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Quarta-feira, 28 de Maio de 1997 II Série - RC - Número 97

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 27 de Maio de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 10 horas e 25 minutos.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação (PSD) condenou declarações do Presidente do CDS-PP, Deputado Manuel Monteiro, relativas aos trabalhos da Comissão, tendo-se pronunciado também sobre o assunto os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP) e António Galvão Lucas (CDS-PP).
Concluiu-se o debate e votação das propostas de alteração ao artigo 81.º e procedeu-se à discussão e votação das referentes aos artigos 82.º a 90.º
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Galvão Lucas (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), António Reis (PS), Luís Sá e Lino de Carvalho (PCP), Carlos Encarnação (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Teresa Patrício Gouveia (PSD), José Magalhães e Medeiros Ferreira (PS), Octávio Teixeira (PCP), Cláudio Monteiro (PS), António Filipe (PCP), Miguel Macedo, Barbosa de Melo e Calvão da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos, fazendo um ponto da situação. Temos agora para votar a alínea i) e seguintes…
O Sr. Deputado Carlos Encarnação pediu a palavra?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Pedi sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, pedi a palavra porque durante este fim-de-semana ouvi declarações do Presidente do CDS-PP que acho deploráveis.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, permita-me que o interrompa já. Não está criado o hábito nesta Comissão de fazer períodos de antes da ordem do dia relativamente a temas de política geral, mesmo com incidência no processo de Revisão Constitucional. Esse hábito será péssimo relativamente à oportunidade de condução dos nossos trabalhos. Peço-lhe que tenha isso em consideração para não cairmos na tentação de vir a gastar por incidentes políticos sucessivos tempo útil na apreciação dos artigos constitucionais que nos cumprem apreciar. Gostaria que levasse em consideração devida este meu apelo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * As suas palavras são sábias, Sr. Presidente, mas se essa declarações não fossem de uma profunda gravidade, eu não faria esta intervenção.
A intervenção não vai ser longa, vai ser uma intervenção breve, mas é absolutamente importante, no meu ponto de vista, que fique registado aqui, na Comissão de Revisão Constitucional, uma coisa que acho que toca a raias do absurdo: um Presidente de um partido representado nesta Comissão, representado nesta Assembleia, dignar-se dar ao luxo de dizer aquilo, de não saber se os Deputados "estão a brincar ou não estão a brincar", se estão a fazer revisão constitucional ou não estão a fazer… Acho que nós talvez superássemos este problema - que eu penso que é apenas um problema de deficiência de informação do Sr. Deputado Manuel Monteiro - fazendo com que V. Ex.ª, Sr. Presidente, convidasse o Sr. Deputado Manuel Monteiro para participar, de vez em quando, nos trabalhos da Comissão para verificar se estamos, de facto, a trabalhar ou o que é que estamos aqui a fazer.
Pela minha parte tenho a consciência tranquila, mas gostaria também que o Sr. Deputado Manuel Monteiro ficasse plenamente esclarecido sobre o que é que estamos aqui a fazer e qual é o valor político do que estamos aqui a fazer para que estas declarações se não repetissem. Como vê, Sr. Presidente, acabo já a minha intervenção, que não foi longa, pois não quero aqui transformar isto num incidente político.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Lino Carvalho para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, para os mesmos efeitos do Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, também tive oportunidade de escutar as palavras "não sábias" do Deputado Manuel Monteiro e é evidente que essas palavras não podem passar sem um reparo sério, não só de cada um de nós mas de toda a Comissão de Revisão Constitucional. A menos que se tratasse de uma autocrítica ao seu próprio partido, a verdade é que o Sr. Deputado Manuel Monteiro, porventura por razões de ordem de oportunidade mediática, fez declarações em relação aos trabalhos ou à ausência de esforço de trabalho da Comissão de Revisão Constitucional, que, de todo em todo, não correspondem à verdade!
Sabemos que são declarações que vêm na linha também dos interesses do próprio Partido Socialista, neste caso, e de outros partidos, mas obviamente que são intervenções que, de todo em todo, faltam à verdade. Por isso, não podemos deixar de acompanhar o reparo do Deputado Carlos Encarnação em relação à crítica que essas declarações do Deputado Manuel Monteiro em relação aos trabalhos de Revisão Constitucional devem merecer de todos e de cada um dos Deputados que aqui se têm esforçado seguramente para dar o seu melhor.

Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Aliás na sequência da solicitação do Sr. Presidente de que não deveríamos entrar pelo caminho de aqui, em sede desta Comissão, transformar estes incidentes em matéria que nos ocupe e que nos retire tempo àquilo que é, ao fim ao cabo, o que devemos levar a cabo, eu só queria dizer que independentemente de não ter escutado todas as declarações do Dr. Manuel Monteiro durante o passado fim-de-semana, sei, porque ele tem participado nas reuniões do nosso grupo parlamentar, da clara vontade manifestada pelo Presidente do meu partido no sentido de que os trabalhos desta Comissão evoluam de uma forma tão eficiente e tão acelerada quanto possível, no sentido que sejam atingidos objectivos a que todos nos propusemos.
Não estou, portanto, de acordo que uma intervenção tal qual aquela que possa ter sido escutada - e foi com certeza pelos Srs. Deputados que intervieram antes de mim - possa constituir matéria de grande discussão, sobretudo no que se refere à insinuação ou à afirmação feita pelo Sr. Deputado Lino Carvalho de que objectivamente o Sr. Dr. Manuel Monteiro tinha com a intervenção dele a intenção de beneficiar o Partido Socialista ou qualquer coisa neste género…
Portanto, só queria deixar esta nota.
Acho que não deveremos trazer para aqui matéria deste tipo. Tem havido muitas intervenções, tem havido no mínimo actuações controversas sobre todo este processo e nós não gostaríamos de entrar por esse caminho; gostaríamos era que, de facto, se passasse ao trabalho. Muito obrigado.

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O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Srs. Deputados. As vossas interpelações foram produzidas.
Srs. Deputados, estamos efectivamente em sede de discussão do artigo 81.º. Como tinha recordado, vamos passar à apreciação da alínea i). Ora, a alínea i) actual tinha sido transferida por votação em sede de artigo 80.º para o artigo 80.º. No entanto, penso o mais avisado era que fizéssemos agora uma votação para a correspondente eliminação em sede de artigo 81.º
Srs. Deputados, passaríamos a essa votação que corresponde à coerência sistemática do que já foi feito na CERC.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, tanto quanto o Sr. Presidente está a indicar à Comissão, o Sr. Presidente entende que esta alínea i) deve ser eliminada, por ter sido transferido para o artigo 80.º onde deu aquela discussão grande.

O Sr. Presidente: * Exactamente.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Não sei se está aberta a discussão neste terreno - está seguramente neste artigo -, mas penso que não se deve tratar nem passar com tanta simplicidade sobre a eliminação desta alínea i), apesar de o argumento ser o da transferência, o de já estar subsumido na votação anterior feita no artigo 80.º. E aí lembro - embora com alguma rapidez na medida em que isso já foi discutido largamente quando discutimos a alínea f) do artigo 80.º - que nos parece que esta transferência (digamos assim), esta eliminação da alínea i) do artigo 81.º, preferindo a sua transferência para o artigo 80.º, é - como, aliás, tivemos oportunidade de dizer na altura, e estou convencido de que fomos acompanhados, embora não explicitamente, por alguns Deputados do próprio Partido Socialista - uma diminuição das garantias de equilíbrio constitucional da organização económica do Estado, que estava presente na redacção inicial da alínea f) do artigo 80.º e na alínea i) do artigo 81.º como ele está neste artigo, como instrumental e não como princípio!
Do que se trata é de transferir para o artigo 80.º um instrumental constitucional que estava no artigo 81.º e que decorria da alínea f) do artigo 80.º. Portanto, a transferência para o artigo 80.º desta alínea e seu desaparecimento do artigo 81.º significam a confirmação, a consolidação daquilo que já procurámos criticar no artigo 80.º e que já discutimos no artigo 80.º, isto é, que é uma debilitação da garantia da intervenção dos trabalhadores como uma das componentes essenciais dos equilíbrios necessários à organização económica e social do Estado e a sua substituição por um mero instrumental que, no anterior, estava dependente desta garantia constitucional primeiro.
Nesse terreno, obviamente, podemos aceitar esta eliminação, tendo em conta todo este quadro que acabei de referir e que obviamente tem interpretações constitucionais a posteriori que se traduzem em debilitação da garantia da revisão dos trabalhadores e da organização económica e social de Estado, afectando os equilíbrios dentro dessa organização tal como a Constituição previa com esta diferenciação entre princípios no artigo 80.º e instrumentais no artigo 81.º, dependentes desses mesmos princípios, que - repito - desta forma obviamente ficam sacrificados.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.
Sr. Deputado António Galvão Lucas, pedia também a sua atenção para o facto de haver uma proposta de alínea h) no projecto do CDS-PP, que propunha uma redacção diferente para esta alínea.
No entanto, a redacção tal qual está, no quadro da tal alteração sistemática, ficou consolidada.
O que pergunto ao Sr. Deputado António Galvão Lucas é se assim considera prejudicada a vossa proposta de redacção ou se insiste em que ela em todo o caso seja votada.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, se entendi - não estive nessa reunião - a alínea...

O Sr. Presidente: * As alíneas h) e i).

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Exactamente, mas antes disso, voltando atrás, se me permite, a alínea i) tal como está no artigo 81.º...

O Sr. Presidente: * Foi transferida para princípios fundamentais em sede de artigo 80.º

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Tal e qual como está aqui redigida...

O Sr. Presidente: * O que me parecia mais avisado era considerar prejudicada esta redacção.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Peço desculpa, Sr. Presidente. Não é tal e qual como está aqui redigido, porque o que está aqui redigido é...

O Sr. Presidente: * Não, não é tal e qual. É diferente.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * "Na execução e controladas tais medidas"… A expressão controlo cai. Portanto, não só há uma alteração e uma confusão entre instrumental e princípios como há uma debilitação mesmo nas próprias expressões.

O Sr. Presidente: * É diferente, efectivamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Considerando que a redacção dada à alínea que foi votada e incluída no artigo 80.º, em face desta redacção, prescindo da votação da alínea h). Considero que está prejudicada.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta que resulta da alteração sistemática de eliminação da alínea i) do artigo 81.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PP, votos contra do PCP e sem abstenções.

Corresponde esta votação, portanto, à eliminação da alínea i) em sede de artigo 81.º
Quanto à alínea seguinte, ou seja, à alínea j), acaba de entrar na mesa uma proposta apresentada pelo PSD que

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corresponde, no fundo, a uma síntese de posição adquirida na primeira leitura, para que a alínea em causa passe a dizer exactamente o seguinte: assegurar a defesa dos interesses dos consumidores e garantir os seus direitos. Trata-se, portanto, de um aditamento útil à actual fórmula constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, de facto, na sequência da primeira leitura tinha ficado, relativamente à proposta da alínea e) do projecto inicial do PSD, de acertar com a abertura da parte do Partido Socialista tal como já aqui acertámos relativamente à formulação da nova alínea e). O Partido Socialista na altura tinha chamado a atenção de que estaria aberto a reformular a alínea e), mas mantendo uma autonomia de alínea relativamente ao problema dos consumidores.
A proposta que o PSD tinha para a alínea e) era, alargando o conceito actual de protecção do consumidor que está na Constituição, assegurar a defesa dos interesses do consumidor, redacção que, do nosso ponto de vista, tem uma perspectiva mais vasta e que se enquadra com os princípios que também acrescentámos nos direitos da acção popular, em que alargámos às associações de defesa dos interesses do consumidor a possibilidade de iniciativa de acção para defesa de interesses com carácter difuso ou outros, nomeadamente na área do consumo.
Portanto, parece-nos que a nova formulação não se limita a acrescentar a garantia dos direitos do consumidor, mas alarga o texto constitucional actual da protecção do consumidor para assegurar a defesa dos interesses dos consumidores e acrescenta, de facto, como também tinha ficado visto na primeira leitura, a validade da proposta, que é uma proposta inicial do Partido Popular, de acrescentar uma alínea sobre a garantia dos direitos, a qual, por outro lado, também nos parece algo curto. Daí esta formulação que tenta conciliar, por um lado, o alargamento do texto actual relativo à protecção, no sentido de abranger não só o consumidor como o conjunto dos interesses que estão em presença relativamente aos consumidores, e acrescentando depois a garantia expressa dos direitos do consumidor.
Este é que é o conteúdo útil da proposta do PSD.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Marques Guedes. A proposta já está distribuída?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, é apenas para confirmar a abertura que manifestámos em relação a este acrescento da alínea i), em segunda leitura. Vamos votar favoravelmente a proposta apresentada.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, sem a proposta distribuída, não conseguimos intervir!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ela está a chegar às vossas mãos, neste momento.

Pausa.

De resto, a proposta resulta da extrapolação do guião do Dr. Vital Moreira, na primeira leitura, e corresponde também a um impulso dado para a modificação deste texto no projecto originário do CDS-PP. O debate foi feito e dele é que resultou este consenso, adquirido em primeira leitura.
Srs. Deputados, penso que estamos agora em condições de votar a proposta…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que a ideia de assegurar a defesa dos interesses dos consumidores, em rigor, já implica a garantia dos seus direitos.
No entanto, também julgamos que se trata de uma explicitação importante, com significado, que é tanto mais de sublinhar quanto outras propostas de protecção dos direitos dos consumidores não foram aceites, na altura própria, apesar da abertura mostrada na primeira leitura. Daí que entendamos preferível assegurar este acrescento do que nada, e, embora lamentando que, na altura própria, não tenha sido enriquecida a norma sobre os direitos dos consumidores, saudamos a perspectiva de acrescento deste inciso na alínea j).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Galvão Lucas pediu a palavra e eu aproveitava para perguntar-lhe se, em função desta proposta, poderá admitir como retirada a proposta constante do vosso projecto originário que deu um contributo também para chegarmos aqui.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, não só estou de acordo em retirar, como tinha aqui uma proposta para apresentar - mas foi o PSD que o fez em primeiro lugar - com um conteúdo bastante parecido e que dizia "proteger o consumidor e garantir os seus direitos".
Portanto, estamos de acordo e votaremos favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Independentemente de já ter saudado, e reitero, a perspectiva de enriquecimento desta norma, julgo que poderia haver vantagem em voltar a ponderar a sua redacção. Pergunto se os subscritores não estariam abertos a uma redacção alternativa do tipo "garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores".
Creio que seria bastante mais simples e benéfico para a clareza do que se pretende.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço a sua atenção para o seguinte: o Sr. Deputado Luís Sá acaba de sugerir uma redacção simplificada. Como autor da proposta que foi alvo, o Sr. Deputado admite alguma proposta de modificação de texto?

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, acabei de dizer isto ao Deputado Luís Sá: não pode ser, do ponto de vista do PSD, "a garantia dos interesses e dos direitos dos consumidores" porque os interesses não se podem garantir.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Não era esse o sentido da proposta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
Portanto, com a correcção de ficar claro que o que se garante são, por um lado, os direitos, quanto a esses, sim, a garantia está bem posta, e quanto aos interesses, a única coisa que se pode garantir é a defesa dos interesses, mas não se podem garantir os interesses.

O Sr. Presidente: - Só estou a perguntar se há uma fórmula nova.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A fórmula que poderia ser aceitável era se, e a essa dou consenso, fosse: "garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, vai no sentido da sua proposta?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente, era essa a intenção que tínhamos.

O Sr. Presidente: * Portanto, Srs. Deputados, a redacção será: "garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores".
Agora, vamos passar à votação desta proposta de alteração da alínea h) do artigo 81.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

h) Garantir a defesa dos interesses e dos direitos dos consumidores;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto à alínea l), dos debates e das propostas resulta uma proposta de eliminação, comum ao PSD e ao CDS-PP. Como sabem, a alínea l) é a que se reporta às estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia.
Em primeiro lugar, Srs. Deputados, não há matéria nova - devo sublinhá-lo; tratar-se-á de pôr a questão da eliminação e depois veremos se há alguma alteração de texto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, queria pedir a palavra, porque penso que há matéria nova, decorrente daquilo que aprovámos na alteração ao artigo 80.º

O Sr. Presidente: * Exactamente, Sr. Deputado. Por isso é que eu estava a colocar a questão da eliminação, como questão preliminar, porque senão teríamos de adaptar o texto. A não ser que, em nome da adaptação do texto, o PSD prescinda da proposta de eliminação, o que também é uma via.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, mas se o Sr. Presidente me conceder a palavra, posso explicitar a posição do PSD.

O Sr. Presidente: - É o que estou a fazer, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, parece-me que a eliminação desta alínea se mantém, pelo seguinte: em primeiro lugar, a eliminação já fazia sentido ab initio porque, de facto, com a inclusão, na revisão de 1989, do novo artigo 95.º, que tem que ver com a criação do Conselho Económico e Social, digamos que se deu um passo novo neste contexto do capítulo da organização económica, com a criação de estruturas próprias, penso eu, democráticas, no sentido em que são participadas pelos vários agentes da actividade económica; e pela criação do Conselho Económico e Social, que, de facto, funciona como a estrutura adequada para democraticamente prover às iniciativas de planeamento relativo ao desenvolvimento económico e social. Portanto, já fazia sentido nesse contexto.
Mais sentido faz, agora, com a alteração que fizemos no artigo 80.º onde a ideia de planificação democrática da economia tout court deixou de fazer sentido, bem como o que deixou de constar do texto constitucional. O que nele passa a constar é o conceito de planeamento democrático do desenvolvimento económico e social, já aqui votado como nova alínea d) para o artigo 80.º. É evidente que, tratando-se do artigo 80.º, dos princípios fundamentais, o desenvolvimento deste princípio, em particular da alínea d), decorre nomeadamente do artigo 95.º deste capítulo, lá à frente, relativamente ao Conselho Económico e Social.
Portanto, parece-me que, por maioria de razão, deixou de fazer sentido, nesta formulação ou mesmo alterando a formulação para passar a dizer "planeamento", "Criar as estruturas jurídicas internas necessárias à instalação de um sistema de planeamento democrático (…)" para o desenvolvimento económico e social. De facto, deixou de fazer sentido, porque, lá atrás, elevámos este conceito a princípio fundamental e, na especialidade, ele está desenvolvido, lá à frente, no artigo 95.º dentro deste capítulo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Presidente: * Um momento só, Sr. Deputado António Reis.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho quer fazer uma intervenção autónoma ou é também para pedir esclarecimentos?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, é uma intervenção autónoma, mas seguramente que ainda ouviremos o CDS-PP, porque é um dos subscritores da proposta

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de eliminação, ou seja, ouviremos, primeiro, os argumentos do CDS-PP para depois podermos intervir em função dos argumentos dos autores desta proposta.

O Sr. Presidente: * Então, vou dar a palavra ao Sr. Deputado António Reis, para questionar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o facto de termos reformulado a alínea d) não conduz necessariamente à eliminação pura e simples da alínea l), agora, em sede do artigo 81.º
Poderíamos encarar, julgo eu, uma reformulação da alínea l) de forma a adequá-la à nova terminologia, utilizada em sede dos princípios fundamentais. Por exemplo, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estaria de acordo com uma fórmula do género "criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social"? Assim, já uniformizávamos a terminologia relativamente ao que está contemplado na alínea c) do artigo 80.º

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em princípio, o PSD concorda com esta formulação porque a questão fundamental, em termos de carga ideológica, do que está a mais nesta alínea face à alteração lá atrás, é a ideia da instauração de um sistema, o que só faz sentido numa óptica de planificação democrática permanente. Portanto, a proposta do Sr. Deputado António Reis já satisfaz essa questão.
Em qualquer circunstância, pergunto se não haveria hipótese, embora já seja menos fundamental, de aligeirarmos esta ideia de "criar as estruturas jurídicas e técnicas" ou se não poderia ainda simplificar-se, talvez mais aqui, porque, embora a questão essencial… Bom, mas desde já dou o meu apoio à questão essencial, formulada pelo Sr. Deputado, mas queria ver se conseguíamos ainda aligeirar essa primeira parte.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, mantemos a proposta de eliminação pelas razões que já foram aqui aduzidas, nomeadamente, pela alteração introduzida no artigo 80.º, embora esteja de acordo com a parte final da proposta do Sr. Deputado António Reis. Não me oporia a que fosse votada uma proposta nesse sentido, para vir a constituir aqui uma alínea l).
Só que, de facto, a "criação de novas estruturas" é alguma coisa que também me parece ser de evitar, pelo que, julgo, daí poderemos concluir pela necessidade de mais institutos, de mais burocracia - coisa com que, independentemente da carga ideológica, não estamos de acordo.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino Carvalho (PCP): - Se um dos autores da proposta mantém a proposta, a proposta mantém-se, tanto quanto percebi.

O Sr. Presidente: - A proposta de eliminação?

O Sr. Lino Carvalho (PCP): - Exactamente!
Aliás, sendo uma proposta conjunta, não entendo como é que um dos autores diz que aceita não eliminar quando um dos outros autores não foi consultado.
Faço, portanto, esta nota: não entendo como é que, tratando-se de uma proposta conjunta anunciada PSD/CDS-PP, há um dos co-autores da proposta que declara ab initio que desiste da proposta, sem consultar o outro autor, que, por sua vez, diz que mantém a proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, pode ter sido um defeito de expressão da minha parte. Na verdade, não era uma proposta conjunta, havia era simultaneidade.

O Sr. Lino Carvalho (PCP): - Ah! O Sr. Presidente tinha dito que era uma proposta do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Proposta comum, no sentido material, mas não no sentido da apresentação.

O Sr. Lino Carvalho (PCP): - Nesse caso, Sr. Presidente, opomo-nos a esta eliminação, porque a alínea l) do artigo 81.º operacionaliza e dá substância a um dos princípios fundamentais da organização económica do Estado, que é a planificação democrática da economia ou, de acordo com o aggiornamento (nomenclatura a que o PS tem vindo a aderir nesta revisão constitucional), que significa debilitação de mecanismos fundamentais da Constituição; passou a ser "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social".
Mas, seja como "planeamento da economia", como estava, seja como "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social", é evidente que é preciso dar substância a este princípio através da existência de estruturas operacionais que consubstanciem, depois, no terreno, este princípio fundamental.
É a isso que se destina a actual redacção do artigo 81.º: criar mecanismos de ordem técnica e jurídica que operacionalizem e dêem substância ao artigo 81.º
Portanto, não se pode confundir isto com o artigo 95.º e o Conselho Económico e Social. O Conselho Económico e Social é uma estrutura de participação de vários parceiros no processo económico do país, parceiros esses que colaboram na elaboração dos planos económicos e sociais do país. Não são as estruturas técnicas e jurídicas que vão elaborar esses mesmos planos.
Por isso, pergunto aos Srs. Deputados do PP e do PSD, quando se fazem os planos a médio prazo dos vários governos (e o Governo do PSD teve planos a médio prazo), o que é isto senão parte de um desses instrumentos, para dar corpo ao princípio do artigo 81.º?
Ora, se os senhores querem eliminar isto, vão eliminar os departamentos da Administração Central que se dedicam a esta implementação no terreno daquilo que é um procedimento mínimo num Estado democrático, que é a organização e a intervenção renovadora do Estado no quadro de um sistema de planeamento.
Aliás, há aqui uma contradição de fundo para a qual já no outro dia tive oportunidade de chamar a vossa atenção: os senhores estão muito preocupados em eliminar as

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referências a estruturas de planeamento; por outro lado, os senhores defendem cada vez mais a inserção numa comunidade europeia cuja linha central de intervenção no plano económico se traduz num planeamento minucioso e pormenorizado do desenvolvimento económico e social da Europa. Enfim, há múltiplos exemplos que se podem dar com estruturas, essas sim, técnicas jurídicas extremamente desenvolvidas e multiplicadas quanto à definição de normas, de procedimentos, de metodologias, de objectivos e de estratégias para o desenvolvimento económico e social da Europa. Por conseguinte, há aqui uma contradição de fundo em relação a esta questão.
Contudo, a questão central é esta: não podemos eliminar, esvaziar ou enfraquecer, em sede do artigo 81.º, um instrumental ou um operacional que dá substância ao princípio do planeamento da economia ou do planeamento democrático do desenvolvimento económico e social, que está no artigo 80.º. Ao fazê-lo, estamos a esvaziar o que são os princípios fundamentais que estão no artigo 80.º e que têm de ser operacionalizados, isto é, têm de ter substância nos artigos que seguem.
Estou em crer, seguramente, que pelo menos o Deputado António Reis me acompanha nesta reflexão e neste raciocínio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a situação é a seguinte: há uma proposta de eliminação que continua a ser sustentada pelo CDS-PP e há, depois, uma outra proposta de alteração material dessa mesma alínea, que só terá sentido depois da primeira votação. Por isso, vamos votar a proposta de eliminação da alínea l) do artigo 81.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD votou contra esta proposta por uma razão simples, que passo a explicar.
É evidente que, na sua formulação actual, o PSD votaria sempre a favor desta proposta. Contudo, a instauração de um sistema de planeamento é algo com que o PSD, obviamente, não pode concordar e que não deve constar na nossa Constituição.
No entanto, votámos contra a eliminação pura e simples desta norma porque nos parece que face à evolução que já foi possível obter para o artigo 80.º, no sentido de acabar com o princípio fundamental de planificação democrática da Economia e assentar na instauração de um sistema de planeamento que daí decorria, é perfeitamente possível e desejável - nomeadamente por força dos compromissos a que Portugal está actualmente vinculado da criação de um Conselho Económico e Social à semelhança daquilo que existe em termos da União Europeia e em termos nacionais desde 1989, que neste capítulo da Constituição deva ficar claro que o Estado tem a incumbência de criar uma sede onde se desenvolve a concertação social de forma democrática, com toda a validade que isso tem para o desenvolvimento económico e social.
Assim, o PSD é apologista desta lógica da concertação social como fundamento e como um dos mecanismos fundamentais para o desenvolvimento económico e social. Por essa razão, parece-nos que se deve manter a incumbência do Estado de promover a criação destes instrumentos que permitam a concertação social. Por esta razão, apenas, o PSD votou contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está agora em apreciação a proposta de alteração do conteúdo da mesma alínea l), uma proposta que acabou de ser distribuída. Esta proposta foi já apresentada pelo Sr. Deputado António Reis, comentada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e, de alguma maneira, pelos outros Srs. Deputados.
Pergunto se podemos passar à sua votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de referir-me ainda ao consenso estabelecido quanto a esta proposta.
Na verdade, trata-se de um ganho importante em relação à clarificação do artigo 81.º, uma vez que se acabam com as dúvidas que existiam, mesmo na Constituição em vigor, em relação ao artigo 80.º confrontado com o artigo 81.º e com o artigo 95.º. É uma solução mais actualista e mais perfeita, dentro daquilo que acabou de dizer ao nível dos princípios o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
A única correcção que eu introduziria nesta proposta e que é uma correcção meramente técnica seria a seguinte: onde está "Criar as estruturas jurídicas e técnicas (…)" substituiria por "Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático no desenvolvimento económico e social", ficando o resto igual.
Isto porque, no fundo, quando falamos em instrumentos, estamos a falar em estruturas e estamos a falar em procedimentos, ou seja, estamos a falar nas duas coisas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, a sua intervenção permite-me pedir aos Srs. Deputados o favor de fazerem uma correcção material na proposta que acabaram de receber. Neste sentido, onde se lia: "Criar as estruturas jurídicas (…)", passa a ler-se: "Criar os instrumentos jurídicos (…)".
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a intervenção que pretendo fazer foi suscitada por uma reiterada interpretação constitucional que o Deputado Carlos Encarnação e anteriormente o Sr. Deputado Luís Marques Guedes fizeram a este propósito e que, julgo, não posso deixar passar sem um reparo, pelo menos para efeitos de Acta, e sem referir a existência de outro tipo de interpretação. Aliás, era bom que nesta matéria o PS também tivesse uma palavra sobre isto.
Penso que continuamos a confundir aquilo que é um instrumento de intervenção social no terreno das políticas económicas e sociais do Estado - neste caso, do Conselho Económico e Social - com o terreno dos instrumentos técnicos e jurídicos necessários à execução desse mesmo planeamento. Penso que esta confusão de interpretação constitucional e de limitação aparente desta alínea l) à ideia de Conselho Económico e Social não pode ser aceite em sede de interpretação constitucional.

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Na verdade, Sr. Deputado Carlos Encarnação, se aceitássemos como boa a leitura que o PSD tem vindo a fazer em relação à alínea l), relativa à criação de estruturas ou instrumentos, para a interpretar única e exclusivamente à luz do artigo 95.º, relativo ao Conselho Económico e Social, poderia parecer ao intérprete da Constituição que este princípio só teria consubstancia prática no Conselho Económico e Social, esgotando-se aí.
Ora bem, o Conselho Económico e Social é um instrumento de intervenção social e de concertação social que nada tem a ver com o sentido que está escrito na alínea l). Quanto muito, se quiserem, poderá também estar lá inserido, mas obviamente que não se esgota aí.
Por conseguinte, a serem criadas as estruturas ou os instrumentos técnicos e jurídicos que dão corpo e que consubstanciam no plano prático o que está no artigo 80.º (sobre os princípios económicos fundamentais do Estado), não se limita ao Conselho Económico e Social, porque vai muito mais além, ou é outra coisa que não o Conselho Económico e Social. Portanto, é estrutura de apoio ao Estado nas políticas económicas e sociais e na elaboração dos planos, mas não é estrutura, não é um instrumento técnico nem um instrumento jurídico, quanto muito é um instrumento de ordem social.
Portanto, Sr. Presidente, penso que seria importante que em sede de revisão constitucional, até para as futuras interpretações da nossa Constituição, todos acertássemos o que é que entendemos por esta alínea l) do artigo 81.º, em matéria de correlação, por um lado, do poder económico e social mas, por outro lado, como um artigo autónomo, com uma dinâmica própria que operacionaliza e dá substância ao que está no artigo 80.º em matéria de princípios económicos fundamentais no que toca ao planeamento.
Portanto, Sr. Presidente, esta é uma intervenção autónoma, mas é uma intervenção que deve suscitar necessariamente uma nova interpretação ou leitura da parte do PSD da sua interpretação inicial, porque estamos perante a necessidade de criar aqui uma interpretação comum, a qual, penso, não será difícil, seguramente, em sede de interpretação constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, embora pudesse fazê-lo através de uma declaração de voto, no pressuposto de que este artigo 81.º vai ser votado com a redacção que agora está disponível com a correcção sugerida pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostaria de dizer que há, de facto, alguma razão naquilo que o Sr. Deputado Lino Carvalho acaba de referir e alguma confusão que eventualmente interessará esclarecer.
No entanto, teremos de deixar aqui a nossa posição bem clara no sentido de que somos contra uma maior carga administrativa burocrática, visando planeamento económico democrático, naturalmente, do desenvolvimento económico e social do País. Julgamos que o País já está dotado pelo Governo, as instituições que existem são as suficientes para dar resposta às necessidades de planeamento de que a nossa economia exige ou pelo menos acarreta - isto se pusermos de lado, obviamente, toda e qualquer carga ideológica com a qual obviamente não estamos de acordo relativamente à economia planificada.
Portanto, se o esclarecimento desta posição do Sr. Deputado Lino Carvalho levar a alguma alteração, reservar-me-ei para intervir mais tarde. Caso contrário, votaremos contra o artigo 81.º

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de tornar claro que aderimos à proposta de alteração sugerida pelo PSD relativamente à nossa própria proposta, nos termos da qual onde agora se lê "estruturas" deve passar a ler-se "instrumentos".
Na verdade, esta alteração tem vantagens, dado que a palavra estruturas pode sugerir um sistema pesado, burocrático - que naturalmente evoca de imediato um sistema de planificação - e não tanto o "planeamento democrático do desenvolvimento económico e social", enquanto que a expressão instrumentos aponta para uma estrutura mais flexível, mais leve e mais de acordo com o novo contexto em que pretendemos inserir a intervenção do Estado.
Por outro lado, também estamos de acordo com o Deputado Lino Carvalho quando ele diz que esses "instrumentos" não se esgotam no Conselho Económico e Social, porque, de facto, o Estado recorre a esses instrumentos, independentemente do próprio plano económico e social. Assim, é óbvio que damos a esta expressão uma interpretação mais vasta, e que está de acordo com aquilo que existe actualmente no domínio do planeamento na máquina do Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, subscrevo genericamente aquilo que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado António Reis.
Gostaria também de tranquilizar o Sr. Deputado Lino de Carvalho no sentido de que obviamente o PSD não tem essa interpretação redutora, que referiu, do desenvolvimento económico e social direccionado apenas em sede do Conselho Económico e Social. A prova disso, como o Sr. Deputado terá ocasião de constatar, é que, quer no seu projecto inicial, quer nas propostas de simplificação que a seu tempo aqui formularemos, o PSD não retira da Constituição o título segundo deste capítulo. Consequentemente, toda a matéria relativamente aos planos de desenvolvimento económico e social dos artigos 91.º, 92.º, 93.º, 94º e 95.º, independentemente das propostas de simplificação que já fizemos no projecto inicial e que faremos mais à frente, irá manter-se.
É, aliás, neste sentido que entendemos que os mecanismos relativos à competência da Assembleia da República para aprovar as grandes opções sobre os instrumentos de planeamento se inscrevem exactamente dentro da lógica de que o que está aqui em causa são instrumentos democráticos. Porque a intervenção da Assembleia é, obviamente, um instrumento democrático sobre o plano de desenvolvimento económico e social e não tanto uma questão de estrutura.
Na verdade, quando olhamos para o artigo 93.º no qual está consagrada a intervenção democrática para a aprovação dos mecanismos de planeamento elaborados pelo Governo,

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é evidente que a competência da Assembleia da República aí referida é, em si, um procedimento democrático com vista à aprovação dos planos de desenvolvimento económico e social. Trata-se, pois, da intervenção de todos os representantes democráticos do povo português na aprovação destes instrumentos de planeamento.
De facto, a nossa visão também é uma visão mais alargada. Do nosso ponto de vista, a expressão estruturas era algo que faria sentido numa lógica de um mecanismo pesado decorrente do princípio fundamental da planificação democrática da economia, que obrigava a que houvesse toda uma estrutura planificadora.
O que está aqui em causa em termos modernos - e que, de resto, se adequa mais à realidade a que assistimos desde há vários anos, na realidade nacional - é que existe uma lógica de elaboração de planos virados para o desenvolvimento económico e social, que é a definição de objectivos estratégicos desse desenvolvimento económico e social, que isso é uma incumbência do Estado e que essa incumbência do Estado tem de ser, necessariamente, participada democraticamente quer pelos partidos políticos, quer pelos agentes económicos, nomeadamente as organizações de empregadores e as organizações de trabalhadores.
É esta a visão que o Partido Social-Democrata tem neste contexto. E pensamos que com esta redacção ficam salvaguardados todos estes princípios e valores.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, penso que estamos a chegar a uma fase no processo de revisão constitucional em que começa a pairar uma espécie de "fantasmas" lexicais.
De facto, não vou entrar em discussão se isto é uma questão de "estrutura" ou de "instrumento". Pergunto se o Estado é uma estrutura. E se também querem eliminar o Estado. Ou se é um mero instrumento. Se a Comunidade Europeia não tem estruturas de intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na área da planificação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Tem na área da planificação. E são fortíssimas "estruturas" na área da planificação que definem, ao pormenor, a dimensão e a cor da maçã que temos de comer em Portugal…!

Risos.

Portanto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que seria bom que caminhássemos na Revisão Constitucional não tendo sempre esses "fantasmas" lexicais atrás de nós, mas procurando que a Revisão Constitucional tenha um elemento de melhoria das garantias, dos direitos económicos e sociais e da estrutura democrática do Estado e não a eliminação de terminologia que acaba não só por descaracterizar mas, do ponto de vista da leitura constitucional, por ser, no mínimo, polémica.
E, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a minha questão é esta: saber se o Sr. Deputado está de acordo connosco de que, independentemente de ser "instrumento" ou "estrutura", este artigo se destina a dar substância ao princípio do planeamento que está inscrito no artigo 80.º, não se confundindo, portanto, com a questão do Conselho Económico e Social, que está de acordo com esta leitura, ou seja, é muito mais vasto do que isso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estou de acordo, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, permitam-me também uma ligeira consideração a este propósito.
É curioso verificar que em matéria de incumbência prioritária, a actual alínea l) reportava-se a um sistema de planeamento exclusivamente dedicado à área económica. No entanto, estamos em sede de incumbências prioritárias do Estado no âmbito económico e social. A verdade é que se deduzia desta norma que a sua preocupação fundamental era, efectivamente, a de demarcar um sistema centralizado de intervenção do Estado no domínio da economia.
Assim, esta norma, hoje, diz simultaneamente mais e menos: por um lado, diz mais quanto à intervenção do Estado na economia, que, sendo reguladora, não tem de marcar uma lógica de planificação, como decorria do artigo 80.º já revisto; por outro lado, diz menos, porque não cominava ao Estado um papel de planeamento no desenvolvimento social.
Portanto, com esta abertura da norma, fica evidente que a função de planeamento no que diz respeito à incumbência prioritária do Estado não é exclusiva em matéria económica, uma vez que se reporta também à área social.
Além disso, uma vez que não fala num sistema ou numa estrutura centralizada de funções, abre-se a possibilidade de a criação dos instrumentos jurídicos e técnicos serem descentralizados, designadamente em domínios em que outras instituições, para além do Estado, possam concorrer com este nas funções de planeamento.
Esta flexibilidade é por isso uma flexibilidade que traz uma mais-valia na perspectiva da actual função do Estado e em nada prejudica, pelo contrário, a formulação que actualmente existe, com a nova compreensão do papel do Estado no desenvolvimento económico.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração da alínea l) do artigo 81.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD, votos contra do CDS-PP e a abstenção do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A nossa abstenção, Sr. Presidente, deriva do sentido do voto que tivemos oportunidade de expressar aquando da discussão do artigo 80.º
É evidente que, face à alteração que foi feita no artigo 80.º, havia (reconhece-se isso) a necessidade de adequar as formulações do artigo 81.º não no que toca à primeira parte da expressão que está contida na alínea l) mas no que toca às últimas expressões.
Contudo, uma vez que foi por nós entendido, na altura da discussão do artigo 80.º, que essas alterações não traziam mais-valias à Revisão Constitucional, daí resulta, na

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lógica dessa discussão e dessa votação, o sentido na nossa abstenção quanto a esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da alínea m) do artigo 81.º, relativamente à qual existe uma única proposta apresentada por Os Verdes, que visa qualificar o desenvolvimento como sustentável e autónomo. Uma vez que não há mais propostas sobre esta matéria, o meu apelo vai no sentido de que talvez pudéssemos passar à votação da proposta apresentada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De que alínea estamos a falar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - É a alínea m), que corresponde à actual alínea n) do projecto de Os Verdes que não teve alterações em segunda leitura. Foi por isso que fiz um apelo no sentido de passarmos à votação.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, parece-me que, depois daquelas "cambalhotas" todas - primeiro a recusa e depois a não recusa - na epígrafe deste mesmo artigo quanto a caracterizar o desenvolvimento como desenvolvimento sustentável, esta proposta de algum modo ficou prejudicada.
Contudo, há uma ideia distinta que se mantém nesta nossa alínea, que é a perspectiva do desenvolvimento autónomo do País. Parece-me que esta não é uma questão menor, considerando que a crescente dependência do País em relação ao exterior constitui, isso sim, um problema de segurança.
Assim, julgamos que é importante que o texto constitucional defina com clareza quando se fala de incumbências prioritárias do Estado e se definem as vias para lhes dar conteúdo. Parece-nos também importante que a política científica e tecnológica aposte e invista no sentido de que isso não signifique um fecho em relação ao exterior mas, sim, um investimento e uma aposta nos seus recursos endógenos, ou seja, numa perspectiva de desenvolvimento autónomo do País.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel Castro, mas, então, temos de clarificar um aspecto: suponho que a Sr.ª Deputada quis dizer que, relativamente ao conceito de "sustentável", pelo que já tinha sido absorvido, retiraria…

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Foi absorvido, mas num quadro específico!…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, é que, das duas uma: ou mantém a proposta ou a retira.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, entendo que o facto de aparecer a caracterização de novo não suscita qualquer conflito.
No entanto, uma vez que a proposta não foi adoptada na nossa formulação, com mudanças gramaticais, tendo também sido proposta pelo PSD, julgo que seria interessante que o PSD se pronunciasse sobre se considera superlativo ou não voltarmos a falar aqui de desenvolvimento sustentado, para depois concluirmos se se deve fazer uma proposta de alteração. Portanto, o problema que se coloca tem a ver com a questão de assegurar uma política científica e tecnológica que favoreça o desenvolvimento autónomo do País.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Isabel Castro fez um apelo especialmente dirigido ao PSD, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Que será imediatamente respondido, Sr. Presidente, se me dá licença.
Gostaria de dizer apenas isto, Sr.ª Deputada, em relação ao problema do desenvolvimento sustentável, tal como acabou de dizer, consideramos, de facto, superlativa esta proposta, nesta matéria.
Agora, em relação à outra parte, isto é, ao outro termo que é utilizado, entendemos que é muito difícil e muito problemático estarmos a utilizar uma expressão destas, justamente nesta alínea.
O que é certo é que não concordamos também com um outro aspecto que está neste artigo 81.º (depois, na altura própria, falaremos disso), dado que pensamos que o princípio é justamente ao contrário em relação à Constituição. Designadamente, em relação à expressão utilizada "assegurar ou favorecer o desenvolvimento autónomo do País em matéria de política científica e tecnológica", gostaria de saber o que é que isto significa exactamente? Significa que o país tem de se autonomizar daquilo que são os contributos gerais, do ponto de vista científico, do ponto de vista tecnológico que o mundo pode dar e que o País não pode absorver? Então, o País vai ficar de "costas voltadas" para isso, mesmo que sejam úteis, e vai desenvolver a sua própria política em relação a cada um dos campos? É porque se for assim, não tem o mínimo sentido estar aqui isto escrito.
Ora, é fundamentalmente para esta matéria que eu chamo a sua atenção.
Se calhar não era isso que queria com a redacção que colocou, admito que tenha sido um princípio de bondade, digamos assim, que, de facto, podemos fazer um desenvolvimento que privilegie os nossos recursos próprios, que multiplique as nossas capacidades…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, para bom registo, dir-lhe-ei que esta redacção não fez consenso já na primeira leitura.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, fui interpelado pela Sr.ª Deputada e estou a tentar explicar por que é que não podemos aderir a esta proposta e estou a tentar explicar os termos em que ela poderia, eventualmente, ter alguma razão de ser e os termos nos quais, do nosso ponto de vista, ela não tem qualquer razão de ser e por isso é que não merece o nosso apoio.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, entendo qual é a leitura e julgo que é uma leitura perversa feita pelo PSD quando se fala em conceito de autonomia do País em termos de uma política científica e tecnológica.
É evidente que em matéria alguma se vive fechado do resto do mundo, é evidente que a evolução tecnológica e

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científica implica a partilha de saberes e de conhecimentos e cada vez mais essa troca, mas é, também, óbvio para nós que isto não conflitua com o aspecto que tem sido completamente descurado que é o da não aposta nos recursos endógenos. Ou seja, também na comunidade científica na adequação do encontrar das soluções técnicas para os mais diversos sectores da sociedade, em termos daquilo que é uma adequação do conhecimento à nossa própria realidade, porque julgo que são coisas que não conflituam, que não se excluem e que se complementam e, portanto, daí a razão desta proposta.
Assim, julgo que o destino da proposta é o mesmo, portanto, penso que pode ser votado em conjunto tal como está sem que eu tenha que fazer alterações, o que é mais prático.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta, tal como consta da formulação inicial, da alínea m) do artigo 81.º, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

Era a seguinte:

m) Assegurar uma política científica e tecnológica que favoreça o desenvolvimento sustentável e autónomo do País.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, sem prejuízo da discussão em sede de melhoria de redacção, parece-nos que o princípio que está exposto na proposta do Partido Ecologista Os Verdes deveria ter sido aceite, porque isso significava uma mais-valia que daria um sentido, uma real modernidade da Constituição, que é a introdução de assegurar políticas que favoreçam, que garantam, que assegurem o desenvolvimento sustentável do País.
A rejeição desta proposta, em nossa opinião, é uma rejeição que também tem um sentido: é que quando nesta Comissão se fala em modernidade, está a falar-se em debilitação dos princípios constitucionais à sombra da modernidade e quando apresentam propostas que estabelecem verdadeiros instrumentos, uma real actualização de conceitos, essas propostas são rejeitadas. Daí o sentido do nosso voto ser favorável a esta proposta.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos agora à alínea n), para a qual resulta uma proposta de modificação, a última alínea do artigo 81.º.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Mas há propostas novas!

O Sr. Presidente: * Já lá vou, Sr. Deputado. No que diz respeito à alínea n), temos uma proposta constante do projecto originário do PSD, de modificação dessa alínea e outra constante do projecto originário de Os Verdes, mas que tem agora uma nova proposta de substituição e que já foi distribuída.
Sr.ª Deputada Isabel de Castro, a matéria nova consta do seu projecto, pelo que lhe dou a palavra.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, rapidamente, gostaria de explicar o sentido da alteração que fazemos em relação ao nosso próprio texto inicial, que estava em discussão e que constava do nosso projecto de revisão constitucional. Ou seja, o princípio que está implícito nesta proposta é precisamente o mesmo e aquilo que se procura é clarificar o que devem ser, em nossa opinião, os princípios orientadores de uma política energética.
Portanto, há três objectivos a atingir: a autonomia do País - e uma vez mais insistimos nesta ideia -, a grande dependência energética do País - que é para nós uma questão que não é positiva - não é benéfica e há toda a vantagem em contrariar e a preservação dos recursos naturais que deve ser também um princípio orientador e constar daquilo que é a estratégia de uma política energética de um país - e é do nosso que falamos! - e ainda o equilíbrio ecológico.
Portanto, são estes princípios que, do nosso ponto de vista, devem nortear uma política energética. Repito: a autonomia do País, a preservação de recursos e o equilíbrio ecológico.
Parece-nos que os meios para os atingir são também três: a racionalização do consumo, a diversificação das fontes energéticas e o apoio às energias alternativas. Esta questão é colocada e são explicitados os três meios por que manifestamente as vias seguidas não têm vindo a ser as vias seguidas para nortear a nossa política energética, que, aliás, não tem qualquer visão estratégica e nem código orientador que, na prática, tenha em conta a necessidade, numa perspectiva de autonomia do País, de poupar recursos, de favorecer a nossa não dependência do exterior, de poupar divisas - e tão-pouco nos parece que haja uma preocupação que outros países ditos mais desenvolvidos têm no sentido de favorecer a racionalidade energética.
Portanto, do nosso ponto de vista, são estes os três princípios orientadores e os três meios para os atingir.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, gostava de fazer um comentário a esta proposta porque embora, com excepção do princípio da autonomia do País - e eu já vou explicar porquê -, estejamos de acordo com tudo aquilo que aqui vem nesta proposta do Partido Ecologista Os Verdes, o que não nos parece é que no texto constitucional, para além dos princípios que devem estar consignados, e que já estão, nomeadamente a noção de preservação de recursos naturais e do equilíbrio ecológico como princípio a sustentar no âmbito de uma política energética, não me parece que "os meios" e tal como a Sr.ª Deputada Isabel Castro classificou as introduções no texto que apresentou, nomeadamente no que diz respeito à racionalização do consumo e à diversificação das fontes - devam fazer parte de políticas concretas promovidas pelos governos, devam fazer parte da Constituição.
Porque nada nos diz, por exemplo, que no futuro não haja uma possibilidade de recurso a uma energia mais limpa, mais económica e, portanto, que a questão da diversificação

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não tenha que de pôr-se em determinado momento.
Por outro lado, como eu tinha dito há pouco, parece-me que há um princípio que, ao contrário de tudo o resto que aqui está, esse, sim, não merece a nossa concordância que é o princípio da autonomia do País.
Não é líquido que não haja, através de mecanismos de energias provindas de outras regiões, recursos a energias mais limpas mais económicas, como é, por exemplo, o caso do gás natural.
Portanto, a autonomia não é um princípio absoluto, ela pode ser ou não mais interessante, mais útil em determinado momento, mas temos de imaginar e reconhecer que vivemos um contexto e numa economia globalizada, que vivemos num contexto de cooperação internacional e que, portanto, o recurso a energias com origens de cisterna podem ser mais interessantes em determinado momento.
Assim, parece-me que na Constituição deveria ficar apenas aquilo que é imutável, aquilo que é princípio fundamental e não aquilo que pode variar ao longo dos tempos.
Portanto, como eu dizia, aquilo que são princípios fundamentais já cá estão: a preservação dos recursos naturais e o equilíbrio ecológico. Aquilo que são meios e instrumentos, meios de política, instrumentos de política, como a Sr.ª Deputada os classificou, penso que não devem constar da Constituição embora, obviamente, neste momento, nada tenhamos contra estes princípios que podem variar com os tempos e podem não ser imutáveis.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento resulta de quem é quem nesta intervenção, isto é, a Sr.ª Deputada que teve responsabilidades no governo do PSD quando foi da introdução do gás natural em Portugal e que seguramente teve intervenção nesse debate, pelo menos, na vertente ambiental, eu recordo que um dos argumentos - e isto por causa da expressão autonomia -, que na altura foi levantado, e bem, quanto à necessidade de introduzir o gás natural era reforçar a autonomia do País em matéria energética e a Sr.ª Deputada enquanto falou usou a expressão "reforçar a autonomia do País em matéria energética" várias vezes.
Então, em que é que inserir essa expressão na Constituição vem contradizer ou vem pôr em causa a inserção global da economia do País em matéria energética? É esta a questão que gostava de ver bem esclarecida.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel de Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, em primeiro lugar, a questão, que é uma questão, porventura, de fundo e que surge neste artigo como surgirá em muitos outros é a de saber se a densificação do texto constitucional se justifica ou não.
Ora, julgo que se fizermos uma leitura retrospectiva - e estamos só no artigo 81.º -, concluímos que a densificação, ou não, é defendida, ou não, em função daquilo que são as propostas de cada um. Isto porque não há um princípio orientador e nenhum dos grupos parlamentares aqui representados se pode arrogar o direito de dizer que, como princípio, tem recusado a pormenorização e a densificação - e nas questões que nós achamos prioritárias temo-las defendido!
Na verdade, tenho estado aqui às voltas a ver se encontrava aquela proposta do PSD, que apoiámos, e que falava do desenho urbano… Quer dizer, ou temos algum bom senso e assumimos que achamos que é importante particularizar porque isso enriquece o texto constitucional, e temos isso como um princípio, ou não usamos isso como uma mais-valia que defendemos dever ser introduzida no texto constitucional porque é proposta por nós e consideramos acessória porque é proposta por outros.
Isto porque aí não nos entendemos ou, então, encontramos outro argumento, que é tão respeitável quanto qualquer outro, para justificar que não aceitamos e que somos contra. Escusamos é de invocar que a pormenorização fragiliza o texto ou não enriquece quando assim não o entendemos em muitas outras áreas.
Estamos a falar não propriamente de desenho urbano, não propriamente de zonas verdes, não propriamente do recurso aos materiais tradicionais - sendo que o valor da defesa da paisagem, para nós, tem uma mais-valia muito grande - mas estamos, sim, a falar de política energética. Por conseguinte, não vejo que a política energética, quando comparada com a defesa do direito à paisagem, seja menor. Esta é a primeira questão.
A segunda questão diz respeito à discussão da extensão do texto constitucional. Em relação a este aspecto quero salientar que há esferas diferentes no texto constitucional, sendo que este não pode ter uma lógica espacial que permita dizer que é elegante ou que é conveniente que alguns artigos não sejam muito extensos e que outros o possam ser. Isto porque este tipo de rigidez ou esta forma um pouco burocrática de definir que os preceitos têm de ter um determinado tamanho parece-me que é algo perfeitamente absurdo, uma vez que, a entender-se assim, haverá seguramente desequilíbrio dado que existem artigos da Constituição que são muito longos e outros que, pela sua natureza, não o são.
Por último, no que toca à questão da autonomia, quero dizer que me parece que a questão está claramente colocada. É evidente que, se estamos à volta desta mesa, sabemos todos que não vivemos num mundo fechado. Julgo também que nenhum de nós terá ideias tão obtusas que julgue que vivemos num recanto, fechado ao mundo - aliás, as propostas apresentadas por Os Verdes em relação a outras áreas provam que não temos essa visão paroquial.
Contudo, quando é colocada a questão da autonomia, temos de ter em conta que há toda a vantagem em que Portugal tenha uma política energética. Aliás, para nós, aqui é que surgem questões de segurança.
Na verdade, porque Portugal depende, como tem de depender, do exterior (e o gás natural é o melhor exemplo de uma energia limpa e de uma dependência, se se quiser, face ao exterior), há toda a vantagem, por razões económicas, por razões ambientais e por razões de segurança, em diversificar fontes, em criar meios e em multiplicar as formas de reduzir essa dependência do exterior e, consequentemente, favorecer a nossa autonomia.
É, pois, nestes exactos termos que a nossa proposta é feita e deve ser lida.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia. Sr. Deputada, peço-lhe o favor de responder com a brevidade possível às questões que lhe foram colocadas.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, em relação à questão da autonomia suscitada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, naturalmente que o recurso a uma fonte de energia externa veio reforçar a autonomia na medida em que veio diversificar as fontes a que Portugal recorre em matéria de energia.
Assim, o conceito que Os Verdes aqui propõem de autonomia do país leva-nos a entender que Portugal deveria ser auto-suficiente, entendendo autonomia no sentido de auto-suficiência. Ora, pode não ser esse o caso.
Por conseguinte, há que clarificar um pouco aquilo que se pretende neste caso. Entendemos que a auto-suficiência e o recurso a energias produzidas no interior do país não é um objectivo. De resto, esta pode não ser a forma mais racional e mais ecológica de utilização de energia. O que queremos dizer é que há momentos em que o recurso a energias internas pode não ser interessante. E, ao contrário, a diversificação ou até o recurso a energias externas pode ser mais útil do ponto de vista económico e também ecológico - como é o caso do gás natural, justamente. O que se pretendeu com o gás natural foi a diversificação e não a auto-suficiência em matéria energética. Assim, há que clarificar um pouco este conceito.
Em todo o caso - passando a responder à Sr.ª Deputada Isabel Castro -, a pormenorização de conteúdos que já estão subsumidos de uma maneira mais genérica na Constituição, sobretudo quando estamos a tratar de incumbências prioritárias do Estado, não nos parece muito justificável.
Repare, este artigo diz respeito às incumbências prioritárias do Estado, ou seja, não é sequer um artigo sobre política energética. Neste caso, estamos a falar das incumbências prioritárias do Estado, pelo que não me parece que essa descida ao pormenor sobre políticas energéticas deva caber aqui, no artigo 81.º, não por uma questão de tamanho (como a Sr.ª Deputada há pouco disse) mas por uma questão de economia conceptual e por uma questão de lógica de sistematização. Ou seja, se estamos a falar sobre as incumbências do Estado em matéria de economia, essas incumbências traduzir-se-ão, com certeza, em adoptar uma política energética em que a preservação dos recursos naturais e o equilíbrio ecológico sejam assegurados. Mais do que isso, não faz muito sentido!
Pelo contrário (e a propósito do exemplo que suscitou), quando propusemos que se introduzissem preocupações urbanísticas e arquitectónicas no capítulo do ambiente, aí, de facto, justificava-se actualizar o conceito de valores ambientais à luz daquilo que foram as aquisições entretanto conseguidas entre uma revisão constitucional e a outra.
Neste momento, quando falamos de ambiente, não o podemos dissociar do valor patrimonial, do valor urbanístico e das políticas urbanas, que fazem parte do conceito valor ambiental. De facto, são questões imanentes ao próprio conceito de ambiente.
Em suma, no capítulo do ambiente, há um conceito novo de ambiente, que quisemos actualizar. Ora, não é bem isso que se passa neste momento, quando falamos de incumbências prioritárias de Estado em matéria de economia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho inscreveu-se, seguramente, para uma intervenção?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exacto, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Então, para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não é a segunda intervenção!

O Sr. Presidente: - Não é?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nesta proposta, é a primeira intervenção, porque anteriormente fiz um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, para uma intervenção, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, a intervenção feita pela Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia parece estar de acordo com o que consta da proposta da Deputada Isabel de Castro, com excepção da ideia da autonomia.
Na verdade, a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia refere que a ideia da autonomia está contida, está subsumida, está expressa na ideia de diversificação; que esse é que é o princípio justo para que a autonomia não possa eventualmente ser confundida com alteracia. Se bem percebi pelas expressões faciais dos Srs. Deputados, esta é a leitura que o PSD faz desta proposta.
Assim, tendo em conta que estamos perante a possibilidade de nesta matéria se actualizarem alguns conceitos, gostaria de fazer-lhe uma proposta. Aliás, devo lembrar que se tem falado tanto em actualização, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem sido um dos campeões da actualização do léxico de actualizações, que nalguns casos isso significa o empobrecimento desta Constituição…
Mas, como estava a dizer, já que estamos em sede de actualização de conceitos e de modernização conceptual da própria Constituição, dos comandos constitucionais e das formulações constitucionais, gostaria de chamar a vossa atenção para este ponto.
Aliás, a seguir, vamos discutir a política da água para a qual tínhamos uma proposta original e já vi que está aqui uma nova proposta, que assume parte da nossa proposta sobre a política da água, pelo que aproveito para referir que talvez tivesse sido bom se tivesse havido uma articulação com os autores originais da proposta. Mas, enfim, lá chegaremos, quando for o momento da discussão dessa proposta.
Voltando à questão da política energética e à ideia de actualização, gostaria de lembrar que, tanto neste terreno como no terreno que vamos discutir a seguir da política da água, existe a possibilidade de a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional procurar introduzir alguma novidade na conceptualização e na "modernização" dos conceitos constitucionais.
De facto, Sr. Presidente e Sr.ª Deputada, embora a alínea n) do artigo 81.º aponte para a necessidade de o Estado "adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do desequilíbrio ecológico,

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promovendo, neste domínio, a cooperação internacional", não estão presentes algumas ideias que estão na proposta de Os Verdes e que me parecem fundamentais, designadamente esta ideia da diversificação das fontes de energia e até do apoio às energias alternativas, mas sobretudo a ideia da diversificação das fontes, que, aliás, está contida no projecto do gás natural.
Em face disto, Sr. Presidente, a minha pergunta é se o PSD e, seguramente, o Partido Socialista não estariam disponíveis para apoiar esta proposta, reformulando-a, retirando a expressão "favoreça a autonomia do país", para evitar a tal eventual confusão, que para nós não existe, mas aceitando a argumentação da Deputada Teresa Patrício Gouveia, e ficar, então, se a autora Deputada Isabel Castro aceitar, uma formulação alternativa, do género: "adoptar uma política energética que preserve os recursos e o equilíbrio ecológico, através da racionalização do consumo e da diversificação das fontes de energia", ou "racionalização do consumo de energia e do apoio às energias alternativas".
Em suma, gostaria de saber se é possível, ou não, encontrar uma redacção consensual neste terreno, tendo em conta que a Sr.ª Deputada disse que estaria eventualmente de acordo com isto, se fosse em sede de um artigo específico que pudesse densificar mais as propostas em relação à matéria de política energética. Contudo, não existe um capítulo nem um artigo específico para política energética na Constituição. Podemos abri-lo, isto é, se o PSD e os outros grupos parlamentares estiverem de acordo, podemos abrir um capítulo específico para política energética e, então, densificar aí as formulações constitucionais.
Mas, não existindo esse capítulo, e se não existir disponibilidade para abrir um artigo próprio para as políticas energéticas, parece-nos bem que nesta alínea n) do artigo 81.º se pudessem densificar alguns conceitos no sentido de uma verdadeira modernização da conceptualização da Constituição em matéria de definição de incumbências instrumentais operacionais do Estado, em matéria de consubstanciação dos princípios estabelecidos no artigo 80.º - neste caso, em matéria de política energética -, e a seguir, como iremos depois discutir a proposta do PCP (reformulada entretanto), a política da água.
Deixo esta questão à consideração de VV. Ex.as, designadamente ao PSD, que tem tido esta intervenção, e também aos outros partidos que estão presentes nesta Comissão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, penso que neste momento estamos de acordo com a diversificação. Contudo, entendemos que o princípio da diversificação é um princípio contingente. Nada nos diz que amanhã haverá um meio energético limpo ao qual tenhamos interesse em recorrer em exclusividade. Portanto, a diversificação pode ser útil ou não, conforme os recursos à nossa disposição. Por isso é que penso que não deve entrar aqui. Aliás, entendo que tudo quanto é contingente não deveria estar aqui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não entendi a explicação da Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, porque a explicação é a contrario da sua leitura anterior.
Como a Sr. Deputada saberá melhor do que eu, porque é ou foi especialista em matéria ambiental ou pelo menos responsável política em matéria ambiental e portanto dominou melhor do que eu os dossiers, a tendência não é para o afunilamento das fontes de energia numa única energia, mas para uma diversificação com vista a dar maior segurança aos Estados.
Consequentemente, Sr.ª Deputada, mesmo nesse hipotético caminho que a Sr.ª Deputada está a apontar no sentido de uma tendência eventual para uma alteração dos princípios da diversificação, poder-se-ia continuar a falar em diversificação, uma vez que se iria à procura de novas fontes, de novas e diversificadas fontes, de novas e alternativas fontes, que tornassem os Estados menos dependentes de fontes tradicionais ou de uma única fonte esgotável e limitada no tempo e no espaço, enfim, nos territórios.
Como tal, penso que a diversificação constitui um verdadeiro princípio de modernização conceptual da nossa Constituição em matéria de política energética. Tem havido tantas preocupações de modernização, mas, como a Deputada Isabel Castro aqui disse, e bem, "não queiram os Srs. Deputados sofrer a acusação de que, quando falam em modernização, estão a falar em empobrecimento e em debilitação de conceitos que enfraquecem a Constituição em princípios fundamentais". Ora, eu não quero fazer essa acusação aos Srs. Deputados e creio que esta ideia da diversificação das fontes energéticas posta em sede constitucional constituiria, essa sim, um verdadeiro princípio de modernização e de actualização conceptual rigorosa neste terreno.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, chamo a atenção da Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, que porventura não se deu conta do facto de que, quando estabeleci o paralelismo e evidenciei a diferença de critérios com que se adoptou a densificação, e o enriquecimento, do nosso ponto de vista, através da proposta do PSD, do artigo 66.º, quis dizer que a recusa com que se está a insistir em fazê-lo neste artigo me parece tanto mais grave quanto há um aspecto que não foi sublinhado: é que o artigo 66.º já é um artigo autónomo, e é óptimo que o seja, mas a política energética, que é uma questão essencial para o desenvolvimento do país, na perspectiva ecológica e na perspectiva económica, não o é. Portanto, sendo o texto constitucional completamente omisso nesta matéria, faz sentido que a densificação se faça aqui.
Em segundo lugar, levanto uma questão nova, que a sua resposta ao Deputado Lino de Carvalho me sugeriu, que me parece particularmente grave e que, creio, conflitua completamente com a primeira intervenção da Sr.ª Deputada. É que o discurso da hipótese da energia limpa que miraculosamente poderá vir a substituir tudo no futuro só

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me parece encontrar adequação nos defensores do nuclear, e esse não é seguramente o discurso do PSD.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Estava a pensar no sol.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Então, se está a falar no sol, está a falar nas energias alternativas que aqui referimos, o sol, o vento, que, como sabe…

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora).

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Não, quanto muito é discutível que sejam alternativas!
A única discussão que pode existir, do ponto de vista do conceito, é a de saber se são complementares ou se são alternativas, porque naqueles que são hoje os exactos domínios e limites do conhecimento do que elas podem permitir, numa boa utilização, que claramente não tem tradução alguma no nosso país, não vão além de 20% do conjunto da produção energética, hoje. É disso que se trata.
É óbvio que a diversificação é um princípio que qualquer ecologista aceitará como uma questão essencial, o que significa não afunilar, o que significa diversificar, o que significa evolução tecnológica, o que significa poder encontrar as soluções várias que não permitam o esgotamento dos recursos naturais.
Como tal, não vejo, de modo nenhum, como é que o princípio da diversificação é um princípio que qualquer cenário, por muito diverso que possa ser, de divagação académica, nos conduza a concluir que é rejeitável a prazo. Não é disso que se trata, seguramente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos agora passar à votação da alínea h) do projecto originário do PSD, que é uma proposta de alteração da alínea n) do artigo 81.º, que estivemos a discutir.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, não estou a encontrar essa proposta.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, consta do projecto originário do PSD, para a mesma alínea, que também foi colocada em discussão logo no início. Vem classificada como alínea h), mas reporta-se à alínea n) actual.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, é apenas para dizer que, como sabe, o PSD tem uma proposta de substituição desta alínea, que implica a supressão da respectiva parte final.

O Sr. Presidente: * Foi o que acabei de dizer agora, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sim, mas, de certa maneira, não foi discutida ainda.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, coloquei essa matéria em discussão no início do debate. Se os Srs. Deputados não se deram conta, problema vosso!...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, quero só fazer algumas observações em relação a essa matéria. Verá que a minha intervenção é simplicíssima e muito rápida.
Em primeiro lugar, quero dizer que, como eu há pouco tinha referido, em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Castro sobre a autonomia, entendemos que o princípio geral da Constituição é justamente o oposto, ou seja, é o princípio da cooperação internacional em todos os domínios, não sendo necessário dizê-lo em cada momento.
É por isso que suprimimos a parte final desta alínea n), porque entendemos que o princípio está realizado a vários níveis e não necessariamente num.

O Sr. Presidente: * Isso está dito na primeira leitura, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Justamente.
Por outro lado, como isto consta do guião, com a predisposição do PS e do PSD (e penso que de todos os partidos) para acordar nesta redacção, gostaria de saber se essa disponibilidade se mantém ou não.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, como viu, não houve outra "centração", passo a expressão, no debate que não tenha sido em torno da nova proposta apresentada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, o que significa que não houve evolução da primeira para a segunda leituras nesta matéria.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta constante da alínea h) do artigo 81.º do projecto originário do PSD, de alteração da actual alínea n) do mesmo artigo.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

h) Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta constante da alínea o) do artigo 81.º do projecto de Os Verdes, de alteração da actual alínea n) do mesmo artigo.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro, votos a favor do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS e PSD.

Era a seguinte:

o) Adoptar uma política energética que favoreça a autonomia do país, preserve os recursos e o equilíbrio ecológico, através da racionalização do consumo, da diversificação das fontes e do apoio às energias alternativas.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para uma declaração de voto.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, em declaração de voto relativa à votação que fizemos da proposta constante da alínea h) do nosso projecto, queria lamentar a falta de seriedade na discussão da parte do Partido Socialista, pelos motivos que passo a expor.
O Sr. Presidente pôs em discussão a proposta do PSD e, a interpelação minha, reafirmou que, não tendo havido qualquer intervenção, tal significava que ninguém tinha mudado a sua opinião relativamente à primeira leitura, mas na votação fomos confrontados com uma mudança de posição por parte do Partido Socialista e do Partido Comunista, o que, obviamente, não podemos deixar de lamentar.
Sempre que o Presidente coloca como metodologia de trabalho para saber se há dados novos relativamente à discussão na primeira leitura o facto de não ter sido questionada por ninguém uma matéria que consta expressamente como adquirida por todos os partidos no guião do Dr. Vital Moreira, se há uma mudança de posição de qualquer dos partidos, que na primeira leitura tinha manifestado outra posição, manda a lealdade parlamentar e a correcção dos trabalhos e a seriedade do debate que essa mudança de opinião seja expressa.
Ora, o PSD constata que todos os partidos, à excepção do PSD, mudaram de opinião e, no entanto, ninguém quis, lealmente - de resto, respondendo à metodologia de trabalho que o Presidente impôs, e bem, a esses trabalhos -, colocar a questão na mesa para eventualmente se poderem averiguar as razões dessa mudança de opinião a fim de se saber até que ponto o PSD poderia ou não alterar ou rectificar a sua proposta inicial, ou mesmo retirá-la.
Este é, portanto, um lamento da parte do PSD e uma recriminação relativamente ao comportamento dos outros grupos parlamentares que, do nosso ponto de vista, não estão a interpretar correctamente aquilo que a mesa coloca, para todos nós, como metodologia de trabalho nesta segunda leitura.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho, também para uma declaração de voto.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, do ponto de vista de metodologia de trabalho, estamos de acordo com o que acabou de referir. Quanto a metodologia, se há alterações de posições de grupos parlamentares, tal implica obviamente um debate em relação às novas posições, porque estas podem eventualmente conduzir a novas soluções.
Mas é evidente que esse queixume do PSD tem de ser dirigido sobretudo ao seu parceiro de coligação constitucional. Pelos vistos, as surpresas não são só para os Deputados do PS e do PCP, mas também para o próprio parceiro de "escritura" constitucional nesta matéria.
É evidente, Sr. Deputado, que, quanto a nós, essa sua leitura não serve porque, tanto quanto eu saiba, nunca estivemos de acordo com a debilitação deste princípio da cooperação internacional em matéria de políticas energéticas. Aliás, tal vem, no mínimo, ao encontro de uma outra formulação que os senhores acabaram de rejeitar, que é a questão da diversificação das fontes de energia. Se a diversificação das fontes de energia não é conseguida nesse quadro da cooperação internacional, pelo menos que se mantenha lá a cooperação internacional para não reduzir e não enfraquecer mais ainda os princípios da política energética do Estado.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, era só para esclarecer que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse que todos os partidos mudaram de opinião, mas isso não é exacto.
No caso do CDS-PP, a nossa proposta era, desde o início, a de manter a redacção actual; nunca apresentámos outra proposta, nem nunca votámos favoravelmente a proposta do Partido Social-Democrata. Portanto, não mudámos de opinião, mantemos a opinião que decorre da nossa proposta.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, rapidamente, quero dizer duas coisas. O acordo político de revisão constitucional subscrito entre o PS e o PSD não contempla esta matéria. Portanto, nesta questão, o Partido Socialista preserva toda a sua liberdade de acção e exerceu o seu direito de votar favoravelmente, ou não, uma eliminação de uma parte desta norma constitucional.
A norma constitucional em causa é a que considera como uma incumbência prioritária do Estado no âmbito económico e social a de adoptar uma política de energia com preservação de recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional, sendo que o PSD propunha a eliminação desta menção à cooperação internacional.
Não tendo sido feitos outros correctivos do diploma para aludir a outras formas de cooperação internacional na área económica, não vimos necessidade de eliminar esta componente na norma. Não há nisso qualquer escândalo e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem de se habituar à discussão democrática em que o PSD não dita as posições dos outros, ouve as posições dos outros e aceita democraticamente as posições dos outros!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à alínea seguinte, que trata de matérias novas.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, é uma questão de princípio.

O Sr. Presidente: * Não é uma questão de princípio!
Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Para uma interpelação à mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Então, faça favor.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): Por uma questão de princípio, peço que o Sr. Presidente clarifique do que estamos aqui a falar.

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

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Tenho comigo o guião da primeira leitura e o artigo 81.º diz o seguinte: "neste artigo deram-se por adquiridas as seguintes alterações (…)". E depois diz, na segunda parte da alínea n), "promovendo (...) internacional".
Portanto, Sr. Presidente, é isto que consta do guião, é isto que foi dado por adquirido, inclusivamente, segundo o que nos é informado, com as posições positivas, em relação a esta matéria, do PCP, do PS e do PSD.
Aquilo que vimos dizendo desde o início é que a discussão foi destorcida, porque, desde o princípio, esta matéria estava dada por adquirida como consenso. Não é isto que o Partido Socialista, à última da hora, depois desta votação feita, vem dizer agora.

O Sr. Presidente: O Sr. Deputado interpelou a mesa e, como compreenderá, não respondo pelas posições do Partido Socialista enquanto Presidente da Comissão; quando quero falar em nome do PS tenho o cuidado de fazer essa distinção.
O Presidente vela pela condução dos trabalhos, não vela pelo grau de adesão, ou não, a posições expressas pelos grupos parlamentares.
Reconheço que o Sr. Deputado Carlos Encarnação fez uma interpelação que, em sentido próprio, poderia ser dirigida ao Partido Socialista e não ao Presidente.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tem de confirmar se isso está no guião!

O Sr. Presidente: - Confirmar o que está no guião é uma evidência, não precisa do meu acto de confirmação.
O que queria dizer é que, quanto à posição e à justificação da posição, a eventual resposta, obviamente, só o Partido Socialista lha dará.
Srs. Deputados, passamos então à nova proposta. Há uma proposta originária do PCP para uma nova alínea relativamente à política nacional da água e uma proposta nova, subscrita pelo PS e pelo PSD, quanto a uma matéria também sobre a política nacional da água e o aproveitamento e a gestão racional dos recursos hídricos.
Devo recordar, Srs. Deputados, já que falamos do guião, que esta síntese que agora é apresentada foi uma síntese para a qual se avançou na primeira leitura com o próprio consenso do PCP.
Nesse sentido, o que sugiro aos Srs. Deputados que já subscreveram a proposta de substituição é que, no espírito da primeira leitura, e se for esse o entendimento do PCP, alarguem a proposta aos Srs. Deputados do PCP porque foi deles que partiu a fórmula inicial e ficou admitida a sugestão de uma formulação muito semelhante àquela que agora nos é apresentada.
Colocadas as questões nestes termos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): Antes de entrar na discussão desta matéria, gostaria de fazer uma interpelação à mesa, Sr. Presidente. Há pouco, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes falava aqui em princípios de lealdade parlamentar no que toca aos trabalhos da revisão constitucional, sem prejuízo das opiniões que cada um de nós tem sobre esta matéria.
Penso que um princípio de lealdade parlamentar mandaria, até por razões de direitos de autor, que, quando se procura alterar uma proposta inicial de uma das componentes desta Comissão, essa alteração escrita pudesse ser feita e subscrita com os originais autores da proposta.
Pensamos que este caminho não é um caminho certo e gostava de chamar a atenção do Sr. Presidente e dos Srs. Deputados para esta questão.

O Sr. Presidente: Feita a interpelação, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não posso não manter a minha sugestão de início no sentido de que a proposta, uma vez apresentada, possa ser alargada, se o PCP o entender, bem entendido, à subscrição do PSD e, eventualmente, até a outros Srs. Deputados.
Vamos entrar na apreciação da matéria relativamente à nova alínea para a adopção da política nacional da água nos termos da proposta de substituição, proposta essa que no final da primeira leitura tinha tido uma aproximação também da parte do PCP, autor inicial de uma proposta nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, mais do que a explicitação da proposta do PSD, queria apenas deixar claro que esta proposta tem a titularidade intelectual e material no PCP. Isso ficou claro na primeira leitura e o PSD nunca o escamoteou.
Está nas Actas que o PSD, logo na primeira leitura, se mostrou receptivo à inclusão de uma alínea que tivesse que ver com a proposta inicial do Partido Comunista. Acontece apenas que o Partido Social-Democrata, nessa primeira leitura, já tinha deixado nota de que haveria algumas partes da redacção do Partido Comunista que considerava que não deviam constar do texto constitucional - para não dizer outra coisa.
Havia apenas um princípio residual que estava correcto e se o PSD formulou esta proposta foi apenas porque, no contexto bilateral do desenvolvimento do acordo de revisão com o Partido Socialista, tinha tido ocasião de, já há cerca de um mês, formular em concreto a proposta desta redacção, conforme agora foi distribuída ao Partido Socialista, pelo que se limitou aqui, para efeito dos trabalhos, a repetir essa proposta. O Partido Socialista, ao tomar conhecimento, dirigiu-se logo a esta bancada pedindo para também assinar, ao que o Partido Social-Democrata disse imediatamente que sim, concordando em absoluto com a sugestão do Sr. Presidente.
É evidente, e por maioria de razão, que se o Partido Comunista aceitar subscrever também como proposta comum, em substituição da sua proposta inicial, o Partido Social-Democrata não pode estar mais de acordo, até porque entende que é um princípio de justiça.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): É um bocadinho tarde, Sr. Deputado, tem de considerar!

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, queria colocar uma questão ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes no sentido de saber qual é a utilidade que entende, do ponto de vista do andamento dos trabalhos da revisão constitucional, na subscrição de propostas de outros partidos, neste

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caso do PCP, cuja redacção foi assente na primeira leitura, com consenso generalizado, que consta do guião do ex-Presidente Deputado Vital Moreira, acabando por ser apropriada pelo PS e pelo PSD e apresentada aqui exclusivamente como sendo dos dois partidos.
Já temos altas contribuições anteriores nesta matéria, do PS e do PSD! Por exemplo, a proposta de Os Verdes para o artigo 9.º, sobre a igualdade do homem e da mulher, quer a igualdade da mulher e do homem, e que os dois partidos inverteram a respectiva ordem. Neste momento, temos uma outra contribuição e, pela minha parte, tenho esta tentação, Sr. Deputado: queria votar a proposta que consta do guião do ex-Presidente Vital Moreira e não a proposta subscrita pelo PS e pelo PSD.

O Sr. Presidente: Permitam-me um esclarecimento: há uma referência no guião do Sr. Deputado Vital Moreira que não estava materialmente em condições de ser extractada como proposta formal e, portanto, alguém tinha de tomar a iniciativa. Se a iniciativa, uma vez tomada, poder ser alargada à subscrição dos proponentes iniciais, era desejável e foi essa, aliás, a sugestão inicial que fiz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Respondia só muito sinteticamente o seguinte: se o Partido Comunista quiser apresentar uma proposta apenas com este conteúdo material, o Partido Social-Democrata retira a que subscreveu. Já aqui disse, não vale a pena repisar a matéria, que pela parte do PSD há um reconhecimento total de que a autoria intelectual e material desta proposta é do Partido Comunista e, portanto, que fique perfeitamente claro, o PSD não incorre em métodos desses.
À laia de explicação, dava apenas resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Sá no sentido de que se o Partido Social-Democrata avançou com a proposta como avançou, o Presidente já deixou isso claro, o Partido Comunista sabe perfeitamente que o Presidente tem como metodologia de trabalho apenas permitir a discussão de matérias novas que são colocadas sobre a mesa, e não queríamos que, por falta de apresentação na mesa de uma proposta nova, a questão não fosse rediscutida na formulação que o PSD entende correcta. Apenas por essa razão.
Termino dizendo que, se o PCP quiser apresentar uma proposta da sua autoria com este contexto material, o PSD retira a proposta que fez.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, queria interpelar a mesa no sentido de dizer que o PCP vai apresentar uma proposta e só não o fez há mais tempo porque o PS e o PSD apareceram aqui esta manhã com uma proposta que se apropriava do que tinha sido acordado na primeira leitura.

O Sr. Presidente: Vamos ver depois o teor material da proposta.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): Sr. Presidente, penso que esta nova proposta surgida do acordo PSD/PS retoma com muito pouca elegância e reabre uma discussão advinda aquando do artigo 9.º
Creio, aliás, que o artigo 9.º foi mais escandaloso porque a proposta de Os Verdes de promoção da igualdade entre mulheres e homens foi, na altura, contestada radicalmente pelos dois grupos parlamentares e chumbada, sendo depois reformulada com a inversão da ordem.
Na altura, tivemos oportunidade de dizer que não é sério e, seguramente, não é intelectual nem eticamente aceitável que numa comissão de revisão constitucional se recuse uma proposta para a vir apresentar com modificações que são perfeitamente acessórias e que, claramente, mais não visavam do que, com reserva intelectual, recusar uma proposta porque ela tinha vindo de Os Verdes.
Julgo, portanto, que esta não é uma forma de respeitar os grupos parlamentares nem me parece que esteja a funcionar correctamente nestes termos.
Julgo, aliás, que se há uma proposta de partida - e porque as pessoas que aqui estão não são propriamente escribas, e a discussão que se está a fazer não é uma discussão entre escribas para ver se a vírgula fica melhor à esquerda ou à direita, é suposto que não é isso, se estamos é a discutir princípios -, o que é legítimo e normal é que, se há uma proposta de um determinado grupo parlamentar, qualquer que ele seja, e se na sua substância as pessoas estão de acordo, em conjunto convirjam no sentido de lhe dar a formulação mais exacta, porque aquilo que se está a discutir e a acordar são princípios, não são normas gramaticais, a menos que se queira brincar.
Em relação à proposta que era feita sobre a política para os recursos hídricos, havendo consenso, como houve, de quem esteve na altura na reunião no sentido de que era uma mais-valia introduzi-la no texto constitucional, julgo que o único caminho normal e plausível seria, com base nessa proposta, enriquecê-la ou formaliza-la de modo a que gerasse o consenso de todos.
Penso que estas pequenas batotices ou estes pequenos truques de protagonismo não favorecem de modo algum o bom funcionamento da Comissão e nada abonam no sentido de convencer que é de boa fé que se está a trabalhar em conjunto e a procurar enriquecer o texto constitucional.
Quanto à proposta que apareceu veiculada pelo PSD, devo dizer que nem me parece que seja a formulação mais correcta. Aliás, já tive oportunidade de o dizer à Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, porque, se estamos a falar de uma política nacional da água, teremos de falar de planeamento e de gestão e a questão do planeamento aqui é omissa.
Nesse sentido, julgo que tem de ser encontrada outra formulação que não esta.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, suponho que estamos em condições…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, ainda não intervim sobre a proposta!

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Lino de Carvalho, dou-lhe já a palavra, mas vou fazer o seguinte esclarecimento aos Srs. Deputados: a proposta do PCP que acaba de entrar na mesa tem o conteúdo material exacto àquela que tinha sido subscrita em comum por Deputados do PS e do

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PSD, o que significa tão-só que a proposta comum dos Deputados PS e PSD já tinha interpretado a formulação a que o PCP tinha aderido na primeira leitura.

O Sr. Luís Sá (PCP): Tinha interpretado na primeira leitura, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: Interpretado a formulação que o PCP tinha expresso.

Protestos do Deputado do PCP Luís Sá.

Sr. Deputado Luís Sá, isso não lhe admito, peço-lhe desculpa!
Tinha acabado de dizer exactamente aquilo que o Sr. Deputado, a título correctivo, tentou colocar nas minhas palavras. Portanto, se há alguma sugestão da sua parte, diga-a em termos úteis.
Como acabou de verificar, suponho que, com razoabilidade, estava exactamente a dizer aquilo que Sr. Deputado Luís Sá tentou dizer por sobreposição.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Efectivamente, os textos são materialmente idênticos, mas decorrentes da discussão da primeira leitura e, como já foi aqui reconhecido, da proposta inicial do PCP. Até para efeitos de posteriores leituras, constitucional e mesmo histórica, da nossa Constituição, não é despicienda a autoria das propostas que vão sendo aprovadas.
Neste sentido, como, aliás, já referimos amplamente, parecia-nos que, tendo havido uma proposta de partida (cujo sentido fundamental foi aceite e cuja redacção consensual foi depois trabalhada e apurada na primeira leitura), se tivesse aguardado, como se aguardou noutros artigos, por chegarmos, no âmbito da segunda leitura, ao momento de discutir esse articulado constitucional, para, então sim, verificar se os autores originais da proposta apresentavam ou não uma proposta que decorresse desse consenso a que se teria chegado na primeira leitura, e não que se tivessem precipitado para procurar retirar aos autores da proposta os seus "direitos de autor", digamos assim, em relação ao texto inicial. E até pode ser criminalmente punido, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Só por graça!… É a piada da manhã.

O Sr. José Magalhães (PS): * Não se sinta culpabilizado!

Apartes inaudíveis, por não terem falado para o microfone, na gravação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço desculpa, apartes, está bem, mas apartes substitutivos das intervenções em curso, não!
Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço-lhe o favor de ir direito ao assunto central da sua intervenção.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, o que acontece, a quem tem problemas de consciência, é que há sempre um "juiz de consciência" que intervém!
Depois destes preambulares, a primeira questão que gostava de referir é que nos congratulamos por tudo apontar no sentido de chegarmos a uma solução consensual em matéria de redacção da nova proposta, que o PCP apresentou na primeira leitura, quanto à inscrição na Constituição de um princípio constitucional que é o de adicionar a necessidade da adopção de uma política nacional da água às incumbências prioritárias do Estado.
Reconhecemos que a nossa proposta original era muito mais densificada nesta matéria, mas tinha alguma lógica e alguma razão. Primeiro, como sabe, um dos problemas gritantes e mais polémicos, em matéria de política nacional da água, é a sua articulação com direitos consuetudinários, ancestrais, tradicionais dos agricultores - e a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia sabe disso muito bem! - e também no caso concreto do nosso País (e estamos a fazer uma construção para o País, para este país concreto com a sua localização territorial e geográfica que se conhece), o problema da necessidade de garantir as disponibilidades, no plano dos acordos internacionais, das reservas com origem em bacias hidrográficas internacionais.
Como sabemos, o País depende muito, nesta matéria, das bacias que nascem em Espanha. Portanto, a nosso ver, ficaria bem, na Constituição, um princípio que definisse como incumbência prioritária do Estado, não só a adopção da política nacional da água (com respeito pelo direito daqueles que são, digamos, os principais utentes em matéria da política da água, os agricultores) mas que também atendesse, em particular, à necessidade de o Estado promover acções no plano internacional que garantissem a gestão dos recursos existentes em Portugal. Isto tendo em conta o quadro das reservas com origem em bacias hidrográficas internacionais e face às dependências que o País tem das reservas de água que nascem em Espanha, com todas as polémicas que a História nos tem ensinado, ou seja, que a política nacional da água, no quadro do aproveitamento e gestão racional de recursos hídricos, fosse articulada com uma incumbência do Estado de promover as acções no plano internacional, por forma a garantir essa disponibilidade no âmbito das reservas com origem em bacias hidrográficas internacionais.
Era este o sentido da intensificação da nossa proposta original.
O consenso chegou de modo a que esta ideia se resumisse a esta proposta, que agora está em cima da mesa, no sentido de adoptar uma política nacional da água com aproveitamento e gestão racional dos recursos hídricos.
A proposta não vai tão longe quanto desejaríamos que fosse. Estamos de acordo com a Deputada Isabel Castro e pensamos que a expressão planeamento também faz falta nesta formulação porque - e cá estamos outra vez no âmbito da conceptualização, Sr. Deputado Luís Marques Guedes!... - a questão do planeamento de gestão dos recursos hídricos é hoje também um acquis do Direito nacional em matéria de política da água e esse também seria um elemento que faz falta na Constituição…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo. Agradeço que termine.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, termino dizendo que nos conformamos com o consenso a que se chegou e, mais, congratulamo-nos pelo facto de o texto

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final, apesar de não ser o original que apresentámos, ser um texto que introduzirá um elemento conceptualmente novo e verdadeiramente modernizador na Constituição, elemento que não tinha, que é a adopção, como incumbência do Estado, da política nacional da água e constitui questão central e estratégica para o País.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estava inscrito o Sr. Deputado José Magalhães e quero pedir a todos os Srs. Deputados, incluindo o Sr. Deputado José Magalhães, que as posições que ainda julgarem oportunas, a propósito desta matéria, sejam tomadas em sede de declaração de voto, porque isso nos permitirá passar à votação da proposta apresentada pelo PCP, com retirada da proposta inicial do PSD e do PS.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Posso fazer uma pergunta?

O Sr. Presidente: * Pode, Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, há pouco pensei que, na proposta conjunta, havia acordo do PSD e PS para que se falasse nesta formulação na adopção de uma política nacional da água com planeamento e gestão racional dos recursos e, portanto, que se incluísse aqui o planeamento e gestão. Pergunto, pois, se sim ou não.

O Sr. Presidente: * Mas era com substituição do termo aproveitamento?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Exacto, Sr. Presidente. De algum modo, o aproveitamento é sinónimo de utilização racional. Mas estamos a falar de planeamento e gestão e julgo que seria mais correcto associar as duas coisas.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pedia-lhe que falasse muito sinteticamente sobre a sugestão da Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois, Sr. Presidente, é só responder.
Em primeiro lugar, queria reafirmar que o termo aproveitamento, do ponto de vista do PSD, é mais vasto, para este efeito, do que "planeamento", ou seja, subsume o "planeamento" e está um pouco para além.
Em segundo lugar, o PSD propôs "aproveitamento" precisamente porque a autoria não é sua, é do PCP e, na sua proposta inicial, consta "aproveitamento". Portanto, se alguém quiser mudar, ainda por cima depois desta tomada de orgulho de titularidade por parte do PCP, então que o faça o PCP!

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

O legítimo é que o PSD nunca pôs em causa!
Por último, devo dizer que o PSD concorda, obviamente, com a expressão "planeamento e gestão", a qual já decorre da lei ordinária, como a Sr.ª Deputada Isabel Castro bem sabe! Não vemos mal algum em que fique um princípio mais geral, em termos constitucionais. Se fosse redutor, relativamente à lei ordinária, é que seria claramente incorrecto. Como, para o PSD, "aproveitamento" subsume "planeamento" e está para além disso, então podia ficar na Constituição "aproveitamento", deixando-se na lei ordinária o conceito de "planeamento e gestão" que, aliás, já está na lei ordinária.
Em qualquer circunstância e para que não haja susceptibilidade de novas feridas, se os autores quiserem mudar, não há qualquer problema para o PSD. De facto, parece-nos que "aproveitamento", como já constava da proposta inicial do PCP, é mais rico.

O Sr. Presidente: -Vou dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.
No entanto, chamo a atenção para que o conceito de gestão racional há-de implicar, necessariamente, a execução das funções de planeamento, sob pena de a gestão ser dificilmente racional.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, é precisamente no mesmo sentido: é uma das dimensões da revisão constitucional, não será a única, mas é uma das dimensões; portanto, é um equivalente e seria parcialmente redundante. Não vemos objecção, se quiser aditar.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, a nós interessa-nos atingir um objectivo fundamental,…

O Sr. Presidente: * Que estava adquirido!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * … que é introduzir esta ideia nova da política nacional da água na Constituição.
Se bem interpretei a intervenção do PSD e, agora, a do Partido Socialista, não se opõem a que a expressão "aproveitamento" seja alterada por "planeamento" que decorre da gestão…

O Sr. José Magalhães (PS): * O que eu disse é que o melhor era aditar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nesse caso, Sr. Presidente, como estamos em fase de ver se estamos todos de acordo, podemos avançar para uma proposta - e eu dito-a oralmente -, em que conste: "adoptar uma política nacional da água com aproveitamento, planeamento e gestão racional de recursos hídricos". Penso que as várias ideias ficam aqui contidas.

O Sr. Presidente: * Quanto muito, será redundante, mas ficamos todos mais felizes.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, não sei se ficamos todos mais felizes.
Vejamos: planeamento e gestão são dois instrumentos de política, são coisas distintas, enquanto que o aproveitamento e a utilização racional são objectivos a atingir. Portanto, julgo que a formulação mais correcta até seria: "adopção de uma política nacional da água com planeamento

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e gestão que garanta o aproveitamento e a utilização racional dos recursos". Parece-me que esta seria a mais clara, porque, como eu disse, planeamento e gestão são instrumentos, e o aproveitamento pode ser ou não um objectivo ou uma consequência de um correcto planeamento e gestão.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Isabel de Castro, peço-lhe desculpa, mas não podemos retomar uma discussão que estava feita. Portanto, a discussão está feita e introduziu mais um dado!
Srs. Deputados, inclusive Sr. Deputado Lino de Carvalho: não vejo resistências, apesar de considerarem eventualmente redundante, o acréscimo do conceito de planeamento entre aproveitamento e gestão racional, na sequência da sugestão do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Vamos, portanto, passar à votação da proposta com o n.º 101 do artigo 81.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

Adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos.

O Sr. Presidente: - Naturalmente que esta votação implicou que o PCP considerou a sua proposta inicial substituída por esta nova proposta, não é verdade, Sr. Deputado Lino de Carvalho?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Precisamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Há uma nova alínea no projecto originário do PCP, do seguinte teor: "Garantir o nível adequado de segurança alimentar".
Srs. Deputados, esta proposta não mereceu consenso na primeira leitura, e não há propostas novas. Estamos, por isso, em condições de votar.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho não está de acordo comigo?!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não, Sr. Presidente, porque o facto de não ter merecido consenso, na primeira leitura, não quer dizer que, entretanto, de então para cá, não tivesse havido uma reflexão dos vários grupos parlamentares em relação a esta, em particular. Queremos também apresentar a nossa nova reflexão em relação a esta alínea.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço-lhe desculpa, mas a questão nem sequer está aberta à reflexão, em decurso da primeira leitura. A primeira leitura não foi um trabalho supérfluo, foi um trabalho que esgota debates, quando os debates não dão origem a decisões dos grupos parlamentares, então enunciadas, de reponderar. Não há qualquer intenção de reponderação em nenhuma matéria. Este é um caso concreto que não mereceu consenso. O que o Sr. Deputado está a sugerir é a reabertura de um novo debate em torno deste ponto, o que não faz sentido.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Não, Sr. Presidente, estou a sugerir, por exemplo, eu poder perguntar aos grupos parlamentares se estão disponíveis para rever esta redacção.

O Sr. Presidente: * Isso faz sentido. Quando algum grupo parlamentar diz que entretanto mudou de posição, nunca, da minha parte, houve resistência a que, nessa altura, se faça um debate. Mas a verdade é que não estou a ver esse movimento em grupo parlamentar algum!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, a questão é a seguinte: na primeira leitura, tivemos oportunidade de explicitar as razões por que apresentámos esta proposta. O problema da segurança alimentar até constitui, aliás como eu disse na altura, um princípio da lei de bases de defesa nacional e é hoje uma questão estratégica em todos os fóruns internacionais e nacionais - ainda este fim-de-semana essa questão foi debatida no fórum de imagem do Sr. Ministro Gomes da Silva - em matéria das políticas agrícolas e alimentares de todos os países e da própria União Europeia. Isto é, não se trata de qualquer princípio autárcico, não é isso que está em causa, não se trata de qualquer princípio de auto-suficiência mas, sim, como, aliás, decorre da própria lei de bases de defesa nacional, da necessidade de a Constituição prever que uma das incumbências do Estado é a de ter um nível adequado de segurança alimentar. Aliás, são essas são as expressões normalmente utilizadas na FAO, pela Comunidade Europeia e nos próprios documentos de política agrícola do Governo.
Nesse sentido, apresentámos essa proposta, Sr. Presidente. Na altura, isto foi interpretado como um princípio autárcico que se oporia aos crescentes e objectivos processos de globalização das economias, mas não é; pelo contrário, é um princípio que constitui um instrumento de defesa em relação aos princípios da mundialização e da globalização dos processos produtivos, e um instrumento de defesa que defina e assegure para cada Estado, sem prejuízo dessa globalização, e tendo em conta essa globalização, níveis adequados, níveis suficientes de segurança alimentar, até para tempos de crise que existem, e que estão, aliás, depois transmutados nas reservas dos armazenamentos de reservas estratégicas que existem em cada país, etc., etc.
É esse princípio que manifestamente falta na nossa Constituição e a minha questão, Sr. Presidente, é a de saber se os grupos parlamentares, à luz desta interpretação que procurei trazer aqui para clarificar o sentido da proposta, estão disponíveis para rever a posição em que se tinham colocado de uma interpretação que me parecia desadequada às intenções da proposta, que manifestaram na primeira leitura.
É esta questão que deixo em aberto aos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Lino de Carvalho, compreenda que não posso deixar de interpretar, como, aliás, todos nós, o silêncio dos grupos parlamentares como sendo ratificativo das suas posições anteriores.
Assim sendo, Srs. Deputados, vamos votar a proposta constante da alínea p) do artigo 81.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP e de Os Verdes.

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Era a seguinte:

p) Garantir um nível adequado de segurança alimentar.

O Sr. Presidente: * Havia uma proposta de uma nova alínea, que já foi retirada, pelo que já não será submetida a apreciação, subscrita por Deputados do PS, relativamente a bens essenciais a fornecer pelo Estado. Como disse, está fora de apreciação, pois foi retirada.
Srs. Deputados, nesta matéria, havia, no guião, uma referência a uma proposta do Deputado Rui Namorado, a qual é transferida…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, peço desculpa por interromper. As propostas n.os 97 e 104 foram retiradas? Ou foi só a n.º 97?

O Sr. Presidente: * Como ia dizer, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a proposta n.º 97 foi transferida sistematicamente para apreciação no artigo seguinte, o artigo 82.º, e a outra, n.º 104, foi retirada, como o Sr. Deputado Carlos Encarnação acabou de referir.
Srs. Deputados, vamos, então, passar ao artigo 82.º. No projecto inicial do PSD há uma proposta de eliminação deste artigo e eu pergunto, não para abrir o debate mas apenas para confirmar votações, se esta proposta se mantém.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, conforme já vem sendo hábito, este artigo foi objecto de discussão por parte do PSD no acordo para a revisão e o PSD retira a proposta de eliminação, uma vez que foi encontrada uma alternativa em relação à qual estamos comprometidos num plano diferente.

O Sr. Presidente: * Muito bem, nesse caso, esta proposta não será submetida à votação.
Há, da parte do CDS-PP, uma proposta de modificação do n.º 1 que não obteve consenso na primeira leitura.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse que retirava a proposta, porque havia uma proposta alternativa que resultava do acordo de revisão constitucional, pelo que pergunto: onde está essa proposta alternativa?

O Sr. Presidente: * Não, ele falou do acordo em geral e não necessariamente a propósito do artigo 82.º, Sr. Deputado.
Sr. Deputado António Galvão Lucas, a proposta do CDS-PP que referi mantém-se?

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
Vamos, então, votar a proposta de alteração do n.º 1 do artigo 82.º, do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

1 - É garantida a coexistência de três sectores de propriedade.

O Sr. Presidente: * Para o n.º 2 há também uma proposta de alteração constante no mesmo projecto, nas mesmas condições.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta do n.º 2 do artigo 82.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

2 - O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedades e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.

O Sr. Presidente: * Vamos agora votar a proposta de eliminação da alínea c) do n.º 4 do artigo 82.º, também do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do CDS-PP e abstenções do PSD e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

O Sr. Presidente: * Temos agora uma proposta de uma nova alínea d), apresentada por Deputados do PS, a qual foi distribuída com o n.º 97.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, em relação à alínea c), na primeira leitura havia uma proposta idêntica dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros que está prejudicada, não é verdade?

O Sr. Presidente: * Não neste ponto, Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Vamos passar à apreciação da nova alínea d) do artigo 82.º projecto do PS. Podemos votar?

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas tenho duas propostas com o n.º 97.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, é capaz de ter razão. Houve uma primeira que…

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Uma em que se refere o artigo 82.º, n.º 4, alínea d), e outra em que se diz só artigo 82.º

O Sr. Presidente: * Consegue distinguir a letra do Sr. Deputado José Magalhães? Se conseguir, foi essa que foi retirada, ou seja, a que foi inicialmente apresentada.

O Sr. José Magalhães (PS): * A que vale é a n.º 97.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos proceder a um esclarecimento sobre este ponto.
A proposta que prevalece tem o seguinte teor: "Os meios de produção possuídos e geridos pelas pessoas

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colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social, bem como por entidades de natureza mutualista". Esta é que prevalece.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Ou seja, é a que está assinada em primeiro lugar pelo Sr. Deputado António Reis.

O Sr. Presidente: - Exactamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação para uma declaração de voto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, é uma declaração de voto muito curta, mas significativa, do nosso ponto de vista.
Até agora, o nosso voto em relação às propostas relativas ao artigo 82.º foi no sentido da abstenção. E isso significa o quê? Significa concretamente que, se retirámos a nossa proposta sobre o artigo 82.º, foi, como não pode deixar de ser, à luz de um compromisso político que foi estabelecido e que virá a materializar-se depois noutro artigo desta parte da Constituição. Não significa que alterámos a nossa maneira de pensar em relação à questão que está colocada quanto ao artigo 82.º mas, sim, que, não podendo atingir aquilo que entendemos que seria o ideal (a eliminação deste artigo e de outros nesta área), nos comprometemos, e mantemos esse compromisso, a adquirir para a Constituição aquilo que entendemos ser possível nesta altura da revisão.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, gostaria de intervir, mas, com toda a sinceridade, gostaria de ter uma explicitação dos autores da proposta sobre o sentido prático da mesma, pois tenho a ideia de que o sentido que propaga está subsumido noutra alínea deste artigo da Constituição.
Gostaria, pois, de intervir, mas não sem antes fazer um apelo para que os Deputados António Reis, Medeiros Ferreira ou Natalina Moura, que são os subscritores desta proposta cujas assinaturas são legíveis, pudessem explicitar o sentido prático desta proposta.

O Sr. Presidente: * Com certeza. No entanto, segundo me parece, será o Sr. Deputado José Magalhães a dar essa explicitação.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Mas não é ele o autor da proposta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Mas isso não o impede de sustentar, no quadro do grupo parlamentar, a propositura.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, como toda a gente sabe, esta proposta teve origem numa outra que apresentei, juntamente com outros Deputados deste grupo parlamentar - e vou "passar por cima" daquilo que está por detrás da intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho, que, aliás, não vem ao caso.
A proposta tem, na verdade, um "pai", que é o Deputado Rui Namorado. Isto deve ser dito aqui e aclaro, desde logo, numa manhã que toda a gente fala de autorias, que há algum respeito e alguma solidariedade em relação a uma autoria que é inequívoca e, ainda por cima, de qualidade.
Examinando o artigo 82.º, n.º 4, qualquer hermeneuta que domine minimamente as regras da interpretação jurídica, verifica que ele define o sector cooperativo e social apenas em determinados termos, sendo que na alínea a), onde dificilmente é possível enquadrar as entidades de que se fala na nova alínea proposta, na alínea b), que tradicionalmente, e de forma mais vulgar, engloba os baldios mas também outros meios de produção comunitários, e na alínea c), relativa aos meios de produção explorados colectivamente por trabalhadores, não cabem, claramente, estes meios de produção. São geridos por instituições de natureza vária, mas todas sem carácter lucrativo, designadamente por entidades mutualistas.
Fazer este acréscimo constitucional corresponde, por um lado, à realidade da nossa sociedade e, por outro lado, ao valor que nelas têm estas formas de exploração de meios de produção, que criam, de facto, riqueza e resolvem problemas socialmente relevantes. Portanto, traduz-se em completar o edifício constitucional, adequando-o à realidade e, neste caso, com a virtude de um aditamento que não só não mutila coisa alguma, como revê, num sentido actualista, o texto constitucional.
É este tipo de aditamento que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera virtuoso na Constituição.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): * Sr. Presidente, para usar a formulação inicial do Sr. Deputado que me antecedeu, qualquer constitucionalista sério pode interpretar este n.º 4 actual da Constituição, sobre o sector cooperativo e social, como já subsumindo esta ideia que está nesta proposta nova subscrita pelos Srs. Deputados António Reis, José Medeiros Ferreira, Natalina Moura e agora defendida pelo Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - E pelo Sr. Deputado Jorge Lacão!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente!
Isto até porque os especialistas neste sector discutem se o que as instituições de carácter mutualista ou afins possuem são meios de produção.
Portanto, do ponto de vista do rigor constitucional, a questão que se coloca é esta, Sr. Presidente: há um sector corporativo e social que abrange várias formas jurídicas de organização de titularidade da propriedade - são as cooperativas e são os meios comunitários de baldios, entre outros meios de produção que a Constituição concebe.
Ora, as formas de organização da propriedade que as instituições de solidariedade social e mutualistas detêm estão subsumidas nestas três vertentes que a Constituição consagra, entendimento que, de resto, é pacífico, quer no que toca aos especialistas na área da solidariedade social e de mutualismo quer no que respeita a qualquer constitucionalista rigoroso. Aliás, devo dizer que em relação a esta matéria foi discutido na primeira leitura se os meios que uma entidade mutualista ou que as instituições

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particulares de solidariedade social detêm assumem formas jurídicas de propriedade distintas daquelas previstas na Constituição.
Isto porque as formas jurídicas da propriedade são as que estão previstas aqui, na Constituição, e o que essas entidades têm é outra coisa; essas entidades prestam serviços, sejam de carácter social sejam de carácter mutualista, serviços esses que não se traduzem em formas novas da sucessão da propriedade, dado que estas se esgotam no quadro previsto na Constituição.
Faço esta referência, Sr. Presidente, não porque esta proposta fira algum princípio fundamental, mas porque do ponto de vista do rigor constitucional me parece que está longe de expressar… Aliás, alguns dos Srs. Deputados estão tão preocupados com o rigor da hermenêutica e com os especialistas da hermenêutica constitucional…, quando, nesse quadro, esta proposta colide com esses princípios de rigor.
Por isso, repito, Sr. Presidente: as formas de apropriação de meios de produção que as instituições particulares de solidariedade social e mutualistas detêm subsumem-se àquelas que estão hoje inscritas na Constituição, o resto são serviços que elas prestam na área das suas competências.
Em suma, não fazemos qualquer opção de princípio, mas chamamos a vossa atenção para a ausência de rigor nesta formulação. É porventura uma inovação universal que vamos trazer em relação a este aspecto, Sr. Presidente, mas, em minha opinião, trata-se de uma inovação pouco rigorosa, porque o que está em causa não é a detenção de propriedade por parte das instituições, obviamente. O que está em causa, de facto, é a adequação desta formulação de propriedade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, já foi referido que o PSD entende que este artigo é dispensável na Constituição, pelo que não irei retomar esta questão.
Contudo, as coisas são como são. A manter-se este artigo, como já tinha referido na primeira leitura e a reflexão foi feita positivamente relativamente a uma proposta neste sentido, o PSD entende que no n.º 4 há um certo desequilíbrio, dado que a alínea c), de facto, está a mais. De resto já tínhamos sugerido anteriormente a hipótese da acabar com o artigo das formas auto-gestionárias, simplesmente não foi possível fazê-lo, pelo que julgo que não valerá a pena insistir mais neste aspecto.
Na verdade, quando se fala no sector cooperativo e social, é evidente que entendemos que o artigo depois desenvolve alíneas que têm que ver com o sector corporativo; nomeadamente, fala-se de duas outras realidades, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, que têm que ver fundamentalmente com a questão dos baldios prevista na alínea b) e com formas auto-gestionárias previstas na alínea c).
Ora, do ponto de vista do PSD, o que está em falta (e mal) é o seguinte: se há um artigo que define os sectores de propriedade dentro da trilogia pública, privada, social e corporativa, é evidente que o sector social - que hoje em dia é já uma realidade perfeitamente densificada na ordem jurídica nacional e uma realidade pujante (como já tivemos aqui ocasião de defender a propósito, nomeadamente, dos artigos dos deveres sociais), nomeadamente no que diz respeito às instituições particulares de solidariedade social e das misericórdias - é um sector que, claramente, não está subsumido nem na alínea a), nem na alínea b), nem na alínea c).
Assim, se existe um artigo que faz esta discriminação - e, de facto, entendemos que este artigo é inútil -, já que existe, então que traduza a realidade nacional.
Por isso, entendemos que a proposta reformulada relativamente a uma proposta inicial apresentada pelo Sr. Deputado Rui Namorado - que apontava para o subsector mutualista dentro do sector social, que é mais vasto - já terá sentido, pelo seguinte: numa lógica meramente descritiva que este artigo terá, a utilidade é questionável, mas se é um artigo meramente descritivo, então que descreva a realidade. E ao descrever a realidade, do nosso ponto de vista, fá-la de uma forma correcta ao colocar aqui o sector social, nele destacando (como era a proposta do Sr. Deputado Rui Namorado) o subsector mutualista, que é uma das realidades mais importantes, embora não a mais importante. Aliás, diria que 90% da realidade do sector social são entidades diferentes das entidades mutualistas, mas as entidades mutualistas, de facto, são um subsector que tem uma autonomia identificativa própria e, como tal, a proposta faz sentido.
Consequentemente, o PSD votará favoravelmente esta proposta, na lógica de este artigo ser um artigo descritivo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mesmo em relação à economia de redacção desta proposta, as identidades de natureza mutualista não são também entidades de natureza de solidariedade social? São! Por que é que, então, não fica uma formulação, neste caso mais enxuta, de "meios de produção possuídos e geridos por instituições particulares de solidariedade social"?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria de dizer-lhe que, de facto, partilho dessa dúvida. Confesso-o, com toda a franqueza. De resto, já tive ocasião de exprimir essa dúvida há pouco ao Deputado António Reis e agora ao Deputado José Magalhães, designadamente em relação à formulação final desta alínea. Isto porque não sei se o "bem como" deve ser "bem como" ou se deve ser "designadamente", ou se deve ser "e", que era a redacção inicial e que tinha sido proposta em conversa com o Deputado António Reis, que agora não está presente na sala.
Portanto, de facto, tenho essa dúvida, porque não tenho conhecimento pessoal profundo da realidade mutualista para saber se as entidades nela abarcadas são necessariamente todas de solidariedade social. A verdade é que, partindo do princípio de que eventualmente existem realidades de natureza mutualista que estão um pouco para além da mera solidariedade social, o Dr. António Reis, há pouco, completou a alínea com um "bem como".

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Porém, em resposta à sua questão, confesso que partilho dessa mesma dúvida. O que posso dizer-lhe é que não concordo com deixar de fora, ainda que a título exemplificativo, a realidade mutualista, porque isso seria defraudar aquilo que foi discutido na primeira leitura e a intenção inicial do proponente autor desta norma.
Portanto, julgo que pode ser "bem como", pode ser "designadamente" e pode ser "e", mas "mutualista" deve cá ficar!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado, a expressão mutualista pode ter a ver, por exemplo, com uma entidade financeira. Como é o caso da Caixa Económica do Montepio Geral.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas que tem fins lucrativos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, solicitei a palavra para justificar porque é que sou co-autor desta proposta.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, de facto, sempre faltou neste artigo 82.º, nomeadamente no n.º 4, a referência ao mutualismo, que entendo ser uma das mais nobres, clássicas e tradicionais formas de associação de solidariedade social.
Aliás, para quem saiba um pouco da história dos movimentos operários e socialistas de toda a Europa, nomeadamente nos séculos XIX e XX, o conceito de mutualismo e de mutualidade tem, no sector cooperativo, um destaque especial, sendo mesmo anterior ao sector cooperativo e à noção de cooperativismo. Assim, creio que faz todo o sentido densificar, na nova alínea d), esta realidade actual de solidariedade não lucrativa, através do conceito de mutualidade. Foi esta a razão por que subscrevi esta proposta.

O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
Suponho que do desenvolvimento do debate resultará uma ligeira adaptação na formulação do texto.
Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de dar o seu contributo?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, Sr. Presidente.
Gostaria de referir que a formulação inicialmente proposta, que rezava: "Os meios de produção possuídos e geridos por entidade de natureza mutualista e por quaisquer outras pessoas colectivas sem fins lucrativos, que tenham como principal objectivo a solidariedade social", era inequívoca quanto à natureza das entidades mutualistas.
Julgo que a inversão gerou esta confusão. Todavia, creio que substituímos a expressão "bem como" por "designadamente". Ou seja, embora não se mantenha a primazia no enunciado ao mutualismo, que era a sua virtude originária, apesar de tudo, preserva-se numa menção específica ao mutualismo, que, creio, é relevante e em relação ao qual pensamos que seria negativo fazer-se qualquer eliminação.
Em suma, substituíamos "bem como" por "designadamente".

O Sr. Presidente: - O acolhimento está feito em benefício dos autores da proposta.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta para a alínea d) do artigo 82.º, com esta alteração pontual apresentada pelo PS.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e PSD, contra do CDS-PP e abstenções do PCP.

É a seguinte:

d) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente por entidades de natureza mutualista.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotada a discussão do artigo 82.º, vamos fazer uma interrupção.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Recomeçamos os nossos trabalhos, neste momento, sem a presença do CDS-PP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, está em apreciação o artigo 83.º, para o qual temos as propostas iniciais do PSD e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro que propõem a eliminação do artigo, sendo que a proposta do Deputado Cláudio Monteiro o faz em benefício do artigo 84.º, n.º 1, alínea a).
Por outro lado, acaba de dar entrada na mesa e ser distribuída uma proposta apresentada por Deputados do PS, para modificação do artigo 83.º
Srs. Deputados, em princípio, não haveria matéria nova, mas a verdade é que ela existe tendo em conta que ficou pendente da primeira leitura uma sugestão de redacção apresentada pelo Sr. Deputado Vital Moreira, que é agora acolhida pela formulação apresentada pelos Srs. Deputados do PS.
Srs. Deputados, está, então, em apreciação a proposta que acabo de referir, à luz, naturalmente, daquilo de que decorreu da primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, conforme foi referido na primeira leitura, na impossibilidade de eliminação desta norma do texto constitucional, o PSD mantém a abertura à alteração proposta que o Sr. Deputado Vital Moreira na altura optou por subscrever pessoalmente.
No entanto, constato que nesta proposta do Partido Socialista falta um elemento que na altura tinha sido discutido longamente, que era a questão da substituição da ideia de "correspondente indemnização", por "justa indemnização", que de resto é o conceito que já é utilizado na Constituição da República, nomeadamente, no artigo 62.º, a propósito da propriedade privada.

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Por conseguinte, a primeira questão que quero colocar aos subscritores desta proposta é qual a razão desta alteração, que, parecendo singela, não o é totalmente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação pediu a palavra, mas ao abrigo da regra da alternância, se houver outros pedidos de palavra, não poderei dar-lha agora.
O Sr. Deputado pediu a palavra para uma intervenção autónoma?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado José Magalhães pediu também a palavra, pergunto-lhe se aceita que o Sr. Deputado Carlos Encarnação faça a sua intervenção primeiro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Talvez valha a pena intervir agora, em benefício do debate, Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - De facto, talvez seja melhor, Sr. Presidente, porque toda a gente sabe qual é a nossa posição em relação ao artigo 83.º. Na verdade, esta proposta tem algumas melhorias que queremos salientar.
Porém, gostaria de chamar a vossa atenção para um aspecto que não está, ainda, compendiado no anúncio do que vamos fazer quanto ao artigo 83.º e que diz respeito à epígrafe do artigo 83.º, que, quanto a nós, não tem sentido, tal como está.

O Sr. Presidente: - Está proposta uma modificação, Sr. Deputado.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tal como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu a entender, e tendo em conta aquilo que consta da página 11 do guião que sintetiza os resultados da primeira leitura, quando o Deputado Vital Moreira aventou a possibilidade de reconfiguração da forma como a Constituição alude ao direito à indemnização no artigo 83.º, não se esqueceu de dizer que, a ser encarada uma alteração desse tipo, ela traria sempre, para efeitos de segurança jurídica, uma norma transitória da lei de revisão constitucional que salvaguardasse legislação (como a lei de indemnizações e outra que não esgotou os seus efeitos) e que, a não ser tomada tal cautela, sofreria um efeito negativo de inconstitucionalização, sendo que poderia haver, nessa matéria, uma instabilidade indesejável. Portanto, a preocupação era, também aí, uma preocupação de estabilidade.
A outra solução, que seria alternativa nessa matéria, é não alterar o conceito de correspondente indemnização, tal qual a Constituição o fixa, e que confere ao legislador ordinário margens de actuação e uma liberdade de actuação - ela própria não ilimitada, naturalmente - a ser exercida pela forma e com os limites que decorrem do texto actual, ou seja, com garantias próprias de um Estado de direito democrático, mas sem o exacto regime que decorreria da expressão anteriormente aventada. Por isso, não tomámos essa solução, tomámos, sim, a que está na nossa proposta.
Por conseguinte, a proposta não tem qualquer alteração de fundo, dá cumprimento estrito àquilo que decorreu da alteração ao artigo 80.º. Ou seja, substituir a expressão "apropriação colectiva", que no artigo 80.º foi substituída por "apropriação pública" (o acto através do qual a propriedade pública é adquirida) e substituir a expressão "meios de produção e solos", que é parcialmente redundante, por "meios de produção", como já no artigo 80.º se fez, sendo certo obviamente que os solos são também meios de produção.
Deste ponto de vista, há aqui uma pequena correcção lexical. Não há qualquer alteração de conteúdo e, sobretudo, não há qualquer alteração de status, o que é muito importante para não originar dúvidas interpretativas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, como já tivemos oportunidade de referir anteriormente em relação às propostas de eliminação deste artigo 83.º, o PCP manifesta-se claramente contra.
Aquilo que aqui está é uma faculdade constitucional para que possa haver, por parte do Estado, uma apropriação dos meios de produção e de solos.
Por conseguinte, não obriga ninguém a fazer o que quer que seja; é uma faculdade, pelo que, do nosso ponto de vista, deve manter-se.
Em relação à proposta que agora nos surge, devo dizer que já hoje de manhã tive oportunidade de ouvir numa estação de rádio uma peça sobre a eliminação da expressão "povo" da Constituição. E agora parece que se pretende eliminar a expressão "colectividade"!…

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não acreditou naquilo que ouviu, ou acreditou, sobretudo, face às votações que já tiveram lugar na Comissão Eventual de Revisão Constitucional?...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sabe, Sr. Presidente, é que nestas coisas, nunca se sabe!…
Por conseguinte, gosto de manter a prudência necessária, para não escorregar em opiniões peremptórias.

O Sr. Presidente: - Não acredite em fantasmas, Sr. Deputado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, estamos perante esta proposta apresentada pelo Partido Socialista no sentido de tentar retirar a palavra "colectiva". Porquê? Porque a palavra "colectiva" tem a ver com colectividade, neste caso concreto com colectividade nacional.
Devo dizer, sinceramente, que não nos parece que o que está em causa seja apenas uma questão semântica. Temos para nós que se até hoje nunca foi suscitada qualquer dúvida sobre o significado da expressão "apropriação colectiva", isto é, se não há dúvidas sobre o âmbito e a natureza desta expressão, também não vemos razão para que haja uma alteração da expressão.
Por outro lado, sinceramente, não percebi a justificação apresentada pelo Sr. Deputado José Magalhães para a eliminação

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da expressão "solos", neste artigo. Os "solos" podem ou não ser considerados eventualmente, numa leitura amplíssima, como meios de produção, e nesse caso podem ser legitimamente suscitadas as maiores dúvidas no sentido de que, excluindo a palavra "solos", se possa vir a considerar (se é que ouvi bem a explicação do Sr. Deputado José Magalhães) que os "solos" estão incluídos nos meios de produção.
Neste sentido, parece-nos que esta proposta consubstancia uma redução do âmbito possível de aplicação deste artigo da Constituição, e daí a nossa objecção a que esta proposta seja aceite tal qual foi apresentada.

O Sr. Presidente: - Seguidamente, irei dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para que formule um pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que já estive tentado a fazer um elogio à parcimónia das intervenções do Sr. Deputado, esta manhã, e que gostaria de poder fazê-lo no final desta reunião.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Esteve tentado, devia tê-lo feito, era merecido e, porventura, no final, terá de fazer outro!

Risos.

O Sr. Presidente: - Se for caso disso, fá-lo-ei, com todo o gosto , Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Nunca se envergonhe disso, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Nunca me envergonho do que é justo, Sr. Deputado!

Risos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta, que considero ser fundamental e que diz respeito à sua postura perante este artigo, e perante a bondade com que se pode encarar ou não a modificação do mesmo.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira colocou a questão de uma maneira curiosa. Questionou: "Mas estamos aqui a brincar com o termo colectividade? Estamos a tirar isto por causa da colectividade? Mas a colectividade existe? Ora, Sr. Deputado, a questão não é exactamente essa, como compreenderá.
Assim, a pergunta que lhe quero dirigir é esta: entende o Sr. Deputado que a alteração deste artigo 83.º, tal como é sugerida, coloca um problema ideológico fundamental em relação à "colectivização"? Tira esta ideia da Constituição? É esse o seu receio? Porque, se é esse o receio, deve dizê-lo mais concretamente, para que fique também nas Actas aquilo que pensa sobre esta alteração constitucional. Para nós, esta alteração é positiva e sabemos porquê. Diga-me lá, Sr. Deputado, por que é que acha que é negativa.

O Sr. Presidente: - Apenas a título de esclarecimento técnico - se o Sr. Deputado Octávio Teixeira me consente - gostaria de chamar a vossa atenção para o facto de que a Constituição já prevê a possibilidade de expropriação de solos urbanos, bem como a possibilidade de expropriação de solos rústicos, que são cominações constitucionais que estão, suponho, adquiridas no texto constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente, pela explicação que acaba de dar.
Em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, gostaria e perguntar-lhe o que quer dizer com "colectivização" e passo a explicar porquê.
"Colectivização" quer dizer apropriação pela entidade estatal. Se o Sr. Deputado Carlos Encarnação entende que colectivização quer dizer apropriação por entidade estatal, o "público" quererá dizer o mesmo. Se o "público" quererá dizer o mesmo, a questão que se suscita aqui, do nosso ponto de vista, só pode ser uma: é que se pretende eliminar esta expressão da "apropriação pela colectividade nacional" apenas por razões ideológicas. Essa é que é a questão!
Não é a questão da defesa daquilo que está na Constituição que releva de questões e problemas ideológicos; é a proposta de alteração que releva - eu diria, pelas explicações que me foram dadas -, exclusivamente, por questões ideológicas. Ora, são razões ideológicas que, do nosso ponto de vista, não se suscitam nesta matéria e não devem ser suscitadas. Porque, como há pouco acabei de referir, certamente que ao longo destes 21 anos de Constituição, nunca se suscitaram dúvidas de interpretação sobre o exacto significado da "apropriação colectiva de meios de produção". Por conseguinte, não há razão justa para se fazer esta alteração.
Por outro lado, em relação à questão da expressão solos, Sr. Presidente, devo dizer que aceito como boa e lógica, naturalmente, a explicação dada. Não ponho, minimamente, em causa a explicação que acabou de me ser dada.
Porém, também poderia colocar a seguinte questão: existem, de facto, noutros artigos estes princípios de possibilidade de intervenção e apropriação de solos urbanos e de solos rústicos. Assim, por que razão é que se pretende eliminar a expressão neste artigo? A duplicação duplica a possibilidade? Não duplica! A duplicação faz correr riscos de interpretativos? Julgo que não fará correr riscos interpretativos sobre a Constituição! Pelo que, não vejo qualquer inconveniente em que se mantenha, neste artigo 83.º, a "apropriação colectiva dos meios de produção e solos", mesmo que na parte relativa aos solos já existam outros artigos em que se fala no assunto, na medida em que daí não decorrerão quaisquer riscos. Não sendo eu constitucionalista, apesar de tudo, sempre admitiria, em tese, que a eliminação da expressão neste artigo poderia vir, no futuro, eventualmente, a suscitar alguma dúvida interpretativa.

O Sr. Presidente: - Seguidamente, irei dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
No entanto, uma vez que o Sr. Deputado colocou uma questão suscitada por outra observação minha, quero apenas dizer que entendo que a boa interpretação da Constituição exige sempre uma compreensão global e sistemática, e deve promover, sobretudo em sede de revisão constitucional, uma unificação de conceitos onde isso pode propiciar a boa interpretação constitucional.

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Sucede que, aquando do artigo 80.º, em matéria de princípios, se adopta o conceito de que a "propriedade pública" abrange os recursos naturais e os meios de produção, sem fazer uma descrição extensiva quanto aos solos - desde logo, por se ter entendido que os solos estão inequivocamente abrangidos no conceito de meios de produção.
Portanto, para que não venham a surgir interpretações desfasadas entre o artigo 80.º, que define princípios, e o artigo 83.º, quanto às possibilidades de apropriação pública, deverá haver uma unificação conceptual a favor da melhor harmonia interpretativa da Constituição.
É esta, pelo menos, a observação que faço em relação à questão que colocou. Porém, como não a colocou só a mim, passo a dar a palavra aos outros Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à resposta ao pedido de esclarecimento que formulei ao Partido Socialista quanto à sua proposta inicial, gostaria de chamar a atenção do seguinte: o contexto deste artigo, ainda que com a reformulação que agora tem, é um contexto que está para além da sua própria epígrafe. Ou seja, a epígrafe fala apenas nos requisitos de apropriação, quando o texto, ao falar nas formas de intervenção e de apropriação colectiva, vai mais longe do que a mera apropriação.
Isto não é despiciendo, em minha opinião, porque é a partir deste princípio constitucional que, por exemplo, fica legitimada a legislação ordinária que tem que ver com a requisição, requisição essa que, como os Srs. Deputados sabem, é algo que está para além da lógica de expropriação da propriedade, e portanto, de retirada da propriedade, e apenas tem que ver com o problema da utilização temporária de determinados bens, neste caso, meios de produção. No entanto, é evidente que, tanto nas formas de expropriação como nas de requisição, o critério a utilizar quando existe uma retirada pública da posse tem de ser sempre o critério da justa indemnização.
Penso que este é um princípio que ninguém questiona e foi exactamente à luz deste entendimento, do ponto de vista do PSD, que decorreu a discussão que tivemos aqui, aquando do primeiro debate. Por essa razão, então, é que o Dr. Vital Moreira consagrou na proposta, que avançou como sua (porque, no fundo, como o Sr. Presidente tem a noção, as propostas que surgem no guião como do Dr. Vital Moreira, em muitos casos, só impropriamente assim o são, porque o anterior Presidente, quando no decurso do debate, havia uma síntese num determinado sentido, tinha o hábito de, ele próprio, optar por formular, no papel, em seu nome e para facilitar o andamento dos trabalhos, uma proposta que no fundo tinha decorrido do debate.
Penso que este é um caso típico, não era uma proposta originária, pessoalmente, do Dr. Vital Moreira, mas foi uma proposta resultante do debate que mantivemos na primeira leitura; também desse debate resultou, como um dos princípios fundamentais que, quer na expropriação quer na requisição, mas em todos os casos em que exista uma retirada da posse relativa a determinados bens por interesse público, deva haver sempre a salvaguarda do princípio da justa indemnização.
Ora acontece que, actualmente, é a Constituição que, no artigo 62.º, fala da justa indemnização, mas é apenas no contexto da expropriação e não em outras formas de intervenção pública. Portanto, no entender do PSD, este princípio da justa indemnização continua a justificar-se aqui, nesta sede, porque o âmbito deste artigo é claramente mais lato do que o n.º 2 do artigo 62.º, que está actualmente em vigor, relativamente à expropriação de bens de propriedade privada. Neste artigo não se fala apenas de expropriação, fala-se também de outros tipos de intervenção pública sobre meios de produção e, portanto, o princípio da justa indemnização deve ser aqui reafirmado.
Foi precisamente à luz desta lógica, que, nessa altura o Dr. Vital Moreira, com os seus conhecimentos profundos em matéria constitucional, como todos sabemos, e com os cuidados e as cautelas profundas que tem, suscitou a dúvida, que também consta do guião, de saber até que ponto é que, com esta alteração, numa lógica de jurisprudência de cautelas - porque é apenas dessa lógica que se trata -, esta nota consta do guião não seria de reafirmar, não propriamente no texto constitucional mas na lei de revisão e numa norma transitória, que esta alteração à redacção do artigo 33.º não tinha efeitos retroactivos no sentido de prejudicar a legislação pós-revolucionária, que tem que ver com a lei das indemnizações e que está em vigor actualmente, ainda que residualmente. E residualmente porque se trata apenas da sua aplicação em situações historicamente determinadas e já não a situações novas.
Portanto, penso que subsiste este problema. De facto, gostava que houvesse em princípio, da parte de todos os Srs. Deputados, em particular dar parte do Partido Socialista, porque é o necessário para a alteração do texto constitucional, a reponderação desta questão, porque a afirmação aqui do princípio da justa indemnização não é uma mera repetição do que está no artigo 62.º. O artigo 62.º tem que ver, exclusivamente, com formas de expropriação e este artigo é mais do que isso, daí a bondade da reafirmação, nesta sede, de um critério, que num Estado de direito tem necessariamente de se aplicar, que é o critério da justa indemnização.
E mal irá o legislador constituinte se mantiver no mesmo texto constitucional o princípio da justa indemnização para a expropriação em termos de direitos fundamentais e depois, aqui, em sede de organização económica, preconizar a apropriação pública por critérios a que, deliberadamente, o constituinte não chama justos, e por critérios apenas correspondentes - assim tendo de se tirar a ilação de que o legislador fará como melhor convier em cada momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, só para duas notas. Por um lado, porque na primeira leitura debatemos bastante este preceito e podemos invocar a doutrina. E, quanto à doutrina estabelecida nesta matéria, permitam-me que invoque aquela que é um pouco por todos, segundo creio, considerada a mais elaborada Constituição Anotada, posterior à Revisão Constitucional de 1989, comentando este preceito. E aquilo que tem vindo a ser afirmado como o sentido deste preceito é sucintamente o seguinte, e vou citar: "(…) ao falar de intervenção ou apropriação colectiva, o preceito só pode querer referir-se à intervenção da colectividade, o que no presente contexto

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é equivalente (…) - sublinho, 'equivalente' - (…) à intervenção e apropriação pública, isto é, do Estado e demais entidades públicas. Na verdade, não é outro o sentido da expressão 'apropriação colectiva' que decorre das pertinentes posições constitucionais, designadamente o artigo 80.º (…)".
Por outro lado, em relação à segunda questão colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, "(…) quanto aos meios e formas de intervenção e de apropriação dos meios de produção (…) - e continuo a citar - (…) devem ter-se por incluídos não apenas os meios de intervenção directa na estrutura da propriedade dos meios de produção seja por via de nacionalização ou de expropriação, seja por outros meios, mas também as formas de intervenção pública na gestão e exploração dos meios de produção de outros sectores, que não o sector público (…)".
Creio, Sr. Presidente, que, em relação à benfeitoria ou, digamos, à revisão lexical decorrente desta primeira proposta do Partido Socialista, a objecção deve ser ponderada com cuidado. Não a creio fundada, por uma razão muito simples: como demonstra a primeira leitura, aquilo que se vai sublinhar, agora, são dimensões como a estatização, a regionalização e a municipalização, como as dimensões normais desta apropriação colectiva, ou pública, dos meios de produção.
Não há dúvidas de que se se incluem os solos, sobretudo tendo em conta que a revisão feita do artigo 80.º inculca rigorosa e precisamente isso. A norma foi reescrita tendo em conta uma selectiva includente e não excludente. Portanto, creio eu, não há qualquer possibilidade nem arrimo nas Actas da Comissão da Revisão Constitucional no sentido de uma interpretação excludente. Ainda que houvesse uma interpretação excludente, a Constituição continua a consagrar, em relação aos solos e diversos tipos de solos, as normas que permitem as formas de apropriação pública adequadas. Por conseguinte, creio que, por aí, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só numa óptica da desnecessidade absoluta; não há uma necessidade absoluta, obviamente, mas também não há uma desnecessidade absoluta de variar a escrita, deste ponto de vista.
A segunda observação e respondendo também ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, digamos que numa segunda explicação e complementar: a norma actual, a da correspondente indemnização, não é interpretada pela doutrina como uma "cláusula branca", como um "cheque em branco", permitindo consagrar aqui uma espécie de "injusta indemnização", por oposição à "justa indemnização". Ou seja, a doutrina sempre interpretou esta norma como querendo dizer que se excluem também as chamadas indemnizações irrisórias, írritas ou de montante exíguo, as quais não cabem nem na letra nem no espírito desta norma, ou seja, aquilo que se configura aqui é maior maleabilidade, sem dúvida!, mas dentro dos limites próprios de um Estado de direito democrático.
Até por isso, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a operação de "respiga" do preceito não tem justificação. Seríamos obrigados a tomar tais medidas de segurança, em sede de disposições transitórias, para preservar qualquer possibilidade… Repare, não estamos a fazer Constituição, estamos a fazer Revisão Constitucional; não estamos a ditar a actividade das entidades que se movem à sombra da Constituição, designadamente a actividade de titulares de bens que foram atingidos por medidas, no período pré-constitucional, contra as quais naturalmente essas entidades têm o direito de se rebelar. Portanto, nessa matéria, é preciso ter cautela.

O Sr. Presidente: - Para a sua segunda intervenção, neste ponto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, eu começaria pela explicação que o Sr. Deputado José Magalhães agora deu.
Por nossa parte e até por aquilo que ele acabou de referir, consideramos que há, de facto, uma desnecessidade absoluta de fazer esta alteração, de passar de "apropriação colectiva" para "apropriação pública". É porque não há razão alguma, do ponto de vista substantivo, que justifique esta alteração. Por conseguinte, ela só pode decorrer (e a sua proposta só pode decorrer) de razões que não têm a ver com a substância da matéria, com a aplicação e a interpretação da norma, e, portanto, só pode haver razões de carácter claramente ideológico - mas, diga-se de passagem, do meu ponto de vista, o carácter ideológico, aqui, é erradamente aplicado.
Em relação à questão dos solos, ouvi a referência ao artigo 80.º, mas, desculpa, julgo que o que terá ficado aprovado em termos de aprovação indiciária, na alínea c), é a "Propriedade pública de meios de produção e de solos"…

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. É "Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo". A norma foi alterada quanto à sua proposta originária.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por conseguinte pretende-se fazer a interpretação deste artigo 80.º, no sentido de que os solos estão nos recursos naturais.

O Sr. Presidente: * Exactamente, Sr. Deputado!, essa foi a interpretação unanimemente feita aquando da votação desta norma.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Essa foi a interpretação unanimemente feita aquando da votação desta norma.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Assim sendo, o que de facto se diz no artigo 80.º é "a propriedade pública de", mas não se diz que essa propriedade pública pode ser adquirida nem como é que ela pode ser adquirida. É a propriedade pública de recursos naturais, no caso concreto, para nos referirmos à problemática dos solos, da propriedade que existe ao longo dos tempos, ou (não está definida ou estará definida) onde a possibilidade de o Estado se apropriar de outros recursos naturais que, neste momento, não sejam propriedade do Estado.
Por conseguinte, julgo que no artigo 80.º se fala é da possibilidade da existência ou da necessidade da existência de "propriedade pública de", mas a forma de apropriação colectiva, do meu ponto de vista, não ficaria consagrada se se aceitasse tout court a proposta apresentada, agora, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, na parte respeitante aos solos.

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Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à questão suscitada pelo PSD relativa à alteração da correspondente indemnização pela justa indemnização: o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu que já não estamos no período pós-revolucionário. Isto é um facto incontornável e indiscutível. Já passaram muitos anos sobre esse fase.

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

Infelizmente assim é!
Agora, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a questão é a seguinte: nada por nada pode impedir que, no momento presente, num futuro longínquo, num futuro próximo, o Estado sinta a necessidade. Um facto de estado de necessidade, como é referido, por exemplo, pelo Sr. Prof. Vital Moreira, num estado de necessidade em que o Estado sinta a necessidade de fazer essa intervenção ou mesmo apropriação; assim como em caso de situações em que o funcionamento de uma determinada estrutura produtiva possa ser considerado publicamente e pelo Estado como de gravidade para o País por exemplo, com efeitos graves para o País, em qualquer das suas dimensões.
Nessa altura, lógica e naturalmente, do meu ponto de vista, podendo haver uma indemnização, como está neste momento prevista no artigo 83.º, nada justifica (ou nada poderá impor, se quiser) que essa indemnização, em situações dessas - extremas, reconheço! -, se possa suscitar a necessidade de que o Estado, para fazer essa intervenção ou para fazer essa apropriação, tenha de fazer uma apropriação, ou uma expropriação, ou uma intervenção com uma indemnização economicamente ou financeiramente justa. Porque quando se pretende substituir, do meu ponto de vista, a expressão "adequada" por "justa", está-se e pretende-se que se venha a raciocinar no futuro em termos de económico ou financeiramente justa.
Ora, poderá haver situações, em casos extremos, pelo menos, nos quais, por haver um imperativo constitucional, se justifique que se proceda a uma indemnização, que essa indemnização não venha a ser justa, nesses termos - em termos de valor real e económico financeiro; porque a situação pode ser ou pode corresponder e determinar outro tipo de intervenção, embora sem pôr em causa o princípio da indemnização.
Por outro lado - e mais uma vez tenho de me penitenciar pelo facto de não ser constitucionalista -, tendo em conta, precisamente, os textos que o Dr. Vital Moreira deixou à Comissão, julgo que a aprovação de uma norma destas, a substituição de "adequada" por "justa", poderia - e não sei se será este o objectivo do PSD, normalmente não gosto de fazer juízos de intenções - vir a reabrir todo o processo das indemnizações decorrentes das privatizações registadas em 1974. Ora, do nosso ponto de vista, julgo que isso seria, de todo em todo, manifestamente inconveniente e inaceitável.
Portanto, são estas as razões que suscitam a nossa objecção a estas alterações.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos em condições de fazer a seguinte síntese do debate: as propostas de modificação, apresentadas pelo PS, mereceram o apoio da parte do PSD, no entanto, o PSD propõe uma outra alteração no que diz respeito à questão da indemnização, matéria essa que, por sua vez, não foi aceite pelo PS.
Há, assim, propostas distintas quanto aos primeiros segmentos da proposta do PS, quanto à última alteração e quanto à qualificação da natureza da indemnização proposta pelo PSD, pelo que vamos ter de fazer votações separadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, uma vez que vamos passar às votações gostaria de referir que há uma questão que não foi aqui debatida, que é o tempo do verbo, isto é, em vez de estar no futuro passar a estar no presente, ou seja, "a lei determina os meios e as formas de intervenção".
De facto, o texto constitucional utiliza sempre o presente e aqui, estranhamente neste artigo, está o futuro. Portanto, era só uma pequena rectificação que gostaria de ver feita.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, havendo compreensão para esse efeito, passaremos o tempo do verbo que está no futuro para o presente.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, vamos votar as duas propostas de modificação, apresentadas pelo PS e pelo PSD, incluindo nesta votação também a alteração da epígrafe.
Assim, vamos passar à votação da proposta de modificação do artigo 83.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e abstenções do CDS-PP.

É a seguinte:

1 - Tendo em conta as alterações introduzidas na alínea c) do artigo 80.º, propõe-se a substituição:
- da expressão apropriação colectiva por "apropriação pública".
- da expressão dos meios de produção e solos por "dos meios de produção".

2 - A epígrafe deve ser adequada a esta alteração.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar, agora, à votação da proposta de modificação do artigo 83.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

(...), bem como os critérios de fixação da justa indemnização.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, assim, a fórmula que resultou destas votações, quanto ao artigo 83.º, é a seguinte: "A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização."

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Srs. Deputados, assim, passamos à votação do artigo seguinte sem, no entanto, deixar de lembrar que não votámos a proposta inicial do PSD porque foi retirada face aos consensos posteriormente adquiridos e que, quanto à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro ela implicava a votação do artigo 84.º, alínea a), que votaremos agora, quando entrarmos no artigo 84.º.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, gostaria de deixar registado que a abstenção do Partido Popular em relação à proposta de alteração do PS se ficou a dever não a qualquer discordância, mas ao facto de, tal como disse o seu autor, se tratar de mera correcção lexical, a votação favorável em relação à proposta do PSD, por nos parecer que seria uma alteração de substância necessária, não querendo deixar de dizer que gostaríamos de ter votado a proposta de eliminação apresentada em primeira análise pelo PSD, mas ficámos impedidos de o fazer, uma vez que a proposta foi retirada.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, quanto ao artigo 84.º temos a seguinte situação: apenas propostas constantes dos projectos originários, sem qualquer alteração superveniente. Assim, proponho que nessa circunstância passemos às respectivas votações.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do artigo 84.º, n.º 1, alínea b), apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, votos a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro e abstenções do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Era a seguinte:

b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido por lei ao proprietário ou superficiário.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de nova alínea do artigo 84.º, n.º 1, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP e votos a favor do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

f) As instalações e equipamentos militares;

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o PSD votou contra a inclusão desta nova alínea, fundamentalmente, por entender que resultaria incorrecta, na formulação de quem a propôs, a interpretação no texto militar de que todas as instalações e equipamentos militares são parte necessária do domínio público.
Aquilo que é o chamado domínio público militar está já hoje em dia definido na lei. Portanto, do nosso ponto de vista, a sua constitucionalização resulta da actual alínea f) que fala em "outros bens como tal classificados por lei", outros bens onde se incluem, para além do domínio público militar, coisas tão importantes como, por exemplo, a rede eléctrica. A rede eléctrica de transporte é hoje em dia de domínio público, nos termos da lei ordinária, não tem qualquer constitucionalização expressa, tem uma constitucionalização que resulta da actual alínea f) da Constituição.
Parece-nos, também, que o domínio público militar tem até vantagem na desburocratização de determinados tipos de mecanismos que, hoje em dia, se tornam necessários, no sentido de aproveitamento de instalações militares para outros fins. Posso dar aqui o exemplo da eventual desafectação, alienação ou transferência para o Ministério da Educação para instalação de uma escola, para instalação de um refeitório militar ou de um armazém militar que esteja no domínio militar.
Portanto, é bom que seja o legislador ordinário a cuidar da regulamentação deste tipo de situações - não vemos que assistam, sequer, razões de uma qualquer prioridade do interesse público, no sentido de constitucionalizar aquilo que já hoje em dia é o significado útil da actual alínea f) da Constituição e que resulta da legislação ordinária.
Assim, a haver uma prioridade, então a pergunta que o PSD devia fazer era porquê as instalações militares e não um conjunto de outros bens que, hoje em dia, ao abrigo da alínea f) da Constituição são do domínio público? Já citei aqui a rede eléctrica de transportes e o espectro radioeléctrico, por exemplo, que são bens do domínio público nos termos da lei ordinária, e não vejo qual a prioridade que as instalações militares devem merecer.
O resultado da constitucionalização de uma matéria como esta seria, necessariamente, a burocratização de um processo que hoje em dia é um processo necessário de modernização das próprias Forças Armadas.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, sabemos que o elenco dos bens do domínio público está constitucionalizado a título indicativo e não taxativo, ou, melhor dito, a título não taxativo. Portanto, nesse sentido podemos passar agora à votação da proposta do artigo 84.º-A, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro. O n.º 1 desse artigo, em boa verdade...

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, presumo que foram reprovadas ambas as propostas de eliminação do artigo 83.º

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, trata-se exactamente disso no que diz respeito ao artigo 83.º, portanto, nesse caso, o n.º 1 da sua proposta é dada como prejudicada.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * O n.º 1 e os outros.

O Sr. Presidente: - Os outros números da proposta, verdadeiramente teriam o alcance a propósito dos artigos correspondentes na Constituição, ou aceita que votemos desde já?

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Os números restantes correspondem, essencialmente, a uma revisão do actual artigo 89.º, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Exactamente, por isso é que eu me referi a isto. O Sr. Deputado quer manter em suspenso a votação dos n.os 2 e 3 até chegarmos aos artigos a que se refere?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * É preferível, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Assim se fará.
Srs. Deputados, vamos, então, ao artigo 85.º, para o qual há uma proposta que acolhe o consenso que julgo ter ficado admitido na primeira leitura, no sentido do transvase deste artigo para as disposições transitórias, onde, de resto, já há regulamentação quanto ao enquadramento das privatizações que vierem a ser feitas, ou que estão a ser feitas, ao abrigo deste artigo.
Srs. Deputados, não há, verdadeiramente, matéria nova, apenas agora uma proposta no sentido de alteração sistemática. Como essa alteração sistemática tinha sido, de facto, já admitida em primeira leitura, penso que estamos em condições de votar. Naturalmente, se a proposta vier a ser aprovada, quando chegarmos às disposições transitórias, teremos de fazer um reenquadramento deste artigo com o artigo respectivo que regulamenta o processo das privatizações e enquadra a lei-quadro actualmente em vigor.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não discordo da sua metodologia, só que para facilitar até o decurso dos trabalhos, gostava apenas que, à semelhança do que o Sr. Presidente tem vindo a fazer nomeadamente ao longo da reunião da manhã, fosse suscitado aos grupos parlamentares se há alguma mudança de posição relativamente aquele que foi o entendimento generalizado da primeira leitura. Isto porque, se for esse o caso, é evidente que o PSD concorda que se passe imediatamente à votação; se há alterações de posições, o PSD gostava de conhecê-las e aos seus fundamentos até para, eventualmente, ponderar algumas propostas de alteração.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, do que resulta da proposta apresentada por Deputados do PS, da parte do PCP não houve, seguramente, alteração da posição decorrente da primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não sei se há ou não alteração da posição do PCP em relação à primeira leitura, peço desculpa por isso, porque não tenho neste momento presente qual foi a posição que o PCP assumiu nessa altura,...

O Sr. Presidente: * Não fez objecção na altura, segundo me parece, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … embora me pareça que é extremamente difícil que haja uma abertura, pelo menos total e completa, para este transvase, como o Sr. Presidente o referiu. Na medida em que, do nosso ponto de vista, esta matéria dificilmente poderá consagrar ou ser consagrada como matéria meramente transitória.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não é! Está delimitada no tempo!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Está delimitada no tempo em que perspectiva, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Octávio Teixeira, quando uma norma está enquadrada em disposições finais e transitórias, ela pode não estar condenada a uma delimitação temporal para efeitos da sua validade e eficácia, porque as normas, afinal na Constituição, para além de transitórias, são também finais.
Significa, de facto, que houve aqui um consenso quanto ao aspecto datado desta norma. Ora, como verdadeiramente o alcance que ela produziu está contido no artigo 296.º, que enquadra os princípios a que a lei-quadro das privatizações veio obedecer, a junção de ambas as normas, a do actual artigo 85.º, ainda que eventualmente adaptado (depois se veria), com a do artigo 296.º, cuja supressão não se pede, mantendo-se em sede de disposição final, é uma articulação sistemática, aparentemente mais coerente. Esse foi o resultado da primeira leitura.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que lhe faça um pedido de esclarecimento?

O Sr. Presidente: * Com certeza.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Presidente, há pouco, tinha sugerido a hipótese de não ser discutido agora e ser discutido posteriormente quando fossem discutidas…

O Sr. Presidente: * Não. Agora vota-se a alteração sistemática e depois, quando chegarmos à apreciação das disposições finais e transitórias, veremos se há lugar a alguma articulação material do disposto actual do artigo 85.º com o disposto no artigo 296.º
Mas agora não se trata de modificar o conteúdo do artigo 85.º, para ser totalmente claro; trata-se, neste momento, apenas de deliberar a sua transferência de lugar na Constituição. Mais tarde, veremos se há ou não lugar a alterações materiais.
Neste momento, é apenas a questão sistemática que vamos sujeitar a votação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não tenho qualquer proposta dos Deputados do PS que me tivesse sido distribuída. Só oralmente!

O Sr. Presidente: * Não. É a proposta n.º 106, Sr. Deputado. Já foi distribuída às bancadas.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta n.º 106 de modificação do artigo 85.º, apresentada pelo PS.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

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É a seguinte:

Tendo em conta a natureza da norma, na sequência da revisão constitucional operada em 1989, propõe-se que a mesma seja reinserida em sede do artigo 296.º

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Queria fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o Partido Social-Democrata quer congratular-se com a possibilidade de, nesta revisão constitucional, se ter acabado, em princípio de vez, com um desequilíbrio manifesto que o texto constitucional continha em matéria de organização económica, nomeadamente em matéria que tem a ver com a problemática das nacionalizações e das privatizações.
Como o PSD teve ocasião de explicitar aquando do debate que aqui tivemos na primeira leitura, existe, hoje em dia, no texto constitucional um manifesto desequilíbrio no sentido de que a legislação ordinária que diz respeito à actividade política ou governamental de nacionalização de bens é uma matéria que não merece qualquer tratamento constitucional privilegiado, é matéria que decorre, ou poderá sempre decorrer de legislação ordinária.
Havia um desequilíbrio na nossa Constituição, fruto histórico daquilo que nós sabemos, nomeadamente do processo revolucionário pós 25 de Abril.
De facto, se era certo que para a nacionalização não se exigia qualquer maioria especialmente qualificada e bastaria, na lógica de funcionamento de um Estado de direito democrático, uma qualquer legislação aprovada por maioria simples para operar mecanismos de nacionalização, já quanto à privatização ou à reprivatização de bens exigiam-se seguranças acrescidas, exigiam-se travões acrescidos que denotavam uma postura programática da parte da nossa Constituição, que era de todo em todo incorrecto e que expressava o tal desequilíbrio.
Com a supressão definitiva deste artigo 85.º - que, como todos sabemos, é o herdeiro do célebre artigo da irreversibilidade das nacionalizações, e que já tinha sido retirado da Constituição, em 1989 - repõe-se um princípio de igualdade e de proporcionalidade adequada, em termos políticos, na Constituição, tratando de igual forma os mecanismos políticos a que as maiorias em cada momento podem deitar mão, quer de nacionalização quer de subsequente privatização. É assim em qualquer Estado moderno, é assim em qualquer Estado de direito democrático e o PSD não pode deixar de se congratular com esta alteração à Constituição.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados, a função desta norma não é a título algum reescrever a história, não é essa a função das revisões constitucionais. A função desta reinserção sistemática, e é tão-só uma organização sistemática, é ter em conta que, em 1989, este preceito viu alterada a função originária do artigo 83.º. Tornou-se numa norma aplicável só a certos tipos de meios de produção, os meios nacionalizados depois do 25 de Abril, e no contexto das garantias previstas no artigo 296.º, as quais visavam impedir que esse património fosse, a qualquer título, utilizado fora de um clausulado estrito.
A partir daí passaram a vigorar dois regimes: o regime do artigo 85.º e o regime decorrente da Constituição no artigo 168.º, n.º 1, alínea l), o qual atribui à Assembleia da República ou ao Governo, mediante a autorização desta, competência para legislar sobre os meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos, por motivos de interesse público, bem como critérios de fixação daqueles casos de indemnizações.
A partir daí, ficou bastante claro que se trata de uma norma, a do artigo 85.º, digo eu, cujo carácter está ligado à fase histórica em que nasceu, mas que tem hoje na arquitectura da Constituição uma função que é a própria dos artigo que estão nos artigos 296.º e seguintes.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, queria, em termos de declaração de voto, referir o seguinte: votámos, neste momento, e optámos por uma abstenção apenas e exclusivamente em benefício da dúvida da posição que teria sido assumida pelos Deputados do Partido Comunista Português da primeira leitura sobre este artigo, porque não tenho possibilidade - e a Comissão disso não tem responsabilidade alguma, neste momento - de ter a certeza absoluta da posição que foi assumida, em princípio, na primeira leitura em relação a este artigo. Embora as dúvidas que há pouco tenha suscitado a nível pessoal se tenham agravado com a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
A questão que está eventualmente aqui presente - e é evidente que da nossa parte teremos sempre a possibilidade de fazer a votação, em última análise, quando for o caso disso, no Plenário - não é apenas uma problemática de mera reinserção sistemática, é talvez, ou pode ser, a questão de se tentar retirar da Constituição, de uma vez por todas, depois das alterações que houve em revisões anteriores, a problemática das nacionalizações depois do 25 de Abril.
Nessa perspectiva, e repito, a nossa abstenção teve em conta apenas o benefício da dúvida sobre a posição que teria sido assumida pelos meus camaradas na primeira leitura e, por conseguinte, não será certamente uma posição definitiva do Grupo Parlamentar do PCP sobre esta alteração do artigo 85.º

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o PSD tinha proposto inicialmente a eliminação do artigo; esta proposta dou-a como retirada em benefício da votação que entretanto teve lugar.
Por outro lado, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem uma proposta de alteração de conteúdo. Como fizemos uma alteração sistemática, e no momento de apreciarmos as disposições finais voltaremos ao tema, proponho que a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro vá "a reboque" da alteração sistemática agora proposta para ser apreciada nesse momento.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sim, até porque a alteração do conteúdo era mínima e pouco relevante, a não

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ser na parte que diz respeito à alteração da epígrafe, mas presumo que a fusão dos dois artigos até poderia conduzir a uma epígrafe mais próxima desta do que daquela do texto aprovado.

O Sr. Presidente: * Ela acompanha, portanto, a alteração sistemática.
Vamos agora passar ao artigo 86.º
Em primeiro lugar, temos uma proposta de eliminação do artigo, constante do projecto do CDS-PP, matéria que já foi objecto de devida apreciação.
O Sr. Deputado Ferreira Ramos está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Para retirar a proposta de eliminação por parte do CDS-PP, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Esta proposta é, portanto, retirada pelos seus autores.
Há duas proposta de eliminação do n.º 3 do artigo 86.º, constantes dos projectos iniciais do PSD e do projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação, em simultâneo, das propostas de eliminação do n.º 3 do artigo 86.º, apresentadas pelo PSD e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de modificação do artigo 86.º, n.º 2, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como as condições mais favoráveis à obtenção de crédito, de auxílio técnico e de acesso a subsídios, subvenções ou comparticipações financeiras de origem interna ou externa.

O Sr. Presidente: * Não alterámos a epígrafe porque, devido às votações feitas, as votações das propostas de alteração da epígrafe ficaram prejudicadas.
Srs. Deputados vamos passar ao artigo 87.º, para o qual temos as seguintes propostas: uma proposta de modificação do n.º 1, apresentada agora em segunda leitura por Deputados do PS; uma proposta comum a Deputados do PS e do PSD para alteração do n.º 3.
Suponho que a proposta de eliminação do actual n.º 1, apresentada no projecto originário do PSD e também no projecto do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, deve ser votada com precedência.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, eu não proponho a eliminação do n.º 1.

O Sr. Presidente: * Não propõe, Sr. Deputado? Então foi um erro meu de interpretação quanto à sua proposta. Peço-lhe desculpa.
Apenas o PSD propõe a eliminação do n.º 1. Portanto, é por aí que começaremos a votação, não é Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas primeiro vamos discutir!

O Sr. Presidente: * Esta parte não é nova; a parte nova é a que virá a seguir, se a eliminação não for feita.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o projecto originário do PSD propõe a eliminação do actual n.º 1 do artigo 87.º
Para o n.º 1 actual há propostas de modificação apresentadas, em segunda leitura, pelo PS. O que eu estava a dizer era que, antes de entrarmos na apreciação de eventuais propostas de modificação, conviria dirimir a questão de eliminação que o PSD propõe. Propunha, à cabeça, essa votação, salvo se o PSD retirar essa proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr. Presidente. O Sr. Presidente talvez não tenha participado pessoalmente na discussão desta proposta na primeira leitura, mas quem o fez recordar-se-á de que o PSD, face a uma proposta já então na altura avançada oralmente pelo Partido Socialista no sentido de introduzir aqui, neste artigo, a ideia de protecção às pequenas e médias empresas, manifestou a sua receptividade a isso, desde que fosse retirado do contexto inicial de estigmatização das empresas privadas relativamente ao cumprimento da Constituição e da lei.
Uma vez que isso consta da proposta que temos sobre a mesa para discutir a seguir, o PSD retira a sua proposta, na exacta medida em que existe uma proposta nova que contempla as nossas preocupações na primeira leitura.

O Sr. Presidente: * Sendo assim, vou perguntar aos Srs. Deputados autores da proposta se desejam usar da palavra neste momento.
Para já, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, não posso requerer que seja votada a proposta que foi retirada pelo PSD, mas posso fazer uma proposta no mesmo sentido.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pode assumi-la!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Ferreira Ramos, desculpe, mas não percebi. Deseja fazer sua a proposta de eliminação do n.º 1?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Exacto.

O Sr. Presidente: * Mesmo à luz da proposta de substituição apresentada pelo PS?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Exactamente.

O Sr. Presidente: * O problema é que essa proposta teria de ser materializada e não foi. Foi retirada pelo PSD e o PSD materializou-a verbalmente, mas não há uma proposta concreta nesse sentido.

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Bom, mas para simplificar, vamos submeter a proposta à votação e depois o Sr. Deputado Ferreira Ramos fará chegar à mesa uma proposta de eliminação do n.º 1 da autoria do CDS-PP.
Assim, tomando-a como sendo do CDS-PP, vamos votar a proposta de eliminação do n.º 1 do artigo 86.º

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para apresentar a proposta do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, creio que já há muitos anos desapareceu o efeito estigmatizante que este artigo porventura alguma vez teve; seguramente, ele não existiu da parte de todos os partidos com assento nesta Comissão e, sobretudo, a ter alguma vez existido, não há qualquer razão para que a norma seja hoje interpretada nesse sentido.
Em todo o caso, também não nos pareceu haver razão para a norma não ser reconfigurada, tendo em atenção aquele que é hoje um generalizado consenso na sociedade portuguesa sobre o papel das empresas do sector privado e sobre as obrigações do Estado nessa matéria. As obrigações são, sintetizando tudo numa palavra, de incentivo, mas também obrigações de garantia do cumprimento da legalidade democrática, à qual o mundo empresarial não pode, por definição, estar imune.
É isso, basicamente, que a proposta do Partido Socialista refere, fazendo uma menção, na parte final, às chamadas "empresas de interesse geral", e permita-me que faça duas considerações nessa matéria.
Está a assistir-se, em sociedades como a nossa, a um processo evolutivo nos termos do qual tende a haver uma redução gradual no âmbito dos chamados "serviços de interesse económico geral", que eram aqueles que, segundo a doutrina económica, deveriam ser exercidos, por razões de eficácia, de protecção de consumidores ou de coesão, por entidades estaduais sem interferência de entidades privadas. A esse conceito vem-se substituindo a ideia de que é possível, em diversos sectores, que determinadas actividades com um carácter de serviço e interesse económico geral possam ser exercidas ou coadunarem-se com a iniciativa privada, sem prejuízo, naturalmente, da actividade reguladora e ordenadora de entidades públicas ou de entidades de natureza mista em cuja gestão o Estado ou outras entidades públicas tenham uma influência relevante ou mesmo, se necessário, predominante. São as chamadas "empresas de interesse geral".
Essas empresas vieram para ficar, têm um papel positivo, devem ser, obviamente, reguladas e enquadradas e é bom que se lhes faça uma referência na economia do artigo 87.º, n.º 1, da Constituição, por um lado, porque existem, por outro lado, porque têm um estatuto especial e merecem uma referência a esse estatuto.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, vou intervir a título pessoal em relação a este artigo proposto.
Compreendo que haja aqui alguma bondade em relação ao n.º 1 existente e creio que a compreendo, só que, em primeiro lugar, entendo que não é necessário, e é francamente excessivo, estarmos aqui a dizer o que estamos a dizer neste artigo. Isto é, diz-se que "O Estado incentiva a actividade empresarial, (…)", e isso é bom, é melhor do que o que cá estava, mas não me parece necessário que se diga, a seguir, "(…) em particular das pequenas e médias empresas (…)", pelo seguinte: será só isto que o Estado incentiva? Será que esta não é uma medida política…

O Sr. José Magalhães (PS): * Neste artigo, é. Este é o artigo sobre as empresas privadas.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sim, as empresas privadas em geral. Mas será só isto que o Estado se compromete a incentivar? Isto é, não será bom e útil para a economia que haja outras empresas, empresas de outra dimensão, que o Estado também pode incentivar e apoiar? Limitam-se apenas a estas? São apenas estas as empresas geradoras de emprego, de progresso económico? São essas que, a cada momento, se justifica, em termos…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, permita-me que faça um parêntesis apenas para sublinhar que, com esta formulação, se admite que, na ordem jurídica, o Estado possa estabelecer discriminações positivas a favor das pequenas e médias empresas e esse é um valor para uma economia que, como a portuguesa, tem nas pequenas e médias empresas um valor estruturante.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, mas não estou a dizer o contrário! O que estou a dizer é que há aqui duas coisas: em primeiro lugar, há uma afirmação de princípio, que é a do incentivo do Estado à actividade empresarial, e, em segundo lugar, pode haver justamente isso que o Sr. Presidente acabou de dizer, isto é, uma discriminação positiva das pequenas ou médias empresas, ou outras empresas quaisquer, em relação às quais o Estado entenda que, do ponto de vista da actividade económica, devem ser privilegiadas. É este o sentido da minha intervenção.
Por isso, entendo que é um pouco redutor estarmos a fazer isto desta maneira e com esta redacção. Penso que podíamos pensar numa redacção francamente melhor para este preceito, embora eu considere, repito, que esta redacção, quando comparada com a existente, é positiva, isto é, a redacção actual é pior.
A segunda questão que gostaria de referir tem a ver com o seguinte: a parte final desta norma também não me parece especialmente feliz, porque é evidente que a fiscalização do "(…) cumprimento das respectivas obrigações legais (…)" deverá dizer respeito a uma atitude particular do Estado e a uma obrigação particular, também do Estado, assumida em relação a um conjunto de incentivos que lhe são colocados. Penso que isso deveria ser mais claramente dito na redacção da norma.
Na parte final desta norma é que me parece haver um aspecto que tem necessariamente de ser esclarecido e acrescentado, porque quando dizemos "(…) em especial por parte das empresas de interesse geral", penso que era melhor - aliás, acompanhando aqui o que o Sr. Deputado José Magalhães disse na própria explicitação da proposta,

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que fosse acrescentado o seguinte: "(…) em especial por parte das empresas que prosseguem actividades de interesse económico geral".

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, para procurarmos atalhar razões, notei um sinal de assentimento do PS à sugestão do Sr. Deputado Carlos Encarnação e agora dou-lhe a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, o juízo que fazemos relativamente a esta proposta do PS é essencialmente negativo, senão vejamos.
O n.º 1 do artigo 87.º actual dispõe que o Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas e protege as pequenas e médias empresas; trata-se, portanto, de uma norma essencialmente fiscalizadora, em termos gerais, e protectora das pequenas e médias empresas, em particular.
Aquilo que aparece nesta proposta é precisamente o contrário, isto é, relativamente ao universo de empresas que devem ser fiscalizadas nos termos do actual n.º 1, o PS propõe que sejam incentivadas; aquelas que são actualmente protegidas, que são as pequenas e médias empresas…

Apartes inaudíveis na gravação por não terem sido feitos ao microfone.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que tenham atenção à intervenção do Sr. Deputado António Filipe.
Queira prosseguir, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, como dizia, a lógica da proposta do Partido Socialista é a de inverter o sentido da actual norma do n.º 1. Relativamente àquilo que actualmente se dispõe que o Estado deve fiscalizar, o que o Partido Socialista propõe é que seja incentivado. Relativamente àquilo que deve ser protegido nos termos do actual n.º 1, o Partido Socialista retira a protecção e diminui-a através da formulação "incentiva".
Entendemos que faz todo o sentido manter a referência legal à protecção das pequenas e médias empresas e, aliás, existem vários afloramentos disso mesmo em diversos diplomas legais, em diversas actuações do Estado - basta lembrar, por exemplo, o regime especial de protecção aos jovens empresários, os chamados "ninhos de empresas", em que o próprio Estado assume o encargo de adquirir instalações para pequenas empresas de jovens que possam nascer, ou a necessidade de protecção ao pequeno comércio, designadamente através da limitação dos horários das grandes superfícies.
Faz, pois, todo o sentido que haja uma protecção especial às pequenas e médias empresas, tendo em conta a sua especificidade. Isso existe actualmente em diversos diplomas legais e, portanto, discordamos de uma alteração constitucional que vá no sentido da desprotecção das pequenas e médias empresas e, efectivamente, é isso que aparece nesta proposta do Partido Socialista.
Por outro lado, onde o Estado actualmente fiscaliza, como dizia há pouco, o PS propõe que se incentive, e que se incentive também a actividade empresarial por parte das chamadas "empresas de interesse geral". Isto é, segundo a própria explicação que o Sr. Deputado José Magalhães deu, em relação a funções que actualmente são desempenhadas pelo Estado ou por empresas públicas, o Estado incentiva que possam ser desempenhadas pela actividade empresarial privada.
Assim, digamos que o que esta norma propõe, acima de tudo, é uma desresponsabilização do Estado no cumprimento de funções de interesse geral e que essas funções passem a ser desempenhadas por empresas incentivadas pelo Estado para esse efeito.
Como tal, do nosso ponto de vista, esta norma põem as coisas rigorosamente ao contrário daquilo que dispõe o actual n.º 1 do artigo 87.º da Constituição e, a nosso ver, mal. Assim, esta proposta do Partido Socialista, que, pelos vistos, com alguns ajustamentos, parece merecer a concordância do PSD, tem a nossa frontal discordância.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Sr. Presidente, quero só dizer duas ou três coisas sobre a discussão do artigo 87.º, justamente para realçar duas matérias que me parecem absolutamente ligadas entre si e sem prejuízo da posição que o Partido Social-Democrata já tomou em relação a esta proposta de alteração subscrita por Deputados do Partido Socialista, posição essa que também decorre da retirada da proposta de eliminação que o Partido Social-Democrata inicialmente tinha feito em relação ao artigo 87.º
Como todos os Srs. Deputados se recordam, uma das grandes discussões, na primeira leitura, sobre este artigo, tinha a ver com aquilo que consideramos ser um estigma actualmente consagrado no artigo 87.º da Constituição da República Portuguesa e que, do nosso ponto de vista, não fazia qualquer sentido permanecer no texto constitucional.
Batemo-nos, na primeira leitura da revisão constitucional, pela retirada deste estigma em relação às empresas privadas; perdemos, pela resistência do Partido Socialista a alterar e avançar neste artigo no sentido que consideramos correcto, uma noite inteira a discutir esta matéria e, finalmente, quero aqui recordar que saudamos, com os aspectos que estão a ser acertados neste momento em relação ao artigo 87.º, o avanço que representa esta proposta do PS.
Mas devemos dizer que a redacção proposta pelo PS de incentivar as empresas privadas perde algum do seu sentido e algum do seu fundamento, quando nos recordamos da discussão que houve em relação ao artigo 80.º, alínea d), em relação ao qual o Partido Social-Democrata tinha proposto que ficasse consagrado nos princípios fundamentais de organização económica da Constituição, designadamente (e passo a citar): "Liberdade de iniciativa e organização empresarial".
Não percebemos como é que o Partido Socialista persistiu na oposição a esta proposta, que é normalíssima, correcta do ponto de vista da consagração dos princípios fundamentais em termos económicos e perfeitamente semelhante ao que existe noutras constituições de países democráticos e avançados. Repito: como é que o PS persistiu na resistência à consagração desse princípio no artigo 80.º e agora pode - ainda bem que pode! - e fica-se pelo incentivo às empresas privadas no artigo 87.º?
Assim, sem prejuízo do nosso apoio em relação a esta redacção, não queremos deixar de assinalar esta incongruência que, do nosso ponto de vista, deverá ser resolvida

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em futuras revisões constitucionais. Isto se até ao fim deste processo da Revisão Constitucional o Partido Socialista, mais uma vez, não ponderar a sua posição inicial sobre o artigo 80.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, permita-me que lhe diga que se tudo pudesse ser dito em termos de princípio fundamental, os restantes artigos da organização económica eram constitucionalmente despiciendos.
A verdade é que estes artigos devem harmonizar-se e decorrer dos artigos que se reportam aos princípios fundamentais. E nos princípios fundamentais ficou sublinhada - aliás, já estava e voltou a ficar confirmada - a coexistência de sectores, designadamente do sector privado.
Ora, é o acolhimento constitucional de um princípio fundamental da existência do sector privado que leva a que o desenvolvimento normativo na organização económica permita conferir ao Estado este papel de incentivo à actividade empresarial. Não há aqui inconsequência, Sr. Deputado Miguel Macedo! Quanto muito, pode haver uma avaliação subjectiva sobre o ênfase constitucional que deveria ser dado num determinado ponto da Constituição a determinada matéria. Agora, não há aqui qualquer incongruência lógica!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença, gostaria apenas de sublinhar o seguinte: no artigo 80.º, como todos os Srs. Deputados se recordam, está expressa a protecção da propriedade pública, está expressa a protecção do sector cooperativo e social, está expressa também, como o Sr. Presidente acabou de recordar, a coexistência do sector privado, público, cooperativo e social e das pequenas e médias empresas, e, a esta luz - porque estamos num artigo que é sede da definição dos princípios fundamentais da organização económica -, julgamos ser importante, e consistente do ponto de vista daquilo que entendemos ser a economia de mercado em que vivemos e a importância do sector privado, que deveria ficar nesse artigo 80.º aquilo que era a nossa proposta para a alínea d), um princípio fundamental que tem a ver com a liberdade de iniciativa e organização empresarial, que, aliás, Sr. Presidente, nos termos da nossa fundamentação, não tinha só a ver com as empresas privadas, porque obviamente se destinava a abranger toda a actividade empresarial, fosse qual fosse a natureza jurídica de que se revestisse essa concreta organização empresarial.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de fazer o ponto da situação para sublinhar que o PSD não se conforma com uma parte da não configuração do artigo 80.º nos termos que o PSD propôs, embora tenha registado como positiva a proposta feita para o n.º 1 do artigo 87.º
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, quero lembrar ao Sr. Deputado Miguel Macedo que o PS também propôs, em sede do artigo 80.º, a inclusão de uma alínea sobre o incentivo às pequenas e médias empresas, como fazendo parte dos princípios fundamentais do Estado, proposta essa que o PSD não aceitou. Infelizmente, absteve-se!

O Sr. Presidente: - Não obteve maioria qualificada!

O Sr. António Reis (PS): - Consequentemente, na mesma linha de coerência com que fizemos essa proposta em sede do artigo 80.º, estamos agora a fazer esta proposta em sede do artigo 87.º. Não há, portanto, contradição alguma da parte do Partido Socialista.
Mas vou mais longe, Sr. Deputado, porque, no fundo, há três posições teoricamente possíveis em relação a esta matéria, pelo menos no quadro actual. Uma dessas posições é deixar a filosofia que subjaz actualmente ao artigo 87.º, que é uma filosofia claramente proteccionista por parte do Estado em relação às empresas privadas. Diria mesmo que é paternalista. O texto, tal como está redigido agora, dá a impressão que o Estado é um "bom pai", que se limita procurar assegurar a subsistência desses filhos, que são as pequenas e médias empresas privadas.
A alternativa que o PSD nos propôs não é para nós aceitável porque, quando falam em abstracto da liberdade de iniciativa e de contratação empresariais, permitem interpretações favoráveis a uma posição libertária em benefício das empresas privadas.
Ora, entre o princípio libertário e o princípio proteccionista, o Partido Socialista opta por um princípio que, no fundo, não é mais do que o princípio da concertação estratégica entre o Estado e as empresas privadas.
Consequentemente, é na fidelidade a esse princípio de concertação estratégica entre o Estado e as empresas privadas que propomos uma fórmula em que o Estado incentiva a actividade empresarial em geral, e especialmente no que toca às pequenas e médias empresas, porque há também a necessidade de introduzir uma discriminação positiva em relação às pequenas e médias empresas.
Portanto, não vemos onde está a contradição do Partido Socialista, por um lado, e qual é realmente o fundamento da objecção do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrámos em segunda apreciação da mesma proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, esta minha intervenção vai ser breve e é suscitada pelo que acabou de referir o Sr. Deputado António Reis. O Sr. Deputado António Reis diz que o actual artigo é proteccionista, aliás, usou mesmo a expressão paternalista.
Ora, o que leio no n.º 1 do artigo 87.º é que o Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas. Por isso, não compreendo onde é que isto traduz algum proteccionismo. Pelo contrário, julgo que se traduz algum proteccionismo é relativamente ao cumprimento da Constituição e da lei, o que de resto acho muito bem.
Onde julgo que se pode dizer que o artigo é proteccionista é no que se refere às pequenas e médias empresas. De facto, penso que faz todo o sentido que o Estado seja proteccionista relativamente a estas formações económicas, por razões que são evidentemente conhecidas e que têm que ver com a necessidade de haver alguma intervenção estadual, por forma a que estas empresas, pura e simplesmente, não desapareçam do mapa, dadas as consequências devastadoras que isso teria no tecido económico e social português. Por conseguinte, esse proteccionismo faz todo o sentido!
Agora, não compreendo é o Sr. Deputado António Reis dizer que esta norma é paternalista e proteccionista, e que

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por isso deve ser alterada, quando, no que se refere a todas as outras empresas - à excepção das pequenas e médias empresas -, o que o Partido Socialista propõe é que passe a haver um incentivo que no actual texto constitucional não existe. Creio que, aí sim, haverá algum paternalismo em relação às grandes empresas.
Segundo a posição que o PS, aqui, nos vem propor, o Estado deixa de proteger as pequenas e médias empresas e passa a incentivar, indiscriminadamente, todas as outras, inclusivamente incentivando as grandes empresas para que estas passem a poder intervir em áreas de interesse geral, áreas essas que actualmente são asseguradas por empresas de capitais públicos.
Creio que, relativamente às grandes empresas, a proposta do PS pode levar a um texto constitucional mais proteccionista do que aquele que existe actualmente - que reserva essa protecção para as pequenas e médias empresas, porque essas, sim, merecem ser protegidas. Daí que a proposta do PS vá em sentido contrário àquilo que o Sr. Deputado António Reis agora referiu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de usar da palavra, até por respeito para com o Sr. Deputado António Reis, porque julgo que não deve ficar sem resposta a argumentação que o Sr. Deputado aqui expendeu a propósito deste artigo.
Quero recordar que uma das argumentações usadas pelo Partido Socialista para fundamentar a sua posição em relação à proposta que tínhamos feito em relação à alínea d) do artigo 80.º (a tal que consagrava a liberdade de iniciativa e organização empresarial) fundava-se, justamente, no argumento de que esta proposta do Partido Social-Democrata era despicienda, uma vez que estava já consagrada no texto constitucional - e os senhores não estavam disponíveis para tirar nem nós tínhamos proposto que fosse retirado do texto constitucional - a coexistência que significava, do vosso ponto de vista, o reconhecimento do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social.
Ora, na minha primeira intervenção, tive a oportunidade de chamar a atenção para o facto de que este tipo de argumentação é agora anulado pela proposta concreta que hoje os senhores trazem a esta Comissão, quando propõem para o artigo 87.º exactamente o mesmo que propuseram para o artigo 80.º. Por outras palavras, se os senhores consideravam que o incentivo às empresas, que tinham consagrado no artigo 80.º, já estava consagrado como princípio fundamental, aquilo que pergunto é: que sentido, então, faz, nesta alteração que os senhores trazem em relação ao artigo 87.º, consagrar outra vez o incentivo às empresas privadas?
Devo dizer que estou de acordo com este aspecto. O que quero sublinhar é que isso anula o vosso argumento inicial de que com a nossa primeira proposta estávamos a repetir algo que já estava na Constituição.

O Sr. Presidente: - Certamente o Partido Socialista ponderará se irá manter ou não a referência às pequenas e médias empresas, depois de conhecer o destino da votação que vamos fazer a seguir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Dá-me licença que eu intervenha sobre esta matéria, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, eu já tinha chamado a atenção para o facto de termos entramos na segunda leitura e de as intervenções serem apenas as que eu tinha anunciado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Prometo ser breve, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Excepcionalmente, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de intervir não para repetir aquilo que foi dito pelo meu camarada António Filipe mas por causa de uma expressão que foi utilizada pelo Sr. Deputado António Reis em relação à questão de querer eliminar, salvo o erro, o "paternalismo" que estaria na Constituição actual em relação às pequenas e médias empresas. Porque o que se trata aqui não é de um problema de paternalismo.
Quando a Constituição tem, hoje, um tratamento preferencial em relação às pequenas e médias empresas, este é um problema de interesse nacional, porque é através das pequenas e médias empresas - designadamente enquanto factores de desenvolvimento - que se pode garantir um aspecto em relação ao qual certamente todos estamos de acordo, que é a questão relativa à criação de empregos, porque é inequívoco que ele não surge através das grandes empresas. Não é uma questão ideológica, é uma questão concreta, de facto, que se criam postos de trabalho em Portugal, como em todo o mundo. É também através do tratamento preferencial em termos de apoio às pequenas e médias empresas que se pode tender a assegurar um princípio que já foi anteriormente referenciado, que é o da concorrência entre empresas. Principalmente quando temos em conta que a legislação que temos no nosso país, sobre pequenas e médias empresas, abrange a grande maioria das empresas portuguesas na medida em que vai, em termos de número de trabalhadores, até aos 400 ou 500 trabalhadores por empresa. Por conseguinte, não há aqui um problema de paternalismo, o que há é a tentativa de reforço de garantias que estão noutros artigos da Constituição, designadamente em relação às questões do desenvolvimento, da criação de emprego e da concorrência.
Por outro lado, de acordo com esta proposta de alteração apresentada pelo Partido Socialista, enquanto que até agora, constitucionalmente, o Estado pode apoiar todas as empresas privadas, mas tem a obrigação de apoiar (pelas razões que há pouco expendi) as pequenas e médias empresas, o que o Partido Socialista pretende é que, independentemente dessas condições, desses critérios e desses objectivos, o Estado seja obrigado a apoiar todas as empresas, qualquer que seja a sua dimensão ou natureza.
Ora, isto é que nos parece, de facto, excessivo em termos de retrocesso na parte económica da Constituição e no desenvolvimento económico futuro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que está compreendida a posição de todos os grupos parlamentares, vamos proceder à votação da proposta apresentada pelo PS para uma nova redacção do n.º 1 do artigo 87.º

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Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP.

É a seguinte:

1 - O Estado incentiva a actividade empresarial, em particular das pequenas e médias empresas, e fiscaliza o cumprimento das respectivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam de actividades de interesse económico geral.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaríamos que sobre esta matéria se estabelecesse um consenso o mais alargado possível. Por um lado, porque há zonas de ampliação no âmbito deste preceito, mas essas zonas incorporam elementos consensuais da sociedade portuguesa, qual seja a ideia de que cabe ao Estado incentivar a actividade empresarial - o que decorre, de resto, de outras normas constitucionais e decorre muito claramente da redacção dada aos artigos 80.º e 81.º nesta própria revisão constitucional. Além disso, porque o estatuto especial das pequenas e médias empresas é integralmente preservado por esta redacção.
Isto porque a norma diz: "O Estado incentiva a actividade empresarial, em particular, das pequenas e médias empresas". Obviamente que poderá achar-se a redacção vantajosa ou desvantajosa, mas não há, do ponto de vista normativo, jurídico ou constitucional, qualquer diminuição do dever estadual de apoiar e proteger as pequenas e médias empresas.
Por outro lado, introduz-se inovadoramente uma alusão às empresas de interesse económico geral, cujo papel na vida económica, num novo contexto em que palavras como liberalização, desregulação e quebra do monopólio público se tornaram parte do quotidiano, acentua a obrigação que incumbe ao Estado de exercer uma função fiscalizadora que garanta que essas empresas cumpram obrigações de carácter legal.
Há, portanto, um conjunto de benfeitorias articuladas, das quais resultam um reforço e uma melhoria no estatuto das empresas privadas em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, penso que a redacção a que se chegou neste n.º 1 do artigo 87.º é uma redacção muito significativa.
Devo dizer que consideramos isso um grande avanço no que toca à redacção da Constituição. Porquê? Porque acaba com um estigma da suspeição que pairava sobre a empresa privada.
Na verdade, até agora, esta norma implicava uma leitura perniciosa, que instilava uma atitude desconfiada do Estado, e tanto mais desconfiada em relação à actividade económica empresarial quanto é certo que esta norma se desenrolava em duas partes: uma primeira parte, que era uma suspeição geral, isto é, o Estado dizia que fiscalizava o respeito da Constituição e da lei por parte das empresas privadas, e portanto havia, de facto, um Estado fiscal suspeitoso em relação àquilo que as entidades económicas empresariais faziam; e, por outro lado, uma segunda área da norma em que se dizia que o Estado protegia as pequenas e médias empresas economicamente viáveis. Ora, isto significava um profundo desequilíbrio na construção da norma.
Entendemos portanto que aquilo que é assumido hoje como uma atitude geral de incentivo do Estado à actividade económica empresarial corresponde àquilo que, no essencial, em termos de desenvolvimento de política económica, pode e deve ser considerado num Estado moderno e, particularmente, significa o reconhecimento claro no texto constitucional das empresas - todas elas - como os grandes produtores de riqueza e agentes do desenvolvimento económico.
É evidente que esta norma foi tão completa quanto isto, não se limitou a fazer isto (o que já é muito) mas conseguiu, ainda, na sua parte final, ter uma atitude de particular cuidado em relação às empresas que desempenham actividades de interesse económico geral, assacando uma determinada responsabilidade em relação ao Estado. Pensamos que o Estado está para isto; não estava necessariamente para fazer as outras coisas como fazia de acordo com os princípios estabelecidos do n.º 1 do artigo 87.º

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que o Partido Popular, que apresentou uma proposta de eliminação do n.º 1, acabou por votar favoravelmente esta nova redacção proposta por entender que muito embora o conteúdo deste n.º 1 decorra já de outras normas constitucionais, a verdade é que, tal como foi referido pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, este é um momento significativo, uma vez que afasta um estigma em relação à actividade privada, que constava do texto constitucional.
Por outro lado, entendemos que este artigo poderia de qualquer forma passar sem a constitucionalização agora feita, dado que no que diz respeito à discriminação positiva em relação às pequenas e médias empresas ela é possível, é um dado adquirido; em relação ao relevo das pequenas e médias empresas na criação de emprego, se é certo isso, também é certo que cada vez mais há a consciência de que isso se passa num patamar inferior, onde também já existe essa discriminação positiva ao nível da criação de emprego em microempresas.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, também uma breve declaração de voto para referir que, do nosso ponto de vista, esta norma perdeu bastante com esta nova reformulação.
Em primeiro lugar, porque, no que se refere às pequenas e médias empresas, afinal, aquilo que se deu com uma mão no artigo 80.º é retirado de alguma forma neste artigo 87.º. Inseriu-se - e bem! - uma referência às pequenas e médias empresas no artigo 80.º, mas...

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O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Deputado. Essa votação não obteve maioria!

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, pior ainda!
Mas refiro-me à proposta do PS que propôs - e bem! - no artigo 80.º uma inclusão de pequenas e médias empresas, no que teve a nossa concordância, mas vem agora retirar a protecção às pequenas e médias empresas, que estava consagrada no artigo 87.º, substituindo-a por um incentivo diluído, num incentivo geral à actividade empresarial. Tanto mais que esse incentivo inclui, naturalmente, o incentivo às empresas chamadas de interesse económico geral, conceito que desconhecemos, isto é, se é possível falar em serviços de interesse geral ou actividades económicas de interesse geral, já não se poderá falar em empresas com interesse económico geral.
Evidentemente que o interesse económico das empresas será para os respectivos proprietários, para os respectivos accionistas; a empresa pode, de facto, desenvolver uma actividade que seja do interesse geral, mas não se pode falar de que o interesse económico da empresa possa ser considerado interesse geral. Ora, o que efectivamente se consagra com essa formulação é o incentivo, por parte do Estado, a que as empresas invadam áreas de serviços públicos, que são exercidas quer por serviços públicos quer por empresas de capital público, atendendo ao interesse geral das actividades que são desenvolvidas.
Portanto, quer no que se refere à componente das pequenas e médias empresas quer no que se refere à intervenção do Estado relativamente à actividade empresarial em geral e à garantia de serviços públicos, esta norma não é uma benfeitoria no texto constitucional; pelo contrário, tem incidências particularmente negativas que queríamos salientar, que são a razão por que votámos contra a proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do n.º 2 do artigo 87.º, para o qual há apenas uma proposta, que se integra no projecto inicial do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não havendo pois matéria nova. A proposta visa uma modificação pela supressão da expressão "e em regra", que caracteriza a intervenção do Estado. A norma diz: "(…) e em regra mediante prévia decisão judicial.", e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro queria que fosse, em absoluto e apenas: "(…) e mediante decisão judicial".
Lembro que a matéria não foi objecto de acolhimento na primeira leitura, pelo que, não havendo matéria nova, não a sujeitarei a debate.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é só para fazer um apelo ao proponente para que faça uma reflexão entre a primeira e a segunda leituras no sentido de retirar essa proposta, com um argumento que eu poderia aduzir.

O Sr. Presidente: - Importa-se, então, de aduzir o argumento, para ver se convence o autor?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Gostaria, então, de dizer que, sendo certo que a utilidade desta norma vai no sentido de um Estado de direito, como somos, obrigar sempre a uma intervenção adequada (e em princípio jurisdicional) relativamente a este tipo de intervenções que têm sempre de ser entendidas como excepcionais (como a Constituição já diz), o que é evidente é que, pura e simplesmente, retirar este princípio do texto constitucional, pode levar ao perigo que, ainda recentemente, numa entrevista publicada pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, se chamava a atenção para o facto de que excesso do rigor "garantístico" em determinado tipo de legislação nacional tem provocado entraves terríveis ao normal e harmonioso desenvolvimento do funcionamento da justiça e dos tribunais portugueses.
Deixaria, pois, esta chamada de atenção, que é feita por voz avisada. É evidente que a boa vontade, a boa-fé que preside a este tipo de propostas de acentuar aspectos "garantísticos" na legislação tem-se revelado, na prática, por efeitos perversos ao nível do funcionamento da justiça, que é essencial ao Estado de direito, porque penso que é essa a preocupação que o proponente tem presente nesta sua sugestão.
Assim, faço-lhe este apelo, Sr. Deputado, no sentido de ponderar adequadamente este argumento e eventualmente retirar a sua proposta, porque senão a situação tornar-se-á difícil para a minha bancada, porque teremos de justificar de uma forma adequada o porquê da não aceitação desta alteração.

O Sr. Presidente: - Vamos conhecer a sensibilidade do Sr. Deputado Cláudio Monteiro ao apelo do Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Agradecia que fosse com economia de argumentos, se possível.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, com todo o respeito, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, como é evidente, esta proposta não foi feita para criar um problema de consciência ao PSD. Igualmente, com todo o respeito ao ilustre professor invocado na intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, também não entendo que os males da justiça se resolvam necessariamente diminuindo as funções dos tribunais.
O facto de se preverem funções "garantísticas" e de por essa razão haver algum empecilho ou algum impedimento no bom funcionamento da justiça, obriga-nos é a repensar a reformulação da justiça e o modo como ela funciona e não, necessariamente, pela via da diminuição das suas funções.
De resto, continuo a entender que a proposta faz todo o sentido e que, num Estado de direito democrático, a intervenção das empresas deve sempre ser exígua.

O Sr. Presidente: - A proposta mantém-se, portanto, para votação.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de modificação do n.º 2 do artigo 87.º, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

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Era a seguinte:

2 - O Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório, nos casos expressamente previstos na lei e mediante decisão judicial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, para uma declaração de voto.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Para uma declaração de voto que eu gostaria que fosse breve, Sr. Presidente.
O problema é este: ao pretender manter a proposta tal como a formulou, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro iria impedir, seguramente, na prática, que em circunstâncias excepcionalmente graves o Governo não pudesse intervir e salvar empresas ou salvar postos de trabalho das empresas. Isto porque os tribunais demoram, e a economia tem as suas leis e as suas urgências. Portanto, não é sábio vincular a intervenção do Estado - que é a título transitório e excepcional - a uma decisão dos tribunais, sempre, e em todos os casos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão do n.º 3 do artigo 87.º, para o qual temos a seguinte situação: uma proposta de modificação constante do projecto originário do PSD, que julgo poder interpretar como sendo substituída a favor da proposta n.º 109, comum a Deputados do PS e do PSD. É portanto essa proposta que está agora em apreciação.
Pergunto se algum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra para a sustentar, em primeiro lugar, ou para a comentar, em segundo lugar.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro pede a palavra para que efeito?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Para me limitar a retirar a proposta do n.º 3 constante do actual projecto.

O Sr. Presidente: Mas a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro para o n.º 3, que eu nem sequer citei, é idêntica ao texto constitucional actual. Portanto, não há que retirar aquilo que é idêntico.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, esta proposta que flúi directamente do acordo político da revisão constitucional - e é, de resto, a única que nele era ou é concretamente gizada e escrita ou indiciada com contornos concretos - foi confundida na discussão pública encetada depois de 9 de Março, ou continuada depois de 9 de Março, a muitos títulos e por muitas razões. A maior das confusões disse respeito a uma interpretação desta norma, tendo a ver com princípios fundamentais da organização económica e designadamente com aquilo que a Constituição estatui em matéria de sectores de propriedade dos bens de produção.
E assim foi dito, entre outras coisas, que esta alteração, ou que a alteração atinente a esta matéria, visaria pôr em causa a garantia constitucional da existência de três sectores de propriedade nos meios de produção, esvaziar o sector público e perturbar o equilíbrio que deveras a Constituição estabelece em sede do artigo 82.º
Esse equilíbrio, como acabámos de ver, não só não foi alterado como foi preservado e até completado com a inclusão de um subsector no sector social de meios de produção previsto no artigo 82.º, n.º 4.
Do que se trata aqui é de uma coisa diversa: do que se trata aqui é de iniciativa económica e dos limites a uma das três iniciativas basicamente configuradas na Constituição.
Esse direito é um direito económico que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e exige, quanto a limitações possíveis, a utilização de cautelas por parte do legislador ordinário e, se houver decisão de limitar acesso, o legislador ainda aí estará limitado por princípios de adequação, de necessidade e de personalidade em sentido restrito.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que nesta matéria fazer um ponto de situação. A verdade é que o regime de limitação de sectores que vigorou durante muitos anos por força da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, foi objecto de sucessivas revisões. O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre esta matéria. É uma matéria recordista em termos de jurisprudência constitucional, sabemos todos porquê e em que contexto histórico, e chegou-se, na última revisão da lei, provavelmente ao limiar máximo de compatibilidade entre a lei ordinária e disposições constitucionais.
É uma opinião de resto polémica. Segundo alguns ilustres constitucionalistas, esse limite terá sido excedido pela parte da legislação em vigor. A matéria foi objecto de assinalada controvérsia.
A verdade é que, neste momento, há que reponderar ou importa discutir a matéria à luz de duas coisas: por um lado, a clarificação feita na segunda revisão constitucional dos contornos da nossa economia mista - assim se veio a qualificá-la numa disposição situada, curiosamente, em sede de limites materiais de revisão - e de pluralidade de sectores e iniciativas; por outro, à luz da alteração das concepções existentes nesta matéria quanto às técnicas de intervenção jurídico-económico do Estado baseadas cada vez mais na ordenação e menos na intervenção directa e assentes também muito e cada vez mais, provavelmente, na concertação que não tanto na imposição.
À luz dessas reflexões ou à luz dessas tendências que têm projecção no Programa do Governo e em iniciativas legislativas que se encontram pendentes para apreciação na própria Assembleia da República, o texto actual pode ser interpretado como colidindo ou impedindo a continuação e o aprofundamento do processo de privatização de empresas públicas em áreas em relação às quais é crucial, do ponto de vista de estratégias previstas no Programa do Governo e consonantes com aquilo que o PS anunciou ao eleitorado antes de 1 de Outubro, criar condições para que sectores que são tradicionalmente explorados em regime de monopólio, possam vir a ser explorados num quadro de abertura a entidades privadas, mas com subordinação a regulação económica que permita evitar distorções, restrições de mercado ou perturbações de concorrência no sector.
Refiro-me ao sector das telecomunicações, como já disse, mas também ao sector das comunicações por via postal.
Nessa matéria, como se sabe, a perspectiva de evolução de mercado não pode ser encarada sem se ter em conta a programada deliberação conjunta do Conselho da Comissão Europeia, a emitir até 1 de Janeiro do ano 2000,

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no sentido de uma liberalização gradual e controlada do mercado postal em face das perspectivas de desenvolvimento que se desenham para o ano 2003.
É, portanto, necessário reequacionar a total restrição de acesso ao mercado das comunicações por via postal por entidades privadas, tal como está hoje fixada na lei de delimitação de sectores.
Há diversas distinções a fazer nessa matéria, há várias garantias a estabelecer. Não é disso que se trata agora. Estamos a discutir a Constituição e a revisão constitucional e a verdade é que nessa matéria é crucial clarificar que a obrigação constitucional, tal qual se encontra organizada, gera limitações que hoje não têm razão de ser. As supressões do texto actual devem ser acompanhadas de inerentes garantias em sede de lei ordinária para evitar os objectivos que já tive ocasião de enunciar.
Foi com esse sentido, Sr. Presidente, que o PS subscreveu esta proposta.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, eu permito-me fazer um pouco de história breve.
Quando se fez a revisão da Constituição em 1989, o que foi apregoado, quer pelo PS quer pelo PSD, era que se tinha feito a revisão da parte económica da Constituição.
Estamos hoje a assistir ao completo desmentido daquilo que foi afirmado na altura.
O que se está a fazer hoje vai muito além, em alguns aspectos, ou se se quiser aprofunda a completa alteração, numa perspectiva negativa, da parte económica da Constituição.
Nesse sentido, pelos vistos, o Partido Socialista terá feito questão de também subscrever formalmente esta proposta para o n.º 3, que, aliás, é a proposta que o PSD apresentou no seu projecto de revisão constitucional. Por isso, o Partido Socialista não quer votar apenas a proposta apresentada pelo PSD, quer também subscrever essa proposta. É isso que está presente com esta proposta de alteração do n.º 3.
Ora, vejamos agora a questão do conteúdo. Aquilo que nos é presente nesta proposta é que não mais haverá obrigação de reservar um sector básico que seja para ser explorado e gerido pelo sector público. Já aqui ouvi falar que em artigo anterior se define o sistema económico português como um sistema misto, mas seria um sistema misto assente num tripé: o sector público, o sector privado e o sector social ou cooperativo.
A verdade é que com as alterações que estão a ser introduzidas, e designadamente com esta do n.º 3, o que se pretende é que haja, quanto muito, uma economia mista sem sector público.
É isso que o Partido Socialista está aqui, expressa e explicitamente, a defender, porque os sectores básicos, com esta proposta, podem ser exactamente zero. Se já em artigos anteriores o Partido Socialista decaiu da obrigatoriedade de haver uma qualquer empresa pública, a única situação que restaria em termos constitucionais para impor a existência de, pelo menos, uma empresa pública era existir, no mínimo, um sector básico cuja exploração e gestão fosse vedada à iniciativa privada.
Com esta proposta de alteração que o Partido Socialista faz questão de subscrever (não quer apenas aprovar a do Partido Social-Democrata; faz questão de subscrever), o Partido Socialista quer objectivamente manifestar este seu interesse, este seu desejo e este seu objectivo político: pode não haver qualquer empresa pública, no futuro, em Portugal; do ponto de vista constitucional, nada o obrigará!!
Sr. Deputado José Magalhães, quando se diz que, em vez de "a lei definirá", "a lei pode definir" quer dizer-se simultaneamente - basta ler a outra face da moeda - que "a lei pode não definir". Se "a lei pode não definir" um único sector básico vedado à iniciativa privada, isso significa que poderá não existir sector básico algum vedado à iniciativa privada; poderá não existir, em termos constitucionais, em termos de obrigatoriedade constitucional, qualquer empresa pública no nosso país.

O Sr. António Reis (PS): Pode existir concorrencialmente com as empresas privadas!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Precisamente!

O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Octávio Teixeira deixou-se interromper pelo Sr. Deputado José Magalhães. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Há uma diferença - foi isso que me sensibilizou e, aliás, ao Sr. Deputado António Reis também - entre a supressão da proibição absoluta de acesso de entidades privadas e a co-respectiva eliminação da presença de entidades públicas.
Do ponto de vista lógico, uma não acarreta outra, ou seja, é possível permitir a existência de uma entidade privada e, ao mesmo tempo, permitir a sua coexistência com uma entidade pública, que é de resto o que decorre da norma sobre a economia mista e do artigo que há pouco referenciei sobre a coexistência dos três sectores: público, privado e social ou cooperativo.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Octávio Teixeira, queira prosseguir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, é isso: pode! Desaparece a obrigatoriedade de existir pelo menos uma empresa pública em Portugal, "pode existir".
Como o Sr. Deputado há pouco deixou bem claro na sua intervenção, esse poder é um poder que tende para zero, já neste momento.
O que temos aqui - e gostaria de deixar isto muito claro do nosso ponto de vista - é que esta proposta (e vou repetir pela terceira vez) que o Partido Socialista faz gala em pretender subscrever também - não se permitindo e não pretendendo apenas aprová-la, permitindo, sim, também subscrevê-la - insere-se na lógica do mais fundamentalista neoliberalismo. Isso é inequívoco e a coexistência de sectores, como já há pouco referi, perde toda e qualquer validade do ponto de vista constitucional em termos da obrigatoriedade constitucional.
Aliás, e nesse sentido, o Sr. Deputado José Magalhães teve também há pouco a possibilidade e a oportunidade de referir que já a última lei sobre a delimitação de sectores suscitou questões, suscitou dúvidas porque terá atingido o seu limiar máximo - eu diria, na perspectiva em que encaro a situação, no seu limiar mínimo - nos sectores

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básicos vedados à iniciativa privada e que alguns constitucionalistas terão suscitado mesmo a questão de que se essa lei de delimitação de sectores não teria ultrapassado já aquilo que é imposto pela Constituição da República no momento actual.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Aí é que está o mal!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É um mal na perspectiva do PSD, e isso eu entendo, porque sempre o defendeu. Isso entendo porque o PSD sempre defendeu esta matéria.
Por isso, a minha crítica fundamental faço-a neste momento, embora não esquecendo que o PSD teve a iniciativa da proposta que neste momento está a ser discutida. Ou seja, a minha crítica fundamental do ponto de vista político é ao Partido Socialista porque ele, sim, agora decaiu numa matéria fundamental do ponto de vista do sistema económico-constitucional, do sistema da coexistência de sectores públicos, privados e cooperativo e social porque deixará de existir a obrigatoriedade constitucional de haver sector público.
Essa é a questão que neste momento está em debate.
Por isso, se ainda há pouco o Sr. Deputado José Magalhães dizia que, segundo alguns constitucionalistas, possivelmente a lei de delimitações dos sectores, actual, já ultrapassaria aquilo que é permitido pela Constituição, então é evidente que, com esta alteração, nunca poderá ultrapassar, porque aqui é a medida zero. E este é o problema.
Compreendo perfeitamente que os Srs. Deputados do PSD se congratulem com esta aproximação do PS às ideias de fundamentalismo neo-liberal que o PSD tem vindo a defender.
A última questão, Sr. Presidente, é sobre o problema…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Octávio Teixeira, peço-lhe desculpa, mas tem de concluir mesmo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tenho de concluir, mas, há-de perdoar,…

O Sr. Presidente: * Estou a fazer-lhe um apelo, Sr. Deputado!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … a evolução dos trabalhos desta tarde tem mostrado que tem havido a ponderação suficiente para expormos as nossa opiniões. Aliás, nesta perspectiva houve uma expressão do Sr. Deputado José Magalhães, quando me pediu a interrupção, que foi esta: a questão da eliminação de garantias. É o problema da eliminação de qualquer garantia constitucional para a existência de uma única empresa pública sequer em Portugal que está em causa com esta proposta.
Uma última nota: a referência que o Sr. Deputado José Magalhães fez e trouxe à colação, que é a questão da União Europeia. Aqui, irei ser muito breve, porque subscrevo aquilo que vou ler e não é da minha lavra: "O Direito Comunitário é um gigante tentacular e muito vasto que penetra em muitos sectores e em muitas dimensões, que tem instrumentos de efectivação, que tem as virtualidades e o vigor que se conhecem e a falta dele também em muitos campos. Em todo o caso, não vale a pena estar a pôr nas obrigações comunitárias aquilo que lá não está para escamotear o que é produto da vontade interna, ou da "gula" interna, ou dos "óculos ideológicos" internos do PSD… - neste caso, mudo a palavra, não digo do PSD, digo do PS -…, não concebo que um qualquer comissário comunitário desembarque em Lisboa com uma muleta, uma ampulheta, um farol e, já agora, com uma lupa também, para passar a Constituição a pente fino dizendo: não, este artigo 85.º, n.º 3, tresanda a ideologia. Se isto fosse um monopoliozinho público, baseado em razões sanitárias de defesa ou outras, talvez passasse. Mas isto cheira claramente a revolução, isto cheira claramente a 11 de Março. Isso não!" - fim de citação do comissário que está citado, embora não directamente, nesta citação que estou a fazer.
"Posto isto… - e vou terminar Sr. Presidente -, o comissário aplicava-nos um tiquetaque ideológico e chumbava-nos a Constituição. É inconcebível, Sr. Deputado Rui Machete… - e aqui faço também uma alteração à citação, e não digo Deputado Rui Machete, digo Deputado Jorge Lacão…! - não pode passar-se a título algum".

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, pedi a palavra, em primeiro lugar, para fazer um reparo a estas constantes citações também que os Srs. Deputados do Partido Comunista aqui fazem do Sr. Deputado José Magalhães da revisão de 1989.

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, com aquela abundância metafórica, quem poderia ser?!...

Risos.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, penso que chegou o momento de desdramatizar esta contradição que o PCP aqui pretende explorar constantemente entre o "Sr. Deputado José Magalhães 1989" e o "Sr. Deputado José Magalhães 1997". É muito simples!!
Todos sabemos que quem falava em 1989 não era o Sr. Deputado José Magalhães! Todos sabemos que quem falava em 1989 era, sempre, o Partido Comunista Português, o todo, o colectivo, mais nada do que isso!

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

Exactamente!
Portanto, onde dizem José Magalhães, deviam dizer PCP - e o problema estaria resolvido. Pronto, é tão simples como isto.
Mas voltando à questão…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Reis, permite que o Sr. Deputado Octávio Teixeira o interrompa?

O Sr. António Reis (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Deputado António Reis está equivocado em relação à natureza e aos objectivos das citações que nós fazemos do Sr. Deputado José Magalhães. É que não é por essas razões que o Sr. Deputado acabou de dizer. Quando nós, PCP, fazemos citações do Sr. Deputado José Magalhães é apenas para pouparmos tempo à Comissão, porque as declarações do Sr. Deputado José Magalhães são muito mais concisas do que aquelas que podíamos fazer neste momento. Por isso, repito, é apenas com o objectivo de pouparmos tempo aos trabalhos da Comissão, hoje.

O Sr. Presidente: * Tem novamente a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Exactamente. É a confirmação de que era a doutrina autêntica do PCP que estava ali constantemente expressa, muito bem.
Agora, voltando à questão de fundo: creio que o Sr. Deputado Octávio Teixeira está a retirar ilações incorrectas do alcance da proposta que aqui subscrevemos em conjunto com o PSD. O Sr. Deputado Octávio Teixeira considera que esta proposta leva, pura e simplesmente, à eliminação do sector público da economia. Praticamente identifica esta proposta com a proibição da existência de empresas públicas em Portugal. Ora, isto é logicamente incorrecto. Segundo as regras mais elementares da lógica formal, fundada por Aristóteles, uns séculos antes de Cristo, não se pode impedir que, da nossa proposta, se possa impedir tal.
Mantêm-se em vigor os artigos 80.º, 82.º e 83.º onde estão claramente expressos o princípio da existência de um sector público, o princípio da apropriação colectiva, e agora pública, dos meios de produção, onde se define o que é que faz parte do sector público, do artigo 82.º - tudo isso se mantém válido.
Portanto, é perfeitamente absurdo pretender agora o Partido Comunista Português identificar esta proposta com a eliminação do sector público da economia, com a proibição da existência de empresas públicas. Logicamente, o que aqui está acaba apenas com um monopólio ou, antes, pode acabar, simplesmente "abre a porta", não acaba necessariamente, e portanto, "abre a porta" para a eliminação, em determinados sectores de actividade, do monopólio do sector público. É apenas isto.
Podem perfeitamente coexistir, em todos os sectores de actividade, a actividade de empresas privadas com a actividade de empresas públicas. Em rigor, não se pode inferir absolutamente mais nada da nossa proposta, mas o Partido Comunista é que continua agarrado, de modo obcecado, ao princípio do monopólio de determinados sectores de actividade, por parte de empresas públicas, quando todos sabemos que a tecnologia também evolui e que novas tecnologias podem perfeitamente levar a que haja uma maior abertura concorrencial em certos sectores de actividade e em que não seja prudente fechar determinados sectores de actividade à iniciativa privada. É apenas este espírito de abertura que, aqui, quer demonstrar, o Partido Socialista, sensível aos sinais dos tempos, não estando, "conservadoristicamente" e de modo obcecado, agarrado ao princípio do monopólio por parte de empresas públicas, em determinados sectores de actividade, e deixando que a Constituição seja suficientemente flexível, para permitir que depois a lei ordinária estabeleça, caso a caso e de acordo com a conjuntura económica, e com a evolução económica, se há ou não há vantagens práticas, efectivas e concretas de, em determinado momento, vedar, ou não, determinados sectores de actividade às empresas privadas. Tão simples como isto.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, eu não tencionava intervir,…

O Sr. Presidente: * Não é obrigatório, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * … mas, depois da intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, é evidente que o Partido Social-Democrata quer repor algo daquela que é a sua posição relativamente a isto.
Concordo, Sr. Deputado Octávio Teixeira, que, sem dúvida alguma - nem o PSD pretende minimamente escamotear esse aspecto, é evidente -, com esta proposta acaba-se com uma norma-travão, que assim deve ser entendida actualmente, na Constituição. De resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional claramente levou a essa interpretação, a uma norma-travão, que, para o PSD, era perfeitamente desajustada ao tipo de organização económica de que o Estado português hoje precisa, e aos desafios que, ainda por cima, temos pela frente, obviamente não só por causa da intervenção da União Europeia mas, muito mais, por causa da globalização e da internacionalização da economia e dos desafios daí decorrentes.
Portanto, não escamoteio que, com esta alteração constitucional, se retira da Constituição, digamos assim, uma norma-travão em termos económicos, relativamente ao normal e harmonioso desenvolvimento da nossa organização económica como uma economia de mercado, e as obrigações e os anseios de desenvolvimento que daí decorrem.
Mas, Sr. Deputado, com o que não posso concordar minimamente é que o Sr. Deputado venha dizer-me que, com isto, se pretende (e que o PSD pretenderia "por tabela", com isto), pura e simplesmente acabar, limpar do mapa o sector público. Não é nada disso que está em causa.
Chamava a atenção do Sr. Deputado para o facto de que, já quando discutimos no artigo 80.º, ficou essa alteração na Constituição, e com o voto favorável do PSD, que a propriedade pública dos meios de produção, pelo menos, a partir desta revisão constitucional, deve passar a restringir-se às situações em que o interesse colectivo assim o aconselha. E do ponto de vista do PSD, este é o modelo em que nos revemos.
A propriedade pública dos meios de produção na nova redacção, que já aqui votámos na especialidade, para o artigo 80.º, passará a existir de acordo com o interesse colectivo. Leia-se a contrario que é evidente que, onde esse interesse colectivo não estiver presente, não haverá razões algumas para que exista só porque há necessidade de coexistência dos três sectores (o que o PSD, em princípio, também defende, e sempre defendeu, desde o seu projecto inicial, o princípio da coexistência de três sectores da nossa economia), que o sector público tenha de ter um peso, um substrato, uma substância, qualitativamente muito relevante. Porque era este o entendimento que a jurisprudência que o Tribunal Constitucional, nomeadamente, à luz da interpretação desta norma do artigo 87.º, vinha desenvolvendo e por causa disso, como disse há pouco o Sr. Deputado José Magalhães (e subscrevo perfeitamente

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esse princípio), estava a pôr em causa, hoje já, a actual redacção da lei de delimitação de sector.
O último acórdão do Tribunal Constitucional sobre esta matéria é elucidativo no sentido de que não analisa esta questão porque não lhe foi pedido que a analisasse, mas deixa subentendido, claramente, que, do ponto de vista da densificação do actual n.º 3 do artigo 87.º, já seria duvidoso se a última mexida, salvo o erro, de 1992, da Lei de Delimitações dos Sectores, não teria já descido abaixo do "nível de água" mínimo, para preencher e identificar de uma forma correcta, o preceito constitucional.
O que está aqui em causa, sem quaisquer peias (e da parte do PSD, como calculará, não há quaisquer peias sobre esta matéria), como o acordo político, subscrito entre o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista, diz, claramente, de uma forma frontal e sem vergonhas, trata-se de retirar da Constituição um constrangimento constitucional obrigatório, porque a isso nos levaram a interpretação e a doutrina jurisprudencial do Tribunal Constitucional, que veio a definir estes princípios constitucionais como um constrangimento constitucional obrigatório para a existência de sectores vedados à iniciativa privada.
Nada disto tem que ver, Sr. Deputado, com uma "sentença de óbito" ao sector público. Cada governo, em cada momento e de acordo com o seu programa, livremente sufragado pelo povo português, decidirá se o sector público deve ou não ter "certidões de óbito". Sobre isto, o PSD tem uma visão perfeitamente descomplexada.
Haverá governos que no seu programa incluam uma preponderância e um motor à economia por parte do sector público, a Constituição deve poder acomodar esse tipo de situações, se quiserem, provavelmente dentro das lógicas e do cumprimento do nosso Estado de direito, com justa indemnização, podem proceder a nacionalizações e a seguir o povo poderá eleger um governo, com um programa e compromissos eleitorais diferentes que rapidamente privatize aquilo que, num momento anterior, tinha sido nacionalizado e rapidamente reduza ou transporte, outro sim, a iniciativa privada para motor do desenvolvimento económico do País.
Esta é a visão descomplexada que o PSD tem das coisas e este é o objectivo desta alteração na Constituição - não é qualquer "certidão de óbito" ao sector público. Sobre este aspecto, eu queria que ficasse bem claro que o PSD tem perfeita consciência de que, com isto, se retira da Constituição uma norma-travão de sentido ideológico. O que não vale a pena é dizer que com isto se passa uma "sentença de óbito", enfim, não foi exactamente isto que o Sr. Deputado disse, mas subentendi eu das suas palavras, que era o fim do sector público…

O Sr. Presidente: - Foi, foi!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Portanto, pela parte do PSD, que fique claro: o PSD não tem, aqui, qualquer complexo nem "esqueleto no armário" sobre esta matéria. Há muito que o PSD defende isto, ou seja, defende que, em cada momento, a organização económica permitida pela nossa Constituição, desde que respeitados os princípios gerais do Estado de direito democrático, deve dar livre curso e liberdade aos programas políticos que em cada momento os governos, sufragados livremente pelo povo português, sejam chamados a executar.

O Sr. Presidente: - Está muito bem compreendido o seu pensamento, segundo suponho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é para questionar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes ou para uma intervenção própria?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para uma intervenção própria, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Então, vou dar agora a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, gostaria só de deixar em Acta por uma razão…

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

Não vou chamar-lhe defesa de honra mas tão-só uma aclaração (e não o farei mais, de resto),que ficará feita para este efeito. Compreendo que seja difícil resistir à tentação fácil de, em matérias em que houve uma significativa evolução político-ideológica, fazer antinomias de tipo mais ou menos picante. Houve quem o fizesse em relação à delimitação de sectores, em relação a quem se sentou com tanta dignidade aqui, como o Dr. Almeida Santos, a propósito da delimitação de sectores, precisamente. Almeida Santos contra Almeida Santos, agora, Magalhães contra Magalhães, quem for contra quem for.
Sobre essa matéria, só gostaria de dizer duas coisas, a primeira das quais é a de que, em 1989, havia no quadro da esquerda quem entendesse que as alterações operadas em matéria constitucional eram um "constituicídio" e que a constituição económica tinha invertido o sinal. Sustentei, nessa altura, e defendi publicamente (e isso, de resto, fez-me penalizar político-partidariamente, numa determinada medida) que não tinha sido isso o que tinha acontecido. Sustentei, escrevi e defendi que tinha havido contrapartidas e garantias inseridas na Constituição, que o sistema de economia mista tinha sido clarificado e explicitado, se mantinha, e que era "irrigoroso" sustentar que o único texto possível democrático progressista fosse a Constituição, com a redacção de 1976, ou mesmo de 1982. Depois disso, a doutrina solidificou este entendimento e hoje a Constituição Anotada é citada tão pacificamente como tenho vindo a vê-la citada, designadamente também, pela bancada do PCP.
Agora, entendamo-nos: entre 1989 e 1997, Sr. Presidente e Srs. Deputados… Hoje mesmo foi assinado um tratado NATO/Rússia. Foi neste dia exacto. Não foi só a queda do muro de Berlim, foi também uma evolução significativa, à qual ninguém é alheio. Que eu saiba, ninguém sustenta no quadrante que agora faz esta fácil antinomia a "revedação" da banca e dos seguros à iniciativa privada!

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

Ninguém o sustenta, que eu saiba! A não ser que ainda venhamos a ser surpreendidos com uma proposta de

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"revedação" da banca e dos seguros à iniciativa privada. Será uma "abóbora do Entroncamento"…, mas tudo é possível e legítimo nesta matéria…!

Risos.

Agora duas coisas… Esta fica para uma outra citação, porque as minhas citações, pelos vistos, estão na moda, dão jeito e podem sair nas páginas picantes. Nesta matéria, gosto de ser claro.

Risos.

Primeiro, há serviços que, nesta matéria, podem ser exercidos hoje pela iniciativa privada de maneira inequívoca: serviços de interesse económico geral, com regulação e controlo estadual. É uma questão de filosofia. É inteiramente possível. Há provas positivas do seu funcionamento. Deve vedar-se isso? Resposta (entendo eu!): tudo ponderado, não!
Em segundo lugar, como tive ocasião de elencar, há sectores que não podem continuar vedados e o sector das telecomunicações é um, que aprendi a estudar e a conhecer, em relação ao qual a situação de monopólio público é uma aberração, criticada todos os dias pelos mais diversos quadrantes. Esta aberração torna-se inevitável, se esta norma se mantiver.
Portanto, ainda aqui, veja-se, é contra os monopólios que importa estar e disso, Sr. Presidente, "não me doem as mãos", podem citar-me, à vontade, no passado, no presente ou no futuro.

Risos.

Fico muito lisonjeado, porque significa que não exprimem, de maneira melhor, determinados conteúdos. Mas, já agora, às vezes, era preciso um bocadinho mais de imaginação, Srs. Deputados… Não peço direitos de autor!...

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Octávio Teixeira, tendo em vista que é a sua segunda intervenção, peço-lhe o favor de não desconsiderar esta circunstância.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, irei começar pelo fim.
Não vamos, agora, entrar aqui em discussões de hipotéticas penalizações político-partidárias sobre as posições que o Sr. Deputado José Magalhães terá tido em 1989, porque elas não correspondem à verdade.

O Sr. José Magalhães (PS): * Não, não vale a pena. Isso passou, passou. Já não há jurisdição!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por outro lado, Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de dizer-lhe que é melhor não falarmos em "abóboras do Entroncamento"…

O Sr. José Magalhães (PS): * Poder disciplinar!…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … porque sobre "abóboras do Entroncamento" já nos chegam aquelas que existem…

Risos.

… e as que V. Ex.ª nos acostumou a apresentar. Não vale a pena criar outras!

O Sr. José Magalhães (PS): * Quais?!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Vamos à matéria que me parece mais importante, neste momento, que é a matéria do conteúdo substantivo da proposta que está em discussão.

O Sr. Presidente: * É uma boa sugestão, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E aí, volto ao início, e começarei pelo Sr. Deputado António Reis.
Há pouco, já explicitei a razão por que fiz a citação que fiz, mas como o Sr. Deputado António Reis fez a interpretação que fez, vou fazer-lhe mais uma citação.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo! Veja lá o tamanho da citação, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, por acaso, podia ser maior, mas é pequena. Não quero ler a intervenção toda.
"Isto significa que foi consagrada uma ideia de coexistência de sectores" - isto é relacionado com n.º 3 do artigo 87.º, que é aquele que estamos agora a discutir…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está renumerado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exacto.
Retomando a citação: "Esta coexistência mantém-se, de acordo com a ideia da economia mista, no projecto que estamos agora a apreciar. Ora, como a proposta do PSD…" - aqui, mantenho, porque a proposta continua a ser proposta do PSD, julgo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não mo negará - "… podendo haver uma remissão ao sector público pela definição dos sectores básicos e, embora eu saiba que eles não são coincidentes, o sector público passará a ser notoriamente um sector residual. Porque ao prescrever-se aqui que a lei pode determinar os sectores básicos,…" - agora, até desaparece o artigo, já não é "os" é só "sectores básicos" - "sendo esta uma norma facultativa, naturalmente que ela poderá ou não fazê-lo. Esta é a questão de fundo. E, ao poder admitir-se uma prática de nada fazer, isto significa que esta norma permite um cumprimento que a torna absolutamente nula. É como se ela não existisse. Assim, o sector público, em termos de sector público, em termos de sector coexistente, passa a ser um sector residual" - e isto numa visão muito optimista do sector residual, Sr. Deputado Alberto Martins, do Partido Socialista, na revisão de 1989.
Porque a questão, Sr. Deputado António Reis, é que em relação a este assunto, o Sr. Deputado António Reis diz que isto não significa a eliminação das empresas públicas. Mas repare: o problema da eliminação das empresas públicas (aliás, foi uma tese retomada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes) tem que ver com as práticas governativas. E, neste sentido, a prática governativa do Governo do Partido Socialista tem demonstrado, claramente, qual é o seu sentido.
Por conseguinte, quando o Sr. Deputado me diz que, em termos constitucionais, isto não significa a eliminação das empresas públicas, essa parte da eliminação das empresas públicas, como pode ser feita mesmo dentro de um limite

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mínimo com a Constituição que temos, o governo está a fazê-la. Por isso, se o Partido Socialista pretende alargar ou, melhor, reduzir ainda mais este limite, tornando-o nulo, é para que a prática do governo do Partido Socialista possa ir mais além, possa ir até à "empresa pública zero". Aliás, há pouco, numa das suas intervenções, o Sr. Deputado José Magalhães, chamou à colação o programa eleitoral do governo do Partido Socialista.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por conseguinte, é essa a intenção, ou seja, é: nós estamos a avançar e queremos avançar para a eliminação das empresas públicas, mas como ainda há ali um pequeno constrangimento, em termos constitucionais, queremos também eliminar esse pequeno constrangimento e, assim, poder ir até "empresa pública zero". E esta é a questão que lhe suscitei.
Quanto ao princípio da possibilidade e não ao princípio da obrigatoriedade: julgo que o Sr. Deputado Alberto Martins lhe respondeu por mim, através da citação que lhe fiz. Quando se substitui o princípio da obrigatoriedade pelo princípio da possibilidade, também se está a substitui-lo pelo princípio da não possibilidade, de fazer nada, como ele aqui refere. E esta é outra questão.
Quanto à questão dos "sinais do tempo", Sr. Deputado António Reis, isso de que "estamos a seguir os sinais do tempo", não ponho em causa que o Partido Socialista, nesta matéria, esteja a seguir os sinais do tempo! O que ponho em causa é que o Partido Socialista siga tão proximamente, como tão bom aluno, os sinais do tempo do neoliberalismo, em que é "sector público zero", "sector público nada".
Por conseguinte, Sr. Deputado António Reis, como vê, a análise que faço do significado desta proposta e do que isto representa politicamente para as posições do Partido Socialista, tendo em atenção as posições anteriores e as actuais, não significa ser um absurdo, mas são uma realidade. Trata-se de uma análise realista que estou a fazer daquilo que é esta nova decaída do Partido Socialista, nesta matéria da Constituição económica.

O Sr. Presidente: - Por favor, Sr. Deputado Octávio Teixeira, peço-lhe que conclua.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Serei breve, Sr. Presidente.
Agora, em relação ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes: o Sr. Deputado fala na norma-travão e eu prefiro utilizar uma outra expressão, embora entendendo a perspectiva em que utiliza a norma-travão. O que digo não é eliminar a norma-travão, é eliminar a norma-garantia. O que está em causa, com esta proposta, é eliminar a norma-garantia que existe na Constituição de poder existir, de obrigatoriamente existir um sector público mínimo para que se possa concretizar, de facto e na prática, qualquer que seja o governo que esteja em funções, a coexistência de sectores em termos da "mesa com os três pés".
Diz o Sr. Deputado que o PSD não quer "limpar do mapa" o sector público: não faço juízos de intenções, o que quero dizer a este respeito é aquilo que já referi, há pouco, face às declarações do Sr. Deputado António Reis. Isto permite eliminar completamente o sector público na economia portuguesa. O Partido Social-Democrata deu grandes passos nesta perspectiva, não tenho a mínima dúvida em assinalar e afirmar, como já o fiz, aliás, no próprio Plenário, que de facto o Governo actual está a seguir, com muito mais velocidade e amplitude, essa linha de "limpar do mapa" da economia portuguesa o sector público.
Permito-me aqui registar o facto de o Sr. Deputado Luís Marques Guedes ter referido que defendem, ou admitem, a existência de sector público, quando esteja em causa o interesse colectivo. Aqui congratulo-me apenas por uma questão: desta vez, no discurso, pelo menos por parte do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não houve dificuldade em utilizar a expressão "colectivo", enquanto que, quando estivemos a discutir o artigo 83.º, todos se manifestaram contra o colectivo, defendendo que era preferível substituir o colectivo pelo público. Aqui, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes utilizou sem qualquer preconceito nem problema a expressão "colectivo" e "o interesse colectivo". Por conseguinte, julgo que também poderia ficar no artigo 83.º, como ele está. Pelo menos daria menos trabalho, em termos de revisão da Constituição.

Apartes inaudíveis na gravação por não terem falado para o microfone.

A última nota, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, certamente, não negará que aquilo que está neste momento a ser discutido para ser votado (esta proposta, que aqui nos aparece) é, de facto, exactamente e em termos substantivos, a proposta que foi inicialmente apresentada no projecto de revisão constitucional pelo Partido Social-Democrata. Portanto, é uma proposta de um Partido Social-Democrata à qual o Partido Socialista aderiu, de mãos abertas e aplaudindo.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Octávio Teixeira é um homem de pouca fé!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ainda posso ter fé em que, até ao final dos nossos trabalhos, o PS mude de posição sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: * Não, Sr. Deputado Octávio Teixeira! É que o Sr. Deputado Octávio Teixeira confessou-nos implicitamente que não acredita que jamais o Partido Comunista seja governo em Portugal.

Risos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Como diz isso?!

O Sr. Presidente: * É porque se o Sr. Deputado Octávio Teixeira admitisse as possibilidades de exercício de um governo, por parte do Partido Comunista, congratular-se-ia com a proposta de alteração. Porque na versão actual, ao definir sectores básicos vedados às empresas privadas, resulta daqui que a escolha constitucional é feita a favor do máximo de iniciativa às empresas privadas, apenas reservada a sectores básicos que a lei como tal pré-estabelecesse, o que significa, Srs. Deputados, que uma política de socialização geral dos meios de produção sempre encontraria enormes dificuldades com o n.º 3 actual artigo 87.º
O Sr. Deputado Octávio Teixeira não encara este obstáculo à governação futura do PCP: das duas uma, ou porque não é obstáculo ou porque o PCP não governará!

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tenho muito gosto em responder-lhe e respondo-lhe com muita clareza.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. Presidente: * A questão era para o Sr. Deputado Octávio Teixeira, Sr. Deputado Cláudio Monteiro. É para sugerir uma coligação com o Sr. Deputado Octávio Teixeira?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Não, com certeza que não!
Sr. Presidente, eu ia prescindir de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Octávio Teixeira para não lhe dar pretexto para prolongar extremamente o debate, mas, já que esse pretexto lhe foi dado por outrem, queria aproveitar para lhe fazer essa pergunta.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Octávio Teixeira, antes de responder à minha pergunta, vamos ouvir o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, ouvi a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira sobre os temores do "sector público igual a zero", que seria a consequência natural da aprovação desta proposta de alteração e que, na perspectiva dele, tudo seria melhor se a norma disser, pelo menos, "sector público igual a um".
Nessa perspectiva, e porque nada ouvi, na sua intervenção, que me elucidasse acerca disso, pergunto-lhe se porventura o resultado da alteração fosse essa, "sector público igual a um", qual seria o sector que ficava vedado à iniciativa privada.
É que a jurisprudência do Tribunal Constitucional diz, como sabe, que tem de haver sectores reservados, mas não diz que todos têm de ser reservados, nem diz quais é que devem ou não devem ser reservados, não dando, pois, qualquer critério material sobre a escolha do sector, o que traz esta consequência curiosa que é o critério da prioridade. Isto é, se eu privatizar três, já não posso privatizar os subsequentes, porque, caso contrário, já estou a ir abaixo do "limite de água", mas nada na Constituição nos diz quais são, materialmente, os critérios que deveriam presidir à escolha, visto que mesmo entre os sectores básicos pode haver os que estão vedados e os que não estão.
Portanto, a jurisprudência actual, se já suscita dúvidas quanto à lei actual, fá-lo com base num critério quantitativo que é, no mínimo, curioso, o que cria, pelo menos, um obstáculo óbvio à acção legislativa de qualquer governo e não apenas ao Governo do Partido Socialista.
Já agora, gostava de saber o que o Sr. Deputado Octávio Teixeira tem para dizer sobre isto.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Octávio Teixeira terá de responder à questão religiosa que eu lhe coloquei e à questão laica que acaba de ser colocada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, fiz a análise de acordo com a situação que temos neste momento no nosso país - aliás, fiz a exposição daquela que é, neste momento, a prática do Governo do Partido Socialista. Não está em causa aquilo que faríamos ou deixaríamos de fazer se e quando o Partido Comunista Português formar governo, porque, nessa altura, mesmo com estes textos, conseguiremos maneira de poder determinar os sectores básicos em que será vedada a intervenção da iniciativa privada.
Não será possível, face à Constituição que temos, aquilo que o Sr. Presidente avançou, isto é, a ideia da socialização geral, mas esse não é um problema do Partido Comunista Português mas, sim, porventura, um problema de conhecimento, da parte do Sr. Presidente, dos objectivos programáticos do PCP, que não advoga a socialização geral da economia. Isso consta do nosso programa partidário, que já tem uma longa história e, por conseguinte, não é do ano passado, deste ano ou de alguns anos recentes.
Em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, o que referi há pouco é que com esta norma pode não existir um único sector básico vedado e pode não existir uma única empresa pública. O problema não é o de definir qual é o "um", porque, deixando como está, não há um limite quantitativo. O que se diz é que terá de haver algum, em termos constitucionais.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * O que calhar!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
E isso está na disponibilidade e na tal abertura que a própria Constituição já permite para a possibilidade da existência de governos de várias matrizes político-ideológicas; está nessa possibilidade de a quantidade ser maior ou menor.
Agora, a questão fundamental, para nós - e é essa que tenho colocado na discussão desta proposta -, é a seguinte: com um governo do Partido Socialista, face à prática que tem tido actualmente, ou um governo do PSD, alterando-se esta norma nos termos propostos, pode de imediato passar a ser "zero". Essa é que é a questão que suscitamos, é a isso que somos contrários e é contra isso que criticamos a nova decaída do Partido Socialista, em termos de matéria constitucional.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta n.º 109, de alteração do n.º 3 do artigo 87.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP.

É a seguinte:

De acordo com o previsto no acordo político de revisão constitucional, propõe-se que no n.º 3 se substitua a expressão "definirá" por "pode definir" e a expressão do artigo "é vedada" por "seja vedada".

O Sr. Presidente: * Antes de passarmos ao artigo 88.º, dou a palavra ao Sr. Deputado Carlos Encarnação para uma declaração de voto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, farei esta intervenção como declaração de voto justamente para

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não prolongar o debate, mas ainda assim dizendo algo que penso ser importante dizer, neste momento, e em relação a este artigo.
Temos dito, várias vezes, que estamos a tratar de fazer uma boa revisão. Porventura, em nenhum momento será tão oportuno dizer que se trata, de facto, de fazer uma boa revisão, uma revisão em sentido positivo, como neste, em que acabamos de fazer uma votação em relação a este artigo.
Este é um artigo que o tempo se encarregou de destruir, é certo que ele já podia ter sido modificado antes e, do nosso ponto de vista, deveria tê-lo sido. A única coisa que a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional tem acrescentado em relação a este artigo é formular uma pergunta que, em si mesma, é rapidamente respondida, que é a de saber se será possível, nos dias de hoje, manter uma norma desta natureza. É evidente que a conclusão é eminentemente negativa: não faz sentido manter uma norma destas.
Da mesma maneira, em relação a outras intervenções, há uma outra pergunta que me é suscitada, que é a de saber se, verdadeiramente, depois de esta norma ser modificada, haverá alguma força política que seja impedida de governar com ela. A resposta é igualmente negativa: não há qualquer força política que seja impedida de governar com esta norma.
Se compreendo bem aquilo que aconteceu no Partido Socialista foi uma mudança de opinião em relação a esta matéria, foi eminentemente uma alteração do seu sentido de apreciação do conteúdo desta matéria. Se no Partido Socialista houve uma evolução positiva em relação a este conjunto de questões, é certo que não foi logo na altura que devia ter sido, e esta tem sido uma luta do PSD.
Como lembrou o Sr. Deputado Octávio Teixeira - e bem! -, o PSD tem várias vezes proposto alterações neste sentido ao longo das revisões constitucionais, no que não tem sido acompanhado; podia ter sido bem acompanhado pelo Partido Socialista, em 1989, em relação a esta alteração e penso que só por uma questão de poucos meses esta norma não terá sido redigida de outra maneira, porque, na verdade, o derrube do muro de Berlim colocou, implicitamente, esta questão em aberto. Aliás, não podia ter sido de outra maneira: se a queda do muro de Berlim tivesse acontecido alguns meses antes, esta norma não teria hoje, por virtude da revisão de 1989, a redacção que apresenta.
Mas o Sr. Deputado Octávio Teixeira tentou também, e apesar disso, intimidar o Partido Socialista ou, se não se quiser dizer "intimidar", "colocar-lhe problemas de consciência" em relação a esta norma.
Penso que é, de todo em todo, exagerada a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, porque o Partido Socialista compreendeu aquilo que o Sr. Deputado ainda não compreendeu, ou seja, que, de facto, não é possível manter-se numa posição de insensibilidade ideológica em relação à evolução do mundo. O Partido Socialista compreendeu, até com exemplos exteriores, até com o Sr. Blair e a sua actividade…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, suponho que a declaração de voto é em nome do PSD e não de qualquer outro grupo parlamentar!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * É em nome do PSD, mas estou implicitamente não só a defender algumas actuações do Partido Socialista nesta Assembleia como a contrariar algumas das insinuações que foram feitas pelo PCP, porque, quando o Partido Socialista evolui, modifica a sua posição, está a fazer um bem, não está a fazer um mal! E é evidente que o Partido Comunista Português não pode usar esta arma perante o Partido Socialista, dizendo "os senhores estão a seguir aquilo que o Partido Social-Democrata diz e não aquilo que a vossa consciência diz", porque isso pode não ser certo e seria tremendamente injusto, até, para com o Partido Socialista. O Partido Socialista pode estar de facto a modificar-se no bom sentido, nesta matéria, e não apenas a seguir aquilo que o Partido Social-Democrata tem dito ao longo do tempo.
Por isso, Sr. Presidente, concluirei imediatamente, dizendo que esta alteração é positiva, traz até nós muita gente que esteve afastada dos nossos conceitos, traz até à modernidade coisas que estavam quase na idade das cavernas, em termos efectivos, e constitui uma belíssima contribuição para a revisão constitucional.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, também para uma declaração de voto.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, farei uma breve declaração de voto apenas para dizer que, nesta matéria, lamentavelmente, também o Partido Socialista cedeu ao objectivo que o PSD tem vindo a perseguir, desde há vários anos, e que muito claramente perseguiu na revisão constitucional de 1989.
É quase caso para dizer que se o PS cedeu pela queda do muro de Berlim, o PSD teve azar em que a revisão de 1989 não tenha tido lugar uns meses depois, porque, provavelmente, já nessa altura conseguiria obter este resultado!
Agora o que acontece é que, segundo esse critério, esta norma parece ser adoptada em Portugal fora de tempo, porque, se o muro de Berlim caiu em 1989, já lá vão 8 anos, aquilo que se verifica hoje em dia é que o neoliberalismo começa a ser posto em causa em muitos países do mundo. Inclusivamente, a prática que o Partido Socialista segue hoje, no Governo, de privatizar até aquilo que nem o Dr. Alberto João Jardim imaginava possível, segundo as suas próprias palavras, a propósito da privatização da EDP, constitui um exemplo que não é seguido - designadamente, bastará ver o que dizem hoje os socialistas franceses para verificar que estes dogmas neoliberalistas estão a ser postos em causa em muitos países do mundo. Esta norma parece chegar a Portugal já como uma manifestação de neoliberalismo serôdio, chamemos-lhe assim. Como tal, é lamentável que o Partido Socialista tenha cedido nesta matéria.
Dizia o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que nenhum governo será prejudicado na sua política por uma norma destas. Usou, aliás, uma expressão caricatural de extrapolação para a matéria de nacionalizações ou de privatizações uma regra de alternância, isto é, dizendo que "vem um governo de esquerda nacionaliza, vem um governo de direita privatiza"... Naturalmente, as coisas não se podem passar assim e a Constituição tem de ter uma função garantística.
Sr. Deputado, se pudéssemos deixar à discricionariedade de um qualquer governo opções em aspectos tão decisivos como este de saber se deve ou não haver sectores básicos que sejam reservados à iniciativa económica pública e vedados à actividade das empresas privadas, isso

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significaria que a Constituição seria puramente desnecessária.
Este é provavelmente mais um dos aspectos não escritos do acordo político de revisão constitucional entre o PS e o PSD, mas que aqui acaba de ser consagrado com grandes prejuízos para a economia nacional e para a defesa dos interesses nacionais.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, explicitámos no debate as razões de fundo e de orientação programática que levam o PS a, tudo ponderado e atenta a evolução histórica com a qual estamos todos confrontados, decidir, pelo seu próprio punho e por assinatura que apôs a uma proposta conjunta, operar esta alteração constitucional.
Para se ter um pouco a medida do paradigma que os tempos levaram a alterar, basta ler aquilo que decorria da lei negociada em 1977, de resto entre o PS e o PSD, e por altas personalidades, que vedava, entre outras coisas, o acesso à produção de transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público. Não sei quantas pessoas é que subscreveram as acções da EDP agora, mas talvez 300 000 neoliberais, todos eles dignos do mais profundo desprezo político e da mais total censura, seguramente!...

Risos.

A produção e distribuição de gás para consumo público…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): * (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) … com aquilo a que o Governo do PSD chamava o capitalismo popular, que agora os senhores…

O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente! 300 000 infames neoliberais, os quais, de resto, têm pena de não poder ter a garantia de comprar mesmo as acções no fim, porque elas são poucas e escasseiam, desse ponto de vista!
A produção e distribuição de gás…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Quantas é que o Sr. Deputado José Magalhães comprou?

O Sr. José Magalhães (PS): * Cheguei atrasado, Sr. Deputado Octávio Teixeira! Estava aqui preso, não pude subscrever, mas, se tiver comprado alguma, eu ainda lhas recompro!

Risos.

O Sr. Deputado é muito sensato a aplicar capital!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que está enganado!

O Sr. José Magalhães (PS): * Depois, comunicação por via postal, telefónica e telegráfica, transportes regulares aéreos, transportes públicos colectivos urbanos de passageiros, exploração de portos marítimos, indústria de refinação de petróleo, petroquímica de bases, siderúrgica, adubeira, cimenteira e mais ainda a possibilidade da indústria tabaqueira, fosforeira… - e seguem-se os artigos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º da Lei de 1977.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho de reconhecer, à puridade, que não acredito que estas soluções sejam as positivas, e o Partido Socialista, ele próprio, reponderando, conclui hoje aquilo que suponho que gera um largo consenso na sociedade portuguesa.
Haverá sempre a liberdade de estudar, mas ninguém deve benzer ou anatematizar, em nome do neoliberalismo, aquilo que não seja neoliberalismo, porque o lobo da fábula de Horácio também é aplicável à área político-ideológica.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos agora em sede de artigo 88.º, para o qual há, em primeiro lugar, uma proposta de eliminação, apresentada pelo PSD.
Srs. Deputados, embora esta proposta não tenha merecido acolhimento na sua apresentação em primeira leitura, vamos votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de modificação do segmento final do artigo 88.º, apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

A lei disciplinará a actividade económica e os investimentos por parte de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras, a fim de garantir a sua contribuição para o desenvolvimento do País e defender os interesses nacionais.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para uma declaração de voto.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, a redacção actual da norma parece indiciar uma contraposição entre os interesses nacionais e os interesses dos trabalhadores que julgo difícil de compreender no contexto actual da nossa economia.
Portanto, não se procurava diminuir o alcance da norma mas, apenas, repor aquela que julgo ser a verdade nesta matéria, dado que, obviamente, nas relações laborais, os trabalhadores estão em situação de menor protecção. Esse tipo de garantias sucessivas só deve existir naquilo que diz respeito às relações laborais propriamente ditas e, portanto, nas relações entre trabalhadores e empregadores.
Agora, quando se trata das relações entre o Estado português e outro Estado ou o Estado português e terceiros, nomeadamente empresas estrangeiras, não vejo que o interesse dos trabalhadores possa ser diferente dos interesses nacionais, mas apenas um reflexo destes.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para uma declaração de voto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o PSD começou por, na primeira votação, votar a favor da

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eliminação da norma em causa, ou seja, contra a manutenção desta norma na Constituição, por entender que ela, hoje em dia, face à situação de adesão de Portugal à construção europeia, está carente de sentido. E está carente de sentido porque, de facto, hoje em dia, face à internacionalização e à globalização da economia e aos compromissos externos do Estado português, este tipo de "estigma" - passo a expressão - que é criado na Constituição, remetendo depois para o legislador ordinário, sobre os investimentos da parte de entidades estrangeiras faz cada vez menos sentido.
O PSD tem defendido, de resto com a oposição, perfeitamente incompreensível, da parte do Partido Socialista e do Governo actual, a criação de uma situação de privilégio para os investidores e as empresas portuguesas nas operações de reprivatização das empresas nacionalizadas após o 25 de Abril.
Isto porque, como o PSD tem defendido sistematicamente junto das organizações internacionais, houve, claramente, neste aspecto, uma situação anómala em que o Estado de direito não foi salvaguardado nas suas devidas vertentes, de acordo com aquele que é o entendimento do PSD - bastará recordar um dos argumentos que o PSD esgrimiu sistematicamente enquanto governo deste país e, portanto, com responsabilidades de defender o interesse nacional na política externa, que é o argumento de que, quando se processaram as nacionalizações, em 1975, elas protegeram explícita e expressamente todo o capital estrangeiro. As nacionalizações ocorreram apenas sobre o capital nacional, pelo que é de inteira justiça que as operações de reprivatização das empresas nacionalizadas após o 25 de Abril constituam um caminho de retorno relativamente àquilo que foi feito em 1975 e 1976, ou seja, a reposição dos grupos económicos nacionais e a possibilidade de os proprietários privados portugueses, que foram os únicos que foram vítimas do processo de nacionalização após o 25 de Abril, verem reposta a justiça.
Completamente diferente é uma norma deste tipo, que nada tem a ver com o processo de reprivatização das empresas nacionalizadas após o 25 de Abril; esta é uma norma de carácter genérico, que visa permitir ao legislador ordinário condicionar, em abstracto, os investimentos estrangeiros no nosso país.
Do nosso ponto de vista, é uma norma desadequada à realidade da internacionalização da economia, à realidade, inclusive, do próprio direito de estabelecimento resultante dos compromissos internacionais do Estado português, genericamente, considerados em abstracto. Portanto, independentemente de o legislador ordinário em cada momento poder ou não sentir a necessidade de criar determinados mecanismos de salvaguarda do interesse nacional, com o que o PSD concorda, é evidente que, em termos constitucionais, o estabelecimento desta regra, enquanto valor estruturante da organização económica nacional, parece-nos errado, parece-nos um valor desadequado aos mundos de hoje, à construção europeia e, mais importante do que tudo, aos desafios de internacionalização da economia portuguesa.
Em segundo lugar, o PSD também queria justificar o voto na proposta dos Srs. Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros. Uma vez que a proposta de eliminação foi rejeitada, o PSD votou favoravelmente aquela proposta, porque, na perspectiva de este princípio ficar de facto na Constituição, é evidente que ele tem de obedecer a regras que têm exclusivamente a ver com a defesa dos interesses nacionais e não com a defesa da independência ou do interesse particular dos trabalhadores. Não é isso que está em causa; o que está e estará sempre em causa, em termos de regulação das normas de internacionalização da economia portuguesa, é que o Estado português terá sempre de atender aos interesses nacionais em abstracto e não particularmente a preocupações dirigidas para este ou aquele agente económico em presença.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, também para uma declaração de voto.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, acabámos de votar contra ambas as propostas, quer a dos Srs. Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros quer a do PSD, e começarei por me referir à do PSD.
O PSD regista aqui uma alteração na sua posição de 1989, embora tal facto não tenha sido justificado, como noutras situações, pela queda do muro de Berlim. De facto, o PSD, em 1989, propunha, segundo creio, que os interesses dos trabalhadores fossem substituídos pelos interesses nacionais. Deixarei uma referência a isso quando apreciar a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, porque, efectivamente, aquilo que o PSD propõe desta vez é que, pura e simplesmente, esta norma seja eliminada, isto é, aquilo que, em 1989, o PSD entendia fazer sentido, agora, pura e simplesmente, deixa de fazer qualquer sentido e, portanto, o PSD abre mão de qualquer possibilidade legal de disciplinar a actividade económica e o investimento estrangeiro, seja em nome daquilo que for - seja em nome do desenvolvimento do País, seja em nome da independência nacional, seja em nome dos interesses dos trabalhadores - e decai mesmo da proposta que fazia na altura, que era a de consagrar, pelo menos, a defesa dos interesses nacionais.
Essa proposta é, de alguma forma, retomada pela proposta que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro aqui apresentou e que também mereceu a nossa oposição. Efectivamente, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro vem dizer que os interesses nacionais não se contrapõem aos interesses dos trabalhadores, donde, se consagrarmos o interesse nacional, estamos também a consagrar o interesse dos trabalhadores.
Esta era a argumentação que o PSD fazia, já em 1989, propondo a substituição de uma expressão por outra. Significativamente, nesta matéria, como noutras, o PSD só se lembra dos interesses nacionais quando quer destruir os interesses dos trabalhadores. Agora, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro vai um pouco pelo mesmo caminho, isto é, lembra-se de invocar o interesse nacional quando se trata de eliminar a referência aos interesses dos trabalhadores.
Mas não elimina apenas isso: de facto, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe que se elimine "a independência nacional", e lembro que, em matéria de investimento estrangeiro, é de independência nacional que estamos a falar, e relativamente aos interesses dos trabalhadores, creio que a disciplina do investimento estrangeiro é algo que diz respeito muito directamente a esses interesses.
Exemplos recentes, no nosso país, demonstram claramente que, quando nos estamos a referir ao artigo 88.º da Constituição, é inequivocamente de interesses dos trabalhadores que estamos a falar e não de um qualquer conceito difuso de interesses nacionais que nesta matéria ninguém saberá muito bem como definir e que têm como objectivo reduzir esta norma praticamente à nulidade.

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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, muito rapidamente, quero justificar a posição de voto do Partido Popular, dizendo, e tendo de me repetir, que o Partido Popular entende que a Constituição económica deveria ser o mais enxuta possível e que foi por isso que votámos favoravelmente a proposta de eliminação apresentada pelo PSD.
Não quero deixar de referir - e por isso votámos favoravelmente a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro - que se torna necessário garantir determinados conceitos constantes deste artigo 88.º, embora consideremos que não é através deste artigo específico que se podem atingir esses objectivos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 89.º, para o qual existe uma proposta de eliminação apresentada pelo CDS-PP e outra, no mesmo sentido, do PSD. Depois, teremos de repescar a apreciação dos n.os 2 e 3 do artigo 84.º-A da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, a proposta do artigo 84.º implicitamente implicava a eliminação do artigo 89.º, pelo que só por mero lapso é que o projecto que subscrevo não continha uma referência expressa à eliminação.

O Sr. Presidente: * Vamos primeiro votar as propostas de eliminação e depois apreciar as do artigo 84.º-A apresentadas pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da propostas de eliminação do artigo 89.º, apresentadas pelo PSD e pelo CDS-PP.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Agora, Srs. Deputados, vamos repescar a votação dos n.os 2 e 3 do artigo 84.º-A, da proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que há pouco ficou suspensa de votação.
Se não houver proposta em sentido inverso, votaremos em bloco os n.os 2 e 3 do artigo 84.º-A constante da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O Sr. Presidente não pode impedir a discussão…

O Sr. Presidente: * Não impedi nada, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Os Deputados Barbosa de Melo e Calvão da Silva pediram a discussão desta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): * Já foi discutidíssimo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não foi nada discutidíssimo.
Houve uma proposta, que transportamos da primeira leitura para a segunda - as tais propostas assumidas pelo Dr. Vital Moreira -, para, quando discutíssemos o artigo 84.º e posteriormente o artigo 89.º (que seria uma hipótese a ponderar entre a primeira e a segunda leituras), repensar a fusão aqui, no artigo 84.º, caso viesse a ser chumbada a eliminação do artigo 89.º
Assim, como acabámos de votar e o PSD votou imediatamente as propostas de eliminação do artigo 89.º, como o Sr. Presidente sugeriu, uma vez recusada a eliminação, parece-me evidente para nós todos que temos, então, de equacionar - e pela parte do PSD temos essa abertura, apesar de a nossa opção primeira ser a eliminação -, de forma séria e responsável, a eventual alteração do texto constitucional pela fusão ou não do artigo 84.º
Era para falar sobre isso que o Professor Barbosa de Melo se estava a inscrever. Penso que é desadequado evitar este debate, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a questão há pouco já tinha sido vista, mas, se o Sr. Deputado Barbosa de Melo pede a palavra, não será por mim que não lhe será dada para o efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, realmente a nossa proposta de eliminação do artigo 89.º foi rejeitada.
A ideia é de manter o artigo 89.º, mas para esta formulação há já uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
A proposta é suficientemente delicada para merecer uma segunda leitura, ainda que breve, para apurarmos se vale a pena, neste contexto, introduzir alterações ao artigo 89.º
Julgo que, no fundo, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro veio alargar a possibilidade da expropriação dos meios de produção, prevista no artigo, para desvios da sua função social. O seu objectivo é este.
Globalmente o que se retira daqui é a ideia do abandono justificado, que, aliás, era um conceito que já estava no actual n.º 2 do artigo 89.º. Mas, para além disto, o que é que há? Alarga-se o âmbito da expropriação para a função social ou, melhor, para os desvios da função social.
Mas há aqui outra coisa que tem a sua proposta que gostaria que fosse analisado. No n.º 1 fala de justa indemnização e no n.º 2 diz que a lei fixa as condições e não fala em indemnização. É de caso pensado esta diferença?

O Sr. Presidente: * É e foi sustentado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro na primeira leitura.
Se o Sr. Deputado Barbosa de Melo estiver de acordo, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro reiterará o seu argumento, certamente.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Vamos ver se introduz algumas variações.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, só houve um lapso da minha parte, há pouco, a propósito da votação do artigo 83.º e subsequentemente da apreciação do artigo 84.º porque é verdade que a proposta ficava, quanto ao n.º 1, formalmente prejudicada pela circunstância de não se ter votado com a maioria necessária a eliminação do artigo 83.º, mas materialmente ela não ficava prejudicada na parte em que acrescentava o conceito de justa

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indemnização ao conceito seco que a Constituição actualmente estabelece de indemnização.
Isso tem que ver com a dúvida suscitada pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, designadamente com a segunda dúvida, porque a construção desta redacção está em cadeia, tirando-se daí a consequência de que nos n.os 2 e 3 a indemnização de que se fala é aquela a que também se refere o n.º1, porque os n.os 2 e 3 são uma sequência natural do n.º 1, nomeadamente quando se diz "podem igualmente", nos mesmos termos em que é referido no n.º 1. E com o n.º 3 é a mesma coisa…
Quanto a essa última dúvida, a intenção não é, de facto, diminuir a garantia, designadamente quanto ao conteúdo da indemnização, relativamente àquele que é fixado no n.º 1.
Quanto à outra questão, o que diz é parcialmente verdadeiro, mas também tem ou pode ter uma incorrecção. É que o actual n.º 1 do texto constitucional não fala de injustificado, fala apenas em abandono. Nesse sentido, há um reforço da garantia ao restringir-se a possibilidade de expropriação apenas aos casos em que esse abandono seja justificado.
Mas simultaneamente há alguma abertura no n.º 2, porque apesar de tudo, embora em algumas circunstâncias possa equivaler substancialmente a uma expropriação, formalmente não permite uma expropriação, mas apenas um mecanismo de correcção que garanta o aproveitamento conforme aquilo que é a determinação do interesse público.
Soluções essas, aliás, que existem não apenas em relação aos meios de produção como também em relação a solos urbanos, por exemplo, designadamente na vizinha Espanha em que, estabelecida a obrigatoriedade de construção, se não for cumprida essa obrigação, a administração pública pode até impor coercivamente a venda - aqui nem sequer se vai tão longe porque não se impõe coercivamente a alienação - para que se permita que outrem possa cumprir a função social, por assim dizer, que determinado bem deve prosseguir, se for esse o caso.
Mas isso, obviamente, nos termos estabelecidos na lei e garantindo sempre a justa indemnização.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Deputado Cláudio Monteiro, já discutimos hoje aqui, nesta sessão - e, portanto, o debate está fresco na nossa memória -, o artigo 83.º, que já remete para a lei, para o legislador ordinário, os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção.
Ora, é evidente que este artigo 83.º - e isso já foi aqui explicitado - estabelece um princípio geral de apropriação pública que é depois consubstanciado na lei quer através das formas de expropriação, que é uma forma de apropriação pública, quer através por exemplo da requisição, que também existe na legislação ordinária sobre essa matéria, quer ainda através, eventualmente, de qualquer outro tipo, porque o artigo 83.º prevê não só a apropriação pública como a intervenção.
Mas agora quanto à questão da expropriação, essa matéria aparentemente está já subsumida no artigo 83.º, que remete para a lei ordinária com a definição, como dizia o Sr. Deputado Barbosa de Melo pela lei do critério de fixação, da correspondente indemnização.
Foi nesse sentido que o PSD inicialmente propôs, e já aqui votámos, a eliminação do artigo 89.º da Constituição, uma vez que não vemos até que ponto é que este artigo 89.º acrescenta significativamente o que quer que seja relativamente ao artigo 83.º
Assim, o pedido de esclarecimento que começava por fazer ao Sr. Deputado era até que ponto o Sr. Deputado entende que o artigo 83.º não subsume já o conteúdo útil desta norma, que é a de remeter para o legislador ordinário as formas de apropriação pública, onde, obviamente, se contém a expropriação.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Obviamente que aquilo que proponho é menos do que aquilo que o PSD propunha, mas é, apesar de tudo, mais do que a Constituição actualmente consagra.
Não estive presente na votação do artigo 83.º - se estivesse o resultado teria sido exactamente o mesmo -, mas, em qualquer caso, havia para além do mais um ganho superior que não foi obtido e que tinha a ver com a circunstância de que, enquanto o artigo 83.º ainda fala em apropriação e, portanto, em quaisquer formas de apropriação, o artigo proposto fala apenas em expropriação.
Por outro lado, enquanto que o artigo 83.º apenas fala em indemnização, o artigo proposto fala em justa indemnização. Há aí uma diferença substancial em relação às formas de intervenção e às garantias dos particulares contra essas formas de intervenção.
Nesse sentido, a lógica da alteração proposta só fazia obviamente sentido concomitantemente com a eliminação do próprio artigo 83.º e também do artigo 89.º e a sua fusão num só que estabeleça e defina taxativamente quais são as formas admissíveis de intervenção na propriedade privada, e essa restringe-se à expropriação ou, nos casos do n.º 3, ao arrendamento ou concessão compulsiva.
Nesse sentido, o artigo 83.º não garantia tudo.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º 2 do artigo 84.º-A, da proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD, do CDS-PP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro.

Era a seguinte:

2 - Os meios de produção em abandono injustificado podem igualmente ser expropriados, em condições a fixar pela lei, que terá em devida conta a situação específica da propriedade dos emigrantes.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.º 3 do artigo 84.º-A, da proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e do Deputado do PS Cláudio Monteiro, e a abstenção do CDS-PP.

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Era a seguinte:

3 - Os meios de produção cujo aproveitamento não seja conforme com a sua função social ou em abandono injustificado podem ainda ser objecto de arrendamento ou de concessão de exploração compulsivos, em condições a fixar por lei.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, o PSD votou favoravelmente a primeira proposta que o Sr. Presidente acabou de pôr à votação, ou seja, a inclusão do termo "injustificado" na qualificação dos bens de produção em abandono passíveis de expropriação por entender que, uma vez recusada a eliminação que o PSD tinha proposto e que foi votada negativamente pela maioria dos Srs. Deputados, que em qualquer circunstância seria sempre uma benfeitoria ao texto constitucional, a restrição deste princípio genérico perfeitamente aberrante e programático de a Constituição determinar a lógica da expropriação como fim necessário dos meios de produção em abandono, pelo menos, se restringia a uma lógica de justificação necessária.
Já quanto à segunda das propostas, que era apenas a da introdução do critério de aferimento relativamente à hipótese de os bens de produção estarem a ser aproveitados conforme a sua função social, o PSD, como já teve ocasião de explicitar a propósito de outras votações que propugnavam a introdução na nossa Constituição deste conceito da função social da propriedade, entende que, por mais louvável e defensável que seja este conceito, que em muitas vertentes o é claramente, é um conceito de natureza programática que, do nosso ponto de vista, não deve merecer uma constitucionalização no sentido em que pode restringir e ser susceptível de interpretações diferenciadas por parte de cada um dos partidos.
Verificou-se isto mesmo agora na aparente perplexidade com que os Srs. Deputados registaram o facto de o Partido Comunista ter votado favoravelmente esta proposta ao lado do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, quando são evidentes as diferenças ideológicas entre os Srs. Deputados do Partido Comunista e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. É a prova provada de que como errado será tentar transplantar conceitos ideológicos deste tipo para o texto constitucional, ficando até uma margem grande de incerteza para além do constrangimento que isso resultaria para a liberdade de actuação de cada um dos governos, em cada momento, relativamente a matérias instrumentais como esta.

O Sr. Presidente: Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A minha declaração de voto será muito breve e reporta-se ao nosso voto favorável à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, relativamente ao n.º 3 do artigo 84.º-A.
Votámos favoravelmente porque o que continha esta proposta era o aditamento da primeira parte, dos meios de produção cujo aproveitamento não seja conforme com a sua função social. Parece-nos que, de facto, isto vinha melhorar a actual redacção constitucional. E, explicitando esta possibilidade que neste momento pode ser questionada, suscita-me em termos de declaração de voto também a ligação desta matéria a uma questão que já hoje aqui analisámos e debatemos, que é precisamente em situações destas que se pode justificar o não haver a indemnização justa do ponto de vista económico e social. É porque, quando o meio de produção respectivo ou a empresa não está a exercer as suas funções sociais, pode aí suscitar-se a possibilidade de uma intervenção do Estado sem a necessidade de obrigatoriedade constitucional de uma justa indemnização (justa do ponto de vista económico ou financeiro).

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos passar agora ao artigo 90.º
Para o artigo 90.º, temos duas propostas do projecto originário, do CDS-PP e também do PSD, para a sua eliminação. Temos ainda uma proposta de alteração subscrita pelo Deputado Arménio Santos, também do projecto originário.
Agora, em segunda leitura, temos mais duas propostas: uma, de alteração do artigo 90.º e, outra, de aditamento de um novo número.
Já mandei distribuir a proposta apresentada pelo PCP, bem como a proposta de aditamento de um novo número, apresentada pelo PS.
Srs. Deputados, enquanto essas propostas não chegam, admitem que poderíamos votar as propostas de eliminação?

Pausa.

Os Srs. Deputados do CDS-PP mantêm a proposta de eliminação. Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mantém-se a vossa proposta de eliminação?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras do Orador.)

O Sr. Presidente: Não. Primeiro, vamos pôr à votação as propostas de eliminação

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sim, a nossa mantém-se.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos proceder à votação, em conjunto, das propostas de eliminação do artigo 90.º, apresentadas pelo PSD e pelo CDS-PP.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

Assim sendo, subsistem as propostas do Sr. Deputado Arménio Santos. Agora, em segunda leitura, há uma proposta apresentada pelo PCP e outra apresentada pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, a nossa proposta resulta de uma adaptação que entendemos fazer à proposta originariamente apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos, porque nos parece que a sua proposta tinha um sentido útil que é o de consagrar a participação dos trabalhadores com a referência concreta aos órgãos de gestão e fiscalização das empresas.
Entendemos, no entanto, que a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos tinha dois problemas para nós.

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Um deles porque suprimia a efectiva gestão dos trabalhadores, a participação dos trabalhadores, que está consagrada no actual artigo 90.º e que diz que nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão.
O outro porque tinha uma palavra a mais, no nosso entender, quando se referia à "representação junto dos respectivos órgãos de gestão e fiscalização", na medida em que esta palavra "junto" poderia conduzir a uma solução legal em que não haveria uma participação efectiva nesses órgãos, mas haveria uma qualquer forma de participação junto desses órgãos. Era, portanto, uma garantia muito mais difusa, menos concreta e que poderia redundar numa verdadeira negação da participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão e fiscalização.
Pareceu-nos, pois, que seria adequado fazer uma proposta no sentido de aproveitar aquilo que para nós era a parte positiva da proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, mas deixando claro que, do nosso ponto de vista, a representação nos órgãos de gestão e fiscalização deve ser uma representação efectiva desses órgãos e não apenas uma qualquer forma de participação junto dos órgão de gestão e fiscalização das empresas.
Daí o sentido da proposta que fizemos chegar à mesa.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Relativamente à intervenção do Partido Comunista e à sua proposta n.º 112, queria dizer que o PSD já tinha deixado claro, aquando da discussão da primeira leitura, que não se revê na proposta do Sr. Deputado Arménio Santos e, por maioria de razão, muito menos nesta agora formulada pelo Partido Comunista.
A proposta do Deputado Arménio Santos falava na representação junto dos órgãos de gestão e não na participação efectiva na gestão. De resto, a própria defesa que foi feita, na altura, por parte dos Deputados subscritores em conjunto com o Sr. Deputado Arménio Santos - salvo o erro o Sr. Deputado Francisco Martins que aqui esteve nessa ocasião - teve o cuidado de explicitar que a posição do PSD era diversa da posição dos Srs. Deputados subscritores deste texto.
É evidente, para nós, que a experiência perfeitamente elucidativa que nos 20 anos que levamos de vigência da nossa construção democrática e da legislação em sua concretização, que permite aos trabalhadores a nomeação de representantes para os órgãos sociais das empresas públicas, das unidades de produção do sector público, tem sido perfeitamente elucidativa, repito, no sentido de clarificar duas coisas. Por um lado, o relativo desinteresse que as próprias organizações de trabalhadores têm tido no sentido de pugnar sistematicamente pela concretização da nomeação de representantes seus para os órgãos de gestão. E isto por uma razão política que, do ponto de vista do PSD, é uma razão política evidente para toda a gente, ou seja, os trabalhadores, obviamente, não se querem co-responsabilizar, porque é exactamente isso que pretende o legislador e que pretendeu o legislador constituinte ao impor aqui esta norma. Os trabalhadores e as suas organizações representativas, em muitos casos, não pretendem co-responsabilizar-se pelos actos de gestão; pretendem, sim, manter um distanciamento que lhes permita uma posição crítica relativamente a esses mesmos actos de gestão, mesmo quando eles são realizados pelas unidades do sector público por gestores públicos.
Por outro lado, é evidente que do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, esta é uma norma claramente redutora da defesa dos seus interesses, pois os trabalhadores não podem ser co-responsabilizados pela gestão das empresas, ainda que seja das empresas do sector público. Eles têm uma posição e um distanciamento crítico que são salutares à defesa dos seus interesses.
Nesse sentido, aí estará, talvez, a razão de ser de esta norma ter caído claramente em desuso, diria mesmo assim, ao longo dos últimos anos da realidade da legislação em vigor sobre a participação dos trabalhadores nas empresas públicas, que é isso do que se trata e é esse o desenvolvimento que existe actualmente.
A supressão seria o caminho adequado.
A proposta do Deputado Arménio Santos e outros vinha no sentido de tentar ultrapassar essa co-responsabilização, esse efeito nocivo que decorre do actual texto constitucional, e permitir apenas a representação junto dos órgãos, ou seja, não havia co-responsabilidade no funcionamento dos órgãos.
Em qualquer circunstância, o Partido Comunista ao retomar um texto que, do nosso ponto de vista, enferma dos mesmos defeitos do texto inicial, não pode, obviamente, contar com o apoio da parte do PSD e, com toda a lealdade e frontalidade, aqui o deixamos expresso.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, gostava de fazer um pedido de esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Deputado Luís Marques Guedes, considero comovente a sua interpretação dos interesses dos trabalhadores, mas o Sr. Deputado não tem razão. E não tem razão porque desde há vários anos que têm sido denunciadas nesta Assembleia, especialmente aos grupos parlamentares, situações em que a participação dos trabalhadores em órgãos de gestão de empresas públicas era, pura e simplesmente, negada pelas nomeações governamentais.
E posso dar-lhe casos concretos. Durante vários anos, recebemos aqui delegações de comissões de trabalhadores, designadamente da TAP e da RTP, em que vinham denunciar a esta Assembleia o facto de, sistematicamente, lhes ser negada a participação na gestão dessas empresas a que legal e constitucionalmente tinham direito.
Nesse sentido, quando o Sr. Deputado diz que a norma caiu em desuso, a norma não caiu em desuso tanto como isso. Só que, inequivocamente que por acção directa dos governos do PSD, pelo menos dos governos do PSD - não tenho memória mais para trás, mas provavelmente haverá aqui quem tenha e poderá referir-se a isso -, o que tem acontecido é que houve uma negação da participação dos trabalhadores nesses órgãos.
É evidente que o Sr. Deputado terá razão numa coisa, isto é, não será do interesse dos trabalhadores envolverem-se em funções de gestão de natureza executiva nas empresas, mas essa não é a única forma de participação possível. Mesmo na proposta que aqui fazemos, e mesmo na proposta feita pelo Deputado Arménio Santos e outros, refere-se a participação, designadamente, em órgãos de fiscalização,

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sendo que ela também é possível em órgãos de gestão que não tenham natureza directamente executiva.
Pedi a palavra porque o Sr. Deputado fez uma interpretação dos interesses dos trabalhadores, dizendo que esta norma terá caído em desuso por falta de interesses dos trabalhadores nesta participação, quando isso não é verdade. De facto, o que aconteceu foi que os trabalhadores sempre manifestaram interesse, mas, em muitos casos, foi-lhes negada, de forma inconstitucional e ilegal, a participação nos órgãos de gestão a que inequivocamente têm direito.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, queria dizer que a intervenção do Sr. Deputado António Filipe contradiz os próprios termos da proposta que formulou. Quando o Sr. Deputado António Filipe agora me interpela no sentido de chamar a atenção para o facto de a participação dos trabalhadores em órgãos de gestão poder não comportar situações executivas, pergunto por que é que o Partido Comunista, logo na exposição inicial relativamente à proposta que lhe serviu de fonte, que é a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, acrescentou a expressão "efectiva participação na gestão". É evidente que "participação efectiva na gestão" não pode ser outra coisa que não seja o exercício de funções executivas!

O Sr. António Filipe (PCP): * Ora essa! Essa é boa!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Então, Sr. Deputado, não percebo por que é que corrigiram a proposta do Sr. Deputado…

O Sr. António Filipe (PCP): * Então, não há administradores não executivos, mesmo em empresas privadas?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Deputado, a ser assim, não posso entender por que é que corrigiram a proposta inicial do Sr. Deputado Arménio Santos, que falava apenas na participação nos órgãos de gestão, passando utilizar a expressão "participação efectiva". É evidente que este tom enfático que é colocado à participação na gestão, dizendo "participação efectiva", só pode querer significar que é a participação na gestão do dia-a-dia, ou seja, não nos órgãos de administração que definem as grandes linhas estratégicas do desenvolvimento da empresa, mas na gestão efectiva corrente.
Sr. Deputado, em qualquer circunstância, é evidente que, quer na gestão efectiva do dia-a-dia, quer na gestão macro, em termos de plano de actividades, de grandes linhas de orientação da gestão da empresa, o problema, o pecado original, se quiser, estará lá sempre: é o problema da co-responsabilização dos representantes dos trabalhadores assim investidos nos órgãos de gestão da empresa face aos fracassos e às frustrações que o desenvolvimento económico-financeiro da actividade da empresa venha a revelar. E é evidente que isso é prejudicial - pelo menos numa pequena parte, o Sr. Deputado não me negará essa evidência - ao interesse que os trabalhadores têm em "separar as águas", em manter um claro distanciamento, como o PSD também propugna. Uma coisa são as responsabilidades de gestão e de direcção da empresa, outra são os interesses dos trabalhadores na vida da empresa; são planos distintos, os quais devem levar a uma lógica de concertação e não a uma lógica de responsabilização partilhada.
Para o PSD é perfeitamente claro. Estranho que para o Partido Comunista… Há pouco, o Sr. Deputado Octávio Teixeira, a propósito de uma outra norma, dizia-me para utilizar o termo "classes". Ora, a própria dialéctica da luta de classes levaria a que propugnassem um claro distanciamento e não uma co-responsabilização.
Portanto, o Partido Socialista, que agora está a pedir ao PSD para apelar ao sentimento de luta de classes,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao sentimento, não, à ideologia!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * … devia rever-se nas minhas palavras e pôr em causa o seu voto de há pouco, que inviabilizou a eliminação desta norma da Constituição, que é uma norma que vai exactamente no sentido de baralhar os dados e contribuir para uma co-responsabilização não desejada nem desejável dos trabalhadores no plano empresarial!
Os trabalhadores têm interesses próprios dentro da empresa, os órgãos de gestão têm outros interesses, o que não quer dizer que sejam conflituais, mas seguramente devem ser distinguidos claramente para que não haja dúvidas sobre a responsabilização.

O Sr. António Filipe (PCP): * Então, Marx sempre tinha razão!

O Sr. Presidente: * Algum dos Srs. Deputados do PS deseja usar da palavra para se reportar à proposta que apresentaram, de aditamento de um novo número ao artigo 90.º?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a proposta auto-explica-se.

O Sr. Presidente: - Auto-explica-se? Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães!

O Sr. José Magalhães (PS): * (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) … no âmbito da Constituição, mas, se não se faz uma imposição dessa participação, essa será a participação que resultar daquilo que puder ser obtido por instrumento, onde se abrangem convenções colectivas, acordos e outras formas de concertação, microconcertação ou macroconcertação, que permitam esses aumentos de participação, porque esta participação não levará o PSD a ter algum horror pós ou pré-bernsteiniano em relação à concertação!

O Sr. Presidente: * Estas referências ideológicas estão cada vez mais interessantes à medida que a tarde decorre!
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, sobre esta matéria, o PSD tinha uma visão de fundo diferente, que passava, como bem se lembram, pelo artigo 54.º, na formulação que então propusemos.

O Sr. José Magalhães (PS): * Que não foi alterado!

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O Sr. Presidente: * Isso nas propostas que o PSD apresentou e que não tiveram vencimento.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Na formulação que propusemos na altura própria…

O Sr. José Magalhães (PS): * Derrotada!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sim, que foi derrotada.
Essa era uma visão onde não se distinguia o sector público e o sector privado e era, portanto, uma visão estratégica do fenómeno empresarial na sua importância actual, numa perspectiva e numa visão prospectiva mais do que agarrada a conceitos do passado.
Como isso não foi aprovado e o artigo 54.º manteve as comissões de trabalhadores com os amplos poderes que tinham, na nossa perspectiva, o actual n.º 2, agora proposto em acrescento ao artigo 90.º, não se justifica.
Em primeiro lugar, pensamos que a participação dos trabalhadores está assegurada pelos termos do artigo 54.º, através das comissões de trabalhadores. É uma terminologia que devia ter sido aggiornata e não foi, devia ter ido para uma espécie de concertação (qualquer microconcertação ou até mesmo a ideia de comités de empresas, que também é uma terminologia comunitária) e não foi. Quer dizer, continuamos aqui agarrados a uma terminologia datada e, nessa medida, sendo datada, também continua datada nas suas funções.
Como tal, estender agora, através do n.º 2 do artigo 90.º, ao sector privado uma participação dos trabalhadores na gestão, num momento em que o sector privado se encontra já desempoeirado e fora de tutelas daquelas que noutros tempos se arvoraram e foram impostas, não faria sentido. Isto é, na nossa maneira de ver, não interessa duplicar a intervenção, pois o artigo 54.º, uma vez que tem de ficar, por força da votação aí alcançada, é suficiente, a não ser que o Partido Socialista, para introduzir o actual n.º 2 no artigo 90.º, queira ainda, e a tempo, rever o artigo 54.º, e, então, haverá que harmonizar os dois artigos.
Se for esse o sentido da proposta de repensar o artigo 54.º, estamos abertos a reconsiderar em conjunto os dois artigos. Se, pelo contrário, o Partido Socialista mantém o artigo 54.º com os amplos poderes e com as funções aí definidas para as comissões de trabalhadores, então, pela nossa parte, não vemos vantagens em duplicar formas de participação dos trabalhadores também agora na gestão do sector empresarial privado. Tanto mais que as comissões de trabalhadores têm, no artigo 54.º, funções sindicais, coisa que não se passaria na verdadeira concertação de empresas, onde a defesa dos interesses dos trabalhadores não seria própria desses órgãos de concertação mas, sim, a dos interesses da empresa, vista como uma comunidade, como uma comunhão de interesses de um todo da sociedade e dos trabalhadores e dos seus empresários e patrões em geral.
Ainda acresce que, ao lado do artigo 54.º, há também o artigo 80.º, alínea f), que, embora numa versão mais moderada, não deixa de consagrar igualmente essa participação e intervenção dos trabalhadores.
Como tal, são três normas que, de algum modo, estavam a querer sobrepor-se e estender a este sector da actividade empresarial privada esta rubrica da intervenção dos trabalhadores.
Penso que fica assim compreendido que, salvo uma hipótese de reconsideração do artigo 54.º que o Partido Socialista esteja disponível a fazer, pela nossa parte, o n.º 2 não se justifica e, duplicando ou triplicando, implicaria esforços inúteis. O comité de empresas ou concertação de empresas seria uma coisa, as comissões de trabalhadores, tal qual estão previstas, são outra coisa e, por isso, não merece o nosso aplauso.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, há uma terceira solução. O Sr. Deputado Galvão da Silva acabou de sublinhar, a traço bastante forte, aquilo que fizemos em sede de artigo 54.º. O que fizemos, está feito. O artigo 54.º, n.º 5, alínea f), mantém rigorosamente aquilo que é aquisição constitucional, desmentindo, de resto, algumas ideias veiculadas incertificando essa solução, mas não, ela está firme!
Não havendo consenso indiciário para fazermos uma espécie de projecção, transposição e reafirmação nesta sede, não se faz. Retiramos a proposta, mas ficam inteiramente clarificados: a valia e o alcance das normas que já constam da Constituição e acarretam, em todos os terrenos, um direito de intervenção muito concreto, importando, obviamente, garantir o seu exercício e a via para o exercer eficazmente.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, peço só alguns segundos de espera antes de retirarem a proposta para poder dizer alguma coisa sobre a mesma.
Do nosso ponto de vista, uma norma destas teria todo o sentido e a única objecção que colocaríamos a esta proposta diz respeito apenas à inclusão de expressão "concertação empresarial".
Há pouco, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, num assomo de marxismo insuspeitado, explicou-nos a diferença fundamental de interesses que há entre os trabalhadores e a entidade patronal, embora na altura se estivesse a referir concretamente a empresas do sector público.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Marx caiu no domínio público há muito tempo!

Risos.

O Sr. António Filipe (PCP): * Isto tudo para dizer que não entendo muito bem este conceito de concertação empresarial como é aqui referido. Entendo o que é a participação dos trabalhadores na gestão empresarial, mas tenho mais dificuldade em entender o que é a participação dos trabalhadores na concertação empresarial.
Daí que a única objecção a esta proposta tenha a ver com esse termo e estaríamos inteiramente disponíveis para votar favoravelmente a proposta, se esta palavra fosse suprimida. Em qualquer caso, esta proposta, mesmo nos termos em que está apresentada, não mereceria seguramente a nossa oposição. De qualquer maneira, se ela está retirada, isto já não fará sentido.

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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do artigo 90.º, apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e do CDS-PP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

É garantida aos trabalhadores a participação na gestão das empresas integradas no sector público, designadamente através da sua representação junto dos respectivos órgãos de gestão e fiscalização, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de alteração do artigo 90.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

É garantida aos trabalhadores a participação efectiva na gestão das empresas integradas no sector público, nomeadamente através da sua representação nos respectivos órgãos de gestão e fiscalização, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: * Está esgotada a matéria relativa ao artigo 90.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para uma declaração de voto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, era só para explicitar, face a alguma perplexidade de alguns Srs. Deputados, que o PSD se absteve quanto à proposta do Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD porque é evidente que, dentro do princípio de que "quem quer o mais quer o menos", se o PSD propunha, ou fez votar nesse sentido, em conjunto com a proposta do Partido Popular, a eliminação deste princípio da participação dos trabalhadores na gestão, não poderíamos estar em desacordo que, pelo menos, se reduzisse esta regra constitucional, não para uma participação efectiva, mas para uma representação junto dos órgãos de gestão.
Foi apenas dentro deste princípio de que "quem quer o mais quer o menos" que o PSD se absteve, porque, apesar de tudo, sempre representaria alguma benfeitoria, ainda que pequena, ao actual texto constitucional.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos assim em sede de artigos relativamente ao Título II da organização económica, que se reporta à matéria dos planos.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, para pedir o encerramento dos trabalhos, pois já passa da hora regimental e acabámos de votar este capítulo.
De resto, queria dizer, em nome do PSD, que, quando há compreensão dos Srs. Deputados do Partido Socialista relativamente aos melhoramentos do texto constitucional, apesar de tudo, consegue-se andar bem. Durante o dia de hoje discutimos 10 artigos, o que, de facto, denota, numa matéria difícil como é a da organização económica, que, quando há bom senso na discussão dos trabalhos, é possível andar-se para a frente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, temos, então, uma boa e uma má notícia. Começando pela má notícia, devo dizer que não podemos chegar, conforme o agendamento indicativo que tinha sido feito, ao artigo 103.º. A boa notícia é a de que, no entanto, se não tivesse havido o atraso de apreciação que decorreu por efeito da discussão travada na última sexta-feira, teríamos cumprido algo parecido com a proposta inicial do PS, o que quer dizer que a produtividade, de acordo com o esquema inicial, não andou longe das possibilidades.
Temos, neste momento, uma reunião de atraso, não por efeito da reunião de hoje, mas por efeito da reunião perdida quanto à matéria propriamente em debate, ou seja, o articulado constitucional da última sexta-feira.
Assim sendo, Srs. Deputados, vou propor como ordem de trabalhos para a próxima reunião, que é amanhã, a matéria até ao artigo 103.º, inclusive.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, creio que é um mau princípio acabarmos as reuniões à hora regimentalmente prevista sempre que elas se iniciam depois da hora regimentalmente prevista. Como a nossa reunião de hoje à tarde se iniciou exactamente às 15 horas, 28 minutos e 15 segundos, proponho que esta reunião decorra até às 19 horas, 28 minutos e 15 segundos!

Apartes inaudíveis na gravação.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, já marquei, a título indicativo, a ordem de trabalhos da nossa próxima reunião, que terá lugar amanhã, às 21 horas. Peço aos Srs. Deputados a diligência para podermos começar pontualmente e declaro os nossos trabalhos encerrados por hoje.

Eram 19 horas e 10 minutos.

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