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Sábado, 17 de Maio de 1997 II Série - RC - Número 92
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 16 de Maio de 1997
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 21 horas e 45 minutos.
Concluiu-se o debate e votação das propostas de alteração ao artigo 65.º e procedeu-se à apreciação e votação das relativas aos artigos 71.º, 72.º e 73.º.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Carlos Encarnação e Moreira da Silva (PSD), António Filipe (PCP), Calvão da Silva e Pedro Vinha da Costa (PSD), José Magalhães (PS), Carlos Coelho (PSD), Luísa Mesquita (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP) e Celeste Correia (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 0 horas e 5 minutos do dia seguinte.
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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 21 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, estamos em sede de artigo 65.º, relativamente ao qual já apreciámos os n.os 1 e 2, tendo votado a matéria pendente quanto às várias alíneas do n.º 2. Introduzimos uma nova alínea, e o que está agora pendente é saber se, sim ou não, haverá realinhamento na ordem das alíneas do n.º 2, conforme algumas propostas o sugeriam.
A primeira questão que coloco à vossa consideração é a seguinte: a nova alínea votada, constante da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, reporta-se a funções do Estado em cooperação com as autarquias locais em matéria de habitação social. Refiro-me, portanto, à alínea c) da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, votada favoravelmente na última reunião.
É meu parecer, conversando, aliás, com o autor, que, dado a alínea a) reportar-se à programação como incumbência pública e esta nova alínea também se reportar à promoção como incumbência pública, faria sentido que a nova alínea fosse qualificada como nova alínea b).
Portanto, a minha sugestão é que esta alínea votada seja alinhada como nova alínea b).
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de fazer uma interpelação relacionada com os trabalhos.
Sendo do nosso conhecimento que, neste momento, está a decorrer a apresentação do livro do Sr. Deputado Manuel Alegre, não sei se não seria elegante da nossa parte suspendermos os trabalhos por 15 minutos, de forma a que cheguem os Srs. Deputados, designadamente do PSD, que estão nessa cerimónia.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, eu, como Presidente em exercício desta Comissão, teria muito gosto pessoal, como pode imaginar, em poder estar a acompanhar o lançamento do livro do Sr. Deputado Manuel Alegre, mas, infelizmente para mim, não me foi possível estar presente.
Era minha responsabilidade abrir esta reunião, o que fiz. A reunião tem o quórum necessário, pelo que não posso agora invocar um factor externo à Comissão, por muito que pessoalmente me agradasse poder invocá-lo, para suspender trabalhos de uma reunião que, neste momento, tem condições regimentais para poder funcionar.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Está certo, Sr. Presidente.
A minha ideia era só a de permitir que chegassem os Srs. Deputados, particularmente os da bancada do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos a fazer uma avaliação das alíneas constantes do n.º 2 do artigo 65.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, peço a atenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pois a sua proposta vai no mesmo sentido da observação que vou fazer e que também decorre da proposta do Partido Social-Democrata.
Como o Sr. Presidente sabe, uma das coisas que o PSD propõe, que, de resto, o Sr. Presidente ainda não colocou à votação - e não inocentemente o PSD o propõe -, é a passagem da actual alínea c) para alínea b) por troca, no texto constitucional, com a actual alínea b), relativamente à qual o PSD não propõe qualquer alteração mas, sim, um realinhamento. Esse realinhamento tem que ver, exactamente, do ponto de vista do PSD, com uma lógica de hierarquia de prioridades em termos das incumbências no âmbito do objectivo de assegurar o direito à habitação. De resto, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fazia algo de semelhante no seu projecto de revisão constitucional.
Nesse sentido, sendo certo que deve manter-se a alínea a) - é para nós indiscutível, como já decorria da nossa proposta, que a alínea a) deve manter-se a actual -, estaremos disponíveis para passar a nova alínea, que tem que ver com uma atitude do Estado de promoção, para alínea c), desde que o estímulo à construção e ao acesso à habitação própria ou arrendada possa passar para a alínea b).
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em todo o caso, penso que seria possível um compromisso diferente, mantendo a alínea a) actual - e nisso já concordámos.
Como a nova alínea se reporta ao exercício de responsabilidades públicas directas, havendo, nesse sentido, um entrosamento maior com a alínea a) já fixada, não seria irracional que essa nova alínea viesse a figurar como b). Pergunto ao PSD se, nessa circunstância, não se conformaria com a possibilidade de alterar a hierarquia entre as duas alíneas restantes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Deixe-me ver se percebi bem, Sr. Presidente.
Portanto, a proposta que o Sr. Presidente faz agora é no sentido de a alínea a) ficar como está, a alínea b) referir-se à promoção da habitação social,…
O Sr. Presidente: * E trocar as alíneas b) e c) actuais.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - …a alínea c) passar a ser aquela que se refere ao acesso à habitação própria ou arrendada e a última alínea passar a ser a do incentivo às iniciativas locais.
O Sr. Presidente: * Exactamente! E era aceitável!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Mas sugeria que não fizéssemos disto um caso.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, Sr. Presidente, quero só chamar a atenção para um aspecto.
Obviamente, mantendo-se a alínea a), embora no meu projecto originário não se mantivesse, faz todo o sentido que ela seja a primeira, porque tem que ver com a definição da política. Não é tanto por se tratar de incumbência
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do Estado, ou não, mas porque tem que ver com a definição da política, que é, obviamente, prioritária em relação a quaisquer medidas que resultem da execução da mesma.
Porém, quanto ao mais, julgo que a nova alínea votada - das duas uma - ou será alínea b) ou será alínea d), consoante vença ou não a proposta de troca das actuais alíneas b) e c) proposta pelo PSD e por mim próprio.
O Sr. Presidente: * Mas a minha sugestão vai nesse sentido!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Pela razão simples de que, mantendo-se o espírito originário do texto constitucional, faz sentido…
O Sr. Presidente: * Se a nova alínea for b), fazem sentido as duas restantes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, peço desculpa, mas não entendo.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a sugestão é a seguinte: a alínea a) mantém-se; a nova alínea proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro passaria à nova alínea b)…
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * A nova alínea é o quê? É a alínea c) antiga?
O Sr. Presidente: * É a alínea c) do projecto originário do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Era isso que eu estava a perceber, Sr. Presidente.
Portanto, essa alínea passaria a alínea b). E as outras duas, mantinham a ordem em que estão ou trocavam, como é proposto pelo PSD?
O Sr. Presidente: * Trocavam.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, após o seu esclarecimento, havendo, de facto, alteração entre as alíneas b) e c), conforme propúnhamos, o PSD não se oporá. Concordamos que a nova alínea se intercale entre a alínea a) e a referente ao "estimular", desde que haja essas duas alterações.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, podemos dar esta matéria por consensual, ou alguém requer que seja votada? Trata-se apenas de uma readaptação dentro dos mesmos conteúdos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É melhor ser votada, até porque se trata de uma proposta do PSD que ainda não tinha sido colocada à votação.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, então votamos em bloco a nova solução adquirida.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, isto altera um pouco aquilo que estava proposto, uma vez que a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro não era exactamente esta, havendo aqui uma diferença qualitativa em relação à formulação do n.º 2.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, inclusivamente, propunha a supressão da actual alínea a).
Portanto, estamos a reordenar dentro de um pressuposto, que é a fixação da alínea a), que não foi alterada, aliás, foi alterada, sim, mas não substituída.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Mas penso que não era exactamente isso que o Sr. Deputado pretendia!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, se me permite, quero referir que há pouco, sugeri que fosse votada a inversão das actuais alíneas b) e c) e, em função do resultado dessa votação, a nova alínea já votada deveria ser b) ou d), consoante se mantivesse a lógica actual do texto constitucional ou passasse a vigorar uma nova lógica, segundo a qual, de alguma forma, está ínsito o princípio da subsidariedade. Estando ínsito o princípio da solidariedade, a alínea votada ontem só faria sentido que fosse a alínea d), porque o Estado só interviria nesse momento.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, mantenho a sugestão há pouco feita.
Vamos passar à votação. Trata-se de uma proposta comum, envolvendo a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para um realinhamento das alíneas do n.º 2 do artigo 65.º, com a integração de uma nova alínea: a actual alínea a) manter-se-á como a); a nova alínea proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro será a b); a actual alínea b) passará para d); e a c) mantém-se.
Srs. Deputados, vamos passar à votação desta proposta de alinhamento das alíneas do n.º 2 do artigo 65.º.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-CDS-PP e a abstenção do PCP.
É a seguinte:
a) (actual texto modificado);
b) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) (actual alínea c) modificada);
d) (actual alínea b)).
O Sr. Presidente: * Vamos, agora, passar a apreciar o n.º 4 do artigo 65.º proposto pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas, antes de mais, pergunto ao Sr. Deputado se abdica de propor a eliminação do n.º 3 actual.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * A benefício do consenso!
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Cláudio Monteiro apresentou, para os n.os 3 e 4 do artigo 65.º constante do seu projecto, uma proposta nova de substituição, que agora está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta de substituição apresentada resulta não só da primeira leitura, como inclusive das conversações que entretanto foi sendo possível manter com os representantes dos vários grupos parlamentares. Fundamentalmente, tem o seguinte objectivo: o artigo 65.º, n.º 4, em vigor resulta da revisão constitucional de 1989, na qual, como se sabe, foi suprimido o princípio da apropriação e municipalização dos solos públicos.
Em função dessa alteração constitucional resultou uma redacção que tem permitido gerar alguns equívocos e que, porventura, não oferece soluções para as questões.
Julgo que importa corrigir os equívocos, para além de que - e considero ser esta uma das mais-valias da proposta - também é necessário introduzir algumas alterações para dar cobertura constitucional a algumas questões que têm permitido gerar alguma polémica e alguma dúvida na interpretação dos preceitos constitucionais em vigor.
Essencialmente o que é que se pretende e o que é que não se pretende? Pretende-se, por um lado, clarificar que há uma diferença fundamental na intervenção pública em matéria de solos, que se traduz num regime diferenciado entre os solos expropriados, isto é aqueles que são necessários para prosseguir fins de utilidade pública urbanística, e os demais solos, em relação aos quais, mantendo-se esses na propriedade privada, o que importa é estabelecer a cobertura constitucional para que seja possível, designadamente através de instrumentos de planeamento, definir as respectivas regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Nessa reformulação desaparece a referência originária do texto constitucional ao controlo do parque imobiliário urbano, a qual, fazendo sentido na lógica originária do preceito, que previa a progressiva nacionalização e municipalização dos solos, deixa de fazer sentido no contexto actual, sendo certo que aquilo que continua a ser relevante nessa matéria continua a ser salvaguardado pelo preceito proposto. Porquê? Porque o que é fundamental nessa matéria é que, relativamente ao solo já edificado, e, portanto, ao parque urbano já construído, ou ao parque imobiliário já construído, continuem a subsistir os poderes públicos que impliquem o estabelecimento de deveres de conservação para os proprietários e a possibilidade da intervenção pública, designadamente quando esses deveres não são cumpridos.
Desta forma, garante-se nomeadamente a possibilidade de o Estado e/ou as autarquias locais, consoante as circunstâncias, imporem a realização de obras coercivas de conservação, o que continua a ser salvaguardado pela referência explícita no preceito proposto à necessidade de se estabelecerem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos. E manter os edifícios em bom estado de conservação não é mais do que manter as suas condições de uso, porque a referência ao uso não surge apenas para o licenciamento da primeira utilização, surge também, obviamente, naquilo que diz respeito às regras de manutenção do uso adequado e do bom estado de conservação dos edifícios.
Por outro lado, o que continua a ser relevante é mantido no preceito porque o solo construído não deixa de ser solo urbano pela circunstância de estar construído. Como é evidente, o conceito de solo urbano é um conceito de classificação do solo em função de um determinado zonamento, pelo que, evidentemente, o parque imobiliário construído em solo urbano continua abrangido pelo solo urbano e, portanto, não está excluído da definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Nesse sentido, não há perda nenhuma em relação ao conteúdo útil da expressão contida na redacção actual e que mantém esse sentido útil com a referência à definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Por outro lado, a circunstância de ser feita uma referência única e exclusivamente às expropriações necessárias para a persecução de fins de interesse público urbanístico, obviamente, não prejudica todas as demais expropriações necessárias para fins de utilidade pública diversa que não a urbanística, porque essas continuam a ter, obviamente, cobertura constitucional no artigo 62.º e não passaria pela cabeça de ninguém que, por via do artigo 65.º, o Estado e as autarquias locais apenas pudessem expropriar solos para estes fins e não para outros fins de utilidade pública que a lei possa eventualmente estabelecer.
A circunstância de haver uma referência expressa aos fins de utilidade pública urbanística tem que ver, por um lado, com o facto de o âmbito do preceito dizer respeito à habitação, propondo-se a utilização da palavra urbanismo para dar melhor cobertura ao conteúdo normativo do artigo e, por outro lado, com o facto de a referência às expropriações surgir fundamentalmente para distinguir o diferente posicionamento dos poderes públicos em relação aos solos, em função da qualidade do seu proprietário, isto é, para distinguir os casos em que, de acordo com o princípio estrito de proporcionalidade, o Estado e as autarquias locais possam expropriar os solos para fins de utilidade pública urbanística apenas quando se revele necessário dos demais casos, em que os solos se mantêm na propriedade privada, mas em que, apesar de tudo, e como é óbvio, é necessário que os poderes públicos possam intervir, nomeadamente definindo as respectivas regras de ocupação, uso e transformação dos solos.
Dado que isso é feito, em regra, através de instrumentos de planeamento, é importante que haja uma referência expressa a este nível para evitar que se questione a cobertura constitucional dos planos, designadamente dos planos urbanísticos, na medida em que se possa, eventualmente, interpretar que esses planos, de alguma forma, interferem com o direito de propriedade privada e, por essa razão, estariam na alçada da reserva de lei da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias e em particular dos de natureza análoga, entre os quais está o direito de propriedade privada.
Portanto, é importante que haja esta referência para haver uma cobertura constitucional expressa dessa intervenção, que aliás, julgo, é obviamente pacífica e não suscita quaisquer dúvidas.
Por outro lado, julgo que a redacção encontrada tem a virtualidade de não interferir em nenhuma polémica doutrinária, designadamente sobre a natureza jurídica do direito de construir ou da faculdade de construir, normalmente referenciado pelo jus aedificandi, porque, sem prejuízo da interpretação que cada um de nós possa fazer sobre esta matéria, obviamente, a expressão "definir as regras de ocupação, uso e transformação dos solos" não significa necessariamente uma opção clara do legislador constituinte no sentido de entender que o direito de construir é inerente ao direito de propriedade privada ou, no sentido inverso, de entender que o direito de construir é uma faculdade que apenas é conferida aos particulares pelos poderes públicos.
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Isto é, a redacção é suficientemente flexível para, em função da sua interpretação conjugada com outras normas e da interpretação feita com base em princípios que cada um encontre no texto constitucional ou nas leis em vigor, deixar intacta uma polémica doutrinária de algum vulto, pelo menos nos tempos que correm, sobre a chamada natureza jurídica do jus aedificandi.
Portanto, por esta via também não se pretende intervir na querela e resolvê-la no texto constitucional, pelo menos de forma expressa, isto é, esta disposição, conjugada com outras, permitirá a cada um a interpretação que entenda ser a correcta e defender as posições doutrinárias que entenda sobre essa matéria.
Portanto, julgo que o preceito tem a vantagem de encontrar o consenso suficiente, por um lado, sobre aquilo que ele é e, por outro, também sobre aquilo que ele não é, designadamente por aquilo que ele não representa em termos de eventual regresso em relação ao texto em vigor e ao que resulta da revisão de 1989.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, gostava de dar o meu apoio a esta proposta, embora deva dizer também que louvo o esforço de consenso gerado pela proposta de substituição, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, na medida em que eu próprio estaria favorável a aceitar a redacção originária dos n.os 3 e 4 do seu projecto, pois, parece-me que trazia benfeitorias que agora se perderão um pouco.
De qualquer forma, entendo que a proposta que estamos a discutir beneficia sensivelmente o texto do actual n.º 4 do artigo 65.º, trazendo uma melhoria substancial relativamente ao papel do Estado e das autarquias locais a nível urbanístico e dos instrumentos de planificação e de ordenamento do território.
Sugeria, no entanto - permitia-me fazê-lo -, uma tentativa de simplificação do texto proposto. Penso que ganharíamos, se assim o seu proponente visse utilidade, em simplificar a frase que introduziu de "definir as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos". Percebo a razão porque assim a transcreve, mas talvez pudéssemos manter o texto do artigo 65.º, n.º 4, quanto ao respectivo direito de utilização, apenas com uma fórmula mais sintética e já com algum estudo feito sobre ela, de forma a sintetizar a ideia que aqui nos apresenta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de fazer a seguinte reflexão em relação à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro: é evidente que esta proposta contém em si elementos muitíssimo importantes. Não é, de facto, uma mera alteração de equilíbrio na redacção do n.º 4, e entende-se bem o alcance dela que, depois da explicação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, ainda fiquei a compreender melhor.
Todavia, chamo a atenção para uma questão, que se prende mais com a redacção, mas que não é despicienda, e que também já a reveria na sua proposta anterior, porque penso que haveria algum benefício na alteração da ordem da redacção.
Se estivesse de acordo, o que eu diria nesta redacção era exactamente o contrário; diria que o Estado e as autarquias locais definem as regras e procedem à expropriação dos solos, porque isso é que faz sentido. Na verdade, há primeiro uma definição de regras de ocupação, uso e transformação, trata-se do desenho de uma determinada política em relação à utilização dos solos, e na sequência disso é que haverá, eventualmente, lugar às expropriações de solos que servem essa política que é assim desenhada, e nunca ao contrário. Por isso, penso que esta alteração da redacção é significativa e que será útil.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, a sugestão está feita.
Pergunto aos Srs. Deputados se aceitam sem reserva esta sugestão de alteração dos termos que o Sr. Deputado Carlos Encarnação acabou de fazer.
Pausa.
Pela reacção do proponente vejo que sim.
Assim sendo, a parte inicial da norma passaria para a parte final, tendo em vista que a parte inicial é a instrumental para a concretização das finalidades de boa ocupação, uso e transformação dos solos urbanos.
Vou então ler a redacção que é proposta: "O Estado e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística".
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, damos acordo integral a esta redacção.
O Sr. Presidente: * Muito bem. Ninguém objecta?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ia colocar duas questões ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas antes peço para me facultarem o texto escrito, porque a minha dúvida tinha a ver com pequenas alterações na redacção actual e tenho que ver se no texto escrito as minhas sugestões continuam a fazer sentido.
Há uma questão que resulta do actual texto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro que não me parece de somenos importância, pelo que, creio, a jurisprudência das cautelas levaria a manter o texto actual.
O texto actual fala de expropriação de solos urbanos e a redacção que nos é proposta fala apenas na expropriação dos solos. As alterações na Constituição valem o que valem e, no contexto do texto actual, eu propunha uma alternativa que era a de fazer constar do texto a expressão "a expropriação dos solos urbanos que se revelem necessários" e "(…)a definição as regras das respectiva ocupação, uso e transformação (…)" para não se repetir à frente a expressão "solos urbanos". Penso que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro retirou a palavra "urbanos" no início do texto apenas para não a repetir.
Agora quero ver como é que fica na nova redacção.
O Sr. Presidente: * Fica tautológico.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não fica.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É preciso ver como é que está o segmento final agora; é preciso ver a concordância.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A dúvida poderia fazer sentido, não fosse o aditamento da expressão "fins de utilidade pública urbanística". Por um lado, em rigor, o problema não se coloca porque, como eu disse há pouco, as outras expropriações sempre serão possíveis, nos termos gerais, de acordo com o artigo 62.º e, portanto, essa questão não seria particularmente decisiva. Mas mesmo admitindo, como admito, que ela tem pertinência neste quadro em que se está apenas a discutir apenas urbanismo, o problema passa a estar resolvido a partir do momento em que é definida a utilidade pública urbanística dos solos, o que pressupõe a sua classificação como solos aptos a fins urbanos. Portanto, o problema da qualificação dos solos fica resolvido com a própria declaração de utilidade pública, se por alguma razão não fosse já, e a declaração de utilidade pública também está subordinada aos planos municipais. Portanto, por essa via, a sua preocupação está salvaguardada.
Por outro lado, a proposta do Sr. Deputado Carlos Encarnação faz todo o sentido. Só não a propus para que não fosse interpretado como uma excessiva alteração ao texto constitucional, mas já resulta do texto constitucional o princípio da personalidade, segundo o qual os solos só são expropriados quando necessário, razão pela qual faz sentido que seja colocada, em primeiro lugar a expressão "definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos".
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já agora dou como boa a primeira explicação.
A segunda sugestão que coloco é a seguinte: independentemente da nova formulação que vamos ver como é que tem que se fazer, a parte final da proposta diz: "no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo". Chamo, no entanto, à atenção para o facto de a norma ter dois conteúdos úteis: por um lado, a definição de regras e, por outro lado, as expropriações.
É evidente que as expropriações obedecem não apenas às leis de ordenamento, mas também ao código das expropriações, que é uma lei própria e, como sabemos, ainda por cima, as autarquias não têm competências próprias para determinar a expropriação.
No contexto actual, sugiro que a proposta diga apenas "no quadro da lei", porque da lei não só fazem parte as leis de ordenamento do território e urbanismo, como também o código das expropriações. São dois aspectos diferentes, já que há dois segmentos diferentes nesta norma, isto é, há a questão das regras de ocupação, uso e transformação de solos e há a das expropriações, o que são leis diferentes.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A referência às leis de ordenamento do território e urbanismo tem a ver exclusivamente com o primeiro segmento da norma e não com o segundo e, portanto, a questão verdadeiramente não se coloca.
O segundo segmento, obviamente, resulta do enquadramento constitucional e legal das expropriações.
O Sr. Presidente: * Está clarificado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, a nova redacção passa a ser a seguinte: "O Estado e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações de solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística".
Sr. Presidente, dou-me por satisfeito com esta redacção.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, penso que é meritório esse esforço de consenso, mas agradecia que o texto fosse distribuído antes de ser votado.
Estamos receptivos em relação à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, em termos gerais, sobretudo com a explicitação que fez de que a formulação adoptada não esvazia, pelo contrário, contém o sentido útil do actual n.º 4 no que se refere ao controlo efectivo do parque imobiliário.
Relativamente às alterações introduzidas na sequência deste processo de diálogo, à partida, há também receptividade da nossa parte, mas sob reserva de pudermos ver o texto, na medida em que ele foi lido, mas não de forma suficiente a que pudesse ser apreendido em toda a sua extensão.
O Sr. Presidente: * Mas, Sr. Deputado António Filipe, não se julga, neste momento, em condições de votar?
Então, se me permite, volto a ler o texto: "O Estado e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística".
Srs. Deputados, se estamos todos em condições, procederíamos à votação da proposta de substituição do n.º 4 do artigo 65.º, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.
É a seguinte:
4 - O Estado e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
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O Sr. Presidente: * A proposta que foi agora aprovada substitui o actual n.º 4 do artigo 65.º.
Vamos, agora, apreciar o aditamento de um novo n.º 5 ao artigo 65.º, constante da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Consta do projecto originário o seguinte: "É garantida a participação dos interessados, directamente ou por intermédio das suas associações, na elaboração e na execução de instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território".
Srs. Deputados, está aqui uma porta aberta para a consagração constitucional de modalidades de participação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, embora gostasse de ver a proposta mais reduzida, devo dizer, para já, que dou o meu inteiro apoio porque - penso que já deve ter sido referido na primeira leitura - o princípio geral da participação na formação das decisões, do artigo 267.º da Constituição, e este que consta do artigo 65.º são diferentes e, por isso, parece-me de toda a utilidade constitucional a referência a este princípio especial da participação na formação dos planeamentos urbanísticos no n.º 5 do artigo 65.º.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Deputado Cláudio Monteiro, em benefício da autoria.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em benefício do autor material, que não sou eu próprio, é o Prof. Jorge Miranda.
Sem prejuízo da redacção proposta ser uma redacção formulada por mim, como não tive oportunidade de fazer a defesa da proposta na primeira leitura, queria só fazer esta referência de que a autoria material, como podem, aliás, confrontar com o projecto apresentado pelo Prof. Jorge Miranda, em última análise, não é minha, é dele.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pese embora, no debate interno que fizemos, o Sr. Deputado Moreira da Silva já tenha expressado internamente dentro do PSD a sua posição, que é convicta e obviamente respeitada, embora concordemos com a motivação, que, de resto, é a mesma que o Sr. Deputado Moreira da Silva tem para dar a sua adesão pessoal a esta proposta, o problema que temos é outro.
O problema não é a concordância com a substância do que aqui está, é o facto de entendermos que, a constitucionalizarmos este princípio da garantia de participação dos interessados neste tipo de direito, haveria muitos outros direitos previstos constitucionalmente, que, sistematicamente - em alguns casos até por razões socialmente mais curiais -, a Constituição deveria também passar a contemplar.
Portanto, o PSD entende que, numa lógica de hierarquização de prioridades, constitucionalizar esta matéria sem o fazer em relação a uma série de outras coisas poderia levar a uma leitura diferente do nosso entendimento sobre o direito de participação dos cidadãos na defesa de muitos e importantes dos actos da administração que mexam directamente com direitos fundamentais seus e, por isso, apenas por essa razão e não por discordar da participação neste caso, entendemos que a constitucionalização não deve ter lugar.
Queria dizer isto para que não haja equívocos relativamente à posição do PSD.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não estamos a abrir uma nova discussão sobre a norma?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Gostaria de fazer um apelo ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: * Faça lá muito sinteticamente o apelo, desde que seja veemente.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Faço um apelo pelo menos à sua abstenção, para que ponderasse melhor tendo em vista a discussão no Plenário, com o seguinte fundamento: tenho notado da parte do PSD alguma preocupação nesta revisão constitucional, designadamente no que respeita à consagração de direitos ambientais, pois tenho notado que o PSD tem dado alguma relevância às questões ambientais.
Pela minha parte, tenho a noção de que, por vezes, o discurso ambientalista perde o homem como o seu centro, sobretudo no meio em que vivemos, que é fundamentalmente urbano e onde as questões de qualidade de vida e de ambiente urbano devem ter uma preocupação, se não maior pelo menos tão digna como aquelas que se dão às questões ambientais.
Portanto, nesta perspectiva, julgo que o direito de participação viria dar um contributo forte a que essa dignidade fosse, pelo menos, equiparada e apelava à sua abstenção em benefício de melhor ponderação até à votação no Plenário.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para eu poder admitir a abstenção há uma questão que me parece curial.
Não quis entrar na discussão de fundo, mas, uma vez que me é colocado esse desafio, devo dizer, com toda a franqueza, que, da parte do PSD, como se deve ter depreendido da minha declaração, subsistem grandes dúvidas sobre o que é que quer dizer "por intermédio das suas associações" (não sendo esta a questão mais importante) e ainda "garantia de participação dos interessados na execução". É que, a participação dos interessados, tal como entendemos, tem que ver com a elaboração dos instrumentos, com as audições públicas, com todos os mecanismos de participação dos cidadãos e das comunidades na aprovação deste tipo de instrumentos de planeamento que hoje em dia já existem.
Não conseguimos entender qual é a concretização prática da garantia de participação dos interessados na execução de instrumentos de planeamento.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pergunto-lhe se admite, sem mais considerações, que a sua norma seja expurgada de algumas das suas partes para passar a ter a seguinte redacção a benefício de ganho de voto da parte do PSD: "É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território".
Pausa.
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O Sr. Deputado Cláudio Monteiro dá o seu assentimento para o expurgo da norma nos termos que resultaram da minha leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * E sai a referência às associações?
O Sr. Presidente: * Sai o segmento "directamente ou por intermédio das suas associações" e depois a expressão "e na execução".
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, de facto, do nosso ponto de vista, pensamos que a disposição ficaria melhor tal como foi proposta pelo autor, na medida em que, desde logo, nos parece que faz todo o sentido a referência às associações.
Estamos a discutir questões que não dizem respeito, por norma, apenas a um cidadão isolado mas, sim, normalmente, a uma comunidade, a um grupo significativo de cidadãos, portanto faz todo o sentido que hajam associações representativas, designadamente, de interesses difusos, relativamente aos quais haja toda a vantagem em permitir a participação dessas associações na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico. Daí parecer-nos que faz muito sentido manter uma referência à possibilidade de as associações representativas dos cidadãos participarem na elaboração destes instrumentos.
Evidentemente que a norma, ainda que expurgada deste elemento, nos parece importante e relevante. Ela continua a fazer algum sentido e não conseguimos compreender o que é que tanto preocupa o PSD relativamente à aprovação de uma proposta deste tipo.
Disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que já hoje estão previstas na lei formas de participação, o que em nada prejudica a constitucionalização deste princípio, portanto, não percebemos, efectivamente, quais são as razões da objecção que o PSD formula e até gostaríamos de percebê-las melhor.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não há nenhuma proposta nova. Os Srs. Deputados, a começar pelo autor inicial da proposta, deram o assentimento para que a norma ficasse mais enxuta, eventualmente, mais empobrecida, mas a ganho de poder ser constitucionalmente introduzida. Se chegámos a este consenso, Srs. Deputados, estamos em condições de votar.
Os Srs. Deputados, depois, podem deixar em acta as vossas relativas frustrações pelo facto de a norma não ficar tão perfeita quanto inicialmente alguns gostariam.
Srs. Deputados, então, com a vossa concordância, vamos passar à votação da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de aditamento de um n.º 5 ao artigo 65.º, com uma nova redacção.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados do PSD Calvão da Silva, Moreira da Silva e Pedro da Vinha Costa e a abstenção do PSD.
Pausa.
Srs. Deputados, talvez tenhamos de voltar a repetir a votação, porque confesso o meu equívoco enquanto Presidente, pois ao ter proposto o enxugar da norma a benefício de ela ganhar o voto do PSD com isso induzi em erro alguns Deputados, porque, nesse caso, provavelmente, prefeririam que a norma não fosse alterada na sua matriz originária.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ...
O Sr. Presidente: - De facto, a alteração foi proposta a benefício de um consenso alargado e confesso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o senhor também tem de compreender o sentido com que fiz a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Desculpe, mas está em acta. Quando o Sr. Presidente se preparava para pôr a proposta à votação, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, depois de eu ter dito que o PSD votaria contra e as razões pelas quais o faria, fez-me um apelo para que eu ponderasse a minha posição de voto no sentido da abstenção, por forma a podermos reflectir sobre esta proposta até à sua votação em Plenário, ao que eu respondi que ponderaria abster-me desde que fossem retiradas algumas expressões constantes da sua proposta.
Portanto, como ele aceitou, eu abstive-me. Foi isto que me foi sugerido, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, assim sendo, registo, de novo, a votação a que procedemos, relativa à proposta de aditamento de um n.º 5 ao artigo 65.º.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e dos Deputados do PSD Calvão da Silva, Moreira da Silva e Pedro da Vinha Costa e a abstenção do PSD.
É a seguinte:
5 - É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para uma declaração de voto.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, quero apenas dizer que também foi com estranheza que verificámos a abstenção do PSD, que com isso inviabilizou uma maioria de dois terços, depois de termos assistido ao esforço que o Sr. Presidente fez para conseguir encontrar uma formulação de consenso, embora ela, do nosso ponto de vista, quando comparada com a proposta originária, empobrecesse a norma, o que prova, Sr. Presidente, que ser gestor de negócios do PSD quase nunca dá bom resultado.
O Sr. Presidente: * Desta vez não deu, manifestamente.
Tem a palavra, a título de declaração de voto, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, lamento que o Sr. Deputado António Filipe tenha ido atrás do equívoco, como ficou clarificado na minha intervenção anterior, em que inadvertidamente, como é óbvio, o Sr. Presidente tinha inicialmente laborado. Digo isto porque a posição do PSD, desde o início, resultou de um apelo do Sr. Deputado Cláudio Monteiro - e peço ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro que reafirme isto para a acta - para que o PSD se abstivesse.
Eu respondi a esse apelo do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas nunca por nunca disse que o PSD votaria a favor, nem pus essa hipótese. Comecei por dizer que votaria contra, depois o Sr. Deputado Cláudio Monteiro apelou a que eu me abstivesse até à votação da proposta em Plenário, a benefício de uma reflexão, e eu coloquei condições para o fazer.
Portanto, considero totalmente desapropriados esses processos de intenção no sentido de que o PSD hesitou, ou mudou a sua opinião, a propósito de uma matéria, sobre a qual, ainda por cima, não tem nenhuma - como comecei por dizer na minha primeira intervenção - objecção substantiva nem material, mas apenas uma objecção de lógica de constitucionalização. E se é certo que a primeira nota sobre este assunto foi entendida pelo PSD como um mero equívoco, já no que concerne à segunda nota não podemos entendê-la como tal e temos de julgar que há, de facto, alguma intenção da parte de alguns Srs. Deputados de imputarem ao PSD aquilo que o PSD não fez!
Por conseguinte, face às circunstâncias, termino esta declaração de voto, pedindo ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que foi com quem se estabeleceu directamente o diálogo relativamente à posição de voto do PSD, que clarifique, de uma vez por todas, o que é que verdadeiramente esteve aqui em causa relativamente à nossa votação.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, não sei em que condições lha poderei dar. Sabe quais são as regras no que respeita a declarações de votos.
O Sr. António Filipe (PCP): * Penso que o Sr. Presidente tem razão. Eu pedi ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes para o interromper só que ele não consentiu.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, peço-lhe desculpa e compreensão.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a minha declaração de voto será curta.
Quero dizer, por um lado, que foi com satisfação que encarei o resultado da votação, em particular a posição assumida pelo PSD, nomeadamente no sentido de acolhimento do apelo que lhe fiz institucionalmente, e, mais ainda, a daqueles que individualmente manifestaram a sua concordância com a proposta.
Quero dizer, por outro lado, que não foi só a benefício do consenso que admiti que a proposta pudesse ser mais enxuta, mas também por entender que aquilo que, porventura, se perde na redacção literal do preceito não se perde no seu espírito e que muito menos se perde na sua interpretação quando conjugada com outros preceitos constitucionais, nomeadamente no que se refere à participação através de associações, sobretudo com o artigo 52.º e com o direito de acção popular em geral, que, julgo eu, fica salvaguardado, sem prejuízo da omissão de qualquer referência expressa a isso neste preceito constitucional.
Portanto, espero que até à votação em Plenário haja, de facto, oportunidade para que a reflexão do PSD seja positiva, isto é, para que possa acolher a proposta de forma favorável.
O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, quero apenas congratular-me com o facto de esta proposta ir subir a Plenário para votação.
Espero que o Partido Social-Democrata possa ainda, no seu todo, acolhê-la, na medida em que me parece que a consagração de um princípio da participação dos interessados na formação dos instrumentos de planeamento urbanístico seria uma benfeitoria na Constituição. E basta a consagração do princípio, dele retiraremos, obviamente, todas as consequências, por isso, esta norma não precisa de ficar mais densa.
O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, pedi a palavra para justificar o meu sentido de voto favorável à proposta.
Todos sabem que também defendi a participação noutros domínios, designadamente nos domínios do consumidor e do ambiente em geral, e fi-lo em nome de uma mesma linha de força, que, julgo, caracteriza os tempos em que nos encontramos e a sua evolução, que é a da existência de uma democracia participativa cada vez mais aprofundada.
Nessa medida, este novo domínio do urbanismo é, obviamente, um dos domínios onde o humanismo impregna, e deve cada vez mais impregnar, todas as propostas. Por isso, garantir a participação dos interessados independentemente da sua formulação - salvaguardada, de resto, pelo artigo 52.º - é, para mim, um instrumento de satisfação, dado que vai ao encontro da minha filosofia de fundo.
Por isso mesmo, dou o meu apoio a esta proposta na certeza de que compreendo a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico, mas já não a compreendo na sua execução. Apenas votei a favor da proposta porque se retirou - aqui sim - a parte da execução, uma vez que julgo que a participação na definição é uma coisa, na execução é outra, e não podemos paralisar a Administração. A eficiência da Administração também é um valor, desde que a elaboração esteja garantida a sua execução é meramente instrumental.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a votação das propostas relativas ao artigo 66.º, com a epígrafe "Ambiente e qualidade de vida", fica ainda suspensa, dado alguns pedidos nesse sentido que entretanto tive ocasião de deferir.
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Assim sendo, Srs. Deputados, passamos à votação do artigo 71.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para lhe perguntar se não se vota a alteração da epígrafe do artigo 65.º, que foi proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem toda a razão; foi um lapso.
Srs. Deputados, dado a boa lembrança do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vamos agora votar a proposta de alteração da epígrafe do artigo 65.º ("Habitação"), apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para "Habitação e urbanismo".
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, tendo-se registado a ausência de Os Verdes.
Srs. Deputados, passamos à votação do artigo 71.º ("Deficientes") relativamente ao qual existem algumas propostas constantes dos projectos de revisão constitucional iniciais.
Srs. Deputados, quero colocar uma questão à vossa consideração. Tive ocasião de participar muito recentemente num colóquio sobre a problemática da deficiência, onde constatei alguma desconformidade deste conceito de deficientes com a abordagem actual desta problemática. A deficiência agora é abordada não como sendo uma marca indelével daqueles que são portadores de deficiência mas, sim, com uma consideração humanística pelas pessoas que têm esse problema, por isso, actualmente, o conceito não é o de deficiente mas, sim, o de cidadão com deficiência.
Esse novo conceito não alteraria o conteúdo da norma, mas, porventura, daria um sinal humanístico no que respeita à consideração da problemática da deficiência.
Ponho esta questão à vossa consideração, porque penso que utilizaríamos o conceito de "pessoa com deficiência" com relativa facilidade - se nisso houvesse consenso - em lugar da expressão "deficiente" ou "deficientes".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o conceito de pessoa ou de cidadão?
O Sr. Presidente: * Eu prefiro o conceito de pessoa, mas, enfim, os Srs. Deputados dirão se, porventura, é adoptável. O conceito hoje utilizado é o de "pessoa com deficiência".
Numa primeira leitura, constatei que houve algumas resistências - e digo-o com franqueza; suponho inclusivamente que de alguma das bancadas cuja votação favorável é necessária à formação de uma maioria qualificada - quanto à possibilidade de alargar a previsão da participação do Estado em matéria de apoio, isto é, quanto à possibilidade de o dever do Estado não ser só o de apoiar os deficientes, mas também o de dar algum apoio às famílias que tenham pessoas com deficiência a seu cargo.
Penso que esta questão também poderia ser reponderada em sede constitucional, dado que actualmente o problema da deficiência não é apenas daqueles que são portadores dela, mas também das respectivas famílias que têm, por essa via, problemas de encargos sociais claramente mais onerosos do que as famílias que não têm este tipo de problemática.
São estes os dois aspectos que deixo à consideração dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Vinha da Costa.
O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, só quero fazer uma ligeira correcção quanto à expressão que V. Ex.ª utilizou - aliás, penso que V. Ex.ª a referiu de forma correcta no início da sua intervenção, mas depois, penso que por lapso, deixou-a cair -, porque a expressão correcta não é cidadão ou pessoa com deficiência mas, sim, cidadão ou pessoa portadora de deficiência.
De facto, é essa a expressão mais correcta e penso que só essa vai ao encontro das preocupações que V. Ex.ª exprimiu e com as quais pessoalmente estou inteiramente de acordo.
O Sr. Presidente: * Quanto à escolha da palavra "pessoa" ou "cidadão" ela depende da sensibilidade quanto a este tipo de problema.
Contudo, a palavra já acolhida em sede constitucional é a de "cidadão", se a usarmos para fazer a nossa síntese, o n.º 1 do artigo 71.º poderá ficar redigido da seguinte forma: "O cidadão portador de deficiência física ou mental (…) ou "Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental (...)". Nesse caso, a epígrafe do artigo passaria a ser "Cidadãos portadores de deficiência".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, apresente já uma proposta nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos fazer uma proposta nesse sentido.
Srs. Deputados, alguém quer pronunciar-se sobre se há, ou não, aceitação para estender o programa normativo do n.º 2 do artigo 71.º?
Passo a explicar: há uma disponibilidade geral para votar relativamente à epígrafe "Cidadãos portadores de deficiência", quanto ao n.º 1 "Cidadãos portadores de deficiência física ou mental (…)" e no que respeita a estender programa normativo constante do n.º 2 (aliás, na linha da proposta do PSD) no que respeita à ajuda às famílias respectivas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro da Vinha Costa.
O Sr. Pedro da Vinha Costa (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, só quero fazer uma sugestão, que é a de que, seja qual for o texto que vier ser adoptado para cada um dos artigos, sempre que apareça em qualquer das propostas aqui presentes a expressão "deficientes" ela seja alterada para "cidadãos portadores de deficiência", porque senão, daqui a bocado, vamos ter que voltar atrás relativamente…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputados, quanto ao n.º 3 do artigo 71.º far-se-á a mesma coisa, passando a dizer-se que "O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência", sendo que será feita a actualização em todos os números do respectivo artigo.
Para além disto, temos ainda novas propostas constantes dos projectos do PCP e de Os Verdes, que apresentam
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propostas de aditamento de um número novo, mas antes de votarmos essas propostas, se me permitem, votaremos as propostas que visam alterar o actual n.º 3, que é do seguinte teor: "O Estado apoia as associações de deficientes" - e depois já veremos a alteração para cidadão portadores de deficiência -, sendo que Os Verdes propõem que se adite "(…) e garante a sua participação na definição de políticas que lhes respeitem".
É este aditamento constante do projecto de Os Verdes, que proponho que consideremos e votemos. Podemos votar esta proposta? Não há objecções?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ainda não votámos as propostas relativas aos n.os 1, 2 e 3 deste artigo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, está dado como adquirido que agora passamos à votação do n.º 3, enquanto fazemos a redacção, que já teve acolhimento geral, dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 71.º. Contudo há uma proposta de aditamento para o n.º 3 e enquanto preparamos a referida redacção, que será, obviamente, votada logo que pronta, vamos votar o aditamento ao actual n.º 3, proposto por Os Verdes.
Pode ser, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é só um aditamento, também é uma alteração, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de aditamento apresentada por Os Verdes para o n.º 3 do artigo 71.º.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor PS e do PCP, votos contra do PSD e a abstenção do CDS-PP.
É a seguinte:
3 - O Estado apoia as associações de deficientes e garante a sua participação na definição de políticas que lhes respeitem.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta é um bom exemplo daquilo que o PSD disse anteriormente a propósito de uma alteração ao n.º 5 do artigo 65.º, salvo erro, ou seja, mais uma vez, não está minimamente em causa o direito de participação dos cidadãos, que é um direito genérico.
Como foi explicado pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, no caso do planeamento urbanístico existe algo de diferente, porque não se trata da definição de políticas mas, sim, da definição de regras de regulamento, por isso talvez exista uma pequena nuance relativamente ao princípio geral que decorre do artigo 267.º.
Nesse sentido, e face ao apelo que aqui ficou registado, o PSD absteve-se para que a proposta merecesse uma eventual reponderação até à discussão e votação em Plenário, embora deva dizer que a posição do PSD não tem que ver com o fundo da causa mas, sim, com o método, uma vez que a proposta que acabámos de votar é um bom exemplo de uma matéria onde não vemos nenhuma nuance, porque se trata apenas da mera definição de políticas.
O princípio de participação dos cidadãos nas políticas que lhes digam respeito já consta da Constituição e, por isso mesmo, não vemos - apenas por essa razão - motivo para a constitucionalização de um preceito deste tipo. Isso levaria, por uma questão de coerência, a que no rol de todas as políticas que têm que ver com direitos sociais tivesse de incluir-se, sistematicamente, uma norma deste tipo na Constituição, sob pena de poder haver uma interpretação de que existiriam valorizações diferentes quanto a cada um dos direitos sociais.
Por essa razão apenas, e não minimamente por discordar, o PSD votou contra e deixa em acta que concorda perfeitamente com a participação dos cidadãos directamente interessados tanto na definição desta política como de qualquer outra.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos agora votar duas propostas de aditamento de um novo número ao artigo 71.º, uma constante do projecto originário do PCP e outra, de sinal idêntico, constante do projecto originário de Os Verdes…
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, proponho que as votemos separadamente.
O Sr. Presidente: * Então, votá-las-emos separadamente.
A proposta do PCP de aditamento de um novo n.º 3 - o actual n.º 3 passaria a n.º 4 - é a seguinte: "O Estado e as demais pessoas colectivas públicas asseguram e estimulam a progressiva eliminação das barreiras arquitectónicas".
A proposta de Os Verdes, de aditamento de um n.º 4, é a seguinte: "O Estado promove a gradual eliminação das barreiras arquitectónicas".
O Sr. Deputado José Magalhães propôs a votação em separado destas duas propostas, pelo que, primeiro, votaremos a proposta do PCP de um novo n.º 3 para o artigo 71.º.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP e abstenções do PS e do CDS-PP.
Era a seguinte:
3 - O Estado e as demais pessoas colectivas públicas asseguram e estimulam a progressiva eliminação das barreiras arquitectónica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de aditamento de um n.º 4 ao artigo 71.º, apresentada por Os Verdes.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PCP e do CDS-PP e votos contra do PSD.
É a seguinte:
4 - O Estado promove a gradual eliminação das barreiras arquitectónicas.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, embora as duas últimas propostas que votámos sejam algo diferentes, elas têm um objectivo político claramente semelhante, daí o PSD ter votado contra as duas. Não havia razão nenhuma para a votação ser diferente, mas não votámos contra, obviamente, por discordar da política de eliminação das barreiras arquitectónicas.
Acontece, no entanto, que o PSD entende que esse princípio resulta já do actual n.º 2 do artigo 71.º, que refere que o Estado se obriga "(…) a realizar uma política nacional de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes(…)" e a desenvolver uma sensibilização da sociedade quanto aos deveres de respeito para com as pessoas portadoras de deficiência.
E é evidente que, do nosso ponto de vista, é no âmbito do n.º 2 que têm de fazer valer-se as políticas que levem a uma consciencialização social da comunidade para eliminação das barreiras arquitectónicas. Isto, porque, com toda a clareza, prever na Constituição que o Estado e as outras entidades públicas, unilateralmente, decidem retirar as barreiras arquitectónicas naquilo que diz respeito ao domínio público - entendido em termos latos neste aspecto de propriedade que diga respeito ao Estado ou demais entidades públicas - é uma matéria que, claramente, não tem dignidade para merecer acolhimento constitucional, uma vez que se trata, quase, de uma declaração unilateral da parte do Estado e porque o Estado deve fazê-lo, obviamente, através de legislação própria.
O que está em causa não é nem pode ser isso; o que está em causa é a necessidade de, a todos os níveis da sociedade e numa perspectiva de solidariedade para com os cidadãos portadores de deficiência, haver toda uma consciencialização que tem que partir de políticas desenvolvidas pelo Estado, desde logo directamente, dando o exemplo com a eliminação de barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos, e agindo também no sentido de criar a tal sensibilização da sociedade quanto aos deveres de solidariedade e ao respeito para com os cidadãos portadores de deficiência.
Tudo isto já está escrito claramente no n.º 2 deste artigo e apenas por essa razão nos parece que este acrescento não passa de uma emenda estritamente voluntarista, sem qualquer efeito prático, que não traz nenhuma benfeitoria real ao texto constitucional, pelo que o PSD votou contra.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos avançar, passando à votação da proposta comum...
Sr. Deputado Carlos Encarnação, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, para me pronunciar sobre essa proposta comum.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, queria levantar uma pequena questão, que não é, de facto, um problema de fundo, mas que, penso, melhoraria a redacção.
É evidente que o enriquecimento que se faz em relação ao n.º 2, quando se mencionam as famílias, é importantíssimo mas, de certa maneira, já está implícito na política que o Estado realiza em relação aos cidadãos portadores de deficiência e às famílias. De qualquer maneira, é a primeira vez que recebe consagração constitucional e muitíssimo bem.
Assim, apenas proponho uma reflexão relativamente ao termo utilizado no texto, sugerindo, desde já, que se substitua a expressão "ajuda às suas famílias" por "apoio às suas famílias" ou "apoio activo às suas famílias", isto porque não me parece muito correcto nem louvável o termo "ajuda".
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * É muito cristão!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Não tem a ver com ser cristão, penso apenas que não fica bem na redacção do artigo.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, há um acordo de todos os autores no sentido de a expressão "apoio" ser a adquirida.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * "Apoio" ou "apoio activo", que diz um pouco mais.
O Sr. Presidente: * Não, "apoio" é a expressão constitucional consagrada em muitos outros artigos com alcance semelhante.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, como ainda não me pronunciei, quero, muito sinteticamente, dizer que subscrevemos os vários termos da proposta comum e consideramos da maior pertinência as observações que o Sr. Presidente fez quanto à epígrafe e à utilização da terminologia "cidadãos portadores de deficiência". Esta expressão parece-nos muito correcta, por isso mesmo subscrevemos a proposta, tal como consideramos ser de acolher a referência ao "apoio às famílias", porque, de facto, parece-nos pertinente também a observação feita pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Lamento apenas - e digo-o já para não ter que pedir a palavra para uma declaração de voto - que não tenha sido considerada, por maioria de dois terços, uma referência expressa às barreiras arquitectónicas, pois parece-me que esta é uma das questões mais relevantes e que mais prejudica a vida corrente aos cidadãos portadores de deficiência. Bastará pensar na quantidade de instituições públicas que ainda hoje existem e às quais os cidadãos portadores de deficiência não têm acesso dada a existência de barreiras arquitectónicas.
O Sr. Deputado Marques Guedes disse que esta é uma questão de consciencialização, mas eu creio que é, sobretudo, uma questão de construção de rampas para que os cidadãos possam ter acesso a locais onde actualmente não podem chegar.
Naturalmente não podemos ter outro entendimento que não seja o de considerar que o actual n.º 2 já contém o dever do Estado de eliminar barreiras arquitectónicas - não iríamos dizer o contrário -, mas parece-nos que um bom sinal que a Constituição daria seria incumbir expressamente o Estado da remoção de barreiras arquitectónicas.
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É lamentável que quer a proposta do PCP quer a de Os Verdes não tenham tido vencimento.
Aparte inaudível do Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Presidente: * Não, Sr. Deputado. A título de pedido de esclarecimento, por efeito de uma declaração de voto que o Sr. Deputado António Filipe colou na sua parte final.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o Sr. Deputado não fez uma declaração de voto agora!…
O Sr. Presidente: * Fez. Na primeira parte da intervenção não, mas depois colou, para não voltar a usar da palavra, uma declaração de voto relativa às votações já ocorridas.
Aparte inaudível do Deputado Luís Marques Guedes.
Ó Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é assim como eu lhe disse!... O Sr. Deputado António Filipe pediu a palavra para se pronunciar sobre a proposta comum e fê-lo; depois disse que "para não ter que pedir a palavra para uma declaração de voto" ia usar da palavra para manifestar a sua posição relativamente à votação já ocorrida sobre a proposta do PCP, que foi rejeitada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permita-me uma interpelação à mesa.
O Sr. Presidente: * Interpele-me, se faz favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, obviamente acato disciplinadamente a metodologia do Sr. Presidente, mas quero deixar à mesa este protesto: o simples facto de um Deputado, quando intervém, qualificar a sua intervenção como uma declaração de voto não pode levar a que os outros Deputados fiquem inibidos de poderem comentar ou de pedirem esclarecimentos.
O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas o Presidente também qualifica a intervenção que acabou de ser feita, na parte útil sobre a qual o Sr. Deputado Marques Guedes queria pronunciar-se, como uma declaração de voto.
O protesto fica registado e passamos agora à votação da proposta comum, que actualiza tanto a epígrafe como os n.os 1, 2 e 3, do artigo 71.º, que já foi apreciado.
Srs. Deputados admitem que possamos fazer a votação global?
Pausa.
Como não há objecções, assim faremos.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
É a seguinte:
Artigo 71.º
(Cidadãos portadores de deficiência)
1 - Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.
2 - O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.
3 - O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência.
O Sr. Presidente: * Entretanto, cumpre-me registar o entendimento de que o n.º 2 da proposta originária do PSD para o artigo 71.º foi substituída em benefício da proposta comum.
Concorda, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Li na proposta comum, mas se isso já lá estava, Sr. Presidente, peço desculpa.
O Sr. Presidente: * Sim, era "ajudas" às suas famílias e passámos para "apoio".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, com certeza.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos ao artigo 72.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu respondi-lhe a uma pergunta mas gostava de usar da palavra.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra ao Sr. Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, peço desculpa por me ver obrigado, face às regras que o Sr. Presidente impôs, a fazer esta intervenção a título de declaração de voto, mas não posso deixar de comentar, uma vez que não me foi dada a hipótese de pedir um esclarecimento, a observação do Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. Deputado António Filipe reconheceu - e é evidente que não podia deixar de ser com seriedade - que o n.º 2 contempla já a questão das barreiras arquitectónicas. Só que da declaração do Sr. Deputado António Filipe pode inferir-se ser seu entendimento que a remoção das barreiras arquitectónicas, para além de já estar no n.º 2, deveria passar a ter um número autónomo.
Assim, queria chamar a atenção do Sr. Deputado para o facto de que isso colocaria um novo problema, ou seja, por que é que neste artigo, estando em causa o conjunto de todas as deficiências de que os cidadãos podem ser portadores, se iria autonomizar expressamente o problema dos deficientes físicos motores, quando, por exemplo, do meu ponto de vista, é tão ou mais importante - e fundamental - que o Estado desenvolva políticas que tenham que ver, por exemplo no serviço público de televisão, com a linguagem gestual, para permitir aos cidadãos com deficiência auditiva poderem acompanhar um serviço fundamental que lhes está a ser prestado e ao qual que eles
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devem ter acesso em condições de igualdade com os outros cidadãos? Por que é que esta norma constitucional não havia de ter também uma referência expressa à obrigação de o Estado colocar nos semáforos, por exemplo, sinais auditivos para que os invisuais não corressem risco de vida cada vez que atravessam uma rua?
Portanto, há todo este conjunto de circunstâncias, mas o Sr. Deputado pairou sobre ele como se não fosse relevante, como se a única questão prioritária e importante para a definição constitucional das obrigações do Estado relativamente à definição de políticas de integração dos cidadãos portadores de deficiência e à sensibilização da sociedade para a solidariedade pudesse restringir-se à mezinha da promoção da remoção das barreiras arquitectónicas.
O Sr. António Filipe (PCP): * Não diga isso!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Portanto, esta questão teria, evidentemente, de ser ponderada por aqueles que defendem a inserção na Constituição de políticas concretas relativamente ao n.º 2 e, nesse caso, teriam que pôr em plano de igualdade o problema de todo o tipo de deficiências de que os cidadãos podem ser portadores, porque, do ponto de vista do PSD, não há umas que sejam mais importantes do que outras. Importante e relevante é que os cidadãos, como o n.º 2 diz, e bem, possam ter uma correcta integração na sociedade e acesso a uma vida o mais normal possível, de acordo com a deficiência de que são portadores.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, creio que podemos passar ao artigo 72.º, que tem por epígrafe "Terceira idade".
Para este artigo, Srs. Deputados, há uma proposta de aditamento do PSD para o n.º 1, que visa o acolhimento, em sede constitucional, do respeito pela autonomia pessoal dos idosos.
Por outro lado, há uma proposta relativa ao n.º 2, do CDS-PP, para que a norma cesse em "realização pessoal", suprimindo-se o segmento seguinte.
Srs. Deputados, suponho que as propostas falam por si, pelo que peço o vosso benefício para podermos passar à respectiva votação.
Quero ainda acrescentar que na primeira leitura em que a matéria foi apreciada a proposta do PSD foi, creio eu, merecedora de acolhimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, o PSD tem duas componentes na sua proposta: por um lado, propõe o aditamento do segmento que respeite a sua autonomia pessoal e, por outro, propõe a eliminação da expressão "e superem".
Estamos de acordo com a proposta de aditamento, mas não estamos de acordo com a proposta de supressão.
O Sr. Presidente: * Portanto, faremos essa votação por segmentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, eu só me questiono se a supressão não será lapso do PSD.
O Sr. Presidente: * Eventualmente. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, acho que esses comentários em nome do PSD, estando o PSD presente, são perfeitamente supérfluos.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, acabei de ouvir a mesma expressão da sua bancada. Foi de boa fé que retive e confirmei.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o entendimento do PSD é o de reforçar o actual texto constitucional, já que, para nós, colocar no texto constitucional o verbo "evitar" é, obviamente, uma afirmação mais peremptória do que a do verbo "superar", que traduz uma realidade dinâmica. Repito, do nosso ponto de vista, o verbo "evitar" é mais peremptório.
Nesse sentido, parece-nos que retirar "superem" tem a intenção de - é essa a explicação que queria dar ao Sr. Deputado - tornar mais peremptório, mais afirmativo, o direito que está aqui em causa, porque nos parece que "superem"… Bem, quero que fique claro que a intenção do PSD foi apenas deixar mais peremptória a norma, no sentido de situar apenas este direito, com a lógica de evitar o isolamento e a marginalização social.
Portanto, a intenção é rigorosamente a oposta.
O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, mas antes quero esclarecer que o Partido Socialista significou o seu apoio ao aditamento "respeitem a sua autonomia pessoal", mas não à troca da expressão "superem" pela expressão "evitem".
Vamos ver se conseguimos um consenso em torno da solução final.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, é só para dizer que ouvi a explicação do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas creio que entre a intenção do proponente e a letra da proposta tem de haver alguma correspondência!…
Ora, aqui não há, porque é evidente que uma coisa é tomar medidas que evitem o isolamento antes de ele se verificar e outra é tomar medidas que superem o isolamento real existente.
Portanto, a actual norma constitucional tem as duas componentes.
A superação de situações de isolamento e marginalização social de boa parte da população idosa é um problema real que exige medidas.
Sr. Presidente, concluía a minha intervenção, não sem antes dar as boas-vindas ao Sr. Deputado Carlos Coelho, que interrompeu a minha intervenção com a sua entrada, dizendo que a nossa posição é a de que não há razão nenhuma, antes pelo contrário, para eliminar a palavra "superem" que consta do actual texto constitucional.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, talvez consiga explicar a razão da supressão do termo "superem".
Estive a ler isto com mais atenção agora…
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O Sr. José Magalhães (PS): * Agora?!… Agora mesmo?!… É que a Constituição foi feita há bocado...!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Agora mesmo.
Sr. Deputado José Magalhães, vou tentar explicar-lhe por que é que eu entendo que havia alguma razão de ser na supressão desta expressão - isto se o Sr. Deputado José Magalhães estiver atento.
Tal como eu leio este artigo, há aqui, de facto, duas componentes, uma que é declarativa em relação às questões da segurança económica e às condições de habitação e convívio e outra que é qualquer coisa que está para além disso e que engloba uma política atribuível, como não pode deixar de ser, ao Estado. É essa política que tem por intenção superar e é a parte declarativa que tem por intenção evitar.
Por isso, tem algum sentido útil haver a supressão do termo "superem", porque ele estará contido, necessariamente, na política revisada no n.º 2.
É a reflexão que faço em relação à proposta do PSD e à sua conveniência.
Por isso é que estou a dizer, Sr. Deputado, que, do meu ponto de vista, fazem sentido esta distinção e esta proposta. Não é nada de abstruso, quer dizer, penso que faz sentido aquilo que estou a dizer.
Agora, é evidente que o Sr. Deputado José Magalhães "continua na sua" e diz que não tem razão de ser este meu apelo.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, quero, em meu nome pessoal e em nome do PSD, dizer que consideramos muito positivo que o Partido Socialista reconheça o mérito da introdução da expressão "respeitem a sua autonomia pessoal".
Penso que é bom evitar esta massificação e, sobretudo, a violência à pessoa humana nesta fase da vida. E quando se evita o isolamento o que queremos com isto dizer é que quem quer o mais também quer o menos. Portanto, estar lá "evitar" já é para evitar de todo, pois se não se evitar obviamente que se supera, que se retira. Mas se o Partido Socialista faz questão em manter a palavra "superar" nós não temos nada a objectar e mantêmo-la também, na certeza de que quem quer o mais quer o menos. E era por isso, que nós entendíamos, só por isso, por uma questão terminológica, que não era necessário. Mas não temos problemas em manter a palavra.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, há consenso para que a solução final seja "que respeitem a sua autonomia pessoal e superem o isolamento".
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Não, não, é manter as duas.
O Sr. Presidente: * Ah!… É o aditamento!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * É manter as duas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer somar a superação ao ...
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, Sr. Presidente, já lá está.
O Sr. Presidente: * Quer somar o "evitem" ao "superem"?
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, Sr. Presidente, também já lá está.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, têm razão.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta de aditamento com o segmento "que respeitem a sua autonomia pessoal".
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
É a seguinte:
1 - As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e superem o isolamento ou a marginalização social.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos agora ao n.º 2, deste mesmo artigo, constante do projecto do CDS-PP, que visa amputar a norma do segmento final.
Srs. Deputados, é matéria que já foi dada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não foi porque o Partido Popular não participou nesta…
O Sr. Presidente: * Devia ter sido então, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Ferreira Ramos considera que a proposta é eloquente por si própria e assim sendo o autor dispensa outras considerações.
Assim, vamos votar a proposta do CDS-PP para o n.º 2 do artigo 72.º.
Submetida à votação, foi rejeitada com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.
Era a seguinte:
2 - A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal.
O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, tanto quanto me é dado conhecer, esta proposta não foi justificada, não foi defendida e nesta altura continua a não ser, porque o CDS-PP não participou, na primeira leitura, nesta matéria.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, devo dizer que perante o que já vai sendo sucessivo, a não explicação por parte do CDS-PP, a não apresentação das suas propostas e a não justificação da sua relevância, é evidente que o PSD só tinha uma atitude: votar contra.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, era nesta inserção sistemática que o PSD tinha apresentado uma proposta de artigo 72.º-A, que oportunamente retirou.
Vamos, agora, entrar na apreciação do artigo 73.º (Educação, Cultura e Ciência).
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Srs. Deputados, há uma proposta constante do projecto originário do PSD, que deve ser entendida por articulação - o Sr. Deputado Luís Marques Guedes confirmará se o que vou dizer está correcto do ponto de vista do PSD -, com a proposta relativa ao artigo 108.º-A, igualmente apresentada pelo PSD, sobre matéria de investigação científica, que era desagregada deste artigo.
Temos também uma proposta do CDS-PP, sendo que esta se integrava na harmonia sistemática do actual artigo 73.º.
Nesses termos, proponho que comecemos a apreciá-la e que a votemos em primeiro lugar.
Há objecções a que tal aconteça?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer, à mesa e ao CDS-PP, a seguinte sugestão: uma vez que a proposta do PSD numa matéria tão relevante como a do ensino, está, no fundo, como o Sr. Presidente já chamou a atenção, articulada com artigos do mesmo capítulo mais para a frente e tem que ver com alguma resistematização da abordagem constitucional desta matéria da educação, solicitava que as questões do PSD pudessem ser colocadas primeiro, sob pena de o PSD, apenas por uma questão que tem que ver com as suas próprias propostas, ainda que substantivamente em alguns casos, sem que discorde totalmente dos textos propostos, ter de votar contra por razões que têm que ver com a sistematização.
Portanto, se houvesse concordância, tanto da parte do Sr. Presidente como da parte do CDS-PP, suscitava que pudéssemos primeiro abordar as propostas do PSD.
O Sr. Presidente: * Há assentimento nesse sentido.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pode quer continuar a usar da palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, suscitaria, para já, entramos no Capítulo III, em que se aborda uma questão fundamental: a Educação, o Ensino e a Cultura.
E digo fundamental por razões óbvias - aliás, ao Partido Socialista até seria dispensável eu lembrar isto, uma vez o PS tem aqui a sua grande paixão -, pois é evidente que há um conjunto de alterações a fazer no texto constitucional, que o PSD propõe e que têm uma preocupação fundamental e, já agora deixo aqui as linhas gerais, para permitir que, conforme foi suscitado pelo Partido Socialista, o debate de uma matéria tão importante como esta possa fazer-se aqui na própria Comissão.
Em primeiro lugar, separar coisas que são claramente distintas hoje em dia, a saber: a educação e o ensino da ciência. De facto, hoje em dia, a ciência merece uma autonomização própria no texto constitucional, de resto como ficou já pré-debatido na primeira leitura, em que, conforme o guião do Sr. Presidente Vital Moreira assinala, houve inclusive um princípio de acolhimento por parte do Partido Socialista quanto à autonomização da parte relativa à ciência - este é o primeiro grande aspecto.
O PSD entende que, de facto, no âmbito dos direitos e deveres culturais, a ciência atinge hoje em dia razões suficientes para ser autonomizada num artigo próprio, que, como o Sr. Presidente referiu, o PSD propõe que seja o artigo 78.º-A, sob uma epígrafe que depois veremos. Chegou a haver uma proposta do Dr. Vital Moreira, já acolhida pelo PSD, para que a epígrafe fosse "Criação e investigação científica", e não apenas "Investigação científica", uma vez que é esse o próprio conteúdo útil da proposta do PSD, que fala na criação e na investigação.
Esta foi uma chamada de atenção que decorreu do debate da primeira leitura, e que faz todo o sentido. Portanto, este é o primeiro grande aspecto que quero realçar relativamente ao artigo 73.º.
O segundo aspecto tem que ver com o facto de, face à alteração no sentido de colocar, desde logo, a educação a par do ensino e da cultura, haver uma resistematização - do nosso ponto de vista com vantagem - dos actuais n.os 2 e 3 para que, mantendo o essencial do actual texto constitucional, acrescentar-lhe, no entanto, alguns valores que, por no actual texto constitucional o ensino constar apenas do artigo seguinte, não estão inscritos no artigo 73.º, embora sejam princípios que decorrem já do actual texto constitucional, do artigo 74.º.
Chamo a atenção para as questões que têm que ver com a igualdade de oportunidades, com o espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade. São princípios que actualmente o texto constitucional já propugna e que, do nosso ponto de vista, devem estar colocados neste artigo, uma vez que nos parecem ser princípios comuns, quer ao ensino quer à própria educação enquanto tal.
Portanto, numa primeira explicitação, estas são as questões fundamentais do PSD para a abordagem do capítulo em que estamos a entrar, e é relativamente a elas que gostaríamos que o debate começasse a situar-se no sentido de encontrarmos um melhoramento claro do texto constitucional numa matéria onde, evidentemente, não há…
O Sr. José Magalhães (PS): - Já se fez!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Oiço da parte do Sr. Deputado José Magalhães um aparte que, como estou no uso da palavra e porque o Sr. Presidente não ma dá tão cedo, comento desde já.
O Sr. Deputado José Magalhães diz que já se fez. Já se fez?! Não, Sr. Deputado! O Partido Socialista quis que se viesse fazê-lo na segunda leitura. Isto já foi dito na última reunião e agora, sistematicamente, sempre que o Partido Socialista tentar utilizar esse tipo de estratagemas para culpabilizar o PSD por o debate ter de realizar-se aqui, chamo a atenção para o facto de ter sido o seu partido que quis que as matérias dos deveres sociais fossem debatidas na segunda leitura em Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): * Honra nos seja feita!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Atendendo à paixão que o Partido Socialista tem pela matéria da educação, não quero acreditar que não esteja aberto a modernizar e a actualizar a problemática da educação em sede constitucional também!
O Sr. José Magalhães (PS): * Paixão não é cegueira!
O Sr. António Filipe (PCP): * Onde há paixão, há ciúmes...!
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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, peço a palavra tão-só para dizer que, nesta matéria, a primeira leitura foi bastante concludente e a nossa reflexão posterior também.
A ideia de autonomizar uma disposição sobre a ciência poderia ser uma ideia operativa se a valia da norma proposta fosse suficientemente satisfatória, sucede, porém, que o não é. Por outro lado, a economia do preceito do artigo 73.º é bastante sensata e tem sido valorada hermeneuticamente com carácter muito positivo.
Trata-se de um artigo abrangente, que enuncia três dimensões muito relevantes, três domínios, três subáreas, em matéria de direitos e deveres culturais. A narrativa constitucional é harmónica e faz pleno sentido.
Quanto a um enriquecimento ou densificação da norma atinente à criação e investigação científicas, a proposta do PSD tem uma cláusula meritória, um segmento meritório, que é a alusão à articulação desejável entre a investigação científica feita por determinadas instituições e as empresas, o que é hoje parte da política governamental e que - não tenho dúvida nenhuma - será parte da política de qualquer governo de Portugal e de outros países, deste ou de outro sistema. Fora isso, não tem mais nenhuma componente relevante: tem uma alusão aos limites à criação científica; não programa apenas a liberdade, tem a preocupação de enfatizar os limites. Sucede que o limite mais relevante na zona bioética já foi equacionado na sede própria, pelo que não sentimos necessidade de uma norma que estatua outros limites ou aluda em abstracto a eles.
Portanto, o mérito da obra, nessa matéria, parece-nos diminuto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Essa é boa! E o nuclear?!
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, não se invoque a nossa paixão concreta para a aceitação acéfala do que quer que seja proposto por outros partidos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * E "céfala"?
O Sr. José Magalhães (PS): * "Céfala" depende, porque também há os cefalópodes, Sr. Deputado!
Em relação à alteração destes números no sentido da degradação do seu conteúdo, não vemos mérito concreto nas propostas do PSD, portanto, não poderemos subscrevê-las.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, espero que este artigo, que tem por epígrafe "Educação, cultura e ciência", traga alguma iluminação a este debate!
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, creio que tínhamos vantagem em procurar arrumar um pouco a discussão, porque está algo dispersa.
Este artigo tem várias componentes, sendo que uma das questões colocadas é a de saber se vale a pena autonomizar um artigo relativamente à investigação científica. Do nosso ponto de vista, pode valer a pena. De facto, a investigação científica está um pouco como apêndice do artigo 73.º, pelo que talvez haja vantagem não só em enriquecer esta disposição como em autonomizá-la. Portanto, estamos abertos a estudar essa hipótese, enriquecendo a actual norma do n.º 4 e autonomizando-a.
Esta é uma parte da proposta do PSD, autonomizável do resto da discussão. Creio, porém, que ganharíamos em arrumar um pouco a apreciação deste artigo, porque há outras componentes da proposta do PSD relativamente às quais não temos a mesma abertura e, portanto, valia a pena discutir.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à ciência já é bom, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar responder a este convite do Sr. Deputado António Filipe, dizendo que não vamos entrar agora, pelo menos da nossa parte, na discussão mais pormenorizada do artigo 78.º-A, a que já fez referência o Sr. Deputado José Magalhães, que, provavelmente, deverá ser apreciado no momento próprio.
A questão que aqui se coloca é a de saber se há abertura para que a ciência seja autonomizada em artigo próprio, abertura que julgara saber existir, em princípio, da parte do Partido Socialista no momento da primeira leitura (a intervenção de hoje do Sr. Deputado José Magalhães parece um pouco diferente da indicação que eu tinha quanto ao estado de espírito da Comissão relativamente à primeira leitura).
Portanto, a questão está em saber se há ou não abertura para autonomizarmos a ciência em artigo próprio, como corresponde à opinião do PSD, dada a importância crescente e relevante que essas matérias têm na nossa sociedade. Se assim for, quando chegarmos à altura em que esse artigo deverá ser introduzido na sistemática logo discutiremos o seu conteúdo preciso. Se houver essa abertura, naturalmente que o actual n.º 4 do artigo 73.º da Lei Fundamental perde sentido, e entraríamos, então, na questão agora colocada pelo Sr. Deputado António Filipe.
Sr. Presidente, qual é a questão para a alteração sistemática proposta pelo PSD como primeiro grande aspecto? Há um conjunto de atribuições previstas no artigo 74.º para o ensino que, em bom rigor, não são exclusivas do ensino. Ou seja, pode a Comissão, o Parlamento, sustentar que é apenas no plano do ensino que deve garantir-se a igualdade de oportunidades? Pode a Comissão sustentar que é apenas no plano do ensino que deve promover-se a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade?
Não faz sentido dizer que grande parte dos objectivos, dos princípios hoje em dia consagrados nos n.os 1 e 2 do artigo 74.º são, em bom rigor, todos eles, princípios constitucionais válidos, mas aplicáveis quer à educação, quer ao ensino, quer à cultura? Ou seja, são preocupações que devem relevar num conjunto de intervenções, que não devem limitar-se ao conteúdo estrito do ensino.
Sei que nesta Comissão há muito rigor com as palavras e, portanto, não faço a injustiça de pensar que houve aqui qualquer tipo de mal interpretação, mas durante muito tempo, na nossa sociedade, houve grande confusão entre o que era educação e ensino. Sei que os Deputados do PS
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não fazem essa confusão, e seguramente que não a fazem neste momento, quando a Assembleia da República, ainda há pouco tempo, aprovou por expressiva unanimidade uma Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar que reforça exactamente uma componente do sistema educativo que não é ensino. Ensino, na acepção de transmissão formal de saberes, não é coberto pela educação pré-escolar.
Portanto, há um conjunto de matérias diárias, quer na educação, quer no ensino propriamente dito, quer na cultura, que em nossa opinião deve corresponder aos princípios previstos no n.º 2 do artigo 73.º. Ou seja, a ideia é a democratização não apenas do ensino, mas da educação, portanto, do ensino e da cultura, a criação de igualdade de oportunidades, o desenvolvimento da personalidade, do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade, o progresso social, a participação na vida colectiva e a defesa e valorização do património cultural.
Na nossa opinião, todos estes valores, que devem manter-se no texto constitucional, não devem apenas ser circunscritos a um subsector; são princípios que devem ser salvaguardados em todos eles, ou seja, nos planos da educação, do ensino e da cultura.
Entrando já um pouco mais na análise da especialidade, em nossa opinião, também este primeiro artigo do Capítulo "Direitos e deveres culturais" não devia excluir o ensino. No actual texto da Lei Fundamental fala-se apenas em educação, cultura e ciência. Sabemos bem que a educação é mais do que ensino, mas a parte nuclear das competências dos saberes e das aprendizagens que podemos situar na grande área da educação encontram-se, de facto, naquilo que traduzimos por ensino.
Portanto, na nossa opinião, essa componente essencial do fenómeno educativo deveria estar logo contemplada na epígrafe e no conteúdo do artigo 73.º, como primeiro artigo do Capítulo dos "Direitos e deveres culturais".
É bom de ver, Sr. Presidente, que, se assim for, se nesta rearrumação sistemática passarmos para o artigo 73.º a protecção constitucional destes valores, estaremos em condições, depois, no artigo 74.º, de concretizar só no plano do ensino quais são, na Lei Fundamental, as áreas em que compete ao Estado, na realização do seu poder de ensino, assegurar esses valores. É por isso que o nosso artigo 74.º é mais enxuto, uma vez que, liberto de todas as considerações gerais dos valores que vamos fazer acolher no artigo 73.º, podemos concentrar-nos nas áreas que em concreto competem à intervenção do Estado.
Relativamente a esta matéria também queria opinar, mas provavelmente faria mais sentido fazê-lo quando entrássemos na discussão do artigo 74.º, uma vez que será já no domínio da especialidade das alíneas do actual n.º 3 do artigo 74.º do texto constitucional, que correspondem, na nossa proposta, às alíneas do corpo único do novo artigo 74.º.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta que o PSD apresenta para o n.º 2 do artigo 74.º, na minha perspectiva e, julgo, na perspectiva do Grupo Parlamentar do PS, comporta um problema que deveria ser equacionado.
Se confrontarmos o artigo 74.º, n.º 2, tal como proposto pelo PSD, com o artigo 43.º, n.º 2, nomeadamente na parte em que se estabelece o princípio de que o Estado não pode arrogar-se - salvo alterações entretanto aprovadas que não alteram o sentido útil do artigo 43.º, n.º 2 - do direito de programar a educação de acordo com quaisquer directivas filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, pergunto-me, sem fazer a acusação… É evidente que os valores a que o PSD se refere no artigo 74.º, n.º 2, provavelmente são partilhados pela generalidade - senão por todos - dos Deputados presentes nesta sala e por todas as forças políticas, mas não deixam de constituir, apesar de tudo, um caminho sensível no sentido da definição de directivas de natureza filosófica, e até de natureza política, quanto ao conteúdo da educação que não sei se não seria de evitar, tendo em conta a formulação actual, quer da redacção do artigo 74.º, n.º 2…
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vamos ser claros relativamente àquilo de que estamos a falar! Estamos a falar da igualdade de oportunidades! Isso é programar a educação ou é salvaguardar princípios e valores essenciais na organização do Estado democrático tal como o concebemos?
Estamos a falar de participação democrática numa sociedade livre. Isso é programar, ou devemos considerar que o texto constitucional não deve opinar sobre isso, que isto não é um valor estruturante do Estado tal como o concebemos, tal como queremos protegê-lo, tal como queremos preservá-lo?
E, depois, a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade!… Ó Sr. Deputado, por amor de Deus!…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, para concluir, quero dizer que não afirmei propriamente que esta proposta, caso fosse aprovada, seria inconstitucional, sendo certo que o problema das normas constitucionais e inconstitucionais é complicado e que não cabe agora aqui discuti-lo, havendo uma diferença entre a formulação originária do texto constitucional e aquilo que resulta da sua alteração. Apenas me limitei a alertar para a circunstância de, sem prejuízo da comunhão de valores que possa estar implícita nesta Comissão quanto à proposta do PSD para o n.º 2 do artigo 74.º, ser evidente a existência de uma tensão entre o pluralismo e aquilo que é a densificação desse pluralismo.
Nesse sentido, é evidente que esta proposta constitui um avanço no sentido de estabelecer directivas que densificam, talvez exageradamente para aquilo que é o espírito originário da Constituição, o pluralismo que supõe essa liberdade e essa proibição de o Estado interferir na densificação do conteúdo da educação.
Portanto, julgo que há esse risco, isto é, não pus em causa os valores, mas apenas o princípio de se densificar excessivamente o conteúdo daquilo que não deixa de ser, apesar de tudo, uma programação constitucional de quais são os valores que devem estar insitos no conteúdo programático do ensino ministrado - estamos a falar estritamente de educação, em particular até do ensino -, como propõe o PSD.
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Julgo que há esse risco e esse perigo, pelo que não sei se isso não mereceria uma melhor ponderação.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, os grupos parlamentares que assim entenderam já tiveram ocasião de usar da palavra, pelo menos por uma vez, pelo que vamos agora tentar orientar o desenvolvimento do nosso debate para a via conclusiva.
Importa saber se há ou não consenso para segmentar a norma, dado que o PSD, na proposta inicial, visava segmentar a parte da ciência para uma norma autónoma e inserir nesta norma, como "principiologia" geral, as matérias da educação, do ensino e da cultura. Isso implicava, como o Sr. Deputado Carlos Coelho há pouco sublinhou, uma relativa transferência para o artigo 73.º de parte das preocupações constantes actualmente do artigo 74.º.
Srs. Deputados, darão ou não consenso para esta rearrumação? É em função de se saber se há ou não consenso para esta rearrumação que este debate terá ou não utilidade. Peço que desenvolvam agora as vossas reflexões para essa orientação.
Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita e, depois, os Srs. Deputados José Magalhães e Carlos Coelho.
A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, começaria por referir-me à epígrafe, porque penso que explicitada a epígrafe talvez possamos ver o interesse, ou não, na continuidade desta norma como está ou na sua alteração.
Embora comungue de algumas das preocupações enunciadas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, considero que poderia haver alguma ponderação sobre o significado das palavras "educação" e "ensino".
O ensino é um processo. O n.º 2 do artigo 73.º refere de uma forma muito clara que o Estado promove a democratização da educação e as demais condições para a educação realizada através da escola, por exemplo, mas também de outros meios formativos.
Na nossa opinião, não tem qualquer razão de ser que esta epígrafe se transforme para referir só educação e ensino. O ensino está perfeitamente contemplado no artigo seguinte com uma explicitação que advém exclusivamente, e tão-só, de um dos processos formativos que passa pelo espaço da escola (não passa exclusivamente pelo espaço da escola; é um dos espaços formativos).
Portanto, educação não é exactamente a mesma coisa que ensino. O ensino é um processo - é o processo de ensino-aprendizagem - e está perfeitamente contemplado, pois esta norma é muito mais abrangente, muito mais genérica, apontando quase fundamentalmente para o processo de democratização. É esse aspecto que consideramos importante, por isso mesmo deve ter um teor muito mais abrangente, que passe pela educação, pela cultura e pela ciência.
Quando, há pouco, referimos que daríamos a nossa concordância - embora não exactamente com o texto constante do artigo 78.º-A - no que se refere à autonomização da ciência isso não implica que estejamos minimamente de acordo com o desaparecimento de todas as referências à cultura. Efectivamente, não se trata só da mutação da epígrafe, mas também do desaparecimento dos princípios fundamentais da fruição cultural o que a proposta do PSD enuncia.
Sr. Presidente, terminei a minha intervenção, pensando não ter fugido ao pedido que me fez.
O Sr. Presidente: * Muito obrigada, Sr.ª Deputada, designadamente pelo seu espírito de síntese.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, enunciei há pouco, de resto em coerência com aquilo que tem sido orientação constante deste grupo parlamentar, que a nossa atitude, neste domínio, é de economia, ou seja, não inovamos por inovar nem fazemos cirurgias cuja bondade não seja especifica e directamente provada. Neste caso, não só não se prova a bondade da cirurgia como até se prova, pelo caminho…
O PSD, na sua proposta, amputava o artigo 73.º de algumas dimensões e conteúdos densos e precisos quanto aos deveres do Estado em matéria de promoção, tanto da democratização da educação como da democratização da cultura. Isso, quanto a nós, não só não oferece nenhuma vantagem como tem muitas desvantagens. Não há nenhum princípio de aggiornamento que, por exemplo, justifique que as menções que hoje constam do artigo 73.º, n.º 3, sejam suprimidas.
Resta saber se não valia a pena transpor para este artigo também uma alusão ao ensino, uma vez que este é o primeiro artigo do Capítulo III, sobre "Direitos e deveres culturais". O Capítulo III trata não apenas da cultura como também do ensino e até do desporto e da ciência, portanto, obviamente, poderia perguntar-se se valia a pena fazer uma "extratação" para este artigo dos deveres do Estado em matéria de promoção do ensino. Francamente, Srs. Deputados, não, porque o artigo seguinte, de maneira densa e bastante desenvolvida, estatui o que é preciso estatuir e, em matéria de incumbências do Estado na realização de política do ensino, é extremamente preciso, aliás, vai sair desta revisão constitucional ainda mais preciso, uma vez que há tendência para aditar novas alíneas sem perda de conteúdo.
Em suma, Sr. Presidente, a operação jurídico-constitucional cirúrgica, "amputativa" e aditiva não se revela meritória. Nesse sentido, não a votaremos.
O Sr. Presidente: * Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado Ferreira Ramos, por troca com o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, quero só dizer que o CDS-PP concorda com o teor da proposta do PSD e, como tal, retirará o n.º 3 da sua proposta inicial.
O Sr. Presidente: * Obrigado, Sr. Deputado Ferreira Ramos, designadamente pela parcimónia da sua intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, tinha vontade de responder a muitas referências feitas, mas presumo que o interesse da celeridade dos trabalhos me dispensará de entrar em polémicas que não são construtivas.
Vamos, então, ser claros. Primeira questão: densificação de conteúdos e valores que poderiam, numa leitura um pouco perversa e, seguramente, contra qualquer intenção dos proponentes e, julgo, contra qualquer interpretação legítima do que está proposto, densificar exageradamente, quer as obrigações do Estado quer o conteúdo constitucional quanto a estas matérias.
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Quero recordar ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados que o PSD não está a introduzir nada de novo no texto constitucional, ou seja, não estamos a introduzir novos valores, novas baias; estamos a manter o que está no texto constitucional, aliás, a crítica que, por exemplo, o Sr. Deputado José Magalhães fez é a de que retirámos até alguns desses valores. Portanto, não há aqui matéria nova, mas, sim, matéria rearrumada, e gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para isso.
O Sr. José Magalhães (PS): * Retiraram toda a segunda parte…
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Já lá vamos, Sr. Deputado José Magalhães! Vamos ser claros, construtivos e pragmáticos!…
Em nossa opinião, aquilo que não consta da nossa proposta é, naturalmente, matéria que não é necessário estar no texto da lei fundamental, mas, como sabemos, isso faz-se com uma maioria qualificada. Portanto, se o PS diz "na nossa opinião, isto são matérias essenciais ao texto constitucional", não vale a pena estarmos a "chover no molhado"! O PS diz "isto não pode sair da Constituição", e não sai da Constituição, porque não há possibilidade de formarmos uma opinião com a maioria qualificada necessária para alterarmos o texto constitucional nessa área.
Então, vamos ser construtivos, Sr. Deputado José Magalhães. Vamos manter aquilo que na opinião do PS é essencial estar no texto constitucional e que estava retirado na proposta do PSD. O PS diz, por exemplo, que é necessário manter o que está no n.º 3 do actual artigo 73.º. É necessário manter? Então, vamos manter! Porém, a nossa proposta essencial…
O Sr. José Magalhães (PS): * Estamos a caminhar no bom sentido, que é o texto actual!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, Sr. Deputado! Vamos recolocar a questão tal como a colocámos no início: Sr. Deputado José Magalhães e Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, faz algum sentido que o princípio da garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso seja apenas para o ensino?
Deixem-me dar um exemplo concreto.
O Sr. José Magalhães (PS): * Está no artigo 74.º, n.º 3, Sr. Deputado!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, eu estava a ler o artigo 74.º, n.º 1! E a minha pergunta é no sentido de saber se os princípios que estão no artigo 74.º, n.º 1 e, designadamente, no n.º 2, são exclusivos do ensino, ou seja, se podemos e devemos dizer que todos têm garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso só relativamente ao ensino. E por que não relativamente à educação pré-escolar, cuja lei-quadro - repito, para dar um exemplo concreto - aprovámos por unanimidade há pouco tempo?!
É verdade ou não que todas as crianças devem ter direito à não que todos nós, que estamos à volta desta mesa, aprovámos isso em sede de lei ordinária ainda há pouco tempo? Por que não constitucionalizamos essa obrigação? Por que é só relativamente ao ensino que existe este comando constitucional?
O Sr. José Magalhães (PS): * Já está constitucionalizado!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não está, Sr. Deputado! Na nossa opinião, os valores do artigo 74.º, n.os 1 e 2, não têm apenas que ver com o ensino, têm que ver com a educação, o ensino e a cultura. Por isso, na nossa opinião quanto à rearrumação da sistemática do texto constitucional, todos estes princípios devem passar para o artigo 73.º de uma forma mais enxuta.
Evidentemente, a proposta do PSD, além da questão da sistemática, prevê uma condensação no n.º 2 do artigo 73.º que é, na nossa opinião, uma redacção mais enxuta. Mas sobre esse ponto de vista não vale a pena "chover no molhado", porque o PS já disse que não prescinde de nenhum dos pontos do artigo 73.º, dos n.os 2 e 3, designadamente.
Assim sendo, a proposta que fazemos é de, mantendo integralmente tudo o que o actual texto constitucional já acautela sob o ponto de vista dos valores nesta área, mantermos a lógica de que os princípios previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 74.º não são exclusivos do processo de ensino.
Concordo com aquilo que a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita referiu a propósito da precisão dos conceitos; tem toda a razão. Aliás, de uma forma mais ligeira, eu tinha-o referido também na minha intervenção. O problema está em saber se o que o texto constitucional acautela enquanto princípios que devem estar na Lei Fundamental, nos n.os 1 e n.º 2, são exclusivos do ensino. Dei o exemplo concreto de uma lei que recentemente todos aprovámos que prova que isso não é verdade, ou seja, que estes princípios são válidos para as outras áreas, designadamente para as áreas educativas que não têm a ver com o ensino e para a área da cultura.
Portanto, não se perde conteúdo útil do texto constitucional, mas era saudável que alargássemos às outras áreas os princípios que estão limitados apenas ao ensino nesta inserção sistemática da Lei Fundamental e o corpo do artigo 74.º deveria ser apenas o actual n.º 3 com as alterações de especialidade que o Sr. Presidente permitirá que discutiremos a seguir.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela generosidade de V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: * Não tem de quê, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, pergunto se algum de vós deseja colocar alguma nova questão que permita adiantar os termos do debate, porque, caso contrário, deverei fazer a síntese das intervenções já feitas e dizer que não houve da parte do PS e do PCP acolhimento para o essencial das propostas apresentadas pelo PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, quero aduzir um elemento novo, porque creio que o PSD refere vários propósitos da sua proposta, mas não refere tudo o que actualmente está no artigo 73.º e que o PSD deita pela borda fora na sua proposta e isso ainda não foi suficientemente referido neste debate.
Isto é, do artigo 73.º, n.º 3, consta a única referência constitucional às colectividades de cultura e recreio, incumbindo-se o Estado da promoção e da democratização da cultura, constando também a expressão "incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e
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criação cultura em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais" e tudo isto o PSD propõe que seja suprimido do texto constitucional.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Devo confessar que gosto imenso de ouvir ler o texto constitucional, com a voz bem timbrada de V. Ex.ª, é um prazer, e particularmente a esta hora.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sobretudo a esta hora da noite.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Embala!... Mas, salvo o necessário respeito, que sabe que é muito, e apreço pessoal, a última proposta que fiz já ultrapassava isso. Quer o PCP, quer o PS já tinham dito, com um conservadorismo histórico que todos registamos, que era necessário preservar todas as designações, as alíneas, as vírgulas, os substantivos, os adjectivos, os pronomes e advérbios que constam do actual texto constitucional do artigo 73.º, n.os 2 e 3. Já dissemos que, se assim é, "não vale a pena estar a chover no molhado". Vamos manter, por homenagem ao vosso conservadorismo, ao vosso fixismo constitucional, o actual texto da Lei Fundamental.
A questão é outra, é a de saber se o Sr. Deputado António Filipe e o PCP consideram que a garantia do direito à igualdade de oportunidades é apenas para o ensino e não é para outras formas de educação que não têm a ver com o ensino, se não é também para o acesso à cultura?
O Sr. António Filipe (PCP): * Se o Sr. Deputado Carlos Coelho me permite que conclua a minha intervenção, queria dizer que o Sr. Deputado tem razão, porque essa questão está dirimida e a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita já se referiu a ela.
Mas, quis apenas salientar nesta intervenção que o PSD a gravidade da proposta do PSD, porque, o Sr. Deputado Carlos Coelho propunha, com o pretexto referido, que fosse suprimida do texto constitucional a referência a um conjunto de instituições que são fundamentais para a promoção da cultura e da fruição cultural em Portugal.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado, mas isso já está ultrapassado.
O Sr. António Filipe (PCP): * Portanto, é absolutamente inaceitável que uma expressão tão importante na cultura do nosso país como são, por exemplo, as colectividades de cultura e recreio pudesse ser suprimida do texto constitucional, designadamente o artigo que se refere à educação e à cultura.
Essa é uma proposta que, para nós, é grave e que não poderá, de maneira nenhuma, merecer a nossa concordância.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, face àquilo que foi aqui dito, nomeadamente a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, sem desprimor, obviamente, pelas intervenções dos Srs. Deputados do Partido Comunista, trata-se de procurar encontrar um consenso que viabilize a revisão da Constituição, é isso que nos motiva aqui a todos e, portanto, os dois terços são necessários e não há hipótese de fugir a isso.
O Sr. Deputado José Magalhães fundamentou a sua crítica à proposta inicial do PSD no facto de não haver razão que justifique a perda de grande parte do acervo constitucional actualmente aqui redigido. E o PSD, pela voz do Sr. Deputado Carlos Coelho, no sentido de uma aproximação entre as nossas posições, referiu que essa preocupação não deveria ser um obstáculo na medida em que o PSD, pese embora não fosse essa a sua proposta inicial, aceitaria em benefício do efectivo melhoramento do texto constitucional que não se mexesse nas partes do acervo constitucional em vigor que o PS entenda ser importantes e de manter.
Nesse sentido, temos toda a abertura, até porque não vemos no n.º 2 do texto constitucional quanto à educação nenhum conteúdo substantivo relativamente ao qual o PSD tenha a mínima dúvida de adesão. E por não a ter, deve ficar desde já claro que isso não constitui um mínimo obstáculo.
Mesmo da parte da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita - e peço desculpa se entendi mal - não ouvi nenhum argumento que contrariasse a tese de que a educação não se esgota no ensino. Até entendi o contrário da sua intervenção, uma vez que chamou a atenção para o facto de a educação estar para além da escola. Há outros elementos que compõem o direito à educação e que não se esgotam no ensino escolar. Mas não ouvi da parte da Sr.ª Deputada e do Partido Socialista a mínima contestação a que a todos esses outros elementos e vectores da parte da educação não deva prevalecer a ideia da igualdade de oportunidades, do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade a par do desenvolvimento da personalidade.
Nesse sentido, penso que há aqui um ponto de convergência possível. Por entendermos que a questão da educação é uma questão demasiado importante para que os partidos se refugiem em posições fixistas e não façam um esforço sério e aberto no sentido de melhorar claramente o texto constitucional.
Atendendo a que já é meia-noite, a que já estamos na hora terminar a reunião, o PSD pede ao Sr. Presidente que haja abertura para poder formular uma proposta que, mantendo todo o acervo constitucional, dificilmente possa, face às posições que foram assumidas à volta desta mesa, ser negadas pelos partidos presentes.
Peço especial atenção do Sr. Presidente para isso, porque até este momento o PSD nunca pediu expressamente que uma matéria que não fosse votada, porque nos parece que a educação não é uma matéria qualquer. Penso que não devemos terminar a reunião com uma votação que fixe os partidos numa posição imobilista relativamente ao problema da educação, que nos interessa a todos.
Portanto, repito, o PSD pede autorização ao Sr. Presidente e a compreensão dos outros Deputados para poder formular um texto, que será presente logo no início da reunião de amanhã - de resto, retomando os trabalhos depois do sono que espero que seja bom conselheiro principalmente para o Sr. Deputado Osvaldo Castro e para os Deputados do Partido Socialista -, em que procuraremos, atentos a tudo aquilo que aqui foi dito, buscar um entendimento
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que melhore claramente o texto constitucional e que lhe inclua valores essenciais para todas as pessoas que manifestaram aqui as suas posições.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr.ª Deputada Celeste Correia.
A Sr.ª Celeste Correia (PS): * Sr. Presidente, o PSD faz uma referência, no n.º 2 do artigo 73.º, ao desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância e a propósito disto quero só fazer um comentário.
O conceito de tolerância, na tradição anglo-saxónica, é perfeitamente aceitável e claro, mas na tradição latina tem uma carga não positiva e uma carga paternalista que não é detectável à primeira vista pelos falantes da língua portuguesa, mas que existe.
Não devo tolerar; devo é respeitar. Quem tolera não considera o outro como igual, considera-o um não igual a quem se concede uma benesse. Pode parecer académico mas não é. E é profundamente repudiado e sentido, por exemplo, em Portugal pelas minorias étnicas aqui residentes.
O Sr. Presidente: * A Sr.ª Deputada Celeste Correia coloca-nos um problema que merece, sem dúvida, ponderação.
Se mais nenhum dos Srs. Deputados quer usar da palavra darei por encerrados os nossos trabalhos até amanhã para retomarmos o artigo face às propostas que entretanto derem entrada na mesa.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 0 horas e 5 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL