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Quarta-feira, 21 de Maio de 1997 II Série - RC - Número 93

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 20 de Maio de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 10 horas e 35 minutos.
Concluiu-se o debate e votação das propostas de alteração ao artigo 73.º e foram ainda discutidas e votadas as relativas aos artigos 74.º a 79.º, tendo-se iniciado a discussão do artigo 80.º.
Produziram intervenções, a diverso título, os Srs. Deputados Carlos Coelho (PSD), José Calçada (PCP), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP), António Reis (PS), Carlos Encarnação (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Moreira da Silva e Calvão da Silva (PSD) e Luís Sá (PCP).
Entretanto, o Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) protestou pelo facto de o representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP ter estado ausente da reunião durante bastante tempo, após o que interveio, além do Sr. Presidente, que deu conhecimento de que embora estivessem a decorrer as Jornadas Parlamentares do CDS-PP havia anuência da Presidente do Grupo Parlamentar para a realização da reunião da Comissão, o Sr. Deputado António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, se não erro, estamos em sede de apreciação do artigo 73.º, que tem por epígrafe "Educação, cultura e ciência".
Já começámos, em segunda leitura, por fazer uma abordagem ao normativo do artigo em causa, mas sucede, como sabemos, que, da primeira leitura, tudo visto e concluído, após uma larga reflexão sobre oportunidades de re-sistemática do capítulo relativo aos "Direitos e deveres culturais", essa possibilidade foi abandonada, desde logo - e peço ao Sr. Deputado José Calçada que me corrija, se não disser a verdade toda -, por oposição do PCP.
Ficámos, depois, com uma questão em aberto: a da possibilidade de autonomizar a matéria relativa à ciência num artigo novo, que, aliás, era apresentado pelo PSD como artigo 78.º-A. Esta questão mereceu, no entanto, reservas da parte do PS, que, até ao momento, se bem interpreto as posições tomadas, não terá sido concludente sobre a sua posição definitiva.
Convido, pois, os Srs. Deputados a clarificarem estes aspectos que estão em aberto.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, julgo que V. Ex.ª resumiu muito bem o ponto em que abandonámos os trabalhos na última reunião, quando se discutiu esta matéria da "Educação, cultura e ciência", a qual terá ocorrido, se a memória não me falha, na quinta-feira à noite.
Devo confessar, no entanto, que tinha considerado mais pacífica a questão da autonomização da ciência. Julguei entender, das posições do PS, uma posição de abertura, em princípio, à possibilidade não só de autonomizar a ciência no texto constitucional como de valorizar as referências que constam do texto da Lei Fundamental relativamente a essa área.
Agora, em relação aos artigos 73.º e 74.º, e utilizaria só 10 segundos para esclarecer este aspecto, uma vez que o Sr. Presidente já disse o essencial, de forma particularmente veemente, por intervenções do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, considerou-se que não devíamos prescindir de tudo o que já consta do acervo constitucional e, portanto, qualquer proposta de rearrumação dos artigos e de dar mais dignidade à área do ensino, colocando-o logo no primeiro artigo deste capítulo, não poderia prejudicar o que já consta do acervo constitucional.
Portanto, para nos centrarmos no que é essencial, parece-me que essa foi a grande questão política que resultou das intervenções quer de Deputados do PS quer de Deputados do PCP.
Nesses termos, Sr. Presidente, entrego-lhe duas propostas de alteração, do artigo 73.º e do artigo 74.º, as quais vão ao encontro da nossa preocupação de melhorar a sistemática e o enquadramento de alguns valores que, na nossa opinião, não são exclusivos do ensino mas correspondem à preocupação manifestada pelos Srs. Deputados que acabei de referir. Ou seja, na nossa proposta de texto, que entrego de seguida na mesa e que peço a V. Ex.ª para mandar distribuir, quer do artigo 73.º, quer do artigo 74.º, em nada é prejudicado o actual acervo constitucional, mantendo-se, na íntegra, o essencial do texto da actual Lei Fundamental.
Há apenas aqui um entre parêntesis interrogado que tem a ver com uma objecção que nos pareceu merecedora de atenção, da parte da Sr.ª Deputada Celeste Correia, nessa reunião, a propósito do problema da "tolerância" ou do "respeito". Nessa medida, está aqui, na proposta de texto que pedi ao Sr. Presidente para mandar distribuir, um entre parêntesis interrogado, com a possibilidade de optarmos por "respeito" ou por "tolerância" ou, ainda como outra alternativa, pelas duas, isto é, "respeito" e "tolerância", abrindo o leque do significado da expressão e enriquecendo, portanto, sob esse ponto de vista, o texto constitucional. Recordo que "tolerância" é a expressão que já consta no actual texto da Lei Fundamental.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, admitir, de imediato, estas propostas, as quais irão ser distribuídas.
Entretanto, não sei se algum Sr. Deputado deseja pronunciar-se…

O Sr. José Calçada (PCP): - Gostava de ver as propostas, Sr. Presidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - É melhor ver as propostas, para não disparar primeiro…

O Sr. Presidente: * Vamos, então, aguardar, Srs. Deputados.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Pela minha parte, tudo bem, embora correspondam àquilo que eu disse, Srs. Deputados, como terão ocasião de ver.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não tenho a menor dúvida disso!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há "coelho escondido com o rabo de fora"!

O Sr. José Calçada (PCP): - Não! De modo nenhum!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Essa expressão não me parece muito…

O Sr. José Calçada (PCP): - É pouco curial!

O Sr. Presidente: - Sobretudo vinda de onde vem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Em época de defeso, não faz qualquer sentido!

Risos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, se me permite…

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, só para aproveitar o tempo, enquanto se tiram as fotocópias, pois julgo que há uma preocupação legítima de celeridade, talvez fosse bom o Sr. Deputado José Magalhães - a quem peço desculpa por interromper a leitura do documento que está a fazer - esclarecer perante a Comissão esta dúvida que ficou, da reunião de quinta-feira, e que resultou na interpretação do Sr. Presidente e na minha própria.
A nossa convicção é a de que o PS, embora não tivesse celebrado nenhum compromisso aqui, no plano da Comissão, e sobretudo não tivesse antecipado nenhum sentido de voto, tinha manifestado abertura para autonomizar, do artigo 73.º, o n.º 4, que é a parte relativa à ciência, configurando-o como artigo novo e, eventualmente, enriquecendo o actual texto da Lei Fundamental, alargando um pouco o âmbito das referências que nela constam relativamente à ciência e à investigação científica.
O Sr. Presidente, agora, na síntese que fez dos trabalhos de quinta-feira, pareceu fazer um resumo um pouco mais negro ou mais cinzento relativamente a essa possibilidade.
Portanto, aquilo que gostaria de saber, em nome do PSD, é se a nossa interpretação foi errada e aquilo que julgámos ver, da parte do PS, como uma abertura razoável para a autonomização da matéria relativa à ciência se confirma ou se, de facto, o PS não está minimamente disponível para dar à ciência uma maior dignidade no texto da Lei Fundamental.

O Sr. Presidente: - A questão é colocada à consideração geral ou tem um destinatário directo?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não! É uma questão colocada a todos, mas há um problema de interpretação relativamente ao estado dos trabalhos de quinta-feira. Ficámos com a sensação de que havia abertura para considerar essa possibilidade; o Sr. Presidente, no resumo que fez…

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, suponho que os Srs. Deputados interlocutores estão na expectativa de conhecer a proposta…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não! Mas isto nada tem a ver…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Essa proposta foi feita na primeira leitura, com uma alteração que o Dr. Vital Moreira propôs.

O Sr. Presidente: - Eu sei! Aliás, já a referi.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a proposta onde se estabelece: "É garantido o direito(…)".
Se quiser que eu a redija, posso redigi-la, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, esta questão da autonomização da ciência não está dependente das novas redacções dos artigos 73.º e 74.º. São coisas diferentes! Ou seja, as propostas que estão agora a ser distribuídas têm a ver com a rearrumação dos artigos 73.º e 74.º, de acordo com aquilo que o PSD tinha proposto aqui, na quinta-feira, salvaguardadas as objecções de princípio do PS e do PCP de não prejudicar o acervo constitucional.
A questão da autonomização do n.º 4 do artigo 73.º num novo artigo sobre ciência é uma questão diferente, que não é nada prejudicada nem condicionada por estes textos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas estão à consideração. Alguém deseja usar da palavra?

Pausa.

Srs. Deputados, posso adiantar que, relativamente ao n.º 3 do artigo 73.º, aparentemente não há qualquer alteração, correspondendo ao espírito da primeira leitura.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente! E correspondendo às objecções colocadas quer pelo Sr. Deputado José Magalhães, tanto quanto a memória me permite recordar, quer pelo Sr. Deputado José Calçada e pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita…

O Sr. Presidente: - Não funcionalizar a cultura a qualquer tipo de constrangimento por pressuposto ou por finalidade.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Portanto, o n.º 3 será mantido, o n.º 2 é rearranjado, mantendo-se o acervo constitucional quer do actual artigo 73.º quer do actual artigo 74.º, correspondendo àquela ideia-base que foi aqui expressa na quinta-feira à noite, ou seja, há princípios que estão na Constituição a determinar um comprometimento do Estado relativamente ao ensino que não podem ser entendidos exclusivamente relativamente ao ensino mas também à educação. E dei o caso concreto da educação pré-escolar, que resulta, no contexto da "paixão" socialista por estas matérias, como uma área em que até houve, recentemente, produção legislativa desta Casa, através da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar.
Por outro lado, tudo aquilo que está hoje vertido no texto fundamental, no artigo 74.º, relativamente, por exemplo, à garantia do direito à igualdade de oportunidades, à preparação dos cidadãos para participar democraticamente numa sociedade livre, à promoção da compreensão mútua, da tolerância e do espírito de solidariedade são cada vez menos preocupações que devam guiar exclusivamente a nossa intervenção no plano do ensino, uma vez que a devem guiar também no plano da educação. Ou seja, na educação pré-escolar, quer-se seguramente, desde logo, habilitar as crianças com sensibilidade para a compreensão mútua, para a tolerância, para o espírito de solidariedade, etc.
Portanto, consideramos que todos estes princípios que estão no actual texto da Lei Fundamental exclusivamente virados para o ensino devem também estar vertidos na área da educação e, nessa medida, devem ser, de certa forma, promovidos para o artigo 73.º, com a nova redacção que propomos para o n.º 2 desse artigo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, posso fazer-lhe uma sugestão? Como os destinatários da proposta, que são os demais Deputados, estão numa disposição positiva, talvez todos ganhássemos se permitíssemos ao Sr. Deputado José Magalhães que exprimisse uma opinião.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, são apenas 2 segundos. Não está cá a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita mas quero chamar a atenção para o seguinte: verificarão, pelo n.º 2, que não surge, no texto, a palavra ensino. E não surge na sequência daquela que foi a intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, que chamou a atenção para o facto de que aquilo que o actual texto constitucional refere, entre vírgulas, a seguir a educação, quando estabelece "(…) realizada através da escola e de outros meios formativos, (…)", se deve entender como englobando o ensino. Ora, como o ensino já está aqui englobado, nesta extensão da redacção do n.º 2, não inserimos a palavra "ensino" na nossa proposta para o n.º 2 do artigo 73.º.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, quero apenas fazer três observações.
Em primeiro lugar, não inseriram a palavra "ensino" no n.º 2 mas inseriram-na na epígrafe e no n.º 1, o que, em face do critério anunciado pelo Sr. Deputado Marques Guedes, não faz sentido, dada a tese de abrangência da educação, e porque, por outro lado, não há, depois, nenhum número específico sobre o ensino, isto é, o n.º 2 é abrangente e o artigo 74.º e seguintes tratam do ensino.
Portanto, de acordo com estas propostas, não parece determinante alargar a epígrafe do artigo 73.º, deste ponto de vista técnico-jurídico, se for para uma reproclamação do direito ao ensino, o qual está proclamado actualmente no artigo 74.º, onde se estabelece que "Todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade (…)", estabelecendo-se também na proposta para o artigo 73.º, n.º 1, que "Todos têm direito à educação, ao ensino e à cultura.".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, Sr. Deputado! Posso interrompê-lo, Sr. Deputado, com a autorização do Sr. Presidente?

O Sr. José Magalhães (PS): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É que o Sr. Deputado José Magalhães não está a ver a nossa proposta para o artigo 74.º! No artigo 74.º, eliminamos o n.º 1, porque, a não ser assim, então, sim, haveria uma repetição; eliminamos o n.º 2, porque todos esses valores do actual acervo constitucional do n.º 2 já estão na nossa proposta para o n.º 2 do artigo 73.º e a única ideia que ficaria prejudicada, em termos de acervo constitucional, que era esta ideia de garantir a igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, passamo-la para primeira alínea do n.º 3 do artigo 74.º, número esse que passa a ser o corpo único do artigo 74.º.

O Sr. Presidente: - De acordo com a vossa proposta, o artigo 74.º ficaria com um corpo único?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente! Ficaria com um corpo único.
Portanto, essa repetição, de que o Sr. Deputado José Magalhães nos está a acusar, peço desculpa mas com amizade lhe digo, resulta de uma deficiente leitura da nossa proposta para o artigo 74.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, e se me permite também, para esclarecer melhor,…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em termos de resposta às observações do Sr. Deputado José Magalhães, é evidente que, do nosso ponto de vista, faz todo o sentido a epígrafe do artigo 73.º ser "Educação, ensino e cultura", porque se trata do primeiro artigo deste capítulo e, no desenvolvimento do capítulo, à semelhança daquela que é a técnica da Constituição em praticamente todos os capítulos ou em vários capítulos, há, depois, um artigo específico para a cultura, há outro para o ensino e a educação é o "chapéu" que fica no primeiro artigo.
O Sr. Deputado José Magalhães estava a dizer que a palavra "ensino" escusava de estar na epígrafe mas, então, pela mesma ordem de razões, a cultura também escusava de lá estar. Não, Sr. Deputado! Isso faz todo o sentido, precisamente porque este artigo funciona como os princípios gerais para toda esta panóplia de direitos e, depois, o capítulo desenvolve artigos específicos para o ensino e para a cultura, sendo autonomizada a questão da investigação científica, porque os valores que estão em presença são diferentes.
É evidente que o desenvolvimento da investigação científica não tem em vista desenvolver o espírito de tolerância e de solidariedade das pessoas, tem a ver com outros valores. De facto, o acervo de valores que pretendemos que tenha a ver com a educação, o ensino e a cultura não é aplicável à área da investigação científica. Aliás, é apenas por isso que a investigação científica deve ser autonomizada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Só porque vem a talhe de foice, e concordará comigo facilmente, o Sr. Deputado Marques Guedes diz que a questão da tolerância e outras que referiu a seguir, mas já não sei quais,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Solidariedade…

O Sr. José Calçada (PCP): - Exacto! Disse que a questão da tolerância, da solidariedade, etc., nada têm a ver com a ciência, mas isso não é verdade. Não é, de modo nenhum, verdade! Sabemos dos problemas morais que se colocam, em termos de investigação científica, e poderia recordar muitos outros mas lembro apenas dois em que se levantaram questões morais: por exemplo, em relação à produção, lançamento e utilização posterior da bomba atómica, lembro os problemas do Oppenheimer, do Einstein e do Niels Bohr a esse respeito, na área científica e na área da moral, da deontologia, dos deveres para com a humanidade, etc. Mais recentemente, o que não é nada despiciendo, lembro o problema dos bombardeamentos do Vietname, com os

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desfolhantes, o produto laranja - sem piada para os presentes mas porque era assim que, na altura, se chamava o produto, uma vez que tinha a cor laranja -, o qual também levantou problemas gravíssimos acerca da fronteira entre a investigação científica, entre a chamada ciência pura e a ciência aplicada, nomeadamente porque, por exemplo, a Bayer, passo a publicidade, com uma investigação científica de base, permitia aumentar as colheitas de maneira espectacular e matar a fome a milhões de pessoas e, exactamente com a mesma investigação, sem nenhum tipo de alteração, produzia os agentes laranja e permitia os bombardeamentos anti-humanitários, para não dizer mais, verdadeiramente catastróficos do Vietname, cujos resultados ainda hoje o Vietname está a sofrer.
Estas questões não permitem, de modo nenhum, peço desculpa, particularmente no texto constitucional, que é um texto extremamente englobante e não pode deixar de o ser, como é óbvio, colocar à margem da ciência as questões que acabou de referir.
Percebo, como é evidente, não tenho dúvidas, e concordará comigo naquilo que acabei de dizer, que, ao dizer o que disse, o que o Sr. Deputado Marques Guedes, no fundo, pretende dizer é que, no plano prático, no plano do quotidiano imediato, provavelmente, as questões não se colocam. Essas questões não se colocam a nível da investigação científica com a mesma acuidade directa com que se colocam, eventualmente, a nível da educação ou do ensino. Mas, se calhar, não é tanto assim quanto parece à primeira vista. Basta que chamemos à colação questões como aquelas que acabei agora de referir.
Daí ter grande dificuldade em subscrever essa tese e retirar daí, para o texto constitucional, as ilações que, eventualmente, se possam tirar.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Calçada. Vamos ver se reciclamos os termos do debate.
Srs. Deputados, as questões da promoção da compreensão mútua e da tolerância estão actualmente inscritas no artigo constitucional que se reporta ao ensino. Actualmente, elas nem sequer estão relacionadas com as funções da ciência.
Portanto, a questão teria eventual razão de ser se estivéssemos a apreciar qualquer amputação quanto às finalidades ou quanto ao ambiente, em termos de pressupostos orientadores, em que deveria decorrer a ciência e a investigação científica em Portugal. Não é efectivamente o caso, à luz, designadamente, do actual artigo 73.º.
Por outro lado, Srs. Deputados, quero colocar à vossa consideração o seguinte: os objectivos da revisão constitucional visam, parece-me a mim, contribuir para, na medida do possível, superar ou melhorar o texto constitucional, com vista à melhoria geral da ordem jurídica. Ora, não vi, até ao momento, nestes esforços de reestruturação, quais são os objectivos de alcance efectivo que não sejam uma pura intenção de reestruturar ou de reescrever a Constituição. Talvez seja preciso, pois, fazer alguma fundamentação desses aspectos, porque, entretanto, corremos o risco de não sairmos daqui, Srs. Deputados. Estamos à volta das redacções mas temos de ver o alcance final dos objectivos de transformação que estão a ser propostos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa a todos mas isto resulta, provavelmente, do facto de termos feito esta discussão em dias separados. Começámos a apreciar esta matéria na quinta-feira, depois, no meio, tivemos a temática do ambiente e, agora, regressámos à educação.
Se, dessa dúvida, alguma responsabilidade me cabe, como Deputado que fundamentou a proposta, peço desculpa por não ter sido suficientemente claro perante a Comissão.
Aquilo que tentei provar, perante a Comissão, na quinta-feira à noite, em termos sucintos e resumidos, para não repetir tudo aquilo que disse na altura e que consta das actas, foi o seguinte: o ensino é a parte essencial do processo educativo, embora não esgote todas as preocupações da educação, e durante muito tempo foi o essencial, para não dizer quase o exclusivo, da responsabilidade do Estado na área da educação. Isso já não é assim! Hoje, há um conjunto de intervenções que resultam quer da acção do Estado, quer da acção de entidades do sector social e cooperativo, quer da acção de entidades do sector privado e que reforçam a intervenção no processo educativo em áreas que não são de ensino. Dei o exemplo mais claro da educação pré-escolar, que não é ensino mas é educação e cuja generalização resulta de uma lei recentemente aprovada na Assembleia.
Há um conjunto de objectivos, de valores, de guide-lines - diria o Deputado José Magalhães, utilizando um anglicismo - que estão na actual Lei Fundamental e que estavam limitados ao sector do ensino. Recordo a igualdade de oportunidades, a sensibilidade para a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade, a motivação dos cidadãos para a participação democrática numa sociedade livre.
A questão que se coloca é a seguinte: são princípios que o legislador constituinte quer limitar exclusivamente ao ensino? São ou não princípios que devem ter projecção na educação pré-escolar, por exemplo, ou seja, na área da educação que não se confina ao sistema de ensino, que não é educação escolar, que não é ensino mas é transmissão de saberes?
A nossa convicção é a de que é aí que eles se colocam cada vez mais. O princípio que o legislador ordinário quis contemplar, em sede de Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, foi não o princípio da obrigatoriedade mas o princípio da universalidade. Ou seja, não obrigamos as crianças entre os 3 e os 6 anos a estarem na educação pré-escolar mas vamos, por força da acção do Estado e por força do apoio do Estado à iniciativa privada, social e cooperativa, criar condições para que todas as crianças, se as respectivas famílias o desejarem, possam recorrer à educação pré-escolar.
Faz ou não sentido, neste quadro de universalização, que estes princípios, que estão no actual texto da Lei Fundamental exclusivamente circunscritos ao ensino, passem a ser promovidos para a educação? Aqui, trata-se de uma questão de conteúdo e não apenas de rearrumação, Sr. Presidente, embora, como o Sr. Presidente sabe, melhor do que eu, a questão da rearrumação também tenha um significado político e um significado claro no texto da Lei Fundamental. Se nós promovermos o ensino como parte essencial do processo educativo para o primeiro artigo deste capítulo dos "Direitos e deveres culturais", estamos a promover a atenção que a Constituição dá à área do ensino como parte essencial e fundamental do processo educativo.
Portanto, importa ter em atenção estas duas questões: não limitar princípios que o actual texto da Lei Fundamental acautela e que nós mantemos na íntegra, não os limitar

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exclusivamente ao processo de ensino mas passá-los para o processo educativo, ou seja, dar-lhes uma maior amplitude, como nos parece razoável e sustentável ou defensável, e, de certa forma, promover, no texto da Lei Fundamental, a colocação do ensino logo, com referências claras, no primeiro artigo deste capítulo dos "Direitos e deveres culturais".
Sr. Presidente, só para resumir, direi que a única preocupação de princípio, a única objecção de princípio que quer o PS quer o PCP suscitaram na quinta-feira à noite não foi nem relativamente a esta rearrumação nem relativamente às questões conceptuais. Aliás, vários Deputados concordaram com aquilo que eu disse na altura. O problema que se colocou foi o de saber se, com essa rearrumação, com a proposta mais sintética que o PSD havia proposto, se perdia alguma matéria essencial do acervo constitucional.
Na nossa opinião, faria mais sentido a proposta sucinta que apresentámos mas, como a preocupação política legítima e respeitável - com a qual não concordamos mas que é legítima e respeitável - foi a de não perder nada do que a actual Lei Fundamental consagra, em termos de acervo constitucional, fizemos esta proposta, a qual salvaguarda estes dois princípios que agora acabei de referir sem prejudicar aquilo que os Srs. Deputados do PS e do PCP disseram que era a questão essencial, que é o acervo constitucional.
Creio que a nossa proposta, agora distribuída, respeita na íntegra a grande objecção de princípio que quer Deputados do PS quer do PCP suscitaram na quinta-feira à noite.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, está compreendido o seu ponto de vista, que é respeitável, mas vamos ouvir o ponto de vista do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, exprimimos a nossa indisponibilidade para rearrumações com perda de conteúdo e, em segundo lugar, para rearrumações por rearrumações. A reescrita pela reescrita, como sabe, não merece o nosso consenso. Nessa matéria, temos, naturalmente, uma divergência, mas isso é normal, é perfeitamente democrático.
O Sr. Deputado Carlos Coelho acabou de, mais uma vez, não demonstrar qualquer vantagem na rearrumação com a eliminação dos n.os 1 e 2 do artigo 74.º e transposição parcial para o artigo 73.º.
Não acredito que, desse ponto de vista, na narrativa constitucional actual haja qualquer das desvantagens apontadas e, sobretudo, qualquer erro de percepção da relevância do ensino e da relevância da educação como conceito complexivo e abrangente de diversas dimensões do processo de formação humana. E, sobretudo, recuso-me a fazer essa interpretação do texto constitucional, a qual, aliás, não é feita correntemente por ninguém.
Obviamente que, se o Sr. Deputado Carlos Coelho estivesse a escrever a Constituição do PSD ou se estivéssemos aqui a escrever pela primeira vez uma constituição, talvez a questão da arrumação e da narrativa constitucional se pudesse colocar noutros termos, mas, francamente, não sou capaz de discutir a Constituição sobre uma folha branca, porque não estamos, de facto, perante uma folha branca, nela estão inscritas noções narrativas que fazem, deste ponto de vista, perfeito sentido.
Portanto, "não" à eliminação do n.º 1 do artigo 74.º, com reinserção; "não" à eliminação do n.º 2 do artigo 74.º, com reinserção parcelar; e "não" à eliminação do n.º 3 do mesmo artigo. "Sim" a quê? "Sim", talvez, Sr. Presidente, à inclusão, no n.º 2 do artigo 73.º, de menções a conceitos como igualdade de oportunidades, respeito e outros, mas não muito mais, apenas mais dois, se não estou em erro, que neste momento não estão explicitados, embora estejam contidos nos conceitos genéricos e relativamente indeterminados já constantes do artigo.
Portanto, não vemos qualquer desvantagem, desse ponto de vista, em incluir, por exemplo, a menção à igualdade de oportunidades, mas repito…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E à superação das desigualdades económicas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim! E à superação… Isso é o articulado do n.º 2 do artigo 74.º actual transposto para a educação. Merece todo o nosso apoio, porque é um princípio de progresso e de defesa da igualdade perfeitamente compatível com várias ideologias que estão sentadas à volta desta mesa e até de outras.
Quanto à alusão ao respeito, até creio, Sr. Presidente, que podemos, com vantagem, transpô-la também para o n.º 2 do artigo 74.º actual e fazer alusão ao espírito de respeito e de tolerância, sem qualquer problema. Não por um qualquer conceito de tolerância, vista como atitude condescendente em relação a convicções de carácter político ou diferenças de carácter humano, racial, económico ou outras, mas porque o conceito de respeito em si mesmo é relevante e, digamos, enriquece a galeria axiológica da Constituição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a dificuldade que tenho em interpretar as posições assumidas até agora tem a ver com o facto de saber se não corremos o risco de, na reescrita parcial, deixarmos alguma coisa que possa ter, na integração sistemática, alguma menos coerência.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como, por exemplo?

O Sr. Presidente: - Pergunto, por exemplo, se com este encorpar do n.º 2 do artigo 73.º e consequente desencorpar do n.º 2 do artigo 74.º…

O Sr. José Magalhães (PS): - O consequente, na nossa leitura, não existe, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Então, é uma reprodução normativa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Absolutamente! Na nossa leitura não há eliminações.

O Sr. Presidente: - Portanto, a proclamação do direito ao ensino, designadamente, ficaria…

O Sr. José Magalhães (PS): - Absolutamente igual!

O Sr. Presidente: - … reproduzida em sede dos artigos 73.º e 74.º!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, sim!

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E respeito e tolerância também!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, porque enfermo de uma desvantagem grave, embora circunstancial, como espero, que radica no facto de eu não ter estado presente aqui nas últimas horas da discussão. E isto significa que, provavelmente, me terão escapado, porque não estava cá, as excelentes razões que o PSD, pela voz do Sr. Deputado Carlos Coelho, provavelmente, terá na altura aduzido para promover esta rearrumação. Se calhar, na altura foi muito claro, mas agora não o foi ou, pelo menos, não apresentou qualquer vantagem específica. Se disse o mesmo nas outras horas, então, não disse mais do que agora e, se é assim, não me convenceu da bondade da rearrumação.
Agora, isso sim, parece-me que é fundamental - e em relação a isso julgo que é consensual a posição das pessoas aqui à volta desta mesa - que se dê ênfase bastante à componente "ensino" na Constituição da República, independentemente de ela poder funcionar, e geralmente funciona, mas nem sempre, como uma componente da cultura, etc., etc.
Julgo que essa componente deve ser, de facto, devidamente enfatizada - nisso estamos todos de acordo -, e deve sê-lo porque o ensino está muito ligado a uma visão instrumental, à certificação… E embora todos tenhamos alguma admiração, pelo menos quando estamos sozinhos com o nosso travesseiro, pelas teorias do Ivan Ilich, do "abaixo a escola", etc., etc., isso pode ser muito engraçado, mas a verdade é que, para além disso, há uma questão muito concreta, que é a que tem a ver com o desenvolvimento dos povos, com o acesso à educação, com a cultura, e com a capacidade de melhorar e de alterar o mundo, e essas coisas hoje não se fazem com as boas vontades ilichianas e coisas desse tipo, por muito interessantes que elas possam ser.
Neste quadro, é evidente que subscrevemos as preocupações no sentido de se dar uma ênfase muito grande à componente "ensino". Estamos de acordo com isso! No entanto, já não vemos qualquer vantagem especial nesta rearrumação. Francamente, não a entendi, mas a culpa pode ser minha, admito.
Se não for demais, se, porventura, o Sr. Deputado Carlos Coelho ou o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ou ambos, nos pudessem dar algumas razões, que, se calhar, terão dado noutra ocasião, seria interessante.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço muito desculpa, mas não estamos a recomeçar um debate como se nada tivesse acontecido. Não podemos fazer isso!
Portanto, vinha da primeira leitura uma hipótese, que mais não era do que isso, de reequacionar o n.º 2 do artigo 73.º e uma hipótese de vir a habilitar com uma nova norma a matéria relativa à ciência e à investigação científica e tecnológica.
Veremos se assim será ou não, mas peço-vos que não reeditem toda a discussão feita e que se procurem centrar na bondade ou menos bondade das soluções que acabam de ser apresentadas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, a quem dou a palavra.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, irei responder ao Sr. Deputado José Magalhães, mas, antes, peço-lhe apenas 30 segundos para responder a esta questão que foi levantada pelo Sr. Deputado José Calçada.
Proponho ao Sr. Deputado José Calçada o seguinte exercício: pegue no artigo 74.º da actual lei fundamental, veja os n.os 1 e 2, isto é, os princípios que estão no actual acervo constitucional, e pergunte a si próprio e à sua bancada se acha razoável que estes princípios, que estão consagrados só para o ensino, sejam consagrados também para a educação, para todo o sistema educativo. Essa é a nossa principal objecção! Essa é a nossa principal objecção!

O Sr. José Calçada (PCP): - O mais acolhe o menos! O contrário é que não!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Correspondendo ao pedido do Sr. Presidente, não quero reintroduzir todo o debate, mas esta é que é a questão de fundo. Todos os princípios que aí estão fazem sentido relativamente a toda a preocupação educativa, a todo o sistema educativo, e não apenas à área do ensino.
Se calhar, na altura em que a Constituição foi feita, não era tão relevante pelas circunstâncias do estádio do sistema educativo, mas hoje é mais relevante, sobretudo depois de todos nós, por expressiva unanimidade, termos aprovado a lei-quadro da educação pré-escolar.
Portanto, estas preocupações são preocupações da educação e não apenas do ensino, e, por essa razão, consideramos que estes princípios devem estar no artigo 73.º e não apenas no artigo 74.º.
Depois, há aquele problema emblemático de saber se deve haver ou não referência clara relativamente ao ensino no artigo 73.º, ou seja, no primeiro artigo do capítulo "Direitos e deveres culturais". Sobre isso já falei agora, portanto, poupo o Sr. Deputado e todos os outros Srs. Deputados de repetir argumentos.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, quero congratular-me pela abertura manifestada de enriquecer o n.º 2 do artigo 73.º em termos parecidos com aqueles que propusemos, ou seja, que aqueles valores que, para nós, não se devem circunscrever ao ensino possam ter acolhimento na parte da educação.
Saudamos a disponibilidade do Sr. Deputado José Magalhães por duas razões: em primeiro lugar, porque se trata de uma evolução relativamente a uma primeira posição mais fechada que tinha sido expressa na quinta-feira - vemos que as noites foram boas conselheiras -, que não podemos deixar de assinalar e de cumprimentar; e, em segundo lugar, porque prova que o debate valeu a pena.
Embora pressionado pela desejável celeridade que todos queremos imprimir a estes trabalhos, valeu a pena fazer este debate e enriquecer o artigo 73.º, nos termos em que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de referir.
A única questão que fica - e peço ao Sr. Deputado José Magalhães que a veja com cuidado, porque aqui não se trata de uma questão de bravata - é que, se repetirmos exactamente os textos, isto pode ficar um bocado redundante. Se colocamos princípios na parte da educação, que, depois, vamos repetir, ipsis verbis, na parte do ensino, estamos a repetir coisas, o que, se calhar, não faz sentido no texto constitucional.
Percebo a argumentação de princípio. Mas o que o Sr. Deputado José Magalhães disse é que não queria retirar valores do actual acervo constitucional. Agora, aqui não se trata de retirar, porque, se estamos a metê-los no artigo 73.º, eles tornam-se dispensáveis no artigo 74.º, porque

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lhes estamos a dar maior abrangência. Se eles respeitam à educação, toda ela, e não apenas ao ensino, respeitam também ao ensino! Repetir no artigo 74.º uma coisa que já está dita no artigo 73.º não me parece a melhor técnica em termos de redacção constitucional e é um bocado redundante.
Mas se este for o preço do consenso para metermos estes valores na parte da educação, não está cá quem falou! Agora, creio que o texto constitucional ficava mais enxuto e mais perfeito se tudo aquilo que consagrarmos no artigo 73.º, graças ao consenso que o Sr. Deputado José Magalhães agora manifestou, deixar de constar no artigo 74.º, porque a sua preocupação e a dos Deputados do PCP era não prejudicar o acerto constitucional, e isso está garantido.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Só um momento, Sr. Deputado.
Peço aos Srs. Deputados para tentarem, na medida do possível, como é evidente, não reproduzirem o tempo - e não é ao Sr. Deputado que me dirijo particularmente ao fazer esta observação.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, estive na discussão que tivemos na última reunião e creio ter percebido o que está neste momento em causa.
Creio que não devemos esvaziar o conteúdo do artigo 74.º em benefício do artigo 73.º. Creio que o artigo 74.º refere-se ao ensino e tem objectivos específicos que estão aí estabelecidos claramente. Compreendo a ideia de dizer que isto pode não se referir apenas ao ensino e, portanto, que se deve transferir tudo para o artigo 73.º, mas creio que provocamos também uma diluição de objectivos que estão claramente estabelecidos para o artigo 74.º.
Se podemos dizer que o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais, creio que isto, de facto, refere-se muito mais ao ensino (artigo 74.º) do que propriamente a toda esta vasta matéria da educação, cultura e ciência que está no artigo 73.º.
Podemos dizer que, através de um sistema educativo, é possível, de alguma forma, contribuir para a superação das igualdades económicas, sociais e culturais, mas também o podemos dizer directamente e com certeza. Se dissermos isto, referindo-nos, designadamente, à cultura ou à ciência, creio que… Em alguma medida, também o podemos dizer, mas creio que de uma forma mais mediatizada.
Portanto, se o vamos deslocar, pura e simplesmente, do artigo 74.º, corremos o risco de diluir excessivamente os objectivos que a Constituição estabelece relativamente ao ensino. Tenho, por isso, alguma reserva em relação a essa deslocação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, quer repetir isso no artigo 74.º?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, este é um momento em que a especificidade da tecnicidade jurídica é suposto intervir, de alguma forma, para, segundo o Sr. Deputado Carlos Coelho, cuja boa vontade percebo, sublinhar que a Constituição já diz o que quer e não deve dizer, de resto, o contrário, nem deve perder conteúdo. Com isso, de facto, já avançámos alguma coisa em relação à posição do PSD na passada madrugada.
Mas a questão está em saber quais as vantagens reais e materiais da cirurgia plástica proposta, isto é, o que é que, em termos de acréscimo de conteúdo, é obtido com a operação. Deve ser esse o juízo de utilidade, de vantagem concreta, que o legislador deve fazer em sede de revisão constitucional.
Francamente, vejo muito poucas! Do ponto de vista técnico-jurídico, estritamente técnico-jurídico-constitucional, vejo muito poucas! Francamente, não vejo qualquer vantagem em alterar o artigo 74.º deste ponto de vista.
Também não há qualquer desvantagem naquilo a que o Sr. Deputado chamou repetição, porque não há repetição. Quando se proclama o mesmo conjunto de princípios de um determinado segmento normativo ou sector, tendo em vista a sua aplicação a um outro sector, o enunciado é o mesmo, mas a refracção é distinta. Ou seja, não há qualquer desvantagem na repetição e o quod abundat nesta matéria, de facto, não fere nada, pelo contrário, o quod non abundat é que poderia, obviamente, ter um conteúdo negativo.
Posto isto, Sr. Presidente e Sr. Deputado Carlos Coelho, não vejo qualquer vantagem em prolongar esta discussão até à milésima potência. Francamente, se o objectivo do PSD, como eu admito que seja, é obter uma benfeitoria e executar aquilo que é a sua convicção, perfeitamente! Mas há o chamado limite, e esse é o limite a partir do qual - e podemos passar aqui 10 horas - a nossa resposta será a mesma literalmente, ou seja, "não".
Estamos de acordo com o aditamento ao n.º 2 do artigo 73.º dos conceitos de igualdade de oportunidades, espírito de respeito e de tolerância, solidariedade e responsabilidade e também com o adoptar do princípio do respeito e da responsabilidade no artigo 74.º, n.º 2, ou seja, dupla refracção, sem perda de conteúdo.
Aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, faço o tradicional gesto…

Neste momento, o Sr. Deputado bate com a mão na mesa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei se o gesto é do Jaime Gama ou do Sousa Franco!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não! Este…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se é do Jaime Gama parte o braço, se é do Sousa Franco entorna o copo!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está enganado, Sr. Deputado! O Sr. Deputado enganou-se na metáfora! Isto tem mais a ver com o som da bancada do juiz no tribunal do que com qualquer outro episódio! Está muito traumatizado por episódios do recente conflito político português!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a título do bom andamento dos trabalhos, vou-me dispensar de vos dizer o que é que pessoalmente penso de tudo isto.
Nessa medida, quero perguntar aos Srs. Deputados se se conformam - o que é o meu caso - com a possibilidade de passarmos adiante e com o acquis que, entretanto,

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resulta do debate, que parece ser a admissibilidade, por parte do PS, da fórmula encontrada para o n.º 2 do 73.º…

O Sr. José Calçada (PCP): - E só!

O Sr. Presidente: - E só, como diz o Sr. Deputado José Calçada. É isso que iremos deliberar agora em sede de artigo 73.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem alteração do artigo 74.º?

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados aceitam que passemos à votação?

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, tenho muito pena, mas precisamente em nome do bom andamento dos trabalhos - aqui o bom é uma questão qualitativa, não é uma questão quantitativa, e andar depressa não é necessariamente andar bem, como diz o ditado popular -, damos acolhimento, sem qualquer problema, a alguns destes conceitos que aqui estão na proposta do PSD para o n.º 2 do artigo 73.º. Agora, o que me parece é que há aqui alguma formulação que não sei o que quer dizer. É que não está claro! Fica respeito e tolerância? Fica respeito? Fica tolerância? O desenvolvimento do espírito de respeito o que é que quer dizer?

O Sr. Presidente: - Terá de ser o espírito da tolerância, da solidariedade e da responsabilidade!

O Sr. José Calçada (PCP): - Como, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Só estou a tentar dar um contributo! Terá de ser "o desenvolvimento da personalidade e do espírito da tolerância, da solidariedade e da responsabilidade".

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é do espírito, Sr. Presidente! Isso é o que lá está escrito, mas está mal escrito!

O Sr. José Calçada (PCP): - O problema é exactamente esse, é que não percebo muito bem o que é quer dizer "o espírito de".

O Sr. Presidente: * Quando muito, é "o desenvolvimento da personalidade e a promoção da (…)".

O Sr. José Calçada (PCP): - É uma coisa antiga o choque frequente entre o espírito e a letra das coisas. E não é de excluir que esta coisa aqui do "espírito de" acabe por afectar a letra…

O Sr. Presidente: *Vamos lá ver em que é que ficamos.
Sr. Deputado José Magalhães, que contributo dá para este efeito e só para este efeito?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é um contributo que assenta num pequeno pró-memória, para o Sr. Deputado José Calçada em especial.
Regressemos ao espírito e à letra do artigo 74.º, n.º 2. O artigo 74.º, n.º 2, tem um infinito "… promover a compreensão mútua, a tolerância e o espírito de solidariedade". Esta é uma redacção correcta e, além do mais, é português correcto.

O Sr. Presidente: - O que é propõe? Propõe "(…) a tolerância, a solidariedade e a responsabilidade", Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - A tolerância, se quiserem, por valores, por grandes valores…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que faça uma pergunta?

O Sr. José Magalhães (PS): - Os grandes valores são: respeito, tolerância, solidariedade e responsabilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o respeito é uma coisa que temos de considerar! Constitucionalizar o respeito neste domínio pode ter complicações perversas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à questão do respeito partilho das suas dúvidas, mas, como não quero apropriar-me indevidamente do que outros disseram, remeto para a Sr.ª Deputada Celeste Correia, que pode, com vantagem, explicar porque é que o PSD incluiu aqui "e respeito", e fê-lo, inclusive, entre parênteses, porque também temos algumas dúvidas sobre a sua vantagem.
Quanto ao resto, quero apenas dizer ao Sr. Deputado José Calçada que não percebo se a sua pergunta era relativamente ao facto do Sr. Deputado, aparentemente, não saber o que é que quer dizer espírito de tolerância. Eu sei! Se o Sr. Deputado não sabe e precisa que haja aqui uma explicação, acho um bocado… Com franqueza, Sr. Deputado! Sei perfeitamente o que é que espírito de tolerância e espírito de solidariedade querem dizer, portanto, não percebo a dúvida do Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, compreendi as observações feitas em relação ao respeito e sempre entendi essa expressão como sendo rigorosamente o equivalente a compreensão mútua, com o sentido exacto que tem no actual artigo 74.º, n.º 2.
Não há qualquer necessidade estrita de incluir a expressão, como é óbvio, mas também não há aí um bicho de sete cabeças, uma hidra terrível. É com o sentido exacto da compreensão mútua que a expressão poderia entrar ou não entrar! Pela nossa parte, não fazemos disso nenhum finca-pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, volto à fórmula que tinha sugerido, aliás, de acordo com o texto:…

O Sr. José Magalhães (PS): - O conceito de compreensão mútua é um belo conceito!

O Sr. Presidente: - … "(…) e do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade (…)". Há concordância em relação a esta fórmula?

O Sr. José Magalhães (PS): - Há!

O Sr. José Calçada (PCP): - O respeito chega a ter conotações quase de natureza mafiosa, por isso não gosto.

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O Sr. Presidente: * Não! Também não vá tão longe, Sr. Deputado! Essa não! Essa não!

O Sr. José Magalhães (PS): * Pelo menos na nossa contribuição para a hermenêutica, não!

O Sr. Presidente: * Essa é de um abuso semântico verdadeiramente bombástico!

O Sr. José Calçada (PCP): - Lembro aos presentes as primeiras cenas de O Padrinho, o primeiro.

O Sr. José Magalhães (PS): *Mas, por favor, O Padrinho não é para aqui chamado!

O Sr. José Calçada (PCP): - Mas a palavra "respeito" é usada, abusada e reusada! Muito cuidado com a palavra respeito! Não me agrada!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, quando muito, poderia haver aqui alguma reserva…

O Sr. José Calçada (PCP): - É evidente que não!

O Sr. Presidente: - … quanto ao facto de um princípio cívico de igualdade…

O Sr. José Calçada (PCP): - É só para mostrar o excesso de equívocos a que isto pode conduzir!

O Sr. Presidente: - … poder ser comprometido com o excesso de princípio hierárquico ao nível da organização interna da função educativa ou no ensino!

O Sr. José Calçada (PCP): - "Compreensão mútua" parece-me muito bem! Essa posição de diferença parece-me muito bem! Agora, não me parece que "respeito"…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que já chegámos a um consenso.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): * Sr. Presidente, sugiro que V. Ex.ª solicite ao Sr. Deputado José Calçada…

O Sr. Presidente: - Não solicitarei nada, Sr. Deputado! Já chegámos a um consenso!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - … para limitar as referências cinéfilas, senão, daqui a pouco, começam-nos a falar na Atracção Fatal!

O Sr. José Calçada (PCP): - Lá chegaremos!

O Sr. Presidente: - Tentei moderar o Sr. Deputado Carlos Coelho, mas, como viram, não fui a tempo.

O Sr. José Calçada (PCP): - Lá chegaremos quando falarmos aqui do que está por detrás da revisão constitucional! Aí, sim, há uma razão fatal!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, haja compreensão, já que não há respeito!
Srs. Deputados, vamos passar à votação, deixando a epígrafe para o fim, porque também há aqui uma proposta de alteração da epígrafe, que não votaremos agora.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de substituição do n.º 1 do artigo 73.º, apresentada pelo PSD, que visa incluir o segmento "ensino" entre os segmentos "educação" e "cultura".

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade..

É a seguinte:

1. Todos têm direito à educação, ao ensino e à cultura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não foi, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: -Não foi!?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não! O PS absteve-se!

O Sr. Presidente: - Então, não percebi o alcance da votação do PS!

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o alcance é este, é que…

O Sr. Presidente: - Não percebi a posição de voto do PS!

O Sr. José Magalhães(PS): - Não sei se ficou claro que o que o PSD propõe é a eliminação do n.º 1 do artigo 74.º. Aquilo que adita ao n.º 1 do artigo 73.º tira ao n.º 1 do artigo 74.º.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães está a contradizer-se!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já disse que quer repetir as coisas no n.º 1 do artigo 74.º…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, haja ordem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Não, não! É um ponto de ordem, Sr. Presidente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Repetir, mas não o ensino, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Pelos vistos, era necessária ainda uma pré-compreensão do alcance da votação que estávamos a ter.
Sr. Deputado José Calçada, o que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de dizer, em esclarecimento da orientação da posição de voto do PS, é que a reserva do PS quanto à modificação do n.º 1 do 73.º resulta de o PS não estar disponível, ao contrário do PSD, para suprimir o n.º 1 do artigo 74.º…

O Sr. José Magalhães (PS): - Onde está especificamente a proclamação do direito ao ensino!

O Sr. Presidente: - … para não fazer uma reprodução quanto à declaração dos direitos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras do Orador).

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O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Aqui há um equívoco na votação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como se viu, houve uma falta de consciência na votação que estávamos a ter! Temos de reproduzir a votação para ver o que é que resulta dela!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para uma observação muito rápida. Não sei, em termos estritamente metodológicos, qual é a intenção que o PSD tem ou não para o artigo 74.º; quando lá chegarmos, logo veremos!

O Sr. Presidente: - Já sabe, porque já tem a proposta à sua frente!

O Sr. José Calçada (PCP): - Neste momento, em relação ao n.º 1 do artigo 73.º, independentemente do modo como viermos a votar o artigo 74.º, mantemos a alteração, incluindo o ensino. Não há qualquer mal nisso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar conta da votação que acabou de ter lugar: votou a favor da alteração ao n.º 1 o PSD, o PCP e o CDS-PP…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o pressuposto está errado!

O Sr. Presidente: - O pressuposto de quem votou desta maneira…

O Sr. José Magalhães (PS). - O pressuposto está errado, porque se assim clarificado o pressuposto à insistência, então, votamos contra, contra qualquer alteração do n.º 1! Mais do que abstenção, votamos contra!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Portanto, o PS altera a votação de abstenção para contra. Era a única questão que estava…

O Sr. José Magalhães (PS): - Pelas razões que expus!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O que são contradições, Sr. Deputado José Magalhães, em relação àquilo que tinha dito antes relativamente a…

O Sr. José Magalhães (PS): - Chame-lhe o que quiser, até lhe pode chamar ferradura!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não insulte, não insulte, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - O PS vota contra e, portanto, o resultado é o seguinte, Srs. Deputados:

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PCP.

O Sr. José Calçada (PCP): - E sem quaisquer pressupostos, como é evidente, nem bons, nem maus, nem assim-assim!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, agora, passar ao n.º 2 do artigo 73.º. Se os Srs. Deputados quiserem, no final, dar-lhes-ei a palavra para declarações de voto.
Quanto ao n.º 2, a proposta de substituição apresentada agora pelo PSD substitui integralmente a sua proposta de alteração originária. Vamos, portanto, votar a proposta de substituição do n.º 2 do artigo 73.º agora apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

2 - O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, e superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem respeito!

O Sr. Presidente: - Sim, sem respeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, estamos a votar exclusivamente a alteração proposta e não o corpo total do artigo? Certo?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, votámos o n.º 2 da proposta de substituição apresentada pelo PSD.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, mas o n.º 2 da proposta apresentada pelo PSD reproduz em parte substancial o n.º 2 actual. Portanto, aquilo que estou a questionar é se estamos a votar o corpo todo ou se estamos a votar simplesmente…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, votámos o corpo todo na versão integral da proposta de substituição do n.º 2 apresentada pelo PSD.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Então, Sr. Presidente, o nosso voto é de abstenção!

O Sr. Presidente: - O CDS-PP corrige a sua posição de voto para abstenção, passando o resultado da votação a ser o seguinte:

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do n.º 2 do artigo 74.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, não obteve a maioria necessária de dois terços, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - O Estado colaborará com a sociedade na promoção da educação e da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos à criação e fruição culturais.

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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a votação que acabou de ter lugar carece, agora, de ser complementada com uma outra, que, aliás, em boa ordem, deveríamos ter feito primeiro - e peço desculpa por não o ter feito. Desta proposta do CDS-PP resulta implicitamente uma proposta de eliminação do n.º 2.
Sr. Deputado Ferreira Ramos, dada a votação que teve há pouco lugar, podemos dar por prejudicada essa possibilidade, não é verdade?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pergunto igualmente ao CDS-PP se, face à rejeição da sua proposta do n.º 2, podemos também dar por prejudicado aquilo que poderia resultar como implícito da sua proposta, que era a eliminação do actual n.º 3. A rejeição do n.º 2 do CDS-PP, de alguma maneira, tem essa consequência.
Sr. Deputado Ferreira Ramos, manifesta alguma objecção à minha sugestão?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, não votaríamos a eliminação do n.º 3 e do n.º 4.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente ao n.º 3, não creio que haja propostas de alteração, dado que, se não erro, o n.º 3 apresentado na proposta do PSD é igual. Portanto, verdadeiramente, o que há agora para apreciar é o destino do n.º 4.
Quanto ao destino do n.º 4, estamos em presença de uma proposta, originariamente apresentada pelo PSD, para a criação de um novo número que autonomizasse a matéria relativa à ciência.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Em benefício da proposta do PSD!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão.
Srs. Deputados, vamos portanto equacionar, se o PSD e os Srs. Deputados estiverem de acordo, a questão da "ciência", à luz não só do actual n.º 4 como da proposta de aditamento de um artigo 78.º-A, apresentada pelo PSD. Não há, neste ponto, novas propostas…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a questão da epígrafe está ligada com esta.

O Sr. Presidente: - Por isso, deixei a epígrafe para o fim, para ver o resultado final da norma.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que o Sr. Presidente pôs agora à discussão a questão da "ciência", apresentei agora na Mesa, na sequência daquilo que foi o debate na primeira leitura, uma pequena alteração ao texto inicialmente proposto pelo PSD para o artigo 78.º-A, no sentido - aliás, de acordo, com uma proposta feita pelo Dr. Vital Moreira no final do debate que aqui travámos na primeira leitura sobre esta matéria -, de a epígrafe passar a ser "Criação e investigação científicas", para melhor traduzir aquele que é, depois, o texto substantivo do articulado, e de, no articulado, alterar o início, dizendo-se "É garantido o direito à criação e investigação científicas (…)", consagrando-se o princípio da garantia, em vez de "Todos têm direito à criação e investigação científicas (…)".
Relembrava aos Srs. Deputados que o actual texto constitucional nem sequer fala em direito, dizendo-se apenas, no n.º 4 do artigo 73.º, que "A criação e investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado", tratando-se, portanto, de um princípio neutro relativamente aos direitos dos cidadãos sobre esta matéria. Ora, resultou da primeira leitura que haveria vantagem em introduzir uma norma de natureza garantística, quanto ao direito à criação e investigação científicas por parte do Estado, embora a formulação inicial de "Todos têm direito" fosse algo voluntarista em excesso e sem grande tradução.
Portanto, o que interessa de facto é fazer evoluir o actual texto constitucional no sentido de uma norma garantística do direito à criação e investigação e, depois, incluir, na segunda parte, tendo em vista os princípios de colaboração no incentivo da ciência, da investigação e da inovação, a colaboração com a comunidade científica nacional, designadamente as universidades, e com o mundo empresarial.
No fundo, o conteúdo útil da nossa proposta é este. Deixava apenas a nota de que o propomos num artigo 78.º-A, porque nos parece, face ao actual texto constitucional, que a inclusão desta matéria deve ser no final deste Capítulo III da Constituição, mas não fazemos questão quanto à inserção sistemática, como é evidente.

O Sr. Presidente: - Algum Sr. Deputado se quer pronunciar, ou vamos passar a votações?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, já percebi que, eventualmente, a epígrafe do artigo seria diferente, seria "Criação e Investigação Científicas". E como é que seria o início do n.º 1? É que pareceu-me ter havido aí também uma alteração.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta já está distribuída e deve estar agora a chegar às suas mãos, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, já tivemos ocasião de discutir esta matéria e, na altura, exprimi a nossa reserva à autonomização.
O PSD, aparentemente, mede a relevância das coisas pelo facto de elas estarem autonomizadas. Ora, uma métrica segundo a qual uma epígrafe vale menos do que um artigo, um artigo mais do que uma alínea e uma alínea mais

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do que um subsegmento da alínea é uma métrica em tudo estranha às regras do Direito Constitucional como tal.
Não estamos a escrever, ainda, um panfleto de propaganda junto da comunidade científica nacional, não medimos a Constituição segundo essa métrica, que me parece um pouco enviesada e sem qualquer rigor; do que se trata, francamente, é de saber se vamos melhorar e densificar a qualidade do artigo ou da norma constitucional dedicada à ciência, e desse ponto de vista a contribuição é ambígua. Como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tão tipicamente sintetizou, o alcance do direito de todos à criação e investigação científicas é, francamente, uma forma muito imperfeita de exprimir o que é preciso exprimir aqui.
O que é preciso salvaguardar aqui é, quando muito, a autonomia e liberdade de criação científica dos cientistas, independentemente do meu inalienável direito a ser cientista social (enfim, na modesta medida em que possa qualificar-me como tal), e a de outros a serem o que tiverem de ser nessa matéria.
Portanto, aí, haveria, creio, que navegar com prudência. Não pomos qualquer objecção à densificação do artigo, sem desinserção sistemática, e, portanto, ao encorpamento do artigo 73.º, n.º 4.
Assim sendo, se a norma passar a dizer, sem nenhuma alteração quanto à sua estrutura actual, "A criação e investigação científica, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a liberdade e autonomia dos investigadores e o reforço da produção e da difusão da cultura científica e tecnológica no país", provavelmente, teríamos aí alguma coisa que seria uma melhoria da densidade e da riqueza do preceito constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, até porque não há que discutir uma coisa que não é argumentada, vou poupar esta Comissão à discussão sistemática da razão pela qual o Partido Socialista não quer alterar o actual texto constitucional.
O que interessa é…

O Sr. José Magalhães (PS): - Acabei de demonstrar que queremos!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Aparentemente, mas não quer, porque, tendo sido o Partido Socialista o primeiro a criar um Ministério da Ciência, não faz sentido absolutamente nenhum aquilo que o Sr. Deputado acabou de dizer.
Como é evidente, o Partido Socialista autonomiza e, através dessa autonomização, valoriza o trabalho da ciência e da investigação científica, em Portugal, prova disso é que criou o Ministério da Ciência…

O Sr. José Calçada (PCP): - Criou?! Criou o Ministério da Ciência?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O cargo de Ministro da Ciência!

O Sr. José Calçada (PCP): - Ah! É que não é bem a mesma coisa!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não se importam, deixem a "barrela" política para outra oportunidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Assim sendo, é evidente que não faz qualquer sentido este tipo de argumentação e vou apenas debruçar-me sobre a parte substantiva.

O Sr. José Magalhães (PS): * Como estamos irónicos esta manhã! E convergentes…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Se querem que a Constituição seja um rendilhado de contradições, apenas por razões conservadoras e fixistas do Partido Socialista, a responsabilidade ficará com o Partido Socialista.
Quanto ao conteúdo da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, lembrava ao Sr. Deputado só duas coisas, porque parece-me que, de facto, há um caminho positivo nas suas palavras. Esse caminho positivo é o seguinte: o Sr. Deputado fala na liberdade da criação e investigação científicas e isso é, de facto, algo que não está no texto constitucional e é um acquis importante.
Perguntava somente ao Sr. Deputado se, em vez de falarmos apenas na liberdade, não devíamos ir mesmo à lógica da norma garantística, consagrando o princípio da garantia do direito à criação e investigação - portanto, não apenas a liberdade da criação e investigação mas também a norma garantística.
Quanto à segunda questão,…

O Sr. José Magalhães (PS): * "Assegurando a liberdade e a autonomia da criação científica dos investigadores". Era isso, Sr. Deputado, só para encurtar razões, se não vamos fazer aqui mais quatro intervenções…

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Luís Marques Guedes queria "assegurando o direito à criação e à investigação científicas".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à formulação, ficava à espera. Vejo que o Sr. Deputado está a redigir…

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas quer uma expressão mais nobre do que a garantia da liberdade de criação?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, é que a liberdade não é a mesma coisa que o direito, como é evidente. O Sr. Deputado falou no princípio da livre criação, mas, do meu ponto de vista, a norma garantística subsume tudo isso e com vantagem.
A segunda questão, que o Sr. Deputado, no enunciado rápido que fez há pouco na sua intervenção, deixou de fora e que o PSD quereria que fosse ponderada e votada, é a do princípio da colaboração com a comunidade científica e com as empresas. Pelo menos essa valência, uma vez que se pode partir do princípio de que as universidades - embora, do nosso ponto de vista, seja importante, principalmente neste capítulo, fazer o enfoque - estão já no plano da comunidade científica nacional.

O Sr. José Magalhães (PS): * É óbvio!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Mas, na sua intervenção escorreita de há pouco, não ouvi nenhuma frase

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relativa a este princípio da colaboração e o PSD também desejaria vê-lo contemplado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): -Sr. Presidente, há aqui duas questões: uma, da autonomização do n.º 4 do artigo 73.º, passando a constituir um artigo novo para a área da ciência, e outra, do texto, da substância, desse eventual artigo.
Em relação à autonomização, se autonomizar significa enfatizar, dar um peso maior, não vemos nenhum mal nisso, bem pelo contrário, desde que esse artigo seja um bom artigo - mas essa já é uma segunda questão e aqui saltamos para a questão do texto, da substância.
Quanto à substância, tenho muitas dificuldades em perceber como é que se pode dizer que todos têm direito à criação e investigação científicas ou, dito de outro modo,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! É garantir o direito!

O Sr. José Calçada (PCP): - Mas como é que se pode garantir um direito desse tipo?! Posso garantir a liberdade de criação científica. Agora, garantir a criação científica?! Como? Não percebo isso! É como garantir que toda a gente pode ser professor, toda a gente pode ser isto, pode ser aquilo! É uma garantia de natureza…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, é garantir a liberdade de…

O Sr. José Calçada (PCP): - Está bem. Mas não é a mesma coisa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É que uma norma garantística é importante. Mas concordo que…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, esta observação já lhe tinha sido feita há pouco pelo Sr. Deputado José Magalhães,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não tinha, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - … que está em parte redactorial…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Falta a lógica garantística! Chamei à atenção, na minha intervenção…

O Sr. Presidente: - Já sabemos, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agora, há aí uma diferença!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as observações e as objecções estão feitas.
O Sr. Deputado António Filipe pediu a palavra e o Sr. Deputado José Magalhães certamente vai pedi-la de seguida.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que isto é dificilmente configurável como um direito.

O Sr. Presidente: * Se a Constituição não o dissesse, era capaz de estar em causa!

O Sr. António Filipe (PCP): * É que uma coisa é a liberdade de escolha de profissão, correctíssimo, mas outra coisa é dizer que todos têm direito a ser advogados ou a ser polícias. Não se configura como um direito!
Portanto, seria preferível uma formulação que eliminasse essa expressão. Mas creio que o PSD está aberto a isso. Ou não?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Completamente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, tem boas novas?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, estava no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Como foi dito pelo meu colega José Calçada, para nós, autonomizar é pacífico; agora, aquilo que está no actual n.º 4 creio que é a questão essencial e deve ser salvaguardada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, estamos nesta situação: o PSD propôs a autonomização do segmento relativo à ciência num artigo novo; o PS pronunciou-se desfavorável à autonomização relativamente ao actual artigo 73.º, mas manifestou-se favorável à densificação das referências à ciência e à investigação científica.
Estamos, pois, a ver se é possível redigir uma norma com conteúdo garantístico e em que termos.
O Sr. Deputado José Magalhães está a dar o contributo redactorial, que talvez valesse a pena aguardarmos para apreciação.

Pausa.

O Sr. Deputado José Magalhães propõe-nos uma norma, suponho que com o alcance de manter o segmento actual mais um aditamento, do seguinte teor (e eu leria o segmento actual, mais o aditamento, para vermos a racionalidade global): "A criação e investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado…" - este é o texto actual, a que se adita, agora, uma parte nova - "… por forma a assegurar a liberdade e a autonomia dos investigadores, o reforço da produção e da cultura científica e tecnológica e a articulação entre as instituições científicas e as empresas.".

O Sr. José Magalhães (PS): - Quatro componentes, quatro, Sr. Presidente, com quatro benfeitorias…

O Sr. Presidente: -Vou admitir a proposta e mandar distribuí-la.

O Sr. José Magalhães (PS): - É melhor, não vá haver algum "cavalo de Tróia" da ciência portuguesa infiltrado sob forma de epígrafe!

Pausa.

Sr. Presidente, em alternativa, poderíamos votar a proposta do PSD…

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Pausa.

O Sr. Presidente: - Isso pode significar que temos uma proposta que substitui a versão inicial para um artigo autónomo, apresentada pelo PSD, e que temos agora uma proposta de aditamento ao actual n.º 4, apresentada pelo Srs. Deputados José Magalhães e Natalina Moura.
Entretanto, continuam os esforços para ver se é possível encontrar aqui um caminho de síntese. Apelo aos Srs. Deputados a que não caiam na tentação da deriva. E a tentação da deriva, como podem compreender, é levar ao Plenário matérias que, por antecipação, podem estar condenadas a não obter maioria qualificada de dois terços, o que terá como consequência inviabilizar, até, o esforço de alguma inovação constitucional positiva que estamos a tentar fazer na CERC.
Não sei se fui suficientemente ouvido por quem deveria ouvir-me, mas, pelo menos, hão-de reconhecer um esforço da minha parte.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª é sempre ouvido com particular atenção por todas as pessoas que aqui estão. Entre outras razões, é para isso que cá estamos, pelo que, se me permite, e com todo o respeito…

O Sr. Presidente: - Em sentido de consideração, neste caso.

O Sr. José Calçada (PCP): - Exactamente. Com toda a consideração, parece-me que essa sua observação acaba por soar deslocada. Daria a impressão que, por vezes, não o ouviríamos com atenção, ou que não tomaríamos na devida conta aquilo que, eventualmente, julga justo observar e não é verdade. Definitivamente, não é verdade!
Em segundo lugar, julgo que deveríamos todos fazer um esforço no sentido de conseguir, porque nos parece ser possível, um texto consensual entre as propostas apresentadas, neste momento, pelo PS e pelo PSD. A meu ver, elas não estão assim tão longe quanto eventualmente podem parecer, pelo que é possível, julgo, uma proposta consensual, em termos de texto. Mas, independentemente disso, devo dizer-vos que, neste momento, nos inclinamos fortemente, noutro domínio, para a autonomização daquilo que, neste momento, está no n.º 4 do artigo 73.º. E gostaríamos - isso sim é que gostaríamos - que o Sr. Deputado José Magalhães nos explicasse aqui o porquê da não autonomização.
Já não lhe pergunto, eventualmente, porquê insistir em manter o n.º 4 metido no 73.º. Perguntar-lhe-ia, sim, qual a razão contra - e só quero que me dê uma razão, não duas, nem três ou quatro - a autonomização deste artigo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães, se entender, esclarecerá. Quero, no entanto, lembrar que, agora, estamos com alguma coerência trocada, se me é permitida a expressão, em função do resultado há pouco obtido na votação do n.º 1 do artigo 73.º. Compreendo a alegação do PCP, no pressuposto em que o PCP se coloca quanto à alteração do âmbito do actual artigo 73.º.
Acontece que o PS, nessa votação, tomou uma posição contrária, pelo que o PS está também a reflectir o pressuposto da sua própria votação, que é a da não modificação do âmbito do artigo 73.º.
Acontece, e este é um dado incontornável, que a posição do PS contribuirá para haver maioria qualificada de alteração constitucional, ou não. Se o PS se colocou nesta posição, que é o pressuposto da sua orientação, tenho impressão que mais relevante do que estarmos a discutir a questão sistemática de "sim" ou "não" a um novo artigo é ver se conseguimos um consenso, a que todos, afinal, apelaram, para que o conteúdo normativo seja suficientemente enriquecido à luz das preocupações aqui manifestadas.
Verdadeiramente, este é o apelo que faço a todos vós.
E estamos num novo compasso de espera.

Pausa.

Srs. Deputados, entretanto, deu entrada na Mesa o resultado laborioso de uma proposta comum a Deputados do PS e do PSD, que, quanto ao n.º 4 do artigo 73.º, visa produzir um aditamento.
Vou voltar a ler, articulando o segmento actual da norma com o segmento do aditamento. Diria assim: "A criação e investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado...", ao que se aditaria o segmento novo "… por forma a assegurar a liberdade e a autonomia da investigação, o reforço da produção e a articulação entre as instituições científicas e as empresas."
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, esse texto enferma de um vício, à partida. É que não se percebe por que é que salvaguarda… Não tenho o texto aqui à frente e de cor já não sei muito bem, apesar de ter acabado de o ouvir… Sr. Presidente, não se importa de repetir o início da parte aditada…

O Sr. Presidente: - Diz-se "(…) por forma a assegurar a liberdade e a autonomia da investigação".

O Sr. José Calçada (PCP): - E por que não "da criação"? É que, em cima, diz-se "a criação e a investigação científicas", no plural, e, a seguir, asseguram a liberdade da investigação. E da criação, não?
É que não faz sentido rigorosamente nenhum. Mais, a terem de excluir alguma, excluiriam, apesar de tudo, a investigação, uma vez que a criação é antes; senão não faria sentido.

O Sr. Presidente: * Não será "a sua liberdade e autonomia"?

O Sr. José Calçada (PCP): - Ou asseguram ambas, ou, se querem excluir alguma, asseguram a primeira e não a segunda, porque a segunda deriva da primeira.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não se quer excluir nada!

O Sr. Presidente: - E se fosse "por forma a assegurar a sua liberdade e autonomia" (sua, da criação, da investigação e da inovação tecnológica)?
Sr. Deputado José Calçada, a sua percepção do texto está correcta. Como só se resolve o problema por uma reprodução do segmento normativo outra vez, o que era redundante, talvez tudo se resolvesse, do ponto de vista

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da compreensão gramatical, suprimindo e ficando assim: "por forma a assegurar a sua liberdade e autonomia".

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem! É uma hipótese!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Insisto que era melhor "respectiva", porque "sua" pode ser do Estado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem, "a respectiva".

O Sr. Presidente: - "A respectiva". Muito bem, Srs. Deputados. Está resolvida a dificuldade, suponho.
Então, o texto proposto para o n.º 4 do artigo 73.º seria este: "A criação e investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da produção e a articulação entre as instituições científicas e as empresas."
Srs. Deputados, também convenhamos que era bonito, depois desta referência do Sr. Deputado José Calçada, perguntar-lhe: Sr. Deputado, aceita subscrever esta proposta que resultou do trabalho laborioso de todos os Srs. Deputados?

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, aceito sim, mas devo dizer que com declaração de voto, uma vez que me parece…

O Sr. Presidente: - Está bem, Sr. Deputado, fá-la-á depois.

O Sr. José Calçada (PCP): - Convém não esquecer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, o senhor será subscritor em comum, mas não faça a declaração de voto por antecipação, por favor.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta comum, que envolve o aditamento que acabou de ser referido ao actual n.º 4 do artigo 73.º, apresentada pelo PS, PSD e PCP.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

É a seguinte:

4 - A criação e investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, por forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da produção e a articulação entre as instituições científicas e as empresas.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados passamos, agora, às declarações de voto, dado que a proposta anteriormente apresentada pelo PSD foi substituída em benefício do que acabámos de votar e esta, por sua vez, já tinha substituído a proposta originária.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, o PSD votou favoravelmente esta proposta por, no nosso entendimento, ela consagrar o essencial, em termos substantivos, da proposta original do PSD sobre esta matéria.
De facto, as questões fundamentais que, nesta matéria, o PSD desejava ver consagradas no texto constitucional, o que não acontece actualmente, eram, por um lado, o princípio da liberdade, a possibilidade de a criação e a investigação científicas terem um desenvolvimento autónomo, e, por outro lado, o apoio e o incentivo que o Estado dá a estas mesmas realidades, na articulação com a comunidade científica e o mundo empresarial.
Era este, fundamentalmente, o núcleo central da nossa proposta, pelo que nos congratulamos com o facto de isso poder passar a constar do texto constitucional.
Em qualquer circunstância, fazemo-lo apenas num esforço de encontrar um denominador comum que viabilize a inserção na Constituição destes valores, porque, do nosso ponto de vista, o PSD desejaria ter ido um pouco mais além, no sentido de dar, constitucionalmente, uma autonomia e um relevo que, actualmente, estas realidades da ciência, da criação e da investigação científicas não têm no texto constitucional.
O nosso texto constitucional, neste capítulo, dos "Direitos e deveres culturais", fala na educação, na cultura, no ensino, na universidade e, inclusive, na cultura física e desporto, mas tem apenas uma norma residual, no final do artigo 73.º, relativamente à ciência.
A ciência é, hoje, reconhecidamente, um dos vectores fundamentais para o desenvolvimento, a todos os níveis, das sociedades, o mesmo se passando com o nosso país. O nosso país, de resto, regista ainda, comparativamente com o espaço económico e social em que se insere, um défice muito importante relativamente à criação e investigação científicas, pelo que o PSD desejaria que, em decorrência disso mesmo, a Constituição tivesse dado um passo mais ousado, no sentido de reforçar o empenho da sociedade portuguesa, da comunidade nacional e do próprio Estado, no que diz respeito à realidade da criação e da investigação científicas.
Em qualquer circunstância, congratulamo-nos com o facto de ter sido possível aumentar no texto constitucional as referências fundamentais que entendíamos. Pode ser que, na próxima revisão constitucional, venha a registar-se uma abertura política que possibilite, finalmente, a concretização de um posicionamento do valor da criação e da investigação, como elementos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade portuguesa, com o destaque que ela merece e que ainda não foi possível nesta revisão, uma vez que os dois terços só se conseguem com a boa vontade do Partido Socialista, o que não ocorreu aqui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, o Partido Comunista Português votou favoravelmente o texto que acabámos de votar agora mesmo e não tem quaisquer reservas mentais em relação à substância do texto.
Parece-nos que é um texto melhor do que o anterior, o que já de si é de notar. Para além disso, tal como prevíamos há pouco, trata-se de um texto que foi possível obter através de um grande consenso, o que também é positivo.
Agora, não podemos deixar de referir como negativo o facto de o PS não ter estado aberto à proposta trazida aqui pelo PSD quanto à autonomização da área da ciência.
Esta autonomização não era uma questão meramente formal, era uma questão de substância. E não deixa de ser

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estranho que o mesmo Partido Socialista que teve o cuidado, e parece-nos que bem, de criar um Ministério da Ciência - coisa que, até agora, nunca tinha existido no organigrama governamental e que tem o significado político que tem, e é um significado político positivo, a criação em si de um ministério desta natureza - se oponha agora aqui, em sede de texto constitucional, à autonomização daquilo que, noutras perspectivas, ele próprio considera como importante.
Julgo que isto ainda são sequelas ou marcas, que nos parecem profundamente negativas, de uma noção muito restritiva de cultura, em que, pelos vistos, é-se culto quando se sabe quem é Almeida Garrett e Carlos Magno mas em que, pelos vistos, já não tem a mesma importância saber quem é Einstein ou o que é a teoria da relatividade.
A meu ver, perdemos uma excelente oportunidade de dar à ciência o lugar que ela indiscutivelmente merece, até como maneira de "remar contra uma maré" falsamente humanista, que nos leva a criar uma quase dicotomia entre cultura científica e cultura humanística, como se uma e outra não fossem, afinal, dois ramos de um mesmo saber unificado, sem o que jamais perceberemos o que se passa no mundo.
É pena que se tenha perdido esta oportunidade de autonomização, mas nós, que não somos adeptos, como sabem, das revisões a todo o custo, entendemos que, neste domínio particular, outras revisões virão certamente e, nessa altura, teremos ocasião de aí inserir a ciência com a dignidade que ela merece.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, congratulamo-nos com este aperfeiçoamento constitucional, para o qual manifestamente contribuímos, como a Acta retratará passo a passo, com um espírito que é inteiramente fiel às opções que temos nesta matéria, que constam do nosso programa eleitoral e que são hoje Grandes Opções do Plano, tal qual qualquer um as poderá ler no Diário da República, n.º 299, de 27 de Dezembro de 1996, entre outros.
Ou seja, trata-se, para nós, inequivocamente, na letra e na prática governativa, de reforçar a produção científica - para o que, de resto, temos em curso um conjunto de medidas, mas a leitura que fazemos da Constituição é fiel a estes princípios -, de reforçar a capacidade tecnológica das nossas empresas, designadamente, de reforçar a cultura científica e tecnológica (e tenho pena que, desse ponto de vista não se tenha feito uma alusão a esse conceito, uma vez que falta, entre nós, cultura científica e tecnológica), e de consolidar uma nova organização e funcionamento do sistema de ciência e tecnologia que lhe garanta condições de autonomia e de estabilidade, tanto quanto às questões financeiras como em relação à gestão de recursos humanos.
Essa autonomia das instituições científicas é uma garantia de desenvolvimento eficaz do sistema, que, hoje, tem de coexistir com a internacionalização, com a participação e parcerias em projectos conjuntos e com uma avaliação rigorosíssima, de que, de resto, acabámos de dar mostras, pela primeira vez, um pouco ironicamente, na nossa história das instituições científicas neste ciclo.
Nada disto tem a ver com qualquer distinção entre cultura científica e humanística; esse é um debate que não transpusemos para este fórum constitucional e sobre o qual, aliás, um recente artigo do Dr. Pacheco Pereira equacionou, em termos mais rigorosos do que aqueles que constam da Acta, o que há a discutir. Porém, nada disso está associado a esta proposta que agora aprovámos.
Da Constituição não flui qualquer subvalorização da cultura científica. Da definição constitucional de cultura científica, nada enfeuda o conceito de cultura científica a um certo "humanismo" redutor, uma vez que suponho que o humanismo complexivo e moderno tem de incluir, quase a par, saber quem é Petrarca e o que é um protão.
Em relação à autonomia ou não do artigo, Sr. Presidente, não é para nós um fetiche; se se conseguir, sem renumeração total da Constituição; se se conseguir, sem subalternização de artigos, como, por exemplo, o artigo sobre a participação no ensino, que poderia perfeitamente ser desautonomizado e transformado num número; se isso não for diabolizado por alguns dos que agora osculam esta proposta do PSD com verdadeiro fervor neófito; se se gerar um consenso nessa matéria, Sr. Presidente, não há nenhum problema para nós.
Agora, não se transforme num fétiche a criação do artigo e, depois, num demónio a desautonomização do artigo sobre a participação, para criar um espaço sem o qual renumeraríamos a Constituição até ao fim.
Se alguém tem ideia do impacto que provoca no sistema jurídico a renumeração pela renumeração, se alguém tem ideia do que isso é, que tenha prudência. Se não tiver ideia e se agarrar no fétiche da autonomização e for junto da comunidade científica medir o amor à ciência pelo número de artigos, pelo número de epígrafes, pelo número de números e pelo número de alíneas que lhe dedicam, então, perfeitamente! Mas isso nada tem a ver com a ciência, é política e da pior.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos ao artigo 74.º, temos ainda uma questão por resolver quanto à epígrafe do artigo 73.º.
O projecto de revisão constitucional apresentado pelo PSD para o artigo 73.º envolvia uma proposta de alteração da epígrafe, que implicava extractar a "ciência" e incluir o "ensino". No entanto, afigura-se difícil compatibilizar esta fórmula com os resultados da votação efectuada, não só por causa da questão da ciência que se mantém inclusa, como pelo facto de, no n.º 1, não ter havido consenso de maioria qualificada para a inclusão da referência ao ensino.
A minha proposta era que não mexêssemos na epígrafe e que os autores da proposta, em vista da realidade da votação ocorrida, retirassem a sua proposta de alteração da epígrafe, por essa razão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, da parte do PSD, quero fazer o seguinte comentário: é evidente que a aprovação do n.º 1, com a inclusão nesse número da realidade do ensino, é valência importante neste artigo.
Claro que, até do ponto de vista - e, para nós, isso também é um valor - da simplificação do texto constitucional para a fácil percepção da Lei Fundamental pelos cidadãos, fica um bocado caricato acrescentar aqui as quatro coisas. Mas esse é um mal que decorre das declarações de voto que acabámos de fazer, do facto de não se ter tido a visão suficiente para se autonomizar, como era de direito e de valor social correcto, a ciência.

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Assim sendo, o PSD retira a sua proposta, mantendo, no entanto, a leitura, que já decorre da votação que fizemos relativamente ao texto do n.º 2 deste artigo, de que a realidade "educação", obviamente, subsume a realidade "ensino", que é uma das suas componentes e, eventualmente, o seu núcleo central, embora não esgote a questão da educação.
Apenas no sentido de que o ensino já está no artigo, passou a ficar no artigo pelas votações já feitas, entendemos que a epígrafe, para não ficar até demasiado longa, pode continuar a ser a actual, com prejuízo, no entanto, da questão fundamental, que era a da autonomização da ciência, caso em que, aí sim, faria todo o sentido a epígrafe passar para "educação, ensino e cultura", uma vez que o ensino é uma realidade que tem contornos que nunca é demais valorizar, também neste artigo inicial do capítulo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 74.º, procurando agora, nas deliberações que vamos tomar, articulá-las com os resultados obtidos nas votações em relação ao artigo 73.º.
Assim sendo, registo que há uma proposta, no projecto originário do CDS-PP, com vista à eliminação do n.º 1.
Neste ponto, a posição do CDS-PP coincide com uma proposta de sentido idêntico do PSD, de eliminação do n.º 1.

Vozes do PS, do PSD e do PCP: - Não, Sr. Presidente! Não é isso!

O Sr. Presidente: - Não, propõe, não, Srs. Deputados! Têm toda a razão.
Efectivamente, o CDS-PP não propõe a alteração do actual n.º 1, mas, sim, a sua consolidação. A eliminação do n.º 1 resulta, sim, da proposta do PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - O que resultaria, Srs. Deputados, com o alcance útil da proposta de eliminação do n.º 1 que o PSD apresenta era termos alcançado a plena consagração do seu desidrato em sede de n.º 1 do artigo anterior, o que não aconteceu por efeito da votação efectuada.
Por isso, pergunto ao PSD se mantém a proposta de eliminação ou se a retira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, lamentavelmente, a nossa proposta para o artigo 73.º não mereceu acolhimento, designadamente por parte de uma maioria de dois terços, embora se tivesse verificado uma aprovação maioritária nesta Comissão. Portanto, não há a garantia de que isto passe para o artigo 73.º, tal qual está.
Nesse contexto, creio que não faz sentido manter a proposta de eliminação do n.º 1 do artigo 74.º, porque isso seria retirar do texto constitucional princípios que, para nós, são importantes e nós não queríamos retirá-los, queríamos era garantir a sua inserção no artigo 73.º.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, está explicado. Então, é retirada a proposta de eliminação do n.º 1, com os fundamentos que o Sr. Deputado Carlos Coelho acabou de aduzir.
Poder-se-á dizer o mesmo em relação ao n.º 2, embora, no n.º 2, tenha havido uma absorção para os n.os 2 e 3. Mas só digo isto em benefício da posição do PSD, pois calculo que esta interpretação, feita pelo PSD, não seja consensual.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, aí, já não faz sentido retirarmos a proposta, uma vez que já estão garantidos todos estes princípios no artigo 73.º. Com vantagem, uma vez que está no artigo sobre a educação…

O Sr. Presidente: - Já sabemos qual é a vossa posição, Sr. Deputado Carlos Coelho. Do ponto de vista do PSD, manter o n.º 2 é redundante; do ponto de vista do PS, quod abundat non nocet. Já conhecemos os argumentos de um lado e do outro, pelo que podemos passar à votação.
Assim sendo, vamos votar a proposta de eliminação…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ainda há as proposta do CDS-PP, que são prévias a esta nossa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se a proposta de eliminação do PSD for aprovada, não haverá lugar a propostas de alteração do que quer que seja. Portanto, é isso que vamos, metodologicamente, fazer.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de eliminação do n.º 2 do artigo 74.º, constante do projecto originário do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, regressar à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 74.º, constante do projecto do CDS-PP. Não se encontra na sala nenhum Deputado do CDS-PP para defender esta proposta de alteração, mas os Srs. Deputados têm presente o seu alcance e eu dispenso-me de sublinhar qual ele seja.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do n.º 2 do artigo 74.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

2 - O ensino deve contribuir para a promoção humana, social e cultural dos cidadãos e promover o seu espírito de colaboração, tolerância e compreensão mútuas, bem como o conhecimento da cultura, da história e da língua portuguesa.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de alteração do CDS-PP, em relação à qual nos abstivemos, até porque os proponentes não estão aqui para sustentar a bondade da sua proposta, propunha retirar do actual acervo constitucional alguns dos valores que para nós são tão importantes que nós próprios tínhamos defendido que eles se tivessem mantido a propósito do artigo 73.º. Portanto, sob esse ponto de vista, não podíamos concordar com a proposta do CDS-PP.

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No entanto, o CDS-PP também aditava valores novos, como, por exemplo, o conhecimento da cultura da história e da língua portuguesa, que poderiam merecer alguma atenção, embora, por si, não tivessem de estar repartidos desta forma neste artigo e em particular aqui.
Assim, divididos entre uma coisa e outra, decidimos recorrer à abstenção.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, vamos entrar, agora, no corpo do n.º 3.
Desde já, queria chamar a atenção do PSD para o seguinte: o PSD tinha apresentado uma proposta, distribuída com o n.º 87, para acrescer uma nova alínea a) ao corpo do n.º 3, ainda no pressuposto de que teria havido vencimento relativamente às propostas para o artigo 73.º. Assim sendo, agora, isto é para retirar, não é verdade?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É para retirar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, equacionar as várias propostas que temos para o n.º 3 do artigo 74.º. Assim sendo, começamos pela alínea b), em relação à qual há várias propostas, constantes de vários projectos.
A proposta de alteração do PCP visa aditar um segmento qualificativo da educação pré-escolar como sendo universal e gratuita.
Na proposta de alteração do PSD - "desenvolver o sistema de educação pré-escolar" -, substituem-se as expressões "sistema público de educação pré-escolar" por "sistema de educação pré-escolar", sem o qualificativo de "sistema público", e "criar" por "desenvolver". As razões por que assim foi foram tratadas no debate da primeira leitura.
Há também uma proposta de alteração da alínea b), constante do projecto do Deputado João Corregedor da Fonseca, no sentido de que, para além do dever de criação, fosse estabelecido o dever de assegurar a difusão do dito sistema público, o qual também seria gratuito.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Difusão por que meios, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Não está dito, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, são estas as matérias que estão agora para deliberação. Não há matéria nova e não se registou consenso na primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ao contrário do que diz, há matéria nova. O facto de não haver propostas novas não quer dizer que não haja matéria nova.
Queria recordar aos Srs. Deputados um facto que julgo ser da maior relevância e que não pode ser ignorado por nenhum dos Deputados desta Comissão.
Entre a primeira leitura e a segunda leitura, foi aprovada, por unanimidade, nesta Assembleia, uma lei-quadro do ensino pré-escolar. Essa lei foi aprovada durante o mês de Dezembro, já depois de se ter discutido, na primeira leitura, em Comissão, este artigo.
Ora, o conteúdo útil dessa lei-quadro, que, recordo, foi votada por unanimidade nesta Câmara, vem, do ponto de vista do PSD, fazer acrescer muitas das razões que, aquando da primeira leitura, tinham sido esgrimidas pelo Partido Social Democrata quanto à sua proposta de alterar o texto constitucional relativamente à incumbência do Estado de criar um sistema público de educação pré-escolar, quer no sentido de contra-argumentar as propostas avançadas pelo Partido Comunista, as quais alteravam o texto no sentido de criar um sistema público de educação universal e gratuito, quer militando a favor da proposta do PSD de alterar o actual texto constitucional, o qual fala apenas no sistema público de educação pré-escolar, para o princípio de desenvolver um sistema de educação pré-escolar - leia-se, obviamente, nesta alteração o sentido de tornar universal o ensino pré-escolar.
De facto, a lei-quadro, entretanto aprovada por esta Assembleia por unanimidade, vai exactamente neste sentido, ou seja, pressupõe não a universalidade do sistema público pré-escolar mas, sim, a incumbência do Estado de desenvolver, em articulação com outras entidades da sociedade civil, com iniciativas da comunidade nacional, a generalização a todas as crianças portuguesas do ensino pré-escolar, tarefa essa que, do ponto de vista do PSD, deve ter uma consagração definitiva na Constituição, para que não haja regresso nem retorno relativamente a esse princípio, através da alteração que o PSD aqui propõe.
Era para esta matéria nova que queria chamar a atenção do Sr. Presidente. Outros Deputados do PSD poderão, com vantagem, por conhecimento de causa mais exaustivo sobre a matéria, intervir sobre esta questão, se houver dúvidas dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes e Srs. Deputados que eventualmente queiram pronunciar-se sobre esta matéria, porventura, ficou demonstrado que nem a circunstância de a Constituição prever a existência de um sistema público de educação pré-escolar inviabilizou o desenvolvimento do sistema de educação pré-escolar com a participação de entidades não públicas, nem, por outro lado, a eventual cominação constitucional de um desenvolvimento do sistema de educação pré-escolar inibiria, obviamente, o Estado da responsabilidade de ter um sistema público no domínio da educação pré-escolar. Assim, os Srs. Deputados correm o risco de, querendo o mais, acabar por querer o menos, em qualquer das alterações que, eventualmente, viéssemos a aduzir a esta norma.
Nesse sentido, fica apenas esta observação à vossa consideração. Em todo o caso, pedia-vos o favor de, tendo em atenção os argumentos agora desenvolvidos pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não reproduzirem o já debatido na primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, estava à espera que o PCP retirasse a sua proposta…

O Sr. Presidente: - Ainda não falou, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas não vi sinais disso, Sr. Presidente. Se é que nós podemos ler na fisionomia das pessoas e até nalguma mímica…

O Sr. José Calçada (PCP): - A minha fisionomia, nos últimos segundos, não permite qualquer leitura!…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O que o PCP tem aqui no seu projecto de revisão constitucional é exactamente o mesmo texto que tentou fazer aprovar em sede da lei-quadro

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da educação pré-escolar. Ora, o facto é que essa não foi a solução adoptada e a solução final global da lei mereceu também o voto favorável do PCP. É só por isso que digo que estava à espera que o PCP retirasse a sua proposta relativamente a esta alínea.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, de todas as alíneas deste artigo, a que tem mais significado é inequivocamente a alínea b). O actual texto da lei fundamental diz que é competência do Estado, na realização da política de ensino, criar um sistema público de educação pré-escolar. Ora, em bom rigor, ele já existe! Já há um sistema público de educação pré-escolar! Só que, agora, já estamos um pouco mais à frente e o que queremos é generalizar o acesso das crianças portuguesas à educação pré-escolar, ou seja, dar aqui um passo à frente. Não se trata apenas de criar um sistema público, ele já existe, mas de criar as condições para generalizar o acesso - não se tratando, porém, como já há pouco disse, de uma obrigatoriedade de criar condições para a universalização da frequência da educação pré-escolar.
A questão de fundo, a questão de princípio, é: deve ser o Estado a fazer isto? Deve ser o Estado através apenas da rede pública? Seguramente que não! Não foi essa a solução que a Assembleia da República aprovou, por unanimidade, em 10 de Dezembro do ano passado. O que aprovámos foi um sistema combinado de intervenção pública, de intervenção privada e de instituições sociais e um princípio de apoio do Estado para a componente educativa.
O que aprovámos, em legislação ordinária, foi a gratuitidade da componente educativa da educação pré-escolar. Não foi a gratuitidade de toda a educação pré-escolar. É que é pacífico que, na educação pré-escolar, coexiste uma função educativa e uma função a que chamamos social, de guarda de crianças, que levaram à criação dos jardins de infância para apoiar o trabalho da mulher e não a obrigar a estar em casa. Portanto, os jardins de infância iniciaram a sua existência nas sociedades europeias numa lógica de promoção da mulher e de apoio à família, pelo menos numa lógica educativa que, depois, veio a ser valorizada ao longo do tempo.
Por essa razão, Sr. Presidente, parece-nos que a redacção mais equilibrada é aquela que resulta da proposta do PSD, pois é a que traduz esse passo à frente, dizendo: "Desenvolver o sistema de educação pré-escolar".
Se quiserem dizer mais, se quiserem ir mais além - em nossa opinião, no texto da lei fundamental, que são princípios essenciais, é de ficar por aqui -, aquilo faria algum sentido, mas temos dúvidas que deva ser constitucionalizado, era reproduzir aqui aquilo a que chegámos em termos de legislação ordinária. Isto é: "desenvolver o sistema de educação pré-escolar, garantindo a gratuitidade da sua componente educativa". Mas nunca criando um sistema público e dizendo que todo o sistema público é universal e gratuito. Isso é ao arrepio daquilo que, repito e concluo, Sr. Presidente, por unanimidade, a Assembleia da República aprovou, em 10 de Dezembro do ano passado.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Calçada, gostaria de, a título de pedido de esclarecimento, colocar ao Sr. Deputado Carlos Coelho a seguinte questão: se fosse adoptada a fórmula que o PSD propõe, como há pouco disse, obviamente não ficaria perimida a possibilidade de o Estado criar um sistema público de educação pré-escolar no quadro geral do sistema geral de educação pré-escolar. Está patente. Por isso mesmo, as duas fórmulas, eventualmente, podem ser - e é esse o alcance do meu pedido de esclarecimento - complementadas uma com a outra.
Assim, perguntava ao Sr. Deputado Carlos Coelho como é que reagiria perante uma redacção que viesse a dizer que "Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: (…) b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema em geral de educação pré-escolar". Portanto, os dois segmentos ficariam susceptíveis de serem enunciados na fórmula constitucional.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não me repugna; se for esse o preço do consenso, estaremos disponíveis para aceitar uma solução dessas.

O Sr. Presidente: - Porque é a dupla incumbência do Estado. Tem uma componente directa e uma componente geral de apoio.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Completamente de acordo! Em termos de princípios, nada a contrariar!
A única coisa que digo é que não gostei muito da redacção sugerida; teremos de aperfeiçoar um bocadinho a redacção. Mas, em termos de princípio, a nossa posição é essa.

O Sr. Presidente: - É uma simples operação de colagem!
Usei da palavra para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Coelho, portanto, agora, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, não vemos qualquer incoerência, bem pelo contrário, entre aquilo que aprovámos em sede de lei ordinária, concretamente da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, e aquilo que já então, e muito antes disso, propúnhamos aqui em sede de revisão constitucional.
Na verdade, uma coisa não exclui outra, desde logo em termos jurídico-constitucionais, e não faz qualquer sentido que, eventualmente, aqui se venha invocar uma lei ordinária para enformar uma norma constitucional. Na pior das hipóteses e no limite, o que poderíamos ser levados a concluir, caso aqui isso se aprovasse isso, é que, afinal, essa norma ordinária seria, à luz da nova revisão constitucional ou da nova Constituição, ela própria inconstitucional, o que, de todo em todo, não faria sentido neste momento e nesta circunstância. Portanto, por aí, por essa via, não faz muito sentido argumentar.
Agora, o que nos parece é que, independentemente disso, não há qualquer colisão com a obrigatoriedade de o Estado de criar um sistema público de educação pré-escolar, universal e gratuito. Isso nada tem a ver, ou só parcialmente tem a ver, portanto, não é contraditório, com aquilo que a própria Lei-Quadro também define como incumbência do Estado - e estou a chamar aqui à colação a Lei-Quadro apenas porque ela foi chamada, porque não me parece muito relevante, em termos de revisão constitucional, que ela aqui seja para aqui chamada, pelas razões que já expus antes - aliás isso está na própria Lei-Quadro, que é a possibilidade de o Estado apoiar outras formas de institucionalização da educação pré-escolar. Uma coisa não exclui outra! Não vemos, e julgo que, em bom rigor, ninguém pode ver, como é que uma coisa poderia permitir a exclusão da outra.

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Por outro lado, essa possibilidade de outras componentes, não meramente do Estado, poderem vir ao de cima e terem também dignidade constitucional está assegurada mais adiante no artigo 75.º, quando se fala do ensino público particular e cooperativo.
Quero também deixar aqui claro que, tendo em conta uma questão de rigor terminológico, e embora normalmente não nos refiramos ao ensino quando falamos de educação pré-escolar, na lei-quadro ficou dito, até por razões de natureza pragmática, que têm a ver com acesso a fundos comunitários, etc., que a educação pré-escolar constituía - salvo erro esta é a linguagem - "a primeira etapa da educação básica". Tinha também a ver com isso, mas essa seria a má razão, porque também há a boa razão, que é que faz todo o sentido que, de facto, a educação pré-escolar constitua, apesar da aparente contradição, uma primeira etapa no caminho do ensino básico. Pelo menos isso parece claro.
Neste quadro englobante, o artigo 75.º complementa, necessariamente - e bem, dentro da dignidade constitucional que ele também deve ter -, aquilo que se poderia apodar de noção exclusivista ou excluidora da alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º, na proposta do PCP - "Criar um sistema público de educação pré-escolar, universal e gratuito".
Não nos parece que ela seja excluidora, como não nos parece que ela possa deixar de aqui estar, sem prejuízo de outra entidades também poderem merecer, como, aliás, a lei-quadro diz, o apoio do Estado neste domínio. Uma coisa, em rigor, não exclui absolutamente nada da outra. Portanto, não só não a retiramos, como a mantemos.
Aliás, de tal modo andamos "embrulhados" na lei-quadro que quero lembrar que ela também diz - mas repito que não faz sentido estar a citar a lei-quadro, quero deixar isto bem claro, porque, no limite, podíamos concluir, à luz da nova Constituição que, eventualmente, venha a sair desta revisão, que ela é inconstitucional, mas não é por aí que quero ir - …
Desculpe, Sr. Presidente, mas perdi-me no meu raciocínio.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado reencontrará, certamente, o fio do seu discurso, mas, entretanto, aproveito para dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, vamos partir para este debate da seguinte consideração: nada na actual Constituição, na sua redacção precisa, tal qual flui do artigo 74.º, n.º 3, alínea b), colide com a lei que aqui foi aprovada, por unanimidade, na Assembleia da República. Aprovámo-la dentro desse espírito e pelas razões que então enunciámos.
O facto de a Constituição desenhar um determinado modelo e configurar um conjunto de imperativos para a política de ensino, nesta parte, não vedou, ao longo destes anos, a criação de uma rede de instituições de ensino pré-escolar, organizada e em parte financiada pelo sector privado. Nada nisso foi contrário à Constituição, repito, e nada no sistema global instituído pela lei colide com o texto da Constituição.
A Constituição fixa as responsabilidades do Estado, e pela nossa parte, primeiro, estamos interessados em não desvalorizar essas responsabilidades, as responsabilidades públicas na criação e garantia deste direito, crucial, como ficou tão bem evidenciado durante estes meses, dada a ênfase que atribuímos à política que forma as crianças neste estágio crucial do desenvolvimento humano, e, segundo, não é adequado fixar constitucionalmente um modelo rígido e os contornos precisos do sistema público de educação pré-escolar e, designadamente, o limiar preciso da responsabilidade do Estado em relação a todas as prestações e a todas as componentes da educação pré-escolar. E, nesse sentido, nos dissociamos da proposta apresentada pelo PCP.
Por outro lado, pode ser vantajosa a menção ao facto de o sistema ser um sistema global, tal qual ele, de resto, flui hoje da lei, mas sem perturbar a narrativa constitucional, que fixa responsabilidades do Estado neste domínio.
Nesse sentido, Sr. Presidente, para atalhar e encurtar razões e para exprimir de forma sintética este pensamento, cremos que seria uma boa base de trabalho uma proposta para a alínea b) que dissesse "Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar;". Isto sem mais e, provavelmente, também sem menos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a título de pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, é evidente que, do ponto de vista do PSD, terá de haver nesta revisão constitucional um passo em frente, no sentido de se alargar aquilo que é a realidade do ensino pré-escolar na Constituição, que apenas dá provimento à existência de um sistema público, claramente deficitário, ao longo destes últimos 20 anos de democracia que levamos, o qual, como é reconhecido por toda a gente, muito dificilmente, pelo menos, poderá ser garantido em exclusivo pelo Estado, para além de, do ponto de vista do PSD, ser indesejável que assim fosse, face à diversidade e à diferença existente no âmbito educativo.
Em qualquer circunstância, o pedido de esclarecimento que quero fazer, e já o queria fazer há bocadinho, quando o Sr. Presidente formulou pessoalmente a hipótese de manter o actual texto constitucional, é no sentido de chamar a atenção do Sr. Deputado para que o actual texto constitucional, relativamente ao ensino básico, que já é universal no texto da Constituição, não fala em sistema público. E, portanto, esta fixação…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não fala em sistema público?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Na alínea a) fala em assegurar…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Deputado, leia a alínea b)! Estamos a falar da alínea b), que diz: "Criar um sistema público de educação pré-escolar;".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Agradeço que me deixe chegar ao fim.
O actual texto constitucional, relativamente ao ensino básico, não fala num sistema público, fala em "Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito".
Portanto, é evidente o que se tem passado em termos de concretização desta norma constitucional, e o Governo do PSD tem aí particulares responsabilidades e orgulho, devo dizer, porque, ao longo de 10 anos, o PSD conseguiu, de facto, traduzir em termos práticos esta norma constitucional, através de um vultuosíssimo investimento do

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Estado em unidades de ensino e em salas de aulas, que permitiu a generalização do ensino básico universal, alargando, inclusive, de seis para nove anos o ensino que é considerado obrigatório e também a respectiva gratuitidade, o que envolveu, obviamente, largos dispêndios, largo esforço financeiro da parte da comunidade nacional, como é evidente, mas isso está fora de causa.
Agora, a propósito do ensino pré-escolar é que a Constituição vai falar de um sistema público, quando relativamente ao ensino básico…

O Sr. José Magalhães (PS): - Vai continuar a falar de um sistema público!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não o interrompi, mas se o Sr. Deputado…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é a título de pedido de esclarecimento!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! É a título de pedido de esclarecimento. Portanto, não vale a pena antecipar a resposta, porque vai ter tempo de a dar.
A única chamada de atenção que faço ao Partido Socialista é esta: de facto, esses complexos de não alterar minimamente o texto constitucional, neste caso concreto, com toda a franqueza, parece-me um bocado excessivo, porque ninguém contesta as responsabilidades do Estado e do sistema público no ensino básico e, no entanto, isso não está na Constituição, o sistema público não está referido na alínea a)!
Portanto, não vejo porque é que a alínea a) não pode dizer "Assegurar o ensino básico universal(…)" e a alínea b) "Desenvolver a educação pré-escolar", porque é evidente que, da mesma maneira que o sistema público…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, olhe que a pergunta, depois, perde sentido!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, Sr. Presidente, se até as perguntas são censuradas, passo a palavra ao Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado Luís Marques Guedes, por quem é!…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * É evidente, Sr. Presidente. Estou a fazer uma pergunta… Hoje, ainda não fiz qualquer intervenção e o Sr. Presidente, de cada vez que abro a boca, começa a dizer que o tempo não sei quê…

O Sr. Presidente: * Não disse nada, Sr. Deputado! Só disse que a pergunta tinha de ter um alcance! A pergunta acaba sempre com uma interrogação, não sei se o Sr. Deputado tem ideia disso!
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte não gostaríamos de desligar-nos da matriz constitucional tal qual ela nasceu e se desenvolveu.
Previmos, em termos de medidas de política concreta, o lançamento do programa de expansão e de desenvolvimento da educação pré-escolar, para criar condições para valorizar a primeira etapa de educação básica a partir dos 3 anos de idade, como é sabido; foram adoptados incentivos concretos para abertura de estabelecimentos de educação pré-escolar, para preparar a generalização; depois, participámos na elaboração da lei de bases e contribuímos activamente para que a lei fosse possível; e, agora, estamos a aplicá-la.
Nessa matéria, estamos de consciência limpa! Foi hoje, foi agora, foi aqui que isso se fez, não antes! Foi aqui, foi agora que isso se sublinhou e não antes! Foi agora que caminhámos para isso de forma decisiva e não antes! Portanto, para nós, não há, desse ponto de vista, senão a consciência do dever cumprido. O sistema, que não existia, está a ser implementado, e está a ser implementado nas condições que sabemos.
Desligarmo-nos da referência à matriz constitucional, tal qual nasceu, e da qual consta a menção…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um museu!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Não é um museu! É, pela primeira vez, realidade, Sr. Deputado!
Portanto, a resposta é "não" por estas razões.
Creio que não se perde absolutamente nada em juntar ao edifício uma outra componente, uma alusão ao sistema geral, ao sistema global, que é aquele que resulta da consideração complexa e recíproca das instituições de carácter público e das instituições de outras naturezas, que funcionam no sistema de maneira articulada e com condução global, de acordo com uma perspectiva que há-de de decorrer de uma lei de bases, esta ou outra qualquer, e isso parece-nos inteiramente correcto e susceptível de reunir um consenso alargadíssimo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Qual é a proposta de redacção concreta, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - Já foi adiantada! Está na mesa ou está em circulação, suponho eu. A proposta é: "Criar um sistema público e desenvolver um sistema geral de educação pré-escolar;".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Já está inscrito o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - São apenas cinco segundos!

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Em princípio, estou de acordo com a sugestão que o Sr. Presidente avançou de nós, na imagética interessante e original do Sr. Deputado José Magalhães, acrescentarmos alguma coisa ao edifício. Só que temos de ter cuidado com a redacção, porque, se for só criar um sistema público e a seguir desenvolvê-lo, pode dar a ideia de que queremos desenvolver apenas o sistema público e não o sistema…

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós dizemos "desenvolver o sistema geral"! O sistema geral, tal como o defini, é

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a consideração complexiva e recíproca da componente pública, privada, cooperativa e outras.

O Sr. Presidente: - O sistema geral, implicitamente, incluirá o sistema público, por um lado, e o sistema não público, por outro.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O problema é a ambiguidade!

O Sr. Presidente: - Não há qualquer ambiguidade interpretativa. Concorde-se ou não com a fórmula, mas a galáxia interpretativa não vem à luz por essa via.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Fui muito claro. É que se for possível a interpretação de que o que se pretende desenvolver é apenas a componente pública desse sistema…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª não é jurista, mas sabe português!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, com isso não se joga! Então, o PSD preferirá manter tal e qual conforme está o actual texto constitucional e não acrescentar nada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que horror!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, essa interpretação perversa que acaba de fazer não tem qualquer cabimento à luz da norma tal como ela vem proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): * Consulte um jurista! Quem tem medo arranja juristas!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, daqui a bocadinho o Sr. Deputado José Calçada vira-se contra o Presidente e, agora, com razão.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não, não se vira contra o Presidente, e só quero lembrar o seguinte: a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, que recentemente aprovámos nesta casa, ela sim, é bastante clara. Ela diz que incumbe ao Estado criar um sistema público de educação pré-escolar e, depois, noutra alínea, que não sei qual é, apoiar outras iniciativas também nesse domínio, etc. Mas não diz só - era isto que há pouco me tinha falhado e agora me lembrei - que incumbe ao Estado criar um sistema público de educação pré-escolar, diz criar e ampliar - aliás, a palavra não é ampliar, tenho pena de não me lembrar de cor exactamente qual é a palavra. Isto é, o Estado não pode limitar-se a uma função estática, não estatizante, que é a de criar e, depois, parar e, a partir daí, apoiar o que outros fizerem. Não é isto que lá se diz, o que lá se diz é que o Estado tem a obrigação de criar e ampliar.

O Sr. Presidente: - Daí as possibilidades da proposta apresentada, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Esta proposta tem muitas virtualidades.

O Sr. José Calçada (PCP): - Já lá vamos, Sr. Deputado!
O Estado tem a obrigação de criar e ampliar a rede. Não me lembro agora qual é a palavra que lá está. De facto, não é ampliar, é outra, mas é muito claro que é isso.
E, para além disso, uma outra alínea diz também expandir,…

O Sr. José Magalhães (PS): * Expandir! A ideia da expansão! Big bang!

O Sr. José Calçada (PCP): - … apoiando iniciativas de outras entidades, etc. É isto que é dito.
Agora que o PS chama à colação os seus galões neste domínio, quero lembrar algumas sessões dramáticas da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para aprovação, na especialidade, desta Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, onde o PS esteve a um passo,…

O Sr. José Magalhães (PS): - A um abismo!

O Sr. José Calçada (PCP): - … a um centímetro, a um milímetro, de conseguir algo que era, de facto, inédito na história europeia, que era a existência de propinas para as crianças com 3, 4 e 5 anos. Quero lembrar isto!

Risos.

Quero lembrar que o PS - e as pessoas que aqui estão e que nos acompanharam nessa Comissão sabem que isto é verdade - esteve a um passo de não aprovar a gratuitidade. E depois de tensas negociações e de ter ficado claramente demonstrada a vantagem dos telefones móveis sobre os telefones fixos quanto à recepção de mensagens urgentes e a respectiva resposta - isto não é para a Telecel nem para a TMN, é para a terceira operadora que vai ser, pelos vistos, implementada e na qual eu tenho algumas acções - …

O Sr. José Magalhães (PS): * Viva o sector privado! Viva o capitalismo telemóvel!

Risos.

O Sr. José Calçada (PCP): - Quero dizer-vos que essa célebre gratuitidade, de que agora o Sr. Deputado José Magalhães tanto fala, esteve por um fio, para não dizer mais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como a História é difícil!

O Sr. José Calçada (PCP): - E o que esteve para ficar lá era que a educação pré-escolar era tendencialmente gratuita. Era o máximo! Era o máximo, então, do PS!

O Sr. José Magalhães (PS): - E ficou?!

O Sr. José Calçada (PCP): - É preciso que a História se faça,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Resposta: não ficou!

O Sr. José Calçada (PCP): - … sem o que não se percebe. Os rios não se percebem só na foz!

Por não terem falado ao microfone, não foi possível registar as palavras dos Oradores.

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O Sr. Presidente: - Essa matéria é relativamente deslocada nesta sede, Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, tive uma paciência enorme, aliás, tenho o dever de a ter, tendo cedido a palavra várias vezes aos outros intervenientes, no sentido de se clarificarem mutuamente. Agradeço que agora me deixassem clarificar. Sei que nem sempre sou muito claro, mas às vezes isso é virtude, não é sempre defeito!

O Sr. Presidente: - Queira continuar, Sr. Deputado.

O Sr. José Calçada (PCP): - Julgo que as questões que aqui se estão a levantar em relação ao texto original da Constituição da República, ou melhor, ao texto tal qual se encontra neste momento no artigo 74.º, quando, na alínea a) do n.º 3, se diz - disse-o o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, e bem -, do ponto de vista estritamente literal, "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito", ao contrário do que está na alínea b), que diz "criar um sistema público de educação pré-escolar"…
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes diz que poderia daí tirar a conclusão, que me parece abusiva, de que a alínea a) não se refere necessariamente ao sistema público, refere-se a todo o sistema, ao passo que a alínea b), essa sim, refere-se explicitamente à componente pública e, por isso, não fazia muito sentido esta contradição.
Bem, é preciso vermos as normas constitucionais à luz da época, à luz das sensibilidades da época. Na altura, a educação pré-escolar não possuía, no quadro geral da educação e do ensino, o peso que hoje lhe damos. Infelizmente não possuía! É um facto! E não é de excluir - e julgo até que é legítimo concluir - que o constituinte de então olhou para estas coisas com olhos diferentes daqueles que a gente olha agora. É para isso que se fazem as revisões, é para melhorar as coisas e não para as estragar, não para as pôr pior. E, neste quadro, julgo que não vale a pena entrarmos por análises dessa natureza, se me permitem.
Assim, insisto na manutenção da nossa proposta original para alínea b), que é "Criar um sistema público de educação pré-escolar, universal e gratuito". Note-se que dizemos "universal e gratuito" e não, como é óbvio, porque a componente familiar e a componente da vontade familiar tem uma importância decisiva, "obrigatório, universal e gratuito".

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, permitam-me que tente ir ao cerne das questões, que são as votações.
Os Srs. Deputados do PCP mantêm a proposta inicial e os Srs. Deputados do PS propuseram uma solução de integração no actual corpo da norma daquilo que é o contributo da proposta inicial do PSD, que, a meu ver, depois de tudo visto e concluído, poderia ser admitida por consenso.
E, assim sendo, Srs. Deputados, essa proposta seria…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não é verdade! Parece que não é essa a intenção do Partido Comunista!

O Sr. Presidente: - Estou a dizer que poderia ser admitida por consenso entre o PS e o PSD.

O Sr. José Calçada (PCP): - Logo vi que havia uma noção de consenso um bocado relativa!

Risos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que derivava da minha…

O Sr. José Magalhães (PS): - É o consenso possível!

O Sr. Presidente: * Neste ponto, pelo menos, parece que é óbvio que o consenso era um consenso comum ao PS e ao PSD.

O Sr. José Calçada (PCP): - É um consenso parcial.

O Sr. José Magalhães (PS): - Antes algum do que nenhum!

O Sr. Presidente: * A proposta será, por isso, uma proposta comum.
Srs. Deputados, vamos passar, agora, às votações, começando por votar a proposta de alteração da alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo PCP, que visa acrescentar a expressão "universal e gratuito".

Submetida à votação, não obteve a maioria qualificada de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

b) Criar um sistema público de educação pré-escolar, universal e gratuito;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, podemos dar por substituída a proposta constante do projecto originário do PSD pela proposta 90 da CERC, não é verdade?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas, antes de votarmos esta proposta, vamos votar a proposta de alteração da alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Submetida à votação, não obteve a maioria qualificada de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

b) Criar e assegurar a difusão de um sistema público de educação pré-escolar gratuito;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora sim, passar à votação da proposta comum de modificação da alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada na segunda leitura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Agora é a boa proposta?

O Sr. Presidente: - É a proposta comum…

O Sr. José Magalhães (PS): - A tal que obteve o grasso consenso total da Câmara, do PP a Os Verdes?

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O Sr. Presidente: - É a proposta 90!

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, ainda posso fazer um pedido de esclarecimento?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas não pode. É que já esgotámos o período do debate e entrámos no processo de votações desta alínea. Por outro lado, trata-se de uma matéria que foi, se não me leva a mal, abundantemente discutida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Se for para alargar o consenso…

O Sr. Presidente: - Mas também não quero ficar numa posição muito ingrata para com o Sr. Deputado José Calçada, que, aliás, tem sido muito compreensivo para o Presidente. Por isso, faça favor de usar da palavra a título de interpelação à mesa.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, gostaria que, pelo menos - e isto poderia, eventualmente, levar à reconsideração da nossa posição de voto - isto obedecesse à mesma terminologia que está na lei-quadro, que nada tem a ver com isto. A lei-quadro não fala em "sistema público", diz ao abrigo do "sistema geral da educação".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Então, foi o Sr. Deputado José Calçada que disse que não devíamos conformar o direito constitucional à lei ordinária!

O Sr. José Calçada (PCP): - Sou o primeiro a dizê-lo e mantenho! Não tenho quaisquer dúvidas a este respeito, só que, por acaso, a terminologia que lá está não é esta, é mais rigorosa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, a Constituição vive de conceitos abertos e, particularmente, em matérias como esta, não é nada prejudicial, porque falar de um sistema geral traz, desde logo, implícito o acolhimento constitucional de um tendencial princípio de universalidade no sistema de ensino pré-escolar.
Seguramente que a expressão não está de forma explícita no texto constitucional, mas, de facto, passa a estar reconhecida, de forma implícita, o que é uma aquisição notável, face àquela que era a versão anterior da fórmula. Mas isso, agora, é um problema de opinião.
Sr. Deputado José Calçada, não me leve a mal, mas não encontrei acolhimento para a sua sugestão da parte dos autores da proposta.

O Sr. José Calçada (PCP): - Julgo que o Sr. Presidente, neste momento concreto, está a ser extremamente rígido na condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, não houve uma proposta nova.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer uma pequena coisa.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado José Calçada. Olhe que interrompi a votação apesar da rigidez!

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, seria bem melhor, sem que necessariamente isso permitisse acolher a nossa posição favorável, que estivesse qualquer coisa como "Criar e desenvolver um sistema público e apoiar um sistema geral de educação pré-escolar". Como está aqui, dá a impressão que ao Estado cumpre criar um sistema público, e, após a sua criação, nada mais faz. Depois, apenas lhe compete desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar. Isto não tem ponta ponde onde se lhe pegue!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado José Calçada, corre o risco…

O Sr. José Calçada (PCP): - "Criar e desenvolver o sistema público", muito bem, mas "Apoiar um sistema geral de educação pré-escolar", está longe de ser a melhor fórmula!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, vamos pôr ordem nesta conversa.
O que corre o risco de não ter ponta por onde se lhe pegue é a interpretação que acabou de fazer,…

O Sr. José Calçada (PCP): - Admito!

O Sr. Presidente: - … porque o sistema geral, nesta formulação, inclui, necessariamente, o sistema público.

O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio!

O Sr. José Calçada (PCP): - Então, porque é que está aqui a conjunção copulativa "e"?!

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, se a cominação constitucional é desenvolvimento em geral do sistema geral - e os Srs. Deputados do PSD tiveram até alguma reserva no momento inicial de adopção desta fórmula -, significa que o Estado tem a dupla incumbência constitucional de desenvolver o sistema público e de desenvolver o sistema geral com a componente privada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está! Mas isso é subtil!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado José Calçada não votar de acordo com esta interpretação, não faz, digamos, um grande contributo para a inovação constitucional positiva.

O Sr. José Calçada (PCP): - É tão subtil que ninguém entende, se me permite!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Calçada, em todo o caso, vamos votar.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP.

É a seguinte:

b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, esgotámos as votações relativamente à alínea b) do n.º 3 do artigo 74.º.

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Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos para almoço e retomá-los-emos às 15 horas, com a discussão e votação da parte restante do artigo 74.º.
Está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, vamos apreciar a alínea e) do n.º 3 do artigo 74.º, relativamente à qual existem as seguintes propostas: uma proposta de aditamento à referida alínea, apresentada pelo PSD; uma proposta de eliminação, a qual resulta, implicitamente, do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros; outra proposta de eliminação, que resulta, implicitamente, do projecto de revisão constitucional do CDS-PP; uma proposta de aditamento, com um sentido semelhante à do PSD, apresentada pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.
Não há propostas novas nesta matéria e não houve, igualmente, na primeira leitura, consenso indiciário bastante.
Alguma coisa vamos ter de começar por fazer, Srs. Deputados, e o que proponho que comecemos por fazer é votar as propostas de eliminação da referida alínea e), constantes dos projectos de revisão constitucional dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros e do CDS-PP. Como o alcance é simétrico, podemos votar, em simultâneo, estas duas propostas.

Pausa.

Srs. Deputados, uma vez que ninguém se opõe, vamos votar, em simultâneo, as propostas de eliminação da actual alínea e) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentadas pelos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros e pelo CDS-PP.

Submetidas à votação, foram rejeitadas por unanimidade, registando-se a ausência do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: * Passamos agora, Srs. Deputados, à votação da proposta constante do projecto de revisão constitucional do PSD, cujo alcance, de algum modo, absorve a proposta constante do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que não se encontram presentes.
No momento da votação, se houver consenso, haverá votação simultânea, se não houver consenso, haverá votação separada destas propostas de aditamento. E o momento da votação, Srs. Deputados, segundo o meu critério, é agora, na medida em que não há, de facto, nenhuma matéria nova nem qualquer dado novo sobre esta matéria. Do que se trata é de um aditamento para que o princípio da gratuitidade progressiva de todos os graus de ensino seja temperado com o inciso "(…) para os mais carenciados de meios económicos".
Estava a tentar explicar tudo, como bom gestor de negócios, para dispensar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Coelho, que, não obstante, a pediu. Peço-lhe, portanto, que seja breve, Sr. Deputado Carlos Coelho, porque não há matéria para novo debate.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, atendendo aos 50 segundos que me foram concedidos pelo Deputado José Magalhães, no início destes trabalhos, quero apenas sublinhar que há…

O Sr. Presidente: - Quer dizer que há aqui uma heterocondução, por parte do Sr. Deputado José Magalhães?!… Já tinha desconfiado.

Risos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas sublinhar que há um facto novo entre a primeira e a segunda leitura, relativamente a esta ideia de assegurar gratuitidade apenas àqueles que dela necessitam. É que o Governo, entretanto, apresentou uma proposta de lei de financiamento do ensino superior que, nos seus traços gerais, atenta a exposição de motivos - depois, veremos que o normativo não corresponde exactamente a esse desiderato -, pretende justamente, ao reintroduzir as propinas, assegurar a gratuitidade apenas para aqueles que dela necessitam.
Portanto, as iniciativas do Governo, em sede de proposta de lei, vêm ao encontro do afloramento que o PSD propõe como aditamento ao texto constitucional, no que se refere a esta alínea.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quererá dizer alguma coisa em abono do Sr. Ministro da Educação?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, quero tão-só dizer que a norma que estamos a discutir tem sido abundantemente interpretada e, por último, o Tribunal Constitucional pôde apurar, no âmbito do chamado acórdão relativo às propinas - não as nossas mas as do PSD -, uma interpretação que nos parece inteiramente equilibrada.
Esta imposição constitucional, permanente embora, é de realização progressiva, segundo as disponibilidades públicas, não impede o legislador de promover a actualização de propinas, em termos que, aliás, o Acórdão n.º 148/94, publicado no Diário da República n.º 102, de 3 de Maio de 1994, desenha com grande clareza. Obviamente, a norma constitucional colidia e colide com tentativas de "propinada" à PSD, de "propinada laranja", as quais ficaram vedadas.
Pela nossa parte, como não tencionamos impor "propinadas laranjas", a norma constitucional não nos prejudica literalmente em nada; percebemos que o PSD queira descartar-se dela e, embora não nos pareça que esteja no horizonte das possibilidades do PSD aborrecer a paciência das massas escolares e dos pais e dos alunos e de todos com outras tentativas do género, pela nossa parte, Sr. Presidente, não tencionamos viabilizar qualquer alteração do quadro constitucional nesta matéria. Ele é suficientemente flexível, não impede a realização da nossa política, impede, naturalmente, a realização da política que o PSD queria impor mas, isso, ainda bem.

O Sr. Presidente: - Apesar da eloquência das metáforas novas, como se viu, não houve mudança de posições.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não! Houve o facto singular de o Sr. Deputado José Magalhães ter falado mais tempo do que eu.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Mas também já não falo mais!

O Sr. Presidente: - Agora, para que ninguém volte a sobrepor-se nesse domínio, sobreponho-me eu, se me consentirem, para passarmos à votação.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento à alínea e) do n.º 3 do artigo 74.º, constante do projecto de revisão constitucional do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino, para os mais carenciados de meios económicos;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos agora considerar, porque o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, efectivamente, não esteve presente para se pronunciar, a proposta que apresentou, cujo alcance material não difere muito do que acabámos de votar mas que temos de submeter também à votação.
Vamos, então, votar a proposta de aditamento à alínea e) do n.º 3 do artigo 74.º, constante do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino para os mais necessitados;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de uma alínea nova, que vem classificada como alínea e) mas que é, em todo o caso, materialmente, uma alínea nova, constante do projecto de revisão constitucional do PCP, a qual se inicia por "Desenvolver, em todos os graus de educação e ensino, serviços de acção social escolar (…)" e tem o alcance programático que está referido no texto do projecto.
Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se a ausência do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

e) Desenvolver, em todos os graus de educação e ensino, serviços de acção social escolar, concretizados através da atribuição de apoios gerais à prossecução dos estudos e da aplicação de critérios de discriminação positiva que visem a compensação social e educativa dos alunos economicamente mais carenciados;

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que faça uma curta declaração de voto?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas sublinhar, na ausência dos proponentes, que relativamente ao proposto não há, sob o ponto de vista dos princípios, discordância essencial, embora, em sede de redacção, se pudesse aperfeiçoar melhor o texto que nos foi apresentado pelo PCP. O que sucede é que, para o PSD, esta não é matéria que deva ser constitucionalizada, que tenha de estar no texto da Lei Fundamental.
Portanto, o nosso voto contra não é, naturalmente, contra os princípios generosos que estão vertidos na proposta do PCP mas tão-só contra a razoabilidade da sua inserção no texto da Lei Fundamental.

O Sr. Presidente: - Ainda relativamente à alínea e), Srs. Deputados, é preciso reconsiderar ou considerar de novo uma proposta que está classificada como alínea f) no projecto de revisão constitucional do PCP, a qual visa que a gratuitidade deixe de ser progressiva e que o ensino reportado ao princípio da gratuitidade seja o ensino público stricto sensu.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração da alínea e) do n.º 3 do artigo 74.º, a qual consta no projecto de revisão constitucional do PCP como alínea f).

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se a ausência do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

f) Estabelecer a gratuitidade de todos os graus de ensino público;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar a considerar a alínea g) do n.º 3 do artigo 74.º.
No que diz respeito a esta alínea, há uma proposta constante do projecto originário do PSD para que a referência ao "ensino especial para deficientes" seja substituída por um princípio genérico de "acesso dos deficientes ao ensino".
Por outro lado, e é uma questão de coerência normativa ou, melhor, conceptual, lembro-vos que, quando tratámos da matéria sobre os deficientes, introduzimos o conceito de pessoas portadoras de deficiência.

O Sr. José Magalhães (PS): - Cidadãos.

O Sr. Presidente: - Exacto! Tem toda a razão!
Penso que, independentemente de outras eventuais alterações, esta deverá ser feita, por decorrência da coerência com o artigo já votado e que referi.
Mas, antes de chegarmos a este ponto, vamos ver, Srs. Deputados, se o PSD mantém esta proposta.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes…

Pausa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só lhe perguntei se mantinham esta proposta, não lhe sugeri um discurso sobre a mesma. Portanto, veja lá…

Página 2682

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ou me dá a palavra ou não dá, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Dou, dou, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, durante a primeira leitura, o debate orientou-se no sentido de…

O Sr. Presidente: - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, como?

O Sr. Presidente: - Confirmo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Confirma o quê? Não sabe o que vou dizer, Sr. Presidente.

O Sr. José Magalhães (PS): - É difícil saber, Sr. Deputado Marques Guedes!

O Sr. Presidente: - Durante a primeira leitura foi feita uma redacção alternativa que ficou à consideração posterior. É isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. José Magalhães (PS): * Ler guião, página 9!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se o Sr. Deputado me deixasse falar, eu, se calhar, já tinha acabado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso também é verdade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Durante a primeira leitura, no debate, foi feita uma observação, por parte do Partido Comunista, de que, embora concordasse com a alteração, no sentido de a Constituição passar a falar no apoio ao acesso, uma vez que hoje em dia está adquirido que, em muitos casos de cidadãos portadores de deficiência, a melhor solução não é exclusivamente o ensino especial, o qual deve ser entendido como uma solução extrema, quase, digamos assim, residual, porque a melhor solução é a procura da inserção sistemática dos jovens portadores de deficiência no ensino normal, em aulas com outros jovens não portadores de deficiência, uma vez que isso melhora o seu desenvolvimento, se deveria deixar ficar a nota do actual texto constitucional relativamente ao apoio do Estado ao ensino especial, quando ele tenha de existir.
Nesse sentido, em nome do PSD, quero avançar com a proposta de que a redacção a votar seja a seguinte: "Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário". Isto para tentar compatibilizar as duas valências a que acabei de me referir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estamos de acordo, como decorre da primeira leitura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, trata-se, então, de formalizar rapidamente a proposta, no sentido de ela ser admitida…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, damo-la por formalizada, foi dita, está na Acta, está no guião, e estamos inteiramente de acordo com ela. Por nós, podemos passar imediatamente à votação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes vai fazer chegar a proposta à Mesa, não é verdade?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E aproveito para incluir a alteração que o Sr. Presidente sugeriu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração da actual alínea g) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo PSD, com a redacção que acabou de ser anunciada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e que decorre da síntese da primeira leitura.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

É a seguinte:

g) Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está, pois, substituída a proposta de alínea g) que o PSD apresentou inicialmente.
Vamos agora passar à consideração de uma proposta de aditamento de uma nova alínea - vem qualificada como alínea g) mas é uma nova alínea -, constante do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, visando garantir, em sede constitucional, a formação técnico-profissional.
Penso que os Srs. Deputados apreenderam a matéria que vai ser submetida à votação.

Pausa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, também na sequência da primeira leitura, tinha sido aventada uma proposta, por parte do Partido Socialista, de, na eventualidade de se incluir uma alínea neste artigo relativa ao ensino técnico-profissional, se dever também situar uma outra realidade que o Partido Socialista entendia merecer, igualmente, um tratamento especial da Constituição, que era o ensino artístico.
Nesse sentido, do ponto de vista do PSD, se se mantiver essa posição do Partido Socialista, temos abertura a que a alínea possa ser do seguinte teor: "Garantir o ensino técnico-profissional e o ensino artístico;"
Restará saber qual é a posição…

O Sr. Presidente: - Exacto! Srs. Deputados do PS…

Pausa.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quer-me parecer que esta proposta do PSD, de fusão dessas duas matérias, é um tanto deslocada.
Creio que é deslocado fazer uma fusão de coisas tão diversas, porque, de facto, entre o ensino artístico e a formação técnico-profissional vai uma distância enorme, são duas coisas completamente diferentes. O ensino artístico, de facto, não é um grau de ensino, na medida em que pode inserir-se quer no ensino secundário quer no ensino superior, normalmente no ensino superior, mas é algo de diferente da formação técnico-profissional, que, normalmente, não surge integrada no sistema de ensino formal mas como algo complementar e que faz uma espécie de interface entre o sistema de ensino formal e o mundo do trabalho.
Portanto, se me permite, quero dizer, desde já, que considero que, no artigo 74.º, me parece algo deslocada uma referência à formação técnico-profissional, embora entenda que ela poderá ter lugar noutro local que não neste, mas muito pior do que tudo isso é a alínea fazer a fusão entre a formação técnico-profissional e o ensino artístico.
Creio que faz todo o sentido haver uma referência ao ensino artístico - isso, sim! -, agora, uma miscelânea destas creio que não faz sentido nenhum.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o nosso compromisso, tal qual decorre da primeira leitura, diz respeito apenas à inserção de uma alínea que garanta o ensino artístico, justamente pelas razões que ficaram expostas.

O Sr. Presidente: - Não houve, portanto, acolhimento à…

O Sr. José Magalhães (PS): - E lembro, já agora, para atalhar caminho, Sr. Presidente, que também nos comprometemos a introduzir uma alínea que clarifique…

O Sr. Presidente: - Já sei, Sr. Deputado. Uma nova alínea h), não é verdade?!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Uma alínea que clarifique o estatuto dos filhos dos imigrantes, além do dos emigrantes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta de aditamento de uma nova alínea, a qual surge identificada como alínea g) do n.º 3 do artigo 74.º no âmbito do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

g) Garantir a formação técnico-profissional;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, sem numeração mas com o alcance que, há pouco, foi referenciado, desde logo pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, importa também votar a proposta de aditamento de uma nova alínea com vista à garantia do ensino artístico, apresentada pelo PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, que proposta é essa?

O Sr. Presidente: - A de garantir o ensino artístico, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas está ou não distribuída?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem razão! Ela está patente no guião e, há pouco, ficámos de a distribuir mas é exactamente isso que vamos votar. Sei que a proposta já entrou na Mesa mas, materialmente, ainda não tive tempo de a distribuir.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, mas, então, posso fazer apenas uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O problema que se coloca é o seguinte: entretanto, tive de me ausentar por breves momentos e, tanto quanto sei, o argumento do PS para não votar a alínea relativa à formação técnico-profissional foi o de considerar que essa vertente do sistema de ensino não tem de estar prevista na Constituição.
A pergunta que faço ao Sr. Deputado José Magalhães é qual o sentido de não contemplar na Lei Fundamental o ensino técnico-profissional e, depois, contemplar o ensino artístico.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Deputado Carlos Coelho, a proposta foi feita por mim durante a primeira leitura e não visava que fosse aprovada em compensação da aprovação da proposta do PSD relativa à formação técnico-profissional.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Evidentemente!

O Sr. António Reis (PS): - O que eu disse, na primeira leitura, foi que fazia muito mais sentido incluir neste contexto da política de ensino uma referência à garantia do ensino artístico do que a algo que pode extravasar daquela que é a organização curricular do sistema de ensino, que é a formação técnico-profissional.
Portanto, o quadro adequado para incluir a formação técnico-profissional não seria este artigo, mas ele já seria o quadro adequado para integrar uma referência à garantia do ensino artístico.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, dá-me apenas 10 segundos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero só sublinhar que, em nome do PSD, não temos nada contra a

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inserção do ensino artístico no texto da Lei Fundamental. Agora, há duas alternativas: ou a Constituição, neste artigo, se limita a princípios essenciais que têm a ver com o ensino e é relativamente "enxuta" ou, então, no acervo constitucional, incluímos um conjunto de vertentes do sistema de ensino que são significativas, importantes e essenciais. Não faz sentido incluir umas e não outras.
Portanto, devemos, então, incluir - sim, senhor! - o ensino artístico mas também a vertente técnico-profissional, que é, crescentemente, uma vertente significativa do sistema de ensino. E não só, ao contrário do que sucedeu há alguns anos, numa lógica, que também condenámos, de fazer disso uma espécie de gueto de algum tipo de cidadãos, porque, hoje, a formação técnico-profissional corre todos os graus de ensino, a partir do momento em que há capacidade de escolha, incluindo o ensino superior, uma vez que, na prática, o ensino superior politécnico é uma versão de ensino superior mais ligada à realidade económica e profissionalizante.
Portanto, parece-nos que é de todo razoável, incluindo-se vertentes específicas do sistema de ensino, incluir o ensino artístico e também o ensino técnico-profissional.

O Sr. António Reis (PS): - Mas nós partimos de dois pressupostos diferentes na avaliação desta questão.
Os Srs. Deputados do PSD, como ficou patente ao longo da primeira leitura, partiram do pressuposto de que havia um efectivo défice de responsabilidade do Estado português no que diz respeito à componente técnico-profissional do ensino, particularmente ao nível do ensino secundário. Nós contestámos esse pressuposto, entendemos que, pelo contrário, a referência explícita, à parte, à formação técnico-profissional poderia ter o efeito perverso de apontar para uma discriminação entre o ensino geral e o ensino técnico-profissional, relembrando os velhos tempos da diferença entre o ensino liceal e o ensino técnico, e não vinha, de facto, colmatar nenhuma lacuna, porque o sistema que está criado assegura, equilibradamente também, a integração da componente técnico-profissional. Pelo contrário, se há um défice do sistema de ensino actual, ele tem a ver com a questão do ensino artístico, que não está ainda suficientemente assegurada pelo Estado nos diferentes graus de ensino.
Por isso, parece-nos muito mais urgente, do ponto de vista constitucional, consagrar uma obrigatoriedade do Estado no que diz respeito à garantia do ensino artístico do que em relação à formação técnico-profissional, que já está suficientemente contemplada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, conceda-me só 5 segundos para dizer o seguinte: percebo os argumentos do Sr. Deputado António Reis, embora isso configure uma interpretação da utilidade da Constituição e de matriciar o texto constitucional em condições que eu não subscreveria totalmente. Agora, o que é facto é que aquilo que o Sr. Deputado António Reis diz não é rigorosamente assim na realidade.
Relativamente ao défice do ensino artístico, completamente de acordo; agora, a realidade mais expressiva na área do técnico-profissional, por exemplo, tendo em atenção o ensino secundário, são as escolas profissionais que não são parte do sistema de ensino público embora sejam apoiadas pelo Estado.
Portanto, se o Sr. Deputado António Reis quiser levar o seu raciocínio até ás últimas consequências, terá de concluir que, também na área do técnico-profissional, onde há necessidades sentidas e reais da sociedade portuguesa e até um esforço sério de investimento, traduzido em muitos milhões de contos, não estamos a falar em ensino público nem em responsabilidades directas do Estado.
Portanto, na sua lógica de suprir necessidades, também aí teríamos de o colocar claramente no campo das incumbências do Estado.

O Sr. António Reis (PS): - Aqui, estamos a sublinhar a organização do sistema geral de ensino e não essa vertente específica. E é dentro dos currículos gerais do sistema de ensino que…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Pois! É saber o que é que incumbe ao Estado na relação da política de ensino. E há vertentes significativas do sistema de ensino, como, por exemplo, a educação artística e a formação técnico-profissional, que, na nossa opinião, deveriam estar contempladas no texto constitucional.

O Sr. António Reis (PS): - Fazemos avaliações diferentes.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sendo assim, vamos passar à votação da proposta de uma nova alínea, apresentada pelo PS, cujo teor é o seguinte: "Garantir o ensino artístico;".

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado a abstenção do PSD e votos a favor do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas dizer que o PSD se absteve na votação desta proposta não porque não concorde com a inserção no texto da Lei Fundamental do ensino artístico mas porque considera que não faz sentido estarmos a introduzir aditamentos desequilibrados. Ou seja, na nossa opinião, contemplar diversas vertentes do sistema de ensino, no artigo 74.º, obrigará a fazer referência a todos aqueles que merecem referência constitucional e não apenas a alguns.
Se o PS tivesse viabilizado a nossa proposta de incluir a formação técnico-profissional, teríamos tido o maior gosto de, mantendo o equilíbrio do texto constitucional, fazer referência também ao ensino artístico. Doutra via, estaríamos a dar dignidade constitucional a algumas das vertentes do sistema e a não dar a outras que, na nossa opinião, merecem, igualmente, referência no texto da Lei Fundamental.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar adiante, o que significa ponderarmos agora o seguinte: havia uma proposta para a alínea h), constante do projecto originário do PS, a qual é substituída por uma…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não, Sr. Presidente! São coisas diferentes. Uma diz respeito aos emigrantes que

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estão no estrangeiro e a outra diz respeito aos imigrantes que estão aqui.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães tem razão. Não se trata de substituir a proposta da alínea h) que se refere, na sua matriz, aos emigrantes. Isto significa, então, o seguinte: vamos começar por votar, do projecto originário do PS…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sim, sim, Sr. Deputado. Deixe-me concluir o meu raciocínio.
No projecto originário do PS, relativamente à alínea h), há uma proposta de aditamento: "bem como promover condições de apoio especial no domínio educativo", e refere-se aos filhos dos emigrantes. É esta proposta que agora está em apreciação.
Sr. Deputado Carlos Coelho, tem a palavra.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir aos Srs. Deputados do PS que pudessem, ainda que de forma rápida, tornar claro o que é que se pretende com este inciso no texto da Lei Fundamental. Estou a dizer isto, porquê? Porque há aspectos do sistema de ensino - estou a recordar-me, por exemplo, do acesso ao ensino superior - em que este princípio constitucional, "promover condições de apoio especial", se vier a ser fixado, pode significar a introdução de desigualdades e penalização para os estudantes portugueses. Recordo, por exemplo, os sistemas de quotas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Estudantes portugueses, entendendo por portugueses…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - … os residentes cá.

O Sr. José Magalhães (PS): - …e não portugueses os residentes lá fora?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Estamos a falar de emigrantes. Peço desculpa, tenho presente duas propostas do PS: uma para os emigrantes e outra para os imigrantes.

O Sr. Presidente: - Estamos a falar do aditamento relativo aos emigrantes.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exacto. Portanto, portugueses residentes no estrangeiro.
Relativamente a esses, a questão que se coloca é saber qual é a tradução que o PS dá à expressão "bem como promover condições de apoio especial no domínio educativo". Julgo que isto era importante para podermos decidir.

O Sr. Presidente: - Supunha que esta discussão já tinha sido travada.
Sr. Deputado José Magalhães, quer aditar algo?

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi, de facto, feito na primeira leitura. E "apoio especial" entra na Constituição com o sentido geral que tem; no caso concreto nem é especialmente constrangente do legislador ordinário no sentido de o vincular a um específico modelo que passe pela introdução de quotas. São possíveis vários modelos de apoio, todos eles traduzindo o ter em conta a situação especial deste tipo de estudantes e as carências que eles têm, por um lado, de integração, de domínio perfeito da própria língua portuguesa, uma vez que em certos casos isso pode nem acontecer, de apoio à inserção social, de garantia efectiva de acesso, etc., mas sem vinculação a um modelo estrito. Algumas dessas coisas já existem, mas não queremos que o legislador ordinário fique vinculado por um colete de forças nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Dar-se-ia dignidade constitucional a uma especial preocupação quanto aos filhos dos emigrantes na aprendizagem da língua e, em geral, no acesso ao ensino.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria chamar a atenção para o seguinte: creio que estamos a debruçarmo-nos sobre a proposta tal como consta…

O Sr. Presidente: Na fórmula inicial.

O Sr. António Filipe (PCP): Exactamente. Sr. Presidente, creio que a utilização do termo "especial" em matéria educativa tem uma conotação concreta, que é a do ensino especial para deficientes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, por favor!

O Sr. António Filipe (PCP): - É evidente que não é a isso que se refere aqui, como é óbvio. Mas creio que seria de evitar usarmos os mesmos termos, sobretudo quando eles estão eles muito consagrados, para expressar realidades diferentes. Chamo a atenção para esse problema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, compreendo as dificuldades que se estão a gerar aqui, se tivermos em conta a redacção da norma, porque penso que a norma proposta pelo PS não é ideal, e por isso mesmo levanta estas dificuldades de interpretação.
Há pouco, quando o Sr. Deputado José Magalhães falou e uma Sr.ª Deputada também do PS fez menção de o apoiar, compreendi aquilo que aqui está escrito de uma determinada maneira, mas não se trata exactamente do que está aqui escrito.
Há duas coisas: primeiro, se o problema é assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa, e então promover condições para que isto seja conseguido, em termos de apoio especial e no domínio educativo, muito bem; se é uma coisa para além disto…

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso já consta da primeira parte do artigo, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, o problema fundamental é que esta redacção não está correcta. É para isso que estou a chamar-lhe a atenção.
Se é assim, então vamos melhorar a redacção disto e vamos dizer isto. E levanta-se o problema que estava aqui

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a dizer fora do microfone, e com razão, o Sr. Deputado Marques Guedes, que é saber se isto é prestado no estrangeiro, se é prestado em Portugal, se é nos dois sítios. Esse é que é o problema subsequente.
A metodologia que recomendaria, Sr. Presidente, era esta: primeiro, vamos tentar redigir...

O Sr. José Magalhães (PS): - Tal como está redigido, é nos dois sítios.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Bom, então, vamos dizer isso claramente! Vamos tentar redigir melhor a norma e, depois, vamos resolver esse outro problema. É esta a metodologia que proponho.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados às vezes parecem um pouco obstinadamente empenhados em encontrar problemas onde eles não existem, se me permitem.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é este o caso.

O Sr. Presidente: - Os filhos dos emigrantes são ou não emigrantes como os pais? Ou seja, estão circunstancialmente a residir no território nacional ou fora do território nacional? E o alcance da norma, na sua configuração actual, prescreve que aos filhos dos emigrantes sejam garantidas condições de acesso ao ensino da língua portuguesa e à cultura portuguesa, não discriminando sobre se, circunstancialmente, eles se encontram dentro ou fora do território nacional.
É provável que o alcance mais útil da norma se projecte para condições especiais de ensino fora do território nacional. Mas a norma, tal como está redigida, não impede a possibilidade de aplicação de medidas concretas e específicas também no âmbito do território nacional, dirigidas a filhos de emigrantes. Esta é uma solução aberta, que a solução por via do legislador ordinário determinará com alcance mais efectivo.
Ora, os Srs. Deputados estão a tentar, de alguma maneira, resolver em sede constitucional a concreta delimitação do alcance de uma norma habilitante a uma política de acesso ao ensino e à cultura dirigida aos filhos dos emigrantes portugueses. Penso que querem com isso criar mais dificuldades, do meu ponto de vista, do que resolver os problemas que estão postos.
Eu preferiria a solução aberta sem outro tipo de limitações. Neste ponto, a proposta do PS não introduz o problema, desenvolve o aspecto do conteúdo normativo tal como ele já estava configurado no segmento da norma em vigor.
Srs. Deputados, por isso, sugeria que passássemos à votação. Não serei acompanhado neste propósito, Sr. Deputado Carlos Encarnação?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é com certeza acompanhado, mas com uma pequenina alteração. E a pequenina alteração que recomendava, dentro daquilo que estava a dizer, desde o princípio, é a seguinte: tal como está redigida, esta norma não está bem redigida.

O Sr. José Magalhães (PS): - É capaz de fazer uma sugestão?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Faço já a sugestão: é que a seguir a esta vírgula, eliminar-se-ia esta vírgula, se a intenção é essa, e dizíamos o seguinte: "e nesse sentido (ou com esse alcance) promover condições de apoio especial no domínio educativo". Isto não resolve o segundo problema, mas resolve o primeiro, que é aquele que eu estava há pouco a sugerir que resolvêssemos primeiro - é o problema da redacção da norma. Assim, esta norma já faz sentido. Esta é a primeira questão.
Segunda questão: é "apoio especial" no estrangeiro ou em Portugal? E, do meu ponto de vista, fará sentido que se encare este problema no estrangeiro e em Portugal. É certo o que o Sr. Presidente disse e com razão: os emigrantes e os filhos dos emigrantes normalmente estão lá. Mas o problema é este: eles apresentam (e tenho circunstâncias concretas, experiência pessoal em que isso aconteceu), por exemplo, a candidatura a uma universidade portuguesa; se têm nota para entrar, entram; mas quando se encontram cá têm dificuldade, do ponto de vista da língua e da cultura portuguesa, para continuar a seguir esse curso. Então, o problema que se coloca é saber se é lá, se é aqui ou se é conjuntamente as duas coisas, e saber se queremos, na verdade, no comando constitucional, dirimir este problema e, dirimindo, acrescentando isso.
Então, vamos entender aqui uma outra redacção e vamos aqui fazer uma outra proposta - que eu faço nesta altura - de alteração a esta proposta do PS, dizendo: no local de origem, ou na comunidade de origem, ou no território português. Então, faz sentido que se complete esta norma deste modo.
No fundo, se estão a seguir aquilo que estou a dizer, trata-se de alterar a norma a partir desta vírgula, dizendo "assim sendo" ou "neste sentido, promover…", etc., e especificar se é no território de origem, no país de origem ou no território português. Ponto final. Assim é que faz sentido esta norma.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, essa redundância que acaba de propor é completamente supérflua para o entendimento do alcance da norma. Se a norma não restringe, não limita! E se não limita, não tem que fazer uma descrição de conteúdo que torna muito mais farfalhuda a interpretação de uma norma que por si não tinha essa limitação interpretativa que o Sr. Deputado Carlos Encarnação nela quis ver.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação disse que, em vez de ser um "bem como", poderia ser "e com esse alcance" ou "e nesse sentido". É uma questão, do meu ponto de vista, meramente semântica, que não altera, mais uma vez, o alcance normativo. Se o PS, como autor da proposta, aceitar esta ligeira adaptação semântica, tudo bem; mas temos que passar à votação porque esta matéria não teve matéria nova para ser subordinada a debate.
Sr. Deputado António Filipe, dou-lhe a palavra pela última vez neste contexto.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria dizer que parece que esta solução proposta pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação não me parece muito feliz.

O Sr. José Magalhães (PS): - É restritiva!

O Sr. António Filipe (PCP): - E não me parece feliz porque promoveria uma certa redundância na norma. Quando se diz que se deve assegurar o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa aos filhos dos emigrantes, evidente se torna que a forma de assegurar isso

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tem de ter em conta as condições específicas em que se actua. E é evidente que o ensino do português para os filhos dos emigrantes não pode ter as mesmas características, não pode ser igual ao ensino do português, da língua portuguesa, nas escolas secundárias portuguesas, porque é evidente que os jovens, em Portugal, têm muito contacto com esta língua que os outros jovens, na maior parte dos casos, não têm.
Portanto, é evidente que deve haver um apoio especial no domínio educativo para esse efeito. Agora, é também evidente que não era precisa esta segunda parte da norma para que isso devesse ser assim, sob pena de um insucesso escolar tremendo, que, infelizmente, tivemos notícia que em alguns países se verificou ou se verifica, com especial frequência, não por culpa da Constituição mas, naturalmente, por culpa de outros factores.
Não faz sentido que as condições de apoio especial sejam referidas exclusivamente à primeira parte da norma. Mas também importa reconhecer que a formulação "condições de apoio especial no domínio educativo" não é uma formulação muito feliz, na medida em que, por exemplo, se o que se quer dizer são condições específicas de acesso ao ensino superior, então, seria preferível dizer isso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não só, mas também.

O Sr. António Filipe (PCP): - Porque condições de apoio especial no domínio educativo é algo que creio que também é demasiado indeterminado para poder ter um sentido muito útil. De qualquer forma, creio que isto vale o que vale, não creio que este inciso seja especialmente importante, pelo que não vou gastar tempo a opôr-me a ele.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sugeria que não nos deixássemos enrodilhar nas dificuldades que lançamos no nosso próprio caminho e que não estavam, à partida, presentes à nossa frente.
Proponho que passemos à votação da norma. O seu alcance já está claramente indicado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, na redacção originária?

O Sr. Presidente: - Na redacção originária, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alínea h) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

h) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa, bem como promover condições de apoio especial no domínio educativo.

O Sr. Presidente: Vamos agora passar à problemática dos imigrantes.

O Sr. António Filipe (PCP): - Havia uma proposta do CDS-PP, que não sei se já foi votada, também sobre os emigrantes.

O Sr. Presidente: - É igual.

O Sr. António Filipe (PCP): - O CDS-PP não está cá para se defender.

O Sr. José Magalhães (PS): É igual. Não há alteração nenhuma, só é relocalizada - passa de h) a g).

O Sr. Presidente: Vamos passar, Srs. Deputados, à problemática dos imigrantes, para a qual há as seguintes propostas: há uma proposta no projecto de Os Verdes, a alínea i), que é uma proposta de alínea nova, e uma proposta, em segunda leitura, na sequência do consenso aparentemente pré-estabelecido sobre isto, que é apresentada agora pelos Srs. Deputados do PS e que diz "garantir aos filhos dos imigrantes a efectiva igualdade de oportunidades no sistema de ensino".
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o debate da primeira leitura levou a uma evolução que penso que não está reflectida nesta proposta que o PS agora formula.
A evolução foi a seguinte: na primeira leitura, ficou claro que tratamos aqui de filhos de imigrantes legalmente residentes em Portugal. De resto, chegou a ser formulado o texto assim, nesse sentido, tendo sido o texto final que resultou da primeira leitura: "assegurar aos filhos de imigrantes legalmente residentes em Portugal efectiva igualdade de oportunidades". Este é que é o texto final. Mas agora vejo aqui, aparentemente, uma não contemplação por parte do PS desse aspecto, o que será razão para mudar a posição do PSD sobre a matéria.
Em segundo lugar, embora já não uma questão verdadeiramente importante mas, em qualquer circunstância, o texto inicial também tinha que ver com a igualdade de oportunidades no acesso a todos os graus de ensino, e agora aparece aqui "igualdade de oportunidades no sistema de ensino". Confesso que nem sequer percebo muito bem o que é que quer dizer, principalmente quando se trata de uma evolução relativamente a um texto que era claramente perceptível. Ora, se evoluíram, é porque pretendem uma outra coisa qualquer, que carece de explicação.

O Sr. Presidente: - Vamos tentar elucidar. Srs. Deputados, alguém quer formular mais questões aos Deputados do PS?
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de pronunciar-me sobre a questão suscitada pelo Sr. Deputado Marques Guedes e também queria referir-me à proposta que é feita pelo PS.
O que o Sr. Deputado Marques Guedes acaba de dizer até me choca, e vou dizer porquê. Creio que estar a introduzir no artigo relativo ao direito ao ensino a referência à regularidade da presença dos filhos de imigrantes em território nacional é estar a introduzir normas de conteúdo policial quando se trata de uma coisa completamente diferente. Isto porque a Constituição tem um local próprio para tratar do problema da permanência em território nacional, legal ou ilegal, e quais as consequências da irregularidade da presença no território nacional. Isso está resolvido, trata-se noutra sede, que não aqui, no artigo 27.º, designadamente.

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Ora, aquilo de que estamos a tratar é um problema de acesso ao ensino, e um problema de condições de acesso ao ensino. A esse respeito, estou frontalmente contra qualquer referência à regularidade da presença dos cidadãos em território nacional. Caso contrário, também teríamos que pôr nas outras alíneas que há apoio social a todos os cidadãos que estejam dentro da lei, que não tenham cadastro, etc., e creio que isto é manifestamente inadequado.
Contudo, mais do que um problema de igualdade de oportunidades no sistema de ensino, creio que aqui é que se justificava uma preocupação de apoio especial. Isto é, tal como nós considerámos que se impunha haver algum apoio específico aos emigrantes, dado que estão numa situação diferente daquela em que se encontram os estudantes portugueses em território nacional, também se justifica considerar, relativamente aos filhos de imigrantes que estudam em Portugal e que estão longe do seu país de origem, que houvesse alguma forma de apoio especial à sua integração escolar, de modo a garantir a igualdade de oportunidades.
Mas creio que talvez fosse possível reconhecer, através de uma norma constitucional, o dever do Estado português - creio que nos ficaria bem assumir - de considerar a situação específica em que se encontram os filhos dos imigrantes perante a escola. Não tenho uma proposta de redacção, mas creio que esta era uma reflexão que poderíamos fazer rapidamente e encontrar uma solução.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, peço a sua atenção para os seguintes aspectos: o PSD interrogou o PS para saber se admitiria qualificar a situação dos imigrantes em sede constitucional como os legalmente residentes em Portugal. O Sr. Deputado António Filipe acorreu a manifestar-se contrário a esta possibilidade, por achar que esse aspecto regulamentar da condição dos imigrantes não calhava em sede própria no artigo dedicado à educação, e que decorria de outros aspectos de aplicação constitucional e legal.
Por outro lado, o Sr. Deputado Marques Guedes, para além da questão que acabei de referir, questionou o PS para saber se a evolução da fórmula, que pareceria ter merecido consenso, quanto a uma igualdade de oportunidades no acesso ao ensino, para a fórmula igualdade de oportunidades no sistema de ensino tinha algum alcance de conteúdo diferenciado, da segunda fórmula para a fórmula inicial, nos termos que o PS agora apresentou.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tem, de facto, porque a igualdade de oportunidades no sistema de ensino visa exprimir as duas componentes: igualdade de acesso e igualdade de êxito escolar. Como, aliás, o artigo 74.º, n.º1, deixa inteiramente expresso. É essa dupla dimensão, a dimensão de entrada e depois de progressão, com sucesso, no sistema, que está associada à ideia de igualdade de oportunidades no sistema de ensino. Se for achada melhor outra fórmula, perfeitamente.
Em relação ao garantir aos filhos dos imigrantes, provavelmente, uma fórmula subtil do tipo "garantir aos filhos de imigrantes", nos termos que decorram da lei e das circunstâncias apropriadas, "a efectiva igualdade", resolvia as dúvidas do PSD e satisfaz as nossas pretensões. "Garantir aos filhos de imigrantes", isto é, daqueles que estejam abrangidos pelo clausulado adequado decorrente da Constituição e da lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, só queria aqui fazer uma reflexão sobre isto, que é a seguinte: nesta alínea proposta pelo PS e defendida aqui pelo Deputado José Magalhães, o que estamos a fazer é, de alguma maneira, uma repetição do que está contido no n.º 1, aplicado a uma condição especial. Não é mais do que isso.

O Sr. José Magalhães (PS): Exacto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): Ora, parece-me que esta redacção, tal como está, é capaz de ser redundante, nesse sentido, porque estamos a dizer nesta alínea o mesmo que está no corpo do artigo em relação a todos.

O Sr. José Magalhães (PS): - É tão redundante como as menções similares que constam das alíneas anteriores.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é tanto! O que estou a dizer é o seguinte: no n.º 1 deste artigo, diz-se que "todos têm direito ao ensino como garantia do direito à igualdade de oportunidades, acesso e êxito escolar". Isto significa, objectivamente, todos aqueles que se encontram em território nacional. Não pode ser de outra maneira, nem nunca foi entendido de outra forma! Portanto, o que estamos aqui a dizer - e muito bem, compreendo isso - é que tem de haver um esforço especial para conseguir isto. Então, temos de redigir uma alínea que represente justamente aquilo que queremos. Não é o que já está contido no n.º 1 mas é, em relação a uma condição particular que é a de filho de imigrante, que haja um esforço especial no sistema educativo para conseguir o mesmo que já lá está atrás. Mas não podemos é dizer outra vez a mesma coisa, porque isso é, objectivamente, o que já está contido no n.º 1.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que não deveríamos adoptar uma solução como essa de "garantir aos filhos de imigrantes" em vez de "dos imigrantes" para poder prever eventuais discriminações - foi esse o termo.
Por exemplo, um cidadão imigrante que tenha cometido um crime, de delito comum, que, por esse motivo, tenha sido expulso do território nacional e que, por qualquer razão, não seja possível encontrá-lo, pergunto se um filho que esse cidadão tenha na escola é expulso da escola por isso? Isto é, creio que a situação em que se encontrem os imigrantes pais não deve reflectir-se necessariamente na situação, perante a escola, em que se encontrem os seus filhos. Portanto, creio que é completamente despropositado estarmos aqui a confundir o problema da situação legal em que os cidadãos se encontrem com a situação em que os filhos dos imigrantes, em geral, não estamos a falar em situações particulares, se encontrem perante a escola. Creio que a situação dos imigrantes não tem qualquer problema e creio que não há que suscitar dúvidas a esse respeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, e se tivéssemos todos em conta que estamos a tratar de direitos que têm natureza programática e, como tal, estabelecem cominações positivas ao legislador, cuja densificação será feita pelo legislador

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ordinário, sendo que a Constituição aponta, nesta matéria, um caminho, mas não tem que fazer uma interpretação autêntica, educativa e densificada, até ao fundo, das normas cujo alcance programático tem que ser depois plasmado por orientações políticas e legislativas supervenientes.
Não estamos a configurar direitos subjectivos, Srs. Deputados. E, portanto, muitas das alegações de problemas que aqui estão suscitados não têm cabimento na interpretação desta norma e na sua aplicação prática!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é apenas para uma sugestão de consenso, que suponho que acolhe todas as preocupações, inclusivamente as nossas, naturalmente: "assegurar aos filhos dos imigrantes" - com o sentido que isso tem e que o Sr. Presidente mais uma vez acabou de sublinhar - "apoio adequado para efectivação do direito ao ensino". Creio que isto merecerá aplauso entusiasmado do Sr. Deputado Carlos Encarnação e o nosso.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Muito bem! Exactamente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Deputado José Magalhães, o que acabou de ler está susceptível de ser entregue na Mesa já?
Srs. Deputados, alguém objecta?

O Sr. António Filipe (PCP): - Já agora, acrescentar: "em condições de igualdade".

O Sr. José Magalhães (PS): - Não. Isso é o que decorre, Sr. Deputado António Filipe, do n.º 1: "igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta que nos é apresentada na leitura que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de fazer e que imediatamente circulará, classificada com o n.º 93, de uma alínea nova do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

É a seguinte:

Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectuação do direito ao ensino.

O Sr. Presidente: Há agora uma proposta de Os Verdes que ainda se reporta à problemática dos imigrantes, cujo alcance - atrevo-me a admitir - estará prejudicada com a votação que acabou de ter lugar, mas que deve ser colocada à votação.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta da alínea i) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

i) Apoiar a criação de uma escola multicultural que favoreça a integração dos filhos de imigrantes;

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estamos ainda em matéria de novas alíneas. Temos agora uma proposta de nova alínea, que vem classificada como alínea h) mas no final, na ordenação, se verá, em definitivo, apresentada por proposta comum de Deputados do PS e do PSD, cujo teor é o seguinte: "Proteger e valorizar a linguagem gestual portuguesa enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e à igualdade de oportunidades".
Srs. Deputados, trata-se de uma proposta comum, isto é, apresentada pelo PS e pelo PSD, e penso que podemos votá-la.
Não há objecções?

Pausa.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o artigo 74.º é o melhor artigo para inserir esta matéria?

O Sr. José Magalhães (PS): - É, é!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não é melhor o artigo 73.º?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não pode ser o artigo 73.º, tem de ser o artigo 74.º, porque isto é claramente matéria de ensino.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração da alínea h) do n.º 3 do artigo 74.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

É a seguinte:

h) Proteger e valorizar a linguagem gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e à igualdade de oportunidades;

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permite-me uma curta observação, enquanto toma nota da votação?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de deixar na Acta uma congratulação especial pela aprovação unânime desta proposta.
Trata-se de uma proposta que foi feita com a participação de representantes de associações de surdos-mudos, que tiveram ocasião de ter uma entrevista nesta Comissão, tive ocasião de discutir com eles, na passada sexta-feira à tarde, algumas das dimensões e de receber deles também aplausos para esta solução.
Do ponto de vista técnico-jurídico e científico, aparentemente, teria sido melhor utilizar a expressão "língua gestual portuguesa" do que "linguagem gestual portuguesa", porque é assim que, do ponto de vista filológico e do ponto de vista do apuro científico, ela é correntemente designada, mas a inserção da norma com este conteúdo é já um marco histórico e espero que possamos contar, no ciclo que agora se abre, com uma valorização muito mais intensa

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desta linguagem gestual, designadamente nos nossos media.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, só para dizer, em nome do PSD, que também nos congratulamos com a aprovação deste aditamento e consideramos que é uma prova viva de promoção da igualdade de oportunidades.
Por vezes, estes princípios gerais registam alguma rarefacção na sua concretização, mas isto é efectiva promoção da igualdade de oportunidades.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar…

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, deixe-me só também exprimir…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - É só para exprimir também em Acta a nossa congratulação pela aprovação de uma norma com este conteúdo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração da alínea j) do n.º 3 do artigo 74.º, constante do projecto de revisão constitucional de Os Verdes.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do PS.

Era a seguinte:

j) Assegurar a educação sexual dos jovens e a sua sensibilização para a defesa do ambiente, a tolerância e a paz.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, na sede própria, reafirmámos e reforçámos as normas sobre educação sexual da Constituição. É essa a razão pela qual esta menção, aqui, desgarrada, nos pareceu prescindível, e, aliás, mistura esta matéria com outras.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, admito ser corrigido mas parece-me que esgotámos as votações relativas ao artigo 74.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!

O Sr. Presidente: - O que é que está mais em aberto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. José Magalhães (PS): - Nada!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só se não se confirma uma proposta do PCP sobre acção social escolar, apresentada na primeira leitura.

O Sr. Presidente: - Não, porque o Sr. Deputado, há pouco, rejeitou-a.

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa já foi rejeitada com os votos contra do PSD e do PS.

O Sr. António Filipe (PCP): - Lamentavelmente!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Passamos, então, ao artigo seguinte, Srs. Deputados, que é o artigo 75.º, o qual tem por epígrafe "Ensino público, particular e cooperativo".
Em relação ao n.º 1 deste artigo 75.º, há uma proposta de alteração constante do projecto de revisão constitucional do CDS-PP, há uma proposta de alteração constante do projecto de revisão constitucional dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros e há uma proposta de alteração constante do projecto de revisão constitucional do PSD. É isso que vamos passar a votar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, só para fazer uma breve nota relativamente a estas propostas.
A informação que tenho, da primeira leitura, é a de que o PS "torceu o nariz" - se me permite a expressão, em linguagem gestual, uma vez que já aprovámos o respectivo aditamento - mas afirmou que, apesar de tudo, iria reflectir.
Espero que a reflexão tenha sido positiva porque, ainda esta manhã, e o Sr. Presidente recordá-lo-á, o Sr. Deputado José Magalhães afirmou, em nome do Partido Socialista, que não dava consenso a operações de reescrita do texto da Lei Fundamental que fossem apenas rearrumações e que não trouxessem mais-valias.
Ora, o que está aqui em causa, com a proposta do PSD, Sr. Deputado José Magalhães, não é apenas uma reescrita nem uma rearrumação, é conformar o texto da Lei Fundamental à prática,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - À realidade!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - … e à prática não apenas daquela que foi a acção desenvolvida pelos nossos governos mas também daquela que é a acção desenvolvida pelo vosso Governo e, em bom rigor, daquilo que será desenvolvido por qualquer governo.
Dizer, tout court, como está no actual texto da Lei Fundamental, que o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubram as necessidades de toda a população é manifestamente um exagero. O que se coloca, no plano da intervenção do Estado, é assegurar a igualdade de oportunidades e apoiar, quer por via de uma rede pública, quer por via de outras redes, como acabámos de aprovar, por unanimidade, relativamente à educação pré-escolar, em que o Estado apoia, assegurando a gratuitidade da função educativa, quer a rede pública, quer a rede privada, quer a rede social e cooperativa.
Portanto, na nossa opinião, e com isto concluo, Sr. Presidente, em vez de dizer esta coisa que é arcaica, que é do

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passado, que já não faz sentido nos dias de hoje, ou seja, em vez de dizer que se vai criar uma rede de estabelecimentos públicos para toda a população, faz todo o sentido dizer, como o PSD propõe na sua proposta, que o Estado promove o desenvolvimento de uma rede de estabelecimentos de ensino que cubram as necessidades de toda a população. Essa rede pode ser pública ou não, será apoiada pelo Estado nos termos em que a política de cada Governo assim o determinar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não está aberto o debate, porque não há matéria nova e resultou do debate travado sobre este artigo que não houve consenso para o alterar. Este é um dado…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa se fui mal comportado, mas tenho aqui a nota de que o PS disse que ia reflectir.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, permite-me…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe, mas peço-lhe o favor de ser breve.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para contestar a posição do PSD, com a consciência de que essa é a posição do PSD e que, efectivamente, foi essa a orientação que impôs enquanto foi governo, o que é, de facto, pôr o Estado ao serviço do desenvolvimento do ensino privado muitas vezes da mais duvidosa qualidade, embora nem sempre.
O que nos parece fundamental inscrever no texto constitucional, sem prejuízo, naturalmente, da liberdade de aprender e ensinar, como é óbvio, sem prejuízo da liberdade de existência dos estabelecimentos não públicos de ensino, é a incumbência de o Estado, ele próprio, assegurar o direito ao ensino dos portugueses, através de uma rede pública de educação e ensino aos mais diversos níveis. E daí que não nos pareça que o papel do Estado deva ser o de criar uma rede de estabelecimentos tout court, sejam eles públicos ou privados, porque a sua incumbência prioritária deve ser a de criar uma rede pública de ensino, tal como está, aliás, previsto no n.º 1 do actual artigo 75.º e que, do nosso ponto de vista, não justifica que lhe seja feita qualquer alteração e muito menos no sentido proposto pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não registei pedidos de palavra da parte do PS, pelo que vamos iniciar a votação.
Srs. Deputados, vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 75.º, constante do projecto do CDS-PP.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

1 - Ao Estado cabe organizar e garantir a existência de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades do País.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do n.º 1 do artigo 75.º, constante do projecto de revisão dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado a abstenção do PSD e votos a favor do PS e do PCP.

Era a seguinte:

1 - O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino exigida pela prossecução dos objectivos previstos no n.º 3 do artigo anterior.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração do mesmo número do mesmo artigo, constante do projecto de revisão originário do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

1 - O Estado promove o desenvolvimento de uma rede de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que faça uma curtíssima declaração de voto?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que registamos com estupefacção que o PS, em sede constitucional, na prática, reprove e recuse a prática governativa do seu próprio Governo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, mais de 20 anos depois, não queremos reabrir a guerra hermenêutica sobre o artigo 75.º, porque ela está hoje enterrada e pacificada, e, sobretudo, recusamo-nos a ler o artigo 75.º como se ele aniquilasse o espaço próprio do ensino particular e cooperativo. Não aniquila, não precisa da alteração de uma vírgula para não aniquilar e é uma interpretação ad terrorem aquela que leia na Constituição o que nela não está.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Hábil mas não convincente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, importa agora apreciar e votar o n.º 2 do artigo 75.º.
Em relação a este número há uma proposta constante do projecto de revisão constitucional originário do PSD, a qual visa acrescentar a palavra "estimula" entre "(…) reconhece e fiscaliza (…)".
Por outro lado, resultou, da primeira leitura, a disponibilidade geral para acolhimento - assim parece, pelo menos

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- de um inciso suscitado pelo PS, cujo texto é "sem prejuízo de adequada avaliação do ensino".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa mas não percebi.

O Sr. Presidente: - Nem eu, Sr. Deputado!
Srs. Deputados, peço desculpa mas enganei-me, porque o que acabei de referir não se reporta ao programa normativo, ao qual chegarei mais adiante.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a informação que tenho é a de que, relativamente a esse n.º 2,…

O Sr. Presidente: * Não tem a ver com o artigo 75.º! Foi um lapso meu, Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Certo, Sr. Presidente, mas relativamente ao n.º 2 do artigo 75.º, que tem a ver com esta questão da palavra "estimula", a referência que tenho aqui, da primeira leitura, é a de que o PS não recusou liminarmente e disse que iria reflectir.

O Sr. Presidente: - Veremos como é que reflectiu e qual foi o resultado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não nos abrimos aos estimulantes, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 75.º, constante do projecto do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

2 - O Estado reconhece, estimula e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, naturalmente, votámos a favor da proposta que apresentámos mas custa-nos a entender o voto contra do Partido Socialista, uma vez que contraria frontalmente a intervenção benigna que o Sr. Deputado José Magalhães queria dar ao voto diferenciado no n.º 1 deste artigo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Contraria?!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente! Contradição entre a declaração de voto que fez há pouco e o voto que acaba de fazer.

O Sr. José Magalhães (PS): - De forma nenhuma!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não, não! Contraria claramente!

O Sr. José Magalhães (PS): * O que é que, no actual número, desestimula o ensino particular e cooperativo?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É uma tentação estatizante, Sr. Deputado José Magalhães, de que o PS não se consegue libertar!

O Sr. José Magalhães (PS): - Olhe que o que está a dizer fica registado em Acta! É consigo!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, em jeito de declaração de voto, gostaria de dizer que o ensino particular e cooperativo chegou à situação que chegou sem o estímulo que o PSD propunha.

O Sr. José Magalhães (PS): - O estímulo constitucional!

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!
Isto implica uma reflexão sobre o que significaria ou quais seriam as consequências práticas do estímulo constitucional que o PSD procurava introduzir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Uma verdadeira "anfetamina" constitucional!

O Sr. António Filipe (PCP): - Creio que, efectivamente, o Estado português actuou mal neste domínio, creio que incentivou ou permitiu a criação e a multiplicação indiscriminada, designadamente a nível do ensino superior, de estabelecimentos de ensino privado sem cuidar de aferir da garantia de qualidade.
Isto criou uma situação indesejável a nível do ensino superior, a qual está já, neste momento, a ter muito graves consequências para muitos jovens que frequentaram e frequentam vários cursos e que, depois, vêem a sua credibilidade social muito abalada, particularmente perante o mercado de trabalho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Admirava-me se o Sr. Deputado António Filipe não dissesse isso!

O Sr. António Filipe (PCP): - Daí que, do nosso ponto de vista, não faça sentido introduzir esta palavra no texto constitucional, na medida em que aquilo que se exige é que, naturalmente, o Estado acompanhe, avalie e fiscalize devidamente o funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo, não pondo em causa, naturalmente, o seu direito a existir mas aferindo das garantias de qualidade que dão aos seus alunos.

O Sr. António Reis (PS): - Seria uma posição paternalista do Estado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar as propostas relativas ao n.º 1 do artigo 76.º, a começar pela constante do projecto de revisão constitucional do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, com votos contra do PS, do PSD e do PCP, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

1 - O regime de acesso ao ensino superior deve garantir a igualdade de oportunidades.

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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração ao mesmo n.º 1 do artigo 76.º constante do projecto dos Srs. Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, a qual trata de fazer uma distinção quanto ao escopo que deve presidir ao ensino superior público e a outros domínios do ensino superior.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

1 - O regime de acesso à Universidade e demais instituições de ensino superior público, particular ou cooperativo garante a igualdade de oportunidades, a elevação do nível educativo, cultural e científico e a democratização do sistema de ensino, devendo, no ensino superior público, ter em conta as necessidades do País em quadros qualificados.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar ao n.º 2 do artigo 76.º, relativamente ao qual há propostas constantes dos projectos de revisão constitucional do CDS-PP, dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, do PS, dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros e uma proposta de aditamento, no final do referido número, resultante de acolhimento geral na primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, o n.º 2 constante do projecto dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros não tem a ver com o actual n.º 2 do artigo 76.º, é um aditamento, pelo que o votamos antes ou depois mas separadamente, porque nada tem a ver com o actual n.º 2.
Em segundo lugar, relativamente ao actual n.º 2 do artigo 76.º, de acordo com a proposta do PS - e peço ao Sr. Deputado José Magalhães para me corrigir, caso seja necessário - as inovações que são criadas são a introdução da expressão "(…) e outras instituições de ensino superior (…)" e um inciso, no final do número, com o seguinte sentido: "(…) sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.".
Sr. Presidente, o PSD provavelmente terá posições diferentes relativamente a estas matérias e, portanto, aquilo que quero saber é como é que fazemos a divisão, porque estamos a falar de uma alínea…

O Sr. José Magalhães (PS): - É simples, Sr. Deputado, votamos primeiro o primeiro segmento e depois o segundo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem! É que temos aqui uma posição diferenciada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pela nossa parte, estamos, aliás, em condições de votar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se percebi, aquilo a que o Sr. Deputado Carlos Coelho estava a referir-se era à expressão constante da proposta do PS "sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino"…

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sim, Sr. Presidente.
O PS, no seu projecto, na prática, tem duas propostas de alteração ao n.º 2 do texto constitucional, em termos de substância. Uma é um inciso logo a seguir à palavra "universidades", em que se adita a expressão "e outras instituições de ensino superior", e outro que adita à parte final do referido número a expressão "sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino".
Ora, pela nossa parte, queremos votar diferentemente as duas propostas de alteração ao texto, pelo que peço ao Sr. Presidente que, em vez de submeter à votação todo o artigo, submeta separadamente uma e outra parte, de modo a que possamos votar correctamente. E, para poupar tempo a V. Ex.ª, pessoalmente, não usarei da palavra neste momento mas pedir-lhe-ei a palavra depois para, em sede de declaração de voto, explicar a nossa posição.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se fosse possível, queria fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Presidente: - Agora, que ele não queria usar da palavra, Sr. Deputado António Filipe?!

O Sr. António Filipe (PCP): - Ou a alguém do PSD, Sr. Presidente. É que o Sr. Deputado Carlos Coelho disse que queria votar separadamente e eu gostaria de saber a qual dos segmentos é que o PSD se vai opor. Só para eu perceber.

O Sr. José Magalhães (PS): - A incerteza tortura-nos!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, posso responder.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, lembro que o aditamento final foi de acolhimento geral na primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é em relação à segunda parte do n.º 2 proposto pelo Partido Socialista, porque o que me preocupa mais e penso que poderá estar em causa e deverá estar clarificado ao nível constitucional é uma coisa que aqui não está. É que, do meu ponto de vista, este "sem prejuízo de adequada avaliação" é pouco. Entendo que a avaliação da qualidade do ensino deve ser feita, e deve ser feita em relação a todas as instituições, públicas e privadas, mas tem de haver aqui um inciso que garanta a independência dessa avaliação.
Portanto, onde está "sem prejuízo de adequada avaliação" deveria estar "sem prejuízo de garantias de avaliação independente da qualidade do ensino" ou "sem prejuízo de garantias de independência na avaliação da qualidade do ensino". Deveria ser qualquer coisa como isto, porque me parece que esta é a exigência fundamental em relação à matéria.
São duas vertentes possíveis; agora, o que não me parece correcto nem possível é que não haja este cuidado, do ponto de vista do normativo constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a independência não esgota os factores de que depende uma adequada

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avaliação. Obviamente, esta não pode deixar de ser independente; se for dependente parcial ou violando o dever de imparcialidade será obviamente extremamente inadequada, e não passa pela cabeça de nenhum dos proponentes que tal se contenha dentro do âmbito da norma ou que tal seja consentido pela redacção proposta.
A objecção que veio da primeira leitura foi mais em relação à expressão "sem prejuízo de", porque é óbvio que não há uma relação de colisão entre a autonomia e a avaliação, dado que autonomia e avaliação devem ser um binómio associado e interligado.
Portanto, qualquer redacção do tipo "devendo a lei assegurar a adequada avaliação da qualidade do ensino", provavelmente, serviria melhor esta finalidade.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que faça apenas uma pergunta ao Sr. Deputado José Magalhães, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não entende que é de considerar a garantia da independência nesta norma? É que compreendo bem o que está a dizer! Na sua mente e na mente de todos nós, não está, certamente, a ideia perversa de que essa avaliação possa ser feita com diminuição das garantias de independência. Mas uma coisa é aquilo que queremos e outra coisa é aquilo que uma garantia constitucional deve dar, e acho que ficar aqui, na norma constitucional, a garantia de independência reforça e vincula, de hoje para amanhã, qualquer atitude que, do ponto de vista de qualquer governo, possa ser tomada em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, já lhe dou a palavra. Porém, antes vou dá-la ao Sr. Deputado António Filipe, para, depois, se for possível, ter o cuidado de fazer a síntese.
Tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quanto à primeira questão, é óbvio que, hoje, as instituições de ensino superior dotadas de autonomia, nos termos da lei, não são apenas as universidades. Existe, nós próprios a aprovámos, desde há uns anos atrás, a lei-quadro da autonomia dos estabelecimentos do ensino superior politécnico.
Portanto, faz sentido que a referência constitucional não seja exclusivamente às universidades. Aliás, creio que hoje é até mais discutível se valerá a pena manter a expressão "universidades e outras instituições" ou se não seria melhor uniformizar e referir as "instituições do ensino superior", mas, apesar de tudo, parece-me que a universidade tem alguma tradição histórica na sua consagração constitucional e, por isso, entendo que não vem mal ao mundo…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não podemos tirá-la!

O Sr. António Filipe (PCP): - … que se mantenha a referência expressa às universidades mas se acrescente também as demais instituições de ensino superior, que são dotadas de autonomia estatutária, científica e pedagógica, administrativa e financeira, nos termos da lei, o que pode ou não significar regimes de autonomia diferenciados, conforme o tipo de instituições.
Esta é uma questão secundária que se remete para lei, desde que, num caso e noutro, seja garantido o núcleo essencial da respectiva autonomia.
Relativamente à segunda questão, que diz respeito à avaliação da qualidade do ensino, creio que seria, de facto, mais adequada uma formulação como o Sr. Deputado José Magalhães há pouco me pareceu ter sugerido, que é a de que se acrescente qualquer coisa no sentido de que deve a lei garantir a existência de uma adequada avaliação.
A ideia que o Sr. Deputado Carlos Encarnação deu da avaliação independente não corresponde exactamente àquilo que importa consagrar nesta matéria, na medida em que, como se sabe, as primeiras experiências de avaliação nasceram da própria universidade. A avaliação do ensino superior surgiu, entre nós, principalmente, através da criação de mecanismos de auto-avaliação.
Por outro lado, parece-me que não é correcto contrapor a autonomia universitária à avaliação. Ao utilizar a expressão que consta do projecto inicial do PS, no sentido de garantir a autonomia sem prejuízo da avaliação, creio que se está a estabelecer uma relação entre duas realidades que não são relacionáveis assim, isto é, está a dizer-se "os senhores têm autonomia mas, em contrapartida, são avaliados". Creio que não há uma contradição entre a autonomia universitária e a avaliação da qualidade de ensino que nos leve a estabelecer, digamos, esta adversativa no sentido de ter autonomia sem prejuízo da avaliação.
Portanto, creio que vale a pena estabelecer uma referência constitucional à avaliação das instituições, que é a avaliação da qualidade de ensino, sem dúvida, mas que também pode ser algo mais do que isso, mas não temos objecção a que se consagre a expressão "avaliação da qualidade de ensino".
Em todo o caso, é mais correcto dizer que, por um lado, há autonomia universitária e há autonomia das outras instituições de ensino superior e que, por outro lado, a lei deve regular a avaliação, mas sem esquecer que não é uma avaliação contra as instituições ou uma avaliação contra as universidades mas uma avaliação que conta, necessariamente, com a auto-avaliação e com a participação das próprias instituições.
Daí que entenda que a proposta do PSD não merece assentimento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães tinha pedido a palavra e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, entretanto, também pediu a palavra, pelo que pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães se aceita que a sua ordem de inscrição continue a deslizar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aceito, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, e uma vez que o Sr. Deputado António Filipe falou também do primeiro segmento, quero significar o seguinte: é evidente que toda a gente sabe que os institutos superiores politécnicos gozam já hoje de uma autonomia consagrada na lei, mas é exactamente aí que, do ponto de vista do PSD, ela deve estar. Colocar em plano de igualdade outras instituições de ensino superior e as universidades é o que está aqui em causa.

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Convenhamos que está aqui em causa não é vir dizer que as instituições de ensino superior gozam de autonomia, porque isso já decorre da lei, o problema está em pôr num plano de igualdade, na Constituição da República, as universidades e as outras instituições de ensino superior. E, quanto a isso, o PSD não está de acordo.
O PSD entende que as universidades são uma realidade com uma tradição e um peso muito importante no desenvolvimento da Nação portuguesa e do próprio País como o conhecemos, e, nesse sentido, não concordamos que sejam colocadas em plano de igualdade com outras instituições que nem de perto nem de longe têm a mesma relevância na sociedade portuguesa e o mesmo impacto a nível do seu próprio desenvolvimento. Portanto, por essa razão, não misturamos as coisas.
Ao não querermos a constitucionalização, ao lado das universidades, de outras instituições de ensino superior não quer dizer que não se esteja a reconhecer o interesse e a importância de que essas instituições possam gozar de alguma autonomia nos termos da lei. Isso está fora de causa.
Sr. Deputado, quanto à segunda questão, é o contrário! O Sr. Deputado, quanto à primeira parte, deita fora 600 anos de tradição universitária e de peso da realidade universidade no nosso país, mas, a seguir, vem quase que mitificar as universidades e dizer que, enfim, pode ser considerado atentatório das universidades falar-se na necessidade de uma avaliação independente da qualidade do ensino. Por amor de Deus!
Se a primeira parte da norma fala em autonomia científica e pedagógica, e uma vez que o valor ensino tem a ver com o direito dos cidadãos ao ensino, é evidente que tem de se pôr aqui que essa autonomia, que é muito significativa e é muito importante para muitos aspectos, não pode pôr em causa o interesse da comunidade nacional e a necessidade de, em nome dos cidadãos, ser avaliada de forma independente na qualidade do ensino.
Portanto, em nome do PSD, reitero o interesse em manter a proposta do Partido Socialista e em entendê-la correctamente, tal qual ela foi formulada inicialmente. Entendemos que, de facto, esta norma não é, obviamente, feita contra ninguém - não é contra as universidades nem contra ninguém -, é para especificar que, quando, na primeira parte da norma, se fala na autonomia científica e pedagógica, nomeadamente, tem de se pôr aqui que essa autonomia científica e pedagógica não prejudica a necessidade de uma avaliação da qualidade do ensino, no interesse dos cidadãos, dos estudantes e da comunidade em geral.
Por outro lado, concordo também com a observação que foi feita pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, e penso que o Sr. Deputado José Magalhães teve razão quando disse que as garantias de independência não são tudo, são apenas parte da questão. De resto, eu disse logo, em relação às várias formulações sugeridas, que não concordava que se pusesse "sem prejuízo de adequadas garantias de independência na avaliação", porque acho que a avaliação é que é o valor fundamental. Portanto, talvez pudéssemos pôr "sem prejuízo de adequada avaliação independente da qualidade do ensino". Acho que assim ficava escorreito e ficava salvaguardada, do meu ponto de vista, a preocupação do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, como foi citado, suponho que quererá usar da palavra para qualquer esclarecimento complementar.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente, porque o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deturpou aquilo que eu disse, pelo seguinte: é óbvio que o facto de eu defender que deva ser constitucionalizada a autonomia das demais instituições de ensino superior não significa, de maneira alguma, que esteja a deitar "pela borda fora" um património de sete séculos das universidades portuguesas. Não vejo de onde é que se pode extrair essa ilação.
É evidente que prezamos a autonomia universitária, aliás, sempre lutámos por ela, e consideramos que é um valor fundamental da nossa Constituição estabelecê-la. Agora, não ignoramos que existem outras instituições de ensino superior que, do nosso ponto de vista, deveriam ser aproximadas às universidades. A nossa posição é que, efectivamente, se deve caminhar para um sistema único de ensino superior, mas não é isso que estamos agora aqui a discutir, o que é essencial nesta discussão é que já hoje existe a consagração legal para um determinado grau de autonomia do estabelecimento do ensino superior politécnico e, quanto a nós, é desejável que essa autonomia possa ser aprofundada.
Portanto, não faz sentido que se esteja a estabelecer uma discriminação constitucional, em que seja obrigatória a consagração legal da autonomia universitária mas em que se faça qualquer omissão relativamente às outras instituições, o que poderá, inclusivamente, levar a que, por opção do legislador, conjunturalmente, se pudesse adoptar qualquer outro sistema de gestão ou de direcção dessas instituições, inclusivamente governamentalizada ou por nomeação ministerial. Já bastaram os longos anos de comissões instaladoras, que serviram para que se fossem instalando, por esse País fora, várias clientelas à sombra de institutos superiores politécnicos, com alguns casos lamentáveis sobejamente conhecidos.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que abrevie, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - No que diz respeito à questão da avaliação, é evidente, Sr. Deputado, que a autonomia universitária, a autonomia do ensino superior, não pode pôr em causa a necessária avaliação. Mas o contrário também não é verdadeiro, isto é, também a avaliação não tem de pôr em causa a autonomia, pelo contrário. São coisas absolutamente distintas. Uma coisa é a garantia de autonomia das instituições do ensino superior; outra, que deve ser regulada por lei, é a avaliação das instituições.
Dá-me ideia de que o PSD, com a proposta que faz, quase está a querer configurar a avaliação das instituições de ensino superior como as inspecções que o IGAT faz às autarquias! Não é rigorosamente disso de que se trata! Não se trata de fazer quaisquer auditorias ou fiscalizações desse tipo, trata-se, sim, de encontrar um sistema legal - aliás, há uma lei sobre isso -, que permita a avaliação adequada do sistema de ensino superior e do funcionamento das suas instituições, isto é, da sua qualidade.
Agora, isso não tem de prejudicar a autonomia, não é feita sem prejuízo de, isto é, a autonomia não é sem prejuízo da avaliação, como consta da proposta que o PSD, pelos vistos, defende. São coisas absolutamente distintas, ambas indispensáveis e ambas com dignidade constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tudo ponderado da nossa parte, é preciso sublinhar que não há colisão entre avaliação e autonomia. A avaliação não prejudica a autonomia, a avaliação defende a autonomia, garantindo a qualidade. E, neste sentido, temos de encontrar uma expressão melhor do que aquela que o PS tinha adiantado inicialmente, que pode ser, por exemplo, como o Sr. Deputado António Reis há pouco sugeriu, "(…)com adequada avaliação (…)", seguindo-se o texto que for preferível.
Sobre qual deva ser esse texto preferível, vale a pena qualificar de outro modo a avaliação? É preciso dizer que a avaliação pode obedecer a paradigmas diversos. Desde logo, há a avaliação intra-institucional ou auto-avaliação; pode haver avaliação externa por entidade universitária, de certa maneira, ainda auto-avaliação; pode haver avaliação externa por entidade independente; e pode haver avaliação externa feita directamente por órgãos do Estado no cumprimento das suas funções. Tudo isto tem de estar abrangido pela norma!
Os Srs. Deputados, muitas vezes, falam de avaliação independente com um sentido diferente, com um sentido de avaliação imparcial, isenta, rigorosa e objectiva. Ora, precisamente com esse sentido está a norma tal qual está escrita. Ou seja, a avaliação adequada é aquela que, por um lado, configure todas as dimensões que referi ou que seja compatível com elas, inclusivamente a auto-avaliação, e, por outro, que não possa deixar de ser senão isenta, imparcial e rigorosa, sem o que será um simile de avaliação, e, como tal, não poderá ser usada para aferir coisa nenhuma. Portanto, nesta matéria, não vale a pena gastar adjectivos, Srs. Deputados.
Em suma, proponho a redacção "(…) com adequada avaliação da qualidade do ensino". Para nós, deste ponto de vista, não há conflito entre autonomia e avaliação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a fazer, manifestamente, uma marcha atrás relativamente a um consenso já adquirido.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, dá-me licença que faça uma pergunta?

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não deixo que esta discussão continue a girar em torno de nada que tenha alcance material objectivo. Está uma única fórmula em cima da mesa, que é "(…) sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino". A solução para uma referência a uma modalidade de avaliação independente não foi aceite pelos autores da proposta.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sim! Mas não é isso que estou na dizer!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, pode usar da palavra, tendo em atenção que devemos circunscrever o debate ao essencial.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não vou insistir. Parece-me que, na verdade, havia mérito nesta ideia de, fundamentalmente, ligar a independência em relação à autonomia e em relação outra coisa. Acho que era uma condição essencial para o melhor entendimento da norma. Mas, enfim, se o Partido Socialista não aceita, muito bem, não aceita.
Agora, há aqui uma outra questão que não tem estado em discussão e em relação à qual chamo a atenção do Sr. Presidente - porque acabou de entrar o Sr. Deputado Cláudio Monteiro -, que é a questão do conteúdo deste inciso que aqui está "autonomia (…) patrimonial", que deve estar também à discussão, porque implica uma alteração da norma…

O Sr. Presidente: - A proposta foi posta à discussão, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sim, mas não chegou a ser defendida pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, porque não estava cá, e eu gostaria que ele, como autor da norma, explicasse…

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi discutida na primeira leitura! Não temos culpa de que o Sr. Deputado não tenha estado na primeira leitura! Tenho muita pena!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, estamos aqui a discutir alterações a este artigo e não faz sentido estarmos a fazer isso na presença do proponente sem o ouvir em relação a esta norma!

O Sr. Presidente: - Provavelmente ele teve ocasião de se pronunciar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós já tivemos o prazer de o ouvir na primeira leitura!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, peço-lhe o favor de sustentar a sua proposta com a brevidade que lhe for possível.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta foi, de facto, discutida na primeira leitura, mas, muito em síntese, julgo que o que há de relevante a dizer é o seguinte: a autonomia universitária, tal como está concebida, designadamente na lei, implica - e isso é uma realidade hoje em dia - a personalização dos entes em causa, isto é, das universidades e até das respectivas faculdades, o que significa que, hoje em dia, são pessoas jurídicas distintas do Estado, o que, por si só, em princípio, acarreta a possibilidade de disporem de património próprio.
Não sei se exclusivamente por força da falta de uma referência expressa no texto constitucional ou se, mais provavelmente, pelo peso burocrático das praxes da Administração Pública, o que é facto é que a situação actual é uma situação em que a autonomia patrimonial das universidades ou não é reconhecida ou é reconhecida muito limitadamente, o que tem como consequência grave a circunstância de as universidades, hoje, se encontrarem limitadas no modo como podem adquirir e dispor do seu próprio património, não apenas do património administrativo, isto é, dos meios para a persecução da actividade administrativa, como até daquele que é necessário para a investigação científica e afins.
É, aliás, isso que justifica o fenómeno da criação de fundações privadas em todas as universidades, através das quais todo o fluxo financeiro das instituições do ensino superior se faz hoje em dia, pela simples razão de que isso permite gerir o património de uma forma que o actual estatuto não permite.

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Por exemplo - e julgo que dei esse exemplo na primeira leitura -, o Reitor da Universidade de Lisboa, para adquirir uma viatura para a Universidade de Lisboa, tem que pedir autorização à Direcção-Geral do Património e tem de inscrever a viatura no cadastro do Estado. Ora, se isso é autonomia administrativa, financeira e patrimonial, então, não sei o que é que será autonomia no sentido próprio do termo. E quem fala de um carro fala de um computador; quem fala de um computador fala de um microscópio.
É essa a razão pela qual, hoje, grande parte do fluxo financeiro das universidades é gerido através de entidades privadas, designadamente de fundações, nomeadamente porque as restrições que se mantêm, apesar da autonomia, são de tal forma burocráticas e limitadoras da persecução normal da actividade das universidades que estas, pura e simplesmente, fogem para mecanismos de direito privado para evitar que, pelas regras normais de funcionamento das universidades, estejam, de alguma forma, limitadas na sua acção.
Há, obviamente, um outro problema - e esse é um problema político, que não vou escondê-lo, porque, se o fizesse, não estaria a ser honesto -, que resulta da circunstância de nunca ter sido resolvido na lei, nem haver uma interpretação certa e segura, apesar daquilo que se julga ser a interpretação feita não só pelo governo anterior como, provavelmente, também por este, o destino do património actual das universidades, designadamente do património do Estado afecto às universidades, que, segundo a boa interpretação - boa, digo eu, por partilhar dela -, com a aprovação da lei da autonomia universitária e com a criação de entes jurídicos autónomos em relação ao Estado, em princípio, ter-se-ia transferido, ope legis, para as universidades. Ora, a questão é saber se se transferiu ou não!
Essa questão não é resolvida pela circunstância de se incluir aqui o inciso "autonomia (…) patrimonial", do mesmo modo que não fica resolvida pela circunstância de não se incluir aqui esse inciso, até porque a lei das autonomias universitárias fala da autonomia patrimonial, portanto, o problema é só um problema de consagração constitucional. E a questão é que esse é um dos problemas fundamentais com que se debatem as universidades actualmente.
Obviamente que o problema não tem a mesma dimensão em todas elas, porque varia consoante a natureza e a qualidade do património que lhes está afecto, mas é evidente que essa pode ser, eventualmente, uma das consequências - reforçar a interpretação segundo a qual o património afecto às universidades pelo Estado transferiu-se ou transfere-se, ope legis ou ope Constituição, por força do regime de autonomia a que as universidades hoje se sujeitam. E essa não é uma questão menor.
Dando o mesmo exemplo da Universidade de Lisboa, isso significa, por exemplo, saber se o Estado pode, como fez, fazer acordos à margem da universidade com a Sociedade Hípica Portuguesa, cedendo terrenos que estavam afectos à Faculdade de Ciências, se pode impor autoritariamente a localização da Torre do Tombo sem o necessário consentimento dos órgãos próprios da universidade, ou se pode até alienar o património e urbanizar parte da Cidade Universitária, por exemplo, pela circunstância de não se reconhecer a titularidade do património à universidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, os seus argumentos são muito pertinentes, mas reproduzem argumentos já expendidos na CERC.
Srs. Deputados, penso que, com esta ronda geral, está clarificado o alcance de todos os aspectos normativos em apreciação, por isso, vamos passar à votação, começando pela proposta de alteração do n.º 2 do artigo 76.º, constante do projecto de revisão do CDS-PP.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, eu fiz uma pergunta ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro e, em resposta, apenas lhe quero dizer…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já tinha anunciado o termo do debate e já estávamos a entrar na votação!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço desculpa, mas poderia parecer existir da minha parte uma falta de consideração para com o Sr. Deputado…

O Sr. Presidente: - Não lhe pareceu, pois não, Sr. Deputado Cláudio Monteiro?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Desculpe, Sr. Presidente, mas é apenas para dizer ao Sr. Deputado que sou sensível àquilo que disse, embora, de facto, haja problemas que não podem ser ultrapassados nesta altura. Mas compreendo bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, portanto, votar a proposta de alteração do n.º 2 do artigo 76.º, constante do projecto de revisão do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

2 - As instituições do ensino superior gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, cabendo-lhes, nomeadamente, definir as respectivas regras de ingresso.

O Sr. Presidente: * Vamos passar à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 76.º, constante do projecto de revisão do PS, em relação à qual o PSD requer que sejam votados autonomamente os seus dois aditamentos.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração na parte em que adita a seguir a seguir a "As universidades (…)" a expressão "e outras instituições de ensino superior".

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PCP e votos contra do PSD.

Srs. Deputados, vamos agora votar a mesma proposta de alteração na parte em que adita no final "sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino".

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

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Srs. Deputados, o n.º 2 do artigo 76.º foi aprovado com a seguinte redacção:

2 - As universidades e outras instituições de ensino superior gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, muito rapidamente, quero dizer que o PSD votou favoravelmente esta norma na sequência do debate aqui travado e face à explicitação do Sr. Deputado José Magalhães ou do Sr. Deputado António Reis, não me recordo bem, de que o entendimento da "adequada avaliação" é, naturalmente, do ponto de vista do proponente, um entendimento lato, no sentido de aí poder abarcar os vários tipos de avaliação, ou seja, na perspectiva de que, desde que a avaliação seja conseguida de uma forma adequada, todos eles cá cabem.
Para o PSD é evidente que o que é fundamental não é prever na Constituição a possibilidade da auto-avaliação, porque a auto-avaliação, mesmo que a Constituição nada diga, é uma parte integrante do princípio da autonomia, nomeadamente da autonomia administrativa, porque uma entidade com autonomia administrativa deve auto-regular-se, no sentido de procurar o seu maior êxito possível.
O que faz sentido, em termos constitucionais, é, de facto, a previsão constitucional clara de que a avaliação da qualidade do ensino em termos adequados, do ponto de vista do PSD, implica necessariamente a independência, não relativamente ao sector público, não relativamente ao Estado - essa também não é a nossa preocupação, evidentemente -, mas, sim, relativamente ao princípio da autonomia, ou seja, uma avaliação externa, externa no sentido de exterior à própria universidade que está a ser avaliada. Talvez o sentido externo seja mais feliz para explicar o objectivo do PSD do que a ideia de independência, uma vez que entrou aí a confusão se o Estado se alienava da responsabilidade de avaliar a qualidade do ensino. Não é isso que o PSD propõe! O que o PSD entende, de facto, é que a autonomia não prejudica, pelo contrário, deve coexistir com adequadas formas de avaliação independentes, no sentido de externas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe também para uma declaração de voto

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, votei a proposta com a formulação "sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade de ensino" para não prejudicar, naturalmente, a unanimidade na concentração constitucional da avaliação da qualidade do ensino das instituições do ensino superior, mas votei-a sem prejuízo da autonomia universitária e da autonomia das outras instituições. Creio que também será esse o entendimento prevalecente nesta Comissão Eventual. Quer isto dizer que os mecanismos de avaliação do ensino superior não podem ser utilizados como meios ou como instrumentos de limitação da autonomia universitária.
Naturalmente que os mecanismos de avaliação a estabelecer por lei deverão ser idóneos e isentos e não deverão deixar de contar com a necessária colaboração das próprias instituições, através de processos de auto-avaliação, que são, naturalmente, elementos de avaliação muito importantes e a considerar, embora não exclusivos, como é evidente, mas também não devem ser encontrados mecanismos de avaliação que funcionem como uma espécie de inspecção governamental junto das universidades, visando, designadamente, encontrar formas de justificar a respectiva asfixia financeira ou as carências orçamentais que são crónicas.
Portanto, foi com este sentido preciso que votámos favoravelmente a expressão, considerando embora que a formulação concreta adoptada não é, do nosso ponto de vista, a mais feliz e a mais adequada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do n.º 2 do artigo 76.º, constante do projecto de revisão dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, no sentido de aditar o conceito de autonomia patrimonial, que acrescerá às demais valências do conceito de autonomia já constitucionalmente estabelecidas.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do PCP e voto a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

2 - As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, patrimonial e financeira.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, ainda em relação a este artigo, há uma proposta de aditamento de um novo n.º 3, constante do projecto de revisão do PS…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, primeiro há uma proposta de aditamento dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros!

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, não é primeiro nem último, é também uma proposta de aditamento de um número novo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim! Mas como é um n.º 2…

O Sr. Presidente: - Ao nível do projecto de revisão, sendo um n.º 2, se o Sr. Deputado faz questão, tem precedência formal, por isso vamos votá-la desde já.
Vamos, portanto, votar a proposta de aditamento de um novo n.º 2 ao artigo 76.º, constante do projecto de revisão dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

2 - O Estado financia o acesso ao ensino superior público, particular ou cooperativo dos cidadãos, nomeadamente

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através de empréstimos a reembolsar pelo seu valor real, sem juros, na data das prestações de restituição.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, votar a proposta de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 76.º, constante do projecto de revisão do PS.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, votos contra do PSD e a abstenção do PCP.

Era a seguinte:

3 - A lei assegura, em todas as instituições de ensino superior, a autonomia dos órgãos científicos e pedagógicos perante os restantes órgãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD votou contra esta proposta de aditamento de um novo n.º 3 apresentada pelo Partido Socialista por entender que ela encerra uma lógica de sacralização dos órgãos científicos e pedagógicos das universidades relativamente aos restantes órgãos, que nos parece descabida.
De facto, é evidente que existe e existirá sempre, dentro da organização interna das instituições de ensino superior, dentro dos órgãos que compõem quer a autonomia financeira, quer a autonomia administrativa, quer a autonomia científica e pedagógica, uma independência própria no funcionamento destes próprios órgãos.
O que não compreendemos minimamente é que se pretenda destacar especificamente a autonomia dos órgãos científicos e pedagógicos, tanto mais que não podemos ignorar, por razões evidentes, a conflitualidade potencial que a constitucionalização de uma norma destas poderia colocar, nomeadamente face à disponibilização de recursos em que se traduzirão, necessariamente, os aspectos científicos e pedagógicos que as universidades instituam como metas a prosseguir.
Não podemos ignorar esse aspecto e, por isso, parece-nos errada a ideia de destacar e dar uma relevância constitucional especial à autonomia científica e pedagógica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a Mesa, há pouco, aquando da votação do artigo 75.º, considerou prejudicada, embora não o tendo referido de forma explícita, a proposta de uma nova epígrafe apresentada pelo PSD no seu projecto de revisão, uma vez que ela estava ligada ao destino do n.º 1, que não foi aprovado.
Srs. Deputados, existem ainda propostas de alteração da epígrafe do artigo 76.º, apresentadas pelo CDS-PP e pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros nos seus projectos de revisão, que temos de votar.
O CDS-PP propõe, no seu projecto de revisão, a alteração da epígrafe do artigo 76.º, suprimindo a expressão "Universidade e", passando esta a ser "Acesso ao ensino superior". Vamos votar esta proposta.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado, votos contra do PS, do PSD e do PCP.

Srs. Deputados, os Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros propõem, no seu projecto de revisão, a alteração da epígrafe do artigo 76.º, suprimindo a expressão "acesso ao", passando esta a ser "Universidade e ensino superior". Vamos votar esta proposta.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do PCP.

Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 77.º.
Quanto ao n.º 1 do artigo 77.º existem duas propostas, uma no projecto de revisão do PSD, que visa suprimir a qualificação "democrática" da gestão das escolas, e outra no projecto de revisão dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, que visa acrescentar "os pais" aos sujeitos que participam na gestão das escolas, não havendo matéria nova quanto ao conteúdo normativo.
Srs. Deputados, as propostas são suficientemente eloquentes, já foram discutidas na primeira leitura e, portanto, se estiverem de acordo, vamos passar à sua votação.

O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de pedir ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro para me esclarecer se esta participação dos pais que ele propõe é extensiva ao ensino superior,…

Risos do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

… porque, como ele não distingue, creio que, a consagrar-se esta redacção, também o ensino superior, também as universidades, ficariam vinculadas à participação dos pais. Creio que isto não seria muito do agrado dos próprios alunos, por uma questão…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, respondo ao Sr. Deputado António Filipe perguntando-lhe se o actual n.º 2 também implica a participação das associações de pais de alunos do ensino superior na gestão dessas escolas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Valia a pena clarificar isso!

O Sr. Presidente: - Num caso é a lei que regula, noutro é a configuração sem dependência de lei ordinária, do direito!

O Sr. António Filipe (PCP): - Isso é, se seria vinculante para a lei ordinária!

O Sr. Presidente: - Sim!

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Nos termos da lei não é!
Sr. Deputado, é evidente que a resposta é óbvia!

O Sr. Presidente: - Mas, enfim, Srs. Deputados, esta conversa é bizantina.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração do n.º 1 do artigo 77.º, constante do projecto de revisão do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e a abstenção do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

1 - Os professores e alunos participam na gestão das escolas, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, votar a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 77.º, constante do projecto de revisão dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD e do PCP e o voto a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

1 - Os professores, os alunos e os pais têm o direito de participar na gestão das escolas, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar às propostas de alteração da epígrafe do artigo 77.º.
O PSD, no seu projecto de revisão, propõe a redução da epígrafe deste artigo a "Participação". Sr. Deputado Luís Marques Guedes, face ao destino da votação do seu n.º 1, podemos dar por prejudicada a proposta de epígrafe apresentada pelo PSD?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A democrática? Sim! Porque a parte importante que o PSD…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, votamos a sua proposta de alteração da epígrafe?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, portanto, votar a alteração da epígrafe do artigo 77.º para "Participação na gestão das escolas e na política de ensino" constante do projecto de revisão dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP, votos a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro e a abstenção do PSD.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 78.º - Fruição e criação cultural.
Para o seu n.º 1 existem duas propostas de alteração, uma do CDS-PP, que visa eliminar a expressão "criação cultural", e outra do PSD, que visa aditar "e as artes e ofícios tradicionais" no final do texto actual.
Srs. Deputados, como não há matéria nova, vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de alteração do n.º 1 do artigo 78.º, constante do projecto de revisão do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se as ausências do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

1 - Todos têm o direito de fruir do património cultural, bem como o dever de o preservar, defender e valorizar.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, votar a proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 78.º, constante do projecto de revisão do PSD.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, votos a favor do PSD e do PCP e a abstenção do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

1 - Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural e as artes e ofícios tradicionais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa posição de voto referente à proposta anterior decorre do facto de entendermos que as artes e ofícios tradicionais já fazem parte do património cultural. Ou seja, o nosso voto é contra a explicitação por desnecessidade. Aliás, há várias outras coisas que são património cultural e cuja desagregação seria saborosa, mas, francamente, superabundante.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do proémio do n.º 2 do artigo 78.º, que visa aditar a expressão "prioritariamente", constante da proposta de revisão do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se as ausências do CDS-PP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

2 - Incumbe prioritariamente ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos votar a proposta de eliminação das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 78.º, constante do projecto do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se as ausências do CDS-PP e de Os Verdes.

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Para a alínea a) existem propostas de alteração do PSD e dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros e ainda, vinda da primeira leitura, a disponibilidade do PSD para suprimir a referência "em especial aos trabalhadores".

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, a proposta dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros já contempla a supressão deste inciso, mantendo o resto do texto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em abono do que foi a primeira leitura, relativamente às propostas do PSD, peço a votação dos segmentos em separado, uma vez que ficou indiciada uma posição diferenciada relativamente às duas propostas.
O PSD propõe eliminar o verbo "assegurar" e o inciso "em especial aos trabalhadores", à semelhança do que já fez atrás no artigo da juventude, em que se falava dos jovens trabalhadores.
Uma vez que o posicionamento dos partidos foi diferente relativamente às duas propostas, solicitamos que as mesmas sejam votadas em separado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é o que vamos passar a fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD quer acabar com a discriminação positiva, que não faz sentido aqui, tal como não fazia no artigo relativo à juventude.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a primeira parte da proposta de alteração da alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º, do projecto de revisão do PSD, até à palavra "cidadãos", que se consubstancia na eliminação da expressão "e assegurar" da sua actual redacção.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

a) Incentivar o acesso de todos os cidadãos (…)

O Sr. Presidente: * A primeira parte da proposta de alteração da mesma alínea, até à palavra "cidadãos", apresentada pelos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros não tem qualquer alteração à redacção actual, pelo que não precisa de ser votada.
Srs. Deputados, vamos, agora, votar a segunda parte da proposta de alteração da alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º, do projecto de revisão do PSD, da palavra "cidadãos", exclusive, até ao fim, que se consubstancia na eliminação da expressão "em especial dos trabalhadores" da sua actual redacção.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, esta parte da proposta é exactamente idêntica à minha.

O Sr. Presidente: - Esta parte da proposta, como lembra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, é exactamente idêntica à que consta do seu projecto de revisão, pelo que as votaremos em simultâneo.

Submetidas à votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP.

É a seguinte:

a) (…) os meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no País em tal domínio;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos agora à alínea b). Acontece que a alínea b) do projecto de revisão do CDS-PP é igual à actual alínea d), portanto, em relação a esta alínea nada há para votar!

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, o projecto do CDS-PP deve ter o sentido de eliminação de algumas alíneas!

O Sr. Presidente: * Sim, a eliminação das alíneas a) e b) iniciais, que já votámos!
No projecto de revisão do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca existe uma proposta de aditamento de uma nova alínea e) ao n.º 2 do artigo 78.º. Vamos votá-la.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

2 - ………………………………………………….

e) Promover o ensino, a defesa e a divulgação internacionais da língua portuguesa;

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD votou contra a proposta da inserção de uma nova alínea e), que tem a ver com a promoção, a defesa e a divulgação internacionais da língua portuguesa, em sede do artigo cuja epígrafe é "Fruição e criação cultural", por uma razão essencial: é que, do seu ponto de vista, a promoção, o ensino e a divulgação internacionais da língua portuguesa são muito mais do que um direito e um dever cultural, são uma tarefa fundamental do Estado português, e, como tal, vêm já assinaladas na alínea f) do artigo 9.º, que diz "Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa".
Portanto, do ponto de vista do PSD, esta é a sede adequada em que deve estar a questão da defesa, promoção e valorização da língua portuguesa, e não a sede proposta pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Foi apenas por esta razão, por uma questão de relevo constitucional, traduzido, neste caso, com inserção sistemática diferenciada, que o PSD não se associou a esta proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

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O Sr. António Reis (PS): - Se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes me permite, o PS subscreve inteiramente a sua declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Por esta sintonia espiritual é que não esperava Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
Srs. Deputados, temos ainda uma proposta de aditamento de uma nova alínea, apresentada, em segunda leitura, por Os Verdes, que foi transferida do artigo 64.º do seu projecto de revisão, referente à saúde, que é do seguinte teor: "Assegurar a preservação do património das medicinas tradicionais".
Vamos, portanto, passar à votação da proposta de aditamento de uma nova alínea f) ao n.º 2 do artigo 78.º, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

2 - ……………………………………………………

f) Assegurar a preservação do património das medicinas tradicionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD votou contra porque, do seu ponto de vista, aqui sim, ao dever geral de todos os cidadãos de preservar, defender e valorizar o património cultural previsto no n.º 1 deve ser acrescentado um destaque específico às artes e ofícios tradicionais, onde se integra o eventual património das medicinas tradicionais.
Mas se o PSD vê com bons olhos a inclusão neste artigo de uma referência expressa às artes e ofícios tradicionais, já nos parece claramente fora de contexto fazer uma menção expressa às medicinas tradicionais, através de uma alínea autónoma, que é uma das realidades das artes e ofícios tradicionais.
De facto, o PSD entende que a constitucionalização da realidade "artes e ofícios tradicionais" numa altura em que tem tanto peso a pressão, quase diria a opressão, da importação cultural estrangeira, através nomeadamente dos meios de informação, das televisões e por aí fora… Parece-nos que a afirmação do dever de todos os cidadãos em preservar e valorizar as artes e ofícios tradicionais, como depositário fundamental do património nacional, merece consagração constitucional, mas já uma referência específica a uma dessas áreas, a área da medicina tradicional, sem embargo da sua eventual importância mas com o esquecimento de tudo o resto que está aqui em causa, merece a não aprovação da parte do PSD.
Como um todo, parece-nos que as artes e ofícios tradicionais são um valor a preservar na Constituição, mas parece-nos que seria um pouco exagerado a Constituição relevar individualmente esta de entre as várias formas de expressão tradicional portuguesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a este artigo falta apenas votar a alteração da epígrafe do artigo 78.º para "Património cultural", proposta no projecto de revisão do CDS-PP. Vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade, registando-se as ausências do CDS-PP e de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 79.º. Para o n.º 1 apenas existe uma proposta de alteração, apresentada pelo PSD, no sentido de alterar a expressão "à cultura física e ao desporto" para "à educação física e ao desporto". O PSD apresenta também uma proposta para alteração da epígrafe deste artigo.
Portanto, se os Srs. Deputados estiverem de acordo, vamos votar em simultâneo as propostas de alteração da epígrafe e do n.º 1 do artigo 79.º, apresentadas pelo PSD.

Submetidas à votação, não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e a abstenção do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Eram as seguintes:

Educação física e desporto

1 - Todos têm direito à educação física e ao desporto.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, no que se refere ao n.º 2 do mesmo artigo, existe uma proposta do PCP, visando aditar, no final, a expressão "visando a sua generalização".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, além disso, o PCP faz outras coisas! O Sr. Presidente está a ver mal! O PCP tira também a expressão "bem como prevenir a violência no desporto".

O Sr. Presidente: - Pois retira!

O Sr. António Filipe (PCP): * Aonde?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Na parte final do n.º 2.

O Sr. António Filipe (PCP): * Não retira nada, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - É, simultaneamente, uma proposta de eliminação e de aditamento. Tem razão Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, são coisas diferentes!

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, para que fique claro, dado que foi referido pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes…

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O Sr. Presidente: - Há, depois, uma re-sistematização, não é, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - … que o PCP retirava a expressão "bem como prevenir a violência no desporto" no n.º 2,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Apenas para efeitos de votação!

O Sr. António Filipe (PCP): - Exclusivamente para efeitos de votação!
Porque, já agora, se me permite, a razão é esta: sendo o artigo actual muito económico, pois tem apenas dois números, quando, em 1989, creio eu, foi aditada a referência à prevenção da violência no desporto achou-se por bem não acrescentar mais números e, portanto, a referência à violência no desporto ficou aqui um pouco - permitam-me a expressão - "encavalitada" no resto do artigo.
Como a proposta do PCP inclui uma redacção mais extensa e com mais números, entendemos por bem manter a referência à violência no desporto, dando-lhe, porém, uma sistematização diferente e mais adequada.

O Sr. Presidente: - Fica registada a justificação, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do n.º 2 do artigo 79.º, apresentada pelo PCP no seu projecto de revisão.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, votos a favor do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

2 - Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, visando a sua generalização.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o PCP, no seu projecto de revisão, propõe o aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 79.º. Vamos votar esta proposta.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

3 - O Estado valoriza e apoia o papel desempenhado pelo associativismo desportivo na promoção, generalização e desenvolvimento da cultura física e do desporto, com respeito pela sua autonomia.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar agora à votação da proposta de aditamento de um novo n.º 4 ao artigo 79.º, constante do projecto de revisão do PCP.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS e votos a favor do PSD e do PCP.

Era a seguinte:

4 - O Estado reconhece a necessidade de garantir a defesa dos princípios da ética e do espírito desportivo, combatendo, designadamente, a violência no desporto.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um novo n.º 5 ao artigo 79.º constante do projecto de revisão do PCP.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, votos a favor do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

5 - O Estado assegura os meios e apoios necessários à preparação das selecções desportivas nacionais.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos, agora, em condições de apreciar uma sugestão deixada da primeira leitura pelo Dr. Vital Moreira quanto à possibilidade de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 79.º, do seguinte teor: "A lei pode atribuir às federações desportivas para o efeito reconhecidas poderes de auto-administração".
Alguém faz sua esta proposta?

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós não!

O Sr. Presidente: - Não vamos votar esta proposta, porque ela não foi adoptada.
Srs. Deputados, estão esgotadas as votações em torno do artigo 79.º. Algum dos Srs. Deputados se quer pronunciar?

Pausa.

Srs. Deputados, passamos à apreciação do artigo 80.º mas, antes, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma intervenção relativamente à qual se gera uma grande expectativa.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E a expectativa vai ser imediatamente cumprida, Sr. Presidente.
Entendo que é particularmente significativo que estejamos a entrar na organização económica da Constituição sem que o CDS-PP, que entendeu que se devia continuar a revisão constitucional mesmo durante as suas jornadas parlamentares, tenha aqui presente um elemento. Aliás, o CDS-PP também não teve aqui presente qualquer elemento durante, praticamente, toda a tarde de hoje, em que se discutiram matérias tão essenciais como a educação.
Não quero deixar de ditar isto para a Acta, na certeza, porém, de que é tão incompreensível esta ausência do CDS-PP quanto é certo que o CDS-PP sempre fez questão de dizer que a revisão constitucional devia ser feita pelos partidos representados no Parlamento, em discussão na Comissão, e sempre se manifestou contrário ao acordo realizado entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata.
Considero mesmo esta postura do CDS-PP uma afronta aos outros partidos com presença nesta Comissão, para além de ser um óbvio desmentido em relação àquilo que quer o líder do CDS-PP, quer o líder parlamentar do Partido Popular têm referido ao longo do tempo.

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Esta afirmação do PSD é uma afirmação de substância e que consideramos não poder deixar de ser feita neste momento, neste local e perante esta matéria, e quero dizer que nos reservamos o direito de tirar todas as conclusões desta ausência do Partido Popular.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não compete ao Presidente, nessa condição, exprimir juízos de valor político acerca das orientações políticas dos vários grupos parlamentares, designadamente sobre a matéria da revisão constitucional, mas devo sublinhar, em nome da lealdade parlamentar, que se colocou como questão prévia - questão colocada directamente ao CDS-PP - a possibilidade de reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional apesar da existência das jornadas parlamentares e em sobreposição a estas.
O CDS-PP conveio, a pedido do Presidente da CERC, em não inviabilizar a possibilidade de continuação das reuniões, sem embargo de não poder garantir, durante as jornadas - assim o referiu -, a participação de Deputados seus.
Nessa condição, entendo que também devem ficar registadas em Acta duas coisas: primeiro, a disponibilidade revelada pelo CDS-PP para não obstaculizar o desenvolvimento dos trabalhos da CERC durante as suas jornadas; segundo, a informação prévia dada pelo CDS-PP da eventual impossibilidade de se fazer representar no decurso dessas mesmas jornadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, perante aquilo que acaba de referir,…

O Sr. Presidente: - É pura objectividade!

O Sr. António Filipe (PCP): - … devo dizer, muito frontalmente, que, assim sendo, discordo dessa metodologia. E isto pelo seguinte: creio que um partido que marca jornadas parlamentares, que é um direito potestativo seu - aliás, de qualquer partido -, não deve ser confrontado com o dilema de ter de optar entre as suas jornadas parlamentares ou quaisquer outros trabalhos parlamentares ou de ser colocado perante uma situação em que se lhe "atira à cara" que, pelo facto de realizar jornadas, está a entravar quaisquer trabalhos. Não é assim! As jornadas parlamentares são um direito potestativo de cada partido, estão, desde há muito, consagradas na nossa prática parlamentar e sempre foi pacífico, nesta Assembleia, que, havendo jornadas parlamentares, se interrompem todos os trabalhos, na medida em que o partido que realiza as jornadas tem o direito de as realizar e também tem o direito de exigir estar presente em todos os trabalhos parlamentares que tenham lugar.
Daí que, até à data, não tenha havido precedente da existência de trabalhos parlamentares coincidentes com jornadas parlamentares, e pensamos que o que se passou hoje não deve constituir precedente.
O PCP não abdica do seu direito de realizar jornadas parlamentares e não abdica também do seu direito de estar presente em todos os trabalhos parlamentares que se realizem e onde tenha possibilidade de participar.
Assim, não considero adequado que se pergunte a um partido se não se opõe a que uma comissão parlamentar reuna durante as suas jornadas parlamentares. Creio que essa questão não deveria, sequer, ter sido colocada.
Mas, relativamente ao procedimento do CDS-PP, creio que temos razão para o deplorar, até por razões de consideração e de lealdade para com o trabalho parlamentar. Compreendo perfeitamente que o CDS-PP queira realizar as suas jornadas parlamentares, é um direito seu, inquestionável, tal como o PCP também irá realizar jornadas parlamentares, como se sabe, no dia 6 de Junho, mas creio que já não é muito correcto, e corresponde até a uma menor consideração pelos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que o CDS-PP dê consenso a que a reunião se realize, isto é, não objecte a que a mesma tenha lugar, e depois nos brinde com a sua ausência, abdicando até, inclusivamente, de defender propostas suas que estiveram aqui em discussão e foram rejeitadas sem que houvesse, sequer, um voto a seu favor.
Portanto, creio que, sobretudo para um partido que tanto se reivindica de guardião da celeridade dos trabalhos parlamentares, é um mau exemplo e não queria deixar de o registar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, tenho de fazer um segundo comentário enquanto Presidente da CERC.
O Presidente da CERC tem dificuldade em compreender uma parte das palavras do Sr. Deputado António Filipe no seguinte sentido: os direitos potestativos dos grupos parlamentares, pela natureza de direitos potestativos, são inoponíveis por parte de outros grupos parlamentares mas não têm natureza de direitos indisponíveis por parte dos próprios, o que significa que o CDS-PP, legitimamente, resolveu não limitar, por exercício de um direito próprio, a possibilidade de exercício de direitos de participação parlamentar de outros grupos parlamentares. Por esta razão, não pode ser criticado.
Quero, aliás, sublinhar, desde já, que a notícia que o Presidente da CERC tem é a de que o próximo grupo parlamentar a realizar jornadas parlamentares será o PS, que também já comunicou a sua intenção de não inviabilizar por esse facto as reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e garantiu a participação de Deputados seus para o normal desenvolvimento dos trabalhos. O Grupo Parlamentar do PS tem, porventura, possibilidade de garantir essa participação, eventualmente, pela sua dimensão, o CDS-PP não tinha essa possibilidade.
Quando chegarmos ao momento das jornadas parlamentares de outros grupos parlamentares, designadamente do PCP, o PCP dirá os termos em que quer que o exercício do seu direito potestativo seja concretizado. Nos termos em que estabelecer essa vontade, ela será respeitada.
Srs. Deputados, vamos, então, passar adiante, concretamente ao artigo 80.º.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, posso, desde já, responder a essa questão.
O PCP realizará as suas jornadas parlamentares, como já é público, no dia 6, e opor-se-á a que, nesse dia, se realizem quaisquer trabalhos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Ficamos a saber desde agora, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do artigo 80.º.

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Em relação ao artigo 80.º, temos, desde logo, uma proposta de substituição global do artigo, apresentada pelo CDS-PP, por um novo corpo com apenas duas linhas, a qual, Srs. Deputados, suponho que deveria merecer uma deliberação autónoma relativamente às outras propostas apresentadas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que faça uma interpelação à mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vamos entrar agora num novo capítulo da Constituição, o capítulo da organização económica, o qual, à semelhança do capítulo anterior, relativo aos direitos sociais, que analisámos exaustivamente, nos termos do acordo de revisão constitucional celebrado entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista também deve ser objecto da busca de consensos para uma modernização das disposições constitucionais que lhe estão ínsitas, entendimento esse, ou consensos esses, que, por vontade unilateral do Partido Socialista, devem ser discutidos e procurados no seio das reuniões da CERC.
Portanto, antes que o Sr. Presidente faça o que ia fazer, isto é, antes de o Sr. Presidente se propor a enunciar as propostas dos projectos de revisão constitucional para votação, presentes, desde logo, na primeira leitura, o PSD, obviamente, numa matéria tão fundamental como esta, deseja que seja feita uma discussão geral, em sede da CERC, conforme foi, de resto, a deliberação do próprio Partido Socialista.
Nesse sentido, Sr. Presidente, antes de passarmos à análise de propostas do Partido Popular ou de qualquer outro partido, constantes dos projectos iniciais de revisão, gostaríamos de encetar uma discussão genérica sobre esta matéria, para podermos, na sequência dessa discussão genérica, avançar com propostas concretas que vão ao encontro dos caminhos de evolução e de modernização do texto constitucional, no espírito daquele que foi o próprio pedido que o Partido Socialista fez ao Partido Social Democrata.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, respondo com total facilidade à sua interpelação.
As vicissitudes do acordo PS/PSD não têm de interferir nem condicionar o método de trabalho da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. O método de trabalho desta Comissão está estabelecido e não pode ser outro, e é o de apreciação artigo a artigo, dado que cada artigo tem uma autonomia constitucional relevante.
Nestes termos, a metodologia de trabalho é, e não pode deixar de ser, aquela que temos vindo a prosseguir até agora. Não há debates globais sobre conjuntos de artigos, há apreciação de cada um dos artigos pelo valor constitucional que cada um deles representa.
Srs. Deputados, esta é a resposta à interpelação do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Poderemos passar à discussão.

O Sr. Presidente: - Admito que, a propósito do primeiro artigo da organização económica, o artigo 80.º, se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes o entender, faça as considerações relevantes que julgar pertinentes no que diz respeito aos princípios fundamentais da organização económica. Se o desejar fazer, dou-lhe a palavra para o efeito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, nos termos daquilo que foi a discussão tida na primeira leitura sobre a organização económica do Estado, foram avançadas pelo PSD uma série de questões, cuja concretização prática devemos agora, nesta segunda leitura, procurar.
A saber, e uma vez que o Sr. Presidente entende metodologicamente colocar apenas à discussão o artigo 80.º, sobre os princípios fundamentais da organização económico-social, uma das questões que, penso, ficou perfeitamente clarificada aquando da primeira leitura é a de que os princípios fundamentais da organização económica assentam hoje, de uma forma perfeitamente pacífica (pelo menos relativamente aos três principais partidos portugueses, de acordo com os últimos resultados eleitorais), num conjunto de valores que nem de perto nem de longe estão consagrados no texto constitucional.
Pelo contrário, é inclusive manifesto que o actual acervo constitucional é quase que oposto, em alguns aspectos, àqueles que são os princípios fundamentais em que assenta a organização económica e social do Estado português.
Nomeadamente, a partir de 1985, por força da adesão de Portugal à Comunidade Europeia e de todo o acervo de princípios e de valores, o chamado acquis communautaire, que daí decorreu para a ordem jurídica portuguesa, Portugal, em termos de organização económica, assumiu a estrutura de uma economia de mercado, economia de mercado essa assente na liberdade de contratação e na liberdade de organização empresarial.
Penso que isso é um facto perfeitamente indesmentível. No entanto, a Constituição da República Portuguesa, em 1997, não contempla isso, não diz, em sede dos princípios fundamentais em que assenta a organização económica e social, que a nossa organização económica e social é uma economia de mercado.
Esse é, do ponto de vista do PSD, o primeiro aspecto fundamental.
O segundo aspecto fundamental do acquis communautaire também daí decorrente, mas não só, porque a evolução inclusivamente programática dos principais partidos políticos portugueses em matéria económica, nos últimos anos, foi claramente no sentido de, também nessa matéria, se preconizar o princípio da subsidiariedade da intervenção do Estado na economia, princípio da subsidiariedade esse que deve confrontar-se, de uma forma adequada, exactamente com a liberdade de iniciativa, a liberdade de contratação e a liberdade de organização empresarial, que são o tal outro valor em que se organiza o Estado português de um ponto de vista económico.
A estes dois valores há que acrescentar também um outro. Porém, aí já não propriamente no decurso da evolução da situação portuguesa fruto do acto voluntário de adesão e de aprofundamento sucessivo da integração europeia pela parte portuguesa, mas, de qualquer maneira, de uma evolução da realidade nacional, no sentido de que o princípio da planificação da economia, inscrito no texto original da Constituição, evoluiu claramente no sentido de, hoje em dia, haver instrumentos de desenvolvimento, chamados objectivos de desenvolvimento, esses, sim, traçados e definidos com a participação dos agentes e dos representantes

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quer dos trabalhadores quer dos empregadores nacionais, portanto, com os agentes económicos da sociedade portuguesa. Desde a revisão de 1989 e pela criação do Conselho Económico e Social, existe uma previsão constitucional, de resto, expressa, do envolvimento e da participação dos agentes económicos na definição das políticas que têm a ver com o desenvolvimento na vertente de organização económica e social.
Nesse sentido, do ponto de vista do PSD, esse é o princípio fundamental que substituiu, no plano da realidade nacional, o conceito de planificação da economia.
Hoje em dia, o que existe é a definição por parte do Estado, com a participação e a envolvência desses agentes económicos, dos grandes objectivos de desenvolvimento, consubstanciados por duas formas: por um lado, através dos chamados planos de desenvolvimento, portanto, de uma actuação reguladora dos objectivos e das metas desse mesmo desenvolvimento, e, por outro lado, tendo como instrumento o princípio da concertação social.
A concertação social assumiu, nomeadamente através da criação do Conselho Permanente de Concertação Social, no âmbito do Conselho Económico-Social, o papel de instrumento fundamental do Estado para a definição da sua estratégia de desenvolvimento.
Ora, estes três vectores que acabei de enunciar são indiscutivelmente dados adquiridos da realidade nacional, pelo menos desde há cerca de 12 anos, concretamente desde o dia 1 de Janeiro de 1986, aquando da adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Portanto, é evidente que, do ponto de vista do PSD, a Constituição da República tem de traduzir com realidade essa verdade da nossa organização económica nacional, sob pena de estarmos aqui a cometer um acto de total desdignificação do texto constitucional, no sentido de tratar o texto constitucional apenas como um património histórico que nada tem a ver com a realidade em que se movimenta e evolui a sociedade portuguesa, no sentido da construção do seu futuro colectivo.
Esta questão, em termos da organização económica, é para nós uma questão estruturante de todo este capítulo, independentemente de, depois, poder haver, do ponto de vista do PSD, mais para diante, como veremos, quanto a este capítulo, algumas normas que, segundo o PSD, em alguns casos, não devem merecer dignidade constitucional e, noutros casos, traduzem uma realidade desfocada daqueles que são os tempos presentes.
Contudo, as três questões que acabei de situar são questões que, para o PSD, são entendidas como estruturantes.
O PSD teve oportunidade, não formalmente, em sede desta Comissão, mas informalmente - e penso que, hoje em dia, isso já é do conhecimento público, uma vez que já foi relatado, inclusive, em vários órgãos de comunicação social -, em termos bilaterais, quer com o Partido Socialista, quer com o Partido Popular, que não está aqui agora presente, teve a oportunidade, dizia, de encetar algumas trocas de impressões, exactamente no sentido de concretizar alguns dos princípios que acabei aqui de enunciar.
No entanto, essas trocas de impressões e propostas que, literalmente, o PSD tentou verter já, até para ajudar a essa mesma troca de impressões com os partidos referidos… E se não o fez com o Partido Comunista foi apenas por entender que se, programaticamente, o Partido Comunista não se identifica no seu programa com estes princípios, o PSD não tem a veleidade de solicitar a alteração do programa do partido, o que não acontece nos casos do Partido Socialista e do Partido Popular, porque, expressamente, nos seus programas e na sua prática,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Aí sempre vai conseguindo alterar!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - ... no seu programa político e na sua prática política, inscrevem exactamente estes mesmos valores que o PSD deseja ver reconhecidos como a realidade económica portuguesa.
Sr. Presidente, nunca formalizámos qualquer proposta, mas estaremos na disponibilidade de formalizá-la assim que possa haver o tal desejado debate político sobre esta matéria em sede da CERC, conforme foi desejo, nomeadamente, do Partido Socialista e também de outros partidos, como já aqui hoje relembrado, para podermos chegar a entendimentos que colham, a propósito da parte da organização económica da Constituição, um reconhecimento o mais alargado possível de todos os portugueses e dos seus representantes, Deputados nesta Câmara, relativamente ao texto constitucional.
O que é evidente para nós é que - e não vale a pena utilizarmos esse argumento aqui - não existem questões de regime que tenham de ser alteradas actualmente no capítulo da organização económica. Trata-se do reconhecimento, na Constituição, daquela que é a verdadeira organização económica do Estado português desde há anos e que terá de ser nos próximos anos, não fazendo qualquer sentido e tendo sempre de ser entendido como um atentado à própria dignidade do texto constitucional manter um património na Constituição que não tem qualquer tradução na realidade prática.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu próprio gostaria, em sede de artigo 80.º, relativamente aos princípios fundamentais, de tecer também algumas considerações.
Srs. Deputados, sabemos todos que a identidade ideológica de um texto constitucional pode estar confessada no seu texto ou pode resultar implícita do seu contexto. E não deixa de ser singular que, se tomarmos à letra a proposta de alteração do artigo 80.º, em matéria de princípios fundamentais de organização económica como o PSD no-la apresenta e se ela viesse a ser consagrada como tal, dificilmente o PSD teria dado qualquer contributo para que a nossa Constituição pudesse, neste aspecto, reivindicar-se da natureza de uma Constituição de um Estado social.
Em termos doutrinários, diria que a contribuição social-democrata do PSD para os princípios fundamentais, em matéria de organização económica da nossa Constituição, teria sido zero.
Bem ao contrário, a contribuição que o PSD nos dá em matéria de princípios fundamentais é muito mais de inspiração liberal, em sentido próprio da expressão doutrinária, do que em sentido social-democrata.
O PSD desejava consagrar o princípio da subsidiariedade da acção do Estado. O princípio da subsidiariedade, nem por acaso, ao nível de organização económica, integra-se na "principiologia" dos Estados liberais e articula-se com outros princípios de valor equivalente, como o princípio da neutralidade do Estado e o princípio do Estado mínimo.
No fundo, é essa a confissão que o PSD aqui nos vem fazer em matéria de organização económica: gostava que o Estado fosse subsidiário, neutral e mínimo.

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É por isso que o PSD, e nem por acaso, visava eliminar princípios ordenadores tão relevantes como o da possibilidade da propriedade pública, de acordo com o interesse colectivo relevante, como a possibilidade de existir na Constituição uma função de planeamento relevante ao nível das actividades económicas (não disse de planificação, e não foi por acaso, disse de planeamento), uma função de protecção daquele segmento da actividade económica que, pela sua natureza, mais débil pode ser e, portanto, mais atenção pode merecer do Estado - e refiro-me ao sector social da propriedade -, ou uma função extremamente relevante nos dias de hoje, a função da concertação económica e social em matéria de actividade económica.
Tudo isto, o PSD, de uma assentada, deitaria pela borda fora. A confissão que o PSD nos faz, com este tipo de proposta, é que visava justamente integrar na Constituição uma modificação radical do sinal constitucional em matéria de organização económica.
Não contará certamente com a disponibilidade do PS para o efeito, não por qualquer razão de saudosismo constitucional, mas por uma razão de convicção.
O PS está disponível, conforme tem dito, para actualizar os princípios constitucionais onde eles se revelem relevantes no que diz respeito à boa interpretação das exigências sociais, mas não justamente para alterar o sinal constitucional no que diz respeito ao papel do Estado perante a economia. E esse papel, Srs. Deputados, é um papel não subsidiário, mas um papel atento e regulador - e é intensamente regulador nos dias de hoje.
O PSD, porventura, confunde a função reguladora do Estado na economia com uma função de apropriação da iniciativa económica por parte do Estado, com prejuízo da iniciativa privada. Ora isso, obviamente, o PS não perfilha, não perfilhou no passado, não perfilhará no futuro. Mas não é isso que está em causa nem é isso que resultaria da proposta do PSD.
Razões bastantes, Srs. Deputados, para eu dizer o seguinte: não acompanhamos o PSD na sua proposta de eliminação sucessiva de um conjunto de princípios ordenadores da organização económica, mas já o acompanhamos se a proposta for de actualização desses princípios, e o PS já apresentou e fez distribuir uma proposta nesse sentido, nem, tão-pouco, o acompanhamos na consagração de princípios novos, como o da subsidariedade da acção do Estado, o que seria, de facto, remeter o Estado para uma função típica de Estado liberal e não uma função própria de Estado social de direito como aquela perante a qual nos continuamos a situar e a identificar.
Dito isto, Srs. Deputados, está também expressa a razão pela qual, no essencial, não acompanharemos as propostas que o PSD nos apresenta quanto aos princípios ordenadores da organização económica em sede constitucional.
Pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães, que, entre outros Deputados, incluindo eu próprio, subscreveu uma proposta em concreto de actualização do normativo do artigo 80.º, se também deseja intervir neste momento para apresentação em concreto dessa proposta, que é, aliás, a única apresentada até ao momento na segunda leitura.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não podíamos objectar a que se fizesse uma espécie de introdução à discussão, mas pela nossa parte não tencionamos, a título algum, alimentá-la. Somos o único partido que tem uma proposta. A proposta é auto-explicativa, ou seja, não pensamos que o Tratado de Roma e a entrada de Portugal na União Europeia tenha implicado um "constituicídio", porque entendemos que o que aconteceu a 1 de Janeiro de 1986 não colidiu com o acervo constitucional, uma vez que, a nosso ver, a revisão de 1989 fez profundas alterações antes da queda do muro de Berlim, inscrevendo na Constituição o que era adequado inscrever, pelo seu aggiornamento, sem ferir, alterar ou inverter o sinal. A nossa proposta circunscreve, pura e simplesmente, um número limitado de alterações.
Reescrevemos aquilo que a revisão de 1989 já tinha alterado quanto ao planeamento democrático da economia, aquilo a que, nesta proposta do Partido Socialista, chamamos "planeamento democrático, desenvolvimento económico e social" e que deve traduzir-se, depois, num conjunto de propostas que simplifiquem e aligeirem o sistema de planeamento, de resto, na esteira daquilo que o próprio projecto de revisão constitucional do Partido Socialista veio a indicar desde Março de 1996.
Transpomos para este artigo o que consta do artigo 81.º, alínea i), sobre participação das organizações representativas dos trabalhadores, que já é um traço componente e um princípio fundamental da nossa organização económica e social, mas que não constava desta sede e não vemos, francamente, senão vantagem em que passe a constar.
Propomos a inserção de uma norma sobre aquilo a que chamámos o incentivo à actividade das pequenas e médias empresas, cuja relevância, assim, visamos assinalar, dentro do contexto do actual artigo 80.º, sublinhe-se, e dos outros princípios, designadamente a subordinação do poder económico ao poder político democrático e a coexistência de três sectores e das respectivas iniciativas.
E, por outro lado, visamos actualizar o léxico constitucional no tocante à alínea c) e, para isso, apresentamos uma norma em que se prevê ou se enuncia como princípio fundamental da organização económica e social a propriedade pública de meios de produção e solos, de acordo com o interesse colectivo, e a propriedade pública dos recursos naturais.
Estas alterações obedecem, portanto, ao espírito de preservar princípios fundamentais da Constituição e visam introduzir no artigo 80.º, que os corporiza, melhorias pontuais mas significativas, as quais se inserem numa filosofia da qual o Partido Socialista não se desliga.
Assim, cumprimos também aquilo que, no decurso das discussões do acordo político de revisão constitucional, foi para nós a vontade e o empenhamento em, nesta fase da segunda leitura, actualizarmos o figurino constitucional em matéria de organização económica segundo os nossos princípios, ou seja, sem desnaturar aquilo que é o seu alcance essencial.
É, portanto, uma obra equilibrada, que esperamos que mereça consenso alargado, mas não estamos disponíveis para, nesta matéria, ir além nem para ficar aquém disto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu tinha pedido a palavra antes, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Não me apercebi, Sr. Deputado! Peço desculpa.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, acerca desta matéria, quero dizer o seguinte: em primeiro lugar, quero protestar contra algumas afirmações feitas pelo Sr. Presidente…

O Sr. Presidente: - Não nessa qualidade!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … não nessa qualidade, como é evidente, mas na qualidade de Deputado do Partido Socialista, que também a tem - e bem! -, em relação a posições que disse terem sido defendidas pelo Partido Social Democrata.
Quero dizer que V. Ex.ª tem, do ponto de vista dos conceitos, uma concepção arqueológica, "ante-blairialista", do socialismo,…

O Sr. José Magalhães (PS). - Chame-lhe fóssil!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … porque não quero acreditar…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação ficou "ferido", mas quero acreditar que não ficou "ferido de morte"!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a usar termos "arqueológicos"!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - "Ante-blairialista", disse eu, Sr. Deputado José Magalhães!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!… Pré-blairialista! Já percebi.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pré-blairialista, se quiser, mais explicitamente, do socialismo.
O Sr. Deputado José Magalhães fez bem, aliás, foi particularmente adequada a sua intervenção, juntando ao Tratado de Roma a queda do muro de Berlim, porque, realmente, as condições em que hoje estamos a falar são condições completamente diferentes. Não acredito que haja algum Estado na Europa, ou pelo menos na Europa da União Europeia, para ser mais circunscrito, que não defenda outra coisa que não seja aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse que eram ofensas ao Estado social, como sejam a subsidariedade da acção do Estado ou até a liberdade de contratação e de organização empresarial. Não conheço!
Também não conheço que a prática política de alguns governos mais próximos seja assim tão diferente disto, como o Sr. Deputado Jorge Lacão disse, porque não me parece que o Partido Socialista, na sua acção governativa, em laivos essenciais da sua actuação, esteja a diferir muito destas afirmações essenciais.
Isto é, compreendo que, para o Partido Socialista, a teoria é uma coisa e a prática é outra. Já estamos habituados a que isso aconteça muitas vezes. Mas não há qualquer dúvida de que, em motivos essenciais, o Partido Socialista recusa colocar na Constituição aquilo que gostaria de ver na prática. E esse é o dilema essencial que acompanhará por todos os tempos o Partido Socialista, designadamente nos tempos mais próximos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é psicanálise!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E este é o problema essencial que acompanhará o Partido Socialista na sua tentativa de se definir internamente e na tentativa de, definitivamente, de se modernizar e se aggiornar em relação à sua prática política em Portugal.
Porque, no fundo, o que é que o Partido Socialista fez aqui nas operações que apresenta em relação ao artigo 80.º?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não me diga que vai votar contra!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Será que o Partido Socialista manteve uma frase célebre que aqui está na alínea c) do artigo 80.º, isto é, "a apropriação colectiva dos meios de produção"? Não manteve! É evidente que não poderia manter, em nome da inteligência!

O Sr. José Magalhães (PS): - Tínhamo-lo enunciado na primeira leitura!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Será que o Partido Socialista manteve a formulação, que aqui está no artigo 80.º, "intervenção democrática dos trabalhadores"? Não manteve! Não podia ser!

O Sr. José Magalhães (PS): - Reforçou-a!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Será que o Partido Socialista manteve aquilo que está aqui na alínea d) do artigo 80.º, que é a "planificação democrática da economia"? Não manteve! Não podia manter, em nome também da inteligência!
Portanto, o Partido Socialista fez tímidos avanços …

O Sr. José Magalhães (PS): - E inteligentes, pelos vistos!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … e quer, em relação a isto, dizer que estes são os exemplos dos avanços que caracterizam o Estado social por oposição ao Estado liberal, que esta é a sua versão actual do Estado, esta é a sua versão actual daquilo que significa ser hoje Estado em Portugal, e que estes são os grandes avanços que realiza na Constituição.
Em nome da clarificação das águas, é evidente que estes não são, obviamente, os avanços que o País precisa e acolhe. E é por isso mesmo que o PSD tem a clareza de dizer, na sua proposta de revisão constitucional, quais os limites que o Estado actual, o tal Estado depois do Tratado de Roma e depois da queda do muro de Berlim, deve revestir, a faceta que ele deve revestir nos dias de hoje.
É evidente que não pretendemos que o Partido Socialista nos acompanhe nesta visão! Não pode ser, é difícil!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!… É só demagogia! Está bem!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que queremos é que o Partido Socialista, nesta sede e neste momento de reflexão, venha ao encontro de parte das nossas propostas e se diga aberto a considerar algumas alterações à sua proposta, naquela que diz ser proposta única - "filha única", evidentemente, neste momento segunda revisão -, mas que não é, de maneira alguma, "filha única", porque ela também tem de ser lida em conjugação com as outras propostas originárias.

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E, infelizmente, o Partido Socialista não tinha qualquer proposta originária de revisão constitucional em relação ao artigo 80.º. A verdade é esta!
O Partido Socialista tem uma proposta de revisão do artigo 80.º porque, depois da primeira leitura da revisão constitucional, houve outras propostas que lhe "doeram" na consciência. E, entretanto, o Partido Socialista disse: "Oh diabo! Eu não tinha, de facto, quaisquer propostas para isto, mas acho que é bom que se faça alguma inovação nesta matéria"!
Só é pena - e é aquilo que eu digo nesta altura, reforçando a minha intervenção nesta Comissão - que o Partido Socialista não vá mais além. E aquilo que sugerimos humildemente ao Partido Socialista é que considere o encontro desta sua proposta inovatória, originária, em segunda leitura da revisão constitucional, com as propostas que o Partido Social Democrata, em tempo devido, apresentou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostava de lamentar que esta proposta não tenha sido distribuída com alguma antecedência. Não se trata de uma proposta que tenha sido feita agora, pois já está "batida" à máquina, já está pronta, portanto, penso que poderia ter sido distribuída com alguma antecedência, como normalmente tem acontecido com estas propostas.
Peço, por isso, aos proponentes que tenham algumas propostas já prontas para artigos que sejam discutidos mais à frente que procedam à sua distribuição com a antecedência possível, porque penso que isso beneficiará a discussão aqui em Comissão.
Depois desta questão prévia, Sr. Presidente, as minhas questões… Estão em discussão todas as alíneas ou só as primeiras?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos em sede do artigo 80.º, portanto todas as alíneas estão abrangidas.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Quero pedir alguns esclarecimentos, na medida em que, sinceramente - e o problema é claramente meu -, não entendo a maior parte das alterações agora propostas pelo Partido Socialista. Não entendo ou, então, se entendo, não quero, para já, divulgar aquilo que entendo das propostas feitas pelo Partido Socialista, porque talvez não seja esse o entendimento dos proponentes.
Irei, por isso, colocar apenas duas ou três questões para demonstrar algum problema meu na percepção dessas alterações.
A primeira questão prende-se com a alínea c) proposta. A alínea actual fala de "Apropriação colectiva (…) de acordo com o interesse público (…)" e o Partido Socialista propõe uma troca de "apropriação colectiva" por "apropriação pública" e de "interesse público" por "interesse colectivo". Trata-se, portanto, de uma troca, com consequências difíceis de prever, no meu entender, porque, lida a nova alínea c) proposta pelo Partido Socialista, poderíamos ficar com a ideia não já de que seria um princípio de organização económica social do Estado a expropriação para interesse público de meios de produção, mas, sim, a existência de propriedade pública como um princípio estruturante de organização económica social.
Ora, isso entra claramente em contradição com a existência, com igual dignidade, da propriedade privada e da propriedade cooperativa. Por isso, penso que a reafirmação deste princípio da propriedade pública traria aqui problemas bastantes graves. Este é apenas um exemplo.
No fundo, quero suscitar aqui alguma discussão sobre a natureza destas propostas do Partido Socialista, porque claramente não foram apresentadas e deveriam-no ter sido, porque são propostas novas, e não houve qualquer compasso de espera ou possibilidade de apreciação das mesmas.
Poderia dizer o mesmo relativamente às restantes, mas guardar-me-ei para o seguimento de uma explicitação maior por parte do Partido Socialista das suas intenções reais, porque me parece que, já que não foi capaz de resistir àquilo que penso que é evidente que é que este artigo 80.º necessita de reformulações, fez, à última da hora, uma tentativa de reformulações deste artigo 80.º, as quais, porém, julgo que, pela sua timidez, não convencem, pelo menos não me convencem a mim e, para isso, precisaria de bastantes explicações sobre cada uma destas alíneas e as intenções que cada uma destas alíneas comporta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, para encurtar razões, permite-me que responda só à última questão colocada pelo Sr. Deputado Moreira da Silva?

O Sr. Presidente: - Em benefício da vivência e da identidade do debate.

O Sr. José Magalhães (PS): - É que o Sr. Deputado, verdadeiramente, só colocou uma questão.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Mas tenho várias!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas quer colocá-las de forma esparsa ou quer concentrá-las…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tinha começado por perguntar se o artigo 80.º estava globalmente em apreciação e está! Talvez fosse, então, de concluir a sua intervenção, se o entender pertinente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, não queria concluir a minha intervenção, porque penso que este artigo não pode ser concluído num minuto. Penso que a resposta à pergunta que fiz acerca da alínea c) talvez já fosse suficiente para termos aqui alguma discussão frutuosa sobre esta perspectiva de alteração da alínea c).
Mas tenho também enormes dúvidas sobre a alínea d), sobre a transformação de um planeamento económico num planeamento do desenvolvimento, como tenho relativamente à alínea e), proposta nova, de ser um princípio o incentivo. Penso que um princípio de estruturação económica e social do Estado não é um incentivo; será, no fundo, se quiserem, a importância da actividade das pequenas e médias empresas, mas, com certeza, o princípio não é um incentivo. Relativamente à participação na definição das principais medidas económicas sociais por parte das organizações representativas dos trabalhadores, penso também que isso também foi uma tentativa que necessitará de óbvios

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esclarecimentos por parte do Partido Socialista, quanto à reformulação da actual alínea f).
Para já, queria apenas esclarecimentos…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer agora responder?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, reparei que algumas das observações resultam do facto de a exposição oferecida como apresentação não ter sido ouvida, por qualquer razão circunstancial a que sou completamente alheio.
Ou seja, tive ocasião de…

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois não, Sr. Deputado, mas antes tivesse, porque, se tivesse dois ouvidos, tinha percebido o que lhe tinha sido dito.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Então, talvez tivesse sido deficiência minha.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois foi, com certeza, Sr. Deputado. Mas aceito as suas desculpas implícitas, porque tive ocasião de exprimir que a última alínea é a transposição do actual artigo 81.º, alínea i). Ou seja, como resulta dos trabalhos da primeira leitura, que nesta parte foram bastantes extensos e bastante elucidativos para quem teve a maçada de participar neles, limitamo-nos a transpor a actual alínea i) porque achamos que não se trata só de uma incumbência prioritária do Estado no âmbito económico e social assegurar a participação das organizações representativas dos trabalhadores, mas é verdadeiramente um princípio estruturante e deve constar do artigo 80.º.
De facto, já consta do artigo 80.º um conceito abrangente e lato de intervenção democrática dos trabalhadores, mas verdadeiramente esta expressão mais explicitada parece-nos vantajosa e corresponde rigorosamente a uma reinserção valorizadora, a qual não suscita, na nossa óptica, senão aplauso.
Em relação às outras questões, francamente só há uma que me parece relevante: é a que diz respeito à alínea c).
No que diz respeito à propriedade pública de meios de produção, que foi sempre o significado da alínea c) quando aludia à "apropriação colectiva de meios de produção", não é possível fazer este debate de olhos fitos na norma tal qual ela hoje está redigida; é preciso retraçar a sua evolução na história do Direito Constitucional português.
Antes da Revisão Constitucional de 1989, esta norma tornava em princípio organizatório e básico do nosso sistema económico a apropriação colectiva dos principais meios de produção, não estabelecia a limitação que consta hoje do segmento intermédio da norma e não dizia "de meios de produção", mas "dos meios de produção" e "dos principais meios de produção".
Ou seja, o figurino a que obedecia a norma, deste ponto de vista, foi objecto, na segunda revisão constitucional, de uma relativa atenuação, a qual, sem prejudicar a natureza desta economia e o papel do sector público nela, reconfigurou, em termos que tiveram em conta a existência de um limite material de revisão, que também ele próprio foi revisto nessa circunstância, aquilo que era preciso, nessa óptica de aggiornamento, fazer. Portanto, não é possível olhar a actual alínea c) e a nossa rescrita dessa alínea, sem ter em conta este percurso.
Mas creio que esta redacção, Sr. Deputado, por um lado, é constitucional, ou seja, fazer hoje, em 1997, uma reconfiguração do artigo 80.º, nestes termos, não fere qualquer disposição constitucional, e não fere, designadamente, os limites materiais de revisão. O mesmo não se poderia dizer da mesma operação praticada no Ano da Graça de 1989 - e foi por isso, aliás, que não foi praticada, como provavelmente saberá extremamente bem.
Em segundo lugar, a norma, tal qual está gizada, dá ainda uma indicação sobre o que deve ser a propriedade pública de meios de produção, no sentido que essa norma tem, abrangente e, portanto, parcialmente repetitiva na explicitação que se faz depois de subespécies de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo, que é uma forma razoável de exprimir uma directriz para o legislador ordinário e para o gestor do sistema, sem com isso prejudicar, pelo contrário, fazendo uma adequada inserção, o que se dispõe na alínea b).
Portanto, Sr. Deputado, há aqui uma benfeitoria, há respeito pelas normas constitucionais e há uma norma que tem sentido no actual quadro constitucional e no desenho de organização económica e social que se quer fazer neste texto. Pela nossa parte, não podemos abdicar dessa configuração.
Em relação a melhorias, quanto à forma de exprimir a norma sobre a actividade das pequenas e médias empresas, estamos perfeitamente abertos. É verdade que o substantivo "incentivo" destoa da técnica utilizada em relação a outros artigos, mas também, Sr. Deputado, tenha em conta, para moderar o ímpeto crítico, que a alínea e) actual já refere a "protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção".
Foi tendo em conta essa norma, que alude, como princípio organizatório fundamental da organização económica e social, à protecção do sector económico e social, que nos ocorreu instituir o princípio do incentivo à actividade das pequenas e médias empresas. Portanto não há, aí, francamente, uma quebra radical da lógica do preceito, há uma homologia com o estatuto do sector social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, estamos aqui num domínio onde a pedra angular "Estado" tem de ser rediscutida e é, por isso mesmo, uma pedra-de-toque, direi mesmo uma pedra-de-toque ideológica. E ainda bem que o é, é sinal que não queremos deixar morrer este aspecto ideológico da questão. Por isso, o PS, de um lado, o PSD, porventura de outro, e outros partidos ainda, de outros lados, vão ter aqui com certeza argumentos para esgrimir.
Depois do exagero do Estado interventor, é óbvio que a cura de emagrecimento está aí! E, às vezes, a tentativa de emagrecimento é excessiva e leva ao ponto de reduzir à ideia do Estado mínimo.
Devo dizer-vos que, pessoalmente, não sou partidário do Estado mínimo e, por isso, estou à vontade para, a título pessoal, dizer aquilo que acabo de dizer, e vou dizer mais. Julgo, todavia, que a função do Estado moderno, hoje, não é a de um Estado interventor - já lá vai o tempo! -, é, sobretudo, a de um Estado regulador. Onde tiver de

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haver um papel insubstituível do Estado, esse papel deve ser cada vez mais o de um Estado regulador e não de um Estado interventor.
E se conseguíssemos assentar neste princípio, é evidente que já atingiríamos uma plataforma de entendimento que traduziria a época do passado em evolução para o presente e que se deseja que continue em evolução para o futuro.

O Sr. Presidente: - Mas dá-se conta, Sr. Deputado Calvão da Silva - e permita-me esta ligeira interrupção -, de como a vossa proposta traiu, no mínimo, esse vosso propósito? É que a subsidiariedade de que falam é a da acção do Estado, nem sequer é a da iniciativa económica do Estado! E aí há uma confissão de falência relativamente ao propósito que acabou de enunciar.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que continue?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, foi só um parêntesis.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não vale a pena tentar encontrar fissuras onde estou a tentar expor…

O Sr. José Magalhães (PS): - Onde há fossas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Isso é linguagem de mineiro!

O Sr. José Magalhães (PS): * Tenho grande admiração pelos mineiros!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Como dizia, não vale a pena tentar encontrar fissuras onde estamos ainda num trabalho preparatório para tentar encontrar uma formulação de um artigo que se afigura como um dos mais importantes em toda a revisão constitucional.
A seriedade da discussão deve ser levada ao ponto máximo, porque este é um dos artigos mais importantes que estamos aqui a tentar formular.
Assim, a primeira ideia é esta: Estado menos interventor, Estado regulador, mas não Estado mínimo.
A segunda ideia é a seguinte: mesmo dentro desta linha de coerência, é óbvio que a predominância tem de ser da economia de mercado. Hoje, julgo que ninguém, mesmo por parte do Partido Socialista, põe em causa a economia de mercado. E uma economia de mercado que entendemos que deve ser social e, por isso, a ideia da economia social de mercado e não apenas, liberalmente, de economia de mercado. Aí, portanto, também uma outra ideia de força que não está…

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é uma proposta que não foi apresentada!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não interessa; o que importa é ver se, a nível das ideias, nos princípios, nos entendemos.
Portanto, uma economia de mercado, com certeza, mas não de um qualquer mercado, não de qualquer tirania de mercado, não de qualquer totalitarismo de mercado. Mas uma economia social de mercado é, pois, a segunda linha de força que, julgo, este artigo devia poder consagrar, se conseguíssemos atingir esse entendimento.
E é evidente que uma economia, sendo social de mercado, não pode, obviamente, deixar de assentar instrumentalmente em outros subprincípios, que estão aí claramente na vida, no dia-a-dia da economia. Quais são eles? A ideia de que, em coerência com a livre iniciativa, e também de acordo com os grandes princípios da livre iniciativa, esta se materializa na liberdade de contratação e, obviamente, na liberdade de organização empresarial. E isto são subprincípios de quem parte do princípio principal, a economia social de mercado, e que, depois, instrumentalmente, se concretizam através destes dois grandes veículos, que são apenas veículos da grande ideia de uma economia de mercado, mas social.
Agora, estes dois veículos não podem chocar ninguém que esteja de acordo com a economia social de mercado, porquanto estão aí, nas leis ordinárias, a começar pelo Código Civil, e vêm ao encontro da autonomia privada e da liberdade negocial, da liberdade de contratar.
Portanto, também por aqui me parece que não seria difícil deixar até explicitamente, na Constituição, a economia de mercado assente nestes veículos, como apenas concretizadores deste princípio básico da economia social de mercado.
Em terceiro lugar, é óbvio que deve haver coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social dos meios de produção. Não sou daqueles que entendem que deve desaparecer o sector público da economia. Acho que há domínios estratégicos que devem ser do Estado e devem continuar a pertencer a esse sector público. Essa coexistência deve continuar a ser consagrada.
Já não encontro razão é para planificações! As planificações acabaram e vejo, com algum apreço, que o Partido Socialista, na nova formulação, pelo menos a nível de terminologia, deixou cair a outra terminologia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já tinha caído em 1989, na outra revisão, Sr. Deputado.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - A planificação democrática da economia, que está ainda hoje no artigo 80.º…

O Sr. José Magalhães (PS): - Só nesse!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Está bem, mas está lá!
Vejo com agrado que o Partido Socialista deixa cair essa terminologia e a enjeita, depois de ter tido nela um grande…

O Sr. Presidente: - Suponho que o PSD também, Sr. Deputado.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sim! Mas é bom que agora também aqui demos um passo.
Veremos se a melhor terminologia ainda é a do planeamento ou se é a da definição dos grandes objectivos do desenvolvimento económico e social. Acho muito correcta a ideia de grandes objectivos do desenvolvimento económico e social.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): Deixaram cair tudo isso!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Não, não! Mas podemos vir a estar abertos à…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O que é que deixámos cair, Sr. Deputado?

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O Sr. Presidente: Tudo o que configura o Estado social, Srs. Deputados!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Nós não deixamos cair! Não vamos deixar cair!
A ideia da definição - e deixamos de lado se a palavra é "definição" ou "planeamento" - dos grandes objectivos do desenvolvimento económico social com a participação de…. É evidente que isso até está lá adiante no artigo 95.º e julgo que é aí que o PS o vai buscar. Julgo que o foram buscar ao artigo 95.º e transpuseram-no para esta nova alínea.
Tenho a impressão de que também não vai ser difícil encontrarmos aqui um entendimento, uma plataforma de entendimento, mesmo que não seja uma plataforma de esquerda.
E, quanto a outros grandes princípios, é óbvio que foi acolhida, na primeira leitura, a transposição que o Partido Socialista faz do artigo 81.º, alínea i), para a alínea g) que propõe - veremos se é melhor ficar aqui ou não, mas foi uma das ideias que ressaltou da primeira leitura -, restando uma ideia muito bonita e positiva, que é a ideia da importância que deve ser reconhecida às pequenas e médias empresas num país como é Portugal. A palavra "incentivo" não é a mais adequada, mas julgo que também é uma ideia a laborar para encontrar a melhor formulação.
Com isto termino a minha intervenção explanatória daquilo que será o debate ao longo deste artigo na concretização da sua redacção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, se me permite, a exegese desta sua intervenção terá muitas virtualidades.
Como ainda se encontram inscritos os Srs. Deputados Cláudio Monteiro, António Reis, Moreira da Silva e Luís Sá e como não gostaria que eles fossem prejudicados no uso da palavra, cancelaria neste momento as inscrições e pediria aos inscritos a síntese possível, isto em benefício do fecho dos nossos trabalhos. Está bem assim, Srs. Deputados?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Para nós não está bem, Sr. Presidente, porque…

Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

É evidente que eu, por exemplo, depois da primeira ronda de intervenções, também quero intervir sobre o processo!

O Sr. José Magalhães (PS). - Outra vez!?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há um horário próprio para o funcionamento das reuniões e o Partido Social Democrata, hoje, esteve o dia inteiro aqui. Há uma reunião da direcção marcada para as 19 horas - já telefonaram cá para cima - e nós temos de ir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atenção, a hora regimental não é às 19 horas mas, sim, às 20 horas! Mas eu sou inteiramente sensível…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, deixe-me concluir a frase!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sobre a terça-feira já…

O Sr. Presidente: - Se me deixar concluir a frase…
Srs. Deputados, não posso deixar de ser sensível, se um grupo parlamentar, a esta hora, me pede a suspensão ou melhor a finalização dos trabalhos, por isso pergunto se os Srs. Deputados que estão inscritos admitem transferir a sua inscrição para a próxima reunião.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, eu não posso, dada a alteração recente dos horários das reuniões. Pelo facto de não ter a minha vida organizada para estar presente na reunião de quarta-feira à noite e não ter a certeza de tal me ser possível, não prescindo da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Portanto, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro não prescinde de falar.
E o Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, só quero colocar uma questão ao Sr. Deputado Calvão da Silva!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, então, vamos fazer o seguinte: o Sr. Deputado António Reis fará a sua intervenção na reunião de amanhã, se estiver de acordo; o Sr. Deputado Luís Sá fará a sua pergunta ao Sr. Deputado Calvão da Silva e este responder-lhe-á; e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fará a sua intervenção e encerraremos a reunião por hoje.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que há aqui matérias, como, por exemplo, o incentivo à actividade das pequenas e médias empresas, que creio que são bem-vindas. Entretanto, há outras questões em que as propostas valem o que valem.
Estamos em 1997 e não em qualquer outro momento, mas, entretanto, há um discurso político que creio que conviria que fosse actualizado. E refiro-me, designadamente, ao discurso do Sr. Deputado Calvão da Silva sobre a questão do planeamento e da planificação.
Não vou citar - e é sobre isto que eu gostaria da opinião do Sr. Deputado -, por exemplo, uma tese de Alves Correia, uma tese de doutoramento, que diz que, desde que há sociedades humanas, há plano. E, portanto, a actividade de planeamento, ao contrário do que o Sr. Deputado, inclusive, diz… eu gostaria que o Sr. Deputado, com toda a sua qualificação, me dissesse se é assim ou não.
Neste momento, temos, inclusive, planos regionais de ordenamento do território, planos de orla costeira e planos directores municipais, todos eles com uma componente económica irrecusável. Temos os planos de desenvolvimento regional, que são, provavelmente, os mais imperativos de todos os planos que já houve em Portugal, porque são fundamentais, por exemplo, para negociar o quadro comunitário de apoio e para receber verbas da Comunidade Europeia. Creio que são, efectivamente, os mais imperativos de todos os planos e foram elaborados, nomeadamente, como é sabido, pelo governo do PSD e apresentados à Comunidade Europeia.

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Nesse sentido, a alternativa que se poderia colocar nesta matéria era entre um conceito de plano, de carácter autoritário e, eventualmente, totalitário, tudo aquilo que o Sr. Deputado dirá, e um conceito de plano em que a Constituição já actualmente utiliza o adjectivo "democrática" a seguir a "planificação".
Portanto, independentemente de esta proposta de substituir "planificação" por "planeamento" valer o que vale - e, a meu ver, vale muito pouco -, o problema que se coloca é este: qual é a real posição do PSD a respeito de uma coisa que é fundamental no plano da Comunidade Europeia e em qualquer país ou sociedade, que é a ideia de fazer planos, quer de carácter económico, quer integrados, quer de ordenamento, como me parece que existem amplamente na própria sociedade portuguesa e não são contestados?
Creio que, no fim de contas, por trás da proposta do PSD e, quiçá, por trás do discurso do Sr. Deputado, há aqui determinados fantasmas e determinada polémica que não me parece que tenham grande cabimento.

O Sr. Presidente: - E essa é a questão, não é verdade?

O Sr. Luís Sá (PCP): - É esta a questão.

O Sr. Presidente: - É a questão sobre o fantasma.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não se trata de fantasmas,…

O Sr. Presidente: - Não fui eu que disse!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - … trata-se de conhecer a história para não a viver duas vezes! Quem não conhece a história arrisca-se a vivê-la duas vezes! É uma frase célebre, e, por isso, mesmo é que nós a temos presente.

O Sr. José Magalhães (PS): Como pesadelo!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Muito bonita! Muito bonita!

O Sr. Presidente: - O pesadelo já é uma invenção do Sr. Deputado José Magalhães!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Já é a segunda vez!

O Sr. Presidente: - Na versão originária era farsa!
Vamos lá continuar, Sr. Deputado.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Em primeiro lugar, o grande problema, de facto, é não querermos planos, nem quinzenais, nem de fomento. Não queremos nem de um lado nem do outro! Não vale a pena estar a dizer porquê, mas, se quiser, também temos ocasião de lhe dizer.
Em segundo lugar, o grande objectivo, o que está em causa aqui, assenta nos seguintes princípios: é evidente que tem de haver definição de grandes objectivos de desenvolvimento, e essa definição dos grandes objectivos do desenvolvimento em que deve assentar esta organização económica e social pode, depois, materializar-se através de vários instrumentos, entre os quais os planos, que, depois, no artigo 95.º têm a participação do Conselho Económico e Social, etc.
É nesse sentido que o PSD põe em epoqué esta expressão "planeamento" que está contida na nova proposta do Partido Socialista e que eu disse que, depois, veremos se é a melhor ou não, se é na definição dos grandes objectivos que, depois, se materializa esta definição, através de vários instrumentos possíveis, entre os quais os planos de desenvolvimento económico-social. É só por isso! Isto para não cairmos na tentação totalitária de direita ou de esquerda da velha concepção dos planos fixos ou da planificação, com a carga ideológica, obviamente, que ela tem e que está aqui, ainda hoje, no artigo 80.º. Existe aqui essa carga ideológica que queremos retirar.

O Sr. Presidente: - Estão, então, a vir ao bom caminho, porque propunham a eliminação sem substituição nem actualização do normativo constitucional. Espero que o debate dê, de facto, frutos!
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, nesta matéria sinto-me particularmente à vontade, não propriamente porque domine as matérias de organização económica e do direito da economia, o que não acontece, mas porque tenho a pretensão, porventura não realizada, de representar aqueles que sempre defenderam um modelo de economia social de mercado e, portanto, aqueles que sempre rejeitaram as tendências colectivistas para que apontava o texto originário da Constituição e também aqueles que sempre rejeitaram o modelo liberal para que, de certa forma, também aponta, sem prejuízo da interpretação esclarecedora e talvez própria do Sr. Deputado Calvão da Silva, a proposta inicial que o PSD formula para esta matéria, que, porventura, carrega excessivamente no sinal contrário, como salientava, há pouco, o Sr. Deputado Calvão da Silva, e que terá de ser suavizada para encontrarmos, de facto, um consenso adequado nesta matéria.
Aliás, há bocado, o Deputado Carlos Encarnação chamava a atenção para a eventual discrepância que existia entre a prática do governo do Partido Socialista e da nova maioria e o seu discurso político, mas esqueceu-se também, porventura, daquilo que era a discrepância entre a prática política dos governos do PSD e o seu discurso político, porque, seguramente, ninguém nesta sala estará convencido de que o PSD terá sido pouco intervencionista e não terá procurado, sempre que possível, interferir directa e imediatamente no desenvolvimento das relações económicas e sociais, e, porventura, não terá sido tão liberal como gostaria de o ser em termos abstractos.

O Sr. Presidente: Nem sequer era intervencionista! Era um Estado gestor em sentido próprio!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não vou recordar exemplos que têm a ver com a intervenção no mercado de valores mobiliários, com as OPA e outras coisas afins, mas é evidente para todos que o discurso liberal não correspondeu exactamente à prática do PSD, embora o tipo de intervenção pudesse não ser do mesmo tom ou com a mesma intenção daquela que se pretende hoje ou que existe hoje.
Em relação à proposta do PS, tenho, obviamente, de me congratular com o seu sentido geral, quanto mais não seja, porque ele se aproxima bastante daquilo que é o sentido geral do projecto que subscrevo, e, nesse sentido, obviamente que não poderia deixar de estar satisfeito.

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O Sr. Presidente: - Les bons esprits se rencontrent, Sr. Deputado!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Agora, não quero deixar de fazer uma referência particular…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não! Pelo contrário!

O Sr. Presidente: - Pelo contrário de quê?

Risos.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não quero deixar de fazer uma referência específica à alínea c), porque julgo que é, de facto, a mais relevante.
O Sr. Deputado José Magalhães disse - e bem! - que não se pode fazer a discussão desta alínea sem lembrar o texto originário, e, portanto, sem lembrar o passado. É preciso também não esquecer que a eliminação do princípio da apropriação é uma espécie de consequência natural da revisão de 1989, dado que se aceitou, embora em teoria e não na prática, o princípio da dupla revisão da Constituição, tendo-se eliminado o limite material em 1989, de onde resultaria, naturalmente, a eliminação do princípio protegido pelo limite material em 1997.
Agora, também não quero deixar de dizer que a proposta do PS, nessa matéria, comporta uma certa ambiguidade, que tem a ver com a circunstância de o princípio da apropriação dos meios de produção, na formulação originária ou na formulação de 1989, apontar claramente para a ideia de expansão do sector público relativamente aos demais sectores. Isto é, o princípio, tal como estava enunciado, não podia ter outro sentido que não fosse a ideia de preconizar a apropriação dos meios de produção.

O Sr. Presidente: Necessária e pedida pela própria Constituição na altura! Essa é a diferença.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Num primeiro momento, imperativamente e, num segundo momento, de acordo com o princípio de proporcionalidade, dado que só se exigia essa apropriação quando estivesse em causa o interesse geral ou o interesse colectivo.
Portanto, se o primeiro momento da proposta do PS é o momento natural, consequente em relação à revisão de 1989, e satisfatório, que tem a ver com a eliminação do princípio da apropriação, o segundo momento, isto é, naquilo que diz respeito à formulação pela positiva da proposta do PS, confesso que já não consigo descortinar o sentido relativamente àquele que é o sentimento actual da alínea b), porque dizer-se "Propriedade pública (…)" significa reconhecer a existência da propriedade pública, o que já está assegurado pela alínea b), e, portanto, nessa matéria, a alínea c) nada acrescentaria.
A proposta do PS tem outra coisa que julgo que é, porventura, uma perda em relação àquela que é a interpretação que se pode fazer do actual texto constitucional, é que restringe a lógica da subordinação ao interesse colectivo à propriedade pública. Isto é, não faz qualquer referência ao aproveitamento da propriedade privada e da propriedade corporativa, de acordo com o interesse colectivo, na medida em que isso signifique restrições que o legislador possa estabelecer à liberdade e aproveitamento desses meios de produção, privados e cooperativos, razão pela qual a alínea c), a fazer algum sentido e como contraposição ao princípio da apropriação, só pode apontar para a ideia de que o Estado não tem como função apropriar-se dos meios de produção para satisfazer o interesse colectivo, porque pode satisfazer o interesse colectivo mantendo a propriedade privada e a propriedade cooperativa, limitando-se a intervir reguladoramente através da lei, designadamente, no sentido de ajustar o aproveitamento dessa propriedade privada ou cooperativa às necessidades públicas, ao interesse colectivo ou à função social, conforme consta do projecto que eu próprio subscrevi.
Portanto, a alternativa à apropriação dos meios de produção é a regulação do uso privado dos meios de produção, de acordo com o interesse colectivo ou de acordo com a sua função social. É esse o sentido útil que tem de ter ou que pode ter a alínea c) relativamente à alínea b), porque, caso contrário, a alínea c) limitar-se-ia a garantir a existência da propriedade pública, coisa que a alínea b) já assegura. Nesse sentido, julgo que a proposta mereceria ser ponderada e reflectida para eventual aperfeiçoamento, se for caso disso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta consideração do Sr. Deputado Cláudio Monteiro fica à consideração geral.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já recusei a inscrição de outros Srs. Deputados!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro não vai estar na reunião de amanhã…

O Sr. Presidente: - Então, é para um pedido de esclarecimento ou para uma intervenção?

O Sr. José Magalhães (PS): - É para um pedido de esclarecimento…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - … e, simultaneamente, para dar uma explicação, como contribuição, naturalmente, para o debate.
A lógica que a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro procurou introduzir no artigo 80.º é, de facto, distinta da actual lógica constitucional e, por isso mesmo, também é distinta da nossa, que é fiel ainda à lógica constitucional.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro considerava interessante haver um preceito constitucional que regulasse em geral o uso de meios de produção, de quaisquer meios de produção.
Manteve-se fiel também a esta découpage de meios de produção em solos e recursos naturais, que, técnico-juridicamente

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e no seio da ciência económica comum, também são meios de produção em sentido lato, mas, de facto, reorientou o preceito por forma a dar-lhe um significado que ele não tem hoje no sistema constitucional, curiosamente, parecendo-lhe mais importante regular o uso privado dos meios de produção e dar-lhe uma função social, o que, aliás, é fiel à sua matriz político-ideológica e à inspiração de um determinado pensamento social cristão nessa matéria, e uma função moderadora e reguladora do próprio uso privado de meios de produção a esta parte da Constituição.
Ora, a lógica que está hoje na alínea c) do artigo 80.º da Constituição e que se prolonga na alínea c) proposta pelo PS não é essa mas, sim, a lógica de que a propriedade pública de meios de produção, que pode fazer-se segundo medidas, estruturas e sistemas diversos, em função de orientação político-ideológica, da vontade dos governos e da inspiração das matrizes de cada maioria político-ideológica de cada momento, é uma função ela própria relevante para a construção do sistema económico.
Portanto, não basta dizer, como se diz na alínea b), que um dos princípios orientadores do sistema económico é a coexistência de três sectores tipicamente definidos, como a Constituição o faz neste artigo e noutros, tem de haver três sectores, cujos limites a Constituição neste ponto não enuncia, apenas diz que tem de haver três, nada nos diz sobre a dimensão de cada um deles, e um sector privado "minimíssimo", não viola a Constituição.
Portanto, um governo que, eventualmente - isso está fora de questão neste quadro político e, provavelmente, em qualquer um que no horizonte deste século ou do próximo se desenhe -, decidisse limitar o sector privado a um mínimo, estatizando e criando um vasto sector público, não ofenderia a lógica constitucional tripartida; um governo que orientasse a gestão do sector económico de tal forma que o sector cooperativo e social fosse mínimo, desde que existente, quand même, não violaria a lógica da Constituição.
Portanto, o artigo 80.º, alínea b), não define limites, não define tamanhos, não define, designadamente, obrigações de apropriação. Pode haver um sector público mínimo, também ele, e todavia respeitar-se o artigo 80.º. O que o artigo 80.º, alínea c) diz é outra coisa, é que a propriedade pública de meios de produção pode ser também relevante. Em função de quê? Em função do interesse público.
Portanto, na gestão da sua noção de interesse público, o Estado deve não apenas cuidar de respeitar os outros princípios mas também deve ter uma margem de apropriação ou, na nova linguagem, de propriedade pública de meios de produção que garanta um dos pilares da conformação do sistema económico.
É uma lógica perfeitamente razoável, mas, obviamente, é diferente da sua, que diz que um Estado deve regular: primeiro, o sector público; segundo, o sector privado. Em função de quê? De garantir que os meios de produção sejam usados em função da sua finalidade social. É uma lógica distinta da constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 40 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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