O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2517

Sábado, 10 de Maio de 1997 II Série - RC - Número 88

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 9 de Maio de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 11 horas.
Concluiu-se o debate e a votação das propostas de alteração relativas ao artigo 63.º.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Rodeia Machado (PCP), Calvão da Silva (PSD), António Reis (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Cláudio Monteiro e José Magalhães (PS), Barbosa de Melo (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 45 minutos.

Página 2518

 

O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas.

Srs. Deputados, no final dos nossos trabalhos de ontem ficámos na expectativa de saber se seriam ou não presentes novas propostas que reflectissem algo do debate que entretanto travámos relativamente ao artigo 63.º.
Pergunto aos Srs. Deputados se há algum movimento nesse sentido.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, durante a reunião de ontem à noite e no decurso do debate que travámos foram presentes três propostas de alteração, sendo uma do Partido Socialista, relativamente a um último número, outra do Partido Social Democrata, também subscrita pelo Partido Popular, e uma última subscrita apenas pelo Partido Popular.
Passo a referir-me a duas das questões em que se centrou o debate. Por um lado, em relação à adequação do texto actual da Constituição à forma do sistema de segurança social, numa perspectiva de actualizar o texto constitucional àquelas que são as necessidades actuais da evolução do sistema, penso que no debate de ontem ficou mais ou menos claro - pelo menos esforcei-me nesse sentido - que o PSD não pretende desvirtuar o actual sistema em tudo o que ele tem de aspecto essencial e perfeitamente universal, como parte integrante do próprio direito de cidadania.
O direito à segurança social, do ponto de vista do PSD, é um dos aspectos integrantes fundamentais de uma sociedade solidária, conforme nós a entendemos, e, nesse aspecto, penso que o debate de ontem, embora com algumas vicissitudes, em certas alturas um pouco equívocas, queria reafirmar que, da parte do PSD, não há qualquer intenção de desvirtuar o sistema naquilo que ele tem de núcleo essencial, que é o carácter universal como trave-mestra fundamental da sociedade solidária.
Nesse sentido, nas nossas propostas, que foram evoluindo desde o projecto inicial, discutido já na primeira leitura, e nas propostas que durante a reunião de ontem fomos veiculando, a questão que o PSD colocava no n.º 2, de retirar o termo "unificado", tem que ver com a tentativa de, do nosso ponto de vista, através de uma leitura subjectiva deste termo, se evitar a lógica, eventualmente, da unicidade no funcionamento do sistema, na perspectiva de, a partir daí, se poder pôr em causa aquilo que, hoje em dia, com o aplauso do PSD, vem sendo já prática, que é a da introdução de prestações diferentes para os cidadãos, de acordo com as situações concretas e, nomeadamente, atendendo às necessidades dos cidadãos mais desfavorecidos e mais desprotegidos, para os quais a solidariedade deve actuar de uma forma mais eficaz.
Queria ainda reafirmar que o PSD, durante o debate de ontem, se esforçou em explicitar que, quando falamos da questão da equidade no sistema, não pretendemos com isso apagar qualquer dos vectores fundamentais que o sistema hoje tem. Pelo contrário, pretendemos apenas adequar o texto constitucional àquelas que são as necessidades já hoje sentidas, e profundamente necessárias nos anos que se avizinham, para que o sistema possa continuar a expressar uma solidariedade efectiva na sociedade portuguesa.
Nesse sentido, e como percebemos do debate de ontem que, em qualquer circunstância, há alguma dificuldade, da parte de algumas bancadas, em aceitar um reescrever mais global do texto actual da Constituição, a nossa proposta iria no sentido de tornar assentes as ideias sobre aquilo que está no texto constitucional, tornar assente a interpretação de que o texto constitucional, quando fala num sistema unificado, quer com isso dizer que é unificado no sentido de unidade do sistema, no sentido de ser um sistema uno, um sistema para todos os cidadãos, um sistema que é coordenado pelo Estado em todas as suas vertentes.
Assente, pois, que é essa a interpretação, o PSD sugeria que se encontrasse uma fórmula de se incluir aquilo que, de facto, é novo, para permitir no nosso Estado de direito a correcta formulação das reformas necessárias nesta área, que é a introdução do princípio da equidade, ficando, assim, desde logo, claro, no texto constitucional, que a introdução da equidade não só não é contraditória como é o normal e correcto desenvolvimento da expressão de todo esse sistema, precisamente para continuar a assegurar uma efectiva solidariedade dentro das coordenadas em que o sistema tem de se mover.
Há um outro aspecto, que respeita ao princípio da universalidade, que não foi tão focado no debate de ontem mas que nos parece, de qualquer maneira, que é algo que, não estando expressamente na Constituição, tem sido entendido como tal, de facto, desde, pelo menos, há 22 anos e que, penso, com vantagem se ganharia com a sua introdução no respectivo texto, embora, neste caso, já não me pareça ser uma questão fundamental porque não há qualquer contradição, nem sequer aparente, com a questão da unidade do sistema. Refiro-me à universalidade naquelas duas vertentes, de que o PSD tinha falado ontem, ou seja, universalidade da contribuição e universalidade no acesso às prestações.
Pensamos que esse é um princípio importante, embora não fundamental no sentido em que não gera quaisquer equívocos relativamente à redacção presente.
Portanto, nesse sentido, e relativamente à proposta que deu ontem entrada na Mesa, subscrita pelo PSD e pelo Partido Popular, pela nossa parte há abertura para que ela passe apenas a comportar uma lógica de aditamento ao texto actual, mantendo a integralidade do texto actual, uma vez que, do nosso ponto de vista, com vantagem do debate de ontem, ficou claramente assente em acta qual a interpretação que deve ser dada quer à questão da unidade do sistema, quer à questão da introdução da lógica da equidade na montagem do sistema.
Não sei, Sr. Presidente, se será vantajoso ou não, antes de uma eventual pronúncia da parte de outros Srs. Deputados, que se avance para uma terceira ou uma quarta proposta formulada por escrito. Penso que era capaz de haver vantagem no boa condução dos trabalhos que se tentasse uma síntese do debate, em termos de posições e opções e, a partir daí, eventualmente, partir-se para uma formulação, quiçá com a ajuda da própria Mesa para que não fiquem aqui pruridos de que a proposta foi de a, de b ou de c, e que se possa, enfim, consubstanciar aquilo que,

Página 2519

 

do ponto de vista do PSD, constituiu grande parte do debate de ontem sobre esta matéria relativamente à forma constitucional de descrever a realidade do sistema de segurança social, sistema todo ele organizado e coordenado pelo Estado.
Deixava um pouco ao critério da Mesa o encargo da formulação, embora gostasse de ouvir a posição dos outros Srs. Deputados. Da parte do PSD não há interesse especial em ser ele próprio a formular, no entanto, se a Mesa entender que o PSD deve formular ou se os outros Srs. Deputados quiserem ver no papel alguma proposta concreta, estaremos dispostos a isso.
Direi, finalmente, e com toda a abertura, que se for outro o entendimento ou se surgir uma proposta comum, também não haverá problema.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a matéria tem, porventura, alguma necessidade de reflexão.
Neste momento são 11 horas e 10 minutos e proponho aos Srs. Deputados que façamos uma breve suspensão dos nossos trabalhos e que os retomemos às 11 horas e 30 minutos, certamente com a possibilidade de os vários grupos parlamentares terem meditado sobre o alcance das possibilidades ou não de alguma modificação no n.º 2 do artigo 63.º.
Estão suspensa a reunião.

Eram 11 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Eram 11 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, tínhamos ficado pendentes de uma proposta do Sr. Deputado Marques Guedes. Pergunto se alguém deseja, entretanto, usar da palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao princípio da equidade efectiva - e peço que me corrijam se não foi assim -, não consegui perceber o que é que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes pretende com a equidade efectiva.
Segundo o meu entendimento, a introdução deste princípio pode criar selectividade e quebra de solidariedade no sistema, o que pode derivar para o plafonamento da segurança social e, exactamente por causa isso, para uma quebra dessa mesma solidariedade. Penso que será isso a equidade efectiva, conforme o que é proposto pelo PSD.
Por outro lado, pode criar, efectivamente, uma ambiguidade interpretativa e levar a abrir caminho a interpretações perversas desta mesma equidade.
Portanto, de harmonia com o nosso entendimento sobre esta matéria, somos frontalmente contra a equidade efectiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, entendendo esta sua intervenção como um pedido de esclarecimento, a expressão "equidade efectiva" que utilizou...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Quem a utilizou foi o Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, em termos de princípio, a equidade é enquanto tal, não sendo preciso acrescentar a palavra "efectiva".
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que, de facto, quanto à perspectiva em que a equidade se irá traduzir na prática, podemos - e acho que isso até é salutar - ter opiniões eventualmente diferenciadas e cada Governo pode ter um programa algo diferenciado sobre essa matéria. O Governo actual, por exemplo, tem vindo a tomar medidas no sentido de introduzir uma maior equidade em algumas das prestações. Não fez, digamos, uma reforma global do sistema no sentido de lhe introduzir lógicas de equidade horizontalmente mas, desde já, em algumas prestações em concreto, introduziu alguns princípios que, do nosso ponto de vista, se subsumem à lógica da equidade.
Pensamos que a função da Constituição é a de apenas estabelecer o princípio. A concretização que esse princípio depois terá em cada momento é matéria quer para a lei de bases quer para a legislação sobre as prestações em concreto e a forma como essas prestações são definidas em termos da sua disposição aos cidadãos.
Portanto, quanto a esse aspecto, com toda a lealdade, por aquilo que entendo da posições que conheço do Partido Comunista - apesar de o Sr. Deputado não se ter alongado -, penso que, pelos menos eventualmente, só teremos visões algo diferentes se o Partido Comunista defender um igualitarismo absoluto e permanente e perpétuo nas prestações. Nesse caso, sim, teremos seguramente um visão diferenciada.
Há, contudo, um aspecto em relação ao qual, com toda a clareza, queria dizer ao Sr. Deputado "não". Ou seja, na perspectiva da solidariedade que o Sr. Deputado diz que, em consequência, poderia ficar posta em causa, aí direi "não". A nossa perspectiva é perfeitamente clara. E daí a lógica de se acrescentar, eventualmente, como sugeri também, o princípio da universalidade, que não está cá, mas do qual, com vantagem, quando se introduzir a equidade, também se deverá falar. Isto é, para que essa solidariedade seja um dado fundamental é preciso que o sistema seja, de facto, universal (que ninguém fique fora do sistema), que, em termos de contribuição para o sistema, haja uma solidariedade real, porque só assim é que o sistema, do nosso ponto de vista, faz sentido dentro da lógica de cidadania que ele encerra.
Portanto, a questão da solidariedade, segundo a nossa interpretação, penso ser resolvida pela valência da universalidade na contribuição para o sistema e no acesso ao sistema.
Quanto à expressão exacta que irá ou não ter a gestão da equidade do sistema...

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras do orador.)

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, o Governo actual tomou já algumas medidas, com as quais, genericamente, até posso estar de acordo, embora pensemos que faltam outras. O Partido Comunista, eventualmente, poderá ter opiniões diferenciadas em termos pontuais,

Página 2520

 

mas, precisamente para que esse problema não exista, é que, do nosso ponto de vista, devia ser estabelecido na Constituição apenas o princípio.
Assim, ficaria já adquirido que o sistema, embora mantendo uma lógica de unidade e de descentralização e de universalidade, é organizado no respeito pelo princípio da equidade e, depois, em cada momento, se encontrarão as formas que forem mais necessárias e mais adequadas para prover às necessidades dos mais carenciados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vou retomar hoje a intervenção que queria fazer ontem. Em primeiro lugar, para dizer que sou um partidário do Estado-providência e gostaria muito que o Estado-providência pudesse e devesse continuar até ao fim e que, se possível, até fosse aprofundado. O Estado assistencial é, de facto, uma garantia da dignidade da pessoa humana. E, sendo este o ponto de partida, o que vou dizer insere-se neste contexto.
O Estado assistencial terá atingido já o seu apogeu e terá entrado em decadência ou declínio? Até onde irá essa decadência, se não soubermos refuncionalizar o sistema? Eis a questão de fundo que está aí, no mundo, na Europa.
É óbvio que é um problema do Estado-providência, do Estado prestador de serviços; é óbvio que é um problema de justiça social e, obviamente, que um social-democrata, bem como um socialista, têm que estar de acordo em manter o sistema da segurança social neste pano de fundo do Estado assistencial. Só que o problema demográfico é o que é, o problema demográfico dos últimos anos e as perspectivas que aí estão são o que são. Os factos valem por si e contra eles não podemos lutar em demasia e temos que tê-los presentes porque são novos dados do problema e é o problema que temos de resolver, encontrando as soluções mais adequadas. Trata-se de um problema de solidariedade entre gerações, com tudo quanto isso implica.
Sou dos que até acreditam que o Estado-providência nunca pode abrir falência porque isso significava abrir falência ao próprio Estado e, que seja do meu conhecimento, nunca algum Estado abriu falência. Há mais ou menos dificuldades e, por isso, também não acredito no papão de que o Estado-providência está em crise, e até está, mas que, por estar em crise, pode abrir falência. Ora, não há falências no Estado-providência porque não há falências no Estado. O problema é o de saber se queremos um Estado-providência ou não e, querendo-o, nunca haverá falência tecnicamente.
Simplesmente, como é que este pano de fundo se resolve, ou seja, como é que o Estado-providência pode continuar? Prestando os benefícios sociais, todas as prestações que tem vindo a prestar ou diminuindo-as? Ou, para as manter, terá de aumentar os impostos, sendo que o problema dos impostos e das cargas sociais sobre as empresas já estão de tal maneira elevados que a tendência é para os cidadãos não aceitarem mais esta vertente do problema, isto é, a de resolver o problema aumentado as contribuições, aumentado os impostos, aumentado la charge social sobre as empresas.
Se assim é, ou o problema muda nos dados ou, então, é a parte das prestações e dos benefícios sociais que começa a sofrer reduções. E é isso que o próprio Governo actual está já a fazer ou, pelo menos, a anunciar querer fazer.
Portanto, as duas vertentes do problema são estas: menos prestações sociais ou mais impostos, mais encargos das empresas e dos cidadãos.
Por isso, ou vamos pelo modelo ainda europeu e o queremos manter e aperfeiçoar, tornando-o viável, ou vamos para o modelo americano ou para um modelo do tipo das megatendências asiáticas.
Penso que, apesar disso, ainda se deve fazer tudo para se manter o modelo europeu. E o modelo europeu é aquele que ainda permite uma...

O Sr. Presidente: - Qual modelo europeu?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - O nosso, o modelo em que estamos integrados.
De facto, ainda é possível manter desenvolvimento e salários altos com desemprego e o que está inerente a essa chaga, na medida em que esse desemprego é um caldo de cultura propício a certas ideologias totalitárias, só o não estando a ser, ainda, com a acutilância e com agudeza de outras épocas atrás, justamente porque o sistema de segurança social funciona e permite a inclusão social. De outro modo, significaria exclusão social, ainda muito mais agravada do que aquela que temos.
Portanto, esse problema só é possível manter-se ainda socialmente num certo grau de tolerância justamente porque o nosso modelo social é o que é. E se ainda queremos mantê-lo - e eu sou dos que querem mantê-lo -, tudo devemos, então, fazer para que, funcionalmente, continue viável. É o problema da solidariedade, é o problema da própria igualdade que aí está, na vertente da cultura europeia, mais sobrevalorizada do que o problema da liberdade.
O modelo americano é exactamente ao contrário, pois privilegia, acima de tudo, a liberdade, gera grandes desigualdades, gera grandes conflitos, gera grandes exclusões, e, apesar de muitas pessoas não ficarem integradas no sistema, ainda assim acreditam que desse modo há mais iniciativa, mais empregos, embora precários, do tipo "fecha hoje, abre amanhã uma empresa, muda de estado, vai para outro estado, mobilidade social, mobilidade geográfica", mas tudo isso porque acham que o grande pilar é esse. É, de facto, um sistema diferente. E vimos o que significou a Sr.ª Hillary Clinton tentar um modelo de saúde semelhante ao europeu, que, afinal, não passou. Portanto, o modelo social deles também não passará no modelo social europeu.
Depois, temos o modelo asiático, em que vamos para as tendências completamente contrárias e que não são desejadas. É o dumping social, é obviamente o problema da falta de segurança social em geral e, portanto, o problema de nem sequer haver horários de trabalho e protecção mínima para a dignidade humana. E são concorrentes em demasia porque, obviamente, não têm esses encargos que encarecem os preços e podem, obviamente também, fazer concorrência com os produtos europeus.
Sendo assim, como podemos manter o Estado se não for com a ajuda mais forte da própria sociedade? Portanto, aqui nem se coloca o problema de irmos para um modelo de menos Estado e mais sociedade. Não! Quero continuar

Página 2521

 

a ter o Estado no modelo da segurança social, com mais peso da própria sociedade, isto é, com mais inclusão do esforço activo da própria sociedade e, por essa medida, complementarmente, mantendo um sistema que quero uno, em que o Estado coordena, organiza e faz, permitindo, ao mesmo tempo, as grandes sinergias da iniciativa individual de cada um, não as deixando de fora, em nome da unificação ou em nome de um sistema que só pode ter um pé ou um pilar.
Sendo o sistema uno (princípio da unidade), deve ser também universal, ou seja, deve conter o princípio da universalidade, por forma a que não haja pessoas que caiam fora quando necessitadas desse sistema. E, nessa medida, a unidade e a universalidade do sistema são dois princípios de que não devemos abdicar.
Mas também devemos integrar-lhe a justiça social própria do modelo que filosófico-teoricamente defendemos. Por isso, a ideia da equidade do sistema uno, universal e equitativo, que não mais é do que de justiça concreta, é também um terceiro vector que deve caracterizar esse sistema que o Estado deve organizar e coordenar.
Nessa medida, propunha que este n.º 2 pudesse ter uma redacção semelhante a esta, senão mesmo esta: "Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social segundo os princípios da unidade, da universalidade, da equidade e da descentralização".
Com isto, potenciávamos ao máximo o sistema do Estado assistencial, "aggiornado" em nome da própria sociedade que deve participar cada vez mais no sistema e, nessa medida, não ficar excluída, garantindo ao máximo a justiça do próprio sistema. E a justiça não é tratar os ricos como os pobres e os pobres como os ricos, mas, sim, é ir ao encontro das necessidades dos cidadãos.
Por isso, entregaria na Mesa esta proposta.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado Calvão da Silva. Considera que devo tratar a proposta que acaba de apresentar como proposta individual ou como proposta do seu partido?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, a proposta, para já, é individual, mas está aberta a toda e qualquer subscrição.

O Sr. Presidente: - Pergunto se algum dos Srs. Deputados deseja pronunciar-se não só sobre a proposta que acaba de ser apresentada mas também sobre os termos simetricamente colocados pelo Sr. Deputado Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Calvão da Silva fez uma introdução teórica sobre a questão do sistema de segurança social para defender, em última análise, a inclusão do princípio da equidade, como um dos três princípios fundamentais do sistema.
A questão que se nos levanta é a seguinte: nós sabemos melhor, de ciência certa, o que é o princípio da unidade do sistema, mas não sabemos tão bem o que é, efectivamente, o princípio da equidade. E quase seria tentado a dizer " a cada Governo a sua visão do princípio da equidade". Ou seja, se consagramos o princípio da equidade como princípio essencial do sistema, estamos a abrir portas que nos podem conduzir a caminhos extremamente diferentes em matéria de políticas concretas de segurança social.
Penso que o texto constitucional deveria consagrar princípios essenciais e, em relação a princípios desse género, que podem ser aplicados de forma muito diferente por diferentes Governos e que, no fundo, nos abrem para o terreno do aleatório, devíamos ser extremamente cautelosos.
Já fomos suficientemente claros, aqui, ontem, e na primeira leitura, quando afirmámos que a Constituição, tal como está, com estes princípios essenciais que estão consagrados nos n.os 1 e 2, não impede a aplicação, por cada Governo, em concreto, de um princípio de equidade interpretado à maneira desse Governo. Não fecha essa possibilidade. Não podemos é igualizar os níveis de princípios.
Nesse sentido, não proibindo a Constituição a aplicação de políticas sociais que cada Governo aplicará segundo a sua própria interpretação de equidade, não vemos necessidade de estar a dar dignidade constitucional ao princípio da equidade. Não confundamos um plano programático com um plano constitucional.
Nesse sentido, não há acolhimento da nossa parte para a introdução do princípio da equidade no n.º 2.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado António Reis, ouvi atentamente a sua explicação e, embora compreendendo a linha de raciocínio que imprimiu a esta sua intervenção, devo dizer-lhe, com toda a franqueza, que, então, há algo que não percebo.
O Sr. Deputado é o primeiro a dizer, com clareza e frontalidade, que a expressão concreta das políticas na implantação do sistema de segurança social pode ser diferenciado, e não o disse mas eu acrescentaria "salutarmente, deve ser diferenciado", porque, nas democracias pluralistas, essa é uma das condições essenciais para satisfação das populações, no sentido de haver uma dialéctica e uma dinâmica programática da parte das várias forças partidárias, por forma a que a sociedade vá avançando e se vá revendo em reformas que melhorem a sua qualidade de vida. De facto, não o referiu, mas penso que estava subjacente à lógica daquilo que disse quando exprimiu a realidade das diferenças na aplicação das políticas.
Mas, então - e isso é que não percebo -, se isso é assim e se há uma outra verdade fundamental, que é a de que a Constituição da República deve ser, obviamente, uma magna carta onde, precisamente dentro dos valores e dos princípios que enformam o nosso Estado de direito, todas as forças políticas e todas as opiniões, sempre que respeitadoras dos tais princípios da Constituição, se possam rever e se possam movimentar precisamente para dar essa dialéctica fundamental ao Estado de direito democrático, tal qual o conhecemos e o queremos, é evidente, então, que o corolário lógico de tudo aquilo que o Sr. Deputado disse era o de que, ainda que num plano quiçá diferente - porque também introduziu essa lógica -, a questão da equidade ficasse na Constituição precisamente para que, em cada momento, no respeito pelos tais princípios, se pudessem desenvolver políticas de segurança social que interpretassem, de acordo com os compromissos eleitorais sufragados pela comunidade, as medidas certas a tomar.

Página 2522

 

Há, no entanto, um aspecto novo na sua intervenção, que não deixei de notar, que relevo e que, devo dizer-lhe, não me custa a admitir, que é, apesar de tudo, a vossa preocupação de atender a uma hierarquização (chamemos-lhe assim) diferente, no plano dos valores, das regras e dos princípios que moldam o sistema. Isso percebo.
E, nesse sentido, de facto, é oportuna essa sua intervenção porque a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, feita com evidente boa fé de quem acompanhou e participou, desde o início, no debate de ideias que temos vindo a travar sobre esta matéria, coloca num plano de hierarquia igual, pelo menos em termos até da própria literalidade da sua formulação, esses princípios.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, peço-lhe para ser breve.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa por me estar a alongar um pouco, mas se há vontade real em tentarmos criar aqui entendimentos e consensos temos que debater as coisas com alguma seriedade. Seriedade, entenda-se, no sentido de profundidade.
Compreendendo este dado novo que o Sr. Deputado António Reis traz à questão, atrever-me-ia a sugerir o seguinte: por que não deixar o n.º 2 tal qual está, dentro daquela interpretação, que já expressei, de que "unificado" e "descentralizado" são os tais princípios basilares do sistema, naquela interpretação, que também já tivemos, que se distancia da unicidade e do igualitarismo - "unificado" no sentido da unidade do sistema, do controlo uno por parte do Estado relativamente a todo o distema? Então, por que não deixar tudo como está, para que, hierarquicamente, a unidade e a descentralização do sistema sejam os valores-regra que lá estão e acrescentar, a terminar, "com a participação das associações sindicais e outras organizações representativas dos trabalhadores e das associações representativas dos demais beneficiários e a que todos os cidadãos possam ter acesso equitativamente"? Trata-se de deixar num plano diferente a lógica da equidade e ligada directamente ao problema do acesso aos benefícios...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O justo acesso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ou, como acaba de sugerir o Sr. Deputado Barbosa de Melo, o justo acesso de todos os cidadãos, em termos equitativos.
Penso que, dessa forma, a formulação do sistema tem, como princípios basilares, aqueles que sempre teve, acrescentando-se a lógica da universalidade, utilizando a expressão "o justo acesso de todos os cidadãos em termos equitativos" ou, enfim, "...de forma equitativa", conforme a formulação que se conseguisse.
Era este o pedido de esclarecimento que deixaria porque, se bem interpretei, a intervenção do Sr. Deputado ia dentro dessas preocupações porque nunca o vi distanciar-se, muito pelo contrário, da bondade da introdução de normas equitativas em termos de formulação das políticas para concretização do sistema.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Reis, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado António Reis, devo dizer-lhe que gostei muito de o ouvir. De facto, também tenho sensibilidade para dizer que não podemos abrir portas por onde se sabe que alguém entra mas por onde, depois, não se sabe se vai sair. Também estou de acordo com a hipótese desses perigos.
Portanto, quando diz que o princípio da equidade pode conter esse perigo aberto no sistema, direi que se algum perigo comporta, então, vamos tentar fechá-lo.
O princípio da equidade, ou melhor, a ideia da equidade é a da justiça do caso concreto e, portanto, pode dar alguma margem de discricionaridade, senão mesmo de certa arbitrariedade. Mas já o princípio da justiça, então, é muito mais seguro, muito mais amplo do que só o da equidade.
Se o problema for esse e entendermos o princípio da justiça de forma a que o sistema seja justo tal é irrecusável. Penso que na sua prelecção, como na de qualquer um, está presente que queremos um sistema justo. Portanto, dizer que o sistema deve obedecer ao princípio da justiça e não ao princípio da equidade, se isso é mais seguro, dentro da antinomia que tem de haver sempre entre a segurança e a justiça, então não me importaria nada de substituir "equidade" por "justiça". Também a formulação sugerida pelo Sr. Deputado Marques Guedes no sentido de manter o que está e terminar o n.º 2 com uma fórmula do género "por forma a assegurar o justo acesso de todos os cidadãos" vai ao encontro do que é a justiça. Uma fórmula destas vai ao encontro da ideia expressa pelo Deputado Marques Guedes, e retirávamos a ideia da "equidade". Dessa forma íamos ao encontro do princípio da justiça, a hierarquização era diferente e, em última instância, ficava assegurado o acesso justo de todos os cidadãos. Penso que, assim, ficariam salvaguardadas as suas inquietações. Usaríamos, obviamente, de alguma prudência na formulação, pois parece-me que o problema aqui é de formulação e não de ideias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - O Sr. Deputado Marques Guedes interpretou bem a posição que exprimi há pouco, nomeadamente quando sublinhou a minha preocupação com a hierarquização dos princípios aqui em causa, mas a questão não se resume a isso.
Em primeiro lugar, é preciso saber qual a mais-valia efectiva, em termos constitucionais, que a introdução de um princípio de equidade, ainda que relativizado, ainda que em subordinação hierárquica a outros princípios, numa fórmula como aquela que aqui sugeriu há pouco, viria trazer relativamente a outros princípios gerais constitucionais, já consagrados, nomeadamente o princípio da igualdade que, tal como é tratado no texto constitucional, cobre perfeitamente, a nossa ver, as questões que também preocupam os Srs. Deputados neste domínio.
E, já agora, aproveito para responder também ao Sr. Deputado Calvão da Silva, na medida em que também fica coberto o princípio da justiça ou do acesso justo, como há pouco referiu.
Tudo isso, afinal de contas, são preocupações que já estão asseguradas através dos princípios gerais da Constituição. Não vemos, portanto, vantagem em estar a especificar,

Página 2523

 

com a adopção de um conceito que, a nosso ver, tem uma margem de equivocidade enorme, princípios que já estão consagrados, de uma forma claríssima, no texto constitucional.
A desvantagem que advém da introdução aqui do conceito "equitativo" é aquela que também há pouco referia na minha intervenção inicial e que é, talvez, a razão de fundo pela qual nos opomos à sua consagração aqui. É que a sua margem de interpretação e de aplicação é tão vasta, as ambiguidades a que se presta, o carácter aleatório de que pode vir a revestir-se é tão profundo que corremos o risco de, na prática, poder ser invocado e poder ser aplicado contra ou em detrimento dos outros princípios basilares do sistema. Há aqui uma porta aberta para a conflitualidade entre esse princípio subordinado e aqueles princípios a que ele deve estar, em última linha, sujeito.
Como não queremos correr esse risco de conflitualidade, achamos mais prudente, mais ajuizado remetermos, por um lado, para os grandes princípios constitucionais que já estão consagrados, e, por outro lado, mantermos essa porta fechada para não corrermos riscos dessa natureza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas ler uma passagem do programa do Governo aprovado na Assembleia e que, na parte concreta da segurança social, foi inclusive votado favoravelmente pelo Partido Popular, porque, nesta circunstância concreta, penso que interessará mais ouvir o que diz o Governo no seu programa, que neste momento está em execução, do que propriamente o que pensa o Partido Popular. Diz, então, o Governo, no seu programa: "Importa, pois, reformar o sistema de segurança social no pressuposto de que a segurança social é um valor básico a preservar, mas têm de ser encontradas saídas para a situação de impasse a que a manutenção das tendências actuais nos conduziria rapidamente. Essa reforma deve orientar-se por um conjunto de princípios básicos e o primeiro é a equidade social".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não confundimos o programa do Governo com a Constituição, que tem de servir este e qualquer Governo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, queria dizer, falando obviamente em meu nome pessoal e em nome dos subscritores do projecto com a designação formal de n.º 8/VII, que vejo com simpatia a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva e, em geral, as propostas do PSD, no sentido de introduzir a ideia de justiça social ou de equidade.
Julgo que a ideia de justiça ou de justiça social é mais feliz do que a ideia de equidade, até para evitar a sua conotação com o conceito técnico-jurídico de equidade, que é ligeiramente diverso daquele com que é empregue, normalmente, na linguagem corrente.
Obviamente que isso significa introduzir não só algo que, na prática, já existe, não apenas no programa deste Governo como no programa de outros Governos bem como no dia-a-dia, ou seja, a preocupação de, sem pôr em causa a universalidade do acesso ao sistema, introduzir mecanismos de selectividade que possam atender, com mais justiça, às necessidades de cada um. Julgo, aliás, que essa é uma preocupação que, em certa medida, já decorre da Constituição. E, nesse sentido, até chamaria a atenção para a circunstância de que, por exemplo, a propósito do direito à saúde, que se consagra no artigo imediatamente subsequente, já se fazer uma referência explícita ao facto de ser obrigatório, constitucionalmente, ter em conta as necessidades económicas e sociais dos cidadãos.
Nesse sentido, julgo que isso já é um reflexo do princípio da justiça, entendido no sentido de justiça social, enquanto mecanismo corrector de discriminação positiva, que permite assegurar a universalidade das prestações, porque todos contribuem para elas e, portanto, todos têm direito a elas, mas considerando que uns têm direito em medida diferente de outros e que, até pela própria necessidade de garantir a subsistência do sistema, é preciso que se valorize o conceito de solidariedade e que, portanto, aqueles que contribuem não o façam só para si mas contribuam, fundamentalmente, para eliminar o défice de condições de vida dos outros e, portanto, introduzir um elemento de correcção que me parece essencial.
Não vejo, de facto, que a não introdução expressa do princípio ponha em causa a execução de políticas que prossigam esse objectivo, mas também não deixo de achar que seria, porventura, um ganho introduzi-lo expressamente na Constituição, designadamente porque isso permite, de alguma forma, adequar até o próprio texto constitucional àquilo que são as verdadeiras necessidades e àquilo que são princípios que hoje, aparentemente, são partilhados por uma vasta maioria das forças políticas e da sociedade em geral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, desejava esclarecer a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto que o que acabou de dizer em nada colide com a posição que aqui defendi. Aliás, até vem, justamente, confirmar a distinção que há pouco fazia entre o plano constitucional e o plano programático.
O facto de um Governo - neste caso, o Governo socialista - consagrar uma política de segurança social no respeito pelo princípio da equidade não só é algo que demonstra que, à luz da actual Constituição, isso é possível, como, ainda por cima e por outro lado, no fundo demonstra que essa política, tendo em conta o actual texto constitucional, terá de se subordinar sempre aos princípios fundamentais consagrados actualmente no texto constitucional e nunca o princípio da equidade poderá ser voltado contra os outros princípios.
Portanto, há um sistema que tem as suas garantias controladas. E há um programa de Governo em que sabemos que, com toda a certeza, o princípio da equidade será aplicado no respeito pelos restantes princípios que enformam o sistema, à luz da actual Constituição.

Página 2524

 

Por outro lado, e voltando à proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva de há pouco, sobre a possibilidade de substituir a expressão "princípio da equidade" ou "equitativamente" pela expressão "justiça social" , quero lembrar que, no fundo, o artigo 266.º, n.º 2, sobre princípios fundamentais da Administração Pública, já dá essa garantia, quando diz "Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade".
Isso tem de ter uma leitura mais global, que, a meu ver, satisfaz a preocupação que aqui está em causa.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto pediu a palavra para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Reis?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não, Sr. Presidente. Pedi a palavra para esclarecer o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. Presidente: - É que o Sr. Deputado José Magalhães inscreveu-se primeiro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Era só para clarificar o alcance do programa do Governo.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, era só para dizer ao Sr. Deputado António Reis que poderá fazer essa interpretação do programa do seu Governo, mas as palavras ainda têm algum sentido. E o que o Governo diz no seu programa é que vai fazer uma reforma, uma reforma estrutural. Assim disse e assim se comprometeu perante os portugueses.

O Sr. António Reis (PS): - E está a fazê-la!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não, não está. Neste momento, está a ser reflectida, como muito bem sabe o Sr. Deputado.
E essa reforma estrutural assenta, entre outras coisas, na adopção clara do princípio da equidade. Isto é o que está aqui dito e não aquilo que o Sr. Deputado disse.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Deve ter havido, com certeza, um ruído de comunicação porque reconheci que o programa do Governo consagra esse princípio da equidade. Mas não é isso que está em causa, do nosso ponto de vista, neste momento. O que está em causa é a latitude de aplicação desse princípio, a forma como ele poderá ser aplicado, e se o consagramos sem balizas podemos estar, na prática, a abrir caminhos para coisas muito diferentes.
Tenho a certeza que o meu Governo aplica e respeita esse princípio, dentro do actual contexto constitucional, mas, mudando o contexto constitucional em relação a esse princípio, não sei se não estaríamos a dar possibilidade a outros Governos de aplicarem esse princípio com desrespeito por outros princípios essenciais, constitucionalmente consagrados. Essa é que é a questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, muito sinteticamente, direi que o debate tem sido muito interessante e confesso que se tentasse ou desejasse fazer um balanço teria as seguintes interrogações e certezas parciais.
Primeiro, não pedimos à Câmara que transpusesse para a Constituição todos os aspectos do programa do Governo do Partido Socialista pela razão que já ficou abundantemente explicada.
Vejo, encantado, que até existe uma sobredisponibilidade, pelo menos da parte do CDS-PP - mas, infelizmente, juntos não fazemos dois terços -, para a consagração de diversas coisas. O nosso caderno reivindicativo seria bastante amplo se fôssemos por aí. Temos muitas coisas a consagrar na Constituição, mas algumas não temos. E, nesta matéria, o Sr. Deputado António Reis explicou porque não.
De resto, a evolução da discussão já revelou que, em matéria de principologia, não se tratando, agora, em 1997, de importar "ganga" ideológica para a Constituição e de veicular uma única, e só uma, concepção possível para a gestão e para a reforma do sistema unificado de segurança social, há alguns princípios que fluem da Constituição, em diversas dimensões, muito ricas, trabalhadas e tratadas, tanto no domínio que foi apontado como até nas densificações do princípio da igualdade.
Em relação a questões que ficaram em aberto, creio francamente que o debate até evoluiu num sentido que me parece muito interessante. Aliás, o Sr. Deputado Calvão da Silva deu uma contribuição muito relevante nesse ponto.
Há duas coisas irrealistas e perigosas. A primeira é o fixismo que cristaliza o mundo em 1976, às 7 horas da tarde - não temos essa concepção e provámo-lo. A outra, que é irrealista, perigosa e simplista, é a de abandonar princípios e garantias fundamentais que são pilares do nosso sistema e que visam que ninguém, ninguém, possa ser desprotegido em situações de doença, de invalidez e de desprotecção.
É inaceitável o princípio segundo o qual cada qual se salve como puder. E esse princípio não é sufragado nesta Comissão, generalizadamente. E isso é, quanto a mim, uma bela homenagem aos Constituintes, porque é exactamente isso que está subjacente à Constituição.
Em relação à não fixidez, é preciso ver se na Constituição há algum obstáculo, alguma barreira, alguma proibição que impeça evoluções positivas do sistema, não (repito) numa visão catastrofista. Ainda ontem, o Sr. Ministro da Solidariedade tinha a ocasião de aludir a essa poupança de 75 milhões de contos que, de certa maneira, nos facilitaram um pouco - trata-se, como sabemos, de uma gota - a gestão do sistema, rejeitando uma visão catastrofista.
Mas, muito mais analiticamente, numa óptica prospectiva, releva dizer que não se vê onde haja barreiras a inovar, por exemplo, diferenciado prestações para apoiar mais carenciados, combater mais e melhor a evasão, impedindo a existência de privilegiados por força da evasão, atacar

Página 2525

 

fraudes a nível contributivo e de prestações e evitando privilégios através da fuga, criando programas de apoio a pessoas e a camadas sociais mais desprotegidas. Nessa matéria, nada proíbe a imaginação. Ela faltou e foi necessário chegar a 97 para o legislador ordinário aplicar um programa de tipo rendimento mínimo garantido.
Mas isso é uma coisa que depende do eleitorado, e o eleitorado falou. E há rendimento mínimo garantido. E pode e vai haver muito mais. Não me cabe transpor para aqui a discussão do Livro Branco sobre a reforma da segurança social. Não é esta a hora nem é na Constituição que se faz o Livro Branco da segurança social ou as normas emanando dele.
Agora, nada nesta Constituição, com as melhorias que propomos, designadamente no sentido de enquadrar e dar mais relevo ao apoio ao Estado (IPSS e outras entidades), e no seu espírito - que, repito, é assinalavelmente positivo e, pelos vistos, viu alargado o seu consenso quanto a pilares fundamentais - proscreve essa reforma. E, se queremos defendê-la, temos que reformar. É esse o nosso espírito e, francamente, não vejo contradição entre este espírito e a vontade de salvar e melhorar o sistema. Para nós, não há contradição.
Não nos peça, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que vamos além desta nossa vontade lendo o nosso programa pelos seus olhos. Aconselhá-la-íamos a ter em conta a nossa leitura desse programa, que em nada colide com valores desejáveis de que, suponho, partilha.
Portanto, Sr. Presidente, congratular-nos-íamos se houvesse consenso para melhorar a redacção. Gostaria de dizer que estamos disponíveis para aditar à expressão que propusemos no artigo 63.º, n.º 5, a expressão "actividade". Ou seja, ficaria: "O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e funcionamento das instituições particulares de solidariedade social".
Quanto ao n.º 2, Sr. Presidente, está dito, da nossa parte, aquilo que entendemos dever presidir a esta revisão, sendo certo que esta leitura, agora feita, é muito interessante e muito enriquecedora da própria análise e interpretação do alcance da Constituição no ano da graça de 97.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, compreendam que, depois do esforço feito por todos os Srs. Deputados, esta matéria começa a ter inteiramente qualificadas as posições relativas dos partidos.
Antes de fazer um apelo, dou notícia de que acaba de chegar à Mesa uma nova proposta que ainda se reporta ao n.º 2 do artigo 63.º e que visaria acrescentar, a final desse número, a expressão "a que todos os cidadãos tenham acesso, segundo as exigências da justiça social".
Esta proposta é subscrita pelos Srs. Deputados Marques Guedes, Barbosa de Melo e Guilherme Silva.
Srs. Deputados, este é o contributo que materializa a sugestão já verbalmente apresentada há pouco pelo Sr. Deputado Marques Guedes, a quem concedo a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não fui eu que apresentei oralmente essa proposta; ela vem na sequência da intervenção, neste debate, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. De resto, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto teve já ocasião, de uma forma totalmente elucidativa e clara, de demonstrar a preocupação do que está aqui em causa e a vantagem em se incluir na Constituição a linha de rumo, necessariamente dentro de todo aquele consenso a que o Sr. Deputado José Magalhães se referia, e que existe, felizmente, entre as forças partidárias principais portuguesas, relativamente à solidariedade e ao sistema de segurança social que a corporiza na área da mesma segurança social.
Mas o Sr. Deputado Cláudio Monteiro é que aventou essa hipótese, para se evitar outra leitura jurídica que o termo "equidade" pode ter, uma vez que é utilizado em várias áreas do Direito.
De facto, "equidade", nesta área, tem que ver com a dimensão da justiça social. E, portanto, se é assim, é nesse quadro, precisamente, que se fará o esforço para ultrapassar todas as dificuldades de linguagem, uma vez que as de hierarquia já estão ultrapassadas.
Sendo assim, com toda a franqueza, começa a ficar mais ou menos patente que, não havendo da parte do Partido Socialista qualquer objecção - nem poderia haver, porque faz parte, confessadamente, do seu programa político de acção - quanto à lógica de fundo desta proposta, aparentemente parece que o problema tem que ver com o facto de o termo "equidade" não ter partido de uma proposta socialista. Afinal, já estava no programa do Governo e o Partido Socialista, contrariamente ao que fez com o rendimento mínimo garantido, que também constava do programa do Governo, não o colocou no seu projecto de revisão constitucional, como o podia ter feito.
Tendo em conta que não fui eu que levantei a hipótese da expressão "justiça social", mas, sim, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro - era essa a rectificação que queria fazer ao Sr. Presidente -, é evidente que, no plano em que estamos aqui a discutir, "equidade" traduz-se em "justiça social".

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro, já decorre da Constituição!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta visa tão-só corporizar as ideias e as formulações que aqui foram aventadas durante o debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não passaria ainda à votação de qualquer matéria relativamente ao artigo e colocava aos Srs. Deputados a questão de saber se querem exprimir alguma referência nova relativamente a um novo n.º 5, embora por alteração do n.º 3 actual, apresentado numa proposta do PS, e a proposta de artigo 72.º-A, apresentada originariamente pelo PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta que referiu relativa ao n.º 5 ainda não foi distribuída.

O Sr. Presidente: - Reporta-se a uma sugestão que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer. Foi integrada materialmente na proposta inicial, passando a ler-se nela: "O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento..." . Foi esta a proposta do Sr. Deputado José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que, quanto à questão da "actividade" não podemos

Página 2526

 

estar mais de acordo uma vez que o que está em causa no conteúdo útil é acrescentar "apoio"... Enfim, embora tratando-se de questões terminológicas, não deixam de ser questões que fazem sentido.
No entanto, conforme já tinha sido aventado na reunião de ontem, quando começámos a aflorar as instituições particulares de solidariedade social, há uma outra questão que se coloca, mas essa, do nosso ponto de vista, tecnicamente bastante mais relevante, e que tem que ver com a técnica de remissão para artigos utilizada no actual texto constitucional, na norma referente às instituições particulares de solidariedade social, que é uma técnica desastrada e que não faz qualquer sentido, conforme ficou unanimemente reconhecido na primeira leitura.
De resto, como prova disso, poderia apresentar a acta da reunião, citar os Srs. Deputados José Magalhães e Vital Moreira e, enfim, os vários Deputados do Partido Socialista então presentes, que reconheceram unanimemente que esta técnica de remissão para artigos, utilizada no actual texto constitucional, na norma que tem que ver com as instituições particulares de solidariedade social, é uma técnica desastrada e não faz sentido absolutamente nenhum.
Aliás, à semelhança de tudo aquilo que, ainda há pouco, o Sr. Deputado António Reis, com propriedade, referia, relativamente ao facto de a Constituição ter de ser um repositório de princípios e de regras gerais que possibilitem, depois, a concretização de opções programáticas próprias, em termos políticos, o que faz sentido - enfim, tentando, com toda a boa vontade, seguir o conteúdo útil da proposta recentemente apresentada por alguns Srs. Deputados do Partido Socialista - é dizer-se "com vista à prossecução de objectivos de solidariedade no âmbito dos direitos sociais".
Conforme já tinha sido discutido na primeira leitura, é evidente que dizer-se que é a alínea c) ou a alínea d), etc., é uma técnica que não é minimamente aceitável.
Espera-se que haja inovações enriquecedoras do texto constitucional em alguns dos artigos que estão em causa. Portanto, ao falar da realidade que são as instituições particulares de solidariedade social, que merecem apoio da parte do Estado para a sua actividade e que têm o controlo fiscalizador também do Estado quanto ao seu funcionamento, a norma deve referir que o objecto, genericamente, é a prossecução de objectivos de solidariedade no âmbito dos direitos sociais.
Os direitos sociais serão tão mais vastos quanto a sociedade civil encontrar formas adequadas de prover, de uma forma solidária, à satisfação das necessidades das pessoas.
Nesse sentido, como é evidente, a Constituição da República não tem de, minimamente, numa lógica fixista e profundamente redutora, determinar aqui o que quer que seja.
É certo que esta proposta do Partido Socialista, reconhecendo isso mesmo, introduzia a lógica do "não só, mas também". Só que, de facto, essa lógica, como ficou visto na primeira leitura, é tecnicamente incorrecta, não faz sentido. Então, estabeleçamos aqui o princípio genérico, que é "a prossecução de objectivos de solidariedade no âmbito de direitos sociais" e a sua concretização far-se-á no duplo sentido: de acordo com a regulamentação que ao Estado compete e de acordo com a iniciativa solidária que, óbvia e indiscutivelmente, cabe à sociedade e que todos acarinhamos e reconhecemos.
Portanto, concordando totalmente, desde já, com essa precisão da actividade - uma vez que se fala nas duas funções, apoio e fiscalização, faz sentido esta proposta, que se traduz num melhoramento do texto -, porém, o melhoramento mais importante é acabar com este arrasoado perfeitamente incongruente e colocar um princípio que será depois concretizado pela regulamentação do Estado e pela iniciativa solidária das comunidades.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Marques Guedes acaba de colocar uma questão que tem racionalidade e, sobretudo, teria racionalidade se estivéssemos a escrever a norma ex novo, mas a verdade é que não estamos. E, para alguns aspectos - não penso que o que vou dizer sirva de dogma geral -, a referência histórico-constitucional tem um sentido positivo. E o sentido positivo que, a meu ver, nesta matéria tem é o de que se incorporou no discurso, designadamente nas instituições particulares de solidariedade social, o invocar a dignidade social das suas funções por referência a uma cobertura constitucional expressa.
Se passássemos agora de uma cobertura constitucional expressa para uma referência meramente generalista, naturalmente não enfraqueceríamos a cobertura constitucional mas enfraqueceríamos, porventura, um discurso que já esta arrimado ao enquadramento constitucional expresso.
Por isso, Sr. Deputado Marques Guedes, suponho que os seus argumentos eram inteiramente razoáveis se estivéssemos a escrever pela primeira vez a norma. Porventura, sê-lo-ão menos se tivermos em conta, de facto, que a prática social, por referência às indicações constitucionais, também deve estar presente no espírito do legislador, no momento da revisão constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Creio, Sr. Presidente, que o que acaba de exprimir é perfeitamente razoável e gostaria de aditar, não partilhando de expressões do género "técnica constitucional desastrosa" ou "(...) não aceitável" ou "arrasoado perfeitamente..." , etc., etc.,

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Posso ir buscar as actas para ver o que lá está escrito!

O Sr. José Magalhães (PS): - Pode ir buscar as actas, Sr. Deputado! Se quiser as gravações, e até o vídeo, tenho todo o prazer... Além de que, na hora de decidir, isso não me impressionaria nada, garanto-lhe.
Sr. Presidente, só para efeitos de acta, precisamente, chamava a atenção que o objectivo flexibilizador, que o Sr. Deputado enunciou como sendo a sua preocupação fundamental, é alcançado plenamente. É que a proposta do Partido Socialista, não por acaso, alude à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo. Não consigo ver um casamento mais razoável entre o respeito pela expressão constitucional adquirida, com os méritos que já ficaram relevados na acta, e a inovação flexibilizadora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

Página 2527

 

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vejo com bons olhos a abertura do Partido Socialista a esta nova entidade...

O Sr. José Magalhães (PS): - Notável abertura!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sim, notável abertura do Partido Socialista ao apoio devido, justamente devido e justificado, às IPSS…

O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, mas não consegui ouvir, Sr. Deputado!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vou repetir, Sr. Deputado José Magalhães, porque tenho muito gosto que oiça o que já tinha dito.
Vejo com bons olhos a abertura do Partido Socialista a esta nova entidade pujante da sociedade civil, que são as instituições particulares de solidariedade social. E vejo ainda com mais interesse o expresso apoio que o Estado deve dar a estas novas entidades. É uma maneira de reconhecermos a criatividade dos cidadãos, é uma maneira, portanto, de aperfeiçoarmos a cidadania e, obviamente, é com bons olhos, repito, que vejo essa vossa proposta.
Não faço questão que tenha de ser num artigo autónomo, como o PSD propõe. Acho que, acima de tudo, a dignidade constitucional, num ou noutro artigo, é a mesma.
Reconheço, contudo, que, nas instituições particulares de solidariedade social, as misericórdias têm uma longa história em Portugal, história que não pode ser reescrita por ninguém, mesmo por omissão, e, nesse medida, compreendendo alguma dificuldade que possa haver, do ponto de vista ideológico, em certas forças políticas, também registo a supressão dessa terminologia, na certeza de que a realidade, essa, não pode ser suprimida.
Por conseguinte, reconheço ainda que a proposta do Partido Socialista, ao referir o advérbio "nomeadamente", vai ao encontro da proposta originária do Partido Social Democrata. Todavia, se fosse possível que o "nomeadamente" desse o alcance que o Partido Social Democrata lhe quer dar, em todos os ângulos dos direitos sociais, de um modo expresso, é evidente que o Partido Social Democrata reconheceria isso como uma redacção mais conseguida do ponto de vista da boa técnica legislativa e, neste caso, boa técnica constitucional, independentemente de, na origem do artigo que temos, haver uma enumeração exaustiva e agora querer manter essa enumeração já não exaustiva mas apenas exemplificativa.
Portanto, independentemente da ligação que há entre a primitiva redacção do artigo 63.º, n.º 3, que, de modo expresso, exclusivo e exaustivo, diz em que âmbitos é que é reconhecido esse direito às instituições particulares para actuarem, acho quer havia toda a vantagem em que o advérbio "nomeadamente" pudesse ser retirado, retirando-se também essa enumeração, agora exemplificativa apenas, para lhe reconhecer o âmbito geral dos direitos sociais.
Ganhávamos com isso do ponto de vista de técnica legislativo-constitucional.
Se o Partido Socialista, por razões que não quero comentar, entende que isso não lhe é possível, terei de me contentar com o mínimo dos mínimos e entender que entre uma má redacção e uma realidade melhor, apesar de tudo prefiro a melhor realidade à melhor redacção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, esta fórmula que o Partido Socialista apresenta continua a ser uma fórmula muito mal amanhada. Isto é, mantém a redacção deficiente que consta do texto vigente.
Em todo o caso, do nosso ponto de vista e da preocupação que nos levou a propor alterações neste domínio, nomeadamente a propor o artigo 72.º-A, traduz um grande avanço, na medida em que o texto vigente - e o texto não foi objecto de nenhuma proposta inicial do PS nesse sentido - apenas reconhece o direito de constituição de instituições particulares de solidariedade social. Reconhece, de facto, esse direito. Mas, para o Estado, era uma res inter alias, isto é, o Estado não estava comprometido com isso.
Ao propormos um artigo 72.º-A, além do valor simbólico das misericórdias, para o que ontem chamei a atenção, quisemos sobretudo dizer que o Estado tinha o dever de estimular e apoiar essas instituições que nascem da iniciativa da sociedade civil. São instituições particulares que visam prosseguir, por elas próprias, mutualidades de procedência laica - para usarmos uma expressão com uma carga específica; são as misericórdias com uma procedência leiga - para contrapormos os dois critérios. Isto faz parte da nossa tradição cultural, e o Estado não pode alhear-se disto.
A proposta do PS dá um passo significativo nesse aspecto, ao dizer que agora o Estado tem não só de disciplinar mas também de apoiar essas instituições. E, com isto, ganhamos o essencial da nossa preocupação, que nos levou a apresentar uma proposta.
Pessoalmente, tenho pena que não se faça referência às misericórdias, porque elas estão expressamente ligadas à nossa expansão pelo mundo.
De resto, é curioso constatar que o ano em que se cumprem os 500 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia é também o ano em que se cumprem os 500 anos da primeira misericórdia que a rainha D. Leonor aqui organizou. Tenho, pois, pena que não o aproveitemos para pormos este sinal na Constituição. Aliás, como dizia ontem o Sr. Deputado Guilherme Silva, isto também tem uma função simbólica.
Mas será que é fundamental colocar aqui a palavra "nomeadamente"? Fizeram bem? É que, assim, o artigo fica com uma redacção... Espero que os gramáticos não nos batam, mas, se nos baterem, temos de aguentar porque, se calhar, algum de nós levou algum "bolo" quando andava na escola a aprender o português por ter uma redacção desta qualidade… Mas, enfim, é um avanço.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente,…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, por favor não utilizemos agora o nosso tempo apenas em nome de um melhor aperfeiçoamento semântico.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, como, apesar de tudo, a única coisa que estaremos a sacrificar são alguns segundos do tempo de almoço, por mim, francamente, não me dói em excesso.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, em termos práticos não percebi.

Página 2528

 

O Sr. Presidente: - Em termos práticos, o Sr. Deputado Barbosa de Melo conformou-se com a redacção proposta pelo PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Percebi isso, Sr. Presidente, e congratulo-me muito, até pela diferença de posições registada entre ontem e hoje - é a evolução da maturação da reflexão.
Só me interrogo, Sr. Deputado, sobre onde é que estamos a desonrar os nossos professores de português e aquelas belas palmatoadas que era suposto terem-nos corrigido a propensão marginal para a asneira.
Temo-nos sempre entendido tão bem em relação à questão básica que é a língua portuguesa, a gramática e a sintaxe que não estou a ver onde está o nefando atentado. Mas, se houver,...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se me permite, Sr. Deputado, e se a sua intervenção é um pedido de esclarecimento, dou-lhe o esclarecimento.
Os cultores ensinaram-nos que a linguagem tem três propriedades fundamentais: ser precisa, concisa e clara. E também nos ensinaram que os textos jurídicos tinham de ser elaborados sob o signo da concisão, da clareza e da precisão.
Ora, este texto está longe de corresponder a isso, porque insere palavras em todo lado, cita artigos - e se calhar ainda falta algum… Enfim, está aqui uma coisa que não tem nada do estilo lapidar dos textos escritos.
Sr. Deputado, não é o vosso. O vosso agora até melhorou quanto ao fundo, porque arranjou uma perspectiva com a qual concordamos e pela qual nos temos batido desde o princípio. Só que, depois, meteu-se para aqui tanta coisa que, agora, está longe de corresponder a esse ideal de redacção dos textos constitucionais. É só isto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria só deixar uma "notícola" para "isolar" que a objecção básica do Sr. Deputado Barbosa de Melo não resulta de nenhuma das componentes que estamos a aditar mas, sim, do facto de termos preservado a redacção dos anteriores Constituintes.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Comecei por dizer isso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, de seguida, proceder a um conjunto de votações em torno do artigo 63.º.
Tendo em conta alguns aspectos metodológicos, à medida que formos votando irei consultando os Srs. Deputados, não para reabrir debates mas apenas para precisar as oportunidades de votação.
Em primeiro lugar, vamos votar uma proposta de substituição, apresentada pelo PS, que visa dar à epígrafe do artigo a seguinte redacção "Segurança Social e Solidariedade" .

Submetida a votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos, agora, Srs. Deputados, votar uma proposta de alteração do n.º 1, constante do projecto originário do CDS-PP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não vale a pena estar a votar a proposta originária do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Mesmo com a referência à subsidiariedade e à equidade, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - A referência está amplamente no programa do Governo e escusa de estar na Constituição!

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, chamo-lhe a atenção para o facto de as actas não registarem o sentido irónico das afirmações, mas apenas o sentido literal.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, não tenho gosto em me ouvir nas actas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto ao n.º 2, a proposta de alteração constante do projecto inicial do PSD foi substituída por uma outra, que aparece subscrita em conjunto pelo PSD e pelo CDS-PP.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, essa proposta também já foi substituída por uma nova proposta.

O Sr. Presidente: - A proposta subscrita pelo PS e pelo PSD também é retirada.
Sr. Deputado Calvão da Silva, as propostas que subscreveu também são retiradas?

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, vamos apenas votar uma proposta do PSD de aditamento de um novo segmento ao final do n.º 2, actual, que é do seguinte teor: " (...) a que todos os cidadãos tenham acesso segundo as exigências da justiça social".

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não admitiria fazê-la no final das votações?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É que as outras votações são diferentes, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sim, mas poderia fazer essa distinção.

Página 2529

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se o Sr. Presidente achar que tem vantagem, fica ao seu critério.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos agora votar uma proposta relativa ao n.º 3, apresentada pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto. Caso a Sr.ª Deputada não retire a proposta.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Retiro a proposta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Está retirada a proposta, Srs. Deputados.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Depois desta, podem considerar-se todas retiradas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta relativa ao n.º 2 constante do projecto originário do CDS-PP é considerada também retirada.
Segue-se uma proposta relativa ao n.º 3, com origem no projecto originário do PSD, que é do seguinte teor: "O sistema de segurança social integra instituições públicas e privadas".
Pergunto ao Sr. Deputado Marques Guedes se a proposta deve ser votada ou se entende retirá-la.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como da parte do PSD existe boa fé no entendimento do decurso dos debates, retiramos a proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ainda relativamente ao n.º 2 - e fui eu que não tive essa percepção -, há uma proposta, constante do projecto originário do Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD, que vamos votar.
Dado não se encontrarem presentes, os seus autores não se poderão pronunciar sobre o destino da proposta.
Vamos, portanto, votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e as abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais e de outras organizações representativas dos demais beneficiários.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a proposta do CDS-PP relativa ao n.º 3 também é retirada?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Já foi retirada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Portanto, devo interpretar como retiradas todas as propostas relativas a este artigo?

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Exactamente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, há uma proposta relativa ao n.º 3, também constante do projecto subscrito pelo Sr. Deputado Arménio Santos, que deveremos votar também agora.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

3 - É reconhecido o direito de constituição de instituições e entidades particulares com vista à prossecução dos objectivos de segurança social consignados neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º, as quais são regulamentadas por lei e sujeitas à fiscalização do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de n.º 4 constante do projecto subscrito pelo Sr. Deputado Arménio Santos.

Dá-se início ao processo de votação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de me certificar se o PSD vota a favor desta proposta.

O Sr. Presidente: - Ainda não dei por concluída a votação, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, o PSD abstém-se em relação a essa proposta do Sr. Deputado Arménio Santos para o n.º 4, não é verdade?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,…

O Sr. José Magalhães (PS): - É que a inovação básica dessa proposta é o segmento final que diz: " (...) salvaguardando uma protecção social mínima" . É óbvio que desejaríamos a consagração do rendimento mínimo garantido, mas se o PSD vota "salvaguardando uma protecção social mínima"...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se quiser aguardar pelo anúncio da votação... Embora já saiba o resultado!

O Sr. Presidente: - Lá se vai a equidade, Sr. Deputado Marques Guedes!
Srs. Deputados, vamos repetir a votação da proposta para o n.º 4, que significa materialmente um aditamento ao normativo actual.

Pausa.

Sr. Deputado Marques Guedes, em sua homenagem, posso repetir a votação.

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Repetir não, porque não posso estar três vezes a...

Página 2530

 

O Sr. José Magalhães (PSD): - Mas o PSD pode passar a ter uma posição solidária com o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, o PSD não hesita nas suas votações!

O Sr. Presidente: - Nunca diga desta água não beberei, Sr. Deputado!
Srs. Deputados, vou anunciar o resultado da votação.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, votos contra do PSD e abstenções do PCP, do CDS-PP e do Deputado do PSD Barbosa de Melo.

É a seguinte:

O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, salvaguardando uma protecção social mínima.

O Sr. Presidente: - Esta proposta subirá a Plenário.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desejava fazer uma declaração de voto sobre esta votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda não chegámos ao fim da votação de todos os números. Peço-lhe mais um pouco de paciência.
Srs. Deputados, há uma proposta de um novo n.º 5, cuja votação vou deixar para final.
Segue-se uma proposta de modificação do n.º 5, constante do projecto do PCP, que vamos votar.
Srs. Deputados, todos estão cientes do alcance da proposta que vamos votar?

Pausa.

Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta de alteração do n.º5 constante do projecto do PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do CDS-PP, votos a favor do PCP e abstenções do PS e do PSD.

Era a seguinte:

5 - Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, devendo ser respeitados os direitos adquiridos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento sobre esta votação?

O Sr. Presidente: - Não sei se sou capaz de lho dar!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Já agora, para que fique registada em acta, vou apresentar a minha dúvida. É que julgo que a interpretação que o Sr. Presidente faz da votação de cada partido tem a ver com o número de representantes nesta Comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria que não tivesse colocado essa questão. Teremos oportunidade de conversar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não, não está a entender! Já percebi o seu temor, mas não é isso.

O Sr. Presidente: - Os votos são tomados...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não, não é isso que vou dizer. Não estou a dizer que por estarem aqui dois representantes do PCP...

O Sr. Presidente: - Não, não, Sr. Deputado. Mas, em todo o caso, explico-lhe com todo o gosto: os votos são tomados por grupo parlamentar, excepto quando, no quadro de um mesmo grupo parlamentar, os seus Deputados votarem de maneira distinta, o que implica uma identificação das posições de voto respectivas.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Vou concretizar a minha dúvida, que não tem rigorosamente nada a ver com essa questão.
Perguntava se a consideração de votos por grupo parlamentar é pelo número de representantes do grupo parlamentar que constitui esta Comissão - neste caso dois do PP e dois do PCP - ou pela representação global que, no Plenário da Assembleia da República, assiste a cada grupo parlamentar.
Era tão-só esta a questão.

O Sr. Presidente: - É uma segunda questão que o Sr. Deputado está a colocar.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Queria deixar claro que não coloquei a primeira, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Esta questão que está a colocar, na interpretação que acaba de lhe dar, tem também alguma razão de ser e, naturalmente, então, exigirá que nós façamos aqui alguma interpretação do resultado da votação.
Mo meu entendimento - mas o meu entendimento não deve prevalecer sobre o entendimento da Comissão -, embora pudéssemos considerar que teria havido um empate técnico face ao número de representantes dos dois grupos parlamentares nesta Comissão, sabemos que a projecção desta votação sobre o Plenário, à luz da representação dos respectivos grupos parlamentares, implicaria que a proposta não fizesse aí vencimento.
Fazendo esta interpretação, considerei a proposta rejeitada, mas, naturalmente, esta interpretação só prevalecerá se tiver o entendimento da Comissão. Se outro for o entendimento da Comissão, não terei nada a objectar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Presumo que a questão nem se chega a colocar porque, ainda que se atendesse ao número de representantes na Comissão, a aprovação de uma proposta exige maioria, o que significa

Página 2531

 

necessariamente um voto mais a favor do que os votos contra.
Portanto, o empate técnico...

O Sr. Presidente: - O empate técnico obrigaria à repetição da votação e a repetição implicaria que a proposta fosse rejeitada.
Tem toda a razão, Sr. Deputado Cláudio Monteiro. E por essa interpretação vamos dar também à rejeição da proposta.
A proposta foi, portanto, rejeitada.
Passávamos, então, adiante, com a vossa concordância.
Srs. Deputados, segue-se uma proposta também de modificação do actual n.º 5, relativamente...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas devíamos fazer a segunda votação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, quer fazer essa proposta? Se a fizer, não tenho dúvida nenhuma.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, para clarificarmos, podíamos fazer uma segunda votação e arrumávamos isto uma vez por todas.

O Sr. Presidente: - Com certeza, far-se-á.
Srs. Deputados, vamos regressar ao n.º 5 do artigo 63.º, constante do projecto do PCP.
O Sr. Deputado Guilherme Silva quer discuti-la?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Os proponentes é que dirão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Podem querer convencer-nos!

O Sr. Presidente: - A proposta está apreciada e vamos submetê-la a uma segunda votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do CDS-PP, votos a favor do PCP e abstenções do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do n.º 5, constante do projecto subscrito pelo Sr. Deputado Arménio Santos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, afinal a proposta não deve ser submetida a votação porque é igual ao texto actual. Portanto, é redundante.
Srs. Deputados, temos ainda propostas para números novos, mas deixaremos a sua votação para depois da votação de um n.º 5 que significaria modificação do n.º 3 actual e, obviamente, a reclassificação dos números derivada da possibilidade de aprovação da proposta.
Trata-se da proposta constante do projecto apresentado por Deputados do PS, que figurará como n.º 5 no caso de vir a ser aprovada, implicando a reclassificação dos restantes números.
Vamos passar à votação.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo com vista à prossecução de objectivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente a números novos, há uma proposta de número novo, constante do projecto originário do PS para a consagração constitucional do rendimento mínimo aos cidadãos e às suas famílias.
Vamos passar à votação da proposta deste novo número, classificado inicialmente como n.º 5, mas que é, materialmente, um novo número.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PCP, votos contra do PSD e abstenções do CDS-PP e dos Deputados do PSD Barbosa de Melo e Calvão da Silva.

É a seguinte:

O Estado garante um rendimento mínimo aos cidadãos e às famílias que dele não disponham, na forma, do montante e nos demais termos da lei.

O Sr. Presidente: - Esta proposta subirá a Plenário.
Srs. Deputados, passamos agora à votação da proposta de um número novo, o n.º 6, constante do projecto do PCP, com o seguinte texto: "As pensões e reformas devem ser regularmente actualizadas e valorizadas em termos reais".

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda de votar uma proposta de um novo número, o n.º 7, também constante do projecto originário do PCP.
A Mesa deveria ter posto há pouco à votação esta proposta, mas por lapso não o fez.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, peço que a votação das duas propostas seja feira em separado.

O Sr. Presidente: - A que duas propostas se refere, Sr. Deputado?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - À que anunciou agora e à que foi votada há pouco, do Partido Socialista.

Página 2532

 

O Sr. Presidente: - Mas essa já está votada!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas peço para não considerar esta proposta como votada conjuntamente com a do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Não, a proposta do PCP só vai ser votada agora.
O que eu disse é que a votação desta proposta do PCP deveria ter tido lugar aquando da outra votação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, desculpe, mas...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não tem que pedir desculpa. Faça favor de usar da palavra.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não percebi se o PCP mantém a proposta exactamente como está redigida porque o sufrágio da primeira leitura revela que, em termos de expressão jurídica, a proposta diz mais do que aquilo que o PCP deseja.
Aparentemente, aquilo que o PCP deseja, infelizmente, não obteve maioria de dois terços, mas está expresso na proposta do Partido Socialista, ou seja, rendimento mínimo garantido a quem dele precisa. Não se pretende dar a virtuosas pessoas muito "possidentes" o rendimento mínimo, é só a carentes. Ora, se a Constituição dissesse "A lei assegura a todos os cidadãos...", nós todos receberíamos, obrigatoriamente, rendimento mínimo. o que, seguramente, não é o que o PCP pretende.
Portanto, o que perguntava era se, sendo certo que o objectivo do PCP era realizado com uma proposta que tivesse em conta que o rendimento mínimo é só para essas famílias que dele não disponham, mas que, infelizmente, isso não obteve aprovação por maioria de dois terços, mas, sim, aprovação conjunta, com os votos do PCP… De resto, essa proposta vai subir a Plenário, pelo que o objectivo de aí ser discutida está assegurado.
É que uma proposta que diga que damos ao estimado António Champallimaud o rendimento mínimo garantido, francamente não me parece uma proposta que faça sentido, tanto da vossa como da nossa parte.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PCP, esta alegação do Deputado José Magalhães teve visivelmente em vista que os Srs. Deputados retirassem a proposta.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Não retiramos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não retiram. São pessoas de convicções fortes!
Srs. Deputados, vamos votar a proposta.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, desejava fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: -Fá-la-á no final da votação, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Srs. Deputados, vamos, portanto, passar à votação da proposta de um novo n.º 7, constante do projecto originário do PCP.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Mas qual proposta do PCP?

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, trata-se de uma proposta do PCP que tem em vista constitucionalizar o rendimento mínimo garantido, em versão universal e obrigatória.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - E eu voto contra porque, como está no programa do Governo, não precisa de estar na Constituição.

Risos.

O Sr. Presidente: - Não, nesta versão não está. Esta é a versão PCP.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

7 - A lei assegura a todos os cidadãos um rendimento mínimo que garanta a sua subsistência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotadas as votações em torno do artigo 63.º, passamos às declarações de voto, para o que há várias inscrições.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, em vez de fazer uma declaração de voto...

O Sr. Presidente: - Certamente que o Sr. Deputado Marques Guedes compreende a razão da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a quem, portanto, dou primeiramente a palavra.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (PSD): - Sr. Presidente, não ia fazer agora uma declaração de voto. Como ela é complexa, iria, sim, apresentá-la por escrito, aliás, feita textualmente com as palavras do programa do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A minha declaração de voto tem que ver, fundamentalmente, com a votação relativa à alteração do n.º 2.
Quanto ao conteúdo, penso que o debate foi suficientemente elucidativo da concordância genérica de todas as bancadas acerca da vantagem de o sistema de segurança social ser organizado de acordo com as exigências de justiça social para os cidadãos.
Contudo, sendo as declarações de voto também actos políticos, quero aqui expressar o lamento sincero pelos

Página 2533

 

complexos e pelo fixismo de que o Partido Socialista acabou por dar prova nesta votação, no que concerne a este aspecto, tendo também, no debate de hoje, nomeadamente pela voz respeitável e respeitada do Sr. Deputado António Reis, ficado claro que o entendimento político é outro.
Portanto, com razões de fixismo e de incapacidade para democraticamente aceitar a inovação de uma coisa em que se acredita, só posso interpretar esse voto como uma dificuldade insuperável de dar corpo e expressão àquilo em que se acredita por razões outras, razões que têm que ver apenas com lógicas partidárias, o que é lamentável, apesar de tudo, do ponto de vista do PSD, em relação ao texto constitucional, quando se está a tratar de matérias de direitos sociais.
É que não estamos a tratar do sistema político, não estamos a tratar de opções que nos possam e devam dividir, em certa medida, do ponto de vista da riqueza pluralista. Estamos, sim, a tratar de direitos fundamentais, estamos a tratar dos direitos dos cidadãos, de lógicas onde, pelo menos na perspectiva do PSD, deve imperar uma universalidade e uma confluência de divisões e de interesses.
Portanto, é profundamente lamentável, do nosso ponto de vista, que não haja também esse desempoeiramento e esse despreendimento relativamente às lógicas político-partidárias por parte do Partido Socialista, acabando por reconhecer que há que vir ao encontro daquelas que são as realidades de hoje e os sentimentos políticos profundos em que nós próprios todos acreditamos.
Terminava, dizendo, Sr. Presidente, que, tratando-se, como se trata, da segunda leitura de um dos passos da revisão constitucional, que não se encerra aqui, até ao acto final de consagração da revisão constitucional em curso possa haver um despreendimento maior e uma visão mais cuidada daquilo que são os interesses e os valores que estão em presença por parte do Partido Socialista e que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista possa vir a consagrar, no texto final da Constituição, aquele que é um critério fundamental na aplicação e no desenvolvimento do sistema de segurança social, que é - se não se quer falar em equidade - o respeito pelas exigências de justiça social que aqui, mais do que em qualquer outro sector da Administração Pública - não basta estar no artigo 266.º -, é evidente que, no sistema de segurança social, a justiça social tem que ser um imperativo e um critério fundamental para toda a modelação do sistema.
Com o voto de que o Partido Socialista possa, até ao momento final de consagração da revisão constitucional, rever e deitar para trás as lógicas de conflitualidade político-partidária, expressava, em nome do PSD, a firme convicção de que esta não é uma matéria que nos deva dividir, não é uma matéria onde as lógicas partidárias devam imperar, é, sim, uma matéria onde todos nos devemos rever, e espero que assim seja até à votação final.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista congratula-se com o resultado global das votações sobre o artigo 63.º, nomeadamente com o progresso que se regista em relação aos deveres do Estado relativamente às instituições particulares de solidariedade social e outras entidades públicas que cumprem objectivos no campo da solidariedade. Trata-se de um avanço significativo, que foi viabilizado pela votação e pela iniciativa do Partido Socialista.
Relativamente aos princípios que devem enformar o sistema de segurança social, o Partido Socialista quer deixar aqui bem claro que o actual texto constitucional contempla globalmente - se lido de uma forma genérica - as preocupações que estão subjacentes, por exemplo, ao actual programa do Governo em matéria de política de segurança social. Mas, ao recusar a introdução de fórmulas específicas como aquelas que nos foram propostas pelo PSD, num esforço, aliás, louvável, de chegar a um entendimento connosco nesta matéria, quis evitar a introdução de um elemento conceptual equívoco e de eventual aplicação conflitual com os grandes princípios estruturantes do sistema de segurança social.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto individual, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - É para uma declaração de voto individual e do PSD também.

O Sr. Presidente: - Essa já foi feita, Sr. Deputado!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, queria dizer que, como já tive ocasião de vincar, sou pelo Estado-providência e quero que ele possa seguir em frente até ao fim. Por isso, exijo uma reformulação e, nessa medida, propusemos que o sistema deva ser justo.
É pena que o Partido Socialista não tenha conseguido, por razões meramente internas, cristalizar expressamente na Constituição o princípio da justiça, embora implicitamente tenha dito que já lá estava contido. A nosso ver, era obviamente uma melhoria e ainda esperamos que as contradições internas sejam resolvidas a tempo de, na versão final, poder ficar consagrado o princípio da justiça também no sistema da segurança social.
Em segundo lugar, desejava louvar o esforço que foi feito de aproximação ao reconhecimento constitucional, dando-lhe essa dignidade, das instituições particulares de solidariedade social.
Trata-se de uma realidade pujante da nossa sociedade civil que deve ser estimulada e apoiada pelo Estado. Era o que o PSD propunha e é isso que, agora, na versão aqui aprovada, com a própria iniciativa de redacção do Partido Socialista, ficará consagrado. Não tem, lamentavelmente, uma referência às misericórdias. É, no entanto, abrangida a expressão "misericórdias" pela expressão lata de instituições particulares de solidariedade social.
A História é o que é. As misericórdias são uma grande realidade e continuarão a sê-lo. Também por razões meramente internas do Partido Socialista, esta homenagem às misericórdias não fica de modo expressa. Só nisso lamentamos, mas no resto congratulamo-nos.
Em terceiro lugar, quanto ao rendimento mínimo garantido - e esta é uma opinião estritamente pessoal -, abstive-me por uma razão muito simples: sou a favor do rendimento de subsistência de qualquer cidadão em nome da dignidade humana. Onde ele não existir cabe ao Estado assegurá-lo, mas não votei a favor da sua constitucionalização

Página 2534

 

porque acho que, nesta matéria, depois do longo debate travado a nível europeu, onde esteve em discussão saber se o rendimento mínimo garantido devia ser consagrado em directiva ou em regulamento, nem sequer a directiva vingou, apesar de a grande maioria dos Estados o consagrarem e o terem já em prática. Apenas vingou uma simples recomendação aos Estados-membros da Comunidade Europeia.
É o reconhecimento, por isso, também aqui, a nível constitucional, de que não devemos constitucionalizar programas de Governo, devemos ficar pelas grandes linhas. E o rendimento mínimo garantido é possível ao Partido Socialista, hoje, como se o consagrássemos não seria possível não introduzi-lo ou até retirá-lo se, entretanto, já estivesse em prática um partido que diferentemente pensasse e que, pelo voto popular, ganhasse as eleições.
Só por isso, não sou a fazer da sua constitucionalização mas, materialmente, sou a favor da ideia.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, relativamente ao n.º 2 do artigo 63.º, queria congratular-me por, pelo menos com a minha intervenção, ter contribuído para que o PSD encontrasse uma fórmula ainda mais feliz do que aquela que já tinha proposto e que já continha aspectos positivos.
Obviamente que lamento o facto de não ter sido possível obter a maioria necessária para a sua aprovação. Porém, o facto de não ter sido obtida a maioria necessária para a subida automática a Plenário também não prejudicará que os seus proponentes a possam levar a Plenário, se assim o entenderem.
Gostaria ainda de dizer, como já ontem o fiz, que, nessa matéria, aqueles que reclamam do centrismo não o entendem como um posicionamento geométrico ideológico mas, sim, como uma atitude de moderação e de bom senso, capaz de olhar à direita e à esquerda quando a razão está num lado ou no outro.
Neste caso, em particular, pareceu-me, de facto, encontrar essa razão do outro lado da bancada em que me encontro actualmente sentado, porque me parecia de elementar bom senso introduzir um critério de justiça social na Constituição, não porque seja impossível realizá-la com o texto constitucional em vigor porque, apesar de tudo, a Constituição contém os grandes princípios estruturantes do nosso Estado e, em consequência, da nossa vida social e, por essa razão, esse deve ser um dos princípios estruturantes e, portanto, deve ser um princípio consagrado constitucionalmente.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que, se me permitir, apresentaremos uma declaração de voto por escrito logo que seja possível.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, desejo apenas fazer uma declaração de voto pessoal para justificar o voto que adoptei nos projectos subscritos pelo Deputado Arménio Santos e pelo PS. Apesar de serem diferentes, abstive-me em relação aos dois no ponto em que prevêem salvaguardar uma protecção social mínima aos cidadãos e às famílias que dela careçam.
É minha convicção profunda, e sem tergiversações, que a nossa Constituição garante a todos o mínimo de existência.
Estas duas propostas não são inovadoras. A ideia que está no artigo 2.º da Constituição de que a República Portuguesa tem por objectivo a realização da democracia social, ligada à ideia da dignidade humana afirmada logo no pórtico da Constituição - aliás, é o primeiro valor que aí se afirma -, significam que, na ordem normativa, e, portanto, dentro do Estado de direito, como dever de todos, está o garantir a cada um dos concidadãos que disso carecerem o mínimo de existência.
É isto o elementar do Estado social.
Se a votação que me foi proposta fosse no sentido de se eu ia consagrar isso ou não, teria votado a favor das propostas. Abstive-me só porque o que nelas há de positivo já está consagrado nessa ideia fundamentante da nossa própria República.
Queria, pois, só deixar isto claro.
Em suma, se estas votações tivessem sido constitutivas, teria votado a favor.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também queria exprimir, em termos de declaração de voto, a congratulação pela circunstância de este debate, extremamente rico, que tivemos ocasião de travar nesta Comissão, ter podido contribuir, designadamente, para alcançar uma amplitude de objecto relativamente ao actual artigo 63.º.
Não estamos já e apenas numa perspectiva de segurança social mas numa perspectiva de segurança social e de solidariedade. E o passo inovador que registamos foi o de conferir ao Estado um particular papel no apoio às instituições que da sociedade civil possam emergir, no sentido de cooperarem para as funções da solidariedade e da segurança social.
Neste sentido, o passo qualitativo deve ser registado.
Srs. Deputados, a meu ver este debate, nalguns momentos, parece ter passado por uma espécie de princípio do paradoxo. Constatei que algumas votações foram produzidas no sentido de admitir a consagração de um princípio de justiça social que, em todo o caso, por integração sistemática de todos os objectivos constitucionais, jamais pode estar ausente na interpretação dos objectivos públicos de segurança social. Mas constatei também que, no momento da concretização em sede deste artigo de um objectivo de solidariedade social máximo, qual era o de garantir o rendimento mínimo a todos os cidadãos dele carecidos, não foi possível alcançar, desde já, essa possibilidade.
Alguém aqui disse que daqui até ao Plenário alguma reflexão ainda poderia subsistir relativamente ao normativo do artigo 63.º. Também faço minhas essas palavras, designadamente quanto à possibilidade de uma proposta aqui aprovada, que não obteve a maioria de dois terços, poder vir a consagrar essa maioria, em vista de tornar inequívoco que a solidariedade com todos os portugueses é uma solidariedade na garantia de que todos eles possam ter um rendimento mínimo.

Página 2535

 

Se, para além de um princípio constitucional, a própria Constituição assegurasse a concretização desse objectivo em sede de artigo sobre a solidariedade, teríamos dado um segundo grande passo. E estamos, porventura, ainda a todo o tempo de o alcançar.
Srs. Deputados, posto isto, gostaria apenas de sublinhar que, na sequência das votações que já fizemos, o artigo 72.º-A foi retirado, por razões de ter esgotado o seu contributo útil para o debate.
Srs. Deputados, vamos dar por findos os nossos trabalhos de hoje, os quais retomaremos na próxima terça-feira, às 10 horas da manhã.
Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 45 minutos.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual

Página 2536

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×