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Quarta-feira, 2 de Julho de 1997 II Série - RC - Número 112

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 1 de Julho de 1997

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Jorge Lacão) deu início à reunião às 10 horas e 40 minutos.
Foram discutidas e votadas as propostas de alteração aos artigos 226.º, 224.º, 227.º, 236.º, 229.º e 115.º.
Produziram intervenções, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe (PCP), Guilherme Silva (PSD), Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Mota Amaral (PSD), Luís Sá (PCP), Carlos Encarnação (PSD), Medeiros Ferreira e Alberto Martins (PS), Barbosa de Melo (PSD) e Arlindo Oliveira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente (Jorge Lacão): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está pendente a votação do artigo 226.º relativo à organização e funcionamento do Tribunal Constitucional.
Havia uma proposta originária no projecto do PS, que vai ser substituída por uma proposta comum, que está a dar entrada na mesa e que será distribuída aos Srs. Deputados.
Entretanto, peço ao Sr. Deputado José Magalhães ou ao Sr. Deputado Marques Guedes o favor de apresentar a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a proposta é simples e nesta redacção auto-explica-se.
Na primeira leitura foi sublinhado que o nosso objectivo não era autorizar as secções do Tribunal Constitucional a julgar processos de fiscalização abstracto de constitucionalidade, no entanto é bom de ver que a redacção não inculca tal e é, ou poderia ser, interpretada como uma cláusula de abertura irrestrita que permitisse uma espécie de inversão do status quo nessa matéria.
Ora, não é isso que se pretende, mas, sim, em sede de lei orgânica do Tribunal Constitucional, facultar uma outra organização e um outro arranjo de competências das secções deste tribunal, eventualmente a sua própria organização em subsecções, para determinados processos em que o Tribunal tenha jurisprudência bem estabelecida.
Portanto, o que é preciso é acautelar isso mesmo, pelo que a proposta que está agora nas vossas mãos acautela isso mesmo que nos preocupa, ou seja, a competência do plenário em matéria de fiscalização abstracta.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era só para acrescentar duas coisas, Sr. Presidente, para além daquilo que já foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães.
De facto, o que estava em causa, na sequência da primeira leitura, era tentarmos flexibilizar o texto constitucional no sentido de que no artigo 226.º, já se remete para a lei o estabelecimento das regras relativas à organização e funcionamento do Tribunal Constitucional, sendo que o n.º 2 tem criado alguma polémica, ainda que não muito forte, no sentido de cuidar de saber se ele delimita, ou condiciona, de certa forma, a organização interna do Tribunal Constitucional.
O objectivo é que a lei, de facto, tenha, dentro dos limites constitucionalmente aceitáveis, uma flexibilidade grande para poder prover a organização do Tribunal Constitucional com vista à sua maior eficácia e eficiência possível.
Nesse sentido, os tais limites do razoável, que referia, do ponto de vista do PSD, como ficou já mais ou menos claro na primeira leitura, são os de não permitirem, em qualquer circunstância, que a apreciação, a fiscalização abstracta de constitucionalidade ou de legalidade, seja feita pelo plenário do Tribunal e isto por uma razão muito simples: porque, no nosso sistema, como toda a gente sabe, a apreciação abstracta do Tribunal tem um efeito de se sobrepor, inclusive, às próprias determinações do legislador - leia-se Governo ou Assembleia da República -, bem como de decisões do Tribunal.
Portanto, é evidente que uma decisão com esta magnitude e este efeito definitivo sobre a ordem jurídica portuguesa, do nosso ponto de vista, nunca pode ser deixada para o funcionamento do Tribunal por secções.
Esta, digamos, é a questão fulcral; tirando esta matéria, que, obviamente, tem que ser perfeitamente salvaguardada, porque é uma questão de uma magnitude tremenda - é preciso que tenhamos a consciência - deve haver capacidade do legislador ordinário em encontrar as soluções mais adequadas para a organização e funcionamento do Tribunal Constitucional.
É isso que, com esta redacção, se pretende, ou seja, deixar ao legislador a possibilidade de determinar o funcionamento do Tribunal Constitucional por secções, ou por subsecções, digamos, pela descentralização interna que entender mais eficaz, com a salvaguarda, que é essencial e que tem que ficar perfeitamente delimitada na Constituição, que tem que ver com o funcionamento do Tribunal para efeitos da fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade, atendendo aos efeitos fortíssimos que este tipo de actuação do Tribunal tem sobre a ordem jurídica.
É esse, no fundo, o objectivo desta proposta e o PSD revê-se totalmente, depois do debate na primeira leitura, com uma formulação deste tipo, no sentido de entender que ela melhora e deixa uma maior margem para o legislador ordinário na definição da organização e funcionamento do Tribunal, Constitucional, salvaguardando aquilo que é de salvaguardar.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, de facto, esta proposta que nos é apresenta para o n.º 2 resolve um problema que estava mal resolvido na proposta originária do PS.
Na verdade, reconhecemos que o Tribunal Constitucional tem vindo a ser sobrecarregado de funções, quer através de legislação ordinária, que tem vindo a atribuir ao Tribunal Constitucional determinadas competências, designadamente a nível de contas dos partidos políticos ou a nível de declarações de rendimentos de titulares de cargos políticos.
Por outro lado também, já nesta revisão constitucional, foi decidido atribuir ao Tribunal Constitucional diversas competências, designadamente para julgar acções de impugnação de eleições e deliberações recorríveis de órgãos dos partidos políticos e outras.
Portanto, é inequívoco que este acréscimo de competências, a sobrecarga de funções do Tribunal Constitucional, tem que ter correspondência numa possibilidade de organização interna que permita que o Tribunal possa cumprir com eficácia essas funções que não se cause um completo engarrafamento no Tribunal Constitucional e que

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acabe por dificultar sobremaneira o cumprimento das suas funções legais.
Tínhamos, relativamente à proposta anteriormente apresentada pelo PS, o problema de, por esta formulação, ser possível, inclusivamente, o julgamento por secções de matérias relativas à fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade, o que nos causava uma grande preocupação.
De facto, verificamos que não é essa a intenção dos proponentes desta proposta, agora apresentada, pelo que e creio que, desse ponto de vista, ela resolve melhor esse problema e não provoca o perigo de tal situação ocorrer.
Portanto, proposta que agora nos foi aqui apresentada não terá a nossa objecção, pois consideramos que ela é razoavelmente adequada para resolver os problemas em vista.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, creio que podemos passar à votação da proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 226.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e a abstenção do CDS-PP.

É a seguinte:

2. A lei pode determinar o funcionamento do Tribunal Constitucional por secções, salvo para o efeito da fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, em matéria de Tribunal Constitucional está a dar entrada na mesa uma proposta de aditamento relativa ao artigo 224.º.
Vou, de imediato, distribui-la, mas peço já ao Sr. Deputado José Magalhães que proceda à sua apresentação

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, esta proposta visa aditar ao n.º 6, do actual artigo 224.º, uma menção ao regime de imunidades dos juízes do Tribunal Constitucional.
O n.º 6 é uma norma residual, que fixa a lei, estabelece as demais regras relativas ao estatuto dos juízes do Tribunal Constitucional, sendo que o n.º 5 estatui que os juízes do Tribunal Constitucional gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade e estão sujeitos às incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais.
Ora, a nossa proposta de no n.º 6 se acrescentar esta referência "às imunidades", remetendo para lei a definição do seu regime específico, visa a definição de um regime que seja próprio deste tipo de magistrados, adequado à sua natureza, ao seu estatuto e possa, portanto, distinguir-se, por exemplo, do regime aplicável às imunidades da mais alta magistratura composta pelos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça em situações similares.
De facto, não se vincula o legislador ordinário a uma determinada solução quanto à garantia decorrente destas imunidades, havendo, isso sim, várias soluções possíveis, abrindo-se caminho à possibilidade de um regime diferenciado em relação àquele de que gozam os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.
Essa separação compreende-se à luz da natureza distinta do próprio Tribunal Constitucional e de acordo com a forma como são eleitos os seus membros.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, naturalmente que o legislador saberá encontrar a fórmula própria para fazer o recorte das imunidades dos juízes do Tribunal Constitucional.
Haveria alguma equivalência com os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, sendo discutível se a natureza e a especificidade do Tribunal Constitucional, e naturalmente dos juízes que o compõem, não deve determinar diferenças - não vale aqui estar a enumerá-las ou a tentar encontrá-las -, mas parece-me uma atitude de prudência deixar ao legislador uma área, uma margem de intervenção numa matéria que é sempre delicada e que, por vezes, nem sempre as equiparações tout court são tidas como boas.
Portanto, haverá aspectos, num sentido ou noutro, que devem justificar essa diferenciação.
Vamos deixar e criar na Constituição o espaço para que isso possa acontecer.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, sem ter uma objecção relativamente à proposta, gostaria de questionar os proponentes relativamente ao conteúdo inovatório desta proposta, pois creio que actualmente a lei poderá prever as imunidades dos juízes do Tribunal Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PS): * Aqui liberta-se o legislador ordinário, neste caso e só neste caso, da regra da homologia do tratamento homogéneo ou idêntico.

O Sr. Presidente: * Isto é uma norma ditada pela jurisprudência das cautelas.

O Sr. António Filipe (PCP): * Era essa dúvida. Mas, de facto, não temos oposição a esta proposta.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, era para dizer que também não vemos objecção, até porque, julgo, isto aperfeiçoa o normativo constitucional e adequa-se ao regime estabelecido para os restantes órgãos de topo dos tribunais.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta referente ao n.º 6 do artigo 224.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo sido aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

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É a seguinte:

6. A lei estabelece as imunidades e as demais regras (...).

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, já está em distribuição o relatório n.º 12 que faz a transcrição dos nossos trabalhos até ao final da semana passada.
Devo, a propósito, assinalar o notável trabalho que os serviços de apoio à Comissão, particularmente na área técnica, nos têm prestado, o que permite manter inteiramente actualizado o suporte organizatório da nossa Comissão, designadamente para efeitos da elaboração do relatório final.
Srs. Deputados, vamos passar ao Título VII relativo às Regiões autónomas, artigo 227.º, relativamente ao qual não tenho notícia de haver propostas novas.
Pergunto ao Sr. Deputado Guilherme Silva se a sua proposta pode ser considerada retirada?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, queria fazer uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, fomos, ao longo da discussão dos outros capítulos, deixando um conjunto de disposições, que a mesa deve ter registado, que têm a ver com as Regiões Autónomas e não sei até que ponto não seria adequado repescarmos essas matérias, porque se elas são anteriores, essa anterioridade deveria dar lugar a uma prioridade nesta discussão, a menos que se articulem aqui ou ali com disposições que estejam posteriormente ao artigo 227.º.
Era essa a proposta que queria fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, à medida que formos evoluindo nas matérias das regiões autónomas poderemos, efectivamente, ir repescando algumas das matérias que foram ficando pendentes e quando chegarmos ao final do título respectivo, tudo o que ainda tiver ficado pendente por efeito das deliberações em torno das normas sobre as Regiões Autónomas, será em definitivo repescado. Estou de acordo consigo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, há, efectivamente, uma prioridade numérica relativamente às matérias que ficaram em suspenso, mas há uma prioridade lógica no tratamento das matérias nesse capítulo.
Tenho aqui uma lista completa das matérias que foram adiadas e posso lembrar que, por exemplo, o artigo 115.º, refere-se à questão do poder legislativo e é mais lógico tratá-la em conjunto com o artigo 229.º nas várias alíneas respeitantes a esta matéria.
Depois a todos os outros números, alíneas, artigos que ficaram suspensos, estão relacionados com o artigo 236.º, que trata da questão da dissolução dos órgãos do governo próprio, e, portanto, só em função de qualquer alteração deste artigo é que…

O Sr. Presidente: * Suponho que estamos todos de acordo.
Srs. Deputados, vamos, então, ao artigo 227.º.
Pergunto, de novo, ao Sr. Deputado Guilherme Silva se a sua proposta é para retirar?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr.ª Presidente, a proposta está prejudicada, na medida em que acedi, no âmbito da conversação e da negociação PS/PSD, a um acerto de soluções que prejudica esta proposta.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.
Srs. Deputados, há uma proposta do Sr. Deputado António Trindade e outros, sendo que este Sr. Deputado não está aqui para sustentar a sua proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, há uma outra proposta apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, relativa ao artigo 236.º, que está na pág. 664 da nossa antologia, e que se o Sr. Deputado Guilherme Silva a mantém, talvez a pudéssemos vota-la já, Sr. Presidente, juntamente com a do Sr. Deputado António Trindade.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sim, mantenho essa proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): * E pode votar-se já.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, queria dizer qualquer coisa sobre isto.

O Sr. José Magalhães (PS): * Mas esta proposta já foi discutida na primeira leitura.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não há matéria nova neste ponto e, por isso, vamos votar a proposta do Deputado António Trindade relativo ao artigo 227.º-A e a do Deputado Guilherme Silva, relativa ao artigo 236.º-B…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra para me pronunciar sobre a proposta.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, pedia-lhe celeridade, pois não se tratando de matéria nova não acho pertinente que reabramos o debate deste ponto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, a razão por que quero usar da palavra, tem a ver com o seguinte: a proposta de criação de um círculo eleitoral pela emigração para a Assembleia Legislativa Regional, da Madeira ou dos Açores, ganha, no meu entender, maior relevo e importância na medida em que demos já passos no respeito pelos direitos cívicos dos emigrantes, ao admitir a sua participação na eleição para Presidente da República e no referendo nacional.
É pena que não haja nesta matéria, sabendo-se que as regiões autónomas, quer dos Açores quer da Madeira, são regiões com fortes e históricas correntes emigratórias, sabendo-se que as colónias dos madeirenses e dos açoreanos têm uma ligação profunda às suas regiões e têm tido

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um papel importante nos países onde se têm fixado, ganhando mesmo influência nos vários sectores da vida desses países, parece que mantemos uma capitis deminutio relativamente a esses conjuntos de cidadãos oriundos das duas regiões autónomas não criando um círculo eleitoral próprio através do qual pudessem eleger os seus representantes às assembleias legislativas regionais e ter aí mais um grau de ligação e de participação na vida das regiões.
De modo que lamento que, no âmbito das soluções acordadas e que poderão permitir alguns avanços em matéria de autonomia regional, sufragando a posição convergente do PS e do PSD, neste particular do círculo eleitoral para a emigração, no que diz respeito à eleição para as assembleias legislativas regionais, não se tenha conseguido esse entendimento.
Mas a semente fica e haverá, com certeza, mais revisões constitucionais e oportunidades para voltarmos à defesa desta solução.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, volto a fazer o apelo ao qual se pudessem corresponder ficava muito feliz: não há matéria nova, o Deputado proponente quis ainda justificar a sua proposta, mas não há lugar a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Deputado Guilherme Silva, é claro que não vou voltar ao debate, porque na primeira leitura creio que já houve oportunidade de dizer alguma coisa sobre isto, mas, de qualquer maneira, o Sr. Deputado ainda não explicou qual é o critério pelo qual pretende que se estabeleça um vínculo entre um cidadão que não está numa das regiões autónomas e a quem o Sr. Deputado quer atribuir direito de voto.
Dou-lhe um exemplo: se eu for viver para a Região Autónoma da Madeira ou dos Açores e, posteriormente, fixar lá residência e me recensear lá, naturalmente que, em futuras eleições regionais, teria direito de voto…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Naturalmente que sim.

O Sr. António Filipe (PCP): * … só que depois, cumprida a minha comissão de serviço, por exemplo, numa dessas regiões, ou voltaria para o território do Continente ou, eventualmente, poderia fixar-me noutro país.
Assim, gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse sobre se eu manteria o direito de continuar a votar nesse círculo que os Srs. Deputados prevêem. Isto é, o que é que os senhores pretendem como vínculo atributivo do direito de voto? É o facto de ter nascido na região autónoma? É que, nesse caso, estamos a criar uma espécie de cidadania, para além da cidadania portuguesa, a esses cidadãos através desse direito.
Ou será o facto de ter residido um determinado tempo na região que lhe atribui esse direito de voto? E nesse caso se fosse viver agora para a Madeira ou para os Açores e depois deixasse de viver manteria esse vínculo? Continuava a ter direito de voto?
Portanto, Srs. Deputados, de facto, parece que estão a apontar para a existência de uma espécie de dupla nacionalidade, como diz aqui o Sr. Deputado Ribeiro da Costa, ou não é assim?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não é assim, Sr. Deputado.
Basta ler o n.º 1 do artigo 236.º-B, por mim proposto, para concluir que não é assim, pois não se faz nenhuma diferença à naturalidade. Aliás, o senhor sabe que já houve uma proposta de lei na Assembleia da República, no sentido de conferir se este direito e criação de círculo com este direito com base na naturalidade e o Tribunal Constitucional considerou que isso era inconstitucional, porque não se pode, obviamente, criar essa segunda cidadania, que o Sr. Deputado receava e à qual se referiu, daí que se fale em cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, emigrados dos estados regionais…
Portanto, não é o vínculo de naturalidade que determinará esse direito; é a circunstância de terem, independentemente da naturalidade e diz muito bem V. Ex.ª se fixar na Madeira e se emigrar depois para o Canadá, ou para os Estados Unidos - o que não acredito que o PCP deixe, porque faz falta aos seus quadros…

O Sr. António Filipe (PCP): * Também há quadros nas regiões autónomas.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * ... - se tivesse tido um vínculo que, naturalmente, a lei definirá, não quero é que a Constituição faça aqui o papel de lei do recenseamento ou de lei eleitoral. Mas a questão fulcral que vincou, que era o problema de uma segunda cidadania com base na naturalidade, não está nessa proposta; pelo contrário, está bem afastada dessa proposta.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos votar a proposta do artigo 236.º-B, apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PCP e do CDS-PP e votos a favor do PSD.

Era a seguinte:

1 - Os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro emigrados dos Estados Regionais, como tal inscritos no competente consulado de Portugal, constituem um círculo eleitoral para a respectiva Assembleia Legislativa Regional, elegendo o número de Deputados a fixar por lei.
2 - A lei determinará igualmente o modo de recenseamento e de exercício do direito de voto conferido pelo número anterior.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta do artigo 227.º-A, apresentada pelo Sr. Deputado António Trindade.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP e votos a favor do Deputado do PS, Arlindo Oliveira, e dos Deputados do PSD, Guilherme Silva, Mota Amaral e Reis Leite.

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Era a seguinte:

1 - Um círculo eleitoral para os cidadãos portugueses residentes fora de cada região autónoma elege um número de Deputados a definir na lei eleitoral, para a respectiva Assembleia Legislativa Regional.
2 - Integram o círculo referido no número anterior os eleitores residentes no restante território nacional e no estrangeiro, desde que não sejam havidos também como cidadãos do Estado onde residam e, em ambos os casos, tenham tido residência habitual na região autónoma onde pretendem exercer o seu direito de voto, durante pelo menos cinco dos últimos 15 anos.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que se coloca, na nossa óptica, nesta matéria é a seguinte: todos nós lamentamos o facto de Portugal ter tantos emigrantes no estrangeiro, nomeadamente oriundos das regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Entendemos, no entanto, que os problemas que estão colocados nesta matéria não se resolvem através do tipo de medida que aqui é proposto e que não pode deixar de ter subjacente uma concepção que apontaria para a criação de uma espécie de nacionalidade madeirense, ou de uma nacionalidade açoreana, uma espécie de dupla nacionalidade, portuguesa-madeirense ou portuguesa-açoreana, que, de todo em todo, não resolveria qualquer problema e viria, a par de outras medidas, já propostas, criar equívocos acerca da natureza do Estado, do seu carácter de Estado unitário com as regiões autónomas largamente descentralizadas mas que nem por isso deixa de ser um Estado unitário.
Este tipo de princípio de concessão de direito de voto para órgãos de uma região autónoma, em função da naturalidade, ou em função da residência de um certo período criando uma figura de algum modo semelhante aos cidadãos naturalizados, naturalmente, que não poderia, de forma alguma, ter o nosso apoio e, aliás, até nos surpreende que o PSD tenha apoiado este tipo de proposta.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, é para dizer exactamente o contrário do que disse o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Presidente: * Então, está dito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não. Exactamente o contrário.
Primeiro, para esclarecer o Sr. Deputado Luís Sá, ao abrigo desta declaração de voto, de que em nenhum lado, repito, se fala na atribuição deste direito em função da naturalidade. Portanto, há aqui uma insistência em algo que não está na proposta, nem é pretendido.
Em segundo lugar, para dizer que não se vê razões para que haja círculos eleitorais de emigração para a Assembleia da República e não possa haver, com critérios que não aqueles que levam à atribuição de uma segunda cidadania, que não é pretendida nem tinha guarida constitucional, também não haja a possibilidade de criação de um círculo eleitoral para as assembleias legislativas regionais.
Acho que nos deve caber, em sede de revisão constitucional e em sede de lei ordinária, a capacidade, o engenho e a arte para tornar cada vez mais participativa a vida dos portugueses residentes no estrangeiro, relativamente às instituições nacionais e regionais, quando haja algum vínculo, alguma relação que justifique essa atribuição a cidadãos que estão emigrados no estrangeiro e que não se dissociam do destino e da vida política e colectiva de cada uma das regiões autónomas.
Este modo de ver o problema continua a ser uma forma de diminuir a democracia, de diminuir a autonomia e de coarctar direitos que nos parecem fundamentais e que não devia haver hesitação sem prejuízo das cautelas que em sede de lei ordinária ter-se-ia de encontrar, mas de forma a não reduzir sempre a zero, quando se trata de aperfeiçoar a participação de portugueses que infelizmente foram obrigados a afastar-se de nós, porque as condições que lhes proporcionaram eram adversas e em função desse acto de procura de melhor vida e de terem sido empurrados para essa situação, ainda são penalizados com o não acesso e com a não participação na vida cívica de cada uma das regiões e do país.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de fazer uma declaração de voto, em nome do PSD, para tentar clarificar a posição em relação a esta matéria, dizendo fundamentalmente o seguinte: entendemos que não é necessário que a Constituição afirme a possibilidade da existência deste tipo de votação e deste tipo de organização do círculo eleitoral e de recenseamento eleitoral para esta finalidade.
A questão, aliás, já tinha sido discutida anteriormente a propósito da unidade do recenseamento - aliás foi esse, recordo-me, o obstáculo histórico a que uma medida desta natureza fosse consagrada em lei ordinária há muitos anos atrás. O princípio da unidade do recenseamento sofreu várias alterações, designadamente com a consideração do universo dos particulares, dos universos não coincidentes em relação a vários tipos de eleição e em relação a vários universos eleitorais, que neles acabaram por se inserir, alterando o círculo universal de recenseamento que seria único para todas as eleições.
Estamos num processo de modificação contínua, a propósito da participação, por exemplo dos cidadãos europeus que residem em Portugal, dos cidadãos não portugueses que residem em Portugal, nas eleições autárquicas, nas eleições europeias, uns e outros.
Portanto, a situação, nesta altura, deveria merecer, do ponto de vista do legislador ordinário, uma particular consideração.

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A questão que se coloca não é a da atribuição de uma dupla cidadania ou de uma outra cidadania; é a consagração de um direito de participação, que, no nosso caso particular, assume contornos precisos, mais nítidos e, por outro lado, mais exigentes, uma vez que decorre daquilo que ainda há pouco ouvi dizer ao PCP e que disse também o Sr. Deputado Guilherme Silva, ou seja que, há, de facto, um grande universo de eleitores portugueses que não residem no território português.
E é evidente que tendo eles bens, tendo eles interesses, tendo eles necessariamente que ser ouvidos para todos os órgãos do governo próprio, designadamente para os órgãos de governo regional e para a assembleia legislativa regional, não tem o mínimo sentido que o legislador ordinário lhes não consagre essa possibilidade, que tem de ser consagrada atribuindo um círculo, como não pode deixar de ser, para efeitos da organização do sistema eleitoral, com a atribuição do direito de voto para a eleição da assembleia legislativa regional.
É com isso que, fundamentalmente, concordamos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 228.º.
Sr. Deputado Guilherme Silva, para o artigo 228.º podemos considerar prejudicadas as suas propostas?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Passamos, então, ao artigo 229.º, aguardado com bastante ansiedade por todas as bancadas, para o qual há um acervo razoável de propostas, sendo que era suposto haver uma proposta comum aos Deputados do PS e do PSD, que ainda não chegou à mesa, e, para além disso, há uma proposta do PCP que acabou de ser admitida para distribuição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, sugeria que o artigo 229.º fosse discutido em conjunto com o artigo 115.º na parte que tem que ver com as competências legislativas.
Em qualquer circunstância, pedia que houvesse três grupos de matérias que pudessem ser discutidas em separado. A saber: por um lado, a matéria que tem que ver com o processo legislativo; por outro, a matéria que tem que ver com as receitas das regiões autónomas; e, por último, a matéria que tem que ver com a participação das regiões autónomas no processo de construção europeia.
Se o Sr. Presidente concordasse com isto, iria apresentar propostas de alteração relativamente a cada uma destas três matérias.

Pausa.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do PCP, dirijo-me aos senhores pelo seguinte: a vossa proposta de alteração à alínea a) do artigo 229.º com a definição das matérias de "interesse específico regional", poderá ser discutida aquando da discussão do artigo 230.º relativamente ao qual há o propósito de o substituir por matéria nova de onde conste a definição das matérias "de interesse específico regional".
Assim, por uma questão de enquadramento sistemático, propunha que quando estivéssemos a apreciar essa matéria pudéssemos apreciar estas propostas em conjunto.
Portanto, deixaríamos a temática das matérias de interesse específico regional para um momento comum, sem embargo de depois podermos também discutir qual a melhor inserção sistemática dessa solução, se ela vier a ser aprovada.

Pausa.

Srs. Deputados do PS, a vossa proposta originária será substituída. Confirma isto, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): * Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.
Srs. Deputados do PSD, a vossa proposta originária pode ser considerada substituída?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Integralmente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.
Sr. Deputado Guilherme Silva, o que é que nos diz da sua proposta originária?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Também, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Alguém pode falar pelo Sr. Deputado António Trindade?

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, essa proposta está consumida pelas propostas comuns.

O Sr. Presidente: * Portanto, será substituída.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Arlindo Oliveira, confirma?

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): * Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Alguém quer falar pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho?

Pausa.

Bom, assumo o silêncio como resposta, mas pergunto ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes se pode admitir a substituição integral da proposta apresentada pelo Deputado Pedro Passos Coelho pelas novas propostas apresentadas?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não posso e queria lembrar um detalhe: independentemente das

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propostas de alteração, relativamente às quais não tenho qualquer tipo de mandato, pelo que sugiro ao Sr. Presidente a sua votação, no n.º 1 do artigo 229.º há um aspecto que, na primeira leitura, recolheu, embora não venha expressamente citado no guião do Dr. Vital Moreira, o acordo, quer do PS, quer do PSD, quer do PCP quanto à inclusão do termo "territoriais" na definição das pessoas colectivas das regiões autónomas e, eventualmente, ao contrário do que está proposto pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, cair a expressão "direito público", uma vez que, de facto, nada acrescenta ao texto constitucional.
Portanto, a solução, eventualmente, poderia ser: "as regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes a definir os seguintes estatutos:".
Isto era algo que tinha resultado da primeira leitura e que, eventualmente, devia ser apreciado em separado relativamente às alterações das alíneas.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está feita uma sugestão.
Não sei se ela se concretiza em proposta…
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, nenhuma dúvida há sobre a natureza de pessoas colectivas territoriais das regiões autónomas. É auto-evidente, sempre foi assim e, salvo algum acidente geográfico, sempre assim será.

O Sr. Presidente: * Portanto, há assentimento no sentido desta modificação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * É para votar no final do artigo 237.º.

O Sr. Presidente: * A mesa aguarda que essa proposta entre. Pode ser votada no final do artigo 229.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Mas é preciso formalizar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Mota Amaral já se ofereceu para o efeito e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira costuma fazer aqui ...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Vai fazê-lo.

O Sr. Presidente: * Não sei se serei exagerado, mas comunhão de propostas, às vezes, com o Sr. Deputado Mota Amaral, sugiro que a subscrevam em comum.
Srs. Deputados, então vamos apreciar, na sugestão inicial do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a matéria do artigo 229.º em três blocos: primeiro, sobre a função legislativa do governo regional; segundo, sobre a questão do financiamento; e terceiro, sobre a questão da participação das regiões autónomas no processo de construção europeia.
Portanto, vamos apreciar agora as primeiras alíneas do n.º 1, nas propostas de alínea a), b) e c), apresentadas pelo PS e PSD, que têm a ver com a função legislativa.
Alguém deseja usar da palavra?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, esta proposta veio, efectivamente, permitir um avanço nas competências das assembleias legislativas regionais que...

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, um só momento, por favor.
Srs. Deputados, vamos apreciar o artigo 229.º, nesta função legislativa, e esqueci-me de dizer que, há pouco, o Sr. Deputado Mota Amaral tinha sugerido a apreciação em simultâneo dos n.º 3 e 4 do artigo 115.º, pelo que as normas do artigo 115.º que se cruzam com o artigo 229.º serão apreciadas em conjunto.
Sucede, no entanto, que para que isso tenha verdadeira razão de ser há propostas comuns do PS e do PSD, que eu saiba, que ainda não foram admitidas na mesa e, portanto, peço aos Srs. Deputados do PS e do PSD, pelo menos, a diligência de procederem em consequência.
Queira continuar, Sr. deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, acho muito bem que se faça a discussão conjunta desta proposta com a do artigo 115.º que tem evidente conexão.
Dizia eu que a actual redacção da Constituição tem-se mostrado extremamente limitadora dos poderes das assembleias legislativas regionais, em particular face a uma jurisprudência do Tribunal Constitucional, que é, do meu ponto de vista, ainda mais restritiva do que o próprio texto da Constituição.
Tem sido, efectivamente, constante uma jurisprudência extremamente restritiva relativamente às competências das assembleias regionais, quer no que diz respeito à própria noção de lei geral da República quer no que diz respeito à definição do interesse específico.
Naturalmente que a fórmula agora encontrada, que já não põe como limitação aos poderes das assembleias legislativas regionais as leis gerais da República mas, sim, os princípios fundamentais das leis gerais da República, permitirá que, sem prejuízo da filosofia das soluções nacionais, que se mostrem adequadas para as Regiões Autónomas, haja, no entanto, diferenças na legislação regional em função das especificidades de cada uma das regiões autónomas.
Não acontecerá, espero eu, o que acontecia até agora, quando o Tribunal Constitucional entendia que um determinado diploma nacional, que configurava uma lei geral da República, em coisas, por vezes, de aspecto secundário, como, por exemplo, a fixação de determinados prazos, a fixação de determinadas áreas em matéria do ordenamento do território, etc., que não se compaginavam com as sociedades das regiões insulares, bastava dispor, num diploma regional, de forma diferente numa alínea ou numa disposição de um diploma que fosse tido como lei geral da República, para se considerar ferido de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Penso que a solução que encontrámos, que é a de respeitar a filosofia dos diplomas que tenham essa vocação de leis gerais da República, as soluções que na sua essência

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não justifiquem uma diferenciação, no aspecto dos princípios, mas isso que não impedirá que, no seu desenvolvimento, na sua articulação e na produção normativa concreta das regiões, possa haver soluções diferenciadas que não colidam com estes princípios fundamentais.
Estou crente de que esta solução vai constituir, efectivamente, um avanço significativo nos poderes das assembleias legislativas regionais.
Em relação à alínea b) a introdução da figura das autorizações da Assembleia da República relativamente às assembleias legislativas regionais, foi feita na revisão de 1989 e, curiosamente, até hoje nenhuma assembleia legislativa regional propôs à Assembleia da República qualquer proposta de lei de autorização legislativa.
Na verdade, penso que houve alguma incompreensão desta disposição a qual, depois de termos hesitado, mantivemos nesta fórmula que está agora em discussão.
Há até opiniões doutrinárias, designadamente do Prof. Jorge Miranda, que consideram que esta solução é prejudicial à própria autonomia e às próprias competências legislativas das assembleias legislativas regionais.
Diz o Prof. Jorge Miranda que, eventualmente, em bom rigor, as assembleias legislativas regionais já teriam competências e não necessitariam desta disposição e penso que o problema tem de ser visto e entendido com o alcance que esta disposição tem.
Na alínea a) diz-se que as assembleias legislativas regionais podem legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matéria de interesse específico que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.
Na alínea b) refere-se que as assembleias legislativas regionais podem legislar, sob autorização da Assembleia da República, em matérias de interesse específico para as regiões, o que, à primeira vista, parece ser para a mesma coisa e seria um pouco contraditório com a alínea a).
Ora, é necessário que se tenha presente que aquilo que se pretende com a alínea b), sendo que na alínea a) estamos limitados pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, é tão-só o seguinte: poderá acontecer, em determinadas situações concretas, que as razões e a profundidade das diferenças justifiquem que nem esses princípios fundamentais sejam respeitados, ou seja, que a filosofia que inspira o diploma para efeitos nacionais não se adequa às questões concretas das regiões.
Portanto, esta autorização é no sentido de a Assembleia da República autorizar que as assembleias legislativas regionais, nessa situação concreta, encontrem soluções, legislem, com autorização da Assembleia da República, em termos diferenciados e mesmo, eventualmente, contrários aos princípios fundamentais de determinado diploma que seja tido como lei geral da República.
Parece-me que, também aqui, e ao contrário da posição concreta, que conheço, do Prof. Jorge Miranda, e com este esclarecimento justifica-se esta disposição, que significa um sinal mais não um sinal menos, relativamente à alínea a) quanto aos poderes actuais das assembleias legislativas regionais.
Como se sabe na actual redacção do artigo 115.º define-se lei geral da República como sendo as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva à sua aplicação sem reservas a todo o território nacional.
Agora, com a solução proposta para o novo n.º 4 do artigo 115.º, também aí, do meu ponto de vista, se faz um avanço relativamente à solução actual, à solução vigente, relativamente aos poderes das assembleias legislativas regionais, na medida em que o próprio conceito que a Constituição dá de lei geral da República tem gerado alguma controvérsia e leva, por vezes de forma menos adequada, à consideração de determinados diplomas, contendo essa vocação de aplicação a todo o território nacional, quando, em muitos casos, manifestamente não o tem.
Por essa razão, na solução agora encontrada, exigem-se dois requisitos para que uma lei seja considerada como lei geral da República cujos princípios fundamentais constituirão limite aos poderes das assembleias legislativas regionais e que não só pela sua razão de ser envolvam a sua aplicação todo o território nacional mas que assim o decretem.
Portanto, o legislador nacional terá agora também, ele próprio, de auto-qualificar em cada situação concreta os diplomas nacionais de lei geral da República ou não.
Não receio nenhuma perversão desta solução, porque estou convicto de que o legislador não vai cair na chancela, pura e simples, de qualquer diploma, qualquer decretozito, qualquer iniciativa, qualquer normativo nacional, chancelá-lo de lei geral da República.
Parece-me até que esta solução vai permitir aos órgãos de soberania com poder legislativo alguma pedagogia e alguma reflexão sobre as autonomias regionais.
Em cada momento que legisla, o legislador nacional terá que ponderar, terá que ter presente as autonomias regionais, a estrutura constitucional das autonomias regionais, as especificidades das regiões autónomas, terá de conhecer melhor o país incluindo as regiões autónomas, para, em consciência, decretar ou auto-qualificar este ou aquele diploma como lei geral da República.
Passa a ser indispensável os dois requisitos; não basta que o diploma se apresente como vocacionado para se aplicar a todo o território nacional, é necessário que o legislador o decrete. Mas também não basta que o legislador o decrete, eventualmente, de forma abusiva, distorcida e incorrecta; é necessário que, para além da chancela, se vá verificar pelo seu conteúdo, pelo seu alcance, se o normativo em causa tem vocação para a sua aplicação a todo o território nacional.
Em relação à alínea c) não há grande alteração em relação à redacção actual, havendo a introdução da alínea h) do artigo 168.º, onde aliás falta o n.º 1, há um lapso até na escrita da proposta que é preciso acrescentar, sendo que devem constar as alíneas f), g), h), n), v) e x) do n.º 1 do artigo 168.º, pelo que era bom que fosse feita esta correcção.
E é tudo o que se me afigura dizer na apresentação desta proposta, do seu alcance, do avanço que representa e da clarificação, particularmente da clarificação, que representa relativamente às actuais competências legislativas das assembleias regionais.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados: O projecto de revisão constitucional do Partido Socialista materializou um compromisso claro e meditado de alargamento da competência legislativa das regiões autónomas.
É um compromisso assente numa reflexão própria sobre a evolução das autonomias regionais e sobre a necessidade de superação de alguns dos equívocos institucionais e limitações institucionais reveladas ao longo destes 20 anos e também assenta num estudo cuidadoso da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a actividade normativa das assembleias legislativas regionais, nomeadamente dos principais pontos nodais que motivaram dificuldades cuja superação nos parece necessária.
Esta solução que, manifestamente, é bilateral e compromissória, procurou ser, da nossa parte, inequivocamente, uma tentativa equilibrada de superação dessas dificuldades dentro do contexto constitucional e sem alteração da filosofia constitucional neste ponto e nisto distingue-se de outras iniciativas e de outros pontos de partida, designadamente do projecto de revisão constitucional que o Sr. Deputado Guilherme Silva e outros apresentaram, cuja matriz era distinta e implicava uma rotura com a filosofia constitucional.
Assim, as alterações são diversas e articuladas.
O primeiro ponto relevante traduz-se em redefinir as condições que a alínea a) do artigo 229.º, n.º 1 prevê para o exercício da actividade legislativa regional, a qual, como se sabe, continuará nesta óptica, que não na do projecto originário do Sr. Deputado Guilherme Silva, a ser monopólio dos parlamentos regionais.
Não há competência legislativa dos governos regionais, sendo que a competência legislativa continua, nesta filosofia, a ser monopólio dos parlamentos de acordo com a feição do regime parlamentar puro que caracteriza os sistemas dos governos regionais.
De competência parlamentar, então, se trata e, quanto a esta, a limitação que tradicional e constitucionalmente existia e que foi sendo alterada nas revisões constitucionais começa, desde logo, pela alteração da forma de definição do primeiro limite expresso nesta leitura, porque o limite dos limites é, obviamente, a subordinação à Constituição, o qual continua a aplicar-se a todos os actos legislativos e, portanto, também estes ainda que não se faça menção específica e expressa a ela, não porque em torno disse travássemos uma guerra institucional, mas porque houve quem a travasse e veja nisso um acinte, que a norma nunca teve, na nossa óptica, mas que é, por esta forma, superado com rigor constitucional e sem prejuízo.
Portanto, o primeiro limite é a Constituição, sendo o primeiro limite relevante a explicitar, é, obviamente, a subordinação às leis gerais da República, entendidas estas como o acervo dos princípios fundamentais que as caracterizam e que as definem.
Foi um passo que não era dado no projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, que tinha uma outra construção para ampliar a liberdade legislativa regional, era um passo aventado de há muito por certos quadrantes da doutrina, designadamente o liderado institucional e academicamente pelo Prof. Jorge Miranda.
A solução a que se adere é uma solução que tem em conta essa contribuição, mas uma contribuição que foi reforçada, complementada e afinada por outros elementos de delimitação a que já aludirei.
Portanto, este conceito de lei geral da República, que tinha sido definido originariamente em 1976, e que depois, na sequência da aprovação do estatuto político-administrativo dos Açores de 1980, veio a ser precisado e delimitado na revisão constitucional de 1982, que clarificou melhor o que deveria entender-se por leis gerais da República, vem agora, por um lado, circunscrito, e, por outro lado, definido por um elemento também de carácter jurídico-formal.
Não se altera a definição constitucional de 1982 em relação ao elemento material, mas propõe-se em relação ao futuro - que não em relação ao passado, obviamente, ou seja, o acervo de leis gerais da República já produzidas continuam a sê-lo se face ao artigo 115.º o fossem, isto é, todas aquelas leis, e é por isso que algumas dúvidas surgidas nesta matéria não têm, de facto, razão de ser, tudo aquilo que, por força da aplicação das leis no tempo, fosse lei geral da República, continua a sê-lo depois da revisão constitucional.
Assim, o teste duplo, o teste material e o teste formal conjugados só se aplica em relação às normas futuras, às normas a elaborar. E, portanto, há, digamos, um acqui, um conjunto de diplomas, um património legislativo regional, um património legislativo de leis gerais da República que continua inalterado apesar desta revisão constitucional.
De ora avante, pretende-se que se aplique um duplo teste às leis gerais da República, que hão-de sê-lo em função de critérios materiais e em função de um elemento de carácter formal, cuja presença, de resto, tem um valor fortemente indicativo ou sublinhativo, uma vez que nesta matéria há que perguntar a um determinado diploma se ele é lei geral da República e ter em conta o critério material.
Na ausência de critério formal, Srs. Deputados, ainda aí haverá que ponderar se estamos ou não perante uma lei geral da República, porque uma lei cuja razão de ser envolva a aplicação em todo o território nacional e que eventualmente não o proclama, não passa ipso facto a não ser lei geral da República. Isto por uma razão muito simples: a ausência de auto-qualificação não altera as regras de repartição de competências fixadas no artigo 229.º, n.º 1, alínea a). Ou seja, o facto de essa menção, eventualmente, não constar, e é uma hipótese de escola, não alarga ipso facto nem isenta de controlo os diplomas legislativos regionais.
Aliás, em relação a determinadas matérias, por exemplo da competência da Assembleia da República, da competência reservada da Assembleia da República, o facto de uma determinada norma não ter essa menção jurídico-formal, que é uma solução como outra qualquer - foi aventada, aliás, por Deputados e por membros do Partido Socialista da Região Autónoma da Madeira e incorporada no projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, em Março de 1996 -, o facto de uma norma ser emanada da Assembleia da República, nos termos dos artigos 167.º e 168.º, qualifica-a, em princípio, como uma lei geral da República salvo se indicar o contrário.

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Portanto, a lei do formulário dos diplomas pode inventar, e supomos que deve inventar, é da competência do Governo, como se sabe, metodologias de auto-proclamação automática, por forma a que todas as leis que sejam da competência reservada da Assembleia da República, artigos 167.º e 168.º da Constituição, sejam, em princípio, de aplicação obrigatória em todo o território nacional, salvo se pelo seu conteúdo ou por indicação expressa disserem o contrário.
Portanto, nesta matéria, não há automatismos, não há efeitos de inconstitucionalidade formal por ausência de menção. Este é um teste cujo resultado pode dar respostas diferenciadas e a lei ordinária deve, nesta matéria, simplificar muito as situações de equívoco legal, por falta de menção, podendo estabelecer, por exemplo, proclamações de carácter automático em função da natureza das leis e da sua própria matéria, como será natural.
Isto é especialmente importante no caso dos diplomas governamentais, em relação aos quais a reserva da República também pode existir em função de matérias, mas em relação aos quais a solução pode ser mais difícil de estabelecer em concreto.
É, portanto, uma mudança significativa, mas uma mudança limitada.
A segunda característica desta solução é de que a subordinação aos princípios gerais das leis da República, é relevante, é um parâmetro, o valor paramétrico das leis gerais da República vistas como um conjunto de princípios fundamentais mantêm-se, mas só é relevante para delimitar as competências regionais numa dimensão, porque em duas outras dimensões a limitação decorre do facto de as assembleias só poderem legislar em matéria do interesse específico e de não poderem legislar, mesmo em matéria de interesse específico, se essas matérias estiverem reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.
Nessa matéria, a revisão constitucional procura dar uma contribuição, que vejo agora que é acolhida por outros partidos como uma boa ideia de revisão Constitucional - aliás, há também uma proposta do PCP nesse sentido -, sendo que se trata de definir na Constituição um elenco de matérias sobre as quais há, digamos, uma presunção indiciária, embora iludível, que sejam matérias de interesse específico.
A lista de matérias que apresentaremos é uma lista enumerativa, mas há uma característica comum a todas elas: é de que são matérias que respeitam exclusivamente à respectiva região ou que nela assumam uma particular configuração. É essa a definição de especificidade.
As regiões não legislam em matérias que não lhes respeitem exclusivamente ou que não assumam nela uma peculiar, uma especial configuração. É este o conceito de especificidade, é este o conceito de interesse específico que, designadamente numa alínea o) de um artigo 230.º a apresentar, virá a ser mencionada. Valorização dos recursos humanos, qualidade de vida, património, defesa do ambiente, etc., na medida em que respeitem exclusivamente à respectiva região ou nela sumam uma particular configuração, como, de resto, vem sendo jurisprudência do Tribunal Constitucional que aqui é acolhida e, neste sentido, consagrada.
A outra contribuição para a definição do poder legislativo regional resulta de que se mantém o limite, que é a reserva dos órgãos de soberania. Há matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania que não podem ser objecto de legiferação regional. Neste ponto, chegámos a aventar a possibilidade, que o Partido Socialista considerava útil, de se delimitar numa norma, também materialmente, o elenco de matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.
Todavia, abandonámos essa solução por nos parecer que nessa matéria a interpretação que tem vindo a ser feita, pelos órgãos jurisdicionais designadamente, do que seja a reserva, competência própria reservada dos órgãos de soberania é um elemento bastante, sendo, aliás, bastante densificada.
A reserva dos órgãos de soberania não se confunde com os artigos 167.º e 168.º da Constituição. É um conceito que transcende a reserva legislativa, absoluta e relativa da Assembleia da República e quanto ao governo abrange matérias tão importantes como aspectos fulcrais das comunicações, da defesa nacional, da justiça, da segurança interna e muitos outros em que estejam postas em causa questões de soberania. O limite de soberania é um limite absoluto e impostergável à actividade legislativa regional, sempre o foi e continuará a sê-lo.
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que mencione, por último, que se mantêm todas as regras de controlo da constitucionalidade e da eventual desconformidade entre decretos legislativos regionais e o padrão constitucional e o padrão fixado em lei geral da República, entendida no novo sentido do artigo 229.º, n.º 1, alínea a).
Reservamos, aliás, para a discussão do controlo da constitucionalidade ao afinamento de algumas peculiaridades desta matéria, das quais depende, aliás, um controlo mais ou menos apertado desta eventual desconformidade e sobre essa matéria não teço mais nenhuma consideração agora, pois isso será relevante quando discutirmos o artigo 230.º.
Finalmente, Sr. Presidente, manteve-se, e os Srs. Deputados poderão ajuizar e o futuro ajuizará com que pertinência, a possibilidade de a Assembleia da República conceder autorizações legislativas aos parlamentos regionais para postergarem as regras constantes de leis gerais da República.
Era uma faculdade já existente e, nesse sentido, algumas das críticas dirigidas ao acordo político de revisão constitucional deveriam ser dirigidas, rectius, mais directas ao alvo, à revisão constitucional de 1989 que introduziu essa regra para permitir a quebra da vinculativamente, não dos princípios fundamentais, mas de todo o conteúdo das leis gerais da República, em todos os domínios em que isso é relevante e possível.
Esta solução ver-se-á se tem alguma justificação no novo quadro alargado do poder legislativo regional. Talvez sim, talvez não. Foi aqui introduzida por especial insistência do PSD, é uma parte compromissória, lida pelos nossos olhos, e seremos todos, o povo português, juízes da utilidade desta norma e veremos se ela tem destino distinto daquela que teve a norma que foi introduzida em 1989, que está em estado de virgindade total no ano da graça de 1997. Nunca foi usada!

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Sr. Presidente, é, portanto, com este conteúdo e tendo em conta um esforço de ampliação, dentro do quadro constitucional, da capacidade legislativa regional que nos debatemos para que esta revisão constitucional fosse um sucesso e fazemos votos de que assim seja na prática.

O Sr. Presidente: * Tenho agora inscrito o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, a quem dou a palavra.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de começar por acrescentar àquilo que já disse na primeira leitura desta revisão constitucional, que me parece que estamos no cerne da discussão sobre a revisão de matéria, em termos de regiões autónomas.
Gostava, de deixar claro o seguinte: estou perfeitamente de acordo, como não poderia deixar de ser, com as modificações introduzidas no artigo 229.º, alíneas a), b) e c) e restantes, nomeadamente a alínea i) e aquelas que têm a ver com a participação das regiões na construção europeia, no entanto, queria manifestar alguma preocupação, e faço-o, em consciência, com a nova definição de leis gerais da República.
Se formos à história do conceito de leis gerais da República, Sr. Presidente, ele aparece originariamente no chamado comité, ou comissão de análise, que foi nomeado pelo Conselho da Revolução, para analisar os estatutos provisórios da Região Autónoma dos Açores.
Nessa altura, e segundo confissão de Álvaro Monjardino, que terá participado nessas negociações, depois de uma discussão, que também é referida nos seus textos, com Miguel Galvão Teles, ter-se-á chegado ao ponto de considerar que seria vantajoso introduzir um conceito nos estatutos provisórios sobre a capacidade de legislar das regiões autónomas com respeito pelas leis gerais da República.
Esse conceito de leis gerais da República só vigorou até 1982 no estatuto da Região Autónoma dos Açores, que aliás, teve dois estatutos, um provisório, até 1980, e um constitucional a partir de 1980. Portanto, a própria República, enquanto tal, nunca cuidou do que poderiam ser leis gerais da República.
Na revisão de 1982, os constituintes acolheram a técnica conceptual do estatuto das regiões autónomas, cuja origem vem confessada por um dos seus autores, como sempre fazendo uma interpretação histórica e circunstancial muito interessante, porque parece que todos os lados negativos foram porque não se seguiu até ao fim a sua capacidade conceptual na matéria.
Afirma também o Dr. Álvaro Monjardino, nesse texto, que é muito interessante e que foi agora publicado num tomo sobre o Direito Regional, que já altura ele achava que devia colocar a expressão "que assim o decretem" ou seja, que as leis gerais da República cuja razão de ser aplica ao todo nacional e que assim o decretem.
Nós próprios, no projecto de revisão constitucional do Partido Socialista, tivemos também essa técnica para clarificar esse conceito. Todavia, reparei que no decorrer dos trabalhos da revisão constitucional, grande parte dos problemas relacionados com a capacidade de legislar das regiões autónomas, tendo em conta as leis gerais da República, tinha sido resolvido com esta modificação, que vamos agora aprovar, da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, que diz: legislar com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República.
Parece-me que essa melhoria, que essa clarificação, seria o suficiente para que não houvesse problemas relacionados com a capacidade legislativa própria da região e que tem a ver, obviamente, com os interesses específicos dela.
A conjugação, Sr. Presidente, com quem já falei sobre esse assunto várias vezes, mas quero tornar pública essa discussão, da capacidade de legislar das regiões autónomas, da assembleia legislativa regional, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, com esta nova redacção do artigo 115.º, n.º 4, onde se diz que "são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem", na minha perspectiva - e não quero deixar de o dizer, pois na primeira leitura apoiei a expressão "e assim o decretem", porque ainda não estava assegurado esta alteração no n.º 1, alínea a) do artigo 229.º, em relação não às leis gerais da República, mas aos princípios fundamentais das leis gerais da República - só vai trazer problemas políticos ou, melhor, pode trazer problemas políticos, quanto a mim, desnecessários, porque o bom senso, a actual fase das relações entre a República e as regiões autónomas é uma fase cooperativa, onde ambas as entidades têm a ganhar com essa cooperação e não creio que haja qualquer problema de fundo, sinceramente, mas estou só a querer ser útil à comunidade dizendo-lhe desta minha preocupação.
Mas pode haver polémicas escusadas sobre certas leis que se vão assumir explicitamente como leis gerais da República e cuja razão de ser possa não se aplicar a todo o território nacional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Então, não são leis gerais da República.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Vai ser um problema, vamos criar um problema, não vamos resolver. Quer dizer: estamos aqui com esta redacção a criar a possibilidade ...

O Sr. José Magalhães (PS): * Se não é lei geral da República, o que é que é?

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Exactamente. Não quero discutir isso, mas o problema é que lei geral da República, em princípio, não é lei-quadro, nem lei de bases, nem lei constitucional, nem lei orgânica… Não é verdade? Os senhores é que sabem, os senhores é que andam há anos a trabalhar sobre essas matérias…!
Portanto, o que me dá impressão - e vou terminar, Sr. Presidente -, e aqui faço uma previsão política, que nada tem a ver com a tecnicidade das matérias, aliás, gostava de reforçar aqui o esforço, que considero louvável e que me cala fundo, do Sr. Deputado José Magalhães quando introduziu aqui uma interpretação bastante articulada sobre esta questão.
A minha preocupação é política, pode haver polémicas escusadas, quer por omissão do legislador nacional quer por explicitação do legislador nacional. E isso, sinceramente,

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creio que era um problema que poderíamos eliminar, porque o principal do alargamento da competência legislativa regional fica adquirido com esta alteração ao artigo 229.º, n.º 1, alínea a), em que a capacidade legislativa regional deve fazer-se, entre outras condicionantes, com o respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, pelo que eu não obrigaria o legislador a declarar que são leis gerais da República.
Mas também tenho consciência que isto foi uma proposta inicial do PS, mas gostava de dizer que no meu espírito ela só era necessária porque não havia ainda a introdução da fórmula "respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República".

O Sr. Presidente: * Há pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira da parte do Sr. Deputado Guilherme Silva e da parte do Sr. Deputado José Magalhães, sendo que eu próprio me inscrevi para uma intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Deputado Medeiros Ferreira, a sua intervenção e a forma enfática que deu à sua preocupação relativamente aos receios quanto à exigência constitucional de o legislador nacional passar a auto-qualificar os diplomas como sendo de lei geral da República ou não, suscita-me duas dúvidas: primeiro, não consigo entender o porquê de V. Ex.ª pensar ou defender que se tornaria desnecessária a exigência de menção de auto-qualificação de lei geral da República em função da circunstância de passarmos a falar nos limites de competência legislativa na assembleia regional, já não das leis gerais da República em sim, mas dos princípios fundamentais.
E não consigo compreender por uma razão muito simples: é que para irmos detectar esse limite dos princípios fundamentais temos de saber quais são as leis de que esses princípios fundamentais fazem parte e, consequentemente, temos de ter a noção e a qualificação de lei geral da República. Por quê quando se falava em simples lei geral da República, V. Ex.ª admitia que pudesse ter a referência "e assim o decretem" e, agora, que se fala nos princípios fundamentais e continuamos a ter necessidade de ter uma definição do conceito de lei geral da República, dá esse salto e torna desnecessário? Não entendo a razão desse salto.
A outra questão é mais política e tem a ver com o seguinte: a preocupação de V. Ex.ª relativamente à perversidade que possa haver no uso ou no não uso desta exigência de menção na qualificação das leis como leis gerais da República ou não é uma perspectiva institucional geral ou V. Ex.ª está impressionado, eventualmente com o poder vigente em Portugal mais centralista, eventualmente, que outros, e receia que isso possa realmente levar a essa perversidade?

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Deputado, estou preocupado com o centralismo e estou preocupado com algum oportunismo político que não é apenas característica dos órgãos centrais.
Portanto, a minha principal preocupação, já referida, é a de que não gostaria que a explicitação do que é uma lei geral da república, aliás, estou convencido que, do ponto de vista da classificação das leis, não me parece uma técnica muito correcta, porque há outros limites ou, por outra, a capacidade legislativa regional é uma capacidade que se orienta pelo interesse específico, o que é o principal. Depois, os limites de legislar têm a ver não tanto com as leis da República mas, sim, com a adaptação do interesse específico a essas leis gerais da República.
O conceito de lei geral de República só aparece na Constituição por causa das regiões autónomas, o que me parece, sinceramente, uma falha do constituinte, qualquer que ele tenha sido. Quer dizer, introduzir o conceito de lei geral da República só por causa da existência das regiões autónomas, do meu ponto de vista, foi uma má solução, porque a lei geral da República é um conceito que não pode ficar na Constituição só porque existe a capacidade legislativa regional.
É um conceito que, na minha perspectiva...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Estamos de acordo consigo, desde que o limite das competências das assembleias legislativas fossem a Constituição e as competências próprias dos órgãos de soberania - aliás, a minha proposta era essa.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * De qualquer maneira, temos que ser práticos e o que está em causa é, no fundo, saber que tipo de decreto é que se exige ao legislador nacional, isto é, deveremos saber se ele terá que acabar os seus decretos, como antigamente, com uma fórmula geral do estilo "A bem da Nação", ou como a expressão "Saúde e fraternidade" usada no tempo da República, ou, então, a expressão "publique-se como lei geral da República".
Podemos estar aqui a encontrar uma falsa solução. Penso que as minhas dúvidas já ficaram expressas e creio que se o Sr. Deputado Guilherme Silva se der por satisfeito, por mim não avanço mais nesta matéria.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, mas o Sr. Deputado José Magalhães também tinha formulado a intenção de colocar-lhe uma pergunta.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, continuando, aliás a discussão é, sobretudo, para aprofundar, em sede de acta, os conteúdos normativos que tenderão a transformar-se em lei da República, portanto é importante que sejam, o mais possível, claros.
O Sr. Deputado Medeiros Ferreira teve ocasião de historiar a génese da norma constitucional em vigor quanto ao conceito de lei geral da República, mas não mencionou, curiosamente, uma componente da nossa evolução legislativa, que considero que foi particularmente geradora de equívocos, que foi o chamado aparecimento das chamadas leis gerais da República imperfeitas, ou seja, em diplomas

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governamentais, designadamente, começou a tornar-se hábito a definição de um conjunto de princípios e regras, regras, às vezes, com densidade muito grande, acompanhadas de uma norma final que reservava a sua adaptação aos órgãos regionais.
Esta foi uma forma ínvia de conseguir diplomas de aplicação em parte do território nacional, no Continente. De resto, com uma cobertura constitucional dúbia, uma vez que eram leis gerais da República, in nomine, as quais verdadeiramente remetiam para um órgão legislativo regional a sua definição, a sua aplicação, o que considero, francamente, que é uma forma ínvia de fazer as coisas. Esta é frontal, importa é que seja clara e também limitada.
Quanto a isso gostava de permitir o aprofundamento do debate em dois planos. Por um lado, é preciso não esquecer, a admitir-se que esta solução vai ser adoptada - que é o pressuposto que estou a aceitar -, há dois factores, um dos quais o Sr. Deputado enumerou, o bom clima de relações entre a República e as regiões autónomas, mas há um outro que é a boa regulamentação.
E essa, e o Sr. Deputado exibiu uma grande confiança nos juristas, que eu sendo jurista não tenho, é uma questão política que aqui está colocada, mas constitucionalmente é bom de ver que há soluções que, neste momento, são facultadas, em que eu, francamente, deposito esperança.
Primeira solução pode ser estabelecida com o legislador ordinário e nem sequer pela Assembleia da República, uma vez que a lei do formulário não é da competência da Assembleia da República. Continua a poder ser elaborada pelo governo, por expressa deliberação feita aqui na Comissão e no Plenário. Nós tínhamos proposto o contrário, mas a solução que ficou consagrada foi a de que a lei do formulário continua a ser da competência governamental e essa lei pode estabelecer presunções legais. Por outro lado, pode estabelecer soluções do tipo, quando não seja referida expressamente o âmbito de aplicação de um determinado diploma, tendo-se como aplicável a todo o território nacional.
Esta solução não é inconstitucional. Agora, gostava-lhe de colocar, uma vez que está preocupado com a patologia, como eu, aliás, e como toda a gente, duas situações que são duas hipóteses curiosamente não examinadas em conjunto, porque podem verificar-se em conjunto.
Temos, até agora, considerado leis gerais da República materialmente que não se auto-proclamem como tal. Isso, primeiro, não confere às assembleias legislativas regionais o poder de legislar livremente, porque é preciso, por um lado, que haja interesse específico, por outro lado, é preciso que não haja invasão da esfera própria dos órgãos de soberania e, por outro lado ainda, não ficam isentas de parâmetro.
Mas deixemos essa questão de lado, porque entre duas coisas considero que a ocorrência estatística disso será, neste cenário, mínima, será diria quase impossível. Sofreria uma grande incúria tanto do Governo da regulamentação, como dos legisladores na legiferação e não vamos presumir a incúria.
Há um outro cenário, uma outra hipótese não contemplada: a de uma lei que se auto-proclama lei geral da República, sem, pela sua razão de ser, dever aplicar-se a todo o território nacional.
Essa lei que se auto-proclama não será, por isso, lei geral da República. Tal como a lei que não tenha menção, não deixará, por isso, obrigatoriamente de ser lei geral da República. É que os Srs. Deputados, digamos o Sr. Deputado Guilherme Silva, só vê com uma das perspectivas possíveis, só vê com os "óculos azuis", mas aqui há várias cores.
E gostava que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira tivesse em consideração, dentro do género patológico, que há duas hipóteses e não só uma e em ambas a Constituição estabelece que deve prevalecer o que tiver que prevalecer.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Posso responder muito rapidamente ao Sr. Deputado José Magalhães da seguinte maneira: a minha preocupação não tem a ver com o alargamento da capacidade legislativa das regiões autónomas, capacidade essa que defendo, pois sou favorável ao alargamento das competências legislativas das regiões autónomas.
O que gostaria de impedir é que sobreviessem problemas políticos por esta nova fórmula, que pode criar, não diria problemas jurídico-constitucionais, mas problemas políticos entre o legislador nacional e as entidades políticas regionais.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, eu próprio estou inscrito para partilhar convosco uma reflexão.
Suponho que temos todos consciência de que estamos num domínio dos mais complexos em sede constitucional para articular, como foi lembrado, a função legislativa da República com a função legislativa das regiões autónomas.
Tentativamente ao longo das sucessivas revisões constitucionais que o problema tem estado em cima da mesa e mais uma vez voltou a estar com um propósito manifesto: o de contribuir para aprofundar autonomia regional e abrir o leque das possibilidades de iniciativa legislativa no quadro das regiões autónomas. Foi este o espírito que presidiu às formulações encontradas nesta matéria no acordo PS/PSD.
É, no entanto, importante lembrar que o acordo PS/PSD tem sempre subjacente uma disponibilidade dos dois partidos para, em sede própria e esta é a sede própria, reflectirem sobre as incidências desse mesmo acordo nas formulações normativas e, eventualmente, se for o caso, admitirem beneficiá-las.
O Sr. Deputado José Magalhães já sublinhou a disponibilidade do PS para apreciar, nos termos propostos, a solução de articulação entre o artigo 115.º e o artigo 229.º nos termos que já estão presentes. Mas isso não nos dispensa, e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira fez também aqui o seu contributo, a meu ver, de procurar avaliar, nas suas várias implicações, o modo como se articulará, no futuro, estas soluções que pretendemos encontrar entre o artigo 229.º e o artigo 115.º e era por isso que gostaria de dar também o meu contributo.
Em primeiro lugar, não sofre dúvidas, à luz do artigo 229.º e do n.º 3 do artigo 215.º, que a iniciativa legislativa

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regional está balizada por pressupostos que são de identificação inequívoca. Em primeiro lugar, carece de interesse específico regional, as matérias sobre as quais haja iniciativa legislativa, em segundo lugar, essa iniciativa não pode recair em matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, e, em terceiro lugar, ela deve ocorrer com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República.
No entanto, a partir da articulação com o artigo 115.º, na versão que está em cima da mesa, e que, de resto, já resultava neste ponto, de algum modo também, da própria formulação actual, temos ao nível da forma de lei as modalidades de: leis de competência reservada dos órgãos de soberania, leis gerais da República e ainda leis da República. E, portanto, criamos aqui um notável grau de complexificação ao nível das várias modalidades da forma da lei.
O problema que o PS tentou resolver na sua proposta inicial foi contribuir para simplificar. E como é que o PS, na sua formulação inicial, o pretendeu fazer? Definindo, numa forma mais lata, o conceito de leis gerais da República. Nessa altura dizia-se, na proposta do PS, que leis gerais da República eram as leis e os decretos-leis de competência reservada dos órgãos de soberania e ainda aquelas que, pela sua natureza, envolvessem aplicação a todo o território nacional e assim o declarasse.
Ou seja, o conceito lei geral da República já abarcaria no seu âmbito as leis de competência própria dos órgãos de soberania. Todavia, não foi esta a solução que acabou por ser plasmada, no acordo PS/PSD, uma vez que não se subsume no conceito genérico de lei geral da República as leis de competência reservada dos órgãos de soberania, pelo que mantivemos o grau da complexidade já herdado, ou seja, por um lado, temos leis de competência reservada, por outro lado, leis gerais e, por outro lado ainda, aquelas soberantes leis da República em sentido próprio.
Ora bem, Srs. Deputados, quais são os problemas que aqui encontro? Em primeiro lugar, leis de competência reservada ou de competência própria, como a própria Constituição exprime, dos órgãos de soberania. São estas apenas as matérias de competência exclusiva dos órgãos de soberania? Já sabemos que não. Não são apenas as matérias de competência exclusiva explicitamente elencadas na Constituição, como competência do Parlamento ou como competência do governo, são também outras que, pela sua natureza, devam ter um grau de dependência na competência dos órgãos de soberania e esta tem sido, aliás, a interpretação permanente do Tribunal Constitucional.
Leis gerais da República - entram dois elementos na definição de leis gerais da República; um quanto à natureza substantiva dessas leis que, pela sua natureza, devam aplicar-se a todo o território nacional, outro, e este é um elemento formal, devem qualificar-se como tal.
O Sr. Deputado José Magalhães colocou aqui uma questão que não deve deixar de ser passada em claro. Se uma lei que, pela sua natureza, se deva aplicar a todo o território nacional e não for qualificada como tal, que lei é que passamos a ter? Passamos a ter uma lei simples da República? Ou passamos a ter, eventualmente, também uma lei que, dada a sua natureza, se deva aplicar a todo o território, mas não se auto-definiu como tal, é então uma lei de competência reservada dos órgãos de soberania?
O legislador pode pensar o que entender sobre isto, mas não há dúvida que a última interpretação vai caber, inevitavelmente, ao Tribunal Constitucional.
Portanto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional, neste domínio, vai ser, do meu ponto de vista, incontornável para a clarificação deste ponto.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães também sublinhou, e a meu ver bem, e se uma lei se definir como lei geral da República, mas, pela sua natureza, não deva aplicar-se a todo o território nacional? Ou seja, uma lei que lhe falte o elemento essencial quanto à sua natureza? Teremos aí, eventualmente, uma inconstitucionalidade na maneira como essa lei aparece proclamada, portanto teremos mais um problema jurisprudencial.
Tudo pareceria simples, aparentemente, na interpretação do Sr. Deputado Guilherme Silva dada até ao momento, se quando a lei geral da República, como tal, não se decretar, caísse imediatamente na noção de lei da República, mas à luz da jurisprudência estabilizada pelo Tribunal Constitucional, nada nos diz ...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não há jurisprudência estabilizada sobre esta matéria, que é nova.

O Sr. Presidente: * Nada nos diz, Sr. Deputado Guilherme Silva, que, entendendo o Tribunal Constitucional que, pela sua natureza, aquela lei se deva aplicar a todo o território, como tal, não deva ser entendida como uma lei de competência própria dos órgãos de soberania.
Aliás, se há algum reforço por esta interpretação encontro no articulado, é inclusivamente na alínea c) do artigo 229.º, ao mantermos a alínea c) como ela está, porque ao dizermos que será competência das regiões autónomas desenvolver em função de interesse específico das regiões as leis de bases, em matéria não reservada da competência da Assembleia da República, poderíamos, em princípio, que parece ter decaído desta solução, quando admitimos que as regiões podem legislar com base no respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não, são coisas distintas!

O Sr. Presidente: - Então, já não seria sequer necessário, estar a condicionar às leis de bases, aquilo que desde logo poderia ser legislado, apenas com a referência ao respeito pelos princípios fundamentais.
No entanto, ao manter-se esta referência explícita, ao respeito pela lei de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República, então, efectivamente, estamos a admitir que seja possível que, para além do conceito de leis gerais da República, haja a necessidade de, quando se trata de uma lei não classificada como lei geral, saber sempre se ela se condiciona à competência reservada dos órgãos de soberania ou extrapola da competência reservada dos órgãos de soberania.
Srs. Deputados, quisemos contribuir e queremos conscientemente contribuir para amplificar a iniciativa legislativa das regiões autónomas.

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Em minha consciência, devo dizer-vos que acho que acho que a solução que acabamos de adoptar ou que adoptaremos eventualmente para o n.º 4 do artigo 115.º, na definição de leis gerais da República, possa ter uma consequência mais restritiva do que amplificativa da iniciativa legislativa regional. E digo isto pelo seguinte: porque se na interpretação futura do Tribunal Constitucional, quando a lei geral não aparecer classificada e o Tribunal tiver que decidir se ela cabe ou não no âmbito das matérias de competência própria dos órgãos de soberania, sempre que o Tribunal assim decida, as matérias de competência própria dos órgãos de soberania inibem a iniciativa legislativa regional.
Portanto, não querendo ter tido essa consequência, poderemos estar nós, inadvertidamente, a empurrar o Tribunal Constitucional para soluções de interpretação jurisprudencial, que acabe por ter como consequência maior limite e não maior amplitude da iniciativa legislativa regional.
É por isso, Srs. Deputados, que a bancada do PS está, digamos, tranquila neste ponto.
Reconheço alguma pertinência às questões de natureza política que preocupam o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, no entanto, no que diz respeito à consequência na interpretação constitucional, as soluções que aqui estão em aberto darão muito trabalho, em sede de interpretação constitucional, mas na verdade, se algum trabalho tiverem que dar, a tendência provável será mais de interpretação restritiva do que amplificativa da iniciativa legislativa regional.
Em síntese: esta é, de facto, a preocupação que animou o Sr. Deputado José Magalhães e eu próprio na maneira como queremos colocar estas questões à consideração dos Srs. Deputados.
Costuma dizer-se que o debate nasce a luz, vermos se de facto haverá ou não alguma luz consequente ao debate que estamos a travar.
Tinha inscritos os Srs. Deputados Luís Sá, Alberto Martins, Mota Amaral, Guilherme Silva, Barbosa de Melo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era também para me inscrever para um pedido de esclarecimento e também para uma interpelação à mesa.

O Sr. Presidente: * Se é para uma interpelação, tem precedência.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o Partido Social Democrata tinha pedido, no início da manhã, que, devido ao funcionamento interno do nosso grupo, esta reunião pudesse acabar por volta das 12 horas e 30 minutos, o mais tardar 12 horas e 45 minutos.
Face às inscrições feitas reitero esse pedido ao Sr. Presidente e sugeria que, se o Sr. Presidente achasse por bem, tomasse nota de todas as inscrições para intervenção, que passariam para a parte da tarde, fazendo-se agora, apenas, os pedidos de esclarecimento e logo após suspenderíamos os trabalhos.

O Sr. Presidente: * Darei, então, a palavra para formular esclarecimentos, aos Srs. Deputados Mota Amaral, Guilherme Silva, Luís Marques Guedes e eu responderei da parte da tarde.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, muito obrigado por me dar a palavra e pela sua disponibilidade em responder a um pedido de esclarecimento que lhe faço e que tem por objectivo clarificar o conteúdo das actas dos nossos trabalhos.
Ao longo da sua intervenção bem estruturada, o Sr. Presidente várias vezes se referiu que a linha de rumo das propostas apresentadas pelo Partido Socialista é a de ampliar a iniciativa legislativa regional.
Gostava que esclarecesse se está a falar mesmo em iniciativa legislativa regional, ou seja da capacidade das regiões de apresentarem propostas de lei à Assembleia da República, ou se está a falar da competência legislativa das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: * Da iniciativa legislativa própria.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Seria, portanto, da competência legislativa.

O Sr. Presidente: * Da competência legislativa regional.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * É bom que isso fique claro para que essa sua fala não se junte a outros elementos que me parecem indiciar uma interpretação, essencialmente, restritiva desta matéria que, com o ver constante das actas, ajudarão a apreciar qual é a vontade de um legislador.
Essa matéria fica clara nesse ponto.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento vem na linha da preocupação que o Sr. Deputado Mota Amaral revelou, ou seja, temos hoje na Constituição uma definição de lei geral da República, V. Ex.ª frisou, mais do que uma vez e os seus colegas de bancada também têm ido no mesmo sentido, que se pretende, efectivamente, ampliar, reforçar, as competências legislativas das assembleias legislativas regionais, mas a verdade é que V. Ex.ª acabou por dar uma interpretação a uma determinada situação que pode ocorrer em face das alterações que introduzimos no conceito de lei geral da República, que vai em sentido restritivo, contrário a essa voluntas, a essa vontade, do constituinte, que V. Ex.ª referiu, mais do que uma vez, comungar.
Ou seja, por um lado, diz V. Ex.ª: estamos agora perante a exigência de dois requisitos e essa parece-me que é indiscutível. Por um lado, que a lei tenha uma vocação

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de aplicação a todo o território nacional e que o legislador assim o declare - são dois requisitos que diferenciam o actual conceito de lei geral da República para o novo conceito que se pretende, por força desta revisão, colocar na Constituição.
Até agora tínhamos um só requisito, que a lei tem uma vocação de aplicação a todo o território nacional, agora temos dois. O que significa que não ocorrendo um deles não estamos perante lei geral da República para efeitos constitucionais e o que significa que ocorrendo só um deles não estamos perante lei geral da República para efeitos constitucionais e não é possível sair desta situação.

O Sr. José Magalhães (PS): * Estamos perante quê?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Uma lei que não é constitucionalmente considerada lei geral da República, não há forma de sair disto.
V. Ex.ª quer o novo conceito, quer o antigo e diz: mas, se mantiver a vocação de lei de aplicação a todo o território nacional, estamos perante lei geral da República mesmo que o legislador não o decrete.
Srs. Deputados, não se pode ter sol na eira e chuva no nabal! Não é possível. Não é possível estarmos a querer avançar e dizer que se quer ampliar e depois recuperar o conceito anterior mais restritivo. Vamos entender-nos! Não vale a pena um esforço de deixar na acta pistas para o Tribunal Constitucional, porque desta fórmula, que é nova, e porque é nova tem este duplo requisito, não é possível sair-se.

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Guilherme Silva colocou-me uma questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a minha questão vai ser muito rápida, porque entronca, fundamentalmente, na preocupação que o Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de explicitar.
Sr. Presidente, com toda a franqueza, seria com estranheza total que o PSD levaria às últimas consequências a interpretação que o Sr. Presidente fez na sua intervenção, e seria, repito, com muita estranheza que o PSD chegaria à conclusão de que o acrescento "assim o decretem" poderia permitir interpretações dúbias ou equívocas por parte do Tribunal Constitucional.
Vamos assentar numa questão, Sr. Presidente, e era este o esclarecimento que lhe pedia: é ou não verdade que os tribunais no nosso estado de direito estão subordinados à Constituição e à lei? Sei que já vimos, na semana passada, um episódio, pouco edificante para o nosso estado de direito, que foi o de se permitir que o Tribunal de Contas não respeitasse as leis da República.
Agora as dúvidas de constitucionalidade aí são mais do que muitas e é evidente, para mim, que aquilo que se está a alterar no artigo 115.º da Constituição passará a impor-se ao Tribunal Constitucional com uma duplicidade de requisitos para a qualificação de uma lei geral da República: em primeiro lugar, que, em razão da matéria, haja razões para envolver a sua aplicação a todo o território nacional e, em segundo lugar, que o legislador, que é o soberano, em representação do povo, e que no nosso estado de direito é quem faz as leis, através do seu critério político de oportunidade que só ele pode ter e não os tribunais, assim o decrete, porque o legislador pode perfeitamente, ainda que a matéria envolva uma lógica para a aplicação a todo o território nacional, o legislador pode, repito, por um critério político de oportunidade, que apenas e exclusivamente cabe, no nosso estado de direito, aos órgãos de soberania, Assembleia da República e Governo, ou seja, aos órgãos legislativos, e nunca aos Tribunais - sendo que a nossa Constituição diz que os tribunais têm que respeitar a Constituição e as leis e não podem ter critérios políticos de oportunidade - e está perfeitamente na disponibilidade de, ainda que a matéria pudesse aplicar-se a todo o território nacional, entender politicamente, por um critério qualquer de oportunidade, que determinada matéria para as regiões autónomas vai aplicar-se através de um diploma legislativo regional, ou pode entender que se aplica apenas ao Continente, ou pode entender que se aplica apenas às regiões autónomas.
Ou seja, o critério político de oportunidade, no nosso estado de direito, é do órgão de soberania, Assembleia da República e Governo em matéria legislativa.
A pergunta que queria fazer ao Sr. Presidente é se o Sr. Presidente entende que os tribunais também podem comungar desse critério de oportunidade política, porque, sinceramente, isso causaria uma estranheza tremenda, porque subverte o princípio da legalidade que decorre, desde logo, do artigo 3.º, além dos capítulos dos tribunais onde fica clarinho como água, que os tribunais estão sujeitos à lei, leia-se - até tivemos aqui essa discussão, o Sr. Presidente recordar-se-á, quando discutimos recentemente esse artigo - à cabeça, a lei fundamental.
Portanto, é evidente que os tribunais estão sujeitos, pese embora a sua independência, necessariamente, à Constituição e às leis.
Ora, se assim é, como é que é possível compatibilizar isso com uma leitura, como aparentemente me pareceu, e o Sr. Presidente me esclarecerá, poder retirar das suas palavras, de que os tribunais, independentemente da Constituição dizer que as leis gerais da República passam a ter dois requisitos, os tribunais podem entender que apenas um basta, porque isso, de facto, Sr. Presidente, redundaria numa alteração extraordinária dos alicerces do nosso estado de direito, desde logo com a subversão do princípio da legalidade naquilo que diz respeito à sua aplicação aos tribunais.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, sob a forma quase que de interpelação à sua bancada, pergunto-lhe: entende que ainda há tempo para responder?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, reitero a resposta que comecei por dar ao Sr. Deputado Mota Amaral, para que não reste qualquer dúvida, dizendo que a nossa preocupação e o nosso propósito é contribuir para reforçar as possibilidades de iniciativa legislativa regional em sede de competência própria.

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Portanto, todo o trabalho feito neste processo de revisão constitucional tem esse objectivo.
Agora, Srs. Deputados, a questão difícil que, de facto, temos pela frente, é de que esta qualificação sobre o que são leis gerais da República, mediante a exigência de auto-classificação, é um contributo dado no projecto originário do Partido Socialista , e já aqui foi chamada a atenção para isso.
No entanto, e é esse o ponto que coloco à vossa meditação, no projecto originário do Partido Socialista a definição de leis gerais da República tinha uma definição mais universal, porque, desde logo, se compreendia, no âmbito da lei geral da República, as leis da competência reservada dos órgãos de soberania.
E na coerência do projecto inicial do PS, tal fazia todo o sentido, designadamente com o artigo 229.º, n.º 1, alínea a), quando o PS permitia que iniciativa legislativa regional fosse com respeito pelas leis gerais da República e, portanto, já com respeito pelas leis de competência própria dos órgãos de soberania.
Ora, ocorre que agora as leis de competência própria dos órgãos de soberania vão continuar a ficar como limite de reserva à iniciativa legislativa regional.
Portanto, a solução do acordo PS/PSD, sejamos francos, é mais restritiva do que a fórmula inicial no projecto do PS, quando depois o próprio PS dizia que a única limitação à iniciativa legislativa regional, era nas matérias reservadas à competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo.
Parecendo que estamos a trabalhar com os mesmos conceitos, ao exigirmos para as leis gerais da República a exigência da auto-classificação deixamos de estar, porque o conceito de lei geral da República, na solução do acordo PS/PSD, já não é tão abrangente quanto era na formulação inicial do PS. E ao não ser tão abrangente, o que é que deixa de fora? Deixa de fora, designadamente, o n.º 3 do artigo 115.º, onde se fala nas leis de competência própria dos órgãos de soberania que são uma barreira à iniciativa legislativa de competência regional.
E se são uma barreira, o problema que se põe quanto à interpretação das leis gerais da República, que volto a sublinhar, é o seguinte: se uma lei aparecer sem o requisito da auto-classificação, mas se perante o Tribunal Constitucional ela se afigurar, pela sua natureza, que se deva aplicar a todo o território nacional, o que é que na Constituição e à luz da legalidade e da Constituição inibirá uma jurisprudência constitucional, de vir então a entender que se pela sua natureza se deve aplicar a todo o território nacional, essa lei deve ser compreendida no âmbito das matérias de competência reservada (não disse exclusiva, disse reservada) e própria dos órgãos de soberania.
E, neste sentido, é que aparece a consequência mais restritiva para a iniciativa legislativa regional, porque, neste sentido, em vez de as assembleias legislativas regionais poderem legislar com respeito por princípios fundamentais de leis gerais, ficam automaticamente inibidas de legislar naquele domínio se aquele domínio vier a ser definido como recaindo no domínio da competência própria dos órgãos de soberania.
É este problema, Srs. Deputados, que estava resolvido na forma originária no projecto do PS e que eu, a benefício das regiões autónomas, acho que não estará resolvido da melhor maneira se insistirmos na classificação do n.º 4, do artigo 115.º, com a exigência de que as leis gerais assim se decretem necessariamente.
É um ponto que eu sinceramente deixo à vossa consideração, porque acho que deveremos fazer aqui um esforço hermenêutico para medirmos todo o alcance das normas que estamos a votar.
Se, aliás, os Srs. Deputados do PSD quiserem reter este ponto, a solução do adquirido, do "assim o decretem", que foi, digamos, por benefício do projecto originário do PS, o PS até está, neste ponto, em total à vontade de posição e sem nenhuma reserva mental, sendo que, de facto, o âmbito de lei geral da República, na definição do n.º 4 já não é igual ao projecto do PS, deixo, mais uma vez, à vossa consideração, e talvez a hora do almoço seja boa conselheira, para meditarmos se a formulação amplifica as possibilidades de iniciativa legislativa regional ou as limita, sendo que eu tendo a admitir que pode ter consequências mais limitativas do que amplificadoras.

O Sr. José Magalhães (PS): * Queria só interromper, Sr. Presidente, se me permite.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, gostaria de deixar claro que, apesar de ter acompanhado, creio, que bem o seu raciocínio, com o qual estou de acordo, ele leva a uma conclusão que não explicitou e que eu gostaria de ter a certeza que percebi rigorosamente.
A situação a que se chega é uma situação relativamente marginal, ou seja, aquilo que chegaria algum dia no cenário patológico máximo ao Tribunal Constitucional era um decreto legislativo regional vetado pelo Ministro da República. Porquê? Porque a hipótese interessante não é a hipótese em que esse decreto legislativo regional incidisse sobre matérias dos artigos 167.º e 168.º da Constituição, porque isso é líquido, não se sente a mínima dificuldade, é inconstitucional, pura e simplesmente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Essa é outra questão.

O Sr. José Magalhães (PS): * Nem sobre matéria de reserva do governo, porque isso também é líquido, é inconstitucional por força do parâmetro dois, da limitação dois, era a hipótese em que não sendo, nem incidente sobre matéria do artigo 167.º e 168.º, nem sobre matéria de reserva do governo, violasse princípios gerais de lei da República que não se auto-proclamasse como tal mas o fosse.

O Sr. Presidente: * Exactamente. Nem mais!

O Sr. José Magalhães (PS): * É a hipótese hiper-marginal e admitindo que não há uma norma legal que diga que leis da República que não se auto-proclamem como tal, são, por aplicação de uma cláusula geral, de aplicação por uma presunção embora elidível.

O Sr. Presidente: * Ou fazendo o Tribunal Constitucional, por interpretação jurisprudencial, o entendimento que

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essa matéria cai no domínio da competência própria dos órgãos de soberania.
Srs. Deputados, a questão que colocámos, que o Sr. Deputado José Magalhães voltou a sublinhar, tem o seu sentido e os Srs. Deputados sobre ela farão a reflexão que julgarem oportuna.
Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo PSD, suspenderemos agora os nossos trabalhos.

Eram 12 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estamos em condições de continuar os nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, estamos a apreciar o artigo 229.º, especialmente centrados numa proposta de alteração das suas alíneas a), b) e c), em conjugação com o artigo 115.º, na parte em que este se reporta à problemática das iniciativas legislativas regionais e às leis gerais da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em rigor, a proposta para o artigo 229.º em apreço, é de difícil apreciação se não a conjugarmos com as propostas relativas aos artigos 115.º, n.º 4, e 230.º, nas suas duas componentes simultaneamente, ou outras disposições que venham a ser inseridas no artigo 229.º.
Isto é, a enumeração de um mínimo de matérias de competência legislativa regional que devem ser entendidas como de interesse específico, na base da proposta apresentada pelo Prof. Jorge Miranda ou proposta similar e, ao mesmo tempo, de uma proposta de clarificação do âmbito das matérias de reserva legislativa da República, isto é, as matérias que, pela sua própria natureza, devem e não podem deixar de ser consideradas como sendo de competência da República.
Na primeira leitura, a consequência que resultou do debate foi no seguinte sentido: a necessidade, unanimemente reconhecida, de clarificar, no sentido descentralizador, as competências legislativas regionais, tendo ficado igualmente apontada a via de o fazer no plano técnico, via essa que, no fim de contas, corresponderia à actuação simultânea em três direcções.
A saber: o elenco das matérias que, pela sua própria natureza, devem ser consideradas como de competência legislativa regional, isto é, que gozam de uma presunção de interesse específico, se assim se pretender dizer; por outro lado, a clarificação de matérias que são da competência dos órgãos de soberania para que não estejamos, nesta matéria, dependentes de interpretações jurisprudenciais que podem sempre suscitar toda a série de dúvidas; e, igualmente, a ideia de que para além disso deveria ser mantida uma cláusula de carácter geral, que permitisse continuar a afirmar o interesse específico em relação a matérias que não constassem da enumeração de áreas, digamos assim, automaticamente de interesse específico, ou em que, apesar disso, pudesse haver alguma razão para justificar a competência legislativa regional.
Ora bem, quando esta matéria foi discutida, tive oportunidade de manifestar toda a abertura e interesse em relação a essa solução, com a ideia de que a posição final a adoptar deveria resultar da apreciação, em conjunto, destas três componentes: por um lado, a manutenção da cláusula geral; por outro lado, o carácter, o elenco, a natureza das matérias que fossem a título exemplificativo enumeradas como de interesse específico, devido ao próprio conteúdo dessas matérias; e, por outro lado ainda, as matérias que deveriam ser enumeradas como representando competência dos órgãos da República, daí que estranhe o facto de não terem sido apresentadas propostas simultaneamente para estas várias vertentes.
Foi aqui concluído que era nesse sentido que se deveria trabalhar, que isto constituiria um triângulo que deveria ser devidamente equilibrado para apreciar esta questão, designadamente o carácter equilibrado ou não do triângulo, e assim é preciso que estas matérias estejam, efectivamente, na posse de todos nós, para podermos pronunciar-nos sobre uma questão que diz respeito ao artigo 229.º, mas em rigor não diz respeito ao artigo 229.º apenas, diz também respeito ao artigo 230.º e também ao artigo 115.º.
Assim, nesta minha primeira intervenção gostaria também de intervir sobre o artigo 115.º para dizer o seguinte: considero que, independentemente do precedente que foi invocado numa outra direcção diferente daquela que agora é proposta, isto é o precedente de determinadas leis dos órgãos de soberania reservarem o tratamento de questões para as regiões autónomas, independentemente dessa prática e do carácter questionável que tem, a solução que agora é proposta, diria que, por um lado, é infeliz, do ponto de vista simbólico e do ponto de vista formal e, por outro lado, não resolve nenhum problema, pelo contrário, é fonte de novos equívocos.
Creio, de resto, que o debate aqui travado da parte da manhã, entre, por um lado, Srs. Deputados do PS e Srs. Deputados do PSD, e mesmo entre Deputados do mesmo partido político, antecipa e com clareza, o conjunto de problemas, de controvérsias jurisprudenciais e extra-jurídicas, inclusive, que esta solução pode representar. Isto é, foi aqui dito, no fim de contas, claramente, que uma lei geral da República se decretar que o é, nem por isso tem que ser, designadamente se essa declaração como lei geral da República não for adequada. E, por outro lado, que uma lei geral da República que não declare que o é, nem por isso deixa de o ser, se pela sua própria natureza o for.
Então, é caso para perguntar porquê este tipo de exigência. Exigência esta que é manifestamente infeliz, dizia eu, do ponto de vista simbólico, porque temos antecedentes na ordem jurídica portuguesa deste tipo de prática, que são, exactamente, o caso das antigas colónias, chamadas províncias ultramarinas, em que o princípio era exactamente este e, actualmente, temos o caso do território de Macau, em que o princípio que vigora é o de que são aplicáveis ao território de Macau se e quando o declararem.
Isto é, queria dizer que neste plano é difícil congeminar, por um lado uma solução mais equívoca e que possa dar origem a tantos problemas e ao mesmo tempo que, do ponto de vista simbólico, formal, seja mais infeliz, inclusive com paralelos que suscitam mais interrogações.

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Em síntese, a proposta que adiantaria e continuando muito atento ao prosseguimento do debate era a seguinte: a alteração que é proposta ao artigo 115.º, n.º 4, não nos parece, de todo em todo, favorável ou conveniente, mesmo na óptica do reforço da competência legislativa da Assembleia da República, a não ser que haja um tipo de interpretação, francamente unilateral, como a que, de algum modo, já aqui foi aventada, isto é, a ideia de que são leis gerais da República apenas aquelas que assim o declararem mais aquelas que não o declarando venha a ser exigido que o sejam, por algum fundamento que seja invocado, designadamente especificidade de matéria regional.
Quanto ao artigo 229.º, reservarei a posição para o momento em que for apresentada a proposta para o artigo 230.º, pois, como disse, parece-me insociável deste, designadamente no seguinte aspecto: substituir o respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República ou substituir o respeito pelas leis gerais da República pelo respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, é algo que tem um alcance completamente diferente, consoante aquilo que vier a ser estabelecido em matéria de elenco de questões de interesse regional, pela sua natureza, devido ao seu conteúdo, mas também matérias que são da competência dos órgãos da República pela sua natureza. Isto é, se esta solução não for devidamente equilibrada, esta substituição do respeito das leis gerais da República pelo respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República terá um sentido que, de todo em todo, é inaceitável. Tanto mais que há cautelas, designadamente cautelas que não podem deixar de existir, nesta matéria, e que se poderão perder, remetendo para o domínio da incerteza matérias que não podem deixar de ser inteiramente clarificadas, do ponto de vista de saber a que zona pertencem, ou seja à zona da competência dos órgãos da República, ou à zona da competência regional.
Por agora, fico por aqui, apelando aos Srs. Deputados dos partidos que subscreveram o acordo, que apresentem as respectivas propostas a respeito do artigo 230.º, sem as quais é difícil fazer um juízo e mais ainda votar a propósito das propostas relativas ao artigo 229.º.
De qualquer modo, permitia-me chamar a atenção, desde já, para a proposta em matéria de competência legislativa apresentada pelo PCP, que vai no sentido de estabelecer, a título exemplificativo, que são matérias de interesse específico das regiões autónomas um conjunto num elenco bastante significativo, sendo que estamos abertos a examinar este ou outro elenco similar, no sentido de fazer aquilo que pretendemos, ou seja fortalecer e clarificar o poder legislativo das regiões autónomas num quadro equilibrado.

O Sr. Presidente: * Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Deputado Luís Sá, gostava de lhe pedir um esclarecimento acerca da evocação que fez, em paralelo, talvez pretendendo reduzir o seu argumento ao absurdo, com o território de Macau. Para que as leis vigorem em Macau é preciso que órgão competente assim o determine…

O Sr. João Amaral (PCP): * E as mande publicar no Boletim Oficial.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Bom, acontece é que, ao abrigo da actual Constituição, não creio que possa haver outra solução que não seja determinação da sua obrigatoriedade por via de uma intervenção especial, já que o princípio fundamental que se aplica, neste momento, é precisamente o da territorialidade das leis, ou seja as leis portuguesas aplicam-se em território português e o território Macau não é território português, como se deduz da leitura da Constituição.
Portanto, é um território sob administração portuguesa, mas é um território com características coloniais, nem tem órgãos com legitimidade democrática em termos genuínos, digamos assim, portanto se não há uma autoridade tipo colonial, que mandam aplicar lá as leis, as nossas leis precisamente não são aplicáveis em Macau.
Ora, esta solução não tem qualquer comparação possível com a situação das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, porque estas são, manifestamente, território português.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, dá-me licença que faça um comentário à observação do Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para distinguir o seguinte: o princípio da territorialidade das leis tem plena aplicação nas pessoas colectivas de âmbito territorial como são as pessoas colectivas infra-estaduais.
Agora, as leis no âmbito da competência dos órgãos de soberania, não estão subordinadas ao princípio da territorialidade em termos de validade, sendo que a validade das leis aplica-se mesmo para além do território, enquanto que o princípio da territorialidade opera quanto à eficácia na aplicação lei, mas não quanto à validade da lei, porque a validade da lei é extraterritorial.
Gostava de fazer esta precisão para melhor compreensão do que estamos a debater.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A precisão feita pelo Sr. Presidente é pertinente, mas eu gostaria de acrescentar o seguinte: a primeira pessoa a quem ouvi feito o paralelo entre esta proposta e o estatuto, neste plano, do território de Macau, foi ao Prof. Gomes Canotilho e creio que tem um aspecto que é pertinente, sem dúvida nenhuma, que é a ideia de que as leis gerais da República são para o Continente, a não ser quando o declarem expressamente. E é este princípio de que as leis da República apenas são para o Continente, a não ser quando o declarem, que, de todo em todo, considerei infeliz e reitero esta opinião, do ponto de vista formal e do ponto de vista simbólico, independentemente do problema das consequências práticas. Creio que é uma solução infeliz.
E verificámos aqui, na controvérsia entre os Srs. Deputados, que, ainda por cima, não vem introduzir qualquer elemento clarificador, pelo contrário, em matéria de estabelecer

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os contornos exactos da competência legislativa dos Açores e da Madeira e que as vias para reforçar esta competência legislativa podem ser outras que não tenham os mesmos equívocos e o mesmo grau de infelicidade que esta tem, na minha óptica.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, estava inscrito já há bastante tempo e em alguma medida algumas das considerações que foram feitas pelos meus colegas de bancada, assumo-as e identifico-me com elas, muito embora tivesse até elaborado inicialmente uma proposta interna ao grupo parlamentar socialista e já depois de ter partilhado, naturalmente, o projecto de revisão constitucional do meu grupo parlamentar, depois do acordo, no sentido de pôr algumas dúvidas e reservas a esta adenda ao n.º 4, quando alude que as leis gerais da República se aplicam a todo o território nacional e assim o decretem.
No entanto, depois da intervenção que o Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira fizeram, estou mais confortado com essa leitura que vai ao encontro da minha ideia, que é uma ideia inicial, de que este decretar das leis gerais da República signifique, em meu juízo, o mesmo do que está prescrito no actual artigo 115.º, n.º 4 da Constituição, porque a interpretação que foi feita, e bem, a meu ver, é que este decretar não é um decretar tableónico, não é um decretar do tipo chancelar, mas, sim, um decretar substantivo e, nesse sentido, as leis gerais da República ao decretarem que são aplicadas a todo o território nacional podem ser decretadas de forma implícita e nesse sentido, e a meu ver, as leis gerais da República são implicitamente todas aplicáveis à República.
Por isso, estou bem certo que haverá interpretação do Tribunal Constitucional nesse sentido, que só quando elas expressamente, de forma explícita, digam o contrário é que não são leis aplicáveis a toda a República.
Por isso, nesse sentido, julgo que estamos a optar numa leitura interpretativa substantiva e não puramente formal e é essa que se coaduna com o tal triângulo sistémico que é constituído pelos artigos 229.º e 230.º.
E, nesse sentido, as minhas dúvidas estão resolvidas de forma satisfatória.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, ouvi com atenção a referência às inquietações do Sr. Deputado e ao modo como foi tranquilizando as suas inquietações, mas a questão que coloco é a seguinte: a via adequada para as tranquilizar é eliminar o problema de raiz, não introduzindo este factor de equívoco, ou, pelo contrário, é tendo que recorrer à tal interpretação material substantiva que o Sr. Deputado referiu. Isto é: qual é então, se a interpretação é essa que o Sr. Deputado aludiu, a vantagem que vê neste acrescento?
Porque a intervenção do Sr. Deputado foi toda construída na base de dizer que não há desvantagens. Agora, acho que há outra questão que tem que ser respondida. Então que vantagens é que vê.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, também para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente e Sr. Deputado Alberto Martins, pensei que estávamos a discutir as propostas que estão sobre a mesa para o artigo 229.º.
De facto, ouvi o Sr. Deputado Alberto Martins adiantar uma interpretação que me parece de todo referente ao texto actual e que ignora, por completo, a proposta comum do PS/PSD, porque a conclusão que V. Ex.ª tirou dizendo que o Tribunal Constitucional, em nenhuma circunstância, concluiria por algo mais que não fosse o de tendencialmente todas as leis serem leis gerais da República, porque as leis da República são para a República toda e, portanto, sem exclusão das regiões autónomas e, tout court, ficou por aí.
Deu-me a sensação, e é este o esclarecimento que pretendia, que o Sr. Deputado estava a referir-se, nessa sua interpretação, à lei Constituição na sua versão actual, ou será que estava a querer dizer ao Tribunal Constitucional, ou a antecipar um juízo por parte do Tribunal Constitucional de que este deveria interpretar estas alterações da mesma forma que interpretava antes, como se elas não ocorressem?
O que me parece um esforço, realmente, insane e ingente, por parte do grupo parlamentar do Partido Socialista, para dizer qualquer coisa como isto: nós vinculamos um acordo que tem determinada letra, espírito e determinada consequência, mas vocês, os senhores do Tribunal Constitucional, se nos puderem libertar desta vinculação, vão lá fazendo uma interpretação igual à que faziam e ignorem que a Constituição tem agora uma redacção nova.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes já esta manhã fez uma intervenção suficiente clara, referindo que não é legítimo que, nesta sede, estejamos a pedir ao Tribunal Constitucional que desrespeite o poder legislativo, que desrespeite o poder constituinte e faça interpretações ziguezaguiantes para nos libertar da solução a que nos vinculámos,...

O Sr. José Magalhães (PS): * Só esperamos que o Tribunal Constitucional cumpra o seu dever.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * ... para, repito, nos desvincular das soluções a que nos vinculámos.
Não pode ser! O Tribunal Constitucional não dará, minimamente, ouvidos a semelhante clamor que vem deslocado no tempo.

O Sr. Presidente: * E a pergunta é?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * A pergunta já está feita, mas sintetizo-a: Sr. Deputado Alberto Martins, reportava-se ao texto actual da Constituição ou estava a comentar uma interpretação que tomasse por base a proposta resultante do acordo PS/PSD?

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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, para responder, querendo.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Muito obrigado, Sr. Presidente.
Responderia, aliás, as perguntas têm quanto ao sentido da dúvida uma zona comum, mas começaria por responder ao Sr. Deputado Guilherme Silva dizendo o seguinte: quanto ao passado, a norma do artigo 115.º é clarificada pela norma transitória que foi aqui proposta, aliás, assinada pelo PSD e pelo PS, portanto eu apenas tenho o encargo de a reler.
O disposto na parte final do artigo 115.º, n.º 4, apenas se aplica às leis e decretos-leis aprovados após a entrada em vigor da presente lei, isto é, mesmo que...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * V. Ex.ª referia-se, portanto, a essas.

O Sr. Alberto Martins (PS): * ... se consagre esta redacção, relativamente ao passado não se aplica. O Sr. Deputado Guilherme Silva, assinou este documento e, portanto, deve conhecer o texto, pelo que a pergunta que fez está respondida aqui.
Quanto ao futuro, em meu entender, no contexto articulado do sistema legal, que está previsto no artigo 229.º quanto às matérias de interesse específico, com respeito pelos poderes próprios dos órgãos de soberania e quanto ao que são interesses específicos, definido no artigo 230.º, a meu ver, a matéria é redundante, é superlativa, é supérfluo no quadro actual das soluções que estamos a delinear, daí estar dada também a resposta ao Sr. Deputado Luís Sá, porque penso que é redundante.
Se quiser, e mais ainda, julgo que, neste contexto, com este enquadramento, com estas interpretações, não é fonte de dúvidas em termos interpretativos no Tribunal Constitucional, mas admito que poderíamos dispensar...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Ainda bem, porque assim não há o risco de seguirem a sua interpretação.

O Sr. Alberto Martins (PS): * ... neste momento, o decreto, porque este decreto é naturalmente implícito, não é tabelar e por aí a matéria substantiva é que vai regular esta conflitualidade possível na interpretação de leis de conflito.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Alberto Martins.
Sr. Deputado Guilherme Silva, fiz uma profissão de fé, no início deste debate, era que dele pudesse resultar alguma luz no final - aliás, é para isso que servem os debates.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, queria dizer que o Partido Popular vê com apreensão a proposta que aqui discutimos sobre o artigo 229.º e essa apreensão é tanto maior quanto se analisam as conclusões da discussão que hoje tivemos de manhã, porque aquilo que tentaram, quer o PS quer o PSD, foi, de uma forma confessada, influenciar o futuro julgador constitucional por via de ditar para a acta um pretenso espírito do legislador.
Só que não espanta, de facto, como é que de dois espíritos tão distintos tenha resultado uma proposta tão equívoca e de duvidosa bondade.
Pegando nas palavras do Sr. Presidente, que acabou de relembrar a sua profissão de fé sobre a nossa capacidade para encontrarmos uma luz no final desta discussão, não tenhamos dúvidas de que essa luz está encontrada, essa luz está plasmada naquilo que consta da proposta conjunta do PS e do PSD.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Muito bem!

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Agora, se, mais tarde, o julgador constitucional conseguir encontrar essa luz, aí é que já temos dúvidas.
Estou convencido é que o PS e o PSD estão a tentar abrir uma porta por onde o futuro julgador constitucional terá que entrar mas ao entrar encontrará dois caminhos completamente opostos e, porventura, sem capacidade para decidir sobre qual deles é que deverá seguir.
Portanto, nesta medida, o Partido Popular vê com apreensão aquilo que hoje estamos aqui a discutir, porque, de facto, não há qualquer bondade nesta proposta e o seu carácter equívoco ainda reforça mais a apreensão com que vemos tudo isto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * No entanto, há um denominador comum que facilita a interpretação de um juiz constitucional: ambos os partidos terem dito que querem reforçar os poderes da assembleia legislativa regional. Isto é muito importante para o intérprete da legislação.

O Sr. Presidente: * Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou fazer uma observação que esperaria que fosse muito curta, de carácter estritamente pessoal, e vou relembrar que retomo, na integra, a dúvida e a crítica que fiz à fórmula "e assim o declara", que vem da proposta do PS, ou como se pretende agora à expressão "e assim o decretem".
Todavia, quero também fazer uma afirmação formal: sei que há aqui, todos o sabemos, um pacto e que o princípio de validade do pacto está subordinado àquela ideia que, aliás, procede do direito internacional, mas hoje também já impera no direito interno, ou seja a ideia do package deal, só há negócio quando tudo está negociado.
Portanto, o facto de eu fazer uma crítica, não significa que me esteja a pôr contra o acordo; quero é que o acordo seja revisto na devida conformidade, neste ou outros pontos, para dinamizar a Constituição e não quero perturbar aqui as coisas.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Aliás, falo a título estritamente pessoal.
Agora, se me é permitida a expressão, esta fórmula tem vários engulhos. Em primeiro lugar, quer se queira quer não, pressupõe uma variação territorial que não faz parte da cultura constitucional que aí está. No fundo, as expressões "e assim o decretem" ou "e assim o declarem" significam a mesma coisa que noutros tempos a expressão "publique-se no boletim oficial das províncias ultramarinas". É isto que está aqui a ressuscitar-se desta forma.
O território português é uma unidade, estamos territorialmente integrados, o chão açoreano, ou madeirense, ou o chão continental é tão sagrado para uns, como para outros, para todos nós, faz parte de uma só unidade e ao fazermos aqui variações na validade temporal da nossa ordem jurídica, estamos a perturbar esta aproximação correcta do que a unidade territorial do país.
Por outro lado, ouvi aqui interpretar esta fórmula pelos Srs. Deputados do PS - aliás, não ouvi o Sr. Deputado Alberto Martins e tenho muita pena de não o ter podido ouvir -, e fiquei mais do que perplexo, fiquei desorientado.

O Sr. José Magalhães (PS): * A ideia foi essa!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * E se a ideia foi essa conseguiram-na a 100%. Os meus parabéns!
Na verdade, dizer-se: mete-se aqui uma palavra que depois não vale nada, depois a interpretação que se fará a seguir logo se verá... Isso nada vale… Pode haver leis que são leis gerais da República que não digam que são, pode haver leis que digam que são leis gerais da República e não o são... Foi o Sr. Deputado que o disse…

O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * V. Ex.ª disse-o aí, carrément! E garanto que se o objectivo era desorientar-me, conseguiu. Fiquei absolutamente desorientado!

Risos.

Por outro lado, acho que está tudo claro. Não podemos construir uma democracia com suspeições contínuas…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Muito bem!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * …, nem de uma banda, nem da outra.
Quando se deu este passo, que é significativo para abrir o poder legislativo regional, que foi bloqueado durante muitos anos, de que as leis regionais, os decretos legislativos regionais, têm de ter em conta os princípios fundamentais das leis gerais da República, já se deu um sinal seguro, para todos os aplicadores da lei, que não basta a lei ser uma lei que envolva, pela sua natureza ou pela sua razão de ser, aplicação a todo o território nacional, não basta isto, para paralisar a iniciativa legislativa regional e o âmbito material da legislação regional. Por exemplo, leis como o Código da Estrada podem e devem ser reguladas de maneira diferente, desde que não afectem os princípios fundamentais dessa lei.
Ora bem, aqui, falamos muito, às vezes eu próprio me penitencio disso, em grandes teorias e eu dou um exemplo prático do que passou aqui na Assembleia não há muito tempo quando foi publicado o Código da Estrada.
Havia um problema: o Código da Estrada fixa o número de tangedores - era assim a linguagem antiga - por número de cabeças de gado que circulem pelas vias públicas, o que foi considerado na região, julgo, dos Açores, excessivo, ou seja o número de tangedores que se exigia para a manada em circulação foi considerado excessivo, porque nem o trânsito lá exigia tal cuidado, nem as disponibilidades de tangedores eram tais que permitissem isso.
Então, teve a assembleia legislativa regional, que deveria ter competência legislativa para, por si só, dizer que naquela região aquela norma tinha determinado sentido e conteúdo - e isto bastaria para que houvesse poder legislativo regional - ela que teve de ter a iniciativa de mandar para aqui um pedido de legislação sobre a matéria em causa.
Aquilo que está previsto no n.º 3, se VV. Ex.as aprovarem a proposta, ou seja que os decretos legislativos regionais não podem dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República, está salvaguardado aquele espaço necessário - e é necessário libertar o poder legislativo regional -, para que o poder legislativo regional possa ir mais longe.
Uma das missões das leis e da Constituição é a de prevenir litígios, pelo que ao fazer-se esta confusão aqui só se está a criar motivo de confusões mais; em vez de resolver litígios estamos a promover litígios, de onde, falando a título exclusivamente pessoal e lembrando que os acordo legalmente celebrados devem ser pontual e globalmente cumpridos, por aqui me fico.
Mas V. Ex.as se vão deixar ficar na Constituição a fórmula "e assim o decretem", como se ela não valesse nada, então, era melhor estarem quietos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Barbosa de Melo, inscrevo-me para lhe fazer uma pergunta no seguinte sentido: tive ocasião de, nesta manhã, sublinhar que faz parte do acordo a disponibilidade, referida pelos dois partidos, para poderem beneficiar, melhorar e aperfeiçoar as normas constantes do acordo em sede de segunda leitura. Tal, aliás, não é inédito e várias vezes tivemos ocasião de o fazer no decurso dos nossos trabalhos e algumas dessas vezes com o concurso do Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Manifestamos já, pela nossa parte, a interpretação de que esta referência à nova definição de leis gerais da República derivou da fórmula inicial que o Partido Socialista tinha apresentado no seu projecto, sendo, no entanto, verdade que na formulação inicial do projecto do PS, a definição de leis gerais da República era, efectivamente, mais abrangente, porque se abarcava nesse âmbito designadamente as leis de reserva de competência própria dos órgãos de soberania, o que na formulação do acordo não acontece.

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De facto, na sequência do acordo, a solução continuará distinta, entre leis de competência reservada dos órgãos de soberania, por um lado, e leis gerais da República, por outro. Daí que a confusão possível possa, de facto, existir e se vier a existir não há dúvida que o Tribunal Constitucional terá que fixar uma jurisprudência adequada para a melhor interpretação desses dispositivos.
Eu não escamoteei a questão. Enquanto subscritor do acordo com o PSD, estamos disponíveis para votar a norma tal como ela consta do acordo...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Muito bem!

O Sr. Presidente: * ... tanto mais que na interpretação que dela fazemos não nos assaltam dúvidas sobre qual virá a ser a interpretação do Tribunal Constitucional na linha daquela que o Tribunal tem vindo a fazer até agora.
No entanto, se o PSD desejar ouvir as palavras sábias do Sr. Deputado Barbosa de Melo, pela parte do PS aqui o declaramos que, pela nossa parte, estamos disponíveis para rever este ponto do acordo, assim, de facto, essas palavras sejam ouvidas, na bancada do PS, já o foram, já tivemos ocasião de espontaneamente o exprimir e vamos ver até ao final em que posição é que ficamos quanto a este ponto.
Sr. Deputado Barbosa de Melo, tenho consciência que fiz mais um comentário, mas usei da palavra no sentido de corroborar o seu ponto de vista.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, se me permite que também faça um comentário ao seu comentário, para lhe dizer o seguinte: não sou eu, nem quero ser, nem sou, o gestor do acordo.

O Sr. Presidente: * Com certeza!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Entendam-se, VV. Ex.as, entendam-se bem! Aliás, eu tive o cuidado de frisar que fazia uma intervenção a título exclusivamente pessoal.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de saber sobre essa matéria, mas não posso dar essa garantia logo à partida, porque a matéria do poder legislativo regional é, sem dúvida alguma, a matéria chave da questão que agora estamos a tratar.
A Constituição concedeu ou garantiu às regiões autónomas, aos Açores e à Madeira, constituídas em regiões autónomas, uma autonomia política, dando um passo em frente relativamente à tradicional autonomia administrativa, que já tem mais de cem anos. A autonomia política exprime-se, além do mais, na existência de poderes legislativos e na existência de um órgão legitimado democraticamente para exercer o seu exercício, que é a assembleia legislativa regional.
A ideia da concessão às regiões autónomas de poder legislativo resulta do reconhecimento do seu direito à diferença, pois nas regiões autónomas os problemas apresentam-se com características próprias e nada mais razoável do que deixar os cidadãos dos Açores e da Madeira, através dos mecanismos democráticos, resolver adequadamente esses mesmos problemas.
Esta lógica, que me parece perfeitamente transparente, não conseguiu, até agora, ter aplicação, porque o legislador constituinte, depois da jurisprudência correspondente, acabou por erguer um conjunto de ferrolhos à roda do poder legislativo regional que, na prática, o tem conduzido à exaustão.
A capacidade legislativa regional iniciada com um certo entusiasmo, um pouco tacteando à procura do seu espaço próprio, acabou por vir a ser, a pouco e pouco, de tal maneira sufocada que, hoje em dia, na prática, as assembleias legislativas, e talvez mais ainda desde a altura em que, não sei se com algum cinismo, passaram a chamar-se assembleias legislativas, se limitam a uma legislação de carácter organizatório e não substancial. Aliás, algumas das leis que foram feitas no período inicial, posteriormente, vieram a ser consideradas inconstitucionais e estamos, portanto, quase, no grau zero da afirmação do poder legislativo regional.
Daí a necessidade de, nesta revisão constitucional, que procura ir ao encontro de problemas de fundo existentes e sentidos na sociedade portuguesa, se dar também uma solução clara ao problema do poder legislativo das regiões autónomas.
Na altura própria, num pequeno ensaio que fiz sobre esta matéria, a benefício dos trabalhos da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, desde a primeira leitura, apontei um caminho que não teve acolhimento, mas, no entanto, não deixo de o referir, que era o de clarificar a competência regional, clarificar a competência dos órgãos de soberania, partir do princípio que as matérias de interesse regional, são as matérias que são tratadas pelos órgãos regionais e com isso, julgo eu, conseguir-se-ia resolver uma quantidade enorme de problemas.
No entanto, não foi esta a linha que se seguiu, que aqui se acolheu nas propostas que estão para consideração desta Comissão e, portanto, do procedimento da Assembleia da República e com as quais, aliás, me solidarizo, mas naquela perspectiva do second best, é alguma coisa, mas o que aqui se coorporiza são passos muitos tímidos na afirmação do poder legislativo regional.
E como já aqui também foi aventado, alguns desses passos ao procurar resolver problemas até parece que se estão a criar outros problemas.
Ora bem, resulta da primeira leitura dos trabalhos desta Comissão um aspecto importantíssimo que hoje em dia se pode dar como adquirido, que é, por um lado, a redução da influência das leis gerais da República, relativamente ao poder legislativo regional, aos seus princípios fundamentais, e, por outro, a clarificação sobre o interesse específico regional.
Todos aqueles que participaram nesta fase lembram-se que o Presidente então em funções assumiu a proposta do projecto Jorge Miranda e veio aqui dizer que era indispensável haver uma definição, por via constitucional, de um conjunto de matérias que são, inequivocamente, de interesse específico e com isso se revogaria a jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma jurisprudência de praeter constitution, para não dizer que é mesmo contra a Constituição,

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que é a de exigir que as regiões autónomas, ao legislarem, demonstrem que têm interesse específico relativamente às matérias que estão a tratar.
Sublinho este aspecto, porque vejo que a nossa discussão tem estado centrada à volta do problema da expressão "e assim o decretem", que, conforme adiante procurarei demonstrar, é um falso problema.
O problema importante, esse sim importante, é a questão do interesse específico e sobre ele convém que não nos tergiversemos, porque o que aqui se diz tem uma influência muito grande. Aliás, as nossas actas, mais cedo ou mais tarde, acabarão por ser publicadas e não faltará quem venha aqui esmiuçar o que foi dito à busca da mens legislatoris para interpretar os preceitos constitucionais que viermos a aprovar.
Ora, é daí que afirmações como aquela, segundo a qual, o que consta da Constituição é o mesmo que se não existisse, aquela adenda que aparece aqui, por iniciativa do Partido Socialista, convém nunca esquecer, do "e assim o decretem" afinal não vale nada, porque mesmo que seja lá posto que "e assim o decretem" mas não corresponder a uma substância, isso nada afecta…
Mas muito mais importante é uma interpretação que aqui já foi aventada hoje e da qual discordo em absoluto, pelo menos que isso conste também como um elemento da interpretação da mens legislatoris, que é a questão do interesse específico.
Se vamos para a opção, e vamos, estamos encaminhados para isso, de definir um conjunto de matérias que sejam de interesse específico, pois bem, nessas matérias o interesse específico é garantido pela própria Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): * Isso não tem a ver com essa questão!

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Aí é a minha dúvida em função da intervenção que o Sr. Deputado fez esta manhã. Estamos a tratar dos assuntos em conjunto…

O Sr. Presidente: * Mas ainda não está presente nenhuma proposta, pelo menos, comum ao PS e ao PSD.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Isso é uma verdade, mas, de qualquer maneira, o problema existe e é uma das questões que está aqui em aberto, porque é umas matérias, digamos, uma das decisões fundamentais para saber qual é o poder legislativo, onde é que está o poder legislativo, qual é a área de liberdade legislativa reconhecida às regiões autónomas.
Portanto, não se pode vir agora a dizer que, por exemplo, em matéria de agricultura, sim, há poder legislativo, se a legislação em causa tratar de matérias que apenas correspondam à região ou que nelas se configurem de uma forma especial, ou as que dado a sua particular configuração exigem especial tratamento na agricultura, nas pescas, na cultura, e por aí fora, ou seja nos diversos assuntos que aqui foram desenvolvidos.
Se pretendemos libertar o poder legislativo regional, conforme ainda há pouco dizia o Sr. Deputado Barbosa de Melo, então, não podemos vir a cada um dos tímidos avanços que fazemos, meter imediatamente mais um ferrolho, agora aplicando à nossa própria definição, antes de mais nada, as regras estritas, rígidas, do Tribunal Constitucional, para que elas depois ajudem a interpretar todo o resto dos preceitos que estão em causa.
Entendo que sobre essa matéria o que ficou falado, o que ficou entendido, foi: vamos definir um conjunto de áreas dentro das quais as regiões autónomas terão competência legislativa. E para além destas? Para além destas haverá outras áreas, desde que se trate de matérias que sejam do interesse específico das regiões autónomas, que não constem da tal lista, nessas também poderá haver legislação.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Atenção, Sr. Presidente, peço desculpa, mas temos agora aqui a minha demonstração de que a questão que temos estado a decidir é uma falsa questão.
Antes de mais nada, essa questão é um dos grandes apports do Partido Socialista à revisão constitucional em matéria de autonomia regional e por isso vejo com muita apreensão que seja exactamente da parte do PS que haja mais reticências à sua aprovação.
O Sr. Deputado Medeiros Ferreira, na sua intervenção da parte da manhã, revelou a origem desta ideia, referindo que ela vem, pelos vistos, de um excelente trabalho do Dr. Álvaro Monjardino, que reclama ser indispensável a expressão "e assim o decretem". Muito bem!
Dentro dos Estados Gerais, que envolveu tanto cidadão, esta questão foi identificada pelo PS como sendo uma das linhas de rumo e julgo que isso corresponde ao contrato de legislatura que o PS fez com o povo português, quando se apresentou às eleições, em 1995.
Aliás, o actual Primeiro-Ministro, na altura apenas Secretário-Geral do Partido Socialista, correndo as ilhas dos Açores e a Madeira, com toda a certeza, um do pontos para os quais galvanizou o apoio e o voto dos cidadãos foi exactamente para isso, dizendo que o problema das leis gerais da República iria ficar resolvido, porque só aquelas que o decretarem - " e assim o decretem" - é que são as leis gerais da República e, quanto ao resto, haverá liberdade de a assembleia legislativa regional fazer as suas próprias leis para aplicar nas respectivas regiões autónomas.
Julgo que estamos a procurar também inventariar um problema, e depois se não aparece nas leis a tal definição, o tal decreto, o que é que acontece à lei? Bom, a lei geral da República não é…
Ora bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não percamos tempo com isto. É evidente que a alínea, o artigo, o preceito, que diz que determinada lei é uma lei geral da República, vai passar a figurar, por princípio, em todos os diplomas, disso não tenho qualquer dúvida.
Estamos aqui, manifestamente, a fantasiar uma situação que não se vai verificar. Mais: acabará por ser uma criação por excesso, muito mais que por defeito. Não se preocupem os que pensam que está em perigo a Pátria portuguesa, porque vai deixar de aparecer lá o dito carimbo a dizer isto é uma lei geral da República. Todas as leis vão

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passar a ser leis gerais da República e isso vai surgir no decreto formulário, como muito bem já lembrou o Sr. Deputado José Magalhães esta manhã.
Portanto, essa é uma falsa questão. Não há problema nenhum, vai surgir tudo. Ou melhor dito, há um problema, e é este problema que está aqui a arreliar aqui algumas pessoas, umas têm dúvidas, com certeza, outras não tanto, mas é o que está lá por detrás: o problema afinal da unicidade ou pluralismo legislativo no Estado português. Para alguns, o pluralismo legislativo é um crime de lesa-pátria e eu devo dizer que não concordo, de maneira nenhuma, com essa figura.
Acho que o nosso país tem força e peso histórico suficiente para acolher o pluralismo legislativo. O poder das regiões autónomas é um poder do Estado português, as regiões autónomas não são entidades estrangeiras, menos ainda um Estado inimigo…
Portanto, se legislam, dentro do que a Constituição estabelece, fazem leis que são tão cogentes e tão respeitáveis como as leis que são feitas pela Assembleia da República e, neste ponto, não tenho qualquer dúvida.

O Sr. José Magalhães (PS): * Isso está aclarado desde 1976.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Por isso mesmo é que não vale a pena estar com esta questão.
É evidente que estes problemas surgiram a partir da altura em que alguns guardiães do templo, auto-proclamados, apareceram por aí nos jornais a dizer que tal e que sim, que o Partido Socialista estava a dar cabo de Portugal, porque admitia que houvesse pluralismo legislativo, como se não houvesse pluralismo legislativo até 1996, embora, evidentemente, dentro das tais limitações, mais graças à interpretação do Tribunal Constitucional, digamos assim, numa fase regressiva acentuada.
Portanto, não me preocupo com o poder legislativo, pois acho que isso é desejável. O Estado português, na organização que assume com a criação das regiões autónomas, na Constituição de 1976, admite esse pluralismo, enquadra-o plenamente, pelo que acho que estamos aqui a laborar numa falsa questão a propósito dela.
Por isso, manifesto-me a favor daquilo que foi acordado sobre essa matéria, entre os dois partidos, porque me parece que é dos tais assuntos que fazem parte do acordo político que o Partido Socialista propôs aos portugueses, concretamente aos cidadãos dos Açores e da Madeira, e, portanto, não creio que devamos daqui, pura e simplesmente, atirar pela borda fora.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, era o que queria dizer nessa intervenção, reservando-me para depois, noutras alturas, fazer outras observações sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Mota Amaral, eu inscrevi-me para lhe fazer uma pergunta no seguinte sentido: o Sr. Deputado Mota Amaral é alguém que todos conhecemos suficientemente como prezando o rigor intelectual. Portanto, gostaria que fosse com o máximo rigor e objectividade que pudéssemos abordar esta questão.
O Sr. Deputado Mota Amaral, nas suas considerações, interrogava-se sobre, afinal de contas, o que passará pela mente do Partido Socialista, que está em aparente dúvida, senão mesmo contradição, quando propôs no seu projecto originário que as leis gerais da República se classificassem como tal e, agora, que essa classificação surge no acordo PS/PSD, aparentemente quer regredir nesse propósito.
E se quer regredir, aparentemente, está a pôr em causa, designadamente o anúncio, feito pelo então candidato a Primeiro-Ministro, da intenção de reforçar a competência legislativa regional.
Sr. Deputado Mota Amaral, entendamo-nos: o projecto originário do PS tinha uma definição de leis gerais da República distinta, porque mais abrangente do que aquela que resultou do acordo PS/PSD.
Assim, no projecto originário do PS, leis gerais da República, inclusivamente, eram as de competência própria dos órgãos de soberania, sendo que, por outro lado, o PS só inibia a competência legislativa regional às matérias de reserva absoluta de competência da Assembleia da República e do Governo.
E, por esta via, o PS mostrou, inequivocamente, no seu projecto inicial que queria reforçar, efectivamente, a competência legislativa regional. Aliás, eu dir-lhe-ei que até sou tentado a considerar que essa solução poderia reforçar mais a competência legislativa regional, do que aquela que, em termos compromissórios, acabámos por encontrar no acordo PS/PSD.
Estou de acordo com Sr. Deputado Barbosa de Melo e estou de acordo com o Sr. Deputado Mota Amaral no ponto em que consideramos que a referência ao respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República é o grande adquirido neste processo de revisão relativamente à valorização da iniciativa legislativa regional.
No entanto, porque não enquadrámos as leis de competência reservada dos órgãos de soberania na definição de leis gerais da República, é agora que surge o problema novo relativamente à tal proposta originária do PS, porque ela já não tem o mesmo significado, ou seja, ela está num outro contexto e como tal pode permitir uma outra consequência jurídica.
Acontece que, para mim, Sr. Deputado Mota Amaral, a consequência jurídica pode ser prejudicial à iniciativa legislativa regional. Porquê? Porque, como esta manhã aleguei, o que pode acontecer numa situação em que, por exemplo, o Tribunal Constitucional se confronte com uma determinada lei da República que não venha expressamente qualificada como lei geral da República, mas que entenda que, pela sua natureza, deva ter aplicação a todo o território nacional, é que o Tribunal Constitucional, à luz do artigo 115.º, não está inibido de poder considerar que essa lei é, então, uma lei de competência própria dos órgãos de soberania.
E se o Tribunal Constitucional legitimamente fizer esta interpretação, coloca, então, as assembleias legislativas regionais na situação de nem sequer poder tomar iniciativa legislativa, porque aí lhe está vedada a iniciativa legislativa naquelas matérias que são de competência reservada dos órgãos de soberania.
Ora, o projecto inicial do PS também resolvia este problema, porque não inibia a iniciativa legislativa regional na área de reserva de competência própria dos órgãos de

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soberania, só na área de reserva exclusiva, e, portanto, colocava a área de competência própria, salvaguardando a área de competência exclusiva, no quadro das leis gerais, e não interditava, em consequência, a iniciativa legislativa regional.
Portanto, o que quis alertar os Srs. Deputados do PSD foi para o seguinte: nós votaremos a solução do acordo PS/PSD, mas, pelo menos, votaremos com a consciência de que ao termos esta definição de leis gerais da República descontextualizada da solução inicial que o PS propôs, a consequência final pode ser mais restritiva e não mais ampliativa dos poderes de iniciativa legislativa regional.
E é para este ponto que gostaria de pedir a consideração do Sr. Deputado Mota Amaral, a quem dou a palavra.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, quanto à sua pergunta apraz-me dizer-lhe que ela constitui mais um comentário às minhas observações e uma repetição dos argumentos que da parte do Partido Socialista a esse respeito têm sido aventados.
Em todo o caso, em termos de apresentação das soluções perante a população, perante a opinião pública, a verdade é que, desaparecendo esta restrição do "e assim o decretem", desaparece um dos grandes compromissos assumidos sobre essa matéria por parte do Partido Socialista, mas, em todo o caso, esta explicação devia ser dada pelo próprio PS e não pelas outras pessoas.
Quanto à substância das leis, quanto à questão das leis gerais da República e da forma como vão ser encaradas, em função desse novo articulado, julgo que há aqui dois requisitos para que a Assembleia da República, o requisito substancial, que é o de deverem ser pela sua natureza aplicadas a todo o território nacional e o outro é, de facto, um requisito formal que é o "e assim o declararem".
Mas, como já disse, ultrapasso o requisito formal, porque estou convencido que o requisito formal transformar-se-á numa questão de chancela e aparecerá, por sistema, em todas as normas.

O Sr. Presidente: * O futuro nos dirá. É caso para dizer: "nós avisámos!".
Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Deputado Mota Amaral, ouvi-o com muita atenção, e penso que em nenhuma das suas considerações esteve, nem de perto nem de longe, qualquer referência ao espírito com que fiz a minha intervenção, esta manhã, que foi a primeira que levantou, de facto, a questão da bondade da manutenção da expressão "e assim o decretem".
Quer pelas razões que já foram aqui abundantemente avançadas, nomeadamente pelo Presidente da Comissão, creio que está bem claro que a nossa principal preocupação é que a expressão "e assim o decretem" não venha a limitar, por um lado, a capacidade legislativa das regiões autónomas e, como eu também disse esta manhã, não venha, sobretudo, a criar um problema político, e nem sequer falo do problema jurídico subsequente às questões depois da constitucionalidade das leis serem dirimidas em sede de Tribunal Constitucional, da obrigação de o legislador nacional, seja governo, seja Assembleia da República, chancelar uma particular lei, porque já vimos que as leis gerais da República aparecem aqui só para categorizar leis em relação às regiões autónomas, o que me parece um erro que teria sido evitado, no caso da proposta inicial do PS ter sido acolhida na sua totalidade, porque essa sim, faria uma outra interpretação mais extensiva, englobando as leis que estão reservadas aos órgãos de soberania, e talvez - mas já não quero pronunciar-me sobre isso - as leis-quadro, as leis de base e outras que podem também ser consideradas lato sensu, leis gerais da República, sendo certo que o conceito de leis gerais da República só aparece por referência às regiões autónomas.
É esse, na minha perspectiva, o aspecto inquinado da expressão "leis gerais da República", porque leis gerais da República, em princípio, seriam elas todas desde que não se obrigasse o poder legislativo regional a ter que lhes obedecer, para além do cumprimento, que vai ficar consagrado, e ainda bem, que é o respeito pelos princípios fundamentais.
Penso que a grande aquisição deste artigo 115.º e depois do artigo 229.º é o poder que as regiões autónomas têm para legislar, não em conformidade com as leis gerais da República mas, sim, em conformidade com os princípios fundamentais das leis gerais da República.
Só queria que o Sr. Deputado Mota Amaral me respondesse se na sua intervenção houve, por acaso, alguma alusão à minha intervenção da parte da manhã.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Até citei a referência que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira fez ao trabalho do Dr. Álvaro Monjardino sobre as leis gerais da República e a vantagem da expressão "e assim o decretarem", que me parece ter sido, portanto, a fonte das propostas do PS.
De maneira que tive em conta, com certeza, a intenção do Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Mas conhece o Dr. Álvaro Monjardino e sabe como ele gostaria de ser a fonte de tudo…

Risos.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sim, sim!
Mas eu gostava de ir ao fundo da questão, dizendo que o problema político, a que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira aludiu, que criaria tensões e conflitos por causa de o decretarem ou não decretarem, este problema pode ser visto de duas maneiras: uma, na perspectiva do diálogo e da dialéctica com as regiões autónomas; outra, na perspectiva de certas mentalidades que se situam fora das regiões autónomas, que se estão a torcer todas ao pensar que, pelo menos em teoria, a Assembleia da República quando legislar pode fazer leis só para o Continente.
Esse é que é o grande tema. Aliás, creio que é isso que põe alguns em estado de choque, à beira de um ataque de nervos… Não há razão nenhuma para tal.

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O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Mas está de acordo que esta redacção não o impede?

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Precisamente por isso!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi para intervir, porque, de facto, no final da manhã e no princípio desta tarde ouvi coisas nas intervenções de alguns Srs. Deputados do PS, que, do meu ponto de vista, colocam-se na fronteira do não aceitável.
E convém, a bem da seriedade, que sei que o Sr. Presidente tem como função e como vontade imprimir a este debate, seriedade política, compreenda-se, convém, repito, e é bom que as pessoas assentem os pés no chão e se deixem de confabulações ou raciocínios sem qualquer fundamento na realidade das coisas.
Em primeiro lugar, Sr. Presidente, permita-me - e digo permita-me, porque diz respeito a uma intervenção sua, não na qualidade de presidente obviamente, mas na qualidade de Deputado - que esclareça, claramente, que não é verdade ser o conteúdo do projecto inicial do PS, relativamente à capacidade legislativa, reservado à reserva absoluta de competência.

O Sr. Presidente: * Exclusiva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A exclusiva é tanto no artigo 167.º, como no artigo 168.º. O texto da Constituição é claro na epígrafe quer do artigo 167.º, quer do artigo 168.º, dizendo que ambas as matérias que constam de cada um destes dois artigos são da exclusiva competência da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: * Certo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E, portanto, não existe essa mistificação.

O Sr. Presidente: * Não é aí que está a discordância, Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não existe essa mistificação que alguns Srs. Deputados socialistas quiseram lançar para a discussão de que o projecto inicial do Partido Socialista era mais amplo ou ia mais longe no alargamento da competência legislativa das regiões autónomas.
Isso é uma total mistificação e a verdade das coisas, quanto mais não fosse a realidade política, tem demonstrado à saciedade, nos últimos 4 ou 5 meses, a contradição total dessa afirmação com os factos.
O que se passa é que foram e são muitas as vozes, dentro do PS, que se levantaram e continuam a levar contra aquilo que entendem ser um inusitado alargamento das competências legislativas das regiões autónomas em sede desta revisão constitucional.
Agora, a questão mais grave, no meu entender, foi a colocada pelo Sr. Deputado Alberto Martins, que é, como todos reconhecemos, um Deputado não só jurista e parlamentar como também uma pessoa interessada e versada em matérias de natureza constitucional e, portanto, do meu ponto de vista, confesso, não consigo compreender a intervenção que o Sr. Deputado Alberto Martins fez, tentando largar para a acta a sua interpretação de que o acrescento, na parte final do n.º 4, do artigo 115.º, da expressão "e assim o decretem", era uma matéria que não teria qualquer tipo de densificação interpretativa por parte do Tribunal Constitucional.
Sr. Presidente, com toda a franqueza, relembro aos Srs. Deputados que já foi distribuída uma proposta apresentada pelo PS e PSD, que consta do acordo político entre os dois partidos, e que diz tão-só o seguinte: o disposto na parte final do artigo 115.º, n.º 4 - leia-se "e assim o decretem -, apenas se aplica às leis e decretos-leis aprovados após a entrada em vigor da presente lei.
Srs. Deputados, do meu ponto de vista, não pode, nunca, haver dúvidas sobre a necessidade de os tribunais, de todos os tribunais, como de todos os órgãos do Estado, conformarem a sua actuação com a Constituição e com a lei, mas, se alguma dúvida houvesse sobre o espírito político, porque foi ao nível do espírito político que a intervenção dos Srs. Deputados Alberto Martins, José Magalhães e outros do PS se colocaram, eu quero referir que o espírito político do acordo é este: o de que a alteração qualitativa e não redactorial, qualitativa, repito do artigo 115.º, n.º 4, não poderia pôr em causa, por razões evidentes para todos, a estabilidade da ordem jurídica em vigor até ao momento da entrada em aplicação do novo texto constitucional, sendo que esta norma transitória vem clarificar, se alguma dúvida houvesse, que houve e há a intenção clara de dar um conteúdo qualificado, útil, pragmático e constitucional ao acrescento "e assim o declarem" inserido no texto constitucional.
Portanto, não há nem pode haver qualquer tipo de dúvidas sobre esta matéria e todas e quaisquer considerações que os Srs. Deputados façam sobre esta matéria estão no plano da mistificação e eu sinto-me na obrigação, como o Sr. Presidente e todos os Srs. Deputados, penso eu, presentes nesta Comissão, de tratar estes assuntos sem mistificações e com a clareza que é necessária na abordagem destas matérias.
Seria de todo em todo incompreensível, repito, a interpretação que alguns Srs. Deputados do PS fazem sobre a expressão "e assim o declarem". Seria totalmente incompreensível a norma transitória que também está em discussão e que, obviamente, deve ser lida em conjunto com a alteração que é feita ao artigo 115.º, n.º 4.
Portanto, com toda a franqueza, Sr. Presidente, assisti com alguma estranheza, devo dizer - o Prof. Barbosa de Melo manifestou confusão, eu, como talvez não seja tão crente na falta de capacidade de discernimento político e jurídico de todos os Srs. Deputados que fazem parte desta Comissão, não foi com confusão mas, sim, com grande estranheza - a uma tentativa deste género que, do meu ponto de vista, mais não encerra do que uma tentativa clara de mistificar aquilo que é o acordo político fundamentado em textos, perfeitamente compromissórios para ambas as partes, pelo menos do PSD assim o entende para a sua parte, e se se começa a revelar, numa matéria fundamental

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e estruturalmente essencial para o acordo, como é a matéria das regiões autónomas, uma tentativa de mistificação por parte do PS relativamente ao texto e ao compromisso do acordo.
Então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela parte do PSD, começamos a pensar seriamente se há, de facto, vontade de cumprir e de honrar os compromissos assumidos, ou se, pura e simplesmente, se pretende, através de mistificações sucessivas, criar pretextos para se chegar à conclusão de que afinal não era bem isso que pretendíamos, afinal não era esse o acordo político a que nos tínhamos vinculado e, a ser assim, já não queremos a revisão constitucional, nos termos em que é negociado.
Sr. Presidente, não invoco, porque seria indelicadeza da minha parte, a sua qualidade pessoal de representante político do PS, em sede das negociações, mas apelo ao bom senso de todos os Srs. Deputados que, ao menos, olhando para a norma transitória, à falta de melhores argumentos que da parte da manhã tentámos aqui avançar e que os Srs. Deputados olimpicamente quiserem por bem ignorar, reflictam até que ponto é que, de facto, existe ou não, há ou não vontade política clara que emana do acordo entre o PSD e o PS relativamente à alteração do artigo 115.º, n.º 4, no sentido de o alterar qualitativamente acrescentando um novo requisito constitucional à qualificação de leis gerais da República.
Se assim não for, então, Srs. Deputados, o que é que esta norma transitória que temos à nossa frente?

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, também me inscrevo para lhe formular uma pergunta e para começar por uma consideração quanto ao final das suas palavras.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes não deverá pretender colocar em causa a boa fé negocial e a tradução em termos de boa fé do resultado das negociações...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto à negocial, nunca a pus em dúvida.

O Sr. Presidente: * ... quando deputados do PS e do PSD, algumas vezes, têm constatado a necessidade de integrar, melhorar, aperfeiçoar questões decorrentes do acordo ao nível das normas que dele recorreram.
Refiro, por exemplo, o artigo 229.º quando constatámos que, por lapso - e, da nossa parte, não atribuímos outro significado a essa circunstância - na alínea i) do artigo 229.º, em resultado do acordo, não se fazia menção expressa ao poder tributário próprio das regiões autónomas, que, aliás, já estava consagrado na Constituição, e agora, na proposta que formulámos em comum, estamos a introduzir a menção expressa ao poder tributário.
Ora, isto quer dizer que quando consideramos que há alguma possibilidade de aperfeiçoamento das disposições do acordo não hesitamos em o fazer, a benefício da sua concretização à luz do princípio da boa fé.
Pedi, portanto, que afastássemos essa questão da nossa reflexão e que fossemos à questão fundamental.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes estranhou que o Sr. Deputado Alberto Martins tivesse considerado redundante a circunstância da exigência de auto-classificação das leis gerais da República, mas o problema é que o Sr. Deputado Alberto Martins não deixará de ter alguma razão, pela circunstância que aqui invoquei: é que a fórmula inicial que o PS tinha apresentado aparece agora num contexto diverso, porque a definição, agora, de leis gerais da República, já não abrange as leis de reserva de competência própria dos órgãos de soberania.
Portanto, o problema que está posto e que tenho vindo a colocar na Comissão é o seguinte: se uma lei que, pela sua natureza, se deva aplicar a todo o território não se classificar como tal, impedirá isso o Tribunal Constitucional de vir a considerar que essa matéria, dado que, pela sua natureza se deva aplicar a todo o território, não aparecendo como lei geral da República, possa vir a ser enquadrada como lei de reserva de competência própria dos órgãos de soberania?
Penso, Srs. Deputados, que sem querer substituir-me àquilo que seja a interpretação futura do Tribunal Constitucional, nenhum de nós, em boa fé, poderá excluir que o Tribunal Constitucional possa ter essa interpretação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * São questões diferentes.

O Sr. Presidente: * Deixe-me concluir, Sr. Deputado Guilherme Silva. Ora, se o Tribunal Constitucional vier a fazer essa interpretação, a consequência será restritiva para a iniciativa legislativa regional. Porque é que é restritiva? Porque sabemos que as matérias de reserva de competência própria dos órgãos de soberania são uma zona de interdito à iniciativa legislativa regional.
Onde é que isto passa a ser diferente, por contraste face à fórmula inicial do PS? É que na fórmula inicial do PS as leis de competência própria dos órgãos de soberania eram subsumidas no conceito de leis gerais da República e, por essa razão, não havia a restrição à iniciativa legislativa regional, mesmo que a lei geral da República, como tal, não se decretasse.
Ora bem, a nossa observação, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é a seguinte: votaremos favoravelmente o acordo celebrado, tal como ele está celebrado, se os Srs. Deputados do PSD convierem que esta fórmula é a que consideram a mais adequada, mas de uma coisa não estamos livres: é que a consequência interpretativa desta fórmula tenha consequências mais restritivas e não ampliativas das prerrogativas de iniciativa legislativa regional.
Em boa fé e por causa disto estamos a colocar o problema aos Srs. Deputados do PSD que é o de poderem reflectir sobre se, justamente, num contexto diverso da definição inicial do PS do que eram leis gerais da República, na verdade, se justificará continuar a fazer em exigência da definição.
Se continuarem a ter essa exigência ela passará no processo de revisão constitucional, a consequência interpretativa dela, no Tribunal Constitucional, a seu tempo veremos qual seja e talvez poderemos, depois, aquilatar melhor se estas preocupações que hoje aqui estamos a expender tinham ou não inteiro fundamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Presidente colocou-me uma questão pontual e devo dizer-lhe que não posso, minimamente, concordar com aquilo que o Sr. Presidente acaba de dizer, porque, mais uma vez, a leitura evidente que o Partido Social Democrata, desde o início, faz do projecto inicial do Partido Socialista, não é essa que o Sr. Presidente acabou agora de expender.
Vejamos: o que o projecto inicial do Partido Socialista fazia era, pura e simplesmente, manter na alínea a) do artigo 229.º, a impossibilidade de as regiões autónomas legislarem em matéria da competência exclusiva dos órgãos de soberania, coisa que se mantém no actual texto, e acrescentava, no artigo 115.º, nas leis gerais da República, por inerência, as matérias de competência reservada.
Portanto, não há, Sr. Presidente, com toda a franqueza, alteração rigorosamente nenhuma, na interpretação do Partido Social Democrata, relativamente ao texto inicial do Partido Socialista e confesso, Sr. Presidente, há muito tempo, como sabe, que vimos falando sobre esta matéria, nomeadamente fora desta Comissão, em termos intelectuais, puramente, no sentido de aclararmos as posições mútuas, e a reflexão que, desde o início, o PSD tem feito esta matéria, é que o Sr. Presidente e os Srs. Deputados do Partido Socialista que têm defendido esta interpretação estão a ver mal o problema.
Esta é a nossa leitura desde o início. Não era essa - e isso é um dado objectivo, porque consta dos textos - a formulação, a pretensão inicial do Partido Socialista, que mantinha, na alínea a) do artigo 229.º, a interdição de as regiões autónomas legislarem em matéria de competência reservada dos órgãos de soberania…

O Sr. Presidente: * Competência exclusiva.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, que é toda ela toda ela, quer a absoluta, quer a relativa...

O Sr. Presidente: * É um conceito diferente de competência própria, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Oh, Sr. Presidente, é que o problema é exactamente esse. É que o texto constitucional tem um significado próprio e se o Sr. Presidente vir o que é que está escrito nos artigos 167.º e 168.º, verificará que ambos começam por "é da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República…". Portanto, competência exclusiva em matéria legislativa é quer a absoluta, quer a relativa.

O Sr. Presidente: - Claro!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não existe essa distinção, que erradamente já foi atirada aqui várias vezes para a mesa de que o Partido Socialista inicialmente apenas pretendeu no seu texto restringir a capacidade legislativa das regiões autónomas às matérias que não sejam da reserva absoluta de competência dos órgãos soberania.

O Sr. Presidente: * Não é esse o problema, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, o PSD sempre divergiu nessa questão...

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, consente-me uma interrupção?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, de facto, estamos a lavrar num equívoco, pois não é essa a questão; não estamos a pôr em dúvida que as matérias de reserva absoluta e de reserva relativa sejam matérias de competência exclusiva e essas, efectivamente, o Partido Socialista, no seu projecto inicial, limitava à iniciativa legislativa regional.
Só que, para além destas matérias é jurisprudência hoje do Tribunal Constitucional, outras há que são consideradas de competência própria, designadamente da Assembleia da República, porque o podem ser dos órgãos de soberania, sem estarem expressamente vertidas nos artigos 167.º e 168.º.
Aqui é que está o problema, é que nessas matérias de competência própria, para além da competência exclusiva, o Partido Socialista não fazia na sua proposta inicial limitação à iniciativa legislativa regional.
Agora, ao exigirmos a autoclassificação das leis gerais da República, se ela não ocorrer, o Tribunal Constitucional pode ficar colocado na seguinte situação: o que fazemos destas leis se elas, pela sua natureza, todavia, se devam aplicar a todo o território nacional? E como no n.º 3, do artigo 115.º, continuará a haver uma norma que prescreve que as leis de competência própria, que não só as de competência exclusiva, são um interdito à iniciativa legislativa regional, se o Tribunal Constitucional considerar que essas matérias de competência própria, para além das de competência exclusiva, devam estar no domínio dos órgãos de soberania, criam um interdito à iniciativa legislativa regional, ao abrigo do n.º 3 do artigo 115.º, em que não tocamos neste ponto.
Ora, aqui está a tal consequência restritiva para a qual tenho vindo a chamar a atenção dos Srs. Deputados e que nada tem que ver com a distinção entre matérias de reserva relativa e de reserva absoluta de competência do Parlamento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Feita a interrupção, Sr. Presidente, eu concluía dizendo: Sr. Presidente, tem tudo a ver, porque essa tese é a tal tese que há pouco veementemente repudiei em nome do PSD, que é a tese perfeitamente, do meu ponto de vista, peregrina, em termos daquela que é a realidade política do acordo entre o PS e o PSD, de que o acrescento, que não é um acrescento alternativo é um acrescento cumulativo "e assim o decretem", é um acrescento que qualitativamente acrescentou, porque foi esse o objectivo político manifesto e que resulta claríssimo e torna impossível qualquer leitura de um tribunal, a não ser que os tribunais deixem de estar vinculados ao respeito da Constituição da República, de que tenha sido uma mera correcção redactorial.
O legislador constituinte, ou seja, mais de dois terços do legislador constituinte, até ao momento, pode ser que

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o PP e o PCP acabem também por aderir a esta solução, dão, manifestamente, nesta revisão constitucional, a indicação, complementada com a norma transitória, que mais não é, repito, mais não é, do que a cautela para assegurar que a alteração qualitativa do artigo 115.º não prejudica a estabilidade da ordem jurídica que está actualmente em vigor, indicação de que - e todos sabemos que o Tribunal Constitucional, como todos os órgãos do Estado, estão obrigados a respeitar a Constituição - a partir desta alteração terão que passar, na apreciação que fazem das leis gerais da República, a verificar a ocorrência dos dois requisitos, que passam a existir, e não só um como actualmente, e que não são em alternativa mas, sim, cumulativamente exigíveis. Aliás, por isso, é que a norma transitória diz que o segundo requisito que é cumulativamente exigível, só é cumulativamente exigível para a frente, porque para trás, como o legislador anterior não tinha consciência dessa necessidade cumulativa do segundo requisito, não o podia ter praticado, portanto, a estabilidade das leis anteriores não pode ser posta em causa.
Mas para a frente é totalmente inequívoco, para nós, porque acreditamos no nosso Estado de direito e que os tribunais em Portugal, como todos os outros órgãos do Estado, respeitam a Constituição e a lei, que passará a ter que haver sempre da parte do Tribunal Constitucional, numa eventual verificação ou fiscalização de constitucionalidade em torno desta matéria, a análise da ocorrência cumulativa dos dois requisitos, porque esse é, inequivocamente, o resultado desta revisão constitucional no que concerne a esta matéria.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, tenho ouvido com alguma estranheza e algum espanto uma argumentação do Partido Socialista, designadamente do Sr. Presidente, que é paradoxal.
V. Ex.ª tem insistido na ideia, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de rebatê-la, de que o projecto originário do PS era, tendencialmente, mais ampliativo das competências das assembleias legislativas regionais, que o é a solução encontrada no âmbito do acordo.
O mesmo é dizer, e é essa a ideia subjacente, que, pela mão do PSD, ter-se-á ficado mais aquém, uma vez que a proposta originária do PS era mais ampla e que bastava o Partido Social Democrata ter dito que sim para termos ficado com uma solução melhor.
Ora, é preciso que se saiba que isto não é verdade. É preciso que se saiba que isto é falso. Aliás, quero dizer que o projecto originário do Partido Socialista, nesta matéria, era uma espécie de publicidade enganosa, porque começava, no artigo 229.º, em que na redacção actual refere quer as assembleias legislativas regionais tinham de legislar, com respeito pela Constituição e pelas leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência dos órgãos próprios de soberania, V. Ex.ª substituíam esta alínea por uma fórmula, mantendo este n.º 1, que acabei de ler, dizia: "legislar com respeito pela Constituição em matérias de interesse específico para as regiões que não sejam da competência exclusiva da Assembleia da República ou do governo".
Se pensássemos em termos imediatos do que era competência exclusiva, no texto actual da Constituição, poderíamos ficar com a ideia, em relação à Assembleia da República, que se estava a querer referir à competência de reserva absoluta. Ora, já se viu que os artigos 167.º e 168.º falam ambos em competência exclusiva, quer quando se trata da reserva absoluta, quer quando se trata da reserva relativa.
Por outro lado, também sabemos que é princípio da competência exclusiva do Governo aquela que diz respeito à sua auto-organização, o que significava que, nada mais, no âmbito das competências do governo da República, teoricamente e face a esta disposição, parecia, efectivamente, que estávamos com uma ampliação bastante significativa dos poderes das assembleias legislativas regionais.
Só que lá atrás, no artigo 115.º, a par disto, V. Ex.as mantinham a segunda limitação, referindo-se "às leis gerais da República". Está lá. Mantinham e mantêm no vosso projecto originário a referência às leis gerais da República.
Portanto, a tal publicidade enganosa, que parecia advir do artigo 229.º, que, aparentemente, não falava mais em leis gerais da República, ela estava ressalvada no artigo 115.º.
Mas não fica por aqui a ilusão desta proposta: no artigo 230.º, e já não era apenas as questões que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco falava da redacção dos actuais artigos 167.º e 168.º, V. Ex.as propõem um elenco muitíssimo amplo de competências exclusivas, que constavam dos artigos 167.º, 168.º, 201.º, 272.º, e mais ainda um elenco vasto de matérias que dava, pelo conjunto de alíneas, da a) à l), ou seja, a tal aparência de ampliação dos poderes das assembleias legislativas regionais levava dois golpes.
O primeiro golpe é que retomavam a referência às leis gerais da República, e o segundo é que aquilo que era definido como competência exclusiva dos órgãos de soberania era largamente ampliado por via do artigo 230.º, que é um pouco o sistema do artigo 147.º da Constituição espanhola, mas não associado a outros normativos que reforçam os poderes legislativos, em termos das comunidades autónomas em Espanha. É o mal de se fazer adaptações parciais e não, já que se faz, já que se vai ao Direito comparado, fazer transplantes mais completos, digamos.
Portanto, fica aqui mais do que demonstrado que, efectivamente, esta proposta originária do Partido Socialista é, a todos os títulos, bastante mais restritiva dos poderes das assembleias legislativas regionais que a solução acertada no acordo PS/PSD.
Mas a demonstração que assim é está até na argumentação que V. Ex.as desenvolvem, porque se fosse mais ampla, então, não fazia sentido que V. Ex.as estejam quase todos em coro a ditar para a acta interpretações restritivas do acordo PS/PSD.
A leitura que fazem da formulação dada ao conceito de leis gerais da República, as interpretações que preconizam, que devem ser seguidas pelo Tribunal Constitucional, então não se percebiam, porque V. Ex.as se sentiam derrotados, por não terem mantido a vossa versão originária mais

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ampla, mais reforçante dos poderes legislativos da assembleia regional e se este texto contraria esse vosso ímpeto autonómico de última hora, então, ao menos, tentassem recuperá-lo numa interpretação mais ampliativa do acordo e não mais restritiva.
Alguma coisa está mal e quando se corre de uma maneira que não é correcta, é-se facilmente apanhável.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Guilherme Silva. As inscrições estão encerradas.
Vamos passar agora a uma fase deliberativa.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, eu estava inscrito para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, houve um momento, ao longo do debate, que depois do Sr. Deputado Alberto Martins ter feito a sua intervenção, o Sr. Deputado quis fazer-lhe uma pergunta antes de tempo e eu não lhe pude dar a palavra.
Poderei dar-lhe agora a palavra para uma intervenção autónoma, se fizer isso só.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sr. Presidente, peço muita desculpa, mas isso não pode ficar assim.
Fiz sinal ao Sr. Presidente, assim que o Sr. Deputado Alberto Martins acabou de usar da palavra, para lhe fazer uma pergunta.

O Sr. Presidente: * Quer usar da palavra para uma intervenção, para não perdermos mais tempo, Sr. Deputado Carlos Encarnação?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Quero usar da palavra para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Alberto Martins - aliás, tinha-o dito ao Sr. Presidente isso, mas o Sr. Presidente disse-me que havia intervenções repescadas da manhã...

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Carlos Encarnação, dou-lhe a palavra para uma intervenção, à qual dará a orientação que entender.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Muito bem, mas não quero deixar de protestar em relação àquilo que aconteceu, Sr. Presidente, que não é curial.
O que quero dizer ao Sr. Deputado Alberto Martins é o seguinte: assistimos, hoje de manhã, e assistimos na intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, a duas interpretações curiosas.
É certo que aguardávamos, ainda com alguma expectativa, a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, neste debate e nesta matéria, porque noutra sede que não esta, o Sr. Deputado Alberto Martins tinha expendido considerações que, no fundo, eram antinómicas em relação ao resultado do acordo.
Na verdade ao que assistimos nesta sessão foi ao seguinte: o Sr. Deputado José Magalhães disse, como síntese da sua posição, na sua declaração desta manhã, que, afinal, o PS acordou nisto mas quis outra coisa.

O Sr. José Magalhães (PS): * Não, não foi nada disso que eu disse.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * E o Sr. Deputado Alberto Martins disse a seguir: é verdade, eu pensei que, se calhar, tínhamos ido longe de mais no acordo entre o PS e o PSD, mas enganei-me, porque a intenção do Partido Socialista era outra, era mais forte e é mais forte do que o texto escrito do acordo.

O Sr. José Magalhães (PS): * Duas más interpretações de seguida.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * E entendi que esta declaração do Sr. Deputado Alberto Martins era, na fase inicial, apenas, uma espécie de conforto íntimo e avaliei-a apenas nessa medida, porque todos os argumentos que foram utilizados, e não vou outra vez suspender considerações acerca disso - aliás, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes teceu um conjunto de argumentos que foram os mais fortes e que foram bebidos, digamos, das palavras do Sr. Deputado Alberto Martins, maxime a disposição transitória, que ele próprio utilizou contra si, do meu ponto de vista.
Mas depois de tudo isso, na verdade, o Sr. Deputado Alberto Martins ficou numa posição difícil. Porquê? Porque fez com que vários dos deputados do PS fizessem qualquer coisa muito difícil de fazer.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Piruetas!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Exactamente!
São exercícios à volta de um texto escrito, tentando fazer com que esse texto representasse exactamente o contrário daquilo que ele diz.
No fundo, o que queria do Sr. Deputado Alberto Martins, primeiro, era perguntar-lhe o seguinte: depois de tudo quanto disse acha ou não que esta nova fórmula representa uma ampliação da capacidade legislativa do poder legislativo das regiões autónomas?
Segunda questão: acha ou não que estamos aqui confrontados com uma reserva mental, da parte do PS, em relação à observância do acordo, ou se aquilo que aqui foi dito foi apenas para o convencer a si da bondade dos argumentos, teoricamente, esgrimidos pelo PS? Isto é, se se trata de uma questão substancial, que se transporta para a não verificação do acordo - e que as pessoas têm vergonha em dizer -, ou se é apenas uma questão interna, sua, com o PS, em relação ao seu próprio convencimento da bondade do acordo?

O Sr. Presidente: * Já se percebe que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não resistia a ter que fazer esta intervenção esta tarde.
Sr. Deputado Alberto Martins, só posso dar-lhe a palavra a título de pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Alberto Martins (PS): * Agradeço, Sr. Presidente, e farei um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado

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Carlos Encarnação, começando já pelo seguinte: gostaria que o Sr. Deputado Carlos Encarnação me esclarecesse se me quis fazer a mim uma pergunta ou ao Sr. Deputado Barbosa de Melo, porque fiquei, francamente, com essa dúvida no que respeita ao artigo 115.º, quanto ao facto de a expressão "assim o decretem" estar a mais.
Portanto, esta é a minha dúvida: a quem é que queria fazer a pergunta?
A segunda questão tem a ver com o acordo de revisão constitucional. Disse várias vezes, é público, que os acordos de revisão constitucional e este acordo é para se cumprir e, pela minha parte, sempre manifestei disponibilidade, concordância e empenho em cumprir este acordo, muito embora tivesse, por razões políticas, manifestado a minha discordância e distância face ao mesmo, mas acho que as pessoas de boa fé, de carácter e de recta intenção no plano político cumprem aquilo que acordam quando o fazem de forma representativa, como foi feito.
Ora, isto não significa, daí eu ter apresentado num ou noutro ponto, propostas que, em meu juízo, correspondendo aos valores e aos princípios do acordo, melhor o cumpriam, ou melhor o executavam.
Agora, a questão que aqui está colocada é a seguinte: entendo que neste ponto o carácter e a amplitude deste acordo e a sua matriz quanto às competências das autonomias regionais é lhe dada particularmente pelos artigos 229.º e 230.º, com os quais concordo - e, aliás, concordo mais com a ideia da teoria do subsidiário no sentido de referir-se às competências legislativas autonómicas.
Portanto, nesse sentido, a minha interpretação é de equilíbrio entre as competências da República e as competências autonómicas, daí o facto de eu pensar que a expressão "e assim o decretam" é excedente, é redundante, uma vez que o decreto não é tabelar, não é por chancela, não é "à Macau", mas é um decreto em termos substantivos que pode ser implícito e pode não estar lá dito, mas estar lá substancializado.
Esta é, pois, a minha interpretação.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Muito rapidamente, Sr. Presidente, para dizer que fiz a pergunta de propósito ao Sr. Deputado Alberto Martins e não fiquei com qualquer problema em relação à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que, aliás, interveio a título pessoal, expressou um problema que lhe ia na alma, expressou ainda mais um problema que lhe ia na alma em função do PS e da confusão que grassava, principalmente depois da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, o que é compreensível, pois qualquer pessoa ficava, de facto, ligeiramente baralhado depois da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, quando ele tentou dizer aquilo que, na verdade, não constava no texto escrito e quanto tentou caminhar por caminhos absolutamente impeditivos em relação à interpretação do texto que acabou de ser objecto de acordo entre o PS e o PSD.
Mas em relação a si, Sr. Deputado Alberto Martins, a questão fundamental que coloco ...

O Sr. Alberto Martins (PS): * Responda ao Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * Sim, com certeza.
A questão fundamental que lhe coloco é esta ...

O Sr. José Magalhães (PS): * Com certeza e muda de tema!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): * ... se o Sr. Deputado José Magalhães me permitir.
A questão que o Sr. Deputado Alberto Martins colocou aqui ou a forma como colocou a questão foi esta: eu vou dizer que, no fundo, acompanho este acordo, mas vou dizer que aquilo que é objectivo político do acordo é esvaziado de sentido. Esta foi a melhor forma que o Sr. Deputado Alberto Martins entendeu dever utilizar para dar guarida ao cumprimento do acordo.
Bom, mais valia que tivesse dito frontalmente que não concordava com ele e, assim, toda a gente perceberia e até o Sr. Deputado Barbosa de Melo ficaria mais contente, com certeza, com isso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Mas compreende-se a dificuldade interna do partido.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar às votações, começando pela proposta relativa ao artigo 229.º, alíneas a), b) e c), apresentada pelo PS e PSD.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, há bocado coloquei a questão de haver aqui um conjunto de problemas que não podem ser vistos em separado, designadamente o do elenco das matérias que, pela sua própria natureza, são consideradas como sendo, em princípio, da competência das regiões autónomas, bem como a enumeração das matérias que devem ser tidas como sendo da competência dos órgãos da República.
Julgo que este facto é absolutamente indispensável para poder apreciar questões como, por exemplo, a da substituição do princípio do respeito pelas leis gerais da República pelo princípio do respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República.
Assim, reitero o apelo que há pouco fiz no sentido de que estas disposições fossem distribuídas a fim de permitir formular uma opinião coerente sobre esta matéria.
E queria chamar a atenção o seguinte: o carácter indissociável do triângulo constituído pela cláusula geral para enumeração das matérias da competência reservada dos órgãos da República e a enumeração das matérias que, em princípio, são da competência legislativa regional é algo que, como disse, já levantei na primeira leitura como sendo parte de um triângulo que não pode ser visto em separado e, naturalmente, que como se calcula uma coisa é em substituição da referência pelo respeito das leis gerais da República pela respeito princípios…

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O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Luís Sá, em síntese, apelou a que fosse dado conhecimento das matérias que viessem a poder ser elencadas na Constituição no que diz respeito à concretização do interesse específico regional.
Perguntou, então, aos Srs. Deputados do PS e do PSD se querem sugerir alguma coisa nesse ponto?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, nessa matéria, o acordo político de revisão constitucional levou a uma opção por uma definição material de um elenco de matérias consideradas como de interesse específico.
É um elenco que vai de uma alínea a) à alínea o) no qual se pretende incluir temas como a valorização de recursos humanos e qualidade de vida, o património e criação cultural regional, a defesa do ambiente e equilíbrio ecológico, a protecção da natureza e dos recursos naturais e da sanidade pública, animal e vegetal, o desenvolvimento agrícola e piscícola, os recursos hídricos, minerais e termais e energia de produção local, a utilização de solos, habitação, urbanismo e ordenamento do território, vias de circulação, trânsito e transportes terrestres, infra-estruturas e transportes marítimos e aéreos entre as ilhas, desenvolvimento comercial e industrial, turismo, folclore e artesanato, desporto, organização da administração regional e dos serviços nelas inseridos e houve o cuidado de sublinhar que estas matérias, ou esta definição deste bloco de matérias não esgota o conjunto de matérias que podem ser de interesse específico, porque pode abranger outras matérias que respeitem exclusivamente à respectiva região ou que nela assumam particular configuração.
Numa das versões do articulado que dá expressão a este conjunto de ideias, há uma dupla remissão, ou seja, uma dupla exemplificação, a qual pode originar um equívoco de interpretação, se se entendesse, ou se alguém entendesse, que, para efeitos do disposto nestes artigos, fosse matéria de interesse específico das regiões autónomas outras matérias que respeitem inclusivamente à respectiva região ou que nelas assumam particular configuração e outras ainda, então o "designadamente" poderia ter um efeito perverso, significando que podem ser matérias de interesse específico as que respeitem exclusivamente à respectivamente região e nela assumam particular configuração e outras quaisquer que não digam respeito exclusivamente à respectiva região, nem nela assumam particular configuração, sendo, portanto, a remissão no limite, eliminadora, do conceito de interesse específico.
Seria uma interpretação francamente abusiva, mas que gostaríamos de acautelar.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado José Magalhães, peço desculpa pelo seguinte: o Sr. Deputado Luís Sá fez uma interpelação para procurar conhecer se havia e havendo, com que configuração material se apresentava a definição de matérias que consubstanciassem, ainda que a título indicativo, o interesse específico regional.
No entanto, o Sr. Deputado José Magalhães acrescentou algum aspecto que está deslocado do debate, neste momento, ou melhor, que está deslocado neste momento em apreciação, porque neste momento não estamos a debater e vamos votar.
Respondia à interpelação feita pelo Sr. Deputado Luís Sá, mas neste momento, temos efectivamente que deliberar.
Srs. Deputados, vamos, então, começar por votar a proposta relativa ao artigo 229.º, n.º 1 alíneas a) b) e c), relembrando que na alínea c) há que integrar a referência ao n.º 1 do artigo 168.º, referência esta que, por lapso, estava incompleta.
Por outro lado, a referência às várias alíneas que aqui estão estabelecidas, deve obviamente ser entendida às alíneas na versão actual da Constituição, porque elas terão que ser readaptadas à luz das modificações que, entretanto, ocorreram, no artigo 168.º.
Portanto, com estas observações, Srs. Deputados, vamos passar à votação.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, a proposta pode ser votada alínea a alínea, ou terá que ser votada em bloco?

O Sr. Presidente: * Estava a propor a votação em bloco, mas se o Sr. Deputado requerer a votação alínea a alínea...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Então, proponho que se faça a votação alínea a alínea; Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Então, assim procederemos.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta relativa à alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor PS e do PSD, votos contra do PCP e do CDS-PP.

É a seguinte:

a) Legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matéria de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta para a alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP.

É a seguinte:

b) Legislar, sob autorização da Assembleia da República, em matérias de interesse específico para as regiões, que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;

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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta para a alínea c) do n.º 1 do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

É a seguinte:

c) Desenvolver, em função do interesse específico das regiões, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República bem como as previstas nas alíneas f), g), h), n), v) e x) do n.º 1 do artigo 168.º.

O Sr. Presidente: * Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, o voto contra a alínea a) deste artigo 229.º tem como base, no fundamental, a seguinte ideia: substituir o respeito pelas leis da República pelo respeito, apenas, pelos princípios fundamentais das leis gerais da República é algo que pode fazer sentido num quadro em que a dimensão dos poderes legislativos das regiões autónomas estejam completamente clarificadas e que esteja na posse de todos os Deputados, aquilo que não foi efectivamente aqui garantido, ou seja, por um lado, a enumeração taxativa das matérias da competência das regiões autónomas, ou a enumeração exemplificativa, e, por outro lado, a enumeração das competências dos órgãos da República, de modo a assegurar que se ponham termo às dúvidas existentes nesta matéria.
Por outro lado, o facto de o artigo 115.º, n.º 4, não dar origem a equívocos, como aqueles que estiveram aqui em debate, ao longo de todo o dia, seria também vantajoso, no sentido de que se pudesse aprovar uma alteração deste tipo, sem que isso possa representar novos problemas, designadamente no sentido do respeito pelo mínimo de intervenção dos órgãos de soberania e dos órgãos da República nesta matéria.
Como já demonstrámos claramente, queremos clarificar a competência legislativa das regiões autónomas, queremos reforçar essa competência, mas isso não significa, de forma alguma, dar lugar a novos equívocos nesta matéria que substituirão aqueles que até ao momento existiram mas que não deixarão de ser novos equívocos.
O esforço, neste plano, deveria ser um esforço de consenso, um esforço de tornar o sistema, sem dúvida nenhuma, complexo, em todo o caso, extremamente claro, mas não é isto que está efectivamente a ser feito.
O facto de os partidos proponentes do acordo, PS e PSD, não terem apresentado aqui, em tempo útil para apreciação desta proposta, a totalidade do acordo, naturalmente, dificulta a intervenção dos outros partidos nesta matéria.
Creio que isso justifica, neste plano, um reparo: foi feita, repetidas vezes, na revisão constitucional de 1989, a observação de que as propostas deveriam ser antecipadamente distribuídas a todos os grupos parlamentares, designadamente na reunião anterior àquela em que eram debatidas, para permitir a ponderação suficiente.
Neste plano, estivemos aqui a discutir a alínea a) do artigo 229.º em particular, não dispondo do conhecimento da totalidade do sistema, o que é um grave desrespeito para com os partidos que não subscreveram o acordo.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Sá.
Sr. Deputado Luís Sá, dirijo-me novamente a si para lhe perguntar o seguinte: há uma proposta de alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, constante do projecto originário do PCP, pelo que lhe pergunto se quer submetê-la à votação ou se a considera prejudicada pela votação que acabou de ter lugar?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, essa proposta está prejudicada, apenas no sentido de que a proposta que foi aprovada se debruça sobre a mesma matéria em sentido não todo coincidente.
De resto, esta proposta PCP tem que ser lida em conjunto com a proposta que já foi apresentada em relação ao artigo 229.º de uma enumeração exemplificativa de matérias que são da competência legislativa das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Sá.
Coloco a mesma questão ao CDS-PP.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, a nossa proposta está prejudicada.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, poderíamos considerar prejudicada toda a vossa proposta para o artigo 229.º?

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, porque tínhamos colocado em debate simultâneo a matéria relativa ao artigo 115.º, que tinha conexão com as deliberações neste ponto sobre o artigo 229.º, estamos em condições de apreciar a proposta que se reporta aos n.os 3, 4 e 8 ao artigo 115.º, apresentada pelo PS e PSD.
Pergunto aos Srs. Deputados se pretendem que esta proposta seja votada em bloco, ou se alguém requer a votação de cada número em separado?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma interpelação?

O Sr. Presidente: * Sim, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, parece-me manifesto que as questões que aqui foram discutidas respeitam à competência das regiões autónomas e que o n.º 8 do artigo 115.º tem uma natureza completamente diferente e ainda não foi aqui debatida.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para interpelar a mesa.

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O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a matéria que foi aludida, porque é um limite que salvaguarda a competência dos órgãos de soberania em matéria de transposição de directivas comunitárias, estabelece uma reserva a favor da República, em matéria de transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna, sem prejuízo, obviamente, do poder regulamentar, mas esse, obviamente, não precisa de ser reproclamado, porque já decorre do texto constitucional que, nessa matéria, não sofre nenhuma alteração negativa ou redutora.

O Sr. Presidente: * Tem o Sr. Deputado José Magalhães razão. Estou disponível para aceitar votar em separado os números, ou votá-los em bloco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, com toda a franqueza, acho que estamos a perder tempo, porque creio que devemos votar os n.os 3 e 4 e, seguidamente, discutir o resto do artigo 115.º, que como o Sr. Presidente sabe não foi discutido, embora o PSD, na altura, tenha chamado a atenção, referindo que só os n.os 3 e 4 é que tinham que ver com as regiões autónomas, não se tendo discutido nada do restante artigo 115.º, que tem que ser votado e quanto mais depressa melhor.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não é por acaso que o senhor é subscritor da proposta e que fez incluir, neste exacto momento, o n.º 8, certamente porque não deixou de ter consciência de que o n.º 8 também se reportava a regras de delimitação de competência entre os órgãos da República e os órgãos de governo regional.
Agora, se o Sr. Deputado pede o adiamento da votação do n.º 8 do artigo 115.º, tudo bem, pedirá…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não peço adiamento da votação, mas peço que se vote os n.os 3 e 4 e, seguidamente, votaremos o resto do artigo 115.º.

O Sr. Presidente: * Não. É que não temos que esgotar o artigo 115.º agora.
Portanto, o que estou a perguntar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes é se à luz do que estou a dizer, o Sr. Deputado pede ou não o adiamento da votação do n.º 8?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não estou a pedir o adiamento.

O Sr. Presidente: * Então, votaremos em bloco os n.os 3 e 4 do artigo 115.º, na proposta apresentada pelo PS e pelo PSD, e depois, votaremos o n.º 8.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP e do PCP.

É a seguinte:

3 - Os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º.

4 - São leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos, agora, votar o n.º 8 ...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: * Neste momento, Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, é que a matéria constante do n.º 8 é completamente diferente, e não tem qualquer nexo com esta a não ser estar no mesmo artigo, como é evidente.

O Sr. Presidente: * Então, Sr. Deputado, dou-lhe a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto contra do PCP a respeito do n.º 3 tem a mesma razão que já foi enunciada anteriormente.
Não compreendemos que se passe a dispor que os decretos legislativos regionais apenas têm que respeitar os princípios fundamentais das leis gerais da República e não as leis gerais da República, com os elementos de menos clareza que pode trazer esta alteração, sem dispor da totalidade do quadro, da totalidade do sistema que vai ser criado nesta matéria.
O problema é basicamente o mesmo e há as mesmas razões para votar contra com uma razão fundamental que é a de não ter sido posto a debate, nem ter sido fornecido aos outros partidos, os elementos que permitam apreciar a totalidade do sistema que vai ser criado.
Quanto ao n.º 4 entendemos que o debate aqui travado é altamente esclarecedor no seguinte sentido: julgamos que haveria todas as condições para sair desta revisão constitucional um sistema que reforçasse a competência legislativa, que fosse completamente claro e que desse margem a uma zona de controvérsia bastante restrita.
Como vimos não é assim e a própria controvérsia começou aqui mesmo à volta desta mesa com leituras diferentes sobre esta disposição, mesmo entre os dois partidos que subscreveram o acordo, por vezes, em termos de alguma acidez.
Ora, isto significa que das duas uma: ou este acrescento tem um significado e, então, o significado é mau e é o de que as leis gerais da República são, em princípio, leis para o Continente a não ser quando decretem expressamente o contrário, o que aparece afastado por algumas interpretações, mas depois veremos qual é a interpretação dominante.

O Sr. José Magalhães (PS): * É exactamente ao contrário.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Ou, então, é o contrário, mas fica por responder a questão que foi aqui claramente colocada.
Se se trata do contrário, qual é a vantagem nesta introdução? Isto é, ou não há qualquer vantagem ou, então, há um elemento de confusão e de perplexidade que, de todo em todo, deveria ser afastado.
Seja como for, este é um dos momentos em que não apenas do ponto de vista técnico existe uma infelicidade política muito grande do acordo.
O que é verdade é que não foi respondida, designadamente pelos elementos do PS, que manifestaram dúvidas em relação a esta formulação, uma pergunta fundamental, que é: se a interpretação é essa, então que vantagem há neste acrescento?
Esta pergunta fica em aberto, fica aqui uma margem muito grande para controvérsia jurisdicional, doutrinal, enfim, e, em vez da via da transparência da clareza, fica a via da confusão.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, a não ser que faça questão, tal como o Sr. Deputado Luís Sá, de fazer já a sua declaração de voto, recordo que, para além do n.º 8 temos ainda que votar uma norma transitória sobre o artigo 115.º, com implicação na votação do n.º 4, também para votar.
Assim, o meu apelo era que fizesse a declaração de voto no final do processo de votação.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação da proposta para o n.º 8 (novo) do artigo 115.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

É a seguinte:

8 - A transposição de directivas comunitárias para a ordem jurídica interna assume a forma de lei ou de decreto-lei conforme os casos.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, posso prestar uma declaração de voto?

O Sr. Presidente: * Faço-lhe o mesmo apelo que fiz ao Sr. Deputado Guilherme Silva para votarmos a norma transitória e depois terão lugar as declarações de voto.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, propunha que as declarações de voto para o n.º 8 fossem produzidas imediatamente, porque a norma transitória nada tem nada a ver com o n.º 8 - aliás, devia ter sido votada antes do n.º 8.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, o critério para dirigir os trabalhos ainda é meu.
Fiz um apelo a alguns dos Srs. Deputados que o aceitaram.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Apenas fiz uma proposta.

O Sr. Presidente: * Como os Deputados aceitaram o meu apelo, a sua proposta, peço desculpa, neste momento, é um pouco desnecessária, extemporânea.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta relativa à norma transitória, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do CDS-PP e do PCP.

É a seguinte:

O disposto na parte final do artigo 115.º, n.º 4, apenas se aplica às leis e decretos-leis aprovados após a entrada em vigor da presente lei.

O Sr. Presidente: * Pediram a palavra para declarações de voto os Srs. Deputados Guilherme Silva e Medeiros Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, naturalmente que a minha declaração de voto abrange tanto o artigo 115.º, como a parte que já votámos do artigo 229.º dada a sua conexão. Foi, aliás, essa conexão que determinou que a discussão do artigo 115.º ficasse suspensa para ser agora apreciada em conjunto com as alíneas iniciais do artigo 229.º.
Queria, antes de mais, lembrar que, por feliz coincidência, embora me tenha impedido de deslocar à Região Autónoma da Madeira, comemora-se hoje naquela região autónoma o dia da região, que é o mesmo que dizer o dia da autonomia.
Embora lamente não poder ter lá estado, ao mesmo tempo, sinto alguma satisfação de poder associar à comemoração desse dia o resultado deste trabalho na revisão constitucional, que acaba de consagrar a aprovação destas posições que é, realmente, a melhor homenagem que se pode fazer à região e à autonomia, reforçando os poderes legislativos da assembleia legislativa regional.
E queria dizer que passou por todos os grupos parlamentares aqui presentes e pelas várias intervenções dos Deputados destes vários grupos parlamentares, uma vontade, um denominador comum, que me parece importante para a futura interpretação destes dispositivos, que é a afirmação inequívoca de todos, repito, de que estavam de acordo, que entendem que estas disposições têm por fim reforçar, ampliar, as competências legislativas da assembleia legislativa regional.

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E posto que está este denominador comum, parece que esta será a luz mais importante para as várias controvérsias que possa haver na interpretação desta ou daquela expressão, desta ou daquela alínea, deste ou daquele parágrafo. É esta luz que todos nós, pela expressão da representação política que temos, veiculámos, sem hesitação, para a acta e, portanto, estou tranquilo relativamente às interpretações, designadamente jurisprudenciais, sobre esta matéria que venham a fazer-se.
E por que não assumir mesmo que também nos preocupou, pelo menos a minha bancada expressou-o claramente, uma jurisprudência restritiva que o Tribunal Constitucional vinha fazendo sobre esta matéria e vinha cerceando e sufocando as competências legislativas da assembleia legislativa regional.
Se queremos aqui assumir uma posição directa relativamente aquilo que pode ser a futura jurisprudência do Tribunal Constitucional, assumamo-la. Legislamos também para ultrapassar essa barreira, para ultrapassar essa dificuldade. Não tenhamos medo das palavras, assumamo-lo com toda a frontalidade!
Temos, cada um de nós, as suas áreas próprias de intervenção; esta é a nossa e fizemo-lo com este espírito, com este objectivo e com esta vontade.
Diria até, curiosamente, tanto quanto percebi as posições dos que votaram contra, que o fizeram exactamente porque queriam mais, porque recearam que algum equívoco, alguma menos clareza destas disposições não atingia a mesma vontade que têm, empenhada, não tenho dúvida, de se baterem pelo reforço das competências das assembleias legislativas regionais.
Foi aquilo que foi possível, neste consenso PS/PSD para atingir os dois terços e aqueles que não se reviram inteiramente por este, ainda modéstia, no seu entender, avanço relativamente às autonomias regionais, naturalmente que noutra oportunidade procurarão também cooperar e colaborar para que, em novas revisões, se acentue e se reforce estes poderes das assembleias legislativas regionais.
Portanto, queria congratular-me por aquilo que se fez, pelas soluções que se encontraram e que fique claro e inequívoco que são soluções que reforçam os poderes das assembleias legislativas regionais e que não se compadecem, a título algum, com hesitações, com discordâncias, com arrependimentos, seja do que for, com interpretações restritivas que possam identificar-se com posições ou interpretações que, à luz do texto actual, surgiram em prejuízo das autonomias regionais.
É preciso não ter medo das autonomias regionais. Temos todos a consciência da unidade nacional, mas temos também a consciência, aqueles que melhor conhecemos as regiões autónomas, de que é abrindo, de que é aperfeiçoando, de que é permitindo uma expressão mais aprofundada dos órgãos do governo próprio das regiões autónomas, e em particular das suas assembleias legislativas, que Portugal se vai melhor realizando e concretizando no Atlântico.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Presidente, muito rapidamente, para me congratular também com a aprovação destas modificações ao artigo 115.º, nomeadamente naqueles aspectos que permitem um aprofundamento da capacidade legislativa das regiões autónomas, dentro do conceito de que é na capacidade legislativa das regiões autónomas que está o cerne da autonomia regional.
Acho que ficou bem expressa essa capacidade e esse aumento da capacidade legislativa através desta fórmula do n.º 3, em que a capacidade legislativa das regiões autónomas não podem dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República e não como antes apenas em relação às leis gerais da República.
Por razões políticas, como também já afirmei, não me pareceu que a boa iniciativa inicial do PS noutro contexto, com outra redacção, ou seja com a expressão "e assim o decretem", que, do ponto de vista político, acabará talvez por vir a suscitar alguma polémica - aliás, espero que não seja e foi com esse espírito que fiz a declaração.
Para terminar esta minha declaração de voto, vou referir-me ao n.º 8, porque ele respeita a um assunto sobre o qual gostaria de me pronunciar, a título de membro da Comissão dos Assuntos Europeus e também de Deputado eleito pela Região Autónoma dos Açores.
Gostaria só de dizer que a matéria do n.º 8 é muito importante, mas vai obrigar, pela sua redacção, e até me congratulo com ela, a que a República tenha em conta uma mais rápida integração do direito comunitário no direito interno português, normalmente pela via das directivas.
De facto, este n.º 8 faz a analogia entre o direito comunitário e o direito internacional e isso é algo que conviria que os Srs. Constituintes tivessem em conta.
Gostaria, ainda, de dizer que esta disposição nas relações entre a República e as regiões autónomas vai obrigar ao seguinte: em primeiro lugar, a República legisla para o acolhimento interno e, em segundo lugar, se houver caso disso, pelo direito específico, as regiões autónomas desenvolvem os regulamentos e as adaptações necessárias conforme as disposições gerais da Constituição, nesta matéria.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, sobre o sistema legislativo das regiões autónomas, não me pronunciarei ainda, neste momento, porque entendo que a norma da qual poderá resultar o desaparecimento de muitos equívocos e um fortalecimento imediato da competência legislativa de maior alcance, ainda não foi aprovada, designadamente a que enumerará, a título exemplificativo, as matérias que, pela sua própria natureza, em princípio, são de interesse específico.
Portanto, guardarei para esse momento uma declaração de conjunto sobre este sistema legislativo, sendo que há determinadas matérias sobre as quais me pronunciei e que entendo que não só não são as soluções mais felizes, mas como são soluções evitáveis, guardarei a declaração, como disse, para uma apreciação de conjunto, não sem corroborar um aspecto particularmente importante

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neste contexto: o grande empenhamento no sentido de uma clarificação de conteúdo descentralizador e equilibrado da competência legislativa das regiões autónomas.
A proposta relativa ao n.º 8 tem um alcance prático que, entendo, é bastante importante e gostaria de sublinhar e que foi o que nos levou a votar a favor.
Como é sabido, uma das consequências, no plano institucional, da integração comunitária, é exactamente contribuírem para aquilo a que muitos têm chamado a crise do parlamentarismo, a crise dos parlamentos nacionais.
Perfilho a tese nesta matéria que no plano do sistema de órgãos de poder, que funcionam no quadro da integração comunitária, não se verifica apenas um défice democrático, resultante das próprias instituições comunitárias, verifica-se um duplo défice resultante da diminuição do papel dos parlamentos nacionais, que se verifica não apenas no plano do alcance da sua competência legislativa, e que, aliás, tende a ampliar-se, como é sabido, mas também em relação à sua própria competência financeira.
Ora bem, se assim é, a transposição de directivas comunitárias através da forma de lei ou decreto-lei, tem o alcance prático que merece ser sublinhado. É que, ou a transposição tem que ser feita através de lei da própria Assembleia da República, ou tem que ser feita através de decreto-lei que pode ser chamado a apreciação parlamentar.
Esta não é, seguramente, a única via de fazer face à diminuição do papel dos parlamentos nacionais que resulta da integração comunitária, mas é, sem dúvida, uma via importante e que não gostaria de deixar de sublinhar.
Entretanto, há uma outra leitura, que pode ser feita, desta disposição e que refiro para a afastar: como é sabido, quando foi utilizada, no Tratado de Roma, a terminologia de directivas e regulamentos, procurava-se termos de origem no direito administrativo, pois, como sabemos, quer um termo quer outro, tem, efectivamente, não uma origem no direito constitucional mas, sim, no direito administrativo.
Há quem pretenda, em relação aos actos normativos comunitários designar todos indiferenciadamente como actos legislativos, procurando aqui uma equiparação de carácter geral com os actos legislativos aprovados pelos órgãos de soberania.
A nosso ver, a obrigatoriedade da transposição de directivas, não tem a ver com esta controvérsia, tem este alcance prático importante e foi este que nos levou a votar a favor com satisfação, porque julgamos que é uma norma que pode ter um alcance positivo no acompanhamento parlamentar da integração e no papel dos parlamentos nacionais na integração.
Há combates que temos travado, por exemplo em torno do fornecimento dos projectos directivas atempadamente à Assembleia da República, para que esta se pronuncie sobre aqueles que entender, antes da aprovação em Conselho de Ministros, há outros combates igualmente nesta matéria do papel dos parlamentos nacionais de integração comunitária que temos tido. Não fica, naturalmente, tudo resolvido com esta norma.
Em todo o caso, ela tem um significado importante e um significado que julgo que é de sublinhar.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, aos olhos do Partido Popular, o PS e o PSD acabaram de prestar um mau serviço às autonomias, porque acabaram de aprovar normas de clareza duvidosa e com um sentido claramente pouco inequívoco.
Essa ausência de sentido inequívoco das normas, aliás, não podia ser melhor expressa na declaração de voto do PSD, que, inclusive, escolheu para produzir essa declaração de voto, falando em nome da unidade nacional, uma pessoa que, com certeza, com toda a sinceridade, não fala em unidade nacional e que, quer por aquilo que afirma quer por aquilo que aqui propõe, não é propriamente o campeão da unidade nacional.
Por este motivo, Sr. Presidente, estou sinceramente convencido que os verdadeiros defensores das autonomias regionais se arrependerão, muito em breve, daquilo que hoje acabou aqui de ser aprovado.
Não foi, com certeza, um bom serviço prestado. Prestámos um mau serviço às autonomias e isso será, sim, motivo de arrependimento num futuro que julgamos breve.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, quero dizer-lhe que enquanto presidente da Comissão e no debate que aqui assisti e que foi travado nesta comissão, não me dei conta que alguém tenha feito qualquer intervenção, com outro intuito que não o fosse o de contribuir para beneficiar a Constituição da República Portuguesa.
Assim, considero desajustadas as alusões a que, alguma vez, algum espírito do tipo separatista tenham estado presentes nos trabalhos da Comissão de Revisão Constitucional.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva, suponho que para o exercício do direito de defesa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, a primeira coisa que lamento é que o CDS-PP não tenha mantido o sistema de não vir à Comissão.

Risos.

Porque, efectivamente, teria prestado um melhor serviço à Assembleia e à Comissão, do que vir fazer as afirmações que V. Ex.ª acaba de fazer.
Não lhe admito, Sr. Deputado, que ponha, minimamente, em causa o meu portuguesismo e o meu apego à unidade nacional.
V. Ex.ª não percebe, não conhece o que são as autonomias regionais e o serviço que elas têm prestado ao país e à sua unidade e é por não perceber, nem conhecer, que vem aqui convencido que é mais português e mais defensor da unidade nacional do que os outros Deputados e vem prestar exactamente um serviço ao contrário.

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O pior separatismo é o que é expresso daqui para lá e não aquele que é expresso de lá para cá.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Muito bem.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, para dar explicações, querendo.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * O Sr. Deputado Guilherme Silva pode não admitir o que muito bem entender, no entanto, uma coisa ele tem que admitir: a liberdade de expressão que cabe a qualquer Deputado e a qualquer partido seja em que sede for.
Portanto, nem sequer pode admitir que, por uma ausência, qualquer partido ou qualquer Deputado não queiram ou não possam exprimir as suas opiniões.
Obviamente que aquilo que aqui referi tem tradução prática, que não é com certeza, neste momento, a sede própria para estar a justificá-lo, mas outra coisa não pode ser, de facto, entendido pelo Sr. Deputado Guilherme Silva. Aliás, a incomodidade que assaltou o Sr. Deputado Guilherme Silva é a prova de que, afinal, aquilo que aqui foi por mim afirmado não está tão desajustado da realidade como ele quis parecer.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * O Sr. Deputado insiste…

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, fazendo votos para que supremos rapidamente este incidente, dou a palavra ao Sr. Deputado Arlindo Oliveira para uma declaração de voto.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, como já disse o Sr. Deputado Guilherme Silva, hoje é o dia da Região Autónoma da Madeira.
Gostaria de estar entre os madeirenses, neste dia, para comemorar o dia da região, que é um dos dias que mais se comemora na Ilha da Madeira, porque o PSD esquece o 25 de Abril, às vezes... Comemorou este ano, não sei a que propósito, porque não tem comemorado os anos anteriores, mas comemora o dia da região e eu gostaria de estar na Madeira nesta altura.
No entanto, também me sinto satisfeito e feliz por estar aqui na Comissão a aprovar aquilo que interessa à Madeira, os artigos que mais interessam à região e se todos são importantes, este que foi hoje aqui aprovado, julgo, é um dos mais importantes, pois faz com que haja maior poder legislativo da assembleia legislativa regional.
É entendido assim, na medida em que foi introduzido o respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, que tornou mais amplo, portanto, o campo legislativo da assembleia legislativa regional.
Congratulo-me com esta aprovação, que obteve os dois terços necessários, e espero que este entendimento que existe com o PSD, por forma a obter os dois terços, continue até, pelo menos, ao artigo 236.º para aprovação das alterações aqui introduzidas, porque é a bem da democracia, é a bem da conjugação de esforços para bem da região autónoma ...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Se estiver no acordo está garantido.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): * ... espero que isso aconteça, da parte do PSD, por forma estarmos tão contentes nesse dia, como estamos hoje.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, como na minha intervenção sublinhei, as modificações que hoje a Comissão aprovou, nesta matéria, são um passo em frente na resolução do problema de fundo das autonomias regionais, que é a consolidação do poder legislativo regional.
Mas, para citar um provérbio chinês, agora que a China está tão na moda, uma caminhada de mil passos inicia-se com o primeiro passo. É com esta confiança que eu também votei, juntamente com o Partido Social Democrata e com o Partido Socialista, as propostas presentes à deliberação de hoje.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, entendo que várias alíneas do projecto de revisão apresentado pelo Deputado Pedro Passos Coelho, já estão prejudicadas, mas como é uma proposta global vou deixá-la para o fim, para depois fazer o rastreio que houver que fazer no processo de votação.
Propunha agora para apreciação, as propostas relativas ao artigo 229.º que se reportam à matéria tributária das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas.
Trata-se de uma proposta do PCP, uma proposta comum a deputados do PS e do PSD e outra ainda uma proposta dos Srs. Deputados Guilherme Silva e Mota Amaral.
Srs. Deputados, são estas propostas que estão em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à proposta que resulta do acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, queria, numa primeira chamada de atenção, Sr. Presidente, referir que no texto que foi distribuído, originariamente, vinha alínea ii), pretendendo-se com isso significar que era uma nova alínea intercalar, e isso foi erradamente riscado e foi posto alínea j), o que está errado, porque a actual alínea j) do texto actual não é para ser alterada, é para manter ...

O Sr. Presidente: * O alínea ii) significará alínea nova.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, alínea nova.
Feito este pequeno esclarecimento queria explicitar o seguinte: o objectivo desta nova alínea tem que ver com a adaptação do texto constitucional à nova realidade que resultará da lei das finanças regionais e, já agora, chamo também a atenção do Sr. Presidente para o facto de que, eventualmente, convirá harmonizar o conceito aqui aplicado à lei de finanças regionais com os termos utilizados no

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artigo 167.º, onde esta matéria também foi inscrito numa alínea própria, creio que com a expressão lei das finanças das regiões autónomas.
Portanto, digamos, para não duplicar conceitos na Constituição, convinha - e faço esta chamada de atenção para ficar em acta, Sr. Presidente - que aquele que na redacção final for entendido como o conceito mais adequado para inscrever num lado deverá ser inscrito no outro para não ficarem dúvidas sobre essa matéria.
Mas quanto ao conteúdo, porque isto é apenas uma questão de redacção, a intenção é deixar claro que ao se acomodar, no texto constitucional, este novo conceito de lei que regulará o regime financeiro das regiões autónomas, essa lei deve, embora fique, obviamente, na disponibilidade da sua aprovação, na disponibilidade do legislador ordinário, respeitar um princípio que, desde já, fica inscrito no texto constitucional, que é o princípio de respeitar a uma efectiva solidariedade nacional, princípio este que é fundamental para o Partido Social Democrata.
O Partido Social Democrata partiu, inclusive, de uma proposta inicial, onde, ao menos a título exemplificativo, pretendia-se já avançar com uma das hipóteses de consagração do princípio da efectiva solidariedade nacional, que seria o princípio da capitação relativamente às receitas tributárias do Estado, sendo que não pretendíamos, obviamente, vincular rigidamente o legislador ordinário a essa solução.
Mas, digamos, que era uma solução para a qual o PSD apontou numa sua proposta inicial e que, de resto, vinha ao encontro daqueles que eram os trabalhos, então em curso, de uma comissão nomeada pelo governo, participada por representantes de várias áreas políticas e também das autonomias regionais, onde o princípio da capitação era um princípio que estava colocado sobre a mesa e ao qual o PSD dava, em termos conceptuais, a sua concordância.
O objectivo, portanto, Sr. Presidente, é o de receber no texto constitucional o princípio de que o regime financeiro das regiões autónomas deve respeitar este valor básico que é o da efectiva solidariedade nacional, qualquer que venha depois, em concreto, a ser a solução que o legislador ordinário, em cada momento, entenda ser a mais adequada.
Daí resultaria, Sr. Presidente que, e era esta chamada de atenção que também fazia aos outros Srs. Deputados, nada mais se pretendia acrescentar à actual alínea i), que tem que ver com a matéria das receitas fiscais, e apenas para que a alínea não ficasse demasiado longa e porque se trata, de facto, de matérias que tem alguma distinção, subdividimos em duas alíneas autónomas, mantendo na primeira aquele que é o poder tributário e as matérias que com ele dizem respeito, ou seja, o problema do sistema fiscal no seu todo e, por outro lado, o problema da disponibilidade de receitas que, apesar de tudo, é um momento diferente e relativamente ao qual existia, de facto, esta inovação.
Atendendo a isto, desde já, Sr. Presidente, até para ganharmos tempo, passava à análise do ponto de vista do PSD da proposta apresentada pelo PCP também relativa a esta matéria, que também está em discussão, e que, merece algumas observações por parte do PSD.
Por um lado, embora fazendo também uma subdivisão em duas alíneas, exactamente, penso eu, para se evitar uma alínea demasiado longa, do nosso ponto de vista, não a faz da forma mais feliz, porque mantém numa alínea o poder tributário e numa alínea distinta a adaptação do sistema fiscal, quando é certo que nos parece que o problema do poder tributário tem, necessariamente, que se enquadrar no sistema fiscal e, portanto, haverá vantagem em que nessa separação em duas alíneas fique numa alínea a matéria que diz respeito ao poder tributário e ao sistema fiscal, onde de resto também o PCP não propõe, à semelhança do texto conjunto do Partido Social Democrata e do Partido Socialista, nenhuma alteração, mas parece-nos apenas que a divisão não deve respeitar esta lógica proposta pelo PCP, mas, com vantagem, respeitar a outra lógica.
Quanto à questão substantiva, o PCP propõe a cristalização do princípio de uma efectiva solidariedade nacional, mas, do nosso ponto de vista, expressado numa forma que nos parece menos feliz.
De resto, esta fórmula foi avançada no final do debate na primeira leitura pelo então Presidente, Dr. Vital Moreira, que, face ao debate que aqui mantivemos sobre esta questão, numa tentativa de síntese, avançou para o guião esta redacção que seria o princípio da justa repartição nacional dos recursos e encargos públicos.
No entanto, a reflexão que foi feita em conjunto pelo PSD e pelo PS, já depois da primeira leitura, evoluiu para este conceito do princípio da efectiva solidariedade nacional, que, de facto, nos parece mais correcto, mais adequado e aquele que permite, garantindo o valor essencial em presença, as soluções mais justas para as regiões autónomas em termos de legislação ordinária.
Por essa razão, embora nos pareça que o ânimo de que aparece enformada nesta proposta do PCP seja similar à do PSD sobre esta matéria, a sua expressão final merece-nos uma não aprovação por entendermos que a proposta conjunta do PSD/PS, mantendo no essencial as mesmas preocupações, é bem mais feliz e mais adequada em termos finais.

O Sr. Presidente: * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Deputado Marques Guedes, o pedido de esclarecimento é muito curto e é o seguinte: com que critérios práticos é que vai ser garantida, na opinião do Sr. Deputado, que revertam para as regiões autónomas, não só como actualmente, as receitas fiscais nelas cobradas mas também as que nelas são geradas. Isto é, que alcance é que está a ver? Com que meios práticos é que tal é apreciado? O que é que está exactamente no espírito do Sr. Deputado e do seu partido quando adianta esta proposta.
O segundo aspecto é o seguinte: o Sr. Deputado observou, e muito bem, que a proposta do PCP, que, aliás, está próxima, como o Sr. Deputado referiu da proposta do ex-Presidente desta Comissão, tem o mesmo espírito, o espírito de garantir a solidariedade nacional e a correcção de desigualdades entre as várias parcelas do território nacional, designadamente, neste caso, propõe-se ter em conta o princípio de solidariedade que leva a que, tendo em conta as circunstâncias particulares das regiões autónomas, incluindo a insularidade, se tenha um particular cuidado.

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Entretanto, a crítica que já tive oportunidade de realçar e à qual gostaria que o Sr. Deputado respondesse é a seguinte: na proposta apresentada pelo PS e PSD é referido o princípio de que determinadas receitas devem ser transferidas para as regiões autónomas, ou seja as receitas fiscais nela cobradas, as receitas fiscais nela geradas e outras que venham a ser atribuídas, de acordo com os princípios que aqui são referidos.
O problema que se coloca é o de saber se não fica constitucionalmente garantido o princípio da justa repartição de encargos até tendo em conta uma situação que gostaríamos de ter no futuro, em que, eventualmente, as regiões autónomas possam vir a ter, com o apoio comunitário, com o apoio nacional, uma situação particularmente favorável.
Mesmo em relação, por exemplo, à Comunidade europeia, o princípio da coesão económica e social é praticado nestes termos, isto é há um benefício particular de países e regiões em situação particularmente pauperada, o que não significa que não haja, simultaneamente, uma contribuição muito menor do que os recursos que são beneficiárias para os encargos da Comunidade.
Nesta proposta, que é adiantada, aparece o princípio da justa repartição dos recursos num sentido favorável à comunidade, mas não o princípio da justa repartição de encargos.
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado se esta questão não se colocou no seu espírito.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Obrigado, Sr. Deputado Luís Sá, pelas questões que me colocou.
Quanto à primeira, muito rapidamente, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que o acrescento da expressão "nelas geradas" ao texto actual tem que ver, digamos, com a constitucionalização de algo que também, posso dizê-lo com algum contentamento, em princípio, estará já resolvido no texto da lei das finanças das regiões autónomas.
Posso dar-lhe um exemplo, Sr. Deputado: em termos de obras públicas, uma vez que há uma lógica concursiva para essas obras públicas, acontece muitas vezes serem empresas do Continente, a quem são adjudicadas obras públicas relevantes nas regiões autónomas e por força dos mecanismos próprios das finanças, o que acontece é que a repartição de finanças para pagamento dos impostos relativos a algumas das despesas que tem que ver com essas obras públicas é feito nas regiões autónomas, porque há toda uma lógica de funcionamento dessas obras, em sede das regiões autónomas.
Assim, nesse sentido, o actual projecto que configurará uma proposta de lei, assim o esperamos, por parte do governo, uma proposta de lei de finanças das regiões autónomas a apresentar a esta Assembleia...

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Deputado, se me permite que o interrompa, quero dizer-lhe que não ignoro essa questão e não ignoro o anteprojecto de proposta finanças regionais que, aliás, julgo que é uma útil base de trabalho.
Mas a questão que o Sr. Deputado me está a colocar levanta dois problemas: primeiro, se me é possível resolver a questão na legislação ordinária e, segundo, para além do exemplo que o Sr. Deputado dá, há muitos outros que em relação a outras reivindicações, por exemplo, dos municípios, levantaram grandes problemas. Vamos supor municípios que têm sede social em Lisboa e que tem a actividade dispersa pelo território, as autarquias locais reivindicaram a respectiva participação até recepção integral das receitas e isto relevou-se extremamente complicado do ponto de vista técnico.
O problema é este: não era melhor remeter a questão para a lei ordinária, tanto mais que há boas perspectivas de, em relação a alguns casos mais fáceis e solúveis tecnicamente, o problema ser equacionado.

O Sr. Presidente: * Queira continuar, Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Deputado, penso que estamos em sintonia e o Sr. Deputado conhece bem a questão.
A opção foi de constitucionalizar, desde já, uma vez que a justiça inequívoca deste princípio, para nós, está já reconhecida, aliás, por essa comissão que trabalhou na lei das finanças das regiões autónomas, e é um princípio, como o Sr. Deputado sabe, que, até em termos genéricos, foi equacionado nesta Comissão, para ser colocado como um princípio global nacional no artigo, salvo erro, 106.º sobre o sistema fiscal, princípio esse tem que ver com o atendimento aos factos geradores do imposto.
Portanto, digamos que é um princípio que, para nós, tem todo o sentido e cuja constitucionalização não nos oferece grandes dúvidas.
Em termos da realidade nova que se pretendeu aqui acomodar na Constituição que vai ser a proposta da lei que regula o regime financeiro das regiões autónomas, pareceu-nos importante salvaguardar esse princípio e não nos parece que, de hoje amanhã, qualquer legislador ordinário venha, por razões circunstanciais, a optar por decair desse o princípio, porque nos parece que esse princípio é o princípio de justiça em abstracto, pelo que não temos dúvida nenhuma sobre a sua constitucionalização.
Quanto à segunda questão que o Sr. Deputado me coloca e que apelidou, e bem, de questão de fundo, e que é a do plano dos encargos.
Com toda a linearidade, Sr. Deputado, para nós, o Sr. Deputado chamou a atenção, e bem, que na terminologia utilizada pelo PCP os recursos e os encargos são dois lados de uma mesma moeda.
Sr. Deputado, também para nós, e o Sr. Deputado concordará, porque acho que para si também, a solidariedade é um caminho de duas vias e, portanto, não pode ser outro o entendimento do conceito do princípio da efectiva solidariedade nacional, não é solidariedade com as regiões; é solidariedade nacional.
E conforme já foi hoje aqui, de resto, através de um episódio infeliz deixado claro, é evidente que as regiões autónomas fazem parte integrante da Nação e do Estado português e é evidente que a solidariedade nacional expressa-se tanto entre os portugueses nascidos em Vila Real para

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com os portugueses nascidos no Porto, como entre os portugueses nascidos no Corvo para com os portugueses nascidos em Faro.
Portanto, não vale a pena levantarmos aqui falsa questão.
O que disse e reitero, Sr. Deputado, com toda a sinceridade, é que nos parece que devendo a Constituição firmar princípios é mais abrangente o princípio da efectiva solidariedade nacional do que a sua versão, digamos assim, quase que pragmaticamente aritmética ou matemática, de falar nos recursos e nos encargos públicos.
Isso é uma das formas de expressão dessa mesma solidariedade, mas é inequívoco, Sr. Deputado, e quanto a isso pode ficar perfeitamente tranquilizado, que a opinião do PSD é que a solidariedade é um caminho de duas vias que respeita a todos os cidadãos nacionais, tenham eles nascido onde tiverem e sem qualquer distinção de territorialidade.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, peço-vos que entrem também em linha de conta, nas vossas intervenções, com a apreciação de uma proposta de artigo 230.º-A, do projecto do Deputado António Trindade, que se reporta aos recursos das regiões autónomas, bem como ao artigo 230.º-A do projecto do CDS-PP, na versão da adenda, que também se reporta às finanças públicas regionais.
Vamos dar estes dois artigos também por apreciação simultânea para quando votarmos, os votarmos conjuntamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Presidente, tomando nota do seu pedido para falar em relação a todas as propostas sobre esta matéria, vou expressar-me sobretudo em relação a esta proposta conjunta PS/PSD e também à do PCP, que tive já ocasião de ler com mais cuidado, dando, pela minha parte, findas as considerações sobre esta matéria com esta minha intervenção.
Gostaria de, em primeiro lugar, acentuar um aspecto que tem a ver com o funcionamento desta revisão constitucional e que foi o seguinte: a partir de um certo momento, dei conta de que havia caído, por manifesta gralha, a capacidade do exercício de poder tributário próprio das regiões assim como a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
Foi uma queda, obviamente, acidental, mas foi uma queda que tinha muito sentido, porque conjugava duas coisas que se completavam.
Acho que nesta proposta conjunta, que agora nos é dado votar, a primeira parte primeira foi completamente reposta e gostaria de encarecer as diligências que, com certeza, precederam a esta nova redacção, que não fez mais, aliás, do que consagrar algo que já estava na alínea i) original, mas isso é bom que fique claro.
Em relação à segunda parte da alínea i), ou, como quiserem, à alínea ii), já foi dito aqui o essencial, mas não gostaria de deixar de referir os melhoramentos que esta nova alínea traz à autonomia, desta vez no seu aspecto financeiro, pelo facto de se ter acrescentado às receitas que podem ser usadas pela região, além das receitas fiscais nela cobradas, as receitas fiscais nelas geradas, pelas razões que também já foram aqui avançadas, o que me parece da mais elementar justiça até atendendo a tudo o que se disse na primeira leitura, inclusivamente em intervenções minhas.
Em relação aos critérios que aqui também já ficam avançados e tendo em conta uma futura lei de finanças das regiões autónomas, correspondendo a um apelo do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, gostaria de dizer que, e na perspectiva possivelmente das regiões administrativas do Continente também terão a sua lei de finanças regionais, talvez fosse vantajoso consagrarmos, nesta revisão constitucional, um termo diferenciado para as regiões autónomas, chamando-lhes lei de finanças das regiões autónomas, como, aliás, penso que já vigora ou que já consta no artigo 167.º.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso ainda não está decidido!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Mas quando se consolidar a redacção creio que seria vantajoso, correspondendo ao apelo do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, consolidar o conceito em lei de finanças das regiões autónomas.
Aliás, eu próprio tenho uma proposta para o artigo 231.º, n.º 3, para obviar a uma das críticas, e já me vou referir à proposta do PCP, que tem sido feita a estas alíneas por elas não tocarem nos deveres das regiões autónomas em relação às despesas de soberania, digamos assim.
Creio que temos que ter em conta que no artigo 229.º se fala, sobretudo, dos poderes das regiões autónomas e não tanto das relações mútuas entre as regiões autónomas e a República.
Portanto, penso que a verdadeira sede do desenvolvimento dos deveres de solidariedade que, de qualquer maneira, já ficam aqui consagrados nesta nova alínea do artigo 229.º, poderá vir a ser no desenvolvimento dessa lei de finanças das regiões autónomas, onde também pode haver uma cláusula sobre a participação das regiões autónomas nos Encargos Gerais da Nação.
Parece-me um bom princípio, desde que com isso não se diminua a capacidade financeira da região, mas que pode vir a ser, obviamente, uma participação mais que justa, na medida em que a República arca, em geral, com despesas relacionadas, por exemplo com a representação externa do Estado, com a defesa, com a justiça…
Enfim, pode caber neste conceito de efectiva solidariedade nacional, mas também pode ter desenvolvimentos posteriores, desde que com isso não venha a retirar-se aquilo que é a expectativa geral das regiões autónomas, ou seja, como regiões das menos desenvolvidas do país são aquelas que ainda requerem e de uma maneira estrutural, Sr. Presidente, como ficou também estabelecido agora na revisão do Tratado da União Europeia com a consagração das regiões ultraperiféricas, cujas necessidades de solidariedade, quer nacional quer europeia, são estruturais…
E é com esse espírito também que gostaria de terminar esta minha intervenção.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, esta proposta que estamos a analisar separou em duas partes a actual alínea i) e desenvolveu na segunda parte esta disposição da Constituição.
Em relação ao poder tributário próprio e à adaptação do sistema fiscal nacional, era uma matéria que já estava na Constituição actual, mas não tinha sido, nem foi até hoje, implementada uma lei da Assembleia da República que permita o exercício desses poderes constitucionalmente previstos.
No trabalho que se desenvolveu na preparação da lei das finanças das regiões autónomas, contempla-se já essa matéria. Todavia, há um atraso preocupante na apresentação pelo governo dessa proposta de lei à Assembleia da República, e digo preocupante na medida em que há todo um interesse em que a nova formulação legal, que regule as relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas, pudesse ter já aplicação e incidência no Orçamento do Estado de 1999, que aprovar-se-á a seguir ao reinício dos trabalhos parlamentares que entre Novembro e Dezembro.
Bom, mas será apertado se até ao fim desta sessão legislativa - e tudo o leva a crer que assim será - o governo não apresentar esse diploma, contrariando, aliás, compromissos do Partido Socialista e do governo, e comprometendo a aplicação da nova lei ao orçamento de 1999.
Em relação às receitas que estão aqui previstas, há uma clarificação quanto às receitas que devem caber às regiões autónomas.
Já agora defendo também a proposta que tenho para a alínea ii) do artigo 229.º, relativa à possibilidade de se encontrar uma forma de participação nas receitas prioritárias do Estado de harmonia com o princípio da capitação.
Não estava formulado, nem está, na minha proposta, de uma forma rígida, não é imperativo que seja esse o princípio a adoptar no encontrar de uma participação nas receitas tributárias do Estado, por parte das regiões, mas era um princípio possível, sem prejuízo de se optar, se for caso disso, por outro que possa assegurar a efectiva solidariedade nacional.
Quero dizer que, tem havido uma controvérsia grande relativamente às receitas cobradas ou geradas na Região, na medida em que há tradicionalmente uma fuga, uma perda de parte substancial das receitas das regiões autónomas, por via da circunstância de instituições de crédito que têm filiais com um volume de negócios significativos e depósitos significativos nas regiões autónomas, grandes empresas de construção civil que têm sede no Continente e fazem ali trabalhos relevantes de obras públicas, que são naturalmente geradores e criadores de fenómenos fiscais geradores de receitas, mas que pela sua situação de terem as suas sedes no Continente e sendo colectadas por repartições de finanças do Continente, não há distinção entre o que são os negócios e fenómenos fiscais e as receitas fiscais que provêm dessa actividade regional e, portanto, há aqui uma perda das regiões relativamente a essas receitas.
Quero dizer que há um trabalho do Ministério das Finanças muito interessante neste particular e que vai entroncar e incluir-se na lei das finanças das regiões autónomas que cria mecanismos bastante avançados para permitir uma recuperação integral destas receitas, independentemente da sede onde a entidade concreta em causa seja colectada.
Portanto, isso vai obrigar a algumas adopções e medidas especiais no âmbito da contabilidade das empresas, mas vai permitir que haja, em particular nos impostos sobre o rendimento, esta recuperação.
E se a Constituição aponta, e apontava já, para que essas receitas sejam receitas próprias das regiões autónomas, é bom que esse apuramento seja feito com a exaustão possível, até porque quanto maior for essa receita que está ligada ao próprio desenvolvimento regional e à actividade económica regional, naturalmente também que aquilo que seja a parte da participação do Estado será menor.
Portanto, há aqui vantagem em clarificar e fazer funcionar com o máximo de rigor as situações que estão aqui, nesta alínea, mais clarificadas e mais desenvolvidas do que na redacção actual da Constituição e parece-me adequado deixar estas pistas para a lei ordinária, em particular a lei das finanças das regiões autónomas, que irá desenvolver, numa forma complementar e solidária, que, do meu ponto de vista, reforça a unidade nacional.

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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer que este debate já permitiu clarificar um princípio que entendo importante: o princípio de que a consagração da ideia de solidariedade nacional tem subjacente o princípio que propusemos da justa repartição nacional dos recursos e encargos públicos.
A intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes foi nesse sentido e a intervenção ulterior do Sr. Deputado Medeiros Ferreira foi exactamente neste sentido.
Entendemos que a formulação que propusemos era mais clara mas, em todo o caso, o facto de ter sido clarificado no sentido da expressão proposta não deixa de ser relevante.
Há uma matéria, entretanto, que gostaria de sublinhar, tendo em conta até uma alusão feita pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira à nossa proposta, e que é a seguinte: era perfeitamente concebível que o sistema financeiro das regiões autónomas constasse de um artigo próprio, como de resto em relação às finanças locais também existe um artigo próprio, o artigo 240.º.
A partir do momento em que não é esta a opção, parece-nos adequado que conste o princípio da justa repartição nacional dos recursos e encargos públicos, ou o princípio da solidariedade nacional na disposição existente.
Sem dúvida nenhuma que se trata de uma norma de competência, o que não significa, de forma nenhum, que o sentido do exercício das competências não seja definido pela mesma norma ou pela mesma alínea que confere essa competência.
É nesse sentido que entendemos que seria tão desadequado ficar consagrado o princípio da justa repartição nacional dos recursos e encargos públicos, como seria desadequado, se o fosse, creio que não é, ficar consagrado na proposta do PS e do PSD, o princípio da solidariedade nacional.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, nestes temas financeiros joga-se outra matéria fundamental do regime constitucional das regiões autónomas.
Não basta conferir poderes às regiões autónomas; é preciso garantir os meios para que elas desempenhem as tarefas de interesse público que a Constituição e as leis lhe confiam.
Houve um documento que circulou depois dos trabalhos da primeira leitura e até após as negociações e as conversações havidas entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata sobre a revisão constitucional, no qual não figurava a linha correspondente ao poder tributário próprio - aliás, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira imediatamente alertou para este facto -, mas sempre me pareceu que nesse documento que circulava é que estava em falta, porque o documento base das conversações entre os dois partidos, de que eu tinha uma cópia em meu poder, claramente, assinalava este preceito como sendo um preceito para manter e até para enquadrar numa alínea própria.
Portanto, a novidade agora é o apontar-se para uma regra mais perfeita acerca do elenco das receitas atribuídas às regiões.
É preciso também assinalar os encargos concedidos, os encargos das regiões decorrem da lei, decorrem da regionalização realizada, que é muito ampla, julgo que muitas vezes as pessoas ignoram, muitas das que falam sobre essas matérias, referem essas matérias, e eu digo-lhes: não é em absoluto que assuntos tão transcendentes para a vida colectiva, como sejam as questões de saúde e de educação, nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, estejam completamente regionalizadas. Elas entram em absoluto nos respectivos orçamentos e correspondem a um esforço muito saudável, aliás, mas ao mesmo tempo muito abnegado, que tem sido feito pelas entidades regionais para cumprir parâmetros estabelecidos para o conjunto do nosso país.
No âmbito de uma proposta subscrita pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, por mim próprio e por outros Srs. Deputados pretende consagrar-se o princípio da capitação; isso não é escândalo nenhum. Também para aí houve quem rasgasse as vestes, dizendo que com isto as regiões autónomas ficariam a nadar em dinheiro… Bom, foram pessoas que não fizeram as contas, com certeza! Aliás, a proposta que circula, ainda na fase de anteprojecto, da lei das finanças das regiões autónomas, e também subscrevo essa designação mais adequada, expressamente, vem a acolher o princípio da capitação ao falar de um fundo de coesão que será alimentado pela capitação das receitas e que depois será dada às pinguinhas às regiões autónomas.
Ora a nossa aproximação é, se a questão é esta, se, de facto, o que se comprova é que as regiões autónomas precisam de mais recursos para vencer o seu atraso estrutural, então aplique-se logo o princípio da capitação e o problema fica resolvido.
Mas se, porventura, tal não acontecer, como second best, teremos a solução que consta do preceito subscrito pelos dois partidos, que eu próprio também assino. As receitas das privatizações têm sido uma autêntica mina para o Estado, mas as regiões autónomas têm de ficar privadas delas e, no entanto, algumas das empresas privatizadas têm áreas de negócio extremamente importantes nas ilhas. Veja-se o caso dos CTT, por exemplo, sobretudo nas telecomunicações, e dos bancos, esses então é o mais que se vê.
Portanto, sobre solidariedade é, evidentemente, um estado de absentismo, como aqui foi sublinhado, e estamos nessa. Deixem-me falar agora na perspectiva de um Deputado eleito por uma das regiões autónomas e que conhece, por dentro, os problemas financeiros dessa região autónoma, da outra não, porque não são contas do meu rosário…
Mas sobre as contas da Região Autónoma dos Açores estamos perfeitamente tranquilos sobre essa matéria da solidariedade efectiva, prática. Basta ter em conta que ao longo, só para falar de coisas muito recentes, para não irmos por aí fora, porque isso dá muito trabalho - aliás, reservo essa investigação ao meu querido colega e amigo Medeiros Ferreira, porque ele é que é historiador -, mas só para falar de coisas muito recentes, uma parte apreciável do esforço de modernização das forças armadas foi feito através de canalizações de auxílio externo, titulado pelo Acordo das Lajes, que, efectivamente, se não tivesse havido esta contrapartida directa, teria podido libertar verbas muito mais substâncias para as regiões autónomas.
Portanto, aqui está uma colaboração muito sensível, muito prática, que evidencia a disponibilidade e o grande desejo que existe, partilhado plenamente na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira, para que o processo do desenvolvimento seja global e que abranja todo o nosso país numa perspectiva harmónica - aliás, esse foi sempre um dos nossos elementos chave.
A noção do desenvolvimento harmónico que desenvolvemos para equilibrar o desenvolvimento das várias ilhas dos Açores, hoje em dia também é um adquirido, no plano nacional, que agora começa-se a falar, de facto, no desenvolvimento harmónico de todo o nosso país, coisa que, de facto., é uma novidade tenho de reconhecê-lo - e até é uma linguagem que também entrou com a noção de coesão económica e social no plano europeu.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar às votações.
Relativamente ao artigo 229.º, temos um pedido do Sr. Deputado António Filipe, para que votemos alínea a alínea e assim procederemos.
Srs. Deputados, passar à votação da proposta da alínea i) do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS, do PSD e do PCP e votos contra do CDS-PP.

É a seguinte:

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adoptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais nos termos de lei-quadro da Assembleia da República;

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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da alínea ii), alínea nova, do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP e do CDS-PP.

É a seguinte:

ii) Dispor, nos termos dos estatutos e de lei das finanças regionais, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a afectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas defesas;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta relativa à alínea i) e ii) (nova) do artigo 229.º , apresentada pelo PCP, que será votada em bloco.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP.

Era a seguinte:

1 - …………………………………………………….

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e dispor das receitas fiscais nelas cobradas e de outras que devam pertencer-lhe segundo a lei de finanças regionais, de acordo com o princípio da justa repartição nacional dos recursos e encargos públicos.
ii) Adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro a aprovar pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta apresentada pelos Srs. Deputados Guilherme Silva e Mota Amaral, entre outros, onde se estabelece na nova alínea ii) do artigo 229.º uma referência ao princípio da capitação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do PCP, votos a favor dos Deputados do PSD Guilherme Silva e Mota Amaral e a abstenção do Deputado do PS Medeiros Ferreira.

Era a seguinte:

ii) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei das finanças das regiões autónomas, das receitas nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com o princípio da capitação ou outro que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos agora, e volto a sublinhar que há propostas originárias ainda pendentes para um acerto final, à apreciação de uma proposta comum do PS e do PSD relativa às alíneas u) e v) (nova) do artigo 229.º
Alguém pretende usar da palavra?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta conjunta, pela parte do PSD, tem o seguinte significado: relativamente à alínea u) tem que ver com uma melhor densificação daquilo que já é a actual alínea u) do texto constitucional, pelo aditamento de uma parte final que, explicitando decide expressamente em matérias de interesse específico das regiões, a participação das regiões na definição das posições do Estado português, no âmbito do processo de construção europeia.
É evidente que não é só em matéria de decisões dos órgãos de soberania sobre questões que digam respeito às regiões autónomas, do nosso ponto de vista, no processo de construção da União Europeia, há todo um rol de tomadas de posição que são de natureza política, tomadas de posição essas em que, atendendo ao, recentemente consagrado, conceito da ultraperificidade, onde se inscrevem no âmbito da União Europeia as regiões autónomas portugueses, é evidente que há todo um novo campo de intervenção política que deve, a bem dos interesses nacionais, ser participado, embora as posições sejam, obviamente, do Estado português, pelas populações a quem diz directamente respeito e, neste particular, pelos seus representantes democráticos, que são os órgãos eleitos das regiões autónomas.
A nova alínea, a alínea v), no fundo, tem que ver com uma realidade diferente, que é, hoje em dia, a participação directa, através de representantes próprios em instituições de natureza regional, porque é este o conceito que em termos da União Europeia está adquirido para as instituições que versam sobre matérias que têm que ver com as regiões.
Portanto, esta alínea v) tem que ver com a participação de representantes das regiões autónomas, quer nas tais instituições de natureza regional, que referi há pouco, como ainda nas delegações nacionais que, envolvidas em processos de decisão comunitária, vão trabalhar e tomar decisões sobre matérias que tenham especificamente que ver com os interesses próprios das regiões autónomas.
É, portanto, uma lógica de alargamento da participação dos representantes das regiões autónomas, em conjunto com os órgãos de soberania nacionais, carreando as suas opiniões para ajudar à formação das posições portugueses, defendidas em termos europeus, com óbvia vantagem para a defesa dos interesses nacionais.
A construção europeia inclina-se também, numa das suas vertentes políticas importantes de aproximação dessa construção europeia à vontade dos cidadãos, para aquilo

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que é por alguns apelidado na Europa das regiões. É evidente que essa lógica da Europa das regiões não é mais do que, atendendo à diversidade que existe no Continente europeu e à riqueza que a União Europeia e que a construção europeia deverá tirar dessa mesma diversidade, todo o interesse em que haja progressivamente o envolvimento das populações em decisões que lhes digam directamente respeito.
E se há o reconhecimento, como na Revisão do Tratado de Maastricht, agora acordado em Amsterdão, e a densificação conceptual no Tratado da União Europeia daquilo que é a realidade das regiões ultraperiféricas, é evidente que essa densificação deve ter também uma tradução ao nível participativo nas tomadas de decisão que os estados nacionais são chamados a protagonizar, no âmbito da União Europeia.
Foi isso que o PSD desejou, em conjunto com o Partido Socialista, cristalizar nesta proposta de uma nova alínea v).
Pensamos que em termos adequados e numa perspectiva moderada que abarque as duas realidades, por um lado as instituições europeias que versam sobre matérias de natureza regional, estou-me a lembrar, por exemplo, do Comité das Regiões, bem como as delegações nacionais, quando chamadas a participar em foros de decisão onde vão ser versadas matérias que digam respeito específico às regiões autónomas.
É este o sentido que o PSD dá a esta proposta que aplaude com entusiasmo.

O Sr. Presidente: * Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que já a pediram, quero sublinhar que, e se assim não for peço que me corrijam, uma proposta apresentada na primeira leitura pelos Srs. Deputados Mota Amaral e Medeiros Ferreira é considerada substituída a benefício desta proposta que estamos agora a apreciar.

O Sr. Mota Amaral (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Presidente, ia principiar exactamente a minha intervenção, dizendo que, como consignatário de uma proposta de aditamento feita com o Sr. Deputado Mota Amaral, revejo-me nesta proposta conjunta PS/PSD que é agora apresentada.
Portanto, nessa perspectiva e pela minha parte - e se o Sr. Deputado Mota Amaral estiver de acordo, como já o manifestou - retiraríamos essa nossa proposta, feita após a primeira leitura a benefício, desta que é agora apadrinhada pelo PS e pelo PSD.
Gostaria só de dizer que considero esta proposta de aditamento muito importante a vários níveis - aliás, alguns deles já foram aqui acentuados -, mas gostaria de falar noutro que é o da democratização do acompanhamento da construção europeia que por estas duas alíneas se poderá prosseguir.
Gostaria também de realçar que a participação das regiões autónomas, no fundo, aqui também há uma extensão das capacidades das regiões autónomas em matérias de negociações internacionais, como já está consagrado desde 1976, foi sempre no sentido de fortalecer a capacidade negocial nacional, apraz-me registar isto desde o início desta experiência, e creio que nas matérias comunitárias irá acontecer o mesmo.
Fica aqui previsto, de uma forma inequívoca, algo que já acontece e que é a participação das regiões autónomas no Comité das Regiões, que, pela sua diversidade, poderá não ser o único órgão em que as regiões autónomas possam vir a participar, enquanto tais, no processo da construção europeia.
Temos de estar atentos à evolução da própria revisão dos tratados e da criação de órgãos da Comunidade e não de instituições, como se costuma dizer erradamente, que possam, pela sua analogia, poderem também vir a ser povoadas pela participação das regiões autónomas.
Acho que, sobretudo, a alínea v), também abre caminho para essas vias ainda hoje não contempladas por qualquer órgão da arquitectura europeia.
Também gostava de dizer que a própria participação das regiões autónomas na elaboração das posições portuguesas, poderá vir a ser bastante benéfica, exactamente para um acompanhamento desde o início das iniciativas legislativas ou das posições do Estado português.
Gostaria de terminar, tendo em conta as relações entre a região e a República, afirmando o seguinte: considero o Estado, o Estado aqui no sentido de República Portuguesa, como o melhor negociador internacional mesmo para as regiões autónomas.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, designadamente pela eloquência da sua intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, penso que estas duas disposições, nas alíneas u) e v), desta proposta de revisão constitucional são um exemplo do que é possível elaborar, em sede de Constituição, e de encontrar fórmulas que assegurem a unidade do Estado e a sua representação externa como uma vertente importante da soberania, sem esquecer as especificidades internas, designadamente a existência das regiões autónomas, com uma presença, com um conhecimento e com um know how em matérias particulares ligadas a vertentes regionais, com uma repercussão em vários órgãos da União Europeia, ou para-comunitários, em que as regiões têm tido uma participação muito activa, designadamente, em muitos casos, com a presença do Sr. Deputado Mota Amaral ou do Dr. Alberto João Jardim, e sei que sempre o fizeram com um sentido de representação de Portugal, não o fizeram trazendo o apport que a sua experiência em matéria de autonomia regional naturalmente trazia.
É por isso que digo que estas duas disposições têm o equilíbrio de saber fazer o aproveitamento, em valorização do Estado português e da sua representação externa, de um fenómeno interno que se tem desenvolvido, que são as autonomias regionais e que não são nem devem ser tidos ou havidos como antagónicos da visão central do Estado, designadamente da sua posição externa.

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E também tem obviamente, e daí as ter saudado, a vertente de permitir que quanto a decisões que nessas instâncias tenham de ser tomadas, com a repercussão mais directa, ou mesmo exclusiva, ou mais incidente nas regiões autónomas, a presença de representantes das regiões permita um maior acerto do combate português junto dessas instâncias e a melhor obtenção de resultados nessas negociações.
É evidente, como dizia o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, é o Estado português que está a negociar, mas o Estado português tem a forma sábia de integrar nas suas delegações e nas suas representações os que internamente melhor colocados estão para as matérias que, em cada momento, estão em discussão nessas instâncias.
Não há drama nenhum nestas soluções, não está aqui minimamente beliscada a soberania nacional nem a da nacional, não está minimamente buscada a autonomia regional, está, sim, uma síntese equilibrada do Estado português nestas instâncias.
As regiões autónomas fizeram uma opção, do meu ponto de vista, a opção certa, que foi a de acompanhar o resto do todo português numa integração plena na União Europeia, têm tido um tratamento preferencial, agora reforçado com a Revisão do Tratado da União Europeia, enquanto zonas ultraperiféricas e beneficiarem de programas e de apoios específicos.
Por isso também têm tido uma repercussão importante no seu desenvolvimento e na dotação de infra-estruturas em ambas as regiões autónomas e perceber-se-á o significado e o interesse que estas disposições têm para as regiões, o mesmo é dizer que têm para o Estado português.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de mais nada, quero candidatar-me também ao apoio e ao aplauso do Sr. Presidente, dizendo que também considero que o Estado português é o melhor negociador internacional dos interesses das regiões autónomas, mas desde que atenda aos interesses das regiões, expresso devidamente pelos seus órgãos de governo próprio eleitos democraticamente.
Felizmente é isso que tem acontecido, no que diz respeito às questões europeias e isto é uma praxe que vem desde o princípio - aliás, é com muito prazer que aqui o menciono.
Desde os primeiros passos, neste processo complexo da adesão de Portugal às comunidades europeias, que foram, de resto, iniciados com a assinatura do nosso caro colega Medeiros Ferreira, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, na negociação do Tratado de Lisboa da adesão de Portugal e da Espanha às Comunidades, sempre participamos, sempre fomos ouvidos com um empenho pessoal e activíssimo e eu menciono este facto com grande satisfação e, ao mesmo tempo, prestando uma homenagem e um preito de gratidão que é devido, do Primeiro-Ministro de então, Dr. Mário Soares.
Portanto, nesta matéria criaram-se praxes muito favoráveis e esse é um dos casos nítidos em que a norma vem atrás das praxes, a norma vem atrás da vida.
A presença das regiões autónomas nas questões europeias e, digamos, nos vários enquadramentos onde se reavive esse processo verdadeiramente fascinante da construção europeia, iniciou-se muito antes de haver normas constitucionais que a permitissem e sempre foi entendida por todos os mais altos responsáveis do Estado português como sendo uma participação extremamente favorável e frutuosa para Portugal, deu protagonismo ao nosso país, colocou-nos na primeira linha de muitos desses fora das questões regionais - aliás, o Dr. Alberto João Jardim foi durante muitos anos, até há bem pouco tempo, Presidente da Conferência das Regiões Periféricas, nas regiões periféricas marítimas da comunidade europeia, que desenvolveu uma acção notabilíssima e que depois o catapultou para tarefas importantíssimas na Assembleia das Regiões da Europa um dos outros grandes organismos europeus.
Há, de facto, aí um trabalho realizado que prestigia o nosso país e que agora recebe um acolhimento constitucional.
Gostava também de sublinhar que a redacção agora estabelecida entre os dois partidos, PS e PSD, reformula um texto que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira e eu próprio apresentámos no princípio - aliás, julgo que o nosso texto era melhor, vamos aqui dizê-lo -, mas uma vez que se conseguiu acordo numa outra redacção, muito bem, nós também subscrevemos essa outra redacção e o outro texto que fizemos vai para as actas.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, lembrando que no projecto originário do PCP há também uma alínea que se reporta à pronúncia por parte das regiões autónomas no processo de participação de Portugal nas Comunidades Europeias.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, sem dúvida alguma que essa alusão é importante e tem que ver com a posição do PCP a respeito destas duas alíneas que constam da proposta comum do PS e do PSD, porque aquilo que, na minha óptica, se coloca é um problema de algum aperfeiçoamento técnico, alguma clarificação de sentido e não, propriamente, de divergências quanto às questões de fundo que aqui estão colocadas.
Entretanto, aquilo que gostaria de referir era o seguinte: em relação à alínea u) aquilo que é proposto é que as regiões autónomas se pronunciem por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, referindo-se, depois, "na definição das posições do Estado…".
Ora, pode-se dizer participar na definição, mas não pode dizer-se pronunciar-se na definição, pelo que há aqui um manifesto lapso de escrita ou, então, dir-se-ia "sobre a definição". É substituir a expressão "na" por "sobre a", porque a primeira expressão está, manifestamente, desadequada.
Por outro lado, na alínea v) utiliza-se a expressão "participar no processo de construção europeia…", sendo que no artigo 7.º, como é sabido, refere-se a expressão "participar no processo de construção da união europeia…" e escreve-se com minúsculas, isto para não referir apenas a União Europeia enquanto entidade, porque, neste momento, continua ainda a não ter personalidade jurídica, mas

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para referir uma ideia mais vasta, mas que, em todo o caso, não é apenas também a ideia de construção europeia, porque a construção da união europeia, naturalmente, que tem um sentido e que se aproxima, em última instância, da ideia de construção comunitária, mas não se esgota aí; a construção europeia, como é sabido, tem outras vertentes que podem não englobar, pelo menos imediatamente, ou pode não dizer respeito, pelo menos imediatamente, à construção europeia.
Se referirmos, por exemplo, o problema do Conselho da Europa e eventualmente a Organização de Segurança e Cooperação Europeia, etc., vemos que há aqui um outro tipo de instituições.
Ora, julgo que aquilo que os autores da proposta querem referir é, acima de tudo, aquilo que diz respeito à participação das comunidades nas políticas comunitárias, pois são elas que têm uma incidência maior, mais relevante, por vezes até pesadíssima, no conjunto das regiões europeias e, naturalmente, no conjunto das regiões autónomas e, portanto, pergunto se não era neste caminho que se poderia ir ou, então, que fique claro que quando se refere participar no processo de construção europeia está a referir-se conjunto de áreas que não dizem respeito apenas à União Europeia e às comunidades europeias.
A outra dúvida que gostaria - e sei que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira já referiu esta questão - que fosse melhor clarificada é a seguinte: se estamos a referir a comunidade europeia, neste momento, existe, como é sabido, o Comité das Regiões, mas se tivermos a referir o Conselho da Europa também há a assembleia dos poderes locais e regionais, mas se é a comunidade europeia creio que o problema que aqui se coloca é, efectivamente, o problema do Comité de Regiões que, aliás, até foi relativamente controverso, do ponto de vista da primeira nomeação como é sabido, não em relação às regiões autónomas, mas em relação ao Continente.
Pergunto também se a designação tecnicamente mais adequada - e continuo a não tratar propriamente de questões políticas de fundo - não seria instituições ou instituição de representação regional e não propriamente instituições regionais, porque elas têm uma composição que é definida a partir das regiões, o que não significa que sejam instituições regionais, porque o Comité das Regiões, por exemplo, têm representantes de todas as regiões europeias e no caso de países que não estão regionalizados ou que não estão parcialmente regionalizados têm outro tipo de representantes, como é sabido, aliás, são os eleitos autárquicos municipais no que toca ao Continente.
Agora, a instituição em si não é regional; é uma instituição comunitária formada a partir de representantes regionais, da mesma forma que o Senado Francês pelo facto de ser constituído por representantes das comunas, ou das províncias, ou das regiões, não é uma instituição regional, nem é, portanto, um parlamento que se possa qualificar como regional.
Portanto, pergunto se esta questão não poderia ser igualmente objecto de ponderação por parte dos Srs. Deputados.
Há uma outra questão que creio que vai forçosamente aparecer neste contexto e sobre a qual gostaria de fazer uma observação que é a seguinte: quando aludimos ao processo de participação de regiões em políticas comunitárias, surge imediatamente a ideia da Europa das regiões, como alternativa à Europa dos Estados e designadamente a Europa das regiões como via para um certo tipo de Europa federal que, ainda por cima, não federaria Estados federaria regiões.
É sabido que constitui até um propósito de correntes nacionalistas de várias entidades que têm, neste momento, o estatuto de regiões, por exemplo, regiões de nacionalidade como as que existem em Espanha, a ideia de que a via de se emanciparem em relação, por exemplo, a Castela, para usar a expressão que os próprios utilizam, é uma via de relacionamento directo com a União Europeia por cima e com exclusão do Estado espanhol.
Quanto apresentamos a proposta que apresentámos e quando ponderamos propostas deste tipo queríamos afastar inteiramente este tipo de concepções, este tipo de políticas, que não é o nosso, agora o que julgamos é que está criado um problema que é objectivo e que resulta da existência de um FEDER, de fundos de coesão, de fundos comunitários e de determinadas políticas comunitárias, que é o facto de a comunidade europeia se ocupar de matérias que são da competência de instituições regionais.
E aqui há um problema de participação que não pode ser sonegada. Aliás, se estamos a discutir, por exemplo, uma nova directiva para a qualidade da água, em que a qualidade da água, em última instância, é para ser garantida por autarquias locais, até de nível municipal, entendo que os municípios, pelas vias adequadas, devem participar na preparação da directiva sobre a qualidade da água.
Isto é válido, naturalmente, por maior de razão, até o diria em relação a regiões, é válido em relação ao problema da negociação de um quadro comunitário de apoio ou de outra matéria em que o problema que se coloca é o de alargar a participação e não propriamente o de fazer quaisquer leituras que não sejam exactamente as de alargar a participação nos termos e com os limites que referi.
Portanto, temos disponibilidade para discutir estas disposições e apelamos à ponderação com espírito aberto no sentido de encontrar aqui a formulação mais clara, mas nestes termos e com estes exactos limites, declarando, desde já, que, por exemplo, se estivessem instituídas as regiões administrativas do Continente, defenderíamos um princípio de participação nas políticas comunitárias que dizem respeito às regiões e dentro de uma lógica, que é a seguinte: defendemos exactamente o mesmo princípio, por exemplo, em relação aos municípios naquilo que são políticas municipais.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral para colocar uma questão ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Deputado Luís Sá, gostava de lhe perguntar se tem presente que, já neste momento, a representação portuguesa nas instituições europeias de âmbito não estadual é suficientemente plural para incluir, além das regiões autónomas, os municípios - aliás, o nosso Presidente foi comigo, e tive muita honra nisso, representante de Portugal no Comité das Regiões e na sua qualidade de Presidente da Assembleia Municipal de Abrantes.

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Por outro lado, o Sr. Deputado Luís Sá tem presente que, para além de haver alguma dialéctica, não ignoro que pode haver, relativamente ao uso da temática da Europa das Regiões, possível integrar este conceito da Europa das Regiões juntamente como da Europa dos Estados e até com o da Europa dos cidadãos, porque não consta, quando se fala da Europa dos cidadãos, que estejamos a excluir os Estados e a querer eliminar a sua presença no processo europeu, muito menos também as regiões.
Portanto, sei que aqui há possibilidades de haver um equilíbrio desta realidade plural, incluindo os Estados, as regiões e nestas habitualmente aparecem as regiões autónomas, com poder legislativo e grandes faculdades, como por exemplo os Estados alemãs, que até são Estados mesmo, juntamente com as cidades e os municípios numa manifestação bem viva de que a Europa é uma grande realidade plural e sem essa diversidade nunca mais vai lá.

O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado Mota Amaral, pelas questões que me colocou.
O Sr. Deputado referiu, em matéria de representação de Portugal no Comité das Regiões, a presença do Sr. Presidente, na qualidade de Presidente da Assembleia Municipal de Abrantes, e eu podia referir igualmente a presença do Presidente da Câmara de Mora, que é do Partido Comunista, na qualidade de Presidente da Câmara de Mora…
Portanto, não há aqui nenhum problema nesta matéria a não ser este: é que trata-se de um Comité das Regiões em Portugal está representado por municípios e em que há aqui alguma distorção, mas esse é um problema que não tem a ver com este que está aqui colocado.
Quanto ao facto de estar previsto, mal ou bem, no tratado da União Europeia um Comité das Regiões e estarem ia previstos critérios de representação das regiões nesse comité não tenho qualquer dúvida.
O problema que se pode, aliás, colocar nesta matéria é o seguinte: é que estando aqui esta alínea ou não o Tratado da União Europeia está em vigor, o Comité das Regiões existe e os critérios de representação das regiões também estão aí estabelecidos.
Portanto, diria que, nesse plano, esta alínea vem constitucionalizar um princípio que já consta, em rigor, do próprio tratado.
Agora, tudo aquilo que disse vai exactamente no sentido de afirmar que a proposta que o PCP apresentou em relação à alínea v) e estas propostas que aqui estão, poderiam, eventualmente, ser algo de uma leitura que é a de, no fim de contas, estar a contribuir para um determinado entendimento da Europa das Regiões que fosse no tal sentido do desaparecimento do Estado Nação e designadamente, alguns dirão, da emancipação das nacionalidades, que não são Estado, em relação ao respectivo Estado.
É um problema, como é sabido, que existe em vários domínios na Europa e as próprias correntes nacionalistas na Catalunha, ou num País Basco, ou em outras nações vão claramente nesse sentido.
Aqui que eu disse é que ao discutirmos estas matérias com um espírito de abertura não nos move este espírito de concepção, porque entendemos que os direitos de participação das regiões podem ser assegurados sem ser no quadro desta concepção que não é nossa e que afastámos.
Assim, a minha intervenção foi no sentido de me demarcar desta concepção e congratulo-me, se a pergunta do Sr. Deputado Mota Amaral tem, como parece ter subjacente, a ideia de que se demarca também deste tipo de concepção.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que também quer dirigir uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * A minha pergunta é muito simples e até, de certa maneira, redundante depois de tudo o que foi dito.
Creio que o que aqui está consagrado nesta nova redacção, aliás contrariamente à minha e à do Sr. Deputado Mota Amaral, em que falávamos em participar no processo de construção da União Europeia (até com letra grande), contrariamente aquilo que já está consagrado na Constituição Portuguesa mas com letra pequena, na minha perspectiva, abre a participação das regiões autónomas não só à União Europeia como a todo o processo da construção europeia, por exemplo órgãos do Conselho da Europa, outros que se venham a criar dentro de uma perspectiva de maior conhecimento das regiões a nível da organização de segurança e cooperação europeias, por exemplo, ou até de novos órgãos da comunidade que não seja o Comité das Regiões - aliás, disse-o na minha primeira intervenção - porque este é um comité de natureza compósita onde as regiões autónomas, enquanto tal, fazem, de certa maneira, figura de uma "ave" muito especial, quer dizer não têm a mesma natureza em grande parte de outras regiões, umas porque não são autónomas, são só administrativas, e porque têm os poderes locais que não se podem confundir com as regiões.
Portanto, qualquer redacção que levasse à participação das regiões autónomas apenas no Comité das Regiões, seria, obviamente, na minha perspectiva, uma má leitura do que se entende pela participação das regiões autónomas na União Europeia e na construção europeia em geral.
Embora, para que não restassem dúvidas sobre a formalização da participação das regiões autónomas nos processos de decisão da União Europeia, está aqui a fórmula da alínea v) onde se refere que devem participar "… e nas delegações envolvidas em processos de decisão comunitária" e aqui não há qualquer dúvida sobre o que se entende por decisão comunitária, é por decisão nos órgãos da comunidade europeia.
Portanto, a nossa interpretação é uma interpretação extensiva que penso que também é aquela que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de fazer.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá confirma?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, acima de tudo, gostaria de uma clarificação na interpretação por parte dos autores das propostas.

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Na verdade, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira acabou de clarificar algo que julgo que é importante, até terei pena se não encontrarmos a fórmula de atingir uma maior clareza, que é a ideia de que, por instituições envolvidas na construção europeia, se deve entender um conjunto que vai para além apenas das comunidades europeias ou da União Europeia.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Mas isso está na própria redacção.

O Sr. Presidente: * É preciso fazer interpretações virtuosas, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A interpretação da expressão "processo de construção europeia" é frequentemente restritiva.
Creio que é mais frequente ir no sentido de entender que se refere, que se reporta apenas ao desenvolvimento da comunidade europeia, das comunidades da União Europeia e, eventuais, desenvolvimentos futuros.
Quanto à questão do plural, o plural nas respectivas instituições regionais, creio que com este entendimento é obrigatório, embora esteja aqui em aberto a questão de saber se devemos utilizar a expressão "instituições regionais", ou "instituições de representação regional", ou "instituições de composição de base regional", ou qualquer outra. Mas creio que esta não é, efectivamente, uma questão fundamental.
Agora, há um aspecto da questão colocada Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que é o seguinte: creio que é obrigatório quando falamos em regiões - e não falando das regiões no sentido meramente estatístico, que é o sentido por vezes utilizado pela comunidade europeia - ter em conta que há, inevitavelmente, regiões de diferente natureza que são consideradas e que isto é perfeitamente normal neste contexto, isto é, há uma situação anormal que é o facto de regiões de Portugal estarem representadas por eleitos municipais, mas dentro das regiões que estão representadas por eleitos regionais, temos representantes dos Landers alemães, com o estatuto de Estados Federados, temos representantes das regiões autónomas, temos representantes das regiões de estatuto especial de Itália, temos representantes das regiões de estatuto ordinário também de Itália, dentro do mesmo país, como é sabido, com um estatuto completamente diferente do ponto de vista jurídico, dentro das competências, dos recursos financeiros administrados, etc., temos regiões com um papel relativamente escasso como a França e temos regiões com um altíssimo papel, maior às vezes que os estados federados, como as regiões espanholas e mesmo dentro das regiões de Espanha há regiões de diferente natureza…
Portanto, creio que este facto que é obrigatório, que é natural e que não coloca qualquer dificuldade neste contexto.
As observações que tenho feito são no sentido construtivo de encontrar aqui a melhor clarificação e as melhores formulações dentro de uma linha que me parece que é evidente para todos.
Quanto às preocupações creio que são partilhadas e as preocupações básicas vão no sentido de assegurar maior participação das regiões autónomas na construção europeia.
Gostaria de ter a certeza que, na altura própria, este princípio da participação vai, igualmente, ser estendido em relação a outras instituições da administração pública portuguesa.

O Sr. Presidente: * Assim o julgamos, Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): * Sr. Presidente, apresentámos, através do Deputado António Trindade, uma proposta também relativa à alínea u), mas creio que a redacção apresentada conjuntamente pelo PS e pelo PSD materializa melhor o que gostaríamos de ver concretizado.
Para mim, esta situação é óbvia, é evidente, é imperativo que assim acontecesse, porque não se compreende que as regiões autónomas não participassem no processo de construção europeia, sendo que estamos a falar na Europa das Regiões - aliás, se isso não acontecesse é que era dramático.
Vejo que todas as intervenções produzidas até agora há, praticamente, uma certa unanimidade em relação a estas duas alíneas, porque, de facto, as regiões autónomas devem contribuir, participar e colaborar no processo de construção europeia, pelo menos naquilo que lhe diz respeito.
E atendendo a que o tempo, de facto, não nos sobra, pois estamos apertados em termos de tempo, pois gostaríamos de ver o processo de revisão constitucional concluído no próximo dia 4, mas, apesar de estarmos mais ou menos em unanimidade em relação a estes pontos, a verdade é que, se não estou em erro, já estamos há duas horas a dizer que estamos todos de acordo sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Concordo.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): * Portanto, sugeria o seguinte: que nos demoremos naquilo em que não estamos de acordo, compreendo; mas naquilo que se está de acordo acho melhor passar para a frente.

Risos.

E é por isso que faço esta minha intervenção, porque se há tempo para todos os Srs. Deputados também deve haver tempo para mim e, então, continuamos prolongando os trabalhos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, peço agora a vossa colaboração uma vez que vamos entrar no processo de votações em torno das matérias que restam para o artigo 229.º.
Veremos depois o que é que podemos votar e o que é que ficará ainda por votar para a apreciação superveniente.
Quanto à proposta em apreço, proposta comum apresentada pelo PS e pelo PSD, pergunto aos Srs. Deputados se aceitam que votemos em bloco as alíneas u), modificação da alínea u) actual, e a alínea v), como uma alínea nova.

Pausa.

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Como não há objecções, vamos votar a proposta em bloco.
Srs. Deputados, vamos passar, então, à votação da proposta relativa às alíneas u) e v) do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes..

É a seguinte:

u) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência desses que lhes digam respeito, bem como, em matérias do seu interesse específico, sobre a definição das posições do Estado português no âmbito do processo de construção europeia;
v) Participar no processo de construção europeia mediante representação nas respectivas instituições regionais e nas delegações envolvidas em processos de decisão comunitária, quando estejam em causa matérias do seu interesse específico.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do PSD, as propostas apresentadas pelo Deputado Pedro Passos Coelho relativas ao artigo 229.º, depois das votações já operadas, em minha opinião, estão prejudicadas, mas quero o vosso consenso para essa interpretação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, concordo que estão prejudicadas, sem prejuízo, passo o pleonasmo, de votarmos o corpo do n.º 1 que ficou em aberto.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, há uma proposta para a alínea v), apresentada pelo PCP.
Pergunto ao Sr. Deputado Luís Sá se, em função da votação já ocorrida, poderemos considerar essa proposta prejudicada.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Está obviamente prejudicada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Muito obrigado, Sr. Deputado Luís Sá.
Por outro lado, a proposta do PCP relativa ao n.º 5 do artigo 229.º proponho que seja apreciada aquando da votação das competências da assembleia legislativa regional em sede de artigo 234.º.
Está de acordo, Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. Luís Sá (PCP): - De acordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, temos ainda uma proposta do Deputado António Trindade relativamente às finanças públicas regionais, que já foi considerada substituída.
Há também uma proposta, apresentada pelo CDS-PP, sobre as finanças públicas regionais, artigo 230.º-A, e eu pergunto ao Sr. Deputado do CDS-PP se a considera prejudicada em função das votações que já ocorreram?

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): * Sr. Presidente, várias das nossas alíneas versam sobre aspectos que não estão contidos no artigo 229.º.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, então, faremos o seguinte: quanto à proposta 230.º-A, apresentada pelo Deputado António Trindade e outros, consideramo-la prejudicada; quanto à proposta apresentada pelo CDS-PP, a solução que vejo é votá-la em bloco, porque se trata de uma proposta globalmente alternativa.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta apresentada pelo CDS-PP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP e votos a favor do CDS-PP.

Era a seguinte:

1 - As regiões autónomas dispõem dos recursos financeiros seguintes, para além, de outros que a lei lhes atribua:

a) Receitas fiscais cobradas nas regiões autónomas;
b) Compensação sobre as receitas fiscais geradas e não cobradas nas Regiões;
c) Impostos próprios, taxas e contribuições especiais;
d) Rendimentos provenientes do seu património;
e) Produto de empréstimos internos e externos;
f) Transferências do orçamento do Estado.

2 - O Estado transfere para as regiões autónomas os recursos financeiros necessários à cobertura dos custos de funcionamento dos serviços públicos essenciais, tendo em conta os custos da insularidade.
3 - O regime das finanças públicas das regiões autónomas será fixado por lei da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, existe uma proposta para o n.º 5, apresentada pelo Deputado Arménio Santos, relativa ao artigo 229.º que se reporta à iniciativa de referendo regional que proponho que apreciemos em sede de artigo 234.º.
Vamos, agora, aprovar ou não, veremos!, uma proposta de proémio, que foi inicialmente apresentada pelos Srs. Deputado Medeiros Ferreira e Mota Amaral, e que corresponde também ao proémio apresentado pelo Deputado Pedro Passos Coelho, que visa consolidar uma referência às regiões autónomas como pessoas colectivas territoriais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, talvez fosse melhor votarmos o aditamento da expressão "territoriais" e a eliminação da expressão "do direito público",

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porque isso é que seria pôr este número de harmonia com o artigo 237.º das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, independentemente da proposta ter sido apresentada pelos Srs. Deputados que referiu, esta discussão que foi travada na primeira leitura, e creio que houve um consenso no sentido de utilizar uma formula idêntica à que é utilizada no artigo 237.º em relação às autarquias locais, independentemente da natureza completamente diferente, isto para tranquilidade do Sr. Deputado Guilherme Silva, das autarquias locais e das regiões autónomas, que bem sabemos...

O Sr. Mota Amaral (PSD): * E minha também…!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): * E não só!

O Sr. Luís Sá (PCP): - E para tranquilidade de todos nós!
Meus senhores, tenho tido oportunidade, por exemplo, a propósito de regiões administrativas, de exprimir a profunda diferença que existe entre as regiões administrativas e as regiões autónomas e o facto de umas não serem autarquias locais e outras serem.
O que me parece é que independentemente disso, do ponto de vista técnico, são ambas pessoas colectivas territoriais. Também sabemos que a doutrina utiliza diferentes expressões, nomeadamente pessoas colectivas de direito público, pessoas colectivas de direito público, etc., agora o que não faz grande sentido é que esteja consagrada uma expressão no artigo 237.º e outra expressão diferente no artigo 229.º.

O Sr. Presidente: * Bom, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse a mesma coisa, ou seja, apresentou uma solução no sentido de não se fazer, por redundante, um acolhimento das pessoas colectivas territoriais com a definição que é óbvia da sua natureza de direito público, para se passar a dizer tão-só "as regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais".
Se os próprios proponentes estiverem de acordo votaremos nestes termos, com dispensa da referência à necessidade da classificação de direito público, que é óbvia e resulta de outros pontos da Constituição.
Srs. Deputados, se ficar "pessoas colectivas territoriais de direito público", não fica mal; fica uma referência ao óbvio. Se o Sr. Deputado Mota Amaral acha que o óbvio é necessário, não será por mim que o vou desgostar neste ponto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, há aqui uma questão que queria acrescentar e que é a seguinte: é que a expressão "pessoas colectivas territoriais", por exemplo, é doutrinalmente pacífica, mas a expressão "pessoas colectivas de direito público", como é sabido, é alvo de alguma controvérsia, porque há quem chame pessoas colectivas públicas, pessoas colectivas de direito público, etc., mas, por mim, não entro nisso porque acho que são exactamente a mesma coisa.
Não sei por que é que a Constituição há-de entrar por essa matéria e não há-de garantir uma uniformidade de terminologia que, além do mais, é doutrinalmente pacífica.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, que estas pessoas colectivas só podem ser públicas e de direito público salta à vista de todos nós.
Srs. Deputados, vamos passar à votação da proposta que tem a consequência de substituir a referência "pessoas colectivas de direito público", pela referência "pessoas colectivas territoriais", constante do n.º 1 do artigo 229.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, falta-me apenas recordar que há uma proposta do PCP que era apresentada para o artigo 229.º mas que se reporta ao elenco das matérias de interesse específico regional.
Esta matéria, suponho, com vantagem para todos nós, será apreciada a propósito de outras propostas similares que amanhã, certamente, terão lugar nesta Comissão.
Srs. Deputados, a próxima reunião é amanhã às 21 horas.

Eram 19 horas e 30 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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