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V REVISÃO CONSTITUCIONAL

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Acta n.º 9

Reunião do dia 29 de Junho de 2001

SUMÁRIO

A reunião teve início às 11 horas e 30 minutos.
Relativamente aos projectos de revisão constitucional n.os 1/VIII (PSD), 2/VIII (PS) e 3/VIII (CDS-PP), foram ouvidos pela Comissão a Sr.ª Prof.ª Doutora Teresa Nogueira e o Sr. Dr. Luís Silveira (Secção Portuguesa da Amnistia Internacional), que responderam a questões do Sr. Presidente (José Vera Jardim) e dos Srs. Deputados Pedro Roseta (PSD), Jorge Lacão (PS) e Bernardino Soares (PCP).
O Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente (José Vera Jardim): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta reunião.

Eram 11 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, os nossos trabalhos de hoje são preenchidos pela audição dos Representantes da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, a Sr.ª Prof.ª Teresa Nogueira e o Sr. Dr. Luís Silveira, a quem agradeço a presença nesta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e peço que, como habitualmente, façam uma intervenção inicial, a que se seguirá uma fase de questões a colocar pelos Srs. Deputados.
Enviámos a VV. Ex.as, à Amnistia Internacional, os vários projectos de lei pendentes nesta Comissão. Naturalmente, alguns aspectos desses projectos extravasam um pouco aquilo que são as normais competências da Amnistia, mas não é em relação a esses que pretendíamos a vossa cooperação - isto, sem prejuízo de poderem, se assim o entenderem, dizer algo sobre essas matérias. Porém, são as questões relativas ao Tribunal Penal Internacional, ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia e, também, a alterações visando agilizar alguns aspectos da investigação criminal, nomeadamente a permissão da entrada no domicílio durante a noite em certas condições às autoridades policiais, são estas as questões, repito, em relação às quais, em especial, pensamos que o contributo da Amnistia Internacional seria muito positivo para os trabalhos desta Comissão.
Assim, sem mais delongas, dou a palavra a VV. Ex.as para fazerem uma primeira abordagem, à que se seguirão as questões colocadas pelos Srs. Deputados.

A Sr.ª Prof.ª Doutora Teresa Nogueira (Vice-Presidente da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional): - Agradeço à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, em particular, ao Sr. Deputado José Vera Jardim o convite feito à Amnistia Internacional para aqui estar. Não quero deixar de realçar a grande importância que constitui para nós a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, pois é conhecido o que temos feito nesse sentido. Como sabem, nesta altura, o número de países que ratificaram o Estatuto já ultrapassou metade dos 60 necessários para que o Tribunal Penal Internacional entre em funcionamento.
Atendendo ao papel extremamente importante que Portugal teve na elaboração do referido Estatuto, parece-me ser de saudar que, finalmente, o Estatuto vá ser ratificado, depois de ultrapassadas as dificuldades a nível constitucional. Portanto, agradeço as démarches que têm estado a ser feitas.
Aproveito ainda para oferecer à Assembleia da República um exemplar do nosso relatório anual de 2001 e um outro da campanha que temos em curso, a Campanha "Vamos Acabar com a Tortura".
Em relação ao assunto que aqui nos traz, será o Sr. Dr. Luís Silveira a abordá-lo. Limito-me a dizer que, de uma maneira geral, apenas temos dois pequenos acrescentos a propor, mas uma análise pormenorizada será feita pelo Sr. Dr. Luís Silveira, a pessoa que, dentro da Amnistia, trata deste assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Luís Silveira.

O Sr. Dr. Luís Silveira (Representante da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional): - Sr. Presidente, muito sinteticamente e começando, talvez, por aquele tema que acaba por assumir maior relevo em relação à Amnistia a nível mundial, (e correndo o risco de ser um pouco redundante relativamente ao que a Sr.ª Prof.ª Teresa Nogueira já referiu), parece importantíssimo à Amnistia Internacional - e, portanto, também à Secção Portuguesa - a criação deste Tribunal Penal Internacional, com jurisdição universal para investigar e julgar os crimes mais graves que se podem cometer contra a Humanidade e a sociedade internacional, concretamente o genocídio, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade (quanto ao crime de agressão, logo se verá o que acontece).
A Amnistia saúda especialmente a circunstância de, no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, não figurar a eventual aplicação da pena de morte. Foi uma luta em que a Amnistia esteve ao lado da delegação portuguesa (e, naturalmente, de outras, caso contrário não se teria ganho esta batalha), e foi difícil conseguir - foram feitos alguns compromissos, que são conhecidos - a não inclusão da pena de morte no elenco das penas aplicadas pelo Tribunal. Como sabem, a abolição, incondicional e por todo o mundo, da pena de morte é um dos temas fundamentais da Amnistia, fazendo até parte do seu mandato.
Por outro lado, a Amnistia considera que a maioria das regras processuais de funcionamento do Tribunal são de aplaudir, porque rigorosas e respeitadoras dos direitos fundamentais. Muito particularmente no tocante aos direitos de defesa e aos direitos das vítimas, o Estatuto até é inovador em algumas matérias,.
Parece-nos bem - embora teoricamente se pudesse, porventura, discutir se teria de haver ou não qualquer previsão constitucional a este respeito - a referência a esta matéria na revisão constitucional, quanto mais não seja por uma questão de segurança. Quer dizer, se a eventual ratificação e a entrada em vigor do Estatuto do Tribunal, também para Portugal, não tivesse uma cobertura constitucional, correr-se-ia sempre o risco de, futuramente, em casos que viessem a correr nos tribunais portugueses a este respeito, se suscitar o problema da inconstitucionalidade, ou não. Portanto, parece-nos muito avisado que se preveja uma cobertura constitucional a este respeito.
Quanto aos dois projectos de revisão constitucional apresentados a este respeito, parece-me que, no essencial, se equivalem - e o que lá está basta. Um deles utiliza o termo "direitos da pessoa humana" quando, no mesmo preceito, acima, se fala de "direitos do homem", pelo que talvez fosse conveniente fazer aqui uma certa unificação de nomenclatura para não haver dúvidas. Também se fala, nesse projecto de revisão constitucional, de "direitos dos povos", mas temos alguma dúvida teórica de que crimes deste género, ou seja, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou genocídio, sejam efectivamente crimes contra os direitos dos povos. Quando se fala de direitos dos povos está consagrado o entendimento de que tal diz mais respeito à autodeterminação dos povos, etc.
Mas estas são questões, a nosso ver, secundárias. O fundamental é o preceito básico que consta de cada um dos projectos que prevê a cobertura constitucional para a aplicação do Estatuto entre nós - e aplicação em termos de complementaridade. Como todos sabemos, consta do próprio Estatuto que, em princípio, são os tribunais de cada Estado que o deverão aplicar e só se os tribunais não

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forem capazes de o fazer é que entra em jogo a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. É por isso que nos parece - embora a Amnistia não tenha posição oficial no tocante à prisão perpétua - que a questão que se tem suscitado a respeito da prisão perpétua não será tão relevante como isso. Fundamentalmente, espera-se que venham a ser os nossos tribunais a aplicar as regras do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e, como em Portugal não é aplicável a pena de prisão perpétua, cremos que, em princípio, não deveria haver problema.
Isto, sem deixar de salientar que se nos afigura haver certas regras de direito ordinário interno que deverão ser modificadas para que, de facto, não venha a correr-se o risco de se chegar à conclusão de que, afinal, os tribunais portugueses não terão possibilidade de se ocupar de algumas destas matérias - concretamente, regras relativas à prescrição. Como é sabido, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional não prevê a prescrição para estes crimes e, no nosso direito actual, prevê-se a prescrição com diversas modalidades para os vários tipos de crimes.
Por outro lado, no tocante à própria tipificação de alguns crimes, fundamentalmente crimes contra a humanidade, a amplitude do tipo de crimes contra a humanidade no Estatuto do Tribunal Penal Internacional é bastante mais abrangente do que o previsto no nosso Código Penal.
Quer-nos parecer, no entanto, que este princípio da complementaridade resolverá, em princípio, as dificuldades que se suscitaram entre nós, nomeadamente no tocante à prisão perpétua, mas sempre se tornará necessário, julgamos, fazer alterações na nossa lei ordinária a este respeito.
Quanto às outras duas questões indicadas pelo Sr. Presidente, relativas a direitos fundamentais em geral, pode dizer-se que também elas têm a ver com as preocupações da Amnistia Internacional.
Quer-nos parecer que o alargamento que se prevê quanto à possibilidade de quebra da inviolabilidade do domicílio à noite, desde que, como está previsto, resulte sempre de decisão judicial, respeite as formalidades legalmente previstas e respeite a crimes de inegável gravidade no momento presente, até diríamos que, para além dos crimes relativos a tráfico de estupefacientes, não seria ilógico, não seria inaceitável que essa quebra da inviolabilidade do domicílio - insistimos, sempre por decisão judicial e respeitando formalidades legais - também pudesse abranger os próprios crimes previstos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, em termos não só de pura lógica formal como, também, de lógica material dos sistemas penais. Tal não nos pareceria inadmissível, repito.
Finalmente, quanto à questão do espaço de segurança, de justiça e de liberdade, embora seja matéria que envolve ingredientes políticos sobre os quais a Amnistia, obviamente, não se pronuncia, a preocupação que suscitaríamos perante esta Comissão, Sr. Presidente, seria a de que nunca da implementação desse propósito legal, se assim for constitucionalizado, deveria resultar a possibilidade de ocorrer a extradição, expulsão ou devolução - no caso de não aceitação de pedidos de asilo - de qualquer pessoa para países onde pudesse correr o risco de ser submetida a tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Poder-se-ia argumentar que, em princípio, essa hipótese já estaria excluída por se estar a falar da União Europeia e, em regra, a própria admissão à União Europeia envolve um certo escrutínio do respeito dos Estados em relação aos direitos fundamentais em geral. Mas a verdade é que nunca sabemos o que poderá acontecer no futuro, nomeadamente quanto ao alargamento da União Europeia, e a Amnistia Internacional entende há sempre o risco de, mesmo no tocante aos Estados da União Europeia, não sistematicamente mas num caso ou noutro, poderem surgir situações deste género. Portanto, veríamos com muito interesse que esta reserva pudesse ser incluída.
É claro que, em boa verdade, essa previsão deveria ser integrada no preceito que trata da extradição em geral, do asilo, etc. Esta regra, que existe, afinal, na nossa lei ordinária, deve valer em relação a todos os Estados e não apenas em relação aos Estados da União Europeia. Mas creio que, em relação a essa norma, não há propostas de revisão constitucional, portanto, não sei se será possível, neste momento, incluir uma reserva desse tipo, que corresponde - insistimos - ao próprio espírito da nossa ordem interna. Parece que não haverá possibilidade de incluir uma restrição deste tipo nessa norma de âmbito geral; mas, se assim é, veríamos com muito interesse que essa reserva pudesse ser incluída nesta norma que aqui se prevê.
Sr. Presidente, fundamentalmente, é tudo o que queríamos dizer a este respeito.
Talvez a Prof.ª Teresa Nogueira queira acrescentar mais alguma coisa.

A Sr.ª Prof.ª Doutora Teresa Nogueira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria apenas reforçar esta questão porque, na realidade, o que muitas vezes se ouve é que não tem qualquer fundamento, em relação a países da União Europeia, pôr a questão de restrições em relação à transferência de pessoas - e quando digo transferência refiro-me a devolução, extradição ou expulsão.
Vou falar de um caso um pouco controverso, mas queria começar por dizer que a Amnistia tem a decorrer, neste momento, uma campanha contra as acções da ETA, mas também reconhece, e foi reconhecido pelo Comité da ONU contra a Tortura, que, de facto, não são dadas garantias fundamentais aos presos da ETA. Ou seja, eles são mantidos durante algum tempo em estado de incomunicabilidade e apenas podem ter um advogado oficioso, portanto, não da sua escolha. E não podemos escamotear estes casos.
A prática não é uniforme na União Europeia e, portanto, em caso de expulsão, os casos teriam de ser cuidadosamente estudados, diria quase que um a um, para apurar qual a prática nesses países. Daí a importância, que me permito realçar, de uma salvaguarda em relação ao artigo 7.º, da construção do espaço europeu. Até porque, prevendo-se a adesão breve da Turquia e dos países de Leste, vai ser difícil salvaguardar estas questões. Nesse sentido, esta salvaguarda parece-nos muito importante.

O Sr. Presidente: - Agradeço a vossa contribuição, o vosso depoimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, em nome do PSD, queria felicitar a Amnistia Internacional não só pelo que nos disse hoje mas pelo que tem feito pelos direitos humanos em geral, nomeadamente no que diz respeito a pontos essenciais como a luta contra a tortura,

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a abolição da pena de morte, etc. Também queria referir que tivemos conhecimento de que elaborou umas fichas - não sei se posso chamar assim, ou uns documentos que foram distribuídos numa sessão aqui organizada, julgo que no âmbito da 1.ª Comissão, em que pude estar presente - muito bem articuladas sobre a questão do TPI, que é aquela sobre a qual vou pronunciar-me porque, das três questões que foram tocadas, é a única que consta de um projecto do PSD, embora o PSD tenha outras questões mas que não afloradas agora.
Em primeiro lugar, queria perguntar se não vos parece que a divulgação das posições da sociedade civil nesta matéria, não só da Amnistia Internacional como das ONG em geral, tirando uma ou duas excepções - a primeira é a Amnistia mas há também o Fórum Justiça e Liberdades - não tem sido muito escassa, comparada com o que tem ocorrido noutros países. Noutros países, a sociedade civil, maioritariamente, tem-se manifestado em favor da ratificação do Estatuto do TPI. E, em Portugal, o que é que vos parece? Como é que é possível entender esta… Mesmo ultrapassada aquela questão inicial que, julgo, já está perfeitamente esclarecida. Aliás, o Dr. Luís Silveira referiu, e muito bem, aquela questão relativa à eventual prisão perpétua - julgo que houve uma má leitura inicial do Estatuto, mas julgo que isso está esclarecido. Mas, dizia, verifico que há pouca participação da sociedade civil, das ONG, com algumas excepções, pelo que gostava de um comentário vosso sobre essa matéria.
Tanto mais que, como disseram, Portugal fez parte dos like minded states, dos Estados de opinião comum, (não sei bem como dizer em português, porque não há tradução oficial). Refiro-me ao conjunto dos países que tentaram encontrar uma solução, dentro de prazos aceitáveis, e que levou ao Estatuto de Roma que, apesar de tudo, já vai fazer três anos, daqui a 15 dias.
Queria também colocar uma outra questão e, por fim, prestar um esclarecimento sobre algo que o Dr. Luís Silveira disse em relação ao nosso projecto.
Nesse ponto, distancio-me talvez um pouco de muitas opiniões que tenho observado e que são favoráveis à ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, na medida em que, como já tive ocasião de o dizer aqui, sou muito crítico em relação aos tribunais ad hoc, sem falar da experiência de Nuremberga e de Tóquio - essa é historicamente justificável e julgo que é indiscutível que trouxe alguns avanços à humanidade.
Gostava, pois, de ouvir um comentário vosso sobre a experiência dos tribunais ad hoc para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda - este, então, tem sido uma catástrofe! Não vos parece que, pelo facto de estes serem tribunais do vencedor e, no caso do do Ruanda e do Tribunal de Arusha, além disso, funcionarem mal, não se pode tirar um argumento a contrario, no sentido de que é preciso haver um tribunal com competência universal, um tribunal que julgue todos por igual, que não seja um tribunal de vencedores?
Finalmente, em relação à redacção da proposta do PSD, é evidente que as redacções são sempre aperfeiçoáveis. Nós falamos de direitos humanos e não de direitos do homem porque, a pouco e pouco, tem havido esta evolução, pela razão que conhecem: todos sabemos que Homem se aplica também à metade feminina, que, aliás, é maioritária, do género humano - maioritária, com maior longevidade e, parece, mais resistente, o que prova que, às vezes, certos estereótipos do passado não tinham qualquer razão de ser -, mas a verdade é que há, ao nível de muitas organizações internacionais, e também por causa da expressão de língua inglesa, Human Rights, esta tendência para substituir a expressão "direitos do homem" por "direitos humanos", excepto, evidentemente, quando se trata de um documento como a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou a Convenção Europeia, nas quais já constava a expressão "direitos do homem" há décadas e não se vai agora mudar. Mas quando há uma inovação, sobretudo por causa desta chamada de atenção de muitas organizações de mulheres, e não só, temos adoptado esta versão.
Também queria dizer que, efectivamente, nós entendemos que se trata de uma matéria que tem a ver com o direito das pessoas e não com o direito dos povos. O direito dos povos está no n.º 3, não apenas o direito dos povos à autodeterminação e independência mas, também, o direito ao desenvolvimento - aí, aliás, põe-se um problema, porque o direito ao desenvolvimento é, simultaneamente, um direito dos povos e das pessoas: o direito ao desenvolvimento integral da pessoa humana e o direito do desenvolvimento dos povos. Mas, tirando esse, que está nos dois, é evidente que nós não confundimos e que se trata, fundamentalmente, de salvaguardar o primado da pessoa e os direitos da pessoa. Era este o esclarecimento que queria dar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, queria começar por saudar a presença da Amnistia Internacional na pessoa da Prof.ª Teresa Nogueira e do Dr. Luís Silveira e manifestar, basicamente, o meu apreço pelas reflexões que aqui nos deixaram.
Quero manifestar também a minha congratulação, até pela circunstância de, no tempo em que este nosso encontro ocorre, felizmente, já muita poeira ter assentado no que diz respeito à natureza do Tribunal Penal Internacional, ao seu significado na estruturação de uma ordem judicial no âmbito do direito internacional e, portanto, à possibilidade de, com ele, encetar a criação de uma justiça que não seja uma justiça ad hoc ou uma justiça dos vencedores, para poder efectivamente passar a ser uma instância de jurisdição independente dos Estados, isenta e desejavelmente capaz de se sobrepor às relações de força típicas da balança de poderes da sociedade internacional.
É um caminho que se há-de fazer, que começa nesta geração e se há-de prolongar por gerações futuras. Recordo-me de uma declaração do Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Anan, quando, justamente a propósito do Tribunal Penal Internacional, sublinhou que este pode ser o melhor contributo e a melhor oferta que esta geração pode dar em matéria de estruturação de um direito internacional de justiça às gerações vindouras.
Nesse sentido, permito-me apenas registar e congratular-me com o vosso testemunho sobre este processo, sendo certo que a circunstância de a Assembleia da República ter optado por abrir esta questão prévia da revisão constitucional visou justamente criar uma segurança na nossa ordem jurídica, como o Sr. Dr. Luís Silveira sublinhou, para evitar que, amanhã, qualquer questão de interpretação ou de aplicação nos criasse o maior embaraço, designadamente colocando-nos numa eventual

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posição de suposta menor boa fé no cumprimento dos nossos próprios compromissos internacionais.
Portanto, penso que estamos no bom caminho, não quero fazer uma pergunta em concreto, quero apenas manifestar a minha sintonia de reflexão.
Quanto ao outro ponto, que tem a ver com o abrir ou não, desde já, no âmbito do n.º 6 do artigo 7.ºe, eventualmente, sob outra forma de tratamento constitucional, o reconhecimento do significado que tem, em matéria de aprofundamento da União Europeia, a construção de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, penso que fazem sentido todas as ponderações, todas as questões cautelares, mas que, depois do que a União Europeia foi, até hoje, em termos de união, passando pela União Económica e Monetária, ou ela se transforma, de facto, no quadro de uma cidadania europeia, num espaço de liberdade, de segurança e de justiça, ou então não se redime a si própria relativamente àquilo que confessou querer ser.
Nesse sentido, não há duvida que existem interpelações a algumas concepções clássicas da soberania dos Estados e de organização dos próprios princípios de aplicação ao nível dos Estados, tais como os de separação de poderes e de modos de aplicação, designadamente de decisões dos tribunais em matéria de cooperação judiciária, sobretudo em matéria de cooperação no âmbito dos planos judiciários penais, policiais, etc.
Temos de estar atentos a esses novos desafios, tanto mais que já depois de Maastricht e, sobretudo, depois do aprofundamento que Amsterdão conferiu ao Tratado de Maastricht neste ponto, hoje a cooperação judiciária, policial e penal poderá vir a ser feita por via de soluções que implicam directivas-quadro ou por via de convenções celebradas entre os Estados no âmbito das cooperações reforçadas.
Portanto, são novos mecanismos de aprofundamento desse mesmo espaço e a nossa dificuldade, reconheço-o, é encontrar um ponto de equilíbrio que permita à Constituição Portuguesa, por um lado, não desconhecer a nova realidade da cooperação judiciária internacional no espaço da União e, por outro lado, continuar a garantir o primado de aplicação dos princípios fundamentais do regime dos direitos, liberdades e garantias.
Esta é uma preocupação que também temos; é uma preocupação em torno da qual estamos em curso de reflexão e, hoje mesmo, suponho que o sabem, teremos a ocasião de nos encontrarmos com o Sr. Comissário Europeu que se ocupa justamente deste domínio, o Dr. António Vitorino, onde a reflexão tem como ponto central esta mesma matéria.
Portanto, acolho também as vossas preocupações quanto a esta questão e, certamente, elas terão eco na reflexão que está em curso.
Renovo os meus agradecimentos pelo vosso testemunho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, quero colocar duas questões sobre a problemática da prisão perpétua, pena com a qual, julgo eu, a Amnistia Internacional não está de acordo.
Da intervenção que VV. Ex.as fizeram, julguei entender que para Amnistia Internacional, neste momento, o problema não se coloca porque estará garantida a não aplicação, pelos tribunais portugueses, da pena de prisão perpétua. Portanto, a primeira pergunta que quero formular é se isso basta e se não é significativo que num instrumento internacional, como pretende ser o TPI, essa seja uma das penas previstas, independentemente dos termos em que o é.
Ainda relativamente a esta matéria, e tendo presente a intervenção inicial, na qual salientaram como tinha sido positivo (embora saibamos que houve dificuldade em consegui-lo) retirar a previsão de pena da morte do Estatuto de Roma, pergunto se neste quadro, com objectividade e não assentando essa expectativa em qualquer voluntarismo pouco objectivo, podemos esperar que haja um avanço no sentido de, a curto ou médio prazo, dele ser retirada também a pena de prisão perpétua.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, permite-me formular uma questão complementar, em meio minuto, se os meus colegas se não opuserem?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Luís Silveira, não pensa a Amnistia Internacional, como referiu e como já aqui foi mencionado por vários intervenientes, que teria sido possível evitar, graças ao trabalho de Portugal (ao vosso e ao de muitos outros organismos), a aplicação da pena de morte, apesar de um grupo de países que aplica essa pena ter dito que tal não terá efeitos no seu direito interno? Não pensam que, ao nível da opinião pública mundial e, até, ao nível da pura lógica, se quiserem, o facto de a pena de morte não ter sido consagrada pode ser uma alavanca para acabar com a pena de morte, nomeadamente nos 80 países que ainda a consagram, que vão desde os Estados Unidos até à China, passando por Cuba e pela Arábia Saudita, sem falar já na Coreia do Norte e por aí fora?

O Sr. Presidente: - Para responder, em nome da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, às questão que foram colocadas, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Prof.ª Teresa Nogueira.

A Sr.ª Prof.ª Doutora Teresa Nogueira: - Sr. Presidente, em relação ao aspecto de haver pouca divulgação na nossa sociedade civil, devo dizer que a Amnistia tem vindo a trabalhar o tema do Tribunal Penal Internacional desde há muitos anos - em Portugal, pelo menos desde 1998 - e que, à semelhança do que se fez a nível internacional, onde a Amnistia se coligou com 800 organizações não governamentais especificamente para este caso concreto do Tribunal Penal Internacional, também em Portugal criámos uma coligação que integrava, entre outras organizações, o Fórum Justiça e Liberdades, o Movimento Justiça e Paz e outros. No entanto, esta coligação funcionou durante pouco tempo e, reconheço-o, com pouca eficácia.
Quando começámos a trabalhar estabelecemos contactos com jornalistas e lembro-me de, na altura, um jornalista de um dos diários mais divulgados a nível nacional, que até é meu amigo pessoal, me ter dito: "Tentarei publicar um artigo sobre essa matéria, mas não penses que alguém vai pegar nessa questão do Tribunal Penal Internacional". Era, pois, este o ambiente que se vivia em Portugal na altura

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em que se discutia o Estatuto, quando a nossa delegação estava a fazer um excelente trabalho.
Portanto, houve um desinteresse total da sociedade civil e dos media. O interesse só surgiu quando começou a haver polémica - na realidade, os nossos media, em muitos casos, só se interessam pelas matérias quando sobre elas se começa a gerar polémica. Foi o que aconteceu com a questão da prisão perpétua.
Já agora, avançando um pouco e respondendo ao Sr. Deputado Bernardino Soares, devo dizer que, para a Amnistia Internacional, a questão da prisão perpétua e o facto de estar prevista no Estatuto do Tribunal Penal Internacional é, quanto a Portugal, uma falsa questão, desde logo porque são os tribunais portugueses que devem julgar estes crimes e só se eles não quiserem ou não puderem fazê-lo é que os acusados destes graves crimes serão entregues ao Tribunal Penal Internacional.
Contudo, o artigo 77.º, Parte VII, do Estatuto de Roma estipula que a pena máxima que o Tribunal pode impor em relação ao genocídio e a outros crimes é a prisão perpétua. E o artigo 80.º do Estatuto declara que nada na parte VII afecta a aplicação pelos Estados das penalidades prescritas pelo seu direito nacional nem pelas leis dos Estados que não prescreverem as penas impostas nesta parte.
Portanto, esta questão está perfeitamente salvaguardada em relação a Portugal. Assim, só se Portugal se demitisse das suas funções é que, de facto, uma pena de prisão perpétua poderia ser aplicada. E, aliás, esta é uma pena de prisão perpétua que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê que possa ser reavaliada passados 25 anos!
Nós consideramos que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional não é perfeito e que, apesar de todas estas salvaguardas, há um aspecto a trabalhar futuramente, tendo em vista o seu aperfeiçoamento, uma vez que o consideramos bastante grave. Refiro-me à cláusula do opt out, ao abrigo da qual os cidadãos dos Estados signatários podem ficar isentos de serem levados ao Tribunal Penal Internacional durante sete anos se acusados de crimes de guerra, desde que o seu país, ao assinar o Estatuto, tenha optado pela cláusula opt out. Nós chamamos a isto "licença para matar" e não só estamos a pedir aos Estados que não assinem essa cláusula como estamos a pedir às Nações Unidas que não incluam nas suas forças de segurança forças de Estados que tenham assinado essa cláusula de opt out.
Só mais um pequeno pormenor - não me quero alongar -, para acrescentar que também pensamos que há que rever os poderes do procurador do Tribunal Penal Internacional, embora tenha havido um grande avanço em relação ao que foi defendido por alguns Estados, nomeadamente que o procurador não tivesse poderes limitados caso fosse o Conselho de Segurança a dar origem às investigações.
Na realidade, o procurador pode iniciar as investigações, mas com uma limitação, que nós consideramos grave em teoria, embora não o seja na prática. É que o Conselho de Segurança pode protelar, por 12 meses prorrogáveis, o início de uma investigação. Isto é grave teoricamente, embora na prática não o seja tanto porque, na realidade, o Conselho de Segurança não tem tido este tipo de actuação em relação à violação dos direitos humanos. No entanto seria bom que, numa futura revisão, esta situação fosse ponderada.
Referi-me a esta questão apenas para dar um exemplo de que, de facto, o Estatuto do Tribunal não é perfeito - e outros pormenores há -, mas foi o compromisso possível e representa um extraordinário passo para a Humanidade a ratificação e a entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional.
Naturalmente, este é o primeiro tribunal que não é de vencedores. Trata-se de um tribunal que vai depender directamente da Assembleia Geral das Nações Unidas e não do Conselho de Segurança. E, em nosso entender, é muito positivo que um órgão judicial não esteja dependente do poder político das Nações Unidas, apesar de, como já referi, o Conselho de Segurança poder protelar uma investigação, o que significa que há ainda alguma interferência do poder político das Nações Unidas.
Em relação à questão das expressões "direitos do homem" e "direitos humanos", só posso concordar com o Sr. Deputado Pedro Roseta, porque, de facto, a declaração começou por ser a Declaração Universal do Homem e do Cidadão - e nós sabemos que, após a Revolução Francesa, "cidadão" não abrangia todos os homens, quanto mais as mulheres -, pelo que essa diferença corresponde, efectivamente, a uma evolução. Assim, julgamos que é positivo (e isso já está a ser adoptado em muitos países) que se opte pela designação "direitos humanos".
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, sobre se o facto de a pena de morte não ter sido consagrada pode funcionar como uma alavanca para acabar com a pena de morte, quero dizer-lhe que penso que sim, que pode ser uma boa alavanca. Mas lembro que estabelecer a prisão perpétua como moeda de troca para a pena de morte também foi um compromisso difícil, como todos sabem.
Aliás, a Amnistia Internacional pensa que é irreversível a eliminação da pena morte. Em média, nos últimos 10 anos, três países por ano têm vindo a eliminar a pena de morte e apenas quatro a restabeleceram, embora um deles a tenha eliminado outra vez, o Nepal.
Porém, há países e países… Não acredito que a China vá já eliminar a pena de morte, nem pensar! Esse é, de facto, um problema extremamente complexo. Mesmo nos Estados Unidos da América se nota que há uma evolução no sentido do restabelecimento da pena de morte, embora comece a ocorrer algo muito importante, que é questionar-se o direito de defesa daqueles que são condenados à morte (peço desculpa por estar a afastar-me um pouco da matéria do Tribunal Penal Internacional, mas esta questão foi colocada). Aliás, eu própria, quando lá estive, há alguns meses, reparei que se discutia, com cobertura nos jornais, sobre se os condenados à morte eram devidamente defendidos. Ou seja, pela primeira vez era questionado o direito de defesa dos condenados à morte. Verificou-se mesmo o caso insólito de um advogado oficioso ter dormido durante o julgamento de uma pessoa que acabou por ser condenada à morte.
O que acontece é que estatisticamente se verifica que a maioria dos condenados à morte são pessoas de condição económica muito, muito baixa. Não vale a pena adiantar-me, mas põe-se aqui uma questão económica e, portanto, os condenados não têm dinheiro para pagar a um advogado, acabando por ser condenados sem ser devidamente defendidos. Digo isto para mostrar que, mesmo nos Estados Unidos, onde há toda uma propaganda em relação ao restabelecimento da pena de morte, já se

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começa a questionar o direito de defesa dos condenados, o que já é um princípio.
Portanto, parece-nos irreversível a eliminação da pena de morte e, de facto, o Tribunal Penal Internacional pode dar uma boa contribuição, embora em alguns casos isso seja mais difícil.
Em relação ao espaço europeu, o Dr. Luís Silveira talvez possa acrescentar mais alguns aspectos.

O Sr. Presidente: - Sr. Dr. Luís Silveira, antes de lhe dar a palavra, aproveito esta oportunidade para confirmar uma afirmação sua. Refiro-me ao facto de V. Ex.ª ter dito que a Amnistia Internacional não tem uma posição oficial sobre a prisão perpétua. Gostaria, portanto, de ouvir da sua parte um comentário sobre esta questão.

O Sr. Dr. Luís Silveira: - Sr. Presidente, se me permite, vou responder muito sinteticamente às questões colocadas, seguindo a ordem das intervenções.
Começando pela menoríssima questão de redacção quanto à expressão "direitos humanos", pessoalmente até estarei de acordo com o comentário feito pelo Sr. Deputado Pedro Roseta. A questão põe-se apenas em função de alguma ambiguidade que pode nascer da circunstância de, no mesmo artigo, noutro número, se utilizar a expressão "direitos do homem". Então, o melhor é passar a utilizar-se sistematicamente a mesma expressão. De facto, pode nascer uma certa ambiguidade de, no mesmo artigo, dois números diferentes utilizarem expressões diversas. Mas, como digo, esse é um comentário menoríssimo de redacção, pois o fundamental está lá.
Quanto à apreciação que se fez relativamente à existência dos tribunais ad hoc e o seu confronto com o princípio do Tribunal Penal Internacional, a posição da Amnistia Internacional é óbvia, daí que se tenha batido longamente pela criação do Tribunal Penal Internacional.
A criação de tribunais ad hoc acaba por, de algum modo, afectar ou, pelo menos, bulir com o velho princípio do juiz natural. No nosso direito interno uma solução deste tipo seria, porventura, inconstitucional, ou seja, a criação de um tribunal especial para julgar certos factos já cometidos anteriormente. Isto foi tolerado a nível internacional porque, como sabemos, ainda não há, em matéria penal, um sistema internacional devidamente estruturado.
O próprio princípio da criação dos tribunais ad hoc é muito discutível. Na prática, o Tribunal do Ruanda, como o Sr. Deputado referiu, não funciona como tal; o Tribunal para a ex-Jugoslávia, melhor ou pior, lá vai funcionando em relação a certos presumíveis delinquentes que as forças internacionais conseguem, ou não, capturar.
Mas a razão de a Amnistia tanto ter batalhado pela criação do Tribunal Penal Internacional prende-se fundamentalmente com a função preventiva que o mesmo pode ter. Até talvez mais importante que o julgamento de A, B ou C que este Tribunal Penal possa futuramente realizar, é a função preventiva, pedagógica que o mesmo pode vir a ter no sentido de constituir um aviso, a todos os eventuais autores de crimes daquela natureza, de que se arriscam, no futuro, a ser julgados por ele.
Portanto, a Amnistia entende que a existência de tribunais ad hoc é menos mau do que a sua não existência mas, em larga medida, a criação de um Tribunal Penal Internacional deve prevalecer. A Amnistia e muitos países, entre os quais Portugal, insistiram na urgência da criação de um tribunal penal internacional devido a terem reconhecido os graves defeitos resultantes da existência de tribunais ad hoc.
O tal efeito pedagógico da existência do Tribunal Penal Internacional também se reflecte, naturalmente, no outro aspecto salientado pelo Sr. Deputado, que é o de este Estatuto poder vir, porventura, a servir de alavanca, de modelo a adoptar pelos Estados no futuro, no sentido de reconhecerem que é indesejável a adopção da pena de morte, a qual deve ser progressivamente abolida.
No tocante às questões colocadas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, em parte respondendo também à questão suscitada pelo Sr. Presidente, creio ter dito - naturalmente não o disse com suficiente clareza - que a Amnistia Internacional, enquanto tal, não tem posição oficial em relação à prisão perpétua. Se tem uma posição firme, antiga e indiscutível em relação à pena de morte, quanto à prisão perpétua não tem posição, não se pronuncia.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não a combate?

O Sr. Dr. Luís Silveira: - Não se pronuncia.

A Sr.ª Prof.ª Doutora Teresa Nogueira: - Sr. Presidente, peço desculpa por interromper, mas gostaria de explicar como a Amnistia funciona e por que razão não tem posição por enquanto.
A Amnistia nasceu para defender os prisioneiros de consciência e, progressivamente, foi alargando o seu mandato. Mas este é alargado em cada conselho internacional, isto é, em cada assembleia geral da Amnistia, que se realiza de dois em dois anos e na qual participam cerca de 500 delegados de todo o mundo, sendo preciso pôr as pessoas de acordo.
Dou-vos um exemplo: quando se decidiu discutir se uma pessoa presa por opção sexual, por identidade sexual, era ou não considerada prisioneiro de consciência, tal deu origem uma controvérsia terrível, em especial com os países africanos e árabes. Finalmente, chegou-se a um consenso e, actualmente, uma pessoa que seja presa, por exemplo por homossexualidade, é considerada prisioneiro de consciência.
Digo isto para mostrar-vos que, cada vez que avançamos, há uma discussão profunda no seio do movimento. A questão da prisão perpétua ainda não foi sequer discutida, quanto mais falar de um consenso! Aliás, prevejo que vai haver viva controvérsia com alguns países, porque da Amnistia fazem parte países árabes, africanos, países de todo o mundo e, portanto, é difícil tomar certas resoluções. Quando a Amnistia actua fá-lo a uma só voz, porque as questões foram interiorizadas.
Portanto, muitos de nós gostaríamos de ir muito mais além do que aquilo que fazemos, mas tem de haver um consenso.

O Sr. Dr. Luís Silveira: - Já agora, se me permitem um aditamento, o Sr. Deputado Bernardino Soares referiu que, de qualquer modo, nós entenderíamos que estaria garantida a não aplicação da pena de prisão perpétua em casos relativos a pessoas que pudessem cometer actos sob a competência dos tribunais portugueses. Isso é verdade se e na medida em que vierem a produzir-se alterações na nossa lei ordinária, nomeadamente no tocante à compatibilização entre os tipos de crime definidos no nosso

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Código Penal e no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, e também no tocante à questão da prescrição.
De qualquer modo, no que se refere à bondade, ou não, da participação de Portugal na constituição e funcionamento desta jurisdição internacional, ela também poderá contribuir para, eventualmente, no futuro, fazer pressão para (quem sabe!) a eliminação da prisão perpétua do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. É que, como sabem, um dos órgãos do Tribunal Penal Internacional é a Assembleia dos Estados-partes, a qual é competente para alterar o próprio Estatuto.
Portanto, se estivéssemos de fora, não teríamos qualquer possibilidade de contribuir nesse sentido, mas se Portugal também pertencer a essa Assembleia de Estados-partes poderá - não sei se não deverá, mas quanto a isso não cabe à Amnistia tomar posição - trabalhar nesse sentido.
Vou fazer um último comentário mas, porventura, os Srs. Deputados também estarão cientes dessa situação. A circunstância de se ter mantido, no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a prisão perpétua acabou por resultar de um compromisso e, como disse a Prof.ª Teresa Nogueira, em questões deste género, a nível internacional, o resultado é, muitas vezes, um compromisso que não satisfaz todos.
Os delegados portugueses que participaram na preparação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional disseram, na audiência que se realizou a este respeito (e têm-no repetido em muitas ocasiões), que o que sucedeu foi que, inicialmente, havia um bom número de países que queria integrar no Estatuto também a pena capital. A eliminação da pena capital deste Estatuto teve, de algum modo, como "preço" ou como contrapartida a cedência de muitos Estados, um dos quais Portugal, no sentido de não recusar a inclusão da prisão perpétua, embora naturalmente sempre com respeito pelo princípio da complementaridade.
Penso que a questão colocada pelo Sr. Presidente também ficou respondida pela Sr.ª Professora.

O Sr. Presidente: - Agradeço aos Srs. Membros da Secção Portuguesa da Amnistia Internacional o contributo que deram aos nossos trabalhos, que foi certamente muito útil.
Srs. Deputados, voltaremos a reunir logo à tarde, às 15 horas e 30 minutos, com a presença do Sr. Comissário Europeu, Dr. António Vitorino.
Está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 30 minutos.

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