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uinta-feira, 12 de Junho de 1997 II Série - RC - Número 102

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 11 de Junho de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 21 horas e 45 minutos.
Procedeu-se ao debate e votação das propostas de alteração aos artigos 122.º, 118.º e 124.º.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Guilherme Silva (PSD), Alberto Martins (PS), Miguel Macedo (PSD), António Filipe (PCP), Strecht Ribeiro (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP), Isabel Castro (Os Verdes), Cláudio Monteiro (PS) e Luís Queiró (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 0 horas e 25 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 21 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, recordo que estamos em sede de artigo 122.º (Publicidade dos actos), cuja discussão e votação ficou a meio na última reunião que tivemos e que importa agora retomar.
Começo por perguntar aos Srs. Deputados se há alguma proposta nova no que diz respeito às alíneas que estão para votação. Algum dos Srs. Deputados se quer pronunciar?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é necessário apresentar na Mesa a nossa nova proposta para a alínea i) do artigo 122.º?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É que eu estava na dúvida se já a tinha entregue ao Sr. Presidente na última reunião.

Pausa.

Srs. Deputados, enquanto aguardamos a entrega desta proposta, recordo que, nos projectos de revisão, existe um alteração à alínea h), apresentada pelo Deputado do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que poderemos votar já.
Como não existe qualquer objecção, vamos votar a proposta de alteração da alínea h) do artigo 122.º, constante do projecto de revisão do Deputado do PSD Pedro Passos Coelho e outros.

Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Era a seguinte:

h) Os decretos regulamentares e os demais decretos e regulamentos do Governo e os decretos regulamentares regionais;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, falta-nos, agora, votar uma nova proposta de alteração da alínea i) do artigo 122.º, subscrita pelo PS e pelo PSD, que acaba de dar entrada na mesa, que diz o seguinte: "Os resultados das eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas, do poder local, bem como para o Parlamento Europeu e ainda os resultados de referendos de âmbito nacional e regional".
Esta proposta é, no essencial, idêntica à proposta apresentada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro no seu projecto de revisão. Por isso, se a Sr.ª Deputada Isabel Castro estiver de acordo com a sugestão que vou dar, votaríamos em simultâneo estas duas propostas, desde que a Sr.ª Deputada esteja de acordo em que se fixe, depois, a redacção nesta forma.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Estou de acordo.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, embora a proposta agora apresentada ainda não tenha sido distribuída, mas, como acabou de ser lida e penso que o seu alcance é imediatamente perceptível, se estiverem de acordo, vamos proceder à votação destas duas propostas.
Vamos, portanto, votar as propostas de alteração da alínea i) do artigo 122.º, apresentadas pelo PS e pelo PSD, agora, e por Os Verdes, no seu projecto de revisão.

Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade.

São as seguintes:

i) Os resultados de eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas, do poder local, bem como para o Parlamento Europeu e ainda os resultados de referendos de âmbito nacional e regional;

i) Os resultados de eleições para os órgãos de soberania, das Regiões Autónomas e do Poder Local e para o Parlamento Europeu, bem como os resultados de referendos;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a redacção final será a da proposta apresentada pelo PS e pelo PSD.
Salvo melhor opinião, estão esgotadas as votações respeitantes ao artigo 122.º.
Srs. Deputados, vamos, agora, fazer um retrocesso, em termos meramente processuais, entenda-se.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Para que artigo, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: * Para o artigo 118.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Temos ainda antes o artigo 115.º!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, peça esclarecimentos ao seu companheiro do lado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, já disse na última reunião que estou autorizado pelo Sr. Deputado Mota Amaral…

O Sr. Presidente: * Eu sei! Mas a questão já foi esclarecida na última reunião, não vale a pena voltar a ela!

Pausa.

Srs. Deputados, recordo que, na última reunião, foi obtido consenso de todos os grupos parlamentares, ao qual, depois de reserva de posição, também o CDS-PP já aderiu, no sentido de admitir a revisão, por novas votações, do artigo 118.º, nas matérias que vão entretanto ser apresentadas.
O documento com as propostas já foi para fotocopiar, a fim de se proceder à sua distribuição.

Pausa.

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Sr. Deputado José Magalhães, quer ter a bondade de começar por explicar o conteúdo das propostas respeitantes ao artigo 118.?.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, é uma hipótese.

O Sr. Presidente: * Então, tem a palavra para concretizar essa hipótese, apresentando, por antecipação, as referidas propostas.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: verdadeiramente a discussão foi aprofundada na primeira leitura, em matéria de referendos, e convergiu no sentido de um alargamento significativo da intervenção cívica e popular em matéria referendária.
A nossa leitura, ulteriormente feita, permitiu convergir parcialmente, mas esperemos que seja possível alargar essa convergência, para várias funções que, quanto a nós, melhoram o regime constitucional em matéria referendária.
Primeiro, é preciso clarificar bem que a iniciativa do governo e a iniciativa parlamentar são autónomas e separadas em matéria referendária. Nenhum destes órgãos provoca referendos em competências do outro órgão de soberania; não há guerras referendárias do governo contra a Assembleia, nem dos Deputados contra o governo.
É isso que pretendemos na primeira proposta, cuja parte final alude ao direito de iniciativa, mediante proposta da Assembleia ou do governo em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.
Por outro lado, tendo ponderado vários números possíveis para a iniciativa popular referendária, a iniciativa dos cidadãos, chegámos à conclusão de que era preferível que a Constituição remetesse para o legislador, através de lei de maioria qualificada, naturalmente, a fixação em concreto do número de cidadãos que é necessário para desencadear uma iniciativa popular referendária. É este o significado da segunda das alterações.
Em matéria de clarificação dos alargamentos das matérias sobre as quais pode incidir o referendo, verdadeiramente tratou-se de aperfeiçoar redacções, uma vez que um dos objectivos comuns - suponho que é um objectivo comum a muitas forças políticas - é o de que seja possível organizar referendos em matéria, por exemplo, de construção europeia. E para isto é necessário alterar este artigo constitucional, que veda a realização de referendos, tanto no cenário actual da Constituição por iniciativa parlamentar como no cenário futuro por iniciativa dos cidadãos, se se tratar de questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional.
Creio que chegámos a uma redacção razoável para exprimir isto, que não é fácil de exprimir. Submetemos esta redacção à vossa apreciação, mas cremos que ela corresponde ao alargamento por todos desejado, ou por muitos desejado, neste domínio.
A correcção seguinte é uma correcção literária, que estava adquirida na primeira leitura, e sobre a qual não vale a pena tecer muitas considerações. É a maneira como se exprime, para respostas de "sim" ou "não", a opinião dos eleitores chamados a intervir.
Finalmente, existe um consenso indiciário para consagrar esta ideia segundo a qual deve haver um quórum mínimo para a vinculatividade dos referendos. Prevê-se na norma que vos apresentamos que o referendo só tenha o efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos leitores inscritos no recenseamento. Mas aqui não há qualquer surpresa, porque, como os Srs. Deputados sabem, discutimos isto na primeira leitura.
Há partidos que têm opinião contrária à ideia de fixação de patamares deste tipo, no entanto, convergimos para a ideia de que era importante estabelecer um patamar, que dá, naturalmente, aos resultados uma especial autoridade política. Seria muito fraco um referendo no qual a participação fosse débil e a maioria fosse fraca.
Por último, é bom adiantar que não está no texto do documento que vos será distribuído, mas está indiciado no seu n.º 7, a ideia de que nos referendos podem ser chamados a participar cidadãos residentes no estrangeiro, desde que tenham sido devidamente recenseados em certas condições e quando esses referendos recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito. Ou seja: não serão chamados em qualquer referendo mas apenas no referendos que versem matérias que, pela sua específica configuração, digam também respeito aos residentes no estrangeiro.
Portanto, um referendo sobre o aborto não é, seguramente, um referendo que diga especificamente respeito aos residentes no estrangeiro, mas já um referendo sobre a construção europeia é, seguramente, um referendo que diz respeito especificamente aos residentes portugueses na União Europeia. Não temos quaisquer dúvidas quanto a este ponto, mas estamos disponíveis para aprofundar o debate sobre estas matérias.
Há, por isso, poucas inovações precisas, as quais se traduzem, na maior parte dos casos, em melhorias de redacção ou numa tentativa de não cristalizar na Constituição números sobre a iniciativa popular, isto é, quantos cidadãos é que são necessários para desencadear esta nova mecânica de participação cívica, que nos congratulamos por tudo indicar que venha a ser possível alargar, e alargar muito significativamente, nesta revisão constitucional.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para já, gostaria de fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães e, eventualmente, aos subscritores desta proposta, seguindo, aliás, a inspiração do Sr. Deputado Guilherme Silva.
E a questão é esta: há, naturalmente, aqui um conjunto de propostas que, tanto quanto ouvimos, são bem vindas. Eu, de resto, diria que, apesar da votação formal que já foi feita desta disposição, será bem vindo todo o esforço de aperfeiçoamento. Creio que se trata de uma das mais importantes matérias que se poderão colocar no quadro desta revisão constitucional.
Entretanto, julgo que alguns dos problemas levantados como sendo dos mais importantes são problemas que não são resolvidos neste contexto, mas o Sr. Deputado José Magalhães encarregar-se-á de me elucidar.

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Um deles é o seguinte: naturalmente que estamos inteiramente abertos e apoiamos a ideia de referendos sobre o processo de integração comunitária, mas a questão que se coloca, entretanto, é a de que aquilo que se debate, neste momento, na Europa, como problema fundamental, é o pacto de estabilidade, a União Económica e Monetária, a moeda única, o caminho para a moeda única e os ritmos, os prazos e os instrumentos para se chegar à moeda única.
Ora, aqui pode haver a perspectiva - o Sr. Deputado José Magalhães encarregar-se-á de me elucidar se é assim ou não - de ser referendado aquilo que, neste momento, não é fundamental e não está na agenda política, embora seja importante, e, pelo contrário, virem a ser referendadas questões que são, eventualmente, relativamente secundárias neste contexto.
Mais ainda: podemos ter, por exemplo, figurinos em que, mesmo em relação às matérias que estão em debate no âmbito das conferências intergovernamentais, venha a ser referendada uma matéria, como, por exemplo, a integração da política social, da política de emprego, no Tratado e não ser referendada uma matéria como a eventual ausência de garantia expressa da participação de comissários de todos os países na respectiva comissão.
A outra questão que quero colocar e que me parece igualmente de bastante importância é a seguinte: posso admitir, em determinada categoria de referendos, que seja exigido 50% de participação, com a ideia de que, se não houver 50% de participação, designadamente por a população não ter interesse suficiente em participar, então, os órgãos de soberania decidirão aquilo que entendem. É relativamente compreensível! Vamos supor que há um referendo sobre o tratamento jurídico da questão do aborto e não há participação de 50%, então, a Assembleia da República delibera aquilo que entende no exercício de poderes soberanos.
Agora, o problema que está colocado é em relação a uma matéria como a das regiões administrativas, em que aquilo que vai ser sujeito a referendo é a execução ou não de uma lei aprovada pela Assembleia da República no uso de poderes soberanos. Ora, aqui, quando houver uma ausência de participação de 50%, o problema vai pôr-se em termos completamente diferentes, porque é a execução de uma lei da Assembleia da República que está a ser referendada e não propriamente uma questão em que, se não houver 50%, não há vinculação dos órgãos de soberania a qualquer orientação.
E creio que este problema é tanto mais importante quando se verifica, como o Sr. Deputado José Magalhães e os outros Srs. Deputados bem sabem, uma situação de elevadíssimo grau de abstenção técnica em Portugal, com muitos concelhos e até importantes cidades do País com mais eleitores neste momento do que habitantes, designadamente devido ao facto de não terem sido eliminados dos cadernos eleitorais muitos mortos e pessoas que mudaram de residência.
Este fenómeno da abstenção técnica é conhecido e está devidamente estudado como sendo muito elevado em países como a França e os Estados Unidos, contrariamente ao que acontece em Portugal. No entanto, os estudos que já existem, inclusivamente do próprio Estado, apontam para números elevadíssimos, o que significa que, nesta situação e de acordo com esta proposta, teríamos mortos e pessoas que mudaram de residência a votar contra a regionalização, mesmo sem saberem e sem quererem.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado José Magalhães deseja responder?

O Sr. José Magalhães (PS): * Muito brevemente, Sr. Presidente, porque esta matéria, neste ponto, foi discutida em sede da primeira leitura. Quero tão-só dizer o seguinte: Sr. Deputado Luís Sá, ninguém propôs referendos ab-rogativos. No início, na primeira leitura, até tivemos dificuldade em perceber se o PCP estava a propor que houvesse referendos ab-rogativos, ou seja, referendos sobre matérias que estivessem em vigor e cuja resposta em termos de "não" implicasse a ab-rogação, a cessação da vigência, de um tratado.
Se o Sr. Deputado coloca a hipótese de fazer um referendo em relação a matérias que estão em vigor neste momento, por força da aprovação pela Assembleia da República e da ratificação pelo Sr. Presidente da República do Tratado de Maastricht, estaria a propor um referendo ab-rogativo.
Francamente, é um caminho no qual se começa e não sabe onde é que pode parar. Amanhã o Sr. Deputado teria os monárquicos a proporem um referendo ab-rogativo não sei de que acto que proclamou a República; um outro dia, um determinado…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Sr. José Magalhães (PS): - Faça favor.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ó Sr. Deputado, creio que é evidente para todos que aquilo que está em causa é se Portugal adere à terceira fase da União Económica e Monetária e quando é que adere. É esta questão concreta. Isto é um acto de soberania do Estado português e, no âmbito do Tratado de União Europeia, a decisão de executar ou não as políticas, designadamente as que levem a cumprir os critérios de convergência no prazo que está estabelecido, cabe a cada Estado. Por exemplo, o Estado sueco pode decidir aquilo que entende nesta matéria, sendo uma decisão soberana do Estado sueco, que não revoga o Tratado da União Europeia.
Portanto, pode estar tranquilo, porque nunca ninguém propôs o que quer que fosse que corresponda à ideia que colocou. Aquilo que pode estar, efectivamente, em causa é uma habilitação constitucional no sentido de perguntar ao povo português se acaso pretende que Portugal tenha como prioridade fundamental da sua política económica cumprir os critérios de convergência na perspectiva de estar no pelotão da frente, que vai aderir à eventual moeda única na eventual data de 1999. É este o problema, não é mais nenhum!
Quanto ao resto, pode estar tranquilo: não há qualquer outra preocupação que não seja esta!!

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, não fico nada tranquilo, porque é muito diferente propor isso ou propor que sejam submetidas a referendo questões de relevante

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interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional, cujo processo de elaboração e de percepção ou de absorção pela República Portuguesa…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, mostrámos toda a disponibilidade no sentido de, através de outra proposta, clarificar o nosso pensamento, naturalmente se houvesse abertura da parte do Partido Socialista e de outros Deputados em referendar este tipo de questão.

O Sr. José Magalhães (PS): * Também não sei, de resto, se o Sr. Deputado pararia aí ou se desejaria ir ao Tratado de Roma, para ver se é possível e desejável executar o aspecto a, b, c ou d do Tratado no Ano da Graça de 1997.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A sua vertente comunista irónica é conhecida, mas, com efeito, não serve para caracterizar a posição de ninguém, como bem sabe!

O Sr. José Magalhães (PS): * Não! Eu creio que, infelizmente, descreve-a com grande agudeza!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,…

O Sr. José Magalhães (PS): * Quanto à questão das implicações do referendo regional, como suponho que o Sr. Presidente tem, noutra qualidade, particular empenho em dar uma resposta, defiro a resposta a este ponto, que, aliás, não tem agora discussão, porque esta matéria deve ser discutida em sede de regiões administrativas e de regionalização e não directamente em sede de artigo 118.º, mas pode, nesta parte, refractar para este momento.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, eu próprio me inscrevi para me pronunciar sobre essa matéria e o Sr. Deputado Guilherme Silva também pediu a palavra, mas, antes, gostaria de sublinhar que o que verdadeiramente está em causa para reapreciação, de acordo com a proposta que agora nos foi distribuída, subscrita por Deputados do PS e do PSD, é uma modificação ao n.º 1, já votado em primeira leitura, bem como uma modificação ao n.º 1-A. Todas as demais matérias que agora são apresentadas limitam-se a transcrever, sem modificar, o normativo já deliberado aquando da primeira leitura.
Portanto, verdadeiramente aquilo que, neste momento, temos de deliberar sobre o artigo 118.º é muito mais circunscrito do que à primeira vista poderia parecer, face à distribuição da proposta apresentada.
Feita esta ressalva, peço que nos procuremos circunscrever àquilo que, verdadeiramente, nos encarregámos de deliberar agora por modificação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É apenas para uma chamada de atenção.
É tudo como o Sr. Presidente disse, esqueceu-se apenas do n.º 7 da nota que foi agora distribuída.

O Sr. Presidente: * Sim. O n.º 7 é um novo número a aditar, e, portanto, verdadeiramente não se trata de modificar o articulado já votado. Trata-se de um consenso para a existência de uma nova norma, coisa que até ao momento ainda não ocorreu, está anunciada, mas ainda não ocorreu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, pedindo-lhe o favor de circunscrever as suas considerações, se lhe for possível, à matéria que agora está em apreço.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso pedir-lhe um esclarecimento na sua qualidade de Deputado?

O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - É apenas para pedir-lhe que responda à questão que o Sr. Deputado José Magalhães não quis responder e transferiu para si.
Eu sei, obviamente, que não está cá a alteração do acordo na parte em que impõe 50% de participação, que na prática é 60%, para os referendos sobre as regiões valerem, o que quero saber é por que é que não está e isto não foi respondido.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, eu disse que me encarregava de me referir a essa matéria, porque também estava inscrito para o efeito.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, é só para aditar duas ou três coisas sobre esta matéria.
Não há qualquer dúvida de que valeu a pena a luta encetada pelo PSD no sentido de consagrar na Constituição o referendo, o que conseguimos em 1989, e não deixa de ser curioso que, sem termos ainda ensaiado a execução deste instituto, tenhamos tido nesta revisão a perfeita noção da necessidade de introduzir, desde já, aperfeiçoamentos.
E é extremamente gratificante que isto aconteça, porque é uma consciência aprofundada de que democracia não se esgota num ciclo eleitoral e na participação das populações nas eleições, de que há outros institutos importantes e de que alguns receios do desvirtuamento plebiscitário dos referendos foram ultrapassados.
E hoje, nas propostas que estão sobre a mesa, temos aperfeiçoamentos complementares, que vão desde a circunstância de o referendo poder advir da iniciativa de cidadãos eleitores, portanto, sem ser exclusiva e institucionalmente por via da Assembleia da República ou do governo, e temos o alargamento da participação dos referendos, em certos casos, aos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Esta ideia da participação dos emigrantes é-nos muito cara e, portanto, temos de saudar este esforço de convergência entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata no sentido de introduzir estes aperfeiçoamentos, a par do leque ampliativo de questões que estariam vedadas na redacção actual do estatuto do referendo e que passaram a ser possível submeter a referendo.
Por outro lado, há também que salientar a própria circunstância de o referendo se enriquecer democraticamente numa visão descentralizada. Temos hoje, claramente, com

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esta proposta, o referendo nacional, o referendo regional e o referendo local. Portanto, parece-me também que aqui há a vertente descentralizadora.
Aliás, a propósito desta votação, chamo a atenção e lembro que, ligada a ela e numa inserção sistemática adequada, temos o referendo local, que será tratado, depois, na parte das autarquias locais, e o referendo regional, inserido no artigo 234.º da Constituição, a propósito das matérias das regiões autónomas.
Portanto, complementarmente à matéria que está a ser apreciada e votada e a ela ligada de forma directa, temos também as alterações relativas ao referendo local e ao referendo regional, que serão discutidas e votadas em sede do normativo respeitante a cada uma dessas partes da Constituição.

O Sr. Presidente: * Em relação à questão que o Sr. Deputado Luís Sá suscitou sobre as implicações do referendo regional, embora, efectivamente, como o Sr. Deputado José Magalhães sublinhou, essa matéria não esteja, neste momento, em apreciação a propósito do artigo 118.º, gostaria de dizer que a intenção, no que diz respeito ao referendo regional - e vale, desde logo, a pena lembrar que este referendo é um referendo de características especiais, na medida em que não se dirige a um tratado ou uma lei a aprovar, dirige-se à possibilidade de execução de uma lei já aprovada, e nisso a sua distinção de natureza -, aquilo que, em sede de artigo 256.º, se visará propor é que a instituição em concreto da lei que cria as regiões administrativas dependa de voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores, sendo que a matéria deverá ser regulada por lei com a natureza de lei orgânica, adaptando-se, naquilo que for adaptável, as regras gerais do artigo 118.º.
Ora, a verdade é que o que prevalece aqui, porque está expressamente estabelecido no n.º 1 do artigo 256.º - e haveremos de o ver no momento oportuno -, é a vontade dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta directa.
Portanto, há aqui, claramente, uma estatuição quanto à regra de validação dessa consulta popular, e a regra da validação é que ela dependerá de um resultado positivo que seja obtido por uma maioria de entre aqueles que tiverem participado nesse referendo.
A questão tem um tratamento também especial, como acabei de sublinhar ao Sr. Deputado Luís Sá, mas - volto a referi-lo -, em sede de artigo 256.º, poderemos voltar ao tema.
Srs. Deputados, suponho que está agora já claramente delimitada a matéria sobre a qual nos vamos, neste momento, pronunciar, que é uma proposta de modificação dos n.os 1 e 1-A, já votados na primeira leitura.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de modificação do n.º 1 do artigo 118.º, de acordo com a proposta comum agora apresentada.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

É a seguinte:

1 - Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta de modificação do n.º 1-A do artigo 118.º.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP, votos contra do CDS-PP e a abstenção de Os Verdes.

É a seguinte:

1-A - O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, de momento nada mais votaremos do artigo 118.º, sem embargo de, entretanto, já ter sido entregue na mesa uma proposta de aditamento de um novo número, que se relaciona com o destino do artigo 124.º, de onde o que me parece mais aconselhável é, após as votações que ocorrerem no artigo 124.º, voltarmos a essa proposta que, tendo sido admitida, vos será distribuída.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto sobre o artigo 118.º, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, não é sobre o artigo 118.º mas, sim, sobre as votações que acabámos de fazer. A minha opinião sobre o artigo 118.º é conhecida, designadamente pelas intervenções anteriores que fiz. Creio que ele passa ao lado de algumas das questões mais importantes que estão colocadas neste momento.
Julgo que o referendo é, efectivamente, uma instituição importante. É importante que esteja consagrada na Constituição, mas também é importante que as populações sejam chamadas a pronunciar-se sobre os problemas mais importantes que, a cada momento, se colocam para o destino nacional.
Julgo, no entanto, que as questões mais significativas no plano de integração comunitária continuarão a não poder ser submetidas a referendo. Creio, por outro lado, como disse, que as alterações agora feitas não contemplaram, como deviam, a viabilização do processo de regionalização e estão definidas em termos tais que podem criar grandes dificuldades e até inviabilizar esse processo.
Julgo também que as propostas agora apresentadas, em que houve alterações, designadamente o problema da clarificação de que a iniciativa da Assembleia da República ou do Governo só pode ser feita em matéria da respectiva competência, bem como a questão da iniciativa dos cidadãos, estão inscritas em termos que não nos merecem observações

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de maior e julgo que podem ter alguma virtude clarificadora.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, para o artigo 124.º já mandei distribuir algumas propostas de alteração entretanto apresentadas na mesa, mas ainda aguardo uma outra.

Pausa.

Srs. Deputados, enquanto não chega à mesa a proposta de alteração ao artigo 124.º, o Sr. Deputado José Magalhães vai fazendo a sua apresentação oral.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados, o artigo 124.º regula a eleição do Presidente da República. Já tivemos ocasião de debater esta matéria na primeira leitura, no entanto, a proposta que o Partido Socialista agora apresenta, em conjunto com o PSD, distingue-se da originariamente apresentada pelo PS.
Como é do conhecimento público, o PS, no seu projecto de revisão constitucional, na sequência de deliberações publicamente assumidas, admitiu o princípio da participação de residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República em determinadas condições, desde que, designadamente, não fossem havidos também como cidadãos de outro Estado e desde que tivessem tido residência habitual no território nacional durante, pelo menos, 5 dos últimos 15 anos.
A solução apresentada no texto que adiantarei é uma solução que se distingue desta, na exacta medida em que, através de um conjunto articulado de normas, não apenas sediadas neste artigo, admite o princípio da participação de eleitores residentes no estrangeiro, devendo uma lei aprovada por dois terços assegurar que só participam no sufrágio os inscritos no recenseamento até 31 de Dezembro de 1996 e os que sejam admitidos a registo em função da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional. É o que diz literalmente o acordo político de revisão constitucional subscrito entre o PS e o PSD em termos que são publicamente conhecidos.
Pela nossa parte, este sistema consagra o princípio da participação, remetendo para uma lei a aprovar em determinadas condições e por maioria especialmente qualificada a definição de quem são os cidadãos que reúnem as condições para participar no sufrágio.
Alterámos o patamar de exigência que tínhamos inicialmente adiantado e fizemos essa alteração porque o debate, na primeira leitura, nos persuadiu do seguinte: foi demonstrado que um dos critérios - não ter o cidadão residente no estrangeiro outra nacionalidade - era impossível de verificação, porque o Estado português não concede aos cidadãos residentes no estrangeiro meios de prova de que eles não são cidadãos de outro Estado. O Estado português não tem esse meio de prova e, portanto, exigi-lo aos residentes no estrangeiro seria confrontá-los com uma impossibilidade de prova.
Em segundo lugar, o outro sistema permitiria algumas injustiças que nos pareceram inaceitáveis ou, pelo menos, susceptíveis de gravame e perigosas. Na verdade, o grosso de emigração portuguesa nos países europeus, por exemplo, data da década de 60. Exigir que só pudessem participar na votação aqueles que tivessem tido residência habitual no território nacional durante, pelo menos, 5 dos últimos 15 anos excluiria, manifestamente, esse tipo de cidadãos.
Este regime para que agora se aponta admite a participação de residentes no estrangeiro que reúnam determinadas condições. O critério supremo é o de que tenham laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
Nesse sentido, será apresentada uma proposta que vai prever ou vai adiantar, pela nossa parte, o seguinte: "O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses, eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nos termos do número seguinte". E nesse número seguinte aponta-se para que a lei regule o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
Também apresentaremos uma disposição transitória que considere inscritos no recenseamento eleitoral para eleição do Presidente da República todos os cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, dependendo as inscrições posteriores de uma lei, a aprovar por maioria de dois terços, prevista no n.º 2 do artigo 124.º.
Quanto ao modo do exercício do direito de voto, esta proposta deixa em aberto e comete ao legislador ordinário, a aprovar por maioria não especialmente qualificada, o regime específico de voto. Ou seja: não obriga a que o voto seja, por exemplo, presencial, como tem de ser para os residentes no território nacional, de resto, por força do actual regime da Constituição, em relação aos residentes no estrangeiro, deixa ao legislador ordinário a possibilidade de fixar sistemas puramente de voto presencial ou outros, designadamente de carácter misto - votos em consulado, votos presenciais de diversos tipos, combinados em diversas modalidades de sufrágio, que garantam a veracidade, a genuinidade e a segurança do sufrágio.
Nesta matéria, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a preocupação foi garantir: em primeiro lugar, que não haja exclusões daqueles em relação aos quais o legislador entenda que há laços de efectiva ligação à comunidade nacional; em segundo lugar, não deixar uma decisão deste tipo ao critério do legislador ordinário por maioria não qualificada; e, em terceiro lugar, não permitir a votação indiscriminada de quem quer que seja que resida no estrangeiro. E, neste ponto, a solução distingue-se tanto da proposta apresentada pelo PS como também da proposta originariamente apresentada pelo PSD, que, como sabem, implicava que votassem indiscriminadamente quaisquer residentes no estrangeiro, em quaisquer condições e sem qualquer limite ou solução de segurança.
Pela nossa parte, dissemos "não" a essa solução e apontámos para um sistema de cautelas, o qual está, naturalmente, sujeito a debate e é susceptível de ser reforçado pela votação da legislação que é suposto desenvolver este tipo de matéria, legislação de maioria de dois terços e legislação ordinária, como é designadamente aquela que regula o modo de votação dos residentes no estrangeiro.

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Entendemos que assim se dá cumprimento a um princípio que o PS admitiu no programa eleitoral com que se apresentou aos portugueses; sabemos que a matéria e a solução em concreto agora apresentada originou polémica pública; na nossa bancada há propostas que interpretam e que, na opinião dos proponentes, Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro, que aqui estão e que usarão da palavra para defender essas propostas, dentro do espírito do acordo, dão cumprimento também a essas preocupações, embora com uma verbalização distinta.
Pela nossa parte, executaremos o acordo, mas, naturalmente, temos, em relação a esta interpretação, a atitude de compreensão e de solidariedade que é própria da nossa bancada. Estamos, portanto, disponíveis para prestar esclarecimentos complementares de acordo com as regras regimentais.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, irei usar da palavra para apresentar a proposta alternativa, digamos assim, ao artigo 124.º.
Como o Sr. Deputado José Magalhães já teve oportunidade de dizer - e louvo-me em grande parte das considerações que ele produziu -, foi objectivo do Partido Socialista e da sua proposta de revisão constitucional apresentada inicialmente alargar o universo eleitoral aos portugueses residentes no estrangeiro na votação para o cargo de Presidente da República.
Por isso, pensamos que este alargamento é correcto, positivo e deve interessar na eleição do Presidente da República todos aqueles cidadãos que sejam considerados como integrantes da comunidade política portuguesa. Temos, a esse título, uma leitura identificadora do universo eleitoral similar àquela que o Prof. Doutor Jorge Miranda tem difundido com muita regularidade, no sentido de estabelecer uma destrinça entre Nação e Estado. E, naturalmente, o que importa aos cidadãos portugueses, à comunidade política portuguesa, é que participem na decisão da vida colectiva aqueles cidadãos que tenham um laço de pertinência efectivo a essa participação na vida colectiva.
Por isso, relativamente à proposta para o artigo 124.º que decorre do acordo, temos duas precisões apenas, que parecem ter significado, em nosso entender, que são válvulas de segurança em termos do controlo democrático e participativo, dado que no essencial estamos de acordo com esse sentido genérico do alargamento do universo eleitoral aos portugueses residentes no estrangeiro.
Essas duas válvulas de segurança são, por um lado, no sentido de a lei admitir a recenseamento pessoas em função da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional, e não apenas tendo em conta o que poderia ser um pouco diferido de laços de pertinência à comunidade nacional, os quais devem ser definidos com clareza pela lei ordinária, no sentido de que quem vai votar esteja ligado à vida da comunidade portuguesa, e, por outro - e esta é a questão mais importante na proposta que apresentei juntamente com o Sr. Deputado Strecht Ribeiro -, consideramos que o direito de voto deve ser exercido presencialmente. Aliás, temos dificuldades em admitir que, nesta matéria, o direito de voto possa deixar de ser exercido presencialmente, mesmo fora do território nacional.
Porquê? Porque se não for exercido presencialmente temos dúvidas de que não possamos estar a incorrer numa inconstitucionalidade por violação dos limites materiais de revisão, que impõem que o voto tem de ser directo, universal e secreto. E o voto, quando não é presencial, como todos sabemos, inclusive da doutrina, não dá garantias de ser secreto.
Portanto, nesse sentido, consideramos que o voto não pode ser nem por procuração, nem por correspondência; o voto para Presidente da República tem de ser presencial. Mas, naturalmente, o ser presencial não significa que o cidadão votante que viva fora de Portugal tenha de vir a Portugal votar, quer ao território continental quer ao território insular; significa, isso sim, que ele tem de votar em espaços que são considerados território nacional, que podem ser, desde logo, os consulados.
Aliás, esta matéria nada tem de novo, porque hoje está em vigor a Lei n.º 48/96, aprovada na Assembleia da República por unanimidade, que respeita ao Conselho das Comunidades Portugueses, que implica que o voto e o sufrágio sejam universais, directos e secretos e, nesse sentido, que haja o voto presencial.
Por isso, eu diria que a lei constitucional ganhará com uma definição de critérios objectivos da atribuição do direito de sufrágio e não com esta fórmula, com a qual discordamos apenas neste ponto, no sentido de o direito de voto ser exercido presencialmente dentro ou fora do território nacional. Isto é: exigimos um voto personalizado e, naturalmente, que este voto seja directo e secreto, porque pensamos que o voto por correspondência não é um voto directo e o voto por procuração nem é directo nem secreto.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Sr. Presidente, é também para, muito brevemente, em nome do PSD, dizer o seguinte sobre esta proposta que subscrevemos conjuntamente com o Partido Socialista: para o PSD é conhecida a luta que, desde há muitos anos, se tem travado no sentido da consagração constitucional do direito de voto aos emigrantes. Diria mesmo que se mais não for - mas, felizmente, ela tem outras matérias cuja importância me escuso agora de realçar -, só pela consagração finalmente do voto aos emigrantes terá valido a pena fazer esta revisão constitucional.
Julgo que no conjunto da proposta que agora subscrevemos com o Partido Socialista merece realce - e devo dizê-lo, aliás, sem qualquer problema, porque ela contém também diferenças em relação à nossa proposta inicial - o facto de, na previsão do artigo 124.º que vamos votar, se ir até além daquilo que o próprio Partido Social-Democrata consagrava no seu projecto de revisão constitucional, porque, para fazermos uma discussão séria sobre esta matéria, e recordando textos que apresentámos na Assembleia da República, todos se recordarão que o Partido Social-Democrata condicionava a aprovação de uma lei de recenseamento à forma como os emigrantes votariam na eleição para o Presidente da República.

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Ora, o que agora se verifica - e congratulamo-nos com este avanço verificado nesta proposta que subscrevemos conjuntamente com o Partido Socialista - é que todos os emigrantes já recenseados estão automaticamente recenseados e a lei, aliás uma lei que exige uma maioria especialmente qualificada de dois terços, haverá de definir os laços de efectiva ligação à comunidade nacional, que serão o critério para permitir ou não o recenseamento nos cadernos eleitorais para efeito de votação para a Presidência da República.
Por isso, consideramos que o resultado da discussão e do acordo político entre o PS e o PSD é muito importante e representa, em termos da democracia participativa de que somos adeptos e defensores, um grande avanço, e o Partido Social-Democrata congratula-se vivamente pelo resultado a que chegámos com o Partido Socialista neste artigo 124.º da Constituição.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, eu começaria por dizer que, efectivamente, esta questão do voto dos emigrantes nas presidenciais é uma velha causa, com muitos anos, da direita portuguesa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Também há emigrantes de esquerda! Poucos, mais há!

O Sr. António Filipe (PCP): * Esta discussão já, por diversas vezes, teve lugar em comissões eventuais de revisão constitucional, com argumentos que, no essencial, são os que estão em cima da mesa. Não vemos argumentos novos nesta discussão que não tenham já sido respondidos em revisões constitucionais anteriores, e, curiosamente, não apenas respondidos pelo PCP mas também, normalmente bem respondidos, por vários Srs. Deputados do Partido Socialista.
Aliás, quem se quiser dar ao trabalho de ver as actas não apenas das últimas revisões constitucionais mas também da primeira leitura desta revisão constitucional poderá verificar a enorme diferença entre as posições aqui manifestadas pelos Deputados do Partido Socialista e aquilo que agora consta do acordo de revisão constitucional que o PS celebrou com o PSD. É uma diferença flagrante que vale a pena ver. Não se trata daqueles concursos "Veja as diferenças", porque, normalmente, as diferenças aí são pequenas e exigem algum esforço de observação; neste caso não é preciso fazer qualquer esforço, vêem-se mesmo sem lupa, à vista desarmada ou à primeira vista.
Dizia eu que, de facto, este objectivo da direita portuguesa não acontece por acaso; não é que a direita, que o PSD e o PP estejam interessados em defender interesses e direitos dos emigrantes, uma vez que estiveram no governo anos suficientes para o poderem fazer aos mais diversos níveis e nunca o fizeram. O que acontece é que nunca conseguiram controlar, como desejariam, o órgão de soberania Presidente da República ao longo de mais de duas décadas de democracia portuguesa. Nunca o conseguiram fazer!
De facto, não o conseguiram fazer no tempo em que o General Ramalho Eanes foi Presidente da República; não conseguiram eleger o candidato Soares Carneiro; não conseguiram eleger o candidato Freitas do Amaral; não conseguiram controlar este órgão de soberania durante o exercício dos mandatos do Dr. Mário Soares; e não conseguiram eleger o candidato Cavaco Silva.
Por isso, mais uma vez o PSD procura, através da alteração das regras de jogo eleitoral, poder perspectivar um controlo do órgão de soberania Presidente da República, utilizando, naturalmente, as especiais condições das eleições realizadas fora do território nacional. Não pretende, de facto, promover os direitos dos emigrantes, pretende apenas utilizar estas circunstâncias a seu favor, para conseguir a possibilidade de controlar o órgão de soberania Presidente da República.
E isto, enfim, tem sido dito.
Em 1989, foi dito e redito aqui pelo Srs. Deputados Almeida Santos e Jorge Lacão, com muito bons argumentos, aliás contundentes, e com vastos recursos ao Direito Comparado relativamente à inadmissibilidade, em nome da genuinidade democrática das eleições e de outros princípios pertinentes, e também pelo Sr. Deputado José Magalhães, que eu aqui não utilizo. Normalmente, costumamos utilizar as afirmações do Sr. Deputado José Magalhães, nessa altura, em contradição com o PS, mas, embora o Sr. Deputado José Magalhães, como se sabe, nessa altura representasse o PCP, havia uma grande coincidência de opiniões com o Partido Socialista nesta matéria.
Na legislatura anterior, em 1992, o Sr. Deputado Caio Roque, do Partido Socialista, fez uma intervenção no Plenário da Assembleia da República muito contundente contra os termos em que é realizado o recenseamento eleitoral no estrangeiro.
Em 1994, o actual Ministro Alberto Costa, fez também uma intervenção fundamentadíssima contra o direito de voto dos emigrantes nas presidenciais.
Posto isto, Sr. Presidente, passo à ponderação de alguns problemas que, no nosso entender, não devem deixar de ser ponderados, dizendo que isto não é novo e que quem acompanhou as várias discussões conhece esta questão.
Em primeiro lugar, importa não esquecer que a lei da nacionalidade portuguesa se rege pelo princípio do jus sanguinis, o que significa que, pela aplicação deste princípio, a comunidade portuguesa no estrangeiro se compõe, segundo os últimos dados oficiais, de 4,7 milhões de cidadãos (passa os 4,7 milhões de cidadãos), nas situações mais diversas, o que inclui cidadãos que têm, de facto, alguma ligação com a comunidade nacional estabelecida pelas mais diversas formas, mas inclui também cidadãos que, provavelmente, não sabem indicar Portugal no mapa, que não sabem falar português, e incluirá largas dezenas de milhares de cidadãos residentes em Macau que têm nacionalidade portuguesa mas que não falam português - enfim, incluirá as situações mais diversas. Portanto, atribui-se potencialmente a todos estes cidadãos, a estes 4,7 milhões de cidadãos a possibilidade de virem a votar nas eleições presidenciais. E há, obviamente, situações de dupla nacionalidade, haverá centenas de milhares, para não dizer milhões, de cidadãos que têm a dupla nacionalidade. Há, aliás, uma questão pertinente, que é suscitada no referido discurso do Sr. Deputado Alberto Costa, na altura Deputado, que é o facto de haver cidadãos que, provavelmente,

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votam noutros países na eleição de chefe de Estado. Será perfeitamente concebível, se a proposta dos Srs. Deputados for aprovada, que um cidadão que exerceu o seu direito de voto nos Estados Unidos da América, nas eleições presidenciais, e que, portanto, elegeu o Comandante Supremo das Forças Armadas, nos Estados Unidos, tenha também direito de voto na eleição do Presidente da República, em Portugal, o qual, nesse domínio, tem funções similares, embora constitucionalmente possam não ser idênticas. Portanto, haverá cidadãos que vão votar em vários países.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, peço-lhe que tenha atenção ao tempo.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, terei atenção, mas pedia também alguma atenção à importância da matéria em discussão.
Uma segunda questão diz respeito à genuinidade democrática das eleições.
Efectivamente, há um princípio, dir-se-ia fundamental no nosso ordenamento, que é o princípio da igualdade dos vários candidatos, que não pode ser minimamente garantido no caso da participação dos emigrantes.
Ninguém garante, por exemplo, que o candidato presidencial comunista tenha possibilidade de fazer campanha livremente nos Estados Unidos da América (isto apenas para dar um exemplo), país onde há muitos emigrantes portugueses.
Não está minimamente assegurada, em tempos de campanha eleitoral, a igualdade das várias candidaturas, do contacto com os eleitores, da possibilidade da distribuição das suas mensagens eleitorais, nem há possibilidade alguma de os tribunais portugueses poderem assegurar essas condições de igualdade. Como é que um tribunal português pode assegurar que, num qualquer país do mundo, os candidatos presidenciais às eleições presidenciais, em Portugal, têm, de facto, asseguradas as condições de igualdade das suas candidaturas?…
Um terceiro aspecto, que não posso deixar de referir, diz respeito às condições em que é feito o recenseamento eleitoral. E aqui, vão-me desculpar, mas não resisto a citar, embora muito brevemente, o que o Sr. Deputado Caio Roque, do Partido Socialista, dizia, em 1992, no Plenário da Assembleia da República, relativamente ao recenseamento: "Temos conhecimento de que as comissões de recenseamento não funcionam e que todo o processo é realizado segundo a vontade do seu próprio presidente ou dos funcionários consulares. Alguns têm tido a coragem de denunciar as irregularidades cometidas, o que saudamos.".

O Sr. José Magalhães (PS): * Isso era no cavaquismo! No mais negro cavaquismo! Não havia Secretário de Estado José Lello!

O Sr. António Filipe (PCP): * E o Sr. Deputado Caio Roque pergunta: "Não temos nós conhecimento de que têm sido fornecidos passaportes a cidadãos que nem sequer possuem bilhete de identidade de nacionalidade portuguesa, só com o objectivo de recenseá-los para se conseguirem mais votos? Não temos nós todos conhecimento de que até em campos de futebol se tem efectuado o recenseamento dos emigrantes?".
E concluiria assim: "(…) o que acabei de referir é suficiente para chegarmos à conclusão de que continuam a não estar garantidas as condições mínimas exigidas para a democraticidade e fiscalização do acto nobre, que é o recenseamento eleitoral no estrangeiro".
E, depois, refere ainda uma questão mais grave, que é a do envio dos votos por correspondência.

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas a lei foi alterada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, já concluiu?

O Sr. António Filipe (PCP): * Vou concluir, Sr. Presidente.
Efectivamente, ninguém ignora que tem sido dito muitas vezes que é o Governo que decide quais são os postos de recenseamento (aliás, são os consulados portugueses que têm o dever de sensibilização para o recenseamento) e também ninguém ignora que o PSD nunca deixou de associar esta questão do voto dos emigrantes nas presidenciais à alteração da lei do recenseamento.
Portanto, estamos absolutamente certos de que o PSD, mais uma vez, não deixará os seus créditos por mãos alheias e que, a ser aprovada uma norma desta natureza, a segunda etapa será a alteração das regras do recenseamento para permitir que sejam, de facto, arregimentados os votos de que o PSD precisa.

O Sr. José Magalhães (PS): * O PSD está no poder? Estamos em 1997 ou em 1993?!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, peço-lhe que considere o meu apelo para que termine, porque o seu tempo já está esgotado.

O Sr. António Filipe (PCP): * Vou abreviar, Sr. Presidente.
Mas há uma questão que também não posso deixar de referir que diz respeito à natureza particular das eleições presidenciais.
É evidente que tudo o que acabei de dizer em relação ao recenseamento eleitoral é válido também para as eleições da Assembleia da República, mas a questão é que o direito de participação dos emigrantes nas eleições para a Assembleia da República tem um carácter mais limitado, não é decisivo para o resultado final, isto é, pode ganhar-se na emigração, podem eleger-se os quatro Deputados da emigração, mas não é possível dizer que são os emigrantes que decidem o resultado das eleições para a Assembleia da República.
Faz todo o sentido que os emigrantes possam dizer os "seus" representantes para a Assembleia da República - e refiro, particularmente, que o governo deve ter uma política para a emigração, que não tem tido, mas deve ter -, pois estes também respondem perante aqueles.
Agora, o que acontece em relação às eleições presidenciais, que são decididas por um único voto, é que esse voto pode perfeitamente ser de um cidadão que nem saiba apontar Portugal no mapa, ou de um chinês com nacionalidade

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portuguesa obtida em Macau, e isso põe gravemente em causa a genuinidade democrática das eleições.
Relativamente aos partidos políticos concorrentes às eleições para a Assembleia da República, há uma relação de estabilidade, isto é, haverá um vínculo ideológico ou, melhor, será possível a um cidadão que viva no estrangeiro ter um discernimento mínimo das diferenças essenciais entre os vários partidos concorrentes.
Relativamente às eleições presidenciais, elas são disputadas por cidadãos individuais, que podem candidatar-se a 90 dias das eleições, pelo que não haverá um mínimo de condições para que esses cidadãos possam fazer-se conhecer junto dos emigrantes. Aliás, este argumento não é meu, foi utilizado pelo Dr. Almeida Santos na Revisão Constitucional de 1989.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Não havia RTPi!

O Sr. António Filipe (PCP): * Uma outra questão diz respeito à capacidade eleitoral passiva, na medida em que passará a ser admitida a candidatura de milionários texanos, que tenham a nacionalidade portuguesa e que possuam meios financeiros para suportar a sua campanha eleitoral.
Terminaria, Sr. Presidente, chamando a atenção para os prazos da realização da segunda volta.
Srs. Deputados, como se sabe, os votos por correspondência são enviados pelo correio até ao dia da eleição, o que faz com que a contagem seja no décimo dia posterior à eleição. Gostaria, então, que os Srs. Deputados me explicassem como é que se realiza a segunda volta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Alteram-se os prazos!

O Sr. António Filipe (PCP): * Finalmente, creio que não vale a pena esgrimir o Direito Comparado nesta matéria.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Com os votos dos emigrantes deixa de haver segunda volta!

O Sr. António Filipe (PCP): * Dispensar-me-ia de desenvolver as lições de Direito Comparado, nesta matéria - aliás, os Srs. Deputados do Partido Socialista têm-se encarregado de o fazer ao longo dos anos -, para dizer apenas o seguinte: na esmagadora maioria dos países da União Europeia, não se coloca o problema da eleição directa do chefe do Estado, quer porque alguns são monarquias quer porque noutros essa eleição é indirecta, que é o caso da Alemanha ou da Itália. E onde isso não acontece, verificamos que ou, como na Irlanda, não é admitido o voto dos emigrantes nas eleições presidenciais ou, como em França, não se adopta o princípio do jus sanguinis (a França admite o voto dos emigrantes, mas não adopta o jus sanguinis, pelo que tem uma comunidade emigrante muito reduzida, não tendo o fenómeno que aí ocorre comparação alguma com o que ocorre em Portugal).
De qualquer forma, gostaria de dizer que, mesmo nas eleições para as assembleias parlamentares, são muito excepcionais os países que admitem o voto dos emigrantes. Portugal já é um dos países mais generosos, mesmo ao nível das eleições…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portugal está na vanguarda.

O Sr. António Filipe (PCP): * Portugal está na vanguarda, em matéria de aceitação.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, vai terminar de imediato, sob pena de ter de retirar-lhe a palavra.

O Sr. António Filipe (PCP): * Vou terminar apenas com uma referência…

O Sr. Presidente: * Mas termina mesmo, Sr. Deputado António Filipe!

O Sr. António Filipe (PCP): * Termino, Sr. Presidente.
Termino com uma referência, que não cito, mas refiro o facto de a intervenção, feita em 1994, pelo Sr. Deputado Alberto Costa, chamar a atenção para o facto de a jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem não considerar que haja qualquer violação da Convenção Europeia, ao não ser admitido o direito de voto dos emigrantes.
A última frase que quero dizer, neste momento, Sr. Presidente, é que aquilo que está em causa - e chamaria a atenção para isto - é a possibilidade de um Presidente da República poder ser eleito contra a vontade dos cidadãos portugueses residentes em Portugal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa! Essa é mesmo notável!

O Sr. António Filipe (PCP): * E chamo atenção para…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, essa era a última frase!

O Sr. António Filipe (PCP): * E chamo atenção para as consequências imprevisíveis, no plano do regime democrático, que podem ocorrer, caso o Presidente da República seja eleito contra a vontade dos cidadãos portugueses residentes.
Gostaria que isto fosse também matéria de reflexão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O grave é que foi assim durante 20 anos!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, peço-lhe que, da próxima vez, seja mais parcimonioso e leve mais em consideração o apelo da mesa, por uma razão de igualdade no processo de intervenção dos Srs. Deputados.

O Sr. António Filipe (PCP): * Mas eu não ponho em causa a igualdade de os Srs. Deputados poderem pronunciar-se, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Não é a si ainda que incumbe dirigir os trabalhos, Sr. Deputado; quando for, terá o seu critério.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, a quem peço que se cinja ao essencial.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * O Sr. Deputado António Filipe, atento à natureza da matéria, decidiu dar a volta ao mundo, em diáspora.

O Sr. António Filipe (PCP): * Mas… "ainda não chegámos à Madeira", Sr. Deputado…!

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Parece-me bem que não, porque se tivesse lá passado não teria feito as afirmações que fez sobre o voto dos emigrantes!
Aliás, quero dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe,…

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, é uma intervenção para todos os Srs. Deputados!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É para todos os Srs. Deputados, mas, em particular, quero dizer ao Sr. Deputado António Filipe que estava a ouvi-lo e a lembrar-me da explicação que, a propósito da questão da eleição do Presidente da República, tenho dado a vários emigrantes, que me têm abordado e feito esta pergunta: "Por que é que a Assembleia da República não aprova a solução de podermos votar na eleição para o Presidente da República?" Ora, a explicação que dou tem a ver com o que o Sr. Deputado António Filipe esteve aqui a dizer: "Sabe, é que na revisão constitucional são precisos dois terços e a esquerda, Partido Socialista e Partido Comunista, estão contra essa solução." E, durante anos, disse isto, que era a verdade, como o Sr. Deputado aqui confirmou, citando até textos de alguns Deputados socialistas sobre esta matéria.
Agora, porém, posso, felizmente, dizer aos emigrantes que conseguimos uma vitória, conseguimos que o partido que forma connosco a maioria de dois terços percebesse que a Nação portuguesa, mais do que território, tem um elemento humano característico e fundamental. É a cidadania dos portugueses que está em causa na solução que estamos aqui a consagrar.
E quero dizer que esta foi, e é, uma das questões que me são particularmente sensíveis em matéria de revisão constitucional. Em todos os processos de revisão em que intervim, apresentei propostas no sentido de se consagrar o direito de voto aos emigrantes para a eleição do Presidente da República,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é inquestionável!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … e naturalmente que fico satisfeito quando vejo que foi possível o consenso entre o PS e o PSD para consagrar este ponto.
Este registo é tanto mais agradável quanto era extremamente chocante verificar que, por via de convenções internacionais e de acordos bilaterais, aos poucos e poucos, íamos - e bem! - concedendo o direito não apenas de votar mas até de ser eleito para determinados cargos e funções a cidadãos estrangeiros, enquanto continuávamos persistentemente a impedir a conferência do direito de voto para a eleição do Presidente da República, para eleição do mais alto magistrado da Nação, a cidadãos portugueses, tão portugueses como nós e que, a mais do que nós, tinham tido o sacrifício de ir para longe para poderem sobreviver.
Realmente, era chocante que tivéssemos dos emigrantes a visão meramente económica, ou seja, a visão das remessas para Portugal e não a visão da participação política, da participação democrática.
Finalmente que o conseguimos! Mas a verdade é que estão aqui propostas sobre a mesa, designadamente, e com o devido respeito, a proposta do Srs. Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro, que revelam bem que é um tanto contrariadamente que esta situação é aceite.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Ainda bem que fala nisso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Porque a proposta de impor aos emigrantes o voto presencial é uma proposta, de grau menor, bem entendido, mas ainda é uma proposta restritiva do direito dos emigrantes ou do direito de voto dos emigrantes. E os argumentos que foram aqui colocados de confundir o carácter secreto e pessoal do voto com o voto presidencial, que são coisas, como toda a gente sabe, completamente distintas, é uma forma de restringir o exercício do direito de voto.
Srs. Deputados, hoje há mecanismos, que não apenas o do voto presencial, que asseguram a genuinidade do voto. Vamos ser claros: se o problema é a genuinidade do voto, ela não se garante exclusivamente por via do voto presencial, e há vários países que garantem o voto dos seus emigrantes, dos seus nacionais residentes no estrangeiro, com mecanismos que são genuínos, mas não, necessariamente, o do voto presencial. Aliás, entendemos que essa preocupação é legítima, mas apenas quanto aos cidadãos residentes no território nacional.
Não há que, em sede constitucional, impor, desde já, uma restrição, uma orientação ou uma diminuição relativamente aos vários leques possíveis de participação - genuína, repito - na eleição para o Presidente da República. E aquilo que resulta do acordo do PS com o PSD é, efectivamente, remeter para a lei, que não é uma lei qualquer, é uma lei que exige uma votação de dois terços e que, portanto, exige uma ponderação particular. E seria absolutamente aberrante que, em sede constitucional, prevista que está uma lei desta natureza, se espartilhassem, desde já, as várias alternativas possíveis de voto dos emigrantes, com a flexibilidade necessária às várias soluções que têm sido ensaiadas com êxito em relação a outras comunidades e que já temos também ensaiado em relação a outras eleições.
Vamos, com certeza, nessa sede, não com o espartilho que a proposta do Sr. Deputado Alberto Martins aqui pretende pôr ou impor por via constitucional, dar expressão adequada aos mecanismos para que esse voto se exerça com as preocupações de genuinidade que são de todos nós e sem os receios que o Sr. Deputado António Filipe…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Fantasmas!

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * … e sem os fantasmas que o Sr. Deputado António Filipe aqui pôs…

O Sr. António Filipe (PCP): - O problema é dos fantasmas que votam!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * … de sermos desalojados do exercício democrático dos nossos direitos pelos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, sobre o problema do voto do emigrante dispenso-me de fazer comentários, porque é evidente que a maior parte, senão a totalidade, das críticas feitas pelo Sr. Deputado António Filipe são meramente sobre as leis ordinárias de execução de um princípio constitucional.
Estou de acordo que deve haver um recenseamento límpido, estou de acordo que deve haver um voto genuíno, mas, desculpar-me-á, isso nada tem a ver com o princípio constitucional que consagra o voto indirecto. Salvo o devido respeito, toda a sua argumentação passa ao lado.

O Sr. António Filipe (PCP): * Mas foi em revisões constitucionais que elas foram ditas!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Mas nada tenho a ver com isso! Sou Deputado constituinte, como todos os outros que me antecederam, e tenho o direito de pensar pela minha cabeça. Estamos aqui para isso, portanto, não me leve a mal. Todas as citações que fez não são relevantes, do meu ponto de vista.
Quanto à questão concreta da proposta que assinei com o Sr. Deputado Alberto Martins, devo dizer o seguinte: parece-me que é a que traduz melhor e com maior fidelidade o acordo político celebrado entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata.
O n.º 1 da nossa proposta para o artigo 124.º trata do universo de votantes, e o acordo que os dois partidos fizeram é o de que a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional é uma condição sine qua non para que se possa votar para a Presidência da República. Portanto, o texto do n.º 1 da nossa proposta é que traduz com total fidelidade o acordo político celebrado entre os dois partidos.
Quanto à questão do voto é muito simples: a argumentação Sr. Deputado Guilherme Silva, salvo o devido respeito, do meu ponto de vista, passa totalmente ao lado também. Por que é que não propuseram que o direito de voto fosse exercido também, não necessariamente, presencialmente no território nacional? Desculpe, não tem sentido! Ou o voto é presencial e se reconhece que é essa a condição fundamental para que haja um voto directo, secreto e universal, todas as características fundamentais do voto em democracia, ou, então - desculpe que lhe diga -, nessa altura não se diz nada; diz-se apenas que votarão nas condições do n.º 1 e, a partir daí, o voto é feito nas condições normais da lei ordinária. Agora, dizer que o direito de voto é exercido presencialmente no território nacional…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É o que está hoje!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Está bem! E não estamos a rever a Constituição?! Estamos a rever a Constituição!
Portanto, a contrario, o que aqui querem dizer é que poderá não ser presencialmente. Portanto, há aqui, desde logo, uma desigualdade real entre quem vota no território nacional e quem não vota no território nacional. Desculpem-me, não me levem a mal, mas não vejo por que razão é que quem vota no território nacional há-de votar de forma diversa de quem vota fora do território nacional.
E mais: as críticas que me poderiam fazer seriam as críticas que o Sr. Deputado António Filipe, há pouco, fez, ou seja, seria o problema prático do voto presencial fora do território nacional. Mas sabem que não há problemas práticos, porque uma urna fechada e fiscalizada não tem de estar necessariamente no Consulado, pode estar na rua tal, no número tal, ou na associação tal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se calhar é isso que a lei vai consagrar.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Posso estar de acordo! Votei n vezes em clubes desportivos! Havia bons representantes das respectivas candidaturas, a urna era fechada e devidamente fiscalizada.
O que advogamos, eu e o Sr. Deputado Alberto Martins, é muito simples: o voto em urna fechada e fiscalizada. Ou seja: o princípio é o mesmo para um cidadão que vota em território nacional e para um cidadão português que vota fora do território nacional.
Portanto, não há aqui qualquer reserva mental, ao contrário, suponho é que poderá haver - e seria mau que assim fosse - reserva mental de quem diz que o direito de voto é exercido presencialmente no território nacional, porque não há razão para estar lá "no território nacional". O voto tem de ser sempre exercido da mesma forma e sempre com a mesma garantia, nem mais nem menos!!
E se o Sr. Deputado Guilherme Silva diz que há meios e há mecanismos para assegurar…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Claro que há!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Então, se há, desculpem, mas cortem o n.º 2 do artigo 124.º, porque não está cá a fazer nada!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Essa agora! E o no n.º 3?!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Desculpe, mas não está! Então, ponham só que o direito terá de ser genuíno e tal, aquilo que acabou de dizer.
Portanto, sinceramente, não nos parece que traduza com fidelidade o espírito do acordo celebrado entre os dois partidos. Nós arrogamo-nos o direito de defender que a nossa proposta é mais genuína, é mais fiel.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, é para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro e para uma interpelação à mesa, porque não temos ainda a proposta apresentada pelo PS e pelo PSD. Não sei se já foi distribuída ou não.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei-lhe a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, ainda não tinha chegado a proposta, mas acabou de chegar.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Strecht Ribeiro o que é que ele considera que são laços de efectiva ligação à comunidade nacional suficientes, porque a proposta que aqui nos faz remete para a lei ordinária que ela própria admita o recenseamento em função da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional. Isto é: faz-se aqui uma remissão, que é uma remissão em branco ou, então, o Sr. Deputado deve explicar o que entende por laços de efectiva ligação à comunidade nacional, e é importante, já agora, que faça uma proposta para considerar essa explicação, porque, caso contrário, trata-se, de facto, de um "cheque em branco".
O que é que o Sr. Deputado considera que são laços de efectiva ligação e que garantia é que tem de que o legislador ordinário vai considerar esses laços e não outros, eventualmente, mais deslaçados.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, direi apenas duas coisas simples: deve ter-se dado conta…
Já agora, desculpem-me um reparo…

O Sr. Presidente: - É para o Sr. Deputado António Filipe!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Mas trata-se de um reparo que vem a "talhe de foice": é que a questão da lei dos dois terços é só quanto ao universo dos votantes, não é quanto às condições de exercício do voto!

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A lei regula o exercício do voto!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Não, não! Desculpe, mas não! A lei dos dois terços é sobre o universo, sobre quem é votante. Para regular a forma de votar, salvo o devido respeito, não se exige dois terços. E isto vem "a talhe de foice" para responder ao Sr. Deputado Jorge Neto.
É que a garantia é dada, desde logo, pelo facto de esse universo ser regulado por uma lei com valor reforçado. Essa é, desde logo, a primeira garantia. É a natureza da lei que há-de ditar o universo.
Depois, a língua portuguesa não é assim uma coisa tão estranha que não se perceba o que é um efectivo laço, uma efectiva ligação, à comunidade nacional. E os exemplos que deu são exactamente os exemplos da não efectiva ligação à comunidade nacional.

O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Ou seja: esses não poderão, face a este princípio constitucional, votar.
Portanto, o tal texano, que mal sabe português, que é, eventualmente, senador pelo Texas, é, manifestamente, um não votante para o Presidente da República em Portugal. Também os macaístas, os cidadãos chineses com passaporte português, manifestamente não falam português e, portanto, não deverão ser contados como tendo efectiva ligação à comunidade nacional.
Por isso, os exemplos que deu não são exemplos, porque, manifestamente, estão todos fora do universo da efectiva ligação à comunidade nacional.

O Sr. António Filipe (PCP): * Não é isso que vejo aqui!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Portanto, a contrario senso, já vê o que é que entendo que corresponde a uma efectiva ligação.
Sr. Deputado António Filipe, deixe-me só perguntar-lhe o seguinte: o senhor não é sensível ao facto de o País em que habita não ser capaz de assegurar condições mínimas de dignidade e de vida aos seus próprios cidadãos e, depois, ainda por cima, farisaicamente retirá-los da possibilidade de constituírem um colégio eleitoral para a eleição do seu Presidente? Não me leve a mal, mas é um bocado difícil de aceitar a sua argumentação.
O Sr. Deputado reconhece que o País é madrasto e, depois, retira, sem mais, a um cidadão que teve de emigrar para levar uma vida minimamente digna a possibilidade de também ter uma palavra a dizer na comunidade em que, naturalmente, estaria inserido. Portanto, se ele mantiver uma real ligação a este país e tiver interesse no seu futuro, como é que o senhor vai excluí-lo de votar? Sinceramente, não percebo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, Srs. Deputados, como é sabido, o alargamento do direito de voto aos emigrantes sempre foi uma proposta do CDS-PP em sede de revisão constitucional.
Entendemos que a nossa proposta responde, de alguma maneira, a algumas das questões suscitadas neste debate, ou seja, ao não evoluirmos, por exemplo, no sentido de descrever mais profundamente a fórmula de votação, evitamos algumas das questões que aqui foram colocadas.
Aquilo que queremos aqui referenciar é que, do nosso ponto de vista, o Presidente da República é, na verdade, o órgão de soberania que assume de uma maneira mais visível a representação nacional e que tem também como uma das suas funções principais a agregação das comunidades portuguesas, por isso, para nós, não tem cabimento - sempre o dissemos - que os emigrantes sejam excluídos dessa votação.

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Independentemente de quem está entre os partidos que apresentam esta proposta para o artigo 138.º e de quem recuou mais ou de quem recuou menos, aquilo que nos parece é que podemos não ir tão longe quanto gostaríamos ou quanto deveríamos ir e que a indefinição e a indeterminação deste conceito de laços de efectiva ligação pode ser restritiva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esperemos que não!

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * De qualquer maneira, esperamos que tal não aconteça e que, ao tentarmos evitar a discriminação entre "portugueses de 1.ª" e "portugueses de 2.ª", não venhamos a criar uma discriminação entre "emigrantes de 1.ª" e "emigrantes de 2.ª"...!
Resumindo, somos sensíveis a esta melhoria substancial que, certamente, iremos introduzir na Constituição, mas tememos que, eventualmente, não se vá tão longe quanto gostaríamos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, contamos com o vosso contributo para nos ajudarem a definir bem o que é que são laços especiais.

O Sr. Presidente: * Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, o meu ponto de partida não é propriamente a preocupação e a reflexão em torno da fidelidade ou não a acordos de princípio estabelecidos entre partes, porque não subscrevemos esses acordos, nem é essa a nossa preocupação.
Julgo que, estando nós a falar das eleições presidenciais, a nossa preocupação é tão-só - e julgo que assim deve ser - saber como é que este acto eleitoral não deve dividir portugueses em "votantes de 1.ª" e "votantes de 2.ª" nem os actos eleitorais em "actos eleitorais de 1.ª" e "actos eleitorais de 2.ª", porque qualquer acto eleitoral tem de garantir, do nosso ponto de vista, iguais condições para o seu exercício e condições que permitam efectivamente que ele seja correctamente exercido.
Julgo que há aqui um equívoco, que é cíclico, na abordagem desta questão, que é uma pertença divisão entre aqueles que se preocupam com a comunidade de emigrantes e aqueles que o não fazem quando colocam reservas ao modo como, na prática, se faz o exercício de voto dos emigrantes para o Presidente da República, neste caso. Parece-me que esta é uma questão que devia ser desligada desta discussão, porque em nada contribui para o esclarecimento do problema.
Não é por aqui que se pode avaliar ou medir a importância que Portugal dá aos seus emigrantes. Porventura, poder-se-ia fazer essa avaliação bem melhor e de forma mais útil se se discutisse em que termos é que o Estado português se preocupa com a sua comunidade de emigrantes espalhada pelo mundo e como é que o Estado português se preocupa em apoiar essa comunidade e em divulgar, nesse universo de emigrantes, a língua portuguesa e a cultura. E, manifestamente, não me parece que o balanço a esse nível seja particularmente entusiasmante, quer hoje, quer no passado.
Portanto, julgo que são coisas que claramente não deviam ser misturadas nesta discussão.
Julgo, aliás, que existem outros países cujas comunidades de emigrantes são tão numerosas ou mais do que a nossa, como é o caso da Irlanda, que tem uma comunidade de emigrantes superior à nossa, que não exerce o seu direito de voto para a eleição do Presidente da República e nem por isso é uma comunidade subestimada pelos irlandeses, como se poderia concluir por haver reservas, e Os Verdes têm reservas à alteração que se propõe para este artigo.
Há questões que gostaríamos de ver esclarecidas e que são efectivos entraves para a importância deste acto eleitoral, como a de qualquer outro, para a sua isenção e para a garantia de que ele se exerce em condições de transparência, de liberdade e de modo secreto, como é fundamental, e de que não vai propiciar chapeladas, porque é disso que se trata, se se não garantirem estas condições. Se no texto do acordo celebrado pelo PS e pelo PSD elas não estão claramente asseguradas, a própria versão alternativa apresentada suscita-me algumas dúvidas.
Desde logo, em relação ao n.º 1 do texto apresentado pelos Srs. Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro, suscita-me dúvidas o modo como a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional pode ser avaliada. É que, numa matéria como esta, parece-me que é manifestamente inquietante que se deixe em aberto o que são esses laços e como é que essa avaliação pode ser feita. Sinceramente tenho dúvidas sobre como é que a fiscalização pode ser feita nos consulados e com que rede de consulados. Julgo que há um conjunto de questões práticas que, efectivamente, colocam sérios obstáculos a que o acto eleitoral se possa processar correctamente. Isto em relação ao voto presencial.
Alguém referia que há mudanças em termos do poder político, mas a mudança de pessoas, por si só, não implica coisíssima alguma, desde que os meios com que se funciona não se alterem. Portanto, não há alterações radicais que permitam de forma alguma que a questão se possa ultrapassar com garantia.
Depois, parece-me que é muito perigoso deixar na penumbra ou para a legislação ordinária a tradução daquilo que são os laços de efectiva ligação à comunidade nacional. Dada a existência de um vastíssimo número de emigrantes portugueses, muitos dos quais não dominam a língua portuguesa e não têm quaisquer laços de efectiva ligação à realidade nacional, parece-me que também é preocupante deixar uma matéria destas com tanta importância para um cenário qualquer a definir no futuro.
Eu diria que esta proposta, porventura menos negativa, não deixa de ter reservas importantes para nós. Trata-se de uma questão que, de modo algum, nos tranquiliza em relação ao exercício livre do direito de os cidadãos votarem para o Presidente da República.

O Sr. Presidente: * Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, esta segunda intervenção, para além de responder às questões agora suscitadas pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, deve-se basicamente à intervenção inicial do Sr. Deputado

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Guilherme Silva, que, contrariamente à sua argúcia habitual, desta vez não percebeu a proposta que apresentámos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * A sua preocupação é que eu tenha percebido demasiado a proposta!

O Sr. Alberto Martins (PS): * Estou preocupado com a sua não percepção e vou tentar dar-lhe elementos para que a sua inteligência, aliás reconhecida, possa, desta vez, identificar as questões fundamentais.
Há aspectos que são básicos e de que todos estamos conhecedores: a candidatura presidencial do Dr. Mário Soares admitia a hipótese do voto dos emigrantes, tal como a candidatura presidencial do Dr. Jorge Sampaio - e trata-se das últimas candidaturas -, o mesmo acontecendo com o programa eleitoral da nova maioria e com o projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Socialista. Portanto, entendamo-nos: a ideia do voto dos emigrantes é uma ideia cara ao Partido Socialista e com a qual todos estamos de acordo.
A grande questão que se nos coloca, e que se coloca a todos, é a questão do universo eleitoral. E a mim, devo dizer-lhe, a questão que se me coloca, estando de acordo com o espírito da solução que é desejada em termos de acordo, é uma garantia de maior genuinidade democrática. Não tenho a pretensão de ser mais democrata do que o senhor ou do que os meus colegas, mas tenho a pretensão de procurar aquela que me parece ser a solução mais genuinamente democrática. E, nesse sentido e modestamente, o nosso contributo para garantir a maior genuinidade democrática é dizer "em função da efectiva ligação à comunidade nacional".
A Sr.ª Deputada Isabel Castro pergunta o que é esta efectiva ligação à comunidade nacional e eu digo que isso vai ser definido em lei ordinária. A efectiva ligação não é, desde logo, ligação fluida, não são os 500 chineses que têm passaporte diplomático que têm voto, nem é uma pessoa que está remotamente articulada à comunidade portuguesa, mas já pode ser, por exemplo, alguém que tenha regularmente vindo a recensear-se todos os anos para garantir o seu direito de voto. Esse é, por exemplo, um aspecto que pode ser regulamentado na lei. A lei vai dizer qual é essa ligação à comunidade.
A outra questão é a da democraticidade do voto. Aliás, devo dizer - os Srs. Deputados lembrar-se-ão, porque todos devemos ter isso presente - que o artigo 288.º da Constituição define os limites materiais e diz que as leis de revisão constitucional devem respeitar, para os diversos órgãos de soberania, sejam eles quais forem, o sufrágio universal, directo e secreto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não tem de ser presencial!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado, há doutrina consistente, que o senhor conhece, que considera que o voto por procuração e por correspondência não é directo, secreto e universal.

Protestos do PSD.

Há boa doutrina e o Sr. Deputado fará bom proveito se a ler com atenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é boa, com certeza!

O Sr. Alberto Martins (PS): * Ah, conhece-a!?..., mas não a tomou na devida conta...!
Portanto, para nós a questão que se coloca é esta: garantia da genuinidade, garantia da democraticidade do voto, garantia da imparcialidade do voto e garantia da igualdade dos cidadãos. A questão que a todos nós se coloca é a de saber qual é a melhor solução para garantir isto, porque não há outra solução.
Aliás, pergunto o seguinte: quando se põe - e os meus colegas e camaradas põem isso - que o direito de voto no território nacional é exercido presencialmente, quererá isso dizer que o direito que é exercido fora ao território nacional é não presencialmente? Seria gravíssimo que quisessem dizer isso! Aliás, admitem que possa ser não presencialmente? Eu não admito, em termos de revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já vi que V. Ex.ª não admite!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Deputado Alberto Martins, creio que a sua intervenção reflecte a preocupação que temos relativamente ao voto por correspondência - creio que isso é inequívoco - e as possíveis perversões da genuinidade democrática do voto que daí poderiam decorrer. E, evidentemente, essa é uma preocupação da maior pertinência.
Mas a questão que coloco ao Sr. Deputado é se considera que a solução que encontra é uma solução satisfatória. Concretamente, pergunto-lhe o seguinte: em sua opinião, quais são as condições que um qualquer candidato à Presidência da República tem para fiscalizar as operações eleitorais dos consulados, por exemplo, em Banguecoque ou seja onde for?
De facto, estamos perfeitamente conscientes, como é óbvio - e eu referi-o há pouco -, das dificuldades incontornáveis que coloca o voto por correspondência; mas também não vemos que sejam contornáveis as dificuldades de fiscalização democrática das eleições colocadas pelo voto presencial nos consulados, nas "sete partidas do mundo".

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Deputado António Filipe, vou responder-lhe socorrendo-me até de uma lei que está em vigor, a Lei n.º 48/96, que foi votada, por unanimidade, nesta Câmara, sobre o Conselho das Comunidades Portuguesas e que define claramente as condições de fiscalização do escrutínio. Se é verdade que foi dito, até em polémica pública, que a participação neste debate eleitoral foi escassa, ninguém pôs em causa (ou quando o pôs, isso foi impugnado contenciosamente com eficácia) a natureza

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do controlo fiscalizador, definido na própria lei que o senhor votou, de forma a garantir que a fiscalização do acto eleitoral é assegurada por todos os candidatos das diversas candidaturas presentes a esse mesmo acto.

O Sr. António Filipe (PCP): * Mas são emigrantes os candidatos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, julgo que, chegada esta fase do debate, já está mais ou menos claro para todos que a introdução inicial do Sr. Deputado António Filipe - de certa forma longa e de alguma forma fastidiosa, porque reeditou, no essencial, aquilo que já tinha sido dito na primeira leitura - demonstra que já não está em causa o consenso quanto ao princípio, que é o princípio da participação eleitoral dos emigrantes. E, em última análise, a única coisa que estaria em causa seria a forma como esse voto se poderia expressar e qual o universo dos eleitores emigrantes que poderiam participar nesse sufrágio.
E o Sr. Deputado António Filipe, quando relembrou alguns dos argumentos que já tinha utilizado, não só na primeira leitura como em intervenções anteriores, colocou novamente a questão da pior forma. É porque continuo a recusar-me a ver este debate como um debate que divide a esquerda e a direita, segundo o qual a esquerda é contra o voto dos emigrantes e a direita é a favor dos votos dos emigrantes, pela única e simples razão de que, aritmeticamente, isso poderia resultar na vitória da direita nas eleições presidenciais.

O Sr. António Filipe (PCP): * Não é verdade!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Para além do que se poderia eventualmente dizer sobre essa divisão tão simplista, sobretudo em eleições presidenciais quando estão em causa pessoas e não partidos políticos, entre direita e esquerda, o Sr. Deputado António Filipe tem consciência de que a democracia implica sempre o voto de uns contra o voto de outros e de que na eleição presidencial, mesmo entre aqueles que residam no território nacional, haverá sempre 45%, 46%, 47% ou 48% dos cidadãos portugueses que foram derrotados nas eleições e que, nesse sentido, tiveram o seu voto sem expressão ou sem tradução concreta na designação do candidato presidencial.
Felizmente, nestas eleições presidenciais, não foi o meu caso, mas poderia ter sido, como já foi em anteriores eleições, e, não obstante, isso não retira mérito democrático à eleição, pelo que o argumento é descabido. E é tanto mais descabido que, quando vem trazer à colação o problema da capacidade eleitoral activa, ao mesmo tempo em que se está a discutir o problema da capacidade eleitoral passiva, juntando os dois problemas num só, esquece-se de que um milionário texano, sempre tem o direito de fixar residência no território português e de aqui se recensear e sempre tem o direito de ser candidato.
Aliás, lembro-me de ver um candidato presidencial, em mais do que uma eleição presidencial, que, ao tempo, residia nos Estados Unidos e que não se coibia de afirmar que a sua candidatura presidencial tinha como função principal apresentar-se, nomeadamente no exercício da sua profissão, nos Estados Unidos, como candidato presidencial em Portugal, o que lhe valia, aliás, grande crédito e grande publicidade, muito útil ao exercício da sua profissão (e não estou a dizer nada que ele próprio não tivesse afirmado num debate em que participou na Faculdade de Direito de Lisboa).
Portanto, também já tivemos um emigrante candidato a Presidente da República, sem grande ligação à comunidade nacional, pelo menos ao tempo em que foi candidato, o que não significa que não a tivesse tido anteriormente e que não pudesse voltar a tê-la.
A questão fundamental é a de saber qual é o critério que determina o universo eleitoral e qual é a forma em que se exprime esse voto, porque o problema do princípio, julgo, está ultrapassado e bem ultrapassado.
Agora, essa divergência, nomeadamente a que vem apresentada pelos Srs. Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro, é mais aparente do que real, sobretudo naquilo que diz respeito ao universo eleitoral. É porque, em rigor, as formulações alternativas não conduzem a resultados muito diferenciados, a começar pela circunstância de que a diferença que possa existir em termos jurídicos, em termos de grau de vinculação, entre a expressão "tendo em conta" ou "em função de" é, de facto, muito diminuta, sobretudo porque essa diferença é sempre esbatida pelo carácter indeterminado e vago do conceito "ligação à comunidade nacional". O que significa que, em qualquer das circunstâncias, a maior liberdade em ampliar ou restringir o universo eleitoral sempre estará na disponibilidade do legislador, quer ele "tenha em conta" essa ligação quer ele legisle "em função" dessa legislação.
Aliás, em certo sentido, até diria o contrário, ou seja, que é mais restritiva a formulação apresentada pelo Sr. Deputado Alberto Martins, sobretudo no sentido de que quando se diz que o legislador tem de ter em conta a efectiva ligação, significa que ele, para além de ter em conta a efectiva ligação, pode ter em conta outros factores, que, porventura, possam inclusive contribuir para a restrição do universo eleitoral.

O Sr. Presidente: * Qual é a formulação que considera mais restritiva, Sr. Deputado?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A do Sr. Deputado Alberto Martins!

O Sr. Alberto Martins (PS): * Nós dissemos "em função".

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em termos daquilo que permite…

O Sr. Alberto Martins (PS): * O "ter em conta" é outra formulação; nós dissemos "em função".

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É essa que julgo ser mais restritiva!

O Sr. Alberto Martins (PS): * O "em função"?!

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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente! É mais restritiva no sentido de que estabelece como único critério do legislador a efectiva ligação à comunidade nacional. Enquanto que a outra solução não restringe o legislador no sentido de que permite, porque também obriga que ele tenha em conta…
Não se venha dizer que quando se diz "tendo em conta a efectiva ligação à comunidade nacional" não se pode interpretar de forma alguma esta norma no sentido de que o legislador pode dispor de outra forma que não tenha em conta e que, portanto, não estabeleça como critério a efectiva ligação à comunidade nacional. Isto é, não vejo que, em termos de grau de vinculação, essa expressão seja fragilizadora, nesse sentido de permitir que o legislador possa, eventualmente, estabelecer como critério algo que não seja a efectiva ligação à comunidade nacional. Por outro lado, também não impõe esse critério como o único critério, pois permite que o legislador, inclusive, estabeleça outros critérios que tenham a ver, designadamente, com um outro problema, reflexo deste, que é o da forma como se exprime o voto e das condições de exercício do voto em igualdade e, sobretudo, em liberdade.
Nessa matéria, não vejo que o problema se possa resumir a saber se o voto é presencial ou se o voto não é presencial, porque a efectiva igualdade entre os eleitores e as garantias de que o escrutínio se processa em termos regulares não se esgota na questão de saber se o voto é presencial ou na questão de saber se o voto pode ou não ser formulado ou expresso por outras formas, designadamente por correspondência, que é, em alternativa, a fórmula mais previsível ou mais plausível que se pode encontrar.
Aliás, o Sr. Deputado António Filipe para contrariar a tese de aceitação do voto dos emigrantes, na prática, veio demonstrar quão irrelevante é a diferença entre o voto ser presencial ou o voto ser, eventualmente, por exemplo, por correspondência.
É que aquilo que efectivamente condiciona a liberdade dos eleitores e aquilo que efectivamente pode prejudicar a igualdade das candidaturas tem muito mais a ver com a liberdade de candidatura e de campanha eleitoral e, portanto, de propaganda eleitoral. Assim sendo, tem muito mais a ver com a forma como as várias candidaturas se podem ou não dar a conhecer nos vários territórios ou nos vários países onde os emigrantes eventualmente possam ter direito a voto. E tem, sobretudo, a ver com a liberdade de formação da vontade de cada eleitor e com a liberdade de expressão dessa vontade.
Ora, nessa matéria, não vejo que essa diferença seja assim tão grande, sobretudo sabendo como se sabe que, mesmo no território nacional e mesmo quando o voto é presencial, a liberdade nem sempre é a mesma para todos os eleitores e que as formas de condicionamento do eleitor de vária ordem podem surgir em vários momentos e das mais variadas formas, mesmo quando o voto é exercido presencialmente, para não falar naqueles casos em que ele é exercido presencialmente assistido por outrem, casos em que obviamente essa liberdade é ainda menor.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em qualquer caso, julgo que a divergência, em termos de resultado prático, isto é, daquilo que é o grau de vinculação do legislador e aquilo que é a substância do princípio que se pretende salvaguardar, não é tão grande como se possa pensar à partida entre as duas propostas alternativas que surgiram, subscritas nomeadamente por Deputados do Partido Socialista.
O resto é divergência quanto ao princípio, mas a divergência quanto ao princípio, julgo, já está resolvida.

O Sr. António Filipe (PCP): * Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, fui citado várias vezes directamente pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas poderei usar a figura do pedido de esclarecimento, se o Sr. Presidente entender como adequado.

O Sr. Presidente: * Já lhe darei a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Para que efeito, Sr. Deputado? Para pedir esclarecimentos ou para uma intervenção?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Então, tem, primeiro, a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, muito obrigado.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, recorro à figura do pedido de esclarecimento para corrigir algumas das afirmações que o Sr. Deputado fez e, sobretudo, uma. Não recorro ao direito de defesa da honra porque, naturalmente, não me sinto ofendido, mas quero dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado disse que, na minha intervenção, eu tinha referido o facto de o direito de voto dos emigrantes ser uma causa da direita portuguesa e é verdade que é, é verdade que tem sido. A única excepção, curiosamente, até à primeira leitura, foi o Sr. Deputado, que, sendo um homem que, creio, se afirma como de centro-direita, na primeira leitura, formulou aqui objecções…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não!

O Sr. António Filipe (PCP): * … e sérias críticas à consagração do direito de voto dos emigrantes nas presidenciais.
Portanto, o Sr. Deputado refere agora o consenso, nessa matéria, quanto ao princípio, mas creio que quanto a si, tanto quanto me lembro da primeira leitura, adquiriu-o posteriormente a essa primeira leitura, porque lembro-me de uma intervenção sua muito crítica a esse respeito.

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Mas o que me levou a pedir a palavra tem a ver com o facto de o Sr. Deputado atribuir a algum cálculo eleitoralista o facto de nós nos opormos à consagração do direito de voto dos emigrantes nas presidenciais.
Acusei a direita portuguesa de pretender utilizar o voto dos emigrantes nas presidenciais eleitoralisticamente a seu favor - acusei e reafirmo essa acusação.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Mas fica ofendido se nós o acusamos do contrário!

O Sr. António Filipe (PCP): * Do nosso ponto de vista, quero afirmar muito claramente que o que está em causa não são os emigrantes enquanto tal, nem qualquer hipotético resultado das eleições, mas, sim, argumentos, que creio muito razoáveis e pertinentes, que aqui referi há pouco e que têm vindo a ser referidos ao longo dos vários processos de revisão constitucional que temos vindo a efectuar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas mesmo assim vai votar a favor, não vai?

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, de facto, não me reclamo da esquerda e, portanto, sempre seria suspeito ao defender o princípio do voto dos emigrantes.
Mas quero dizer-lhe que está enganado quanto ao sentido da minha intervenção na primeira leitura, porque, na primeira leitura, apenas fiz uma intervenção crítica quanto à possibilidade de se considerar o voto irrestrito dos emigrantes e nunca quanto à possibilidade de se consagrar o voto dos emigrantes. Pelo contrário, até disse que me recusava a ver nesta discussão uma discussão que dividia a esquerda e a direita, recusava-me a aceitar que esse pudesse ser o argumento para rejeitar o princípio do voto dos emigrantes, e que o único argumento que aceitava para introduzir limitações ao voto dos emigrantes era o argumento de que nem todos os emigrantes se poderão expressar em condições de igualdade e em plena liberdade, como é suposto que os eleitores se pronunciem.
E só nesse sentido sou, e continuo a ser, crítico quanto ao facto de se poder eventualmente admitir, como o PSD e o CDS-PP, apesar tudo, admitiram nos respectivos projectos de revisão constitucional, o voto irrestrito dos emigrantes.
Quanto ao mais, quanto ao princípio em si mesmo, com certeza que, se ler as actas, não encontra lá qualquer intervenção crítica ao princípio; encontra, sim, uma intervenção crítica à ideia do voto irrestrito.

O Sr. Presidente: * Para uma intervenção (curta, certamente), tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Sr. Presidente, quero só dizer que a argumentação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é igual à do Sr. Deputado António Filipe - é fabuloso!

Risos.

É uma argumentação espectacular: é que pode haver batota, mesmo no voto mais figé, pelo que não há razão para que o voto seja garantido à partida. Ora, isto é uma coisa que me deixa realmente espantadíssimo, porque diz-se que, mesmo com o voto presencial, mesmo com a urna fechada, lacrada, e com os respectivos fiscais das respectivas listas concorrentes, mesmo assim, pode haver batota! Logo, é irrelevante que se diga que o voto é presencial. Esta é uma argumentação que me deixa perplexo.
Mas o mais espantoso é que o texto da proposta diz que, no território nacional, é presencial - nessa altura, mantenho a minha observação inicial. Então, se a questão não se coloca, por que é que está aqui? Risquem o número e deixem que a lei defina as condições em que o voto se exerce!
Se acham que, no território nacional, é presencial não é certamente porque o divino Espírito Santo iluminou o território nacional!… É porque sabem muito bem o que é que querem com isso: dizendo isso dessa forma, deixam, a contrario, a hipótese de que um voto, esse com condições menos rigorosas, menos genuínas, possa ser o dos emigrantes, o dos que não votam no território nacional. E aqui não há volta a dar-lhe, decorre da literalidade do próprio número. Portanto, dizer que é a mesma coisa, salvo o devido respeito, é totalmente insensato.
Quanto ao problema da expressão "em função de" ou "tendo em conta", enfim, um jurista mediano ou normal sabe muito bem o que significa dizer-se uma coisa ou outra. Isto tem técnica e não é por acidente que, ao redigir, se redige de uma forma ou de outra; não é porque apeteceu, por bizarria, porque estava bem disposto e resolver alterar o verbo tal pelo verbo tal. Não é, nunca é! E a condição sem a qual não pode haver (direito de voto), para nós, é claramente a da efectiva ligação. Isso marca manifestamente o universo, de uma forma inequívoca. Já o "ter em conta", é a tal história… ter em conta é ter em conta.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro fez "batota eleitoral", porque, em vez de me pedir esclarecimentos para me conceder o direito de resposta, fez uma intervenção autónoma. Por isso, faço-lhe eu, agora, um pedido de esclarecimento para lhe dar resposta.
É evidente que usei a argumentação do Sr. Deputado António Filipe para demonstrar que a diferença de garantia da genuinidade do voto, entre o voto presencial e o voto por correspondência, não é, de facto, muito grande pela simples razão de que as garantias não estão necessariamente na forma como se expressa o voto mas no modo como as candidaturas têm liberdade para desenvolver a sua campanha, no modo como os eleitores têm liberdade para formar o seu voto e na forma como é fiscalizável o voto que é manifestado presencialmente ou por correspondência, pela única e simples razão de que, se não houver fiscalização nenhuma, de nada me serve que se vote no Consulado de Brazaville, no meio de dois canhões e de três morteiros a dispararem de um lado para o outro, porque as garantias de democraticidade desse voto são, obviamente, mínimas

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ou diminutas. Portanto, nesse sentido, não vejo que a diferença esteja forçosamente aí.
Quanto à questão do universo e à de ser ou não mais restritiva a expressão "em função de", vou, então, fazer-lhe a seguinte pergunta: se um jurista mediano ou normal sabe tão bem a diferença entre uma coisa e outra, um jurista mediano ou normal também não utilizaria a expressão "em função de" para dizer algo que se poderia dizer que só concede os votos a quem tenha efectivos laços à comunidade nacional.
Portanto, a própria expressão "em função de" também introduz uma nuance que seria absolutamente desnecessária para quem quer garantir que só quando existem efectivos laços à comunidade nacional seja atribuído o direito de voto. Isto é, esta expressão, também do ponto de vista da técnica jurídica, é absolutamente desnecessária, porque, se se queria ser afirmativo e imperativo, o que se diria não seria seguramente que é "em função de", seria "os cidadãos que tenham efectiva ligação à comunidade nacional votam nas eleições presidenciais".

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado, está feita a pergunta.
O Sr. Deputado Strecht Ribeiro deseja responder?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * A resposta é muito simples e está no texto. Se se diz lá que no território nacional é presencial, não é certamente por acaso. E, então, eu é que lhe faço a pergunta: por que é que não há-de ser presencial fora do território nacional? Essa é que é a questão.
Aliás, ignorar que o voto por correspondência é um voto não necessariamente sigiloso é, no mínimo, ser-se ingénuo, é, no mínimo, não perceber que eu posso agenciar tranquilamente n votos por correspondência, se tiver alguma capacidade de liderança na comunidade em que estou inserido.
Portanto, não me leve a mal, mas o facto de haver outras condições para além da presencialidade não retira à presencialidade essa essencialidade. É que, quando me fala das outras condições, essas condições são evidentemente indispensáveis, isto é, se uma candidatura não tiver as mesmas condições de exercício, do meu ponto de vista, pode até impugnar o acto eleitoral.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, creio que este debate é extremamente importante e está a ajudar a precisar bem o alcance do que se pretende consagrar e do que, de maneira alguma, se pretende consagrar, nesta matéria.
E vou só abordar dois aspectos, pois, nesta fase do debate, só esses aspectos me parecem relevantes. Deixo, portanto, de lado as questões de carácter técnico, relacionadas com a possibilidade técnica da realização de uma segunda volta, com o impacto político e as elucubrações políticas em termos de correlação esquerda/direita/centro ou mesclas disso mesmo, em qualquer futura eleição presidencial. Vou, então, tocar duas questões, a do universo dos eleitores e a da genuinidade do voto.
Em primeiro lugar, este debate comprova muito claramente que sabemos bem que não podem votar todos. Aliás, a solução de voto total e irrestrito não ficou consagrada no acordo político de revisão constitucional e não tem suporte nem na letra nem no espírito do texto, que, tudo indica, virá a ser consagrado.
Portanto, quem vota? Primeiro, vota quem a Constituição disser que vota. E a Constituição, nesta normação que está em gestação, considerou que têm razões plausíveis para justificar o voto aqueles que, anos a fio, se inscreveram no recenseamento eleitoral e se mantiveram inscritos no recenseamento eleitoral. Foi essa a opção que, em sede constitucional, se tomou. Esses que, anos a fio, votaram, esses devem ser considerados como pertencendo, por direito próprio, ao corpo eleitoral. Essa é a opção directamente constitucional.
E, além desses cidadãos, quem pode votar? Votam aqueles que a lei disser, em função de determinados critérios, e a Constituição sublinha inequivocamente a importância da "efectiva ligação à comunidade nacional". Mas aí, Srs. Deputados, nessa matéria, muito se disse precisamente sobre quem não tem ligação - e não deixou de ser bizarro ver alegar que "quem não tem ligação não tem ligação"!... Como diria La Palice, quem não tem ligação não tem ligação!! O problema será aquele que tem a efectiva ligação (não é apenas ligação), mas essa tarefa ficará cometida ao legislador ordinário e será uma importante responsabilidade. Só que essa responsabilidade, Srs. Deputados, não será tomada por maioria simples, não será imputada à maioria de hoje do PS mas, sim, a uma maioria qualificada, e será, portanto, alargadamente assumida, porque ela seguramente vai excluir alguém, vai seguramente excluir pessoas.
A segunda nota que quero deixar é esta: este regime não é automaticamente exequível, não é um regime de enxurrada; é um regime medido e para executar, passo a passo, lei a lei. É por isso mesmo que não se define em relação ao modo de voto, que é uma condição importante da genuinidade do sufrágio, senão que esse modo de voto vai ser fixado pelo legislador. E reparem: vai ser fixado pelo legislador e tem de passar por uma lei (não é aplicável automaticamente a legislação em vigor para o voto dos residentes no estrangeiro na eleição para a Assembleia da República), pelo que essa lei definirá esse modo de voto. E temos o compromisso claro, em relação à elaboração dessa lei, de conceber um sistema que assegure a máxima genuinidade, a máxima segurança e a máxima veracidade do sufrágio exercido através desses cidadãos, tal como, aliás, já revimos a lei do recenseamento, mesmo num ciclo político anterior, no sentido de reforçar a genuinidade do sufrágio e obrigar a garantir que quem vota seja mesmo quem vota e não haja sufrágio de terceiros por, diria, osmose ou infiltração, ou seja, substituição apócrifa da vontade genuína e livre do cidadão residente no estrangeiro.
Esse não é voto secreto, esse, aliás, não é voto nenhum; isso é pura fraude eleitoral e não é isso que está nesta proposta, não é isso que está neste texto; é o contrário disso, é o voto genuíno.
Quanto à "higiene" do recenseamento, Srs. Deputados, quanto à honestidade da administração eleitoral, só não admitimos duas coisas: o processo de intenções grosseiro,

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a suspeição lançada sem nenhuma base. Mas temos consciência da responsabilidade que assumimos: é a responsabilidade de garantir a eficácia do recenseamento, a genuinidade do recenseamento e, diria, a equidade do recenseamento e o comportamento impecável da administração eleitoral. Mas nessa matéria, Srs. Deputados (e, em especial, alguns Srs. Deputados), esta bancada é inteiramente solidária com o Governo, na consideração de que daqui não partirá qualquer atentado contra a genuinidade do recenseamento e não admitimos, nessa matéria, qualquer processo de intenções.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.
Para uma intervenção, tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, pedi a palavra para um último apelo e vou socorrer-me de breves citações de afirmações já feitas nesta Casa.

O Sr. José Magalhães (PS): * Mais plágios!

O Sr. António Filipe (PCP): * Não são plágios, porque respeitarei integralmente os direitos de autor. E afirmo, desde já, que não vou citar nem o Sr. Deputado José Magalhães nem o Sr. Deputado Jorge Lacão, por muito profusas que sejam as suas afirmações, nesta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): * É uma antologia parcial!

O Sr. António Filipe (PCP): * Exactamente!

O Sr. Presidente: * Durante 3 minutos, pode citar quem lhe aprouver, Sr. Deputado!

O Sr. António Filipe (PCP): * O primeiro "clássico" que vou citar é o actual Ministro Alberto Costa, que, em 1994, fez várias afirmações a este respeito.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O "primeiro clássico" pensei que fosse o rato Mickey!

Risos.

O Sr. António Filipe (PCP): * Primeira citação: "Os residentes no estrangeiro que são hoje detentores de nacionalidade portuguesa são mais de 4 milhões e um número muito apreciável e crescente é também detentor de outra nacionalidade, estando ligado ao Estado de residência por elos tão relevantes como, para lá do pagamento de impostos, os deveres militares e o exercício de direitos políticos.
Os votos decisivos para a eleição do garante da independência nacional e Comandante Supremo das Forças Armadas poderiam provir de quem elege também os chefes políticos e militares dos países em que reside e está vinculado por deveres militares e fiscais a esses outros Estados.".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é a síndrome do Burundi.

O Sr. António Filipe (PCP): * Segunda citação, ainda do ex-Deputado Alberto Costa: "É um facto reconhecido que um Estado, um qualquer Estado, não está em condições de assegurar no exterior do seu território a liberdade de propaganda e a igualdade de tratamento das candidaturas, desde logo, porque os seus próprios tribunais não podem garantir a aplicação das leis respectivas fora do território nacional.".
Continuo a citar o ex-Deputado Alberto Costa: "Deve ainda dizer-se com frontalidade que num regime que assente no voto por correspondência é impossível assegurar o controlo do respeito pelos princípios democráticos do voto pessoal e do sigilo de voto.".
Última citação do ex-Deputado Alberto Costa: "Não há Estado, não há democracia na Europa que, de uma forma ou de outra, não acautele o impacto excessivo de impulsos eleitorais a partir do exterior do território sobre o sistema político como forma de assegurar a genuinidade dos processos, a autonomia e a independência, simbólica e efectiva, dos seus centros de decisão.".
Passo por cima de uma citação do Sr. Deputado Caio Roque que, referindo-se ao recenseamento, dizia: "(…) a questão mais grave, que é a que se passa com o envio....

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados…

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, assim não consigo prosseguir!

O Sr. Presidente: * Tem toda a razão, Sr. Deputado António Filipe.
Srs. Deputados, deixem o Sr. Deputado António Filipe concluir a sua intervenção. É um apelo que vos faço.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, compreendo os incómodos, mas, já agora, peço que respeitem os oradores.
Como eu estava a dizer, passo por cima de uma citação do Sr. Deputado Caio Roque que, referindo-se ao recenseamento, dizia: "(…) a questão mais grave, que é a que se passa com o envio dos votos por correspondência". E continuava: "Muitos dos votos, segundo denúncias que temos recebido, não chegam ao seu destinatário - ou são desviados, ou comprados,…" - seguido do aparte do PSD 'Comprados?…' - "… ou até mesmo oferecidos". E depois conclui: "A eleição do mais alto magistrado da Nação não pode estar sujeita a situações desta natureza". É esta a conclusão do Sr. Deputado Caio Roque.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Deputado, mande essa intervenção com um cartãozinho ao Secretário de Estado José Lello!

Risos.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, se me permite, vou recorrer a um último "clássico". E esse "clássico" é o Sr. Dr. Almeida Santos, que dizia o seguinte,…

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas quer citar o que ele diz em 1997?!

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O Sr. António Filipe (PCP): * … concluindo ainda sobre o voto por correspondência: "O voto por correspondência pode ser orquestrado. Anda cá, assina aqui".

Risos.

"Está descansado que meto isto dentro de um envelope. Surgiriam agências eleitorais para receber e emitir votos por correspondência. Tenho muito medo deste tipo de voto generalizado, e lá fora onde a fiscalização é muito mais difícil".
E continuo a citar o Sr. Dr. Almeida Santos: "Que vale mais: a injustiça face a cada eleitor ou a injustiça face à genuinidade democrática? Evidentemente que é injusto para emigrante que poderá objectar: então, sou português e não voto? Ando aqui a trabalhar fora do meu país e não posso votar e os que lá estão no quentinho é que votam?"

O Sr. José Magalhães (PS): - É difícil imitar…

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, deixe-me concluir!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que a imitação é má!

O Sr. António Filipe (PS): - Ó Sr. Deputado, a imitação é má, mas o texto é fidedigno!

O Sr. José Magalhães (PS): - O original é melhor!

O Sr. António Filipe (PCP): - O texto é fidedigno!

O Sr. José Magalhães (PS): - E ainda por cima está vivo e fala!

O Sr. António Filipe (PCP): - E conclui o Sr. Dr. Almeida Santos: "Mas, então, e a injustiça perante a democracia e os valores democráticos…"

O Sr. José Magalhães (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, faço um último apelo para que os Srs. Deputados me deixem terminar.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado António Filipe, ou consegue fazer a citação até ao fim…

O Sr. António Filipe (PCP): - Esta é a última citação!

O Sr. Presidente: - … ou renuncia…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao plágio!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queiram concorrer para que o Sr. Deputado António Filipe acabe de citar o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Terminava ele dizendo: "Mas, e, então, a injustiça perante a democracia e os valores democráticos? E a distorção desses valores? E o risco da verdade democrática?"
Desculpem-me se insisto - e aqui também faço meu este apelo -, e conclui assim: "Sem uma boa razão, que não vemos, não vamos mudar de posição. A nossa posição não é eleitoralista, mas é séria!".

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado António Filipe. O Sr. Deputado Almeida Santos também lhe agradecerá.
Srs. Deputados, vamos passar às votações.
Foram retiradas as propostas originárias referentes ao artigo 124.º constantes dos projectos do PSD, do PS, do Sr. Deputado Guilherme Silva e do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, pelo que das propostas originárias apenas temos para votar a matéria respeitante à proposta do CDS-PP.
Se não houver objecções em contrário, vamos votar em bloco a proposta do CDS-PP para o artigo 124.º

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e de Os Verdes e votos a favor do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses.
2 - Os cidadãos portugueses não residentes no território nacional exercerão o seu direito de voto em termos a definir pela lei.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, passar às propostas apresentadas em segunda leitura.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta n.º 137, de alteração ao artigo 124.º, apresentada pelo Srs. Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do PCP e do CDS-PP, votos a favor dos Deputados do PS Alberto Martins e Strecht Ribeiro e abstenções do PS e de Os Verdes.

Era a seguinte:

1 - O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que a lei admita a recenseamento em função da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
2 - O direito de voto é exercido presencialmente.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a mesa.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado, embora estejamos ainda numa fase intercalar de votações.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, é apenas para dar nota de que os subscritores se reservam o

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direito de apresentar a proposta em Plenário da Assembleia da República, se assim o entenderem.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta n.º 138, apresentada pelo PS e PSD, que altera o artigo 124.º e que adita também uma disposição transitória.
Pergunto, por isso, aos Srs. Deputados se alguém requer que a votação se faça em separado ou se poderemos votar ambas as disposições em bloco.

Pausa.

Como ninguém requer que a votação se faça em separado, faremos a votação em bloco das duas disposições.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP e de Os Verdes.

É a seguinte:

1 - O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, nos termos do número seguinte.
2 - A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
3 - O direito de voto no território nacional é exercido presencialmente.

Disposição transitória
(Eleição do Presidente da República)

Consideram-se inscritos no recenseamento eleitoral para a eleição do Presidente da República todos os cidadãos residentes no estrangeiro que se encontrem inscritos nos cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996, dependendo as inscrições posteriores da lei prevista no n.º 2 do artigo 124.º

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar às declarações de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em meu nome pessoal e em nome do Grupo Parlamentar do PSD, congratular-me pelo texto do artigo 124.º que acabámos de aprovar, que consagra o direito de voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República.
Foi, realmente, uma luta de muitos anos. Aliás, o Sr. Deputado António Filipe teve a boa lembrança de registar aqui aquela que foi a luta do PSD, durante tantos anos, para remover essa montanha que, em relação a essa matéria, se levantava aqui por parte do Partido Socialista e também do próprio PCP. Portanto, esta fórmula muito singela que aqui se apresentou agora como um direito adquirido com todo o consenso por parte do Partido Socialista não corresponde à verdade.
Apesar de constar nos seus textos e designadamente em programas eleitorais do Sr. Dr. Mário Soares enquanto candidato a Presidente da República, especialmente no âmbito da sua segunda candidatura, nada se fez no sentido de ser concretizado em revisões constitucionais anteriores. É bom que se lembre aqui essa circunstância.
Penso que mais importante do que as interpretações que aqui se quiseram deixar mais ou menos delineadas à volta deste texto é a sua efectiva consagração.
Quero também deixar aqui duas notas, a primeira das quais tem a ver com a insistente interpretação e posição do Sr. Deputado António Filipe relativamente às motivações que levaram, designadamente o PSD, a propor e a bater-se pela consagração deste direito constitucional. Quero dizer muito claramente que nunca nos passou minimamente pela cabeça saber o peso, em termos das várias opções eleitorais, que os votos dos emigrantes terão para a Presidência da República. Isso nunca nos preocupou minimamente. O que está em causa é o direito de votar e de escolher o Presidente da República, de harmonia com as opções livres que os emigrantes entenderem dever fazer face aos candidatos que em cada momento se apresentam. Esta é uma preocupação de cidadania e de democracia e não uma preocupação eleitoralista ou partidária. Quero deixar essa questão muito clara.
A segunda é que não há dúvida absolutamente alguma de que, quando aqui se consagra que o voto no território nacional deve ser presencial, temos a consciência de que essa é, obviamente, a forma mais genuína do exercício de direito de voto, mas também temos a consciência, por isso relegámos para a lei essa solução, de que o exercício desse direito de voto não pode ser dado com uma mão e tirado com a outra.
Esta é a denúncia clara que volto a fazer à proposta do Sr. Deputado Alberto Martins. Peço desculpa em insistir nesta questão - o Sr. Deputado Alberto Martins não vai levar a mal - …

O Sr. Alberto Martins (PS): * Não lhe vou levar a mal, mas vou responder-lhe!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * ..., mas parece-me que qualquer inteligência mediana, e a minha é mediana, não deixa de perceber que impor constitucionalmente o voto presencial dos emigrantes é restringir o exercício de direito de voto aos emigrantes. Ninguém tenha dúvidas a esse respeito! Só ignorando a estrutura consular dos países onde estão fixadas as nossas comunidades é que pode, efectivamente,...

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): * Não tem se ser nos consulados!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É preciso ter isso presente.
Portanto, vamos deixar à ponderação do legislador, mas não vamos impor, desde já, uma solução. Vamos deixar ao legislador, numa lei que tem de ter uma maioria qualificada, a solução que seja, por um lado, garante da genuinidade

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- e já aqui foi dito que não é apenas e tão-só o voto presencial que é genuíno - e, por outro, garante de um princípio do direito eleitoral e constitucional, que é o da universalidade, com o qual VV. Ex.as não se preocupam, no sentido de que ele seja conferido com a amplitude adequada aos emigrantes, no pressuposto dos tais elos que os n.os 1 e 2 prevêem para a conferência desse direito a cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vou concluir, Sr. Presidente.
Não vale a pena consagrar na Constituição uma solução e atirar para a lei ou querer impor já na Constituição uma restrição que mitigue excessivamente ou que possa mitigar excessivamente o exercício desse direito dos emigrantes.
Repito: não se pode dar com uma mão e pretender tirar com a outra. É preciso encontrar - e o legislador encontrará! -, com engenho e arte, a conciliação dos valores que a concessão deste direito por via constitucional necessariamente impõe e exige. Assim servimos a democracia, assim servimos os portugueses e assim respeitamos o direito de cidadania, que tem sido negado, e fazemo-lo de boa fé e com uma intenção clara de conferir um direito para ser exercido com a profundidade que ele tem e não com um sentido eleitoralista qualquer ou com um sentido partidário ocasional.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular votou esta alteração ao texto constitucional porque isto ficará associado a uma mudança muito significativa no sistema eleitoral de eleição do Presidente da República, designadamente pela introdução da possibilidade do direito de os emigrantes votarem para a eleição do Presidente da República. E fizemo-lo sabendo que esta fórmula encontrada é uma fórmula de compromisso. É uma fórmula de compromisso entre aqueles que continuam com algum preconceito relativamente à orientação no sentido do voto dos emigrantes e com algum receio de que ele se expresse de determinada maneira e o bom princípio, que é o princípio da universalidade do voto de todos os emigrantes.
Esta restrição que aqui é colocada, de que só devem votar os emigrantes que tenham efectiva existência de laços ou que deve ter-se em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional, funcionaria ela própria pela seguinte circunstância: é que quem não tenha a menor ligação à comunidade nacional começaria logo por não se recensear, de certeza absoluta, não ligar às eleições e não votar. Portanto, esta norma aqui não era, de todo, necessária e nós queremos e desejamos que ela seja interpretada na futura lei como excluindo apenas aqueles que não tenham a menor ligação à comunidade nacional.
Este debate mostrou que no lado oposto está sobretudo o Partido Comunista Português, que, de facto, parte, naquilo que é essencial, de um preconceito relativamente ao sentido de voto dos emigrantes e ao receio de que esse sentido de voto se expresse maioritariamente num sentido adverso às suas próprias posições e interesses. Mas, na verdade, não deve ter essa posição. Trata-se de uma eleição pessoalizada, onde se esbate a direita e a esquerda, onde se esbatem os partidos e onde o mérito dos candidatos é que conta.
E não vemos que um Presidente, que é Presidente de todos os portugueses depois de ser eleito, não seja Presidente de todos os portugueses, mesmo daqueles que não residam em território nacional.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Deputado,…

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aqui não há debate.

O Sr. António Filipe (PCP): - Parece que o Presidente da República é comunista! Quem vos ouvir falar...!

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Achámos que a nossa fórmula, e por isso não a retirámos, era a melhor. O debate que aqui se fez mostrou isso mesmo: mostrou que os conceitos vagos e indeterminados são conceitos perigosos quando vertidos em legislação. Este conceito da "efectiva ligação" é vago e é indeterminado. O que é isto? Toda a gente sabe, no plano negativo, o que é que não é isto, mas ninguém foi capaz de dizer o que é isto. Árduo trabalho para os legisladores!
Termino dizendo que espero que, ao contrário do que me pareceu entrever da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, se chegue às próximas eleições com toda a legislação necessária para regulamentar este princípio constitucional aprovada e que as próximas eleições presidenciais se façam já com toda a legislação aprovada, para que os emigrantes possam participar nessas eleições.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero salientar, muito brevemente, que acho que é uma boa solução aquela a que se chegou quanto ao alargamento do universo eleitoral que abrange o voto dos emigrantes. Esse é um ponto de consenso muito importante.
Relativamente às soluções concretas da forma como esse voto dos emigrantes é feito, todos ganharemos em que esse voto dos emigrantes se exprima de forma genuína, democrática, participada e universal. E não vale a tentativa de desenhar quaisquer processos de intenções relativamente a propostas que tinham e têm como objectivo esse sentido. Ou seja: é adquirido que o voto presencial, em nosso entender, garante melhor as características constitucionais da genuinidade democrática, que é o voto directo, secreto e universal. E também entendemos que haveria vantagem em que o próprio texto constitucional tivesse a definição dos critérios objectivos de atribuição do direito de sufrágio, sem prejuízo de que, se o texto constitucional os não tiver, a lei ordinária sequente ao texto constitucional garantirá essa genuinidade.

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Estamos certos de que vamos contribuir para que isso assim aconteça.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer tão-só que para nós a discussão que aqui aconteceu não é uma discussão sobre o direito ou não de voto dos emigrantes ou a importância desse direito, nem tão-pouco uma discussão em termos de um direito que se exerce em função do sentido de voto desses emigrantes. Aquilo que esteve em discussão foi tão-só a de saber como é que o acto eleitoral para o mais alto magistrado da Nação se exerce. E quanto a nós ele só se pode exercer quando garanta totalmente o carácter genuíno e a democraticidade desse mesmo acto. Como para nós não há meia democraticidade, a solução encontrada não a garante na plenitude.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser breve, na medida em já tive oportunidade de fazer intervenções relativamente longas sobre esta matéria.
Quero, em primeiro lugar, dizer por que é que votámos desfavoravelmente a proposta apresentada pelos Srs. Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro: consideramos que, de facto, a proposta que os Srs. Deputados apresentaram partiu de um princípio louvável de limitar os efeitos negativos do voto por correspondência e, portanto, consideramos que tem algum mérito essa preocupação. No entanto, consideramos, face aos efeitos negativos da proposta globalmente aprovada, que a solução que encontravam de voto presencial nos consulados não iria resolver os mais graves problemas que se suscitam e não daria uma garantia suficiente quanto à idoneidade deste acto eleitoral.
Quanto à solução aprovada resultante do acordo entre o PS e o PSD, e no que se refere ao recenseamento eleitoral, ao voto por correspondência e aos problemas de garantir a genuinidade democrática das eleições junto das várias comunidades de emigrantes, gostaria de dizer, para além da argumentação que tive oportunidade de expender durante o debate, que consideramos que esta é uma das mais chocantes cedências do PS ao PSD e ao CDS-PP neste acordo da revisão, concretamente em relação ao PSD, que foi, de facto, o outro parceiro do acordo.
Considero que, com isto que agora foi votado, o Partido Socialista acabou - permitam-me a expressão - de "lançar às urtigas" um vasto património de reflexão sobre esta matéria que deu a esta Assembleia da República.
Creio que a questão fulcral que aqui está colocada é a da possibilidade de, com a atribuição de direito de voto aos residentes no estrangeiro nas presidenciais, se poder permitir que o Presidente da República seja imposto do exterior aos cidadãos portugueses residentes em Portugal, contra a sua vontade, o que consideramos que, a acontecer, provocaria, sem sombra de dúvida, uma situação insólita do ponto de vista democrático, cujas consequências consideramos que são imprevisíveis no plano do funcionamento democrático do regime.
Não se trata de qualquer desconfiança em relação ao voto dos emigrantes, não temos com esta nossa posição qualquer cálculo eleitoralista - como, aliás, é, obviamente, o propósito do PSD; trata-se apenas de assegurar, e isso é muito importante para nós, que um acto político e democrático tão importante como é a eleição do Presidente da República não possa ser desvirtuado na sua genuinidade democrática através de processos de manipulação do universo eleitoral.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, também eu desejo fazer uma declaração de voto em nome do Partido Socialista.
Srs. Deputados, considero que esta votação tem um significado histórico inequívoco,…

Aplausos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

… na medida em que representa - e isso ficou amplamente demonstrado neste debate - uma evolução positiva na posição do PS sobre a questão do exercício e direito de voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O PS foi sensível a vários desafios democráticos, desde logo, àqueles que lhe foram colocados pelos próprios Presidentes da República - o Presidente da República Mário Soares e o Presidente da República Jorge Sampaio - para os quais os eleitores socialistas contribuíram decisivamente para a sua eleição, eles próprios militaram testemunhando favoravelmente a favor do exercício de direito de voto dos cidadãos emigrantes na eleição presidencial.
A evolução do PS traduziu-se, designadamente, num compromisso eleitoral nas últimas eleições legislativas e resulta do Programa Eleitoral do PS um compromisso no sentido em que a atribuição do direito de voto aos emigrantes na eleição presidencial se fizesse em condições de operacionalidade efectiva e por forma a dignificar a comunidade dos portugueses no estrangeiro.
Constatou-se que a fórmula inicialmente apresentada pelo PS no seu projecto de Revisão Constitucional, porventura, não resolvia algumas das questões que se traduzissem num concreto exercício e direito de voto. Desde logo, se ficasse circunscrita essa possibilidade apenas àqueles cidadãos que não estivessem ausentes do território nacional por um período superior a 10 anos, e esta fosse a bitola para todos eles, porventura o universo de cidadãos abrangidos enquanto cidadãos emigrantes seria demasiado restrito para ter uma verdadeira efectividade a atribuição deste direito de voto. O PS reconheceu, por isso, como plausível, depois do debate feito em primeira leitura, que valeria a pena rever a sua proposta inicial.
No entanto, rever a sua proposta inicial para que o universo dos cidadãos pudesse ser efectivamente alargado, se ficasse constitucionalmente apenas limitado pela circunstância de a constituição prever a não atribuição do direito de voto a cidadãos com dupla cidadania, poderia daqui resultar

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um equívoco porventura grave. É que o Estado português poderia revelar, na prática, uma dificuldade de recenseamento efectivo dos cidadãos portugueses com dupla cidadania. E, neste caso, a lei que intentasse regular esta problemática, a ser uma lei meramente de maioria simples, poderia trazer problemas difíceis, poderia deixar ao sabor de maiorias conjunturais a regulação de um problema do maior alcance, porque estrutural, em termos da definição de um direito de soberania fundamental.
Assim, sendo, o PS entendeu que a melhor forma de regular esta matéria deveria ser pela exigência de uma lei especialmente qualificada, de tal maneira especialmente qualificada que fosse idêntica à maioria de revisão constitucional, mas objectou-se que uma eventual dificuldade na aprovação de uma lei de maioria de dois terços, poderia novamente deixar de fora um universo de cidadãos emigrantes susceptíveis de votar na eleição presidencial.
Por isso, com boa fé, o PS admitiu que todos aqueles que se encontrem regularmente recenseados a 31 de Dezembro de 1996, possam ser automaticamente incorporados no recenseamento válido para a eleição do Presidente da República.
E, Srs. Deputados, nesta noite se fez a demonstração de um consenso integral entre todos os Deputados do PS relativamente a tudo o que acabei de dizer até ao momento.
Subsistem dúvidas, mas as dúvidas que subsistem são sobre se o exercício deste direito de voto deve ser exercido presencialmente por imperativo constitucional ou se deve ser em sede de legislação ordinária que a temática se regula. São dúvidas inteiramente legítimas.
E quer se entenda que a solução deveria vir por efeito constitucional ou deverá resultar de uma solução de lei ordinária, a questão do exercício do direito de voto presidencial é uma questão séria e relevante que não pode ser escamoteada.
Por isso, independentemente de ela vir ou não a ficar constitucionalmente consagrada, os Deputados do PS, no seu conjunto, não se demitirão, certamente, de questionar este problema, designadamente ao nível da solução de direito comum.
No entanto, é preciso sublinhar que se, desde já, a Constituição tomasse partido, porventura, ela criaria uma situação de desigualdade de tratamento entre o mesmo emigrante que exercia o seu direito de voto de uma forma na eleição para a Assembleia da República e o exerceria de forma distinta na eleição para o Presidente da República.
Ora, porventura, é possível harmonizar adequadamente a forma ou o modo de votação tanto na eleição da Assembleia da República como na eleição do Presidente da República, o que talvez seja possível admitir - e com isto finalizo - que seja o legislador ordinário a dirimir esta questão, que é uma questão relevante.
Dito isto, Srs. Deputados, congratulo-me especialmente pelo facto de, ao contrário daquilo que muitos poderiam supor, ter sido por uma larga unanimidade e com um sentido de grande responsabilidade nacional que se travou este debate esta noite, com o resultado eleitoral que se pôde verificar na votação alcançada na Comissão de Revisão Constitucional.
Srs. Deputados, quero informar a Comissão de que o Sr. Deputado António Reis apresentou uma declaração de voto por escrito, que será apensa à Acta desta reunião.
Quero, agora, chamar a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte: com conexão com nesta matéria, há ainda uma proposta de um novo número para o artigo 118.º, a que há pouco me referi, mas que ficou pendente do destino de votação do artigo 124.º
Ela já foi amplamente distribuída, por isso, penso, podemos passar à sua votação face àquilo que já foi o debate travado até ao momento.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é a proposta n.º 136?

O Sr. Presidente: - É a proposta n.º 136, que adita um novo número ao artigo 118.º, apresentada pelo PS e PSD.
Srs. Deputados, vamos, então, votar esta proposta.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP.

É a seguinte:

Nos referendos são chamados a participar cidadãos residentes no estrangeiro, regularmente recenseados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 124.º, quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 0 horas e 25 minutos do dia seguinte.

Declaração de voto enviada à mesa para publicação

Votei favoravelmente a proposta n.º 138 (PS/PSD) por respeito pelo acordo de revisão constitucional firmado entre o PS e o PSD, mas considero que o articulado proposto na proposta n.º 137 dos Deputados Alberto Martins e Strecht Ribeiro traduz de modo igualmente fiel as intenções constantes a este respeito no texto do "Acordo Político de Revisão Constitucional" subscrito publicamente no dia 7 de Março de 1997.
Faço votos, desde já, por que a lei que regulará o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro nas eleições presidenciais, a aprovar por maioria qualificada de dois terços, consagre critérios que garantam a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional e por que a lei que regula o modo de voto assegure o seu exercício presencial, que o dispositivo constitucional ora aprovado não consagrou expressamente mas também não excluiu.

O Deputado do PS, António Reis.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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Sábado, 26 de Julho de 1997 3835

I Série - Número 102

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.A SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JULHO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Carlos Manuel Duarte de Oliveira
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Prosseguiu o debate da revisão constitucional (artigos 180.º a 183.º, 185.º, 189.º a 200.º, 202.º, 205.º, 208.º, 210.º. 210.º-A, 211.º, 213.º a 216.º, 218.º, 220.º a 222.º e 224.º a 226.º.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (, Miguel Macedo (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), António Galvão Lucas (CDS-PP), João Amaral (PCP), Luís Marques Guedes e Carlos Coelho (PSD), Cláudio Monteiro e Jorge Lacão (PS), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Luís Queiró (CDS-PP), Mota Amaral (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Odete Santos (PCP), Nono Abecasis (CDS-PP), Francisco Martins (PSD), Maria Carrilho (PS) e Pedro Passos Coelho (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 14 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António Rui Esteves Solheiro.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Júlio Meirinhos Santanas.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Areias Fontes.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.

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Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Jorge Paulo de Soabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prosseguindo os nossos trabalhos de revisão da Constituição, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para se pronunciar sobre o artigo 180.º.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a nossa ordem constitucional considera a independência de três órgãos de soberania: a Presidência da República, a Assembleia da República e o Governo, com competências, direitos e deveres próprios.
Entendemos que a democracia só se reforça com uma grande participação a vários níveis e, no tocante à participação dos membros do Governo, a que respeita este artigo, temos hoje um Primeiro-Ministro que vem regularmente à Assembleia da República, o que deve realçar-se. Mas já tivemos, Sr. Presidente, Primeiros-Ministros que tinham o mais profundo desprezo pelo Parlamento que vinham cá uma vez por ano, e muito contrariados. Portanto, nós entendemos - e, pela minha parte, fiz uma proposta nesse sentido - que seria interessante consagrar no texto constitucional que o Primeiro-Ministro se deve apresentar mensalmente perante a Assembleia da República para prestar esclarecimentos de interesse público e actual aos Deputados, além de participar nos debates do programa do Governo, moções de censura e de confiança, etc. Trata-se de uma prática que, com efeito, está a ser seguida, mas entendo que deve ser constitucionalizada, o que só concorre para o prestígio da democracia e para o reforço da Assembleia da República, do Governo e das instituições democráticas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, apenas um brevíssima intervenção para justificar o apoio do PSD à proposta relativa ao n.º 3 do artigo 180.º e, se me permitir, para avançar já com a justificação do apoio do PSD também à proposta relativa ao n.º 7 do artigo 181.º, evitando-se nova intervenção.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, muito brevemente, direi o seguinte: na preocupação de reforço da eficácia do

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trabalho da Assembleia da República, da dignificação do trabalho parlamentar, da capacidade de a Assembleia da República poder proceder, nos seus trabalhos, com a profundidade e a capacidade que se exige, cada vez mais, do órgão legislativo, o PSD subscreve, apoia e vai votar favoravelmente a proposta contida no n.º 3 do artigo 180.º que, como está bom de ver, se desdobra em duas componentes que são ambas importantes. A primeira, acentuando e reforçando o texto que já hoje existia na Constituição, porque já hoje aí se diz que as Comissões podem solicitar a presença dos membros do Governo; e, nos termos da proposta agora em discussão, o que se diz, é que os membros do Governo devem comparecer nas Comissões sempre que para tal seja requerida a sua presença. Acresce, em relação ao texto constitucional hoje em vigor - e o PSD concorda com esta inovação -, que os próprios membros do Governo podem solicitar a sua presença nas Comissões. Em bom rigor, não havia razão para que assim não fosse: se os Srs. Deputados bem atentarem, os membros do Governo ou o Governo pode, no Plenário da Assembleia da República, a iniciativa sua, participar nos respectivos trabalhos. Ora, sendo verdade que grande parte do trabalho legislativo decorre em sede de Comissões, designadamente uma parte importantíssima que tem a ver com o trabalho na especialidade, na maior parte dos casos ou em muitos casos, e o trabalho até de fiscalização da actividade do Governo, não se vê razão para que o texto constitucional não consagre também a possibilidade de o Governo, a sua iniciativa, participar nos trabalhos da Comissão.
Em relação ao n.º 7 do artigo 181.º, esta também era uma disposição que não estava contida na Constituição da República Portuguesa. Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a necessidade de articularmos esta disposição, esta proposta, com aquilo que está contido no n.º 4 do artigo 179.º - que ontem discutirmos e que vamos também votar favoravelmente, referente à assembleia legislativa regional - porque me parece que, na integração sistemática e na lógica da Constituição, no tratamento destas matérias, faz todo o sentido que as assembleias legislativas regionais possam, nas Comissões em que se discutem as matérias relativas às regiões autónomas, aí ter a sua participação, obviamente nos termos do Regimento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, quero pedir-lhe o seguinte esclarecimento: consagrará este n.º 3 do artigo 180.º um direito dos membros do Governo? Ou uma faculdade?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É um direito a solicitar.

A Oradora: - Então, pergunto: não está previsto o direito de eu solicitar a minha presença no Conselho de Ministros?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Miguel Macedo, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, há algumas alterações com as quais estou de acordo, no entanto talvez no n.º 2 no artigo 180.º devêssemos considerar que os membros do Governo estarão presentes para responder às perguntas e não a perguntas e pedidos de esclarecimento dos Deputados.
Mas eu gostava de perguntar ao Sr. Deputado se entende ou não que não seria, na sequência da sua argumentação e na lógica das posições que defendeu, de considerar que o Primeiro-Ministro se deveria apresentar mensalmente ao Parlamento, se tal não deveria ser consagrado na Constituição. Como eu disse, é uma prática que agora está a ser seguida mas pode. eventualmente, ser ultrapassada, tal como V. Ex.ª sabe que acontecia, nomeadamente com o Governo de Cavaco Silva, que não vinha cá e resistia sempre quando solicitávamos a sua presença mensalmente.

O Sr. Presidente: - Ainda para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, gostaria que, a propósito do artigo 181.º, n.º 7., que referiu, o Sr. Deputado clarificasse o entendimento que tem em relação ao alcance, limites, significado da participação das assembleias legislativas regionais no debate das propostas de lei que tiverem apresentado a esta Casa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, agradeço aos Srs. Deputados que tiveram a amabilidade de me colocar questões. Começando pela questão da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, direi que estamos a falar de situações diferentes e de questões diferentes. E insisto naquilo. que há pouco tive oportunidade de dizer: já hoje o Governo e os membros do Governo têm o direito de participar, por iniciativa própria, nos trabalhos do Plenário da Assembleia cia República. Bom, eu não quero ir pelo argumento de que quem permite o mais permite o menos, mas sempre diria que, na lógica da eficácia do trabalho legislativo, onde grande parte desse trabalho se desenvolve, que como VV. Ex.as bem sabem tem lugar em sede de Comissão, pelo que não me parece excessivo mantendo o respeito pela separação de poderes mas numa lógica de colaboração entre órgãos de soberania tão ligados quanto a Assembleia da República e o Governo - que os membros do Governo possam solicitar a sua presença proposta, no
mesmo artigo, se avança no sentido de, sempre que requerida a presença de um membro do Governo, esse membro do Governo, obrigatoriamente, dever comparecer perante a Comissão. Portanto, ao mesmo tempo que a Assembleia reforça, no texto constitucional, o poder de requerer a presença dos membros do Governo nas Comissões, dá - numa relação, se se quiser, correspectiva mas que me parece interessante do ponto de vista da colaboração entre órgãos de soberania - a possibilidade de os membros do Governo, por iniciativa própria, participarem nos trabalhos da Comissão, o que, aliás, Sr.ª Deputada, é bom dizê-lo, acontece amiudadas vezes. Não são poucas as vezes em que os. membros do Governo, formal ou informalmente, geralmente de uma forma em que um membro do Governo se dirige ao Presidente da Comissão e diz que está disponível para ir à Comissão discutir esta ou aquela matéria, esta ou aquela lei. Portanto,

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Sr.ª Deputada, não vemos nenhum mal nem nenhum gravame para os princípios fundamentais nesta matéria, designadamente a questão da divisão de poderes, que a Constituição consagre este tipo de disposição.
Ao Sr. Deputado Luís Sá quero dizer o seguinte: em relação ao n.º 7 do artigo 181.º, esta matéria já foi, em alguns casos concretos, discutida aqui, na Assembleia da República, particularmente na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, como V. Ex.ª bem sabe, na medida em que não poucas vezes nós anotamos dificuldades concretas, práticas, que podiam ser resolvidas com a presença de representantes da assembleia legislativa regional, qualquer que ela fosse, dos Açores ou da Madeira, no sentido de elas próprias poderem explicitar na Assembleia da República o sentido e a extensão de alguma legislação que vem a ser apreciada na Assembleia da República e que, na maior parte dos casos, sem .este tipo de colaboração, se torna muito mais difícil e muito mais morosa a sua apreciação, e porventura menos autêntica em relação à intenção do legislador regional quanto a essa matéria. Portanto, Sr. Deputado, a nossa intenção e a nossa proposta é no sentido de desdramatizar este relacionamento com as regiões autónomas, de não termos de, no plano político, burocratizar ao máximo o procedimento de relacionamento entre a Assembleia da República e as assembleias legislativas regionais quando estão em causa as matérias que estão em causa e que estão cobertas por este n.º 7 do artigo 181.º.
Não há, do nosso ponto de vista, nenhuma grande questão envolvida neste n.º 7, mas há, se quiser, a adopção de um novo procedimento mais expedito, mais aberto, mais dialogante (para correspondermos ao desejo do PS), de um relacionamento normal. institucional, entre a Assembleia da República e a assembleia legislativa regional.
Queria responder ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca mas, lamento, esqueci-me da questão que tinha colocado, que sei que era relevante.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Tem a ver com consagrar ou não a vinda, mensalmente, do Sr. Primeiro-Ministro à Assembleia da República.

O Orador: - Justamente! Peço imensa desculpa, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Dir-lhe-ei o seguinte acerca dessa matéria: como o Sr. Deputado sabe, essa é uma matéria que está tratada no Regimento da Assembleia da República e julgo que era uma excessiva rigidificação do texto constitucional a consagração desse mecanismo que, como sabe, carece ainda de alguma aproximação definitiva em relação ao recorde que há-de ter ou que deve ter essa participação mensal do Primeiro-Ministro nos trabalhos da Assembleia da República. Parece-nos que, nos termos em que actualmente está no Regimento, está bem; é uma matéria de Regimento que deve ficar no Regimento, sem cuidar de outra reflexão futura.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Se está bem para este caso, então também está bem para os outros!

O Orador: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não nos parece que fosse justificado que na Constituição da República estivesse uma norma como essa porque - repare - as outras são normas genéricas de procedimento, quer em relação ao Governo no seu conjunto quer em relação às assembleias legislativas regionais. Aquilo que estamos a tratar aí é uma norma de outra natureza que, por isso, no nosso entendimento, está bem no Regimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, vamos resolver, e bem, duas questões que têm estado a pairar na vida parlamentar portuguesa num determinado ciclo político, muito negativamente neste, de maneira descontraída, descomplexada e funcional. A primeira é a questão da participação dos membros do Governo nas Comissões. Ela é regulada, diria eu, salomonicamente, com o primado parlamentar. Quando um membro do Governo deseje comparecer pede, e pode obter ou não autorização, consoante o Parlamento considere adequado, útil, funcionalmente apropriado. Quando o Parlamento requeira a comparência, esta é obrigatória e o modus, à altura, embora deva ser regulada por regras de cortesia, não tenho nenhuma dúvida pairando quanto à necessidade de realização desse acto de comparência.
É uma excelente solução, que, de resto, o Partido Socialista propunha no seu projecto de lei e pela qual se bateu. Suponho que esta norma não seria possível no ciclo político anterior ou numa revisão constitucional em que o quadro maioria governamental/oposição fosse outro. E a prova disso é que só agora acontece e não aconteceu em revisões anteriores.
A segunda questão é a do regime de participação de representantes de assembleias legislativas regionais em trabalhos de comissões. Primeiro, esta possibilidade é configurada como isso mesmo, uma possibilidade, não está configurada como um direito subjectivo político das assembleias legislativas regionais. Não se trata de uma possibilidade de impor ao Parlamento um acto numa determinada data por livre alvedrio da outra entidade, é uma possibilidade regular no Regimento que assegura às assembleias legislativas a possibilidade de uma voz sobre aquilo que foi iniciativa sua. Essa solução é igualmente correcta. Seria pouco curial que, tendo as assembleias. legislativas regionais, o direito de iniciativa e portanto a possibilidade de apresentar propostas ao Parlamento, ficassem impedidas de acompanhar o destino dessas propostas e intervir sobre elas. Na verdade, já o vinham exercendo por meios que são inteiramente legítimos como a comunicação ao Parlamento de documentos, a tomada de posição na própria assembleia regional, a tomada de posição de Deputados de vários matizes sobre a questão, mas dá-se consagração, de forma descomplexada e desdemonizada, a um direito, a uma possibilidade de relacionamento que agora o Regimento deve concretizar.
Congratulamo-nos, Sr. Presidente, com ambas, até porque ambas eram propostas por nós.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a propósito do artigo 180.º entendemos que a alteração que está proposta tem um significado, mas não gostaríamos de deixar de sublinhar o facto de não ter sido aceite uma proposta nossa

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que pretendia pôr termo a um hábito que entendemos que é perverso no funcionamento deste Parlamento: o hábito de o Governo poder escolher as perguntas orais a que quer responder.
O Sr. Deputado José Magalhães, ontem, a propósito da iniciativa legislativa de grupos de cidadãos, disse que queria acabar com o "PC". com o politicamente correcto. Pois bem, era bom que tivesse também acabado com o "PC" politicamente conveniente ao Governo em matéria de perguntas orais que lhe são dirigidas. Não faz de todo em todo sentido, designadamente em termos de Direito Comparado, esta possibilidade de o Governo poder seleccionar as perguntas que são feitas pelos Deputados, designadamente de partidos da oposição.
O Sr. Deputado João Amaral estava a propor que se acabasse com o "PS", isto é, o "politicamente subserviente" ao Governo. É, pois, dessa questão que também se trata.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, a propósito da proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, queremos manifestar, em primeiro lugar, o apoio a essa proposta e a nossa estranheza pelo facto de se considerar que não se deve constitucionalizar a vinda ao Parlamento do Sr. Primeiro-Ministro para se apresentar aqui mensalmente e prestar esclarecimentos. Ouviu-se aqui que não se deve constitucionalizar isso, mas, por outro lado, afirma-se que é razoável constitucionalizar-se que os membros do Governo podem solicitar a sua participação nos trabalhos da comissão. Independentemente de não haver aqui uma contradição evidente. há de certo modo alguma contradição, pensamos nós, nesta posição, mas a minha intervenção é sobretudo para manifestar o nosso apoio à proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. Achamos que poderia ficar constitucionalizado a vinda à Assembleia da República do Sr. PrimeiroMinistro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 181.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer algumas considerações sobre a norma proposta para o n.º 7 do artigo 181.º.
É aqui conferido um direito a representantes das assembleias legislativas regionais de participarem nas reuniões das comissões parlamentares. E um direito das assembleias legislativas regionais.

Os Srs. Luís Marques Guedes e Mota Amaral (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Eu acabo de ouvir os "muito bem" dos Srs. Deputados Mota Amaral e Luís Marques Guedes e, portanto. posso concluir que o que aqui está é um direito. Se é um direito, como é que pode ser limitado?
É um direito, isto é, quando há uma iniciativa legislativa regional, o que é que faz a comissão parlamentar? Tem que notificar a assembleia legislativa regional? Não pode reunir sobre a matéria? Admitamos que a matéria está em debate subitamente e que é necessário discuti-la e que a assembleia legislativa não está reunida, já entrou de férias. O que é que faz a comissão?
Além disso, o que é que significa participar? Significa intervir, intervir sempre? Intervir em - todas as circunstâncias? O que aqui está é unia fórmula aberta mas vai ser regulada em que termos?
Outra questão que quero clarificar consiste em saber o que é que significa "representantes da assembleia legislativa regional. Uma assembleia, por definição, é pluriopinativa. No caso de ambas as assembleias legislativas regionais, creio que há, pelo menos, quatro partidos numa e cinco noutra. São os cinco partidos que vêm? Cada um dá a sua opinião ou é um representante? O que é um representante? É um representante da vontade maioritária? Depende das conjunturas? Não consigo desenhar o alcance desta norma.
Finalmente, uma questão de estrutura. As assembleias legislativas têm poder de iniciativa junto da Assembleia da República. mas não tinham mais nada, não eram agentes parlamentares. Passam agora a categoria de agentes parlamentares? É um conjunto de questões que não consegui ver dilucidada convenientemente. Creio que até o Sr. Presidente da Assembleia da República terá interesse em saber exactamente o que é que isto significa, para se saber em que condições é que ele abre a porta. É ele que abre a porta da Assembleia. Em que condições é que o faz?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, utilizo esta forma de pedido de esclarecimento para evitar uma nova intervenção sobre esta matéria mas também para clarificar algumas das questões que o Sr. Deputado colocou.
Em primeiro lugar, quero deixar claro que, do nosso ponto de vista. é evidente que se trata aqui de um direito, que não de um dever. Repare-se: "Podem participar...". Trata-se de um direito que será exercido pelas assembleias legislativas regionais, se o entenderem fazer, e que não será exercido se não entenderem fazê-lo. Portanto, não têm nenhum direito e daí que a primeira das questões que deixou no ar, a dúvida sobre se as comissões poderiam ou não reunir...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, permite que o interrompa?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se o Sr. Presidente permitir.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, só. uma pergunta para clarificar: se a Assembleia da República não proporcionar as condições para o exercício desse direito, a norma que viesse a ser aprovada aqui na Assembleia sem a possibilidade de participação seria formalmente inconstitucional?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois com certeza, Sr. Deputado. Nem me passa pela cabeça que esta Assembleia da República não cumpra as normas que ela

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própria aprova. Portanto, essa sua asserção é evidente para mim. Todavia, trata-se de um direito, que não de um dever.
Portanto, em relação à sua primeira dúvida sobre se as comissões poderiam funcionar sem a presença das assembleias legislativas regionais na análise de propostas suas respondo que é evidente que sim, desde que as assembleias prescindam do exercício desse direito que apenas lhes compete e que é conferido aqui claramente como um poder, logo, como um direito, e não como um dever.
Em segundo lugar, quanto à questão da composição das representações das assembleias legislativas regionais, Sr. Deputado, essa discussão já a tivemos na CERC. Sei que havia propostas diferentes no sentido de que essas representações tivessem de englobar a representação de um Deputado regional de cada um dos partidos com assento na assembleia legislativa, mas não é essa a opção. A opção aqui, como em todas as outras sedes da Constituição, é deixar essa matéria à decisão soberana da própria assembleia legislativa regional, que é um órgão com legitimidade democrática directa, que se pauta por funcionamentos democráticos internos, que tem o seu regimento próprio, e será, nesses termos, decidido, votado e aprovado pela assembleia legislativa regional que esse tipo de representação ganhará forma.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa de novo?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Repare o Sr. Deputado que o dever é o da comissão parlamentar de propiciar esse direito de participação de representantes. Portanto, isso não é irrelevante para a comissão parlamentar, porque a comissão parlamentar tem de saber, de acordo com o seu próprio regimento, se eles são ou não os representantes e em que condições. É ou não verdade que o problema subsiste no quadro do que é aqui equacionado? O que são os representantes? Temos sempre que nos interrogar. Ou será que o regimento das assembleias legislativas regionais passa também a vigorar na Assembleia da República?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já disseram que não!

O Orador: - Sr. Deputado, seguramente por erro meu, não me estou a fazer entender. A questão é que, quando se fala aqui em representantes da assembleia legislativa regional, o problema desta representação é um problema que é autodecidido pela própria assembleia legislativa regional. A assembleia legislativa regional é que tem de decidir, como está bom de ver, quem é que envia em sua representação, porque é um órgão que tem legitimidade democrática própria, tem formas internas de funcionamento próprio. Aliás, é a mesma coisa quando nós dizemos que a Assembleia da República pode convocar o Governo para debates sobre isto ou sobre aquilo, e como o Governo é um órgão colectivo faz-se representar através dos ministros, através das suas regras próprias, a não ser em casos excepcionais, que não é este.
O que estou a explicar-lhe é que a intenção desta proposta é que as assembleias legislativas se façam representar através dos mecanismos que entenderem, interna e democraticamente, serem os mais adequados. Obviamente, quando se põe aqui "nos termos do regimento" é exactamente para superar depois aquelas dificuldades procedimentais a que o Sr. Deputado também aludiu, relativamente ao modo como a Assembleia da República e as comissões se devem comportar para proporcionarem o exercício deste direito às assembleias legislativas regionais.
Por isso, há que integrar, em termos procedimentais, no nosso Regimento, no regimento interno da nossa Assembleia, este direito para que as comissões parlamentares saibam como é que, regimentalmente, têm de proceder para permitir o exercício correcto deste direito. É essa a intenção da norma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava de juntar algumas palavras breves sobre a questão que agora nos ocupa para vincar a interpretação que da bancada do PSD é feita acerca dos aditamentos propostos para a Constituição. O que agora se trata neste artigo em concreto está relacionado com disposições anteriores. A Constituição prevê já o poder de iniciativa legislativa por parte das assembleias legislativas regionais e inclui mesmo este poder entre o conteúdo fundamental da autonomia descrito no artigo 229.º.
A revisão constitucional a que estamos a proceder agora desenvolve, em dois aspectos, esta capacidade de iniciativa que as assembleias legislativas regionais têm perante a Assembleia da República, ao conferir-lhes a possibilidade de solicitarem a apreciação prioritária das suas propostas e ao conferir-lhes a possibilidade de participar nos trabalhos das comissões. Em qualquer dos casos, sobretudo em relação ao caso da representação nas comissões, estamos a consagrar uma praxe que tem sido estabelecida porque as assembleias legislativas regionais, pelo menos aquela da qual tenho um conhecimento mais pormenorizado, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, em diversas ocasiões, enviou deputações para o diálogo institucional com o Parlamento. E daí se obtiveram, aliás, excelentes resultados.
A tradição existente na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, conforme pudemos comprovar quando se tratou da revisão constitucional, é de enviar ao Parlamento deputações pluripartidárias que exprimam em absoluto o pluralismo que nos parlamentos regionais também se acolhe. É esta a nossa praxe, e suponho que é uma praxe extremamente construtiva.
Portanto, o entendimento que daqui fazemos é o de que as medidas introduzidas na Constituição visam um estreitamento desse diálogo e essa cooperação constitucional, estamos a procurar libertar o poder legislativo regional mas não afectamos de forma alguma aquelas matérias que são da competência reservada dos órgãos da soberania e sobre as quais o protagonismo regional se há-de traduzir na formulação de propostas concretas ao órgão competente, à Assembleia da República.
Não podemos, de forma nenhuma, comungar da interpretação que alguns fazem, embora a interpretação dos textos jurídicos - e ao dirigir-me ao Sr. Presidente da Assembleia da República, um jurista ilustre, não posso mais do que invocar a sua autoridade seja sempre discutível, mas também é preciso definir-se, logo à partida, com firmeza, esse pluralismo de interpretações do legislador porque, da nossa parte, as assembleias têm o direito de solicitar à Assembleia da República para serem ouvidas nas comissões, tal como têm o direito de solicitar

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que sejam apreciadas. com prioridade, as suas propostas, e incumbe também à Assembleia da República a obrigação de atender a solicitações, dentro de uma prática de bote diálogo institucional, que já existe e que, pela nossa parte, pretendemos seja cada vez mais firme e consolidado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que o Sr. Deputado Mota Amaral usou a forma de intervenção para registar o entendimento que faz da norma, no sentido de ela visar, no essencial, a consagração da prática, já existente, de reuniões conjuntas que permitem a audição dos pontos de vista das regiões autónomas, e que é com este entendimento, registado em acta, que interpretamos a norma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós também!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por terminado o debate do artigo 181.º, pelo que passamos ao artigo 182.º.

Pausa.

Srs. Deputados, visto não haver pedidos de palavra, passamos ao artigo 183.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentando ficar no Guiness nesta discussão pela intervenção mais rápida, direi apenas duas coisas: primeiro, o artigo 183.º constitucionaliza os debates com a presença do Governo, relativamente a questões de interesse público actual e urgente. Ou seja, a Assembleia da República. investida de poderes constituintes. converte na Lei Fundamental, constitucionalizando-a, uma prática parlamentar que se institucionalizou desde a última revisão do Regimento, em 1993. Constatou-se que a Assembleia, como centro do debate político e coração da democracia, não podia passar à margem de debates de actualidade e de natureza urgente, pelo que, considerando-se que a simples referência regimental não era suficiente, fazia todo o sentido constitucionalizar aquilo que a prática política e regimental tornou já habitual no nosso trabalho.
Verificou-se também que o que marcava claramente o texto constitucional, do ponto de vista da organização da Assembleia - isto é uma prevalência dos direitos dos grupos parlamentares -, tinha sido já de certa forma complementar com a inserção no Regimento da Assembleia da República de direitos próprios para os Deputados não integrantes de grupos parlamentares. Na prática, trata-se aqui de valorizar o mandato do Deputado, enquanto legítimo representante do povo que nele confia e nele vota. Não fazia, portanto, sentido que essa individualização do Deputado não integrado em grupo parlamentar e o respeito pelos direitos próprios que a esse Deputado devem ser reconhecidos ficassem apenas em sede de Regimento e não tivessem consagração constitucional. Este problema foi resolvido com a proposta de aditamento do n.º 4 ao artigo 183.º, tal como nos é apresentado pela CERC, tratando-se também, sob esse ponto de vista, de mais uma melhoria do texto da Lei Fundamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não queremos deixar de nos associar a esta última intervenção que foi feita pelo Sr. Deputado Carlos Coelho até porque, no que toca a estas duas propostas que vêm inscritas naquilo que pretende ser o novo artigo 183.º, uma resulta, de facto, de uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PS e a ,outra resulta do próprio projecto de revisão constitucional que subscrevi, nomeamente a última em matéria de garantia do exercício do mandato aos Deputados não integrados em grupos parlamentares. Digo isto não por eu precisar dela, porque, felizmente, estou integrado num grupo parlamentar, que me garante as condições que assistem ao meu mandato, mas por, como é sabido, nesta Casa já ter ocorrido, por diversas vezes, situações pouco edificantes para o próprio funcionamento da Assembleia no sentido de Deputados que optaram, por livre vontade, desde o início, por exercer o seu mandato fora do grupo parlamentar do partido por que foram eleitos ou que, porventura, tenham saído a meio da legislatura desse partido, passando a exercer o mandato como independentes, não terem tido as condições mínimas para exercerem o seu mandato, tendo tido; em alguns casos até, necessidade de solicitar tempo regimental a outros grupos parlamentares, para poderem intervir em debates fundamentais.
Penso que o monopólio da representação política dos partidos políticos é de manter, e é saudável à democracia, mas não pode ir ao ponto de pôr em causa o exercício livre do mandato dos Deputados, e, neste sentido, é, a meu ver, essencial que esta Assembleia consagre e desenvolva depois no seu Regimento esta garantia que agora é consagrada na Constituição.
Quanto à outra proposta, à que diz respeito aos debates parlamentares, penso que se insere numa linha, que esta revisão constitucional, felizmente, consagrou, que é a do reforço do papel da Assembleia da República, do seu papel de fiscalização do Governo, contra aquilo que eram as intenções de governamentalização do sistema de governo que alguns, lembrando-se, porventura, do passado e não descolando dele, pretendiam impor.
Nesta matéria, esta revisão é, em meu entender, exemplar, pois reforça substancialmente o papel da Assembleia da República e, em particular, o seu papel de fiscalização do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, muito rapidamente, deixar registado o nosso apreço por estas alterações, na linha, aliás. do que já ontem discutimos, no reforço desta ligação entre Parlamento e Governo, no âmbito do poder dos grupos parlamentares, e, sobretudo, o figurino, que vejo com muito interesse, embora com algumas dúvidas quanto à forma como será na prática aplicado, do Deputado independente.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate do artigo 183.º, pelo que passamos ao artigo 185.º.

Pausa.

Visto não haver pedidos de palavra, vamos dar início à análise do artigo 189.º.

Pausa.

Srs. Deputados, não se tendo registado qualquer inscrição para o uso da palavra, vamos passar ao artigo 190.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esta alteração, aprovada por maioria simples na CERC, que surge aqui pela mão do PS, inicia-se um conjunto de alterações aos artigos deste capítulo que se seguem imediatamente, no que toca àquela que é juridicamente conhecida como a moção de censura construtiva.
De facto, esta norma, desde já aqui no artigo 190.º, vem criar o princípio da nomeação vinculada pelo Presidente da República de um Primeiro-Ministro, de acordo com a indicação da Assembleia da República, no caso de aprovação da moção de censura, que, conforme veremos mais à frente nas propostas, terá necessariamente de, ao abrigo da ideia dos proponentes, ser acompanhada com indicação de um Primeiro-Ministro. Do ponto de vista do PSD, é evidente que este é um princípio claramente redutor do modelo democrático de separação de poderes, como o conhecemos, uma vez que, ao contrário daquilo que costuma ser dito e que o PS gosta muito de, ilusoriamente, dizer - ao acusar o PSD, relativamente às suas propostas, de objectivação dos poderes de dissolução do Presidente da República em relação à Assembleia da República -, aqui, sim, e não nas propostas do PSD, estamos perante uma objectiva e clara redução dos poderes do Presidente da República e dos que são mais fundamentais do nosso sistema, os poderes de moderação do Presidente da República no sistema, no sentido de equilibrar a relação que actualmente existe no nosso sistema entre o Governo e a Assembleia da República, de quem o Governo depende politicamente e que tem o poder ab initio de, rejeitando, porventura, o Programa do Governo, não viabilizar a própria entrada em funcionamento desse governo. O poder moderador do Presidente da República exerce-se aqui também no nosso sistema através da livre escolha que ele tem do Primeiro-Ministro, de acordo, obviamente, com a análise dos resultados eleitorais e a leitura que faz, de acordo com o seu juízo de valores da situação política.
É evidente, portanto, que esta ideia antiga, diria mais, velha, do PS, da moção de censura construtiva, é uma ideia que encerra graves reduções do poder real do Presidente da República, do poder moderador do Presidente da República e interventor do nosso sistema, para além de, no nosso ponto de vista, encerrar lógicas pouco consentâneas com a realidade e a legitimidade democráticas, uma vez que mais não visam do que obrigar, pelo funcionamento de bastidores políticos, nomeadamente internos - das maiorias que se possam formar aqui e acolá na Assembleia da República, sem audição necessária e obrigatória do povo português, eventualmente até nas costas do povo português, e sem margem de manobra para o Presidente da República, que também é legítimo intérprete desta vontade soberana do povo português -, vinculadamente, à constituição de determinadas formas governativas que podem nada ter a ver com a vontade popular nem com as vantagens de superação da conjuntura política, de acordo com aquele que deve ser o juízo de valor a formular pelo Sr. Presidente da República em cada momento. E insisto em dizer "velha", porque esta é uma fórmula que não foi inventada pelo Partido Socialista português. Esta ideia foi, há pelo menos mais de duas décadas, defendida em outros sistemas constitucionais, e, na altura, era entendida como uma das soluções técnicas possíveis para superar determinado tipo de impasses parlamentares que pudessem resultar do jogo plural entre vários partidos com assento em assembleias de representantes, sempre que não houvesse situações de maioria absoluta.
No entanto, como, de resto, ainda há pouco, num artigo publicado pelo Dr. Vital Moreira, que foi eleito Deputado para esta legislatura exactamente pela bancada do PS, o Dr. Vital Moreira, cuja sapiência em matéria de Direito Constitucional, seguramente, nenhum dos Deputados do PS questionará, era ele o primeiro a apelidar de velha esta solução. Era ele o primeiro a chamar a atenção para o facto de a solução da moção de censura construtiva ser uma solução gasta, sem inovação, já abandonada pelas democracias onde nasceu originariamente. Portanto, só por uma gritante e preocupante - acrescento eu - falta de imaginação por parte do PS é que este insiste sistematicamente em tentar superar algumas dificuldades, que realmente podem, aqui e acolá, existir, do nosso modelo constitucional, no equilíbrio da relação de poderes existente entre os vários órgãos de soberania, através desta forma, que é, do ponto de vista do PSD, profundamente errada, claramente limitadora e redutora dos poderes moderadores e dos poderes de intervenção no sistema, como árbitro, do Presidente da República. Citando o Dr. Vital Moreira, é uma solução velha, pouco imaginativa e, seguramente. não traria nada de bom ao nosso sistema político. O PSD opôs-se, em 1989, e não terá a mínima dúvida em dizer agora, mais uma vez, em 1997, um retumbante "não", lamentando apenas que o PS insista e que não tenha tido a clareza de raciocínio para retirar esta proposta, porque, uma vez apresentada, não poderia voltar atrás relativamente ao seu projecto inicial, pelo menos na CERC.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao ouvir o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não pôde deixar de me ocorrer alguma ironia na História.
A moção de censura construtiva foi vivamente defendida pelo PSD, como todos sabemos, na altura do Dr. Sá Carneiro,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu disse que era de há 20 anos!

O Orador: - ... que a sustentou como um instrumento constitucional de racionalização do nosso sistema de Governo.

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O Sr. José Magalhães (PS): - O Deputado Luís Marques Guedes não tem memória!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse - e já agora, devo dizer, são. aliás, respeitáveis opiniões - que este era um instrumento constitucional envelhecido. Cada um tem a opinião, legítima, que tem sobre este ponto, mas, se fizermos alguma reflexão sobre a própria história da nossa ordem constitucional ao abrigo da Constituição de 1976, não podemos deixar de reconhecer que. estando nós na VII Legislatura, todas as legislaturas anteriores à V Legislatura decorreram numa conjuntura política que não permitiu o cumprimento integral dos respectivos mandatos e que a sucessão de crises políticas que ocorreram no quadro deste sistema de governo levantou, em momentos vários, dificuldades ao normal desenvolvimento da acção governativa em clima de estabilidade política. Por isto, só na transição da VI para a VII Legislatura foi verdadeiramente possível praticar, em termos que eu diria puros, o modelo de alternância democrática. Um governo pôde-se substituir a outro sem que o governo anterior tivesse sido previamente demitido e estivesse em funções de gestão.

O Sr. José Magalhães (PS): - É histórico!

O Orador: - Esta situação, que só na transição da VI para a VII Legislatura historicamente ocorreu, talvez seja um bom exemplo de como. porventura, alguma coisa esteja por aperfeiçoar no nosso sistema de governo. Na opinião do PS, essa alguma coisa seria a introdução da moção de censura construtiva, para, como todos sabemos, evitar a coligação de maiorias negativas, que, por essa via, possa conduzir à destituição de governos, sem que seja possível uma substituição no quadro parlamentar, por deliberação parlamentar simultânea.
O PSD entende que esta solução teria o inconveniente, entre outros possíveis, de fazer a diminuição dos poderes do Presidente da República. Em meu entender, este argumento é um tanto paradoxal, quando é verdade que foi o PSD que, de forma expressa, no seu projecto de revisão constitucional, sustentou uma limitação ao poder, que actualmente é um poder não condicionado, do Presidente da República quanto à dissolução da Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Vê-se, por isso, que há aqui uma contradição de juízo, na medida em que se alguém queria condicionar o poder de dissolução parlamentar do Presidente da República foi efectivamente o PSD no seu projecto de revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem dúvida!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Admito que seja uma opção legítima, não é isto que ponho em causa. Porém, trata-se é de confrontar a natureza política das opções que cada um tem para procurar a melhor racionalidade do nosso sistema de governo.
Estamos agora na VII Legislatura, que decorre sob o signo de um Governo sem maioria absoluta, e, como vamos ainda a meio da legislatura, não podemos, por isso, fazer o balanço no sentido de sabermos se ela poderá decorrer, pela primeira vez, até ao fim sem dissolução intercalar ou se esse incidente político também ficará a marcar esta legislatura. Não faço futurismo, não tenho capacidade de adivinhação, não tenho uma bola de cristal. No entanto, de uma coisa estou convencido, a possibilidade da introdução da moção de censura construtiva seria um instrumento de racionalização da nossa prática de sistema de governo que muitas vantagens traria à estabilidade política em Portugal, sem qualquer prejuízo da autenticidade da representação democrática e também do equilíbrio de poderes actualmente traçado na nossa Constituição e que não seria minimamente afectado com a possibilidade de recurso a este instrumento constitucional.
Até agora não obtivemos maioria qualificada de dois terços e, por aquilo que ouvimos do PSD. não temos qualquer dúvida de que não a obteremos. Fica como testemunho a opção de compreensão institucional que o PS e o PSD têm nesta matéria. A divergência subsistirá, mas o futuro talvez nos ajude a compreender melhor quem tinha razão neste aspecto.

O Sr. José Magalhães (PS): - O futuro dirá! Exacto!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abreviando razões sobre esta matéria, creio que a questão da moção de censura construtiva não é tanto uma velha solução, como dizia o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas uma velha obsessão do PS, que é a de fazer subsistir governos minoritários, ainda que contem com a censura da maioria da Assembleia da República e, enfim, com a censura da maioria dos portugueses que elegeram essa mesma Assembleia. É, portanto, uma velha obsessão do PS, com a qual produziria profundas alterações no nosso sistema de governo e a estabilidade não ganharia seguramente coisa alguma, o que ganharia seria a manutenção, puramente artificial, de governos minoritários, à custa de um dique constitucional à acção das oposições e à acção do Presidente da República. De facto, em termos de alteração do sistema de governo, a aceitação da figura de moção de censura construtiva acarretaria uma séria limitação aos direitos da oposição ou das oposições, que ficariam limitadas na sua possibilidade de apresentação de moções de censura ao Governo, e, sobretudo, traduziria uma redução, essa aí muito drástica, dos poderes do Presidente da República, o que tornaria o nosso sistema de governo, que hoje é um sistema misto parlamentar/presidencial, num sistema fortemente parlamentarizado, na medida em que o Presidente da República deixaria de poder nomear o Primeiro-Ministro nos termos em que o faz actualmente, tendo em conta os resultados eleitorais, a composição da Assembleia da República, ficando drasticamente limitado pela indicação do nome do Primeiro-Ministro que fosse dada aquando da apresentação da moção de censura construtiva. Daí que esta proposta não possa merecer, de forma alguma, o nosso apoio; pelo contrário, merece a nossa firme oposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, a pergunta que vou fazer é muito rápida.
Na sua intervenção, o Sr. Deputado citou, com o que estou totalmente de acordo, os efeitos perversos que teria no nosso modelo constitucional a aprovação de uma figura deste tipo, face à redução drástica que implicaria na capacidade de intervenção do Presidente da República na arbitragem, no seu papel de árbitro, do funcionamento do sistema. Mas não citou um outro aspecto, sobre o qual gostaria de ouvir a sua opinião, a opinião da sua bancada, e que tem a ver com um aspecto, também extraordinariamente perverso, que resulta de uma medida como esta.
É evidente que numa Câmara onde um dos requisitos fundamentais de funcionamento é a pluralidade, a pluralidade de opiniões dos Deputados e, nomeadamente, das bancadas em que têm assento, esta moção de censura, esta figura, terá sempre como resultado ou como intenção coarctar, também de forma drástica e antidemocrática, a liberdade de cada uma das bancadas da oposição poder ter uma visão e uma perspectiva diferente da actividade governativa e da gestão que se deve fazer ou que deve ser levada a cabo no país.
Pergunto: entende ou não o Sr. Deputado que, para além dos efeitos perversos e altamente redutores do papel de intervenção do Presidente da República, esta proposta também vem eivada de uma lógica claramente castradora da liberdade de expressão e de escolha de cada uma das oposições parlamentares quanto às suas opções de governação e de críticas à governação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é inteiramente pertinente o que acaba de dizer ...

Risos do PS.

... e é, de entre o aspecto que referi, um aspecto muito importante, embora muito sinteticamente, que é o da moção de censura construtiva como entrave ao exercício de direitos por parte das oposições.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer uma intervenção funda e larga, porque, em meu entender, a evidência já está feita no que foi debatido até agora.
É evidente que o sistema que o PS propõe, importado de outras paragens - e disso não há mal algum, pois estamos abertos ao mundo e aprendemos com ele -, não tem em conta a realidade portuguesa e o sistema português. Para que a moção de censura construtiva fosse adoptada na nossa Constituição teríamos de fazer uma grande revisão do sistema constitucional que temos. Teríamos, nomeadamente, de saber que papel teria o Presidente da República para ter de ser eleito por sufrágio universal. Era evidente que com uma solução destas, a solução do sistema alemão, o Presidente da República deveria ser eleito pelas câmaras, por um qualquer órgão. Porquê chamar o povo para isto?! O Presidente da República, em Portugal, tem uma função de moderador do próprio do sistema, e é por isso que é eleito directamente pelo povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E em situações de crise interna, quer na Assembleia, no Governo, etc., ele é um árbitro, por excelência. do processo político, e está legitimado pelo povo português para este efeito.
Propuser-nos - e isto é apenas um comentário algumas alterações aos poderes do Presidente clã República, como, por exemplo, o desaparecimento da verificação preventiva da constitucionalidade, etc., a vários poderes que não nos parecem ajustados ao nosso sistema. Mas tirar este significa remover o Presidente da República da posição que ele tem no sistema político português.
Portanto, a nossa posição está em perfeita sintonia com o modelo que, em 1975, foi engendrado - e bem! - para gerir a política portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Então. Sá Carneiro foi um equívoco!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, para uma intervenção, estava a pensar em pôr à consideração da Câmara a possibilidade de se fazer uma discussão conjunta dos artigos 195.º a 199.º, já que, no fundo, têm ligeiras implicâncias e todas elas com o mesmo tema.
Portanto, se todos concordassem, alargaríamos a discussão até ao artigo 199.º...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É melhor ser só até ao artigo 198.º.

O Sr. Presidente: - Então, vamos discutir apenas até ao artigo 198.º. Assim, já temos algum ganho de causa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que estão clarificados os pontos de vista recíprocos, no entanto, para que não ficasse algum equívoco, gostaria de referir apenas dois aspectos.
O PS não se lembrou, como aliás já aqui foi sublinhado, da apresentação do instrumento da moção de censura construtiva apenas no quadro desta legislatura, em que é um partido com responsabilidades de Governo. Esta solução já vem sendo defendida pelo PS, designadamente no seu projecto de revisão constitucional apresentado na legislatura anterior, quando estava na oposição. Ou seja, não é em função de uma questão de conjuntura que defendemos esta racionalização de sistema de governo mas, sim, em função de um entendimento permanente de que ela melhor contribuiria para a estabilidade política em Portugal, e temo-la defendido tanto agora que estamos no Governo como no passado, quando éramos oposição.
Por outro lado, esta solução, ao contrário do que parece ter sido sugerido, não envolve qualquer diminuição expressa dos poderes constitucionais do Presidente,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não?!

O Sr. António Filipe (PCP): - Essa é boa!

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O Orador: - ... porque o poder de o Presidente dissolver a Assembleia da República é um poder não condicionado que, em qualquer caso, sempre poderia exercer, de acordo com o seu critério de avaliação do interesse nacional. E é aqui que há justamente uma separação de águas entre a posição do PS e a do PSD. O PS jamais entendeu diminuir constitucionalmente o poder de dissolução parlamentar que ao Presidente da República assiste, enquanto que o PSD quis expressamente condicionar o poder de dissolução parlamentar por parte do Presidente da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Não nos entendemos acerca da moção de censura construtiva? lá percebemos que não, mas, ao menos, não baralhemos o quadro de referências que cada um tem relativamente aos poderes do Presidente da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não baralhemos! Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Jorge Lacão, a questão que vou colocar e exactamente por causa da argumentação agora invocada. de que o PS, ao propor agora a moção de censura construtiva, não o faz por estar neste momento no poder, porque também o fez quando estava na oposição.
Sr. Deputado Jorge Lacão, creio bem que este é um argumento meramente formal, porque o que de tacto marca, do meu ponto de vista, a viragem do PS em relação a esta matéria é, para vós, o desgraçado ano de 1987,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... em que VV. Ex.as votam na Assembleia da República uma moção de censura, e o que VV. Ex.as pretendem inscrever na Constituição da República Portuguesa é, a meu ver, uma norma-travão em relação a disparates políticos, como aqueles que cometeram em 1987,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Esqueça-se dessa norma-travão de 1987! Esqueça-se!

O Orador: - ... porque, Sr. Deputado José Magalhães, no essencial da questão, o Sr. Deputado Jorge Lacão disse tudo quando afirmou que esta não era expressamente uma diminuição dos poderes do Presidente da República.
E não deixa, aliás, de ser curioso que quem, em outras alturas, já para recordar os tempos de antanho, cantou as loas ao sistema semipresidencial seja hoje quem pretenda atingir o cerne desse sistema semipresidencial implantado na Constituição da República Portuguesa.
Aquilo que quero perguntar ao Sr. Deputado Jorge Lacão é isto: Sr. Deputado, não estará em 1987 verdadeiramente a razão de ser da vossa alteração de posição em relação a esta matéria?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, pois c, já não estamos em 1987! Ninguém vai reescrever a História! Estamos em 1997, e isso vai-me permitir fazer daqui um voto, o de que o Sr. Deputado Miguel Macedo e o PSD tenham aprendido com aquilo que se passou em 1987...

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Ai aprendemos!

O Orador: - ... e não caiam na tentação de cometer qualquer erro histórico semelhante em 1997.

Vozes do PS: - Muito hem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta minha segunda intervenção tem a ver, uma vez que estamos a discutir em conjunto uma série de artigos, com outro aspecto que não abordei na intervenção inicial, pois ative-me em particular ao problema de fundo que resultava da alteração ao artigo 190.º.
Nos artigos seguintes acontece esta coisa extraordinária. que decorre exactamente do carácter esdrúxulo desta proposta do PS e que, de tacto, só a ferros é que pode entrar na construção constitucional que temos, porque, de facto, ela não foi pensada, como já expliquei - e estou bem acompanhado nessa opinião. Na lógica em que ela historicamente foi concebida não foi para um modelo deste tipo.
Portanto, o que acontece é que agora, aqui à frente, chegamos à conclusão de que o PS faz duas coisas extraordinárias. Em primeiro lugar, pura e simplesmente, acaba com a rejeição dos programas de governo. Eles são presentes nesta Assembleia, e nós sabemos exactamente qual é o papel que o nosso modelo constitucional lhe destinou, em sede de apreciação do Programa do Governo, para a legitimação do início da governação por um qualquer Governo empossado pelo Presidente da República. Em segundo lugar, o PS, para conseguir encaixar esta coisa extraordinária da moção de censura construtiva, faz tábua-rasa da rejeição do Governo, acabou-se a rejeição do Programa do Governo.
A rejeição do Programa do Governo deixa de ter lugar e em sua substituição aparece esta coisa não menos extraordinária também, que é a moção de censura a um Governo que ainda não governa. Ou seja, o PS pretende, apenas para conseguir encontrar uma solução técnica qualquer, que a Assembleia da República, na análise ou na apreciação que faz ao Programa do Governo. que aparece aqui limpinho, virgenzinho de governação, para poder ver legitimado por esta Assembleia politicamente o início dessa governação, o censure.
Mas censurá-lo de quê, Srs. Deputados? É a própria Constituição da República que deixa claro como água que as moções de censura - e nem precisaria de o dizer, mas di-lo - terão obrigatoriamente que ver com a censura ao Governo sobre a execução do seu programa. Ora, se o seu programa ainda nem sequer está aceite por esta Assembleia e, portanto, longe de estar em execução, que raio de censura é que devemos fazer?!
Portanto, Srs. Deputados, nestes artigos 195.º, 197 º e 198. as propostas em catadupa do PS mais não são do que a tentativa de fazer passar aquilo que não tem cabimento, de facto, no nosso texto constitucional e criaria, seguramente,

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para além dos efeitos perversos que já aqui situemos a propósito do artigo 190.º, relativamente ao, normal funcionamento de órgãos de soberania tão fundamentais no nosso sistema como são a Assembleia da República, naquilo que concerne à liberdade de funcionamento e de expressão das oposições, e do Presidente da República, naquilo que concerne ao seu papel de árbitro e moderador do sistema.
Também ao nível dos próprios instrumentos e das figuras constitucionais através das quais a Assembleia da República se expressa e expressa por ela a vontade do povo português se gerariam aqui extraordinários entorses dificilmente compreensíveis, para não dizer totalmente inaceitáveis, pelo menos do ponto de vista da bondade das soluções e da correcção técnica com que as mesmas são apresentadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer em três palavras que a posição do CDS-PP, quanto a esta discussão global que se faz sobre a questão da moção de censura e dos poderes de dissolução e nomeação dos governos, é, de facto, contra a moção de censura construtiva.
Imaginemos, por exemplo, o caso particular da actual composição da Assembleia da República. No fundo, o que o PS queria, numa norma que para nós tem, obviamente, oportunidade conjuntural, era que, se esta Assembleia da República, perante um Governo que tem maioria simples. não tem a maioria absoluta dos Deputados, quisesse aqui apresentar uma moção de censura, teria de indicar, porventura, um Primeiro-Ministro e um novo Governo. Ora isto não pode ser! E, depois, como criticar politicamente um Governo que não tinha na sua génese, obviamente,
qualquer lógica política, qualquer cimento político entre as diversas bancadas?
Uma coisa é esta Assembleia, no uso dos seus poderes de apreciação e de fiscalização da actividade governativa, poder opor-se e mostrar a sua censura ao executivo e outra é ter a obrigação de ela própria propor um governo alternativo.
A Assembleia da República ou os Deputados no seu conjunto têm obrigação de saber que, quando propõem uma moção de censura, estão, de facto, porventura, a provocar eleições antecipadas e, portanto, têm esse sentido de responsabilidade política e sabem que estão, de facto. a interromper, porventura, uma legislatura. É disso que se trata e não de arranjar, por via constitucional, forma de, digamos, impedir o exercício democrático do direito de oposição dos diversos partidos que a compõem e que compõem a oposição.
A nossa posição também tem a ver com a circunstância de não concordarmos com a introdução, no artigo 190.º, desta limitação do poder do Presidente da República de actuar politicamente perante uma moção de censura e perante a demissão de um Governo em caso de moção de censura.
Indica-se aqui um caminho ao Presidente da República - e estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Barbosa de Melo -, que ele pode seguir ou não. Esse poder não lhe deve ser limitado, até porque ele é eleito por sufrágio directo e universal, e isto implica, na verdade, uma legitimidade política e democrática que não é compatível com esta orientação que se quer introduzir na Constituição ao tipo de actuação que um Presidente da República toma numa situação como esta que temos vindo aqui a descrever.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 199.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O texto constitucional em vigor omite, no tocante ao estatuto dos membros do Governo, qualquer regra de imunidade. E no entanto, num regime de forte componente parlamentar, como é o nosso, aos membros do Governo não deve ser negada protecção idêntica à que cobre os membros do Parlamento, pelas mesmas razões já por mim aqui lembradas em anterior intervenção sobre o artigo 160.º, n.º 3.
Em proposta apresentada, avulsamente, na CERC, que veio, aliás, a obter consenso, propus a aplicação aos membros do Governo de regime idêntico ao dos Deputados à Assembleia da República quanto à detenção, à prisão preventiva e à própria sujeição a julgamento em processo crime.
O princípio será, pois, sempre o da prévia autorização da Assembleia da República, que. assim. vê ampliada a sua autoridade institucional sobre o Governo e face aos tribunais.
O Estado de direito democrático não sai daqui beliscado, pois se confirma a regra republicana da responsabilidade criminal dos membros do Governo, e é mesmo reforçado com as garantias acrescidas da separação dos poderes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de palavra, vamos passar à discussão do artigo 200.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 200.º, temos uma primeira alteração na alínea i) do n.º 1, que tem a ver, digamos, com uma correcção que já foi feita relativamente a outro passo da Constituição, mas que não é menor, e que, no fundo, tem a ver com a questão relevante que tratámos a propósito do artigo 164.º no que se refere ao reforço das competências desta Assembleia relativamente à capacidade de intervenção sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia.
Coloca-se aqui, nesta alínea i). em consonância exactamente com essa alteração que fizemos lá atrás, a obrigação de o Governo apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República todas essas matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia. exactamente para que esse poder novo ou reforçado que atrás aprovámos de a Assembleia da República se poder pronunciar sobre essas matérias pendentes tenha efectiva concretização, porque, está bem de ver, se não houver a obrigação por parte do Governo de apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República essas matérias, ficará sempre, a Assembleia da República coarctada do exercício dessa sua função.

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Em segundo lugar, e relativamente ainda às matérias que têm a ver com a integração europeia, vem ainda da Comissão Eventual uma proposta. embora ainda não com o voto favorável do PS, que espero seja revisto nesta discussão aqui no Plenário, que cria a da obrigatoriedade de o Governo apresentar à Assembleia da República as propostas a submeter ao Conselho de Ministros da União Europeia logo que estas sejam apresentadas.
A questão é a seguinte, Srs. Deputados: todos compreendemos, quer no que se refere ao artigo 164.º, alínea o), quer no que se refere à alínea i) deste artigo 200.º, relativamente ao relacionamento que existe entre-a Assembleia da República e o Governo para o acompanhamento das matérias pendentes de decisão em órgãos da União Europeia, que bastará a apresentação, em tempo útil, por parte do Governo das questões em termos políticos, para que a Assembleia, em termos políticos também, possa atempadamente pronunciar-se sobre elas e, eventualmente, dar algumas indicações políticas sobre o que pensa sobre a matéria.
Quanto à questão das propostas em concreto, é evidente que o Governo não deve, do ponto de vista do PSD rejeitámos e opusemo-nos a formações nesse sentido -, estar obrigado, antes de apresentar internacionalmente essas propostas, a entregá-las formalmente na Assembleia da República, sob pena de uma redução, de urna fragilização, da capacidade de negociação internacional que, seguidamente, o Governo teria na sua discussão em termos internacionais, porque estaria, desde logo. vinculado não a uma opção política ruas, sim, a uma proposta em concreto e, portanto, a sua margem de manobra negocial, em sede da União Europeia, estaria claramente reduzida.
Coisa completamente diferente é o que se propõe aqui nesta alínea j), e, por isso, reitero o meu apelo à reconsideração por. parte do PS, é deixar aqui claro na Constituição que, a partir do momento em que o Governo apresenta internacionalmente as suas propostas em sede própria ou no Conselho de Ministros da União Europeia, é evidente que deve também imediatamente apresentá-las a esta Assembleia, porque não faz qualquer sentido que esta Assembleia venha a ter conhecimento das propostas através da comunicação social, através de Deputados ao Parlamento Europeu ou dos canais que cada um dos grupos parlamentares mantém com a Europa e as suas instituições. Portanto, é até uma questão de dignificação do funcionamento desta Assembleia e de correcção no relacionamento, que deve ser estreito, e de dependência política clara e permanente do Governo relativamente à Assembleia da República.
Apelamos, portanto, ao Partido Socialista para que repondere e reflicta melhor sobre o conteúdo desta proposta de uma nova alínea aprovada por maioria simples na CERC e dê, na sequência dessa reflexão, o seu apoio e voto favorável a esta benfeitoria ao texto constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, sobre esta matéria do artigo 200.º, além da benfeitoria que o PSD introduziu na norma em discussão e que, aliás, já votámos na CERC, nós próprios incluímos no nosso projecto uma outra proposta, cuja votação avocámos a Plenário e que, presumo. pode aqui discutir-se. Ora, é exactamente a essa que queria fazer uma breve referência.
O Partido Popular propõe que, entre as competências políticas do Governo, passe também a constar a submissão à Assembleia da República das propostas de actos comunitários negociadas pelo Governo para que a Assembleia da República exerça as competências previstas nos artigos 164.º. alínea n) e 168.º, alínea i), na redacção proposta pelo CDS-PP, designadamente a de sobre elas se pronunciar e, inclusive, elaborar, discutir e aprovar resoluções, nos termos constitucionais e da lei.
Com isto, queremos acentuar e reforçar o papel da Assembleia da República no processo de construção europeia e introduzir com conteúdo útil e concreto um direito de pronúncia prévia da Assembleia da República sobre os actos comunitários.
Trata-se de uma proposta que reflecte a posição de sempre do Partido Popular sobre a construção europeia, que entende que ela não pode fazer-se sem que a Assembleia da República, ou seja, os representantes eleitos pelo povo português previamente se pronunciem com sentido útil e conteúdo concreto sobre os actos comunitários que se traduzem na construção europeia.
Se esta Assembleia da República for mesmo a Assembleia da República dos eleitos do povo português, não pode opor-se a esta proposta e deve aprová-la.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, nesta matéria, esta revisão vai fazer o que a revisão intercalar de 1992 não pôde fazer. Sob proposta do Partido Socialista, nessa altura, foi alvitrado o que agora está consagrado: a inserção no artigo 164.º, alínea n), já discutido, de uma norma que majora a participação do Parlamento nas questões da construção europeia, como tendo a função de se pronunciar "sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos no âmbito da União Europeia que incidam na esfera da sua competência reservada". E evidentemente tem a possibilidade de se exprimir livremente, sob qualquer forma, quanto a tais matérias e quanto a quaisquer outras, usando, para o efeito, o seu direito de aprovar toda a espécie de actos parlamentares pela forma adequada.
Lembramo-nos todos que o PSD rejeitou, in illo tempore, a inserção no artigo 164.º desta norma e aceitou apenas a alínea j) do artigo 166.º. A verdade é que, agora, mantemos as duas, ou melhor, mantemos a referência do artigo 166.º e aditamos, na sede própria - "competência política" -, a menção que acabei de referir.
Correlativamente, ao Governo cabem obrigações específicas, padronizadas nos termos que decorreram da revisão de 1992, ou seja, a apresentação, "em tempo útil" - expressão-chave, que se mantém -, de informação referente ao processo de construção da União Europeia.
Não lográmos atingir um consenso na CERC quanto a uma formulação específica no tocante às iniciativas a submeter ao Conselho de Ministros da União Europeia. Ponderaremos ainda se há alguma solução possível, mas a verdade é que da norma, na redacção que tem com o consenso dado pelo PS, fluem já obrigações de informação que contemplam o essencial dos processos preparatórios de decisões e dão à Assembleia da República meios próprios para ajuizar sobre o que estiver em debate.

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Entre 1992 e este momento, aconteceram várias coisas no âmbito da União Europeia que colocam o debate de toda esta questão com uma natureza distinta daquela que tinha em 1992.
O quero quero dizer com isto? Que, em matéria de transparência, a União Europeia está a fazer um processo de reflexão, do qual decorreu já a aprovação de um conjunto de resoluções que abrem o processo decisional ao escrutínio público, não apenas dos parlamentos mas também dos cidadãos, e, portanto, algumas das coisas que, no passado, no processo pré-Maastricht, foram rodeadas de sigilo excessivo - é preciso reconhecê-lo historicamente - encontram-se, hoje, analisadas a uma outra luz e os parlamentos - os nossos serviços, nós Deputados e os nossos serviços de apoio - têm acesso a vastíssima documentação da União Europeia, inclusivamente por meios electrónicos e não apenas pelos meios clássicos, obtida instantaneamente e na hora - não dependemos do Governo para obter esse tipo de informação.
Qualquer norma a ser contemplada nesta matéria será adjuvante em relação a um certo tipo de documento e, em alguns casos, sob reserva e sob confidencialidade, porque se trata de decisões em processos preparatórios, processos negociais, alguns dos quais do mais alto melindre, e devo dizer que foi por isso, e só por isso, que não aderimos, de imediato, na CERC à proposta tal qual está redigida.
Se for possível encontrar uma proposta que respeite a liberdade negocial e os imperativos diplomáticos de sigilo na parte em que eles cabem e que fixe obrigações governamentais razoáveis, não será seguramente o Partido Socialista, que, nesta matéria, foi campeão da transparência e da cooperação institucional, a opor-se.
Esta redacção é vulnerável e tem inconvenientes que ficaram assinalados na CERC, pelo que não vos maçarei com a rememoração desses inconvenientes. Estamos, portanto, abertos...
Em segundo lugar, gostaria de me congratular por ter sido possível levar a bom termo um dos pontos que era uma pedra-de-toque do projecto de revisão constitucional do PS, apresentado em Março de 1996.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se se trata de uma questão de redacção, espero que os partidos tentem chegar a uma redacção conveniente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, fazemos nossas as palavras que acaba de proferir. Já ontem tive ocasião de dizer que para nós esta é uma das mais importantes questões na perspectiva da salvaguarda dos poderes parlamentares, cada vez mais afectados pelo processo de integração comunitária. E ou encontramos novas e sólidas vias de preservar o papel dos parlamentos nacionais ou é evidente que eles terão um papel claramente menorizado.
Chamaria a atenção para o facto de, exactamente com este propósito, termos apresentado uma proposta, em relação a este artigo, de, para além do termo "informação", acrescentar explicitamente a referência às propostas de actos normativos comunitários. A nosso ver, é disso. acima de tudo, que se trata. E, independentemente de esta questão ficar ou não consagrada, creio que temos de inaugurar uma prática de os governos enviarem as propostas de directivas - sobretudo de directivas, mas eventualmente também de regulamentos - às instâncias competentes da Assembleia da República, designadamente ao Sr. Presidente da Assembleia. para efeitos de aqui serem apreciadas. Não temos (cito isso, mas creio ser algo da maior importância.
Voltaria a chamar a atenção para a nossa proposta, a propósito do artigo 164.º. de a Assembleia da República dever ter um papel vinculativo das posições portuguesas no caso de os actos normativos dizerem respeito a matérias da sua competência reservada.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que é o mínimo que se pode assegurar nesta matéria e vamos naturalmente continuar a lutar, independentemente dos resultados desta revisão, para que possamos ir mais longe e, no fim de contas, tenhamos a capacidade política de romper com uma situação que, em última instância, é de empobrecimento das nossas próprias competências - e, quando dizemos das nossas próprias competências, dizemos do órgão que deve ser central na democracia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito hem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito brevemente, gostaria de realçar a importância que Os Verdes atribuem a esta norma constitucional, relativamente à qual, de forma diferentemente expressa, todos os grupos parlamentares apresentam propostas de alteração nos seus projectos de revisão constitucional.
Em nosso entender. o que está em causa e se pretende com esta norma, mais do que a liberdade de acesso à informação, mais do que rocios expeditos, porventura até electrónicos, de conhecer o que se passa, ë que a Assembleia da República se recuse a abdicar do papel interventor que tem em matéria de construção europeia, portanto, em matérias que, cada vez mais e crescentemente, moldam e condicionam não só as nossas opções presentes mas fundamentalmente as futuras. Portanto, julgamos que daquilo que se trata é de não abdicar de um papel que, do nosso ponto de vista, o Parlamento tem como representante de diferentes correntes de opinião, um papel que não é de mero observador, não é de simples observação do que se passa em termos do processo de construção europeia, mas de agir e de se posicionar sobre ele e dar eficácia às decisões que por aqui passam e sobre as quais haja posições.
É nesse sentido que valorizamos esta proposta e entendemos positivo o que ela exprime.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado que não há inscrições em relação aos artigos 202..ºe 205.º e que os artigos 206.º e 207.º não têm de ser discutidos, pois não há matéria para isso, passamos à discussão do artigo 208.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero justificar o apoio do PSD à proposta de alteração ao n.º 1 do artigo 208.º, que, na redacção votada

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na CERC, diz o seguinte: "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
Do que se trata aqui, como bem ficou enunciado nos trabalhos da CERC e foi particularmente sublinhado pelo seu presidente de então, é da consagração de um princípio que nos parece dever merecer acolhimento constitucional, qual seja o de exigir, à semelhança do que se faz para muitos dos actos da Administração, a fundamentação dos actos judiciais, com a ressalva daqueles que são de mero expediente.
Hoje, do n.º 1 do artigo 208.º do texto constitucional, pode resultar a ideia de que só carecem de fundamentação as decisões judiciais para as quais a lei exiga essa fundamentação. Ora, está bom de ver que, em matérias que afectam de forma tão profunda os interesses dos cidadãos, como são as decididas pelos tribunais, deve haver a consagração clara no texto constitucional do princípio da fundamentação de todos os actos, menos daqueles, como é evidente, que são de mero expediente.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, acolhemos esta proposta, originariamente do Partido Comunista, com as alterações que, entretanto, foram acertadas em sede da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e entendemos as argumentações daqueles que aduziram e densificaram esta norma no sentido de deixar claro que não se pretende exigir sempre fundamentações densas, particularmente de ordem doutrinária. Não é disso que se trata mas, sim, de exigir que as decisões judiciais tenham fundamentação, mas uma fundamentação adequada, obviamente, à importância e à circunstância da decisão judicial em causa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de assinalar que o Partido Socialista votou favoravelmente esta disposição na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. É uma disposição redigida em termos muito cautelosos e que visa sublinhar claramente um princípio fundamental, o da obrigação de fundamentação das decisões dos tribunais, que será uma condição do próprio prestígio, da racionalidade e da bem feitura de decisões jurisdicionais.
Todavia, houve um extremo cuidado em, por um lado, excluir as decisões de mero expediente - e, sinceramente, fazemos votos para que não se gere nenhuma querela sobre o recorte conceptual exacto desta expressão, já que ela tem estabelecido o seu sentido de forma razoavelmente inequívoca - e, por outro lado, remeter para a legislação ordinária a exacta modelação da forma a que deve obedecer este processo de fundamentação, ou seja, a nível infra-constitucional ainda vamos ter algum trabalho de apuramento para joeirar soluções. Essa cautela é premeditada, o passo dado é cauteloso, mas é um passo positivo para o prestígio da justiça portuguesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero tão-só assinalar que, de facto, a introdução desta formulação na Constituição representa um reforço dos direitos dos cidadãos na defesa dos seus interesses, bem como para assinalar que, tal como já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, a inspiração desta alteração nasceu de uma proposta do PCP, que, acolheu algumas alterações até chegar à formulação Final.
Penso, assim, que o "efeito PC", ou o efeito "politicamente correcto", se obteve na formulação deste artigo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma muito breve, uso da palavra para salientar o total acordo e apoio do Grupo Parlamentar do Partido Popular relativamente a este dever de fundamentação e de motivação a que passam a estar sujeitas as decisões judiciais que não sejam de mero expediente.
Trata-se, aliás, de fazer a equiparação entre as decisões judiciais e os actos administrativos - no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição já se previa que estes tinham de ser fundamentados aos seus destinatários -, o que representa, indiscutivelmente, um reforço do Estado de direito democrático e dos direitos dos cidadãos.
Neste sentido, o Partido Popular dá todo o seu apoio a esta norma, na medida em que ela representa, como já referi, um incremento das garantias dos cidadãos num Estado de direito democrático.

O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda em relação ao artigo 208.º, quero apenas dizer que Os Verdes entendem e acolhem como muito positiva esta alteração, que é sinónimo do reforço dos direitos dos cidadãos e do aprofundamento do Estado democrático. Portanto. é uma proposta que acolhemos com agrado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 210.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao artigo 210.º, há uma alteração que, embora pareça pequena, pode vir a ter uma vasta expressão na alteração da lei ordinária.
A forma de participação de júri nos julgamentos de crimes em Portugal é, ainda hoje, bastante restrita na lei e sem uma expressão alargada. Aliás, num dos projectos inicias desta revisão existia uma proposta no sentido de permitir, através da alteração do texto constitucional, um alargamento significativo deste princípio da participação do júri, remetendo para a lei a sua composição e passando a admitir, para além das situações em que a acusação ou a defesa o requeiram, outras situações eventualmente colocadas pelo próprio legislador.
Em complemento desta proposta e para aceitação de uma alteração que pudesse consagrar este princípio no texto constitucional, por proposta do Partido Social

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Democrata e com a aceitação do Partido Socialista, ficou firmado no acordo de revisão que deve então alargar-se as excepções que já existem na Constituição relativamente à composição do júri, excepções essas que são pautadas pela preocupação de salvaguarda do interesse e da segurança dos cidadãos em geral e do cidadão comum que, em particular, faça parte de júris.
Todos sabemos que, hoje em dia, nos países cujos sistemas têm por norma o funcionamento de júris existe, de facto, determinado tipo de criminalidade onde, pela participação de um qualquer cidadão num júri ao abrigo desse dever cívico, podem ocorrer violações graves da sua segurança e tranquilidade ou da segurança e tranquilidade da respectiva família e bens. Tal acontece, nomeadamente, quando estamos em presença da chamada criminalidade organizada.
A nossa Constituição já prevê, no texto actual, precisamente ao abrigo desse tipo ele preocupações, a excepção da existência de júri no julgamento de casos de terrorismo. Mas hoje em dia não há só o terrorismo, existem outras formas de criminalidade organizada que merecem, do ponto de vista do legislador - o Código Penal caracteriza-as como "criminalidade altamente organizada" -, uma tutela especial da legislação criminal.
Ora, é evidente que, por idêntica ordem de razões, devem ser alargadas - foi essa a proposta do PSD, depois aceite pelo PS - as excepções à composição do júri, passando a incluir não só os julgamentos de casos de terrorismos como os relativos a quaisquer actos ou situações de criminalidade altamente organizada, porque também nestas situações, como está hora de ver, a segurança do cidadão que faça parte de um júri, da sua família e dos seus bens pode estar ameaçada, exactamente por força dessa organização que pode continuar a existir cá fora em simultâneo com o processo de julgamento, o que pode redundar em violações, atentados, pressões ou outras formas atentatórias da liberdade, clã segurança e da tranquilidade a que todo o cidadão tem direito e que, mais do que isso, constitui um seu direito inalienável que deve ser sempre preservado e protegido pelo Estado.
É este, portanto, o contexto da alteração ao n.º 1 do artigo 210.º.
Quanto ao n.º 2 do mesmo artigo 210.º, na esteira de uma proposta que constava do projecto originário do Partido Social Democrata, pretende-se apenas acrescentar àquela que já é a previsão constitucional da intervenção de juízes sociais no julgamento de determinado tipo de questões que tenham a ver, designadamente, com o trabalho. com a saúde pública e com pequenos delitos, a possibilidade de essa intervenção de juízes sociais ocorrer em matéria de execução de penas.
Esta também é urna área importante das decisões jurisdicionais, por isso faz todo o sentido estender a ela a participação e intervenção de juízes sociais, com toda a componente que está para além da estrita visão jurisdicional ou técnico-jurídica das questões.
Trata-se, portanto, de uma benfeitoria. E apraz-nos registar o facto de a mesma ter acolhido, desde logo, o assentimento do Partido Socialista, bem como de Srs. Deputados das outras bancada, que foram unanimes em considerar ser esta unia benfeitoria clara ao texto constitucional, situação com a qual nos congratulamos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no uso do meu direito de pedir esclarecimentos, gostava de perguntar qual é o significado da expressão "pelo menos quando a acusação ou a defesa o requeiram", ou seja, o que é que acontece quando não o requererem? Fica para a lei? Nesse caso, talvez se devesse explicitar.
Por outro lado, suponho que o conceito de criminalidade altamente organizada está fixado internacionalmente; mas também gostava de saber onde está a fronteira entre o altamente e o mediamente organizado.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é com muito gosto que tentarei responder a algumas das dúvidas que V. Ex.ª agora formulou.
O conceito de criminalidade altamente organizada está hoje, passe o pleonasmo, conceptualizado no artigo 1.º do Código de Processo Penal português. Portanto, existe já uma densificação exacta deste conceito: ele não foi inventado mas, sim, transposto de outro lugar da ordem jurídica portuguesa, em sede de lei ordinária.
Pelo que vejo, o Sr. Deputado José Magalhães, com o auxílio da Sr.ª Deputada Odete Santos, já tem em mãos o Código de Processo Penal e, nessa medida, até poderá, melhor do que eu, porque não tenho de memória o conceito exacto, elucidar todas as dúvidas.
Sr. Presidente, em relação à utilização da expressão "pelo menos", a intenção é a seguinte: a alteração qualitativa importante que se pretende introduzir no actual texto constitucional tem a ver com a existência de júri no julgamento de crimes graves, uma vez que no actual texto constitucional ela surge restrita às situações em que a acusação ou a defesa o requeiram. A partir de agora, pretende-se que o júri possa intervir no julgamento de crimes graves com a composição que a lei fixar, mantendo-se, no entanto, a previsão de que, mesmo que a lei não tenha determinado expressamente a constituição de júri neste e naquele tipo de crimes, haverá sempre a hipótese de a acusação ou a defesa o requererem, tal como já existe actualmente.
Portanto, não se pretendeu retirar à acusação e à defesa a possibilidade de requerer a constituição de júri, porque este é um direito que decorre do actual texto constitucional e que não se pretendeu reduzir. O que se pretendeu, sim, foi que também a lei pudesse, desde logo, prever a existência de júri no julgamento de outros crimes graves. Foi essa a opção e a razão de ser da expressão "pelo menos".

O Sr. Presidente: - Muito obrigado pelo esclarecimento, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, foi adiantada a explicação desta norma, pelo que resta confessar a "paternidade". Esta norma tem "paternidade repartida", já que uma primeira componente resulta de uma iniciativa do Partido Socialista. Refiro-me, precisamente, àquela sobre a qual incidiu o pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Presidente, ou seja, o relativamente misterioso "pelo menos". Tratou-se de uma tentativa que os Deputados do PS encontraram, no projecto de revisão constitucional, para sublinhar que se deveria flexibilizar o regime actual, que faz depender de aquiescência da acusação ou da defesa ou de iniciativa a possibilidade de intervenção do júri.
O legislador ordinário, nesta redacção, que, porventura, poderá ser substituída por outra mais perfeita, se surgir

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não nos ocorreu outra melhor -, pretendeu viabilizar uma intervenção legislativa que estatua a intervenção obrigatória do júri.
Quanto ao conceito relativamente indeterminado utilizado na primeira parte da norma, o de "criminalidade altamente organizada". ele resultou de uma reflexão que tem vindo à ser feita no âmbito cia Assembleia da República, tanto era sede de legislação ordinária como de instrumentos de direito internacional. tendente a isolar um conceito que recorte certos tipos de criminalidade de especial gravidade. em que os elementos de organização e, logo, de eficácia e perigosidade são elementos relevantes. O Código de Processo Penal, no seu artigo 1.º. n.º 2. recortou esse conceito como integrando aqueles crimes que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade tísica ou a liberdade das pessoas e sejam puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos. ruas, obviamente. não estamos a constitucionalizar este segmento normativo do Código de Processo Penal, não estamos a importar para a Constituição este exacto recorte normativo. O legislador ordinário é livre de desenhar noutros termos o que seja a criminalidade altamente organizada e pode faze-lo, com uma limitação: é que o que prima aqui são precisamente os elementos da organização e da especial gravidade das infracções que essa organização visa perpetrar.
Tivemos muito em conta as legislações feitas por diversos quadrantes, ruas o que primou verdadeiramente na solução que adoptámos por fim foi uma tentativa de salvar o júri, e não passa disso. Tudo vai depender de nós, da legislação ordinária, do impulso dos protagonistas da vida forense. O júri. em Portugal, foi "assassinado" lentamente, através, desde logo, de medidas práticas que inviabilizaram que tosse prestigiado e que ser chamado a serviço de júri fosse considerado uma honra, como sucede noutros países, uma expressão enorme de cidadania e urna função digna. As listas de jurados foram sendo mantidas, ao longo dos anos, em situação de vivissecção e de depressão, depois, uma revisão constitucional degradou o estatuto do júri, a lei ordinária não o vivificou e a tentativa que o PS aqui impulsiona vai no sentido de restaurar verdadeiramente o esplendor que nunca teve na experiência democrática portuguesa, mas terá tido no passado, no século XIX, em Portugal, e tem noutros países, embora não seja um instituto imune a crises.
Trata-se de uma tentativa, apostámos nela com genuinidade, fazemos votos e assumimos o compromisso de que a lei ordinária catraia todas as potencialidades da abertura agora efectuada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, para um pobre engenheiro, isto entende-se perfeitamente...

O Sr. José Magalhães (PS): - Rico engenheiro!

O Orador: - Ou rico, conforme queira!
Como estava a dizer, isto entende-se perfeitamente quando a excepção deixa de ser apenas para o terrorismo e passa a ser para a criminalidade altamente organizado. Muito bem, aí estamos de acordo! Agora, a meu ver, a expressão "pelo menos" vai conduzir este preceito exactamente ao que constava anteriormente. Quem é que vai decidir? Antigamente, estabelecia-se que havia júri
quando a acusação ou a defesa o requeressem, com excepção do terrorismo, excepção que foi agora ampliada, e, na minha opinião, muito bem. Mas, se o Sr. Deputado insere aqui a expressão "pelo menos", caímos exactamente no mesmo. Ou seja, quem é que vai decidir, se não for a acusação ou a defesa? A expressão " pelo menos", no meu geométrico espírito, não faz qualquer sentido, significa estabelecer exactamente o que estava. Então, acrescentemos apenas as excepções!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - É que a Constituição é para os cidadãos entenderem e, core certeza, há mais cidadãos com o mesmo espírito que tenho do que com o espírito do Sr. Deputado José Magalhães, que é jurista.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno Abecasis assume-se como "pobre engenheiro", o que é injusto em todos os sentidos e assume-se como vox populi, o que fica sempre bem e é justo, aliás todos gostamos de nos assumir como vox populi.
Mas deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado Nuno Abecasis, que tinha sido antecedido pelo Sr. Presidente da Assembleia, que já teve o cuidado de pontualizar que existia aqui alguma expressão enigmática e que talvez fosse bom clarificar este ponto ou escrevê-lo em português que não suscitasse quaisquer dúvidas.
Para nós, isto não é exactamente o "Alma minha gentil que te partiste", não é uma formulação considerada perfeita e alquimicamente mágica, mas a nossa ideia é clara: o legislador ordinário deve poder estabelecer outros casos de intervenção obrigatória de júri, além daqueles que já decorrera da lei, quando seja requerido pela acusação ou pela defesa.
Se até à hora-limite do voto nos ocorrer o que não ocorreu ao longo destes dois anos de trabalho e essa melhor expressão surgir, seremos os primeiros e os mais entusiasmados a votá-la.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, sem querer intervir na discussão, gostaria apenas de dizer o seguinte: já que, na primeira linha, se refere a "composição que a lei fixar", talvez seja bom inserir, no final, a expressão "nos termos da lei". Isto salvava tudo!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Ou tirar a expressão "pelo menos"!

O Sr. Presidente: - Pelo menos eu e o Sr. Deputado Nuno Abecasis ficávamos mais tranquilos. Srs. Deputados.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, se. de facto. em relação à proposta da CERC para o n.º 2 do artigo 210.º estamos de acordo, uma vez que, em relação ao tribunal de execução de penas, o povo - e desculpem-me os que tiraram o povo da Constituição -...

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Vozes do PS: - Outra vez?!...

A Oradora: - ... passa a poder participar...

Protestos da Deputada do PS Maria Carrilho.

Sr.ª Deputada Maria Carrilho, não se exalte tanto! Não me diga que não aguenta uma graça!

Vozes do PS: - Ah!

A Oradora: - Então, preparem-se porque ainda há mais graças! Quanto a si, Sr.ª Deputada, não a considero em idade serôdia e vou provar-lhe que a actual proposta do PS para o n.º 1 do artigo 210.º é serôdia e representa o medo da administração popular da justiça.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é uma gracinha?!

A Oradora: - Não é gracinha nenhuma, Sr. Deputado!
Em relação ao n.º 1 do artigo 210.º, a proposta inicial do Partido Socialista estava correcta, a proposta que nasceu na CERC é restritiva quanto à participação do júri, aliás, como o Sr. Deputado Marques Guedes - e penso que isso terá sido uma exigência do PSD - acabou por reconhecer na sua intervenção, falando em nome da salvaguarda da segurança dos jurados.
Mas a proposta que veio da CERC também é restritiva por outra razão: se formos à lei actual - e não falo para o Deputado José Magalhães porque ele sabe que esta proposta é restritiva - encontramos lá que, nos crimes contra as pessoas, o júri pode intervir quando forem puníveis com mais de 8 anos de prisão. Ora, com a proposta da CERC, e tendo a expressão "criminalidade altamente organizada" o sentido que vem no Código de Processo Penal, como o Sr. Deputado José Magalhães disse na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o júri deixa de poder intervir nos crimes contra a integridade física e a liberdade, quando sejam punidos com mais de 5 anos de prisão. Aqui tem a prova em como se restringe a possibilidade de intervenção dos jurados nos julgamentos!
O PCP entende que, de facto, não se aproxima a justiça dos cidadãos desta forma, isto é, furtando-lhes a possibilidade de intervirem em julgamentos a possibilidade de ficarem por dentro da máquina da justiça. Estas restrições são tudo o que há de mais aconselhável para proliferarem milícias populares e seguranças privadas. Aliás, o PCP entende que até há uma contradição entre o n.º 2, que alarga a possibilidade de intervenção dos cidadãos nos tribunais de execução de penas - proposta apresentada pelo PSD e com a qual estamos totalmente de acordo, porque através dessa intervenção os cidadãos perceberão o que funciona mal na liberdade condicional -, e a restrição para que aponta o n.º 1.
Sr.ª Deputada Maria Carrilho, espero que tenha percebido como isto é restritivo...

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Só estava a contestar que o povo tivesse saído da Constituição! E com isso não se brinca!

A Oradora: - ... da, participação dos cidadãos na administração da justiça. E politicamente serôdio, é PS!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apreciação do artigo 210.º, pelo que vamos iniciar a discussão de um artigo novo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre este artigo novo, quero apenas sublinhar que o Partido Social Democrata entende que se trata de um avanço muito significativo e muito relevante no texto constitucional.
São conhecidos os reparos, as observações e as preocupações, designadamente da Ordem dos Advogados, em relação a algumas das matérias que aqui ficam previstas. nomeadamente em relação às imunidades necessárias ao exercício do mandato e a outras matérias conexas com esta, que, de acordo com esta proposta, passam a ter uma consagração constitucional e, portanto, evitam o problema que se colocava de haver ou não acolhimento constitucional para algumas destas matérias. Mas fica, sobretudo, consagrada, com dignidade constitucional, a questão do patrocínio forense por advogados, como elemento essencial à administração da justiça.
Recorde-se aqui que esta proposta vem na sequência daquelas que foram as alterações já aprovadas nesta revisão constitucional, designadamente em relação ao artigo 20.º, onde se reconhece, de uma forma explícita, que todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, e ao artigo 32.º, n.º 3, em que se prevê a presença obrigatória de advogado em determinados actos para que são chamados os cidadãos, obrigando-se a que a lei especifique os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta vem responder a problemas concretos e sérios do exercício da profissão de advogado e surge na sequência do reforço dos poderes e dos direitos dos cidadãos, quando confrontados com as questões de que estamos aqui a tratar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma brevíssima intervenção, para expressar a posição do Partido Popular sobre esta norma, sobre este novo artigo, no sentido de o aprovar por inteiro.
Do que se trata, na verdade, é de dar consagração e dignidade constitucional ao patrocínio forense e à profissão dos advogados como elemento essencial na administração da justiça. Esta questão é importante porque, muitas vezes, se coloca em dúvida aquilo que, no meu entender, deve ser uma perfeita equivalência, uma perfeita paridade entre os diversos agentes da justiça, os públicos e aqueles que exercem a profissão de advogado, os magistrados, os advogados e todos os demais agentes da justiça, que devem intervir em perfeito pé de igualdade no que respeita à dignidade e à importância que cada um tem na administração da justiça. Nesta matéria, os advogados não precisam, em geral, da consagração constitucional desta sua dignidade e desta sua importância porque a história da profissão fala por si. No entanto, entendo que esta proposta vem reconhecer e consagrar a importância do patrocínio judicial como elemento fundamental da administração da justiça e o PP dá-lhe todo o apoio. Pode ser que daqui

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para o futuro as questões ligadas à administração da justiça não continuem a tratar-se em termos de saber a que altura fica o "estrado" de cada agente da administração da justiça mas em termos que, na verdade, revelem a dignidade destas questões.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, pretendo registar, brevemente, que consideramos importante este artigo - aliás, havia propostas de vários partidos sobre este assunto e também havia do PCP. Os advogados não podem sofrer perseguições quando actuam em representação dos cidadãos, dos seus direitos, e esta consagração contribuirá para a dignificação não só do advogado mas, sobretudo, da justiça.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Martins.

O Sr. Francisco Martins (PSD): - Sr. Presidente, também uma curtíssima intervenção tão somente para sublinhar a importância que considero ter a consagração no texto constitucional desta matéria. Como disse o meu colega Miguel Macedo, ela vem na sequência de algumas alterações já discutidas e aprovadas, como seja a do artigo 20.º, no que concerne às garantias do cidadão em ser acompanhado por advogado quando presente a qualquer autoridade, bem como no artigo 32.º, no que concerne às garantias de defesa cios cidadãos em processo criminal - são dois pontos importantes. Esta é também uma matéria inovatória, cuja inovação devemos sublinhar em termos daquilo que é, por um lado, a importância do patrocínio forense e, naturalmente, a missão nobre que o profissional da justiça, como é o advogado, deve ter no exercício da sua actividade. Mas é também, por outro lado, uma garantia acrescida no que concerne à área da justiça naquilo que é a defesa dos cidadãos. Penso que é uma mais-valia muito importante, que eu queria sublinhar e deixar expressa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostava de dizer, telegraficamente, que nos parece que esta alteração constitucional. que recolhe amplo consenso, é extremamente importante. E é extremamente importante não só porque reconhece a importância e a indispensabilidade do advogado em termos do processo de justiça mas porque, em nosso entendimento, ela vai ao encontro daquilo que é algo importante. que é o reforço dos direitos dos cidadãos em termos do que é o seu acesso à justiça e a sua relação perante ela. É nesta dupla perspectiva que, positivamente, acolhemos esta alteração constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 211.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, creio que a Assembleia pode estar satisfeita. Apresentei uma proposta, bem como Srs. Deputados de outros grupos parlamentares também apresentaram, para se eliminar da Constituição da República Portuguesa a categoria dos tribunais militares com competência exclusiva de julgamento de certas categorias de crimes.
Trata-se de uma proposta que sempre renovei, ao longo de sucessivos projectos de revisão constitucional que apresentei, e que nunca obteve vencimento até agora.
Finalmente, posso congratular-me já que fica afastado do elenco das normas constitucionais a categoria dos tribunais militares. Não se justificava a sua existência, não fazem falta à democracia, não são precisos. Acolho, porém, Sr. Presidente, como positivo que, em caso de estado de guerra, seja constituído um idêntico tribunal para julgamento de crimes de natureza estritamente militar, é só nessas circunstâncias, como vai estar previsto no artigo .215.º. Creio que todos, na Assembleia da República, devemos estar satisfeitos com essa decisão que foi tomada, embora só aguarde - e dirijo-me directamente aos Srs. Deputados do CDS-PP - que o Grupo Parlamentar do CDS-PP possa vir a alterar a sua posição de abstenção, que não entendo, para um voto favorável. Seria com certeza um acto bem democrático que, por unanimidade, se pusesse termo a esta aberração que ainda consta da nossa Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, em nome da minha bancada, queria congratular-me com o desaparecimento dos tribunais militares em tempo de paz.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, estamos ainda no artigo 211.º.
Vou pedir a compreensão dos Srs. Deputados, mas o PSD tinha pedido para adiarmos para momento posterior, em que esteja presente o Sr. Deputado Passos Coelho para poder intervir, a matéria dos artigos 211.º, 213.º e 215.º. Por inadvertência minha, dei a palavra para iniciarmos a discussão do artigo 211.º mas, se concordarem, interrompemos aqui esta discussão e passamos ao artigo 214.º e depois discutiríamos os 211.º, 213.º e 215.º, se não houver objecção, evidentemente.
Dado que não há objecções, passamos à discussão do artigo 214.º. Verifico que ninguém pretende usar da palavra acerca deste artigo, pelo que passamos ao artigo 216.º. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, no artigo 216.º há um pequeno conjunto de alterações. Duas delas têm a ver com o funcionamento do Tribunal de Contas relativo às Regiões Autónomas. Por um lado, procede-se a uma autonomização do parecer sobre as contas das Regiões Autónomas relativamente ao parecer que o Tribunal de Contas também dá sobre a Conta Geral do Estado, uma vez que não só são realidades perfeitamente distintas como hoje em dia têm a ver com o funcionamento de partes distintas ou, em termos da organização interna do Tribunal de Contas, têm a ver com realidades perfeitamente diferenciadas na organização interna do próprio Tribunal.
Já a segunda alteração, que tem a ver com o novo n.º 4, é uma alteração que. qualitativamente, tem uma relevância grande no sentido de, também ao nível do

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Tribunal de Contas, uma descentralização clara dos serviços acompanhando aquela que é a descentralização do próprio Estado relativamente à existência e ao funcionamento das autonomias regionais. Esta alteração, de resto, é algo que está já consensualizado e integrado na recentemente aprovada nesta Assembleia nova lei de organização e funcionamento do Tribunal de Contas em que, precisamente, houve já o cuidado, da parte desta Câmara, de adequar o novo texto àquela que era já previsivelmente a realidade a sair da revisão constitucional e, no fundo, trata-se apenas da consagração da existência de secções do Tribunal de Contas em cada uma das Regiões Autónomas, secções que têm competência plena em razão da matéria na respectiva região.
Pretende-se com isso, portanto, que as secções do Tribunal de Contas tenham uma competência que abarque não só os serviços da administração pública regional, como também todos os serviços da administração central que tenham sede ou contabilidade organizada na própria região e que, por essa razão, possam, desde logo, nessa sede, ter as suas contas apreciadas pela secção do Tribunal residente nessa região autónoma.
Duas outras notas relativamente às alterações contidas nos novos n.os 2 e 3: o novo n.º 2, como já foi aqui referido aquando da discussão relativamente ao artigo do Provedor de Justiça, pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, tem a ver com a proposta genérica que o PSD tinha apresentado, porque se tinha colocado à partida neste processo de revisão constitucional a necessidade de delimitação temporal dos mandatos dos altos cargos públicos, nomeadamente dos cargos cuja previsão está constitucionalmente consagrada. A saber, nomeadamente, o Procurador-Geral da República, o Presidente do Tribunal de Contas, o Ministro da República e também o Provedor de Justiça. Aqui, na sede do artigo do Tribunal de Contas dá-se expressão a essa proposta inicial do PSD que pôde ser consagrada no texto do acordo político de revisão com o PS e que consagra a duração de quatro anos para o mandato do Presidente do Tribunal de Contas.
Por último, a nova alínea c), que resulta de uma proposta do PCP e que teve o voto favorável do PSD na Comissão, tem a ver com a consagração constitucional clara de que a fiscalização preventiva realizada pelo Tribunal de Contas decorre directamente da determinação legal, das disposições legais que assim o dispuserem. Isto não é despiciendo porque estarão com certeza o Sr. Presidente e esta Câmara recordados de que, ainda há bem pouco tempo, cometemos, do ponto de vista do PSD, um erro grosseiro nesta Câmara ao votarmos favoravelmente, na nova lei de organização e funcionamento do Tribunal de Contas, algumas disposições que teriam o condão, à revelia claramente da Constituição, de permitir que o Tribunal de Contas funcionasse, em termos de fiscalização preventiva, contra aquilo que esteja disposto na lei, funcionando com uma competência perfeitamente discricionária - eu diria até arbitrária - do Tribunal relativamente àquelas que deveriam ser num Estado de direito as disposições e determinações que decorrem do órgão legislativo que, nesta matéria, é exclusivamente, como sabemos, a Assembleia da República.
Esta alínea tem, portanto, a bondade de clarificar que, naturalmente, como não poderia deixar de ser acrescento - o Tribunal de Contas actua de acordo com a Constituição e a lei, e também quando actua em sede de fiscalização preventiva o terá de fazer, ficando assim claro que a fiscalização preventiva fica subordinada aos actos que a lei determinar e não a uma qualquer decisão jurisdicional interna, naturalmente que discricionária, por parte do Tribunal, o que seria de todo em todo, e é de todo em todo, eu diria, impensável no nosso Estado de direito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, muito sinteticamente, quero dar também o nosso sinal de assentimento positivo às modificações que vão ter lugar.
Congratulamo-nos pela circunstância de ser possível determinar a existência de secções do Tribunal de Contas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira sem ter prejudicado a possibilidade, que o futuro determinará se virá ou não a ocorrer, de poder também, numa lógica descentralizada, o Tribunal de Contas funcionar por secções regionais. Neste caso já não se trata das regiões autónomas mas da possibilidade da constituição futura de secções regionais no âmbito das futuras regiões administrativas. É assim possível, sem prejuízo da natural unidade da função que Tribunal de Contas deve desempenhar, criar condições de uma descentralização efectiva não apenas no plano autonómico regional mas também ao nível da lógica da descentralização administrativa do continente.
Quanto ao mais, a definição de um mandato temporal para o presidente do Tribunal de Contas mereceu igualmente o nosso acolhimento e, portanto, congratulamo-nos com a circunstância da convergência realizada em torno desta norma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, é um pedido de esclarecimento muito rápido porque, dada a sua intervenção ter sido também muito rápida, não consegui apreender exactamente a totalidade mas pareceu-me descortinar aí algo que tinha que ver com o funcionamento do Tribunal de Contas relativo às regiões administrativas e, sinceramente, não percebi essa intervenção. Sendo assim, peço-lhe que clarifique porque não encontro nenhuma referência nestas alterações à Constituição da República Portuguesa relativamente a um qualquer putativo funcionamento futuro do Tribunal de Contas em sede das regiões administrativas. É essa a minha dúvida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão para responder.

O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, com muito gosto vou esclarecê-lo.
A proposta inovadora é a da criação de um novo n.º 4 que constitui nas regiões autónomas secções do Tribunal de Contas mas sem prejuízo da manutenção do n.º 2 actual, que não será modificado, e que já prevê que o Tribunal de Contas pode funcionar descentralizadamente por secções regionais, nos termos da lei. Foi isso que aqui invoquei, ou seja, a possibilidade de haver nas regiões autónomas

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secções do Tribunal de Contas sem prejuízo de a lei poder, . no futuro, constituir secções regionais no âmbito das futuras regiões administrativas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não me diga que não tinha percebido isso na CERC?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 218.º uma vez que no artigo 217.º não há nada a discutir.
A palavra ao Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma intervenção muito rápida em relação à proposta que vem da CERC, onde bastante polémica deu.
Do que se trata na proposta do n.º 5 do artigo 218.º é de estabelecer a possibilidade de a lei poder determinar outras incompatibilidades com o exercício da função de juiz para além daquelas que já hoje estão inscritas no texto constitucional, designadamente, nos n.os 3 e 4 deste mesmo artigo. O que está aqui em causa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é a Constituição da República Portuguesa permitir que a lei ordinária possa determinar outras incompatibilidades com os cargos de juiz.
Assim, não quero deixar de referir que uma das questões que foi salientada a propósito desta discussão na CERC tinha a ver com os exemplos, singulares é verdade, algo acabrunhantes que existiram em tempos não muito longínquos, de Srs. Juízes aparecerem perante a opinião pública a defenderem posições e a tomarem posições de todo não compatíveis com o exercício das altas funções em que estão investidos. E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, se nessa altura na CERC se falou de futebol, aliás pela voz avisada do então Presidente da CERC, quero aqui dizer que não se trata, do nosso ponto de vista, de uma avançada em relação ao futebol mas de acautelar situações que preocupam em primeira linha a esmagadora maioria dos juízes portugueses que não se revêem nesse tipo de atitudes, não querem ser confundidos com esse tipo de atitudes e entendem que o alto exercício das suas funções deve estar preservado em relação a situações como essas.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não estamos aqui neste momento a cercear mais nenhum dos direitos dos cidadãos que são os juízes, o que estamos a dizer é que a lei pode determinar outras incompatibilidades se e quando o julgar oportuno. É só isto, mas julgo que é prudente, que é aconselhável que a Constituição da República Portuguesa consagre uma norma como esta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção sobre o artigo 220.º, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A alteração que vem proposta para composição do Conselho Superior da Magistratura não merece o nosso apoio. A actual composição deste Conselho, que não é uma forma de autogoverno da magistratura, permite e conjuga muito bem uma maioria de juízes, que não representa os juízes porque há um deles que é nomeado pelo Sr. Presidente da República, e uma maioria de representação do poder político. De facto, esta composição tem provado servir, dá legitimidade (esta é uma forma de conferir legitimidade ao poder judicial através da representação do poder político) e, por isso, entendemos que a alteração apresentada deixa depois para o Sr. Presidente da República um bocado do odioso da questão ao designar os dois membros e colocar-se-à a questão se designa um que saiba do poder judicial e que saiba quais são as problemas dos juízes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta alteração, originária inicialmente do projecto do Partido Socialista, teve a adesão do Partido Social Democrata porque o PSD tem desta proposta a leitura de que ela vem reforçar o saudável e a todos os títulos adequado, do ponto de vista do PSD, princípio que desde o início tem presidido à composição do Conselho Superior de Magistratura e que é o princípio do equilíbrio e da repartição equilibrada, equitativa, entre magistrados e não magistrados na composição deste Conselho. De facto, desde o início que tem sido assim. É o modelo que hoje começa a ter seguidores em termos das ordens jurídicas da Europa Ocidental. Penso até que está já em eventual preparação, em sede da organização internacional que reúne os Conselhos Superiores da Magistratura ou entidades congéneres a nível europeu, a elaboração de uma recomendação aos Estados que, ao contrário do Estado português, não o consagram ainda, que este deve ser o princípio adequado.
Portanto, a visão do Partido Social Democrata é a de que esta flexibilização do poder do Sr. Presidente da República na designação de dois dos membros do Conselho Superior da Magistratura, que em vez de estar, como actualmente está, vinculado a fazê-lo necessariamente entre um magistrado e um não magistrado, permite-lhe, atendendo à apreciação que em cada momento faz da situação de equilíbrio ou de desequilíbrio em que esteja colocado o Conselho Superior da Magistratura, utilizar este seu poder no sentido de potenciar e recolocar, se for caso disso, esse equilíbrio. Porque bem sabemos, como está bem de ver, sendo certo que sete dos membros do Conselho Superior da Magistratura são nomeados de entre os seus pares e naturalmente serão magistrados judiciais, sete outros são eleitos pela Assembleia da República, e embora deva e da parte do PSD exista a preocupação de normalmente esta Assembleia da República fazê-lo de entre, precisamente ao abrigo do tal princípio de equilíbrio, não magistrados, que sempre saia da eleição desta Assembleia da República a designação de algum membro magistrado e aí penso que esta norma pode ser útil para permitir ao Sr. Presidente da República, interpretando correctamente aquilo que é o princípio, que nos parece adequado, do equilíbrio entre magistrados e não magistrados num órgão desta natureza, colmatar essa situação e prover para a continuação ou a manutenção desse equilíbrio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é, portanto, a apreciação que o Partido Social Democrata fez da proposta do Partido Socialista e é nesta interpretação que o PSD lhe deu o seu acordo no texto do acordo político de revisão e lhe dá também aqui em Plenário a sua adesão certo de que haverá sempre da parte do Sr. Presidente da República, deste e de futuros, uma correcta interpretação daquele que é o justo princípio de equilíbrio entre magistrados e não

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magistrados para o bom funcionamento do Conselho Superior da Magistratura e exercerá este seu poder em conformidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos oportunidade de discutir longamente, com diversas entidades, designadamente com o Conselho Superior de Magistratura e entidades representativas das magistraturas, esta ideia de revisão constitucional que foi, deve assinalar-se, apresentada pelo Partido Socialista no seu projecto. Ela não flui de qualquer preocupação de alteração de equilíbrios ou de majoração do equilíbrio de poderes de órgãos de soberania, designadamente não assentou numa outra filosofia sobre o papel do Presidente da República na formação do Conselho Superior da Magistratura, mas acresce a margem de, escolha que ao Presidente da República cabe neste domínio. Na verdade, daí não flui qualquer alteração do status quo uma vez que o Presidente da República passará a ser livre de escolher os dois elementos que lhe cabe indicar para o Conselho Superior da Magistratura de entre, seguramente, juristas qualificados mas não é obrigado a obedecer a um qualquer princípio de quota.
As implicações práticas desta alteração serão, entendemos nós, nada perturbadoras do normal e bom funcionamento do Conselho Superior de Magistratura onde, aliás, os partidos políticos têm vindo a incluir elementos que são juízes numa percentagem que em nada decorre da Constituição da República Portuguesa ou da lei.
Sendo este o status quo e sendo a nossa intenção esta e apenas esta, encaramos com serenidade as consequências desta solução que acolheu um consenso alargado, embora não a unanimidade. Confiamos que a aplicação prática desta norma virá a aumentar ainda mais o consenso de que ela sai rodeada à partida e consideramos que esta é uma solução que contribui para o bom funcionamento das nossas instituições judiciárias.
Permita, Sr. Presidente, uma vez que não fizemos nenhuma intervenção sobre o artigo 218.º, que também sublinhe, a talhe de foice, que acolhemos, quanto ao seu n.º 5, uma sugestão que o Conselho Superior da Magistratura tinha feito e, aliás, até a formulação que este Conselho tinha aconselhado num longo e muito bem fundamentado parecer. Não nos rege nenhuma opção em relação a casos pontuais, a circunstâncias patológicas de carácter lúdico-desportivo, há nesta matéria um esforço de elaboração a fazer, que não está feito, será feito em sede de lei ordinária. Obviamente, a lei não pode estabelecer atribiliariamente incompatibilidades com o exercício da função de juiz, só pode estabelecer aquelas que sejam estritamente necessárias - estamos no domínio dos direitos, liberdades e garantias - para garantir o bom e eficaz exercício, o digno exercício desta função tão relevante no nosso sistema constitucional.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, muito rapidamente, trata-se de uma proposta aprovada em sede de Comissão por maioria
qualificada, com votos a favor do PS e do PSD, mas pareceu-me divisar alguma divergência relativamente aos fundamentos com que cada um dos partidos resolveu aprová-la.
Digo isto porque da exposição do Sr. Deputado Luís Marques Guedes pareceu-me que a ênfase era colocada na manutenção do princípio do equilíbrio entre magistrados e não magistrados, na composição deste órgão, e deu até o exemplo de que a Assembleia da República podia, por qualquer razão, na eleição dos seus sete membros para este órgão, incluir algum juiz, permitindo, assim, ao Sr. Presidente da República que, pela via da livre escolha dos dois membros que lhe cabem, pudesse indicar um ou até dois magistrados, por forma a manter esse equilíbrio. V. Ex.ª, ao contrário, pareceu-me pôr a ênfase na outorga de maior liberdade ao Sr. Presidente da República para, em face da situação concreta. avaliar não de acordo exclusivamente com este princípio do equilíbrio entre juízes e não juízes mas, sim, da avaliação que faça da realidade concreta, na escolha dos membros que quiser designar para o Conselho Superior da Magistratura.
É conhecida a posição do Conselho Superior da Magistratura, de que gostaria que se mantivesse este equilíbrio, porque de facto é o que resulta do actual texto constitucional, o que nos pareceu bem, tendo em conta que o normal e que a Assembleia eleja sete membros não magistrados, que os magistrados elejam sete membros magistrados e que a escolha do Presidente da República incida sobre um magistrado e um não magistrado. E, assim. ficariam de tacto - e é o que tem acontecido - oito magistrados e oito não magistrados.
Portanto, não podemos deixar de entender a introdução desta proposta como a possibilidade que passa a ser concedida de facto ao Presidente da República de alterar este equilíbrio. Como me pareceu ser esta a posição do PSD, que é contrária à vossa, gostaria de saber se VV. Ex.as se puseram ou não de acordo relativamente a esta matéria ou se, por vias diferentes, até antagónicas, contraditórias e paradoxais, chegam a uma norma síntese que depois vai, obviamente por essa via, pelas questões que pode vir a colocar no plano político, de facto levar a interpretações divergentes quanto ao seu sentido e alcance.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Queiró, a acta, a "certidão de nascimento", registará o que foi declarado por cada um dos partidos que confere a maioria de dois terços para aprovação desta norma. Mas é verdade que a aplicação - e foi isso que se desejou - pode dar origem a composições, cenarizações, distintas, consoante a vontade dos titulares dos cargos. Ou seja, alarga-se objectivamente a liberdade de escolha do Presidente da República, é um facto objectivo, porque se se faz ablação da obrigação de que um dos membros seja magistrado judicial alarga-se a liberdade de escolha.
Todavia, a cenarização que fazemos da aplicação da norma - e creio que é a que o Sr. Deputado também faz - conduz a que tudo indique que daí não resultará qualquer perturbação prática dos equilíbrios desejáveis no Conselho, até porque há neste momento, aliás como sabe, no Conselho, e tudo indica que não haverá uma ruptura em relação a esta situação, um número enorme de elementos togados, e não vale a pena estarmos a fazer as

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contas que todos conhecemos de cor. Não há qualquer consequência necessária, por força desta alteração, de uma inversão ou de uma ruptura desta situação, e, portanto, não façamos cenarizações apocalípticas onde são possíveis cenarizações de regularidade e de normalidade. Que se acresce a margem de escolha do Sr. Presidente da República, só um sofista de último grau é que seria capaz de negar, e, francamente, não consigo atingir esse grau em matéria de sofisma.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não diga isso, o senhor pode atingir todos os graus de sofisma!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecções, gostaria de propor à Câmara que prolongássemos um pouco mais esta reunião, talvez até às 14 horas, a fim de terminarmos os nossos trabalhos por forma a podermos dispensar a reunião marcada para as 15 horas.
Parece-me estarem todos de acordo, pelo que vamos avançar com os trabalhos.
Assim, visto não haver mais inscrições, dou por terminada a discussão do artigo 220.º.
Srs. Deputados, proponho que a análise dos artigos 211.º, que ficou suspenso, 213.º e 215.º, urna vez que todos eles se referem a matéria militar, se faça em conjunto.
Parece-me não haver objecções para que assim se faça. Assim, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da minha bancada, quero congratular-me com o desaparecimento dos tribunais militares em tempo de paz. Este desaparecimento marca um momento histórico, diria, mais especificamente, um momento relevante na história das relações civis/militares na jovem democracia portuguesa. As relações civis/militares, numa democracia, devem ser caracterizadas naturalmente pela primazia da responsabilidade civil em relação a todas as instituições, inclusive a militar, e, como é natural, isto abrange o funcionamento, a administração e o controlo em geral da própria instituição militar, e pela responsabilidade democrática, porque só esta assegura o controlo dos cidadãos sobre as instituições.
É importante recordar que, no nosso país, a existência de tribunais militares em tempo de paz reflectia uma herança de um tempo distante, não era certamente uma herança recente mas, sim, uma herança que veio, enfim, da monarquia e que, depois, durou muitas dezenas de anos. Foi uma tradição usada, com fins inconfessáveis. pelo poder ditatorial civil ao longo de dezenas de anos para fins de auto-reprodução e manutenção no poder.
Portanto, este momento é, em todo este processo, um marco importante. O desaparecimento dos tribunais militares em tempo de paz, por um lado, confere mais dignidade à instituição militar, porque evita processos eventualmente dilacerantes, como aconteceu em alguns casos no passado, e, por outro, também faz parte de um processo que é, sem dúvida, absolutamente necessário para a instituição militar nos nossos dias, porque através dele uma instituição militar reafirma a sua legitimação na sociedade, o que só pode acontecer em democracia.
Em suma, diria que a instituição militar sai mais integrada e legitimada na sociedade democrática e a democracia mais reforçada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é urna proposta que Os Verdes consideram de grande importância, que. aliás, temos vindo, teimosamente, a fazer desde 1987, em termos de alteração ao texto constitucional. É para nós de extrema importância eliminar no texto constitucional aquilo que é não só um vestígio mas uma marca mais do que residual, uma marca extremamente forte, de uma forma de organização da sociedade, em que o poder militar se sobrepôs ao poder civil. Há razões históricas que o explicam, mas pensamos que de todo em todo é obsolência que resulta da existência de tribunais militares e que não se esgota apenas na sua existência.
É bom recordar que, no nosso país, os conscritos não têm direitos civis, nem direitos de participação política, que prevalecem regulamentos militares, que são perfeitamente contraditórios com o texto constitucional e com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que, embora fardados, não deixam de o ser e de ter direitos civis e políticos.
Do nosso ponto de vista, a eliminação dos tribunais militares, não esgotando em si e não eliminando em absoluto aquilo que é uma determinada concepção do exercício, em algumas situações, dos direitos de cidadania dos cidadãos, é, de algum modo, um passo importante, no sentido de repor as exactas fronteiras nos exactos termos em que a relação entre o poder civil e o poder militar têm de ser equacionados.
Por tudo isto, quero dizer que é com viva satisfação que vemos, porventura por razões diferentes, não sei, ao fim de todos estes anos - provavelmente, noutras alturas, quando se discutir outras concepções, como a forma da organização das forças de segurança, a forma como a disciplina, na hierarquia de algumas forças de segurança, é imposta, as limitações que, do nosso ponto de vista, ainda conflituam com os direitos dos cidadãos, embora integrantes de forças militares ou paramilitares, como é o caso da GNR, a separação de concepções dos diferentes partidos prevalecerá -, 10 anos depois, de, pela primeira vez, termos proposto a eliminação dos tribunais militares do texto constitucional, essa proposta, embora com nuances, ter neste momento um consenso mais alargado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me aqui também às palavras proferidas pelas Sr.as Deputadas, dizendo, no essencial, que a alteração constitucional, que agora se vai consagrar, representa de facto o culminar de uma caminhada de uma integração progressiva de toda a estrutura militar dentro da estrutura civil e política do país.
Há vários anos que se vem estudando a possibilidade de tutelar melhor, em termos constitucionais, os direitos civis, mesmo daqueles cidadãos que são militares. Recordo que ainda só há pouco tempo foi possível regular de facto o direito peticionário e a acção de provedoria, relativamente aos cidadãos que desempenham funções militares, embora já estivesse previsto o acesso a essa acção de provedoria em lei há vários anos, mas só há pouco tempo foi possível regulamentá-lo.
Esperemos que o Provedor de Justiça tenha, em ter-mos de serviços, a possibilidade de dar consequência a essa

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regulamentação feita e, portanto, penso que a Assembleia da República pode festejar este momento com uma celebração particular, que é a de estarmos de facto na plenitude, ou a caminho dela, da integração de algo que não é uma instituição à parte da sociedade portuguesa mas uma instituição diferenciada da sociedade portuguesa, mas de facto integrada na comunidade nacional e sujeita, em termos civis e políticos, às regras a que todos estamos sujeitos.
Quero também aproveitar para fazer duas observações.
A primeira tem a ver com a forma como esta norma se virá a implementar assim que for publicada a nova Constituição e ela retrata-se numa disposição transitória que foi obtida justamente para ver como é que conseguimos evitar, com esta alteração, que, amanhã, processos que estejam pendentes em tribunais militares caiam, pura e simplesmente, numa espécie de limbo judicial. Portanto, ficará claro, pela norma transitória acordada - e, se não estou em erro, corresponde a um artigo novo na norma transitória a adoptar - , que os tribunais militares se irão mantendo até que os processos se venham a extinguir nos actuais tribunais militares e que assim que seja possível, até pela nova lei orgânica dos tribunais judiciais que, necessariamente. vai ter de ser feita, se vá fazendo a integração de juízes militares para os crimes de natureza estritamente militar.
A segunda observação tem a ver não com uma norma transitória mas cautelar relativamente à acção penal do Ministério Público, que se reporta à proposta 115-P apresentada para o artigo 221.º, que, sem pretender restringir toda a liberdade que naturalmente importa ao Ministério Público para desenvolver a acção penal, prevê a possibilidade de uma assessoria particular, específica, para os crimes de natureza essencialmente militar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente, quero dizer apenas que este conjunto de alterações são também politicamente indissociáveis de uma outra alteração que se virá a fazer quanto à tutela que constitucionalmente deve ser feita no que toca ao regime militar.
Estamos também à beira de remeter para a lei ordinária o tipo de regime de prestação do serviço militar e, quando isso for feito, sem me querer antecipar a essa discussão, teremos completado um caminho bastante longo e atribulado que, em termos ideológicos, dividiu o debate político das últimas dezenas de anos e que não foi pacífico dentro de nenhum partido. Nessa altura, teremos, então, motivos de satisfação para saber que o correr dos tempos e a modernidade acabou por atingir ideologicamente todas as áreas partidárias e que, finalmente, houve razoabilidade para se perceber que uma coisa tão simples como a de que todos devemos estar sob a alçada da mesma lei e dos mesmos instrumentos acabou por estar garantida constitucionalmente. como devia de ter estado há vários anos atrás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular e o seu Grupo Parlamentar lamenta não poder colaborar nesta festividade anunciada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
Colocamos as maiores reservas à proposta de eliminação e ficamos pasmados com algumas observações aqui feitas. Por exemplo, a bancada de Os Verdes disse que os tribunais militares vão ser extintos porque são obsoletos. Sr.ª Deputada Isabel Castro, a democracia é tão antiga como a civilização clássica e, no entanto, a Sr.ª Deputada, calculo, não vai, por essa a razão, propor a extinção do regime democrático. Foram referidos os fins inconfessáveis para que muitas vezes terão sido utilizados os tribunais militares.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Antes do 25 de Abril!

O Orador: - Não partilho desta ofensa feita aos militares pela Sr.ª Deputada Maria Carrilho, que muito me surpreende.
Quanto à referência, que também foi feita, de que são praticados abusos nos tribunais militares, não se percebeu que o problema não é da competência de um tribunal mas, sim, das regras substantivas e processuais de funcionamento do tribunal, onde, aí sim, porventura, haveria muito a fazer.
Como o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho disse, as forças armadas são um corpo, uma estrutura, que está perfeitamente integrada na sociedade civil portuguesa, mas são diferenciados. São diferenciados, porque são um corpo altamente hierarquizado, sujeito a uma disciplina, que não é a civil, e, portanto, faz todo o sentido que tenha um tribunal que seja de competência especializada, como há outros. Nem toda a gente é julgada pelos mesmos tribunais, é conforme as matérias. Há tribunais fiscais, há tribunais administrativos. O que os senhores propõem à Assembleia é que, a seguir a um julgamento de um divórcio, o juiz julgue um crime militar. Está bem! É ao que leva a relativização! 1á não é só a civilização da Polícia de Segurança Pública que se pretende mas também a civilização das forças armadas levada a um ponto que me merece, de facto, as maiores reservas.
Do que se trata, quando há abusos, é de mudar a legislação substantiva e adjectiva e não vejo razão alguma para que os crimes militares não sejam julgados por um tribunal próprio, desde que as regras a que está sujeito sejam justas e equitativas. É isto que me parece essencial e não vir agora extinguir um tribunal de competência especializada, para, no fundo, transmiti-la aos tribunais de competência genérica. como é o tribunal civil, fazendo com que um juiz julgue, às 10 horas da manhã, um divórcio ou um despejo e, às 1 I horas, um crime militar.
Foi apresentada uma proposta no sentido de que em tempo de guerra sejam constituídos tribunais militares para julgar os crimes militares. Penso que, a partir de agora, dado este salto qualitativo, também vamos propor que se extingam as forças armadas em tempo de paz e que só se possam constituir quando sejam necessárias, quando houver guerra! Esta é mais uma machadada numa instituição que deveria ser tratada de outra forma, porque, na verdade, ela tem também sobre os seus ombros uma obrigação de disponibilidade perante o País que vai até à vida, a qual, do meu ponto de vista. não está devidamente assegurada.
No meu entender, não havia razão para extinguir os tribunais militares, apenas era preciso criar as condições para que estes tribunais julgassem os crimes militares, de acordo com o bom direito, com a boa justiça e com a boa equidade. É uma questão completamente diferente.

Aplausos do CDS-PP.

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O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental da defesa da honra e consideração, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Queiró acusou-me de estar a atacar a instituição militar. Se tiver a paciência de ler a acta desta sessão, verá que critiquei, e contra isso me insurjo, o uso, pelo poder civil - e foram estas, textualmente, as minhas palavras, porque tenho razoável memória -, para fins inconfessáveis,...

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Usou quem'?!

A Oradora: - ... dos tribunais militares para se perpetuar no poder. Felizmente, depois veio o 25 de Abril!
Por outro lado, eu não sabia que o Sr. Deputado se tinha erigido em representante dos interesses das forças armadas. Não sei se hei-de ficar ou não satisfeita. De qualquer modo, pode ser um passo em relação à solução de um problema que os militares têm muito a peito, que é o da representação de interesses profissionais próprios. Provavelmente, o Sr. Deputado já está bastante avançado neste processo!
Para terminar, pois não quero atrasar mais a hora do almoço, deixo aqui este protesto em relação à intervenção, no que me diz respeito, feita pelo Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Carrilho, não quero dar grandes explicações mas apenas aproveitar esta possibilidade para eu próprio também defender a minha honra relativamente ao que a Sr.ª Deputada disse.
A questão é esta, Sr.ª Deputada: não represento aqui as forças armadas, nem qualquer interesse particular. Represento o povo e tenho uma noção muito correcta do que são aqui as minhas funções e do que é o âmbito da minha representação parlamentar, o que não significa que não possa defender aqui a instituição militar. Mas cada um faz como entende e eu penso que devia de ter feito a intervenção que fiz, não tenho de lhe retirar uma vírgula. Não tenho uma perspectiva sindical do Parlamento, pelo que não estou aqui a defender qualquer interesse corporativo específico, essa é a interpretação da Sr.ª Deputada, e é, aliás, livre de fazê-la, como eu sou livre, obviamente, de a rejeitar, que é o que estou neste momento a fazer rigorosamente.
Para além disso, devo dizer que ouvi bem o que disse, ou seja, a utilização, pelo poder civil, dos tribunais militares para fins inconfessáveis. Ouvi bem, repito, o que a Sr.ª Deputada disse...

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Antes do 25 de Abril!

O Orador: - ... e até sou capaz de estar de acordo consigo, quando refere isto relativamente às intenções do poder civil a que se referia.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr.. Deputado?

O Orador: - O que eu digo é que isto traduz em si, obviamente, uma ofensa àqueles que se deixaram utilizar, e isso é que eu não posso permitir.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Deputado, se me der licença - e peço desculpa por estar a interrompê-lo - irias não é ofensa nenhuma, é uma realidade. Historicamente, está demonstrado, e toda a gente sabe, que o poder civil dirigido por Salazar controlou as forças armadas e que as forças armadas eram controladas e não autónomas, porque não havia qualquer autonomia. Não foi uma ditadura militar, foi uma ditadura civil-policial e há, através da PIDE, documentos que provam plenamente que o poder civil controlava a nomeação de determinadas autoridades militares, e foi também através disso que se perpetuou.
Portanto, não estou a cometer qualquer ofensa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP propôs que a existência de tribunais militares ficasse circunscrita ao tempo de guerra, solução que acabou por ser adoptada e que parece ser adequada.
O debate realizado em sede da CERC não foi tão entusiástico, foi bastante diferente, mas, como o Sr. Deputado Luís Queiró sabe, a política também se faz assim. Quando se muda de posição, muda-se de figurão ou de figurante, o que pode dar este aspecto. Mas, de facto, o debate na CERC foi mais sensato e houve preocupações.
A questão foi colocada nestes termos: haverá necessidade de, em tempo de paz, manter esta instituição? A resposta pareceu ser negativa, isto é, era adequado que, em tempo de paz, fossem os tribunais comuns a gerir esta situação, não em ter-mos normais, com juízes assessores, e por isso há uma norma, a do artigo 213.º, que prevê que juízes militares acompanhem os juízes civis no acto do julgamento.
A razão para considerar a existência de tribunais militares em tempo de guerra é por si demonstrativa da sua necessidade. Há factores específicos de disciplina, pois não é uma organização qualquer, tem uma dinâmica muito específica. E o simples facto de se reconhecer a necessidade de existência de tribunais militares em tempo de guerra mostra, pelo menos da nossa parte, que não há qualquer sentido antimilitar nesta votação, porque, se houvesse, não seria compreensível. Não consigo conceber como é que, em 1997, alguém se pode pautar aqui por critérios desse género. Os tribunais militares funcionaram ao longo deste tempo com critérios democráticos, embora, na minha opinião, tenham excedido muitas vezes a sua competência. Aliás, uma das razões que leva a considerar esta solução adequada é o facto de os tribunais militares terem tido, ao longo deste período, um comportamento que muitas vezes era excessivo, pois pretendiam, e fizeram-no, julgar crimes que qualificavam como de essencialmente militares, mas que não podiam ser, nem do ponto de vista jurídico e muito menos do ponto de vista do bom senso. Como exemplo disto, tenho citado frequentemente - e mais uma vez o faço - o caso em que o tribunal militar julgou a situação de furto ou, melhor, de um abuso de confiança por parte de uma funcionária do supermercado da Manutenção Militar, que ficou com o dinheiro correspondente ao valor de um peru. Este caso foi julgado como um crime essencialmente militar, o que não é de facto prestigiante para a instituição, mas sucedeu, como é óbvio, depois do 25 de Abril, senão não estaria aqui a dá-lo como exemplo. Isto sucedeu muito depois do 25 de Abril e deu até origem a um parecer da Assembleia.

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Portanto, creio que um dos aspectos mais importantes destas alterações é a definição de que a competência dos tribunais militares deve ser para os crimes estritamente militares, acabando com a situação de equiparação de outros crimes, como crimes dolosos, a crimes militares, o que é de facto inaceitável a todos os títulos.
Assim, a norma é aceitável do ponto de uma gestão parcimoniosa dos meios oficiais e os tribunais comuns estão perfeitamente à altura de, com assessores militares, julgar os crimes militares, mas é circunscrito a isso, e em tempo de guerra tem de haver, evidentemente, tribunais militares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, sem querer prolongar a polémica - não vale a pena, porque as posições de todos os partidos estão conhecidas -, quero, em primeiro lugar, agradecer-lhe a referência que fez, no início da sua intervenção, à arte parlamentar e aos conselhos que me vai dando de vez em quando relativamente aos figurantes e aos figurões e às diversas cenas parlamentares e, em segundo lugar, perguntar-lhe se a questão que levantou e os abusos de que falou não terão muito a ver com a definição rigorosa do tipo legal de crime do que com a existência ou não de tribunais militares.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Luís Queiró, as duas questões estão ligadas.
Há muito pouco tempo, fui ao Tribunal Militar assistir ao julgamento de um crime que consistiu na abertura de uma carta do Provedor de Justiça, isto é, uma funcionária do Ministério da Defesa abriu uma carta que tinha sido endereçada pelo Provedor de Justiça ao seu chefe de serviço. Tratou-se de um crime militar que foi julgado em tribunal militar. Ora, a certa altura, o que é que os tribunais militares em tempo de paz julgam? Mantínhamos os tribunais militares para julgar o quê? Crimes essencialmente militares. E quais é que são? Tínhamos uma estrutura pesada, que mantínhamos e que o País pagava, para julgar, eventualmente e muito remotamente, um caso ou outro de deserção, que são cada vez menos.
Como disse o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, isto está tudo em processo de mutação, não há assim tantas deserções. Hoje, há é a rescisão do contrato. Não se deserta, rescinde-se o contrato! Portanto, vejo com muito pouco alcance... Algum militar que ficasse com a G3 e a levasse para casa? Creio que hoje também não é preciso fazer isso, pois arranjam-se aí várias coisas no mercado internacional.
Portanto, com toda a franqueza, considero que é justo e necessário que existam em tempo de guerra tribunais militares, mas, em tempo de paz, não vejo necessidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando aqui fiz alusão ao gosto que tinha em celebrar estas alterações - e assinalei que estes ventos tinham atingido e varrido ideologicamente todas as áreas se calhar, precipitei-me um bocadinho, porque do lado do PP ainda existe alguma dúvida quanto a esta matéria. Com certeza que poderia dizer que também há outros Srs. Deputados, e até do meu partido, que têm dúvidas ainda em relação a esta mudança. Referirei, entre outros, quer o Sr. Deputado Barbosa de Melo, quer o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas o verdadeiro significado não são, naturalmente, as dúvidas que foram expressas até em reuniões da Comissão, o que é assinalável é o acordo político que se fez entre as forças políticas para que a alteração vingasse, e é isso, naturalmente, que se celebra.
As dúvidas que foram expressas só nos devem pôr de sentinela para prever algumas dificuldades que possam não estar bem pensadas e eu creio que, quer para o regime transitório, quer para a forma de assessoria da acção penal do Ministério Público, as soluções que se foram encontrando, em grande medida, devem-se às dúvidas manifestadas e aos problemas colocados por estes Srs. Deputados mais cépticos quanto à necessidade desta alteração. Mas, com as suas dúvidas, ajudaram-nos a encontrar uma melhor solução e não a ficar presos à solução do passado.
Em segundo lugar, não fiz qualquer alusão na primeira intervenção à manutenção de tribunais militares em tempo de guerra, mas, como o Sr. Deputado João Amaral fez essa alusão, diria que não é apenas por aquilo que ele referiu, não é só pela especificidade, é sobretudo pela celeridade da decisão em tempo de guerra. Quanto ao argumento de que os tribunais comuns não têm a celeridade devida para julgar as questões militares, eu direi: então, e as outras todas?! Não é esse um problema sério para o País? Deixamos sempre tudo como está, porque as coisas funcionam mal? Esse não é argumento!
Mas é muito provável que, em tempo de guerra, haja justificação para o mau funcionamento da justiça ou para a falta de celeridade da justiça. Ora, o crime essencialmente militar não pode estar nessa situação de se ver preterido por qualquer dificuldade associada à situação militar que se está a viver de falta de celeridade da decisão judicial.
Por fim, quanto ao que disse o Sr. Deputado Luís Queiró, quero apenas referir o seguinte: é verdade que eu disse que a instituição militar não era um corpo à parte, era um corpo diferenciado. Mas o Sr. Deputado João Amaral ajudou-me, por antecipação, a defender que o crime essencialmente militar que justificaria um corpo, como os tribunais militares, a funcionar em tempo de paz é um crime muito específico e que raramente ocorre. A menos que o Sr. Deputado Luís Queiró me diga que existe uma soma de crimes que se poderiam considerar estritamente militares e que ocupam de facto os tribunais militares. A verdade é que eu não os estou a identificar.
E, se é verdade que há diversos tipos de crimes e diversos tipos de tribunais. também é verdade que eles não estão entregues a instituições à parte ou diferenciadas, estão justamente na acção civil e na comunidade civil, sejam eles os tribunais administrativos. sejam os tribunais judiciais, trate-se de qualquer categoria. Não vemos - eu pela minha parte não vejo - qualquer razão para que os tribunais comuns não tenham também a sua diferenciação. como têm em relação a outros tipos de direito, relativamente ao crime essencialmente militar. Não vejo qualquer razão para isso em tempo de paz.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também eu quero concorrer relativamente ao espírito que, suponho, maioritariamente e de forma inequívoca, foi criado nesta Câmara relativamente à reforma constitucional que nos propomos fazer.
A extinção dos tribunais militares em tempo de paz é apenas uma compreensão adequada do melhor funcionamento da justiça e da integração do julgamento dos crimes estritamente militares no foro dos tribunais comuns e daí não decorre qualquer suspeição sobre a instituição militar, tanto mais que o julgamento desses crimes será acompanhado da, presença necessária de juizes militares, como também a Constituição vai prescrever.
Por outro lado, ao estabelecermos esta solução, estabeleceremos uma solução compaginável no domínio da acção penal ao cometermos, num artigo que ainda iremos apreciar relativo ao Ministério Público, a possibilidade constitucional de o Ministério Público ser assessorado de forma especial quando se tratar de crimes estritamente militares.
Finalmente, a nossa preocupação vai ao ponto de não criarmos qualquer solução de eventual ruptura na transição constitucional, por isso a adopção de uma norma que continuará a permitir o normal funcionamento dos tribunais militares até que a reforma legal que a Constituição revista prevê fique inteiramente estabilizada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É prudente!

O Orador: - Nestas condições, penso que todos nos poderemos congratular, porque a elevação constitucional poderá .ser feita com harmonia institucional e com solidariedade de todos aqueles que, no plano institucional, têm responsabilidades no domínio da justiça. .

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra em relação a este artigo, vamos passar. se concordarem, à discussão das alterações relativas aos artigos 221.º e 222.º, uma vez que ambos se referem ao Ministério. Público e têm. portanto, uma unidade que justifica a discussão conjunta.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vamos discutir em conjunto os dois artigos'?

O Sr. Presidente: - Exactamente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto de independência e de autonomia do Ministério Público não sairá reforçado desta revisão constitucional, mercê do acordo PS/PSD.
No artigo 221.º, o PS cedeu a uma certa cultura de poder que não encara bem - e já assim acontecia com o PSD e, nesse sentido, ele influenciou o PS - essa independência e autonomia do Ministério Público e quer mantê-lo, de alguma maneira, pela arreata. E um pouco desta filosofia, se não total. ressalta da formulação para o artigo 221.º.
Relativamente à proposta vinda do PCP para o artigo 222.º, que constitucionaliza a composição do Conselho Superior do Ministério Público, não admitindo no mesmo a representação do Governo, como acontece hoje na lei ordinária, aí mais uma vez a recusa dessa proposta representa na verdade essa cultura do poder e essa tentação de, numa área tão importante como a política criminal, manter a arreata sobre o Ministério Público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvi a sua intervenção e vou fazer-lhe um pedido de esclarecimento dirigido concretamente a uma afirmação sua, que contesto veementemente, devo dizer, e que não posso crer que V. Ex.ª, conhecedora como é das questões jurídicas, nomeadamente do ordenamento judiciário nacional, também a perfilhe.
No início da sua intervenção, a Sr.ª Deputada referiu que a consagração desta alteração na Constituição era má para o estatuto de independência e autonomia do Ministério Público. Ora, o Ministério Público, no nosso ordenamento judiciário, não tem independência, nunca teve, nem tem de ter! Quem é independente no nosso ordenamento judiciário são os tribunais, é o órgão de soberania tribunal.
A Constituição da República diz claramente - e, que eu saiba, o PCP nunca propôs que assim não fosse - que o Ministério Público é hierarquicamente subordinado. Não é independente, Sr.ª Deputada! Autonomia, sim senhor! Está consagrado na Constituição o estatuto de autonomia do Ministério Público. mas também está consagrado na Constituição que os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis e hierarquicamente subordinados! Ó Sr.ª Deputada, independência não existe!
Essa confusão que muita gente pretende lançar, uma vez que se utiliza na Constituição da República, do meu ponto de vista, lamentavelmente, o mesmo termo, o termo magistrado, quer para os titulares do órgão do soberania tribunais ou magistrados judiciais, quer para os agentes do Ministério Público, gera uma confusão na opinião pública, porque os agentes do Ministério Público são funcionários da Administração Pública e os juízes, os magistrados judiciais, esses sim, são titulares do órgão de soberania tribunais e são independentes.
Foi por essa razão que o PSD entendeu - e em boa hora, como o Sr. Deputado Miguel Macedo na sua intervenção relembrará -, no seu projecto inicial, clarificar esta questão essencial, ou seja, de que o Ministério Público exerce a acção penal de acordo com a política criminal definida pelos órgãos de soberania. São os órgãos de soberania do nosso Estado de direito que respondem perante o povo, que representam o povo que é soberano. Não há essa história da independência do Ministério Público. Era sobre isto que gostaria de ouvir a Sr.ª Deputada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos. tem a palavra para responder.

A Sr. ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que a sua

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intervenção não causa espanto a ninguém pois todos conhecemos a posição do PSD sobre esta matéria. Essa posição é elaborada a partir de uma noção de Ministério Público que existia em 1974, com obediência estrita às ordens da Procuradoria-Geral da República, e ignora tudo o que se passou desde essa altura em termos de lei ordinária.
Nesta matéria o Partido Socialista tem defendido, até hoje, as mesmas posições que o PCP...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Até ontem!

A Oradora: - ... e lamento é que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes esqueça o que se progrediu em matéria de estatuto do Ministério Público, desde 1974 até hoje.
Mas claro que não admira essa vossa posição porque todos nós sabemos como, enquanto foi governo - e, lamentavelmente, foi-o durante muitos anos -, causou engulhos ao PSD a autonomia e. a independência do Ministério Público perante o poder executivo. E todos recordaremos como, por causa desse estatuto que o Ministério Público conquistou, se quis subtrair à acção do mesmo uma investigação criminal que foi colocada directamente na dependência do então Ministro da Justiça Laborinho Lúcio em processos chamados "pré-inquéritos" que andavam pelas gavetas sem qualquer movimentação.
É por isso que, embora continue a consagrar o princípio da legalidade democrática, este artigo contém uma entorse oriunda da bancada do PSD. É por isso que os senhores também não aceitaram - admiro-me é que o PS não tenha aceite isso - a supressão da representação do Governo no Conselho Superior do Ministério Público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, vou fazer uma breve intervenção, aliás muito facilitada, quer pelo pedido de esclarecimentos feito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes quer pela homenagem que a Sr.ª Deputada Odete Santos acaba de render à coerência da bancada do Partido Social Democrata...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu cobriria a minha cara por vergonha se fizesse aquilo que os senhores fizeram!

O Orador: - É que, naquilo que é o conteúdo da proposta relativa ao artigo 221.º, o PSD reitera posições anteriores quanto a esta matéria, designadamente ao deixarmos muito claro - e entendemos que é necessário expressá-lo na Constituição - que a definição da política criminal cabe aos órgãos de soberania. E aqueles que sustentaram, num passado recente, que não valia a pena escrever na Constituição da República Portuguesa o óbvio certamente terão ficado acabrunhados quando viram a reacção de alguns que chegaram a ameaçar retirar a confiança ao Governo socialista se a bancada socialista subscrevesse esta alteração constitucional.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Ora, Sr.ª Deputada Odete Santos, para o Partido Social Democrata, nunca houve dúvidas de que a definição da política criminal cabe inteiramente aos órgãos de soberania. Mas o que entendemos é que se tinha ido longe demais na confusão sobre o alcance desta competência que está definida constitucionalmente. Por isso entendemos que era útil e necessário inscrever no artigo 221.º da Constituição, de forma expressa, que esta definição cabia aos órgãos de soberania. E fizemo-lo em bom tempo, como vieram a provar essas reacções destemperadas.
Por isso, o Partido Social Democrata está hoje satisfeito...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pudera!

O Orador: - ... por, finalmente, ver consagrada na Constituição da República Portuguesa uma precisão que era necessária num âmbito tão sensível quanto aquele que mexe directamente com os direitos dos cidadãos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, saudamos e votamos, obviamente corri grande satisfação, esta alteração constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Presidente colocou em apreciação os artigos 221.º e 222.º e a eles quero referir-me.
Em primeiro lugar, para sublinhar que, à medida que ouvia este debate, congeminava que se nalgum aspecto faz sentido o sentido da medida é nesta matéria. E porque, verdadeiramente, o que está em causa é saber se sairíamos ou não desta revisão constitucional com a confirmação ou a afectação daquilo que, no estatuto do Ministério Público, é acima de tudo relevante que é a autonomia desta magistratura - sublinho "a autonomia desta magistratura" - e ela não está em causa.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Claro!

O Orador: - Por isso, não posso acompanhar as palavras de há pouco do Sr. Deputado Luís Marques Guedes quando disse que os membros do Ministério Público melhor deveriam ser equiparados a funcionários da Administração Pública. Isto não tem rigorosamente nenhum sentido dito deste modo. Porque se é verdade que os magistrados do Ministério Público estão subordinados a um princípio de dependência hierárquica, estão-no no quadro da sua autonomia e perante o órgão de direcção que é a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público no seu âmbito. É assim que as coisas se passam, não podem ser de outra maneira. Esta clareza na Constituição não sai minimamente afectada; pelo contrário, sai integralmente realçada.
Por outro lado, quero congratular-me pela circunstância de ficar também expresso na disposição constitucional que o Ministério Público exerce a acção penal orientado pelo princípio da legalidade. Esta actualização em sede constitucional é importante, diria mesmo que é relevante para que jamais possa admitir-se que o exercício da acção penal por parte, do Ministério Público pudesse alguma vez

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estar condicionado por qualquer orientação de tipo discricionário.
Por outro lado ainda, Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero referir um outro aspecto, já no âmbito do artigo 222.º, que se reporta à definição de um prazo de mandato para o Procurador-Geral da República. Também aqui a solução me parece inteiramente equilibrada.
O Procurador-Geral da. República é nomeado pelo Presidente da República mediante proposta do Governo e, ao definir-se um prazo de mandato, houve um cuidado manifesto de não identificar esse prazo nem com o mandato do governo, que. como sabemos, é de quatro anos, nem com o mandato do Presidente da República que, como sabemos é de cinco anos.
Ao definir um prazo diferente para o mandato do Procurador-Geral da República, a Constituição quer dar um sinal da não dependência da lógica da alternância política estrita no exercício desta função.
Por outro lado também, a articulação desta inovação constitucional com uma disposição transitória clarificadora tornará evidente que a contagem do prazo do mandato ocorrerá a partir da entrada em vigor do decreto de revisão
constitucional e, portanto, os seis anos deste mandato contar-se-ão a partir dessa data.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conseguimos assim, a meu ver, uma solução institucional que dignifica a Constituição, que a aceita, e dignifica os titulares que exercem estas responsabilidades porque ela própria é preito de homenagem à maneira como as instituições, designadamente a do Ministério Público, têm ocorrido em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, queria pedir-lhe um esclarecimento em relação ao novo n.º 3. que diz que o mandato do
Procurador-Geral da República tem a duração de seis anos "(...) sem prejuízo do disposto na alínea m) do artigo 136.º". Consultando aquela alínea m), verifica-se que é competência do Presidente da República "Nomear e exonerar, sob
proposta do Governo, o Presidente do Tribunal de Contas e o Procurador-Geral da República". Qual é a interpretação que o Sr. Deputado e o PS fazem desta remissão? Querem entendê-la como relativa ao processo de nomeação ou ela
também significa que há um prazo mas há, simultaneamente, uma exoneração a todo o tempo?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, para responder.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, a letra da Constituição é o que é e é não alterável pelas nossas leituras eventualmente subjectivas. A alínea in) do artigo 136.º diz "Nomear e exonerar" e, como este artigo não é alterado, essa interpretação não consente qualquer ambiguidade. Significa isto que não alteramos o regime da nomeação e da exoneração do Procurador-Geral da República, sem embargo da definição do prazo de mandato.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, o Procurador é nomeado para um mandato por seis anos, mas pode ser
exonerado no dia seguinte?,

O Orador: - Já era assim!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para uma intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero pronunciar-me sobre este artigo 222.º e, nomeadamente, sobre a questão que o Sr. Deputado João Amaral colocou porque parece-me que há, de facto, alguma elucidação a fazer. Mas, antes, não resisto a fazer um pequeno comentário à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, que me precedeu, relativamente ao artigo 221.º

Devo dizer que admirei a sua capacidade para ziguezaguear ao longo das alterações ao artigo 221.º. O Sr. Deputado "andou aos ss" para nunca falar na definição da política criminal pelos órgãos de soberania - a certa altura, até pensei que ia "estampar-se" em tantos ss! - e conseguiu chegar ao fim, tendo tocado em todas as outras alterações mas não na que é o cerne da questão e que constitui a clarificação da política criminal em sede dos órgãos de soberania.
Admirei esse seu esforço e devo dizer que o interpreto claramente como o tacto de o Sr. Deputado se louvar integralmente no que foi dito pela minha bancada e nada ter a acrescentar sobre o assunto.

Risos.

Passo ao artigo 222.º e à questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado João Amaral.
Devo dizer que concordo - aí sou eu próprio que me louvo integralmente no que disse o Deputado Jorge Lacão sobre o artigo 222.º na sua intervenção. Isto é, o Dr. Jorge Lacão referiu-se, com muita clareza e também com muita propriedade, à preocupação que houve em, ao ter-se determinado este prazo de seis anos, realizar uma total separação do exercício do mandato do Procurador-Geral da República, pela lógica normal de alternância democrática no nosso sistema político. Daí não ter-se ido para um mandato de quatro nem de cinco anos, que são prazos que já existem relativamente aos órgãos de soberania, portanto, como afirmou o Sr. Deputado Jorge Lacão, para evitar qualquer ligação a uma lógica de alternância.
Mas há uma outra questão que, no fundo se prende indirectamente core a que colocou o Sr. Deputado João Amaral.
O PSD congratula-se com a temporização do exercício do mandato do Procurador-Geral da República - é uma velha vontade do PSD - por duas ordens de razões.
Por um lado, pelo princípio geral de que, em democracia, no que respeita a estes cargos de nomeação, tem de haver, sempre e necessariamente, a definição de um limite temporal. E uma questão de princípio.
Mas há uma segunda questão que se prende, essa sim, com a que o Sr. Deputado João Amaral colocou. É que o PSD sempre disse que o verdadeiro exercício do mandato com independência no exercício do cargo, digamos assim, também pressupunha, necessariamente, que houvesse uma lógica de fixação de um prazo relativamente a esse exercício. É porque está bem de ver - e isso não se questiona - que possa haver exoneração antes do penal do mandato. Isso acontece neste caso como no de todos os cargos excepto nos que são inamovíveis e este não o é. Portanto, é evidente que se mantém na totalidade o poder presidencial de nomear e de exonerar.

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Só que, Sr. Deputado João Amaral, o poder de exoneração que não tem prazo e que, portanto. na pureza do texto. como aconteceu até agora, poderia. a todo o tempo e por mero juízo de oportunidade circunstancial, ser exercido é completamente diferente. em termos políticos, da fixação de um prazo na Constituição, ou seja, a afirmação constitucional da vontade de uma estabilidade no exercício do cargo durante um determinado período.
Obviamente, em termos políticos, essa disposição irá condicionar quer o Governo na propositura de uma exoneração extemporânea quer o Presidente da República na aceitação e na decisão dessa exoneração à tal lógica de estabilidade que decorre do facto de passar a haver a definição de um prazo temporal para o exercício do mandato.
Ao prever-se agora na Constituição, e era isso que eu acrescentaria às palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão, que o mandato do Procurador-Geral se exerce por seis anos, está a manifestar-se, por um lado, essa vontade indirecta de o separar da lógica da alternância mas, por outro lado, a atribuir-se claramente uma maior estabilidade ao exercício deste cargo, maior estabilidade que resultará, exactamente, deste sinal claro que fica na Constituição. Trata-se de um cargo que se exerce durante um período medianamente longo e, portanto, qualquer alteração extemporânea ao cumprimento deste mandato, obviamente, terá de ser pesada politicamente e de ter na sua base razões fortes, fundamentadas e ponderadas.
Em termos políticos, penso que esta é a interpretação que decorre desta formulação, sem com isso se mexer, porque não era caso para tanto, nos poderes que já estão previstos na Constituição para o Presidente da República e para o Governo nesta matéria.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, trata-se de uma brevíssima intervenção, para tentar encurtar o mais possível este debate.
Em relação ao artigo 221.º, o Grupo Parlamentar do PP apresentou propostas próprias que até passavam, designadamente, pela divisão deste artigo em dois: um, relativo apenas às funções do Ministério Público, e outro, relativo ao respectivo estatuto. Esta parecia-nos ser a solução mais adequada, mas ela não obteve o assentimento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição. Em todo o caso, estamos substancialmente de acordo com as alterações agora em discussão, apesar de alguns reparos, que passo a enumerar.
Em primeiro lugar, relativamente às funções e ao estatuto do Ministério Público, onde é consagrada a autonomia do exercício das funções e, também, as competências e atribuições do Ministério Público, pode ler-se que lhe compete "(...) defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte (...)" - que trata a questão da autonomia - "(...), participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, (...)" - e não nos passa pela cabeça que a política criminal não seja definida pelos órgãos de soberania! -,...

O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... "(...), exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e, defender a legalidade democrática".
Ora, em relação a esta parte, sugeria que os senhores subscritores desta proposta tivessem em atenção o seguinte reparo: ao estabelecer-se que o Ministério Público exerce "a acção penal orientada pelo princípio da legalidade" e, mais à frente, que ao mesmo compete "defender a legalidade democrática", pode dar a ideia de que há aqui duas legalidades: a legalidade e a legalidade democrática.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Tem toda a razão!

O Orador: - Uma é defendida e a outra apenas orienta o exercício da acção penal. Espero que esta não seja a legalidade anti-democrática, por contraposição à legalidade democrática!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não tem nada a ver!

O Orador: - Sei que a Sr.ª Deputada fará rapidamente uma intervenção sobre esta matéria, aliás com um conteúdo histórico-político evidente!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não!

O Orador: - Parece-me que a legalidade é democrática porque vivemos num Estado democrático e é legalidade no sentido de que há o respeito e a observância da lei legitimamente emanada dos órgãos de soberania e de quem detém o poder legislativo.
Também quanto ao mandato do Sr. Procurador-Geral, parece-me que o princípio saudável é aquele de que todos os mandatos têm um princípio e um fim determinado e não um fim indeterminado, sujeito ou dependente das opções políticas relativas à nomeação ou exoneração do titular do cargo. Também me parece muito bem que este mandato seja desencontrado, designadamente, do mandato do Presidente da República, por forma a que não estejam aqui subjacentes critérios de oportunidade política ou, mais, até de oportunidade, eleitoral, que deveriam ser afastados tendo em atenção a natureza deste cargo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, é uma intervenção muito breve, dado o adiantado da hora, pelo que nem sequer irei citar ao Sr. Deputado Luís Queiró a bibliografia sobre a história da democracia e da legalidade democrática - poderá consultá-la na biblioteca - nem, muito menos, fazer-lhe a distinção entre princípio da legalidade na acção penal e princípio da oportunidade, porque penso que o Sr. Deputado tem vasta bibliografia de conteúdo jurídico para conseguir perceber...

O Sr. João Amaral (PCP): - Incluindo o pai!

A Orador: - Pois, incluindo o pai de. V. Ex.ª!
Como dizia. o Sr. Deputado tem vasta bibliografia de conteúdo jurídico para conseguir perceber não só o que é o princípio da legalidade em acção penal e o que é o princípio da oportunidade mas também por que se fala em legalidade democrática em relação a uma série de funções do Ministério Público, para além do exercício da acção penal.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão das alterações relativas aos artigos 221.º e 222.º, propunha que fizéssemos um esforço complementar de discussão conjunta das alterações relativas aos artigos 224.º, 225.º e 226.º, que dizem respeito ao Tribunal Constitucional - creio que não serão particularmente polémicos -, para podermos atingir a nossa meta de hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados. nesta matéria relativa ao Tribunal Constitucional, julgo que é particularmente importante salientar o seguinte: nesta revisão não se altera a composição do Tribunal Constitucional e. portanto, ele continua a ter a mesma composição, no sentido de que a forma de designação dos seus juízes mantém-se inalterada.
Todavia, há uma alteração que é fundamental e que tem directa relevância nesta matéria. Refiro-me à circunstância de se ter limitado o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional, simultaneamente alargando o seu prazo e impedindo a sua renovação. Isso é, obviamente, um garante da independência e da isenção dos juízes do Tribunal Constitucional e, de alguma forma. afasta o único obstáculo ou a única crítica verdadeiramente relevante que era dirigida à forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional.
A esse propósito, tem-se dito que os juízes do Tribunal Constitucional, por terem uma forma de designação iminentemente política, de certa forma não teriam as condições de independência e de isenção que são exigidas ao exercício da função. Verdadeiramente, tal só seria assim se os juízes do Tribunal Constitucional exercessem o seu mandato na perspectiva da sua renovação e, nesse sentido, se "enfeudassem", por assim dizer, àqueles que os designaram ou os candidataram em primeiro lugar.
Ora, não sendo possível a renovação do mandato dos juízes do Tribunal Constitucional, essa crítica deixa de ter razão de ser, desaparece completamente e ficam apenas as virtudes da composição do Tribunal Constitucional e da forma de designação política dos juízes do mesmo. E essas virtudes têm-se revelado ao longo dos anos, nomeadamente na medida em que, por não estarem corporativamente inseridos - pelo menos a esmagadora maioria dos juízes do Tribunal Constitucional - na carreira judicial, gozam de uma liberdade muito maior para, por exemplo, inverter a jurisprudência constante dos tribunais, alguma da qual merece, de facto, ser invertida sob pena de cristalização e sob pena de alteração daquilo que é o verdadeiro significado da função judicial.
Portanto, neste sentido, julgo que esta alteração permite conservar as virtudes da forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional e da sua composição, bem como afastar as críticas que a essa designação e a essa composição eram frequentemente feitas.
Por outro lado, reforçam-se os poderes do Tribunal Constitucional no artigo 225.º, na medida em que se esclarece o regime de fiscalização, designadamente a fiscalização preventiva obrigatória dos referendos locais, regionais e nacionais, e na medida em que passam a ser possíveis recursos que hoje não o eram, nomeadamente em matéria eleitoral no que se refere a actos eleitorais de órgãos de partidos políticos. E esta é, porventura, uma inovação significativa: a possibilidade de interpor recurso para o Tribunal Constitucional nessa matéria.
Por último, também há um reforço dos poderes do Tribunal Constitucional no que diz respeito às eleições realizadas na própria Assembleia da República, cujas instâncias de recurso não estavam especialmente clarificadas na lei, passando agora a constar da Lei Fundamental. Assim, passa-se a estabelecer a competência do Tribunal do Constitucional para conhecer de recursos em matéria de eleições da Assembleia da República e, fundamentalmente ou talvez mais importante, no que se refere às decisões da Assembleia da República relativas à perda de mandato dos seus Deputados.
Julgo que ainda há uma última referência a fazer à circunstância de, não obstante se continuar a permitir o funcionamento do Tribunal Constitucional em secções especializadas - isso já era possível à luz do texto constitucional actual e continuará a ser possível -, estar prevista uma excepção expressa na Constituição à impossibilidade de esse funcionamento se verificar no respeitante à fiscalização abstracta, quer preventiva quer sucessiva. Tal tem a ver, obviamente, com a circunstância de não podermos ignorar que a forma de designação política dos juízes do Tribunal Constitucional, ou pelo menos da sua maioria, significa também a necessidade de estabelecer ou garantir um certo equilíbrio, o que constitui um contributo para as garantias de isenção e imparcialidade dos juízes do Tribunal Constitucional.
Assim, a forma aleatória como, por vezes, se constituem as secções especializadas do Tribunal Constitucional pode perverter esse equilíbrio, na medida em que o equilíbrio é global e não, necessariamente, parcial, podendo, eventualmente, concentrar-se os juízes com uma certa sensibilidade numa determinada secção. Ou seja, se o Tribunal Constitucional, como acontece no período de férias judiciais, funcionar por turnos e com apenas uma secção e se nesse período ele puder realizar a fiscalização preventiva e sucessiva abstracta da constitucionalidade, poderá fazê-lo com prejuízo, precisamente, desse equilíbrio. Ora, essa situação está salvaguardada neste novo texto constitucional, o que julgo que é de louvar.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: À medida que o tempo foi avançando fui cortando a minha organização oratória, de modo que agora ela já está reduzida a muito pouco. Tinha pensado fazer um exame de todas as propostas apresentadas sobre esta matéria, mas limitar-me-ei a lembrar uma sugestão que constava de uma proposta do PSD e que não foi aceite, mas que um dia, eventualmente, teremos de ir repensando. Refiro-me ao problema da cooptação. Propusemos que os juízes fossem todos eleitos pela Assembleia dá República.
Em meu juízo e em juízo do PSD, devolve-se aos 10 juízes eleitos uma tarefa, que é a de fazerem a recomposição, o reequilíbrio, eles próprios, com decisões e melindres políticos, devolvendo-lhes uma tarefa que deveriam ser as forças políticas a fazer aqui, na Assembleia da República. exigindo-se, eventualmente, a maior maioria de todas para que houvesse acerto na designação das personalidades. Mas deveria ser uma decisão da Assembleia da República e não dos juízes. Era essa a razão da nossa proposta.

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26 DE JULHO DE 1997 3867

No entanto, não vou perder tempo com ela, pelo que irei apenas acentuar aquilo que me parece mais relevante do trabalho realizado na CERC e que merece o aplauso do PSD.
Em geral, queria dizer o seguinte: as alterações aprovadas na CERC vão muito além daquelas que estavam inicialmente propostas nos projectos de lei de revisão apresentados pelos Deputados dos partidos ou, pelo menos, dos quatro maiores partidos.
As audições que realizámos, a discussão que travámos e a sua profundidade permitiram chegar a outras soluções diferentes e melhores. o que prova que a discussão parlamentar e a audição é também um bom caminho para melhorar aquilo que cada força política imagina sozinha.
Vou salientar apenas quatro alterações significativas. A primeira diz respeito à não renovação do mandato dos juízes: manteve-se a ideia de que era temporária a designação dos juízes - não é assim, necessariamente, em todos os países, designadamente no Tribunal Supremo dos Estados Unidos não é essa a regra mas tem maus resultados, porque os juízes nem sequer limite de idade têm, criando-se situações, por vezes, complicadas -, mas alargou-se a duração desse mandato para nove anos. Aliás, julgo que é esse o período de vigência dos mandatos de juízes de grandes tribunais - estou a lembrar-me do Tribunal Internacional de Justiça, por exemplo.
Estabeleceu-se, ainda, o princípio da não renovabilidade do mandato. Esta é realmente, como foi acentuado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, uma garantia de independência, porque quando o juiz pode concorrer a um segundo mandato, é natural que exerça a sua função tendo em conta essa possibilidade de ser reconduzido e, portanto, perde, de alguma maneira, a liberdade de movimentos em relação às forças ou aos critérios segundo os quais vai ser reconduzido.
Esta é uma situação universalmente reconhecida. Por exemplo, no Tribunal de Justiça da União Europeia procura-se resolver este problema da seguinte forma: é possível a renovação do mandato, só que os juízes não podem, nunca, revelar em quem votam nem há votos de vencido nas sentenças do Tribunal de Justiça das Comunidades. Para quê? Para garantir ao juiz que o seu eleitor, digamos assim, não seja também o seu censor. É claro que isto é uma distorção no sistema europeu de justiça, porque as questões jurisdicionalizadas são controversas e quem intervém tem o dever de dizer se concorda ou não com a decisão que foi tomada pelos colegas. Aliás, a renovação do direito faz-se muito por aí.
Segunda alteração importante: o princípio da jurisdicional idade de actos e deliberações da Assembleia da República, através de um recurso directo de anulação. Trata-se de uma questão que constituía, eventualmente, uma lacuna. Por último, um Deputado que perdesse aqui o seu mandato, se calhar, teria de recorrer aos tribunais comuns, para se defender de um acto ilegal do Plenário da Assembleia da República. É que a cada direito tem de corresponder uma acção e se não há um órgão especial, jurisdicional, que tenha competência para receber essa acção, o particular, de acordo com as regras gerais, dirige-se aos tribunais comuns. Talvez um Deputado que fosse mal julgado pelo Plenário devesse ver reconhecido, nos tribunais comuns, o seu direito a um juízo individualizado sobre o seu comportamento.
Portanto, decisões individuais e concretas do Plenário, bem como eleições, passam, a partir de agora, a estar sujeitas a um recurso directo de anulação para o Tribunal Constitucional.
Também é importante, aliás, particularmente importante, a alteração que se traduz na possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional das decisões e eleições realizadas pelos órgãos dos partidos. É um passo que, de alguma forma, vem lembrar ao legislador ordinário que tem aqui uma gravíssima incumbência que ainda não foi capaz de cumprir, que é a de fazer uma lei democrática, através da Assembleia da República, sobre os partidos políticos.
Uma lei dos partidos políticos existe em qualquer democracia, nós não a temos, temos, isso sim, uns princípios definidos, num determinado período, por um órgão que não era um órgão directamente eleito pelo povo português e devemos essa lei à democracia.
A circunstância de. a partir de agora, decisões, deliberações, actos praticados no interior de partidos, por órgãos partidários, estarem expostos ao escrutínio do Tribunal Constitucional pode ter importância no avanço que é necessário dar no sentido de se preparar uma lei dos partidos políticos. Aliás, isto mostra uma coisa que é, para nós, para o nosso sistema, uma evidência: no fundo, os partidos políticos são instituições necessárias ao sistema democrático, são, digamos assim, órgãos paraconstitucionais dentro do sistema. Por isso, está harmonicamente organizada esta alteração que se introduz no artigo 225.º da Constituição.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha bancada saúda o que se fez em matéria de funcionamento do Tribunal por secções, sobretudo a inversão que se produz no regime vigente. Até agora, admitia-se que as secções funcionassem para certos efeitos; a partir de agora, passa a entender-se que o Tribunal pode julgar por secções em relação a toda a sua área de competência, excepto para a fiscalização abstracta da lei. A explicação para isto é simples: para julgar uma lei inconstitucional em abstracto, nomeadamente em fiscalização sucessiva, que tem força obrigatória geral, todos os olhos são poucos para se poder chegar a uma conclusão segura. Portanto, neste caso, o Tribunal tem de julgar em plenário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que chegámos ao fim da agenda estabelecida para hoje e é este o momento de nos felicitarmos pelo avanço conseguido.
O tempo gasto a mais pelo PCP será deduzido no tempo de que dispõe na próxima semana e o tempo gasto a menos pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca e pelo PP será transferido e sornado, na proporção estabelecida, aos tempos da próxima semana.
O PS e o PSD prescindem das transferências de tempos, uma vez que as não invocaram.
A próxima sessão plenária realiza-se na terça-feira, pelas 15 horas, e terá como ordem do dia a continuação da discussão das alterações à Constituição.
Está encerrada a sessão.

Eram 14 horas e 20 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Carlos da Cruz Lavrador.
José Maria Teixeira Dias.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Paulo Jorge dos Santos Neves.

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3868 I SÉRIE - NÚMERO 102

Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Manuel Taveira da Silva.
Carlos Alberto Pinto.
Domingos Dias Gomes.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Mendes Bota.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

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