentos que a história já justificava que não existissem por parte do Partido Socialista e que mais não são do que reminiscências difíceis de ultrapassar.
Por isso, vamos deixar a semente para a próxima revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Descontando a parte tribunícia da intervenção, a outra parte pode ser que tenha tido alguma utilidade para efeitos interpretativos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que me impressiona no conjunto deste debate - e não queria que isso passasse - é a ideia de que existem direitos fundamentais de primeira, de segunda e de terceira. E, designadamente, a ideia, Sr. Deputado, de que os direitos económicos, sociais e culturais são direitos de segunda e de terceira que não são para ser tomados a sério.
Creio que, de todo em todo, esta é uma interpretação que não gostaria que decorresse deste debate. Lembro sobre esta matéria uma obra doutrinal que tem exactamente o título Tomemos a sério os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, como direitos fundamentais e como direitos que devem ser cumpridos.
Creio, também, que é irrecusável, neste plano, que o direito ao trabalho está exactamente no mesmo capítulo do direito de propriedade. Este facto é inteiramente incontestável.
Por mim, tomo a sério o direito ao trabalho como tomo a sério o direito de propriedade com o regime que decorre da Constituição, como tomo a sério os outros direitos económicos, sociais e culturais como direitos fundamentais que, efectivamente, são.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão esgotadas as intervenções e clarificadas as posições, pelo que vamos passar à votação da proposta de alteração sistemática para o artigo 47.º-A, tal como vem proposto no projecto originário do PSD.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, está a propor a votação de uma coisa errada e, por isso, pedia para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Estava a propor uma ressistematização do artigo 62.º para artigo 47.º-A. Não é essa a proposta?
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me concedesse a palavra para uma interpelação, eu explicaria.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é que não é na versão original porque, na sequência da primeira leitura, conforme consta do guião do Dr. Vital Moreira, o PSD aceitou acrescentar "nos termos da Constituição e da lei".
Era essa nota que queria deixar ao Sr. Presidente. E era isso que o PSD gostava que fosse posto à votação.
O Sr. Presidente: - Isso seria uma proposta de aditamento para o caso de a proposta na sua...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por isso, é que estava a pedir para não pôr à votação o originário mas, sim, com a redacção que formularia...
O Sr. Presidente: - Já com o acrescento?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com o acrescento "e da lei".
O Sr. Presidente: - Então, vamos votar.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD, não se registando abstenções.
Era a seguinte:
Artigo 47.º-A
1 - (...) e da lei.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro pede a palavra para que efeito?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, tendo em conta o rumo que o debate tomou, queria fazer uma curta declaração de voto para dizer que me resumo a ver na votação desta proposta uma opção entre uma concepção liberal de direito absoluto de propriedade privada e uma concepção colectiva da denegação da dimensão individual e subjectiva do direito de propriedade privada.
Evidentemente que votei contra a alteração sistemática mas, obviamente, o entendimento que tenho da função social da propriedade privada em nada é incompatível com a sua função subjectiva e individual e em nada constitui uma negação do direito de propriedade privada como um direito análogo a um direito de liberdade e garantia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo seguinte, ou seja, o artigo 48.º
Havia apenas uma proposta constante do projecto originário do PS que, suponho, está prejudicada. No entanto, perguntava ao Sr. Deputado José Magalhães se confirma.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, Sr. Presidente, entendemos que o objectivo é meritório, mas pode ser melhor realizado em sede de artigo 112.º e isso dará origem a uma proposta a apresentar nessa sede que garanta saudáveis princípios em matéria de garantia da igualdade entre homens e mulheres.
Retiramos, portanto, esta proposta.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado José Magalhães.
Vamos, portanto, passar ao artigo 49.º, relativo ao direito de sufrágio.
Sobre ele consta também uma proposta do projecto originário do PS. É, aliás, a única proposta existente a qual mereceu acolhimento na primeira leitura.
Srs. Deputados, está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pela parte do PSD, confirmo aquilo que o Sr. Presidente acabou de dizer. De facto, na primeira leitura, houve, da parte do Partido Social-Democrata, uma abertura de princípio, só que, de facto, entre a primeira e esta segunda leitura, ocorreram situações supervenientes que levam o PSD a alterar a sua posição de receptividade.
Com toda a clareza, explicito que o PSD não pode ignorar propostas concretas que foram feitas por Deputados, inclusive, desta Comissão, e não propostas formais à Comissão, mas propostas políticas que são do conhecimento público, nomeadamente em relação à hipótese de, mais adiante, se incluir na Constituição, no que se refere ao voto para a eleição do Presidente da República, a hipótese da obrigação constitucional de o voto ser presencial.
Essa é uma matéria que o PSD sempre entendeu assim - e é essa a expressão que queria aqui justificar - e que deve ser regulada na lei. Foi nesse sentido a nossa receptividade, na primeira leitura, a esta norma que, no fundo, remetia para a lei a definição das situações em que o voto presencial deveria ocorrer ou não. Não era propriamente uma obrigatoriedade constitucional, era apenas, no contexto desta formulação que o PS aqui nos trouxe, uma regra, mas sem um valor universal, para todos os sufrágios porque o legislador ordinário poderia criar excepções a este princípio.
No entanto, porque o PSD, politicamente, não pode ignorar esses factos supervenientes, altera a sua posição e não é receptivo à alteração do texto constitucional.
Acho que esta explicação à Comissão se impunha.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o debate da primeira leitura revelou que se queria permitir excepções a ambos os princípios que estão ou que passariam a estar enunciados neste artigo - o princípio do voto pessoal e o princípio do voto presencial.
A nossa proposta estava redigida em termos hábeis, uma vez que se visava "exceptuar situações excepcionais", conceito relativamente indeterminado que ficaria ao cuidado do legislador ordinário desenvolver, com necessidade de isso ser feito justificada e ponderadamente em situações que fossem objectivamente comprováveis.
Não se registando um consenso indiciário para fazer tal clarificação, então, o quadro constitucional pode ficar tal qual está, suscitando exactamente os mesmos problemas que toda a gente sabe que suscita, tal qual tem vindo a ser analisado pela Comissão Nacional de Eleições, pelos partidos que concorrem ao sufrágio, pelos hermeneutas
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especializados e por todos os que, em geral, se interessam pelo Direito eleitoral português.
Obviamente, nada disto tem a ver com tudo o que venha a ser expressamente determinado na Constituição expressis verbis sobre o regime eleitoral da Assembleia da República, do Presidente da República, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
Retiramos, portanto, a proposta.
O Sr. Presidente: - No entanto, alguma perplexidade não deixo de anotar pela circunstância de o PSD justificar a sua mudança de atitude a partir de notícias extra reunião da CERC que, verdadeiramente, não o habilitariam muito a tomar essa posição, Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite o uso da palavra, diria, com todo o respeito, que não posso deixar de comentar essa sua observação porque, como é evidente, a Constituição também é um texto político, se é que não é o texto político por excelência, e o mundo político, conforme o PSD o vê não se encerra dentro das quatro paredes desta Comissão e o PSD não pode, minimamente, ser ingénuo ou alheio àquilo que é o normal funcionamento da nossa democracia e a expressão política de pessoas responsáveis, inclusive, membros de órgãos de soberania, como é o caso.
Acresce, Sr. Presidente, que, se fiz a intervenção que fiz - e o Sr. Presidente se não entendeu foi por deficiência minha -, foi por uma questão de lealdade para com esta Comissão, pois o PSD podia, pura e simplesmente, dizer que tinha mudado de opinião e que não votava.
Mas, por uma questão de lealdade, explicitei, em nome do PSD, o motivo da mudança de opinião, uma vez que, na primeira leitura, tínhamos, de facto, mostrado abertura, e quando o PSD muda de opinião, normalmente há uma razão que o justifique. E é isso que tentarei sempre, como o fiz neste caso, com toda a frontalidade e abertura, explicitar à Comissão porque não nos parece que, numa matéria como é a da Constituição, deva haver reserva mental. E pela parte do meu partido, não haverá, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A nossa posição nesta matéria, como é sabido pela leitura das actas do primeiro exame desta disposição, foi, simultaneamente, no sentido de procurar uma densificação da proposta do Partido Socialista e de que, designadamente, houvesse todas as cautelas para impedir que, à sombra de uma alteração desta disposição, se verificassem abusos, abusos que, muitas vezes, na prática, já se verificam em condições mais do que de duvidosa legalidade, como os casos do neto que vota em vez do avô ou da avó, avós estes que ainda teriam, naturalmente, todas as condições para fazer a respectiva escolha, ou do filho que vota em nome do pai ou da mãe idosa, etc.
Independentemente disso, há situações que são irrecusáveis, como os casos de cegos, paralíticos, deficientes, que, de todo em todo, estão impedidos de votar e que, à luz desta disposição, colocam, naturalmente, problemas que se situam numa zona de inconstitucionalidade, ou de "aconstitucionalidade", com mais benevolência, quando são admitidos a votar.
De todo em todo, é com alguma surpresa que vemos o esforço que foi feito nesta matéria, um esforço que ia muito para além da proposta do Partido Socialista na medida em que procurava garantir cautelas com a redacção. Eu próprio apresentei propostas nesse sentido, relativamente àquilo que a proposta do Partido Socialista, eventualmente, não garantiria de forma suficiente.
Portanto, vemos, dizia, todo esse esforço ser iludido nos termos em que está. Mas fica aqui o registo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como se verificou, a proposta foi retirada nos termos que foram explicados pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Passamos, portanto, ao artigo seguinte, que é o artigo 51.º, para o qual há propostas novas de substituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - É para pedir o seguinte esclarecimento, Sr. Presidente: chegou-nos uma proposta do PSD, ainda relativa ao artigo 47.º-A, que acrescenta "... e da lei" no n.º 1. A pergunta é se isto foi votado conjuntamente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Foi votado conjuntamente e foi tudo rejeitado, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe, confirmo a resposta que acaba de ser dada pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Srs. Deputados, está em apreciação o artigo 51.º, relativamente ao qual, como referi, há uma proposta de dois números novos constantes de uma proposta de substituição apresentada, em sede de segunda leitura. Além disso, há uma proposta para eliminação do n.º 4, constante do projecto originário do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e, no mesmo sentido, há propostas dos Srs. Deputados Guilherme Silva, António Trindade e Cláudio Monteiro. A proposta do PS será substituída.
E é tudo. Algum Sr. Deputado deseja usar da palavra?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - É só uma breve explicação para exprimir que nos congratulamos com o facto de tudo indicar que vai ser possível - e esperamos que por um consenso o mais largo que seja imaginável - melhorar o estatuto jurídico-constitucional dos partidos políticos portugueses.
Por um lado, o n.º 1 do actual artigo 51.º já sublinha, em termos absolutamente inequívocos, que se espera deles que concorram democraticamente para a formação da vontade popular e para a organização do poder político.
Portanto, a explicitação que se faz no n.º 5, novo, que apresentamos e que vem do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, visa, precisamente, dizer isso e não impor uma leitura única do que seja "concorrer democraticamente para a formação do poder político e para a formação da vontade popular".
Não se trata, pois, de uma visão unilinear ou, menos ainda, de um catálogo ou de um catecismo imposto a todos, segundo um modelo único. Trata-se de aceitar o pluralismo como realidade natural e inerente ao sistema político-partidário português e de assegurar que as regras da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação sejam o mais alargadas possível, segundo os estilos, as metodologias e as identidades próprias e distintas dos diversos partidos políticos portugueses, e de que tenham lugar nas melhores condições possíveis, como garantia não só do funcionamento regular do sistema mas
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também do carácter atraente desse sistema para os cidadãos a fim de que os partidos possam ter uma ligação mais efectiva à sociedade e contribuir, assim, para a sua própria organização, combatendo a detestável tendência para a atomização ou a fragmentação, o abandono do interesse pela política e a desorganização ou a abolia ou anomia na vida política.
A segunda proposta diz, creio, sinteticamente melhor do que dizíamos na nossa proposta originária (fundem-se os nos 6 e 7 da proposta que tínhamos apresentado) e muito concisamente, que o legislador ordinário tem o dever - e supomos que o fará brevemente - de estabelecer - e presume-se também que bem - as regras do funcionamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do funcionamento público, questão esta muito importante e que aqui fica também contemplada e, em certo sentido, dada como assente, como fisiológica que é, o mesmo sucedendo em relação às exigências de publicidade do património e das contas.
São componentes que não esgotam, naturalmente, aquilo que o legislador ordinário pode impor, mas são componentes que, a nível constitucional, ficam a balizar aquilo que deve ser obrigatório.
São, portanto, Sr. Presidente, dois bons contributos, suponho, para a saúde do sistema político-partidário português.
Fazemos votos para que esta norma possa fazer caminho e caminho com um consenso alargado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Srs. Presidente, naturalmente que as revisões constitucionais são um momento e um instrumento fundamental para o aperfeiçoamento da nossa democracia.
Temos todos a consciência - e alguns aperfeiçoamentos que temos vindo a introduzir na Constituição vão nessa linha - de que a democracia não se esgota nos partidos e, portanto, que a participação cívica e política se faz e se deve fazer, a par e passo, para além dos partidos. Todavia, ninguém ignora a importância que têm e continuarão a ter, na vida política e democrática, os partidos.
Mas, se é verdade que se tem aperfeiçoado o sistema democrático na sua base constitucional, também é certo que são crescentes e relevantes muitas críticas que incidem sobre os partidos relativamente à circunstância de eles próprios não terem uma organização e um funcionamento internos que reflicta a organização democrática em geral da nossa sociedade e da nossa vida colectiva.
E, no sentido de que os partidos devem, internamente, ser exemplo vivo dessa democraticidade, penso que os acentos tónicos que se deram nas soluções que vêm nesta proposta comum do PS e do PSD são louváveis e vão fortalecer essa preocupação de transparência e de democraticidade interna da organização dos partidos.
Portanto, o PSD congratula-se com este consenso estabelecido com o Partido Socialista, nesta linha. Contudo, queria aproveitar esta minha intervenção para referir-me também à proposta, que eu próprio subscrevo, de eliminação do actual n.º 4 do artigo 51.º
Como há pouco dizia, temos vindo, em termos de revisões constitucionais e da lei em geral, a dar passos no sentido de não ficarmos numa "partidocracia" e, portanto, a alargar as formas de intervenção política e de participação cívica dos cidadãos, designadamente a consagração do referendo, as candidaturas extrapartidos, etc., isto é, em vários formas e em termos eleitorais.
Parece-me, portanto, que era altura de darmos um passo nessa linha, admitindo uma brecha importante na nossa democracia que é a proibição constitucional da existência de partidos regionais.
Não faz qualquer sentido absolutamente que a Constituição proíba a existência de partidos regionais. Repito, não faz sentido absolutamente algum!
Vamos, inclusivamente, caminhar, agora, para um processo de regionalização e, pela mesma razão que há pouco referia, de que é necessário que a organização interna dos partidos reflicta, ela própria, preocupações de funcionamento democrático tal qual nós exigimos para a nossa estrutura político-institucional, também a democracia deve constitucionalmente ter esse enriquecimento. E a proibição da existência de partidos regionais é, realmente, uma solução não democrática.
Não sei onde é que está o medo dos partidos regionais, não sei onde está a razão de exclusão desta expressão cívica dos cidadãos, dentro do princípio da subsidariedade trazido também já não para a organização do Estado mas para a organização político-partidária.
Gostaria que fosse esta a revisão em que se desse esse passo. Infelizmente não vejo vontade nem vejo que tenha havido aproximações nesse sentido. E se ainda tiver intervenção nessa altura, é certo e sabido que, em novas revisões constitucionais, trarei, de novo, esta proposta.
O Sr. Presidente: - De seguida, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Gostaria de referir a nossa convicção de que os partidos políticos são um esteio fundamental do sistema político. É verdade que estamos num sistema que é qualificável como "Estado de partidos" e, nesse sentido, justifica-se que estejam consagradas regras na Constituição que apontem para a transparência, organização e gestão democráticas e para o direito de participação dos seus membros.
Por outro lado, julgamos igualmente que as regras de financiamento público dos partidos, publicidade do património, etc., devem igualmente estar estabelecidas.
Temos pena de que, em relação ao acordo estabelecido entre o PS e o PSD, para além de ser referida a questão dos requisitos e limites do financiamento público, não se aluda também às características e limites que deveria ter o financiamento privado.
É uma matéria em relação à qual podemos lamentar que não se tenha ido mais longe e, eventualmente, fazer um apelo para uma releitura mais atenta desta redacção no sentido de colmatar este falta que é apontada.
Em todo o caso, a nossa posição em relação a estas propostas é de abertura, aguardando, naturalmente, que os Srs. Deputados se pronunciem sobre esta questão.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Guedes, co-autor desta proposta, deseja fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Sá que, acerca do tema, não propôs...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu pedia a sua compreensão porque, de facto, embora co-autor,
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não intervim na explicitação da proposta. Mas, face à intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, queria recordar-lhe que aquilo que cá está é que "a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos" e, depois, há um "nomeadamente", que o Sr. Deputado sabe bem o que quer dizer, pois não se trata de um "exclusivamente".
Parece-nos, de facto, que essa questão é a mais importante, designadamente quando estamos em sede legislativa, como é o caso da Lei Fundamental também, e temos de cuidar de sobremaneira do erário público para que os cidadãos saibam para onde vai o seu dinheiro. Mas é apenas um "nomeadamente".
O Sr. Luís Sá (PCP): - E é essa divergência!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, essa preocupação, que o Sr. Deputado explicitou, está, necessariamente, do nosso ponto de vista, contemplada. O legislador ordinário, depois, cuidará de encontrar as melhores soluções.
O Sr. Presidente: - Creio que os argumentos do Sr. Deputado Luís Sá, de há pouco, também foram a título de "nomeadamente".
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é evidente que tenho consciência que quando se refere "nomeadamente" não está esgotado o regime jurídico do financiamento dos partidos políticos, obviamente.
Entretanto, não deixa de ter um significado que haja uma preocupação de incluir no "nomeadamente" os requisitos e limites do financiamento público e não se refiram as características e limites que deve assumir o financiamento privado, aspecto que me parece, desde logo, extraordinariamente importante. E aí a nossa divergência.
Com efeito, para nós, é importante garantir os limites e características do financiamento privado, na perspectiva de contribuir para a independência dos partidos face ao poder económico. Aí podemos, naturalmente, ter uma divergência. E foi nesse sentido que, embora dizendo que a nossa posição era de abertura, apontamos, no entanto, o facto de não ser referida esta questão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação, começando por votar o texto constante do projecto originário do PS e subscrito na posição comum por Deputados do PS e do PSD para um novo n.º 5.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade e maioria qualificada de dois terços, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.
É a seguinte:
5 - Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas, com o direito de participação de todos os seus membros.
Srs. Deputados, vamos votar agora uma proposta de um novo n.º 6, apresentada por Deputados do PS e do PSD.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade e maioria qualificada de dois terços, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.
É a seguinte:
6 - A lei estabelece as regras de funcionamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público, bem como às exigências de publicidade do seu património e das suas contas.
Srs. Deputados, temos agora propostas de eliminação do actual n.º 4 do artigo 51.º
Para esclarecer algumas dúvidas, devo dizer que o n.º 4 é autónomo e não tem implicação com o que acabámos de votar. Além do mais, as propostas de eliminação, por regra, são as últimas a ser votadas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Poderiam ser votadas todas juntas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos poder votar em conjunto as propostas de vários projectos que têm todas o mesmo alcance quanto à eliminação do n.º 4 e, repito, constam do projecto originário do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do projecto originário do Sr. Deputado Guilherme Silva, do projecto originário do Sr. Deputado António Trindade e do projecto originário do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do Deputado do PSD Guilherme Silva e do Deputado do PS Cláudio Monteiro, não se registando abstenções.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro pede a palavra para que efeito?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, não só apresentei a proposta como a votei favoravelmente porque entendo que o consenso não se impõe por decreto tal como o dissenso também não se impede por decreto.
A unidade nacional é um valor adquirido em Portugal e a proibição, para além de ineficaz, porque não obsta a que materialmente existam partidos de cariz regional, tem, por outro lado, o efeito perverso de constituir uma restrição que porventura fomenta mais o dissenso do que gera o consenso.
Nesse sentido, entendo que é desnecessária e inútil a manutenção de uma proibição dessa natureza.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
Depreendo que a matéria seja muito importante para si!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que a matéria é importante para a democracia. Realmente, a minha declaração de voto é mais um lamento de que, a par do aperfeiçoamento à democracia que temos feito nesta e noutras revisões constitucionais, não se tenha dado mais este passo.
Louvo-me nas palavras do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, efectivamente, pôs o dedo na ferida: a questão é uma mancha na nossa democracia. Não há razão alguma
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para que não se assuma a possibilidade da existência de partidos regionais e, portanto, se não permita, aí também, uma vitalidade política própria a esse nível. Há sempre formas de dar a volta a estas coisas, como sabemos, e é pena que as coisas não sejam assumidas e a Constituição não permita que elas tomem a sua institucionalização normal, uma vez que, como disse e bem, o Dr. Cláudio Monteiro, não há receios em relação à unidade nacional, somos um Estado-Nação único na Europa e temos uma História que não dissocia uma coisa da outra.
Portanto, estas restrições têm mais efeitos perversos a esse nível do que a institucionalização e a possibilidade de expressão de partidos regionais.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não demos assentimento a esta alteração pelas razões que explicitámos na primeira leitura, ou seja, a proibição de partidos regionais não impede a livre expressão da opinião regional e, menos ainda, a satisfação das aspirações das pessoas das diversas regiões; apenas obriga os partidos nacionais a darem mais importância às questões regionais, se isso estiver de acordo com o seu ideário, o que não é manifestamente o caso do PSD e de parte do CDS-PP.
Pela nossa parte, este preceito teve uma grande importância não apenas limitativa mas também no sentido de obrigar os partidos nacionais a darem, na sua organização, cada vez mais relevo e a conceder cada vez mais importância à realidade regional e a serem, por isso, verdadeiramente nacionais.
Com efeito, um partido que só se dedicasse a questões distantes das regiões seria, de facto, pouco capaz de reflectir a realidade rica e difusa do Portugal que compreende regiões, e deve tê-las, do ponto de vista administrativa, daqui em breve.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, entendemos que esta norma teve um efectivo significado histórico.
Independentemente das realidades do mundo jurídico há realidade do mundo da política e, nesse plano, sabemos que, por um lado, há partidos regionais que estão politicamente, de forma estreita, ligados a partidos nacionais, onde tal é permitido e, por outro lado, há estruturas regionais de partidos nacionais que são fortemente independentes, com uma dinâmica própria.
Em geral, o que julgamos é que, para além da contribuição para o valor da unidade nacional, que gostaríamos que não estivesse em risco, há, para além do mais, uma importância das regiões no seio dos próprios partidos nacionais que é valorizada neste contexto, para além de haver outros valores que, por vezes, os Srs. Deputados têm declarado prezar, como os valores da estabilidade política, da formação de governos, da governabilidade os quais são, igualmente, valorizados neste contexto.
Por isso mesmo, julgamos que esta norma pode e deve continuar e que não constitui, de forma alguma, qualquer ofensa ou prejuízo para a liberdade de formação de partidos e para o papel que a estruturas regionais dos partidos têm na formação e no funcionamento do sistema político.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agora que íamos entrar no direito de petição, a Mesa recebeu a petição de alguns Deputados no sentido da cessação dos nossos trabalhos.
Assim faremos e retomaremos os trabalhos da Comissão na próxima segunda-feira, às 15 horas, para continuarmos as audições previstas em torno do artigo 33.º
Declaro encerrada a reunião.
Eram 20 horas e 5 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL