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Quarta-feira, 4 de Junho de 1997 II Série - RC - Número 99

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 3 de Junho de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 10 horas e 35 minutos.
Procedeu-se à discussão e votação de propostas de alteração relativas aos artigos 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, 105.º e 106.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Jorge Lacão), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá (PCP), José Magalhães (PS), António Filipe (PCP, Teresa Patrício Gouveia e Carlos Encarnação (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP), Barbosa de Melo e Miguel Macedo (PSD), Octávio Teixeira (PCP), António Moreira da Silva, Francisco Torres e Calvão da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, se não erro, estamos em sede de artigo 96.º, que tem como epígrafe "Objectivos da política agrícola".
Registo dois aspectos: em primeiro lugar, não há propostas novas em segunda leitura; em segundo lugar, da primeira leitura não resultou consenso registado quanto a alterações, excepto num ponto, que se refere à possibilidade de o n.º 2 deste artigo vir a fazer uma menção à política florestal. Até chegarmos ao n.º 2, imagino, Srs. Deputados, que estarão de acordo comigo quanto à possibilidade de fazermos votações.
A primeira proposta sobre a qual deliberaremos consta do projecto do CDS-PP e visa a eliminação em bloco do artigo 96.º.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 96.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero informar que o Partido Popular entende que a matéria económica não deve ter dignidade constitucional, nomeadamente no que diz respeito à sua organização e à sua política.
Ora, como podemos verificar, a epígrafe do artigo em questão e em debate é precisamente "Objectivos da política agrícola". Com certeza que os objectivos da política agrícola variam conforme a política do Governo, conforme a própria ideologia e o partido que sustenta o Governo, mas pensamos que a Constituição deve ser um seguro contra todos os Governos, não pode variar, ou não pode estar a ser objecto de revisão, sempre que muda a política nos diversos sectores da actividade económica. É com respeito a essa ideia que a Constituição deve consagrar princípios fundamentais, princípios de organização de Estado, princípios da defesa dos direitos subjectivos e dos direitos fundamentais da pessoa humana, e não mais do que isso. Pensamos que tudo o resto é abusivo, é uma intromissão excessiva do Direito Constitucional e é contraditório com o verdadeiro exercício da actividade democrática.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não tendo havido debate sobre a proposta em causa, aproveito a figura da declaração de voto para explicitar a posição do Partido Social Democrata sobre esta votação, isto é, por que votámos contra a eliminação do artigo 96.º.
Entendemos que a Constituição, na parte da definição das políticas sectoriais, é demasiado programática; aliás, o PSD sempre o entendeu, desde 1975. Nesse sentido - como na sequência deste debate irá ficar mais claro -, propomos uma simplificação sistemática importante do Título III, das políticas sectoriais na Constituição.
Em qualquer circunstância, entendemos que há lugar, no texto constitucional, à definição de grandes objectivos, à semelhança do que acontece já nos artigos 102.º e 103.º, que dizem respeito à política comercial e à política industrial.
O PSD entende - e irá defender esta ideia neste processo de revisão constitucional - que existe actualmente um desequilíbrio no próprio texto constitucional, que trata a política agrícola em cinco artigos, a política comercial num artigo e a política industrial num outro. Do nosso ponto de vista, deve haver um esforço de simplificação do texto constitucional no sentido de as várias políticas sectoriais serem tratadas com uma dignidade constitucional semelhante, em que sejam apontados apenas os grandes objectivos, os princípios de política sectorial em cada um destes três sectores.
De facto, a haver hoje em dia uma preponderância no tecido económico nacional e no tecido social, ela já não será, eventualmente, da parte agrícola, pois a agricultura não representa, nem de perto nem de longe, como todos sabemos, a nenhum nível (nem a nível económico nem a nível de utilização de recursos humanos), sequer um quarto do esforço nacional, muito menos ainda, seguramente, a proporção que a Constituição aparentemente lhe reservaria neste artigo, que aponta para os 70% ou 80%.
Nesse sentido, pensamos que a eliminação tout court seria um empobrecimento errado e que na Constituição há lugar à definição, nesta parte económica, dos grandes objectivos de política económica em cada um dos principais sectores de actividade, por isso votámos contra.
No entanto, julgamos que deve haver uma simplificação constitucional significativa, porque o actual texto constitucional apenas é herdeiro de um momento histórico e de uma maneira de pensar que maioritariamente se expressou na altura da redacção inicial do texto constitucional em 1975. A evolução económica e social do País demonstrou que não é maioritariamente, hoje em dia, esse o pensamento ideológico e, portanto, a Constituição deve ser revista neste capítulo, embora, do ponto de vista do PSD, não deva haver uma pura e simples eliminação.
Sr. Presidente, foi esta a razão de termos votado contra a eliminação pura e simples do artigo 96.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá, também para uma declaração de voto.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, não estamos de acordo com a ideia de uma Constituição mínima, decalcada do tipo de leis fundamentais do século XIX. Julgamos que uma coisa é a Constituição ser suficientemente flexível para caberem nela diferentes projectos consoante o partido que obtém a maioria, outra coisa completamente diferente é a Constituição ser "branca" ou inexistente, designadamente não assegurar o mínimo de defesa da economia do País e dos direitos económicos, sociais e culturais perante os diferentes projectos governativos.
Hoje em dia, a existência de uma Constituição económica é praticamente generalizada nas diferentes leis fundamentais dos vários países. Naturalmente, existem constituições económicas mais densas, mais pormenorizadas, outras que o são menos, mas a ideia de uma Constituição que tenha apenas algumas regras fundamentais do funcionamento do sistema político e algumas liberdades públicas não é de todo em todo partilhada por nós.

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Pelo contrário, creio que o problema que se coloca em face da política agrícola comum, em face de determinados projectos que apontam para uma progressiva destruição da agricultura portuguesa, é o de simultaneamente assegurar uma fixação mínima de objectivos da política agrícola e, por outro lado, colmatar algumas importantes lacunas que continuam aqui presentes, designadamente a do desenvolvimento florestal, que já tivemos oportunidade de levantar na primeira leitura e que foi, aliás, uma questão em relação à qual encontrámos abertura.
Creio que há dois planos a distinguir: uma coisa é a população activa na agricultura (como é evidente, o desenvolvimento económico em toda a parte faz diminuir a população activa na agricultura); outra coisa completamente diferente é o desaparecimento da importância da política florestal, da política agrícola, da produção agrícola, etc. Neste plano, creio que o facto de diminuir essa população activa não significa de forma nenhuma que possamos contemporizar com um quadro que aponte para a desertificação do interior do País, a desertificação dos campos, a destruição da produção nacional.
Julgamos que uma coisa é haver flexibilidade para diferentes projectos governativos, outra coisa, por exemplo, é legitimar constitucionalmente um projecto governativo do qual viesse a nascer uma perspectiva de destruição pura e simples da produção agrícola e florestal a nível nacional.
Nesse sentido, independentemente das adaptações a que estamos abertos, julgamos que é não apenas importante mas fundamental manter uma Constituição económica e uma concepção dos direitos fundamentais que não seja uma concepção liberal do século XIX mas que, pelo contrário, seja uma concepção rica, própria de uma lei fundamental do final do século XX, limiar do século XXI.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, votámos contra a proposta do CDS-PP em coerência com a concepção que temos de que não faz sentido a excomunhão política da existência de uma Constituição económica. Essa concepção reducionista é contrária a um moderno pensamento constitucional e é ela própria incoerente, uma vez que aquilo que consta hoje da Constituição é um conjunto de grandes desígnios, os quais são susceptíveis de serem subscritos por um grande espectro de forças políticas. Tenho grande dificuldade em imaginar uma força política que se proponha assegurar o uso e a gestão irracional do solo ou a desincentivar e combater o associativismo dos agricultores, etc.
Em segundo lugar, não há bitola para o tamanho exacto de uma Constituição económica.
Em terceiro lugar, as constituições não são imunes à marcha do tempo, portanto, estamos inteiramente conscientes de que há um desequilíbrio congénito entre as várias componentes deste título. A verdade é que esse desequilíbrio foi atenuado em 1989 - curiosamente, só em 1989 - com a introdução de uma componente relativa à política comercial e à política industrial. Isso, obviamente, não imuniza as outras políticas de estarem subordinadas aos grandes princípios que artigos como o 90.º ou o 80.º definem e que são "omniaplicáveis" ou aplicáveis a todos os sectores.
Não vejo, por isso, necessidade de obras, mas estamos disponíveis para aditar uma menção à política florestal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar adiante.
Há uma proposta de alteração do proémio do n.º 1 do artigo 96.º, constante do projecto do PSD. No entanto, propunha que deixássemos o proémio para deliberação na sequência da votação das várias alíneas constantes no mesmo projecto e de outros projectos. Se o PSD estiver de acordo, passamos, assim, à alínea a) da sua proposta, que também não obteve consenso, nem há sobre ela propostas novas.
Vejamos: em relação à alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º foi apresentada uma proposta pelo PSD e uma outra pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer uma proposta ao Partido Socialista, na sequência do debate da primeira leitura.
Ficou claro que, da parte do Partido Socialista, não haveria disponibilidade para tentar, na economia deste artigo, fazer a fusão desta preocupação de aumento da produtividade com a promoção do bem-estar dos agricultores e dos trabalhadores rurais, ou seja, para a tentativa de fusão, nessa parte, da alínea a) com a alínea b), pelo que não vou insistir nesse ponto.
Em qualquer circunstância, a questão que coloco é a de saber se há disponibilidade da parte do Partido Socialista para incluir na alínea a) o conceito de competitividade e de qualidade dos produtos. De facto, a alínea a) aponta apenas para uma lógica de aumento de produção, que hoje em dia é uma lógica perfeitamente ultrapassada em termos até da própria teoria económica e da internacionalização das trocas. O problema que se coloca à agricultura, como a qualquer outro sector de actividade, não é tanto o da massificação da produção mas, sim, seguramente, o da qualidade e da competitividade.
Nesse sentido, a questão que coloco é a de saber se há abertura da parte do Partido Socialista quanto à introdução destes dois conceitos, porque rapidamente poderíamos tentar fazer um esforço de redacção para incluir as ideias da qualidade e da competitividade, ou em substituição ou em acrescento relativamente ao que consta da alínea a).

O Sr. Presidente: - Por outro lado, na proposta do PSD desaparece a referência aos meios humanos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nesse caso, o PSD retirava a ideia da fusão, mantendo só a alusão à competitividade e à qualidade dos produtos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Qual seria a redacção da norma, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, havendo abertura da parte do Partido Socialista, é evidente que a sugestão mais simples era falar do aumento da competitividade da agricultura, pois é um conceito mais vasto, mais dinâmico e tem em si as preocupações não só do aumento da produtividade como também do aumento da produção, naquilo em que o mesmo possa interessar ao bem-estar dos agricultores. É que o aumento da produção pelo aumento da produção, muitas vezes, é contraproducente!…

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agora não peço razões de fundamentação da proposta, apenas a sua objectivação.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, podemos considerar, sem nenhuma dificuldade, a alusão à necessidade de aumentar a qualidade, ou de assegurar a qualidade, dos produtos, porque tal não suscita nenhuma dúvida de fundo. O problema é que o Sr. Deputado deixou exarada uma interpretação da norma actual da alínea a) do n.º 1, parte inicial, que fala em "aumentar a produção e produtividade da agricultura", numa leitura vulgar da norma.
É uma leitura vulgar porque não está consagrado o aumento da produção pela produção, menos ainda o aumento anticompetitivo da produção. Portanto, no sentido actual, no sentido real, no sentido correcto, o aumento da produção em si insere-se constitucionalmente numa filosofia de competitividade e de garantia de uma competitividade, para a qual a produção é um factor; não se pode competir se não se produzir adequadamente determinado produto.
Portanto, recuso-me a ler a norma constitucional actual como consignando outra coisa que não precisamente uma preocupação de competitividade. Francamente, não vejo nenhum inconveniente em aditar-se ao texto actual, sem perda de conteúdo, o conceito de competitividade. Francamente, não há nenhum inconveniente nisso, não vemos é vantagem em lançar a dúvida sobre se o texto actual quer dizer o contrário disso, porque de facto não quer! Assim, essa alteração seria apenas uma explicitação e, nesse sentido, um enriquecimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, percebendo a posição do Partido Socialista, proponho que se mantenha o início da norma e que no objectivo, depois de fazer-se referência ao aumento da produção e da produtividade,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro, exacto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … se coloque a expressão "tendentes a assegurar uma maior competitividade".
Não sei se seria possível falarmos aqui também na qualidade dos produtos, porque, no fundo, aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães está a dizer é que a produção e a produtividade podem ser compagináveis com objectivos de competitividade e de qualidade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, deixemos na norma a referência à produção e à produtividade, mas digamos que são tendentes a assegurar… A questão dos meios humanos, cuja supressão o PSD propunha, pode manter-se perfeitamente, desde que fique claro que esta dotação dos meios humanos adequados é no objectivo da competitividade. Se assim for, fica claro que não se fala de meios humanos por meios humanos, não é pela massificação mas por uma lógica de competitividade e de qualidade dos produtos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Salvo melhor opinião, não seria muito difícil chegar a uma redacção que dissesse, por exemplo, "tendentes a assegurar a qualidade dos produtos, o melhor abastecimento do País, o incremento da exportação e a competitividade da agricultura".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nesse caso, só pergunto se não será melhor estabelecer o princípio da competitividade logo à cabeça, independentemente de referir tudo o mais de que falou, porque me parece que a competitividade é capaz de ser o problema básico. É que não basta produzir muito e produzir com qualidade, se não formos competitivos, não adianta nada. A verdade é esta!
Assim, Sr. Deputado, até que ponto seria possível inverter essa redacção que ensaiou agora no sentido de colocar logo o problema da competitividade?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não vemos inconveniente nessa sugestão. Relativizaria a importância da ordem da enumeração, sendo certo que não vale a pena fazer uma leitura "presentista" e "conjunturalista" da Constituição nesta fase. Por exemplo, a taxa de cobertura das necessidades alimentares portuguesas pela produção interna é extremamente limitada, o que não é uma situação interna.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu tinha ensaiado uma outra fórmula, que sendo assim estaria prejudicada. Era a seguinte: "(…)tendentes a assegurar a melhor competitividade, a qualidade dos produtos, bem como assegurar a sua comercialização e o melhor abastecimento do País". Estavam aqui os vários segmentos de actualização.

O Sr. José Magalhães (PS): - A competitividade ou existe ou não existe. É um conceito cuja adjectivação é um pouco melindrosa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o objectivo de aumentar a produção e a produtividade parte de uma situação que, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães acaba de referir, ou seja, de uma taxa de cobertura muito baixa das necessidades alimentares do País, designadamente em matéria agrícola. O Sr. Ministro da Agricultura, de resto, em termos muito característicos e muito próprios, chamou a atenção para este facto ainda há pouco tempo.
De qualquer modo, apelo à reflexão de todos relativamente a uma ideia. É evidente que há tendências de globalização económica, é evidente que estamos inseridos num processo de integração económica que também é conhecido, porém, pergunto se o aumento da produtividade com qualidade não garante o valor da competitividade. Este é um problema fundamental.
Admitiria, neste contexto, que se acrescentasse a ideia de qualidade, embora julgue que a mesma está de algum modo inserida na ideia de produtividade - tenho dificuldade em conceber produtividade que não implique a qualidade.
Portanto, estaria disponível para encarar a questão da qualidade, mas a substituição da ideia de produção e produtividade por competitividade creio que se presta claramente a uma determinada leitura, leitura que vai no sentido

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de prescindir de valores, designadamente do valor de assegurar a alimentação adequada, o aumento de produção e todos os outros objectivos que estão a seguir, por um valor de competitividade num contexto de integração. Isto é, perde-se a ideia de aumento de produção, de produtividade - insisto em dizer que estaria disponível para encontrar a melhor forma de inserir a ideia de qualidade -, em função de um valor de competitividade. É evidente que há outros valores que estão na Constituição e que moderarão essa leitura, mas é fácil extrair daí uma tentativa de leitura que enviesará o mercado em prejuízo de outros valores, designadamente de valores que têm que ver com direitos económicos que muito prezamos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, talvez pudesse ler-nos a proposta formulada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, precisamente para atalhar e conseguirmos evitar todos os inconvenientes mencionados até agora na acta, preservando o que é específico deste preceito e não o colonizando com concepções político-ideológicas distintas do sinal da Constituição, mantínhamos tudo e aditávamos a expressão "tendentes ao reforço da competitividade e a assegurar a qualidade dos produtos, o melhor abastecimento do País e o incremento da exportação".
Suponho que esta fórmula pode ser totalmente consensual.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, enquanto essa proposta circula, e dado que o texto inicial do PSD será substituído pela versão agora lida, proponho que votemos a proposta de modificação da mesma alínea a) apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração da alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º, apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

Era a seguinte:

a) Aumentar e diversificar a produção e produtividade da agricultura, dotando-a de infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do País, a valorizar os produtos nacionais no mercado, bem como o incremento da exportação.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, se estivessem de acordo, voltava a ler a proposta tal como está apresentada para, se não houver objecções - se as houver, não se fará assim -, podermos votá-la.
A proposta que o Sr. Deputado José Magalhães e Luís Marques Guedes nos deixam é no sentido de uma alteração apenas ao segmento final da alínea a), que passará a ser do seguinte teor: "(…)tendentes ao reforço da competitividade e a assegurar a qualidade dos produtos, o melhor abastecimento do País e o incremento da exportação".

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se bem percebi, na formulação actual trata-se apenas de inserir uma referência à competitividade e à qualidade dos produtos.

O Sr. Presidente: - Será "o incremento da comercialização"?

O Sr. José Magalhães (PS): - É "o melhor abastecimento do País". Como compreende, é difícil conceber o melhor abastecimento do País sem a adequada comercialização, a não ser que se adoptasse uma óptica de Estado.
Srs. Deputados, não vejo inconveniente em aditar-se a palavra sagrada "comercialização", não vejo vantagem em se diminuir esta ideia um tanto utópica, mas simpática, do incremento da exportação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também incluindo o aditamento "comercialização", vamos votar a proposta de substituição da alínea a) do n.º. 1 do artigo 96.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

a) (...), tendentes ao reforço de competitividade e a assegurar a qualidade dos produtos, o melhor abastecimento do país e o incremento da exportação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, creio que o texto proposto para a alínea b) do mesmo artigo fica agora um pouco distorcido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, na sequência das alterações que agora aprovámos para a alínea a), quero assinalar que o PSD, também na mesma linha, apenas fazia menção de colocar à consideração dos Srs. Deputados a inclusão na alínea b) do princípio da modernização empresarial na agricultura.
De facto, o contexto da alínea b) tem que ver com a melhoria da situação económica e social dos trabalhadores rurais e agricultores, referindo-se apenas à racionalização das estruturas fundiárias, ao acesso à propriedade e à posse da terra. Enfim, não vamos discutir essa parte - isso já se discutiu no primeiro debate -, mas a ideia de que a melhoria da situação económica deve passar por uma lógica de modernização empresarial do mundo agrícola parece-nos importante, já que tem a ver com as políticas de fixação das novas gerações, através de mecanismos empresariais na agricultura.
Como tal, Sr. Presidente, da nossa proposta inicial, gostaríamos apenas de reter este conceito de introdução de uma lógica moderna e empresarial no contexto das estruturas fundiárias. Se houver abertura, redigiremos rapidamente uma nova formulação.
Quanto a tudo o resto…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PS, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes propõe, no fundo, um aditamento à alínea b) actual, relativamente ao inciso "modernização do tecido empresarial".

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não vemos inconveniente em inserir entre "racionalização das estruturas fundiárias" e "acesso à propriedade ou à posse da terra", a expressão "modernização no tecido empresarial".

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para podermos determinar a nossa orientação de voto, gostaria de perguntar aos Srs. Deputados qual é a vantagem efectiva que vêem neste acrescento em relação, designadamente, à expressão "racionalização das estruturas fundiárias", ou em relação a outros objectivos que constam de outras alíneas, inclusive a questão da competitividade, porque, por exemplo, pode haver competitividade sem modernização das estruturas empresariais. Tenho alguma dificuldade em ver qualquer mais-valia significativa nesta matéria.
De resto, nesta revisão constitucional tem havido uma orientação geral no sentido de que as alterações, designadamente os acrescentos, devem traduzir-se em qualquer mais-valia significativa e não apenas no facto de o acrescento não fazer mal, ou não fazer muito mal.
Gostaria que os Srs. Deputados me elucidassem sobre as vantagens efectivas que retiram desta proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, entre as propostas candidatas grandemente vantajosas, supremamente vantajosas e pouco vantajosas, esta é uma proposta de alcance ou calibre médio, ou seja, a alusão à noção do tecido empresarial apenas chama a atenção para a componente humana da vida agrícola e para a ideia de que é difícil conceber uma agricultura eficaz sem empresários, sem agricultores capazes de gerir, adequadamente e face às concepções modernas, os meios de produção.
É isso que no jargão vigente, que se tornou comum a todo o tecido partidário e que hoje consta dos programas da maior parte dos partidos, se não me falha a memória, vem inculcando sob a expressão "a modernização do tecido empresarial".
Na nossa óptica não há nenhum inconveniente em introduzir no léxico constitucional uma expressão que hoje consta de programas de governo, de programas partidários e que faz parte da metalinguagem em que a própria vida empresarial no mundo agrícola está a cimentar-se. Portanto, ela é hoje tão actual como foi, em 1976, a expressão "racionalização das estruturas fundiárias". Está, de resto, associada a ela.
Ou seja, a introdução desta expressão está em conjugação e em harmonia com tudo o que está na norma, não há aqui nenhuma falta de sintonia.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?

O Sr. Presidente: - A quem é dirigida a pergunta, Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ao Sr. Deputado José Magalhães, obviamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de o questionar sobre o seguinte: ao referir, aliás com termos que não parecem particularmente felizes, o problema dos meios humanos na alínea a); ao mencionar o problema da melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, que compreende, naturalmente, a componente humana; ao citar igualmente agricultores e trabalhadores rurais noutras alíneas deste artigo e noutros lugares da Constituição, não lhe parece que a preocupação com a componente humana está suficientemente tratada?
Sr. Deputado José Magalhães, insisto na ideia de que não tenho qualquer objecção de fundo em relação a este acrescento, apenas me parece que o Sr. Deputado não foi suficientemente claro na explicação das razões por que entende tratar-se de uma melhoria de médio calibre. Diria que, da explicação do Sr. Deputado, resulta mais a ideia que se trata de uma melhoria de calibre relativamente baixo, até mesmo bastante baixo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, deseja responder?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, dou por reproduzida a intervenção actual e ficamos, assim, com uma intervenção de calibre baixo para uma proposta de calibre médio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra, Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda a propósito da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá e uma vez que questionou uma proposta do PSD relativa à inclusão da expressão "modernização do tecido empresarial", gostaria de dizer o seguinte: o Sr. Deputado Luís Sá afirmou que a racionalização das estruturas fundiárias já tem implícita essa modernização, mas não me parece que seja assim, porque, na verdade, a racionalização das estruturas fundiárias tem a ver com a organização territorial da propriedade, tem a ver, sobretudo, com a sua dimensão e não tanto com as formas de produção e de organização dos meios de produção, aspecto que queríamos valorizar ao introduzir aqui este inserto.
No contexto da produção agrícola, a organização dos meios e a organização da própria produção devem hoje reger-se, em nome da tal competitividade de que falámos na alínea anterior, por determinados critérios organizativos e, na actualidade, a forma empresa, como foi dito, parece-me estar completamente assimilada e ser o tipo de organização da produção que garante não só a sua racionalidade mas, também, uma certa responsabilização dos empresários relativamente à produção, à sua empresa, à protecção social de quem emprega, etc.
Portanto, creio que não está aqui em causa o conceito de "cultivo por subsistência", que podia estar implícito nesta alínea caso não se introduzisse o conceito empresarial. A organização da produção agrícola não deve ser feita a pensar na subsistência de agricultores, deve ter objectivos mais ambiciosos e uma estrutura de organização dos meios de produção mais modernizada.
É este o objectivo da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos em condições de votar.
Assim, começaremos por votar uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, que visa eliminar, no n.º 1 do artigo 96.º, o segmento final da alínea b). Trata-se, tecnicamente, de uma proposta

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de eliminação do segmento final, depois da referência às estruturas fundiárias.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

b) Promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores e a racionalização das estruturas fundiárias;

O Sr. Presidente: - Ainda em relação à mesma alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º, o PSD apresentou uma proposta de aditamento, alterando a sua proposta inicial, na qual se acrescenta, entre "racionalização das estruturas fundiárias" e "acesso à propriedade", o segmento "a modernização do tecido empresarial".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O que é que vamos votar, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - A proposta do PSD!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, conforme referi na minha intervenção, a proposta do PSD seria retirada se houvesse uma…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, vamos votá-la com a inclusão de um segmento que foi isolado como aditamento à alínea b) - "a modernização do tecido empresarial".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, já não é a proposta do PSD que iremos votar, mas apenas esse segmento.

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado, foi o que referi. Vamos votar apenas o segmento.
Deputados, vamos votar a proposta de aditamento que identifiquei.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e abstenções do CDS-PP e do PCP.

É a seguinte:

b) (...) e dos agricultores, a racionalização das estruturas fundiárias, a modernização do tecido empresarial e o acesso à propriedade (…)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de revisão constitucional do PCP adita uma nova alínea, a alínea d), ao n.º 1 do artigo 96.º, cuja votação deixaremos para momento posterior.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra para fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também gostaria de fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá, a que se seguirá o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: em primeiro lugar, a propósito da proposta cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, entendemos, obviamente, que o acesso à propriedade para a posse da terra e demais meios de produção por parte daqueles que trabalham continua a ser um objectivo actual e importante da Constituição Portuguesa. Aliás, este é um objectivo que ganha relevância, inclusive a nível internacional - vide, por exemplo, a luta dos Sem Terra, no Brasil -, e constituiria um empobrecimento eliminá-lo da nossa Constituição.
Em segundo lugar, abstivemo-nos na votação da proposta do PSD, porque entendemos que, independentemente da importância da modernização do tecido empresarial na agricultura, há formas juridicamente diversificadas de exploração da terra - que, aliás, são referidas noutras alíneas, designadamente na alínea e), quando se reporta ao associativismo nos agricultores e à exploração directa da terra - e que o isolamento desta questão, por um lado, não traz mais-valias significativas em relação ao que consta da Constituição e, por outro lado, é passível de uma interpretação perversa, que de todo em todo não admitimos, de que a Constituição passaria a privilegiar uma forma de exploração da terra, a empresa agrícola, em prejuízo de outras formas que continuam a ter pleno lugar.
Não digo isto no sentido de afirmar que a proposta agora aprovada consagra este tipo de concepção, mas considero que, não trazendo - como nos parece que não traz - qualquer mais-valia significativa, é de não aceitar um acrescento deste tipo, tanto mais que a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia referiu-se às empresas agrícolas em termos que poderiam, eventualmente, inculcar (espero que não seja esta a concepção da Sr.ª Deputada) a ideia de que esta seria a forma de exploração agrícola privilegiada, aquela que, de entre todas, deveria ser escolhida na óptica de modernizar o tecido produtivo.
Julgamos que, independentemente da modernização do tecido produtivo, que é um objectivo importante, tal não significa necessariamente que sejam apenas as empresas agrícolas a ser modernizadas e que a modernização do tecido produtivo obrigue a adoptar, de entre todas, esta forma de exploração agrícola.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à alínea seguinte do n.º 1 artigo 96.º.
No projecto do PCP temos uma proposta de modificação da alínea d), por aditamento, mas que vem qualificada inicialmente como alínea e), e uma outra proposta do Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca, também de aditamento à alínea d).

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me para fazer uma declaração de voto e o Sr. Presidente não me deu a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma muito breve, apenas queria referir que o PSD se absteve na votação da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS - embora concordasse com ela na parte em que é idêntica à proposta inicial do PSD - em benefício do entendimento a que chegou para a alteração do texto constitucional. Não fazia sentido o PSD manter a sua proposta inicial e, ao mesmo tempo, votar favoravelmente a nova versão que, entretanto, acordámos. Foi apenas por essa razão que nos abstivemos, embora concordemos com a questão de fundo suscitada pela proposta subscrita pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que é idêntica à do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da alínea e) constante do projecto originário do PCP, de modificação da actual alínea d) do n.º 1 do artigo 96.º da Constituição.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra pelo seguinte: aquando da discussão e votação do artigo 91.º, o PCP apresentou uma proposta de inclusão de uma referência à defesa do mundo rural bem como ao combate ao despovoamento e à desertificação. Do fim da discussão e votação desse artigo, resultou a aceitação da expressão "defesa do mundo rural", que fica consagrada no artigo 91.º, mas já não a aceitação da referência ao combate ao despovoamento e à desertificação.
A questão que coloco é se os Srs. Deputados do PS e PSD estarão na disposição, em coerência com o que defenderam a propósito do artigo 91.º, de aceitar a inclusão da expressão "defesa e desenvolvimento do mundo rural", ainda que não da expressão "combate ao despovoamento e à desertificação". E, nesse caso, estaríamos disponíveis para repartir esta nossa proposta em duas partes distintas, de forma a permitir que haja alguma coerência com o artigo 91.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta intervenção do Partido Comunista suscita uma questão que o Sr. Presidente…

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, pela interrupção.
O Sr. António Filipe reportou-se a uma alínea que não tinha posto à votação, isto é, à alínea d) da vossa proposta, que é nova.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, julgava que era essa a alínea que estava em discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tinha chamado a atenção de que iríamos apreciar a proposta de alínea e) do n.º 1 do artigo 96.º do projecto do PCP, porque é a que corresponde à modificação da actual alínea d) da Constituição. Como a alínea d) que consta do vosso projecto é nova, remeto-a para um pouco mais à frente.
Portanto, vamos votar a proposta de alínea e) constante do projecto do PCP, porque corresponde à modificação da actual alínea d).
Por conseguinte, vamos manter pendente a sua sugestão quanto à alínea d) do vosso projecto de revisão constitucional.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da alínea e) do n.º 1 do artigo 96.º, constante do projecto de revisão constitucional do PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

e) Assegurar o uso, gestão e aproveitamento racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração e a defesa contra o seu esgotamento;

O Sr. Presidente: - Também para a actual alínea d) do n.º 1 do artigo 96.º, temos uma proposta de aditamento constante do projecto do Sr. Deputado do PCP
João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do CDS-PP, votos a favor do PCP e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

d) Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração, tendo em conta a necessidade de salvaguarda dos valores ecológicos, culturais e humanos das populações no quadro do desenvolvimento rural.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto contra do PS resulta do facto de sermos favoráveis à inserção de uma referência ao mundo rural e ao desenvolvimento do mundo rural, mas na alínea b), logo a seguir a "promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores,(…)". Ou seja, votámos contra a inserção de uma alusão ao mundo rural e ao desenvolvimento do mundo rural nesta alínea, porque somos a favor da sua inserção na alínea b).

O Sr. Presidente: - Peço desculpa pela interrupção, mas não foi propriamente isso que votámos, Sr. Deputado.

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O Orador: - Sr. Presidente, acabámos de votar a alínea d) da proposta apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, onde há uma menção específica ao desenvolvimento do mundo rural.

O Sr. Presidente: - Com certeza! Tem toda a razão, Sr. Deputado José Magalhães.

O Orador: - Nesse sentido, concordamos com a reinserção da proposta do PCP e com o seu aproveitamento nesta parte, como subsegmento, ou como mini segmento, a introduzir na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º.
Ou seja, concordamos com a seguinte redacção: promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores e o desenvolvimento do mundo rural (…)" - depois, segue igual - "(…) a racionalização das estruturas fundiárias,(…)". Naturalmente, se os proponentes aceitarem a reinserção, senão torna-se impossível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, neste contexto, gostaria de chamar a atenção para o facto de, independentemente dos termos da proposta (que, naturalmente, poderiam ser burilados) do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, haver uma preocupação de alguns peticionários.
Por exemplo, estou a lembrar-me da proposta que foi dirigida pelo Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), que, neste quadro, procura que seja o mais explicitamente inserida a ideia de estabilidade dos ecossistemas. É uma forma de referir um problema mais vasto neste contexto - que já tem, como é sabido, alguma consagração, inclusive nos termos desta própria alínea, mas que ganharia em ser "densificado" -, que se traduz na ideia de protecção de valores ecológicos, ambientais.
Como disse, o que nos preocupa nesta matéria não é o problema dos termos concretos, porque poder-se-ia, inclusive, trabalhar em formas mais sintéticas, mas uma determinada ideia, uma determinada preocupação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem peço, na medida do possível, alguma colaboração para a síntese destas declarações.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não pedi a palavra para fazer declaração alguma!

O Sr. Presidente: - Então, peço desculpa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me para intervir sobre o problema do desenvolvimento rural.

O Sr. Presidente: - Então, lá chegaremos.
Ainda estamos a tratar das actuais alíneas do artigo 96.º.
Desde logo, o PSD apresentou uma proposta para a actual alínea e)…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A minha intervenção já se prende com esse ponto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou enunciar quais são as matérias que estão pendentes de análise: a proposta de alínea e) constante do projecto do PSD, a proposta que vem qualificada como alínea d) do projecto do PCP e a proposta de alínea f) do projecto de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, no seu projecto inicial, o PSD tratou esta questão da seguinte forma: conforme o Sr. Presidente chamou a nossa atenção, há pouco, quando iniciámos a votação das propostas de alteração ao n.º 1 do artigo 96.º, ficou de fora o corpo do n.º 1 do artigo 96.º.
Ora, a proposta do PSD é a de, no corpo do n.º 1, fazer acrescer ao conceito de política agrícola o conceito de desenvolvimento rural, passando este artigo a referir os objectivos da política agrícola e do desenvolvimento rural.
Por outro lado, o PSD dava corpo a esta proposta de acrescento, no proémio, do objectivo do desenvolvimento rural com a inclusão de uma referência à promoção da formação profissional dos agentes de desenvolvimento rural, que são hoje uma realidade já existente e do conhecimento das pessoas que lidam com estas matérias.
Estamos confrontados com três tipos de soluções em que, aparentemente, há um denominador comum, que é o de todos pretenderem fazer uma referência à valência do desenvolvimento rural neste artigo.
A proposta do PSD é a de acrescentar a questão do desenvolvimento rural no proémio, fazendo depois, nas alíneas, uma referência à promoção da formação dos agentes do desenvolvimento rural.
A proposta do Partido Comunista Português é a de introduzir uma nova alínea, colocando como objectivos da política agrícola "contribuir para a defesa e desenvolvimento do mundo rural,(…)".
A proposta do Partido Socialista visa simplificar e, em vez de introduzir uma alínea nova, fazer apenas uma referência ao desenvolvimento do mundo rural no contexto da actual alínea b), conforme foi explicitado pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Parece-me que estamos todos de acordo em entender que o desenvolvimento do mundo rural é algo que vai para além dos objectivos de política agrícola stricto sensu.
Nesse sentido, chamo a atenção para o facto de que, qualquer que venha a ser a solução de inserção de uma referência ao desenvolvimento do mundo rural, faz todo o sentido alterar o proémio, para que este deixe de ter apenas uma referência aos objectivos de política agrícola e tenha, também, uma referência ao desenvolvimento do mundo rural, precisamente porque há um alcance diferenciado do desenvolvimento do mundo rural relativamente ao desenvolvimento agrícola, que é apenas uma das componentes desse mesmo desenvolvimento.
Quanto à inserção, com toda a franqueza, parece-me que quer a proposta do Partido Socialista de inclusão na alínea b), quer a proposta do Partido Comunista de inclusão de uma nova alínea, do meu ponto de vista, chocam com um problema que gostaria de ver equacionado pelos Srs. Deputados. De facto, o elenco das alíneas actuais tem todo ele a ver fundamentalmente com a política agrícola, por isso fará mais sentido fazer um acrescento no final. Isto é, se for para acrescentar uma nova alínea, que seja no fim e não a meio da política agrícola, que seja feita

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uma referência no final ao conceito de desenvolvimento do mundo rural, ou através de uma forma como aquela que o PSD tinha equacionado, com uma referência à promoção dos agentes de desenvolvimento rural, ou através de uma outra redacção qualquer.
O que nos parece aparentemente errado é incluir no meio da alínea b), ou através de uma nova alínea a colocar entre a b) e a c), ou entre a c) e a d), portanto, no meio das alíneas que estão a desenvolver no actual texto constitucional, os objectivos da política agrícola, o problema do desenvolvimento rural. O desenvolvimento rural é uma valência algo diferente, tem um âmbito diferente, mais vasto, e, portanto, não deveria "misturar-se" no meio dos objectivos da política agrícola, deveria vir a seguir, numa referência autónoma.
É esta lógica que coloco à consideração dos Srs. Deputados, manifestando desde já a disponibilidade do Partido Social Democrata para, em qualquer das soluções - embora preferíssemos que não houvesse confusões sobre esta matéria e que fosse mais claro o texto constitucional -, e conforme constava do nosso projecto inicial, acrescentar aos objectivos da política agrícola a preocupação do desenvolvimento rural e, depois, consubstanciar isso de alguma forma nas próprias alíneas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Sá é o próximo inscrito a usar da palavra, mas o Sr. Deputado José Magalhães também a pediu, suponho que para fazer uma outra sugestão metodológica na apreciação da matéria deste artigo. O Sr. Deputado Luís Sá vê inconveniente em que o Sr. Deputado José Magalhães use da palavra para poder comentar em sequência?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Pretendo apenas fazer uma declaração telegráfica, Sr. Presidente. Quero dizer que temos abertura no sentido de incluir no proémio a ideia de desenvolvimento do mundo rural, a seguir à referência aos objectivos da política agrícola.

O Sr. Presidente: - Mas há uma outra proposta, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, trata-se de aspectos que têm alguma autonomia conceptual. Francamente, creio que a inserção no proémio de uma referência ao desenvolvimento do mundo rural como condicionante - e macro condicionante! - poderia conduzir a algumas coisas que não creio que estejam hoje na Constituição e contra as quais, aliás, o Sr. Deputado Luís Sá há pouco vivamente se manifestava.
Creio que a inserção no n.º 2 de uma menção ao desenvolvimento do mundo rural poderia satisfazer todas as necessidades sem nenhum dos inconvenientes que referi. Já dele consta hoje a obrigação de promoção de uma política de ordenamento e reconversão agrária, a que íamos aditar, por proposta do PCP, com a qual estamos de acordo, "e florestal, bem como de desenvolvimento do mundo rural", seguindo-se um texto idêntico ao actual. Isso, como compreendem, tem um estatuto diferenciado, tem as suas implicações próprias, não interfere, articulando-se harmoniosamente com as menções constantes do número anterior.

O Sr. Presidente: - Ainda temos que resolver o problema do inciso por referência à política florestal, nesse ponto.
Srs. Deputados, proponho que sustemos a votação destas alíneas relativamente à questão do mundo rural para ver se encontramos uma solução consensual para o n.º 2. Vamos proceder às restantes votações em matéria de novas alíneas para o n.º 1 e já voltamos à temática do mundo rural.
Srs. Deputados, devo chamar a atenção para o facto de as alíneas seguintes terem sobretudo que ver com a questão florestal, e também essa ficou de ser resolvida a propósito do n.º 2. Proponho que se tente encontrar uma redacção que resolva a referência ao mundo rural, bem como à política florestal, quanto ao n.º 2. E, uma vez fixada essa possibilidade de consenso, mais facilmente votaríamos as alíneas do n.º 1 que resta votar.
Dirigindo-me especialmente aos Srs. Deputados José Magalhães e Luís Marques Guedes, gostava de saber se esta possibilidade é operativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a primeira apreciação do PSD é que, apesar de tudo, a inserção no n.º 2 é capaz de ser a pior solução, porque o contexto é, de facto, diferente. Inserir no n.º 1, através de alguma engenharia,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Regressamos à alínea b), Sr. Deputado Luís Marques Guedes! Fica com mais três palavras, mas não suscita nenhuma dúvida.
Regressamos à inserção desse segmento na alínea b), depois do primeiro segmento.

O Sr. Presidente: - Como fica, então, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - É simples, Sr. Presidente. Trata-se de aditar o "desenvolvimento do mundo rural" a seguir a "promover a melhoria da situação económica (…)", ou seja, entre "agricultores" e "a racionalização".

O Sr. Luís Marques Guedes: - Mas isso já estava aprovado numa proposta do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, na proposta do PSD está depois de "fundiária".

O Sr. Presidente: - Então, o PS sugere que se faça a inserção entre as expressões "agricultores" e "racionalização".

O Sr. José Magalhães (PS): - A chacun sa place!

O Sr. Presidente: - Vai dar entrada na Mesa uma proposta de aditamento para a alínea b).
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, não percebi qual é o posicionamento do Partido Socialista relativamente à proposta do PSD de acrescentar o proémio.

O Sr. José Magalhães (PS): - É contra!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que está em causa para votação, neste momento, é a expressão referente ao "desenvolvimento do mundo rural", com proposta de aditamento da alínea b), já votada, entre a expressão "agricultores" e a expressão "a racionalização"; deixemos o proémio para o fim.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de aditamento da alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º, apresentada pelo PS, pelo PSD e pelo PCP.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

b) Promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, o desenvolvimento do mundo rural, a racionalização das estruturas fundiárias (...);

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para uma declaração de voto.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, votámos esta solução, que não nos parece má, mas gostaria de dizer que entendemos - e creio que isso resulta do debate aqui travado, não tanto agora, porque o debate foi mais sumário, mas sobretudo aquando da inclusão do desenvolvimento do mundo rural no artigo 91.º - que a inclusão desta expressão comporta várias preocupações que estão expressas nas propostas que apresentámos.
Designadamente, entendemos - e creio que esse é o entendimento generalizado dos Srs. Deputados - que o desenvolvimento do mundo rural comporta o combate ao despovoamento e à desertificação, bem como o incentivo à fixação das populações.
Consideramos que a inclusão da expressão da defesa do mundo rural na alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º é um aditamento positivo, ficando o essencial da nossa preocupação satisfeito. Nesse sentido, votámos favoravelmente esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resolvida esta questão, vamos, então, considerar o seguinte: a proposta do PSD de alteração da alínea e) foi substituída…

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi retirada, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Foi substituída pela nova proposta, que acabámos de votar.
Consideramos também substituída a proposta de alínea d) do projecto do PCP, Sr. Deputado António Filipe?

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi incorporada, Sr. Presidente!

O Sr. António Filipe (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. Consideramos que essa proposta está contemplada na nova redacção da alínea b).

O Sr. Presidente: - Não posso fazer a mesma pergunta sobre a proposta de Os Verdes. Assim, vamos votá-la.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alínea f), do n.º 1, do artigo 96.º, constante do projecto de Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e abstenções do PCP e do CDS-PP.

Era a seguinte:

f) Criar condições de fixação das populações e de preservação do mundo rural;

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para uma declaração de voto.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer que a nossa abstenção não se deve a qualquer discordância relativamente ao conteúdo da proposta mas, sim, ao facto de considerarmos que o objectivo de fixação das populações está contido nos propósitos da proposta que apresentámos para a alínea d) e que esta, por sua vez, está contemplada na formulação que foi adoptada de novo aditamento à alínea b) do n.º 1. Assim, consagrado este aditamento, entendemos que já não faria sentido estar a consagrar a alínea proposta por Os Verdes, porque, de facto, o seu conteúdo útil está conseguido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora às alíneas relativas à temática florestal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, podíamos votar as alíneas g) e h) do projecto de Os Verdes em conjunto.

O Sr. Presidente: - Ou votamos já essas alíneas ou votamos o n.º 2.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aliás, podemos votar o n.º 2 ao mesmo tempo, Sr. Presidente, porque se refere tudo a floresta, a biodiversidade, a alterações climáticas. Este objectivo constitucional de suster as alterações climáticas parece-me meritório.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma sugestão para votar em bloco estas alíneas. Alguém se opõe?
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Gostaria de saber se o PSD retirou a sua proposta relativamente à alínea e).

O Sr. José Magalhães (PS): - Retirou.

O Sr. Presidente: - Retirou. Foi declarada substituída.
Srs. Deputados, vamos votar em bloco as alíneas g) e h) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 96.º, constantes do projecto de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que era preferível votar primeiro as alterações que tivessem que ver com a política florestal antes de votarmos as propostas de Os Verdes, sobretudo na medida em que dizem respeito às florestas.

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Por outro lado, também tenho alguma dificuldade em aceitar uma votação em conjunto, porque o problema de valorizar a floresta não é propriamente o mesmo de garantir, por exemplo, a defesa da biodiversidade e de suster alterações climáticas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sendo assim, acabamos por levar mais tempo a discutir o método!… Votaremos, depois, ponto por ponto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a questão é muito simples para nós: só votaremos o aditamento do inciso "florestal", a aditar a "reconversão agrária" no n.º 2.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, então, vamos votar as alíneas g) e h) do n.º1 do artigo 96.º, constantes do projecto de Os Verdes.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS e do PSD e abstenções do PCP e do CDS-PP.

Eram as seguintes:

g) Valorizar a floresta mediterrânea e promover os seus produtos;
h) Garantir a defesa da biodiversidade e contribuir para suster as alterações climáticas.

O Sr. Presidente: - Para o n.º 2 do artigo 96.º há uma proposta no sentido de inserir uma referência à política florestal, suponho que a seguir a "reconversão agrária". É assim, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - É, sim, Sr. Presidente. Pretendemos inserir a expressão "e florestal".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a proposta do PSD não visa apenas inserir a expressão "e florestal" mas, sim, que "O Estado promoverá uma política de ordenamento, de reconversão agrária e de desenvolvimento florestal, de acordo com os constitucionalismos (…)". Portanto, não ficará "reconversão florestal" mas, sim, "reconversão agrária e de desenvolvimento florestal".
O problema não é a reconversão da floresta, aliás, a reconversão da floresta é uma parte, o problema é o desenvolvimento florestal.

O Sr. José Magalhães (PS): - É mais amplo!

O Sr. Presidente: - A proposta refere: "(…) uma política de ordenamento, de reconversão agrária e de desenvolvimento florestal (…)".
Srs. Deputados, é esta proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 96.º que vamos votar.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, embora, naturalmente, a inclusão de uma referência ao desenvolvimento florestal seja útil, na medida em que não consta do texto actual, gostaria de lembrar que o simples aditamento dessa expressão é muito mais pobre do que aquilo que é proposto pelo PCP, na sua proposta para o aditamento de um n.º 4 a este artigo.
Seria útil que a Constituição não se limitasse a estabelecer que haverá uma política de desenvolvimento florestal mas que, para além disso, houvesse também uma referência quanto ao sentido geral a dar a essa política de desenvolvimento florestal. Uma política de desenvolvimento florestal que não tenha a ver com as características do nosso país e com uma correcta política de desenvolvimento florestal pode conduzir não propriamente ao desenvolvimento florestal mas, sim, ao desenvolvimento dos incêndios florestais. Creio que nos últimos anos, lamentavelmente, é a isso que temos vindo a assistir. Daí que a nossa proposta de consagração na Constituição de "um desenvolvimento florestal sustentado, assente numa floresta de uso múltiplo e na defesa e conservação dos recursos florestais" seria muito útil e importante.
Parece-nos que uma simples referência ao desenvolvimento florestal poderá apaziguar algumas consciências mas, de facto, adianta muito menos do que aquilo que seria importante que o texto constitucional pudesse adiantar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria que, no momento em que aprovarmos esta norma, ela fosse aprovada com o sentido que tem, independentemente de quais fossem as propostas originárias.
Não faz sentido uma excessiva explicitação nesta matéria. Sobretudo, o carácter sintético constitucional não deve ser lido a desfavor da Constituição.
Não vamos colocar no texto constitucional, por exemplo, o diagnóstico do sector. Sabemos que esse sector tem como características o défice de produção lenhosa para fazer face às necessidades da indústria transformadora; o decréscimo do preço de certas madeiras, seguindo o comportamento de determinados preços; baixos níveis de visão de capacidade produtiva em determinadas áreas; redução progressiva do excedente das trocas externas, etc. Sabemos também que o Programa do Governo e que os programas dos partidos têm nessa parte, seguramente, directrizes e, se calhar, directrizes não exactamente idênticas para corporizar o desenvolvimento florestal. No entanto, consagramos aqui esta norma com um sentido que nos parece extremamente positivo, seguramente não o de promoção de incêndios florestais, mas bem o seu contrário.
Portanto, nessa matéria, Sr. Presidente, cremos que vamos dar um bom acréscimo constitucional, sem vincularmos a Constituição ao programa de um partido político nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra fundamentalmente para dizer que, por estranho que pareça, estou perfeitamente de acordo com aquilo que disse o Sr. Deputado José Magalhães. Realmente, do que estamos aqui a tratar não é de definir uma política ou um conjunto de políticas para o sector ou de fazer diagnósticos é, sim, de inserir objectivos de política

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ao nível constitucional. Isto é um nível francamente diverso do da política governamental, da política de qualquer governo.
É evidente que, assim sendo, não faz se não sentido inserir neste preceito o desenvolvimento florestal como um objectivo. Falar nos outros aspectos que constam da proposta do PCP, e mesmo de Os Verdes, penso que é ir muito para além do que é desejável. Quer um quer outro projecto vão muito para além do que deveria ser o âmbito da norma constitucional, por isso mesmo entendemos que a proposta do PSD é meritória, resolve os problemas que tínhamos de ausência da definição do desenvolvimento florestal como objectivo político de política agrícola e, nesse sentido, é positiva. Não faz sentido estarmos aqui a estender a norma a outras áreas que ela não deverá necessariamente conter.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para uma última intervenção quanto a este ponto.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que não deixamos de entender correcta a inclusão da referência ao desenvolvimento florestal - aliás, tive oportunidade de dizer que é importante que fique essa referência. Portanto, ainda que seja assim secamente, é importante que fique.
Porém, os Srs. Deputados dizerem que uma proposta com um texto mais desenvolvido nesta matéria seria uma definição da política para o sector creio que não é rigoroso, tanto mais que no n.º 1, no que se refere à política agrícola, há um desenvolvimento considerável, o que não obstaria a que, ainda que muito sinteticamente, se pudesse determinar algum objectivo para a política florestal.
Assim como não há qualquer obstáculo a que haja uma definição de objectivos da política agrícola, não haveria, do nosso ponto de vista, obstáculo algum a que pudesse definir-se alguns objectivos, ainda que mais sinteticamente, da política florestal. Caso contrário, o artigo poderia ter uma lógica simplesmente de desenvolvimento agrícola e florestal, e ponto final! É evidente que não é isso que defendemos, daí que, do nosso ponto de vista, fizesse sentido essa definição.
Não entendemos o desenvolvimento florestal como algo que deva ser determinado pela necessidade de alimentar as celuloses com madeira, não é esse o nosso objectivo. Pensamos que é fundamental que, entre os objectivos da política florestal, se tenha em conta as características próprias do nosso país e a adopção de uma política florestal adequada também à sua defesa. É evidente que não pode ser outro o entendimento que fazemos da consagração do desenvolvimento florestal no texto constitucional.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas também não está cá esse objectivo!

O Sr. António Filipe (PCP): - Até para que não surgissem dúvidas relativamente a isso é que pensamos que era importante estabelecer-se mais alguma coisa. É evidente que o entendimento que fazemos do aditamento da defesa da floresta tem que ver precisamente com a defesa da floresta e não com a defesa de outros interesses económicos ligados à floresta, estritamente, embora esses interesses também tenham a sua relevância, como é óbvio, mas não podem ser "absolutizados".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 96.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

2 - O Estado promoverá uma política de ordenamento, de reconversão agrária e de desenvolvimento florestal, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agora vamos votar a proposta de aditamento de um n.º 4 ao artigo 96.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

4 - O Estado adoptará uma política de florestação que assegure um desenvolvimento florestal sustentado, assente numa floresta de uso múltiplo e na defesa e conservação dos recursos florestais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração do n.º 2 do artigo 96.º, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, voto a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - Cabe ao Estado preservar o património florestal autóctone, promover a sua gestão nacional e favorecer a sua constante valorização, em colaboração com os proprietários e as comunidades locais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Os Verdes tem uma proposta de artigo 100.º-A que, no fundo, refere-se exactamente à política florestal, tendo mesmo como epígrafe "Objectivos da política florestal". Proponho que esta proposta seja votada neste momento.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de aditamento de um artigo 100.º-A, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

Artigo 100.º-A
Objectivos da política florestal

São objectivos da política florestal a defesa autóctone, valorização das economias locais, a fixação das populações e a recuperação e manutenção dos ecossistemas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia que concluíssemos as votações relativamente ao artigo 96.º antes de dar a palavra aos Srs. Deputados para as declarações de voto.
Srs. Deputados, há alguns números que importa votar ainda. Há um novo n.º 3 constante do projecto do PCP, já não sobre a política florestal mas, sim, sobre a produção nacional e o rendimento dos agricultores.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de aditamento de um n.º 3 ao artigo 96.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

3 - O Estado criará as condições necessárias para promover a produção nacional e um rendimento justo para os agricultores, designadamente através de adequadas políticas de intervenção no mercado e preços dos factores de produção e dos bens produzidos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS relativa ao n.º 2, que visa acrescentar o inciso "económico" depois da referência aos condicionalismos ecológicos. Trata-se, portanto, de uma proposta de aditamento.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de aditamento para o n.º 2 do artigo 96.º, constante do projecto cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e abstenções do PSD, do PCP e do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - O Estado promoverá uma política de ordenamento e de reconversão agrária, de acordo com os condicionalismos ecológicos, económicos e sociais do País.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda que votar o proémio constante do projecto do PSD, excepto se este o retirar.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, votamos o proémio do n.º 1 do artigo 96.º?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, depois do entendimento a que chegámos, foi retirado.

O Sr. Presidente: - Então, foi retirado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia para uma declaração de voto.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não é possível reproduzir as palavras iniciais da Oradora).
...nomeadamente a defesa da biodiversidade, o suster as alterações climáticas e tudo isso. Parece-nos, porém, que esses não devem fazer parte dos grandes objectivos da política agrícola, já que variam conforme os momentos e, na minha opinião, são objectivos de natureza diferente daqueles que estivemos a considerar até agora.
Algumas destas questões, nomeadamente a da biodiversidade, podiam estar consagradas neste preceito, mas também podiam estar noutros, na medida em que têm a ver não só com a agricultura mas com outros sectores. Por exemplo, a questão das alterações climáticas tem a ver com a agricultura mas, num país como o nosso, também com a política industrial - não sei mesmo se não terá mais a ver com a política industrial.
Por um lado, votámos um artigo sobre o ambiente em que, por proposta do PSD, se incluiu uma alínea ou um inserto relativamente à horizontalidade e à presença dos valores ambientais em todos os sectores. Ora, tendo em atenção que no n.º 2 deste artigo se refere os condicionalismos económicos e nele se incluiu, justamente, a questão do património e a política florestal no contexto dos condicionalismos económicos do País e tendo em atenção que, em várias propostas, há uma diversidade relativamente à maneira de conceber a política florestal - numa defende-se a conservação do património autónomo, noutra fala-se em floresta de uso múltiplo -, tudo isto traduz uma certa transitoriedade e variabilidade da concretização das políticas que, em minha opinião, não deve fazer parte de um texto constitucional.
Por outro lado, votámos contra a proposta de aditamento de um n.º 3 ao artigo 96.º, da autoria do PCP, segundo a qual "O Estado criará as condições necessárias para promover a produção nacional e o rendimento justo dos agricultores, designadamente através de adequadas políticas de intervenção no mercado (…)", porque julgamos que esta noção de excessiva intervenção do Estado, quer na definição de preços e factores de produção quer na criação de rendimento para os agricultores, não é a filosofia mais adequada para conseguir estes objectivos, embora, naturalmente, valorizemos o rendimento justo para os agricultores e preços e factores de produção que garantam a competitividade. O que não me parece é que a predominância da intervenção do Estado seja de sublinhar.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com excepção das propostas em que o Partido Popular votou contra, naquelas em que se absteve fê-lo não pelo conteúdo material das propostas mas, sim, contra a sua inserção no texto constitucional.
Na sequência do que afirmei na primeira intervenção, entendemos que a Constituição deve ser um grande denominador comum, um instrumento de união dos portugueses e, ao contrário do que alguns disseram, entendemos que esta é uma perspectiva mais abrangente e não "reducionista" do texto constitucional.
Em coerência com o que propusemos, ou seja, a eliminação dos artigos que regulamentam e que, em nosso entender, condicionam as políticas que devem ser exercidas para o bom desenvolvimento da actividade económica, defendemos que, nesta matéria, apenas devemos consagrar princípios. E, em matéria de princípios, sempre que pretendemos não só especificar conceitos mas elencá-los exaustivamente, e quanto mais exaustiva for essa definição, mais matérias e mais objectivos ficarão de fora!
Ao contrário do que foi dito e refutado, no seguimento da primeira intervenção que fiz, julgamos que quanto mais ambiciosa é a Constituição, no sentido de querer regulamentar tudo e todos, naturalmente mais matérias ficarão

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de fora. Os princípios são mais abrangentes e a sua consagração é um factor de união.
É, pois, nesse espírito que entendemos a Constituição.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do nosso ponto de vista, as propostas que foram aprovadas são positivas. Quer o aditamento do desenvolvimento do mundo rural, na alínea b) do n.º 1, quer o aditamento da referência ao desenvolvimento florestal, no n.º 2, constituem elementos positivos. Aliás, um e outro constam de propostas apresentadas no projecto de revisão constitucional do PCP.
No que se refere ao mundo rural, o essencial das nossas preocupações está contemplado na expressão adoptada, segundo o entendimento que foi clarificado quer na apreciação deste artigo 96.º quer na discussão do artigo 91.º, no qual tal expressão também foi consagrada.
Já no que se refere ao desenvolvimento florestal, parece-nos que se poderia ter ido um pouco mais longe. No entanto, ainda assim, é de salientar como positivo o simples facto de esta expressão ter sido acrescentada ao texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à apreciação do artigo 97.º, relativo à eliminação dos latifúndios, que está estreitamente ligado ao artigo seguinte, que incide sobre o redimensionamento dos minifúndios.
Srs. Deputados, lembro que, aquando da primeira leitura, ficou pendente a questão de saber se haveria ou não aceitação para que estes dois artigos fossem convertidos num artigo único de reordenamento agrário, na base da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer a seguinte apreciação: como podem constatar, a proposta do PSD para este artigo é, pura e simplesmente, de eliminação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, se me permite a interrupção, não foi essa questão que pus à consideração dos Srs. Deputados, porque o debate sobre a eliminação deste artigo já foi superado na primeira leitura, já não está em causa. Em causa está apenas, como resultado da primeira leitura, saber se os artigos serão votados tal como se nos apresentam ou se haverá uma junção de ambos num artigo único.
Portanto, a sustentação das propostas iniciais está superada no debate já travado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Feita esta precisão, dou, com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tenho de dizer que não concordo com a precisão que fez, porque esta matéria é justamente uma das que ficou para ser discutida na segunda leitura. É evidente que, não havendo acordo em relação à substância, temos de discutir uma matéria que é fundamental e que ficou em aberto neste acordo político entre o PS e o PSD.
Quando dizemos que queremos fazer uma actualização de vários artigos e de vários capítulos da Constituição, é evidente que nos estamos a referir, entre outros, a este mesmo, porque se há matéria em relação à qual se põe um problema de actualidade constitucional, essa matéria é justamente esta, a dos latifúndios e dos minifúndios.
Que sentido tem hoje, Sr. Presidente, estarmos a determinar a proibição dos latifúndios ou o redimensionamento do minifúndio? Na verdade, é esta uma norma com a dignidade constitucional que deve ter? Estamos ao mesmo tempo a estabelecer, nas outras áreas paralelas da Constituição, que queremos lojas maiores de comércio ou lojas mais pequenas, ou que vamos proibir as grandes superfícies, ou que vamos fazer com que todas as lojas pequenas tentem concentrar-se em lojas maiores? Estamos a fazer isso em relação às indústrias? E faz sentido estar a fazê-lo em relação à agricultura? Qual é o problema hoje da agricultura? É este ou é um outro muito diferente, o da luta por melhores condições de vida, pela produtividade, pela competitividade? Este, sim, é que o problema.
Portanto, esta matéria é uma preocupação que, do ponto de vista político, tem um determinado tratamento, mas que não faz sentido ser inserida numa Constituição que queremos actualizada e moderna, como aquela que estamos a tentar fazer agora.
Por isso, Sr. Presidente, peço muita desculpa, mas não podia concordar com a conclusão que tirou. Esta matéria não está discutida e não se chegou a acordo na altura. É certo que há a possibilidade da uma eventual alteração, tendo em vista a conjugação dos dois artigos, mas a questão fundamental para nós é a que agora levantei e lanço à discussão de todos: faz sentido que hoje se fale nos mesmos termos do artigo 97.º, isto é, na eliminação dos latifúndios?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apelo que não renovem o debate já travado e que o coloquem nos exactos termos em que ele ficou pendente na primeira leitura.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesses precisos termos, gostaria de dizer que não vemos vantagem na operação proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, ou seja, na fusão, num único artigo, dos actuais artigos 97.º e 98.º da Constituição.
Volto a repetir que entendemos que a actualização relevante neste domínio foi feita na revisão constitucional de 1989, nos precisos termos que decorreram do debate então realizado e das alterações então operadas, que, como se lembram, foram de significado (alteraram, em diversos pontos, os dois artigos em referência), mas não afectaram os princípios fundamentais constitucionais nem violaram limites materiais de revisão.
Sr. Presidente, não faremos desta matéria uma questão central do processo de revisão constitucional - não o é, manifestamente - e, nesse sentido, não podemos coincidir com o Sr. Deputado Carlos Encarnação no relevo, na prioridade que ele concedeu a esta matéria. Por um lado, não há hoje, nem haverá, uma guerra fundiária em Portugal e, por outro lado, não faz sentido reescrever o que foi reescrito em 1989.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço-lhe desculpa mas, de facto, neste capítulo da organização económica e em respeito, inclusive, ao acordo de revisão constitucional, não é possível que o Sr. Presidente, pura e simplesmente, dê por adquirido aquilo que resultou da primeira leitura, quando, de facto, o acordo aponta para o empenhamento dos dois partidos. E, se o Partido Socialista quis que esse entendimento fosse feito nesta sede, não pode chegar à reunião e dizer que não se empenha! O PS pode discordar das opiniões do PSD, mas querer trazer para esta sede o debate e, depois, negar-se a fazê-lo, não me parece uma posição correcta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço desculpa, mas tenho de constatar que não há propostas nem verifiquei, até ao momento, qualquer movimento no sentido de apresentar novas propostas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, depois de ter ouvido o Partido Socialista falar como falou, pedi a palavra para avançar com algumas questões, em nome do PSD.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Perante a intervenção do PS, é evidente que o PSD só pode lamentar o caricato de o Partido Socialista querer manter (por razões que, obviamente, só podem ter a ver com um complexo histórico nestas matérias), em sede do texto constitucional, relativamente aos objectivos da política agrícola, especificações que não têm qualquer tipo de paralelo, como foi enunciado - e muito bem - pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação em intervenção anterior, em termos dos objectivos constitucionais que, hoje, na nossa lei fundamental estão estabelecidos para outros sectores de actividade, nomeadamente para a indústria ou para o sector comercial.
Podem até cair no ridículo de sugerir que, eventualmente, se acrescente um artigo, nos objectivos da política comercial, proibindo as grandes superfícies, ou um artigo, nos objectivos da política industrial, proibindo os conglomerados industriais, por razões que, obviamente, só podem decorrer de um complexo ideológico e de uma tentativa programática de transpor para a Constituição da República determinados objectivos político-ideológicos.
De qualquer modo, do ponto de vista do PSD, a Constituição não deve reduzir a margem de aplicação de determinado tipo de políticas. Se houver um Governo que tenha no seu programa eleitoral e no seu programa político de acção, assim sufragado pelo povo português, a eliminação de latifúndios, a nacionalização da economia, a Constituição da República, dentro do estrito cumprimento do Estado de direito, não pode, ou não deve, coarctar essa livre expressão da vontade soberana do povo. Mas gostaríamos que tal fosse entendido exactamente com a mesma ética de responsabilidade política, com a mesma transparência e clareza quando se trate de permitir que esse povo seja soberano também em opções de sentido contrário, que é o que está posto em causa com normas desta natureza.
Chamava a atenção para uma questão já aqui debatida e para argumentos então utilizados pelo Partido Socialista a esse propósito, nomeadamente o facto de este artigo, ao mencionar a expropriação, referir o direito do proprietário à correspondente indemnização e não à justa indemnização. Ora, pelo menos neste ponto, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro faz uma correcção muito importante, a de passar a constar "justa indemnização" no texto constitucional.
Recordo que, aquando da discussão do artigo 83.º e do problema da propriedade pública dos meios de produção, o PSD chamou a atenção para a necessidade de se emendar o texto constitucional no sentido de onde se lê "correspondente indemnização" passasse a ler-se "justa indemnização", E o argumento do Partido Socialista então expendido - que, de resto, já tinha sido aludido pelo Deputado Vital Moreira na primeira leitura, embora ele concordasse com esta questão - foi o de não prejudicar com essa alteração, ou seja, com a transposição do conceito de "correspondente indemnização" para o conceito de "justa indemnização", as indemnizações ainda em curso relativamente aos bens nacionalizados no período revolucionário após o 25 de Abril.
Ora não é disso que se trata aqui, porque quando este artigo 97.º refere o redimensionamento de unidades de exploração agrícola fá-lo em relação ao futuro, pois refere que "(…) será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário (…)".
Ora, é evidente que se a Constituição (de uma forma profundamente errada, ainda assim) pretender apontar para a necessidade de redimensionamento das unidades de exploração agrícola, deve inequivocamente, porque não estamos em períodos revolucionários, em respeito pelo Estado de direito que somos, salvaguardar, em caso de expropriação, o direito do proprietário à justa indemnização. Do ponto de vista do PSD, não é concebível, a não ser numa lógica revolucionária, que não é a lógica do Estado de direito democrático estabilizado em que hoje vivemos, que a Constituição da República venha a prever, sim senhor, direito a propriedade e direito a justa indemnização mas, por exemplo na agricultura, o que aparentemente não acontecerá porque não há normas idênticas no sector comercial ou no sector industrial, se houver um Governo que pretenda, através de uma política sufragada pelos portugueses, avançar para a apropriação pública dos solos, pagará a indemnização que muito bem entender, sem respeito pelo princípio da justa indemnização.
Este conceito é perfeitamente inaceitável. E, relativamente a esta matéria, sobretudo nesta parte e em respeito pelo discurso que fez quando discutimos o problema das reprivatizações dos bens nacionalizados após o 25 de Abril, o Partido Socialista deveria dar o mote de que a norma para os bens nacionalizados após o 25 de Abril é outra, tratando-se agora de definir princípios pelos quais se devem reger os objectivos da política agrícola, reconsiderando, portanto, a necessidade de inclusão do princípio de justa indemnização. De contrário, é totalmente inaceitável a manutenção de normas como esta na Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, penso que a proposta do PSD relativamente a esta matéria é de um reaccionarismo medieval, permitam-me a dureza da expressão.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É extraordinário!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado António Filipe, na Idade Média não havia "indemnização", nem "justa" nem "correspondente"!

O Orador: - Digo medieval, porque me parece espantoso que o PSD venha, em 1997,…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Portanto, fora da Idade Média!

O Orador: - Exacto, fora da Idade Média.
… defender, por hipótese, que um cidadão possa ser dono de metade do País e que para o País e para a Constituição seja absolutamente indiferente o que ele faça com a terra de que dispõe. Creio que esta concepção é absolutamente indefensável, quer em Portugal quer em qualquer parte do mundo.
O latifúndio é, de facto, uma estrutura social absolutamente ultrapassada pela História, em vias de superação, e que, provavelmente, daqui a alguns séculos, será encarada tal como hoje encaramos determinadas estruturas feudais medievais absolutamente ultrapassadas.
Portanto, é espantoso que um partido, que tantas vezes se reivindica da modernidade em determinadas matérias, venha defender a eliminação de qualquer restrição constitucional aos latifúndios. Tal não tem qualquer defensabilidade, nem do ponto de vista histórico, nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista económico.
É evidente que, mesmo do ponto de vista estritamente económico, não pode ser indiferente para a Constituição que alguém detenha irrestritamente a propriedade fundiária, fazendo dela o que muito bem entender, inclusivamente deixá-la ao abandono, sem que o legislador constitucional promova qualquer directiva relativamente a essa matéria.
Portanto, esta proposta do PSD é algo que nos surpreende, até porque pensávamos que esta questão estava ultrapassada do ponto de vista constitucional. Assim, muito nos surpreende que esta questão possa estar em discussão em 1997.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além das razões formais que já invoquei anteriormente e que justificam a nossa proposta de eliminação deste artigo, do ponto de vista material há razões objectivas que têm a ver com a evolução da realidade do mundo rural, que, ao contrário daquilo que foi dito pelo Partido Comunista, aponta para um novo dimensionamento e uma nova perspectiva do que deve ser a exploração da terra.
Também ao contrário do que foi dito, obviamente que há aqui uma desconformidade entre o preceito e a realidade.
Na verdade, a percentagem da população activa que trabalha e vive da agricultura está, com o decurso dos anos, em clara redução. Essa percentagem situa-se actualmente, em números nacionais, entre os 7% e os 8%, enquanto que a população activa dos países mais desenvolvidos que vive da exploração da terra se situa entre os 4% e 5%. Ora, parece-me evidente que há uma desconformidade entre o que é proposto, ou entre o que está previsto no texto constitucional actual, e a realidade. Se diminui a população que explora a terra, não percebo como é que podemos defender, justificar, argumentar a defesa da eliminação dos latifúndios!?
Por outro lado, fico sem saber o que é que o Partido Comunista entende por latifúndios. A única definição aqui dada pelo Sr. Deputado António Filipe foi a de que latifúndio era uma área correspondente a metade do País. Portanto, depreendo que tudo o que for menos do que isso será para o Sr. Deputado António Filipe um minifúndio! Obviamente, esta ambiguidade dos conceitos é adversa de uma interpretação que deve ser objectiva e rigorosa dos preceitos constitucionais.
Em suma, como disse há pouco, há um desajuste claro entre a realidade económica de hoje e a realidade que existia quando este preceito foi introduzido na Constituição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também gostaria de intervir para sustentar o seguinte: não podemos…

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, como fui directamente interpelado, gostaria de prestar um esclarecimento mínimo.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, Sr. Deputado António Filipe, com precedência relativamente à minha intervenção.

O Sr. António Filipe (PCP): - Agradeço-lhe, Sr. Presidente.
Como o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva me atribuiu a caracterização do latifúndio como uma área correspondente a metade do País, apelo ao Sr. Deputado que leia o n.º 1 do artigo 97.º, que refere o seguinte: "O dimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos de política agrícola será regulado por lei".
Portanto, aqui está a definição de latifúndio, e mais não é preciso acrescentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de dizer que não se pode considerar que haja apenas uma leitura preconceituosa por complexo histórico, sendo de admitir que uma solução de eliminação poderia corresponder a um outro preconceito com outro complexo histórico - e este bem actualista.
Do que se trata é de saber se é ou não razoável que, ao nível da organização económica, o Estado possa, de forma explícita, através da Constituição, ter formas de intervenção sobre a propriedade fundiária em vista da sua regulação face aos objectivos nacionais da política agrícola. E admitamos que pode - até diria que não só pode como, provavelmente, deve -, porque os próprios objectivos de modernização da actividade agrícola portuguesa estão, eles próprios, em mutação. Não direi necessariamente em mutação acelerada, mas em mutação.
Srs. Deputados, pensem no que poderá ser a transformação do Alentejo na sequência da introdução do complexo do Alqueva e a modificação de um tipo de cultura extensiva e de sequeiro, que actualmente aí é praticada, para um outro tipo de agricultura intensiva e de regadio.

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Tal poderá levar, ou não, a alguma necessidade de reequacionamento da propriedade fundiária em vista de objectivos de política agrícola? Pode! E isso deverá poder acontecer fora de outras lógicas políticas, designadamente das lógicas pretéritas da reforma agrária, para novas lógicas políticas de melhor adequação dos objectivos da produtividade, da produção e, também, da modernização das formas de exploração agrícola.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ora aí está!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os artigos 97.º e 98.º correspondem a estes objectivos porque, se repararem, não há sequer na Constituição uma definição material do conceito de latifúndio.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pois!

O Sr. Presidente: - Quando muito, "latifúndio" é um conceito herdado com uma determinada carga histórica, que não o enjeito. No entanto, a Constituição não faz, e bem, uma definição material deste conceito, deixando que, em sede de definição de políticas actualizadas, seja feita a definição das dimensões adequadas da propriedade para certos objectivos de política agrícola.
Reparem que o próprio Sr. Deputado Luís Marques Guedes não enjeitou estas considerações e tudo reduziu, no final da sua intervenção, ao apelo para que se reponderasse a questão da "justa indemnização" onde se refere "correspondente indemnização".
Devo dizer com toda a franqueza, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que eu próprio não enjeitaria a possibilidade de utilizarmos a solução inicial proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, no sentido da existência de um artigo único sobre a temática de reordenamento agrário.
No entanto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é bom que façamos a votação que agora temos pela frente à luz de votações já ocorridas, em segunda leitura, no domínio da organização económica.
Por exemplo, aquando da votação do artigo 83.º, acerca das possibilidades de expropriação de meios de produção - e já se entrava em linha de conta com o conceito de solos subsumido ao conceito "meios de produção" - fixou-se à mesma o conceito de "correspondente indemnização". E porquê? Porque se entendeu que a regulação da justa indemnização, para todos os efeitos, já estava constitucionalmente adquirida no artigo 62.º, quando se reporta ao direito de propriedade privada, ao nível dos direitos económicos e sociais.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se deixássemos para os meios de produção em geral um conceito de "correspondente indemnização" e, para os solos em particular, uma referência explícita à "justa indemnização", desequilibraríamos, do meu ponto de vista, a leitura integrada e de boa sistemática que deve existir na relação entre os artigos 62.º, 83.º e 97.º.
Srs. Deputados, uma boa interpretação constitucional deve ser coerente e sistémica. Creio, por isso, que, se o destino da votação do artigo 83.º não tivesse sido o que foi, poderíamos, eventualmente, votar a solução proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Agora, porém, parece-me que a melhor interpretação sistemática, designadamente quanto à boa prevalência do artigo 62.º, na articulação com o artigo 83.º e, agora, com o artigo 97.º, nos aconselharia a manter as fórmulas constitucionais tal como elas se encontram plasmadas na Constituição neste momento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Presidente, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o Sr. Presidente introduziu agora um novo elemento no debate quanto à justa indemnização.
Do meu ponto de vista o que aconteceu foi o seguinte: mesmo no artigo 83.º, a proposta constante do guião do Prof. Vital Moreira…

O Sr. Presidente: - Como sabe, não obteve maioria!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já tinha chamado a atenção para o que se tinha já passado com o artigo 83.º!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não critiquei a coerência subjectiva do PSD, apenas fiz uma análise de resultado à coerência que agora é necessário defendermos face às votações já produzidas pela CERC.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o que estava a tentar dizer era que no guião elaborado pelo Sr. Prof. Vital Moreira estava, justamente, esta redacção para o artigo 83.º.

O Sr. Presidente: - Que não foi votada, como sabe!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, foi votada, recusada pelo Partido Socialista e votada favoravelmente pelo PSD. E nós continuamos a entender que esta seria uma matéria essencial.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sobretudo num Estado de direito!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não tem sentido de outra maneira!
É evidente que pode ou deve fazer-se, quanto muito, esta correcção ao sentido do texto: "indemnização correspondente" quer dizer "indemnização justa". E se "correspondente" quer dizer "justa", estamos vencidos na votação e vencedores no conceito!
Se a conclusão é essa, então diga-se que, na Constituição, o termo "correspondente" quer dizer "justa indemnização". Tal não implica, de maneira alguma, que se elimine a hipótese (que não tinha analisado, porque me tinha referido apenas ao artigo 97.º) de esta redacção do artigo 98.º, com "justa" ou sem "justa", mas sempre com esse sentido, ser encarada por nós.
Em minha opinião - reportando-me agora ao artigo 98.º -, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro para o artigo 98.º pode ser actual, porque os artigos 97.º e 98.º da Constituição não são actuais. As referências neles contidas são de natureza ideológica e não faz sentido que se mantenham na Constituição. As questões essenciais, que têm de ser resolvidas no domínio da política agrícola e do reordenamento agrário, estão decentemente defendidas na nova formulação proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

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Portanto, se me pergunta - ao PSD - se estou disposto a manter o texto dos artigos 97.º e 98.º tal como está, ou se aceito a proposta alternativa do Sr. Deputado Cláudio Monteiro (que pode ser discutida na sua essência e cujos termos podem ser alvo de alteração, mas que, do nosso ponto de vista, significa um avanço actual, ou uma redacção "actualística", da Constituição, sem prejuízo da enunciação de problemas fundamentais e da indicação de algumas soluções em relação a problemas fundamentais), responder-lhe-ei que, com toda a certeza, estamos dispostos a discutir o artigo 98.º tal como é proposto pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Do nosso ponto de vista, a nova formulação proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro não dá um carácter programático à Constituição - aquilo que o Deputado José Magalhães ainda há pouco citava no artigo anterior -, como acontece com os artigos 97.º e 98.º actuais, e introduz-lhe substanciais melhoras.
Em resumo, Sr. Presidente: se V. Ex.ª aceitar e estiver disposto a propor que discutamos o artigo 98.º, de acordo com a formulação proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, em substituição dos actuais artigos 97.º e 98.º, nós estamos dispostos a fazê-lo e a acertar redacções alternativas a este texto que agora nos é apresentado.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Carlos Encarnação terá compreendido, para manter a coerência das votações da CERC e a melhor interpretação sistemática acerca do alcance da correspondente indemnização, melhor será deixar os textos como actualmente se encontram, justamente para não desequilibrar a interpretação que em situações de expropriação simétricas poderia decorrer de expropriação dos meios de produção, em geral, ou de expropriação de solos rústicos, em particular. Esse desequilíbrio constitucional, Sr. Deputado, é que me pareceria delicado.
Para evitar esse problema, creio que mais avisados andaremos, face às votações já produzidas na CERC - e, sublinho, não estou a questionar a coerência inicial das propostas do PSD -, se reportarmos o conceito "correspondente indemnização" do artigo 97.º, sobre a propriedade fundiária, e do artigo 83.º, sobre os meios de produção em geral, ao artigo 62.º, que regula o direito de propriedade privada em sede de direitos económicos e sociais.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Visto que a questão está reduzida a um único ponto, e deixando de lado uma guerra político-ideológica na qual não participaremos - refiro-me à questão da obrigação de indemnização e dos termos da obrigação de indemnização -, gostaria tão-só de deixar registado na acta que, neste debate, é um pouco incompreensível, e parece-me pouco prudente, que o PSD, dada a nossa posição, desvalorize o alcance actual da norma do artigo 97.º, tal como, de resto, já tinha acontecido um pouco quando discutimos o artigo 83.º.
A Constituição refere, na redacção que resulta da revisão constitucional de 1989, o direito dos proprietários à correspondente indemnização e isto não deve ser desvalorizado. Não quer dizer mais do que diz, mas também não quer dizer menos.
Em primeiro lugar, a Constituição consagra hoje a obrigação de indemnizar. Sabe-se que, na versão originária, o n.º 2 do artigo 83.º permitia que talo não ocorresse e, portanto, não havia obrigação de indemnizar em certos casos. Mas deixou de ser assim - e bem, da nossa parte -, por força da revisão constitucional anterior.
Em segundo lugar, quanto à possibilidade de indemnizar, consagra-se neste texto a possibilidade de indemnização segundo critérios diversos e, portanto, distintos, e até a discriminação de diversos tipos de indemnizações em função dos proprietários e da natureza dos terrenos em causa, o que também é positivo.
Em terceiro lugar, ninguém identifica esta obrigação de indemnizar e o direito à correspondente indemnização com a possibilidade de fraude ao dever de indemnizar. Ou seja, esta norma não consagra a possibilidade de o Estado conceder a chamada "indemnização irrita ou irrisória", a indemnização não indemnizatória. Tem de tratar-se de uma verdadeira e própria indemnização, ou seja, tem de haver uma interpretação razoável ou aceitável, como a doutrina, de resto, vem interpretando na sua melhor extracção.
A expressão "justa indemnização" está associada a um outro terreno e a uma outra dimensão, menos delimitada do que esta, e não vemos vantagem na homogeneização, soit disant dos regimes nesta matéria.
Srs. Deputados, eu sugeria que não turvassem uma água que é cristalina, porque se a turvarem assim a beberão!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que formule uma pergunta?

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Pergunto ao Sr. Presidente e ao Sr. Deputado José Magalhães se o que disseram em relação à redacção proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro não põe em causa o rearranjo dos artigos. É evidente que "justa indemnização" é apenas um termo que está utilizado no n.º 1 da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!
Gostaria, portanto, de saber se estão ou não dispostos a encarar o rearranjo destes dois artigos com esta engenharia, ficando o artigo 98.º a substituir os dois.

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa resposta foi dada por nós no início deste debate, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Desculpe, mas não ouvi, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - A resposta é não!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então negam a proposta do Sr. Deputado Vital Moreira!

O Sr. José Magalhães (PS): - Negamos a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tal como disse na primeira leitura e reafirmo neste momento, em nome da bancada do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a proposta do Sr. Deputado Vital Moreira que consta do guião!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
Deve ser uma surpresa chocante para si, mas faz parte das regras democráticas.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É de asneira em asneira!

O Sr. José Magalhães (PS): - Perdão, a asneira de V. Ex.ª é a virtude constitucional de outros. Não tem direito, naturalmente, de contestar esse aspecto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por não ter falado ao microfone, não é possível reproduzir as palavras do orador.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, por favor não se aproprie, de forma inteiramente abusiva, de um guião que é um guião! Para nós, há uma diferença entre um guião e a Tora.
Sr. Presidente, não diremos nem mais uma palavra sobre este debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 97.º, constante do projecto do CDS-PP, comungada no mesmo alcance pelo projecto do PSD e, também, pelo projecto cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

Submetida à votação, foi rejeitada com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, sendo que o artigo 98.º, constante do projecto apresentado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, se reporta a alterações materiais às cláusulas do artigo 97.º, vamos votá-lo de seguida.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 98.º, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à correspondente e justa indemnização e à reserva de área adequada à viabilidade e à racionalidade da sua própria exploração.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 98.º, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

2 - A lei regulará os meios e as formas de transferência da titularidade ou exploração das terras expropriadas para fins de reordenamento agrário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em parte, creio que a discussão do artigo 98.º está esgotada pelo que já foi dito a propósito do artigo 97.º sobre matéria da mesma natureza, mas recordo que, relativamente ao artigo 98.º, há ainda duas propostas de eliminação, uma do PSD e outra do CDS-PP.
Vamos votá-las.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 98.º, constante do projecto de do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria apenas esclarecer que se trata de uma mera reinserção, exactamente igual.

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. Assim sendo, a votação está prejudicada.
Srs. Deputados, antes de passarmos ao artigo 99.º, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma declaração de voto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer uma declaração de voto em relação a este artigo, que, no fundo, vai acentuar o que disse até aqui em relação a esta matéria.
Penso que perdemos uma excelente oportunidade de actualizar esta área da Constituição, e perdemo-la porque o Partido Socialista ficou ancorado a uma visão histórica, fixista, desta matéria, porque tem preconceitos de natureza ideológica que não quer ultrapassar e, porventura, porque a entrevista dada pelo Sr. Secretário de Estado José Sócrates fez mossa na consciência do Partido Socialista, sobretudo quando afirmou que a revisão constitucional tinha sido o "pior negócio" que o Partido Socialista fez nos últimos tempos.
Compreendo que os senhores estejam vinculados,…

O Sr. José Magalhães (PS): - Seguramente não por este aspecto, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - … do ponto de vista intelectual, a declarações desta natureza; compreendo que os senhores não consigam evoluir com a liberdade que teriam inicialmente em relação a esta matéria; compreendo também que desrespeitem a indicação insuspeita que o próprio Prof. Vital Moreira deu no sentido do avanço e actualismo da Constituição, que não tinha nada a ver, como é evidente, com o medievalismo que o PCP colocou na boca de todos os que queriam a alteração destes artigos.
É natural que o PCP faça acusações de medievalismo; é natural que o PCP também não queira deixar o Partido Socialista evoluir para uma posição diferente em relação a esta matéria; é natural ainda que o PCP pressione o Partido

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Socialista a manter-se fixo a conceitos da História que estão completamente ultrapassados. Hoje em dia, não faz sentido absolutamente nenhum manter estes artigos tal como estão.
A proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, embora não sendo a ideal, do nosso ponto de vista era admissível e porventura melhor - francamente melhor - para o texto constitucional. Por isso, grande parte do texto dessa proposta foi por nós votada favoravelmente.
É evidente que resumir este ponto, que foi o que o Partido Socialista tentou fazer, a uma discussão sobre o conceito de indemnização, sobre se ela deve ser correspondente ou justa, não faz o mínimo sentido, porque o Partido Socialista não consegue dizer, nem aos Deputados constituintes nem a ninguém neste país, que a indemnização correspondente - assim está na Constituição - não seja uma indemnização justa.
Se o Partido Socialista conseguir admitir que o deixar estar na Constituição, ou na lei, que uma indemnização deve ser correspondente e não deve ter sentido de justiça na sua retribuição, é evidente que está a dizer uma enormidade completa! E, ao refugiar-se na luta sobre este conceito da justiça ou da correspondência da indemnização, não está a fazer, do meu ponto de vista, nada de essencial.
Não aceitando o termo que o PSD propunha para a indemnização, nem os propostos pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro para este artigo 98.º, o Partido Socialista está a ir contra a evidência, está a ir contra a História e não tem sentido algum a sua declaração.
Numa palavra, Sr. Presidente, para não estender as minhas considerações, creio que a revisão constitucional, neste particular, neste momento, ficou aquém do que deveria. O Partido Socialista não teve coragem para se libertar de ditames da História, que, do meu ponto de vista, são ideologicamente negativos; não teve coragem para romper com esta tradição, para nós negativa, de "programaticidade" da Constituição em relação aos artigos 97.º e 98.º, e, assim sendo, o Partido Social Democrata só tem a lamentar que tal não tenha acontecido e que as suas propostas não tenham vingado.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, corrigir algo que o Sr. Deputado Carlos Encarnação acabou de atribuir ao PCP. Na verdade, eu disse que a proposta do PSD era de um reaccionarismo medieval, mas referi-me à proposta de eliminação do PSD e não a qualquer proposta que tivesse como propósito, naturalmente, uma mera ordenação, lógica ou sistemática, da Constituição. Portanto, referi-me ao conteúdo da proposta de eliminação do PSD.
Aliás, o PSD sabe, tão bem como nós, que as propostas que apresente no sentido do pretenso alheamento do Estado da actividade económica, ou de uma pretensa neutralidade, não são, de facto, neutralidade nenhuma; são, sim, formas de o Estado intervir no sentido da preservação dos direitos dos mais fortes. Portanto, quando o PSD pretende que o Estado não intervenha em matéria agrária, designadamente para eliminação dos latifúndios, o que quer, no fundo, é que a Constituição defenda e preserve a existência dos latifúndios.
Foi essa posição que considerei - e que considero - ser de reaccionarismo. Se os Srs. Deputados recusarem a palavra "medieval", fiquem com a expressão "ultrapassado pela História".

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O texto não está ultrapassado pela História!

O Orador: - Efectivamente, o latifúndio está historicamente condenado, embora ainda persista em vários pontos do mundo. E, do nosso ponto de vista, ele persiste, de facto, em determinadas regiões do nosso país e constitui, objectivamente, um obstáculo ao desenvolvimento da agricultura nacional.
Portanto, em nossa opinião, não faz qualquer sentido - e merece a nossa firme condenação - que o PSD insista em querer consagrar na Constituição o seu objectivo, que é o da manutenção de vastas zonas do nosso país sujeitas ao atraso decorrente de uma exploração latifundiária da terra, que, no fundo, acaba por ser não propriamente uma exploração agrícola, que tenha um conteúdo minimamente útil do ponto vista social e económico, mas apenas a manutenção de estruturas fundiárias arcaicas, em nome de um sagrado direito de propriedade que apenas compromete o desenvolvimento do nosso país.
Não aceitamos esse objectivo, por isso votámos contra a proposta do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o resultado da votação que acabámos de realizar decorreu de preconceitos ideológicos que me parecem perfeitamente desajustados no tempo em que vivemos e da realidade com que nos confrontamos.
Ainda há pouco falámos da necessidade de a nossa agricultura ser competitiva e, no contexto europeu, uma agricultura competitiva não se compagina, obviamente, com explorações sem a dimensão necessária para produzir em quantidade e com preços competitivos.
Também me parece existir uma contradição evidente entre o que é defendido pelo Partido Socialista no que diz respeito, nomeadamente, à política agrícola comum e à política europeia, e a posição que o Partido Socialista assume no que diz respeito à política nacional e à política agrícola desenvolvida e executada pelo Governo português.
O que o Partido Popular pretende não é a consagração constitucional do latifúndio; é, sim, que a Constituição não inviabilize, não seja um obstáculo à constituição de propriedades com dimensão e com capacidade de produzir a preços competitivos, nomeadamente dentro de um mercado cada vez mais alargado, que extravasa também as fronteiras da União Europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminadas as declarações de voto, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 99.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma declaração de voto.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco, quando referi que a proposta do PSD para o artigo 97.º era de um reaccionarismo medieval, usei o termo "medieval" como força de expressão…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quer retratar-se!

O Sr. António Filipe (PCP): - Não quero nada retratar-me!

O Sr. José Magalhães (PS): - Aqui é que é apropriado o uso desse termo.

O Orador: - Exactamente!
Em relação à proposta do PSD, o termo "medieval" foi uma força de expressão (que, aliás, expliquei), mas relativamente à proposta do PP, de eliminação do n.º 2 do artigo 99.º, que votámos agora, o "medievalismo" é, de facto, literal,…

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Estava a ver que não o dizia! Começava a ficar ofendido, pois era uma grande falta de consideração da sua parte.

O Sr. António Filipe (PCP): - … já que visa acabar com a proibição do aforamento e da colonia, o que, de facto, do ponto de vista histórico, é não só condenável mas, sobretudo, bizarro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao artigo 100.º, quero sublinhar que há uma proposta de eliminação do CDS-PP e, implicitamente, uma proposta de eliminação do n.º 2, constante do projecto de revisão constitucional do PSD. No entanto, como o PSD apresenta agora propostas de modificação de várias alíneas do n.º 2, pergunto ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes se retira a proposta inicial, de eliminação do n.º 2.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de usar da palavra para esclarecer a proposta do PSD.

O Sr. Presidente: - De momento, peço apenas ao Sr. Deputado que responda à minha questão sobre se retiram, ou não, a vossa proposta inicial, de eliminação do n.º 2 do artigo 100.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não posso responder sem explicar a proposta do PSD, porque houve uma evolução relativamente à primeira leitura.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe, então, que faça a explicação em bloco, naturalmente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: de facto, no seu projecto inicial, o PSD propunha a retirada do n.º 2 do artigo 100.º. No entanto, quem participou no debate da primeira leitura recordar-se-á - está na acta -, embora não esteja explicitado no guião do Prof. Vital Moreira, que no debate que então travámos houve, da parte do Partido Socialista, uma posição negativa quanto à pura e simples retirada do n.º 2. Contudo, o Partido Socialista expressou abertura para rever o elenco das alíneas do n.º 2, relativo ao apoio do Estado, em particular das alíneas b) e c), desde logo pelo carácter redutor que a alínea b) tem relativamente à actuação de uma qualquer política agrícola, uma vez que obrigaria, nos termos do texto constitucional, à existência permanente de empresas públicas de apoio a montante da produção e tal poderia pôr em causa, nomeadamente, os processos de privatização de empresas como a EPAC ou outras.
Isto é, obrigaria o Estado a manter a existência de empresas públicas de apoio à agricultura, o que, obviamente, contraria a execução de políticas de privatização que o Estado queira levar à prática (e que o actual Governo socialista quer levar à prática ou que, pelo menos, já anunciou como objectivos e como programa para a sua acção de privatização da economia).
Na primeira leitura, o PS também manifestou abertura para rever o que resulta da neutralidade da actual alínea c), que aponta para a socialização dos riscos dos acidentes climatéricos.
É evidente que este princípio de socialização é totalmente errado e, de resto, nem sequer é posto em prática na sua linearidade. O que pode e deve estar aqui em causa, do ponto de vista do PSD - e para tanto, na primeira leitura, também houve uma abertura da parte do Partido Socialista -, é o apoio do Estado à cobertura dos riscos resultantes de acidentes climatéricos e outros, imprevisíveis ou incontroláveis. Ou seja, é o magno problema que é colocado relativamente aos seguros da actividade agrícola.
Como todos sabem, a generalidade dos agricultores tem grande dificuldade em negociar directamente com as seguradoras a fixação dos seguros para determinado tipo de acidentes climatéricos imprevisíveis ou incontroláveis - os seguros de colheita não cobrem toda esta matéria - e aquela que tem vindo a ser prática dos vários governos é a regulamentação de sistemas de apoio a essas culturas de risco, nomeadamente através de determinado tipo de linhas de crédito bonificadas, precisamente para os agricultores poderem recorrer a estes seguros, através da montagem, pelo próprio Estado, da contratação de sistemas de seguros universais com as seguradoras, em que o Estado, por subsídio, comparticipa parte dos riscos.
No entanto, tudo isto é claramente diferente do conceito vasto - diria mesmo vastíssimo - da socialização dos riscos. É evidente que não se pode socializar os riscos se os lucros também não o forem, porque tal significaria socializar os prejuízos quando não há nenhuma socialização dos lucros! Ou seja, quando a actividade agrícola dá lucros esses lucros são apropriados "privatisticamente", mas quando ela tem riscos é a colectividade que paga, o que não faz qualquer tipo de sentido. O que, de facto, faz sentido é fazer evoluir o texto constitucional para um apoio do Estado à cobertura dos riscos resultantes de acidentes imprevisíveis.
É essa, no fundo, a proposta do PSD, como também é proposta do PSD, numa perspectiva clara e objectiva do texto constitucional, abrir a porta aos programas de privatização que o Estado tem em curso, nomeadamente na área de empresas públicas no sector agrícola e, mantendo o acervo constitucional, rever a redacção.
A alteração proposta pelo PSD para a alínea b) vai no sentido de abranger apenas o apoio a montante e a jusante da produção, nomeadamente na criação de condições para

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o seu escoamento e comercialização. De certa forma, o PSD pretendia dar também, sem preocupações de apropriação de titularidade indevida, curso a alguma abertura por nós manifestada, em resultado do primeiro debate, relativamente a uma proposta do Partido Comunista para uma nova alínea, que tinha a ver exactamente com o apoio do Estado à promoção tanto da comercialização como da produção nacional.
Penso, contudo, que não haveria vantagem em tratar esta questão numa nova alínea, porque a actual redacção da alínea b) terá de ser alterada por estar errada, por prejudicar - inviabilizando-os mesmo - os tais programas de privatização em curso.
Portanto, parece-nos que esta lógica de apoio do Estado, a montante e a jusante, da produção pode, com vantagem, ter aqui uma referência expressa, nomeadamente à promoção da produção, seu escoamento e comercialização. De facto, estas são as tais campanhas, os tais apoios que já hoje existem, da parte do Estado, à promoção da comercialização e do escoamento dos produtos dos agricultores nacionais. Enquanto governo, o PSD sempre entendeu este procedimento como um objectivo e uma preocupação do Estado, por isso, do nosso ponto de vista, o apoio do Estado a esta realidade fica bem na Constituição - já o tínhamos dito na primeira leitura -, daí a nossa proposta.
Por último, Sr. Presidente, quanto à proposta relativa à alínea c), a intenção era claramente (e com o efeito prático evidente) a de substituir o conceito, totalmente errado e incorrecto, de socialização dos riscos resultantes de acidentes climatéricos pelo princípio do apoio à cobertura dos riscos resultantes, mantendo o restante texto actual. De facto, essa é a política já iniciada pelos anteriores governos e mantida, pelo menos no discurso, pelo actual Governo, que continua a defender a necessidade de apoio do Estado à montagem de seguros de cobertura de riscos por acidentes climatéricos imprevisíveis ou incontroláveis como forma de obviar à extraordinária dificuldade e à falta de capitalização das empresas agrícolas, à generalidade de dificuldades que os agricultores têm de se precaver contra este tipo de acidentes, em que o clima português é tão fértil.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a distracção pode ter sido minha, mas creio que o Sr. Deputado fundamentou as propostas de alteração relativas às alíneas do n.º 2 do artigo 100.º e nada disse quanto à proposta de proémio. Isto é, o PSD mantém a proposta para o número único, que é o n.º 1, tal como está?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o contexto da minha explicitação, conforme o diálogo que inicialmente mantive com o Sr. Presidente da Comissão, é exactamente o de que, do ponto de vista do PSD, dentro da lógica que preside a todo este capítulo, o texto constitucional deve ser aligeirado e simplificado nesta parte. Daí a nossa proposta inicial.
No entanto, a manter-se - e é esse o contexto da nova proposta - a indisponibilidade do Partido Socialista para aceitar a nossa proposta inicial, o Partido Social Democrata, em alternativa (se o Partido Socialista aceitar, conforme manifestou abertura na primeira leitura, o reequacionamento da redacção de, pelo menos, estas duas alíneas, que foram as que explicitamente, na primeira leitura, o Partido Socialista tinha aceite rever), decairá e retirará a sua proposta inicial, por entender que "do mal o menos"! E o "menos" é que o texto constitucional beneficie das alterações mínimas necessárias.
Portanto, se houver abertura do PS para tanto, obviamente o PSD retirará a sua primeira proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A norma da alínea b) do n.º 2 do artigo 100.º vem suscitando, desde há muito tempo, algumas dificuldades interpretativas, porque entre os deveres de apoio do Estado mencionava, muito directa e inequivocamente, a criação de cooperativas de comercialização.
Esta referência às cooperativas como forma de auxílio do Estado era considerada pela doutrina difícil de compreender, porque as cooperativas não têm, nem podem ter, nada a ver com a estrutura do Estado - por definição são autónomas. Pertencem, de resto, a um subsector próprio no sector de propriedade dos meios de produção e não estão sujeitas a ingerência ou tutela do Estado, nos termos do artigo 96.º, que, aliás, deixámos intacto.
Portanto, a norma foi vista como um modo de impulsionamento e de algum apoio do Estado à criação de estruturas de comercialização.
Em relação à fórmula "empresa pública de comercialização" como instrumento de apoio à comercialização, Sr. Presidente, é compreensível uma flexibilização não apenas lexicológica como conceptual, uma vez que pode o Estado ter diversas formas de intervenção, de influência e de apoio neste domínio, desde logo as que resultam da criação de incentivos de diversos tipos (da própria regulação do regime de comercialização, da existência de estruturas jurídicas ou de carácter técnico distintas da única estrutura a que se alude hoje neste artigo, podendo, eventualmente, compreender esta estrutura, em determinados termos), o que, como se sabe, tem vindo a ser objecto de práticas distintas, do governo anterior e do actual.
Nesse sentido, Sr. Presidente, estaríamos disponíveis para uma redacção deste tipo, por exemplo: "O apoio do Estado compreende designadamente a criação de estruturas jurídicas e técnicas que permitam a comercialização mais eficaz a montante e a jusante da produção".
Em relação à alínea c), também a doutrina teve alguma dificuldade em apurar o conceito hoje plasmado nessa alínea, o da "socialização dos riscos", uma vez que, é bom depreender, tal não substituía a actividade autónoma dos agricultores na sua própria esfera, não implicava uma espécie de obrigação de seguro total e universal pago pelo Estado, não implicava que fosse o Estado a suportar tudo em todas as circunstâncias. Portanto, nesta matéria tivemos interpretações "razoabilizadoras" do alcance da norma, a qual, lida num determinado sentido, implicaria a colectivização dos riscos e a total libertação dos próprios interessados de qualquer esforço tendente a usar mecanismos outros de auto-protecção em caso de acidente.

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Talvez seja possível substituir esta norma por uma outra que preveja uma "intervenção na protecção das vítimas de acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis", que abre a modalidades várias de intervenção do Estado protector, a qual, de resto, é desejável e tem vindo a ser praticada cada vez que há destruição de colheitas ou prejuízos insuportáveis face a intempéries.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes tinha adiantado uma outra fórmula, a do "apoio à cobertura dos riscos", que também é razoável. Diz exactamente o mesmo do que aquela que eu enunciei, não há nenhuma diferença de filosofia nem nenhuma antinomia estabelecível entre essa fórmula e a que proferi.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de apresentar oralmente vai ser distribuída.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à alínea c) do n.º 2, penso que haveria vantagem em que o texto constitucional falasse apenas no apoio à cobertura dos riscos resultantes, conforme já cá está, substituindo apenas "socialização" por "apoio à cobertura", precisamente para que o texto constitucional permita a maior margem de manobra possível.
Nesta matéria, penso que é de evitar a utilização de terminologias como "intervenção do Estado à protecção das vítimas", ou o que quer que seja, até porque não é isso que está em causa. A existência de seguros não pressupõe necessariamente a existência de vítimas - Deus queira que os seguros sejam apenas isso mesmo, um seguro sem que haja vítimas -, por isso prefiro a norma genérica de "apoio à cobertura dos riscos". Esse apoio terá a formatação que, em cada momento, o Estado e o Governo, através das suas políticas, entenderem ser a mais adequada para pôr em prática.
Quanto à primeira questão, quero dizer que me regozijo com a declaração do Sr. Deputado José Magalhães de que entendia ser correcta a ideia de apoio à cobertura. Apenas reforço que, do ponto de vista do PSD, parece bastante preferível uma formulação deste tipo.
Quanto à alínea b) do n.º 2, devo dizer, com toda a franqueza, que o texto constitucional tem toda a vantagem (uma vez que estamos em sede de um artigo que tem a ver com o auxílio do Estado) em definir normas genéricas. O que está em causa nesta alínea b) é definir que o apoio do Estado compreende, designadamente, apoio a montante e a jusante da produção, acrescentando, eventualmente, "nomeadamente para o problema do escoamento e da comercialização dos produtos", aspecto que já decorria, de certa forma, do próprio texto constitucional e, também, de uma proposta do Partido Comunista.
Por outro lado, já me parece profundamente errado estar a acrescentar ao texto constitucional conceitos que já discutimos noutra sede. Aliás, noutros artigos na Constituição já se fala em estruturas técnicas e jurídicas, mas em sede de princípios fundamentais. E, mesmo assim, do ponto de vista do PSD, já é errado fazê-lo nessa sede.
Para o sector agrícola em concreto, falar em criação de instrumentos técnicos e jurídicos é criar uma confusão, uma dificuldade e até um foco de alguma conflitualidade entre o Estado e as organizações representativas dos agricultores.
Portanto, em sede dos apoios, o ideal é que, tal como na alínea a) se refere a assistência técnica sem falar na criação de mecanismos técnicos e jurídicos para a concessão de assistência técnica, apenas se refira o apoio à produção a montante e a jusante, para ficar claro que pode ser pela promoção prévia, ou a posteriori, das condições de comercialização e de escoamento dos produtos.
O princípio é este: a alínea a) refere-se à assistência técnica e a alínea b) ao apoio à produção. Acrescentar aqui o que quer que seja parece-me errado, irá criar alguma dificuldade de interpretação e, através dessa dificuldade de interpretação, alguma conflitualidade sobre o cumprimento, por parte do Estado, das suas obrigações de apoio.
Além do mais, como ficou claro neste debate, o PSD até entendia que, preferencialmente, a Constituição não deveria descer a este pormenor mas se o faz, então que fique apenas no plano dos princípios.
Em suma, a alínea a) refere-se à concessão de assistência técnica; a alínea b) ao apoio a montante e a jusante da produção, nomeadamente por isto ou por aquilo…; e a alínea c) à cobertura dos riscos.
Já quanto à alínea d), a questão que se põe é diferente, estão sobre a mesa propostas diversas de vários grupos parlamentares, pelo que sugiro que a abordemos mais tarde.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, dado o adiantado da hora e uma vez que há propostas que talvez ganhassem se fossem ainda trabalhadas, sugeria que suspendêssemos agora os trabalhos da Comissão, para os retomarmos às 15 horas, tendo como ordem de trabalhos da nossa sessão da tarde a avaliação dos artigos da Constituição até ao final da reorganização económica, ou seja, até ao artigo 110.º, inclusive.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Antes de suspendermos os trabalhos desta manhã, estava em apreciação uma proposta de eliminação do artigo 100.º, apresentada pelo CDS-PP.
Por outro lado, face a uma proposta comum de alteração das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 100.º, suponho - o Sr. Deputado Luís Marques Guedes poderá confirmá-lo - que o PSD retirou a proposta inicial de eliminação do n.º 2 do artigo 100.º, constante do projecto do PSD.
Pode confirmar se é assim, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos começar por votar a proposta de eliminação do artigo 100.º, constante do projecto do CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD.

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Srs. Deputados, convém registar que o PCP e o CDS-PP não votaram por se encontrarem ausentes.
Vamos agora passar à proposta de alteração do n.º 1 do artigo 100.ºconstante do projecto inicial do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o PSD não desejaria que a proposta fosse colocado à votação tal qual consta do projecto inicial. De facto, houve alguma evolução, quer em sede de primeira leitura quer durante esta segunda leitura, relativamente ao contexto global deste artigo e, nesse sentido, não faria sentido o Partido Social Democrata manter para votação o texto tal qual ele consta do projecto inicial.
No entanto, neste artigo 100.º, que é o artigo final relativo à parte da agricultura e que aponta para o auxílio do Estado nestas matérias, da sua proposta inicial, o PSD desejaria que - e peço a atenção do Sr. Presidente para este facto, para que tome uma decisão metodológica sobre a matéria -, na linha do debate que travámos durante esta manhã relativamente a artigos anteriores, em que acrescentámos, a propósito do problema da agricultura e do mundo rural, a temática do desenvolvimento e da revitalização do mundo rural, a seguir aos "objectivos de política agrícola", se referisse a questão do desenvolvimento rural e, eventualmente, na parte final do n.º 1, para além de tudo o que consta actualmente do texto da Constituição, ou seja, o apoio preferencial ao pequenos e médios agricultores e por aí fora, se acrescentasse o apoio do Estado às iniciativas que visem a revitalização do mundo rural.
Ao longo dos artigos anteriores fomos colocando pequenos segmentos, acrescentando a valência da defesa e do desenvolvimento do mundo rural a par destes objectivos de política agrícola e, nesse sentido, neste artigo de auxílio do Estado, deveria ficar também uma referência, ainda que genérica, sem nenhuma concretização na alínea b) sobre a forma como esse apoio do Estado deverá realizar-se, ainda que exemplificativamente.
A intenção é que fique explícita a ideia do apoio do Estado às iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural. De resto, esta é uma realidade que já hoje existe, pois há vários programas criados pelo Estado e em curso, que têm a ver com esta temática da revitalização do mundo rural, do desenvolvimento rural enquanto objectivo estratégico. Trata-se, portanto, de transpor para a Constituição uma realidade que já existe e que, julgo, é defendida por toda a gente, conforme aconteceu relativamente aos segmentos que votámos anteriormente, na referência à ruralidade.
Sr. Presidente, esta era a nota que queria deixar e gostaria de saber como é que, metodologicamente, isto poderia ser feito, ou seja, se há consenso para a apresentação de uma proposta comum da Comissão, à semelhança do que foi feito em artigos anteriores, ou se o PSD deverá avançar com uma proposta própria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes propõe a votação autónoma da referência ao desenvolvimento do mundo rural a seguir a "política agrícola", no primeiro segmento da norma, e um novo aditamento, a incluir de forma sistemática e sob ponderação, aditamento que corresponde à expressão "e as iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por uma questão de lealdade, gostaria de dizer que esta norma escapa à lógica e, neste caso, ao programa do artigo 100.º, que estatui regras sobre apoio preferencial e elenca os destinatários desse apoio preferencial. E elenca-os por esta ordem, a ordem constitucional.
A lógica da proposta do PSD não tem em conta quem promove as chamadas iniciativas locais revitalizadoras, ou seja, é indiferente que se trate de um grande promotor, de um médio promotor, de uma associação Estado/privados, de uma associação privado/cooperativa, de uma associação privado/cooperativa social, etc. Ou seja, a lógica desta norma é uma lógica de miscigenação, que não tem a ver com a lógica do n.º 1 do artigo 100.º.
Por outro lado, as alusões ao desenvolvimento do mundo rural já constam na sede própria e em lugar bastante nobre e destacado, por força da votação que fizemos esta manhã.
Sr. Presidente, por estas razões, e só por elas, parece-nos não ser esta a boa sede para a norma proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como acabou de constatar, é capaz de não haver grande ganho metodológico na votação separada dos segmentos da proposta que o PSD apresentou.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, ouvi a exposição que acabou de fazer e chamo a atenção para o seguinte: é certo que esta norma aponta para apoios preferenciais, mas apoios preferenciais na prossecução de objectivos da política agrícola, porque esse é o contexto actual. É evidente que quando a norma aponta para uma lógica preferencial é relativamente ao apoio da actividade agrícola.
Já anteriormente, nomeadamente no artigo 96.º - o artigo dos grandes objectivos genéricos da política agrícola -, acrescentámos na alínea b), votação a que o PS se associou hoje de manhã, o objectivo do desenvolvimento do mundo rural. Ora, a proposta do PSD está dentro dessa lógica de concretização dos objectivos genéricos do artigo 96.º. Assim, estão aqui em causa os auxílios do Estado à agricultura preferencialmente e, do ponto de vista do PSD, o desenvolvimento rural prende-se com as iniciativas locais.
É evidente que o Sr. Deputado José Magalhães escusa de elevar aqui os "fantasmas" dos grandes promotores privados, ou o que quer que seja, porque o PSD não partilha desse tipo de complexos e pouco lhe interessa se os promotores são privados, se são públicos ou o que quer que seja e, por outro lado, é evidente que, quando aqui se refere "iniciativas locais", há que ter em conta que as iniciativas locais são algo que, hoje em dia, tem uma legislação própria, uma densificação própria e uma dimensão, quer territorial quer em termos de dimensão do próprio investimento, que está perfeitamente conceptualizada na legislação em vigor.

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Portanto, se em sede de objectivos de política agrícola o Estado deve auxiliar "preferencialmente os pequenos e médios agricultores" e, enfim, dar cumprimento a todo o texto da Constituição, em matéria de desenvolvimento rural (que é, também, um objectivo genérico do Estado), faz todo o sentido prever que o Estado deve, preferencialmente, apoiar as iniciativas locais. Falo de algo que já fez o seu curso na legislação ordinária, que é uma realidade conhecida, densificada e que não é passível de quaisquer dúvidas de interpretação ou de confusão com iniciativas de grandes grupos empresariais, ou o que quer que seja, se é que isso perturba, de alguma maneira…

O Sr. José Magalhães (PS): - Não perturba, está fora do âmbito desta norma, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, está fora do âmbito desta norma porque ela se destinava apenas à política agrícola, tal como o artigo 96.º só continha princípios de política agrícola! Porém, esta manhã, acrescentámos aos princípios do artigo 96.º a valência do desenvolvimento rural e, portanto, faz sentido que também nesta sede, a nível dos auxílios do Estado à prossecução desses objectivos, se estatua que o Estado, para o desenvolvimento rural, dará prioridade às iniciativas locais de revitalização do mundo rural, precisamente para que fique claro que o Estado não deve, para prosseguir os objectivos de desenvolvimento rural, deixar de dar uma prioridade às pequenas iniciativas.
Só por absurdo se poderia pensar que o Estado deve concretizar esse princípio novo que passa a constar da Constituição apenas através de apoios a macroprojectos ou a grandes iniciativas realizadas por quem quer que seja. O PSD está a propor exactamente o contrário!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a questão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes foi dirigida ao Sr. Deputado José Magalhães, que não irá usar da palavra para responder, suponho que em nome dos argumentos já explicitados anteriormente. É assim, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Assim é, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, não houve disponibilidade da parte do PS para votar, ponderando várias possibilidades, a proposta de modificação do n.º 1 do artigo 100.º.
Nestes termos, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não vejo utilidade em fazer votações separadas, por isso proponho que se continue a votar em bloco a proposta de modificação do n.º 1 do artigo 100.º, apresentada pelo PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, nesse caso, se me permite, vou formular uma proposta de n.º 3, em separado, porque não faz sentido que o PSD proponha a votação de algo que já acertou que poderia ficar como está - refiro-me ao n.º 1.
Sr. Presidente, para que fique claro, o PSD irá apresentar, em separado, propostas de alteração aos n.os 1 e 2 (versando apenas a política agrícola) e irá formular um n.º 3, que será posto à votação mais à frente.

O Sr. Presidente: - Então, vamos dar por retirada a proposta inicial do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, Srs. Deputados, vamos votar a proposta comum do PS e do PSD, já distribuída, relativa à alteração das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 100.º.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do PCP.

É a seguinte:

b) Criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção;
c) Apoio à cobertura de riscos (...).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração da alínea d) do n.º 2 do artigo 100.º, apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, votos a favor do CDS-PP e abstenções do PSD e do PCP.

Era a seguinte:

d) Estímulos às iniciativas empresariais dos pequenos e médios agricultores;

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à proposta de aditamento de uma nova alínea - a alínea e) -, apresentada pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando da primeira leitura, o PCP aceitou reformular o texto proposto para a alínea e), cortando a segunda parte e inserindo a primeira parte na alínea a) ou na alínea b). É certo que a alínea a) já está votada, mas isso não traria nenhum problema especial, ou seja, a norma poderia ser acrescentada à alínea b), passando a constar qualquer coisa como "criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção, bem como à racionalização dos circuitos de comercialização."

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há uma sugestão de acolhimento da proposta do PCP, por aditamento à alínea b) que acabámos de votar, com adaptação. Ou seja, a proposta do Sr. Deputado José Magalhães é que se acrescente à alínea b), que já foi votada, o seguinte segmento: "bem como à racionalização dos circuitos de comercialização".
Assim, a alínea b) ficaria com a seguinte redacção: "Criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção, bem como à racionalização dos circuitos de comercialização;".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ficaria melhor "bem como à racionalização dos respectivos circuitos".

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O Sr. Presidente: - Também poderia ficar com essa a redacção…

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite, a formulação inicial é um pouco mais repetitiva mas, também, mais inequívoca, pois permite a leitura a se do segundo segmento. A proposta que apresentei foi a de acrescentar "bem como de racionalização dos circuitos de comercialização", mas nada obsta a que fique "bem como à racionalização dos respectivos circuitos".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas queria comentar esta proposta de alteração da alínea b).
Compreendo qual é a ideia do PCP para o artigo 100.º, mas tendo nós chegado a uma forma tão habilidosa, tão criativa, tão equilibrada e tão elegante como a que foi conseguida na alínea b), parece-me que poderíamos estragá-la e não lucraríamos absolutamente nada com a inserção, tal como está proposto nesta altura, deste apêndice à alínea b). E, como entendemos que basta o que já lá está, não votaremos a favor deste acrescento.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Querem uma alínea autónoma?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado, nesta altura entendemos que basta o que está consagrado

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, se o PCP, autor inicial do projecto, estiver de acordo com a adaptação da fórmula que propôs…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a nossa perspectiva era outra, a de a ideia de ser acolhida. Não sendo possível, não vemos qualquer vantagem…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pequei por excesso de zelo. Vou retirar qualquer sugestão de alteração de redacção e vamos votar a vossa proposta tal como ela foi apresentada.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de aditamento de uma nova alínea - a alínea e) - ao n.º 2 do artigo 100.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PCP e do CDS-PP e abstenções do PS e do PSD.

Era a seguinte:

e) Apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e promoção da produção nacional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PCP, dado que esta proposta vai a Plenário, pergunto se, para efeitos de redacção, não querem admitir convolar a proposta agora votada para a redacção que chegou a ser admitida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o facto de a proposta estar autonomizada até coloca mais dificuldades ao PSD para explicar por que votou contra! Ao inseri-la na alínea b), o PSD podia reduzir a sua posição a um problema de estética dessa alínea, mas estando autonomizada será mais difícil de explicar a sua oposição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, o PSD até propunha a eliminação de todas essas alíneas! Portanto, é facílimo de explicar por que é que não votamos a favor desse acrescento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aguardo apenas que chegue à mesa, para distribuição, a proposta de aditamento um novo n.º 3 do artigo 100.º, proposta que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco enunciou.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso começar por apresentar a proposta do PSD.
Na sequência da preocupação expressa pelo Partido Socialista de que o contexto actual dos n.os 1 e 2 tem que ver apenas com a política agrícola e que o n.º 1 não devia ser alterado, o PSD retirou a sua proposta inicial.
O que o PSD pretende agora é acrescentar a valência do desenvolvimento rural, mediante o aditamento de um novo número. Assim, os n.os 1 e 2 mantinham a redacção actual, com o conteúdo normativo de referir os auxílios do Estado em sede de política agrícola, e acrescentávamos um n.º 3, que, no seguimento de outras alterações já votadas anteriormente, diria que o Estado apoiará iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural.
Digamos que se trata de uma simplificação da proposta inicial do PSD, mantendo o actual acervo, em virtude da indisponibilidade manifestada por parte do Partido Socialista para alterar o texto constitucional relativamente ao n.os 1 e 2. Assim, para simplificar, retirávamos essa parte e acrescentávamos a única que é, de facto, inovadora e que passaria a ser o n.º 3. Ou seja, depois de os n.os 1 e 2 preverem o apoio à política agrícola, seria o n.º 3 a referir o auxílio do Estado às iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural, dando expressão ao conteúdo do artigo 96.º e de outros quanto ao objectivo de desenvolvimento rural e de defesa do mundo rural.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de aditamento de um novo número - o n.º 3 - ao artigo 100.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

Era a seguinte:

3. O Estado apoiará as iniciativas locais que visem a revitalização do mundo rural.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, queria usar da palavra para fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Sá.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a razão da abstenção do Grupo Parlamentar do PCP é a seguinte: em momento oportuno, como é sabido - e ainda esta manhã estivemos oportunidade de reexaminar a questão -, levantámos o problema das vias para o desenvolvimento do mundo rural, por se tratar de uma preocupação que é, para nós, muito importante.
Julgamos, no entanto, que esta revitalização do mundo rural terá de processar-se pelas mais diferentes formas, muitas delas da responsabilidade directa do Estado e da administração central, e por isso acolhemos com alguma reserva uma formulação que autonomiza as iniciativas locais, designadamente não enumerando no local próprio toda uma série de outras vias, da responsabilidade de outras entidades. É que, para além do próprio Estado, há, inclusive, entidades comunitárias que não poderiam deixar de ter um papel importante neste domínio.
Portanto, o que para nós está em causa nesta matéria não é, evidentemente, o apoio do Estado às iniciativas locais com este objectivo mas, sim, o facto de este objectivo ter de ser cumprido por múltiplas vias e não apenas através do apoio do Estado às iniciativas locais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma declaração de voto.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em nome do Grupo Parlamentar do PSD; queria apenas referir o seguinte: aquando da apreciação do artigo 91.º, aceitámos introduzir uma alteração, fazendo apelo ao mundo rural nesta área de importância e relevância económica e social da Constituição. E, mais à frente, no artigo 96.º, voltámos a defender uma segunda alteração, com a inserção da defesa do mundo rural como objectivo de política agrícola. Assim sendo, não nos parece congruente que, no artigo 100.º, do apoio do Estado não conste justamente o cumprimento de um objectivo que enunciámos e de um princípio que definimos nas áreas económica e social.
A defesa da nossa posição de voto é congruente e clara, porque se introduzimos as alterações que referi nos artigos 91.º e 96.º, necessário se tornaria que, no artigo que agora votámos, se fizesse também essa referência.
Consideramos absolutamente incongruente que não se tenha aprovado este novo número que propusemos para o artigo 100.º.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria tão-só reiterar que, ao consagrarmos atrás, na sede própria, os objectivos da política agrícola… - reparem que houve uma distinção entre o que foi aprovado e o projecto originário do PSD. Compreendo que o PSD tenha nostalgia do seu próprio projecto e, aliás, é coerente que queira consagrá-lo ponto a ponto, mas a verdade é que não foi isso que se passou.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não fiz a referência na base da nostalgia!

O Sr. José Magalhães (PS): - Vejamos: no artigo 96.º, por nostalgia ou por qualquer outro sentimento respeitável, não incluímos no proémio uma dualização de objectivos das políticas enunciadas no artigo. O PSD queria que constasse do proémio "objectivos da política agrícola e de desenvolvimento rural", mas não foi isso que aprovámos. Apenas inserimos uma menção ao desenvolvimento rural como uma das componentes do artigo, tal qual está, com o programa normativo e com o relevo que tem na alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º. E, nessa óptica, é normal, adequado e coerente que a menção do artigo que agora estamos a discutir - o artigo 100.º - se mantenha rigorosamente nos termos em que está.
Mas não farei dele uma interpretação redutora!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ah!

O Orador: - O que o Sr. Deputado queria explicitar pode muito bem decorrer em benefício de iniciativas locais de desenvolvimento rural a partir do clausulado constitucional que está consagrado, ou seja, a não aprovação da sua proposta não significa a interdição, para o Estado, de aprovar, impulsionar e apoiar iniciativas locais de desenvolvimento, desde que elas estejam conforme o programa normativo do artigo 100.º.
Não faça, Sr. Deputado Carlos Encarnação - se me permite a sugestão e o bom conselho -, uma interpretação automutiladora de alguma coisa que não merece mutilação nenhuma e que nós não mutilamos.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Segundo percebi, V. Ex.ª mutila a letra mas não o espírito da Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): - A Constituição é uma ciência subtil!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, numa breve declaração de voto quero esclarecer o seguinte: no seu projecto de revisão constitucional, o Partido Popular propunha a eliminação de todos os artigos referentes ao Título III. Porém, como se tem vindo a constatar, temos decaído em todas as votações e, sendo assim, uma vez que se mantêm estes artigos no texto constitucional (ao contrário do que pensamos e pelos motivos que já tivemos ocasião de expressar várias vezes), em diversas votações e, em concreto, na que ocorreu relativamente a este artigo 100.º, o Partido Popular tem votado a favor das alterações que estão de acordo com o seu posicionamento. Foi o que sucedeu relativamente à proposta do PSD, de aditamento de um n.º 3 ao artigo 100.º, e à proposta apresentada pelo Partido Comunista Português, visando a protecção da produção nacional.
Esta atitude manter-se-á em relação aos artigos subsequentes, cuja eliminação propomos, caso a nossa proposta não tenha vencimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 101.º, relativamente ao qual não há matéria nova. Começamos por apreciar as propostas de eliminação deste artigo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma chamada de atenção para o facto de haver matéria nova.

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O Sr. Presidente: - Que matéria nova, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: entre a primeira leitura e a segunda, há um dado novo que deveria ser correctamente ponderado.
Recordo que, no debate que travámos na primeira leitura, a posição assumida pelo Partido Socialista foi a de que não estava totalmente convencido de que este artigo, como artigo autónomo, fosse dispensável. Mas a posição do PSD nunca foi, obviamente, a de retirar este poder de participação dos agricultores e das suas organizações na definição da política agrícola mas, sim, a de que - porque isso já decorre dos princípios gerais de participação e das outras regras da Constituição -, este artigo é dispensável. O Partido Socialista não ficou convencido na altura.
No entanto, chamo a atenção para o facto de, nesta segunda leitura, com os votos favoráveis do PS e do PSD, em sede dos princípios fundamentais da parte da organização económica, termos tido a oportunidade de transpor para o artigo 80.º uma nova alínea - a alínea g) -, que estatui como princípio fundamental de toda a organização económica a "Participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas na definição das principais medidas económicas e sociais", que antes não constava do artigo 80.º da Constituição.
Portanto, do meu ponto de vista, ficou perfeitamente clara a repetição, a inutilidade deste artigo 101.º com a inclusão, no artigo 80.º (artigo estruturante de toda a parte da organização económica da Constituição), da participação dos trabalhadores e dos empregadores, das organizações representativas dos parceiros sociais nesta matéria, como princípio fundamental de toda a matéria económica, nomeadamente da política para o sector agrícola e demais políticas sectoriais.
Assim, com a alteração que já introduzimos no artigo 80.º, fica claro que existirá um desequilíbrio caso se dê à política agrícola, e não a todas as políticas sectoriais, o destaque para este direito de participação. O direito de participação ascendeu agora a princípio fundamental de toda a organização económica, e bem, do ponto de vista do PSD, daí que tenha votado favoravelmente essa alteração - salvo erro, penso que a proposta de aditamento da alínea g) foi aprovada por unanimidade… Por acaso, o PCP não votou a favor.
A verdade é que este passou a ser um princípio fundamental de toda a organização económica e, portanto, também o é para a agricultura como é para todos os outros sectores de actividade sem distinção. Há, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um dado superveniente.

O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra?

Pausa.

Como ninguém pretende usar da palavra, vamos proceder à votação de duas propostas de eliminação do artigo 101.º, uma apresentada pelo PSD e outra pelo CDS-PP.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra o PS e do PCP e votos a favor do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, rejeitadas as propostas de eliminação, passamos à proposta de alteração constante do projecto de Os Verdes, que visa modificar o início do artigo 101.º, passando de "Na definição da política agrícola (…)" para "Na definição das políticas agrícola e florestal (…)", e conferir o direito de participação não só aos trabalhadores rurais, que deixariam de ser qualificados como rurais, mas a todos os que se situam no âmbito da actividade agrícola e florestal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, para tanto, bastaria acrescentar "(…) e florestal (…)".

O Sr. Presidente: - Exacto, para além de suprimir a palavra "rurais" a seguir a "trabalhadores".
Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de alteração ao artigo 101.º, apresentada por Os Verdes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Apenas iremos votar o aditamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sou eu quem determina o que estamos a votar, pelo menos enquanto aqui estiver.
O que anunciei foi que iríamos votar a proposta de alteração em conjunto, tal como ela tinha sido apresentada, mas se os Srs. Deputados requererem uma votação separada, assim se fará. Peço, porém, que o solicitem em tempo útil.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nesse caso, requeremos uma votação separada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar primeiro o aditamento da palavra "florestal" à política agrícola.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quer por uma questão de lealdade quer por uma questão de seriedade dos trabalhos, peço a V. Ex.ª que me dê apenas um minuto para tecer uma breve consideração a propósito desta questão, para que as votações não sejam feitas quase que por inércia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, dou-lhe um minuto mas, como compreende, estou a certificar-me de metodologias de votação numa matéria que nem é nova nem tem novas propostas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, chamo a atenção de todos para o facto de ser totalmente incongruente votarmos o acrescento da palavra "florestal" - a par da política agrícola teríamos a política florestal - por uma razão muito simples: esta manhã, a propósito do artigo 96.º, que tem por epígrafe "Objectivos da política agrícola", colocámos, a par da reconversão agrária, o desenvolvimento florestal.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. Orador: - O desenvolvimento florestal está já integrado no artigo 96.º. Ou seja, não é autónomo relativamente à política agrícola: a política agrícola passou a compreender, a par de outras realidades que já constavam do artigo 96.º, uma referência explícita ao desenvolvimento florestal.
Portanto, falar agora em "política agrícola e florestal" no artigo 101.º significaria fazer uma autonomização que atrás não fizemos. Não faz sentido absolutamente nenhum, porque no artigo 96.º ficou estabelecido que o desenvolvimento florestal era parte integrante, era uma das componentes da política agrícola.

O Sr. José Magalhães (PS): - E é!

O Sr. Orador: - É, pois, um equívoco querer colocar no artigo 101.º a palavra "florestal" apenas porque se incluiu o "desenvolvimento florestal" no artigo 96.º, mas fizemo-lo dentro da política agrícola!
Do meu ponto de vista, a alteração que introduzimos no artigo 96.º prejudica esta, porque não houve nenhuma autonomização, ao contrário do que Os Verdes propunham. Então, Os Verdes deviam ter proposto um artigo 100.º-A, contendo os seus objectivos para a política florestal! Tal já faria sentido, porque os Verdes teriam um artigo 96.º com os objectivos de política agrícola, um artigo 100.º-A com os objectivos de política florestal e, por fim, um artigo 101.º, no qual se estatuiria o princípios da participação quer na política agrícola quer na política florestal.
O que não faz sentido é que a maioria desta Comissão tenha optado, hoje de manhã, por subsumir, dentro da política agrícola, a matéria do desenvolvimento florestal e esteja agora a querer autonomizá-la.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, creio que percebemos o alcance das suas palavras.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, infelizmente não temos entre nós a Sr.ª Deputada representante de Os Verdes, o que significa que a proposta vai ter de ser submetida à votação.
A ter-se por bom este entendimento, e parece-me um entendimento razoável, não faz sentido votar a proposta, mas como não podemos fazer com que ela seja retirada, não nos resta senão, estando a favor, votar contra. É a ironia das votações e é o que faremos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, proponho que votemos em bloco a proposta de Os Verdes, conforme comecei por anunciar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma boa solução!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração do artigo 101.º, apresentada por Os Verdes.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

Era a seguinte:

Na definição das políticas agrícola e florestal é assegurada a participação dos trabalhadores e dos agricultores através das suas organizações representativas.

O Sr. Presidente: - Temos ainda uma proposta de aditamento de um novo artigo - o artigo 101.º-A -, apresentada pelo PCP, sobre apropriação do solo nacional por estrangeiros. Como sabem, esta proposta não obteve consenso aquando da primeira leitura e este é o momento de deliberar.
Srs. Deputados, vamos votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

A lei estabelece as condições em que, por motivo de relevante interesse nacional, deve ser limitada a apropriação do solo nacional por estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Octávio Teixeira, para uma declaração de voto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamentamos que os restantes grupos parlamentares não tenham acompanhado esta proposta do Partido Comunista Português, porque nos parece importante que haja alguma condicionante, ou alguma restrição, à livre aquisição do solo por parte de estrangeiros. E estou a lembrar-me, designadamente, do que pode significar não haver qualquer restrição, qualquer limitação em determinadas regiões do País.
Acresce que esta matéria não seria inovadora. Estão em causa restrições que já existem noutros países, designadamente nos da União Europeia, e, por conseguinte, não vemos, sinceramente, por que é que esta proposta do PCP não mereceu o apoio maioritário da Comissão.
Particularmente suscita-nos alguma perplexidade a votação do CDS-PP nesta matéria, face ao discurso que vem fazendo sobre questões desta natureza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, para uma declaração de voto.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma declaração de voto que julgava não ser necessária. Quero esclarecer que o nosso sentido de voto em relação a este artigo em nada contraria as posições que o Partido Popular tem vindo a assumir, designadamente no seu discurso, em termos do processo de construção europeia e da necessidade de protecção do tecido produtivo nacional.
Aliás, como referi na declaração de voto anterior, tínhamos proposto a eliminação de todo este título. E, se em algumas votações apoiámos as propostas apresentadas, fazemo-lo porque elas nos parecem razoáveis para o melhoramento do texto existente. Mas, conforme disse no início, somos contra a introdução de novos artigos.
Ou seja, repetindo o que há pouco foi dito pelo Deputado José Magalhães, é a ironia do destino: estando a favor da norma, votamos contra.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente ao artigo 102.º, o CDS-PP apresentou uma proposta de eliminação. Em coerência com o que se tem passado em relação a este tipo de propostas, o CDS-PP não deixará de exigir a sua votação.
Portanto, Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 102.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se a proposta de alteração da alínea a) do artigo 102.º, apresentada pelo PCP, que trata uma matéria que foi amplamente discutida mas que não obteve consenso na altura.
Vamos votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

a) A concorrência salutar dos agentes mercantis com salvaguarda do comércio tradicional;

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que a concorrência salutar dos agentes mercantis deveria conduzir, obrigatoriamente, à salvaguarda do comércio tradicional, que tem um papel complementar importante.
Nesse sentido, não queremos interpretar um acto que consideramos infeliz, o da rejeição desta proposta do PCP, como algo que legitima o entendimento de que o comércio tradicional deve ser sacrificado no quadro da concorrência. O que entendemos é que, face a tudo o que se tem passado no nosso país e, designadamente, face ao desenvolvimento de grandes superfícies sem acautelar o comércio tradicional, constituiria uma benfeitoria importante esta explicitação, exactamente na perspectiva de levar o poder político e a Administração Pública a uma actividade mais incisiva e mais eficaz de protecção do comércio tradicional.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a primeira leitura permitiu-nos firmar a seguinte conclusão: a norma actual já protege, na medida possível, ao aludir à concorrência salutar, o chamado pequeno comércio (o constituído por pequenas empresas e, até, por micro-empresas), que é tão típico da realidade nacional, incluindo algumas dominadas por estruturas puramente familiares, com métodos de gestão e de organização muito pouco estruturados e absorvendo uma mão-de-obra muito pouco qualificada.
A dúvida foi sobre se uma norma deste tipo não teria um efeito cristalizador, uma vez que não se quer proteger nem se quer manter o status quo nesta matéria, ou seja, um status quo onde as empresas têm uma organização demasiadas vezes precária e uma gestão muito incipiente, com pouco domínio de variáveis que permitem jogar com outros factores que não o factor preço e em que se descura muitas vezes as redes de distribuição, o serviço prestado nos momentos da venda e da pós-venda. Um marketing específico, a segmentação de mercado, o jogar em vantagens comparativas etc., nada disso merece não ser objecto de transformação. Para isso servem programas como o PROCOM e outros, que visam desenvolver um alto esforço transformador. Ou seja, o pequeno comércio é essencial, é relevante, deve ser prestigiado - é disso, aliás, que fala o Programa do Governo nesse ponto -, mas uma norma deste tipo poderia ser entendida de forma relativamente perversa, como uma norma de bloqueio da reestruturação da própria economia na área comercial.
Ora é esse bloqueio que não se deseja e seria mau que ele tivesse fundo constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, para uma declaração voto.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não votámos a favor do aditamento proposto pelo Partido Comunista Português por duas ordens de considerações.
A primeira é que a inclusão da fórmula "com salvaguarda do comércio tradicional" deixaria que no texto constitucional ficasse a possibilidade da interpretação de que a protecção do comércio tradicional não está implicada numa concorrência sadia, quando, na verdade, do nosso ponto de vista, o que está dito no texto vigente é que a concorrência salutar diz respeito, obviamente, ao sistema concreto da economia e, portanto, também onde estão os elementos tradicionais. Poderia interpretar-se essa alteração como a necessidade de termos de salvaguardar o comércio tradicional contra, no fundo, a concorrência salutar. Era o que ficaria a constar da Constituição, o que seria erróneo.
Em segundo lugar, ao longo do tempo que esteve no exercício do poder governativo, o PSD preocupou-se largamente com o comércio tradicional e protegeu-o. De alguma maneira, foi porventura um período de tempo em que houve protecções específicas do comércio tradicional. Portanto, não há nenhuma necessidade - pelo contrário, haveria uma contradição - em introduzir este acrescentamento.
A concorrência salutar implica a protecção e a concorrência sadia do sistema concreto, do qual fazem parte também os estabelecimentos tradicionais do comércio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos então à alínea b) do artigo 102.º, para a qual há uma proposta de aditamento apresentada pelo PCP.
Vamos votá-la.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

b) A racionalização dos circuitos de distribuição e o ordenamento dos espaços comerciais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá, para uma declaração de voto.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta declaração de voto visa explicitar que entendemos que o conceito de ordenamento de espaços comerciais pode ser tido como estando, de algum modo, integrado noutros que já constam deste artigo, inclusive desta alínea. E refiro-me, em particular, à ideia de racionalização dos circuitos de distribuição.
Simplesmente, a vida tem demonstrado que há um problema crescente nesta matéria e com uma autonomia cada vez maior, que é o da relação da política urbana - e, em geral, da política de ordenamento do território - com a política de ordenamento dos espaços comerciais.
Além do mais, esta proposta pode ser lida como estando, de algum modo, em conexão com outras preocupações que temos, designadamente a preocupação de salvaguarda do pequeno comércio, do comércio tradicional. Entendemos mesmo que, em boa parte das cidades e vilas do País, o ordenamento de espaços comerciais é inseparável, por exemplo, de uma política de protecção das zonas históricas, das zonas classificadas etc.
Nesse sentido, também aqui julgamos que o facto da nossa proposta não ser aceite não significa que a Administração Pública não esteja obrigada a um ordenamento de espaços comerciais que salvaguarde o tipo de preocupações que temos explicitado mas, naturalmente, lamentamos que não se tenha aproveitado esta oportunidade para explicitar uma preocupação que, em nossa opinião, deve ser complementar de outras, como seja a salvaguarda do comércio tradicional, a protecção do património histórico, uma política de ordenamento urbano que proteja valores ecológicos e a qualidade de vida, etc.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, para uma declaração de voto.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha declaração de voto é muito breve, pois quero apenas confirmar não só o que o Sr. Deputado Luís Sá retirou de útil da votação que acabámos de fazer como a interpretação já aduzida de que o nosso voto contra não tem a ver com a bondade da preocupação expressa nesta proposta do PCP, mas tão-só com o facto de considerarmos excessiva a constitucionalização desta preocupação na alínea b) do artigo 102.º.
É certo que, como diz o Sr. Deputado Luís Sá, se a obrigação de ordenamento dos espaços comerciais tem sido mais fortemente sentida nos últimos tempos, designadamente nos municípios, essa preocupação devia ser já sentida, por exemplo, no momento em que foram elaborados os planos directores municipais. Mas a verdade é que, na altura, essa consciência não era ainda particularmente aguda em muitos municípios do País. Hoje, tal como o Sr. Deputado Luís Sá referiu, acumulam-se problemas neste domínio de alguma forma graves, a que todas as instâncias do Estado, em articulação com as associações representativas do sector, têm de dar, com urgência, uma resposta cabal.
Julgo que esse caminho, embora de forma mais lenta do que desejávamos, está a ser feito, tal como julgo que, no conjunto, podemos indiciar, num futuro relativamente breve, passos importantes de consciencialização do Estado, designadamente ao nível dos municípios, no sentido do aperfeiçoamento dos mecanismos de ordenamento indispensáveis no domínio comercial, como condição efectiva de garantia da racionalização também dos circuitos da distribuição.
Foi apenas por essa razão que o PSD votou contra a proposta do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de aditamento de um novo segmento à alínea c) do artigo 102.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

c) O combate às actividades especulativas e às práticas comerciais restritivas violadoras da concorrência, ou gravemente lesivas dos sectores produtivos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que, apesar de não ter sido aprovado o aditamento que propusemos sobre a questão da violação da concorrência, ninguém porá em causa esse princípio. Julgamos que ele se mantém, até por força de outros artigos da Constituição.
Porém, parecia-nos importante que fosse acolhida na Constituição a expressão "ou gravemente lesivas dos sectores produtivos", porque já neste momento nos confrontamos - e a tendência será para que o confronto seja cada vez maior no nosso País - com o problema de, havendo paralelamente grandes concentrações comerciais, estas se confrontarem com uma grande dispersão do produtor e começarem, por conseguinte, a ter práticas lesivas da actividade produtiva.
Não vou referir nomes, como é evidente, mas isso é conhecido. Aliás, foi amplamente discutido, não há muito tempo, o facto de haver uma grande cadeia de hipermercados e de supermercados que impõe condições aos seus fornecedores nacionais, designadamente aos agrícolas, que, como são pequenos produtores, ficam sujeitos a situações draconianas por parte dessas grandes concentrações.
Em termos das grandes organizações comerciais, estamos tendencialmente a encaminhar-nos para um sistema monopsónio, enquanto, simultaneamente, permanece a dispersão a nível produtivo. Há aqui, de facto, regras que estão a ser fortemente lesivas para essa mesma actividade produtiva e, nessa perspectiva, julgo que… É evidente que a não inscrição na Constituição não implica que um qualquer Governo não deva combater essas práticas, mas, como dizia, julgo que, caso esse princípio fosse consagrado na Constituição, seria dada uma força muito maior para combater uma situação que pode vir a ser - já está a ser - gravemente lesiva de interesses produtivos nacionais, designadamente no âmbito da agricultura, mas que, ultrapassando o próprio âmbito da agricultura, atinge já todos os sectores em que a actividade produtiva está dispersa por um grande número de pequenos agentes produtivos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pudemos votar a favor desta norma porque, na primeira parte, ela repete a alínea a) e, na segunda parte, repete o conteúdo útil da actual alínea c).

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao primeiro segmento proposto, que diz respeito às práticas violadoras da concorrência, é evidente que essa questão já está subsumida pela alínea a), quando se fala na concorrência salutar dos agentes mercantis. Mas, genericamente, mais do que o que agora foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães, recordava que…

O Sr. José Magalhães (PS): - Além do artigo 80.º!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
No artigo 81.º ficou já consagrada a obrigação de o Estado reprimir as práticas lesivas do interesse geral - não é só combater, é reprimir! Ou seja, em sede do artigo 81.º, já aprovámos uma alínea - que é de aplicação genérica, não só para a política comercial mas para toda a política económica -, na qual se refere que o Estado tem a obrigação de reprimir os abusos de política dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.
Portanto, é evidente que votámos contra por entendermos que não há uma especificidade na política comercial relativamente a toda a política económica nesta matéria. Somos de opinião que todas estas práticas lesivas do interesse geral têm que ser reprimidas pelo Estado, como ficou já claro com o sentido de voto do PSD no artigo 81.º.
Acresce ainda - e digo-o à laia de consideração - que, pela forma como vem formulado o texto proposto pelo Partido Comunista (embora não fosse essa a intenção dos proponentes), a norma até ficaria profundamente incorrecta, porque é evidente para todos que existem actividades especulativas que não são minimamente lesivas dos sectores produtivos, que, por vezes, até são altamente rentáveis para os sectores produtivos. O que está em causa nesta alínea c) é o combate às actividades especulativas e práticas comerciais restritivas, não condicionado nem pela violação da concorrência nem pelo resultado ser ou não lesivo, porque também há práticas especulativas que não são nada lesivas do sector produtivo, que são até altamente rentáveis para os sectores produtivos que praticam essa especulação, mas que, do nosso ponto de vista, devem ser combatidas por serem especulativas em si só, sem qualquer tipo de requisito.
Portanto, foram as considerações que acabei de expender que levaram a que o Partido Social Democrata votasse contra, reafirmando, como última palavra, que o efeito útil honestamente pretendido pelos proponentes já decorre do texto da alínea e) do artigo 81.º, onde ficou claro que é incumbência do Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de política de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.
Esta é uma incumbência genérica do Estado, para todos os sectores de actividade económica, não apenas para o comercial mas, obviamente, também para o sector comercial.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 103.º (Objectivos da política industrial).
Começaremos por votar a "tradicional" proposta de eliminação constante do projecto do CDS-PP…

Risos do Deputado do PS José Magalhães.

Digo "tradicional" no quadro das propostas de organização económica, em que o próprio CDS-PP fez questão de sublinhar essa sua iniciativa sistemática. Além do mais, não enjeitará o qualificativo "tradicional"!
Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de eliminação do artigo 103.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, como votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação de uma proposta de alteração da alínea d) do artigo 103.º, apresentada pelo PSD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP, votos a favor do PSD e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

d) O apoio às pequenas e médias empresas e iniciativas locais de desenvolvimento que assegurem a diversificação e a flexibilidade da indústria e a criação de emprego;

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra esta proposta do PSD, porque com as palavras "iniciativas locais de desenvolvimento" está a restringir o âmbito do que existe actualmente na alínea d) do artigo 103.º da Constituição, na medida em que aí o apoio é às iniciativas e empresas geradoras de emprego, etc. Por conseguinte, não entendemos por que motivo o apoio, em termos de objectivos da política industrial, há-de ser restritivo apenas às iniciativas locais.
Porquê apenas às iniciativas locais de desenvolvimento e não a todas as iniciativas que tenham esse objectivo? Esta é a grande questão que se coloca, para além de - é evidente que este aspecto também influenciou a nossa posição de voto - o problema da flexibilidade da indústria se poder traduzir num conceito que não é querido para nós, o da flexibilidade em termos de unidade de produção, que se vai alargando ou fechando conforme os interesses de momento.
De facto, a ideia de constitucionalizar o princípio do fecho de empresas seria extremamente negativo para o futuro do sector produtivo português, designadamente do sector industrial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação para uma declaração de voto.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a declaração de voto que pretendo fazer em relação a esta matéria, para além de oportuna, poderá ser esclarecedora em relação à declaração de voto do PCP porque, de certa maneira, verifico que o PCP não entendeu correctamente o alcance e a natureza da nossa proposta. Estou até convencido de que se tivéssemos feito uma explicação prévia desta nossa proposta, o PCP tê-la-ia votado favoravelmente. De qualquer maneira, gostaria de esclarecer qual é o sentido da nossa proposta.
Srs. Deputados do PCP, a questão fundamental que colocámos nesta alínea é - lendo do fim para o princípio o modo como ela está redigida - a criação de emprego. Hoje, num País com uma economia aberta e com competitividade global, o objectivo fundamental tem de ser a criação de emprego! E, porque queremos a criação de emprego, faz sentido que digamos antes que apoiamos as pequenas e médias empresas e iniciativas locais de desenvolvimento (não só uma mas todas elas), desde que assegurem a diversificação e a flexibilização da indústria. Fazemo-lo porque entendemos que é esta diversificação e esta flexibilização da indústria que faz com que haja possibilidade de criação de emprego.
Se nos mantivermos - mais uma vez, chamo a atenção para este aspecto - numa lógica defensiva, numa lógica passadista das relações comerciais e das relações de produção, de que é claramente exemplo esta alínea d) do actual artigo 103.º no que respeita à definição dos objectivos de política industrial, podemos escrever algo muito bonito mas não o que é preciso em termos da actualidade e da definição, hoje, dos objectivos de política industrial.
Portanto, a nossa proposta de alínea d) oferece um objectivo muitíssimo mais importante, muito mais actual e denso, do que a norma que prevaleceu. Foi neste sentido que referi que, se tivéssemos dado esta explicação antes, porventura o PCP teria votado a favor desta alínea.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer um protesto em relação às declarações do Sr. Deputado Carlos Encarnação?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, quem ler ou ouvir as declarações do Sr. Deputado Carlos Encarnação poderá ficar com a ideia de que quando o Partido Comunista Português votou contra esta proposta de alteração do PSD estava a votar contra o apoio à criação de emprego.
Ora, não é essa a situação,…

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ainda bem!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - … porque na actual alínea d) do artigo 103.º da Constituição está expresso "(…) iniciativas e empresas geradoras de emprego (…)". Ora, geração de emprego significa criação de emprego, é um sinónimo!
Contudo, tal como referi antes, o grande problema que se coloca é o de o PSD, no âmbito das iniciativas e empresas geradoras de emprego, restringir apenas às iniciativas locais de desenvolvimento. Na verdade, o apoio às pequenas e médias empresas consta já do actual texto da Constituição e não tenho a mínima dúvida de que a palavra "iniciativas" inclui as iniciativas locais de desenvolvimento. Mas também não tenho dúvidas de que se ficasse a constar do texto constitucional "iniciativas locais de desenvolvimento" seriam apenas essas, do ponto de vista constitucional, e não mais do que essas!
Faço este protesto para que não fique a ideia de que votámos contra a criação de emprego. Pelo contrário, continuamos a apoiar todas as iniciativas e todas as empresas geradoras de emprego.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerradas as votações relativas ao artigo 103.º.
Entramos agora no Título IV - Sistema financeiro e fiscal -, sendo que para o artigo 104.º não há propostas de alteração. Para o artigo 105.º chegou-se a um consenso na primeira leitura quanto à reflexão e ponderação desta norma. Esse consenso está obtido quanto à possibilidade de apresentação de propostas e, obviamente, não estará obtido quanto às soluções materiais concretas que serão objectos de deliberação. No entanto, vamos apreciar propostas que, eventualmente, surjam para o efeito.
Há um Sr. Deputado especialista nesta matéria, que já aqui esteve, o Sr. Deputado Francisco Torres. Como consta agora que se encontra em parte incerta, dão alvíssaras a quem o achar!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Penso que vale a pena esperarmos mais um pouco pela presença do Sr. Deputado Francisco Torres, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão de acordo com a proposta do Sr. Deputado Carlos Encarnação?
Como não há objecções, vamos suspender os trabalhos por alguns minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos.
Com o vosso acordo, deixamos o artigo 105.º para o momento em que o Sr. Deputado Francisco Torres quiser honrar-nos com a sua presença.
Quanto ao artigo 106.º (Sistema fiscal), foram apresentadas várias propostas de alteração. Proponho que comecemos por fazer, como compete, uma boa avaliação sistemática do que está em causa.
Para o n.º 1 deste artigo temos propostas do PCP, dos Srs. Deputados do PS António Trindade e Isabel Sena Lino, do Sr. Deputado do PS Cláudio Monteiro e outros, e é nessas propostas que vai incidir a nossa deliberação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta a discussão que houve aquando da primeira leitura, fizemos uma reformulação de proposta para o artigo 106.º. Julgo que no debate que se travou em sede de primeira leitura se abriram algumas portas de consenso que, do nosso ponto de vista, seria útil explorar, na medida que poderiam melhorar substancialmente o artigo 106.º. Por conseguinte, distribuo agora a proposta do PCP e depois pronunciar-me-ei sobre ela.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Verifico, pela proposta que acaba de dar entrada na mesa, mas ainda não distribuída, que não há propostas de alteração novas para o n.º 1.

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Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 106.º, apresentada no projecto inicial do PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - O sistema fiscal é estruturado por lei, com vista à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de alteração do n.º 1 do artigo 106.º, apresentada pelos Srs. Deputados do PS António Trindade e Isabel Sena Lino.

Submetida à votação, foi rejeitada por unanimidade.

Era a seguinte:

1 - O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, da proposta de alteração do n.º 1 do artigo 106.º, apresentada pelo Sr. Deputado do PS Cláudio Monteiro e outros.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PCP e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, tendo em conta a justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

O Sr. Presidente: - Agora sim, Srs. Deputados, há que encarar, para o n.º 2 do artigo 106, uma proposta de alteração que acaba de dar entrada e está a ser distribuída, apresentada pelos Srs. Deputados do PCP.
Para fazer a sua apresentação, se o desejar, tem a palavra ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta que, neste momento, apresentamos para o n.º 2 do artigo 106.º tem em vista consagrar constitucionalmente o princípio de que os impostos são criados por lei da Assembleia da República, sem prejuízo, como se diz mais à frente, de competências normativas fiscais que venham a ser atribuídas por lei a várias entidades, designadamente ao Governo, às regiões autónomas e às autarquias locais.
No momento presente, em que, na generalidade dos países, designadamente nos europeus, se vem desenhando a tendência para assegurar que os impostos sejam necessariamente criados por lei dos parlamentos, para evitar que, também aqui - e temos uma experiência larga nessa perspectiva -, haja a possibilidade de virem a ser concedidas alterações legislativas que, se muitas vezes não são completamente em branco, são próximo do branco; no momento em que se verifica, noutros âmbitos, a redução das competências dos parlamentos por razões que são conhecidas, designadamente tendo em vista os caminhos que se vão traçando na União Europeia, parece-nos haver aqui uma reserva que deve ser reforçada em relação à Assembleia da República no âmbito das leis fiscais. É que, normalmente, também estão em causa nessas leis, para além de outras questões que, do nosso ponto de vista, são suficientemente importantes para merecerem a análise dos parlamentos, as garantias dos contribuintes.
Nessa perspectiva, julgamos ser um contributo útil a clarificação de que as leis que criam os impostos têm de ser leis da Assembleia da República, para que não haja a possibilidade de, no futuro, termos situações como as que já tivemos no passado, relacionadas com as autorizações legislativas mais ou menos em branco. Ou seja, o Parlamento, que devia ter aqui a responsabilidade total e completa, não aprecia, na sua especificidade e na sua especialidade, vários diplomas de natureza fiscal.
São estas as razões essenciais da proposta que apresentámos para alterar o n.º 2 do artigo 106.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta do PCP não resolve o que o Sr. Deputado Octávio Teixeira agora sublinhou e suponho mesmo que, involuntariamente, poderá agravar o que o Sr. Deputado Octávio Teixeira deseja evitar.
Entre nós, na nossa ordem jurídica, nenhuma dúvida há quanto ao princípio de "nenhum imposto sem lei", como não há dúvida alguma que quando se fala de lei essa lei é no sentido verdadeiro e próprio, ou seja, é lei da Assembleia da República.
Coisa que nada tem a ver com isto é o facto de a Assembleia da República, ao abrigo da competência que tem de conceder autorizações legislativas, estar proibida constitucionalmente, por força do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, de conceder autorizações em branco, cheques em branco. Ou seja, tem que delimitar rigorosamente o objecto, a extensão e o sentido da autorização concedida e, se não o fizer, está a conceder uma autorização inconstitucional. Ora, nada disso decorre desta alteração proposta, decorre, sim, do texto constitucional, como o Sr. Deputado Octávio Teixeira bem sabe.
Por outro lado, ao introduzir uma norma na qual se refere (ao contrário da que hoje está em vigor) "sem prejuízo das competências normativas fiscais conferidas nos termos da lei ao Governo, às regiões autónomas e às autarquias locais", o Sr. Deputado Octávio Teixeira está a estabelecer exactamente o mesmo que decorre dos capítulos respectivos da Constituição, mas está a fazê-lo de forma "omniabrangente" e difusa, sob forma de uma excepção, o que é, desse ponto de vista, pior a emenda do que o propriamente dito soneto que hoje está na Constituição com a métrica exacta. Ou seja, as regiões autónomas só podem criar impostos regionais nos termos do artigo 229.º e sempre na sua esfera específica.
Em relação à competência tributária autárquica, a nossa disponibilidade é para consagrar no n.º 2 do artigo 254.º uma norma que aluda à existência de receitas tributárias

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próprias dos municípios, nos termos da lei - e isso resulta do corpo político de revisão constitucional e está previsto para a sede que referi agora mesmo. E no que respeita ao Governo, ele só actua nesta matéria com conta peso e medida, mediante autorização legislativa, sentido, extensão e duração precisa, fixada pela Assembleia da República. O Governo não tem competência normativa fiscal própria, exerce sempre uma competência subordinada e carecida de autorização habilitante prévia, emitida pelo Parlamento.
Portanto, Sr. Presidente, francamente não vemos que haja aqui uma benfeitoria e menos ainda uma benfeitoria para o mal descrito pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Quanto à vinculação de Portugal por tratados internacionais e ao cumprimento dessas obrigações, quer em tratados bilaterais ou multilaterais quer em instrumentos decorrentes da participação soberana de Portugal na União Europeia, obviamente que tanto a vinculação de Portugal como a do Parlamente se operam através de mecanismos próprios. Ou seja, a Assembleia da República, ela própria, há-de intervir nesses processos, já que não estamos a falar de um processo automático nem, menos ainda, de um processo que se oponha à regra básica consagrada no n.º 2 do artigo 106.º.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moreira da Silva.

O Sr. António Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Deputado José Magalhães já referiu os pontos essenciais que eu queria abordar quando pedi o uso da palavra, vou ser bastante sintético, dizendo que concordo inteiramente com as considerações feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães.
No entanto, gostava de acrescentar que desta proposta se retira a incongruência que coloco aqui à consideração dos próprios proponentes.
Denota-se, por parte do Partido Comunista, uma desconfiança relativamente ao termo "lei constante da Constituição" e que tal desconfiança faz com que os proponentes sejam obrigados a acrescentar "lei da Assembleia da República". No entanto, já não há desconfiança quanto ao termo "lei" quando são os próprios preponentes a acrescentá-lo ao próprio número. E veja-se, na parte final, "nos termos da lei". Que lei? Lei, novamente, da Assembleia da República? Lei do Governo?
Aqui já não há desconfiança e disto retira-se, na minha opinião, que não é claramente necessário acrescentar o inciso "da Assembleia da República" logo na primeira frase deste número, como os próprios proponentes vêm a reconhecer no final da sua proposta.
Em toda a Constituição, sempre que há referências a "lei", ela deve ser compaginada com os artigos 167.º, 168.º e 201.º da Constituição, para se verificar se esta lei é uma lei formal, da Assembleia da República, ou se abrange outros tipos de lei da Assembleia da República, do Governo ou mesmo das regiões autónomas.
Em suma, não me parece que seja este o local próprio para fazer essa especificação. Pelo contrário, fazê-la aqui não traria nenhum benefício, como refiro, pelo que concordo inteiramente com as palavras do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos inteiramente disponíveis e apelamos a uma disponibilidade igual da parte dos outros partidos no sentido de encontrar as melhores vias para a resolução de um conjunto de problemas que a doutrina tem vindo a colocar nesta matéria.
Não tenho qualquer dúvida de que está previsto, designadamente na alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º, que a Assembleia da República tem uma reserva relativa de competência legislativa nesta matéria. O que temos também em conta é que a doutrina tem vindo a levantar o problema de haver não apenas uma reserva relativa de competência, mas também uma reserva absoluta de competência. Refiro designadamente, por exemplo, artigos de Jorge Bacelar Gouveia, que todos conhecem, de Nuno Sá Gomes, etc.
Portanto, é um problema que está colocado e insisto que, independentemente de um sinal que quisemos dar no sentido de introduzir esta questão, há toda a disponibilidade da nossa parte para examinar a melhor forma de solucioná-lo. Mas o que está em cima da mesa é a ideia de que a competência tributária do Parlamento, que é talvez a competência mais antiga dos parlamentos e aquela em que o princípio da democracia representativa mais claramente se exerce - trata-se de determinar em que medida o fisco vai afectar o património de cada um -, justifica que funcione a representação directa do povo e da Nação.
Portanto a ideia é a de que a criação de impostos deve ser feita por lei e por reserva absoluta de competência da Assembleia da República.
Há ainda um conjunto de outras questões que tem vindo a ser colocado, também com toda a disponibilidade da nossa parte, visando garantir, em determinados termos, a habilitação à actividade e à intervenção normativa de um conjunto de entidades públicas neste domínio.
Recordo que, ainda há dias, a propósito do debate, na generalidade, da Lei das Finanças Locais, se colocou o problema de saber se a norma proposta pelo Partido Popular - independentemente de estar a discutir a bondade da norma - era constitucional, designadamente o problema de poder haver, em determinados limites, uma decisão das assembleias municipais no sentido da redução da percentagem de IRC a pagar pelas empresas, como incentivo de instalação das ditas empresas no território municipal. Este é outro problema que pode, efectivamente, suscitar interrogações.
O que me parece é que a doutrina tem vindo a colocar um conjunto de problemas - e citei, designadamente, dois autores - pelos quais creio que não devemos passar com ligeireza, independentemente de toda a abertura da nossa parte em relação às soluções técnicas a adoptar nesta matéria, em que não temos qualquer pretensão de perfeição. Apenas quisemos levantar um problema, a propósito do artigo 106.º, que pode, inclusive, ser resolvido noutros lugares da Constituição, mas que não deixa de ter relevo e de ser pertinente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou acrescentar nada à discussão propriamente dita deste n.º 2 do artigo 106.º, apenas gostaria de lembrar que - e isso é certo - a matéria fiscal é reserva tradicional dos parlamentos. Aliás, essa foi, durante séculos e séculos, a competência única do parlamento inglês. E o sistema democrático inspira-se nesse princípio.

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Hoje, ela já é reserva do Parlamento: é da reserva relativa da Assembleia da República e propõe-se que passe para a reserva absoluta. Então, a ser assim, alterem-se os artigos que distribuem esta matéria, porque este não é o local indicado.
Julgo, porém, que é errado tentarmos resolver problemas doutrinais através da revisão da Constituição - os problemas doutrinais resolvem-se através da jurisprudência constitucional! A revisão, quanto muito, resolve problemas mal colocados pela jurisprudência constitucional e não pela doutrina. Senão, qualquer um que escreva qualquer coisa a respeito da Constituição pode estar a fazer doutrina e não vamos andar com a Constituição "a reboque" de quaisquer interpretações aventureiras dos textos constitucionais.
Há um último ponto que queria referir - e por isso lhe pedi a palavra Sr. Presidente -, já que foi aqui tocada uma questão que é gravíssima do ponto de vista desta instituição que somos: o problema de saber até onde o nosso dever de cumprimento do direito comunitário pode ultrapassar a exigência constitucional.
Este é hoje um ponto pacífico numa certa doutrina e prática comunitária, mas só o é depois da intervenção do Tribunal Constitucional Alemão sobre o Tratado de Maastricht, quando, apreciando dois recursos para o tribunal de cidadãos contra a ratificação feita pela Alemanha desse Tratado, determinou: "É neste sentido que a Alemanha se obriga, e que não pense nenhuma instituição comunitária ultrapassar estes artigos porque nós, Alemanha, não nos sentiremos vinculados ao novo Tratado".
Nós bordejamos aqui esta questão e eu julgo que alguém deveria dizer que o direito comunitário, embora imperativo para o Estado português, está subordinado à Constituição Portuguesa. Aliás, é o que resulta da nossa prática: até hoje, quando precisamos de aderir ao direito comunitário, alteramos a Constituição! É bom que fique claro que a nossa Constituição está acima do direito comunitário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar quero apresentar publicamente uma veemente congratulação pelo que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Tenho uma convicção muito profunda de que a superioridade da lei fundamental em relação ao direito comunitário é uma reserva mínima de soberania e que, a partir do momento em que se afirme que qualquer regulamento da Comissão Europeia pode atentar contra direitos fundamentais ou contra a Constituição dos Estados, se dará um passo em frente, de todo em todo nocivo e prejudicial em matéria de integração comunitária.
Independentemente dessa questão, quero chamar a atenção para o facto de no lugar próprio, designadamente no artigo 167.º, termos apresentado uma proposta que vai exactamente no sentido de que a criação de impostos, o regime de taxas e o sistema fiscal seja estabelecido ou seja reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.
Independentemente disso, não me pareceu prejudicial que esta questão fosse igualmente tratada neste contexto, mas admitimos que possa ser remetido para o artigo 167.º. Em todo o caso, há uma questão que permanece em aberto: o problema da cláusula de habilitação de determinadas entidades públicas para intervir em matéria fiscal.
Este é um problema que também tem sido colocado, designadamente no caso que recentemente referi e para o qual chamo a atenção. Mas VV. Ex.as decidirão, naturalmente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, congratulo-me com o facto de podermos presumir que será possível continuar, na coerência desta revisão constitucional, a não aditar regras de competência que são típicas da organização do poder político na parte da organização económica. Tivemos, aliás, o cuidado de já superar essa distorção quando tratámos da matéria do planeamento, onde estavam inscritas algumas regras de competência que pudemos superar. Reintroduzi-las agora, a propósito da questão fiscal, talvez não seja a melhor solução constitucional.
Se o PCP o entender, aquando da definição das regras de competência, mormente no que diz respeito às reservas relativa e absoluta da Assembleia da República - artigos 167.º e 168.º -, poderemos, se for o caso, voltar ao tema.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Naturalmente voltaremos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Permito-me agora extrair a seguinte pergunta ao PCP: desejam manter para votação a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 106.º, ou consideram-na retirada depois do debate travado?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estamos disponíveis para retirar a referência à Assembleia da República a seguir à lei, em benefício de um debate que desejamos voltar a travar e de uma votação pertinente da proposta que apresentámos para o artigo 167.º.
Já em relação à segunda parte da proposta que apresentámos parece-nos particularmente pertinente travar um debate mais aprofundado, sem prejuízo da nossa inteira abertura para encontrar as melhores formas de encarar este problema. Não estamos, de forma alguma, apegados a fórmulas feitas. Em todo o caso, repito, há aqui um problema que tem vindo a ser levantado e que julgamos totalmente pertinente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, formulei a pergunta para efeitos de método de votação. Se o PCP aceita retirar a referência à Assembleia da República, também aceita retirar, neste momento, uma votação sobre uma regra de competência. Ora, se é sobre uma regra de competência que retira a sua proposta, o segmento final da norma, a meu ver, perde sentido.
Portanto, a minha sugestão - mas é apenas uma sugestão - é que o PCP retire, neste momento, a votação da proposta de alteração ao n.º 2.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de lembrar que, a propósito da referência à Assembleia da República, todos os partidos se mostraram disponíveis no sentido de debater a questão a propósito do artigo 167.º. Quanto a isso, estamos de acordo.
A propósito das autarquias locais poderá, eventualmente, haver também uma abertura no sentido de consagrar uma cláusula de habilitação genérica neste âmbito.
Em relação a outras entidades, se houver abertura a propósito da discussão de cada um dos órgãos, em vez de

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uma habilitação genérica poderá haver, eventualmente, habilitações específicas. Mas essa é uma matéria…

O Sr. Presidente: - Está compreendido, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - … que colocámos nesta sede, porque tem vindo a ser levantado um problema por parte da doutrina.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o poder tributário das regiões autónomas será tratado aquando da análise do artigo 229.º e o poder tributário das autarquias provavelmente aquando da do artigo 240.º.
Srs. Deputados, julguei ver nas últimas palavras do Sr. Deputado Luís Sá uma disponibilidade para retirar, neste momento, a sua proposta para o n.º 2 do artigo 106.º.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe que tenha em conta que foi retirada a proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 106.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, queria apenas clarificar um aspecto que o Sr. Deputado Luís Sá referiu, visto que tirou conclusões relativamente à disponibilidade dos outros partidos. É preciso que, depois, não haja equívocos nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção do Partido Comunista para o seguinte: é evidente que está tudo bem quando se refere "(…) sem prejuízo de donativos fiscais conferidos, nos termos da lei, ao Governo e às regiões autónomas". Mas não às autarquias locais, porque não é possível, nos termos constitucionais, conferir competências normativas às autarquias! Os actos normativos estão constitucionalmente previstos no artigo 115.º da Constituição, no qual se faz uma tipificação exaustiva e o próprio artigo 115.º estabelece que não pode a lei permitir a criação de outros tipos de actos normativos a outras entidades.
Acontece que o poder tributário próprio - que, como o Sr. Presidente referiu, vai ser discutido em sede do artigo 240.º -, do meu ponto de vista, não é exactamente o mesmo (e era esta nuance que queria deixar ao Partido Comunista) que conferir, por parte da lei, competências normativas. Não se trata de competências normativas propriamente, pelo menos em termos daquilo que são os actos normativos.
Portanto, o que faremos - e, de resto, essa ideia é comum a várias propostas, inclusive do PSD e, julgo, dos demais partidos - é, em sede dos poderes das autarquias, conferir algum poder tributário próprio às autarquias, dentro de limites definidos na lei, o que será diferente da conferência de competências normativas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não gostaria de antecipar uma discussão, mas entendo que aquilo a que as pessoas frequentemente chamam impostos autárquicos - de resto, a proposta do PS, a propósito de um novo n.º 3 do artigo 106.º, contém exactamente esta preocupação - são, na realidade, impostos do Estado que revertem integralmente para as autarquias locais.
Queria chamar a atenção para o facto de existir já hoje, por exemplo, a propósito de determinados impostos, a possibilidade de lançar derramas, ou a possibilidade de fixar a taxa de incidência, por exemplo, da contribuição autárquica e que sectores da doutrina têm levantado o problema da cláusula de habilitação constitucional em relação a este poder das autarquias locais, que ninguém discute.
Se fôssemos, por hipótese - não estou, de forma alguma, a defendê-lo, que fique claro! -, para uma solução do tipo da que propõe o CDS-PP, ou seja, reduções de IRS para efeitos de incentivar a instalação de actividades industriais, tal levaria, naturalmente, a uma grande concorrência entre municípios, já que cada um deles procuraria baixar mais do que o vizinho, e, provavelmente, por maioria de razão, pôr-se-ia, este problema da cláusula de habilitação constitucional.
Entendo que, nesta matéria, o instrumento adequado para o efeito é o regulamento, naturalmente constituído por normas. E aqui, sim, coloca-se o problema da cláusula de habilitação. Por alguma razão tivemos a preocupação de falar em normas e não em leis ou em poder legislativo, o que, como é óbvio, seria completamente absurdo.
De resto, se o PCP está com a preocupação de reforçar o poder parlamentar em matéria fiscal, com certeza não iria, em contradição com esta preocupação, remeter este poder fiscal para as autarquias locais. Essa nunca foi a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aquando da apreciação da matéria em sede própria, ou seja, em sede de poderes das autarquias locais, designadamente no domínio tributário, voltaremos ao tema.
Srs. Deputados, vamos então passar a apreciar propostas novas, designadamente a de aditamento de um novo n.º 3 ao artigo 106.º, constante do projecto do CDS-PP, que estabelece o seguinte: "Os princípios estruturantes do sistema fiscal serão referidos por uma lei geral tributária".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa proposta não está prejudicada pela votação que fizemos, Sr. Presidente?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não está!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso colocar uma questão sobre esta matéria?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP, designadamente a propósito dos artigos 167.º e 168.º, apresenta um conjunto de propostas em matéria fiscal que tem que ver com a competência da Assembleia da República nesta matéria - reserva absoluta num caso e reserva relativa noutro, designadamente no que respeita à criação de impostos: um sistema fiscal, incluindo os que constituem recursos próprios da União Europeia,

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reserva relativa; princípios fundamentais do sistema fiscal, reserva absoluta.
A questão que coloco ao CDS-PP é se esta norma é de votar neste contexto, atendendo ao princípio que ainda agora foi afirmado, ou seja, que tratando-se de matérias que têm a ver com a competência, designadamente da Assembleia da República ou de outros órgãos, a questão deve ser equacionada a propósito das normas de competência em não neste contexto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, apesar de tudo o contexto não é bem o da definição das regras de competência. No entanto, recordo que votámos a proposta de alteração do n.º 1, apresentada pelo PCP, tendo rejeitado que o sistema fiscal é estruturado por lei, e que agora, do que se trata é dos princípios estruturantes do sistema fiscal, também a definir por lei. Tecnicamente, ou damos esta proposta do CDS-PP por prejudicada ou, para clarificar, submetemo-la à votação, certamente com resultado semelhante ao anterior.
Sr. Deputado Ferreira Ramos, deseja que se faça a votação desta proposta, ou considera-a prejudicada?

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, deixo esse aspecto à sua consideração.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não virem nisso inconveniente, o parecer da mesa é o de que a proposta está prejudicada.
Passamos, então, ao n.º 3 do artigo 106.º.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, o CDS-PP retira a sua proposta de aditamento de um novo n.º 4 para o artigo 106.º.

O Sr. Presidente: - Suponho que também o PS fará substituir a sua proposta para esse mesmo n.º 4. É assim, Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sobrevivem, assim, duas propostas: uma do PSD, que é agora recuperada por uma proposta comum, e outra do Sr. Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca, a quem não posso endereçar a pergunta.

Pausa.

Srs. Deputados, temos uma proposta de alteração do n.º 3 do artigo 106.º, apresentada por Deputados do PS e do PSD.
Suponho que a proposta de alteração constante do projecto inicial do PSD também está prejudicada em benefício desta nova proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até porque é igual, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dos subscritores da nova proposta, algum Sr. Deputado deseja usar da palavra?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, julgo que, nesta fase, devíamos discutir também a proposta que apresentámos, de aditamento de um n.º 5.

O Sr. Presidente: - Já o disse, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, suponho que para apresentar a proposta de alteração do n.º 3 do artigo 106.º, que está em correlação com a proposta constante do projecto do PCP, de aditamento de um n.º 5, e com uma outra do Sr. Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca, também para o n.º 3
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que esta norma merecerá, ou gerará, congratulação geral, porque proíbe impostos que tenham natureza retroactiva. É o que a norma estatui.
É preciso ter em conta o debate que travámos na primeira leitura e que foi bastante esclarecedor. Pela nossa parte, preocupamo-nos em esclarecer o que a proibição da retroactividade era e o que não era. Ou seja, a nossa proposta originária sintetiza o que, na nossa leitura, a proibição de retroactividade não é, ponto que também se mantém nesta redacção, por isso se utilizou a expressão "os impostos não podem ser retroactivos". Esta norma diz exactamente que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.
Utilizou-se essa técnica de normação e não a técnica com o recurso a expressões como: "a lei fiscal não pode ser aplicada", ou "a lei que criar aumento aos impostos não pode ter efeito retroactivo", ou qualquer uma das outras redacções que tinham sido anteriormente aventadas.
Parece-nos que é uma norma-medida que proíbe o que deve ser proibido e não proíbe formas de existência de disposições fiscais que, não sendo técnico-juridicamente formas de retroactividade, se reportem a factos ocorridos em momentos anteriores ao lançamento do imposto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a matéria não é a mesma, mas aproveito o facto de estar no uso da palavra para lhe perguntar se a proposta de alteração do n.º 3 do artigo 106.º, apresentada pelo PS, face ao que há-de vir posteriormente, é retirada neste momento.

O Sr. José Magalhães (PS): - É exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a reformulação que fizemos da nossa proposta de aditamento de um novo número - o n.º 5 - ao artigo 106.º teve também em vista a discussão que houve na primeira leitura. Aliás, julgo que vale a pena ter em atenção que, pelo menos na primeira leitura - e julgo que isso se mantém -, todos concordámos que se deveria prosseguir no esforço para consagrar constitucionalmente a não retroactividade da lei fiscal.
Julgo que essa intenção foi subscrita por todos os grupos parlamentares. A tentativa que fizemos com esta proposta de n.º 5, em resultado dessa discussão, visa poder consagrar o princípio da não retroactividade, explicitando a questão de não poder ser aplicado a factos geradores ocorridos antes da respectiva lei, e, simultaneamente, salvaguardar o que o Partido Socialista propunha: a tributação sobre o rendimento. Aliás, julgo que a proposta do Partido Socialista falava em impostos directos, o que suscitou dúvidas durante a discussão, designadamente por parte da Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo, quanto ao seu significado,

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se a memória não me trai. Por isso, a alteração que promovemos foi apenas a da substituição das palavras "impostos directos" por "impostos sobre os rendimentos", que são aqueles que estão em causa.
Duas ideias foram aceites por todos os grupos parlamentares na primeira leitura: por um lado, a de não haver retroactividade fiscal e, por outro lado, a de permitir a prática, comum entre nós, de as alterações aos impostos sobre o rendimento poderem aplicar-se aos rendimentos do ano anterior.
Com toda a sinceridade, o que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado José Magalhães não me convence - e digo-o na perspectiva da discussão que teve lugar na primeira leitura - que a formulação agora apresentada para o n.º 3 do artigo 106.º salvaguarde a possibilidade de as alterações aos impostos sobre o rendimento poderem ter efeitos sobre os rendimentos gerados no ano anterior, que é a nossa prática em termos de alterações orçamentais aos impostos sobre o rendimento
Se for pacífico que esta formulação salvaguarda essa prática de uma forma clara, declaro, desde já, que não temos dúvida alguma em aceitá-lo. A nossa dúvida é precisamente…

O Sr. Presidente: - Se essa interpretação não fosse consentida, já pensou como seria, Sr. Deputado Octávio Teixeira?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, tenho à minha frente as actas da discussão que se processou na primeira leitura, as dúvidas que foram suscitadas por vários Srs. Deputados….

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estou a perceber qual é o seu entendimento, Sr. Deputado. Pode repetir?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em matéria de retroactividade pura e simples todos estamos de acordo, mas há um problema que não pode confundir-se com a retroactividade. Ou melhor, aquando da primeira leitura, todos os partidos políticos presentes nesta Comissão disseram que não queriam confundir o seguinte: quando nos Orçamentos para o ano X ou para o ano N se alteram, por exemplo, as taxas, as deduções, os abatimentos, ou o que quer que seja, aos impostos sobre os rendimentos - quer o IRS quer o IRC -, essas alterações aplicam-se aos rendimentos do ano N menos 1.
Com base na discussão que teve lugar na altura, entendo que essa componente… Isto é, se passo o nível do 3.ª escalão do IRS de 5000 contos para 5100 contos ou, para que não haja confusões, se agravo a taxa do IRS ou do IRC no Orçamento para 1998, por hipótese académica - porque todos estamos certos de que o aumento de taxas dos impostos não irá suceder no Orçamento para 1998 -, essas taxas aplicam-se aos rendimentos de 1997, porque são esses os tributados em sede de IRS e de IRC.
Julgo que ficou claro - e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em nome do PSD, poderá confirmá-lo, ou não - que não haverá retroactividade, mas que esta situação de que falei não é retroactividade.
A nossa intenção foi a de explicitar, em sede constitucional, que a retroactividade é proibida, mas esta parte dos impostos sobre os rendimentos não é considerada retroactividade. Julgo que foi este o centro e o cerne da discussão na primeira leitura e é nesse sentido que apresentamos esta proposta.
Repito, Sr. Presidente: se a proposta de alteração ao n.º 3 entretanto apresentada salvaguardar - com toda a sinceridade, penso que não - esse problema das alterações introduzidas aos impostos sobre o rendimento… É que, para nós, o problema não se põe em termos da fixação de uma redacção, prende-se antes com duas questões centrais: a da não retroactividade e a de que as alterações aplicadas aos rendimentos do ano anterior não são consideradas retroactividade. Se for conseguido este consenso, pela nossa parte qualquer redacção nos servirá, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, não assisti à discussão deste artigo na primeira leitura, mas numa situação como a que ocorreu em 1983 - julgo -, em que houve a aplicação de um imposto extraordinário sobre o rendimento, tal é comportado pela ideia…

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não, não!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Explique-me bem, Sr. Deputado Octávio Teixeira, qual é a diferença entre essa situação e aquela a que acabou de aludir que seria legítima, que não afectaria o princípio da não retroactividade do imposto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, julgo que a diferença substancial é esta: nessa altura, o que se pretendeu criar foi um novo imposto que incidia sobre um determinado tipo de rendimentos, de que já não me recordo…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, eram os rendimentos sobre os quais recaía o imposto complementar da altura.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas não eram abrangidos pelo IRS!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Creio que na altura ainda não havia IRS, o que havia era o imposto complementar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas não era abrangido pelo imposto sobre o rendimento pessoal, daí a necessidade de criar esse imposto, um imposto extraordinário.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Era o mesmo rendimento!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Era um imposto extraordinário, se a memória me não trai. Essa situação já se passou há uns 15 anos, ou algo parecido.
Mas não é essa situação que queremos salvaguardar.

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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas porquê?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Porque nesse caso estava em causa uma tributação nova.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, o problema é que a situação que pretendemos salvaguardar sucede todos os anos. Ou seja, o próximo Orçamento do Estado para 1998 há-de introduzir alterações quaisquer, em princípio, que alteram o estatuto fiscal dos rendimentos - em termos de taxas, de escalões, de deduções, etc.… Ora, esse regime que vai ser introduzido no Orçamento do Estado para 1998 é aplicável aos rendimentos que foram auferidos em 1997. E essa situação, do nosso ponto de vista, não se integra no conceito de retroactividade.
Volto a repetir que julgo que foi para tentar salvaguardar essa situação - mas posso estar enganado - que houve o consenso de todos os grupos parlamentares. Agora, põe-se apenas o problema de como formular isto.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, uma outra pergunta: essa é a prática tradicional?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Desde sempre!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas esclarecer uma dúvida. Essa prática pode ser tradicional mas, no fundo, trata-se de um imposto retroactivo.

O Sr. Presidente: - Então, todos são retroactivos!

O Sr. Francisco Torres (CDS-PP): - Todos não, Sr. Presidente. Quando a vigência é decidida num Orçamento, podia ser aplicável só ao ano de 1998, para voltar ao exemplo de 1997 e 1998. Portanto, o Orçamento do Estado para 1998 já conteria essas regras mas só se aplicaria ao IRS pago em 1999.
Voltaria à questão colocada pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo: qual é a diferença entre um imposto extraordinário e alargar as taxas para um imposto já existente? Aliás, parece-me que foi esse o caso em 1983.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tratou-se de um imposto extraordinário, pelo menos tecnicamente.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O facto gerador era o mesmo!

O Sr. Presidente: - O facto gerador foi o rendimento do 13.º mês, se não estou em erro.
Tem a palavra, Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se a memória me não trai, o 13.º mês está sujeito ao imposto sobre o rendimento. O que estava em causa era mais do que isso: era um outro imposto, um imposto extraordinário!

O Sr. Presidente: - Tratou-se da aplicação de um imposto extraordinário sobre o rendimento do 13.º mês.
Em conclusão: a fórmula austera apresentada pelos Srs. Deputados do PS e do PCP, que certamente exigirá uma boa interpretação na sua tradução legal, para além da sua boa compreensão constitucional, é capaz de ser a mais aconselhável.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria explicitar o entendimento formal do PSD sobre esta matéria, até porque, como o Sr. Presidente referiu, há uma proposta comum que resultou do acordo político entre o PSD e o PS, proposta essa que decorre da proposta inicial do PSD sobre esta matéria.
Não foi por acaso que o PSD optou não por aditar uma norma nova, ao contrário de algumas outras propostas iniciais de alteração deste artigo em matéria de retroactividade, mas por alterar o texto do actual n.º 3 do artigo 106.º, no qual se pode ler que "Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, (…)", acrescentando "ou que tenham natureza retroactiva".
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, o PSD entende que não estará em causa a capacidade - nunca esteve, como o Sr. Deputado disse, e muito bem -, nomeadamente da lei orçamental, para em cada ano definir determinadas regras relativas à aplicação de impostos sobre os rendimentos, que o cidadão sabe que terá de pagar, porque foram criados nos termos da lei. Ou seja, a lei orçamental estabelecerá algumas regras relativamente a impostos que já estão criados.
Do ponto de vista do PSD - é assim que o PSD entende, como sempre entendeu, o problema da retroactividade -, o que aconteceu em 1983 foi que o cidadão, por força de uma lei, teve de pagar impostos sobre um rendimento por ele gerado quando, na altura em que gerou esse rendimento, não tinha qualquer expectativa de ter que pagar impostos sobre ele. Esta situação, de resto, gerou na sociedade portuguesa um sentimento profundíssimo de injustiça, em que as pessoas disseram "assim não vale"!
Completamente diferente é todas as pessoas saberem que têm de pagar IRS, IVA ou IRC nas suas empresas relativamente aos rendimentos gerados e que a lei orçamental, em cada ano, de acordo com a maioria gerada na Assembleia da República para a sua aprovação, vai estabelecer, quanto a esses mesmos impostos - que as pessoas sabem que vão ter de pagar e estão à espera de pagar -, determinado tipo de regras, de benefícios, de taxas e de escalões, como o Sr. Deputado acabou de dizer.
O entendimento que o PSD tem da proibição que resulta desta norma, a de nenhum cidadão poder ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, é exactamente o entendimento pacífico na doutrina, ou seja, o de haver uma lei que vem criar um imposto que nenhum cidadão pode minimamente evitar ou sequer deixar de se colocar na posição de pagar, porque relativo a factos que já passaram e em que ele não tem já qualquer hipótese.
Nunca o PSD pretendeu pôr em causa genericamente a prática de impostos que estão criados, que os cidadãos sabem que vão ter de pagar e relativamente aos quais resta apenas a definição de alguns dos elementos, que é feita pela lei orçamental. Não é isso que estava em causa nem é isso que está em causa na proposta inicial do PSD.
Em resposta ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, daquilo que entendi da sua interrogação, devo dizer que estamos de acordo: não é essa prática que ficará posta em causa por este acrescento ao texto constitucional; o que

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ficará posto em causa é, de facto, a prática de criar impostos novos sobre situações em que os cidadãos já se colocaram e em que, até numa perspectiva de planeamento da sua actividade, já não podem deixar de se colocar na posição de ter de contribuir fiscalmente, o que não acontece quanto a outro tipo de actividades
Hoje em dia, está criado o IRS. Os cidadãos sabem que pelo exercício de determinado tipo de actividades e de geração de rendimentos têm de pagar IRS e aceitam como natural e de acordo com o nosso sistema constitucional que a lei orçamental defina, em cada ano económico, determinadas regras para incidência desse imposto. Completamente diferente seria a criação de impostos novos relativamente aos quais os cidadãos não tivessem qualquer tipo de opção de se colocarem ou deixarem de colocar na posição de pagar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou tentar fazer um ponto de situação.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, superada a sua preocupação inicial relativamente ao alcance da proposta comum, julguei ver, na possibilidade de superação dessa preocupação, uma disponibilidade da parte do PCP para aderir também à proposta de alteração do n.º 3, com a eventual retirada da vossa proposta de n.º 5.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, como vai usar da palavra de seguida, peço-lhe que confirme, ou não, este meu ponto de vista.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, confirmo a interpretação, a síntese que V. Ex.ª acabou de fazer do que eu disse sobre a nossa eventual disponibilidade para votar o n.º 3 da proposta comum. Porém, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes para não haver dúvidas sobre o que vamos votar em termos do entendimento, pelo menos, dos dois grupos parlamentares que subscrevem a proposta de alteração do n.º 3.
Tenho à minha frente a obra de dois professores fiscalistas de uma Faculdade de Direito, em que colocam a questão da retroactividade e chamam à colação precisamente esse aspecto. Ora, na perspectiva destes professores, se for incluído na Constituição o princípio da retroactividade, desaparece esta prática que eles consideram errada, isto é, a tal prática que temos vindo a seguir em termos das alterações orçamentais aos impostos sobre o rendimento.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, passo aos dois pedidos de esclarecimento concretos que gostaria de colocar.
Primeira questão: ao subscrever esta proposta para o n.º 3, se no Orçamento do Estado para o próximo ano for aumentada uma taxa do IRS ou do IRC, o PSD considera retroactivo aplicar essa taxa aumentada, agravada, aos rendimentos do ano de 1997, ou não?
Segunda questão: se no Orçamento do Estado para o próximo ano forem alterados os escalões de rendimento pessoal de acordo com a taxa de inflação, que é a norma que tem vindo a ser seguida, essa alteração aplica-se aos rendimentos de 1997, ou não?
Estas são duas questões concretas em relação às quais gostaria de ter resposta para ver se, pela nossa parte, clarificamos em concreto esta matéria, porque a nossa dúvida é que o texto abranja essas situações, pelo menos de uma forma clara. Portanto, gostaria de saber se a interpretação do PSD é idêntica à do PS.
Se bem percebi as palavras do Sr. Deputado José Magalhães, quando o PS subscreve esta proposta tem claro para ele que, nestas situações, não há retroactividade, mas gostaria de colocar estas duas questões concretas ao PSD, na pessoa do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a do agravamento da taxa e a da actualização dos escalões, pelo menos de acordo com a taxa de inflação.

O Sr. Presidente: - Já agora, para clarificar tudo, o ponto de vista do Sr. Deputado Octávio Teixeira é também o de que não tem alcance retroactivo?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sim, Sr. Presidente, por isso queria explicitá-lo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, respondendo directamente à questão Sr. Deputado Octávio Teixeira, devo dizer que o entendimento do PSD é que esta alteração não põe em causa que o Orçamento do Estado para 1998 faça aquilo que o Sr. Deputado acabou de referir.
Sr. Deputado, é preciso ler toda a norma toda, que estabelece o seguinte: "Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei". Ora, o que acontece, nomeadamente, quanto ao IRS e ao IRC é que a lei actual, os Códigos do IRS e do IRC, já estabelece que a liquidação e cobrança do IRS é feita no ano a seguir e que a lei do Orçamento estabelece as regras dessa liquidação e cobrança. Portanto, o cidadão já sabe que a lei do Orçamento vai definir determinado tipo de regras para a liquidação e cobrança deste imposto.
Assim sendo, não é aqui que se esgrime o problema da retroactividade. O problema da retroactividade esgrime-se quando o cidadão é colocado numa situação de ser liquidado e cobrado um imposto relativamente a um rendimento para o qual não havia uma lei anterior que prescrevia que isso ia ser assim. Esse é o problema da retroactividade, para nós.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, neste momento, nenhum de nós sabe qual vai ser a taxa que vai pagar sobre os rendimentos que está a auferir em 1997. Só vamos sabê-lo...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sabe que a Assembleia da República vai determinar essa taxa, porque a lei prescreve que assim seja!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para o PSD isso é claro e, então, não integra o princípio da retroactividade?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, já lhe respondi. Para nós, já está determinado, já está previsto na lei que a liquidação e cobrança do IRC e do IRS se faz em determinados termos, e isso já está previsto nesta norma.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, devo dar por retirado a proposta do PCP, de aditamento de um n.º 5 ao artigo 106.º?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, sendo claro para todos os grupos parlamentares que é essa a interpretação, não temos qualquer dúvida (porque não é um problema da formulação) em votar a favor do n.º 3 da proposta apresentada pelo PS e pelo PSD. Nessa altura, é evidente que o nosso n.º 5 perde utilidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retirado o n.º 5 proposto pelo PCP, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 106.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

3 - Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 106.º, apresentada pelo Sr. Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS e do PSD e abstenções do PCP e do CDS-PP.

Era a seguinte:

3 - A lei que cria ou agrava impostos não pode ter aplicação retroactiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda uma proposta de aditamento de um n.º 4 ao artigo 106.º, apresentada pelo PCP, relativa ao regime das taxas.
Srs. Deputados do PCP, esta proposta é acompanhada noutra sede, na sede da competência da Assembleia da República - suponho -, por propostas que, neste momento, não estão ainda presentes na CERC. O Sr. Deputado José Magalhães esclarecer-nos-á.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como resultou da primeira leitura (e, depois, foi aprofundado na discussão com os Srs. Deputados do PSD), temos disponibilidade para consagrar no artigo 168.º, ou seja, em sede de reserva relativa da Assembleia da República, a competência para aprovar o regime geral das taxas e de mais contribuições financeiras a favor das entidades públicas. Isto significa que uma parte relevante desta ideia de revisão constitucional é sufragada de maneira alargada, embora, seguramente, não em termos de incluir esta matéria numa área de reserva absoluta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, obviamente, tudo o que o Sr. Deputado José Magalhães disse é verdade, gostaria apenas de acrescentar um aspecto.
Penso que o efeito útil do texto de n.º 4 proposto pelo Partido Comunista fica "precludido" por esta questão. Depois, quanto ao problema de saber se esta matéria deve constar do artigo 167.º ou do artigo 168.º, diria que se trata de competência da Assembleia da República à mesma, por isso é uma questão de saber qual a forma que deve revestir em termos de garantia. Mas essa é uma discussão que teremos mais à frente.
Porém, que o regime geral das taxas passará a ser definido por lei é um dado adquirido, pelo que posso tranquilizar os proponentes sobre essa matéria.
Como o Sr. Presidente disse há pouco relativamente a outras matérias - e deixo este aspecto à consideração do Partido Comunista -, tratando-se esta questão de delimitação de competências dos órgãos de soberania, penso que é dispensável esta referência no artigo 106.º. Ou seja, à semelhança do que fizemos no outro dia relativamente a competências da Assembleia da República e do Governo noutras matérias, isso será tratado em sede própria, aquando da discussão dos artigos 167.º ou 168.º. A opinião do Partido Social Democrata e do Partido Socialista é a de que esta proposta seja inserida no 168.º, mas o Partido Comunista verá se poderá ou não aceitar esta posição.
Esta matéria é de reserva legislativa da Assembleia, que terá de legislar sobre ela. Portanto, não faz sentido colocarmos na organização económica uma matéria que é apenas de indicação de reserva legislativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como há pouco referi, estas propostas decorrem de uma primeira leitura e, com toda a sinceridade, do que me recordo da discussão, não tinha ficado com a ideia de que esta matéria ia ser remetida para outro artigo. De qualquer modo, para nós, o problema não é a inserção da norma num artigo ou noutro, o problema é a sua inserção na Constituição. Nessa perspectiva, não temos dúvida alguma em discutir esta matéria nos artigos 167.º ou 168.º.

O Sr. Presidente: - Então, dou por retirada a proposta do PCP de aditamento de um n.º 4 ao artigo 106.º, nos termos em que o Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros Srs. Deputados se lhe referiram.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de aditamento de um n.º 5 ao artigo 106.º, apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

Era a seguinte:

5 - Nenhum cidadão pode ser executado ou condenado em qualquer pena por dívidas fiscais enquanto não lhe tiverem sido satisfeitos os créditos líquidos exigíveis que detenha sobre qualquer entidade pública.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotámos a matéria relativa ao artigo 106.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos para uma declaração de voto.

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O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Por não ter falado ao microfone, não é possível reproduzir as palavras iniciais do orador.
… contribuiria para que o Estado e as entidades públicas tivessem uma postura de agir de boa-fé e como pessoas de bem. Esta foi uma disposição que, ao longo de vários temas que o Partido Popular anunciou, entendíamos que teria toda a possibilidade de merecer o acolhimento por parte dos outros partidos. Não compreendemos como pôde ser rejeitada.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra esta norma proposta pelo CDS-PP porque, como já tivemos oportunidade de dizer na primeira leitura, nos parece claramente excessiva. O que decorreria desta proposta do CDS-PP é que pudesse haver compensação de défices e créditos face a entidades diversas. Por exemplo, um crédito sobre uma autarquia podia sem compensado com um débito ao Estado - não é o princípio da compensação mas é parecido.
A questão de fundo, aquela que, do nosso ponto de vista, não ultrapassa o excessivo, de facto, ainda vai ser discutida através de uma proposta nossa, que na altura foi discutida em conjunto. Ou seja, quando o problema do contribuinte é com a mesma entidade (com a administração fiscal central, com uma autarquia ou com uma região autónoma), admito que isso possa fazer-se em determinadas circunstâncias. Por conseguinte, a questão de fundo, aquilo que não é excesso para nós, mantém-se em aberto e vai ser discutido na nossa proposta de artigo 107.º-A. Votámos contra a proposta do CDS-PP porque considerámos ser excessiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora, "em função retroactiva", ao artigo 105.º, relativo ao Banco de Portugal.
Temos já connosco o Sr. Deputado Francisco Torres, que apresentou uma proposta sobre este artigo. No entanto, suponho que há uma outra proposta ainda em elaboração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado, em primeiro lugar, por me ter dado a possibilidade de vir a esta Comissão eventual expor a matéria, que já expus por escrito ao seu digno antecessor, sobre a necessidade de discutirmos o artigo 105.º.
Pareceu-me sempre que a revisão constitucional de 1992 estava incompleta, no sentido em que a letra não correspondia ao espírito da lei, se olharmos mesmo para a interpretação dada pelo Prof. Gomes Canotilho, por exemplo, que referi aquando da ratificação, na Assembleia da República, da Lei Orgânica do Banco de Portugal em vigência.
De facto, já era intenção da revisão constitucional de 1992 alterar, de acordo com o que está estatuído no Tratado da União Europeia - não só por isso mas, exactamente, para permitir a ratificação do Tratado da União Europeia -, o artigo 105.º, que se refere ao Banco de Portugal, no sentido de o mesmo não ser incompatível com o artigo 105.º do Tratado da União Europeia.
Tal como está, o artigo tem o seguinte teor: "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei". Este artigo, nesta formulação actual, é incompatível, a meu ver, com o Tratado da União Europeia e com os Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais. Como tal, esse facto poderia ser utilizado para exclusão de Portugal da participação na moeda única, dado que este é um dos seis critérios de passagem à terceira fase da moeda única.
É claro que as autoridades monetárias portuguesas têm defendido o contrário, porque o espírito da revisão constitucional de 1992 era esse, e tem havido alguma compreensão por parte das autoridades dos outros países membros. Simplesmente, o Instituto Monetário Europeu não deixa de referir, no seu relatório sobre a convergência, esta eventual inconsistência entre a Constituição Portuguesa e o Tratado da União Europeia.
De qualquer modo, não parece que seja essa a questão essencial. Julgo que chegámos a um ponto em que estamos a discutir o artigo 105.º e ele será alterado por acordo, pelo menos, entre dois partidos para evitar exactamente essa possibilidade. Relembremos as ameaças recentemente feitas por um primeiro-ministro europeu, Romano Prodi, de que se a Itália não entrasse na União Económica e Monetária em 1999 esse país vetaria a entrada de Portugal e da Espanha. Alguns disseram que isso era impossível se cumprirmos os critérios. Bem, se não se alterasse este artigo podia estar aqui uma boa desculpa para que a Itália objectasse a entrada de Portugal na União Económica e Monetária em Janeiro de 1999.
Visto que, em 1992, não estava totalmente materializada a mudança de regime que ocorreu nesse ano mesmo, ela não estava ainda consensualizada entre os partidos políticos, este aspecto não foi vertido em lei constitucional. Julgo que este consenso de regime, tão difícil de se gerar ao longo dos últimos anos, está vertido na última resolução aprovada por uma clara maioria na Assembleia da República a propósito da moeda única.
Nessa resolução refere-se que Portugal deve reafirmar o empenhamento e determinação em participar na terceira fase da União Económica e Monetária desde Janeiro de 1999, que essa participação deve decorrer exclusivamente da verificação dos pressupostos constantes do artigo 109.º-J do Tratado de Maastricht e dos protocolos anexos n.º 5 e n.º 6 (este artigo e estes protocolos dizem exactamente que tem de haver uma compatibilização da legislação nacional com a legislação europeia e com os estatutos dos bancos centrais), manifesta-se preocupação e discordância por declarações públicas de responsáveis políticos (estava a pensar-se, nessa altura, nas declarações do ministro das finanças holandês, ainda não nas declarações do primeiro-ministro italiano) e fala-se em assegurar a completa realização deste prioritário desígnio nacional.
Este prioritário desígnio nacional tem como objectivo a estabilidade dos preços. Por isso digo que poderíamos substituir a actual redacção, que refere que "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei", pela seguinte redacção: "O Banco de Portugal, como banco central da República Portuguesa, tem por atribuição primordial manter a estabilidade dos preços, nos termos da lei".
Por que me parece tão importante esta alteração? Para já, para que a letra da Constituição corresponda ao espírito

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da lei, porque senão a revisão económica da Constituição poder-se-ia limitar apenas a retirar letra morta, e mesmo assim, no parecer de alguns partidos, no caso vertente no parecer do PSD, muita letra morta não é retirada. Assim, há aspectos aqui referidos que podem ser considerados de uma "Constituição museu", ou seja, a Constituição fica com coisas que já não são aplicadas, sendo que a Constituição económica pode ficar, de facto, fora da Lei Fundamental.
O que me parece de evitar, para além desta incompatibilidade com o Tratado de União Europeia, que julgo já estar ultrapassada porque vamos rever este artigo, é que andemos a reboque do que se passa fora da Assembleia da República em matéria de revisão da Constituição. Seria mau que ficasse a ideia que revemos o artigo 105.º apenas in extremis, porque de início ninguém queria tocar neste artigo 105.º - aliás, devo dizer que tive muitas dificuldades em apresentar esta proposta -, e depois, uma vez que se percebeu que era possível haver aqui uma incompatibilidade, que ficasse a ideia de que havia uma subalternização da Constituição a quaisquer outros objectivos conjunturais, nomeadamente o de passar o "exame" de 1999.
O que defendo é que, se conseguimos agora o consenso necessário à aprovação da ideia de querermos consagrar o objectivo da estabilidade dos preços exactamente participando na União Económica e Monetária, seria muito mau que uma revisão meramente cosmética do artigo 105.º desse a ideia de que não estamos dispostos a verter na Lei Fundamental os nossos objectivos de política. De facto, pelo menos dois partidos desta Assembleia estão de acordo em que a estabilidade dos preços é o objectivo fundamental da União Económica e Monetária, querem e estão dispostos a fazer tudo para chegar a esse objectivo. Portanto, seria mau, como sinal político para os nossos parceiros da União Europeia, para os mercados financeiros, mas muito mais do que isso, para os cidadãos portugueses e para os agentes económicos portugueses, não querermos verter na Constituição os nossos objectivos de política consensualizados ao longo de vários anos nesta Assembleia.
Se, como escrevia o Sr. Presidente, os legisladores nacionais não quisessem, por motivos que eu próprio como Deputado não consigo perceber, constitucionalizar aquilo que declaram ser os seus objectivos de política macroeconómica, estaríamos perante uma clara inconsistência política. E essa inconsistência poderia ser usada como uma boa razão para a nossa não preparação em termos políticos para a União Económica e Monetária, quer pela opinião pública portuguesa quer pelos nossos parceiros.
Por isso, julgo que uma compatibilização jurídica ou político-partidária dos textos, muitas vezes, não se compadece com as boas razões económicas. As várias teorias da Constituição dizem-nos, se quisermos falar em Rawls, que tem de haver um véu de incerteza e que aí todos poderemos chegar à conclusão de quais são as regras melhores que vão gerir-nos no futuro, embora não saibamos o lugar que vamos ocupar na sociedade. Outras teorias dizem-nos que, de facto, é necessário uma discussão objectiva das regras que gerem o País.
Bem, se isso é assim, devíamos ter aqui em atenção quais são os objectivos de política macroeconómica, aliás, mais do que política macroeconómica, ter em atenção qual é o enquadramento legal a que se submete essa política macroeconómica. Julgo que se fizermos uma revisão meramente reactiva, digamos assim, do artigo 105.º, ou seja, se considerarmos que temos de a fazer porque temos de compatibilizar a Constituição com o Tratado da União, ou porque temos de compatibilizar a Constituição com os Estatutos do Banco Central Europeu, então, estamos a deixar a Constituição macroeconómica fora da Constituição da República. É uma subalternização da nossa Constituição, porque então também pareceria que a resolução sobre a moeda única era apenas feita para "inglês ver" ou, se quisermos, para PSE ou PPE verem.
Para finalizar, Sr. Presidente, lembro só que o próprio governo trabalhista britânico, que não decidiu da sua participação na União Económica e Monetária - os ingleses ainda não decidiram, e os portugueses parecem ter decidido em termos políticos partidários -, resolveu, visto que isso não está na Constituição, dar a independência total ao banco central inglês na persecução da política monetária.
Se eles próprios, que não decidiram sobre a moeda única, o fazem, por que é que nós, que temos uma maioria clara a favor da participação de Portugal na moeda única, temos medo de o consagrar na Constituição? Tal pode revelar-se como inconsistente em termos políticos.
Por tudo isto, gostaria de frisar a necessidade de constitucionalizarmos os nossos objectivos, porque senão a verdadeira Constituição económica fica fora da Constituição da República e, obviamente, isso faz com que a Constituição seja um museu e não uma verdadeira Constituição. O que aconteceria é que os Estatutos do Banco de Portugal, que estão agora a ser revistos e serão apresentados em breve na Assembleia da República, os Estatutos do Banco Central Europeu e o próprio Tratado da União Europeia passariam a ser a Constituição do País. Citando o que há pouco o Prof. Barbosa de Melo disse, julgo que tal seria mau para a Assembleia da República e para a dignidade da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, independentemente de a ter ouvido agora, conhecia já a posição do Sr. Deputado Francisco Torres sobre esta matéria e devo dizer que compartilho com ele a preocupação fundamental que o motivou, desde o início, à apresentação de uma proposta de alteração do artigo 105.º, nesta revisão constitucional. Aliás, penso que o Sr. Deputado José Magalhães, quando intervir, também irá referir essa mesma preocupação, que teve eco, de resto, nas próprias negociações que decorreram entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista para o acordo político, já que uma das matérias expressamente equacionada foi a relativa à necessidade de alterar o artigo 105.º da Constituição, para dele remover - é essa a preocupação fundamental - qualquer sombra de obstáculo ao normal desenvolvimento dos compromissos internacionais do Estado português, nomeadamente no actual momento histórico, face à evolução e ao aprofundamento da integração europeia e da construção europeia.
Neste aspecto, compartilho a posição do Sr. Deputado Francisco Torres, mas queria colocar-lhe a seguinte questão: no fundo, em abstracto, o que é que motiva esta preocupação? Será que é o facto de a actual norma do artigo 105.º, por ser demasiado especiosa relativamente às atribuições do Banco de Portugal, ter acabado - e isso não era possível de prever pelos constituintes de 1975 - por

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se revelar historicamente desadequada a um determinado envolvimento da Nação portuguesa, ou da República portuguesa, num movimento internacional onde o Estado português decidiu introduzir-se?
Se assim é, não lhe parece que a solução adequada seria… Não questiono que, no momento actual, a redacção que o Sr. Deputado propõe seja uma resposta correcta e adequada aos obstáculos presentes, mas, em abstracto, interrogo-me se o simples facto de se terem colocado obstáculos num percurso que já leva 21 anos - desde a entrada em vigor da Constituição, em 1976 - não deveria levar-nos a reflectir se melhor não seria que a Constituição não fosse, de facto, especiosa, não vá a História voltar a colocar-nos algum novo obstáculo, neste momento igualmente imprevisível, relativamente a um texto.
Não lhe parece, Sr. Deputado - o papel do Plenário será definitivo, mas este debate pode vir a tornar-se conclusivo relativamente ao texto que chegará a Plenário -, que a solução mais ajuizada e mais sensata seria, pura e simplesmente, estatuir que o Banco de Portugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado português se vincule, que hoje são aquelas que o Sr. Deputado acabou de referir mas que amanhã, quiçá, poderão ser outras? Não quero dizer de sentido contrário, só estou a dizer que o Estado português poderá, em cada momento histórico, entender por bem vincular-se a determinado tipo de regras e de normas internacionais que entenda correctas e adequadas para o País.
Por estar de acordo consigo relativamente à identificação do problema, pergunto-lhe se não lhe parece que a solução seria, em abstracto e da forma mais prudente possível, retirar do texto constitucional o problema que o Sr. Deputado tão bem equacionou e tão bem situou. Não seria mais prudente optar por uma solução mais abstracta?
A segunda questão que quero colocar é a seguinte: sendo certo que é uma atribuição do Banco de Portugal prover a estabilidade dos preços, é evidente que esta estabilidade dos preços não é atingida apenas pelo Banco de Portugal! É certo que este banco tem essa atribuição, mas a estabilidade dos preços deve ser também uma preocupação geral da política económica e daqueles que a definem, os órgãos de soberania. Os órgãos de soberania também têm de ter este tipo de preocupação.
Como estamos no capítulo da organização económica, onde há uma série de artigos quanto a objectivos, incumbências do Estado e por aí fora, poder-se-ia inferir, eventualmente, que o problema da estabilidade dos preços não é nacional, não é dos órgãos de soberania, mas apenas do Banco de Portugal. Ou seja, o Banco de Portugal que resolvesse o assunto, porque os órgãos de soberania não tinham de preocupar-se com isso - e eu creio que têm!
O Sr. Deputado dar-me-á a sua opinião, mas penso que independentemente de ser, em termos de lei orgânica, uma atribuição, um objectivo principal do funcionamento do Banco de Portugal, nunca deixará de ser uma atribuição dos restantes órgãos de soberania. E, nesse sentido, militaria também (se a sua conclusão for essa) a favor de que o texto constitucional não fizesse a atribuição explícita desta preocupação ao Banco de Portugal, antes remetesse para a lei, porque os órgãos de soberania também têm de ter o problema da estabilidade dos preços como desígnio nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Torres, fazendo uma síntese da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, diria que, aparentemente, ambos estarão de acordo que a Constituição consagre uma cláusula constitucional de integração material das funções do Banco de Portugal, por efeito da lei, ou por efeito de direito internacional convencional, o que, como tal, obriga o Estado português de forma voluntária, como é evidente.
Sendo o Sr. Deputado Francisco Torres favorável, ao que parece, a esta solução, ensaiou ainda uma definição material mínima das funções do Banco de Portugal a conceder pela Constituição, que foi motivo de divergência do ponto de vista do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Para fazer esta clarificação, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes fez uma crítica e muito pertinente. Simplesmente, no momento actual, até propunha, como alternativa possível, a eliminação pura e simples do artigo 105.º. E porquê? Porque só os países nórdicos e Portugal fazem uma referência ao banco central na sua Constituição; todos os outros países não referem sequer o banco central.
Por que é que insisto numa definição material mínima para os objectivos do banco central? Porque, dado que estamos a rever a Constituição, dado que existe um artigo sobre o Banco de Portugal e dado que - é o ponto mais importante, por isso queria voltar a sublinhá-lo - foi tão difícil estabelecer um consenso duradouro sobre quais são as regras do enquadramento macroeconómico para Portugal, devíamos aproveitar esta oportunidade e verter esse consenso na Constituição.
É claro que a conjuntura internacional e os acordos internacionais mudam, mas não devíamos submeter a nossa Constituição a uma flexibilidade tal que levasse a que dela não constassem os nossos objectivos consensuais de longo prazo.
Lembro que o objectivo da estabilidade dos preços já perpassou por momentos da nossa vida económica ao longo, pelo menos, dos últimos 150 anos. O Banco de Portugal foi fundado em 1846, nós aderimos ao padrão ouro em 1854 e houve períodos em que este objectivo foi de grande consenso nacional, quer na monarquia, quer na Primeira República, quer no anterior regime, quer agora, depois do 25 de Abril, em que há um grande consenso nacional para que exista estabilidade dos preços, para que no domínio financeiro não se atrapalhe a vida dos cidadãos, a vida dos agentes económicos, com oscilações cambiais, de taxas de juro e dos próprios preços.
Neste momento, parece-me adequado que a Constituição não seja tão flexível ao ponto de dizer que respeitaremos os acordos internacionais. Obviamente que eles podem ser muitos, não é de prever que haja outros acordos internacionais tão cedo e, portanto, a Constituição é mais vezes revista do que os tratados internacionais! Não quero submeter, digamos assim, a nossa Constituição aos vários acordos internacionais!
Mas este objectivo está consagrado noutras constituições, deu resultados nos últimos anos em termos de regimes cambiais, de regimes macroeconómicos e a verdade é que, finalmente, chegámos a um ponto em que há consenso político para esta eficácia macroeconómica. No passado, arriscámo-nos a que se dissesse que em Portugal só podia haver disciplina macroeconómica e financeira com

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ditadura, e isso não é verdade. Portugal viveu momentos de grande crescimento de convergência real e de estabilidade macroeconómica em democracia! Enfim, com as suas condicionantes, porque no século passado a democracia não tinha a forma que tem hoje. Mas vivemo-la também na Primeira República e, por isso, parece-me essencial, dado que estamos a rever o artigo e dado que não o vamos eliminar, que nele fique uma referência material aos objectivos do Banco de Portugal.
Quanto à segunda questão, se o Sr. Presidente me permite,…

O Sr. Presidente: - Eu permito, mas lembro que dispunha de 2 minutos para a resposta.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Termino já.
… obviamente que a estabilidade dos preços é um objectivo político da Nação, não apenas dos órgãos de soberania nem do Banco de Portugal. Mas do que estamos aqui a tratar é do Banco de Portugal e estamos, digamos assim, a submeter a política monetária e esse grande objectivo.
É claro que ao dizermos "nos termos da lei", de acordo com a proposta que apresento, já estamos a remeter exactamente para a lei orgânica, que pode ser alterada pelos órgãos de soberania, nomeadamente pela Assembleia da República. Por outro lado, os termos da lei podem reflectir (como a proposta do Governo reflecte já), acerca do Banco de Portugal, a possibilidade de Portugal vir ou não a participar. Essa proposta de lei até contém artigos sobre o facto de Portugal vir a participar, já em Janeiro de 1999, ou só depois, na União Económica e Monetária e é a própria Lei Orgânica do Banco de Portugal que define os vários acordos internacionais em que vamos participar.
Portanto, julgo que não é necessário o artigo 105.º fazer referência aos acordos internacionais, basta dizer "nos termos da lei", porque a própria lei obedecerá depois a esses acordos internacionais.
O que neste momento me parece essencial é consagrar no texto fundamental da Nação aquele que é o consenso português quanto aos grandes objectivos da política macroeconómica. Penso que este consenso é duradouro, vem de há muitos anos, não é uma imposição ou um correr para Maastricht ou para a moeda única. E como é um consenso duradouro, que custou a materializar em propostas concretas, em políticas concretas, julgo que, neste momento, devíamos materializá-lo também no artigo 105.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria comentar a proposta e, simultaneamente, dar resposta às interrogações colocadas pelo Sr. Deputado Francisco Torres.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, gostaríamos de deixar inteiramente claro que, para nós, não há nenhuma contradição entre o texto actual da Constituição e os compromissos e as normas da União Europeia atinentes à possível entrada de Portugal na terceira fase da União Económica e Monetária.
Não o dizemos com base naquilo que o Sr. Deputado Francisco Torres, nas suas intervenções públicas, normalmente qualifica como o dever oficial das entidades públicas, sejam entidades monetárias ou outras, nem por dever de ofício, mas sim por respeito para com o esforço que foi feito na revisão constitucional de 1989 e, sobretudo, na revisão constitucional de 1992, para dar ao Banco de Portugal o estatuto que ele deve e tem de ter, ou seja, o estatuto de uma autoridade administrativa a se, independente, a mais independente e a mais sui generis, aliás, da rede de autoridades administrativas a se que há em Portugal. A única, de resto, cujo estatuto se tem moldado em termos tais que não só - deste ponto de vista - é imune a qualquer privatização como foi desligada de qualquer vinculação do tipo daquela que a Constituição previa nas redacções anteriores deste artigo.
Portanto, quando autoridades externas olham Portugal, naturalmente a partir do seu ponto de vista e perseguindo as suas estratégias específicas e próprias, às quais, de resto, vão variando, a nossa posição nesse ponto não ziguezagueia um milímetro. Foi definida e tem por trás de si um consenso muito alargado, consenso a plasmar na Constituição a norma e consenso a interpretá-la. E esse consenso não tem sofrido até agora nenhuma dúvida relevante de interpretação e suscita apenas, naturalmente, a controvérsia de algumas entidades. Não tomamos a mal a démarche, a diligência e o zelo que o Sr. Deputado imprime nessa matéria, mas, verdadeiramente, dissociamo-nos completamente da tese, por exemplo, de que Portugal vai a reboque de quem quer que seja, uma vez que estas medidas começaram a ser discutidas em 1989 - as actas dessa revisão constitucional são abundantes sobre o debate que este preceito suscitou e as da revisão constitucional de 1992 inequívocas também quanto ao alcance do que se desejou.
Não se trata nem de reboque nem de pró-forma, não se trata de uma negação por negação contra a letra e o espírito da Constituição. É o contrário literalmente. Os outros não são, naturalmente, obrigados a conhecer a letra e o espírito da Constituição, mas são obrigados a conhecer medianamente o direito português.
Que fazer então? Grau zero de Constituição em relação ao Banco de Portugal?
O Sr. Deputado colocou a questão por pura démarche retórica e a sua posição é outra. Portanto, não vamos discutir a retórica, vamos discutir as propostas.
Pela nossa parte não há nada de negativo no facto de se dar um sinal "explicitador" - é só disso que se trata. Uma explicitação não é uma declaração ex novo, é a aclaração de um conteúdo pré-existente. E esse sinal dado a título de mera explicitação deve ser contido e prudente na medida exacta em que as densificações excessivas, ou hiperdensificações, teriam seguramente inconvenientes e não nos cabe fazer aqui o desenvolvimento do sistema ou uma projecção no Direito Constitucional português do eventual desenvolvimento do sistema europeu de bancos centrais num dado momento da construção europeia. Não vale a pena procurar cristalizar e captar nessa matéria.
Há inconveniente numa solução do tipo daquela que propomos? É melhor uma solução como aquela que agora foi adiantada pelo Sr. Deputado Francisco Torres? Francamente também cremos que não, desde logo porque há uma divergência franca e clara entre nós. A tese de que, se for aprovada uma norma distinta daquela que o Sr. Deputado Francisco Torres propõe, a verdadeira Constituição económica do País ficaria fora da Constituição não nos merece, francamente, o mínimo sufrágio, porque não

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é função desta norma ter uma espécie de "constituição das constituições", ou a constituição suprema dentro da Constituição. A Constituição económica existe, não é para nós, ao contrário do que o Sr. Deputado sublinhou - e é seu direito próprio entender o que quiser sobre isso -, letra morta nem peça de museu, ou conjunto de peças de museu, ou pirâmide com múmias. Portanto a Constituição está no seu sítio, tem o seu conteúdo próprio, é a Constituição da República Portuguesa e relaciona-se com a ordem jurídica comunitária, nos termos que estão pactuados e pelas formas próprias.
Não temos a pretensão de encerrar em três linhas a Constituição económica com "C" maiúsculo, considerando com "c" minúsculo, ou irrelevante, ou morta, a Constituição económica que se desenrola em todo um título próprio da Constituição e que, para nós, pelo contrário, é viva.
Portanto, só pode assentar em equívoco, ou numa concepção fanática da Constituição económica, a tese que o Sr. Deputado tem sustentado, de que, em Portugal, as regras do jogo, a que os alemães chamam ordnungspolitischen Grundsetze, não estariam, entre nós, na Constituição. A resposta é que estão inequivocamente e não se encontram, aliás, em contradição com a ordem comunitária graças às sucessivas revisões.
Portanto - e por último, Sr. Presidente --, se fizermos a obra que propomos, aludindo, naturalmente, às normas internacionais a que o Estado português se vincule, pela razão simples de que para não fecharmos os olhos ao mundo são essas que nos levam a reflectir agora, mais uma vez, sobre esta matéria não nova, estaremos a fazer uma obra prudente e aberta ao futuro.

O Sr. Presidente: - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães, tem palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.
Peço-lhe poder de síntese, por favor.

O Sr. Francisco Torres: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª referiu que não estamos a reboque de quem quer que seja, e eu espero bem que não! Como apenas queria verter para a Constituição aquilo que é o consenso português sobre esta matéria, não vejo necessidade de aludir às instituições internacionais. Aliás, Sr. Deputado, se não tivesse feito a proposta ao Sr. Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, este artigo não seria revisto e, portanto, ficaria tal qual como estava. Foi só brandindo, digamos assim, a possibilidade de exclusão de Portugal da União Económica e Monetária que se chegou ao consenso de rever este artigo.
E parece-me que se este artigo não for vertido para a Constituição no sentido de traduzir o consenso político, que é o que interessa numa Constituição e não apenas a compatibilização da lei… O problema nem se põe em termos de relacionamento com a ordem jurídica comunitária, porque esse está ultrapassado: se retirássemos da Constituição o artigo 105.º nada se alteraria porque, como disse, nenhuma Constituição, a não ser a dos países nórdicos, se refere ao banco central).
De facto, este artigo só foi objecto de revisão devido à insistência de um determinado Deputado - eu próprio, neste caso - sobre a necessidade ou a possibilidade de sermos excluídos da terceira fase da UEM devido a uma inconsistência legal. A verdade é que, caso se mantenha a preocupação de ressalva dos acordos internacionais, a ideia que fica é a de que há um temor de incompatibilidade da Constituição com acordos internacionais.
Ora, eu não estaria tão preocupado com isso, deixaria apenas a expressão "nos termos da lei", porque a Lei Orgânica do Banco de Portugal poderá reflectir já, em cada momento, esses acordos internacionais. Mas a Constituição da República Portuguesa, como disse há pouco o Deputado Barbosa de Melo, deve estar acima desses acordos internacionais e nela deve ser vertido para o futuro, pelo menos, o espírito do consenso existente entre as principais forças da sociedade portuguesa.
Julgo, por isso, que consagrar um objectivo não é apenas compatibilizar a nossa Constituição com o que vem de fora, é consagrar um objectivo político, de ordenamento da lei económica e da política económica para o futuro. Tal não significa ir longe demais nem estar preocupado com o relacionamento com a ordem jurídica comunitária; pelo contrário, é fazer com que a Constituição portuguesa seja a lei fundamental do País.
Vamos transcrever para a Constituição o que tem sido aprovado, por exemplo, na resolução sobre a moeda única - tal como os ingleses, em vez de "pôr a carroça à frente dos bois" e dizer queremos tudo, a moeda única, a estabilidade dos preços, etc. Ou seja, não podemos explicar aos cidadãos portugueses que queremos a moeda única para ter como objectivo a estabilidade dos preços se não queremos a própria estabilidade dos preços na Constituição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, há uma diferença muito grande entre o debate português e o debate britânico: Portugal tem uma Constituição escrita, longamente escrita, detalhadíssima, portanto qualquer tentativa de travar em português o debate inglês é um esforço votado ao insucesso mais completo.
Parece-me positivo que o Sr. Deputado se tenha transformado numa espécie de single issue representative, ou seja, Deputado de causa única, mas é preciso que a causa seja sólida e tenha uma dúvida fundada debaixo de si, porque se a não tiver a single issue representativeness transforma-se verdadeiramente numa maré de fumo, a qual, de resto, não simplifica a discussão.
Há alguma dúvida sobre se a Constituição Portuguesa é compatível com a terceira fase da União Económica e Monetária? Resposta da revisão constitucional de 1992: não há dúvida alguma. Preparámos a Constituição nessa altura para estar adequada a Maastricht e ao seu desenvolvimento razoável, o qual implicava um banco central independente.
Sobre isso ninguém tem dúvidas. Hoje o Governo não comanda, como comandava em quadros anteriores, o Banco de Portugal, não pode, nesse sentido, forçá-lo a tomar determinadas medidas. Sobre o facto de o Banco de Portugal ser independente não há dúvida nenhuma!
A diferença entre a proposta que nos levaria ao "paraíso" e aquela que nos levaria ao "inferno" está, aparentemente - segundo o Sr. Deputado Francisco Torres -, numa frase: se a Constituição estabelecer que cabe ao Banco de Portugal garantir a estabilidade dos preços, tudo está salvo; se a Constituição não tiver essa menção específica

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não há Constituição económica em Portugal e tudo está perdido!
Ora, nós discordamos dessa tese, porque há Constituição económica - o Sr. Deputado tem é de não tomá-la pela letra morta! Pela nossa parte, não a tomamos nem por museu nem por letra morta. Se o Sr. Deputado quiser continuar a tomá-la por letra morta tem dois trabalhos: primeiro, descobrir que ela está viva e, segundo, reparar que ela sobrevive mesmo sem esta menção na Constituição, e isso não transforma esta revisão numa revisão cosmética, apenas não põe pó onde a face está limpa, descoberta e pronta a entrar na terceira fase.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: há quem acuse, e continue a acusar, a Constituição da República Portuguesa de ser dogmática e ideologicamente marcada. Ora, foi isso mesmo que o PSD veio propor hoje, através do Sr. Deputado Francisco Torres! Ou seja, propõe colocar aqui o dogma de que o objectivo central, não apenas da política monetária mas de toda a política económica - por isso a ideia de que, não existindo na Constituição a proposta do PSD, feita através do Sr. Deputado Francisco Torres, deixa de haver Construção económica -, é o de que o princípio único para uma política económica, para uma política monetária é o da estabilidade de preços.
E digo que esta é uma proposta do PSD, através do Sr. Deputado Francisco Torres, porque o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, na intervenção que fez, até me pareceu ir mais longe, quando tentou demonstrar ao Sr. Deputado Francisco Torres por que é que este não seria o local próprio para introduzir esta questão. Alegou que havia outros artigos sobre a Constituição económica, sobre as orientações económicas, sobre a política económica e, então, era preciso incluir, não tanto no artigo 105.º mas nos artigos 80.º ou 81.º, essa ideia de que o objectivo central da estabilidade preços seria a incumbência prioritária do Estado.
Julgo que há uma pequena nuance dentro do PSD nesta matéria. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não quer ratificar a ideia, que está explícita na proposta do Sr. Deputado Francisco Torres, de que o texto do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa deve ser exactamente igual ao do artigo 3.º-A do Tratado da União Europeia. Apenas quer introduzir essa pequena diferença, para que não haja a cópia integral do que está escrito no Tratado da União Europeia para a Constituição da República Portuguesa.
Ao fim e ao cabo, parece-me ser essa a diferença entre o que foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e o que foi defendido pelo Sr. Deputado Francisco Torres.
Mas, do nosso ponto vista, a questão é ainda mais grave, porque o Sr. Deputado Francisco Torres refere-se ao consenso político sobre o objectivo prioritário da política monetária. Aliás, em determinada altura, referiu que os portugueses "parecem ter decidido" - ainda bem que usou a palavra "parecem", porque sobre isso os portugueses só decidirão se forem chamados a decidir em sede de referendo. Esperemos que, depois deste debate e destas dúvidas suscitadas pelo PSD sobre se os portugueses já decidiram ou não, venha a formar-se um consenso, pelo menos por parte do PSD, no sentido da realização de um referendo sobre a moeda única e sobre o tal princípio da estabilidade dos preços.
O Sr. Deputado Francisco Torres, em nome do PSD, falou de um consenso político sobre esta matéria e, estranhamente, o Partido Socialista não pôs em causa a existência desse consenso político para que o princípio fundamental da orientação da política económica, da política monetária seja o da estabilidade de preços.
Ao contrário do que foi dito pelo Sr. Deputado Francisco Torres, a questão que se põe não é a de Portugal poder vir a ser excluído, ou não, da moeda única. Para nós, o problema não se coloca em termos de "alguém" poder excluir Portugal da moeda única mas, sim, em sentido diferente, completamente diferente: Portugal é que não deve incluir-se na moeda única, por autonomia própria!
Numa altura em que Portugal tem um Governo do Partido Socialista, então que tanto o Governo como o Partido Socialista tenham, pelo menos, a preocupação de reflectir, por exemplo - e já não vou a casos passados -, sobre a declaração que hoje foi feita pelo governo sueco, que julgo ser um governo da família do Partido Socialista, no sentido de que não integrará, apesar de cumprir os critérios de Maastricht, a moeda única.
Talvez possa ser um ponto de reflexão para o Partido Socialista e para o seu Governo, até porque o problema da moeda única (que é o problema da estabilidade de preços que aqui foi colocado) também tem de ser colocado na perspectiva… Principalmente, quando o Governo e o Partido Socialista trazem à colação que, neste momento, depois das eleições francesas - salvo erro e omissão - 12 ou 13 países da União Europeia são geridos, isoladamente ou em coligação, por Partidos Socialistas, ou partidos da família do Partido Socialista, da Social-democracia, sobretudo deverão ter em consideração as eleições francesas deste último fim-de-semana e as declarações que, previamente aos resultados eleitorais, o Partido Socialista francês e o Sr. Leonel Jospin fizeram sobre o facto de que não se poderia manter esta ideia da prioridade absoluta da estabilidade de preços, em detrimento do emprego, do crescimento económico, etc.
Aliás, o próprio Primeiro-Ministro António Guterres tem feito declarações, nos últimos tempos, no sentido de considerar que este problema da estabilidade de preços, prejudicando o emprego e o crescimento, é assim porque a maioria dos governos da União Europeia o querem. O Sr. Primeiro-Ministro Guterres, Secretário-Geral do Partido Socialista, considera que deveria haver aqui uma nuance para que não se sobrepusesse o princípio da estabilidade de preços ao aumento do emprego e ao crescimento económico.
Julgo que depois das eleições inglesas, com mais um partido da família do Partido Socialista no governo de um país da União Europeia, e com as eleições francesas, etc., ao fim e ao cabo, possa haver força por parte dos tais 12 ou 13 governos em 15 para poder inflectir estes princípios, estas prioridades do Tratado da União Europeia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estas propostas trazem-nos outra questão. O PSD, como digo, pretende impor o princípio da estabilidade de preços em termos da Constituição, no artigo 105.º…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD?!

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O Orador: - …, através do Sr. Deputado Francisco Torres. Ou, segundo depreendi, de acordo com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, essa imposição ficaria melhor nos artigos 80.º ou 81.º!
O CDS-PP, por sua vez,...

O Sr. Presidente: - Depois da declaração de voto, saberemos qual o PSD que fez vencimento, Sr. Deputado Octávio Teixeira!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O CDS-PP, por sua vez, pretende consagrar na Constituição o critério de convergência dos 3% do défice orçamental.
Não sei se, até ao final deste debate, o Partido Socialista não apresentará uma proposta para constitucionalizar o critério de que a inflação não pode ser superior a 2% dos 13 países com a inflação mais baixa na União Europeia e, então, constitucionalizaríamos aqui todos os critérios de convergência apesar das dúvidas que no discurso vêm sendo avançadas!…
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, está em discussão não apenas a proposta do Sr. Deputado Francisco Torres mas também uma proposta apresentada conjuntamente, e julgo que oficialmente, pelo PS e pelo PSD. É interessante essa proposta!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, se só agora vai reportar-se a essa proposta, peço-lhe que seja sintético.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Vou ser tão sintético quanto a proposta o é em termos de conteúdo, Sr. Presidente.
Temos ouvido o discurso, por parte do PS e do PSD, de que é fundamental Portugal integrar o Banco Central Europeu e a moeda única a partir de 1 de Janeiro de 1999, porque tal vai dar-nos força, vamos participar nas decisões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Ora, a primeira alteração que a proposta conjunta do PS e do PSD faz é retirar a frase "o Banco de Portugal colabora na definição e execução das políticas monetárias". Afinal, que palavra decisiva vai ter Portugal, directamente através do Governo ou através do Banco de Portugal enquanto elemento do Banco Central Europeu, se já nem o PS e o PSD acreditam que ele possa sequer colaborar na definição e na execução da política monetária?! Esta é uma questão que conviria ser esclarecida pelos preponentes.
Por outro lado, em relação a esta alteração, o Sr. Deputado José Magalhães, em nome do Partido Socialista, referiu o problema de o Banco de Portugal ser uma autoridade independente. Disse, aliás, salvo erro, que é a missão mais sui generis do nosso sistema. Sejamos claros: o que se pretende com esta proposta é dizer que o Banco de Portugal é o banco central nacional - como diria o Sr. Deputado Francisco Torres, por enquanto - e que exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado português se vincule. Quais são as normas? Para sintetizar, são as normas do Banco Central Europeu. Isto é, o Banco de Portugal, afinal, é tão sui generis na sua independência que é uma independência que o obriga a ficar totalmente dependente do Banco Central Europeu. Não partilha de soberania porque nem sequer admitem que ele possa vir a colaborar na definição e na inserção da política monetária.

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

É isso que os senhores pretendem retirar da Constituição!
O Sr. Presidente diz que terei gasto demasiado tempo, mas julgo que as questões centrais e fundamentais devem ser discutidas.
A última nota da minha intervenção refere-se à afirmação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães, em nome do Partido Socialista, de que Portugal não vai a reboque de nada, referindo-se concretamente a este artigo. É duvidoso que assim não seja, e procurarei explicitar por que duvido que assim não seja, isto é, que não possa daqui extrair-se claramente que Portugal, neste caso concreto através de uma proposta apresentada conjuntamente pelo PS e PSD, vá a reboque de alguma coisa.
Nos projectos iniciais, nem o PS nem o PSD consideraram necessário alterar este artigo, mas agora fazem-no. Porquê? Ou vão a reboque do Sr. Deputado Francisco Torres, porque queria mais clareza nesta proposta, ou vão atrás, pelo menos, do Instituto Monetário Europeu, que terá suscitado as dúvidas que Sr. Deputado Francisco Torres aqui referiu. Isto é - e para terminar -, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de facto, parece que, neste momento, em termos de propostas apresentadas na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, alguém está a ir a reboque de alguém.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o debate vai interessante e alargado - de resto, há ainda vários pedidos de palavra. Espero que todos os Srs. Deputados também colaborem no sentido de cumprirmos a ordem de trabalhos que tínhamos estabelecido para hoje, que vai até ao artigo 110.º, ou seja, até ao final da organização económica.
Os Srs. Deputados querem o debate, terão o debate, mas peço que depois também colaborem na concretização dos nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de pedir esclarecimentos gostaria de fazer uma interpelação à mesa, face à última declaração de V. Ex.ª.
Às terças-feiras, O PSD tem reunião da direcção às 19 horas, que é a única hora disponível para o efeito, portanto essa observação do Sr. Presidente não pode servir nem para coarctar o debate nem para coarctar o trabalho parlamentar dos Deputados fora desta Comissão.
Passo a formular o meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez uma observação que considero inteligente mas - permita-me - também capciosa. De facto, é inteligente o Sr. Deputado perguntar se o grande objectivo da integração no pelotão da frente é Portugal começar a ter, por partilha de soberania genérica dentro da União Europeia, uma participação efectiva na execução das políticas monetárias e financeiras que dizem respeito ao nosso país e, também, a todo o espaço europeu, por que retiramos determinada expressão da Constituição. Aí entra o aspecto capcioso da sua observação.

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O Sr. Deputado sabe perfeitamente que quando o texto constitucional refere a colaboração na definição e execução das políticas monetárias financeiras o faz relativamente ao Estado português, e não pode ser de outra maneira. A Constituição da República nunca pode definir competências relativamente a entidades extra nacionais, como é evidente, porque a Lei Fundamental do Estado português, aprovada pelo povo português, vincula o Estado e a Nação portuguesa, não vincula mais ninguém!
É evidente que o que está em causa precisamente na alteração necessária é que a Constituição deixe de estabelecer que o Banco de Portugal colabora com o Governo português, com o Estado português, na definição da política monetária e passe a estatuir - é esta a proposta do PSD e do PS, a proposta comum - que o Banco de Portugal exerce as suas funções nos termos das normas internacionais a que o Estado português se vincula.
O Estado português optou por vincular-se, através da ratificação do Tratado da União Europeia, a normas em que existe uma partilha, nomeadamente, com colaboração na definição e execução das políticas monetárias e financeiras que dizem respeito a um espaço que extravasa o território nacional, que é o espaço da União Europeia. Ora, é isso que não está no artigo 105.º da Constituição.
Quando se fala em retirar do artigo 105.º da Constituição a expressão "colaboração na definição e execução das políticas monetárias" não tem rigorosamente nada que ver com a colaboração com as entidades europeias nesta definição, porque a Constituição da República Portuguesa, repito - o Sr. Deputado sabe-o bem -, diz respeito exclusivamente às instituições nacionais. O que está aqui em causa é a Constituição deixar de estatuir que o Banco de Portugal apenas colabora com o Governo nacional e passar a referir que o Banco de Portugal exerce as suas funções nos termos da lei e das normas a que o Estado português se vincule. Quando o Estado português optar por vincular-se ao Tratado da União Europeia haverá, ou não, algum exercício de funções do banco nacional no sentido de colaborar na definição das políticas monetárias que digam respeito à Nação portuguesa também.
Quando o Estado português, amanhã, decidir desvincular-se é evidente que essa colaboração deixa de existir porque deixa de haver uma norma internacional a que o Estado português opte por vincular-se.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, é se concorda ou não comigo de que se tratam de planos perfeitamente distintos: aquele que consta do texto actual da Constituição, isto é, que esta colaboração diz respeito exclusivamente às instituições nacionais e, portanto, ao Estado português, e aquele que consta da proposta que o PSD e o PS subscrevem em comum, sendo que esta, ao alargar o exercício das funções às normas internacionais a que o Estado português se vincule, aí sim, passa a permitir que o Banco de Portugal colabore na definição e execução das políticas monetárias e financeiras, a partir do momento em que o Estado português se vincule a normas em que existe uma partilha de soberania nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, com todo o gosto responderei à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sr. Deputado, começo por dizer-lhe que, do meu ponto de vista, não foi capciosa a análise que fiz, pois na proposta conjunta do PS e do PSD consta a afirmação de que o Banco de Portugal exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais, etc. Ora, se VV. Ex.as tivessem a certeza - esta é a interpretação que faço - de que entre as funções do Banco de Portugal se contaria a colaboração na definição e execução da política monetária é evidente que não sentiriam razão alguma para retirar essa expressão da Constituição. Poderiam colocar a seguinte hipótese: "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira, nos termos da lei e dos tratados a que se vincule" - ultrapasso já a questão da emissão de moeda, porque essa aí é mais clara ainda.
Por conseguinte - e, por isso, do meu ponto de vista, a análise que fiz não é capciosa -, a questão de fundo que aqui se coloca é precisamente esta: quer o PS quer o PSD, quando aceitam e definem como prioridade absoluta a integração na moeda única, estão a aceitar à partida que, de facto, o Banco de Portugal (esta é a realidade e, por isso, nessa perspectiva, a coerência existe) não vai ter nenhuma participação em termos de colaboração na definição e execução da política monetária.
Sabe-se que o Banco Central Europeu vai ser gerido por cinco ilustres senhores competentes em matéria de política monetária que, independentemente da nacionalidade - e certamente não estará a pensar-se neste momento, ou pelo menos não haverá essa previsão, que o Sr. Deputado Francisco Torres ou qualquer outro cidadão português possa vir a integrar esse núcleo central -, nos termos do Tratado da União Europeia não podem aceitar orientações de quem quer que seja. São esses senhores que vão determinar o Banco de Portugal, como qualquer outro banco central, excepto, logicamente, o Bundesbank.
Como dizia muito claramente ontem, ou anteontem, um ilustre professor - que, aliás, deve ser muito ilustre, principalmente para o PSD, em homenagem ao seu ex-presidente, na medida em que é um grande amigo do Sr. Prof. Cavaco Silva -, a moeda única é apenas o disfarce, a capa (ou algo parecido, se não foi esta a expressão que utilizou) para o marco. Por isso referi há pouco que o único dos bancos centrais nacionais que não vai perder competência é o Bundesbank.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado por me dar a palavra, embora esteja a dá-la em circunstâncias um tanto desagradáveis para mim. Eu gostaria de ter feito perguntas, mas V. Ex.ª não me deixou inscrever na altura própria para perguntar.
Como já ouvi aqui uma evocação de John Rawls, lembrei-me que, realmente, a minha situação é essa, é um grande céu de ignorância sobre a minha situação pessoal neste sistema todo. Não estou a perceber coisíssima nenhuma do que aqui está a passar-se, mas nem por isso deixo de usar a palavra para tentar ver se percebo alguma coisa.
Sempre entendi o artigo 105.º da Constituição relacionado com uma instituição que tem que ver, no fundo, com políticas monetárias e financeiras e não com o sistema económico no seu conjunto. Portanto, o Banco de Portugal, ou qualquer outro banco central, há-de operar

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nesse sistema económico global através de políticas monetárias - e só dessas! Realmente, pretender incluir aqui funções que, em direitas contas, são laterais a uma instituição financeira não me parece adequado. Mas não aceito que, nem aqui nem em nenhum outro ponto, se ponha como objectivo da Constituição a estabilidade de preços. Fixar o desenvolvimento económico a uma só dimensão não seria sagaz.
Aliás - e estou a falar a título pessoal -, se tivesse de escolher entre as várias opções que aqui foram julgadas, gostaria muito mais da fórmula que VV. Ex.as inicialmente gizaram no acordo do que daquela que acabaram por apresentar agora. E vou dizer porquê.
Relativamente ao faladíssimo papel do sistema europeu de bancos centrais e do Banco Central Europeu - em toda essa parte -, diz-se que fazem parte do sistema europeu de bancos centrais os bancos centrais dos países que colaboram nesse sistema…

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … e, realmente, a fórmula que vinha do acordo inicial preservava esta colaboração, que eu entendia que devia ser reivindicada pelo nosso texto constitucional. Agora, nesta fórmula muito mais ática, esta parte desapareceu, quando é certo que o protocolo relativo ao estatuto do sistema europeu de bancos centrais e do Banco Central Europeu reserva aos bancos centrais um papel activo na definição das políticas monetárias e financeiras, através de todo o sistema.
Portanto, julgo que a primeira versão do acordo estava mais conforme àquilo que me parece ser o que está previsto e admitido no tratado. Um tratado não é a fixação para a eternidade do que quer que seja, muda-se também, como é evidente.
Por que é que digo que não se deve incluir aqui a referência à estabilidade de preços? Digo-o porque, realmente, é duvidoso, nos tempos que correm, nos fixemos a uma política ocasional - e pode dizer-se que ela é, de alguma forma, ocasional - em relação à qual possamos ter de recuar depois.
Por outro lado, a fórmula "nos termos da lei e das normas internacionais" parece-me correcta, como já estava na fórmula primeira. Chamo ainda a atenção dos preponentes desta segunda forma para o seguinte aspecto: a fórmula inicial "O Banco de Portugal, como banco central nacional", parece-me bem, pois não vejo qual é a vantagem de referir a expressão "da República Portuguesa". O banco central nacional exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais "que vinculem o Estado português", dizia-se na primeira fórmula, passando agora a referir "(…)a que o Estado português se vincule". Até gosto mais desta fórmula, que é mais restritiva. Nesta parte, até julgo que a fórmula melhorou.
De qualquer modo, gostaria - pessoalmente, repito -, tendo em conta o sistema europeu de bancos centrais e o papel que para eles está previsto no tratado vigente, que, realmente, a colaboração do Banco de Portugal nessa área se mantivesse na Constituição, que nela ficasse a ideia de que ele tem um papel activo nesse sistema e que não é apenas uma peça morta e desarticulada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este debate sobre o artigo 105.º foi iniciado tendo por base o que alguns Deputados presentes nesta Comissão consideraram um desígnio nacional. Na verdade não o é, é um desígnio do PSD e do PS, e só após a realização de um referendo se saberá se é, na verdade, a vontade da maioria do povo português.
Para nós, não se trata de um desígnio nacional, não nestes termos, nem nestes prazos, nem nestas datas. No entanto, consideramos que o dia de hoje é o adequado para procedermos a esta discussão. Já anteriormente, foram reproduzidas algumas declarações de responsáveis políticos e de economistas e hoje cumpre aqui chamar à colação o episódio ocorrido na Alemanha, que nos faz a todos reflectir, certamente, acerca do governo económico da Europa e sobre a eventual falta de legitimidade democrática do Banco Central Europeu.
Dito isto, passo a referir-me à proposta apresentada pelo PSD e pelo PS, assinalando que é nosso entendimento, embora as intervenções do Sr. Deputado Octávio Teixeira e do Deputado Barbosa de Melo sejam expressivas, que a fórmula apresentada é uma norma branca, que não é dogmática no sentido de impor, à partida, quaisquer soluções para o futuro do nosso país.
No entanto, como também foi expresso - e é desse ponto de vista que avaliaremos o nosso sentido de voto -, a apresentação desta alteração é entendida como um sinal. Ora, como nós não queremos dar esse sinal, votaremos dentro desses pressupostos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em face das propostas que pude ler e acompanhar agora, no debate, parece que a proposta comum ao Partido Socialista e ao Partido Social Democrata é a mais flexível. Na sua flexibilidade, permite tudo, ao remeter pura e simplesmente para a lei e para as normas internacionais a que o Estado português se vinculou.
Nesta medida, pela sua flexibilidade, é uma boa proposta, que constitucionalizada não criará entrave algum, no futuro, para, a qualquer momento, pelas leis ordinárias e pela Lei Orgânica do Banco de Portugal, poder moldar-se a todos os cenários, além de que não vai contra o próprio conteúdo material do artigo 105.º, na redacção actual. Quando aí se refere que o Banco de Portugal, o banco central colabora na definição e execução das políticas monetárias e financeiras, é evidente que, pela nova redacção, se for aprovada, continua esse poder material a ser possível ao Banco de Portugal. Não consta apenas da letra da nova redacção, mas materialmente nada impede que assim seja, desde que, como acontecerá, nos termos do Tratado da União Europeia, tal seja possível.
Por isso, e só por isso, entendo que uma Constituição que seja flexível nesta matéria é mais vantajosa, apesar de tudo, do que eliminar, pura e simplesmente, o actual artigo 105.º, tal como entendo que nesta redacção aggiornada e mais flexível deve continuar a dar-se papel relevante ao banco nacional central, o Banco de Portugal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos em condições de passar à votação. Estão sobre a mesa duas propostas de alteração, uma do Deputado Francisco Torres e outra comum aos Deputados do PS e PSD.

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Srs. Deputados, vamos proceder à votação, da proposta de alteração do artigo 105.º, apresentada apelo Sr. Deputado Francisco Torres.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e do CDS-PP, votos a favor do Deputado do PSD Francisco Torres e a abstenção do PSD.

Era a seguinte:

O Banco de Portugal, como banco central da República portuguesa, tem por atribuição primordial manter a estabilidade dos preços, nos termos da lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração ao artigo 105.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida a votação, foi aprovada pela maioria de dois terços necessária, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP e do CDS-PP.

É a seguinte:

O Banco de Portugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado português se vincule.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou apenas fazer uma declaração de voto relativamente à abstenção do PSD na proposta do Sr. Deputado Francisco Torres, porque, como tive oportunidade de explicitar - e as várias intervenções do PSD foram todas nesse sentido -, como é evidente, o PSD nada tem contra ela. Muito pelo contrário, estamos de acordo que o Banco de Portugal, como banco central, tenha por atribuição a manutenção da estabilidade dos preços. Esse é, de resto, genericamente, com algumas nuances, o texto actual da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovado por proposta do PSD nos últimos anos, o que é elucidativo quanto à total concordância do PSD com esta formulação.
No entanto, abstivemo-nos por nos perecer que, de facto, conforme foi a seu tempo - e muito bem - detectado pelo Sr. Deputado Francisco Torres, há um ano ou dois surgiu um problema para Portugal relativamente a uma eventual desadequação do texto constitucional para com determinado tipo de compromissos internacionais. De resto, Portugal chamou a atenção das instâncias internacionais para o facto de a Constituição da República não ser de revisão automática ou a todo o tempo, pelo que ter-se-ia de esperar por uma revisão da Constituição para dela remover qualquer obstáculo que eventualmente contivesse.
Por essa razão, o PSD entende que a norma que acertou bilateralmente com o Partido Socialista e que com ele apresentou em comum remove para sempre qualquer tipo de obstáculo desta natureza que venha a colocar-se amanhã.
Como o Sr. Deputado Calvão da Silva referiu, é uma norma profundamente flexível, que mantém a referência constitucional (aspecto que nos parece importante) ao papel e à instituição que é o Banco de Portugal como banco central nacional, mas que, à semelhança, por exemplo, do que acontece nas outras normas constitucionais, nomeadamente numa matéria tão importante como a do serviço militar, opta, na prática, por uma desconstitucionalização para a lei ordinária, que em cada momento estará habilitada constitucionalmente para definir quais são as incumbências prioritárias do Banco de Portugal, designadamente face à legislação portuguesa ou a normas internacionais a que o Estado português decida vincular-se voluntariamente em cada momento histórico.
Essa parece-nos a solução mais adequada para que não volte a surgir um obstáculo deste tipo ao Estado português, No entanto, nunca poderíamos votar contra uma proposta que aponta como incumbência prioritária do Banco de Portugal algo que o próprio PSD entende - e verteu-o na lei actual - que deve ser actualmente o objecto principal do Banco de Portugal, ou seja, assegurar a manutenção e a estabilidade dos preços.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma declaração de voto sobre as duas propostas apresentadas.
Em primeiro lugar, quero manifestar o meu regozijo pela aprovação da proposta conjunta do PSD e do PS, que também votei favoravelmente, porque consubstancia uma alteração - para a qual chamámos a atenção em devido tempo - necessária para concretizar o objectivo da moeda única. Trata-se de uma alteração que só por lapso ainda não estava reflectida na letra da Constituição, mas já o estava no espírito da revisão constitucional de 1992, na Lei Orgânica do Banco de Portugal e na actual proposta de lei para o Banco de Portugal.
Penso que foi saudável ter aberto novamente a discussão deste artigo e que o debate que se gerou em termos de objectivos de política macroeconómica deve ser tido em sede de revisão constitucional, pois consagra o enquadramento dessa mesma política. De facto, esta redacção é suficientemente flexível para evitar - gostava de deixar isso muito claro, até porque fiz reparos sobre a anterior redacção - qualquer inconstitucionalidade ou inconsistência da nossa Constituição com o Tratado da União Europeia, com os Estatutos do Sistema de Bancos Centrais Europeus ou com a Lei Orgânica do Banco de Portugal.
Dito isto, explico também a minha posição quanto à minha própria proposta - de qualquer forma, julgo que era possível até ter excluído este artigo da Constituição.
É pena que não se tenha consagrado na Constituição um objectivo que era consensual entre os dois partidos que apresentaram esta proposta, indo-se pelo lado minimalista e mais flexível. Obviamente, estaremos sempre de acordo com os acordos internacionais, pois a lei do Banco de Portugal pode adaptar-se e, portanto, não haverá aqui problema algum. Porém, como disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, esse é um objectivo que está consagrado na Lei Orgânica do Banco de Portugal e o facto de não o termos consagrado de forma explícita na Constituição revela alguma dúvida quanto à certeza, ao empenhamento que temos, pelo menos da parte de alguns, quanto aos objectivos da estabilidade dos preços.
Devo dizer que, para mim, se torna mais difícil agora explicar aos cidadãos as vantagens da moeda única, porque dizemos, citando o Primeiro-Ministro e as várias interpretações que têm sido feitas nesta Câmara, que o objectivo

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económico da União Económica e Monetária, da moeda única, é o objectivo da estabilidade dos preços. Ora, ao não o consagrarmos na Constituição estamos a manter essa dúvida perante os nossos próprios cidadãos e agentes económicos.
Quero só acrescentar que, obviamente, consagrar a estabilidade dos preços no artigo 105.º não significa que o único objectivo da política económica é o da estabilidade dos preços mas, sim, que esse é o objectivo primordial do Banco de Portugal. Este não é o objectivo primordial da Constituição; mais do que isso, este não é apenas um objectivo de política monetária e financeira.
Como se vê, ao longo do último século e meio, mas sobretudo ao longo das últimas décadas, a independência dos bancos centrais do ciclo político, que não dos políticos, que não do controlo democrático… Sou um grande defensor do controlo democrático dos bancos centrais nacionais (quanto ao Banco Central Europeu terá de encontrar-se a uma solução, mas julgo que, sendo uma organização supranacional, terá de ser o Parlamento Europeu a fazer esse controlo), também do controlo dos parlamentos nacionais relativamente aos bancos centrais, mas esse controlo não é ingerência política e não tem a ver com a alteração da política para ganhar eleições, ou o que quer que seja.
Portanto, é um objectivo mais geral. Citando o Sr. Deputado José Magalhães, é um objectivo de organização da própria sociedade económica, muito cara a alguns países (aos Estados Unidos da América, ao Japão e à Alemanha) e cada vez mais cara aos consensos políticos que se foram gerando pelo mundo fora e não só na Europa.
Desse ponto de vista, tenho pena que esse objectivo, que é apregoado como consensual nesta Assembleia, não seja vertido na Constituição. De qualquer modo, regozijo-me, em primeiro lugar, pelo facto de ter havido esta discussão, por termos evitado qualquer inconsistência do artigo 105.º com os nossos objectivos em termos de participação na moeda única - esse aspecto está totalmente salvaguardado - e, em segundo lugar, pelo facto de se ter chegado a um consenso quanto à possibilidade de a Lei Orgânica do Banco de Portugal consagrar exactamente esse objectivo da estabilidade dos preços, de ele ser respeitado pela nossa Constituição, porque o artigo 105.º passa a respeitar a lei orgânica, que não só é proposta pelo Governo como vem à Assembleia da República para ratificação ou aprovação.
Parece-me essencial que estas discussões tenham lugar no Parlamento para que não haja uma menorização desta instituição relativamente ao enquadramento institucional, nomeadamente ao enquadramento da política monetária e financeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, também para uma declaração de voto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional do dia 3 de Junho de 1997 acabaram da pior maneira ao aprovarem a norma proposta conjuntamente pelo PS e pelo PSD. Ao fim e ao cabo, esta norma quer explicitar e consagrar constitucionalmente que o Banco de Portugal passa a ficar na dependência de uma entidade supranacional externa ao País, o Banco Central Europeu, no qual o Banco de Portugal não vai ter qualquer papel na colaboração para a definição e execução da política monetária.
Em relação ao Partido Socialista, nem sequer as declarações de hoje do governo sueco foram suficientes para, pelo menos, o sensibilizar para um pouco mais de reflexão sobre o que estava a propor. Aliás, verificou-se em toda esta matéria uma unidade de pensamento do Partido Socialista sobre a orientação de a prioridade da política monetária - é o que está subjacente e o que o Sr. Deputado Francisco Torres queria clarificar -, e logo, por decorrência, da política económica, ser a estabilidade de preços.
No PSD não se verificou essa unicidade de pensamento, houve algumas nuances, como há pouco referi, designadamente entre os Srs. Deputados Francisco Torres e Luís Marques Guedes, em termos da melhor inserção sistemática na Constituição da República Portuguesa desse princípio da estabilidade de preços.
Um outro tipo de nuance, essa já bastante mais diferenciada - permita-me que lhe faça essa justiça -, veio da parte do Sr. Deputado Barbosa de Melo. Como o Sr. Deputado Barbosa de Melo pôde constatar, e todos nós aqui presentes, nem os seus próprios colegas de partido foram sensíveis às suas reflexões e às suas dúvidas. De facto, a questão é apenas uma: a participação do banco central português, o Banco de Portugal, no Sistema Europeu de Bancos Centrais não quer dizer e não significa que tenha uma colaboração na definição e na execução da política monetária. Essa é a grande questão!
Uma coisa é participar no Sistema Europeu de Bancos Centrais, outra coisa é participar na definição das políticas que vão ser seguidas pelo Banco Central Europeu. Assim, Sr. Deputado Barbosa de Melo, entenderá que por essa razão os outros Srs. Deputados do PSD e os do PS não puderam ser sensíveis à sua argumentação.
Fundamentalmente, o que interessa é que o consenso que hoje se verificou aqui entre o PS e o PSD é mau para o futuro do País. É um dia negro para a revisão constitucional o dia 3 de Junho de 1997.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela nossa parte congratulamo-nos com o facto de se ter introduzido uma explicitação ou uma clarificação em relação ao Estatuto do Banco de Portugal. No dia 3 de Junho, o que a Assembleia da República se limitou a fazer, Srs. Deputados - é manifesto -, foi a reafirmar e explicitar o que se tinha dito em 1989 e em 1992.
As decisões foram tomadas, e foram-no de forma legítima, não são partilhadas por uma parte dos representantes do povo português na Assembleia da República, mas são partilhadas pela esmagadora maioria dos representantes do povo português e também, julgamos, pela esmagadora maioria do povo português. Na altura própria, o povo português será chamado a opinar, em referendo, sobre a construção europeia, como é orientação e compromisso do Partido Socialista nesta matéria, compromisso que, suponho, é largamente sufragado por outros partidos políticos.
Em segundo lugar, quero dizer que o Banco de Portugal vai participar - como já participa, de resto - no Sistema Europeu de Bancos Centrais. Francamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, recusamo-nos a ver o Banco de Portugal como menos do que os outros bancos centrais que participam nesse sistema. Pela nossa parte, não construiremos em sede de hermenêutica constitucional, de

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interpretação constitucional, nada que desvirtue, diminua ou menorize à partida a posição do Banco de Portugal. Não seremos nós, portugueses, a menorizar e a diminuir o papel que cabe aos representantes de Portugal e do Banco de Portugal no Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Essa é a forma através da qual Portugal pode, nas novas condições da União Económica e Monetária, intervir e influenciar a definição de decisões concretas da política monetária e financeira, evitando assim ser afastado e colocado fora dos centros de decisão - aí ele poderia talvez protestar -, onde poderia sofrer todas as consequências e não ter nenhum benefício da participação no sistema europeu tal qual está a ser desenhado.
Uma última menção, Sr. Presidente.
Por razões compreensíveis, o Partido Socialista tem acompanhado as decisões e discussões que estão a fazer-se neste momento a nível internacional, tem posições que são concretas e claras, não se sentindo, naturalmente, obrigado a mimetizar e reproduzir na Comissão para a Revisão Constitucional as posições de qualquer partido, uma vez que não deve obediência a ninguém que não aos seus próprios órgãos portugueses.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por concluídos os trabalhos de hoje. Vamos marcar a ordem de trabalhos para o dia de amanhã.
Relativamente ao nosso cronograma, e com algumas adaptações, marco para amanhã a apreciação dos artigos 107.º a 114.º. Concluiríamos, assim, se fosse possível, a organização económica e entraríamos na apreciação de mais três artigos da organização política. É esta a agenda indicativa para a reunião de amanhã, às 21 horas.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 10 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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Quarta-feira, 23 de Julho de 1997 3609

I Série - Número 99

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996=1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JULHO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos

Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.os 128 e 129/VII, do projecto de lei n.º 400/VII. do projecto de resolução n.º 62/VII e da proposta de resolução n.º 63/VII. bem conto de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado José Calçada (PCP) criticou o Governo pela não resolução dos problemas com que se confrontam as nossas comunidades de emigrantes e respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Luís (PS).
Sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) reclamou pelo tratamento da RTP, no seu espaço TV Regiões, ao dar assinalável destaque a uma intervenção feita por um Deputado do PS onde foram abordados temas do distrito de Viana do Castelo. ignorando a posição de Deputados do PSD sobre a mesma matéria, e pela falta de rigor informativo daquele órgão de comunicação social.
A Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite (PSD) comentou notícias vindas a público sobre a não realização no nosso país, no ano presente, do Grande Prémio de Fórmula 1 e sobre o negócio entre o Estado e o Grupo Grão-Pará e transmitiu à Câmara que, caso a audição com o Sr. Ministro da Economia não for conclusiva, o PSD avançará com um pedido de inquérito, após o que respondeu aos pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Henrique Neto (PS) - que também defendeu a sua honra -, Lino de Carvalho (PCP), Jorge Ferreira (CDS-PP) e Nuno Baltazar Mendes (PS). Na sequência a Sr.ª Deputada Helena Roseta (PS) fez uma interpelação à Mesa.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 8l a 84 do Diário. Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 33.º, 96.º a 103.º. 105.º a 112.º e 115.º a 118.º).
Intervieram, a diverso título. os Srs. Deputados António Martinho (PS). Cruz Oliveira (PSD). Limo de Carvalho (PCP), João Corregedor da Fonseca (PCP). Roleira Marinho (PSD). Ferreira Ramos (CDS-PP). Francisco Torres (PSD), José Magalhães (PS), António Galvão Lucas (CDS-PP). Manuela Ferreira Leite (PSD). João Carlos da Silva (PS). Maria Eduarda Azevedo, Luís Marques Guedes e Álvaro Amaro (PSD), Jorge Lacão (PS), Nuno Abecasis (CDS-PP), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Natalina Moura (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Guilherme Silva (PSD), Medeiros Ferreira (PS), Mota Amaral e Carlos Encarnação (PSD), Arlindo Oliveira (PS), Azevedo Soares (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão era 1 hora do dia seguinte.

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3610 I SÉRIE - NÚMERO 99

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobao.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Areias Fontes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Taveira da Silva.
António Moreira Barbosa de Melo.

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23 DE JULHO DE 1997 3611

António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Domingos Dias Gomes.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custodio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucilia Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º5 128/VII - Estabelece o regime de exercício de direito do pessoal da polícia marítima (PM) e 129/VII - Altera o n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro (Lei dos Partidos Políticos), o n.º 4 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio (Lei Eleitoral do Presidente da República) e o n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 701: B/76, de 29 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 757/76, de 26 de Outubro (Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 400/VII - Elevação da vila de Valpaços à categoria de cidade (PSD), que baixou à 4.ª Comissão; projecto de resolu-

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ção n.º 62/VII - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1996 (Comissão de Assuntos Europeus); proposta de resolução n.º 63/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo para a Criação do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, assinado em Estocolmo, em 27 de Fevereiro de 1996.
Foram apresentados na Mesa, na reunião plenária de 15 de Julho de 1997, os seguintes requerimentos: ao Governo e ao Ministério da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Aires de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e à Câmara Municipal de Aljezur, formulados pelo Sr. Deputado José Reis; aos Ministérios da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Costa Pereira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Jorge Ferreira.
Por sua vez, o Governo respondeu, no dia 17 de Julho de 1997, aos seguintes Srs. Deputados: Roleira Marinho, no dia 30 de Julho de 1996 e na sessão de 6 de Fevereiro de 1997; Luís Sá, na sessão de 30 de Outubro de 1996; Carlos Zorrinho, na sessão de 6 de Novembro de 1996; Victor Moura, na sessão de 7 de Novembro de 1996; Lino Carvalho, nas sessões de 20 de Dezembro de 1996, 17 de Janeiro e 14 de Maio de 1997; Manuela Aguiar, na sessão de 8 de Janeiro e nos dias 15 de Abril e 20 e 27 de Maio de 1997; Miguel Macedo, na sessão de 21 de Fevereiro de 1997; Manuel Frexes, na sessão de 6 de Março de 1997; Bernardino Soares, nas sessões de 13 de Março, 23 e 24 de Abril e 18 de Junho de 1997; João Carlos Duarte, no dia 18 de Março de 1997; Rodeia Machado e Gonçalo Ribeiro Costa, na sessão de 19 de Março de 1997; Carlos Marta, na sessão de 20 de Março de 1997; Costa Pereira, Carlos Pinto, António Rodrigues, António, Filipe, Jorge Roque Cunha, Amândio Oliveira e Heloísa Apolónia; nas sessões de 16 e 30 de Abril e 8 e 21 de Maio de 1997; Filomena Bordalo, na sessão de 16 de Maio de 1997;
Gavino Paixão, na sessão de 28 de Maio de 1997; Isabel Castro, na sessão de 4 e no dia 17 de Junho de 1997; Manuel Moreira e Augusto Boucinha, na sessão de 11 de Junho de 1997.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os emigrantes portugueses continuam a merecer deste Governo do Partido Socialista uma atenção muito semelhante à que mereciam dos anteriores Governos do PSD. Queremos nós dizer que os nossos emigrantes continuam a ser demagogicamente utilizados - eu diria, despudoradamente manipulados - no âmbito da negociata PS/PSD em torno da presente revisão constitucional, e em termos tais que a questão conhecida como "o voto dos emigrantes" continua a fazer estragos dentro do próprio grupo parlamentar do partido que apoia o Governo e a levantar fundados protestos, e os mais sérios, não apenas dos comunistas mas de personalidades outras, das quais me permito citar Jorge Miranda e Gomes Canotilho.
Em contrapartida, e em paralelo com esta demagogia, o Governo continua, em termos de acção concreta, a mostrar o seu desrespeito pelos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo, prometendo, adiando ou avançando timidamente medidas eficazes e essenciais em matérias como o funcionamento dos serviços consulares, o ensino da língua e da cultura portuguesas, o apoio ao movimento associativo e a valorização efectiva do Conselho das Comunidades como órgão democrático e representativo.
Os Governos do PSD tomaram as medidas que bem se conhece relativamente aos nossos emigrantes - desde a alteração das "contas poupança-emigrante" ao aumento do imposto sobre os respectivos juros, desde a extinção do antigo Conselho das Comunidades à redução de verbas e professores para o ensino, desde a acumulação de milhares de processos de pedidos de bilhetes de identidade à extinção do Instituto de Apoio à Emigração e, deste modo, à extinção do apoio ao movimento associativo. É longo o rol de malfeitorias do PSD neste domínio, e de tal modo o é que reconhecemos não ser fácil ao PS igualá-lo em quase dois anos de Governo. Mas que se tem esforçado por isso, lá isso tem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, desde logo, o que se passa com as eleições realizada no passado dia 27 de Abril para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Como já tivemos ocasião de acentuar, nomeadamente junto dos nossos emigrantes, consideramos como muito positiva a própria existência do CCP enquanto órgão directamente representativo das comunidades emigrantes, tendo estas apresentado quase uma centena de listas às eleições, provenientes quer do movimento associativo, quer de independentes. O sistema utilizado, previsto na lei, parece-nos, neste domínio, o mais ajustado. Não agrada, evidentemente, àqueles que prefeririam um órgão "corporativizado" os mesmos que, autores da extinção pura e simples do anterior Conselho, vêm agora lamentar-se da elevada taxa de abstenção, como se a sua política de 10 anos nada tivesse a ver com isso.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas o Governo do PS tem igualmente, nesta questão particular da abstenção, uma elevada responsabilidade. Independentemente da necessidade de uma análise mais aprofundada das causas do fenómeno, é evidente para todos que o actual Governo do PS é, objectivamente, um dos principais responsáveis pelo grau que assumiu a abstenção: primeiro, pela ausência de uma campanha de esclarecimento motivadora e eficaz; depois, pela deficientíssima organização logística do processo; finalmente, pela insuficiente descentralização das assembleias eleitorais. Confundir causas e consequências pode contribuir para fazer esquecer as responsabilidades do Governo neste domínio, mas em nada contribui para a defesa dos interesses dos emigrantes e para a credibilização do seu órgão representativa, o CCP, e, a prazo, revelar-se-á como uma estratégia sem futuro.
Aliás, estando prevista para Setembro a realização na Assembleia da República da primeira reunião plenária do Conselho das Comunidades Portuguesas, é fundamental

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que este então se possa pronunciar sobre, os problemas com que estão confrontados os portugueses da diáspora sobre a política concreta deste Governo para com os emigrantes e, finalmente, sobre a absoluta necessidade de se consagrarem em sede do próximo Orçamento do Estado as verbas que permitam um funcionamento digno e eficaz do Conselho. Eis o repto que desde já aqui deixamos e, mais do que isso, é uma excelente oportunidade que o Governo não deve desperdiçar!
Na política de emigração do Governo do PS nada justifica que, a caminho de dois anos de governação, os actos continuem tão distantes das promessas eleitorais e do próprio Programa do Governo - com a honrosa excepção, reconheça-se, da eleição do CCP.
Na verdade, continuam a marcar passo a modernização e a informatização dos serviços consulares, nada se conhecendo do ambicioso "plano estratégico" a elaborar por um grupo de trabalho criado em Junho de 1996 no âmbito da Secretaria de Estado; da revisão do regulamento consular, o qual data de 1920, já nem se fala, sendo igualmente clandestinos os eventuais resultados apurados por um outro grupo de trabalho anunciado em Janeiro de 1996 pelo Sr. Secretário de Estado; os serviços de apoio social e jurídico nos consulados e em Portugal são praticamente inexistentes; mantêm-se as discriminações praticadas por vários governos de países onde vivem os emigrantes portugueses, sem que o Governo do PS intervenha com firmeza em sua defesa, sendo certo que a atribuição da chamada "cidadania europeia" não pode servir para silenciar cidadãos que, por esse facto, não deixam de sofrer os problemas específicos da sua condição de emigrantes, nem pode ser um caminho para estabelecer várias categorias de cidadãos e de emigrantes; continuam a manifestar-se graves problemas com as reformas da segurança social, decorrentes sobretudo da falta de coordenação entre Portugal e os sistemas de outros países, quando, para além disso, o Centro Nacional de Pensões demora dois a três anos para responder aos pedidos de informação sobre os tempos de desconto feitos em Portugal; a situação do ensino do português no estrangeiro não sofreu alterações para melhor; e no Instituto Camões prosseguem, no essencial, as indefinições herdadas do Governo anterior, com graves consequências para a promoção da língua e da cultura portuguesas e para o apoio cultural às nossas comunidades de emigrantes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Pelo seu dramatismo e pela situação-limite que objectivamente configura, a acção do Governo português relativamente ao repatriamento pelo. Governo dos Estados Unidos da América de emigrantes portugueses que neste país cumpriram penas de prisão por crimes de delito comum, a acção do Governo português, dizíamos, tem sido "exemplar". Exemplar pela inacção, exemplar pela subserviência, exemplar pela ineficácia, exemplar pelo legalismo! Esta maneira expedita que os Estados Unidos encontraram de resolver um problema que afinal é seu - como recentemente o reconhecia um congressista norte-americano, Sr. Frank Barney, quando afirmou que esses cidadãos "são fruto da sociedade (norte-americana), a qual tem por obrigação acolhê-los como aos demais cidadãos" -, está a criar um grave problema social nos Açores, pela dificuldade de acolhimento e integração de um elevado número de repatriados nestas condições, com poucos ou nenhuns laços com a sua terra de origem, com reduzido domínio ou total desconhecimento da língua portuguesa, com quase toda uma vida de permanência no seio da sociedade norte-americana, onde deixaram as respectivas famílias e onde, quantas vezes por razões de exclusão social, não adquiriram a respectiva nacionalidade. Temos vindo a tomar posição, no âmbito nacional e regional, sobre esta matéria. Ainda bem recentemente, aplaudimos e apoiámos uma iniciativa do Sr. Deputado Mota Amaral apresentada no quadro desta Assembleia da República. Sabemos que o assunto é delicado, mas não aceitámos que o Governo, para ocultar as fragilidades e convivências já atrás denunciadas, construa um cenário completamente fictício de acordo com o qual "o segredo é a alma do negócio". Porque, desde logo, não estamos perante um qualquer "negócio"; depois porque, mesmo que aceitássemos a bondade dessa tese, os resultados objectivos desse "negócio" têm vindo a revelar-se desastrosos! O "sucesso" do Governo português relativamente ao problema dos emigrantes repatriados não é no essencial muito diferente do seu "sucesso" relativamente aos problemas da generalidade dos nossos emigrantes. Trata-se, apenas, de uma questão de grau e, infelizmente para Portugal e para os nossos emigrantes, as situações-limite põem claramente a nu a ineficácia e a falta de vontade política do Governo do PS no sentido de dar um contributo sério para a solução progressiva dos reais problemas com que se confrontam as nossas comunidades de emigrantes!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Calçada, em primeiro lugar, quero cumprimentar V. Ex.ª pelo facto de ter trazido a este Plenário um problema relacionado com as comunidades portuguesas, aliás, como tenho feito a todos os Srs. Deputados que trazem a este Hemiciclo este problema.
Mas permita-me, Sr. Deputado, que discorde da sua intervenção, na medida em que, se quisermos fazer uma radiografia daquilo que já foi feito em 18 meses de governação, poderemos ter, com dados concretos, uma visão bem diferente, e isso é já sentido no terreno pelos nossos compatriotas, desde logo no que diz respeito à emissão dos bilhetes de identidade. Como V. Ex.ª sabe, a simples emissão de um bilhete de identidade demorava, em média, entre dois a três anos e hoje, se o processo estiver devidamente organizado, demora 30 a 40 dias, pois criou-se, para o efeito, um centro emissor no próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também como V. Ex.ª sabe, o Instituto Camões, hoje, não tem as mesmas competências das do Governo anterior: foi separado o ensino primário e secundário e remetido ao Ministério da Educação e têm sido colmatadas as lacunas que existiam, como, por exemplo, o facto de durante cinco anos não haver um coordenador de português em França, sendo França o país de maior acolhimento de professores e onde, em 10 anos, o PSD suprimiu 350 postos de professores. Ora bem, neste momento, há cerca de 115 professores e já existe um coordenador!

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No que diz respeito à reestruturação consular, na Suíça, por exemplo, onde há uma grande expressão das comunidades portuguesas, criou-se um novo consulado na área de Sion, colmatando as graves lacunas e deficiências que existiam nessa área.
Quanto ao novo Regulamento Consular - o actual data de 1920/22 - está pronto e entrará em vigor muito proximamente.
Porém, a grande novidade é, sem dúvida, a eleição democrática e universal dos conselheiros das comunidades portuguesas. O Governo anterior, através do Decreto-Lei n.º 101/90, governamentalizou, nomeou os conselheiros das comunidades portuguesas. E o que é que nós fizemos? Qual foi uma das nossas prioridades? Com o seu contributo extremamente positivo e por isso tive oportunidade de cumprimentá-lo e saudá-lo e mais uma vez o faço, fomos ao encontro de uma legítima aspiração dos emigrantes, que queriam ter os seus representantes através de um acto democrático e sincero, em que a eleição se pudesse rever como um acto autêntico e democrático. E foi isso que aconteceu. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, através do sufrágio directo e universal, procedeu-se à eleição dos conselheiros, que nos próximos dias 8, 9 e 10 terão aqui o seu 1.º Congresso.
Sem dúvida que todos os contributos para uma política global da emigração são bem-vindos, venham eles de que bancada vierem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Luís, o senhor coloca alguns problemas com os quais estamos em consonância, como sabe. Tive ocasião de dizer da tribuna que, mau grado a fraquíssima política para a emigração desencadeada pelo actual Governo socialista - e tive ocasião de apontar alguns elementos que comprovam o que acabei de dizer - estávamos de acordo, como é evidente, com a existência do Conselho das Comunidades. O próprio facto da sua existência é em si mesmo positivo, o próprio facto de ter fundamentalmente uma raiz democrática é também positivo, mas não podemos esgotar aí as questões.
Assim, vou colocar-lhe duas questões muito claras, que é fundamental trazer neste momento à colação. Primeira, na 1.ª semana de Julho, em deslocação à África do Sul, o Sr. Secretário de Estado José Lello foi solicitado no sentido de receber um grupo de jovens emigrantes que lhe queriam colocar questões específicas. Pois bem, não conseguiram ser recebidos no primeiro dia, nem no segundo, nem no terceiro, nem no quarto e só conseguiram ser recebidos no quinto dia porque fizeram uma manifestação no aeroporto de Joanesburgo, perante a qual o Sr. Secretário de Estado José Lello, que, aliás, nisso é hábil, fez uma exploração mais ou menos populista, até creio que pegou num dos cartazes da manifestação, mesmo ao estilo do Deputado José Lello, mas depois deu o que deu. Sr. Deputado Carlos Luís, as coisas não se resolvem desta maneira!
Mais um outro dado: o Sr. Secretário de Estado José Lello ontem, se não estou em erro, ou anteontem no Brasil, em contacto com elementos eleitos para o CCP, disse que não havia verbas para ninguém no âmbito do Conselho e as comunidades é que teriam de se 'desenrascar' no sentido de elas próprias se autofinanciarem.
A questão que coloco é esta: está ou não o Governo disposto a disponibilizar uma verba específica, no quadro do Orçamento do Estado, de modo a dar um funcionamento digno e eficaz ao Conselho das Comunidades Portuguesas?
Eis uma questão concreta que aqui lhe deixo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, tem procurado V. Ex.ª que os assuntos tratados no Plenário da Assembleia da República mereçam um tratamento equitativo pelos diversos órgãos de comunicação social.
Acontece que na sessão da passada quinta-feira foram aqui abordados temas do distrito de Viana do Castelo por um Sr. Deputado do Partido Socialista que, de algum modo, os Deputados do PSD, eleitos pelo distrito de Viana do Castelo, contestaram e questionaram.
Pois bem, para espanto nosso, a RTP. no seu espaço TV Regiões, deu assinalável destaque àquela intervenção do Partido Socialista, ignorando a posição dos Deputados do PSD que repunham a verdade dos factos abordados, acrescida de que as diferentes intervenções ao longo da presente legislatura que os Srs. Deputados do PSD têm aqui abordado foram sempre silenciadas.
Assim, Sr. Presidente, através de V. Ex.ª, reclamamos pelo tratamento tendencioso que a RTP fez daquela intervenção, pela falta de rigor informativo daquele órgão de comunicação pago pelos portugueses e pelo tratamento desigual dado aos Deputados do PSD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registado o seu protesto. Como já tenho dito, não tenho a menor possibilidade de interferir na maneira como os órgãos de comunicação social se orientam no tratamento das notícias. Aliás, creio que não há ninguém nesta Sala que não possa, em determinado momento, ter uma queixa igual àquela de que o senhor se faz portador.
Em todo o caso, temos a Alta Autoridade para a Comunicação Social à qual o Sr. Deputado se poderá dirigir e, aí sim, encontrar acolhimento para o seu protesto.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vieram ontem e hoje a público notícias sobre o Grande Prémio de Fórmula 1 e sobre o seu associado negócio da Autodril que me merecem dois comentários.
Em primeiro lugar, sobre a realização do Grande Prémio de Fórmula 1. Há dois meses, nesta Assembleia, questionei o Ministro da Economia, num debate sobre turismo, quanto à possibilidade que ele tinha de nos garantir que estava assegurada para este ano a realização do Grande Prémio de Fórmula 1.
Como penso que todos os Srs. Deputados se recordam, o Ministro da Economia respondeu de forma inequívoca, porque à pergunta respondeu "sim". Ora, penso que o significado da palavra "sim" para o Ministro da Economia deve ser igual ao que é para todos os portugueses.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Contudo, hoje foi anunciado e declarado oficialmente que este ano o Grande Prémio de Fórmula 1, que se realizou em Espanha, não vai ter lugar em Portugal.

Vozes do PSD: - É lamentável!

A Oradora: - Isto quer dizer que o Ministro da Economia veio a este Parlamento garantir aquilo que não podia ser garantido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É mentira!

A Oradora: - Sr. Deputado, essa sua excitação resolve-se bem: basta reler a acta dessa sessão!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - É mentira! A senhora é que tem de ler a acta!

A Oradora: - Significa isto, Srs. Deputados, que não se realiza em Portugal o Grande Prémio de Fórmula 1 este ano e que isso se fica a dever, exclusivamente, à incúria e ao desleixo por parte deste Governo.

Aplausos do PSD.

Porque, Srs. Deputados, não nos venham dizer que o que falta são contratos, são acordos, são negócios, porque, durante mais de 10 anos, sem que o Autódromo fosse propriedade do Estado, sem que houvesse qualquer outra espécie de negociação, o Grande Prémio de Fórmula 1 sempre se realizou em Portugal. Com certeza com muitas tarefas e com muitos, no entanto, com todo o empenho e toda a competência do Governo do PSD, tendo-se sempre conseguido que o Grande Prémio de Fórmula 1 fosse realizado no nosso país.

Aplausos do PSD.

E porque isto tinha sido uma conquista clara do PSD, uma das tais heranças que o nosso governo lhes deixou, o PSD deixa hoje aqui a sua censura clara pelo facto de Portugal ter perdido o Grande Prémio de Fórmula 1, tão importante para o desenvolvimento turístico do País e para um dos pontos essenciais do desenvolvimento económico do País.

Aplausos do PSD.

O segundo comentário que me merecem as últimas notícias que têm vindo a público tem a ver com o negócio entre o Estado e o Grupo Grão-Pará.
Na verdade, temos estado preocupados com o conteúdo desse contrato. De resto, nós já nos pronunciámos sobre as dúvidas legais e morais que esse contrato nos suscitava,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... mas aquilo que nos causou uma enorme preocupação foram as declarações ontem feitas por um Secretário de Estado, Secretário de Estado esse que, ainda por cima, assinou esse contrato e que sobre ele disse coisas verdadeiramente espantosas.

O Sr: Miguel Macedo (PSD): - Notáveis!

A Oradora: - Primeiro ponto: disse o Sr. Secretário de Estado que este negócio é duvidoso para o Estado. Imagine-se: se é duvidoso para o Secretário de Estado, que o assina, o que fará para nós, que vemos simplesmente a assinatura?

Aplausos do PSD.

Depois, disse o Sr. Secretário de Estado que podemos estar perante um "elefante branco". Bom, se estamos perante um "elefante branco", o Sr. Secretário de Estado e o Governo vão ter de explicar ao País por que motivo anda a querer adquirir "elefantes brancos".

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Disse, ainda, o Secretário de Estado que não foram feitas avaliações suficientes, porque o importante era resolver o problema. Pergunto: qual problema é que o Sr. Secretário de Estado resolveu? Não resolveu, com certeza, o problema do Grande Prémio de Fórmula 1 de 1997, porque já está dito que este não se realizará.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exacto!

A Oradora: - Não resolveu também a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 nos próximos anos, porque não está em lado nenhum garantido que esse prémio se vai realizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E, Srs. Deputados, dão-nos com certeza o benefício de considerar que temos toda a legitimidade para duvidar do que é que vai acontecer, se há dois meses fomos enganados nesta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Com estes precedentes, nunca se sabe!

A Oradora: - Mais, o Sr. Secretário de Estado afirmou ainda uma outra coisa absolutamente espantosa: é que talvez tudo isto tenha de vir a ser renegociado a prazo.
Quer dizer: resolve o problema, aparentemente, durante o seu reinado e os próximos que vierem que resolvam como entenderem.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já que os anteriores não o resolveram!

A Oradora: - Não resolvemos, Sr. Deputado?!... Então, o senhor vai negar perante a Assembleia e perante o País que nunca houve Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal? Sempre houve!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Negociado ano a ano!

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A Oradora: - À custa do nosso trabalho, da nossa negociação e do nosso empenho.

Aplausos do PSD.

Portanto, as afirmações do Sr. Secretário de Estado, que, mais uma vez, reafirmo e relembro, assinou o contrato, são de uma gravidade extrema, porque o Sr. Secretário de Estado.- aliás, não sei se já apercebeu disso - está a trabalhar com dinheiros públicos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Não está a tratar dos dinheiros dele! O Governo não tem dinheiros dele, trata com dinheiros públicos e, nessa tramitação de dinheiros públicos, há que ter cuidados adicionais que, pelos vistos, não são compatíveis com a ligeireza com que este contrato foi assinado, o que, aliás, foi confessado pelo próprio Secretário de Estado ontem a um órgão de comunicação social público.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Srs. Deputados, queremos já afirmar o seguinte: nada nos move contra o grupo privado que fez este negócio contra o Estado;...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Vê-se! Vê-se!

A Oradora: - ... antes pelo contrário, quanto melhor ele for mais este grupo privado estará de parabéns.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, tudo nos move na censura a este Governo que actua com este desleixo, com esta ligeireza e, muito especialmente, com tanta falta de rigor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E com resultados desastrosos!

A Oradora: - O Sr. Ministro da Economia virá a uma audição parlamentar à Comissão da Economia, Finanças e Plano e esperemos que venha até ao final deste mês.
Esperamos que nessa audição fiquem esclarecidos muitos dos pontos que, neste momento, estão totalmente vagos, mas quero, desde já, transmitir que, caso a audição que o PSD vai fazer ao Sr. Ministro da Economia não for conclusiva e porque se trata de dinheiros públicos, avançaremos com um pedido de inquérito parlamentar sobre esta questão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Henrique Neto, Lino de Carvalho, Jorge Ferreira e Nuno Baltazar Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, o meu primeiro comentário é para a surpresa que me causa o enorme contentamento da sua bancada...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O incómodo, o incómodo!

O Orador: - ... expressa dessa maneira tão viva, o que dá a ideia, pelo menos é a minha interpretação, de que aos problemas essenciais do País - o Governo governa, faz o que deve fazer -, VV. Ex.as não têm críticas substanciais a fazer.

Protestos do PSD.

Quando existem faits divers, pequenas questões e pequenos problemas,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é uma crítica substancial!

O Orador: - ... a vossa bancada excita-se e faz este espectáculo dos pequenos problemas, das pequenas causas, das pequenas ideias, dos pequenos projectos, da pequenez, em resumo.

Protestos do PSD.

Por outro lado, V. Ex.ª não tem a mínima razão nem legitimidade...

Protestos do PSD.

Se os Srs. Deputados me deixarem falar, terei muito gosto em continuar...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que façam

silêncio.

O Orador: - ... para falar em rigor, porque aquilo que V. Ex.ª disse, se alguma coisa tem, é ausência de rigor.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro, quando aqui veio, disse uma palavra, não garantiu coisa alguma, porque não é possível garantir com uma palavra...

Protestos do PSD.

O Sr. Ministro disse "sim", ou seja, à questão colocada pela Sr.ª Deputada no sentido de responder "sim" ou "não", como se fosse num interrogatório de tribunal, o Sr. Ministro limitou-se a dizer "sim", não garantiu...

Protestos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah, "sim" não quer dizer "sim"!?...

Protestos do PS.

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro, provavelmente, mesmo no "sim", estava convencido de que se poderia realizar naquelas condições e naquele dia o Grande Prémio de Fórmula 1, entre outras razões, por garantias de um anterior Secretário de Estado do vosso partido, como é público.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso foi há dois anos!

O Orador: - Seguidamente, a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite falou de incúria e desleixo. Estou de

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23 DE JULHO DE 1997

acordo com V. Ex.ª: incúria e desleixo do Professor Cavaco Silva que, durante 10 anos, deixou apodrecer uma situação...

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Tenta tento! Tenha tento!

O Orador: - ... perfeitamente ilegal, de compadrio com a ilegalidade e com uma situação insustentável com obras de milhões de contos realizadas todos os anos, à última hora,...

Protestos do PSD.

... sem concursos públicos...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e o que este Governo está a fazer é a repor a legalidade que VV. Ex.as não repuseram durante 10 anos.

Aplausos do PS.

Devo dizer, para ser franco, que não sou um entusiasta deste acordo - não sou! -,...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - ... mas reconheço que, quando o desleixo preside à orientação do Estado durante tanto tempo, qualquer solução, a melhor das soluções, nunca é uma boa solução.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, disse V. Ex.ª que o Grande Prémio de Fórmula 1 sempre se realizou em Portugal durante o vosso tempo. É verdade! Com total desrespeito pelas empresas privadas, através de requisições, impostas a uma empresa privada,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - ... fazendo aquilo que no fundo, como VV. Ex.as sabem, não deveria de existir num Estado de direito democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, VV. Ex.as fazem o mal, não o corrigem e depois, quando alguém pretende, neste caso o Governo, que, segundo VV. Ex.as, não governa, não resolve os problemas, em circunstâncias difíceis, devido à situação degradada em que o assunto se encontra, encontrar uma solução ideal, quando finalmente resolve o problema, VV. Ex.as vêm dizer: "Ó da Guarda! Vamos para a Procuradoria-Geral, porque há aqui ilegalidades!".
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, ilegalidades, desleixo, incúria, foram provocados pelo Governo de V. Ex.ª durante todos estes anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Henrique Neto fez duas afirmações a que não posso deixar de reagir.
Em primeiro lugar, diz que o Governo não governa. Isso já todos nós sabíamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Confessado por si, tem alguma...

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Isso já cansa!

A Oradora: - Cansa, mas nunca é demais referir...

Vozes do PSD: - Exactamente!

A Oradora: - ... que é lamentável que o Governo não governe e que, quando toma alguma medida, seja para estragar. Realmente é melhor que não governe mesmo!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Mais, o Sr. Deputado, como Deputado da maioria, disse que não é um entusiasta deste acordo, o que significa que é contra ele.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que, se não é entusiasta, sendo da maioria...

Protestos do Deputado do PS Osvaldo Castro.

Ó, Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas então significa que os Srs. Deputados aqui apenas defendem aquilo de que gostam?! Eu também não gosto de Fórmula 1.

Vozes do PS: - Ah!...

A Oradora: - Fique a saber!
Mas, Sr. Deputado Henrique Neto, para além de ter dito que não é um entusiasta deste acordo, disse outra coisa que eu percebo de onde vem a sua posição. É que considera que isto é um faits divers! O Sr. Deputado diz que isto são pequenas questões, pequenas causas. O Sr. Deputado está realmente fora dos problemas, por exemplo, do sector do turismo. Mas o Sr. Deputado entende que o sector do turismo é um problema menor no nosso país e que a Fórmula 1 é um faits divers para o turismo!
Sr. Deputado, penso que não há ninguém ligado ao turismo que consiga perceber o que o senhor está a dizer, quando a Fórmula 1 era considerada a melhor propaganda turística que Portugal algum dia teve.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, o Sr. Deputado está verdadeiramente fora de tudo aquilo que é importante para este país.
Quanto à incúria e ao desleixo, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que cansa a questão de os senhores estarem sempre a referir o passado.

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O Sr. Henrique Neto (PS): - As dívidas existem do passado!

A Oradora: - As dívidas existem, mas o Estado fez um acordo com a empresa e, como a empresa não cumpriu, o Estado pô-la em tribunal. É a diferença entre nós e os senhores!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Se o Sr. Deputado acha que resolve os problemas desta matéria, em que envolvem perdões fiscais, em que o próprio Secretário de Estado considera que este documento é muito duvidoso, com esse discurso, que os senhores também já faziam quando se falou do "totonegócio"...
Mas há um ponto, Sr. Deputado, que eu não quero deixar de referir: é que nunca o PSD resolveria desta maneira este problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Henrique Neto pediu a palavra para defesa da honra pessoal. Ser-lhe-á dada no final do debate.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. que envolve! Deputada Manuela Ferreira Leite, permita-me que comece por cumprimentar o Sr. Deputado Henrique Neto pelo esforço visível que fez para defender o indefensável...

Risos do PSD.

... e para fazer sair o Partido Socialista, doente, de mais um embaraço em que está envolvido.
Sr. Deputado Henrique Neto, os meus parabéns por defender aquilo que aqui reconheceu não ser um defensor entusiasta!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Tem toda a razão!

O Orador: - Deputado oblige da maioria!

Protestos do PS.

Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, é mau que o Grande Prémio de Fórmula 1 não se realize, mas pior é que, a pretexto da realização do Grande Prémio, se tenha feito um contrato, um acordo de perdão de dívidas com um grupo privado, que é já considerado o escândalo do ano neste pais à beira-mar plantado.

O Sr. José Calçada (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Mau é que, a pretexto da realização de um Grande Prémio, que não se vai realizar, se faça um acordo de perdão de dívidas ao Estado por dação em pagamento de património, que não está avaliado, e de perdão de dívidas que o Estado reconhece não saber quais são, em troca de um património que vai receber e de que não sabe qual é o valor.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um escândalo, Sr. Deputado.
É certo que o PSD não está isento deste processo, na medida em que o deixou arrastar anos e anos, realizando Grandes Prémios sem haver um único contrato escrito neste país. Não estão isentos deste processo, Sr.ª Deputada. Mas o Partido Socialista fez "pior a emenda do que o soneto"! E mesmo que nós não conhecêssemos o texto do acordo que anda por aí a circular, por cada entrevista que se lê de um membro do Governo sobre esta matéria, o nosso espanto não tem limites, Srs. Deputados.
O Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas afirma que o Estado adquiriu um "elefante branco" e que não se conhecem as dívidas nem o valor do património e por isso o Governo optou por fazer coincidir as dívidas com o valor da Autodril.

Protestos do PS.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - E ele assinou!

O Orador: - O Sr. Deputado Henrique Neto afirma que é um pequeno problema. Só que, segundo as estimativas do Ministro Mateus, esse "pequeno problema" envolve 20 milhões de contos. Mas, segundo o Sr. Deputado, é um pequeno problema!...

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - 150 trabalhadores é o envolve!

O Orador: - E isto no momento em que este mesmo Governo envia a 160 000 pequenos contribuintes cartas para pagar o chamado IVA dos pequenos contribuintes.

Aplausos do PCP e do PSD.

Isto é, para os trabalhadores por conta de outrem, para o pequeno comércio e indústria, para os agricultores, é o rigor do fisco; para os grandes grupos económicos, são os favores e as benesses do Governo.
Alguém dizia, Sr.ª Deputada - e isto é mais um comentário que lhe peço do que uma pergunta que lhe faço, nos corredores da Assembleia, que o grande investimento que este grupo económico fez nos últimos anos parece ter sido o facto de a sua proprietária ter apoiado o Engenheiro Guterres nas últimas eleições.

Vozes do PCP: .- Muito bem!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em relação aos comentários que fez à minha intervenção e àquilo que a ela estava subjacente, quero dizer-lhe que considero que o que está envolvido neste negócio é bem superior àquilo que estava envolvido no "totonegócio", não só pelo montante das dívidas em causa como pelo facto de aqui haver apenas um beneficiário, enquanto que no "totonegócio" os beneficiários eram vários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - Por outro lado, também penso que, em relação ao "totonegócio", grande parte da população adora o futebol, mas duvido, a começar pelo Deputado Henrique Neto e mais outros Deputados da bancada, que tenham o mesmo amor por outro tipo de desporto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à referência que fez às culpas do PSD nesta matéria, quero dizer. Sr. Deputado, como já há pouco referi, que esta matéria está em tribunal. Nunca o PSD cedeu à facilidade de resolver este problema por via de um acordo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Teria sido fácil, mas uma coisa lhe garanto, Sr. Deputado Lano de Carvalho: é que nunca teria sido possível um acordo com o PSD nestes moldes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que temos a assistir aos nossos trabalhos, na bancada dos diplomatas, uma delegação de Deputados à Assembleia Nacional Francesa que hoje visitou o nosso Parlamento e, inclusive, reuniu com algumas comissões. Saudêmo-los.

Aplausos gerais, de pé.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, apenas para informar V. Ex.ª e, através de V. Ex.ª, esta Assembleia que o processo da Autodril com a Fórmula 1 começou por minha iniciativa, por um protocolo por mim assinado, enquanto presidente da Câmara Municipal de Cascais, na altura pelo PSD, e se esta Câmara vai investigar ou vai tentar saber tudo o que se passa em torno do actual acordo do Governo com a Autodril, eu, desde já, me coloco à disposição de todos os Deputados de todos os partidos para prestar esclarecimentos sobre qual foi a posição da Câmara Municipal de Cascais, entre 1983 e 1985, sobre esta matéria.
Mais: quero aqui esclarecer, através da Mesa, que na altura, pelas posições que tomei em nome da Câmara Municipal de Cascais, fui posta em tribunal, andei 12 anos a responder, fui absolvida de todos os processos, e o advogado que os moveu contra mim era, na altura, o presidente da distrital do PSD.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Fica registada a sua informação, Sr.ª Deputada.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou em sérias dificuldades para saber a quem e que pedido de esclarecimento formular. Isto porque se olharmos para trás - e ainda agora recebemos um belo
contributo da Sr.ª Deputada Helena Roseta -, talvez tivéssemos de começar por perguntar se o PCP está eventualmente arrependido de ter intervencionado as empresas e o Grupo Grão Pará.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi o PCP que nacionalizou a economia, que levou o Alentejo à miséria, que intervencionou tudo e o PSD, hoje, bate-vos palmas. Devem estar contentíssimos com isso, mas eu não estou.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Você não está contente com ninguém!

O Orador: - Ou talvez tivéssemos de perguntar ao PSD - aliás, o PSD ainda está no caminho do socialismo, votou isso na Constituição, deve ser por causa dos acordos que tem com o Partido Comunista! - por que é que, durante anos, desprezou alguns empresários portugueses e não desprezou outros, por que é que resolveu alguns problemas com alguns empresários portugueses e não resolveu com outros.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Ou talvez tivéssemos de perguntar se para o PSD há empresários portugueses de primeira e empresários portugueses de segunda e por que é o PSD fez acordos com alguns empresários e não fez com outros, a partir de uma flagrante injustiça que se praticou no nosso país - tenho esperança que os senhores ainda a condenem, mas já não digo nada! -, que foi a nacionalização geral da economia. Por que é que VV. Ex.as, durante anos, desprezaram este problema?
Ainda há pouco tempo, neste Plenário, ouvi a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite justificar, por exemplo, o acordo do caso Champalimaud com o argumento de que o Sr. Champalimaud tinha voltado a investir milhões e milhões de contos em Portugal!

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não ponho isso em causa, mas pergunto: e os outros?!

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Por que razão VV. Ex.as só se preocuparam em resolver um caso? Por que é que não olharam para todos?

O Sr. José Junqueiro (PS): - É estranho!

O Orador: - É evidente que o Partido Socialista, certamente baralhado com muitas coisas que lhe andam a acontecer, resolveu a questão "com os pés", como se costuma dizer em bom português.

Vozes do PS: - "Com os pés"?!

O Orador: - Exactamente, "com os pés", porque justifica um acordo desta natureza com a realização de uma prova desportiva que não vai acontecer. Também não avalia os bens públicos sobre os quais contrata: não sabe o que terá de dar nem o que vai receber! Digamos que a

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solução do problema está perfeitamente à altura das responsabilidades anteriores do PSD) e do Partido Comunista nesta situação. Estão todos bem uns para os outros.
Já que o PSD) fala demais no problema da não realização do Grande Prémio e de menos nos problemas verdadeiramente importantes da sociedade portuguesa, espero que não vejamos o PSD, na próxima sessão legislativa, lamentar que Portugal tenha deixado de ser campeão do mundo de júniores e acusar quem quer que seja de o "novo homem português" estar enterrado! Espero, repito, que não cheguemos a esse ponto!
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, gostava que V. Ex.ª me dissesse se não concorda que o tratamento dado pelos Governos do PSD ao caso Champalimaud deveria ter sido alargado a todos os empresários portugueses nas mesmas circunstâncias. É uma pergunta muito simples, Sr.ª Deputada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, começo por . cumprimentar o Sr. Deputado Jorge Ferreira pelo esforço que fez por falar sobre variadíssimas coisas menos sobre o assunto que eu aqui trouxe hoje.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jorge Ferreira, tenho alguma dificuldade em responder-lhe, porque, a despeito de o Sr. Deputado Henrique Neto ter considerado que este assunto é um faits divers, percebo que o Sr. Deputado também se solidariza com esse faits divers, porque se assim não fosse...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é!

A Oradora: - ... o senhor não teria arranjado outros temas, nomeadamente temas que já foram sujeitos a inquéritos parlamentares. E o Sr. Deputado veio agora, sobre um assunto diferente, falar do mesmo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Venho e virei!

A Oradora: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, eu disse, da tribuna, que nada nos movia contra este grupo privado. Se não ouviu...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mas parece que algo vos move!

A Oradora: - O Sr. Deputado, a despeito de ser defensor dos grupos privados, vai dizer aqui ao povo português, em primeiro lugar, se concorda que foi a incúria deste Governo que levou à não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal, evento tão importante para o turismo, como bem sabe,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - A Sr.ª Deputada sabe que isso é falso!

A Oradora: - ... e, em segundo lugar, se concorda com a ligeireza e com a falta de rigor que está subjacente ao acordo que foi feito.
Era sobre estas matérias que eu gostaria de o ter ouvido, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite não é normal interpelar-se o interpelante, mas, uma vez que pediu um esclarecimento, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, durante I minuto, para prestar o esclarecimento solicitado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado por me permitir usar da palavra.
Quero, de uma forma muito breve, descansar totalmente a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite com uma resposta simples: V. Ex.ª tem toda a razão, não tem é autoridade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, V. Ex. ª afirmou, da tribuna, que o Governo tinha garantido aqui a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 de 1997. Ora, desafio-a, de uma forma absolutamente clara, a reproduzir as palavras do Sr. Ministro da Economia quando aqui esteve.
Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, em resposta a um pedido de esclarecimento formulado precisamente por si, o que o Sr. Ministro disse foi algo completamente diferente. O Sr. Ministro afirmou que, do lado do Governo, estavam reunidas todas as condições para que o Grande Prémio de Fórmula 1 se realizasse em 1997 e que o resto dependia da FIA.. Foi isto que o Sr. Ministro afirmou!

Aplausos do PS.

V. Ex.ª mentiu, Sr.ª Deputada!

Protestos do PSD.

Tenho de dizer, quer os senhores gostem quer não, porque eu digo aquilo que entendo que devo dizer, que a Sr.ª Deputada não falou verdade! E se eu estiver enganado, a Sr.ª Deputada provar-me-á, se faz favor, com a reprodução das declarações do Sr. Ministro da Economia, em resposta a V. Ex.ª.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a Sr.ª Deputada também quis omitir outro facto da intervenção do Sr. Ministro da Economia, uma vez que o ouviu garantir que, na esteira do acordo que tinha feito com a FIA, o Estado português tinha assegurado a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 entre os anos de 1998 e 2003. Foi isso que o Sr. Ministro disse e não aquilo que a Sr.ª Deputada acabou por referir!

Aplausos do PS.

É importante que V. Ex.ª tenha isso em conta, porque estou a referir-me a factos.

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Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe, com toda a sinceridade, que não foi justa, pois sabia, até demais, que o Sr. Secretário de Estado Vitalino Canas não proferiu as declarações que V. Ex.ª lhe imputou e sabia, nomeadamente, do desmentido que o mesmo já havia feito ao jornal Público

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... esclarecendo que nunca afirmou que o negócio era duvidoso ou que se tratava de um "elefante branco".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E mesmo tendo conhecimento desse desmentido, ou não cuidando de saber se o Sr. Secretário de Estado o tinha feito, uma vez que a notícia era um título de jornal e nem sequer estava entre aspas, V. Ex.ª não se dispensou de atribuir ao Secretário de Estado afirmações que ele não produziu. Não podemos aceitar isso, Sr.ª Deputada!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado - e o que agora vou dizer não se destina apenas à Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite -, pode custar muito a alguns Srs. Deputados...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Os Srs. Deputados podem invocar os negócios e as tropelias que quiserem, mas o que é facto é que o Governo não perdoou uma dívida. O que fez, ao fim e ao cabo, foi aceitar uma dação em pagamento de determinados bens com referência a uma dívida. E tal não se deveu ao facto de a senhora em questão ou as pessoas que dirigem a Autodril terem apoiado quem quer que fosse no âmbito de quaisquer eleições ou de o Sr. Eng.º Guterres ou outros membros do Governo - e desafio-os a provar o contrário alguma vez terem sujado as mãos fosse no que fosse.
Os senhores são indignos quando aqui vêm tentar indiciar determinadas coisas que são, absolutamente, falsas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes disse que eu tinha mentido. Para eu ter mentido, o Sr. Deputado deve ter sonhado...

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Exactamente!

A Oradora: - De facto, o Sr. Deputado ou não esteve presente nesta Câmara, e eu vou fornecer-lhe uma cópia da acta dessa sessão,...

Vozes do PS: - Faça-o agora!

A Oradora: - ... ou sabe que o que perguntei ao Sr. Ministro da Economia era se estava garantida a realização do Grande Prémio de Fórmula 1 para este ano. O Sr. Ministro respondeu "sim" e eu fiquei agora a saber que o "sim" quer dizer "não"!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, sou forçado a recorrer a esta figura de defesa da consideração pessoal para lhe dizer que a normal e saudável luta política deve ter limites e que esses limites passam pela correcção que é devida a esta Câmara.

Vozes do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - Todos perceberam perfeitamente que eu não disse que o Governo não governava mas, sim, que eram VV. Ex.as que o afirmavam e, depois, atacavam o Governo quando tomava decisões. Isso era evidente, claro, por isso considero dispensável que, na normal luta política, repito, se usem métodos deste tipo, isto é, colocar na boca de parlamentares aquilo que eles não disseram.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, esta defesa da consideração pessoal é também, de alguma maneira, a defesa da consideração dos métodos políticos que aqui utilizamos, na medida em que V. Ex.ª afirmou que o Governo é o culpado pela não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal. Ora, o mais elementar bom senso, o mais elementar conhecimento da realidade deve levar a compreender-se que o Grande Prémio de Fórmula 1 se realizaria na propriedade privada de uma empresa privada, ou seja, não seria possível garantir, por um lado, e culpar, por outro, o Governo pela não realização do Grande Prémio de Fórmula 1 na propriedade de uma empresa privada.
Esta situação, como V. Ex.ª bem sabe, foi provocada pelo Governo da sua bancada, por isso o recurso a um conjunto de incorrecções, a fuga à realidade ou, se quiser, a fuga à verdade não deveria ser o método normal de trabalho nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente; Sr. Deputado Henrique Neto, como bem sabe, a última coisa que eu queria era atingi-lo na sua honra, mas também creio que tal não se verificou.
Concebo que o Sr. Deputado não tenha afirmado que o Governo não governa, e digo-o porque entendo que o senhor faz parte de uma concepção de Governo que julga que isto é governar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, faço-lhe essa justiça.

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No entanto, o Sr. Deputado afirmou que não era um entusiasta deste acordo, e essa parte foi por mim referida, realmente.
Quanto ao resto, designadamente que estávamos a querer fazer um empreendimento numa empresa privada, numa propriedade privada, queria apenas recordar que no ano passado, com este Governo, o Grande Prémio de Fórmula 1 esteve a cargo de uma empresa privada, numa propriedade privada. No futuro, não sabemos se vai ter lugar numa propriedade pública nem sabemos onde! Pelos vistos, de acordo com o Secretário de Estado, que o assinou, será feito num "elefante branco"!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.os 81 a 84 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 12, 18, 19 e 20 de Junho próximo passado.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos, agora, prosseguir com a apreciação das alterações à Constituição, sendo certo que o primeiro artigo a ser apreciado é o artigo 96.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, se me permite, vou referir-me ao artigo 96.º e 100.º, em conjunto.

O Sr. Presidente: - Refira-se aos que quiser, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.- e Srs. Deputados: As alterações que agora são introduzidas à Constituição em matéria de política agrícola e de desenvolvimento rural mostram-se, em meu entender, ajustadas e oportunas. Poucas em número, é certo - talvez não se justifique ir mais longe -, mas adequadas ao momento actual, que reclama a sua introdução.
Na verdade, preocupações como "o reforço da competitividade, assegurar a qualidade dos produtos e a sua eficaz comercialização", integradoras dos objectivos da política agrícola, demonstram uma nova perspectiva no que respeita à agricultura, à sua importância e ao seu papel na economia nacional.
Mas quando se especifica na Constituição que à política agrícola tem também como objectivo "o desenvolvimento do mundo rural" está a reconhecer-se uma realidade que é a da estreita ligação entre mundo rural e agricultura. É que, por vezes, corre-se o risco de se aceitar pacificamente, como muito normal, que possa haver, alguma vez, mundo rural sem agricultura.
Vem a propósito lembrar a introdução no artigo 91.º, relativo a "Objectivos dos planos", o objectivo, novo, de "os planos de desenvolvimento económico e social" passarem a ter por objectivo, também, a defesa do mundo rural. Se outros motivos não houvesse para considerar positiva a inclusão deste objectivo, a sua adequação à Declaração de Cork da Conferência Europeia sobre o Desenvolvimento Rural constituiria uma razão suficiente. Nela se considera "o desenvolvimento rural sustentado" uma prioridade. É-o, nesse documento, para a União Europeia, é-o também, agora, em termos constitucionais, para Portugal.
Merece também uma referência positiva a explicitação clara, no n.º 2 do artigo 96.º, de que o "Estado promoverá uma política (...) de desenvolvimento florestal". É o reconhecimento, na própria Constituição da República, do peso e da importância do sector florestal para a nossa economia, mas num quadro em que, convém acentuá-lo, se respeitam "os condicionalismos ecológicos".
No que ao artigo 100.º diz respeito, as alterações verificadas adequam o articulado às novas realidades, resultantes, elas próprias, da evolução que tem vindo a verificar-se, na sequência dos próprios condicionalismos a que a política agrícola está sujeita.
Por um lado, na alínea b), verifica-se o reconhecimento da importância da fileira económica e, de certo modo, da perspectiva interprofissional; a alínea c), por seu turno, integra o conceito de co-responsabilização na " cobertura de riscos resultantes dos acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis".
Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as alterações verificadas reconhecem e potenciam a realidade plural da agricultura portuguesa, contribuem para a coesão económica e social de todo o território nacional e têm presente que a função do agricultor é a de "produtor competitivo, prestador qualificado de serviços e protector activo da paisagem e do ambiente". Merecem, assim, a confirmação da nossa aprovação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 96.º, alínea a), a questão do desenvolvimento do mundo rural e da modernização do tecido empresarial é, objectivamente, das situações mais carentes que importava frisar na Constituição, relativamente ao desenvolvimento que se pretende imprimir na nova política agrícola e nos seus objectivos.
Melhorar as infra-estruturas, aumentar e incentivar a produção, melhorar os meios humanos, técnicos e financeiros sem melhorar e incentivar o reforço da competitividade, seria um esforço inglório, como se tem constatado na evolução e no desenvolvimento das nossas empresas agrícolas.
Não vale a pena ter só os melhores produtos, tais como o azeite, o vinho e a castanha, entre outros, sem ter canais eficazes de promoção e de informação, para impor a sua qualidade, reconhecida por todos, e igualá-los, em termos de competitividade, com os seus congéneres europeus. É isto que sentimos que iremos melhorar com a nossa contribuição e têm sido estes os objectivos do Governo anterior e do Partido Social Democrata, em termos de reforço da competitividade, da melhoria dos produtos agrícolas e da nossa própria política.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que, em sede de Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, obtiveram maioria qualificada neste título das "Políticas agrícola, comercial e industrial", embora não acolhendo a totalidade das propostas do PCP nesta matéria, de melhoria de alguns dos comandos constitucionais inscritos nestes artigos, traduzem-se em algumas benfeitorias da Constituição neste terreno, designadamente as do artigo 96.º, que estamos agora a analisar. Refiro-me, nomeadamente, às duas alterações relativas à introdução das políticas de desenvolvimento florestal e de desenvolvimento rural como objectivos da política agrícola e intimamente ligadas com ela.
São duas alterações positivas, em nosso entender, que resultam também de propostas que apresentámos em sede de debate da revisão constitucional, embora lamentemos que outras que tenhamos apresentado não tenham tido vencimento, designadamente a consagração, como um dos objectivos da política agrícola, do comando de o Estado criar as condições para a promoção da produção nacional e para assegurar um rendimento justo e mínimo para os agricultores.
Quando abordarmos o artigo 100.º, vamos ter oportunidade de voltar a este tema, designadamente à promoção da produção nacional, que obteve maioria, embora não qualificada de dois terços, na CERC. Pensamos que é uma questão importante e que não é incompatível com a inserção de Portugal numa economia de mercado aberta, mas que, por não ter obtido uma maioria de dois terços na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, sobretudo devido ao voto do PSD, implicará que a discutamos, novamente, aqui, e que a discutamos quando chegarmos ao artigo 100.º, com o apelo ao PSD para que até lá reconsidere o voto que assumiu na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca:

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentei uma proposta relativa ao artigo 96 º, com duas alíneas, e mantenho-a, para discussão e votação, no que se refere à alínea d).
Em primeiro lugar, entendo que a diversificação da produção da agricultura e a valorização dos produtos nacionais no mercado integram os objectivos constitucionais da política agrícola, tendo em conta as dificuldades criadas ao sector pela política desenvolvida pela União Europeia.
Mas também se propõe, em relação a esta alínea, quando se refere "Assegurar o uso e a gestão racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração", que já consta da Constituição, a introdução de um inciso, relativamente ao qual gostaria de saber se as restantes bancadas estarão de acordo, no seguinte sentido: "(...) tendo em conta a necessidade de salvaguarda dos valores ecológicos, culturais e humanos das populações no quadro do desenvolvimento rural".
Julgamos que esta proposta vai ao encontro das preocupações que deveremos manter neste campo e que são, realmente, compatíveis com as necessidades de salvaguarda dos valores que atrás referi.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem, para nós, sociais-democratas, um significado assinalável, explicitar e constitucionalizar normas que reforcem os "objectivos da política agrícola" e que encaminhem para o sector políticas que, levem à sua modernização e adaptação e contribuam para o reforço do tecido social, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento e apontam para a melhoria das condições de vida do mundo rural.
Assim, são de destacar as alterações introduzidas no artigo 96.º da Constituição, como sejam: "o reforço da competitividade", o assegurar "a qualidade dos produtos e a sua eficaz comercialização", como constava, aliás, do projecto de revisão constitucional do PSD.
Isto representa um significativo avanço naquilo que poderá contribuir para a melhoria do nível de vida dos agricultores e dos trabalhadores agrícolas e, por outro lado, ajudará a caminhar para uma maior autonomia dos que trabalham a terra, atingindo um melhor nível de produção e rendimento, de modo a inverter a tradicional situação de subsídio-dependência.
Por outro lado, acentua-se a vertente florestal no texto constitucional, com o inciso que passará a constar do artigo 96.º, n.º 2, " O Estado promoverá uma política de ordenamento, de reconversão agrária 'e de desenvolvimento florestal', de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do País".
A expressão "e de desenvolvimento florestal" transporta consigo a importância da floresta no contexto do mundo rural e da economia nacional, ao mesmo tempo que .estamos a proteger os recursos hídricos, a reforçar a produção, a promover a qualidade de vida, a aproveitar as potencialidades naturais, a estimular a competitividade, a potenciar uma riqueza que se entrelaça com outros recursos, todos eles envolventes da qualidade de vida das comunidades rurais e capazes de contribuirem significativamente para o seu desenvolvimento e para o desenvolvimento local e regional.
O património florestal, com o novo enquadramento constitucional, fica mais valorizado e mais protegido e, decerto, os valores multifuncionais da floresta e os ecossistemas passarão a constar das prioridades nacionais, levando a uma melhor integração das zonas rurais, ajudando a quebrar o seu isolamento, oferecendo mais e melhores condições e oportunidades àqueles que apostam em fixar-se nas zonas do interior, prioridades que sempre estiveram subjacentes à prática política do PSD.
Esta foi uma reflexão que ficou da discussão deste artigo na CERC e que muito se deve às posições defendidas pelo PSD, com a certeza de que o texto constitucional se enriqueceu com esta norma e se fixou um novo veículo de valorização do património florestal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 97.º.

Pausa.

Uma vez que ninguém pretende usar da palavra provavelmente ficou tudo implícito nas intervenções que tiveram lugar a propósito do artigo 96.º -, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 98.º.

Pausa.

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Uma vez que também não há inscrições, passamos à apreciação das alterações relativas ao artigo 99.º.

Pausa.

Parece que também ninguém pretende usar da palavra a propósito do artigo 99.º, pelo que passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 100.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP)-. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 100.º tem duas alterações de sinal contrário, duas aprovadas em sede de CERC por maioria qualificada e uma outra aprovada por maioria simples.
Quero começar por me referir a esta última, que tem a ver com um aditamento à alínea e) do artigo 100.º, "Auxílio do Estado", mediante a qual se propõe que, para além daquilo que está hoje constitucionalmente definido, o apoio do Estado também compreenda o apoio à racionalização dos circuitos de comercialização e à promoção da produção nacional. Esta proposta não obteve, em sede de CERC, maioria qualificada e não compreendo verdadeiramente porquê, na medida em que este texto não colide em nada nem com o funcionamento das instituições de mercado na economia, nem com a inserção de Portugal no quadro europeu. Pelo contrário, tendo em conta esse contexto, uma norma constitucional que propõe que aquele que é o apoio do Estado compreenda também a racionalização dos circuitos de comercialização e o apoio à promoção da produção nacional é um instrumento que o Estado pode usar no apoio à agricultura nacional e a aspectos da fileira agroalimentar, no contexto da inserção comunitária e da concorrência em mercados abertos em que estamos envolvidos. A racionalização dos circuitos de comercialização e a promoção da produção nacional são factores essenciais para o reforço da competitividade da nossa agricultura tanto a nível do mercado interno como a nível dos mercados externos. Esta alteração foi aprovada por maioria simples em sede de CERC e não vemos, sinceramente, razão para que esta maioria simples não se transforme aqui, no Plenário, numa maioria qualificada de dois terços que permita a inserção desta norma na Constituição da República Portuguesa como um novo comando constitucional.
Já o mesmo não diremos, infelizmente, das alterações propostas para as alíneas b) e c) do n.º 2 deste mesmo artigo. Essas alterações fragilizam e diminuem os imperativos dados ao Estado no que toca às actuais formulações. É que hoje, imperativamente, o apoio do Estado compreende, designadamente, entre outros: "Apoio de empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e a jusante da produção" e "Socialização dos riscos resultantes dos acidentes climatéricos (...)". É disso que se trata, quando se aprovou há tempos o Seguro Agrícola e o Fundo de Calamidades, é isso que está na Constituição da República Portuguesa. Portanto, substituir este comando por "Apoio à cobertura de riscos" é contraditório com a própria legislação que tem vindo a ser aprovada e não está de acordo com a regra no sector, que é a socialização dos riscos por via das relações contratuais feitas no campo dos seguros agrícolas e dos fundos da calamidade criados nesta matéria.
Repito, Sr. Presidente, se esta alínea b) do n.º 2 piora a actual redacção constitucional, bom seria que, no que toca à nova alínea e), aprovada por maioria simples na CERC, se pudesse traduzir em sede de Plenário pela sua aprovação por maioria qualificada.
É este o apelo que aqui deixamos aos grupos parlamentares que não contribuíram para a maioria qualificada na CERC.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a este artigo, o Partido Social Democrata continua a defender - e já o fez com veemência aquando da discussão na CERC - a proposta de substituição da alínea b) do n.º 2, ou seja, "Criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção" - é um sentido adequado da política agrícola apoiar a comercialização -, dado que assim abrange todas as empresas que se dedicam efectivamente à produção agrícola, quer a montante quer a jusante.
Por outro lado, é óbvio que temos que assumir o abandono da política do apoio financeiro a todas aquelas empresas que orbitam à volta do Estado. Queremos deixar esta questão bem vincada, porque se o objectivo é, tal como nos artigos 96.º e seguintes, a revitalização do mundo rural, então, o mundo rural faz-se com todas as empresas agrícolas, com todos os agricultores e cada vez mais eles se sentem menos obrigados a sobreviver com as empresas públicas e até do próprio Estado, ainda a vigorar no sector.
Portanto, uma das prioridades que o Partido Social Democrata defende é a criação de formas de apoio à comercialização a montante e a jusante da produção, visando objectivamente uma abrangência total para as empresas agrícolas, para os agricultores em particular, mas omitindo ou diminuindo esse esforço para as empresas públicas e mesmo para as cooperativas de comercialização.
Relativamente à proposta de substituição da alínea c) do n.º 2, tal como se acabou de referir, o Partido Social Democrata entende que a socialização dos seguros tem que ser substituída pela criação de seguros subsidiada, cada vez mais abrangente e cada vez mais de interlocução com os próprios pares, que neste momento são as entidades representativas dos agricultores e que nos podem apoiar e dar informação relativamente a estas questões.
Assim, numa lógica de defesa do próprio Estado, se a socialização obrigava as empresas seguradoras a, de alguma forma, receberem do próprio Estado verbas que lhes garantissem efectuar esses seguros com custos mínimos, a partir de agora há uma maior responsabilidade das partes por forma a que estes seguros venham a ser efectuados com os mínimos custos para o Estado, mas com o máximo de representatividade por parte dos agricultores.
É esse o objectivo e é por isso que o Partido Social Democrata entende que com a aprovação destas duas propostas de substituição fica assegurada a vontade de melhorar e revitalizar o mundo rural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cruz Oliveira, se é verdade que o Partido Social Democrata apoia e defende o apoio à comercialização,

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se também é verdade que votou contra uma proposta do Grupo Parlamentar do PCP, não lhe parece que há aqui uma incongruência entre as propostas que defenderam recentemente aquando do debate, na especialidade, de uma proposta de lei do Governo e o que afirma agora, neste Plenário?
Não considera que a racionalização dos circuitos comerciais, formas de apoio à concentração de oferta, e a promoção da produção nacional face a um mercado aberto, seriam formas bem interessantes, bem positivas de apoiar a produção nacional e, no fundo, a agricultura nacional?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Oliveira, para responder.

O Sr. Cruz Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, relativamente ao que acabou de dizer, quero tranquiliza-lo, porque objectivamente não existe nenhuma duplicidade de pensamento, nem das pessoas em causa, nem do Partido Social Democrata. Devo dizer-lhe que, tendo em conta a experiência anterior, constatámos que a racionalização dos circuitos de comercialização é, de alguma forma, de recear. O mesmo já não acontece com o apoio e o incentivo à produção, quer a montante quer a jusante da produção. O PSD votou contra a proposta do PCP precisamente pela inclusão da racionalização dos circuitos comerciais, pelas razões atrás expostas pelo meu companheiro que estava na CERC, pelas que aduzi e por outra que objectivamente lhe quero transmitir, a finalizar. É que a racionalização dos circuitos comerciais em termos dos mercados agrícolas mais desenvolvidos não tem dado o efeito que se pretende e algumas das etapas que queremos correr também nos levam a ter alguma cautela e algum bom senso.
Em suma, não existem questões políticas de fundo, mas experiência assumida, com a racionalização nos restantes mercados da União Europeia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 101.º.
Não havendo inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 102.º.

Pausa.

Como também não há inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 103.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular intervém na discussão deste artigo, o último artigo do Título III - "Políticas agrícola, comercial e industrial", no sentido de fazer menção à nossa proposta de eliminação de todo este título por ser nosso entendimento que a definição dos objectivos das políticas referidas não deveria constar do texto constitucional. Esta nossa opinião e esta nossa posição levaram-nos - e aproveitamos para fazer a justificação do nosso sentido de voto na CERC - a votar a maior parte das propostas no sentido da abstenção sendo certo que teremos que reconhecer que as alterações introduzidas, na maioria dos casos, conduzem a uma desprogramatização e à retirada de alguns conceitos anacrónicos ainda existentes ao longo de todo este Título III.
Ou seja, e numa palavra, achamos que houve uma evolução positiva nas alterações introduzidas, mas pensamos que a Constituição da República Portuguesa não deveria conter qualquer definição ao nível das políticas agrícola, comercial e industrial, que deveriam ser feita através de lei ordinária com a maleabilidade que tal facto confere à própria velocidade destas actividades e à necessidade que por vezes se sente de intervir e de alterar matérias que assim ficam rigidamente fixadas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 105.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração do artigo 105.º é, a meu ver, fundamental em termos da consagração do novo regime macro-económico a que vimos chegando em consenso parlamentar.
De facto, dado o consenso parlamentar explicitado na Resolução de 13 de Fevereiro sobre a moeda única, não fazia mais sentido ficar refém da letra da Constituição de 1992 no que se refere ao seu artigo 105.º - "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora na definição e execução das políticas monetária e financeira e emite moeda, nos termos da lei". Era necessária uma redacção consentânea com o espírito da alteração constitucional resultante do novo regime macro-económico em que vivemos desde Dezembro de 1992.
Como defendi em Dezembro de 1995 aquando da ratificação pela Assembleia da República da nova Lei Orgânica do Banco de Portugal, que consagra a estabilidade dos preços como objectivo primeiro das autoridades monetárias e que, por isso mesmo, levantou dúvidas quanto à sua constitucionalidade por parte do PP e do PCP, era já esse o espírito da revisão constitucional de 1992.
Simplesmente, pelo facto de nessa altura ainda não estar totalmente materializada a mudança de regime e, mais do que isso, por não existir ainda um claro consenso, tanto no Governo como na oposição, quanto aos objectivos da política macroeconómica, a revisão da Constituição não reflectiu em nada as mudanças operadas. A minha proposta de alteração do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa feita em Dezembro de 1995 também não foi tida em conta por ter sido considerada "politicamente inoportuna" e por isso este artigo não foi discutido aquando da primeira leitura na CERC.
Não deixei, no entanto, de insistir no facto de que o espírito da última revisão constitucional e, sobretudo, o espírito do mais recente consenso quanto aos objectivos da política monetária e da política económica em geral fossem traduzidos na letra da presente revisão.
Em primeiro lugar, porque a letra deve corresponder ao espírito da lei. Essa seria, aliás, uma das principais, senão a principal, alteração constitucional em matéria económica na actual revisão.
Em segundo lugar, a defesa de uma nova redacção para o artigo 105.º visava também evitar que uma eventual inconsistência da letra da Constituição da República Portuguesa ao Tratado de Maastricht pudesse servir como argumento formal para a exclusão de Portugal da 3.ª fase da União Económica é Monetária. Sublinho "em segundo

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lugar", sobretudo agora que essa possibilidade já foi devidamente afastada pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Aliás, nunca tive dúvidas de que a discussão do artigo 105.º seria reaberta e que a CERC aprovaria a sua alteração.
Quero, no entanto, registar aqui a cooperação do anterior Presidente da CERC, Dr. Vital Moreira, para voltar a abrir à discussão um artigo sobre o qual não tinha sequer versado a primeira leitura da Constituição e quero, igualmente, salientar o espírito de abertura do actual Presidente da CERC, Deputado Jorge Lacão, ao convidar-me para a sua discussão na segunda leitura.
Registo, no entanto, com pena, que nesta matéria o consenso se ficou apenas a dever à possibilidade de exclusão de Portugal no exame sobre as condições de adopção da moeda única, com medo do julgamento de terceiros.
Sabemos que uma tal subalternização dos objectivos constitucionais não é boa para a democracia, nem sequer é eficiente à luz das várias teorias da Constituição, quer elas defendam alguma incerteza associada ao estádio constituinte, quer defendam uma discussão objectiva das escolhas básicas a inserir na Lei Fundamental.
Pior seria, no entanto, que, depois de assegurado o cumprimento de todos os critérios económicos estabelecidos no Tratado, Portugal ficasse de fora da 3.ª fase da UEM em 1 de Janeiro de 1999, tal como outros Estados que o não conseguissem, apenas pelo incumprimento de uma formalidade legal. Seria um risco que correríamos sem qualquer necessidade. Poder-se-á dizer um risco pequeno, dada a actual conjuntura de incumprimento pontual de outros critérios por parte de outros países. Não sei! A nossa dimensão não é a dimensão da França.
Julgo, no entanto, que devemos estar preparados para os desafios que nos propomos, independentemente do que se passa com outros países. De qualquer modo, seria absurdo chumbar no exame para a moeda única por um mero esquecimento ou, pior, por mera teimosia do legislador. Seria um desprestígio para a Assembleia da República fazer uma nova revisão constitucional em 1998 para corrigir a redacção de um só artigo da Constituição.
Para além do mais, e tal como no que se refere aos outros critérios de convergência, o importante é dar um sinal político, não apenas aos parceiros na União ou a instituições como o Instituto Monetário . Europeu ou a Comissão Europeia mas, sobretudo, aos cidadãos portugueses, em geral, e aos agentes económicos, em particular, de que o País está disposto a aceitar as regras do jogo da futura União Económica e Monetária.
É, aliás, fundamental constitucionalizar as regras do jogo, a que os alemães chamam e o Sr. Deputado José Magalhães já o citou várias vezes na CERC, ordnungspolitische Grundsatze, que garantam os melhores resultados económicos no longo prazo.
Ora, a mera compatibilização jurídica, político-partidária ou meramente burocrática dos textos não se compadece nem com as boas razões económicas nem com os motivos políticos que estão na base de tal alteração, pelo que a verdadeira Constituição económica fica muitas vezes, como salientei na discussão do artigo 80.º, na semana passada, fora da Constituição, à revelia da redundância da letra da Lei Fundamental - o melhor exemplo disso é a consagração de uma expressão que nada quer dizer, como a expressão "economia mista".
Com efeito, se os legisladores nacionais não quisessem, por motivos que eu próprio como Deputado não saberia explicar, constitucionalizar aquilo que declaram ser os seus objectivos de política macroeconómica, estaríamos perante uma situação de clara inconsistência política. Tal inconsistência poderia ser, a meu ver, considerada uma boa razão, seguramente melhor do que o não cumprimento pontual de um dos outros critérios (que são necessariamente mais arbitrários), para a não participação do nosso País na União Económica e Monetária.
Optou-se, no entanto, na CERC, por uma revisão minimalista do texto do artigo 105.º, a saber: "O Banco de Portugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado português se vincule".
Esta redacção do artigo 105.º remete-nos para a Lei Orgânica do Banco de Portugal e, indirectamente, através dela, para os estatutos do Banco Central Europeu e, directamente, para o Tratado da União Europeia. São, no fundo, estes textos que passam a constituir a verdadeira Constituição macroeconómica do País.
Talvez o próprio alcance da Resolução de 13 de Fevereiro não tenha sido ainda internalizado pela Assembleia da República. O próprio PP preferiu a conformidade com os tratados europeus e os requisitos formais. da moeda única à consagração por vontade interna do objectivo da estabilidade dos preços!... Situação esta que contrasta, claramente, com a opção do novo Governo britânico em consagrar internamente a autonomia da política monetária na prossecução do objectivo da estabilidade dos preços, apesar de não ter ainda tomado qualquer decisão quanto à participação do Reino Unido na União Económica e Monetária.
Uma alternativa possível seria a eliminação, pura e simples, do artigo 105.º da Constituição. A maioria das Constituições dos Estados-membros da União Europeia não se refere sequer ao banco central. No entanto, seria pena não constitucionalizar um objectivo, que demorou tanto tempo a consensualizar em Portugal e que é o símbolo do consenso de regime em matéria económica que se estabeleceu entre todos os partidos da esquerda e da direita moderadas por toda essa Europa e por todo esse mundo fora.
É por isso que a eventualidade de uma revisão reactiva do artigo 105.º, de acordo com as reacções vindas de fora do Parlamento, sem conteúdo económico e remetendo para a lei ordinária e para os tratados internacionais, pode ser considerada uma solução menos boa.
Se o consenso parlamentar se esgotar nesta redacção, votarei a favor dela como votei na CERC com o meu Grupo Parlamentar, a quem agradeço, em primeiro lugar, a possibilidade que me deu de, na fase final deste processo, singularizar as minhas posições numa matéria em que me tenho empenhado particularmente e, em segundo lugar, o facto de não ter votado contra a minha proposta na CERC.
Congratulo-me por ter sido possível discutir estas matérias e chegar a uma redacção alternativa do artigo 105.º, reconhecendo-se que, nesta matéria, a revisão constitucional de 1992 tinha ficado por fazer.
Trata-se de um passo positivo, a meu ver indispensável, na direcção certa. O que era matéria tabu pôde ser discutida na segunda leitura da CERC e no Plenário da Assembleia da República. Senão, como poderíamos criticar o défice democrático nestas matérias, reivindicando um papel acrescido para os parlamentos nacionais no próprio processo de integração europeia? Como poderíamos explicar aos portugueses as vantagens da reforma monetária em

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curso na Europa se nos mostrássemos indisponíveis, pelo menos, para nos aproximarmos do seu objectivo primordial na nossa própria Constituição?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta alteração ao artigo 105.º tem um nome: moeda única. Tudo o resto é retórica parlamentar!
De tal modo é assim que, se outra fossa a motivação, estranho seria que nenhum dos projectos iniciais de revisão constitucional tivesse incluído qualquer alteração ao artigo 105.º.
De facto, a proposta que hoje vem a Plenário e que, apesar de tudo, ainda fica aquém das intenções ultraliberais do Sr. Deputado Francisco Torres não consagra um maior grau de autonomia, de independência e de melhoria das funções do Banco de Portugal. O que ela consagra é, no plano constitucional, a dependência total do Banco de Portugal e, portanto, das nossas políticas monetárias em relação ao Banco Central Europeu e às condições para a criação da moeda única no quadro da União Europeia.
Esta é que é a questão em torno da qual se devem separar as águas. Diria mesmo que, para ficar o que fica, Srs. Deputados, se calhar, era melhor ter a coragem toda e retirar, pura e simplesmente, da Constituição o artigo 105.º, porque com o que fica é evidente que o Banco de Portugal deixa de ter o papel, que é insubstituível, no que toca à sua colaboração e intervenção na definição e execução da política monetária e financeira.
Ora, isto significa que Portugal deixa de ter uma intervenção activa e de primeiro plano na definição e na execução da sua própria política monetária e financeira, porque se o tivesse precisava do Banco de Portugal com essas funções.
Isto é, nós alienamos essa questão fundamental para as nossas políticas económicas em resultado da criação da moeda única, em resultado dos bancos centrais e do Banco Central Europeu, nós entregamos a definição das nossas políticas monetárias e financeiras e o papel insubstituível do Banco de Portugal nas mãos do Banco Central Europeu e, designadamente, dos interesses da Alemanha e do Banco alemão nesse processo.
Aliás, a gravidade e o caricato deste processo é que, mesmo no âmbito do processo de integração na moeda única, que alguns nesta Casa defendem, os próprios proponentes reconhecem que não está claro se a actual redacção, apesar de tudo, não seria compatível com esse processo.
Há o receio e o medo de, por causa da redacção constitucional, se chumbar, como disse o Sr. Deputado Francisco Torres, no exame para a moeda única. Isto é, não se trata sequer de vermos qual é a melhor redacção para as funções que o Banco de Portugal tem, mesmo nesse quadro, na defesa dos interesses nacionais; trata-se, pura e simplesmente, de uma opção exclusiva de subserviência face a hipotéticos receios de que, se se mantiver a actual redacção, Portugal não possa entrar no concerto da moeda única.
Isto não tem nada a ver com os interesses nacionais e com os interesses da economia portuguesa; tem, sim, a ver com uma opção de cócoras, com uma opção de bom aluno, perante interesses que, no fundamental, são interesses contrários e estranhos aos interesses nacionais.
Sr. Presidente, com esta redacção, se calhar, melhor seria que nada ficasse na Constituição da República Portuguesa em relação ao Banco de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS votou favoravelmente na CERC a redacção que nos é agora trazida sobre o estatuto constitucional do Banco de Portugal.
Devo dizer, como na altura referimos, que não partilhamos os receios de uma possível incompatibilidade entre a redacção que está em vigor e as obrigações comunitárias, designadamente a caminhada para a moeda única.
A norma constitucional foi cuidadosamente redigida em revisões constitucionais anteriores, precisamente, para acautelar que Portugal pudesse estar no tal pelotão da frente em matéria da moeda única, por forma a que não houvesse obstáculos constitucionais invocáveis contra Portugal e contra os interesses de Portugal tal qual são interpretados pela esmagadora maioria dos seus representantes.
Por mera cautela, ponderámos as redacções que foram aventadas, a do Sr. Deputado Francisco Torres, que não colheu consenso na CERC, e esta, que tem diversas vantagens.
Nesta matéria, a grande separação de águas foi feita em 1989 e em 1992, pelo que não há que refazê-la. O Banco de Portugal tem estatuto idêntico ao dos outros bancos centrais, nem maior nem menor nem superior nem inferior - aliás, é assim que em Estados que partilham soberanias tem de ser.
Em segundo lugar, não vimos necessidade de encorpar esta cláusula. O Sr. Deputado Francisco Torres insistiu nessa solução até à votação, mas nós não vimos vantagem numa solução desse tipo, porque não cabe a esta norma nem ser uma espécie de sinopse da Constituição, nem ser o contrário da Constituição, isso é inteiramente evidente, nem uma válvula de esvaziamento daquilo que a Constituição diz noutros artigos.
De facto, não há aqui nenhuma cláusula que tenha relevância para medir a identidade da Constituição económica portuguesa. Sempre foi essa a função deste artigo e não quisemos alterá-la nesta revisão constitucional.
Por mera cautela, como já disse, esta norma passa a eliminar quaisquer dúvidas de terceiros, as quais, de resto, não se colocavam em território nacional mas, quiçá, no exterior e contra nós quanto às condições jurídico-constitucionais portuguesas para preencher e estar conforme ao figurino que os Estados-membros aceitaram na caminhada comum para a moeda única.
O preenchimento dessas condições, diria, até, o sobre-preenchimento dessas condições, coloca Portugal numa posição verdadeiramente acima de qualquer suspeita, eu diria, blindada em relação a esses critérios. Outros poderão ser invocados, mas este não. E só essa clarificação, Sr. Presidente, teria valido a pena o nosso voto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP votou, em sede de

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Comissão, contra a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Torres e, para além de outras razões, que aduzirei a seguir, bastaria a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que, claramente, afirmou que a redacção que actualmente está na Constituição não evitaria, de forma alguma, que progredíssemos...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - É a opinião do Deputado José Magalhães.

O Orador: - É a do Deputado José Magalhães, com a qual o nosso partido está de acordo.
De facto, a redacção actual não impediria que prosseguíssemos um caminho que poderemos ser forçados a prosseguir. Aliás, sobre esse aspecto não tenho qualquer dúvida em admitir que a única coisa que temos a fazer é participar de forma tão interessada quanto possível neste processo e estudar todo este conjunto de situações com que nos vamos confrontando, para que, tanto quanto exequível, possamos ir defendendo os nossos interesses à medida que vão avançando em várias frentes as negociações que poderão redundar naquilo que o Sr. Deputado Francisco Torres dá, desde já, como adquirido.
Essa é a diferença entre a minha posição e a do Sr. Deputado Francisco Torres, com quem tenho tido longas conversas nas reuniões da Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária e nem sempre estamos em desacordo - aliás, quase sempre estamos em acordo -, não tanto em relação à essência do problema mas em relação ao método.
Votámos contra esta proposta pela razão já aduzida e porque não queremos que haja aqui, ao contrário do que defendemos para toda a Constituição, uma programatização pelas más razões. Queremos uma Constituição desprogramatizada, simples, e não com 290 artigos e 1000 incisos. Como não queremos rigorosamente nada disso, somos a favor de redacções que não programatizem a Constituição. Neste caso, trata-se de programatizar, entre aspas, no sentido em que o Sr. Deputado Francisco Torres vê nisto uma relação quase de causa-efeito. Aliás, o próprio Deputado José Magalhães falou no sobrepreenchimento, que é algo que, logo à partida, me soa mal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas é português!

O Orador: - É português e correcto: Mas trata-se de sobrepreenchimento e não temos razão para utilizar esse tipo de atitude numa situação destas, em que estamos a discutir um processo que está longe de estar concluído. Não há que ser bom aluno ou utilizar o sobrepreenchimento de condições para andar à frente, quando não se torna necessário. E não se torna necessário, como se tem verificado na Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária, porque ainda está em discussão todo um conjunto de coisas que são de primordial importância, nomeadamente no que diz respeito às funções do Banco Central. Estou a referir-me, por exemplo, ao caso da função fiscalizadora ou supervisora do Banco Central, assunto que foi discutido na Subcomissão de Acompanhamento da União Económica e Monetária com o Sr. Governador do Banco de Portugal, que, curiosamente, não deu acolhimento a uma posição que, posteriormente, o Sr. Ministro das Finanças seguiu aqui, quando se referiu à possibilidade de essa função supervisora poder vir a ser mais coordenada no futuro, já que todos os sectores - o financeiro, o segurador e até o do mercado de capitais - têm cada vez mais uma interligação entre si.
Penso que a nossa posição de voto na CERC está justificada, não é necessário sobrepreencher condições para aderir ou mostrar vontade de aderir a uma coisa à qual poderemos vir a ser forçados a aderir, mas que ainda tem um percurso longo a ser percorrido. Esse percurso tem é de ser percorrido de uma forma séria e de mentalidade aberta. E esta a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar por comentar as observações do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sr. Deputado, não sou ultraliberal nem me vejo assim de maneira alguma. Acredito é que um conjunto de regras do jogo claras pode ajudar todos a compreender bem o que se passa na economia e a ter regas mais justas, que gerem, depois, investimentos de maior qualidade.
Também julgo que é discutível a questão de saber se o Tratado estava ou não incompatível com a nossa Constituição. Em minha opinião, a revisão de 1992, que foi feita para compatibilizar a possibilidade de ratificação do Tratado da União com a nossa Constituição, não levou isso em conta, porque mantinha o Banco de Portugal com interferências do próprio Governo e do Ministério das Finanças.
O Sr. Deputado José Magalhães entende que não .havia qualquer inconsistência, mas o Instituto Monetário Europeu, que tem uma palavra bastante importante nesta matéria, à cabeça, na análise sobre Portugal, lembrava o artigo 105.º da Constituição. O próprio Governador do Banco de Portugal sempre defendeu no exterior, como era sua obrigação, a ideia de que o espírito da revisão de 1992, como diz ó Professor Gomes Canotilho, era o de dar independência ao Banco Central, mas o facto é que a letra não acompanhou o espírito. A meu ver, a letra carecia de ser modificada.
Ao apresentar esta proposta, não receei o chumbo em matéria de qualificação para a moeda única, Sr. Deputado. Não era isso que eu receava. Esta parece-me uma questão, aliás, como disse na minha intervenção, totalmente secundária. Foi pena que eu só conseguisse chegar à discussão e à reabertura deste artigo através desta ameaça de chumbo de Portugal na qualificação para a moeda única, porque me parece que essa é uma questão secundária. O principal é estabelecer na nossa Constituição, dado que a estamos a rever, os objectivos para a política económica, nomeadamente para a política monetária, que nesta Assembleia são consensuais. Ora, se em Fevereiro último aprovámos, por grande maioria, nesta Assembleia, uma resolução a favor da moeda única, onde se referia o objectivo da estabilidade dos preços, que está consensualizado num tratado que ratificámos e que consta da lei orgânica que também ratificámos nesta Assembleia, por que razão não o constitucionalizamos? Não acreditamos nos objectivos que nos propomos, que defendemos todos os dias? Isto é que é estranho, isto é que é pena.
Não se trata de uma questão da incompatibilidade. Isso é discutível e, obviamente, Portugal poderia até passar no exame, mas, à cautela, como diz o Sr. Deputado José Magalhães, agora estamos mais "blindados". Eu também julgo que tanto o superpreenchimento como a "blindagem" não são necessários. Poderemos ter os mesmos defeitos que outros países, mas prefiro estar mais consentâneo com o Tratado da União. No entanto, creio não é por aí que "o gato vai às filhós".

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O problema é o seguinte: estamos á rever uma Constituição que é Lei Fundamental e, se não fizermos esta alteração, estaremos a deixar, como em tantos outros artigos, a Lei Fundamental fora da Constituição. Por exemplo, temos artigos que falam em economia mista, e todos sabemos que essa é uma definição que não existe, mas inserimo-la na Constituição apenas para acautelar aquilo que não sabemos bem o que é e que representa uma transição de um determinado estádio para outro. Quando mencionamos, neste artigo, que relegamos o artigo 105.º para a Lei Orgânica do Banco de Portugal, para o Tratado da União, para os Estatutos do Banco Central, isso é que é subalternizar a Constituição aos tratados internacionais, à moeda única, como disse o Sr. Deputado Lino de Carvalho. Eu não o quero fazer.
Em minha opinião, deveríamos fazer como os ingleses, que consagraram - não na Constituição, porque não a têm como nós - o objectivo da estabilidade dos preços, independentemente de virem ou não a participar na moeda única. Por exemplo, o PP - e chamei a atenção para uma eventual inconsistência política na minha interpretação - um orçamento equilibrado, pelo menos excluindo as despesas correntes, independentemente da moeda única, dos critérios de Maastricht, do pacto de estabilidade, e, para ser coerente, a meu ver, deveria defender a estabilidade dos preços independentemente da moeda única. Mas acabou por votar contra a estabilidade dos preços e a favor da moeda única, ou, pelo menos, absteve-se na questão da moeda única.
Por isso, quero salientar que o essencial é ter ficado claro, e era essa a minha preocupação, um consenso de regime que se vem estabelecendo nesta Câmara e, sobretudo, no País, acerca da estabilidade dos preços, de atirarmos para trás das costas os objectivos economicistas, arrumando estas questões na discussão da conjuntura do dia-a-dia e os desequilíbrios macroeconómicos de uma vez por todas, passando às questões importantes. Esse consenso tem sido difícil, demorou anos, e gostaria que isso ficasse claro, nesta discussão.
Por outro lado, pretendia que se fizesse uma discussão acerca deste artigo, para não irmos a reboque do Tratado da União, porque, se não se discutisse este artigo, se nada se fizesse, estaríamos a incorporar automaticamente na nossa lei o Tratado da União, que foi ratificado, os Estatutos do Banco Central e a Lei Orgânica do Banco de Portugal e a passar um estatuto de menoridade à própria Assembleia da República.
Se os parlamentos nacionais não se querem afastar do acompanhamento de todo o processo de integração monetária e europeia e se queremos explicar aos nossos cidadãos as vantagens da moeda única, que são aqui aclamadas por esta Câmara com uma grande maioria, temos de discutir estas questões de forma franca e aberta e de defendê-las na ordem interna, começando exactamente por aí. É o primado da Constituição sobre a lei ordinária e os tratados internacionais que está em causa.
Por isso, mais uma vez, me congratulo com o facto de ter sido possível esta discussão, tanto na CERC, na segunda leitura da Constituição, como em Plenário. Esta discussão, a meu ver, foi salutar e permitiu salientar as diferenças que existem entre os partidos, não só quanto à construção da moeda única mas, sobretudo, quanto aos objectivos de política monetária e económica. É isso que tem de ficar claro para todos os que representamos neste Parlamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há intervenções que valem por si, pelas próprias contradições que encerram. Foi o que resultou tanto da intervenção, há pouco, do PS como, agora, do PSD, pela voz do Sr. Deputado Francisco Torres.
O PS diz que, no seu entendimento, a redacção actual do artigo 105.º não colide com os compromissos de Portugal para uma eventual criação da moeda única e para a eventual entrada de Portugal na moeda única. O Sr. Deputado Francisco Torres, agora, clarificando melhor o seu pensamento, vem dizer que, em sua opinião, essa não é a questão central do debate e até considera que, de facto, é defensável que a redacção actual não colide também com esse objectivo. Apesar disso, por cautela - eu diria, por medo -, aceitam alterar o articulado do artigo 105.º e reconhecem que não é necessário, mesmo para os objectivos que defendem da moeda única,...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Mas é necessário para a independência das autoridades!

O Orador: - Então, por quê? Por razões de compatibilização das funções do Banco de Portugal com os objectivos de política económica, com os equilíbrios macroeconómicos, Sr. Deputado? Em que é que colide isso com o que está actualmente escrito, ou seja, "O Banco de Portugal, como banco central nacional, colabora de definição e execução das políticas monetárias e financeiras e emite moeda, nos termos da lei"? Em que é que colide a actual redacção com estas preocupações, Sr. Deputado Francisco Torres? Em nada! Zero, Sr. Deputado Francisco Torres! Para esse objectivo, qual é a diferença entre o que está na Constituição e o que vai ficar? Nenhuma, Sr. Deputado!
É evidente que essa não é a questão central. A questão central continua a ser a da moeda única, a de, mais uma vez, Portugal, através do PS e do PSD, se apresentar como claríssimo bom aluno, sem qualquer réstia de dúvida para quem nos quer impor essa moeda única.
É curioso verificar que os mesmos partidos que negam, na revisão constitucional, a inscrição na Constituição da possibilidade de um referendo sobre a moeda única, simultaneamente, querem impor, neste articulado relativo ao Banco de Portugal, uma formulação que torna quase irreversível, no que toca ao estatuto do Banco de Portugal, a sua relação e o seu entrosamento com o Sistema Europeu de Bancos Centrais, com o Banco Central, com as norma internacionais que daí decorrem na sequência da moeda única.
Trata-se de uma contradição de fundo, significativa. Os senhores não aceitam que, através da Constituição, seja permitido perguntar aos portugueses se estão a favor ou contra a moeda única, mas querem constitucionalizar, na norma relativa ao Banco de Portugal, desde já, o papel de dependência do Banco de Portugal em relação às instituições financeiras internacionais que vão gerir a moeda única. É óbvio, Sr. Deputado, que esta contradição não pode passar em claro. Ela significa que, por um lado, mais uma vez, os senhores negam ao povo português a possibilidade de ter uma voz activa em relação à moeda única e, por outro, querem impor-lhe, sem o ouvir, a adopção

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da moeda única, através, neste caso particular, das alterações às normas constitucionais que regem o estatuto do Banco de Portugal, com reflexos na sua independência, na sua autonomia e no seu papel fundamental e insubstituível na colaboração da definição das políticas monetárias e financeiras do País. Esta questão é, obviamente, grave, Srs. Deputados.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas responder muito brevemente ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, embora ele tenha feito uma intervenção.
Sr. Deputado, o problema da independência do Banco de Portugal tem a ver com a redacção em vigor deste artigo, que diz "colabora". O Banco de Portugal não tem de colaborar com o Governo nesta matéria. É por isso que defendemos que sejam estabelecidos na própria Constituição os objectivos em termos de política monetária, para que o Banco de Portugal os execute, em plena liberdade e em total independência. Esta nova redacção é favorável à independência e não à dependência do Banco de Portugal. Aliás, não se menciona neste artigo o Banco Central Europeu ou a união monetária. Se ela não vier a verificar-se, o Banco de Portugal continua, obviamente, como consta do anteprojecto da sua lei orgânica, a executar a política monetária com toda a independência.
Não há qualquer contradição entre o facto de não haver referendo e a consagração desta matéria na Constituição. Pelo contrário, há uma grande coerência. Não vale a pena perguntar algo em que acreditamos, por que nos batemos nas várias eleições e que foi aqui ratificado na anterior legislatura. Portanto, a coerência é total. O PCP fez muitas propostas de alteração à Constituição, constitucionalizou muitos artigos nas anteriores revisões e mesmo nesta, mas não põe tudo a referendo. Não vaia referendo tudo o que se insere na Constituição. No que toca a esta matéria, estamos a constitucionalizar aquilo que é um consenso entre a maioria dos Deputados desta Câmara, por isso, não tem de ir a referendo, uma vez que já foi sufragado muitas vezes em várias eleições e foi aqui ratificado, na anterior legislatura, o Tratado da União.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Torres, peço-lhe que me clarifique esta contradição: o Sr. Deputado acaba de defender a não introdução na Constituição da possibilidade do referendo à moeda única porque isso fazia parte de programas políticos, de propostas políticas que tinham sido defendidas e debatidas, em sede de campanha eleitoral, tanto pelos senhores como pelo PS, que obtiveram a maioria nesta Casa. Muito bem! Então, por que é que, em matéria de regionalização, que também fez parte de programas eleitorais dos partidos que têm a maioria nesta Casa, os senhores exigem o referendo? Por que é que exigem para um caso e não para o outro, quando os argumentos são iguais?
Gostaria que me respondesse a esta questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Torres.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, podemos continuar a discutir este assunto fora daqui, pois, como sabe, é uma questão interminável.
Dei-lhe a minha opinião pessoal, que, aliás, coincide com a da maioria dos Deputados nesta Câmara, de que tratados internacionais ratificados por esta Assembleia não eram, com a actual Constituição, sujeitos a referendo.
A questão da regionalização é diferente e tem sido discutida até à exaustão aqui, na Assembleia da República. Terei todo o gosto em continuar a discuti-la consigo, mas não aqui, porque demoraria muito tempo.
Sabe qual é a minha resposta, sabe qual é o meu pensamento e, portanto, não há aqui qualquer contradição.
Aqueles tratados internacionais que aqui foram ratificados e que foram sufragados nas eleições pelos programas eleitorais dos vários partidos são muito claros, enquanto a regionalização depende dos moldes em que é feita, das regiões que forem apresentadas, e por aí fora, e a matéria a propósito dela não é muito clara nos programas dos partidos.
No entanto, podemos continuar a discussão sobre esta matéria num outro local e numa outra altura, que não esta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não fique mais embaraçado!

O Orador: - Não fico, não! De maneira alguma, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão das alterações relativas ao artigo 106.º - "Sistema fiscal".
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo e as alterações que nele são introduzidas são importantes porque pretendem, de alguma forma, constitucionalizar aspectos que reforçam a defesa do contribuinte.
Não temos dúvidas de que a consagração da ideia de que a obrigação de. pagar impostos está assimilada pela sociedade - se não está assimilada por todos os contribuintes, está assimilada, pelo menos, pela sociedade -, no entanto, o direito de decidir que impostos pagar e se se quer ou não gerar rendimentos ou actos que conduzam à tributação deve pertencer aos contribuintes, como é evidente, pelo que é absolutamente impensável que possa existir a ideia da retroactividade do imposto.
Que o imposto não deve ser retroactivo era uma ideia mais ou menos elementar, que genericamente era aceite; no entanto, a sua não consagração em termos constitucionais levava a que, às vezes, houvesse algumas dúvidas nessa matéria.
Ainda este ano, como bem nos recordamos, aquando da discussão do Orçamento do Estado, havia umas normas que levantavam dúvidas sobre a possibilidade de os impostos que nelas estavam autorizados terem ou não efeitos retroactivos. Admitia-se que não tinham; no entanto, a dúvida pairava e era necessário esclarecer. É por isso importante que fique incluído, como um grande direito dos contribuintes, que não existe a possibilidade de haver a retroactividade do imposto.

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Um outro aspecto que nos parece importante, como protecção dos direitos dos contribuintes, é o de que a administração fiscal seja suficientemente eficaz e se paute por algumas regras que levem a que os direitos dos contribuintes não sejam lesados.
Um outro ponto que nos parece importante, que corresponde a uma proposta feita pelo PSD no sentido de alterar o n.º 3 do artigo 106.º, tem a ver com aspectos da execução por dívidas fiscais. Entendemos que, quando um contribuinte está para ser executado por dívidas fiscais,
essa execução deverá ficar suspensa se, por qualquer motivo, ele provadamente é credor do Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Este parece-nos um aspecto elementar na defesa dos interesses dos contribuintes, porque a administração fiscal funciona não apenas para receber dinheiro dos contribuintes mas também para os proteger. É nessa óptica que entendemos que a administração fiscal se de verá orientar, no sentido de criar condições para que a relação entre os contribuintes e a administração fiscal seja séria e gira confiança.
Daí o objectivo da nossa proposta de alteração ao n.º3 do artigo 106.º, que consideramos essencial para obviar a aspectos mais negativos da administração fiscal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se, antes de mais, com a introdução, na Constituição da República, do princípio da não retroactividade do imposto. Este princípio não estava na nossa Constituição, embora, no plano jurídico, fosse reconhecido que o princípio das expectativas dos cidadãos e o princípio da justiça da lei fiscal só podem ser efectivamente salvaguardados desde que os impostos sejam criados antes do surgimento do facto tributário que lhes dá origem.
Considerarmos, portanto, um avanço significativo na garantia dos direitos dos cidadãos perante o Estado em termos fiscais a introdução do princípio da não retroactividade do imposto, mas é claro que, no nosso entendimento, a constitucionalização do princípio da não retroactividade do imposto tem de ser articulado claramente com a possibilidade de introdução em lei fiscal de normas conjunturais de incidência, que nada têm a ver com a criação de novos impostos posteriormente à existência de factos tributários.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outro dado bastante importante, com que nos congratulamos também, é o desaparecimento na Constituição da referência à existência do imposto sobre
sucessões e doações e a substituição por uma referência à tributação do património em termos que contribuam para a igualdade entre os cidadãos.
Entendemos que a reforma fiscal de 1988 incidiu sobre os impostos sobre o rendimento, tendo-se esquecido, porque era bastante mais difícil, de fazer a reforma dos impostos sobre o património.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Este Governo tem desencadeado passos importantes ao nível das declarações de princípios e dos estudos necessários para a concretização, num curto prazo, de uma reforma fiscal, reforma essa que não esquecerá, bem pelo contrário, introduzirá modernização e moralidade na tributação do património.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O desaparecimento da norma constitucional que prevê o imposto sobre sucessões e doações não implica necessariamente o seu desaparecimento, mas significa que há uma disponibilidade para o estudo deste imposto e para a sua adaptação ou eventual substituição em termos que, globalmente, a tributação sobre o património seja justa e igualitária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, um grande avanço nesta revisão constitucional poderá resultar da aprovação da proposta 53-P, do PS, que tem a ver com o princípio da compensação de dívidas entre os contribuintes e a administração fiscal.
É o mesmo princípio que a Sr.ª Deputada Manuel Ferreira Leite referiu, mas, em nosso entender, a sua concretização deve ser programática, remetendo para lei especial as formas de compensação de dívidas e outras garantias dos contribuintes que sejam credores da administração fiscal, ao contrário da proposta feita pelo PSD, que, em nosso entender, tem uma aplicação normativa que pode conduzir a grandes dificuldades técnicas e até a injustiças na sua aplicação.
Isto porque a suspensão da execução fiscal numa situação em que o contribuinte é credor perante a administração fiscal impede, pela suspensão do processo executivo, que a própria administração fiscal, no seu poder de império, possa nomear à penhora créditos que o Estado detém sobre si próprio.
Ou seja, passamos da situação hoje existente de que o Estado só paga se o cidadão comprovar que não deve nada ao Estado para uma situação em que o contribuinte só paga ao Estado se o Estado comprovar que não deve nada ao contribuinte. É uma situação que, devido ao sistema de tributação que temos, que se baseia no princípio da declaração, poderia introduzir perversidades extremamente perigosas e conduzir novamente a um escalar das dívidas dos contribuintes perante o Estado, criando novas situações de grande dificuldade de resolução.
Compreendemos, aceitamos e aplaudimos o princípio da compensação de créditos, em que não se possa exigir ao cidadão, que está sucessivamente a ser credor do Estado e prejudicado porque o Estado não é pessoa de bem, e, ao mesmo tempo, estar o Estado a exigir o pagamento pontual e rigoroso das obrigações do contribuinte. Estamos de acordo com este princípio; simplesmente, a sua aplicação não se pode fazer em sede de revisão constitucional com um sentido tão normativo de aplicação imediata, exige uma legislação extremamente cuidada...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é demagogia!

O Orador: - Não é demagogia, Sr. Deputado!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores não fazem nada!

O Orador: - Existem muitas normas programáticas na Constituição! Aceito que V. Ex.ª diga que é demagogia, porque em demagogia V. Ex.ª é especialista...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, portanto, tem, com certeza, melhor visão do que é ou não é demagogia!
Neste caso, ou se inclui na Constituição uma norma que, depois, em si, vai ter aplicabilidade prática através do seu desenvolvimento em lei avulsa ou, então, se introduz um princípio que perverte completamente o jus imperii, que vai criar o facilitismo e, inclusive, vai impedir ao Estado de nomear à penhora créditos que os cidadãos têm sobre si próprio,

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A proposta 45-P, do PSD, impede que o Estado se possa fazer pagar...

O Sr. José Magalhães (PS): - Impediria!

O Orador: - Impediria, se fosse aprovada, que o Estado se possa fazer pagar de créditos que os cidadãos tenham perante o Estado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não a querem. Assumam!

O Orador: - Assumimos a proposta 53-P, que, em nossa opinião, corresponde perfeitamente às necessidades de consagração constitucional deste princípio.
A Constituição é claramente o local onde se consagram os grandes princípios estruturantes da ordem jurídica, não é o local para se fazer demagogia,...

Aplausos do PS.

... nem é o local para se apresentarem propostas que, pela sua natureza, iriam novamente provocar o escalar das dívidas ao Estado e a crise da autoridade do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galeão Lucas.

O Sr. António Galeão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o PP apresentou algumas propostas sobre o artigo 106.º. A primeira ficou prejudicada, a segunda acabou por ser incluída indirectamente e a terceira, que era a introdução de um n.º 5, aparece, em última análise, agora contemplada nesta proposta 45-P, apresentada pelo PSD.
Ao contrário do que foi dito pelo Sr. Deputado João Carlos da Silva, há aqui situações claramente distintas e que interessa clarificar. O que pretendemos - e decorre também da proposta de aditamento do PSD - é que nenhum cidadão possa, de facto, ser executado ou condenado em qualquer pena por dívidas fiscais enquanto não lhe tiverem sido satisfeitos os créditos líquidos exigíveis que detenha sobre qualquer entidade pública. Isto é claro e, hoje, não está garantido de forma alguma!
A proposta 53-P, de VV. Ex.as, diz que "A lei prevê formas de compensação de dívidas (...)" - já hoje há formas de compensação de dívidas, juros e outras situações parecidas - "(...) e outras garantias dos contribuintes que sejam credores da administração fiscal". Sem entrar em grandes pormenores técnicos, era para nós absolutamente fundamental - dissemo-lo na segunda leitura e queremos repeti-lo agora - que uma proposta do tipo da proposta 45-P, onde está contido, de alguma forma, um problema de compensação, mas esse terá de ser resolvido a seu tempo, fosse incluída numa alínea do artigo 106.º.
Se esta revisão não incluir no artigo 106.º uma alínea com este tipo de redacção, isto é, que não permita um cidadão ser executado por dívidas fiscais, enquanto estiver perante a administração fiscal em posição credora devidamente reconhecida, não há dúvida de que não avançamos significativamente na defesa do contribuinte, embora caiba, depois, esclarecer situações emergentes dos casos concretos.
A proposta apresentada pelo Partido Socialista não nos satisfaz, é demasiado minimalista, e, uma vez que não avocámos a nossa, apoiaremos a do PSD e não a do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos da Silva.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Galeão Lucas, relativamente a esta questão da compensação, não estamos a falar em termos de princípios. Não estamos a discutir o princípio da possibilidade da compensação de créditos entre o cidadão e a administração fiscal, pois estamos de acordo com ele. Agora, a questão está em saber se esse princípio deve ser concretizado na Constituição ou, pura e simplesmente, expresso na Constituição e concretizado em lei avulsa.
Há determinados direitos e questões que podem ser directamente aplicáveis através da Constituição, porque a sua aplicabilidade prática não suscita grandes problemas de concretização.
Porém, V. Ex.ª sabe, tão bem como eu, que, quando estamos a falar do regime fiscal, de legislação fiscal, a aplicabilidade técnica das matérias não se compadece com duas ou três linhas escritas numa Constituição, que podem inviabilizar soluções concretas, as quais funcionam no dia-a-dia, e que, de um dia para o outro, passariam a ser inconstitucionalizadas por uma redacção menos reflectida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É justo que na Constituição fique uma obrigação de o Estado legislar sobre determinada matéria - e isto traduz-se num compromisso não só político mas jurídico-constitucional, pelo que VV. Ex.as e nós ficamos obrigados a elaborar a legislação que desenvolva este princípio; outra coisa é incluir na Constituição uma norma, como a proposta pelo PSD, que, V. Ex.ª com certeza compreendê-lo-á, é de aplicação directa aos processos de execução fiscal, em curso neste momento.
Atente, Sr. Deputado, na seguinte situação: um contribuinte qualquer deve, hoje, uma fortuna à administração fiscal por não ter pago os seus impostos, havendo processos de execução fiscal, e, ao mesmo tempo, esse contribuinte é fornecedor do Estado ou credor de determinados reembolsos de outro imposto. Esta norma proposta pelo PSD, a ser aprovada, faria com que o Estado tivesse de suspender imediatamente o processo de execução fiscal,...

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O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Não!

O Orador: - O senhor conhece esta norma?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Conheço!

O Orador: - Então, está completamente enganado!

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - O senhor não sabe ler!

O Orador: - Eu sei ler! Estou com óculos, mas, graças a Deus, ainda sei ler!
O que aconteceria era que o Estado teria de suspender imediatamente o processo de execução fiscal,...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - É que não querem!

O Orador: - ... pagar os créditos que o cidadão tem sobre ele e, seguidamente, poderia reabrir o processo...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Se não quer, diga-o claramente!

O Orador: - O Sr. Deputado está muito nervoso. Se quer falar, faça o favor de se inscrever.
Como dizia, o Estado teria de suspender a execução fiscal, pagar os créditos do cidadão sobre o Estado e, seguidamente, reabrir a execução fiscal, sem ter uma garantia patrimonial a que pudesse recorrer para se pagar dos seus créditos.
A situação em causa não permitiria ao Estado sequer nomear a penhora os créditos que o cidadão tem sobre outros institutos do Estado.
Esta norma proposta pelo PSD...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - ... é uma norma que necessita de desenvolvimento em sede de processo legislativo ordinário e não pode ser aposta na Constituição nos termos em que está, sob pena de bloquear totalmente os processos de execução fiscal que hoje correm nas nossas repartições de finanças.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos da Silva, insisto no que disse: a proposta do Partido Socialista não resolve os problemas que pretendemos ver resolvidos, embora reconheça haver aí um problema de compensação.
Agora, quando o Sr. Deputado refere que, estando nós a falar da Constituição, não devemos introduzir determinadas normas neste processo de revisão constitucional, não quero entrar por aí.
A meu ver, esta era uma das matérias em que eventualmente se justificava - e não em muitíssimas outras que fôssemos bastante mais específicos e claros na defesa dos contribuintes, dos cidadãos, e não vejo qualquer inconveniente - antes pelo contrário, só vejo vantagens em que fique claro na Constituição este princípio, com o qual, presumo, o Sr. Deputado está de acordo...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - O princípio está na nossa proposta!

O Orador: - Então, se se encontrar uma redacção que permita o princípio da compensação...

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - É a nossa!

O Orador: - Não, não é!
Seria uma redacção do tipo da que foi apresentada pelo PSD, acrescentada - e, enfim, não vou tomar agora a meu cargo o ónus de escrever esse acrescento à proposta, pois qualquer um de nós poderá fazê-lo em 30 segundos - de qualquer coisa no sentido de "salvaguardando os casos em que, havendo créditos do Estado superiores àqueles que o cidadão tem sobre o Estado, eles possam ser compensados".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Agora, o Estado deve suspender a execução, claro - não vejo qualquer inconveniente nisso e isso deve ficar na Constituição da República Portuguesa. E isto, por maioria de razão, se tivermos em conta um inúmero conjunto de matérias aqui consignado e em relação ao qual estamos rigorosamente em desacordo.
Portanto, se há matéria em que, julgo, é nossa obrigação pormo-nos de acordo é esta, no domínio quer dos princípios quer obviamente da aplicação, porque o problema mencionado pelo Sr. Deputado, não vamos negá-lo, pode colocar-se e não queremos suster uma execução de alguém que deva cinquenta centavos e seja credora de cinco.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - A aprovação disto é ao que leva!

O Orador: - Assim, se essa alteração surgir nesse sentido, mas não naquele em que a proposta do PS está redigida, porque para nós, mal ou bem, não dizem a mesma coisa, daremos obviamente o nosso apoio e percebemos que esse problema existe e terá eventualmente de ser resolvido.
Agora, é fundamental que os senhores aceitem este princípio. Uma vez aceite, estamos entendidos.

Vozes do PSD. - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-me que devemos começar por sublinhar que, ao contrário da nossa posição, que é de abertura, porque o que está em causa é a defesa do contribuinte, o Partido Socialista assume uma posição perfeitamente intransigente na defesa de uma tese que, é manifesto, fica muito aquém do objectivo que dizem proposto e pretendem pôr em prática.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há um ponto, Srs. Deputados, que devemos ter presente: o sistema fiscal encontra no princípio da justiça fiscal um princípio estrutural e estruturante, o mesmo acontecendo com o princípio da legalidade tributária. Mas não esqueçamos o princípio da ética. E, relativamente à ética, se estamos sempre a impor aos cida-

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dãos que devem cumprir os seus deveres fiscais, também o Estado tem de assumir o seu papel enquanto pessoa de bem.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, ser pessoa de bem, neste caso, significa tão simplesmente aceitar a compensação e a suspensão. Porque aqui trata-se da suspensão em tempo e não da suspensão tardiamente, dentro daquelas delongas que, sabêmo-lo, a administração, designadamente a fiscal, é, por vezes, bem pródiga em desenvolver.
Assim, dando provas sobejas da nossa abertura e do nosso efectivo compromisso de defender o contribuinte, propomos que à redacção por nós já apresentada para o n.º 3 do artigo 106.º acresça o seguinte:"(...) devendo a lei salvaguardar adequados mecanismos de compensação fiscal".
São ambos princípios, volto a referi-lo, que têm toda a dignidade para constar da Constituição e ambos os princípios, volto a dizê-lo com toda a ênfase possível, devem depois ser desenvolvidos e condensados na legislação ordinária.
Presumo que os Deputados do Partido Socialista vão ter uma resposta a dar, que, por se encontrarem distraídos neste momento, talvez não seja imediata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 106.º, queremos começar por congratular-nos pelo acordo unânime quanto à introdução na Constituição do princípio da não retroactividade dos impostos. Este princípio fazia parte' de uma proposta nossa, como, aliás, das de outros partidos, e o seu acolhimento em sede constitucional é, nesse aspecto, um passo positivo.
Mais diremos que, para nós, o acolhimento desta formulação da natureza não retroactiva dos impostos abrange a que tínhamos usado no artigo 106.º, isto é, o facto de essa não tributação também dizer respeito aos factos geradores do próprio imposto. A formulação que tínhamos proposto para o artigo 106.º foi depois encurtada, enxuta, nesta fórmula que acabou por ficar na Constituição, a de os impostos não terem natureza retroactiva, mas, em nossa opinião, ela deve abranger essa formulação inicial, no sentido de nesse conceito de não terem efeitos retroactivos estar incluído o nosso de ser vedada a tributação relativa aos factos geradores ocorridos antes da própria lei que impede que eles tenham natureza retroactiva.
Em relação à outra proposta em discussão, queremos dizer, desde já, que a proposta de aditamento ao artigo 106.º formulada. pelo PSD nos parece mais correcta e mais justa, do ponto de vista fiscal, que a proposta sobre a mesma matéria, mas relativa ao artigo 107.º, formulada pelo PS.
Em nossa opinião, não deve tratar-se unicamente de a lei prever formas de compensação de dívidas - é uma fórmula demasiado vaga esta formulação constitucional do PS, porventura a única permitida pelo Sr. Ministro Sousa Franco. A formulação do PSD, no sentido de ninguém poder ser executado por dívidas fiscais enquanto estiver perante a administração fiscal em posição credora, parece-nos, do ponto de vista da defesa dos direitos dos contribuintes e da justiça fiscal, mais correcta e mais próxima das próprias formulações do PCP, em sede das propostas que apresentámos para o n.º 3 do artigo 107.º.
Por isso, votaremos favoravelmente a proposta 45-P do PSD, lamentando que o Sr. Ministro Sousa Franco não tenha permitido que o Partido Socialista subscrevesse também uma proposta de idêntico teor em relação á esta matéria - talvez, até à altura da votação, possa haver outra opção...
Outra questão, Sr. Presidente, diz respeito ao artigo 107.º...

O Sr. Presidente: - Ainda lá não chegámos, Sr. Deputado. Vamos entrar, de seguida, na discussão do artigo 107.º, mas ainda não entrámos. Tenho de respeitar a ordem das inscrições e o Sr. Deputado ficará, desde já, inscrito.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de concluirmos a discussão deste artigo 106.º e passarmos à do 107.º, gostaria de dizer o seguinte: depois do debate nesta Câmara, os três partidos da oposição deixaram explícita uma clara adesão ao princípio, decorrente dos direitos de cidadania fiscal, de não haver execução fiscal de cidadãos, quando eles se encontrem numa posição credora reconhecida pela própria administração. Ficou também claro do debate que há uma cautela a ter aqui, no sentido de evitar que um cidadão que seja credor da administração fiscal de, por exemplo, 100 possa ver suspensa uma execução de 1000 contra si próprio. Ou seja, o mecanismo de compensação fiscal é um mecanismo que, necessariamente, terá de ser adequadamente utilizado pela lei de forma a acautelar os dois interesses em presença, o interesse do particular, cidadão, e o interesse colectivo da Administração relativamente a dívidas fiscais.
Finalmente, quero deixar registado em acta que, antes de terminada a discussão este artigo 106.º, o PSD vai entregar na Mesa uma adenda à nossa proposta inicial, uma vez que o princípio é o mesmo que o PSD sempre defendeu e que aqui foi corroborado, quer pelo Partido Popular quer pelo Partido Socialista. Essa adenda vai no sentido de que a lei deve salvaguardar mecanismos adequados de compensação fiscal para que fique totalmente afastada a dúvida sobre se o princípio deve ou não ser adquirido, uma vez que pode estar em causa algum prejuízo maior para a administração fiscal, embora não seja essa, seguramente, a intenção dos proponentes.
Esperamos que haja uma aceitação generalizada por parte da Câmara relativamente a este princípio...

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Vai haver!

O Orador: - ... porque é, de facto, um princípio de elementar justiça, que repõe no plano devido a administração fiscal face ao cidadão no sentido de que aquela, tal como toda a Administração Pública em geral, deve servir os cidadãos e não servir-se deles.
Portanto, trata-se de um princípio que, após esta clarificação, esperamos que possa merecer a adesão cabal desta Câmara, em particular do Partido Socialista que é o

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partido fundamental para, em conjunto connosco, poder perfazer os dois terços necessários à aprovação desta alteração da Constituição que, como ficou explícito neste debate, é claramente uma benfeitoria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fico a aguardar a entrega da proposta que referiu mas talvez fosse mais prático alguém requerer o adiamento da votação deste artigo 106.º de modo a haver mais tempo de meditação sobre a possibilidade de uma formulação que mereça a aprovação de toda a Câmara. Parece que todos são sensíveis ao problema e, no fundo, o que falta é uma redacção que elimine as resistências que ainda existem. Portanto, talvez se faça luz de repente com uma redacção que mereça o consenso de todos.
Assim, na devida altura, se alguém quiser requerer o adiamento da votação, ganharíamos tempo para poderem continuar a discutir noutra sede.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das alterações relativas ao artigo 107.º.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a este artigo, também nos congratulamos com a introdução da consagração da tributação do património, tal como está referida no artigo 107.º, substituindo, portanto, apenas a parte referente ao imposto sobre sucessões e doações.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazia parte das nossas propostas uma de substituição do imposto sobre as sucessões e doações pela tributação sobre o património conforme ficou inscrito no texto da CERC. Nesse aspecto, congratular-nos-íamos e estaríamos de acordo com esta alteração. Só que, entretanto, essa alteração, que nos parecia positiva, de acabar com o imposto sobre as sucessões e doações e substituí-lo por um imposto sobre o património, foi acompanhada por uma outra que nos parece ser profundamente negativa.
Refiro-me ao n.º 3 deste artigo, cuja redacção é " O imposto sobre sucessões e doações será progressivo, de forma a contribuir para a igualdade entre os cidadãos" que será substituído pelo seguinte: "A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos". São duas coisas completamente diferentes.
Aliás, socorrendo-nos do anterior presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, autor de textos anotados sobre esta matéria juntamente com Gomes Canotilho, a própria ideia de igualdade em matéria de tributação do património resulta da forma progressiva do imposto. Esta ideia de progressividade do imposto, segundo eles, aumentando as taxas à medida que aumenta o valor do património, é um conceito fundamental para atenuar as desigualdades e, portanto, para chegar ao próprio conceito de igualdade.
A expressão que estava inserida anteriormente, e que ainda está, no texto constitucional é, quanto a nós, muito mais correcta do ponto de vista dos princípios constitucionais fiscais do que o princípio que agora vai passar a estar inserido. Isto é, a igualdade atinge-se, também e fundamentalmente, pela concepção progressiva do imposto sobre o património. O contrário pode vir a não suceder.
Nesse sentido, Sr. Presidente, parece-nos que esta substituição do conceito de progressividade pelo conceito de igualdade piora a formulação que ainda consta da Constituição e, de algum modo, anula ou, pelo menos, diminui em muito o alcance da substituição do imposto sobre sucessões e doações pelo imposto sobre o património.
Lamentamos que assim seja pois, estando inscrita na Constituição a ideia de progressividade, em sede de sucessões e doações, não vemos qual a razão por que esta ideia de progressividade é substituída pela ideia de igualdade na tributação do património, sendo certo que, para se atingir a ideia de igualdade, é necessário a progressividade das taxas à medida que o valor do património também é maior.
É esta a questão que deixamos em aberto e que gostaríamos que alguém esclarecesse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 107.º, o Partido Popular, durante a segunda leitura da Constituição e mesmo no seu próprio projecto de revisão constitucional, apresentou algumas propostas de alteração e uma de eliminação do n.º 3. Essa nossa proposta foi rejeitada, mas entendemos que merece claramente o nosso apoio a redacção para o n.º 3 que acabou por ser objecto de acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, que é a seguinte: "A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos". Isto, independentemente de poder ou não haver redacções mais felizes, visando eventualmente objectivos diferentes dos que presidiram à intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Portanto, no que se refere ao artigo 107.º, consideramo-nos satisfeitos com a redacção encontrada e que foi objecto de consenso durante a segunda leitura.
Todos sabemos que a tributação do património levanta problemas, que há que salvaguardar situações e que prevê-las face a processos de integração que estão em curso neste momento.
Por fim, relativamente à proposta que apresentámos no sentido da eliminação do n.º 3 deste artigo, parece-nos que era mais ajustada ao que é a justiça fiscal que deve imperar num Estado de direito como o nosso, visando, em última análise, os objectivos que creio que todas as outras bancadas também visam.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, faço uma pequeníssima intervenção em jeito de resposta, apenas para transmitir a posição do PSD em relação à preocupação suscitada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sr. Deputado, o problema é que, já no n.º 2, relativo à tributação sobre as empresas, não existe o princípio da progressividade. Como sabe, não existe porque a progressividade é apenas um instrumento entre vários que podem ser utilizados em termos de impostos. A razão de não existir o princípio da progressividade no n.º 2 tem a ver

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com a base heterogénea do universo empresarial. Ou seja, temos pequenas e médias empresas, temos grandes empresas e, portanto, não era possível encontrar uma lógica de progressividade única como acontece no imposto sobre o rendimento que é um imposto único.
No que diz respeito à tributação, o problema é o mesmo, Sr. Deputado. Isto é, como existe uma heterogeneidade na base da tributação, os instrumentos ao dispor do legislador para o imposto sobre o património vão incidir quer sobre empresas quer sobre particulares, pessoas individualmente consideradas. A progressividade será um dos instrumentos possíveis mas haverá outros, tais como benefícios fiscais, e haverá mesmo a própria base de avaliação da massa tributável que é um dos instrumentos fundamentais para atingir a tal igualdade. Portanto, optou-se - e do meu ponto de vista, bem, atendendo a esta heterogeneidade da base que não existe no n.º 1 relativamente ao IRS - por estabelecer na Constituição apenas o princípio da equidade no sentido de contribuir pára a igualdade entre os cidadãos porque esse é que é o valor fundamental para que deve ser direccionada a legislação da tributação sobre o património.
De resto - não sei se o Sr. Deputado terá participado nesse debate na CERC -, o PSD chegou a propor o princípio da equidade fiscal como um princípio ainda mais genérico, mas optámos pelo da igualdade porque já tem curso na nossa Constituição em sede de sistema fiscal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, faço uma curta intervenção para responder ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sr. Deputado, penso que há algo em que poderemos estar de acordo que é que esta redacção encontrada para a proposta de substituição do n.º 3 do artigo 107.º não parece ser a mais feliz, para usar a expressão do Deputado António Galvão Lucas.
É que, perante a dissertação que o Sr. Deputado acabou de fazer sobre o tipo de imposto que está em discussão, terei de responder-lhe que o imposto de que estamos a falar, a tributação do património que substituiu o imposto sobre as sucessões e doações, aproxima-se mais do imposto sobre o rendimento pessoal - que está previsto no n.º 1 do artigo 107.º e que, como tal, é progressivo e não foi alterado - do que da tributação sobre as empresas que o Sr. Deputado invocou em justificação para a não existência da progressividade.
Estamos em sede de tributação sobre o património, em sede de tributação sobre sucessões e doações relativamente a património pessoal e, como tal, a sua tributação deve ser progressiva, as taxas devem ir aumentando à medida que o património também vai aumentando, exactamente nos precisos termos em que está consagrado na Constituição no n.º 1 deste mesmo artigo quanto ao imposto sobre o rendimento pessoal, e que não foi alterado, embora, obviamente, a fonte da riqueza seja diferente - a fonte da primeira é o trabalho, a da segunda é, por exemplo, uma herança. Mas a génese de um património pessoal, de uma riqueza pessoal que, no n.º 1, justifica a existência da tributação progressiva também deveria levar ao mesmo raciocínio quanto ao n.º 3. Ou seja, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o raciocínio aplica-se ao n.º 1 e não se aplica ao n.º 2 que é relativo à tributação sobre as empresas.
Portanto, também aqui nos parecia fundamental ,que, neste contexto, a tributação sobre o património incluísse a ideia de progressividade como instrumento para a redução das desigualdades que são geradas por um património crescente e que implicasse taxas eventualmente idênticas.
De qualquer modo, apesar desta nossa leitura crítica e da preferência que damos à formulação progressiva, é também nosso entendimento que, independentemente do resultado da votação que iremos fazer, devemos continuar a considerar este n.º 3, para efeitos de interpretação constitucional futura, como podendo incluir a ideia da progressividade, embora sublinhe que, em nossa opinião, a ideia da progressividade deveria estar claramente explicitada para evitar quaisquer dúvidas ou ambiguidades futuras de interpretação constitucional, considerando nós até que, segundo a leitura do próprio Sr. Deputado Luís Marques Guedes, esta tributação sobre o património se inclui mais no conceito do n.º 1 relativo ao imposto sobre o rendimento pessoal, que é progressivo, do que sobre a tributação das empresas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na discussão das alterações relativas ao artigo 108.º.

Pausa.

Como não há pedidos de palavra, passamos à discussão das alterações relativas ao artigo 109.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista do Partido Social Democrata, o inciso da anualidade do Orçamento no artigo 109.º justifica-se por ter ocorrido um avanço significativo neste processo de revisão constitucional relativamente ao capítulo do planeamento, aquando do debate sobre a Organização económica, no sentido de erradicar, de vez, da Constituição o princípio da planificação da economia, substituindo-o por um princípio mais moderno e mais adequado: o princípio da definição de objectivos estratégicos do desenvolvimento económico e social - os chamados planos de desenvolvimento económico e social.
Nesse sentido, sairão da Constituição as normas que, definindo a obrigatoriedade de existência de planos anuais, também determinavam que o Orçamento do Estado era a expressão financeira desses mesmos planos. Ora, de acordo com as alterações a introduzir na Constituição, se a periodicidade dos planos passa a ser uma opção de cada Governo e do seu programa, livremente sufragado pelos portugueses, é evidente que se torna necessário reafirmar no texto constitucional o princípio da anualidade obrigatória do Orçamento do Estado. É essa a justificação desta alteração ao artigo 109.º, uma vez que nenhuma proposta de alteração à Constituição pretendeu, em algum momento, retirar o princípio da anualidade das leis do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Avocámos a Plenário a discussão da proposta de aditamento de um n.º 4 ao artigo 109.º, apresentada pelo CDS-PP, do seguinte teor: "A proposta de Orçamento não pode apresentar um nível de despesas

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correntes que exceda em mais de 3% as receitas correntes previstas para o mesmo ano".
Esta proposta tem suscitado alguns comentários, designadamente o de que, por esta via, estaríamos a comprometer-nos com objectivos de convergência. Não é nada disso que se trata, até porque estamos a falar de despesas correntes; trata-se, sim, de um acrescento que consideramos desejável para que haja, à partida - e estamos a falar de despesas correntes -, uma limitação em termos de défice, que não é o verdadeiro défice orçamental, já que está em causa uma percentagem em termos de despesas correntes face às receitas correntes.
Dou esta pequena explicação para evitar que, mais uma vez, a proposta do CDS-PP seja considerada como uma adesão a critérios de convergência, o que, aliás, não seria nada que me soasse a heresia, até porque já aqui foi referido - e é verdade - que o Partido Popular defende todo um conjunto de regras de contenção, de redução de taxas de juro e de despesa, políticas estas que, em última análise, são semelhantes a muitos dos critérios de convergência, critérios estes que, ao fim e ao cabo, são saudáveis para a condução da economia da forma como nós preconizamos.
Seja como for, este é um pequeno esclarecimento que entendemos ser necessário trazer aqui e daí, talvez, a insistência na avocação a Plenário da discussão desta alteração ao artigo 109.º. No demais, consideramos correcta a posição do PSD quanto ao aspecto da anualidade da lei do Orçamento.
É tudo quanto este artigo nos, suscita, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As alterações que, tudo indica, vão ser introduzidas nesta revisão constitucional em matéria de elaboração do Orçamento são reduzidas. Na verdade, nenhuma grande, grande alteração orgânica e conceptual foi objecto de um consenso de dois terços e creio, francamente, que ainda bem.
A grande, grande alteração traduzir-se-ia, como é inteiramente óbvio, em distinguir, na elaboração orçamental, dois momentos: o momento da ponderação das alterações fiscais e o momento da conglobação das receitas e despesas. Mas essa distinção, que envolveria uma prática orçamental totalmente diferente da nossa e o fim dos chamados valets budgétaires e da própria inserção de normas fiscais no Orçamento, implicaria uma tão grande mudança e, porventura, uma mudança tão incomportável para os nossos modos de funcionamento que, verdadeiramente, ninguém colocou essa hipótese em cima da mesa e os grupos de trabalho que, no âmbito da reforma fiscal, ponderaram soluções possíveis para esta questão não chegaram, formalmente, a aventar, sequer, tal hipótese como hipótese consistente.
Resta, então, o reino das pequenas mudanças. E essas mudanças, apesar de pequenas, não são irrelevantes. Por um lado, clarificou-se, de forma absolutamente inequívoca, o princípio da anualidade do Orçamento, que era obtido na vigência do texto actual por subtis e complexas hermenêuticas e agora é proclamado de forma absolutamente cristalina e inequívoca, por outro lado, alargou-se a extensão das obrigações relatoriais na preparação do Orçamento e na sua submissão à Assembleia da República e, por fim, clarificou-se que tudo o que diz respeito à concepção do enquadramento e da arquitectura orçamental deve ser inserido na zona mais nobre das competências legiferantes da Assembleia da República.
Se articularmos estas alterações com o disposto no artigo 90.º, em matéria de planeamento, de elaboração e execução de planos, teremos o retrato desta revisão constitucional: sintética e comedida. O nosso problema não é tanto de arquitectura constitucional mas, sim, de mais eficácia da administração fiscal, de mais eficácia na preparação orçamental e de mais eficácia do Parlamento na discussão e no controlo orçamental, aspecto de que não se fala neste artigo.
O resultado é, portanto, sóbrio. A tarefa está nas nossas mãos a nível infra-constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Amaro.

O Sr. Álvaro Amaro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas deixar uma nota de congratulação em relação à proposta de alteração à alínea e) do n.º 3 deste artigo 109.º, que vem consagrar constitucionalmente as "transferências das verbas para as regiões autónomas e as autarquias locais", em sede de Orçamento do Estado.
Gostava de recordar aqui que desde 1979, com o primeiro diploma de finanças locais, e, mais tarde, em 1987, esta foi uma prática que veio sendo introduzida e, por isso, melhorada desde que definido o primeiro regime financeiro autárquico. Muito nos satisfaz que agora ela passe a ser, também, prática constitucional.
De resto, aproveito para recordar que, na própria lei do Orçamento, o PSD entende já hoje que, para além da prática que veio seguindo, nos últimos anos, de desagregação em termos de verbas, bem poderemos chegar a uma discriminação entre autarquias, locais, isto é, em sede de lei do Orçamento deve constar a indicação não apenas das verbas a transferir para os municípios mas, também, para as freguesias. Ou seja, neste contexto, deve ser dada igual importância aos dois tipos de autarquias existentes. Só assim haverá, no âmbito da discriminação financeira, o conhecimento claro e inequívoco da responsabilidade de qualquer Governo em matéria de transferências de verbas para os diferentes tipos de autarquias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para urna intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de fazer algumas observações sobre a proposta de aditamento de um novo número ao artigo 109.º. Este aditamento parece-me insusceptível de ser aceite por parte do Grupo Parlamentar do PSD porque, a ser aprovado, retiraria à Assembleia da República a possibilidade de discutir o Orçamento.
Com efeito, é o Governo que toma a iniciativa de apresentar uma proposta de Orçamento, mas o Orçamento é uma lei e, como tal, é um produto da Assembleia da República - que das alterações introduzidas pelos Deputados nessa proposta de lei sejam retiradas leituras políticas por parte do Governo ou por parte dos grupos parlamentares, isso é um aspecto que não tem de ficar consagrado na Constituição. Mas a verdade é que não se trata de um decreto-lei mas, sim, de uma lei que é obra

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desta Assembleia, a partir de uma proposta originária do Governo, pelo que penso que é impensável retirar aos Deputados a possibilidade de apresentarem propostas de alteração a essa proposta de lei.
Mais: a forma como está restringida essa possibilidade de os Deputados apresentarem propostas de alteração, só por si, seria inaceitável, porque qualquer alteração que envolva aumento de despesa só poderia ter como contrapartida um aumento de receita, isto é, já nem se aceita que esse aumento de despesa pudesse ter como contrapartida uma outra redução de despesa, teria de ser por via da receita!
Por outro lado, num Orçamento, a receita é uma previsão, como de resto a despesa, em relação à qual os Deputados têm menos elementos para poder fazer correcções. Portanto, qualquer proposta de alteração de despesa que tivesse como hipótese uma alteração de receita seria sempre uma forte demagogia, porque ela redundaria ou na correcção da previsão da receita para a qual não temos elementos ou, provavelmente, pior do que isso, em propostas de alienação de património, cada vez que quiséssemos apresentar uma proposta de alteração de despesa - nada melhor do que apresentar uma proposta de alteração de despesa e, como contrapartida, por exemplo, vender a TAP!
Posto isto, Sr. Presidente, julgo que esta proposta não encerra apenas um problema de redacção mas, sim, um problema de princípio. A Assembleia da República não pode abdicar do papel nobre que tem de produzir a lei do Orçamento, que não é um decreto-lei, porque se assim fosse, então, talvez pudéssemos pedir a sua ratificação e fazer pequenos ajustamentos. Mas não é um decreto-lei, é uma lei.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite, escolho esta figura regimental porque, há pouco, quando intervim, apenas me referi a uma alínea do n.º 3 e não ao n.º 4.
Da sua intervenção, resulta que é exacto que não se deve vedar aos Deputados a possibilidade de apresentar alterações à proposta de Orçamento que, em última análise, envolvam aumento do défice, por exemplo. Ora, poder-se-ia retirar do texto da proposta de alteração que tal não seria possível, já que uma das leituras possíveis era que, de facto, ao apresentar-se uma proposta de aumento de despesa, teria de haver uma indicação clara sobre onde se vai buscar a receita para cobrir essa despesa.
Embora admitamos a possibilidade de poder ser melhorada a sua redacção, o objectivo é claramente o de evitar que, durante um processo de discussão do Orçamento, se apresentem propostas - ao longo da minha curta experiência, já tive oportunidade de presenciar situações desse tipo -, de forma maciça e sucessiva, sem se indicar claramente qual a contrapartida para essas despesas, isto com a flexibilidade natural que pode e deve haver. De facto, posso defender um Orçamento com um défice não de 2,5% mas de 4 ou 5%, se entender que tal valor não é contrário à política que preconizo.
Todavia, penso que terá de haver alguma melhor definição do tipo de receitas que terão de apresentar para fazer face às despesas - e não serão, com certeza, receitas decorrentes da venda de activos, como a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite referiu, de património ou de privatizações!
Esta é, portanto, uma norma que gostaríamos de ver introduzida, eventualmente melhorada, para que, em sede de discussão na especialidade de um Orçamento do Estado, não fosse possível apresentar-se, em catadupa, propostas de aumento de despesa, sem que houvesse a contrapartida da indicação do local onde se vai buscar a receita. Isto, sob pena de, tal como já aconteceu aqui recentemente, estarmos a entrar numa discussão irrealista, se quiser, ou, eventualmente, não construtiva, porque não conduz, necessariamente, a uma solução exequível, para além do grau de flexibilidade que considera desejável, e com o qual também concordo, e da maior correcção que representa a indicação do local onde se podem encontrar as receitas.
Portanto, ao fazer este tipo de pedido de esclarecimentos, estou, talvez, mais a esclarecer do que a pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada, mas, já agora, gostava de saber se não vê como compatibilizar esta ideia, e julgo que me fiz entender, com aqueles que são os argumentos de carácter técnico que apresentou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, quanto à sua questão sobre se deverá, no fundo, ser permitido fazer propostas de alteração que agravem o défice, digo-lhe o seguinte: por que não? Por que não? Qualquer Deputado, nesta Casa, qualquer grupo parlamentar tem o direito de o fazer, com as respectivas consequências políticas, Sr. Deputado.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Claro!

A Oradora: - Se houver um grupo parlamentar que faça propostas de alteração que agravem muito o défice do Orçamento proposto pelo Governo, alguém será, com certeza, politicamente punido por esse motivo. Se houver propostas consideradas irresponsáveis, com certeza, politicamente, alguém será punido.
Mas, Sr. Deputado, a minha intervenção não introduz nenhum elemento de natureza técnica, introduz simplesmente elementos de natureza política. O Orçamento do Estado é uma proposta de lei da qual sai uma lei, obra desta Assembleia, e não podem os Deputados, de forma nenhuma, ter qualquer tipo de limitação na elaboração dessa lei.
Estou de acordo com a existência da lei-travão, que, no fundo, impede que os Deputados possam fazer esse tipo de propostas de alteração no decurso da execução do Orçamento, porque, como é evidente, não se pode, de repente, alterar a política que o Governo está a seguir, de acordo com o Orçamento que tem, mas relativamente à proposta de lei de Orçamento, Sr. Deputado, com a sua proposta, redigida assim ou assado, diria que a Assembleia da República deixava de ter competência em matéria orçamental. E, na verdade, não podemos estar limitados absolutamente por nada, a não ser por motivos de natureza política e quanto a estes cada um os assumirá da forma como entender.
Portanto, Sr. Deputado, qualquer limitação na discussão do Orçamento retira a esta Assembleia um dos momentos nobres que lhe compete, que é o da discussão do Orçamento.
Na fase de execução do Orçamento, se o Sr. Deputado quiser propor mais alterações além da lei-travão, po-

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demos ponderar; no entanto, na fase de preparação do Orçamento, entendo que nenhuma limitação pode ser imposta a esta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É um princípio que vem das Cortes!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há momentos, neste debate da revisão constitucional, em que olho para a Mesa e sinto que o Sr. Presidente gostaria de estar aqui, do nosso lado, a discutir esta matéria. E estou convencido de que se estivesse não poderia aprovar esta proposta do PP, curiosamente, apoiada pelo Partido Socialista. Aliás, quase juraria que, se o Partido Socialista estivesse na oposição, também não apoiaria esta proposta do PP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Obviamente!

O Orador: - É que esta proposta do PP, apoiada pelo Partido Socialista, a ser aprovada e constitucionalizada, significaria, pura e simplesmente, a expropriação dos poderes orçamentais da Assembleia da República. Ora, a lei orçamental é da competência exclusiva da Assembleia da República, mas o PP e o PS querem transformar aquele que é o resultado do debate político, da condenação ou do apoio político dos eleitores às propostas que aqui sejam aprovadas ou rejeitadas, num travão constitucional à liberdade e aos poderes constitucionais da Assembleia da República numa matéria tão nobre e tão importante. É evidente que a aprovação desta proposta significaria que, praticamente, nada mais poderíamos fazer aqui do que dizer "sim" ou "não" àquelas que são as traves-mestras fundamentais das propostas do Governo.
Mas, mais, Sr. Deputado Galvão Lucas, e a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite já teve oportunidade de o referir: suscita-se aqui uma questão política de fundo e também uma questão técnica. E, tecnicamente, penso que esta proposta até está mal redigida. Vejamos: mesmo que valesse o princípio que está inscrito na proposta, e não vale, por que é que um Deputado que, amanhã, quisesse fazer uma proposta que envolvesse aumento de despesas, teria, necessariamente, de propor um aumento de receitas e não poderia diminuir despesas? Qual é, digamos, a lógica técnica desta proposta? Isto, sem prejuízo de estarmos, obviamente, em completo desacordo quanto à questão de fundo e de estarmos apenas a falar no terreno em que os senhores se colocam.
Por outro lado, fazer depender o debate e a votação do Orçamento dos défices orçamentais pretendidos pelo Governo, submeter a intervenção dos Deputados à necessidade de respeitarem os défices pretendidos pelo Governo significaria, já não direi pôr o défice na dependência de Maastricht, como o PP propõe noutro momento do Orçamento, mas a governamentalização de todo o processo orçamental da Assembleia da República. Isto, obviamente, é uma proposta inaceitável, que colide com a nossa autonomia, com a independência da Assembleia da República, com o poder exclusivo que a Assembleia da República tem sobre o Orçamento e cujo balanço e leitura política têm de ser feitos pelos eleitores e não por um travão constitucional como aquele que os senhores propõem.
Congratulamo-nos por a proposta não ter merecido maioria qualificada, mas sublinhamos o facto curioso de o Partido Socialista ter acompanhado esta proposta do PP.
Por último, Sr. Presidente, também não quero deixar de me congratular com o facto de a Constituição consagrar, no mesmo plano de outras normas, a transferência de verbas para as autarquias locais. Penso que é um princípio positivo que retiramos da prática e da legislação ordinária para a sua constitucionalização.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, a' sua intervenção foi clara e, portanto, o meu pedido de esclarecimentos tem um pouco a ver com a intervenção da Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite e não com aquilo que disse.
É óbvio que a nossa intenção não era a de coarctar a possibilidade de um Sr. Deputado fazer propostas no sentido de aumentar o défice ou, enfim, a de retirar, em última análise, a esta Câmara a possibilidade de propor ou elaborar o Orçamento que muito bem entender, com o tal preço político que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite referiu.
Portanto, antes de suscitar o problema técnico quê o Sr. Deputado equacionou, e relativamente ao qual não tenho qualquer problema em reconhecer que tem alguma lógica - podem encontrar-se compensações do lado da receita mas também se podem encontrar compensações através da redução da despesa -, a questão está em saber se tem ou não o entendimento político que temos, ou que, pelo menos, eu tenho, de um processo de discussão do Orçamento. É que, a manter-se a posição que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite aqui defendeu, estamos, em última análise, a permitir que uma proposta de alteração do Orçamento equivalha a um voto contra o Orçamento. Mas é uma liberdade que VV. Ex.as entendem que esta Câmara deve ter, mesmo para além de tudo o que é admissível, mesmo para além de tudo o que é realista, baseada numa sucessão de propostas não justificadas em algo parecido com aquilo que propomos. VV. Ex.as consideram isso aceitável e legítimo e, portanto, é alguma coisa que não deve ser coarctada.
Pergunto: é esse o entendimento do Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, nestas coisas, os adjectivos contam. Penso que, relativamente ao debate do Orçamento, não é adequado usar expressões tão subjectivas como "propostas irresponsáveis" e "propostas irrealistas", porque estamos em sede de um debate particularmente importante, que resulta na definição e aprovação do conjunto das despesas e receitas anuais do País. E este é um poder exclusivo da Assembleia da República! Isto é, no momento em que o Governo elabora a sua proposta de Orçamento e a entrega na Assembleia ela passa a ser uma proposta que está na Assembleia e que virá a ser uma lei da Assembleia, que tem competência exclusiva nesta matéria. O que o Governo terá de fazer, no caso de ter maioria relativa ou mesmo tendo maioria absoluta, é um processo de debate político e de negociação política,

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considerando ou não as propostas apresentadas pelos vários partidos representados na Assembleia da República. A conclusão desse processo é uma conclusão política: ou o Governo as aceita ou não aceita e, se não aceita, tem mecanismos para expressar a sua não aceitação, como a apresentação de uma moção de confiança ao Plenário e, eventualmente. no limite, a provocação de eleições antecipadas. Agora, o que não podemos, a pretexto disso, é coarctar de tal modo os poderes orçamentais da Assembleia da República que afectemos profundamente o poder legislativo numa matéria tão fundamental como a do Orçamento do Estado.
Esta é uma questão central da nossa intervenção legislativa e o balanço político dessa intervenção é tirado por cada um, isto é, tira-o o Governo, tira-o a oposição e tirá-lo-ão os eleitores. Esse é que é o caminho justo, o caminho justo não é coarctar e colocar a Assembleia da República na dependência dos objectivos programáticos do Governo, como sejam os défices que o Governo estabelece. Por que razão é que se o Governo estabelece um défice de 2,6 a Assembleia não pode aumentá-lo para 2,7 ou diminui-lo para 2,3? Por que é que não o poderá fazer? Esta é uma opção política da Assembleia e de que a Assembleia não deve largar mão.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo indica que não haverá nenhuma alteração em matéria de poderes orçamentais e de margem de manobra orçamental parlamentar.
Há Constituições outras onde soluções deste tipo são aventadas, designadamente a Constituição germânica, por razões que têm a ver com os chamados factores de governabilidade. Na Constituição portuguesa isso não acontece, mas também é bom de ver que o quadro que existia em 1976 não existe hoje e a liberdade existente neste domínio é uma liberdade que é, cada vez mais, consciência das possibilidades e necessidades. E ninguém, seguramente, é alheio a isso! O Orçamento não é uma página em branco para ninguém, mesmo para os mais extremos partidos de oposição.
Estamos numa era em que as palavras viajantes incluem expressões como "pacto de estabilidade", "planos de convergência", "fiscalização conjunta por parte das estruturas da União Europeia em relação ao exercício orçamental com vista à realização de metas comuns", etc. Assim é, e tudo indica que assim será!
Dito isto, governaremos, governará quem governar, sempre no quadro que está actualmente gizado, o que significa que quem perturbar os equilíbrios, quem perturbar os défices, sem avançar com alternativas, goza daquilo a que chamaria uma liberdade de Pirro, porque pode ter a obrigação de ser Governo para executar a "cama" orçamental onde quis "deitar" outros e pode acabar "deitado". Mas isso faz parte das regras do jogo democrático!... Já assim era e continuará a ser, todos estamos extremamente cientes disso e perfeitamente activos e preparados para todos os cenários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a discussão das alterações relativas ao artigo 109.º.
Parece haver consenso no sentido de procedermos à discussão das alterações relativas ao artigo 33.º, que ficou suspensa, com a formulação das propostas 88-P, apresentada por Deputados do PS e do PSD, e 90-P, apresentada por Deputados do Partido Comunista.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 33.º, um dos artigos que foi abordado com mais mediatização durante a primeira fase dos trabalhos da CERC, tem a ver com a alteração dos mecanismos de extradição.
Como é sabido, hoje em dia, existem problemas internacionais com o combate ao terrorismo, bem como com o combate a formas de criminalidade internacional organizada, que são hoje preocupações essenciais dos Estados modernos e são causa dos principais focos de criminalidade violenta que existem um pouco por todo o mundo civilizado. E evidente que Portugal não podia estar à margem do processo de cooperação judiciária que tem vindo a desenvolver-se sobre esta matéria, designadamente no contexto da União Europeia e, por essa razão, foi avançado um conjunto de propostas que tinham por único objectivo flexibilizar o texto constitucional, no sentido de permitir ao legislador ordinário, nomeadamente ao Estado português, lato sensu, a negociação e a adesão a convenções internacionais que tivessem por objectivo o combate mais eficaz a esses fenómenos, hoje em dia tão dramáticos, como são o terrorismo e a criminalidade internacional organizada.
Nunca esteve minimamente na intenção de qualquer das propostas presentes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, ao contrário do muito que para aí se disse e se escreveu - seguramente por pessoas menos informadas, -, permitir a extradição de cidadãos que fossem enfrentar, no Estado requisitante, julgamentos que tivessem por objectivo a pena de morte. Nunca foi esse o objectivo de nenhuma das propostas, sempre houve, ao invés, a preocupação, por parte dos Deputados da Comissão Eventual para Revisão Constitucional, de salvaguardar no texto constitucional a não admissibilidade de extradição quando não houvesse garantias de que uma semelhante pena não seria aplicada ao cidadão em causa. No entanto, são conhecidas as posições que, publicamente, foram assumidas sobre esta matéria. Valha a verdade que, do lado do PSD, houve, até ao último momento, relativamente a esta matéria, dúvidas sobre, em qualquer circunstância, mesmo com garantias, admitir a possibilidade da extradição para países cujas ordens jurídicas contenham a pena de morte. Foi possível, já depois do acordo político, uma reapreciação desta questão, feita de modo sério, com a audição das entidades e das autoridades responsáveis e politicamente envolvidas nesta matéria ao nível do Estado, e saiu uma nova redacção, que é a que temos agora para discussão no Plenário, a da proposta 88-P.
Nesta proposta, há um avanço significativo que, em nome do PSD, não quero deixar de frisar e que tem a ver com, a par do afastamento liminar de quaisquer hipóteses de extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de morte, o afastamento liminar de situações de extradição a que corresponda uma qualquer pena de que resulte lesão irreversível da integridade física. Todos sabemos como, em alguns países, existe ainda a barbárie de penas criminais que implicam mutilações, sejam castrações em situações de crimes

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de violação, sejam amputações de membros em crimes de roubo, situações perfeitamente desumanas a que, ainda hoje, repito, assistimos em alguns países. Por essa razão, e dada a lógica da irreparabilidade deste tipo de penas, em paralelo com o problema que se coloca também na pena de morte - todos sabemos que a execução desse tipo de penas implica algo de irreparável e de completamente inadmissível à luz dos direitos humanos -, este avanço parece-nos muito significativo e, dado que não constava de nenhuma das propostas iniciais, o PSD honra-se e orgulha-se de ter sido possível encontrar o entendimento em torno desta matéria.
Para além disso, termino explicitando que, face à tal polémica que se gerou na sociedade portuguesa, também houve oportunidade de deixar claro que em todas essas situações de extradição, quer de cidadãos portugueses, quer de outros cidadãos, por crimes a que correspondam penas que não sejam pena de morte nem de que resulte lesão irreversível da integridade física seja sempre necessário existir uma convenção internacional a que Portugal tenha aderido, convenção internacional, essa, que salvaguarde, por um lado, o princípio da reciprocidade entre os dois países, entre as duas ordens jurídicas, e, por outro, o princípio de que, quando esteja em causa a extradição de cidadãos portugueses, tenha de haver, ao abrigo dessa convenção internacional, a garantia de que o julgamento terá sempre um procedimento que respeite a justiça e a equidade em termos processuais. E a forma conhecida, como os Srs. Deputados sabem, em termos de Direito Internacional, do due process of law, a chamada regra de garantias de defesa, que salvaguarde, em todas as instâncias, sempre, todos os mecanismos possíveis de defesa de um qualquer cidadão acusado de um crime dentro da lógica de que existe uma presunção de inocência até prova cabal em contrário.
Portanto, é esta a proposta final que surge, felizmente, por entendimento já consagrado entre o PSD e o PS, o que possibilita a sua concretização em termos de Constituição. Parece-nos um verdadeiro avanço que irá permitir, sem transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, a adesão de Portugal a mecanismos internacionais de combate a crimes de terrorismo e criminalidade organizada lato sensu. Sem nunca transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, insisto, mas permitindo uma cooperação judiciária que salvaguarde os interesses de Portugal e, em primeira linha, que salvaguarde também a segurança, que é uma das questões fundamentais em termos dos direitos humanos e tantas vezes, hoje em dia, descurada, infelizmente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca, ao longo deste processo de revisão constitucional, nem antes dele e estou convencido de que também tal não ocorrerá depois dele, se ouviu a voz de um Deputado a admitir que se pudesse consignar qualquer solução de extradição para que o eventual extraditante fosse, em qualquer Estado terceiro, submetido a pena de morte. Sempre nos orgulhámos da circunstância de a pena de morte ter sido banida da história constitucional e criminal portuguesa, sempre nos orgulhámos da circunstância de termos sido, nessa matéria, um exemplo para o mundo civilizado e não seria, seguramente, desta vez que aceitaríamos decair de tal propósito. Não aceitamos a pena de morte na ordem jurídica interna, não colaborámos nem colaboraremos nunca com qualquer solução que admita a pena de morte a título de regime-regra ou, mesmo, a título excepcional. Por isso mesmo a solução originária do acordo PS/PSD encarou uma fórmula que jamais admitiria que qualquer cidadão que fosse objecto de extradição pudesse ser subordinado a pena de morte. No entanto, essa solução veio a confrontar-se com algumas perplexidades e - por que não dizê-lo também com verdade? - com algumas interpretações claramente erróneas.
Porque a Constituição não deve ser apenas um programa jurídico mas deve ser também, do ponto de vista simbólico, um elemento referencial para a coesão nacional, e dado que, neste domínio, algumas perplexidades nos pareceram excessivas, sempre se nos afigurou adequado fazer um esforço e um trabalho de revisão das soluções em torno do artigo 33.º, para que, por um lado, não subsistissem quaisquer ambiguidades interpretativas relativamente às soluções que viessem a ser fixadas mas, por outro lado, não fechássemos os olhos à problemática da criminalidade internacional, que exige também uma resposta adequada do Estado português no âmbito do Estado de direito em que nos inserimos.
Por isso, foi com muito gosto que, no quadro da CERC, tive a possibilidade de, com os Deputados que dela fizeram parte, promover uma série reflectida de audiências a um conjunto de entidades institucionais e a outras personalidades independentes da vida pública portuguesa, no sentido de podermos reflectir em conjunto sobre as melhores vias de solução. Desde membros do Governo, como o Ministro da Presidência e o Ministro da Justiça, até eminentes responsáveis, como o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente do Tribunal Constitucional, desde personalidades independentes até representantes de instituições da sociedade civil ligadas à problemática da protecção dos direitos fundamentais ou, ainda, à Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, a todos pudemos conceder a palavra que, naturalmente, era um direito de cidadania - e reflectir em conjunto sobre uma solução compatível.
Por isso me congratulo, em meu nome pessoal e, seguramente, também em nome da bancada do PS, de que essa solução, partilhada certamente por um consenso alargado nesta Câmara, possa agora ser objecto de apreciação. Com ela, fica inteiramente claro que não é admitida - como, aliás, nunca se quis que fosse - a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de morte. E temos agora até a possibilidade de ir mais longe, no sentido de acrescentar algo que (permitam-me que agora o refira) já se encontra mais próximo da própria solução originária do projecto do PS e que são as situações em que possa resultar lesão irreversível da integridade física.
Admite-se também, noutro plano, e feitas estas salvaguardas, que, para todos, prevalecerá a possibilidade de extradição de cidadãos portugueses mas em condições extremamente restritivas. Em primeiro lugar, na base de uma reciprocidade estabelecida por via de convenção internacional; em segundo lugar, exclusivamente nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada; em terceiro lugar, desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias ligadas à protecção dos direitos humanos como são as de um processo justo e equitativo.

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É neste quadro de soluções, acrescidas àquelas que vêm admitir que na extradição por crimes que, eventualmente, pudessem corresponder a pena perpétua, no caso dos países que a requeressem, também aí se assegure, necessariamente, que haja possibilidade de vir a superar esse tipo de pena para que ela não tenha essa natureza de pena perpétua, já que, nesse domínio, teria contradição com a ordem penal portuguesa, e é na similitude com a ordem penal portuguesa e, naturalmente, também na base de soluções de reciprocidade estabelecidas por via convencional que se há-de podes encontrar a melhor solução.
A prova deste artigo é a de que, efectivamente, do diálogo - quando este é bem conduzido - pode nascer a luz. E a luz que ilumina a proposta do artigo 33.º é, a todas as luzes, bem o acredito, uma solução que dignificará a Constituição da República Portuguesa na melhor tradição da protecção dos direitos do Homem, sem qualquer desresponsabilização do Estado naquilo que também lhe incumbe de combate à criminalidade internacional.

Vozes do PS e dos Deputados do PSD Barbosa de Melo e Mota Amaral: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiro que tudo, queria dizer que o PP vê com grande satisfação a forma final que tem a redacção deste artigo 33.º. Tivemos ocasião de receber a delegada em Portugal da ACNUR, os delegados da Amnistia Internacional, os delegados da Justiça e Paz e, bem ou mal, a verdade é que pairava um receio muito grande de que a Constituição da República Portuguesa, por força de acordos internacionais ultimamente estabelecidos, viesse a violar um princípio fundamental do nosso ordenamento moral, que é o respeito, em qualquer circunstância e contra tudo, pela vida humana, pela dignidade humana.
Exactamente por causa deste artigo, o meu partido mandou-me, pela primeira vez, à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, da qual eu não fazia parte mas onde fui, precisamente, repito, por causa deste artigo.
Quando se discutiu esta matéria foi dito que o problema já não existia. Porém, isso significa o seguinte: se já não existia, então é porque alguma vez esteve em risco de existir. De qualquer maneira, não fui eu quem disse que já não existia - aliás, até posso recordar quem disse isso -, mas, repito, se não já existia é porque esteve em risco de existir!
Sr. Deputado Jorge Lacão, não estou muito de acordo consigo quando disse que a discussão acendeu a luz. Eu diria que a discussão impediu que se apagasse a luz. É que a luz, felizmente para Portugal, estava acesa há muitos anos, pois nós fomos pioneiros de algumas das grandes conquistas da dignidade do Homem. Convém não esquecermos isso!
É evidente que a Assembleia da República também tem de demonstrar alguma coragem ao redigir desta forma o artigo 33.º e ao estabelecer os limites que, de algum modo, poderão ser entendidos como contraditórios ou limitativos de acordos internacionais. Mas não nos doam as mãos, porque há certas determinações que, quando violam a consciência colectiva, são para não respeitar, mesmo que seja através da Constituição.
Em boa hora assim aconteceu e isto não nos responsabiliza em relação ao flagelo que hoje percorre o mundo inteiro, em particular a Europa, ou seja, o terrorismo; antes pelo contrário, isto cria-nos maior obrigação em relação ao terrorismo e à ajuda à sua limitação e eliminação.
Exactamente porque essa luta é em favor da dignidade dos homens e pelo respeito pela sua integridade física é que ela nunca poderia ser feita usando as armas que queremos combater, isto é, nunca poderia ser feita permitindo mutilações, supressões da vida humana, supressões para todo o sempre da liberdade dos homens.
Teríamos, pois, de encontrar outras formas de mostrar a nossa fidelidade e a nossa boa qualidade de parceiros internacionais de determinados países que sofrem dolorosamente o problema da criminalidade organizada e do terrorismo. Creio que conseguiremos encontrá-los e para isso contribuirá a afirmação que a Assembleia da República faz de respeito pelos princípios fundamentais.
De qualquer maneira, quero dizer que o PP se sente, de algum modo, também responsável por esta redacção para o artigo 33.º, pelo que votá-lo-emos favoravelmente, embora - não sei bem em nome de que diálogo! - não tenha sido pedido que puséssemos nele a nossa assinatura, mas a verdade é que nos batemos por esse princípio.
Em todo o caso, com ou sem assinatura, a nossa alma e essência como partido democrático está também contida nesta redacção.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, assinalar que estamos em condições de discutir o artigo 33.º, mas não havíamos sido consultados para a obtenção do consenso que o Sr. Presidente referiu.
Quero, pois, registar este facto, mas ....

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se exigisse consenso, poderíamos nunca vir a discutir a proposta.

O Orador: - Não temos objecção, Sr. Presidente, mas, como V. Ex.ª anunciou que havia consenso de todas as bancadas, quero registar que a minha não foi consultada. De qualquer forma, estamos em condições de discutir esta proposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero assinalar que estamos, de facto, perante um recuo nos termos do acordo subscrito entre o PS e o PSD, e ainda bem que esse recuo aparece, pois é positivo e, digamos, evita, desta forma, aquilo que poderia ter sido um retrocesso histórico de grandes proporções. É que Portugal, há 130 anos, aboliu a pena de morte e assumiu um papel de vanguarda nesta matéria e tantos anos depois veio admitir extraditar cidadãos ameaçados de aplicação da pena de morte, isto apesar de uma formulação vaga de garantias que chegou a ser alvitrada no texto, que foi tornado público, do acordo entre o PS e o PSD.
Na verdade, nesse texto dizia-se que essa extradição "deve poder ser admitida se ao Estado português forem dadas garantias consideradas suficientes de que a pena ou medida de segurança será substituída por outra de duração limitada ou por qualquer outra forma não executada". Portanto, admitia-se uma excepção a este princípio que, quanto a nós, deve ser respeitado enquanto questão de princípio, que é o de não extraditar cidadãos que, segun-

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do o direito do Estado requisitante, possam ser sujeitos à pena de morte.
Assim, nesta matéria, verifica-se que as intenções expressas no texto do acordo assinado entre o PS e o PSD não vão ser levadas à prática e por isso não serão texto constitucional, e ainda bem!
Trata-se não só de uma proposta mas também do reconhecimento de que a argumentação utilizada por alguns Deputados do PS, na CERC, caiu pela base, porque, de facto, aquilo que foi apresentado para fundamentar o acordo entre o PS e o PSD - e que foi, aliás, reafirmado na presença do Sr. Ministro da Justiça numa reunião expressamente convocada para o efeito - foi que, se tal proposta não fosse levada à prática ou não fosse traduzida no texto constitucional, Portugal ficaria numa situação embaraçosa no plano internacional relativamente a compromissos que teria assumido. E, mais do que isso, Portugal tornar-se-ia numa espécie de refúgio dos mais perigosos criminosos e ficaria, por esse motivo, sujeito à condenação da generalidade da comunidade internacional ou, pelo menos, dos países civilizados.
Tudo isto foi dito abundantemente na CERC e, portanto, consideramos importante que este recuo seja dado e que se reconheça que, afinal, essa argumentação não tinha razão de ser, pois nada justifica que fosse admitida na Constituição Portuguesa a extradição de cidadãos sujeitos à pena de morte segundo o direito do Estado requisitante.
No entanto, há outros aspectos relativos à extradição que importa referir e que são, para nós, motivo de discordância relativamente à proposta apresentada hoje pelo PS e pelo PSD.
O primeiro aspecto respeita, desde logo, ao tratamento a dar à pena de prisão perpétua ou a qualquer pena de duração ilimitada. Lembro-me que este é um dos pontos que, no projecto originário do PS, era considerado como motivo de recusa de extradição e entendemos que tal se justifica, de alguma forma por razões um pouco análogas às que presidem à não admissão da extradição por crimes a que corresponda a pena de morte.
. Em todo o caso, digamos que a situação não é idêntica, pois, de facto, a protecção de cidadãos sujeitos a pena de morte tem a ver com o valor definitivo da vida; de qualquer forma, a não admissão por Portugal da prisão perpétua deve significar também um empenhamento no plano internacional para abolição dessa sanção penal, ou seja, prisão perpétua ou penas de duração indeterminada ou indefinida.
Portanto, a não admissão de extradição nesses casos seria também um elemento de militância a favor dessa causa. Aliás, por essa razão, apresentámos hoje uma proposta idêntica à que os Deputados do PS apresentaram na CERC, que foi a de considerarem, na sequência do debate da primeira leitura, que deveriam contemplar na sua proposta a prisão perpétua. Fizeram-no com o nosso apoio e formalizaram uma proposta nesse sentido que, pensamos, é válida e por isso a retomámos em Plenário.
Outra questão respeita à extradição de nacionais. Aqui importa reter que, no fundo, a argumentação que se invoca para passar a permitir a extradição de nacionais - e o texto apresentado pelo PS e pelo PSD tem uma formulação eufemística, pois diz, no n.º 1, que "não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional", retirando-se daqui a palavra extradição, e depois passa a admitir-se, em determinadas circunstâncias, a extradição de cidadãos portugueses, o que significa que a extradição de cidadãos portugueses não é admitida a não ser nos casos em que o é! - é a mesma que os senhores utilizaram para justificar, a determinada altura, que também nos casos em que correspondia pena de morte pudesse haver extradição.
Portanto, se essa argumentação caiu pela base num dos casos, também não tem razão de ser para justificar a extradição de cidadãos nacionais. Aliás, ainda há poucas semanas, tomámos conhecimento, pela comunicação social, do caso do julgamento de um cidadão português encontrado em Portugal que tinha cometido um crime em França e que foi severamente condenado por um tribunal português, não tendo sido necessária, de forma alguma, a sua extradição para que ele pudesse ter um julgamento justo.
Por outro lado, também não se verifica que a não extradição de nacionais possa representar para Portugal qualquer embaraço internacional. De facto, o actual texto constitucional não viola qualquer compromisso internacionalmente assumido pelo Estado português, pois a própria Convenção Europeia de Extradição prevê que os Estados signatários possam formular reservas, tendo em atenção o respectivo direito nacional, para além de também prever expressamente o direito de cada Estado a não extraditar os seus nacionais, o que é, aliás, reivindicado pela esmagadora maioria dos países do mundo, e mesmo a Convenção dos Acordos de Shengen, que é muitas vezes citada como fundamento para a alteração constitucional pretendida, é_ aplicável sem prejuízo da Convenção Europeia de Extradição e no respeito pelas reservas que cada Estado lhe formulou, e também porque, como acabei de referir, é inteiramente falso que a não extradição signifique impunidade.
Segundo o Código Penal português em vigor, a lei penal portuguesa aplica-se a um vasto elenco de crimes praticados fora do território português, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado.
Portanto, não há argumentos válidos no sentido de admitir a extradição de cidadãos nacionais. Se um cidadão português encontrado em Portugal e procurado noutro país por um crime grave pode ser julgado em Portugal pergunta-se: por que razão há-de esse cidadão ser extraditado? A não ser que seja por falta de confiança nos tribunais portugueses! E por que razão há-de Portugal admitir excepções constitucionais à proibição da extradição de cidadãos nacionais, quando a verdade é que a esmagadora maioria dos países do mundo, incluindo os da União Europeia, não o faz?
Temos para nós que a resposta a esta questão tem a ver não propriamente com compromissos assumidos no plano internacional pelo Estado português mas, sim, pelo fundamentalismo europeísta de que o PS e o PSD tantas vezes dão provas de que basta que essa matéria esteja em discussão num qualquer órgão ou instância da União Europeia para irem a correr apresentar os seus prestimosos serviços e apresentarem-se como alunos bem comportados, limitando, dessa forma, a soberania dos Estados numa matéria tão importante e tão fundamental como é a da justiça e a dos assuntos internos.
Portanto, nós continuaremos a opor-nos a que se admita constitucionalmente a extradição de cidadãos nacionais, pois não vemos razão válida para que ela passe a ser permitida.
Concluiria, Sr. Presidente, fazendo referência a duas propostas apresentadas pelo PCP relativamente ao artigo 33.º que não dizem respeito propriamente à matéria da extradição mas a outras matérias que são tratadas neste artigo.

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Uma delas diz respeita à expulsão. Pensamos que a expulsão de cidadãos do território nacional deve ser decidida por uma autoridade judicial. É que, nas actuais circunstâncias, tendo em conta as limitações que têm sido introduzidas nos últimos anos em vários países europeus e também em Portugal, que negam, na prática, a muitos cidadãos que entram no território de um Estado europeu a possibilidade de apresentarem pedido de asilo, considerar que pode haver uma expulsão administrativa de um cidadão que tenha entrado em território nacional, a qual só não funcionará nos casos em que o cidadão tenha requerido o pedido de asilo, pode significar uma expulsão administrativa de um cidadão que deveria ser merecedor de protecção por parte do Estado português tendo em conta eventuais perseguições que sofra no seu país de origem. Temos muito receio que muitos cidadãos, a quem se justificaria a concessão do direito de asilo em Portugal, que entrem no nosso país e não tenham a possibilidade de apresentar o seu pedido de asilo sejam dele expulsos administrativamente.
Portanto, entendemos que o actual texto constitucional, neste ponto, deveria ser aperfeiçoado por forma a consagrar a necessidade de uma decisão judicial, que naturalmente deveria ser célere, que impeça a expulsão administrativa de cidadãos do território nacional.
Uma última proposta que apresentamos neste artigo diz respeito à concessão de asilo por razões humanitárias. É uma evidência que o actual texto constitucional não consagra essa possibilidade, a qual, tendo estado consagrada durante muitos anos na legislação portuguesa, deixou de o estar aquando da última revisão da lei de asilo realizada em 1993. Entre 1980 e 1993, existiu em Portugal um instituto legal que previa a concessão de asilo por razões humanitárias, designadamente, motivadas pela eclosão de conflitos armados nos países de origem dos requerentes de asilo.
Parece-nos que as razões que levaram à consagração legal desse direito em 1980 permanecem nos dias de hoje. Contestámos essa alteração em 1993, no que, aliás, fomos acompanhados por outros Srs. Deputados, designadamente, do Partido Socialista, aquando da discussão um tanto tempestuosa da alteração da lei de asilo, em 1993, e considerámos que não havia razões que justificassem uma alteração no sentido negativo do regime legal, que vinha de 1980, de conceder, nessas condições, o asilo em Portugal por razões humanitárias.
Aliás, entendemos que fazem sentido duas coisas. Em primeiro lugar, que legalmente essa possibilidade seja restaurada. Sabe-se que actualmente é possível, por razões humanitárias, que o Governo português utilize um poder discricionário de conceder uma autorização excepcional de residência a cidadãos que estejam nessas condições, mas isso não confere o estatuto de refugiado. Por isso, entendemos que deve ser concedido esse estatuto também por razões humanitárias. Em segundo lugar, entendemos que teria todo o sentido que a essa possibilidade fosse dada dignidade constitucional.
Nesse sentido, apresentámos uma proposta para que a Constituição da República Portuguesa consagre a concessão de asilo em Portugal por razões humanitárias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr.. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, primeiro que tudo, queria dizer que estou inteiramente de acordo em que a nossa Constituição, no n.º 7 do artigo 33.º, consagre o direito de asilo por razões humanitárias. Aliás, não entendia .muito bem que, quando foram as razões humanitárias que obrigaram à alteração do articulado nos números anteriores, se eliminassem as razões humanitárias para o direito de asilo. Todos nós sabemos que há razões políticas, mas também há razões humanitárias para conceder o direito de asilo. Portanto, conta com a nossa concordância para a sua proposta quanto ao n.º 7.
Quanto ao n.º 5 do mesmo artigo, aí já não estou de acordo consigo. E não estou de acordo consigo porque a sua alteração introduz o caso de quem, estando em Portugal, na realidade, não devia estar. Estou de acordo que todos aqueles que aqui estão não possam, uma vez que se acolheram ao abrigo do ordenamento jurídico português, ser expulsos a não ser através de uma medida jurídica. No entanto, para os que entraram à sorrelfa, os que não estão cá dentro a não ser de uma forma ilegítima porque não entraram legalmente, porque entraram iludindo a vigilância ou aproveitando a falta de vigilância das fronteiras nacionais ou porque pediram asilo e não lhes foi concedido porque não foi reconhecida razão para isso, não vejo razão nenhuma para que não possam, por uma pura e simples medida administrativa, ser reconduzidos ao seu direito natural, que é o de passearem pelo mundo mas não o de ficarem dentro das nossas fronteiras. Por isso, a vossa alteração, a meu ver e no meu partido, não se justifica.
Entendemos que se deve manter, porque é suficiente, a formulação que estava no actual n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Quanto ao n.º 7, pensamos que deveria ter outra forma referindo as razões políticas e humanitárias, porque, no fundo, o Sr. Deputado põe as humanitárias e retira as políticas. Não sei se há alguma razão escondida para isso, mas penso que são tão válidas umas como as outras e ambas devem ser tidas em conta.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra ó Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, congratulo-me pela concordância que expressou relativamente à concessão do direito de asilo por razões humanitárias. O motivo de não constarem nesse n.º 7 as Lazões políticas é porque elas já estão consagradas. A Constituição da República Portuguesa, noutro número deste artigo, considera como direito fundamental a obtenção de asilo em Portugal por razões políticas e daí o facto de termos autonomizado as razões humanitárias no n.º 7.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Deputado, como não sou jurista, preciso de uns esclarecimentos complementares.
Leio no actual n.º 7 o seguinte: "A lei define o estatuto do refugiado político" e no novo n.º 7, proposto pelo Partido Comunista Português, o seguinte: "A lei regula a

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concessão do direito de asilo por razões humanitárias". A meu ver, deu-se uma coisa mas tirou-se outra. Ou não será assim?

O Orador: - Sr. Deputado, o actual n.º 6 garante o direito de asilo mediante ameaça de perseguição cem consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana". Ou seja, aquilo que normalmente se chama a concessão de asilo por razões políticas e a que o Sr. Deputado aludia está consagrado no actual n.º 6, o qual, como não há nenhuma proposta de alteração, vai manter-se.
O actual n.º 7 diz: "A lei define o estatuto do refugiado político" e a nossa proposta é a de que este n.º 7 passe a n.º 8 e que o direito de asilo por razões humanitárias seja colocado entre as duas disposições citadas. Assim, creio que teremos condições para estar inteiramente de acordo nesta matéria.
A outra questão que referiu é pertinente e justifica que eu diga algo mais. Verificamos que existe actualmente, e com cobertura constitucional, a possibilidade de expulsão administrativa de cidadãos estrangeiros que tenham entrado irregularmente em território nacional. Pensamos que a diversidade de situações em que se tem verificado, particularmente nos últimos anos, a entrada irregular em território nacional carece de uma ponderação quanto se trate de expulsar todo e qualquer cidadão do território nacional. Aliás, o próprio legislador, e por unanimidade, considerou que para muitos cidadãos que há um anos atrás entraram em Portugal em situação irregular e que consolidaram a sua situação de ligação ao território nacional através da constituição de agregado familiar, de uma relação de trabalho estabilizada, se justificava uma medida excepcional no sentido da regularização dessas situações e ela verificou-se, pois já por duas vezes se procedeu, em termos legislativos, a uma tutela da situação de cidadãos cuja situação, não obstante terem entrado em Portugal irregularmente e estarem numa situação irregular, se justificava que fosse devidamente regularizada, a bem dos próprios mas também da comunidade nacional.
Portanto, permitir que todos esses cidadãos pudessem ser expulsos por mera decisão administrativa poderia criar situações de enorme injustiça e levar a expulsões administrativas de cidadãos que há muitos anos poderiam residir em Portugal, ter cá os seus filhos, ter cá a sua família, ter cá o seu emprego. Por isso justifica-se uma especial ponderação quando se trata de expulsar cidadãos.
Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa admite que não possa haver uma decisão administrativa nos casos em que tenha havido um pedido de asilo. Importa salientar que, havendo uma tramitação meramente administrativa quanto ao requerimento de asilo, se verifica também que muitos cidadãos que entram irregularmente em Portugal e noutros países da União Europeia...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou todos os limites. Tem de terminar.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
Como eu estava a dizer, importa salientar que, havendo uma tramitação meramente administrativa quanto ao requerimento de asilo, se verifica também que muitos cidadãos que entram irregularmente em Portugal e noutros países da União Europeia não têm possibilidades práticas de requerer o asilo em Portugal, pelo quese impunha que, antes de uma expulsão sumária, pudesse haver uma apreciação judicial relativamente à sua situação. Isto porque a entrada de qualquer cidadão requerente de asilo é, por definição, uma entrada irregular e se isso não for considerado corre-se o risco de fazer com que muitos desses cidadãos não tenham sequer á oportunidade de pedir asilo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto ao artigo 33.º no que concerne à extradição e à expulsão e vou focar três ou quatro pontos.
O primeiro é, como já foi aqui lembrado, para referir o texto inicial do acordo. Foi um texto que me surpreendeu, surpreendeu a generalidade dos membros da CERC e surpreendeu os próprios fautores do acordo. Sendo assim, foi fácil reabrirmos as audições, ouvirmos as mais relevantes personalidades para se pronunciarem sobre esta matéria e, enfim, repercorrer o processo para chegar a uma solução conforme com os princípios da nossa cultura tradicional e do nosso humanismo próprio nesta área.
Na verdade, vou repetir, porque é bom que fique claro, que, no texto inaugural, permitia-se que houvesse extradição por crimes a que correspondesse no direito do Estado requisitante pena de morte, desde que o Estado desse garantias de que a não ia executar.
Isto é contrário a toda a nossa sensibilidade neste domínio, tal como já foi aqui lembrado, e gostaria de o repetir.
Em meu entender, a única alteração que deveria fazer-se do artigo 33.º é referente ao n.º 3, que diria apenas isto: "não há extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física", mantendo-se a proibição constitucional de extradição relativamente a portugueses. Esta seria a minha proposta. Todavia, chegou-se a um outro acerto: em certos crimes, e só nesses - os casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada -, os portugueses podem ser extraditados. O princípio desta última versão já me parece aceitável.
Deste modo, os nossos juízes, em cada pedido de extradição, ficam obrigados a averiguar, em primeiro lugar, se existem condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional; em segundo lugar, se o crime que dá origem ao pedido de extradição é de terrorismo ou de criminalidade organizada, porque só em relação a estes hão-de consentir na extradição; em terceiro lugar, se o Estado que requisita a extradição tem, no seu direito processual, princípios que assegurem a sua justiça e equidade. São termos aqui indeterminados, que devolvem ao poder judicial uma larga margem de apreciação, mas que é conveniente existirem, para fazerem rodar as coisas na prática da vida.
Como se salvaguarda, nesta versão, aquilo que é essencial, subscrevi também esta proposta.
Esta proposta tem uma vantagem, porque houve - e deste vício padece a proposta do PS - uma generosidade excessiva por parte do nosso Tribunal Constitucional, que, a partir de uma proibição, a de que não há extradição em caso de pena de morte, por um excesso de "escuteirismo", acabou por identificar à pena de morte outras penas, nomeadamente a prisão perpétua. No entanto, ao fim e ao cabo, em poucos sistemas civilizados alguém está preso a vida toda. Vejam-se tantos casos, e célebres!...

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O Tribunal Constitucional foi longe demais e agora fica claro que, sendo caso de pena de morte ou pena que importe lesão irreversível da integridade física, entre elas a amputação, como já foi aqui lembrado, ninguém é extraditado, seja português, seja estrangeiro. É o princípio do humanismo do nosso Direito neste domínio. Nós outros casos, em que sejam aplicáveis penas de duração indefinida ou que envolvam a perda da liberdade com carácter perpétuo, poderá haver extradição se o Estado requisitante der garantias consideradas suficientes de que essa pena, que na nossa cultura é um tanto desumana, não será aplicada. Mais uma vez, fica devolvida à jurisprudência uma longa e rigorosa tarefa de integração neste domínio.
A partir do momento em que entre em vigor este preceito, ficará claro que os portugueses só poderão ser extraditados nestas duas condições: terem cometido um destes dois tipos de crime e não haver pena de morte ou lesão corporal irreversível no Estado requisitante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas isto que gostaria de dizer. Termino, repetindo que, apesar de esta não ser a minha proposta, subscrevi-a.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive ocasião, na CERC, juntamente com o Sr. Deputado Alberto Martins, de introduzir o debate sobre necessidades decorrentes da construção de um espaço judiciário europeu, que poderiam ou deveriam levar, na leitura que fizemos e que foi compartilhada por outras bancadas, à alteração de alguns aspectos deste artigo.
Nesta circunstância, e estando dito o que já está dito, gostaria apenas de me congratular com o resultado e de fazer algumas observações.
Este artigo comporta uma mudança histórica, duas clarificações positivas e um aditamento virtuoso. É isto e apenas isto que comporta.
A mudança histórica é, obviamente, a que acabou de referir agora o Sr. Deputado Barbosa de Melo. Trata-se de uma mudança que implica a possibilidade de extradição de cidadãos portugueses, hoje proibida, ao mesmo tempo que se mantém a proibição absoluta de expulsão, que agora se separou em número autónomo, que será o primeiro na ordem narrativa constitucional.
Essa quebra de um princípio histórico, antigo e, no essencial, virtuoso, mas mantido no fundamental, é justificada por razões que, apesar dos cuidados, e por causa deles, que a redacção mereceu, devem ser sublinhadas.
De facto, nas condições modernas da criminalidade internacional, e sendo embora verdade que o Estado português pode e deve julgar, ao abrigo do artigo 5.º do Código Penal, quem, por alguma razão, não possa ser extraditados, a verdade é que a máxima eficácia punitiva não é atingível em processos complexos, nos quais estão envolvidos criminosos de múltiplas nacionalidades, sem um julgamento conjunto no sítio e pelo tribunal que é competente em razão do local do crime. Como é óbvio, Portugal poderia, em relação a um grupo terrorista que faça rebentar uma bomba em Espanha, julgar o português que, aí tendo estado, fugisse para Portugal. Mas, como é óbvio também, o Estado espanhol está em melhores condições de investigação e organização processual, de concatenação de factos e de julgamento de todos os implicados nesses crimes, e só nesses crimes, porque de outros não se trata neste artigo.
Portanto, estes crimes, não apenas de sangue mas que se rebelam contra valores principais, primordiais, das ordens jurídico-constitucionais e que são ameaças sérias à ordem, à estabilidade, à liberdade e à vida cívica normal, como agora se viu, tragicamente, no País Basco, não podem merecer o mesmo grau de protecção que outras situações jurídicas, apesar dos laços de sangue e da nacionalidade.
A construção de um espaço judiciário e jurídico europeu é, seguramente, feita entre Estados democráticos, Estados de Direito, nos quais há o processo justo e equitativo, o due process of law, que é a alma mater da garantia dos direitos e das liberdades de quem quer que seja, mesmo de quem cometeu um crime.
Congratulamo-nos, por isso, por ter sido possível uma redacção como a do n.º 3 deste artigo, que só admite extradição de portugueses em casos de terrorismo - e é de acções criminosas que se trata e não de um qualquer pensamento, pois não há crimes de pensamento, não há delitos mentais, trata-se de actos, acções concretas, em preparação ou em conjecturação, em desenvolvimento, em realização - e de criminalidade internacional organizada, conceito que a Constituição não desenvolve e que fica para o legislador ordinário, mas que tem limites e balizas claras, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante assegure garantias devidas de defesa, de protecção, ou seja, de liberdade e não de sancionamento arbitrário.
Há ainda outra mudança histórica, que é a proibição de extradição, em geral, quando o Estado requisitante não assegure a não aplicação de uma sanção que se traduza em lesão irreversível da integridade física. Isto hão decorria da redacção actual da Constituição, portanto, é um mais, uma benfeitoria clara, uma melhoria inequívoca. O PS tinha uma fórmula mais abrangente, que aludia a penas indignas, infamantes ou desumanas. Todavia, esta fórmula recolhe o essencial da nossa ideia de revisão constitucional, que ninguém desconhece, seguramente não o Sr. Presidente da Assembleia da República, que, noutra qualidade e com outro estatuto, teve ocasião de sugerir essa amplificação, o que é positivo e agora, no fundamental, é acolhido.
Passemos às duas clarificações. A primeira é muito importante, mas traduziu-se numa não alteração. Em matéria de pena de morte, como já foi dito, nunca passou pela cabeça de quem quer que seja nesta Casa decair da posição fundamental do Estado português, que proscreve a pena de morte e garante uma luta à escala internacional contra ela. Do que se tratou foi de saber se se devia ou não transpor para a Constituição, ipsis verbis, aquilo que é a orientação do Tribunal Constitucional, expressa inequivocamente em casos como o caso Varizo e outros. Concluiu-se, do debate, que tal não era necessário, pelo que se deixa imprejudicada a jurisprudência do Tribunal Constitucional neste ponto, com o exacto âmbito que ela tem, nem mais nem menos. E, neste ponto, divirjo do que disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Em segundo lugar, define-se bem e corrige-se, no n.º 5 deste artigo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. O n.º 5 que nós propomos, e que vai ser votado amanhã, distingue-se da orientação do Tribunal Constitucional em vários pontos, desde logo porque este estendeu às penas de prisão perpétua o que a Constituição aplicava tão-só à pena de morte. Ao fazermos agora uma aclaração cristalina, dizemos rigorosamente o que se desejou, e

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que, de resto, parece equilibrado: só é admitida a extradição quando o direito do Estado requisitante preveja pena ou medida de segurança privativa ou restritiva de liberdade com carácter perpétuo ou duração indefinida em determinadas condições, que nos parecem, francamente, cautelosas e satisfatórias.
Trata-se, portanto, de um resultado globalmente positivo, que respeita boas regras em matérias de direitos humanos. Congratulamo-nos com o facto de ter sido possível atingir esse resultado, e o diálogo político e humanitário bem como a ligação às instituições e à sociedade civil funcionou bem neste caso porque todos nos empenhámos neste sentido, desde logo, esta bancada, o que me parece positivo.
A última observação diz respeito ao direito de asilo. Nesta matéria, tudo indica que a Constituição não será alterada. O PSD não deu consenso para qualquer alteração. Pela nossa parte, estaríamos disponíveis para algumas alterações, com consciência, todavia, de que o quadro de emergência que em 1993 "tocou a rebate" e nos trouxe à Assembleia da República em pleno mês de Agosto acabou, está enterrado, faz parte da história e não voltará.
A proposta de lei n.º 97/VII, com vista a rever o regime em matéria de asilo e refugiados, que está pendente na Assembleia, é muito clara em relação a questões que não estão directamente contempladas na Constituição nem foram objecto de qualquer proposta, tanto do PCP como de qualquer outro partido. Não trata apenas do asilo no sentido que a Constituição lhe dá, que é correcto, de resto, e que consta de instrumentos do Direito Internacional a que Portugal está obrigado. Preocupa-se também com aquilo a que se chama o reagrupamento familiar, com a autorização de residência por razões humanitárias e com a protecção temporária de pessoas deslocadas do seu país em consequência de graves conflitos armados que originem em larga escala fluxos de refugiados.
Infelizmente, as circunstâncias da política internacional levaram a situações que transcendem o quadro previsto nas convenções que ainda hoje regem o direito de asilo e que se encontram, em muitos aspectos, anquilosadas. Não podemos, nós, Portugal, no momento em que se reflecte sobre o asilo a nível global, a nível da União Europeia, e em que a matéria é objecto de contradição internacional, declarar unilateralmente, nesta matéria, regras que excedam ou estejam muito para além daquilo que qualquer país da União Europeia configure como desejável na sua própria ordem jurídica. Como é óbvio, somos autónomos e soberanos neste domínio, mas creio que a Constituição é já generosa e impõe aos órgãos de soberania portugueses na União Europeia que impulsionem para o exterior essa generosidade, mas não implica obrigatoriamente que aumentemos a densidade da Constituição neste ponto. Felicitamo-nos por ela não ser alterada e garantimos a sua aplicação, o que já será boa obra.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedia palavra para uma breve intervenção, a fim de pôr em evidência algo que, de alguma forma, tinha dito, embora sumariamente, na primeira intervenção que fiz.
Está a ser utilizada, a favor da possibilidade de extradição de cidadãos portugueses, a mesma argumentação do tipo terrorista que foi utilizada, em determinada altura, na CERC, para justificar a extradição dos cidadãos que se sujeitassem a pena de morte, desde que fossem dadas algumas garantias. E volta aqui a falar-se na questão das garantias, como se determinados Estados pudessem dar algumas garantias que pudéssemos considerar aceitáveis.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não brinquemos com as palavras!

O Orador: - Não se tratará de garantias judiciais mas, sim, de garantias políticas, como foi posto em evidência. E eu pergunto: que garantias políticas poderá dar um país onde exista um regime ditatorial, por exemplo, quanto à não aplicação de determinado tipo de penas?

O Sr. José Magalhães (PS): - Para esses não há possibilidade de extradição!

O Orador: - Está a ser repetida a argumentação que foi utilizada nessa altura, sem fundamento. De facto, quem ouvisse agora o Sr. Deputado José Magalhães ficaria com a ideia de que estamos perante um imperativo inadiável de permitir que os cidadãos portugueses possam ser extraditados para outros países, de modo a serem julgados por crimes que lá tenham cometido. Então, temos de perguntar se tem havido, por parte de qualquer outro Estado, alguma queixa em relação a Portugal, por algum cidadão português que tenha cometido um crime noutro país não poder ser julgado porque Portugal não o quer extraditar. Não conheço caso nenhum, mas se algum dos Srs. Deputados tiver conhecimento de um caso desses que o diga, porque creio que isso ajudaria ao debate. Não conhecemos a existência de situações dessas nem de alguma lista de pedidos de extradição de cidadãos portugueses para outros países, nem sequer temos notícia de cidadãos que tenham andado para aí a cometer crimes como esses que foram referidos e que se tenham vindo a refugiar em Portugal, em relação aos quais exista alguma situação de impunidade. Manifestamente, não conhecemos qualquer caso dessa natureza!
Portanto, Srs. Deputados, estão a colocar isto com um dramatismo como se Portugal estivesse sujeito à condenação internacional pelo facto de não permitir a extradição dos seus nacionais, que é uma coisa que a esmagadora maioria dos países do mundo reserva para si, ou seja, o julgamento dos seus nacionais, desde que estejam no território do Estado respectivo, e que, naturalmente, não ficam impunes, porque serão julgados nesse país.
Pergunto, assim, que razões de desconfiança é que pode haver nos tribunais portugueses para se retirar aos cidadãos portugueses a possibilidade de serem eles a julgar os seus nacionais, desde que estejam no território do Estado, que, aliás, é uma coisa que acontece na esmagadora maioria dos países ao cimo da terra.
Por isso, não se vê qualquer razão válida para estarem agora com este tipo de argumentação, que, aliás, é tão decalcada na que foi utilizada na primeira leitura da CERC, quando ainda se dava por bom o tal texto do acordo que, embora possa surpreender quase toda a gente, foi escrito e assinado por representantes do PS e do PSD. Mas a transposição do raciocínio é tão grande que, num momento em que estamos a falar de extradição de nacionais, o Sr. Deputado José Magalhães vem aqui falar de bascos. Ora bem! Não estamos a falar de outras situações, estamos a falar de cidadãos portugueses!

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Já agora, introduzia aqui uma outra reflexão. Há uns anos atrás, houve uma situação muito debatida na opinião pública portuguesa, que foi a situação em que se encontrava uma cidadã portuguesa que tinha sido julgada em Espanha. Provavelmente todos os Srs. Deputados se lembrarão da situação que foi criada a uma cidadã portuguesa chamada Susana Poças, se não estou em erro, em relação à qual, inclusivamente, o Engenheiro António Guterres, que, na altura, não era Primeiro-Ministro, mas era Secretário-Geral do PS, segundo foi noticiado, fez um dossier, que entregou ao Primeiro-Ministro de Espanha da altura, o Sr. Filipe Gonzalez, para que intercedesse no sentido de essa jovem poder ser transferida para Portugal, dado que estava em Espanha numa situação muito preocupante do ponto de vista dos direitos humanos.
Segundo aquilo que os Srs. Deputados agora estão a propor, essa cidadã, se estivesse em Portugal, em vez de ser julgada em Portugal por tribunais portugueses, seria extraditada para Espanha para se sujeitar precisamente às situações que todos os portugueses quiseram, na altura, evitar.
Portanto, chamo a atenção para as consequências muito graves que esta norma constitucional, se for aprovada, pode implicar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 110.º.

Pausa.

Como não há pedidos de palavra, passamos ao artigo 111.º.

Pausa.

Como também em relação ao artigo 111.º não há pedidos de palavra, passamos ao artigo 112.º.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.

A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A minha intervenção vai ser inversamente proporcional à importância desta proposta que o PSD apresenta.
Além de constituir um sistema de governo e de organização e funcionamento da sociedade, a democracia é também uma filosofia e um sistema de valores, cujo fundamento radica no respeito dos direitos da pessoa e dos seus títulos de cidadania. Não existindo um modelo ideal de democracia, a sua construção é um processo evolutivo, contínuo e persistente, que deve ter em atenção a realidade viva e concreta do mundo em que vivemos.
Nesta óptica, começa a generalizar-se a ideia de que não é correcto falar em democracia em termos neutros, uma vez que os seres humanos são homens e mulheres, iguais em direitos e dignidade, que devem gozar das mesmas oportunidades de realização. É claramente uma nova noção de democracia, decorrente da constatação daquela dualidade e da consciência renovada dos direitos das mulheres enquanto parte integrante, inalienável e indivisível dos direitos humanos.
Até há pouco, a teoria democrática desconhecia a dimensão masculino-feminino. Hoje, esta nova maneira de olhar a humanidade impede que se continue a falar de
democracia em termos abstractos e exige que, retirando-se daí todas as ilações, a verdadeira democracia seja não só representativa e pluralista mas também Paritária.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Começa a ser evidente que é incompleta uma democracia sem a representação e participação de mais de metade da humanidade. Daí que se imponha "democratizar a democracia".
Situando-se aqui a verdadeira essência da democracia paritária, as políticas públicas de promoção da igualdade de oportunidades para homens e mulheres devem estimular a participação de uns e outras em todos os sectores da vida cívica, política, económica, social e cultural das sociedades.
Em Portugal há ainda uma "invisibilidade quase absoluta da mulher" no exercício de funções nos escalões superiores de direcção, tanto na esfera do aparelho político e da Administração, como das estruturas empresariais e da administração das empresas.
Certamente que pesa a herança cultural, que sempre privilegiou, através de mitos e estereótipos, o exercício do poder na rectaguarda, retirando ou diminuindo a apetência pelo exercício do poder visível.
No plano político, o ideal moderno de democracia e de cidadania é claramente universalista, postulando, na sua opção pela dimensão humanista do agente social, a capacidade civil e política de todos, homens e mulheres, como outrora reivindicou a separação de poderes ou o sufrágio universal. Paralelamente, atendendo ao papel - tantas vezes decisivo - das mulheres na construção dos regimes democráticos, é natural e inevitável o sentimento de que, em democracia, deve ser igual a participação efectiva de ambos os sexos na vida política.
Numa reflexão sobre política e democracia constata-se, porém, que é ao nível da esfera pública que mais se faz sentir a exclusão das mulheres relativamente aos órgãos de tomada de decisão ou, pelo menos, a ausência de uma partilha real do poder entre os dois sexos. Isto independentemente da proclamação da igualdade formal. Existe um fosso efectivo entre a igualdade proclamada e a prática vivida.
Não obstante, é pacífico que, após uma evolução lenta, as mulheres adquiriram já no presente século direito à igualdade política, afirmando-se como cidadãs de corpo inteiro.
Hoje, está em causa a criação de uma nova ordem social, em que a identidade feminina possa realizar-se tanto ao nível privado como público, no interesse da sociedade no seu todo e para dar resposta adequada aos interesses e às necessidades dos povos.
Assim, como uma das apostas democráticas do próximo século, o PSD propõe que a futura Constituição política portuguesa assuma o compromisso de o Estado português promover a participação política efectiva, em termos paritários, de homens e mulheres.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito equilibrado!

O Sr. Presidente: - Para uma. intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com alguma emoção e sem amargos de

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boca que tomo a palavra para tecer algumas considerações sobre o artigo em apreço.

A bancada do PS congratula-se abertamente com nova redacção do artigo 112.º. A nova redacção conferida ao artigo 112.º, que flui do acordo de revisão constitucional celebrado entre o Grupo Parlamentar do PS e o Grupo Parlamentar do PSD, ao consagrar a participação directa e activa dos homens e das mulheres como condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, é um exemplo vivo do reforço da participação política e da promoção da igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e da não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.
A consagração da obrigação de a lei promover a igualdade entre homens e mulheres no exercício de direitos cívicos, bem como a não discriminação em função do sexo, representa, assim, mais um importante patamar na defesa e na promoção dos direitos das mulheres e da igualdade de oportunidades.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A consagração de tais direitos está, em termos de inserção sistemática e da opção legislativa, bastante correcta e adequada, dado que o artigo 13.º, enquanto cláusula genérica, já pressupõe a igualdade na aplicação do direito, sendo a base constitucional deste princípio a igual dignidade social de todos os cidadãos.
Contudo, este preceito não deve ser encarado como o único artigo garante da igualdade. Nem tudo o que respeita a esse ideal está concentrado e plasmado no artigo 13.º. A Constituição concretiza em muitos preceitos o princípio da igualdade.
Não podemos subestimar a importância do artigo 12.º, que plasma a participação directa e activa na vida política como princípio objectivo da organização do poder político e como componente essencial do sistema constitucional democrático.
A formulação agora proposta para o artigo 112.º vem ao encontro das declarações finais da IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as mulheres, realizada em Pequim, em Setembro de 1995, onde estivemos presentes, integrando a delegação governamental. Nesta Conferência pretendeu-se, entre outras coisas, eliminar a discriminação do género e promover uma nova cooperação de mulheres e homens no século XXI.
Ora, nas relações entre homens e mulheres, o exercício da cidadania plena exige, para além de um tratamento de não discriminação jurídica, política e social, que se garanta a aplicação de medidas positivas destinadas a corrigir as limitações de base social e cultural de que as mulheres são ainda alvo no tempo presente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a promoção da igualdade, em sede de revisão constitucional, não se cingiu somente às inovações e mais-valias introduzidas no artigo 112.º. Foram também atingidos estes objectivos últimos através de alterações aos seguintes artigos, os quais - sublinhe-se obtiveram maioria qualificada em sede da CERC e do Plenário: no artigo 9.º passou a considerar-se tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres, bem como a igualdade de oportunidades; o artigo 26.º passa a consagrar a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação; o artigo 59.º passa a prever a consagração do direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar; no artigo 67.º refere-se a expressamente o direito a uma maternidade e paternidade
conscientes; registe-se ainda que o artigo 81.º, alínea b), passa a consagrar a promoção da justiça social e o assegurar da igualdade de oportunidades. Isto ocorre ainda - e bem! - quando na Cimeira de Amsterdão se atingiram também resultados positivos.
É de elementar justiça que as mulheres participem na vida política ao lado e em plano de igualdade com os homens, como protagonistas e não na rectaguarda. Enquanto tal não acontecer, de forma explícita ou subtil, a filosofia do poder, a linguagem e as regras do jogo político continuarão a ser definidas pelos homens.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - E não só!

A Oradora: - A plena democracia pressupõe que as relações de poder entre homens e mulheres estejam equilibradas. Enquanto tal princípio não for atingido, a plena democracia será uma mera sombra de si mesma.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O Grupo Parlamentar do PS vota, assim, favoravelmente as alterações introduzidas ao artigo 112 º e congratula-se com o facto de o texto constitucional, na área dos direitos das mulheres, poder contribuir mais e melhor para este justo equilíbrio.
Os Deputados do Grupo Parlamentar do PS assinarão, naturalmente, uma declaração de voto que será posteriormente entregue.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero congratular-me, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, com o facto de ter sido possível a alteração
deste artigo em termos que podem vir a constituir uma bandeira na luta pela igualdade de homens e mulheres.
Recordo-me que, no dia 1 de Fevereiro de 1995, ouvi no Parlamento Paritário, realizado na Sala do Senado, neste mesmo edifício, o Secretário-Geral do PS, hoje Primeiro-Ministro, adiantar uma proposta bastante mais ousada, que,
na altura, teve manchettes de primeira página e de aberturas de telejornais, que era a proposta de quotas obrigatórias de participação das mulheres em eleições.
Esta proposta foi para a "gaveta", fez o seu papel na época, entretanto, neste momento, é aprovada uma proposta que creio que é mais sensata, o que não significa que implique menos obrigações na perspectiva de apontar para o empenho efectivo dos órgãos do poder político e da generalidade dos agentes políticos no sentido de garantir cada vez mais a democracia paritária, que é nosso objectivo, o fim de qualquer tipo de discriminação, seja de que natureza for, em relação à mulher, sobretudo num campo que deveria ser aquele em que a discriminação devia ser menos possível, que é exactamente o campo da participação política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

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O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao contrário dos oradores anteriores, não me vou congratular mas, sim, lamentar o retrocesso na nossa Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é verdade!

O Orador: - É assim mesmo, Sr. Deputado!
Julgo que os cidadãos são homens e mulheres e os senhores entendem que é preciso dizer que as mulheres também são cidadãos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Muito bem !

O Orador: - E digo isto com o à-vontade de ser membro de um partido que tem uma secretária-geral, que é uma mulher, que tem uma presidente do grupo parlamentar, que é uma mulher, e sabendo que estou num país da Europa, onde; na minha escola, hoje, há muito mais mulheres do que homens,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E na minha!

O Orador: - ... em toda a universidade há muito mais mulheres do que homens, e com o à-vontade de ter sido quem primeiro nomeou directoras municipais em Portugal, quando ninguém tinha coragem de o fazer, e porque entendo que as minhas colegas Deputadas são igualzinhas a mim, não precisando de quotas para se afirmar, porque têm qualidade mais do que suficiente.
Os senhores entendem o contrário! Gostam de pôr etiquetas! Gostam de ter uma Constituição que é um catálogo de supermercado, mas eu não gosto! Por isso não me congratulo com essa posição, pois acho que mais uma vez estamos a andar para trás. Não somos uma país do terceiro mundo! As mulheres portuguesas não precisam de nada disto para se afirmar, porque já se afirmaram!

O Sr. José Magalhães (PS): - São é poucas!

O Orador: - Atentem, por exemplo, na função pública e em quantos órgãos directivos femininos e masculinos aí existem!
Então, Srs. Deputados, daqui a algum tempo e pela mesma razão, talvez queiram alterar a Constituição para defender os homens. Nessa altura, como agora, estarei contra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora interromper os nossos trabalhos, retomando-os às 21 horas e 30 minutos, com a discussão do artigo 115.º.
Agradeço que sejam pontuais, nomeadamente as direcções dos grupos parlamentares. Eu sê-lo-ei, como habitualmente.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 20 horas e 05 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do artigo 115.º.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o artigo 115.º da Constituição aborda a temática dos actos normativos, questão fundamental à organização e à própria estrutura do Estado de direito que somos, que se funda naturalmente numa ordem jurídica.
A questão nova que quero aqui abordar e que resulta do acordo entre o PSD e o PS tem a ver com uma clarificação feita neste artigo I15.º, um dos artigos nucleares da nossa ordem jurídica. Essa clarificação incide sobre um aspecto, que, ao longo do tempo, tem sido fruto de alguma querela doutrinária, para não dizer mais, e diz respeito à própria categoria dos actos normativos, ou seja, a querela que se tem gerado em torno do chamado "valor reforçado" das leis e dos decretos-leis.
Foi possível, de facto, através do entendimento entre o meu partido e o Partido Socialista, apresentar uma proposta de alteração à Constituição, que, do nosso ponto de vista, milha em favor de uma clarificação desta matéria, passando a separar, por um lado, a temática relativa à subordinação natural, nunca posta em causa por quem quer que seja, das leis e dos decretos-leis autorizados aos diplomas autorizantes, bem como dos decretos-leis de desenvolvimento de leis de bases aos regimes jurídicos que decorrem dessas mesmas bases gerais, e, por outro, numa norma autónoma, a explicitação constitucional de que, para além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria qualificada de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas, devem entender-se como leis de valor reforçado.
Esta é uma clarificação que põe fim, de certa forma, a algumas dúvidas doutrinárias sobre esta matéria e, sobretudo, tem a vantagem, do ponto de vista do PSD, de proceder a uma arrumação mais adequada, no texto constitucional, da matéria respeitante à hierarquia dos actos legislativos, hierarquia essa tão mais importante quanto é certo que, vivendo como vivemos num Estado de direito, todos os cidadãos estão subordinados à lei e ninguém está acima dela. É bom, portanto, que os cidadãos saibam distinguir o valor dessas leis e saibam, por assim dizer, em matéria legislativa, "as linhas com que se cosem".
Uma outra referência relativamente a este artigo 115.º, resultante do acordo de revisão entre o PSD e o PS e que, parece-me, também se traduz num ganho em termos de clareza do texto constitucional e da nossa ordem jurídica, diz respeito ao aditamento de um novo número, onde se explicita que "a transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei (...)" consoante se trate de matéria reservada à Assembleia da República ou de matéria concorrencial em que o Governo também tenha iniciativa legislativa.
Este é um mecanismo que, a nosso ver, flui directamente do pressuposto, já consagrado na nossa Constituição, de que à Assembleia da República, sede da democracia representativa, compete a função de acompanhamento e fiscalização da aplicação de tratados internacionais que vinculem nomeadamente a ordem jurídica interna, de que é apanágio o Tratado da União Europeia. Portanto, parece-nos que, a fim de se poder permitir, sempre através de um mecanismo de fiscalização própria dos actos normativos por parte da Assembleia da República, que haja uma assunção dessas competências por

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parte deste Parlamento, é natural que uma norma como esta fique na Constituição, para clarificar aquilo que já era a boa doutrina, mas que, sem margem para dúvidas, passa a ser a regra no nosso Estado de direito. Ou seja, estabelece-se, sempre e em qualquer circunstância, que toda a transposição de directivas, seja qual for a matéria sobre que elas impendam, deve ser realizada através de um acto legislativo, por forma a permitir sempre, em última instância, um controle e uma fiscalização adequados, em termos políticos e legislativos, por parte da Assembleia da República.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de congratular-me, em nome da minha bancada, pelo facto de ter sido possível introduzir algumas clarificações no que diz respeito ao artigo matricial no tocante aos actos normativos na ordem jurídica constitucional portuguesa.
Na verdade, há nesta matéria benfeitorias alcançadas. A revisão constitucional de 1989 não definiu um elenco nem fez uma espécie de definição geral do que sejam leis de valor reforçado. Em sede de competências do Tribunal Constitucional, curiosamente, tornou-se claro, ao atribuir-se-lhe a competência para declarar "a ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado", que, a contrario, as leis orgânicas, criadas expressamente nessa revisão constitucional, não eram as únicas leis de valor reforçado. Mas tratava-se de uma forma, digamos, de segundo grau - e, seguramente, não a mais desejável - de exprimir um conceito, que, agora, fica inequivocamente plasmado num novo número, qualificado nesta numeração provisória como 2-A e constante da proposta 89-P. O sentido dessa norma é inequívoco: qualifica como um elenco de valor reforçado não apenas através da menção específica de determinado tipo de leis mas também com uma definição de carácter geral, a qual, todavia, é muito cuidadosa. Por exemplo, face a esta definição, a lei de finanças locais não é uma lei de valor reforçado, nos termos constitucionais, porque só "aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas" é que, como tal, podem ser qualificadas face ao texto constitucional. Isto foi premeditado, é objecto de crítica de outros partidos, mas obedeceu a um desígnio muito preciso.
A outra inovação fundamental diz respeito à clarificação do regime de transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna. Nessa matéria, esclarece-se que há uma reserva de lei ou de decreto-lei, consoante a matéria versada. Em todo o caso, isto tem um significado extremamente importante, quando temos em consideração que o poder legislativo na ordem jurídica portuguesa, desde 1976 - e não desde 1989 ou de 1997 -, compreende a existência de assembleias legislativas regionais dotadas de competência própria para efeitos de legislar sobre matérias de interesse específico e com respeito pela reserva de soberania da República. Essas duas regras mantêm-se. A alteração hoje plasmada no artigo 115.º, n.º 3, será especificamente discutida quando debatermos o artigo 229.º. Nessa sede e não talvez nesta, pela minha parte - o Sr. Deputado Medeiros Ferreira fará uma intervenção, cujo alcance poderá ser de utilidade bastante específica neste e noutros domínios -, gostaria de examinar essa matéria, isto é, quando discutirmos toda a questão do poder legislativo regional e as alterações que aí serão configuradas - duas delas resultam dos n.os 3 e 4 do artigo 115.º, mas verdadeiramente será mais oportuno exprimir a filosofia de reforma a propósito do artigo 229.º.
Nesta matéria, Sr. Presidente, há clarificações muito positivas e não há alteração da matriz essencial da Constituição da República em termos do poder legislativo: todo o poder legislativo é subordinado da Constituição; todo o poder legislativo da República ou de órgãos com competência própria a nível das regiões autónomas está sujeito a controle de constitucionalidade, a controle de legalidade, a instâncias múltiplas de controle democrático, sendo, por isso, um sistema de poder legislativo com uma arquitectura racional e controlada que submetemos a veredicto da Câmara.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente à matéria em discussão neste artigo, gostaríamos de deixar expressas duas notas. Uma primeira, no sentido de nos congratularmos com a explicitação neste artigo da forma de transposição das directivas comunitárias para a ordem jurídica interna. A proposta de aditamento que decorre do debate realizado na CERC é, a nosso ver, um progresso, no sentido de deixar claro que a transposição das directivas comunitárias para a ordem jurídica interna depende de um acto de soberania, por via da Assembleia da República ou do Governo. Parece-nos que esta inovação neste artigo é de saudar, pelo que lhe manifestámos o nosso assentimento e concordância no debate ocorrido na CERC.
Por outro lado, não podemos deixar de estranhar que, pela primeira vez, a Constituição da República passe a consagrar um princípio segundo o qual só se aplica a todo o território nacional a legislação que expressamente assim o diga. Isto tem origem, como todos o sabemos, num projecto de revisão constitucional apresentado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, em que se previa a transformação da Madeira e dos Açores em Estados regionais e em que obviamente se apontava como projecto futuro a transformação de Portugal num Estado federal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Rejeitado!

O Orador: - Obviamente que, do nosso ponto de vista, a consagração constitucional desta disposição é o princípio da legalização do separatismo legislativo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Eh!...

O Orador: - ... porque não faz sentido, em nossa opinião, num Estado unitário, como, apesar de tudo, o PS e o PSD não tiveram coragem de deixar de dizer que Portugal era - a não ser que, entretanto, haja evoluções ao longo dos debates aqui no Plenário, o que não é de excluir, atendendo às circunstâncias a que a execução do acordo de revisão constitucional está a obedecer. Apesar disso, pensamos que esta expressão contida no artigo 115 º e contra a qual votámos na Comissão não pode passar em claro.
Se não tivesse significado político, ela não teria sido proposta; se não tivesse significado político, o PS e o PSD

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não a teriam negociado e, tendo significado político, é mau, porque significa uma tentativa de meter pela janela da Constituição aquilo que não se conseguiu meter pela porta.
Queremos, pois, deixar expressa a nossa discordância relativamente a esta disposição, porque entendemos que as leis gerais da República, no sentido lato que têm, por definição, sendo Portugal um Estado unitário, se devem aplicar a todo o território nacional, sobretudo sem necessidade de o dizerem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o conjunto das alterações propostas tem um sentido contraditório. Há alterações que, a nosso ver, são positivas, estando neste caso, designadamente, o aditamento de um n.º 8. Na realidade, corresponde a uma preocupação que temos de valorizar a posição da Assembleia da República perante o processo de integração comunitária o facto de se dispor que "a transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei (...)".Como é sabido, quer a figura da directiva quer a do regulamento têm uma origem no Direito Administrativo, são conceitos que derivam do Direito Administrativo interno. Entretanto, o processo de integração comunitária foi-se desenvolvendo e, hoje em dia, há quem designe, indistintamente, por actos legislativos quer as directivas quer os regulamentos, sendo esta uma matéria em aberto. Porém, entendemos mais cauteloso utilizar a expressão "actos normativos", a benefício de clarificação ulterior. Agora, a verdade é que grande parte das questões que cabiam aos parlamentos nacionais é, hoje em dia, objecto de directivas, chegando mesmo a áreas que regulam a capacidade eleitoral dos eleitores.
Por isso mesmo, esta possibilidade de a transposição das directivas, em todas as situações, se fazer por via de lei ou de decreto-lei - e, em última instância, podendo sempre ser chamado à apreciação parlamentar - é algo que nos parece de apoiar e de grande importância.
Quero também sublinhar, porque isso correspondia, aliás, a preocupações contidas nas propostas do PCP, o facto de ter sido criada a possibilidade de uma maioria qualificada de aprovação, quer do n.º 2, quer do n.º 2-A, que tinham sido aprovados na CERC apenas com maioria não qualificada.
Neste contexto, creio que é importante, em primeiro lugar, o facto de se afirmar uma supremacia clara da intervenção legislativa da Assembleia da República e, por outro lado, o facto de se clarificar o conceito de lei de valor reforçado em termos que não são tão claros quanto aqueles que adiantámos, designadamente a propósito de alguns casos concretos. Em todo o caso, correspondem a formulações que não andam longe de parte da redacção das que tínhamos apresentado e abrem caminho para resolver alguns dos problemas que se colocaram neste plano. Dou um exemplo que é particularmente actual: a questão da Lei de Finanças Locais. Sem dúvida nenhuma que é um escândalo o facto de esta Assembleia aprovar leis por maioria, até por unanimidade, como aconteceu com a Lei n.º 1/79 e com a Lei n.º 1/87, e, depois, ano após ano, os governos, através de maiorias parlamentares de ocasião, permitem-se desrespeitar as leis aprovadas pela Assembleia da República.
Parece-nos evidente que determinados diplomas, como a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, a Lei de Finanças Locais, cabem por inteiro no conceito, que agora é proposto, de leis que são pressuposto normativo necessário de outras leis ou que devam ser respeitadas por outras leis.

O Sr. José Magalhães (PS): - A lei de finanças não é!

O Orador: - Como é sabido, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente em relação à Lei de Finanças Locais, foi noutro sentido. Julgamos que esta alteração vai num caminho que corresponde à preocupação que adiantámos, preocupação essa que, inclusive, foi ao ponto de propor que a Lei de Finanças Locais, tal como a Lei de Finanças Regionais, tivesse o estatuto de lei orgânica ou que, pelo menos, tivesse um reconhecimento explícito da natureza de lei de valor reforçado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas isso foi rejeitado!

O Orador: - Este aspecto não foi assegurado. Creio, no entanto, que o facto de ter-se criado agora uma maioria qualificada neste sentido abre caminho para resolver de forma mais adequada um problema como este que foi colocado no passado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não há!

O Orador: - Entretanto, entendemos que vai num sentido bem diferente - e num sentido claramente .negativo - aquilo que é acordado pelo PS e pelo PSD no âmbito do artigo 115.º, sobretudo quando articulado com as alterações que foram propostas para os artigos 229.º e 230.º e que diz respeito ao problema da competência legislativa das regiões autónomas.
Entendemos que esta competência legislativa deveria ser clarificada e aprofundada. É um ponto em que, aparentemente, estaremos todos de acordo. Isso não significa de forma nenhuma que seja clarificada e aprofundada num sentido que, manifestamente, não respeita alguns princípios que nos parecem fundamentais.
Desde logo, neste contexto, é importante para nós que as leis da República devam ser respeitadas e que não se criem margens de ambiguidade como a que se traduz em afirmar que apenas têm de respeitar-se os princípios fundamentais e não as leis gerais da República, sobretudo quando os artigos 229.º e 230.º não vão num sentido clarificador que não dê margem para possibilidade de manifesta exorbitância neste tipo de questões.
Da mesma forma, também entendemos que não faz sentido que, num Estado unitário, que queremos fortemente descentralizado do ponto de vista político-administrativo, mas que é um Estado unitário, se afirme que são leis gerais da República as leis e os decretos-leis que assim o decretem. Este era o regime jurídico que estava previsto e era praticado nas antigas colónias...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Orador: - Este é o regime que, ainda hoje, está previsto para o território de Macau. Este não é um regime para um Estado que queremos que seja unitário, embora com ampla descentralização político-administrativa.
Isto é manifestamente desconforme com princípios básicos do nosso regime democrático e, por isso mesmo,

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não podemos fazer mais do que dizer: "Estamos frontalmente contra; não contem connosco para acompanhar este tipo de soluções".

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrámos na apreciação de uma disposição, no Plenário da Assembleia, que é talvez a que se reveste de maior importância, conjugadamente com o artigo 229.º, que adiante trataremos, no aprofundamento da autonomia regional nesta revisão constitucional.
Quem sentir e viver a autonomia sabe que o poder legislativo regional é um pilar fundamental da autonomia regional. Sem o reforço dos poderes legislativos das assembleias legislativas regionais não há aprofundamento da autonomia. E era importante que nesta revisão constitucional se encontrassem as fórmulas sucedâneas das vigentes na actual Constituição que pusessem termo a uma jurisprudência do Tribunal Constitucional extremamente restritiva que, de tão restritiva, era, simultaneamente, atentatória da dignidade do Estado e da dignidade das regiões autónomas e dos seus órgãos de governo próprio, em particular das assembleias legislativas regionais.
A frequência com que o Tribunal Constitucional considerava enfermarem de ilegalidade ou de inconstitucionalidade diplomas de ambas as assembleias legislativas regionais era reveladora de que algo estava mal no quadro constitucional vigente e na redacção da actual Constituição. É bom que se assuma que esta revisão constitucional e estas alterações visam corrigir igualmente uma jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional em matéria dos poderes das assembleias legislativas regionais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso que esta revisão deveria ser também um marco importante para se pôr termo a uma suspeição, que, eventualmente, poderei assumir como recíproca, entre as regiões autónomas e o Continente, entre o Estado e as regiões autónomas, entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais. É tempo de assumirmos com naturalidade a unidade do Estado que construímos com as autonomias dos Açores e da Madeira. Não é a autonomia regional, se for entendida e aperfeiçoada nestas ocasiões, como está a ser, que atenta contra a unidade nacional. É o contrário: são as imperfeições, as incorrecções que impedem que as assembleias legislativas regionais regulamentem no quadro próprio das suas competências de forma adequada à especificidade de cada uma das regiões e encontrem as soluções mais adequadas em cada momento e dêem resposta às exigências, que também são cada vez maiores, de cada uma das regiões autónomas.
Foi aqui referido que, no projecto de revisão constitucional que subscrevi, proporia um Estado federal. Não proponho um Estado federal mas não me repugna absolutamente nada se, na evolução histórica, for entendido que tal via serve melhor o Estado e as comunidades portuguesas integradas no Continente e nas regiões autónomas. Não me repugna essa evolução, não sei por que terá de ter-se medo dessa solução, repito, se, em dado momento histórico, for entendido que é a melhor. Portanto, não é porque me repugna essa solução que digo que, neste projecto, não defendi a solução de um Estado federal.
No projecto de revisão constitucional que apresentei, falava efectivamente em "Estados Regionais" e em "Constituições Regionais". Aliás, tive oportunidade de explicitar, na CERC, o porquê e o alcance do uso dessas duas expressões. Não tinham nada a ver com um Estado federal porque a existência deste passaria pela capacidade de as regiões aprovarem as suas próprias Constituições, enquanto, no projecto, os estatutos, que passariam a designar-se "Constituições Regionais", continuariam a ser aprovados pela Assembleia da República.
No entanto, prevendo-se a hipótese da regionalização do Continente e numa ideia de emprestar alguma dinâmica ao fenómeno da autonomia regional - os nomes têm por vezes algum sentido -, era com base nessa diferenciação entre regiões meramente administrativas e regiões que têm autonomia política e com esse sentido de alcance de um mero nomen juris que eu falava em "Estados Regionais" e "Constituições Regionais", nem mais nem menos do que isso.
Mas não vale a pena esta catalogação que, de vez em quando, se coloca relativamente às regiões autónomas: ou é um Estado federal, ou está a caminho de um Estado federal, ou é qualquer coisa próxima disso... É talvez algo que tem matizes federais, nalguns casos tem até soluções mais avançadas do que as federais, noutros aspectos estará aquém das soluções federais, mas assumamo-lo como uma solução sui generis, uma solução portuguesa que é e tem sido a adequada a que Portugal dê resposta e se construa no Atlântico, no dia-a-dia das populações portuguesas que vivem nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Quais são as alterações que introduzimos ao artigo l l5.º e qual o seu significado relativamente aos poderes legislativos das assembleias legislativas regionais?
Na actual redacção, estipula-se, como limite aos poderes das assembleias legislativas regionais, as leis gerais da República que a Constituição procurava definir de algum modo como sendo todas aquelas que, pela sua natureza, envolvessem a respectiva aplicação a todo o território nacional.
Fizeram-se duas alterações que me parecem da maior importância para a clarificação e o alargamento dos poderes das assembleias legislativas regionais. Deixa de se apontar as leis gerais da República como limite aos poderes das assembleias para passar a falar-se em princípios fundamentais das leis gerais da República.
Qual a importância e o significado desta alteração? É que, como há pouco disse relativamente à tal jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional, bastava um diploma regional expor um determinado pormenor de forma um pouco diferente da de uma lei geral da República para que o Tribunal Constitucional considerasse que aquele enfermava de ilegalidade, assim impedindo que a solução mais adequada à especificidade da região, diferenciada da do Continente, pudesse ser aplicada e tornar-se vigente na região. O importante - e a Constituição salvaguarda-o é que os princípios fundamentais de diplomas que se considera que devem ter na sua filosofia uma solução nacional sejam acatados e respeitados pelas assembleias legislativas regionais quando legislam no domínio da sua competência e do interesse específico de cada uma das regiões. É um passo extremamente importante que concilia toda uma ordem jurídica portuguesa que é um todo em todo o território, incluindo as regiões autónomas, mas que dá margem de flexibilidade bastante para que essa regulamentação adaptada às especificidades de cada uma das regiões possa agora ser adoptada sem a indignidade de

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passar pelo risco, muitas vezes antecipadamente certo, da consideração pelo Tribunal Constitucional de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Há uma alteração a este artigo 115.º, mais concretamente ao n.º 5, que veio reformular o conceito de lei geral da República, questão que, aliás, merecia grande discussão na própria jurisprudência constitucional e na doutrina. Falava-se tão-só nas leis ou decretos-leis cuja razão de ser envolvesse a sua aplicação a todo o território nacional, agora, exige-se uma segunda clarificação. Ou seja, relativamente a essas leis que tenham vocação de aplicação a todo o território nacional e assim o decretem, é necessário que o legislador lhes atribua esse aval e revele essa vontade de aplicação a todo o território nacional. Portanto, passa a haver dois requisitos: não basta que uma lei se afigure como vocacionada para aplicação a todo o território nacional, é necessário que o legislador assim o decrete. Não bastará, ainda, que o legislador, eventualmente deturpando o alcance e o sentido do legislador constitucional, passe a "carimbar" todas as leis e decretos-leis com a qualificação de lei geral da República. Passa a ser necessário que se verifique e se confirme se aquele "carimbo" tem correspondência substantiva material na lei em causa.
Portanto, é bom que fique claro que são dois requisitos que têm de estar cumulativamente patenteados na lei para que ela seja uma lei geral da República e para que os seus princípios fundamentais funcionem como limite à competência das assembleias legislativas regionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada passo que temos dado, e já demos alguns...

O Sr. José Magalhães (PS): - Nem sempre!

O Orador: - ... na revisão de 1989, no aprofundamento e aperfeiçoamento da autonomia regional, em particular no caso das competências das assembleias legislativas regionais, dá-me um grau de satisfação porque, conhecendo bem a realidade das regiões autónomas e a necessidade imperiosa deste reforço dos poderes legislativos, tenho a certeza de que daqui sairão novos caminhos que permitirão que a reafirmação de Portugal no Atlântico se faça de uma forma cada vez mais adequada às necessidades das populações, reforçando também, por esta via, a unidade nacional.
É neste sentido, com este espírito, alcance e finalidade, e não com qualquer intuito, aqui patenteado nalgumas intervenções anteriores, que ponha em causa a unidade nacional - só um desconhecimento da realidade das regiões autónomas pode levar a um juízo dessa natureza ou, então, a uma filosofia menos autonomista ou anti-autonomista ou mais centralistas e, essa sim, atentatória da unidade nacional. Mas, dizia, é neste quadro que o PSD tem adoptado, como é sabido, uma posição de liderança dos processos das autonomias regionais, quer nos anos de governação nas regiões, quer a nível de Governo e em momentos de revisão constitucional, manifestando uma abertura relativamente a soluções que, ainda que gradualistas, têm permitido o reforço da autonomia regional.
Queria lembrar aqui que, face a esta alteração do artigo 1 l5 º - se for necessário, formula-se uma proposta nesse sentido, pois parece-me que ela é uma decorrência dessa alteração -, impõe-se a alteração da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, que prevê a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade de diplomas regionais quando "(...) se fundar em violação do estatuto da respectiva região ou de lei geral da República".
Deve, pois, ficar em acta que esta parte final da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º tem de ser alterada: onde hoje está "lei geral da República", deve ler-se "princípios fundamentais das leis gerais da República". Só assim a matéria da fiscalização da constitucionalidade estará em sintonia com as soluções materiais que se consagram agora no artigo 115.º.
Sem prejuízo de voltar a esta matéria...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Outro pequeno passo!

O Orador: - ... aquando do debate sobre os artigos 229.º e 230.º, onde se completa o quadro de avanços do poder legislativo das assembleias legislativas regionais, queria terminar a minha intervenção com o registo da satisfação de ter sido possível o entendimento entre os dois maiores partidos para este avanço e para a consagração desta solução. Quem sentir as autonomias como uma forma de construir Portugal no Atlântico e como um reforço da unidade nacional não terá qualquer dificuldade em acompanhar-nos e em votar favoravelmente as soluções agora em debate.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À primeira vista, seria descabido que um homem que não é um jurista, como eu, falasse sobre o artigo 115.º, que é uma norma destinada, sobretudo, aos juristas,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E aos cidadãos que todos somos!

O Orador: - ... para os ajudar a interpretar a ordem legislativa elaborada por políticos e juristas, nesta Assembleia e fora dela. Este artigo 115.º destina-se, pois, a ajudar os juristas a ordenar a competência própria e a hierarquia das leis.
Faço esta intervenção sobretudo tendo em conta que neste artigo I 15.º vamos introduzir melhorias no que diz respeito à função de distribuição legislativa da República Portuguesa.
Desde logo, prevê-se o acolhimento, pela República Portuguesa, das normas da União Europeia, as directivas comunitárias - é essa a inovação do n.º 8 do artigo 115.º. Ora, gostaria de informar a Câmara, porque talvez o desconheça, que esta matéria do acolhimento das directivas comunitárias na ordem interna dos Estados-membros da União Europeia não é uma questão pacífica. Muitos Estados-membros ainda não aperfeiçoaram o seu modo legal e formal de acolhimento das directivas e regulamentos, sobretudo dás directivas comunitárias. E o Estado português dota-se, a partir deste momento, de uma forma muito concreta de acolhimento na ordem interna dessas directivas, através de leis ou de decretos-leis. Trata-se de algo que me parece importante sublinhar.
Todavia, não é apenas em relação à ordem externa que a Assembleia da República vem melhorar o artigo 115.º, também o faz no que diz respeito à articulação da competência legislativa regional, que será sempre feita dentro do critério e do interesse específico. E, nesse domínio, nada se

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altera nesta revisão constitucional, a não ser impedir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional venha a ser "mais papista do que o Papa", ou seja, venha a interpretar o sentimento que desde a Constituinte de 1976 e, de certa maneira, desde o estatuto provisório, aprovado pelo VI Governo, de que V. Ex.ª, Sr. Presidente, fez parte. A generosidade e, diria, o equilíbrio institucional do ponto de vista legislativo estava razoavelmente estabelecido.
Acontece, Sr. Presidente, para quem não o saiba, que a expressão "leis gerais. da República" não aparecia na primeira versão da Constituição de 1976. Assim, quando aqui se faz referência às leis gerais da República não se está a falar do conceito de lei geral da República mas, sim, de uma realidade residual, que é aquela que está para além das matérias legislativas reservadas à Assembleia da República, quer do ponto de vista absoluto, quer do ponto de vista relativo, das matérias legislativas da competência do Governo da República, das leis-quadro, das leis de base, das leis orgânicas, já que todas elas fazem parte do conceito de lei geral da República. Mas não é nesse sentido que a Constituição, depois da sua revisão de 1982, acolheu o conceito de lei geral da República.
Como o Sr. Presidente deve estar recordado, tal como muitos dos Srs. Deputados aqui presentes, a introdução do conceito de lei geral da República faz-se só em 1982, exactamente para dirimir ou tentar esclarecer a natureza dessas leis, para além de todas aquelas de que já falei e que não se sabia se eram ou não leis gerais da República. Então, acrescentou-se que a sua razão de ser seria a aplicação a todo o território nacional. Mas essa melhoria não resolveu a questão, Sr. Presidente.
O Tribunal Constitucional agarrou-se não tanto a essa matéria mas a algo que está consagrado no n.º 3 do artigo 115.º, e que me parece uma verdadeira melhoria: a ideia de que capacidade legislativa das assembleias legislativas regionais, sempre dentro do critério de que só podem legislar em matéria específica, tem de ter em conta os princípios fundamentais das leis gerais da República.
É essa melhoria que considero extraordinariamente positiva, isto é, o facto de a capacidade legislativa regional não ter de se submeter à letra das leis gerais da República, no sentido restrito que aqui lhes é dado pela Constituição, a partir de 1982, mas aos princípios fundamentais das leis gerais da República.
Dito isto, quase pareceria facultativo o acrescento que se faz no n.º 4 deste artigo 115.º, e que muito tem a ver com a história da introdução do conceito de leis gerais da República para caracterizar o que há de residual na legislação que se aplica a todo o território nacional. Refiro-me ao aditamento "e assim o decretem".
Já afirmei na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional que tenho algum receio de que essa fórmula, assim como a introdução do conceito de lei geral da República em 1982, em vez de esclarecer as competências das assembleias legislativas regionais, venha a criar problemas políticos. E não ficaria bem com a minha consciência se não o dissesse aqui de uma forma serena, porque acredito, e acredito desde sempre, Sr. Presidente, como sabe, que existe uma grande complementaridade entre a República e as regiões autónomas. Vejo, aliás, nas regiões autónomas, uma espécie de fermento na soberania comum que fortalece a unidade nacional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É nessa perspectiva que me coloco.
Portanto, penso que a fórmula "e assim o decretem" pode criar problemas políticos, sem ajudar a qualquer clarificação jurídica. Temo isso, temo que, por omissão ou por demasiada explicitação, essa fórmula venha a criar maiores dificuldades, mas espero que assim não seja! Espero que o bom senso e o entendimento mútuo venha, de facto, a ter lugar, quer na República quer na região autónoma.
Sr. Presidente, vou já terminar a minha intervenção, uma vez que não tenciono, a propósito do artigo 115.º, discutir as competências próprias das regiões autónomas. Entendo que elas devem ser discutidas no capítulo próprio, ou seja, a partir do artigo 227.º. Por isso, Sr. Presidente, não abuso mais da sua paciência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Nunca abusa, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também queria dizer alguma coisa sobre este tema do artigo 115.º, até porque faço tenção de, no local próprio, aquando do debate sobre o artigo 229.º, deixar a discussão destas matérias aos nossos colegas das regiões autónomas.
Todavia, gostaria de dizer aqui algo que considero relevante.
Em primeiro lugar, ternos de ter por indiscutível que, nos termos do artigo 6.º da Constituição, na fórmula vigente e de acordo com aquele aditamento que, do meu ponto de vista, aliás, nada acrescenta, já resulta, claramente, que estamos perante um Estado unitário, e que faz parte da unidade deste Estado a autonomia, quer do poder local, quer do poder regional, já que estes integram a unidade do Estado. Esta é a lição que resulta, clara e linearmente, do artigo 6.º da Constituição. O resto, diria, são nominalismos. Se é unitário, se é outra coisa, é arranjar palavras que apenas traduzem a tentação portuguesa de viver da querela dos universais e das palavras. Aliás, se não fora isso, que lugar seria aqui o nosso, se estamos numa Câmara parlamentar, numa Câmara onde se parla?! O Estado unitário é, pois, a ideia básica de tudo isto.
Sucede que há qualquer coisa que me legitima a falar desta matéria.
O projecto de Constituição que apresentei na tribuna em 11 de Julho de 1975, do PPD, é que define já a epítome, digamos assim, do regime autonómico regional. E foi o único que o fez!
Depois, o anteprojecto da Constituição para o Título VII foi feito por mim em sede de comissão, com a fórmula que veio a Plenário. E logo no início se verificou que a Comissão Constitucional interpretou restritivamente o poder legislativo regional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Por isso é que, em 1980, tendo sido incumbido, conjuntamente com dois colegas, Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, da elaboração de um anteprojecto a apresentar pela AD ao Plenário, incluí lá esta fórmula, visto que essa parte também foi da minha autoria. Esclareça-se que, nesse livro, repartimos as autorias.
Nessa ocasião, propus que os decretos legislativos regionais versassem sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões, não reservadas aos poderes da

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República, e não pudessem dispor contra os princípios fundamentais das leis da República. Isto está publicado e é acessível a todos VV. Ex.as.
Mas, em 1980, a expressão que usei - "princípios fundamentais das leis da República" - não teve acolhimento. Congratulo-me, por isso, com o facto de, volvidos todos estes anos, finalmente, a boa doutrina ter entrado no texto constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à outra parte, comungo de algumas reservas pessoais relativamente à expressão "que assim o decretem". Gostaria de ver isto formulado, pelo menos na negativa, isto é, com uma expressão do tipo "que não digam o contrário" ou, como se estabelece naquele velho artigo do Código Comercial, "se o contrário do próprio acto não resultar". Isto seria, porventura, mais subtil e menos atentatório de uma certa concepção de unidade global do território português. De qualquer modo, trata-se de uma questão secundária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem observado!

O Orador: - Comungo, pois, das precauções que foram aqui suscitadas pelo Deputado Medeiros Ferreira, mas espero que, com isto, tenhamos dado um passo necessário para libertar o poder legislativo regional de uma teia que o envolveu progressivamente e estagnou as autonomias regionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Veja lá o que vai dizer!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 115.º é, seguramente, uma trave constitucional e é também um dos artigos mais difíceis do nosso ordenamento constitucional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já o era, em sede interpretativa, antes desta revisão constitucional, admito que continue a sê-lo depois desta revisão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Estamos a clarificá-lo!

O Orador: - E não foi por menos esforço de todos os Srs. Deputados, que procuraram clarificar, tanto quanto possível, o alcance deste artigo em todos os domínios. Pela minha parte, estou convencido de que algum benefício resultará desse esforço.
Em primeiro lugar, a possibilidade de podermos consagrar um n.º 2, e um n.º 2 novo, que se desdobrará e permitirá tornar mais evidentes as relações de articulação entre várias das nossas leis, naquilo que elas têm, designadamente, de pressuposto normativo, por força da Constituição, de outras leis ou que por elas devam ser respeitadas, é um ponto de inovação no artigo 115.º que vai alargar consideravelmente os domínios da fiscalização por ilegalidade.
Também assim será porque o âmbito das leis com valor reforçado, designadamente por um aumento do elenco das leis orgânicas, será igualmente alargado neste processo de revisão constitucional. Mas, naturalmente, temos de nos ancorar. E a ancoragem desta inovação resulta da própria definição que uma proposta de n.º 2-A nos permite, ao determinar que as leis que são pressuposto normativo de outras o serão, necessariamente, por força da Constituição. Ou seja, não será por qualquer interpretação doutrinária, por mais interessante que possa ser, que essa força e esse pressuposto normativo serão estabelecidos, isso resultará ou não da Constituição: E é por isso que não posso acompanhar o Sr. Deputado Luís Sá no seu afã, que respeito e considero, de tentar que a Lei das Finanças Locais seja um pressuposto normativo necessário de outras leis, designadamente da lei do Orçamento. Esse pressuposto normativo ou está na Constituição ou não está! Está, por exemplo, quando a Constituição estabelece a lei do enquadramento orçamental como um pressuposto legal necessário da lei do Orçamento e está na Constituição, por exemplo, quando se estabelece, no artigo 255.º, que a lei de criação das regiões administrativas é um pressuposto legal necessário das leis de instituição em concreto de cada uma das futuras regiões administrativas.
Mas esta clarificação, a meu ver, não poderia deixar de ser feita, para que não subsistissem alguns equívocos em torno desta inovação constitucional.
Por outro lado, temos de considerar um outro aspecto do artigo 115.º que se reporta à necessidade de melhor coordenar as competências legislativas regionais com as competências legislativas da República e, particularmente, dos órgãos de soberania. Como já foi aqui sublinhado, foram dados passos muito positivos e um deles, não de pequena importância, é o de admitir que a iniciativa legislativa regional possa ocorrer, desde que se conforme com os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Estão, assim, definidos três pressupostos claros: primeiro, a iniciativa legislativa regional tem de versar sobre matéria de interesse regional específico; segundo, as iniciativas legislativas têm de respeitar e não podem decorrer em matérias da reserva de competência dos órgãos de soberania; em terceiro lugar, devem respeitar os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Mas reside aqui, porventura, um problema novo: a nova definição do conceito de leis gerais da República, ou seja, aquelas que, pela sua natureza, devam aplicar-se a todo o território nacional e assim o decretem.
Pois bem, Srs. Deputados, a questão que já abundantemente tivemos ocasião de travar na CERC é a seguinte: e se uma lei deva aplicar-se a todo o território nacional e, porventura, não o explicite de forma inequívoca nas suas disposições normativas?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Chapéu!

O Orador: - Se estamos em certo domínio legislativo, perante matérias da competência exclusiva dos órgãos de soberania - recordo, obviamente, os artigos 167.º e 168.º e também os de competência exclusiva do Governo, na parte da auto-regulamentação -, e, para além das matérias dá competência exclusiva constitucionalmente expressas, é hoje jurisprudência largamente admitida no Tribunal Constitucional que outras matérias há que, pela sua natureza, devem ser consideradas como reserva da competência própria dos órgãos de soberania, e se uma lei que se deva aplicar a todo o território não

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se decreta como lei geral da República, fica excluído constitucionalmente e, sobretudo, jurisprudencialmente que possa ser uma lei da competência reservada dos órgãos de soberania? Obviamente que não! Nada, na Constituição, permitiria essa leitura e, por isso, neste ponto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional não terá, provavelmente, que inflectir tanto quanto outros Srs. Deputados aqui sugeriram.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é por isso que temos de ser prudentes!
O Partido Socialista chamou a atenção do PSD para este ponto, durante os debates parlamentares, admitimos outras possibilidades de construção da definição conceptual do que seja lei geral da República, chegámos mesmo a sugerir, de acordo com o nosso projecto originário, que as leis gerais da República também abarcassem as leis de competência própria dos órgãos de soberania, mas não foi este o consenso possível a que pudemos chegar. Por isso, não podemos excluir a realidade constitucional que, na sequência deste processo de revisão, deixaremos consignada, que é a de que haverá leis da competência exclusiva dos órgãos de soberania, haverá leis da competência própria dos órgãos de soberania, haverá leis gerais da República e haverá ainda leis da República sem esse grau de generalidade.
Estamos, naturalmente, a criar um encargo jurisprudencial ao Tribunal Constitucional, mas uma coisa que nós, legisladores constituintes, não podemos ter a presunção de fixar aqui é a jurisprudência do Tribunal Constitucional, de acordo com a interpretação que há-de fazer sobre a articulação dos actos normativos, em função da versão do artigo 115.º.
Eram estas as observações que queria fazer, desde logo por uma razão: porque sempre entendi, e continuo a entender, que não há qualquer perigo de ruptura na relação legislativa entre a República e as regiões autónomas. Desenvolvemos um esforço e fizemos uma caminhada no sentido do aprofundamento da capacidade de iniciativa legislativa regional e saúdo-o de forma inequívoca, mas estou inteiramente tranquilo quanto às garantias constitucionais de perfeita articulação entre a competência legislativa dos órgãos de soberania e a competência legislativa das assembleias legislativas regionais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero colocar-lhe questões de duas ordens.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado, como dirigente do Partido Socialista com responsabilidades na área das autarquias locais, sempre defendeu que a Lei das Finanças Locais era uma lei de valor reforçado. Pergunto-lhe o seguinte: neste momento, mudou de opinião? Como interpreta aquilo que está desenhado no acordo, designadamente após a perspectiva que se abriu de incluir uma definição de leis de valor reforçado no artigo 115.º?
A segunda questão que lhe coloco tem uma natureza completamente diferente.
V. Ex.ª conhece o facto de, na primeira leitura, se ter desenhado um acordo com a seguinte base: em primeiro lugar, clarificar o poder legislativo, definindo uma cláusula geral, ou seja, estabelecendo que seria da competência das regiões autónomas o que fosse do seu interesse específico; em segundo lugar, elencar as matérias da competência legislativa das regiões autónomas, a título exemplificativo, o que clarificaria, imediatamente, uma ampla zona; em terceiro lugar, porque isto são três partes do mesmo triângulo, elencar as matérias da competência dos órgãos de soberania, designadamente desenvolvendo o actual artigo 230.º, com base na proposta do próprio projecto do PS, que, depois, o PS meteu na gaveta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Em benefício de uma solução melhor!

O Orador: - Assim, a pergunta que lhe faço é a seguinte: o Sr. Deputado, depois deste caminho, considera que a solução a que se chegou, neste e noutro plano, é equilibrada?
Para se inspirar, cito-lhe, a propósito, um artigo do seu antecessor na Presidência da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em que afirmava o seguinte: "dá-se um extraordinário passo para uma transição sub-reptícia de um Estado unitário, com duas regiões autónomas, para um Estado tripartido". E acrescentava: "é nisto que dá o transaccionamento sem princípios e o negocialismo sem escrúpulos em matéria de revisão constitucional".
Mas, já agora, também para se inspirar, acrescento uma expressão de um artigo do Professor Joaquim Gomes Canotilho: "as cedências ao PSD, em matéria de regiões autónomas, são cedências que se pagam com riscos para a unidade nacional, com inaceitáveis riscos para a unidade nacional".
A nossa posição nesta matéria é extremamente clara: tudo a favor da clarificação dos poderes legislativos regionais, numa base de prudência, de equilíbrio e de princípios. Pergunto ao Sr. Deputado se pode dizer, em consciência, que a solução a que o Partido Socialista e o PSD chegaram vai no mesmo sentido. A minha resposta convicta é não!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Pois a minha é sim! E tem o mesmo peso que a sua!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, relativamente à primeira questão que me colocou, sobre a Lei das Finanças Locais, independentemente do ponto de vista que possamos ter sobre o seu significado e importância, a verdade é que não decorria até agora da Constituição que ela fosse um pressuposto normativo necessário de outras leis nem vai decorrer desta revisão constitucional que esta matéria se altere no que a Lei das Finanças Locais diz respeito.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se me pergunta se eu, no plano político, entendo que essa lei, uma vez em vigor, qualquer que ela seja, deva ser respeitada, particularmente pela Lei do Orçamento do Estado, no plano político, respondo-lhe: entendo que sim. Se me pergunta, no plano da técnica

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constitucional, se a Lei das Finanças Locais é uma lei de valor reforçado na solução constitucional adoptada, terei de responder que não é, efectivamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é!

O Orador: - Quanto à segunda questão que me coloca, a das regiões autónomas, Sr. Deputado Luís Sá, eu tenho respeito por opiniões divergentes das minhas mas também entendo que nem todas as opiniões divergentes das minhas, só por o serem, são correctas. Já vivemos - felizmente - num Estado democrático descentralizado, sem prejuízo da natureza unitária desse Estado, que permite a existência de ordens legislativas derivadas ao nível das regiões autónomas. Não estamos, portanto, a inovar nesse domínio. Se é possível, hoje, a existência de uma ordem jurídica regional, a título derivado, isso vai continuar a ser possível. O trabalho que se fez neste processo de revisão constitucional foi conscientemente orientado no sentido de aprofundar a iniciativa legislativa regional. E quero dizer-lhe, sem nenhuma ambiguidade, que esse foi um dos compromissos eleitorais mais determinantes do PS nas últimas eleições. E talvez não tenha sido também por acaso que o PS, em melhor consonância com as próprias populações das regiões autónomas, é hoje, e ao fim de 20 anos, maioritário numa delas, justamente em nome de uma orientação política claramente consentânea com os interesses desta região autónoma.
Mas sobre se eu tenho alguma dúvida de que a unidade nacional pudesse sair afectada deste processo de revisão constitucional, dir-lhe-ei que não sairá, Sr. Deputado. Não sairá porque a articulação que vai ser feita entre a indicação, a título exemplificativo, do que sejam matérias de interesse específico regional, é uma solução constitucional perfeitamente sustentada; porque o continuar-se a exigir essa necessidade de prova sobre o interesse específico regional não está posto em causa; porque o continuar-se a determinar que, para além do interesse específico regional, as regiões autónomas têm de respeitar inteiramente as matérias de competência reservada da Assembleia da República e do Governo não está posto em causa nesta revisão constitucional. O garantir-se que, na demais iniciativa legislativa regional, ela se conforma aos princípios fundamentais das leis gerais da República, não exclui a possibilidade de fiscalização, seja em sede preventiva, quanto às questões de inconstitucionalidade, seja em sede sucessiva, também quanto às questões de ilegalidade, que permite um controle jurisdicional efectivo da constitucionalidade e da legalidade ao nível da iniciativa legislativa regional.
Por isso, Sr. Deputado Luís Sá, estou inteiramente tranquilo em ter contribuído para a autonomia regional na lógica do compromisso político assumido pelo PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão voltou a colocar aqui, no debate em Plenário, uma questão tipo hipótese académica, que já tinha colocado na Comissão, sobre a qual pretendia que me desse um esclarecimento, porquanto me parece uma questão sem sentido no quadro dos problemas que estamos a levantar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dói-lhe?!

O Orador: - Não me dói nada, Sr. Deputado, estou óptimo de saúde! Com esta revisão e nesta parte, estou optimamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Veja lá se tem uma fraqueza!

O Orador: - Se há dores, não são minhas, Sr. Deputado.
Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão põe a hipótese de uma lei da competência reservada de um órgão de soberania que não tenha a indicação de que se trata de uma lei geral da República, que não se autoqualifica dessa forma, e se isto vem impedir que seja tida como tal. n problema que se coloca em relação ao limite de competências da assembleia legislativa regional não é face a essa lei, o problema é outro. Se V. Ex.ª adianta e antecipa que se trata de uma lei da competência reservada de um órgão de soberania, o limite da competência da assembleia legislativa regional já está adquirido porque, como se sabe, tem como limite a competência reservada dos órgãos de soberania. Portanto, não tem nada a ver com o problema de essa lei autoqualificar-se ou não, tem a ver com um problema prévio que é o da delimitação das competências das assembleias legislativas regionais face à competência reservada dos órgãos de soberania. Portanto, não tem relevância nenhuma esse problema que coloca quanto a essa não qualificação, até porque é possível uma lei da competência reservada da Assembleia não ter um destino para todo o território nacional. Pode reservar-se apenas ao continente, como pode reservar-se até a uma parte apenas do território do continente, nada impede que a Assembleia legisle num quadro mais estrito, se houver uma situação específica ou conjuntural que possa determiná-lo.
Mas queria colocar ainda um outra questão - e, já agora, queria ouvi-lo claramente sobre este problema - que é a hipótese de o legislador classificar indevidamente como lei geral da República uma lei que material e manifestamente não o é. Queria que V. Ex.ª me dissesse qual a sua opinião face às duas exigências agora constitucionalmente impostas: se essa lei, só porque assim se autoqualifica, se impõe como limite à competência da assembleia legislativa regional, ou se, como é meu entendimento, faltando-lhe um dos requisitos, que é o da materialidade de uma lei geral da República, de lei com vocação para aplicação ao território nacional, e por um abuso de autoqualificação e incorrecção, ela não pode funcionar enquanto lei como limite e se não há a exigência do cumprimento, ou da inspiração, ou do respeito pelos seus princípios fundamentais por parte das assembleias legislativas regionais.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não me custa reconhecer a pertinência da questão que coloca: se faltar o requisito formal ou, melhor, se houver um requisito formal e faltar o requisito substancial, se essa lei, apesar de estar formalmente declarada como lei geral da República, o é quanto à substância. Eventualmente, pode estar aí também uma fonte de inconstitucionalidade, não me repugna nada reconhecê-lo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - Tanto monta a que o Sr. Deputado também reconheça o outro lado da razão na minha argumenta-

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ção de há pouco: uma lei que, justamente, tenha o requisito substancial e lhe falte o requisito formal, nem por isso pode deixar de ser uma lei de competência reservada dos órgãos de soberania. O que quer dizer, Sr. Deputado Guilherme Silva, que a sua questão é pertinente pelo lado em que a colocou, tanto quanto a minha questão é pertinente pelo lado em que eu a coloquei. O que estamos, de facto, é a colocar o Tribunal Constitucional na indispensabilidade de um grande trabalho jurisprudencial no futuro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Devo congratular-me com o alto nível das argumentações produzidas esta noite acerca do artigo 115.º da Constituição e das propostas que estão perante o Plenário da Assembleia da República para a sua alteração. Julgo, no entanto, que estamos a ir longe demais.
Na verdade, as propostas que obtiveram consenso dentro da maioria para a revisão constitucional durante os trabalhos da Comissão Eventual, são propostas bem concretas e não posso deixar de as qualificar como modestas. Não vale a pena, por isso, pôr em causa toda a elaboração política, doutrinal, jurisprudencial já fixada, ao longo das mais de duas décadas de vigência da nossa Constituição, relativamente a esta matéria. Tudo isto que foi adquirido, está para permanecer! Aquilo que a Assembleia da República introduzirá de novo - se vierem a ser aprovadas as propostas que resultam dos trabalhos da Comissão Eventual - é apenas uma limitação do entendimento da lei geral da República, enquanto travão à capacidade legislativa regional, apenas aos princípios fundamentais dessa mesma lei e não ao seu conteúdo, completo e pormenorizado.
E, por uma questão de certeza de direito, e apenas, obviamente, para futuro, também ficará estabelecido aceitando-se as propostas da Comissão Eventual - que as leis gerais da República deverão decretar, deverão determinar com clareza que assim se assumem, que assim se tomam como leis gerais da República. Este requisito formal é, como todos os requisitos formais, essencial (não quer dizer que seja substancial - são conceitos diferentes). E, obviamente, será, daqui para futuro, uma maneira de, com mais certeza, sabermos quais são aqueles diplomas que constituem leis gerais da República e que, por isso mesmo, de alguma forma - insisto, quanto seus princípios fundamentais - tolhem a capacidade de elaboração em matéria legislativa incluída nas competências das assembleias legislativas regionais.
É apenas isso que está em causa, Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados. Transformar esta questão, que é um pequeno pormenor, numa questão de fundo, de alteração substancial do nosso regime constitucional - como parecem pretender alguns dos partidos que não se inseriram na maioria constitucional quanto a este ponto, parece-me exagerado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não é maioria constitucional, é maioria de revisão constitucional!

O Orador: - Tem razão, tem toda a razão - é a maioria necessária para a revisão constitucional. De resto, em muitas matérias, efectivamente, existe uma unanimidade de pontos de vista entre todos os partidos políticos parlamentares.
Em síntese: parece-me exagerado, não é necessário trazê-los aqui à colação, agitar velhos fantasmas! Não adianta! Não é pelo facto de, a partir de agora, as assembleias legislativas regionais serem limitadas apenas pelos princípios fundamentais das leis gerais da República - quanto ao resto, continua a entender-se tal como tem sido entendido até agora - que vai cair a honra da pátria e a unidade nacional na lama! Sejamos objectivos: não há razão nenhuma para alarmes. E, como muito bem foi sublinhado por alguns dos Srs. Deputados que já intervieram antes de mim, tanto da parte do PSD como do parte do PS, nomeadamente o Sr. Deputado Jorge Lacão e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, o nosso objectivo é dar uma resposta, uma resposta necessária, à interpretação que o Tribunal Constitucional, em termos restritivos, introduziu, o nosso intuito é de, de alguma forma, libertar - insisto, desta maneira bem concretizada e bem delimitada - o poder legislativo regional, uma das grandes aquisições, uma das grandes conquistas da Constituição do 25 de Abril.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apesar do estilo mais sofisticado e tranquilo com que o Sr. Deputado Mota Amaral acaba de tentar tranquilizar-nos relativamente a estas disposições do artigo 115.º, o que é um reflexo da forma como exerceu a autonomia enquanto foi Presidente do Governo Regional - aliás, contrastando com outros estilos bem mais preocupantes e que devemos ter presentes quando discutimos estas matérias, porque a Constituição se destina à vida prática dos cidadãos e deve ter em conta as realidades concretas de quem vai lidar com ela, aplica-la e ter a responsabilidade de a respeitar...

O Sr. João Amaral (PCP):. - Estão a fazer-lhe uma injustiça, Sr. Deputado Mota Amaral!

O Orador: - Apesar desse estilo, penso que esta discussão serviu para demonstrar duas coisas importantes. A primeira é que, ao contrário do que o Sr. Deputado Guilherme Silva defendia a propósito do n.º 4, dizendo que se visava, por via constitucional, limitar uma interpretação restritiva que o Tribunal Constitucional tem feito de várias matérias relacionadas com este problema, se acaba por conseguir o efeito exactamente inverso. Como o Sr. Deputado Jorge Lacão acabou de reconhecer, através do n.º 3 está-se desde já a encomendar mais trabalho ao Tribunal Constitucional e a abrir um maior campo de conflitualidade potencial entre quem exerce o poder nas regiões autónomas e os órgãos de soberania da República. Isto tem de ser registado porque, como comecei por dizer, a Constituição da República Portuguesa é executada e respeitada, ou não, por homens e políticos concretos e todos temos presente as afirmações extremistas, não produzidas pelo Sr. Deputado Mota Amaral, nem porventura produzidas na região autónoma em que tem mais experiência mas noutra, em que, de facto, basta lembrar esse comportamento para vermos com muita preocupação o combate político que aqui se está a inaugurar e a prometer a partir do momento em que se abram polémicas sobre o facto simples de descortinar o que é um princípio fundamental de uma lei geral da República. Está bem de ver, se pensarmos em certos políticos e em certas afirmações, até

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recentes, sobre o modo de interpretar as autonomias e até os objectivos prosseguidos por essas autonomias, que estamos com este n.º 3 do artigo 115.º, conjugadamente com o seu novo, novíssimo, n.º 4, a criar mais problemas do que aqueles que vamos resolver. E como ficou bem patente, apesar da tentativa tranquila do Sr. Deputado do Sr. Deputado Mota Amaral, estamos nesta matéria, como em outras, não perante um acordo de revisão mas perante um desacordo de revisão. O problema é que quem pagará esse desacordo é o país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo l 16.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao artigo 116.º e às propostas de alteração que sobre ele recaiem há duas coisas que vale a pena dizer. Em primeiro lugar, a alteração para o n.º 2 era necessária pois era uma verdadeira ficção em termos constitucionais uma vez que o recenseamento eleitoral já não era único para todas as eleições por sufrágio directo e universal posto que havia várias eleições em relação às quais o universo eleitoral era composto de modo diferente atendendo a que havia novos direitos que foram reconhecidos em relação aos cidadãos comunitários e em relação, em regime de reciprocidade, a cidadãos oriundos dos PALOP. Portanto, trata-se, verdadeiramente de uma alteração necessária e obrigatória.

O Sr. José Magalhães (PS): - Diz muito bem!

O Orador: - Em relação ao n.º 6, qual o problema que aqui se coloca e porque é que é feita esta proposta? Se atentarmos no que aconteceu há relativamente pouco tempo em dois países europeus, verificamos como foi possível realizar rapidamente um novo acto eleitoral e instituir novos órgãos eleitos com uma rapidez que em Portugal é absolutamente impossível de fazer. O que acontece é que tem havido, quer na Constituição da República Portuguesa, quer na nossa lei ordinária, vários obstáculos a que os órgãos eleitos entrem rapidamente em funções, a que a campanha eleitoral decorra com rapidez, as crises políticas ou os actos eleitorais decorram com rapidez e presteza para a sua resolução.
Havia obstáculos na lei ordinária, a maioria dos quais foi superada, houve alterações há bem pouco tempo em relação aos prazos da campanha eleitoral e em relação aos prazos para a repetição de actos eleitorais, foram ambos reduzidos. Aliás, a própria rigidez da lei constitucional em vários artigos - e este é o primeiro dos quais tratamos - impedia que a rapidez fosse assegurada ao nível da lei constitucional e se repercutisse a lentidão ao nível da lei ordinária.
Sendo assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, propomos que haja uma alteração no encurtamento do prazo previsto no artigo 116.º, n.º 6, pois pensamos que é um bem para a democracia, é um bem para a clarificação do preceito constitucional e é um entrave que deixa de existir para a lei ordinária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conjunto de alterações propostas para o artigo 116.º tem um sentido que julgamos positivo. Por um lado, o facto de se clarificar que o recenseamento é único - e sublinho único, como regra geral -, mas que se tem que ter em conta a situação particular que decorre, designadamente, do artigo 15.º e do facto de haver emigrantes, sobretudo emigrantes que votam para as eleições, é para nós algo de perfeitamente explicável mas sem deixar de sublinhar que a regra é efectivamente a da unicidade do recenseamento.
Diferente é, naturalmente, a opinião que temos acerca da alteração decorrente do artigo 124.º, n.º 2, já que ela decorrerá do acordo PS/PSD em matéria de voto para as presidenciais, matéria sobre a qual temos uma opinião que é conhecida e que em breve será debatida.
Quanto ao problema da explicitação do princípio da transparência das contas eleitorais, parece-nos algo que também reputamos de positivo. Está em cima da mesa, com uma maioria simples da CERC, mas para apreciação em Plenário e com eventual perspectiva de evolução, a ideia de baixar o prazo nos termos do qual deve ser marcada a data de eleições no acto de dissolução de órgãos colegiais. Nesse caso também entendemos que o prazo actual é francamente alargado, cremos que haveria vantagens em diminuí-lo, somos sensíveis aos problemas colocados pelo STAPE devido naturalmente à qualificação técnica que é suposto ter, mas julgamos também que as questões aqui trazidas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, tal como já tinha levado à CERC, o seu próprio conhecimento directo deste sector e destes serviços, são para nós motivo que vai no sentido de confiar que baixar o prazo não vai ser sinónimo de impossibilidade de cumprir o novo prazo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Confiamos, portanto, que a administração eleitoral tudo fará para, alterada a Constituição da República Portuguesa, vir a corresponder àquilo que vier a ser fixado e, portanto, permitir-nos a todos que no caso de dissolução de órgãos colegiais possamos ver as eleições realizadas num prazo mais curto do que actualmente acontece.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quero, entretanto, sublinhar o facto de não ter havido maioria para consagrar constitucionalmente a existência da Comissão Nacional de Eleições. É conhecido da parte de todos a importância que tem cada vez mais a administração pública independente. Julgamos que a CNE, independentemente das críticas pontuais que possa haver aqui ou ali, tem desempenhado um papel importante e que a alternativa para a sua extinção era pura e simplesmente a actuação dos tribunais que não seriam suficientes para resolver expeditamente uma série de questões que lhe são colocadas ou, então, a actuação da administração eleitoral dependente do Governo que é, como é sabido, uma administração eleitoral dependente de um Governo controlado por um partido. Julgamos, por isso, que teria havido vantagens em, aliás correspondendo a uma proposta reiteradamente apresentada pelo PCP, consagrar

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a Comissão Nacional de Eleições. Infelizmente, não foi este o entendimento, designadamente do PSD, mas haverá outras oportunidades no futuro para a questão ser recolocada.
Entretanto, independentemente da não consagração da CNE na Constituição da República Portuguesa, é evidente que ela vai continuar a desempenhar o seu trabalho, como está a desempenhar desde já no próprio processo eleitoral conducente às eleições autárquicas.
Sobre a proposta, que também subiu a Plenário, e que diz respeito às listas de cidadãos eleitores para a Assembleia da República, gostaríamos de dizer que nos congratulamos com o facto de ir passar a ser obrigatória a existência de listas de cidadãos eleitores, designadamente para os municípios. No entanto, julgamos que no caso de assembleias que dão origem a executivos e designadamente parlamentos a partir dos quais é formado governo, a questão da governabilidade e da possibilidade de existência de uma maioria que dê existência ao Governo é algo de bastante importante. Aliás, não compreendemos que haja quem se preocupe com esta questão para efeitos de alterar o sistema eleitoral e que faça dela tábua rasa quando se trata de alterações deste tipo em relação à Assembleia da República. Os partidos, no fim de contas, são grupos de cidadãos eleitores, simplesmente grupos de cidadãos eleitores dotados de estabilidade e que têm que responder perante o Tribunal Constitucional e desde logo com a fiscalização das contas eleitorais, e, por isso mesmo, o facto de a apresentação de listas para a Assembleia da República ser reservada aos partidos políticos e às coligações de partidos políticos não consiste numa amputação de direitos dos cidadãos e, pelo contrário, é algo que nos parece perfeitamente explicável em face de um dos objectivos importantes do Parlamento que é exactamente dar origem a soluções governativas. Este tem sido, de resto, o entendimento de importantes constitucionalistas portugueses em cuja lição nos revemos neste plano.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de princípios gerais de direito eleitoral, esta revisão constitucional trará verdadeiramente duas alterações relevantes e curiosamente ambas em matéria daquilo que poderíamos chamar mecânicas, uma mecânica de recenseamento e a outra a própria arquitectura e os prazos de realização dos actos eleitorais. Mais nada nesta sede.
As propostas que apresentámos para consagrar a possibilidade de apresentação de candidaturas independentes obtiveram provimento em matéria de autarquias locais, concretamente em matéria de municípios, mas não aqui pois o PSD opõe-se absolutamente a essa opção e inviabilizou uma solução deste tipo que tinha, de resto, a oposição de outros partidos, como acabámos de constatar. Donde, a margem de inovação possível nesta matéria.
Francamente também, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a não inovação não é desvirtude quando o ponto de partida é bom. E este ponto de partida não é bom, é excelente, é um pilar de democraticidade e de legitimidade das instituições portuguesas, funcionou bem e nesse sentido os dois acrescentos são positivos mas são minudentes.
Primeiro acrescento: diferenciação em matéria de recenseamento. Não é esse o problema essencial porque o problema essencial nessa matéria é encontrarmos, a nível infraconstitucional, uma forma de o actualizarmos e de o aproximarmos da realidade sem quebrar nenhum princípio de lisura procedimental e de bom processamento.
A segunda novidade é introduzir-se o princípio da transparência em matéria de contas eleitorais reforçando o que já decorre da Constituição da República Portuguesa, mas é bom de ver que o legislador ordinário vai ter muito mais trabalho do que isso, vai ter que regular cuidadosamente todo o aspecto do financiamento das campanhas, matéria em que os bons princípios já constam da Constituição da República Portuguesa.
Terceira alteração, igualmente positiva, é o facto de se acelerar, de se encurtar de 30 dias todo o sistema posterior a qualquer dissolução de órgãos colegiais baseados no sistema de sufrágio directo. É verdade que a máquina que acompanha as nossas eleições, o STAPE, teve uma atitude de grande prevenção nesta matéria e de alguma deificação do regime legal em vigor, mas a verdade é que esse regime legal em vigor não é o único possível, os prazos podem ser compactados sem nenhuma lesão dos direitos dos intervenientes. A experiência de outras democracias revela-nos que isso é possível e, por exemplo, noutra sede da Constituição, garantimos que a Assembleia da República reúna no terceiro dia posterior ao acto eleitoral com base nos resultados computadorizados que o país tem no acto eleitoral poucas horas depois do fecho das urnas. Esses resultados não são infirmáveis, salvo catástrofe ou apocalipse informática que está longe de poder acontecer, ou que é difícil que aconteça, e que tem sempre controle manual por parte dos partidos políticos que fazem eles próprios as suas contas. Portanto, a República está preservada da fraude, não há que ter receio de fazermos em Portugal o que permite noutros países que as transições governamentais ocorram, não com prazos de um e dois meses, como aconteceu no último fenómeno de alternância, mas em poucos dias, como é possível e como os cidadãos exigem.
Uma última palavra, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para lamentar que não tenha sido possível uma norma expressa de consagração da Comissão Nacional de Eleições. Trata-se de um órgão independente que obtém uma constitucionalização através da cláusula geral que vamos inserir em sede de Administração Pública. Portanto, não é verdade que não haja uma credencial constitucional para a existência da CNE - passa a haver, não existia -, mas teria sido melhor, provavelmente teria sido óptimo, inserir uma referência expressa à CNE, que é um órgão que se prestigiou e ao qual nos afeiçoámos no decurso do funcionamento das próprias instituições e que, suponho, nenhum partido quererá, a algum título, extinguir ou diminuir.
Na verdade, os períodos de combate às forças de bloqueio por parte do PSD foram, aparentemente, substituídos agora por uma verdadeira paixão pela CNE, que o PSD exibe quase, diria, "lambuzando" a CNE de beijos embaraçosos que também não lhe ficam bem nem cheiram a sinceridade.
Teríamos preferido uma boa credencial constitucional a esses actos de "paixonite aguda" a propósito de uns conflitos que todos conhecemos. É este o saldo, e é positivo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estávamos a ir tão bem, e estamos, e eu

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gostaria apenas de traçar três pequenos comentários em relação a esta matéria, principalmente tendo em conta as duas intervenções anteriores dos Srs. Deputados Luís Sá e José Magalhães.
Relativamente ao conjunto das duas intervenções gostaria de realçar três coisas. Em primeiro lugar, a questão do recenseamento.
Esta questão não é apenas aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse, pois, na verdade, há que fazer modificações muito importantes no recenseamento, há que informatizar o recenseamento o mais urgentemente possível...

O Sr. José Magalhães (PS): - Já devia estar!

O Orador: - Já devia estar, é verdade; se tivessem sido cumpridos os prazos que deixámos já nesta altura estaria cumprido o recenseamento informatizado. V. Ex.ª perdeu uma boa oportunidade para estar calado...

O Sr. José Magalhães (PS): - E V. Ex.ª fez mal em dormir!...

O Orador: - Mas é necessário fazer um novo recenseamento eleitoral, radical, porque há nos cadernos eleitorais muitas coisas que não estão bem, que devem estar perfeitamente ultrapassadas e é preciso fazer um recenseamento novo.

O Sr. José Magalhães (PS): - De acordo!

O Orador: - V. Ex.ª também está de acordo com isso - aliás, era o que faltava se não estivesse...
Em segundo lugar, é necessário apontarmos para uma actualização de todo o processo eleitoral, pois aquilo que estamos a fazer é apenas mexer em prazos que o tornam mais expedito e ágil, mas há muita outra coisa a fazer no processo eleitoral ao nível da lei ordinária.
Não podemos, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, deixar o processo tal como está; temos de alterná-lo, de modificá-lo e de modernizá-lo e este trabalho não pode deixar de ser feito.
Em terceiro lugar, há uma coisa relativamente à qual não estamos de acordo: penso que a CNE não é propriamente a última palavra em relação a instrumentos deste tipo em processos eleitorais. Todos os países europeus já deixaram há muito de ter instrumentos como a CNE e foram substituídos por tribunais ou por secções de tribunais constitucionais.
É este o aceno de futuro que deixo em relação aos demais partidos, pois penso que esta seria a fórmula que resolveria todos os problemas em relação a esta dimensão de fiscalização do processo eleitoral, porque, para o resto, está a administração eleitoral, que tem sido inatacável durante todos estes anos e que tem praticado o seu trabalho com inegável isenção e mérito, por isso não é necessário uma comissão que duplique algumas áreas de interferência da administração eleitoral.
De facto, seria muito mais simplificado todo o processo de fiscalização eleitoral se ele radicasse em tribunais ou numa secção especializada do Tribunal Constitucional. É, pois, esta a solução que defendo.
Finalmente, gostaria de dizer, Sr. Deputado José Magalhães, que a CNE tem para nós, nesta altura ainda, um valor acrescido, pois é um instrumento fundamental enquanto existe e deve ser seguido por todos, inclusivamente pelos "marechais" do Norte.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, a questão que quero colocar-lhe é sobre a CNE e é esta: o senhor, ao mesmo tempo invoca a CNE para efeitos de ser respeitada pelos "marechais" do Norte, diz que é inútil e que poderia ser substituída por qualquer outro tipo de estrutura.
Ora, o meu entendimento é o de que a CNE tem, efectivamente, a partir desta revisão, uma credencial constitucional expressa, o que não significa, de forma alguma, que não fosse vantajoso que a própria CNE tivesse uma consagração expressa, como aliás, propusemos.
Contudo, a questão que coloco, e o senhor que contactou com a administração eleitoral conhece bem situações deste género, é a seguinte: Sr. Deputado, tive oportunidade de, numa experiência pessoal de sete anos como membro da CNE, lidar com muitas situações em que a CNE telefonou para freguesias recônditas, para câmaras municipais dos mais diferentes pontos do país, ou, pura e simplesmente, dialogou até com a administração eleitoral central, procurando que determinadas irregularidades não fossem cometidas e, frequentemente, evitou que essas irregularidades fossem cometidas e chegassem a tribunal, isto é, actuou no sentido preventivo e de impedir que se chegasse à fase do litígio aberto, tendo evitado, assim, a irregularidade e a ilegalidade que, eventualmente, teriam de ir a tribunal.
Ora, este tipo de actuação persuasiva, pedagógica e preventiva foi absolutamente indispensável. E mais: entendo que continua a sê-lo, porque temos uma administração eleitoral muito descentralizada, que envolve, designadamente, as freguesias e os municípios, e este tipo de actuação tem um significado muito importante que não pode ser desempenhado pelo STAPE ou pelo Ministério que aparece imediatamente ligado a um partido político, isto enquanto a CNE tem uma composição plural que lhe dá uma autoridade bastante maior - aliás, a própria presidência por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça dá-lhe uma autoridade e uma imagem de independência melhor, no sentido de poder desempenhar este papel persuasivo e preventivo que os tribunais não podem, porque têm por missão intervir no momento em que há o litígio aberto que não pode ser resolvido por estes meios:
Era, pois, sobre estas reflexões que gostaria de ouvir o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, longe de mim dizer que a CNE não teve méritos e um papel muito positivo na nossa democracia e na fiscalização dos nossos processos eleitorais. Teve e ainda tem! É um órgão que existe e deve ser dignificado enquanto existe.
O meu problema não é esse. O que digo é que, segundo a minha solução, este órgão, hoje, devia com vantagem ser substituído por outro com base perfeitamente jurisdicionalizada. Deveria ser um tribunal, não devia ser uma Comissão Nacional de Eleições constituída como é. O meu entendimento das coisas é este, e que, nesta altura, todos os países europeus acabaram por ter em relação

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a organismos idênticos, mas longe de mim desprezar quer aquilo que ela fez, quer aquilo que ela faz, quer a sua existência, quer a dignidade com que todos os seus membros têm trabalhado e trabalham.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo 117.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira, círculo eleitoral do Funchal, congratulamo-nos com a consagração dos direitos das oposições na Assembleia da República, gozando também desse direito nas assembleias regionais, na medida em que, até ao presente, as oposições vivem numa situação de excepção em que o Governo da região e as assembleias regionais deixam as oposições numa situação de desconhecimento dos negócios do Estado e do Governo regional.
Assim, este artigo é a consagração na Constituição dos direitos da oposição, pelo que gostaríamos de vê-lo aprovado pela Assembleia da República e com ele nos congratulamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me à satisfação do Sr. Deputado Arlindo Oliveira pelo facto de a Constituição ter recolhido, ao fim e ao cabo, algo que já decorre de uma prática generalizada em ambas as regiões autónomas e da própria lei.
Espero que o Sr. Deputado Arlindo Oliveira e o seu partido saibam fazer o correcto uso destas prerrogativas constitucionais e que obtenham no terreno e na pugna eleitoral normal os resultados correspondentes àquilo que é o seu grau de capacidade para servir as regiões autónomas.
Naturalmente que o insucesso do passado tem revelado que não têm merecido a confiança dessas populações no que respeita à Região Autónoma da Madeira e espero que não pense que seja a Constituição a varinha mágica para suprir essas insuficiências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito de oposição é, nas actuais democracias representativas, e sobretudo no Estado representativo de partidos, um dos mais importantes direitos fundamentais.
Creio, na verdade, que a teoria da separação de poderes, tal como foi formulada, designadamente pelos filósofos liberais, está, em grande medida, posta em causa a partir do momento em que a maioria parlamentar e o Governo têm a mesma liderança e constituem um todo orgânico no qual a ideia de um papel do Parlamento que controla o poder é, de algum modo, diluída.
Sabemos que a maioria parlamentar, por vezes, pode ter momentos um pouco desorganizados, mas, independentemente desta questão, este é um problema de fundo e iniludível. Por isso, entendemos que, neste quadro, têm razão os que afirmam que há uma nova separação de poderes diferente da que foi formulada, por exemplo por Locke e Montesquieu, e que essa separação de poderes não consiste já na separação clássica, designadamente entre legislativo e executivo, mas consiste, acima de tudo, na separação entre, por um lado, maioria parlamentar e Governo e, por outro lado, partidos da oposição.
Nesse sentido, o facto de ao n.º 2 se acrescentar à ideia de direito de oposição democrática a de que é definida nos termos da Constituição e da lei tem uma importância exacta, a de que deve ser definido um estatuto de oposição suficientemente densificado para ter em conta este problema fundamental das democracias modernas. A alternativa de uma situação em que as oposições tenham um conjunto de direitos suficientemente largos e devidamente explicitados é uma situação em que, na prática, não há separação de poderes.
Por isso mesmo, entendemos que é importante o facto de, explicitando princípios que, de algum modo, estavam na Constituição, serem expressamente consagrados os direitos de oposição dos partidos políticos representados nas assembleias legislativas regionais.
Por isso, acompanharemos as duas propostas que estão feitas pela CERC e apelamos a que o PSD noutros planos, por exemplo no dos direitos de intervenção dos partidos nas assembleias legislativas regionais, no direito de participação na Mesa, etc. - matérias que foram aprovadas com maioria simples e que o PSD inviabilizou - possa ainda reconsiderar até ao momento da respectiva apreciação, no sentido de que os princípios aqui referidos venham a ter um conteúdo efectivo, designadamente quando chegar o momento de debater o artigo 234.º neste Plenário.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, fiquei desvanecido com os seus conselhos em relação à Madeira, para que façamos bom uso destas liberdades que a Constituição nos confere. Acho graça e lamento, embora me sinta feliz por estar aqui, na Assembleia da República, a lutar pelos direitos, as liberdades e as regras mais elementares da democracia na Madeira, ter de recorrer à Assembleia da República para ver respeitadas as regras mínimas de democracia, especialmente na assembleia legislativa regional.
É preciso a Assembleia da República, de certa forma, fazer imposições, para que a democracia seja respeitada na Madeira. Não será demais dizer que, se não fossem, de facto, as imposições da Constituição, na Madeira, ainda viveríamos num Estado de excepção, e em alguns pontos é verdade que ainda se vive. Nunca é demais lembrar a falta de pluralidade na Mesa da assembleia legislativa regional;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... nunca é demais lembrar que, para vencer-se na Madeira, é preciso ter "cartão laranja". Já que

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referi o "cartão laranja", quero dizer que se fala muito aqui, no continente, dos boys e dos jobs, mas os boys e os jobs, na Madeira, são todos do PSD, mesmo aqueles que competia ao Governo da República designar.
Portanto, congratulamo-nos com o facto de ficarem exarados na Constituição os direitos da oposição e o direito de sermos informados, a respeito de todos os assuntos de Estado, da governação madeirense, mas é pena que tenha de ser a Constituição a impô-lo.
O Presidente do Governo Regional, que nunca foi democrata nem tem gosto pela democracia, sempre foi um homem que defendeu o regime anterior, basta ler a História recente...

Protestos do PSD.

Admiro-me que seja o Sr. Deputado Guilherme Silva a defender essas teses...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vá lá ganhar as eleições!

O Orador: - Sr. Deputado, se quer intervir, inscreva-se. O Sr. Deputado não gosta de ouvir-me falar. Já na CERC não gostou de ouvir-me falar.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não entrem em diálogo.
Sr. Deputado Arlindo Oliveira, queira concluir a sua intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino, dizendo ao Sr. Deputado Guilherme Silva que não recebo, da parte da bancada do PSD, lições de democracia, muito menos nesta matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É esse o mal!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Arlindo Oliveira talvez compreenda um pouco melhor alguma má vontade ou hostilidade do PS em relação às regiões autónomas e às autonomias. Naturalmente, avaliadas de uma forma interna, daí o juízo menos correcto que possa fazer sobre autonomia regional e as pessoas que a possam mais significativamente representar.
O Sr. Deputado Arlindo Oliveira diz que precisa de vir queixar-se à Assembleia da República de falta de democracia na Região Autónoma da Madeira. Sr. Deputado, só posso dar uma interpretação a esse seu desabafo: o Sr. Deputado lá sabe o que o seu partido terá feito a nível regional para considerar-se eleito de forma menos democrática. Eu fui eleito, mas fui eleito democraticamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fui eleito democraticamente, por isso não tenho esses problemas de consciência. No entanto, registamos e compreendemos o seu desabafo quanto a essa dúvida ou a essa certeza sobre uma forma de eleição menos democrática, que terá havido no seu caso, mas não no meu.

Protestos do PS.

Em relação aos boys e aos jobs, o Sr. Deputado Arlindo Oliveira é um belo boy e também tem um belo job na Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Ah, sim?!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não gostaria de continuar a maçar os colegas com este diálogo, no entanto pergunto-lhe se conhece alguém que tenha sido eleito pelo círculo eleitoral da Madeira de um modo não democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que vim aqui queixar-me. Não venho aqui queixar-me mas, sim, defender direitos, liberdades e garantias, por forma a ficarem consignadas na Constituição e para que sejam respeitadas na ilha da Madeira. Do que o Sr. Deputado se queixou ainda há pouco - e queixou-se, efectivamente - foi das suspeições constantes de Lisboa em relação à Madeira. Mas, se elas existem, a culpa é do Governo Regional da Madeira, porque está sempre a dar razões a Lisboa para ter suspeições, nomeadamente pela forma como se dirige à República e aos portugueses. Ainda há pouco tempo o Presidente do Governo Regional foi obrigado a pedir desculpa a está Assembleia, e com certeza que o foi pelo uso da sua livre linguagem, a respeito da qual não faço mais comentários nem aplicarei mais adjectivos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Já nem se respeita o Cavaco!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Arlindo Oliveira, vamos lá a ver se nos entendemos. Quem falou na falta de democracia na Região Autónoma da Madeira não fui eu, foi V. Ex.ª. E como levantou essa dúvida com tanta convicção, pus-lhe o problema de saber se isso tinha a ver com a sua própria eleição de forma menos democrática. Mas ainda bem que V. Ex.ª confirmou que não há eleições na Região Autónoma da Madeira que não sejam plenamente democráticas, ou seja, que na Região Autónoma da Madeira há plena democracia. Ainda bem que V. Ex.ª o confirmou.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não havendo mais oradores inscritos para intervir a respeito do artigo 117.º, passamos à discussão do artigo l l8.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a discussão das propostas sobre o artigo 118.º abordamos uma questão de forte incidência política relacionada, como todos sabemos, com as questões do referendo. São questões particularmente caras ao PSD, por elas lutou desde o princípio...

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O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e por elas esteve só nessa luta durante muito e muito tempo.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Estivemos anos e anos a lutar para que o instituto do referendo fosse constitucionalizado e com ele e por ele reforçada a democracia representativa em que acreditamos e que confiamos ser o sistema político mais adequado à defesa da liberdade e da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A solidão nesta luta terminou em 1989, e bem, mas o que então se decidiu ficou um pouco aquém do que se pretenderia para o referendo. Estamos hoje a discutir o aprofundamento e o alargamento deste instituto, com propostas com as quais, manifestamente, nos congratulamos. Em minha opinião, se a Assembleia aprovar, como tudo faz crer, as propostas presentes, dará ao povo português a possibilidade de se exprimir, através de referendo, em circunstâncias importantes e necessárias.
Acima de tudo, estão em causa três questões fundamentais.
Em primeiro lugar, o alargamento do âmbito do referendo a questões de relevante interesse nacional que sejam objecto de convenções internacionais. Esta matéria é crucial e, a nosso ver, vai assumir, nos tempos futuros, importância acrescidas. A diplomacia tende a multilateralizar-se, a participação de Portugal em diversas convenções e tratados tende a acentuar-se e é natural que, ao negociar-se, no âmbito internacional, convenções ou tratados, estes abordem matérias que, pela sua natureza, significado ou especial relevo, possam merecer o voto específico dos portugueses mediante referendo.
Por isso, este alargamento é uma aquisição fundamental para o aperfeiçoamento do nosso sistema democrático e para a capacidade de o povo português, em determinados e precisos momentos, expressar a sua vontade.
Também o poder de iniciativa é alargado, e bem. Faz todo o sentido estender a um número significativo de portugueses a possibilidade de, através desta Assembleia, submeter ao país, no seu conjunto, e ao eleitorado questões que considere pertinentes e relevantes.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É também, ainda aqui, um enriquecimento da própria democracia representativa. Não podemos ter a pretensão de imaginar que no facto de os partidos apresentarem ao eleitorado os seus programas e verem esses programas aprovados, com maior ou menor quantidade de votos, se esgota a possibilidade de o povo ou uma sua significativa fatia manifestar, em determinados momentos concretos e perante matérias específicas, uma vontade própria e clara. Temos de ter a humildade de perceber que, embora representando legitimamente o povo português nesta Assembleia, não temos o exclusivo das preocupações e das soluções para o povo português.
Este alargamento de iniciativa vai permitir que questões novas ou mesmo antigas possam ser revistas ou reanalisadas por iniciativa popular. Cabe a esta Assembleia, naturalmente, debruçar-se sobre essa iniciativa popular e apreciar se ela tem um âmbito nacional ou se apenas representa interesses específicos, que não merecem a dignidade do referendo. O seu alargamento, insisto, é um enriquecimento da nossa democracia.
O terceiro aspecto que nos dá, ao PSD, uma dupla alegria é vermos os emigrantes poderem também votar em referendos sobre matérias que lhes digam especificamente respeito. Esta capacidade "casa-se" com uma luta antiga do PSD, na qual também estivemos sós durante demasiado tempo, para que os emigrantes portugueses, nos termos que a Constituição fixar, possam fazer ouvir e sentir a sua vontade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os referendos podem tratar de matérias que digam directamente respeito aos emigrantes e faz todo o sentido que eles possam pronunciar-se sobre elas. De resto, não percebo, nunca percebi e estou até hoje para perceber, embora conheça intelectualmente alguns argumentos, o medo em relação ao voto dos emigrantes. Nunca percebi e espero que esse medo seja um traço da história que desapareça, de modo a que, finalmente, os emigrantes portugueses, em todos os momentos, e, insisto, nos termos em que a Constituição definir, possam exprimir a sua vontade. São portugueses, fazem parte da vontade nacional,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - fazem parte da identidade nacional,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... são tão portugueses como nós, têm o direito de escolher como nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é por isso, com uma especialíssima satisfação, que faço esta intervenção, porque, por um lado, congratulo-me por ver o enriquecimento da democracia portuguesa, o enriquecimento da Constituição portuguesa, e, por outro, ainda por cima, em termos que foram sempre bandeiras fortíssimas do partido a que tenho a honra de pertencer.
Espero que, no futuro, não tenhamos de estar tanto tempo para fazer vingar aquelas ideias que têm a ver não com questões...

Protestos do Deputado do PS Marques Júnior.

Posso continuar, Sr. Deputado, se assim insistir!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Continue agora em espanhol, para eles, naquela bancada, perceberem!

Risos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em argentino!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Peço aos Srs.
Deputados que não entrem em diálogo.
Faça favor de terminar a sua intervenção, Sr. Deputado Azevedo Soares.

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O Orador: - Sr. Presidente, parece-me que os Deputados do PS não estão contentes com a minha satisfação...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - É provável que assim aconteça, Sr. Deputado, mas tem de continuar a sua intervenção!

O Orador: - Mas têm de registar a minha satisfação e, democraticamente, respeitá-la.
Estou certo de que o PS vai, nesta Constituição, acompanhar o PSD neste movimento de enriquecimento, fortalecimento e aprofundamento da democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Azevedo Soares, a primeira questão que lhe quero colocar é a seguinte: o Sr. Deputado está extremamente preocupado com a intervenção dos portugueses através do referendo.
Ora, uma das questões que inquieta os portugueses, que inquieta os povos da Europa, que faz cair governos é exactamente a questão da moeda única.
Tive oportunidade de ler as conclusões do último Conselho Nacional do PSD, em que o seu partido não permite referendar nem a moeda única, nem o caminho para a moeda única, nem os prazos, nem qualquer matéria neste plano. Era o grande problema, mas, agora, parece que é, exactamente, o problema que o PSD quer esquecer inteiramente.
Mas mais: neste momento, estamos perante o Tratado de Amsterdão, com pontos extremamente importantes, por isso era natural que o povo português se pudesse pronunciar ao menos sobre este Tratado. E o que é que leio aqui? Leio que o PSD quer apenas três perguntas. A primeira é "Concorda com o aprofundamento da integração de Portugal na União Europeia, de acordo com o Tratado de Amsterdão?"; a segunda é "Concorda com o reforço da cooperação policial europeia no combate ao tráfico de droga, às mafias e outras formas de criminalidade organizada?" - esqueceu aqui um ponto importante, que preocupa, por exemplo, muito o Deputado Medeiros Ferreira, e eu próprio até tive oportunidade de intervir sobre essa matéria, que era acrescentar aqui "sem as devidas cautelas, em matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos" - ; e a terceira é "Concorda com o reforço da cooperação europeia no combate ao desemprego?".

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Concorda ou não?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Responda!

O Orador: - O Sr. Deputado quer um referendo para perguntar: 6 europeus, concordam que a Comunidade dê um automóvel a cada cidadão?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Responda a isso!

O Orador: - Porque o resto, o Tratado, no seu conteúdo, nas suas contradições, pura e simplesmente, não quer referendar, assim como não quer referendar as grandes questões que se colocam verdadeiramente ao povo português.
Já agora, queria colocar-lhe uma outra questão: tendo o PSD acordado com o PS que os emigrantes votam quando se trate de referendos que recaiam sobre matérias que também lhes digam especificamente respeito, o que é que o Sr. Deputado entende por matérias que lhes dizem respeito e por matérias que não lhes dizem respeito?
Há ainda uma outra questão que lhe quero colocar: para um referendo ter efeito vinculativo é necessário que participem 50% dos eleitores. Ora, toda a gente sabe que a abstenção técnica em Portugal, ou seja, os eleitores indevidamente inscritos, é astronómica, e o Sr. Deputado Carlos Encarnação pode falar amplamente sobre isto. Sabemos, por exemplo, que, para o Parlamento Europeu, votaram 24% dos eleitores. Então, como é que o Sr. Deputado justifica este tipo de normas que constam do acordo?
Por outro lado, em relação a matérias que são, designadamente, da competência da Assembleia da República, o que é que leva a permitir referendar apenas as bases do ensino e a excluir toda uma série de outras? É um mistério, mas talvez o Sr. Deputado contribua para esclarecer a minha mente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, tenho muito gosto em me dirigir a V. Ex.ª. Repare o seguinte: sempre defendemos o referendo, mas nunca o defendemos contra a democracia representativa! Ou seja, não vamos com o referendo agredir a ratificação de um tratado aprovado nesta Assembleia! Portanto, há um Tratado que foi ratificado nesta Assembleia numa altura em que não havia possibilidade de haver referendo.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Porque o PSD não deixou!

O Orador: - Não havia possibilidade de haver referendo, não por culpa nossa, do PSD, mas por culpa de outros partidos representados nesta Assembleia.
Agora, usar o referendo contra uma ratificação parlamentar está fora da nossa ideia! Os referendos, com o seu valor vinculativo, terão incidência nos trabalhos posteriores da Assembleia, mas nunca para se virarem contra as suas próprias decisões. Por isso, a questão da moeda única morre por aqui.
É certo que percebo que V. Ex.ª gostaria de ver aqui referendadas essas complicadas questões, mas julgo que se trata de um assunto que está mais do que tratado.
O Estado português comprometeu-se através de negociações de boa fé, tidas de boa fé na comunidade internacional, assinou tratados, esta Câmara ratificou esse Tratado, e agora iríamos andar com tudo para trás e pôr em causa, perante nós próprios e a cena internacional, uma decisão totalmente legítima, totalmente democrática e assumida neste Parlamento?! Não faz sentido! Há uma questão de credibilidade nacional que não podemos ferir, tanto internamente como externamente.
Sobre as questões que têm a ver com os votos...

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu explico-lhe. Posso fazer-lhe uma pergunta?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, sei que V. Ex.ª me explicaria tudo. Acontece que, nesta matéria, não estou

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preparado para compreender tudo, porque tenho o meu ponto de vista, tenho a minha convicção. Tenho ouvido alguns argumentos, simplesmente há uma questão de escolha, Sr. Deputado! E aqui é preciso escolher! De resto, tudo tem explicação!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço desculpa! Já há pouco disse que ouvia mas não percebia!

O Orador: - Quanto aos emigrantes, naturalmente que só caso a caso, só perante o referendo em concreto, é que V. Ex.ª poderá definir se o assunto se aplica ou não aos emigrantes. Mas, por exemplo, no que se refere ao próprio referendo tantos emigrantes sobre o Tratado de Amsterdão, havendo portugueses na Europa, não fará sentido que, pelo menos esses, votem num referendo sobre o Tratado de Amsterdão? Parece-me que sim! Mas isso é uma opinião pessoal ainda não decidida politicamente!
Penso, pois, Sr. Deputado, que temos de enriquecer a democracia, temos de enriquecer a Constituição, e não começarmos a fazer referendos sobre toda a História portuguesa, que seria um sem fim de referendos, que nunca mais terminaria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PSD tem, na verdade, extrema cautela em escolher os Deputados que intervêm sobre determinadas matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - É normal!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação, como se sabe, intervém quando o PSD não tem nada de significativo para dizer!

Risos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

Por outro lado, numa matéria como esta, com tantas dificuldades para os partidos aqui representados, com excepção do PP, só um Deputado com grande senso diplomático, como o Sr. Deputado Azevedo Soares, poderia ter feito esta intervenção. O sorriso que ele teve, a que não foi incapaz de resistir, não se devia, certamente, à satisfação pela aprovação desta norma mas, sim, pela incongruência que notava entre aquilo que ia dizendo e aquilo que foi, no passado, a posição do PSD.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, por exemplo, que, na sua intervenção, fez apelo a uma determinada humildade que todos nós devemos ter, no sentido de sabermos que não podemos sempre dar resposta cabal aos anseios do povo português, esquecendo-se que fez parte de um governo em que era afirmado por membros desse governo, porventura pelo próprio Sr. Deputado, que bastava a inscrição da opção europeia da forma que foi feita no programa partidário para evitar qualquer referendo acerca destas matérias.

Vozes do CDS-PP: - Bem lembrado!

O Orador: - Disse depois que esperaria não ter de demorar tanto tempo para ver consagradas outras opções como demorou a consagrar esta opção do referendo. Dir-lhe-ia que o referendo, tal como estava consagrado constitucionalmente, tinha a valia que tinha, por isso é que nunca foi utilizado e que quem teve de esperar cinco anos por esta alteração foi o PP, sofrendo todos os impropérios por parte de vários Deputados deste Parlamento, como o Sr. Deputado Jorge Ferreira fez questão de referir numa última sessão acerca de política europeia.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Bem lembrado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se arme em vítima!

O Orador: - Aquilo que nos interessa referir hoje é que consideramos de extrema importância o avanço que foi feito nesta revisão constitucional em relação ao referendo, que era um instituto que, pelos contornos que tinha, era dificilmente utilizável. Consideramos importante e relevante ter-se eliminado um alibi utilizado nos últimos anos no sentido de submeter à consideração do povo português matérias importantes para o seu futuro.
Não foi possível, no entanto, ainda consagrar constitucionalmente matérias a referendar, que permitissem, de alguma forma, colocar ao povo português e à sua decisão soberana, por exemplo, e directamente, matérias no que se relaciona com a possibilidade de questionar a moeda única ou o processo, o caminhar e prazos desse processo.
Tivemos, em sede de Comissão, posições de voto contra, por exemplo no que se refere à possibilidade de o referendo ser iniciado através de petição por parte de cidadãos, porque nos parece contraditório, quando se impede que os cidadãos possam pronunciar-se sobre determinadas matérias de relevo e se lhes dê a ilusória ideia de que podem desencadear um processo de referendo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Também votámos contra a norma que veio retirar valor ao referendo em que não tenha havido uma participação superior a 50% dos eleitores nessa decisão. Parece-nos contraditório, porque, em relação a eleições, como já foi aqui referido, que têm uma participação mínima de cidadãos, não há na lei, hoje, qualquer similitude, qualquer norma semelhante. Daí o nosso voto contra.
Diria, para terminar, que esta foi uma luta do PP que levou cinco anos a vingar, pelo menos em parte, e que ficamos obviamente satisfeitos e queremos congratular-nos com os passos dados, os quais permitirão, no futuro, uma intervenção mais democrática por parte dos cidadãos, evitando quaisquer alibis, como aqueles que ocorreram nos últimos cinco anos em Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a possibilidade de aprofundar o instituto do referendo é certamente um dos passos positivos desta revisão constitucional.

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A democracia representativa é fundamental no quadro da nossa ordem constitucional, mas o aprofundamento da democracia participativa é também um caminho em que nos empenhámos politicamente de forma inequívoca.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A muito custo!

O Orador: - E no aprofundamento dos objectivos da democracia participativa, a valorização do instituto do referendo tem um lugar fundamental. Ora, sublinhámos, desde logo, esse lugar fundamental, ao contribuirmos, designadamente, para que a iniciativa do referendo possa não apenas ser suscitada mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo dirigida ao Presidente da República mas ainda resultar de cidadãos eleitores dirigida à Assembleia da República. Esta foi uma das matérias em que mais persistentemente nos empenhámos, no sentido de tentar obter um consenso alargado. Tal como também o fizemos relativamente à possibilidade de outorgar aos cidadãos eleitores o direito de iniciativa popular legislativa, para que também nesse domínio se aprofunde mais um dos direitos de participação democrática.
Congratulamo-nos, pois, com este facto, tal como com o de o referendo poder ser um instituto consagrado não apenas a nível nacional mas igualmente, como resultará desta revisão constitucional, no domínio das regiões autónomas. Esse foi um outro esforço que positivamente pudemos levar a cabo e com o qual nos congratulamos.
Congratulamo-nos ainda com o facto de o referendo, como instrumento de consulta popular directa, poder, no futuro, passar a ter uma eficácia muito significativa também no domínio das autarquias locais, onde, até ao momento, se encontrava verdadeiramente condicionado pelos limites constitucionais que lhe estavam impostos.
Alargámos, por isso, de modo significativo, as possibilidades de recurso ao referendo. Como igualmente alargámos o âmbito material do referendo. Com isso, permitiremos, designadamente, que matérias relevantes, que sejam objecto de tratados a aprovar na Assembleia dá República, possam, com algumas excepções estabelecidas no artigo 118.º, ser objecto de iniciativa referendária.
Lamentam-se aqueles que, no plano político, tudo têm feito contra o aprofundamento da União Europeia que não tivéssemos aqui consagrado a possibilidade do referendo ab-rogatório. Dito de forma mais evidente, o referendo que possibilitasse uma consulta em torno da questão da moeda única. Porém, como já aqui foi salientado, em matéria de referendo, não cedemos a lógicas de oportunismo circunstancial. Por isso, não admitimos que possam prevalecer, como tese institucional, soluções referendárias contra a própria deliberação legítima dos representantes, assumida no Parlamento. Que o Parlamento possa aprovar leis ou tratados e que, depois, pudesse haver soluções abrogatórias por via referendária, era caminho aberto para conflitos de extrema dificuldade no funcionamento entre representantes eleitos e aqueles que directamente fossem chamados ao exercício desse mesmo referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sejamos ousados nas inovações positivas, mas prudentes na defesa do sistema representativo.
Por outro lado, Srs. Deputados, também nos congratulamos pela circunstância de o referendo poder vir, no futuro, a abarcar matérias sobre as quais possam ser chamados a pronunciar-se cidadãos residentes no estrangeiro, mas aí obviamente apenas nos domínios e nas matérias que lhes digam especificamente respeito. E, articulado com esta solução do artigo 118.º, prevalece também uma nova atribuição de competência ao Tribunal Constitucional, ao qual se comete a responsabilidade de, em sede de fiscalização preventiva, não apenas avaliar obrigatoriamente, como já acontecia, a constitucionalidade das propostas de referendo como também determinar o universo eleitoral para cada um dos referendos que se venha a estabelecer.
Estão, por isso, garantidas as condições. tanto de democraticidade plena no momento deliberativo e da decisão quanto de fiscalização da constitucionalidade das iniciativas referendárias.
Ao Sr. Presidente da República, em última instância, tanto para os referendos nacionais como para os referendos regionais, competirá a decisão política quanto à oportunidade da sua convocação.
Não quero confundir a solução do referendo do artigo I 18.º com o referendo específico, que provavelmente também adoptaremos neste processo de revisão constitucional, na fase de institucionalização em concreto da regionalização. A seu tempo, abordaremos esta matéria, mas, quando o fizermos, teremos ocasião de estabelecer as diferenças específicas de regime de uma solução de referendo face ao regime geral do artigo 118.º.
Agora, quero tão-só aproveitar para fazer o seguinte aviso a todos nós: ao estabelecermos no n.º 11 do artigo 1 18.º que "o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento", temos de tomar consciência de que daqui derivará muito provavelmente ou a necessidade de um enorme esforço para a actualização do recenseamento eleitoral ou eventualmente - questão que não pode ser escamoteada - um novo recenseamento na sociedade portuguesa. É que suponho haver algo, Srs. Deputados, a que, no futuro, não nos poderemos dar ao luxo: é de não dar natureza vinculativa ao referendo, apenas por causa das chamadas "abstenções técnicas", ou seja, das imperfeições que resultam de um registo de recenseamento que, por múltiplas razões, apresenta muitos sinais de desactualização. São exigências de actualização da própria Administração, no que diz respeito à actualidade do recenseamento dos cidadãos eleitores, e esse será também um passo para a verdade da democracia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos, neste momento, perante uma possibilidade política real de o referendo, no futuro, ter um papel maior no sistema político português. Já o tentámos em 1993, a propósito da questão do Tratado da União Europeia, e aqueles que, neste momento, dizem que pretendemos um referendo ab-rogatório, desde logo, é bom que se lembrem que o referendo não se realizou nessa altura, pura e simplesmente porque o impediram.
Porém, o problema que se coloca é outro: é que, independentemente da ratificação do Tratado de Roma, do Tratado da União Europeia, do Acto único, etc., nada há - rigorosamente nada! - que possa impedir um Estado, no exercício dos poderes soberanos, de determinar se e quando adere à moeda única. A Suécia, por exemplo, deliberou não o fazer e, no entanto, estava obrigada ao

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Tratado da União Europeia; a França, na sequência da vitória do partido socialista, dos ecologistas, enfim, da esquerda, suscitou o problema de não estar de acordo com o Pacto de Estabilidade e colocou-o na Cimeira de Amsterdão. Naturalmente, poder-se-ia dizer - e já ouvimos o Ministro das Finanças fazê-lo nesta tribuna - que o Pacto de Estabilidade é uma mera e inelutável consequência do Tratado da União Europeia, não podendo ser posto em causa. Mas foi! E foi-o por vontade do povo francês, do governo francês, e não seria aplicado se efectivamente tivesse havido condições para tal.
Por isso mesmo, dizemos que o povo português e esta Assembleia têm o direito de, na sequência da revisão da Constituição e se fosse essa a vontade do poder de revisão constitucional, se pronunciar sobre a questão de saber se e quando queria a moeda única e se eventualmente pretendia essas prioridades. Mal estaríamos se, como ainda aconteceu esta tarde, ouvíssemos invocar a necessidade de sermos bons alunos,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Olha se não fôssemos!

O Orador: - ... de não perturbar o caminho para a moeda única - e isto a propósito do artigo 105.º sobre o Banco de Portugal - e, à noite, disséssemos que estamos obrigados, que o caminho é inevitável e que nada, absolutamente nada, nem a vontade do povo português, pode impedir. que assim seja.
Naturalmente, é preciso que, nesta matéria, haja um mínimo de decoro. E, a propósito de decoro, convém ainda chamar a atenção para o seguinte aspecto: quando o artigo 256.º foi acordado pelo PS e pelo PSD, os dois partidos afirmaram, e bem, que não se tratava de perguntar ao povo português se queria ou não as regiões administrativas;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... tratava-se, sim, de perguntar se queria as regiões administrativas tal como estavam estabelecidas na lei. Ora, isto significa que, nesta matéria, era a vontade soberana, maioritária, desta Assembleia da República que era sujeita a referendo. E a minha pergunta é esta: por que é que a vontade desta Assembleia é sujeita a referendo no caso das regiões administrativas e não o pode ser no caso da moeda única?

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem perguntado!

O Orador: - Evidentemente, há aqui uma duplicidade de critérios. Duplicidade de critérios que leva, aliás, a ouvir também com muita frequência o seguinte: quando ouvimos falar de moeda única ou de aspectos que convém meter debaixo da mesa, diz-se imediatamente que "há uma vontade da Assembleia da República", "a Assembleia da República votou"; quando não convém, como aconteceu, por exemplo, com as regiões administrativas, ouvimos dizer imediatamente - e o líder do PSD disse-o amplamente - que "a Assembleia da República não tem legitimidade para decidir uma tal questão, ela tem de ser sujeita a referendo". Isto é, há também aqui uma duplicidade de critérios.
O problema que temos em cima da mesa e que, a meu ver, é muito claro é este: temos de consagrar a viabilização da democracia directa, nisso estamos de acordo, e este facto é importante. Mas não é a democracia directa para fazer traquinices, tropelias, isto é, para usá-la contra a democracia representativa, quando convém, e para escondê-la quando não convém.
A propósito desta questão, quero colocar um outro problema, o dos referendos acerca de tratados que têm a ver, corri o n.º 6 do artigo 7.º, ou seja, de tratados que dizem respeito à construção da união europeia. E para quê? Para dizer, também aqui, o seguinte: não me congratulo tanto como o PP nesta matéria. E, desde logo, porquê? Porque pode dar-se o caso de haver um tratado nos termos do qual Portugal não tem direito a um comissário europeu - isso é algo que está desenhado e muitos de nós pronunciámo-nos sobre esta matéria - e, então, o referendo sobre um tal tratado pode dizer algo muito simples: pode perguntar se as pessoas estão de acordo com o reforço de verbas a Portugal para garantir a coesão económica e social, se estão de acordo com o reforço de políticas sociais, se estão de acordo com o reforço da política de emprego, e esquecer o problema de Portugal não ter um comissário europeu sobre esta matéria. Isto é, o que é referendado não é o tratado no seu conjunto, mas as questões politicamente correctas que o poder político, a maioria - eventualmente, a mesma maioria de revisão constitucional, que aqui se desenhou e que normalmente funciona também para as questões comunitárias -, entender que convém para obter resultados pré-determinados. E a prova disto é, neste momento, a situação que temos em cima da mesa: não relativamente à moeda única, parque isso já está decidido - e creio que já vimos que, independentemente de estar previsto no Tratado da União Europeia, o problema do "se", do "quando", do caminho, é um problema da decisão soberana de cada povo. Alguma coisa nos impede, por exemplo, de aumentarmos o défice do Orçamento do Estado e de, com isso, Portugal não entrar para a moeda única imediatamente? Por acaso, algum dos Srs. Deputados defende que o Governo português está privado de apresentar uma proposta de lei de Orçamento do Estado, que, em vez de 3% de défice, tenha 3,15% ou 3,05%? Naturalmente que não!
Assim, convém que, nesta matéria, haja um mínimo de contenção e de coerência e, já agora, se reduza ao mínimo a hipocrisia.
Uma outra questão que quero colocar neste plano é a seguinte: o n.º 2 adianta a proposta de iniciativa dos cidadãos. A iniciativa dos cidadãos é importante, trata-se de mais uma questão que é remetida para a lei ordinária mas, naturalmente, tem um significado.
Entretanto, gostaria de sublinhar que o que está aqui previsto é uma petição qualificada e não um direito de os cidadãos, eventualmente um número muito elevado de cidadãos, verem a respectiva proposta de referendo ter seguimento.
De resto, é esta a questão que se coloca, e que o Sr. Deputado Jorge Lacão referiu, em relação à matéria da iniciativa legislativa.
Um outro problema que quero referir é o de voto dos emigrantes no referendo.
O que se desenha desde já nesta matéria - e basta ouvir com atenção os Srs. Deputados do PSD e do PS é de duas uma: ou uma constante abdicação do PS, como, aliás, tem sido muito frequente, ou, então, um conjunto de problemas que vão substituir o consenso constitucional por um permanente conflito sobre as mais diferentes questões. Ou seja, em matéria de sistema eleitoral da Assembleia da República, já temos remissão para a lei ordiná-

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ria. Em matéria de eleição do Presidente da República, os laços de efectiva ligação à comunidade nacional é que determinarão quem vota e veremos surgir problemas muito interessantes que irão, ser colocados por esta formulação. Quanto ao problema das câmaras municipais, temos também a remissão para a lei ordinária do chamado sistema de governo. Agora, temos aqui uma nova questão interessante: os emigrantes votarão nos referendos que lhes digam especificamente respeito.
Ora, independentemente de já termos ouvido o Sr. Deputado Azevedo Soares dizer "o Tratado de Amsterdão diz respeito aos emigrantes, e de que maneira! Há muitos emigrantes nessa Europa!", também já ouvi o PSD dizer que o problema das regiões diz respeito aos emigrantes pois chá tantos emigrantes que saíram das regiões que até estão desertificadas. Há tantos transmontanos, tantos beirões, tantos alentejanos por esse mundo fora..."

Vozes do PSD: -- E há!

O Orador: - Verifico que os Srs. Deputados do PSD dizem freneticamente que sim com a cabeça, enquanto os Srs. Deputados do PS estão a perguntar a si próprios que acordo fizeram e o que vão conseguir com estas e outras questões que estão em cima da mesa. A não ser que seja mesmo isto que querem e que, eventualmente, isto lhes dê satisfação, que é algo que não pode excluir-se inteiramente.
Isto para dizer, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, que, independentemente de alterações positivas que reconhecemos - por exemplo, a alteração ao n.º 1, que foi proposta por nós; o facto de se verificar em termos adequados a competência do Governo e da Assembleia da República em matéria de propostas de referendo, bem como outras alterações pontuais -, no conjunto, o que está desenhado é a perspectiva de uma grande confusão, uma grande incoerência e pode acontecer que o povo português seja chamado a pronunciar-se sobre questões secundárias e não sobre questões fundamentais.
De resto, isto não é novo, no passado já conhecemos uma matriz inspiradora desta matéria: a ideia de o primeiro referendo a realizar em Portugal ser sobre a administração da RTP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado por me conceder a palavra e também pelos ecos que provocou na Câmara esta concessão da palavra por V. Ex.ª.
Não vou falar do referendo constitucional porque já me referi a ele ultimamente. Não costumo repetir ad nauseara o que penso, pelo que vou tentar ser económico nas palavras.
Queria lembrar, neste debate geral sobre o artigo l 18.º, uma coisa que se perdeu da nossa discussão, quê vinha da proposta do PSD e que tratava do seguinte: a iniciativa para o referendo podia pertencer à Assembleia da República, aos cidadãos eleitores e, antes deles, ao Governo. Eram, pois, três as entidades que, segundo a nossa proposta, tinham o poder de iniciativa para referendos e a decisão última cabia ao Presidente da República. Mas essas iniciativas passavam necessariamente pela Assembleia da República,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... o referendo era convocado pelo Presidente da República, mediante proposta da Assembleia. Foi a homenagem, que julgamos ser devida, à dimensão parlamentar do nosso sistema.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só através de concordância da Assembleia da República é que o Presidente da República podia provocar um referendo.
O que veio a estabilizar-se e está na proposta comum não respeita este desiderato e diria mesmo que vai ter de ficar para a próxima. É que, como está aqui e vai ser consagrado, um governo minoritário pode tomar a iniciativa de, por si, apresentar ao Presidente da República uma iniciativa de referendo, pondo de lado a Assembleia da República, e o Presidente da República pode convocar os eleitores para um referendo, à margem e contra o parecer eventual da Assembleia da República, isto é, da maioria daqueles que estão investidos para exercer a representação do povo português...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na sede da democracia representativa!

O Orador: - A nossa proposta é que tinha razão, mas perdeu-se e, de vez em quando, compete-me a mim "repescar nos salvados" e dizer "nós tínhamos razão!".

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não é rigorosamente um pedido de esclarecimentos mas é um comentário que está aberto em todos os sentidos e, portanto, também a contra-comentário ou a complementação de tomada de posição.
Na verdade, o que fizemos na revisão do n.º 1 do artigo 118.º foi meramente explicitar o que decorria da Constituição no teor com que vigora hoje. Em 1989, quando se consagrou o referendo, o chamado "referendo com cautelas", uma das cautelas consistiu precisamente em impedir que o referendo fosse instrumento de guerrilha institucional, fazendo com que a Assembleia se ingerisse na esfera própria do Governo e, vice-versa, que o Governo pudesse utilizar o referendo como uma forma de colisão com o Parlamento, colisão que; todavia, sempre seria dependente de uma intervenção presidencial, uma vez que, como se sabe, o referendo é um acto livre do Presidente da República.
Portanto, nesta matéria não há colisões de Governo contra o Parlamento e de Parlamento contra o Governo, havendo o exercício normal da competência presidencial, a qual, seguramente, tem como um dos objectivos; qualquer que seja a configuração específica do seu titular, evitar a guerrilha institucional e a perturbação da paz institucional entre órgãos de soberania através de um instrumento que, ainda por cima, implica a intervenção popular directa.
A proposta do PSD, que discutimos muito longamente na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, parlamentarizava por completo a propositura de referendos ao

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Presidente da República, o que significa que, por exemplo em relação a situações de Governo minoritário que enfrentasse uma maioria conglobável de sinal contrário à sua própria orientação, poderia acontecer que o Governo nem em matérias da sua competência pudesse suscitar ao Presidente da República - nunca impor mas suscitar - a convocação do referendo. Teria sempre de ter uma espécie de viabilização das suas propostas de referendo através de uma participação parlamentar necessária...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... em matérias que, todavia, são da competência própria do Governo. Não faz sentido nenhum à luz da separação interdependência que vigora entre nós e a uma recta concepção que não é obsessivamente parlamentarizadora e tem em conta as várias composições possíveis do próprio Hemiciclo. Esta solução é a que mais respeita os vários figurinos, as várias possibilidades de articulação - maiorias relativas, maiorias relativas muito poderosas, maiorias relativas menos folgadas, conglobações de votos - que permitem a um governo pedir ao Presidente que, se entender, convoque referendos com respeito pela separação de competência. É, portanto, uma solução harmoniosa para o sistema, não é harmoniosa com uma concepção hiperparlamentarizadora para a qual, aliás, o PSD, aparentemente, só acordou depois de perder a maioria e de estar em minoria no Parlamento mas com possibilidades de intervenção castradora da acção de um Governo que dispõe de uma maioria relativa. E, portanto, uma interpretação pérfida, gizada sobre a situação de hoje, um tanto vingativa,...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E a vossa é defensiva!

O Orador: - ... e que, porque a vingança é má conselheira institucional, não serve, seguramente, para moldar um regime capaz de vigorar em diversas situações políticas.
Esta solução encontrada é harmoniosa, a vossa é vingativa e, de resto, conjuntural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - O Sr. Deputado José Magalhães tinha dito que ia tecer um comentário à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo mas dá-me a impressão que não lhe pediu qualquer esclarecimento. Em contrapartida, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, inscreveu-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Magalhães...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente, inscrevi-me para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Muito bem. Então, dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira que estava inscrito antes.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já que estamos em maré de comentários e que as preocupações de parlamentarização do PSD parece estarem acompanhadas pelas preocupações de governamentalização do Sr. Deputado José Magalhães, convém lembrar que a proposta inicial do nosso projecto de revisão constitucional previa que, além da Assembleia da República e do Governo, também o Presidente da República tivesse poder de iniciativa em matéria de referendo,...

Uma voz do PS: - Outro desvio!

O Orador: - ... o que, face à preocupação de equilíbrio institucional do Sr. Deputado José Magalhães, muito nos espanta que não tenha acolhido esta nossa solução. A não ser que a acolha mas que esteja completamente limitado pelo reduzido poder de manobra de que dispõe pelo facto de ter de fazer um acordo com o PSD...

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

De resto, o Sr. Deputado ganha sempre, está sempre a ganhar. Aliás, se olharmos para trás, para as outras revisões, verificaremos que o Sr. Deputado está sempre a ganhar! Por este andar, qualquer dia acaba aqui e, portanto, nós vamos tomar algum cuidado! Fica desde já claro que só vai ganhar até ali!

Protestos do Deputada do PS José Magalhães.

Não sei se é devido ao adiantado da hora, mas o Sr. Deputado José Magalhães aceita mal os comentários relativos aos seus próprios comentários e contagia o Deputado João Amaral que, entretanto, recordando velhas companhias e jornadas antigas, decidiu juntar os seus protestos aos do Deputado José Magalhães...

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Continuando, há um aspecto que convém que fique clarificado.
O regime que estamos a discutir constitui seguramente um progresso relativamente ao antecedente,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - ... mas convém notar que não está liberto dos receios profundos, quer do PS quer do PSD, e da desconfiança congénita que ambos os partidos revelam relativamente ao instituto referendário.
Como já bem observou o Sr. Deputado Ferreira Ramos, desde logo, nunca ouvimos o PS e o PSD estabelecerem tectos de validade em função da participação dos cidadãos para os vários actos eleitorais. Pois bem, descobriram que o referendo só deve ter efeito vinculativo se houver um determinado grau de participação eleitoral. Isto só se explica por uma manifesta desconfiança em relação aos cidadãos que corresponde à vossa concepção profunda do referendo que, todos nos lembramos, historicamente, só deveria servir para escolher a administração da RTP. E que jeito dava agora, Sr. Deputado, fazer um referendo desses...

O Sr. José Magalhães (PS): - Proponha-o!

O Orador: - Portanto, existe, de facto, esta desconfiança profunda em relação
ao instituto referendário que, depois, se concretiza nestas cláusulas defensivas face à própria cidadania que está implícita na matéria do referendo.
Mas há, ainda, outra questão, que convém que fique expressa no debate, que tem a ver com aquilo a que chamamos "as ilusões do referendo" que, eventualmente, se pretende passar para a opinião pública. Estas "ilusões" têm

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a ver com dar a sensação que se alarga o regime constitucional do referendo muito mais do que efectivamente se alarga e que, pela conjugação de disposições, não poderão referendar-se tantas matérias quantas as que se quer dar a entender que se quer referendar.
Resta-nos deixar a nossa opinião contrária a esta desconfiança. Resta-nos reafirmar que, por nossa vontade, o regime do referendo seria muito mais profundamente alterado do que é. Resta-nos esperar que não sejam precisos cinco anos para que os senhores, PS e PSD, juntos e ao vivo, dêem mais um pequeno passo, como o que deram de 1992 para cá, para que seja possível optimizar o regime constitucional do referendo, tendo confiança nos cidadãos e acreditando no referendo como mecanismo de expressão da vontade popular.
Do nosso ponto de vista, o referendo é, ao fim e ao cabo, um instrumento essencial para a superação da crise de representação das democracias puramente representativas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era suposto intervir sobre esta matéria, mas devo confessar que fiquei perfeitamente perplexo com a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - O que eu fui fazer!

O Orador: - O Sr. Deputado teve a ousadia de dizer que a proposta do PSD tinha que ver com uma lógica "vingativa" ou "retaliativa" - creio que foi esse o termo que utilizou - relativamente à actual circunstância. De facto, fugiu-lhe a boca para a verdade, porque o problema do Sr. Deputado e, em suma, o problema do Partido Socialista em relação a esta matéria é, de facto, circunstancial.
O Partido Socialista, apesar de ter um Governo minoritário e de a sede da democracia ser a Assembleia da República, não foi capaz de esquecer essa circunstância nem de devolver à sede da democracia representativa a mais-valia, o poder decisório em matéria da utilização dos referendos. Além do mais, utilizou um argumento que acho espantoso, espantoso porque vindo de quem vem, já que se trata de alguém que conhece não só a matéria constitucional como a capacidade e a iniciativa legislativa dos vários órgãos de soberania.
Com efeito, o Sr. Deputado José Magalhães sabe bem que o argumento em que estribou a sua intervenção, isto é, o argumento das matérias da competência exclusiva de cada um dos órgãos, pura e simplesmente, não colhe! É que, que eu saiba - e o Sr. Deputado também sabe, porque não sabe outra coisa senão isto! -, a única matéria em que o Governo tem competência legislativa exclusiva, sem a concorrência da Assembleia da República, é a relativa à sua organização interna! Obviamente, nunca haverá qualquer referendo, porque o Governo nunca pedirá ao Sr. Presidente da República para fazer um referendo sobre a sua organização interna. Sei que a descoordenação socialista é grande e que, eventualmente, o Primeiro-Ministro actual tem algumas dúvidas sobre como organizar e ter mão no seu Governo, mas daí a pedir um referendo ao Presidente da República vai uma distância muito grande!

O Sr. José Magalhães (PS): .- Posso interrompê-lo?

O Orador: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem medo!

O Orador: - Portanto, com toda a franqueza, esse argumento de salvar, ao menos, a possibilidade de o Governo, no âmbito da sua competência própria, pedir ao Presidente da República a realização de um referendo para que essa matéria não fique descurada é rotundamente falso. Falso, porque a competência desta Assembleia é concorrencial com a do Governo em todas as matérias, excepto na que diz respeito à organização interna deste. E nenhum Governo decente, capaz e competente há-de pedir ao Sr. Presidente da República a realização de um referendo para que o povo português lhe diga como é que deve organizar-se e trabalhar.
É evidente que esse seu argumento, Sr. Deputado José Magalhães, vindo de quem vem...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - No caso presente, talvez seja necessário!

O Orador: - Com franqueza, deveria haver um pouco mais de imaginação para rebater o argumento usado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, e que, de resto, já tinha sido objecto de discussão na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em que o Sr. Deputado José Magalhães participou activamente, como lhe competia. Esse, sim, é um argumento perfeitamente sólido e directo. E se os senhores, neste momento, por razões circunstanciais, designadamente porque têm um Governo minoritário, não o pretendem acolher, não o acolham! Tudo bem, ninguém o questiona.
Por outro lado, o Sr. Deputado Barbosa de Melo, aquando da sua intervenção, deixou claro que, do seu ponto de vista, esta era uma oportunidade perdida, em virtude de não se ter, nesta revisão, a par do aprofundamento da democracia referendária, reforçado a vertente da democracia representativa, que tem a sua sede nesta Casa. Ou seja, a Assembleia da República deveria, em nome da correcta complementaridade do referendo relativamente à democracia representativa, ter sempre uma palavra a dizer quanto à realização de referendos.
Já não comento, sequer, o que foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira a propósito da proposta do Partido Popular, porque é evidente, para todos nós - penso que o Sr. Deputado Jorge Ferreira tem a perfeita consciência disso -,que a iniciativa do referendo por parte do Presidente da República, longe de ser um equilíbrio de poderes no nosso sistema, implicaria um desequilíbrio de poderes, porque seria um apelo à lógica plebiscitária, permitindo que o Presidente da República, eventualmente contra a maioria representativa da Assembleia da República e o Governo, catalisasse vontades populares no sentido de alguma subversão.
Num sistema político como o português, o modelo que atribui capacidade de iniciativa directa ao Presidente da República em matéria de referendos, do meu ponto de vista, desvirtua o equilíbrio de poderes e não concorre, minimamente, para a consolidação dessa mesma separação e interdependência, própria do nosso modelo.
Termino, dizendo que, do ponto de vista do PSD, é evidente que nos congratulamos, e muito, com o que foi conseguido em sede da Comissão Eventual para a Revi-

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são Constitucional e na sequência do acordo político, bem como com acordo do Partido Popular nas questões fundamentais deste artigo 118.º, relativamente ao aprofundamento da democracia referendária.
Todavia, reforçando o que aqui foi dito pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, não deixo de lamentar que, em alguns aspectos que eram, de certa forma, um contrapeso e um garante dos avanços que estamos a fazer nesta matéria e que não subvertem o nosso modelo - um modelo assente na democracia representativa e em relação ao qual não temos razões para duvidar da sua funcionalidade nem da sua bondade democrática -, não tenha sido possível ir um pouco mais longe, fazendo acrescer algumas garantias, entre as quais - e não se trata de uma garantia menor - a possibilidade de um referendo constitucional. Esta é, também, uma "bandeira" antiga do Partido Social Democrata, com, pelo menos, quase 20 anos de existência, mas que ainda não foi desta! Mas, em nome da participação e da soberania do povo português relativamente ao nosso modelo de Estado de direito democrático, o PSD não desistirá de pugnar por isso e, a seu tempo, provavelmente, tal como em todas as outras matérias, a História há-de dar-nos razão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não gostaria de deixar sem resposta duas das questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, por favor não utilize, constantemente, a técnica de dizer que o PSD lutava por este modelo desde o século XVI! Não é verdade!

Risos do Deputado do CDS-PP Jorge Ferreira.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Foi uma descoberta do PSD nesta revisão, e nada mais! A ideia de parlamentarização da iniciativa referendária foi uma descoberta de "há 15 minutos", de Março de 1996! Mais nada. Não transforme um pássaro que voou pela sua bancada, depois de cair no chão, derrubado em eleições democráticas, numa inspiração divina de não sei quem ou do fundador do partido, que a transmitiu - não sei se por teleférico! - ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes!
Em segundo lugar, a Constituição é harmoniosa, tem um triângulo mágico de paz institucional que evita que qualquer órgão abuse das suas funções. Por isso é que o Presidente da República não realiza referendos por iniciativa própria e só o pode fazer sob proposta, embora seja livre na decisão; por isso é que o Parlamento não propõe referendos sobre matéria da competência do Governo e por isso é que o Governo não propõe referendos sobre matéria da competência parlamentar. É nesta separação que reside a harmonia.
Em terceiro lugar, Srs. Deputados, esta solução foi aprovada por consenso em 1989 e, nessa altura, o PSD não defendeu o que agora foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes mas, sim, o que está na acta - e muito bem! O Sr. Deputado não estava cá, estava nos juniores, mas isso foi dito!
A verdade é que essa solução foi aprovada e a doutrina tem interpretado, como agora explicitamos, o conteúdo que vem desde a revisão de 1989. Portanto, não se tratou de uma inspiração súbita do Partido Socialista, nos haustos de um Governo de maioria relativa, mas de uma solução encontrada em 1989, quando o Partido Socialista era oposição ao Governo cavaquista, que desde então vigorou pacificamente, embora sem grande aplicação.
Trata-se, portanto, uma solução virtuosa.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Em 1989 não era tão virtuosa assim!

O Orador: - E o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não tem nada de regressar - a não ser que lhe apeteça! às raízes que o PSD nunca teve nessa matéria, já que ela foi agora improvisada. Sr. Deputado, não doutrine, edificando uma coisa que é conjuntural e há-de passar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já mudou de argumento!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, também gostaria de fazer um comentário sobre a ligação que o PPD/PSD faz, desde sempre, à teoria do referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Com um intervalo cavaquista pelo meio!...

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, a sua memória oscila muito, mas a minha é muito constante, sabe!
Ora, o que acontece é o seguinte: a seguir ao 25 de Novembro, como VV. Ex. as sabem, o MFA propôs ,um Segundo Pacto MFA/Partidos - os documentos que vou referir estão publicados. E a proposta apresentada pelo PSD, em Janeiro de 1976, foi no sentido de a Constituição de 1976, que viria a ser aprovada em 2 de Abril pela Assembleia Constituinte, dever ser sujeita, ela própria, depois de aprovada pela Assembleia Constituinte, a referendo popular, dispensando-se aí - e correctamente - a promulgação por parte de um Presidente da República que não era eleito pelo povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Faço esta referência apenas para lembrar que a ligação do PPD ao referendo tem muitas e variadas raízes.

O Sr. José Magalhães (PS): - É plebiscito!

O Orador: - Não é plebiscito! Referendar uma Constituição não é um plebiscito, porque nem sequer é a plebe que intervém, é o povo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive de ir ao Porto, mas regressei apressadamente, porque já sabia que esta discussão seria apaixonante e que íamos ter aqui um debate vivo em torno de uma questão central, que é a de saber se as alterações a introduzir no artigo 118.º vão ou não permitir o referendo sobre a moeda única. Essa é uma questão importante, que fez com que milhares de cidadãos se dirigissem a esta Assembleia.
Aliás, até está sentado aqui à frente, numa das bancadas, alguém que, ainda há muito pouco tempo, lutava furiosamente... - furiosamente é uma palavra inadequada! -, lutava com ardor...

Risos.

... pela realização do referendo. Na bancada reservada à imprensa vejo algumas pessoas ensonadas, perguntando: "Mas o que é que lhes sucedeu? Onde é que está o referendo sobre a moeda única?" - não está! - "Então o que é que eles estiveram aqui a discutir?" Estiveram a debater o que não fazem a mínima tenção de incluir na Constituição!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É que todos os Deputados já sabem, e o Sr. Presidente também, porque seguiu este processo com muita atenção, que a técnica seguida para realizar o referendo é a que está prevista no acordo de revisão constitucional celebrado entre o PS e o PSD. Não é uma iniciativa parlamentarizada nem deixa de o ser, é a que consta do acordo que está assinado, subscrito.
Portanto, o que aqui se passou foi um graciosíssimo exercício intelectual, em que participaram - peço à imprensa que o registe - os mais ilustres constitucionalistas que acompanham este processo de revisão constitucional. Não sei se o Sr. Deputado Jorge Lacão participou, mas se não participou...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Devia ter participado!

Risos do CDS-PP.

O Orador: - ... devia ter participado, porque participaram todos os demais ilustres constitucionalistas! Só que não discutiram o que deviam e nem sequer ensaiaram responder à questão fundamental que aqui foi colocada! E a questão é de uma simplicidade enorme.
De facto, o que aqui se debateu foi o combinado entre PS e PSD, aliás com o apoio do PP, porque quando o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gentilmente, resolveu explicar qual era o consenso que havia em torno da questão relativa à moeda única, ele não se esqueceu dos senhores...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Olhe que não!

O Orador: - E não houve nenhum protesto.
A questão que se coloca é muito simples: os Srs. Deputados do PS e do PSD têm ou não capacidade política, entendimento político para responder àquilo que é uma exigência nacional e que se traduz numa reclamação de muita gente, que é a de uma decisão com o alcance que tem a adesão à moeda única ser sujeita a um grande debate nacional que culmine com uma deliberação do povo tomada em referendo. E essa é uma questão sobre a qual os senhores não podem fazer exercícios teóricos! Aliás, nem sequer têm legitimidade para os fazer, porque o exercício que fizeram em torno de um conflito entre a vontade popular e a decisão da Assembleia está vertido num referendo que VV. Ex.as defendem, que é o referendo sobre a regionalização. A Assembleia vai deliberar que haja regiões e quais são as regiões e VV. Ex.as vão submeter essa decisão a referendo.
É esse o vosso argumento contra um referendo sobre a moeda única, sendo certo que o paralelo nem pode ser feito? E tanto não pode ser feito, que a decisão dos diferentes Estados, sobre se aderem ou não, é livre!

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Já foi aqui citado o caso da Suécia, que diz que não tem nenhum opting-out, que não tem absolutamente nada, que subscreveu o Tratado por inteiro e diz, pura e simplesmente, que não adere, porque não quer, não está para isso! Ninguém a manda aderir e, por isso, não aceita.
VV. Ex.as entendem que o povo português não se pode pronunciar sobre se Portugal adere ou não, coisa relativamente à qual o Governo é livre de decidir, mesmo nos termos do Tratado? Por que é que o povo português não se pode pronunciar sobre isso? O povo português pode e deve pronunciar-se e VV. Ex.as têm g dever de explicar aqui com que cara é que respondem às exigências dos cidadãos que se dirigiram a esta Assembleia, pedindo que isso fosse feito. Se esta é uma decisão de um certo alcance e consequências, VV. Ex.as não podem brincar com ela! De uma decisão com consequências que, no plano dos interesses nacionais, marcam definitivamente o nosso futuro, como é que podem dissociar o povo português?
Este debate não pode terminar aqui, com um exercício teórico em torno de uma questão interessantíssima sobre a qual ninguém faz a mínima tenção de apresentar qualquer proposta de alteração. Este debate tem de ser feito aqui, em torno daquilo que é, de facto, essencial.
Acho muita graça à possibilidade de o Presidente da República, sozinho, poder fazer referendos.

Risos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

E parece que seriam contra o Governo e contra a Assembleia. Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães deu inteira razão ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, porque, com aquele exemplo que deu, afinal, os tais referendos com o Governo poderiam ser feitos contra uma maioria parlamentar, mas os do Presidente da República seriam contra outras maiorias. Mas, Srs. Deputados, essa é uma questão teórica, é um lindo exercício, a questão central é a de saber se vai ou não ser acolhida por esta Assembleia a possibilidade de haver um referendo sobre a moeda única. Trata-se de uma questão concreta, é uma resposta concreta que se exige!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral, desta vez, por muito

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esforço que qualquer um de nós possa fazer, não se nota qualquer distinção, nem de conteúdo, nem de estilo, talvez, entre o discurso que acabou de proferir e qualquer intervenção que sobre a matéria pudesse ter sido produzida pelo Sr. Deputado Manuel Monteiro. Tale qual o mesmo registo, tal e qual o mesmo discurso, tale qual a mesma inspiração!

O Sr. João Amaral (PCP): - Só há uma diferença: ele não o faz e nega-o!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - A gente desculpa-o! É do adiantado da hora!

O Orador: - Nem uma palavra do Sr. Deputado João Amaral acerca das preocupações que o PCP, eventualmente, possa ter relativamente ao destino da União Europeia! Nem uma palavra do PCP, através do Sr. Deputado João Amaral, relativamente ao destino da União Europeia, numa lógica de solidariedade! Nem uma palavra do Sr. Deputado João Amaral relativamente à problemática da Europa social e do combate ao desemprego, no quadro da União Europeia! Nada! Zero! Um vazio completo de tomada de posição conscienciosa relativamente aos problemas que marcam o destino da Europa no momento que atravessamos!
O que é que preocupa o Sr. Deputado João Amaral: em teoria constitucional, inventar, como já tive ocasião, de dizer há pouco, mas ele não ouviu, porque vinha do Porto para Lisboa, um referendo obrigatório. Ou seja, um referendo que contradiga o acto parlamentar de aprovação de um tratado internacional e o acto de ratificação pelo Presidente da República desse mesmo tratado internacional.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Era isto que o Sr. Deputado João Amaral queria que nós introduzíssemos como solução na Constituição da República. Pois bem, Sr. Deputado João Amaral, nós não o queremos, porque temos demasiado respeito pelas regras da democracia representativa e o senhor, com o exemplo que aqui esteve a dar, demonstrou que se está para ela completamente nas tintas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nós não estamos! Nunca estivemos no passado, não estamos no presente, nem estaremos no futuro!

O Sr. José Magalhães (PS): - É com alma!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado João Amaral, se o Sr. Deputado quiser pôr de lado a lógica do referendo abrogatório e discutir, em termos adequados, a lógica do referendo sobre matérias que devam ser objecto de aprovação por lei ou por tratado,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso, sim!

O Orador: - ... então, temos matéria para discutir. E, há pouco, tivemos ocasião de a discutir, em termos adequados, com o Sr. Deputado Luís Sá, que manifestou divergências aceitáveis mas num tom e de um modo...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito sensato!

O Orador: - ... que o Sr. Deputado João Amaral não foi capaz de utilizar neste momento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem observado!

O Orador: - Depois, a História tem ironias! O Sr. Deputado João Amaral vem aqui fazer toda esta prosa de escândalo relativamente à impossibilidade de um referendo sobre a moeda única, esquecendo-se de que o Partido Comunista foi um adversário visceral da possibilidade de utilização do referendo em sede constitucional.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - O PCP tem a memória que tem!... Mas o PCP, que, historicamente, está contra a introdução do referendo na Constituição, quer agora, pela voz do Sr. Deputado João Amaral, defender a lógica do referendo ab-rogatório.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ó Sr. Deputado Lacão!... Isso foi no tempo do Sr. Deputado José Magalhães!...

O Orador: - Ou seja, do ponto de vista da coerência institucional, a vossa posição não tem um mínimo de sustentação, assim como também não a tem, do ponto de vista da cultura democrática. A vossa preocupação política, do ponto de vista do destino da Europa, não revelou aqui a mínima sensibilidade!
Sr. Deputado João Amaral, a esta hora da manhã, mais nada lhe digo, e, já que devo concluir, concluo dizendo-lhe o seguinte: poupe-nos, porque esse seu tipo de discurso está completamente gasto e exausto, talvez ainda convença alguém dentro do PCP mas fora do PCP, com certeza, não convence.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Lacão, vamos tratar das questões uma a uma.
Quanto à cultura democrática, é o Sr. Deputado Lacão e a sua bancada que deixam sem resposta as reclamações que têm sido feitas para que haja um referendo sobre a moeda única.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Em matéria de cultura democrática, são VV. Ex.as que violam uma regra básica! Tanto falam da participação dos cidadãos e, perante uma questão central, quando se vislumbra uma oportunidade de essa participação se concretizar, VV. Ex.as dizem: não! Referendo sobre a moeda única, antes de haver Tratado de Maastricht, não! Depois de haver Tratado, não! Para o futuro, não! Nunca! Referendo sobre a moeda única não pode existir!
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que não colocamos questões centrais sobre a Europa? Mas V. Ex.ª toma-nos por quem? Quer submeter a referendo a seguinte pergunta: portugueses, achais que a Europa deve preocupar-se com o vosso emprego? E os portugueses, que são estúpidos como tudo, dizem que não!...

Risos do CDS-PP.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Deputado João Amaral fez uma caricatura de si próprio!

O Orador: - Por amor de Deus! Sr. Presidente, Sr. Deputado, apesar de já ser muito tarde, todos somos capazes de raciocinar e de concluir que uma pergunta como esta é uma pura mistificação. E é isto que o Sr. Deputado Lacão, que, pelos vistos, tem um discurso fresco, pretende fazer! O Sr. Deputado não quer que se discuta uma questão central, o destino da Europa, em torno do problema da moeda única, não quer que se discutam coisas sérias sobre o destino da Europa, o que quer que se discuta sobre a Europa são as mistificações que é capaz de fazer. E, diga-se, tem um algum jeito para mistificações! Às vezes sai-se mal, mas tem algum jeito!
Em terceiro lugar, Sr. Deputado Jorge Lacão, o Sr. Presidente da República não ratificou um tratado que estabeleça que Portugal adere à moeda única. Quanto muito o Tratado estabelece que Portugal, se quiser e nos termos que quiser, pode aderir à moeda única. E isso está tão demonstrado que o senhor não responde a essa questão com o exemplo concreto da Suécia, que é aqui trazido e não porque a Suécia seja um país esquisito mas porque a Suécia, cumprindo o que consta do Tratado, disse, pura e simplesmente, que não quer, para desgosto de muitos dos senhores, que fizeram o possível para que ninguém falasse nisso, aliás, devo dizer, com muitas colaborações, porque quem folheou a comunicação social escrita nessa altura viu que teve pouca relevância. Os senhores nem querem ouvir falar disso, mas é um facto e por isso é que é aqui trazido. Não é essa a situação da Dinamarca, por exemplo, que tem um opting-out, não é essa a situação da Inglaterra, que, aquando do Tratado, disse logo que não aderia à moeda única, é a situação de um país que aderiu integralmente a Maastricht e entende que não vai aderir à moeda única. E Portugal pode fazer isto mesmo!
Mas aquilo que proponho, em nome do PCP, não é que Portugal não adira, é que essa decisão, muito simplesmente, seja deixada ao povo português. Neste contexto, não se vai discutir aqui qual é a minha posição ou a posição do Sr. Deputado Jorge Lacão, o que se vai discutir é se é possível ou não que se inclua na Constituição que seja o povo português, repito, o povo português - e sei que é uma expressão que vai saindo da Constituição -, a decidir essa questão. Impedir que isso se concretize é que é falta de cultura democrática, impedir que isso se concretize é que é indesculpável, impedir que isso se concretize é que é uma vergonha sem nome que os senhores assumem perante esta revisão constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, o relógio marca 1 hora.
Há ainda dois oradores inscritos, mas creio que o curial será manter a sua inscrição para o início da próxima sessão, cuja ordem do dia será a continuação da apreciação das propostas relativas à revisão constitucional, a qual terá lugar amanhã, às 10 horas. Isto, porque o que foi combinado e consensualizado entre todos foi que os nossos trabalhos terminariam à badalada da 1 hora.
Está encerrada a sessão.

Era 1 hora do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Manuel Francisco dos Santos Valente.
Mário Manuel Videira Lopes.

Partido Social Democrata (PSD):

José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raul d' Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Carlos Alberto Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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23 DE JULHO DE 1997 3677

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3678 I SÉRIE - NÚMERO 99

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