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V REVISÃO CONSTITUCIONAL

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Acta n.º 11

Reunião do dia 3 de Julho de 2001

SUMÁRIO

A reunião teve início às 10 horas e 45 minutos.
Relativamente aos projectos de revisão constitucional n.os 1/VIII (PSD), 2/VIII (PS) e 3/VIII (CDS-PP), foi ouvido pela Comissão o Sr. Ministro da Justiça (António Costa), que respondeu a questões do Sr. Presidente (José Vera Jardim) e dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Jorge Lacão (PS), Bernardino Soares (PCP), Alberto Costa (PS), José Barros Moura (PS) e Fernando Seara (PSD).
Foi também ouvido o Sr. Dr. Mário Soares, que respondeu a questões dos Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), Maria Manuela Aguiar (PSD), Jorge Lacão (PS), Pedro Roseta (PSD), Osvaldo Castro (PS) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Foi ainda ouvido o Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro (Presidente do Fórum Justiça e Liberdades), que respondeu a questões dos Deputados Alberto Costa (PS), Fernando Seara (PSD) e António Filipe (PCP).
O Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente (José Vera Jardim): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos. Como sabem, hoje é o último dia de audições, estando marcadas a do Sr. Ministro da Justiça, que já está presente, e a do Dr. Mário Soares.
Sr. Ministro da Justiça, começo por, em meu nome pessoal e em nome de todos os Srs. Deputados, agradecer a sua disponibilidade para vir prestar o seu depoimento a esta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Tivemos ocasião de lhe enviar os vários projectos - que são, naturalmente, do seu conhecimento - da revisão constitucional e pretendíamos ouvi-lo sobre um conjunto de problemas apresentados por vários partidos nesta Comissão Eventual.
Refiro-me, em especial, aos problemas do artigo 7.º da CRP, relacionados, por um lado, com o Tribunal Penal Internacional e a ratificação do Estatuto de Roma e, por outro lado, com uma proposta relativa à criação de um "espaço de liberdade, de segurança e de justiça". Por outro lado, também por ser do âmbito da sua competência, gostaríamos ainda de o ouvir sobre uma proposta do Partido Popular relativa a uma alteração ao artigo 34.º da CRP, que pretende autorizar a entrada no domicílio durante a noite, verificando-se certos pressupostos.
Era sobre estas matérias, em especial, que gostaríamos de ouvir o seu depoimento. Mais uma vez, muito obrigado pela sua disponibilidade.
Assim, vamos começar por ouvir uma exposição inicial do Sr. Ministro da Justiça, a que se seguirá uma ronda de perguntas por parte dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que, quanto à questão da ratificação do Estatuto de Roma, que prevê a criação do Tribunal Penal Internacional, o conjunto dos projectos resolve o essencial do problema, que já tinha sido, aliás, objecto de bastante reflexão no quadro parlamentar, com base num relatório do Sr. Deputado Alberto Costa. Portanto, sobre o TPI não tenho nada de especial a dizer. Penso que os projectos resolvem o problema que tinha sido identificado e permitem a ratificação do Estatuto de Roma.
Quero, contudo, a propósito da criação do "espaço de liberdade, de segurança e de justiça", dizer algo mais. Na sequência dos Tratados de Maastricht e Amesterdão, a criação deste espaço é hoje um dos objectivos centrais da construção da União Europeia, e é - todos temos consciência disso - um objectivo essencial, após a eliminação dos controlos internos de fronteira. Não é possível termos um mercado interno, não é possível termos uma moeda única, não é possível termos um território sem controlo interno de fronteiras, sem que exista este espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
Ora, o conteúdo deste espaço de liberdade, de segurança e de justiça já é hoje conhecido, na sequência do Conselho Europeu de Tampere de 1999 e, na sua concretização, é possível antever alguns pontos de conflitualidade com o dispositivo constitucional português. É sobretudo assim, tendo em conta a doutrina fixada no relatório do Deputado Alberto Costa, a propósito do Tribunal Penal Internacional.
Assim, a exemplo do que já acontece com a existência de uma norma de habilitação geral relativamente à construção da União Económica e Monetária, creio que a Constituição carece de uma norma de habilitação geral relativamente à construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, visto que isso pressupõe pormos em comum o exercício de um conjunto de poderes soberanos, quer de natureza legislativa - veja-se a harmonização do Direito Penal, que não passará necessariamente (estou mesmo convencido que passará pouco) pelo recurso a instrumentos que prevejam a transposição posterior em cada uma das ordens jurídicas, podendo passar por instrumentos de aplicação directa - quer de natureza judicial -, e veja-se que isso está a acontecer no que diz respeito ao desenvolvimento futuro tanto do EuroJust como da rede judiciária europeia. Portanto, penso que é preciso uma norma geral, a exemplo daquela que foi introduzida na penúltima revisão constitucional para a construção da União Económica e Monetária.
Como já o disse em sede de 1.ª Comissão, e repito aqui, temos uma questão específica que tem a ver com o princípio da execução directa das decisões judiciais e que coloca problemas em matéria de buscas e mandatos. Em particular, o artigo 33.º colocar-nos-á questões relativamente à entrega de cidadãos, sejam nacionais ou originários de outros Estados membros, a outros Estados membros para efeito do exercício da jurisdição penal.
A resolução deste problema tem tudo a ver com a forma como classifiquemos doutrinariamente estas "entregas". Houve quem, a propósito do TPI, sustentasse a ideia de que, verdadeiramente, só temos a extradição, quando se trata de transferir alguém de uma ordem jurídica para outra ordem jurídica e que, no âmbito do TPI, estando perante uma única grande e global ordem jurídica internacional, a entrega de alguém ao Tribunal que tem competência nessa ordem jurídica não extraditava para uma outra ordem jurídica. Tudo se passava dentro do âmbito da mesma grande ordem jurídica internacional. Foi esta, creio, a posição sustentada pelo Dr. Souto Moura, a propósito do Tribunal Penal Internacional, já que entendia que não se estava perante uma extradição mas perante uma mera entrega, uma mera circulação dentro da mesma ordem jurídica; uma mera transferência de um detido no Algarve para julgamento em Bragança e, portanto, não haveria problemas de conflitualidade com o artigo 33.º da CRP. Esta doutrina não foi consagrada maioritariamente, nem pelos juristas, em geral, nem pela Assembleia da República, em particular.
Ora, não o tendo sido para o Tribunal Penal Internacional, vejo com dificuldade que possa, agora, ser adoptada relativamente ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Portanto, isso coloca-nos numa rota de colisão com o artigo 33.º da CRP, pelo menos em dois domínios.
Por um lado, a entrega de nacionais portugueses. Na última revisão já se abriu a possibilidade para um catálogo de crimes, e não antevejo que o desenvolvimento do espaço de liberdade, de segurança e de justiça seja restritivo àquele catálogo de crimes. Portanto, colocar-se-á, no futuro, o problema da entrega de um cidadão

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português para efeitos de julgamento em outro Estado membro da União Europeia, em conflito com o n.º 3 do artigo 33.º da Constituição.
Temos, depois, uma outra dificuldade que resulta de a generalidade dos países da União Europeia prever, ainda que formalmente, a existência de pena de prisão perpétua. Os únicos que não prevêem são Portugal, Espanha e creio que a Irlanda. No entanto, mesmo com a Espanha não é difícil de antever que um dia alguém suscite que a aplicação de cúmulos jurídicos que podem ir às centenas de anos é, no fundo, a aplicação de sanções com natureza equivalente à prisão perpétua, atendendo a que a esperança de vida, mesmo para os mais optimistas, não poderá abarcar as centenas de anos. Portanto, alguém, algum dia, há-de suscitar a questão da proibição relativa à pena de prisão perpétua relativamente a regimes penais que prevêem cúmulos ilimitados.
Quanto à pena de morte, a questão não se coloca, visto que nenhum dos Estados membros a prevê, actualmente, mas temos este problema relativamente à prisão perpétua.
Na última revisão constitucional procurou resolver-se este problema da extradição para países que prevêem a pena de prisão perpétua, admitindo a extradição, desde que nos sejam dadas garantias que essa pena não é aplicável. Como todos recordarão, essa norma decorreu de uma situação muito particular que se vivia, com alguma frequência, com um Estado com quem Portugal mantém relações diplomáticas, mas que não pode ser verdadeiramente considerado um Estado de direito, pelo menos como o concebemos. Relativamente a esse Estado era, de facto, concebível e possível, porque não assenta no princípio da separação de poderes, conferir garantias a Portugal, quanto à não aplicação de uma determinada sanção. No entanto, essas garantias, verdadeiramente, não são praticáveis nos países democráticos e nos países onde vigora o Estado de direito, porque governo algum pode dizer a outro governo que um juiz num determinado processo não vai aplicar aquela sanção e só aplicará aquela outra sanção.
Assim, temos o paradoxo de esta norma - que criámos para garantia dos direitos fundamentais - só ser verdadeiramente exequível onde esses direitos fundamentais não são respeitados, porque nos países onde são respeitados, em bom rigor, essa garantia não pode ser dada. Mas tem-se contornado a situação com uma interpretação muito criativa do que é que constituem as garantias.
Recordo-vos que, há cerca de um ano, quando se colocou a questão da extradição de um cidadão francês para França - um serial killer que incorria na pena de prisão perpétua -, a Ministra francesa escreveu uma carta dizendo que, no caso concreto, o Ministério Público não deduzia acusação pedindo a pena de prisão perpétua. A verdade é que esse acto da Ministra foi impugnado perante a jurisdição administrativa francesa, com invocação de usurpação de funções, visto que, obviamente, o Governo não pode dar garantias de quais são as penas que os tribunais aplicam ou não aplicam. As garantias só podem ser as que resultam da lei.
A jurisprudência nacional tem entendido como boas as "cartas de conforto" que os Ministros da Justiça vão enviando explicitando as razões pelas quais consideram que não será aplicável aquela medida. Nem sequer os próprios tribunais podem, nesta fase em que é pedida a extradição, dar garantia se a pena é ou não aplicada, porque, pela natureza das coisas, a própria medida da pena só é definível pelo tribunal no termo do julgamento. Ora, a extradição é, habitualmente, um mecanismo pré-sentencial e, portanto, o próprio tribunal não está em condições de dizer ou de se autolimitar no exercício do seu poder.
Tem-se entendido também, por exemplo relativamente à Bélgica, como sendo garantias os conhecimentos de natureza empírica sobre a aplicação efectiva da pena de prisão perpétua. Tem sido entendido, por exemplo, que é extraditável para a Bélgica alguém indiciado por um crime para o qual está prevista a pena de prisão perpétua, visto que a Bélgica prevê no seu ordenamento jurídico uma revisão periódica da pena de prisão perpétua quando ela tenha sido aplicada. Ora, há cerca de 40 anos que não é aplicada nenhuma pena de prisão perpétua e o tempo de duração média das penas de prisão na Bélgica é claramente inferior ao tempo de duração média das penas de prisão em Portugal. A jurisprudência tem concedido extradição para a Bélgica com base nestas informações, que têm sido transmitidas pelo Sr. Ministro da Justiça da Bélgica.
Estes são alguns casos de que eu me recordo deste ano e meio… - ao Sr. Presidente da Comissão, que teve um mandato bastante mais extenso e tem uma memória mais rica, possivelmente ocorrem outros exemplos -, mas a verdade é que vivemos sempre numa situação que é de difícil praticabilidade nos Estados democráticos. E um paradoxo relativamente ao qual é preciso meditar é o facto de termos um sistema de garantias que só é exequível onde os direitos fundamentais não são respeitados, onde o Presidente da República garante que "a este senhor não é aplicada a pena", e nós sabemos que os juízes, atentos e obrigados, cumprirão a decisão do Sr. Presidente da República.
Claro que já vi ilustres constitucionalistas sustentarem que nenhum destes problemas se põe porque, no fundo, apenas se trataria de celebrar um acordo internacional, caso a caso, que entraria em vigor em cada uma das ordens jurídicas e, portanto, teria o valor próprio das convenções internacionais em cada uma ordens jurídicas e, tal como as convenções internacionais, obrigariam os tribunais.
Com certeza, todos temos a noção de que não é, obviamente, praticável a celebração de convenções internacionais caso a caso, até porque em vários Estados essas convenções internacionais estão mesmo sujeitas a reserva da posição parlamentar. Eu duvido, por exemplo, que em Portugal pudéssemos celebrar essa convenção internacional sem que a mesma fosse devidamente aprovada, para ratificação, por parte da Assembleia da República.
Portanto, como podem antever, não se trata propriamente de um sistema prático, trata-se, sobretudo, de um sistema totalmente incompatível com o princípio da criação de um espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça, que implica um reconhecimento da competência, da legitimidade e da plena aceitação dos sistemas judiciários e jurídicos de cada um dos Estados membros da União Europeia. Nós estamos a falar de uma União que é fundada, nos termos dos Tratados, com base num património comum, que resulta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Carta dos Direitos

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Fundamentais e estamos a falar, quer gostemos quer não, do conjunto de Estados em todo o mundo onde o Estado de direito e o respeito pelos direitos fundamentais atingiu um maior grau de desenvolvimento e aperfeiçoamento.
Portanto, é minha convicção que temos de encontrar uma solução para o artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa que não inviabilize a construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. E aí não vale a pena termos ilusões: no passado domingo, entrámos na presidência belga e à presidência belga sucede-se a presidência espanhola. Ora, o tema da presidência espanhola é este e, portanto, no primeiro semestre de 2002 o Conselho de Justiça e Assuntos Internos vai ter de pronunciar-se sobre o acto que permitirá a execução directa das decisões judiciais pré-sentenciais sobre o mandato de busca e captura europeu e sobre as entregas às autoridades judiciárias competentes para efeitos do exercício da jurisdição penal.
Ora, o único Estado membro que tem esta dificuldade é Portugal: nenhum dos outros Estados membros - nenhum! - tem esta dificuldade, ela é exclusiva de Portugal. E aí, sejamos claros, ou a revisão constitucional ultrapassa este problema e Portugal poderá concorrer de uma forma positiva para aquele debate, ou a revisão constitucional não resolve este problema e Portugal terá de bloquear a decisão no Conselho de Justiça e Assuntos Internos, visto que não considero possível que o Governo aprove no Conselho um acto que, consabida e antecipadamente, sabemos ser contrário a uma norma constitucional. Uma coisa é aprovar-se um acto num Conselho relativamente a matéria sobre a qual há dúvidas; agora, tratando-se de matéria sobre a qual não há dúvidas, que é objecto de debate, que é ponderada em sede de revisão constitucional e que a Assembleia da República, no exercício dos seus poderes constituintes, entende, consciente do problema, que não deve ser alterada, isso só impõe ao Governo uma atitude, que é a de, obviamente, bloquear a decisão no Conselho.
Como sabem, por vezes a Espanha tem suscitado problemas de natureza bilateral com Portugal em matéria de extradição. Tem sido entendimento do Governo português que, primeiro, nas questões concretas que tem suscitado não tem razão e, segundo, que o problema da extradição não deve ser considerado ao nível bilateral mas, sim, colocado e tratado ao nível do conjunto da União Europeia, no quadro da criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
A Espanha tem procurado desenvolver um conjunto de tratados bilaterais sobre esta matéria mas, até agora, só os celebrou com a Itália. E fê-lo porque a Itália tinha problemas com a extradição de pessoas detidas em Espanha, porque os tribunais espanhóis entendiam que, como o Código de Processo Penal italiano previa o julgamento à revelia sem prevenir a possibilidades da repetição do julgamento caso o arguido viesse a comparecer, o sistema processual penal italiano não oferecia suficientes garantias. Assim, recusava a extradição para Itália, o que converteu a Espanha, ou pelo menos as zonas de vilegiatura espanhola, em abrigo confortável para um conjunto de foragidos italianos.
Portanto, a Itália assinou esse acordo bilateral mas nenhum outro Estado membro o fez, todos com o mesmo entendimento proposto por Portugal, ou seja, o de que a questão devia ser tratada no âmbito da criação do espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
Assim, de duas uma: ou entendemos que a extradição só existe quando se procede à entrega a Estados terceiros e que, dentro do espaço de liberdade, de segurança e de justiça não existe extradição mas, sim, uma simples entrega e, então, o artigo 33.º não nos coloca qualquer reserva - tese que me parece difícil de sustentar antes da harmonização integral dos tipos penais -, ou então é preciso fazer uma intervenção cirúrgica no artigo 33.º Há ainda uma terceira alternativa que soberanamente detemos, a de manter a reserva constitucional que temos, com as consequências que o futuro ditará.
Não vejo, verdadeiramente, outras alternativas para além destas.
Devo dizer-lhes que considero fundamental a criação do espaço de liberdade, de segurança e de justiça e julgo que Portugal não deve colocar qualquer obstáculo constitucional à plena construção deste espaço. Verdadeiramente, no quadro dos países da União Europeia, a prisão perpétua, mesmo quando aplicada, não é efectivamente executada em nenhum deles. E, como penso que não podemos suscitar qualquer dúvida sobre a fidelidade democrática e de respeito pelos direitos fundamentais que vigora em qualquer dos Estados membros da União Europeia, creio que não devemos criar qualquer obstáculo constitucional a essa matéria, como creio também que não devemos colocar-nos num espaço de livre circulação como refúgio da criminalidade mais grave. Dado que, pela natureza das coisas, as penas mais graves tendem a ser aplicadas aos crimes mais graves, não devemos converter-nos em refúgio dos criminosos que cometem crimes mais graves.
Quanto à questão suscitada pelo CDS-PP, a das entradas em domicílio durante o período nocturno, quero lembrar que esta é uma norma que tem raízes profundas na ideia de que até mesmo quem é perseguido tem direito a um porto de abrigo. Reconheço que o desenvolvimento da criminalidade coloca hoje questões difíceis, do ponto de vista da investigação criminal, com a manutenção ilimitada desta reserva.
O CDS-PP, na sua proposta, refere o crime de tráfico de droga e eu, em primeiro lugar, não referia o crime de tráfico de droga nem creio que a Constituição deva identificar tipos de crimes; em segundo lugar, não reduzo o problema ao tráfico de droga, já que há outro tipo de criminalidade, como é o caso do terrorismo - felizmente hoje não está vivo na nossa sociedade, mas nunca sabemos se poderá ou não vir a estar -, que cria problemas da mesma natureza. Aliás, a própria Constituição já tem, em algumas da suas normas, o recurso a um outro tipo de conceitos, como seja o de criminalidade mais grave e organizada.
De qualquer modo, não me choca que possa vir a flexibilizar-se a regra da inviolabilidade nocturna do domicílio, sobretudo num país onde não há regras sobre domicílio e, portanto, o domicílio é onde nós estamos. É essa a extensão: o domicílio é onde eu estou à noite!… O que suscita, obviamente, problemas complicados.
De qualquer forma, a flexibilizar esta garantia de inviolabilidade nocturna do domicílio, julgo que devem ser fixados alguns requisitos mais exigentes sobre a forma da quebra dessa garantia. Tenho visto algumas pessoas referirem que, tal como se faz a busca aos escritórios dos advogados e aos consultórios médicos, esse tipo de busca

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devia ser acompanhada por autoridade judicial. Ora, penso que é preciso alguma cautela, de forma a que não se torne impraticável o exercício dessa norma. E não tenho a certeza de que mesmo o acompanhamento por magistrado do Ministério Público não inviabilize a aplicação dessa norma. Mas penso que talvez se possa fazer isso densificando os requisitos da exigência da autorização judicial.
Todavia, do ponto de vista do Governo, não vejo qualquer obstáculo a que essa garantia seja flexibilizada para um conjunto de crimes e não exclusivamente para o tráfico de drogas, desde que sejam estabelecidos alguns requisitos em matéria da concessão da autorização judicial.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço-lhe o seu depoimento.
Daremos, então, início a um conjunto de questões para o qual estão inscritos alguns Srs. Deputados, a quem me permito recordar que temos outra audição a seguir, razão pela qual peço que as questões sejam mesmo questões e não exposições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, é sempre um gosto ouvi-lo sobre estas matérias e, numa nota de aparte, apraz-me notar que V. Ex.ª ainda é dos Ministros que exibe sem complexos o cor-de-rosa nessa sua bonita gravata!

O Sr. Ministro da Justiça: - Faz falta nos tempos que correm!

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Ministro, estamos hoje, aqui, de certo modo, a retomar um debate que tivemos há poucos dias a propósito de legislação que o Governo apresentou na Assembleia sobre esta conciliação de exigências, princípios e garantias constitucionais versus o dar resposta às questões inquietantes e cada vez mais preocupantes de uma criminalidade cada vez mais sofisticada, mais organizada e mais internacionalizada.
Penso que estamos, neste particular das nossas sensibilidades constitucionais, metidos numa "camisa de 11 varas"! Temos estado a tratar - e essa foi a razão de ser desta revisão - da conciliação ou de uma saída constitucional para o problema da adesão de Portugal ao Tribunal Penal Internacional. Rodeámos de todas as cautelas a questão da aplicação, prevista pelo Tribunal Penal Internacional, da pena de prisão perpétua, de medidas de carácter perpétuo; lá fomos aqui sustentando a questão do carácter supletivo da intervenção do Tribunal, da própria previsão dos seus estatutos e da revisão de uma eventual medida com carácter perpétuo e estamos, no fundo, confrontados agora com a questão do espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia, onde a questão destas medidas de prisão perpétua se colocam com maior acuidade.
Não penso que Portugal se possa pôr de fora da concretização desse espaço e dos avanços que esse espaço exige e, apesar desta redacção que se encontrou, eu inclinar-me-ia mais para a tese (não obstante as dificuldades de execução) que dá um acento convencional de convenção internacional - bilateral ou multilateral, consoante os casos - que será, assim, essa fonte, nem que seja para o juiz de execução de penas executar sem quebra do princípio da separação de poderes. Isto porque não me parece que possamos fazer uma interpretação da Constituição, admitindo que ela previsse ser possível exigir de outros Estados que os Governos interferissem no âmbito judicial para cumprir estes compromissos bilaterais - e sempre tendi a sustentar que a fonte que teria de regular estas questões… E isso acaba por estar aqui previsto, já que se fala em condições de especificidade estabelecidas em convenção internacional, razão pela qual não custa alargar um pouco mais essa ideia de que teria de ser aí o acento legal para a intervenção, repito, mais que não seja do juiz de execução de penas em sede e em casos de extradição.
Agora, no âmbito do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, não estou a ver que forma e que volta vamos dar… Todos falamos numa norma auditante geral. Não assisti à intervenção do Sr. Comissário António Vitorino, mas penso que ele também apontou uma solução parecida, razão pela qual fica esta pergunta: uma norma auditante geral que garanta que não será aplicada no exercício desse espaço a prisão perpétua? Não temos, segundo penso, nenhuma forma de lá chegar. De todo o modo, temos aqui ilustres juristas e Deputados experientes que vão, com certeza, reflectir sobre uma saída para este problema, se bem que pense que, em termos de opinião pública, isto venha a ser complicado. Pelo menos, a julgar pelo que já se passou com a questão do Tribunal Penal Internacional, quando dermos por isso, temos aqui, do meu ponto de vista, um problema mais complicado para resolver.
Já agora, Sr. Ministro, queria perguntar-lhe se pensa que a norma proposta pelo Partido Socialista para o n.º 6 do artigo 7.º da Constituição dá resposta bastante às suas preocupações e se pensa V. Ex.ª, com esta norma, que pode participar nessas negociações à vontade, em termos de Portugal não ficar de fora, não obstaculizando esses sistemas. A questão é tanto mais preocupante quanto é certo que, como V. Ex.ª salientou, se nos ativermos a algum rigor constitucional e obstaculizarmos esse espaço, estaremos fatalmente a criar aqui um santuário, pelo que as coisas se complicam ainda mais.
Em relação à norma proposta pelo CDS-PP, gostava que V. Ex.ª densificasse mais a conceptualização que, no seu entender, deve estar aqui mais explícita. Já percebi que gostaria de uma solução que não precisasse uma tipologia terminal, mas gostaria que fosse um pouco mais preciso em relação a essa matéria, porque, ao fim e ao cabo, estamos aqui à volta de questões convergentes no espaço mais alargado da União Europeia e numa preocupação de maior eficácia no combate à criminalidade no âmbito interno.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que registámos com agrado as palavras do Sr. Ministro da Justiça quanto à nossa proposta sobre as buscas domiciliárias nocturnas e, como eu já disse na audição do Sr. Procurador-Geral da República, que também

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levantou os mesmíssimos problemas, do nosso lado há toda a abertura para encarar não apenas os crimes de tráfico de droga, mas também os outros crimes igualmente graves que pedem um tratamento paralelo.
Como disse o Sr. Ministro da Justiça, há realmente que densificar e que exigir mais cautela. Naturalmente, a intervenção da autoridade judicial presencial ou através de autorização é um problema a ver, porque também não se pode - estamos seguros disso - cair no risco de estas buscas se tornarem rotineiras, já que só em casos extremamente excepcionais elas terão lugar.
Por outro lado, é preciso definir exactamente o conceito de domicílio, porque até vimos um filme, uma reportagem de televisão, sobre uma casa no Porto, pela janela da qual saía droga e entrava dinheiro, mas na qual a polícia não entrava porque se tratava de domicílio. Portanto, trata-se de verdadeiros armazéns ou de escritórios com o nome de "domicílio" porque, como V. Ex.ª disse, bastaria pôr um divã ou uma manta para uma pessoa se acostar e dizer que está no domicílio. Aliás, há mesmo vários domicílios para a mesma pessoa, e a verdade é que essa pessoa não precisa de oito domicílios para uma mesma noite, não é?
Como tal, é preciso densificar isso, exigir a definição real do domicílio para efeitos de protecção do mesmo durante a noite e do próprio conceito de noite, que agora vai das 21 horas às 6 ou 7 horas, mas que no Inverno é mais longa. Como tal, esta é uma boa oportunidade para densificarmos todas essas cautelas de modo a que esta providência continue a ser extremamente excepcional, porque há um trauma nacional sobre a violação do domicílio à noite que, efectivamente, é preciso respeitar. Depois, é preciso dar garantias às vítimas e à sociedade em geral de que não é por conceitos formais que se deixa de perseguir o crime quando é preciso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, a quem repito o pedido que já fiz, visto que ainda há três Srs. Deputados inscritos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, circunscreverei as minhas observações à questão do artigo 7.º, na parte relativa à proposta sobre o espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
Creio, Sr. Ministro, que estamos todos identificados quanto às preocupações que presidiram à iniciativa que o PS apresentou para este processo de revisão nesta matéria e aproveito, aliás, para me congratular pelas palavras que ouvimos ao Sr. Deputado Guilherme Silva, que já não são de estupefacção pela iniciativa tomada, mas, agora sim, de preocupação pelo modo de a regular adequadamente. Nesse sentido, partilhamos essa preocupação, como verá.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por isso é que é importante que haja debate!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Acontece, Sr. Ministro, que o ponto em que estamos neste momento é o de saber se a norma, tal como o próprio PS a propôs, resolve a questão. Isto para não sairmos deste processo de revisão iludidos, porque se adoptássemos a cláusula tal como ela está proposta pelo PS, e só assim, e admitíssemos que por essa via teríamos uma credencial para resolver as eventuais desconformidades futuras, designadamente com o regime da extradição (e, aliás, o Sr. Ministro já o salientou), dificilmente teríamos encontrado a solução constitucional adequada.
Daí que, nas audições anteriores, se tenha colocado o seguinte problema: o melhor caminho será o de conjugar uma referência geral no quadro do n.º 6 do artigo 7.º, como já está proposto, excepcionar, depois, uma norma de aplicabilidade no quadro do artigo 33.º e, eventualmente, ir à procura de outras disposições da Constituição, designadamente quanto à soberania dos tribunais na ordem jurisdicional, à função do Ministério Público português e o modo de enquadrar, depois, as competências do EuroJus? Será este o melhor caminho em termos de técnica constitucional? O de ir catando, artigo a artigo, aqueles pontos onde a nossa presciência poderá prever que desconformidades constitucionais futuras possam vir a manifestar-se e, portanto, resolver por antecipação caso a caso? Ou será que é preferível adoptar uma outra óptica, que, aliás, é perfilhada por várias constituições do espaço da União Europeia, e encarar uma cláusula geral que resolva os problemas de fundo eventualmente levantados pelo direito europeu e, particularmente, pelo direito derivado (porque não se trata apenas do direito convencional, mas também do direito que sob a forma de directiva ou de directiva-quadro, ou mesmo de regulamento, sobretudo nas áreas comunitarizadas)?
É claro que a tentativa de resolver esse problema por via de uma cláusula de recepção do direito europeu nos levanta um outro problema que ainda não abordámos de forma suficiente - reconheço -, que é o de saber quais são, nas relações paramétricas do direito europeu com o direito interno português, designadamente o Direito Constitucional, as regras da prevalência. E, para admitir uma regra de prevalência desse mesmo direito europeu, põe-se o problema de saber qual o espaço de conformação exigível ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
É aqui que surge, reconheço, uma nova dificuldade, mas também tenho de admitir que outros Estados e outras constituições europeias resolveram esse problema, e diria sem grandes complexos, com os complexos de quem acredita que o espaço europeu é mesmo um espaço de liberdade, é mesmo um espaço de realização do Estado de direito, é mesmo um espaço em que as garantias fundamentais são reconhecidas.
Nesse contexto, só queria perguntar ao Sr. Ministro não uma solução técnica para a questão, mas saber se da sua parte estaria disponível para encarar uma solução que na revisão constitucional viesse justamente a enveredar por uma cláusula habilitante de ordem geral, reconhecendo ainda que ela, não estando delimitada, levanta os problemas de saber do regime da conformação com os direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, vou poupar a Comissão quanto às questões que têm a ver com a concepção mais geral que temos em relação ao rumo que leva a construção europeia e cingir-me à questão concreta que estamos aqui a discutir, a qual, evidentemente, também se repercute nesse campo.

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A verdade é que, por muito que isso não transpareça das intervenções feitas até agora e na própria intervenção do Sr. Ministro, estas disposições constitucionais não são dificuldades, são garantias dos cidadãos. É esse o seu espírito, o seu objectivo e o seu conteúdo, portanto é importante que não nos esqueçamos que o valor destas disposições é proteger os cidadãos contra a aplicação de penas que a nossa ordem constitucional considera desumanas, e é por isso que prevê tais restrições. Desta forma, temos aqui um problema complicado.
Recordo até uma das últimas audiências que aqui tivemos com a Amnistia Internacional, em que esta deu um exemplo de situações que considera de violação dos direitos humanos na ordem jurídica espanhola, designadamente a impossibilidade de os criminosos relacionados com os actos terroristas da ETA terem, eles próprios, oportunidade de estabelecer um defensor à sua escolha, sendo nos primeiros tempos obrigados a ter apenas um defensor oficioso. Foi um exemplo que deram nesta Comissão e que nos mostra que, neste como noutros aspectos, há penas aplicadas no espaço europeu que não estão de acordo com a concepção que a nossa constituição e nós próprios temos tido em relação a esta questão.
Portanto, talvez esta "intervenção cirúrgica" - como a definiu o Sr. Ministro -, que considera necessária nesta matéria, tenha danos colaterais que não são pequenos e que afectam garantias importantes dos cidadãos, sobretudo, porque se aceita uma filosofia de que o que é bom para o espaço europeu de liberdade, de segurança e de justiça é nivelar por baixo as garantias que são dadas aos cidadãos desse espaço europeu, que é no fundo aquilo que aqui acontece.
Finalmente, queria perceber, da parte do Sr. Ministro, se o que propõe, independentemente de formulação concreta, ou melhor, se a solução que resolveria o problema seria a eliminação das restrições que hoje existem na Constituição para o espaço europeu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a minha primeira questão é sobre a suficiência da actual cláusula europeia e baseia-se na circunstância de ter sido mencionado por várias vezes na imprensa, mas com origem em declarações de responsáveis, que a actual cláusula europeia já chegaria para legitimar a colocação em comum de poderes também na área judicial.
Não me parece que esse seja o caso, até por razões de ordem histórica: se virmos com exactidão o que estava em causa quando se moldou aquela cláusula em 1992, verificamos que não era nisso que se pensava. Mas, depois de ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva sobre esta matéria, ainda que não especificamente sobre esta matéria, a questão parece-me ultrapassada.
Suponho que não está em cima da mesa o ponto de vista de que a actual cláusula já chega para resolver este problema, pelo contrário, temos todos consciência de que subsiste o problema.
Sendo assim, passaria à segunda questão que é também a última, que tem a ver com o problema de um conceito autónomo de entrega.
Penso que é importante ter presente que o facto de se concluir que no actual Direito Constitucional português - e não só no Direito Constitucional português - não existe uma instituição separada, distinta, autónoma da extradição, não significa que essa não possa ser uma opção adequada do legislador constituinte. O facto de se concluir que o quadro de garantias hoje existente na Constituição não permite que se retire uma área dessa protecção a pretexto de uma certa palavra ou de uma certa noção não significa que esse não seja um caminho.
Eu queria pôr ao Sr. Ministro exactamente os dois caminhos possíveis, para ouvir a sua opinião. Os dois caminhos possíveis para "obras" no artigo 33.º, que também me parecem estritamente necessárias - estou completamente de acordo com a sua posição -, são os que passo a referir.
A primeira hipótese: um caminho material. Temos em vista a disciplina da prisão perpétua, ela foi visada tendo em vista certas realidades institucionais, porventura elas hoje são tão diferentes que poderiam justificar excepções, derrogações, etc. - seria a reconsideração da solução enquanto solução, porventura apenas com derrogações.
Confiando na tradução que vi, é o caso seguido na revisão da constituição alemã, que não criou nenhum mecanismo específico, mas que disse que, para tribunais de países da União Europeia e para tribunais internacionais - a pensar no TPI -, podiam aplicar-se regras diferentes daquelas que resultavam das regras constitucionais sobre a extradição.
A segunda hipótese: fazer uma reconsideração institucional. Em vez de ir à solução material, constatar que num determinado âmbito institucional, num determinado âmbito de intimidade entre justiças de Estados ligados no quadro de uma União, poderiam aplicar-se regras e conceitos diferentes. Isto é, sem modificar o quadro de valores traduzido na Constituição, criar-se-ia um mecanismo de confiança acelerado em que, independentemente do juízo sobre a compatibilidade de valores a valores, se entendia que as estruturas eram de tal modo íntimas e afins que se poderia proceder de uma forma diferente da forma tradicional da extradição gizada para verificar caso por caso determinados requisitos.
Existindo estas duas formas, a reconsideração material dos problemas que a prisão perpétua acarreta em Portugal e a hipótese da criação de uma figura, que aliás foi em tempos aqui sugerida de uma maneira ainda vaga pelo então Ministro Laborinho Lúcio - ele apontava para um solução destas, para uma extradição que deixaria de o ser porque operaria no mesmo espaço, portanto, funcionaria na base de regras de confiança -, pergunto ao Sr. Ministro se destas duas soluções alguma delas lhe parece indicada e bastante para fazer frente ao conjunto de dificuldades existentes, tendo presente que há dificuldades no âmbito da União Europeia, que, estou de acordo, não se resolvem só com a cláusula geral, precisam de alguma "obra". Mas, porventura, existirão outros problemas com solução menos urgente.

O Sr. Presidente: - Para terminar o conjunto de questões a pôr ao Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado José Barros Moura.

O Sr. José Barros Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, a minha intervenção abordará alguns dos temas levantados pelos Srs. Deputados Guilherme Silva, Jorge Lacão e Alberto Costa.

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Penso que a versão do artigo 7.º alterada na proposta do PS é necessária, mas não suficiente para resolver este problema. É necessária porque este artigo 7.º, tal como estava, apenas fundamentava o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia nos domínios que, à época, já eram da competência da União Europeia. Depois disso, foi comunitarizado, digamos assim, o pilar da justiça, já pelo Tratado de Amsterdão, portanto, creio que seria sempre necessário acrescentar qualquer coisa ao n.º 6 do artigo 7.º.
Por outro lado, e agora referindo-me mais à intervenção do Deputado Jorge Lacão, o artigo 7.º, tal como está, fundamenta o primado do Direito Comunitário; é através do exercício em comum dos poderes necessários que se fundamenta o primado do Direito Comunitário.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - É o artigo 8.º, não o artigo 7.º!

O Sr. José Barros Moura (PS): - Penso que não! Esse artigo refere-se às normas de aplicação directa, se quiser entrar nessa discussão.
Para fundamentar o primado, necessitamos - creio que foi o apport da revisão constitucional de 1992 -, do meu ponto de vista, de permitir que se convencione o exercício em comum de poderes antes pertencentes ao Estado e necessários à construção da União Europeia.
Quero assinalar a propósito que, com a provável excepção da Constituição grega, as Constituições dos Estados membros da União Europeia não consagram explicitamente o primado, consagram-no através de fórmulas deste género, ou através de fórmulas relativas ao lugar do direito internacional ou do Direito Comunitário na ordem jurídica interna. E mesmo aquelas que admitem o primado do Direito Comunitário, cuja jurisprudência admite o primado do Direito Comunitário, colocam a ressalva dos direitos fundamentais.
Portanto, do meu ponto de vista, sempre será necessário rever o artigo 33.º, ou através de uma reconsideração material, de que falou o Deputado Alberto Costa, ou pela via seguida pela Constituição alemã, através de uma referência institucional ou quadro em que essa nova figura, porventura não a extradição mas uma outra qualquer figura, passaria doravante a ser possível, no âmbito, digamos, do espaço europeu de liberdade, de segurança e de justiça.
Por isso, a minha intervenção vai no sentido de reconhecer que a alteração ao artigo 7.º é necessária mas não suficiente, pelo que deveria ser completada por uma reconsideração feita no artigo 33.º sobre a questão específica dos limites aí consagrados para a extradição.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se posteriormente o Sr. Deputado Fernando Seara. Peço-lhe que seja curto e incisivo, visto que o tempo começa a ser muito escasso.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, vou ser muito curto, muito incisivo e muito directo.
Sr. Ministro da Justiça, é evidente que todos nós temos a percepção de que a cláusula e a alteração proposta pelo PS para o n.º 6 do artigo 7.º não serve. Mas faço-lhe uma pergunta directa: V. Ex.ª entende que o processo de evolução do espaço de justiça e de segurança no âmbito europeu não poderá pôr, a curto prazo - não estamos a referir-nos às propostas pendentes que foram aqui enunciadas pelo Comissário António Vitorino, na sexta-feira passada -, outras questões relacionadas com outros artigos da Constituição, não estritamente com os n.os 3 e 5 do artigo 33.º, mas, porventura, com consagrações constitucionais delimitadoras de direitos, liberdades e garantias, e, também, com consagrações constitucionais respeitantes à estrutura de funcionamento de órgãos do Estado, maxime o Ministério Público?
Entre as considerações que os Srs. Deputados Jorge Lacão, Alberto Costa e Barros Moura aqui suscitaram, não estaremos sujeitos, porventura, a ter que desencadear constantemente, com todas as consequências que daí advêm, revisões "cirúrgicas"? Porventura, o anunciado mandato de busca europeu não suscita apenas as questões relativas ao artigo 33.º, mas problemas genéricos com outro tipo de normas constitucionais.
Deixo, portanto, ao seu bom conselho e sempre sagaz o facto de não nos circunscrevermos aos números 3 e 5 do artigo 33.º que, no fundo, são aqueles que estão no terreno, mas a evolução da construção do espaço europeu de liberdade, de justiça e de segurança é, porventura, mais amplo e suscita outras interrogações.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, gostaria de agradecer aos Srs. Deputados pelas questões suscitadas. Uma vez que várias dessas questões se cruzam, vou responder em comum.
Em primeiro lugar, considero necessária a existência de uma norma geral, como por exemplo a proposta pelo Partido Socialista, de aditamento de um inciso no n.º 6 ao artigo 7.º.
Penso que essa norma geral resolverá vários dos problemas - que não os compreendidos no artigo 33.º - suscitados quer pelo Sr. Deputado Jorge Lacão quer pelo Sr. Deputado Fernando Seara, ou seja, competências do EuroJust, competências da rede judiciária europeia, competências do poder judicial de outros Estados membros, não necessariamente para restringir os direitos, liberdades e garantias.
Por exemplo, como um desenvolvimento natural do espaço de liberdade, de segurança e de justiça antevejo que, no futuro, um tribunal francês condene um português a uma pena de prisão a cumprir em Portugal e, portanto, teremos de superar esta fase - que aliás é essencial superar - altamente morosa de transferência de pessoas condenadas e a própria decisão judicial estabelecerá o cumprimento da pena no país de origem se aí as condições de ressocialização forem melhores.
Obviamente, não é sustentável que os processos de transferência de pessoas condenadas durem - entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Ministério da Justiça, Procuradoria-Geral da República, tribunal e tribunal de execução de penas - cerca de ano e meio. Aliás, tivemos um caso recente de uns cidadãos italianos que pretendiam completar o cumprimento da sua pena em Itália e que estiveram cerca de dois anos a aguardar a autorização judicial para a transferência de reclusos.
Penso que esta norma geral resolve as questões do exercício dos poderes soberanos. Ou seja, uma norma geral

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no artigo 7.º resolve a questão das soberanias, tal como resolveu relativamente à União Económica e Monetária e à coesão social. Penso que esse problema pode ser resolvido sem ser preciso "catar" - como diria o Sr. Deputado Jorge Lacão - alterações especiais em cada artigo referente ao Ministério Público, aos tribunais, etc. Penso que esta norma geral é necessária porque resolve este problema global.
Esta questão não resolve o problema do artigo 33.º. O problema do artigo 33.º não é um problema orgânico, é um problema de incompatibilidade material. Portanto, o artigo 33.º tem de ter uma intervenção. Pessoalmente, entendo -aliás, já o disse - que o artigo 33.º deve ter uma intervenção que resolva um problema de racionalidade jurídica no quadro geral. Mas isso não é sequer essencial para esta revisão, pode ficar para outras "núpcias".
Agora, do ponto de vista da criação do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, não tenho a menor das dúvidas que da decisão que se tomar nesta revisão constitucional resultará a atitude que Portugal pode ter no desenvolvimento imediato, já no primeiro semestre de 2002, da construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
Qual a solução técnica para a intervenção do artigo 33.º? Há várias soluções. A que o Deputado Alberto Costa agora aqui referiu, tanto quanto percebi, começando na epígrafe onde se lê "Expulsão, extradição e direito de asilo", passaria a constar "expulsão, entrega, extradição e direito de asilo" e introduzia-se aqui uma norma sobre as entregas dentro do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Ou seja, diferenciava-se a entrega, constitucionalizava-se a diferenciação entre entrega e extradição. Isto é, mantinha-se inalterado o regime da extradição e previa-se uma cláusula de habilitação das entregas no espaço de liberdade, de segurança e de justiça, o que resolvia o problema dos nacionais e do tipo da pena aplicável. É uma solução possível.
Outra forma possível é excepcionar dentro do âmbito da extradição, que é uma opção quanto à "conceptologia" desta matéria. Pessoalmente, não como Ministro mas como jurista, agrada-me a ideia da diferenciação da entrega relativamente à extradição.
Outra questão ainda colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão diz respeito às vantagens da existência de uma norma geral quanto ao primado. Penso que não têm sido suscitadas dúvidas sobre o primado do Direito Comunitário na ordem jurídica portuguesa, e não se têm suscitado com base no articulado que existe. Reconheço que é sempre possível que se venha a suscitar a questão, não beneficiando nós de uma norma constitucional que o indicie ou consagre expressamente.
Devo dizer-lhe que não me choca porque penso que o primado é um dado assente, é um acquit e, portanto, não me choca que a Constituição explicite aquilo que já é um acquit. Contudo, penso que a adoptar uma norma geral sobre o primado, é preciso uma enorme cautela relativamente a determinadas redacções que têm sido defendidas por alguns ilustres juristas.
Há, por exemplo, uma redacção que é sustentada pelo Prof. Fausto Quadros que "abre com uma mão o que fecha com a outra". Ora, num País em que o quadro dos direitos fundamentais é - e bem - amplo, insusceptível de redução a um catálogo constitucional, visto que, como todos sabemos, há direitos fundamentais extravagantes, creio que é muito restritivo uma norma estabelecer que "há primado, salvo quando…" em matéria de direitos fundamentais.
Para ser sincero, seria, aliás, uma restrição que considero tautológica, porque o espaço da União Europeia é precisamente o espaço de maior desenvolvimento dos direitos fundamentais. Não vejo, portanto, como da construção europeia poderão resultar restrições aos direitos fundamentais.
O Sr. Deputado Bernardino Soares diz que o que aqui temos não são dificuldades, são garantias. Eu sou totalmente favorável a que Portugal adopte o princípio da não extradição para países que aplicam a pena de morte, aliás de forma irrestrita. E penso que Portugal deve manter a sua reserva de não extradição para países que apliquem a pena de prisão perpétua. Não me choca!
Todavia, essa garantia não é possível dentro de um espaço onde não há controlo de fronteiras. Relativamente a países terceiros, não tenho a menor das dificuldades; relativamente a um vasto espaço territorial que não tem controlo de fronteiras, penso que esta posição não é sustentável, sob pena de nos oferecermos como "santuário" da criminalidade mais grave, porque só incorreria neste tipo de penas os autores dessa criminalidade mais grave.
O Sr. Deputado diz que este problema é solúvel, mas não é porque toda a construção que temos aqui, mesmo na teoria convencional… Imaginem que havia um Estado membro da União Europeia, ainda mais "garantístico" do que Portugal, que proibia a extradição para países que aplicassem penas de prisão superiores a 20 anos por considerar que essas penas são algo insuportável para a dignidade do ser humano. E alegavam: "Mais de 20 anos, nem pensar!". Nesse caso, ao pedirmos a extradição de um homicida, eles diriam: "Não extraditamos porque Portugal aplica uma pena até 25 anos por homicídio", e nós responderíamos: "Mas prestamos garantias".
Em primeiro lugar, pergunto: quem é que presta essa garantia? É o Ministro da Justiça? Com base em que competências? É o Procurador-Geral da República? Não pode. É o juiz a quem o processo foi distribuído? Não pode, pois como é que ele sabe qual é a medida da pena que vai aplicar no final do julgamento? O julgamento pode, aliás, resultar na absolvição. Como é que é possível? É a Assembleia da República? É o Presidente da República que assume perante um Estado estrangeiro o compromisso de que irá indultar até ao limite dos 20 anos? Como é que se faz?
O Sr. Deputado Guilherme Silva diria: "Faz-se uma convenção internacional", e nós vínhamos aqui com uma convenção à Assembleia da República. Só que essa convenção seria inconstitucional porque, nos termos da Constituição - e bem -, de acordo o princípio da legalidade, as penas são fixadas de modo geral e abstracto, não pode haver pena ad homine. Para o Sr. Manuel Joaquim pedimos a extradição e dizemos: "Sr. Manuel Joaquim, neste processo só lhe aplicamos a pena se 20 anos".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Tem de ser em sede de execução de penas!

O Sr. Ministro da Justiça: - Em sede de execução de penas?!

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Mas essa convenção seria inconstitucional porque a Constituição não nos permite a fixação de penas que não sejam com carácter geral e abstracto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nem pode haver!

O Sr. Ministro da Justiça: - Nem pode haver. E esta pena é um limite máximo da pena fixada para o Manuel Joaquim. Depois, para o primo do Manuel Joaquim, que era preso num outro país onde a Constituição impunha o limite de 15 anos, o limite da pena já eram os 15 anos. Dirão: "Mas nós podemos bater-nos na União Europeia por uma norma geral em que nas extradições vindas de Portugal não é aplicável a prisão perpétua". Claro que nos podemos bater por isso, depois cada um fará o juízo sobre o processo dessa negociação, mas, admitindo que essa negociação tinha sucesso, temos a noção do que é que significava vigorar um princípio geral de que quem venha extraditado de Portugal não tem prisão perpétua? Isso era o convite a dizer… Eles vinham e, na fronteira, entregavam-se logo, chegavam à fronteira e diziam: "Prenda-me já". Temos de ter extrema cautela com esta matéria.
Em resumo, julgo que é necessária uma norma geral, que está bem sediada no artigo 7.º da Constituição, porque é uma norma paralela à que se encontrou para a moeda única; também é necessária uma intervenção no artigo 33.º, ou para excepcionar relativamente à extradição ou, talvez mais fácil e correcto do ponto de vista teórico, com a consagração constitucional do conceito de entrega dentro do espaço de liberdade, de segurança e de justiça. E, finalmente, não me choca que se explicite na Constituição o princípio do primado - não sei se é essencial, pelo menos não tem sido, mas não me choca que se consagre esse princípio. Agora, consagrando-se, é para consagrar e não para dizer: há primado, salvo quando… Creio que o "salvo quando" é que nos colocaria numa posição mais delicada do que aquela que temos neste momento.
Reconheço - e estou totalmente de acordo com o Sr. Deputado Bernardino Soares - que é extremamente difícil olhar para esta matéria sem ter em conta qual é a concepção que temos subjacente à construção da União Europeia. Isso, obviamente, condiciona qualquer raciocínio sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Ministro, pela sua disponibilidade e pelo seu depoimento esclarecedor…

O Sr. Ministro da Justiça: - Desculpe, Sr. Presidente, mas relativamente à questão da densificação das buscas nocturnas, creio que no artigo 268.º, n.º 3, do Código de Processo Penal - se não for este o artigo, poderei depois confirmar, porque estou a citar de cor - existe uma norma que já define um conceito relativamente amplo de criminalidade mais grave e organizada, devendo remeter-se para um conceito deste tipo.

O Sr. Presidente: - Mais uma vez, muito obrigado, Sr. Ministro, pelo seu depoimento e pelas respostas que nos deu, que vão, certamente, ser muito importantes para a continuação dos nossos trabalhos.

Pausa.

Sr.as e Srs. Deputados, já temos entre nós o Sr. Dr. Mário Soares, a quem, em meu nome pessoal e em nome de todos os Srs. Deputados, saúdo e agradeço muito efusivamente o facto de ter acedido a comparecer nesta Comissão para nos dar o seu depoimento, que será, certamente, de grande relevância para a continuação dos nossos trabalhos.
A vinda aqui do Sr. Dr. Mário Soares foi sugerida, e, naturalmente, apoiada por todas as bancadas, para nos dar um testemunho sobre alguns aspectos da revisão constitucional em curso, designadamente sobre um aspecto constante de propostas relativas ao artigo 15.º, ao atribuir a cidadãos de língua portuguesa, do Brasil e de outros Estados de língua portuguesa, o direito de serem eleitos ou designados para cargos políticos, direitos de acesso a estes cargos, questão esta que, como todos sabemos, já foi objecto, em revisões anteriores, de discussão na Assembleia da República.
Também existem outros projectos de revisão relativos, designadamente, ao Tribunal Penal Internacional, sobre os quais gostaríamos de ouvir o depoimento do Sr. Dr. Mário Soares.
Tem a palavra, Sr. Dr. Mário Soares.

O Sr. Dr. Mário Soares: - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer-lhe e a todos os Srs. Deputados o facto de me terem convidado. É para mim sempre um prazer, uma honra e um dever colaborar, na medida das minhas possibilidades, com o órgão máximo da representação nacional, que é a Assembleia da República e as suas comissões.
Como sabem, desde a Revolução dos Cravos, tenho sido sempre um entusiástico defensor do Parlamento e da sua importância na vida nacional, e, portanto, foi com alguma dificuldade que pedi ao Sr. Presidente para me desculpar por não poder ter vindo no passado dia 3, mas, felizmente, arranjou-se um outro dia. Aliás, na carta que me escreveu, o Sr. Presidente referia que poderia haver eventuais acertos de calendário e foi por isso apenas que eu, que estava realmente impossibilitado de aqui estar no dia 3, pedi para ser ouvido hoje e não no dia inicialmente marcado.
Relativamente à questão da reciprocidade, há dois aspectos que interessa considerar: a reciprocidade em relação ao Brasil e a reciprocidade em relação aos países de expressão portuguesa.
Penso que esta medida, se vier a ser tomada pela Assembleia da República, como espero e desejo, terá uma grande repercussão de natureza internacional e irá contribuir poderosamente para reforçar os laços que nos unem a todos os países que falam a nossa língua.
Em relação ao Brasil, várias vezes falei com Deputados aqui presentes, designadamente com a Sr. Deputada Manuela Aguiar, sobre esta questão, dizendo que me parecia um escândalo não haver reciprocidade, quando os brasileiros a consagraram na sua Constituição. Inclusivamente, falei com o meu amigo Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República, uma vez que vim do Brasil, dando-lhe a conhecer que alguns Deputados brasileiros, visto que fui recebido no Parlamento brasileiro, me disseram: "Vocês têm de arranjar maneira de consagrar a reciprocidade, porque, se assim não for, um dia podemos ser obrigados a retirar essa prerrogativa, pois um qualquer Deputado brasileiro poderá levantar a questão de ela ser

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dada aos portugueses que residem aqui e os portugueses não a darem aos brasileiros que residem em Portugal". Não chegou a ser uma ameaça, foi apenas uma chamada de atenção para o facto de tal poder vir a acontecer.
Fiquei preocupado porque seria, realmente, desagradável se tal acontecesse, e disse ao Sr. Dr. Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República: "Olhe que era bom tomarem uma iniciativa qualquer, porque isto…". Ele respondeu-me: "Isso só pode acontecer na Constituição. Mas eu sou contra, porque os brasileiros são 160 milhões…". E eu retorqui: "Mas não vêm 160 milhões para Portugal, porque nem sequer cabiam cá! Não é possível nem faz sentido! Quando muito, haverá um ou dois que serão Deputados, mas isso depende também das escolhas do eleitorado português. Se os eleitores portugueses quiserem brasileiros para serem Deputados, isso é com eles. Não são os brasileiros que os vão escolher! Nem há tantos brasileiros assim para que isso possa pesar no nosso eleitorado". Depois, desviou a questão e argumentou: "Mas também há o problema dos tribunais e tal…". No que se refere à questão dos tribunais, não sei se há reciprocidade na Constituição brasileira em relação a nós. Talvez esse seja um problema menos importante.
De qualquer maneira, do ponto de vista político, creio que é da maior importância que seja atribuída a reciprocidade aos brasileiros. Acerca disso não tenho qualquer dúvida. E, mais do que isso, penso que devemos ter um cuidado muitíssimo especial em tratar com o Brasil e tudo fazer para nos aproximarmos dele.
Têm-se feito progressos, nomeadamente em matéria de investimentos de grupos económicos portugueses no Brasil - hoje somos o terceiro investidor no Brasil. Mas, mais importante do que isso é a política e o futuro, porque se Portugal tem hoje na Europa uma mais-valia considerável, que nos faz, em muitos casos, ser ouvidos com especial atenção em relação a muitos problemas, tal deve-se à circunstância de todos os países saberem que temos esta relação especial com o Brasil e com as nossas ex-colónias. Portanto, tudo o que seja reforçar estes laços, e reforçá-los de uma maneira positiva, será, a meu ver, importante. E não percebo francamente quais são os escrúpulos.
Desculpem esta questão, mas no regime de Salazar havia sempre um certo complexo em relação ao Brasil, porque Salazar estava convencido de que a independência do Brasil tinha sido uma desgraça para Portugal. Mas nós que assumimos a independência do Brasil e, mais tarde, a independência das colónias e todas as independências, temos ainda algum receio do Brasil!? Mas porquê? Não tem sentido quando justamente o Brasil, no futuro, em primeiro lugar, representa para nós a sobrevivência da língua portuguesa como grande língua mundial e, em segundo lugar, porque aquele grande país vai ser um dia, inevitavelmente, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas quando houver uma reforma do Conselho, porque é uma reivindicação justa dos brasileiros e da política brasileira. Temos, pois, o maior interesse em ter essa ligação com o Brasil.
Por outro lado - a proposta que está sobre a mesa vai nesse sentido, e, a meu ver, muito bem -, esta alteração também tem a ver com os países africanos, porque se diz "com reciprocidade", o que significa que votar este artigo é um estímulo aos africanos - angolanos, moçambicanos, etc. - para também eles virem a estabelecer a reciprocidade nas suas Constituições, para também eles poderem usufruir da mesma reciprocidade a que agora abrem a porta.
Portanto, este é um acto político de grande visão em relação ao futuro, que devem considerar como um passo mais naquilo que é o nosso universalismo, que é o reforço da importância de Portugal no mundo, quer em relação aos brasileiros, quer em relação aos africanos, quer em relação, no futuro, aos timorenses, porque se os timorenses, quando consagrarem a independência, vierem, como quer o Xanana de Gusmão, a ser membros da CPLP e adoptarem a língua portuguesa, é evidente que teremos toda a vantagem em os integrar nessa medida. Isso só pode ser estimulante para nós e, a meu ver, não tem quaisquer aspectos negativos.
Ainda a propósito desta questão poderia falar aqui um pouco sobre os aspectos internacionais, em geral, e a nossa política internacional, porque está intimamente relacionada com ela, mas não vos quero demorar.
Esta é a minha posição, com convicção e sem dúvidas. Aliás, fui subscritor de uma carta, dirigida não sei se ao Governo se à Assembleia da República - não fui eu que a escrevi, mas subscrevi-a, por isso não me lembro a quem é dirigida -, que também é assinada pelo Prémio Nobel português, José Saramago (o que não é brinquedo), pelo Eduardo Lourenço e por todas as pessoas que têm da língua portuguesa uma concepção aberta e voltada para o futuro.
Portanto, estou completamente de acordo com esta proposta de revisão constitucional que foi apresentada.
Sr. Presidente, não sei se quer que fale sobre outras matérias ou se prefere que responda, desde já, a perguntas que pretendam fazer-me sobre este ponto. Faço esta pergunta porque ainda gostaria de abordar outras matérias sobre que incide a revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Talvez fosse melhor o Sr. Dr. Mário Soares falar, desde já, sobre os outros pontos e, depois, passaríamos à fase das perguntas.

O Sr. Dr. Mário Soares: - Então, relativamente ao Tribunal Penal Internacional, também eu fui um dos pioneiros desta ideia, como devem estar recordados.
É que mal apareceu o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, afirmei que essa iniciativa era um grande passo do ponto de vista do futuro da democracia, e não sei mesmo se não escrevi uma nota ao Governo do Eng.º António Guterres, pedindo-lhe que tomasse a iniciativa de trazer essa matéria à Assembleia da República, para além de ter falado sobre o assunto com o Presidente da Assembleia. Depois, o processo foi-se atrasando, havia uma série de países europeus, particularmente a Espanha, que já tinham ratificado o Estatuto de Roma e eu estava a ver que Portugal ficava para trás e, realmente, sentia-me mal. Por que é que Portugal havia de ficar para trás quando deveria estar entre os pioneiros nesta matéria?
É que nós fomos os protagonistas de uma grande revolução no século XX, uma grande revolução democrática, uma revolução que nos atirou para os jornais e nos deu importância no mundo inteiro. Então,

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agora há uma iniciativa que vai indiscutivelmente no sentido da democracia e nós estamos com hesitações?! Porquê?
Depois, surgiu essa polémica relacionada com a pena de prisão perpétua que, desculpar-me-ão que vos diga, não tem sentido. Os grandes constitucionalistas já se pronunciaram sobre essa questão, particularmente o Professor Jorge Miranda que manifestou a sua opinião nos jornais e, mais tarde, nesta Comissão.
Repito que considero que não tem sentido falarmos da pena de prisão perpétua porque ela não se reflecte na nossa ordem jurídica. Sendo nós uma democracia, como é que podemos prefigurar a hipótese de um português ser réu ou inculpado no Tribunal Penal Internacional? Não há hipótese nenhuma, continuando nós a ser um Estado de direito e uma democracia. Mas pode suceder - isso, sim - que passe por Portugal um ditador e que, porque ele cá resida, ou porque se refugiou cá, ou por qualquer outra razão, um juiz português suscite esse problema. Essa é uma hipótese que pode prefigurar-se. Isso, sim, pode suceder. Mas, se suceder, o que é que acontece? Acontece que não é a ordem jurídica portuguesa que o vai julgar ou, se for, vai utilizar a legislação do Tribunal consagrada no Estatuto de Roma. Portanto, o problema não se põe com a gravidade… E, nesse domínio, há sempre várias medidas que os juízes podem adoptar.
Portanto, com o mesmo entusiasmo e convicção, também sou a favor da rápida ratificação do Estatuto de Roma.
Passando aos outros pontos, começo pela inviolabilidade do domicílio, matéria do artigo 34.º.
Fiquei um bocadinho chocado com aquela história das duas excepções que são colocadas - se os visados aceitarem… Bem, não é muito provável que os visados sejam consultados e que, se o forem, digam que não!

Risos.

Tirando essa, há, depois, uma excepção que considero útil. É que esta excepção só se aplica àqueles que são acusados de crimes de tráfico de droga. Portanto, a gravidade do crime pode justificar essa excepção.
Assim, se eu fosse consultado sobre isso, diria que não me oporia a esta emenda.
Quanto aos direitos sindicais - artigo 56.º -, também penso que se justifica a excepção, em relação aos polícias, de não poderem utilizar o direito à greve. Para mim, esse não é um problema de extraordinária gravidade como são os outros. Quer dizer, diria que não é coisa que me repugne, no plano democrático, que, amanhã, os polícias façam greve, se for caso disso.
É que a democracia baseia-se fundamentalmente na persuasão e no convencimento. Ora, se chegarmos a uma situação tal que os polícias queiram fazer greve, não percebo por que é havemos de impor-lhes essa sobrecarga. Mas também não me oporia, embora num outro grau de convicção muito diferente em relação aos dois outros artigos, o 7.º e o 15.º da CRP.
Por último, quanto ao princípio da renovação dos cargos políticos, aí, até iria mais além. Sinceramente, iria mais além, mas não é a mim que compete dizê-lo.
Realmente, tenho dito muitas vezes, e com muita clareza, que sou contrário a que, por exemplo, os autarcas se perpetuem eternamente nos seus lugares e penso que deveria haver uma restrição nessa matéria.
Esta lei não pode ter efeitos retroactivos, o que é óbvio, mas, agora, pode marcar-se um limite de um, dois ou três mandatos, não mais e, a partir daí, passa a vigorar esse limite.
Aliás, assim se procedeu no caso do mandato do Presidente dos EUA. Na verdade, no seu tempo, Roosevelt foi eleito Presidente dos EUA por três ou quatro mandatos sucessivos e os americanos, que nada tinham previsto na lei, disseram: "Mas que é isto? Este homem, que foi um excelente Presidente da República, pode tornar-se num rei constitucional! Não pode ser". Então, ainda em vida do próprio Roosevelt, resolveram limitar os mandatos presidenciais, mas tendo o cuidado de dizer que isso apenas se aplicava ao próximo Presidente da República.
Portanto, este estabelecimento de um limite para o número de mandatos que podem ser exercidos nada tem a ver com os que estão, tem a ver com os que ficam e se eternizam.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Dr. Mário Soares, pelo seu depoimento e pelas suas convicções aqui trazidas com tanta força e tanto entusiasmo, as quais certamente vão permitir-nos enriquecer o conteúdo das discussões que vão seguir-se às audições que temos levado a efeito e que eu diria que terminam com "chave de ouro", com a audição do Dr. Mário Soares.
Dou a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, para formular as suas questões.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Mário Soares, antes de mais, quero cumprimentá-lo, em meu nome pessoal e do Grupo Parlamentar do PSD, e registar a sua disponibilidade para vir dar o seu contributo que é sempre importante.
Naturalmente, devido à natureza de algumas das questões que envolvem esta revisão constitucional, era importante o depoimento do Dr. Mário Soares, com todo o seu percurso na nossa democracia e na nossa vida política anteriormente à instauração da própria democracia.
Quero, pois, salientar a clarividência com que V. Ex.ª abordou cada uma das questões, com especial realce para a da reciprocidade de direitos relativamente aos cidadãos do Brasil e dos países de língua oficial portuguesa.
Efectivamente, Portugal está num momento histórico em que não pode cometer erros nestas matérias. Somos um país de diáspora, empenhamo-nos na afirmação das nossas comunidades e no reconhecimento dos respectivos direitos nos países onde se encontram. Somos um país com uma muito grande história de colonização e, portanto, com relações privilegiadas com países que tiveram a intervenção colonizadora de Portugal. Estamos numa fase de desenvolvimento dessas relações, sem complexos, e parece-me que não levaremos a CPLP a lado nenhum se não formos os primeiros a dar o exemplo de reconhecimento recíproco de direitos, em vez de uma visão unilateral, como a que decorre da sistemática oposição à consagração constitucional desta solução.
Já em 1997 foi apresentada uma proposta relativa a esta matéria, subscrita por todos os partidos à excepção do Partido Socialista, proposta essa que foi inviabilizada pelo voto deste mesmo partido.

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V. Ex.ª, como sempre, adiantou-nos aqui as razões de apoio a esta solução e, com a sua autoridade, trouxe também a voz de quem se opõe a esta solução.
Efectivamente, o Dr. Almeida Santos é um opositor mais ou menos acérrimo desta solução. Penso que não tem razão nos receios que adianta e, aliás, V. Ex.ª deu a resposta de um verdadeiro democrata, tendo dito que essa questão passa pelo voto. Isto é, não há brasileiros que possam ser eleitos sem terem sido sujeitos ao voto e se os portugueses os elegerem é porque têm mais méritos do que os portugueses que concorrem à mesma eleição. Esta é uma realidade incontornável.
É óbvio que, quanto a mim, não vai haver um só brasileiro que passe a vir para Portugal porque a Constituição Portuguesa passou a consagrar a reciprocidade de direitos. Poderá vir por todas as razões e mais algumas, mas não necessariamente para ser candidato à câmara "tal" ou seja ao que for. A inserção social e económica de um brasileiro que esteja a viver em Portugal, nos casos em que isso se verifica, é que poderá ou não proporcionar uma tal situação.
Mas não há dúvida nenhuma que a não previsão de uma tal possibilidade, em desigualdade com o que acontece em relação aos portugueses no Brasil, é uma situação que coloca Portugal em falta grave e que não pode deixar de perturbar as relações entre Portugal e o Brasil.
Portugal não pode manter as responsabilidades que tem na CPLP, não pode querer tornar a CPLP em algo mais activo, mais respeitado e mais interveniente sem assumir na sede mais importante de todas, a constitucional, as soluções que se mostrem adequadas.
Ora, não tendo os nossos apelos e as nossas iniciativas tido eco até agora por parte do Partido Socialista, gostaria que a autoridade acrescida que V. Ex.ª tem no seio do partido possa sensibilizar os Deputados do Partido Socialista para que, desta vez, se proceda a uma alteração.
Aliás, já esta amanhã, em relação a matérias sobre as quais tínhamos uma posição um pouco fechada, pois pensávamos que a actual redacção da Constituição seria bastante - e refiro-me às soluções com que estamos confrontados na dinamização do espaço de liberdade, de segurança e de justiça no âmbito da União Europeia -, eu próprio reconheci, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, que, eventualmente, ao contrário da nossa visão inicial e após o depoimento aqui prestado pelo Comissário António Vitorino e pelo Sr. Ministro da Justiça, temos de alterar a nossa posição e aceitar rever o artigo 7.º e, porventura, também o artigo 33.º da Constituição.
Ora, este é que é o verdadeiro fruto do debate em sede de uma comissão de revisão constitucional; é para isso que estamos aqui, e não para defender, de uma forma fechada as nossas posições. Desejaria que houvesse também do lado das outras bancadas, numa matéria com uma relevância como esta, alguma sensibilidade e abertura para evoluir. Não gostaria que esta revisão constitucional se saldasse, mais uma vez, pela não aprovação desta proposta, tal qual aconteceu em 1997. Digo isto porque, naturalmente, os cidadãos dos países envolvidos nesta reciprocidade não deixarão de estar atentos a esta persistência inviabilizadora e não deixarão de tirar as consequências negativas, para Portugal e para a comunidade lusófona, da obstaculização de uma solução como esta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva não colocou propriamente uma pergunta, antes fez uma intervenção. Procuramos orientar-nos para as questões, mas é inevitável que algumas intervenções haja.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar.

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, quero regozijar-me com a presença do Sr. Dr. Mário Soares.
Bastam as suas palavras para podermos dizer já alguma coisa aos brasileiros. Aquelas pessoas do presente de Portugal que vão ficar na História compreendem bem o alcance da resposta que necessitamos dar aos brasileiros, porque já lá vão 13 anos desde a aprovação da Constituição brasileira de 1988 e Portugal ainda não respondeu, ainda não tomámos uma decisão. A mesma coisa aconteceu em 1969, tendo sido também os brasileiros a tomar a iniciativa, mas, nesse caso, levámos dois anos a responder. E agora já lá vão 13 anos!…
O Sr. Dr. Mário Soares, e muito bem, falou de escândalo, e é realmente um escândalo a falta de resposta. Gostaria de saber se o facto de esta falta de resposta se estender no tempo, não ser de ontem mas, sim, de há 13 anos, não torna absolutamente inadiável uma resposta hoje; não é na próxima revisão constitucional, é hoje, é o mais depressa possível, porque já lá vão 13 anos!
É claro que, a meu ver, damos uma forma de reciprocidade, damos a reciprocidade cristalizada em 1971, porém, as Constituições não são objecto de acordos interparlamentares, cada país faz a sua Constituição. O Brasil, por pressão, de resto, dos portugueses, quando considerou que tinha chegado a hora de passar a um estatuto de direitos políticos verdadeiramente único no mundo, fê-lo! E nós, na nossa Constituição, ainda não fomos capazes de acompanhar o Brasil, mas vamos muito mais longe do que a maioria dos países da CPLP. Portanto, há uma situação curiosa: não conseguimos dar reciprocidade ao Brasil, nem a maior parte dos países da CPLP consegue, hoje, dar reciprocidade ao artigo 15.º da nossa Constituição.
Em relação aos países da CPLP compreendemos o percurso que eles têm de fazer, até porque estão em estádios bem diferentes da sua evolução jurídico-constitucional, mas esse não é o caso de Portugal face ao Brasil. Portanto, concordo inteiramente com a frase dita pelo Sr. Dr. Mário Soares, ou seja, que se trata de um escândalo e de uma falta de visão quanto à importância de uma decisão imediata nesta matéria.
O argumento utilizado pelo Sr. Dr. Mário Soares nas interpelações que fez, e que colheu junto das pessoas que mais obstáculos têm posto à consagração da reciprocidade por inteiro (não da reciprocidade no "patamar de baixo" mas, sim, da plena reciprocidade), ou seja, o argumento do princípio da liberdade de circulação e da possível vinda para Portugal de 160 milhões de brasileiros, é fruto de um "eurocentrismo" ou europeísmo completamente obsessivo. A cidadania construída à base da livre circulação é a europeia!
Não posso compreender - não sei se o Sr. Dr. Mário Soares compreende - como os nossos políticos, pessoas de responsabilidade, alguns deles até juristas, não conseguem ver que o conteúdo daquilo a que chamamos cidadania luso-brasileira é completamente diferente do conteúdo da cidadania europeia, essa, sim, construída à

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base da liberdade de circulação: é para os cidadãos de um país que podem ir ao outro procurar um emprego. Este caso não, pois a nossa Constituição diz tão claramente que é para imigrantes numa situação precisa, para pessoas que residem no País com o estatuto legal há um certo número de anos!
Portanto, não posso perceber como, sendo assim, um político minimamente sério pode usar semelhante argumento. São imigrantes legais! Ou seja, ninguém pode vir para Portugal para invocar o estatuto…, ainda por cima, antes do estatuto de direitos políticos há o estatuto de direitos civis, esse, sim, poderia ser tentador para um número substancial de brasileiros. O estatuto de direitos civis é o que dá possibilidade de aceder a empregos e de gozar dos mesmos direitos. Ninguém vem para Portugal, como dizia o Sr. Deputado Guilherme Silva há bocado, para ser Deputado, ainda por cima vão passar muitos anos até que um partido os inclua nas suas listas ou que o Primeiro-Ministro os nomeie para o seu Governo.
Fico, por isso, muito preocupada quando, sobretudo, o chefe da diplomacia portuguesa, o Dr. Jaime Gama, fala sempre na necessidade de afirmar uma cidadania da CPLP com base num mínimo denominador comum. É que se formos agora negociar direitos políticos a nível da CPLP temos de ir para o mínimo denominador comum, não podemos ir para o máximo. Com o Brasil estamos à procura do máximo, mas com a CPLP só poderíamos negociar essa cidadania, multilateralmente, no mínimo denominador comum, ainda por cima começando, a meu ver, por aquilo que nunca nos levará a lado nenhum, ou melhor, leva à abolição de vistas e coisas do género, que considero muito interessantes mas que não dão um conteúdo à cidadania.
Pela liberdade de circulação, a meu ver - esta é uma pergunta que também gostaria de colocar-lhe -, nunca mais chegaremos à firmação de um conteúdo de cidadania sequer comparável ao da União Europeia, porque estamos integrados em espaços diferentes, e liberdade de circulação é aquilo que nunca vamos ter, pelo menos na Europa. Portanto, pergunto como é possível não se ver a diferença, porque o que está em causa é um estatuto de direitos políticos.
Pessoalmente, sou em absoluto contra essa ideia de esquecer o acquis que temos com o Brasil e passar, agora, a procurar negociar a nível da CPLP, embora nos projectos que apresentámos (os Deputados individualmente e, hoje, o PSD) a CPLP esteja também sempre no nosso horizonte. Este acordo com o Brasil, a meu ver - e pelo que depreendi da suas palavras, o Dr. Mário Soares também vê assim -, é como um paradigma para toda a CPLP, para o seu desenvolvimento.
Este estatuto de direitos, o que é? É um estatuto de direitos civis e um estatuto de direitos políticos para imigrantes. Não é para cidadãos do País, não é para todos, é para os imigrantes! Se se fizesse esta distinção talvez alguns desses pavores, desses "fantasmas", que se interpõem entre nós e a dação da reciprocidade pudessem ser "enfiados nos armários".
Também tem sido aqui muito discutido por outros intervenientes o problema da formulação do articulado que concede a reciprocidade. Julgo, embora não fale em nome do PSD, que nem sequer podemos dizer que esta é uma formulação do PSD; esta é uma formulação que vem de trás, do tempo em que Deputados, a título individual, apresentaram os seus projectos. Eles foram apresentados assim, limitando-se o PSD a fazer melhoramentos formais e, julgo, não está agarrado à sua fórmula, de modo algum. Aliás, penso que a mesma está perfeitamente em aberto, estamos abertos a todas as alterações.
Por que foi ela feita assim? Penso que é importante sabermos porquê. Porque o Brasil, de qualquer maneira, vai muito mais longe do que nós. Infelizmente, não temos possibilidade de acompanhá-lo numa plenitude de reciprocidade. O Brasil só exclui do gozo de direitos nesse país os direitos inerentes ao brasileiro nato. Há um determinado número de direitos que são do brasileiro nato, estando os portugueses equiparados aos brasileiros naturalizados. Portanto, é muito mais do que podemos sonhar conceder.
Julgo que o facto de termos ido para uma formulação que procura ver, no fundamental, os direitos que o Brasil nos dá de novo, isto é, que nos dá a mais relativamente ao acordo de 1971… E o que nos dá a mais? Dá a mais a possibilidade de ser congressista, de aceder aos tribunais e de ser membro do governo, do governo federal lá e, aqui, do governo do país.
Foi atribuindo esses direitos ao conteúdo de cidadania que tentou resolver-se o problema de uma disparidade que, a meu ver - não sei qual é a opinião do Sr. Dr. Mário Soares -, é impossível de resolver, porque nunca vamos dar aos brasileiros essa reciprocidade, pelo menos nesta fase, aliás, estamos a ver as dificuldades que se nos colocam para conseguir uma coisa tão simples e tão elementar como esta. Ainda por cima, no Governo, os Ministros são escolhidos pelo Primeiro-Ministro, os Deputados, como sabemos, começam por ser escolhidos pelos partidos e, depois, pelo eleitorado, sendo a magistratura um caso diferente.
Curiosamente, na última revisão constitucional, a única abertura feita pelo Grupo Parlamentar do PS referia-se aos membros do Governo, portanto, houve uma aceitação que os brasileiros pudessem ser membros do Governo, mas não que pudessem ser Deputados, pretendendo-se também fechar-lhes o acesso à magistratura.

O Sr. Presidente: - A intervenção da Sr.ª Deputada corre o risco de ser mais longa do que a do Dr. Mário Soares!

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente, vou fazer só mais duas observações. O Sr. Presidente tem toda a razão, aliás, peço imensa desculpa à Comissão e ao Dr. Mário Soares, mas quero fazer apenas duas observações suplementares, uma delas em relação à magistratura.
Preocupa-me muito fecharmos a possibilidade de acesso à magistratura, porque no Brasil há muitos magistrados portugueses desembargadores, nos tribunais superiores, que só têm nacionalidade portuguesa.
Outra observação que quero fazer, exactamente da mesma natureza, é em relação às regiões autónomas. O Brasil é um Estado federal e os portugueses, ao nível dos Estados do Brasil, têm plenitude de direitos políticos: podem ser Deputados, membros do Governo, etc. Aliás, nem sequer "podem", são-no efectivamente, por exemplo, a Ruth Escobar. A primeira mulher que foi Secretária Estadual no Brasil, portanto, membro do Governo estadual, era portuguesa, e só tem esta nacionalidade!…

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Esta é uma dúvida que deixo, mas penso que não podemos estar a abrir excepções à reciprocidade no que respeita às regiões autónomas quando elas não são sequer Estados federais.
Penso imensa desculpa por a minha intervenção ser tão longa, mas queria, mais uma vez, agradecer ao Sr. Dr. Mário Soares as suas palavras, que penso terem sido muito importantes para esta causa e para o futuro da cidadania luso-brasileira da CPLP.

O Sr. Presidente: - De seguida, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, pedindo, mais uma vez, que cumpramos aquilo a que nos obrigámos há duas sessões, ou seja, a intervenções curtas e incisivas e com questões; o que tem aparecido são intervenções, e longas. A continuarmos assim, o Sr. Dr. Mário Soares não sairá daqui a horas decentes.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, procurarei fazer uma intervenção curta, mas não posso prometer ser incisivo.
Sr. Dr. Mário Soares, quero também, em nome pessoal e dos Srs. Deputados do PS, cumprimentá-lo vivamente e saudá-lo pela sua presença nesta Comissão. Obviamente, é para nós motivo de júbilo podermos partilhar consigo estes momentos de reflexão muito importantes para a sedimentação da nossa Constituição e do nosso entendimento como povo.
Neste sentido, queria "colar" ao seu ponto de vista um outro lado da questão. Tem-se feito também em Portugal, particularmente na última revisão constitucional, em 1997, um movimento acentuado no sentido de manter os laços de ligação com os portugueses no exterior, com os nossos cidadãos emigrantes, de forma a aprofundar-lhes os direitos de participação política relativamente à comunidade originária, aos direitos de participação do próprio Estado português - foi designadamente por isso que se permitiu a possibilidade de os emigrantes participarem na eleição do Presidente da República, em condições que a Constituição estabeleceu de forma cautelosa, mediante o requisito da existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.
Ora, acontece que, designadamente pelo pacto para a igualdade do exercício de direitos entre portugueses e brasileiros, tal como está agora concebido, a opção pelo exercício no Estado da residência implica a perda do exercício de direitos relativamente ao Estado de origem.
Temos, pois, aqui um movimento de sentido contraditório: aprofundamos o espaço da lusofonia, no sentido em que admitimos que residentes de outros Estados lusófonos em Portugal exerçam os nossos direitos políticos, mas o preço disso, tal como a convenção está actualmente modelada, é a perda dos direitos de participação política nos seus Estados de origem. Se olharmos para os cidadãos portugueses, isto significaria que, à medida que viessem a exercer os direitos de participação nos Estados lusófonos em que residissem, deixariam de os poder exercer, quer na eleição para a Assembleia da República, quer na eleição do Presidente da República, tomando estes como os direitos mais significativos.
Daí que, perante este sentido contraditório no aprofundamento da lusofonia, eu queira perguntar ao Dr. Mário Soares se admitiria que esta questão também pudesse ser revista, no sentido de uma acumulação possível do exercício de direitos políticos (pelo menos uma certa parte deles - os direitos da cidadania activa, designadamente) no Estado da residência sem necessariamente se perderem os direitos de participação política relativamente ao Estado de origem.
Recordo que tal já acontece em alguns casos, senão vejamos: por exemplo, os cidadãos portugueses que tenham dupla cidadania e que, por força da cidadania do Estado de acolhimento, exerçam aí direitos de participação política nem por isso perderam o direito de eleger para a Assembleia da República, em Portugal. Neste caso, há uma cumulação da possibilidade de exercício de direitos. Gostaria de conhecer o seu ponto de vista sobre este ponto, Dr. Mário Soares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta, a quem reitero o pedido que tenho feito, embora por vezes sem grande êxito!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, vou tentar corresponder ao seu pedido.
Quero introduzir uma nova questão, mas gostaria também de colocar duas questões complementares. Começo por agradecer ao Sr. Dr. Mário Soares, saudá-lo muito e congratular-me com as suas opiniões. Vou procurar evitar repetir o que disseram os Srs. Deputados Guilherme Silva e Manuela Aguiar, mas não posso deixar de sublinhar a persistência e a convicção da Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, que sempre acompanhei, ao longo destes 13 anos, pois "água mole em pedra dura…" Assim, espero que um dia, até pela razão das suas posições, acabemos por levar a cabo esta revisão constitucional o mais rapidamente possível.
O argumento dos 170 milhões não colhe, e o problema está entre 1,5 milhões de portugueses versus os 35 000 brasileiros que se supõe existirem agora em Portugal, e as sondagens mostram que a maioria dos portugueses é favorável à reciprocidade, como uma grande parte da elite vai sendo favorável (o Dr. Mário Soares referiu o texto que recebemos na semana passada, assinado por si, e referiu os nomes de Eduardo Lourenço e de José Saramago, mas há muitos outros, como Jorge Miranda, José Carlos Vasconcelos, Romero Magalhães, Sofia de Mello Breyner, Boaventura Sousa Santos, Adriano Moreira, Alçada Baptista, etc., etc.), mas a verdade é que, e esta é a minha questão, uma parte da elite - e não apenas alguns políticos - está, para além do eurocentrismo referido pela Sr.ª Deputada Manuela Aguiar, a recuperar um sentimento que, há que chamar as coisas pelos nomes, qualifico de obscuro.
Quem conhece um pouco da história do Brasil sabe que este país teve um sentimento obscuro de um povo que foi colonizado - o chamado "nativismo". O nativismo foi um sentimento vigente numa parte do povo e das elites brasileiras contra os portugueses, ao longo de décadas, no século XIX e que se prolongou para século XX.
Gostaria que o Sr. Dr. Mário Soares me explicasse este medo irracional de uma parte minoritária, felizmente - é que o curioso é que é minoritária, só que não chega para os dois terços! -, dos portugueses, que agora, por uma

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espécie de complexo obscuro e irracional, vêm recuperar, para além do já referido eurocentrismo, um novo nativismo de um povo que não tem complexos, mas cuja elite os tem, em parte.
Tenho outra pergunta sobre esta matéria para lhe fazer. Para além desta irracionalidade, gostaria de saber se não pensa que, a propósito da ratificação no Congresso brasileiro do último convénio entre Portugal e o Brasil (que, como sabe, não foi ainda ratificado, mas é importante para nós), não pode voltar a colocar-se o problema de pôr em causa não apenas o artigo da Constituição brasileira, mas mesmo a ratificação eventual deste convénio pelo Brasil.
Quanto ao TPI, também partilho das suas opiniões, mas queria saber se o Sr. Dr. Mário Soares não pensa que o TPI é muito importante por outros motivos para além dos que referiu (esta é uma opinião minha, mas pode não ser a sua, como é óbvio), como sejam prevenir o genocídio e os crimes contra a humanidade e de guerra e acabar com a impunidade. Gostaria de saber se não lhe parece também que o TPI pode acabar ou contribuir para acabar com duas situações que são, a meu ver - e esta é uma opinião pessoal, que os meus colegas poderão não compartilhar -, totalmente inaceitáveis e gostaria de saber se para si também o são.
Refiro-me, em primeiro lugar, e nisto julgo que estaremos de acordo, à persistência da pena de morte. A entrada em vigor do Estatuto do TPI não pode ser uma alavanca para lutar contra os países que ainda mantêm a pena de morte, que, como a Amnistia Internacional muitas vezes bem diz, embora estejam a ser reduzidos ao ritmo de três por ano, ainda são muitos.
Em segundo lugar, e este ponto será mais discutível, há o problema da situação actual dos tribunais penais ad hoc. Sr. Dr. Mário Soares, gostaria de ouvir a sua opinião, mas penso que a situação actual não pode manter-se. Esta situação de os tribunais penais ad hoc não pode manter-se!
Não vou falar agora aqui do problema do cansaço do tribunal, que já existe no Conselho de Segurança, mas gostaria de saber se lhe parece possível continuarem a existir dois tribunais penais ad hoc (ou três ou quatro, eventualmente, amanhã) que julgam determinados crimes ocorridos só em determinados países, que são tribunais de vencedores, que só julgam vencidos e cujos julgamentos estão limitados a determinados países, e, no caso do Tribunal do Ruanda, em Arusha, a determinado espaço (isto é, é genocídio o que foi praticado naquele espaço geográfico mas, se for 20 km ao lado, já não é, porque já não faz parte da competência do Tribunal do Ruanda!) e, mais, tendo uma limitação no tempo: só constituem genocídio e só podem ser julgados os crimes que foram cometidos entre o dia 1 de Janeiro e o dia 31 de Dezembro de 1994.
Sr. Dr. Mário Soares, parece-lhe que esta situação é sustentável? Não haverá aqui princípios fundamentais da justiça, como a igualdade perante o direito, que estão a ser violados quotidianamente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Mário Soares, gostaria de lhe transmitir, em meu nome pessoal e em nome dos Deputados do Partido Socialista, aliás reiterando o que já foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, o grande orgulho e honra que é para o Parlamento ter a sua presença aqui. Reconhecemos que V. Ex.ª teve, como já foi referido, um papel muito importante no nascimento da ideia do Tribunal Penal Internacional para acabar com os tribunais de vencedores e saudamos, porque nos parece que isso é cada vez mais verdadeiro, a frontalidade e a coragem com que V. Ex.ª sempre expõe as suas convicções.
Gostaria de dizer que, não apenas pela presença de V. Ex.ª, mas também pelo movimento que há na opinião pública, o Partido Socialista (e digo-o aqui na qualidade de coordenador dos Deputados do Partido Socialista nesta Comissão) começou por tomar uma posição de alguma economia, em termos do trabalho da revisão constitucional, porque isso nos foi inicialmente solicitado. Lembro-me de, numa das primeiras audições, a propósito do relatório do Deputado Alberto Costa, o Professor Jorge Miranda nos dizer para não nos pormos a mexer por aí na Constituição e alterarmos apenas o essencial para resolver o problema do TPI, pois isso é que é urgente; para além disso, lembrou-nos de que temos uma revisão ordinária em 2003, pelo não deveríamos fazer grandes alterações.
Isto levou-nos a tomar uma posição de alguma economia, por isso, apresentamos tão-só um artigo relativo ao TPI, outro relativo ao "espaço de liberdade, de segurança e de justiça" e estamos disponíveis, como estamos desde o princípio, embora entendêssemos que tal não era constitucionalmente necessário, para resolver o problema dos direitos sindicais da polícia.
Apesar de tudo, creio que, pelo menos, a nossa posição limitou aquilo que poderia ser uma grande proliferação de articulados, fazendo com que esta revisão extraordinária se transformasse numa revisão ordinária.
A verdade é que, feitas as contas, estamos, de facto, confrontados com o problema da reciprocidade, com o problema da limitação dos mandatos, e verificámos que o PSD deu hoje aqui um espaço de abertura em relação ao "espaço de liberdade, de segurança e de justiça", o que saudamos, pois constitui uma novidade de assinalar…

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Estamos à espera da reciprocidade!

O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Também estamos confrontados com o problema das buscas domiciliárias nocturnas.
Nessa circunstância, Sr. Dr. Mário Soares, e também pela presença de V. Ex.ª , há algo que eu gostaria de deixar muito claro. O PS teve mais de um terço dos subscritores dos tais 60 Deputados, em 1997 (eram membros do PS mais de 20 dos tais 60 a que a Sr.ª Deputada aludiu - aliás, quero saudá-la, pois a Sr.ª Deputada tem sido extremamente persistente nesta matéria), e o problema já foi discutido nessa altura. Assim, posso aqui asseverar que o Partido Socialista vai discutir - aliás, já tinha essa intenção, mas hoje reforça-a -, no seu grupo parlamentar e no partido, a questão da reciprocidade, o que fará, espero, mas não posso adiantar posições, num sentido de abertura.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O Sr. Deputado vai "pintar a cara de preto" na próxima reunião!

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Segue o exemplo do Secretário de Estado!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, não se trata de "pintar a cara de preto"! Trata-se apenas de verificarmos que VV. Ex.as vão abrindo a vossa posição no tocante ao "espaço de liberdade, de segurança e de justiça" e, então, nós, se calhar, também abriremos a nossa noutras matérias! Isto, como o Sr. Deputado Guilherme Silva sabe, é política,…

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não parecia!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - … e nós não a sonegamos!
Mas, enfim, VV. Ex.as tiveram a excelentíssima ideia de propor que o Sr. Dr. Mário Soares aqui viesse e isso pode ajudar a resolver muitas coisas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Era essa nossa intenção!

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - De qualquer maneira, agradeço que não me interrompam, pois não quero tomar mais tempo. Aliás, não estou a discutir a substância da questão, mas apenas a fazer alguns anúncios.
Sr. Dr. Mário Soares, quero colocar-lhe uma questão muito simples, apenas para saber qual é a sua sensibilidade em relação à mesma. É verdade que, nesta matéria da reciprocidade, o que está ensejado no projecto dá, digamos, as excepções do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente do Tribunal Constitucional, das Forças Armadas e da carreira diplomática.
A minha dúvida pessoal, perfeitamente pessoal, sendo certo que alguns de nós defendemos a possibilidade de o Governo poder não estar integrado na excepção, põe-se pelo menos em relação a dois membros do Governo, e nunca se esqueça que o Brasil tem um sistema presidencialista - o Professor Jorge Miranda, por exemplo, defendia que o Governo devia estar daqui exceptuado. Mas, Sr. Dr. Mário Soares, a minha questão concreta é a seguinte: se exceptuamos as Forças Armadas, então o Ministro da Defesa não devia estar exceptuado? E, se exceptuamos os funcionários da carreira diplomática, o Ministro dos Negócios Estrangeiros não devia estar exceptuado?
Volto a reiterar os meus agradecimentos pela sua presença aqui e o grande contributo que trouxe.
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Mário Soares, quero saudá-lo e, em meu nome pessoal e do meu partido, apresentar-lhe os melhores cumprimentos.
A nossa proposta, que é só do CDS e que não é subscrita por outros, é sobre as buscas domiciliárias nocturnas. Ora, quanto ao consentimento da pessoa para cujo domicílio é necessária a autorização para entrar, a própria Constituição prevê que se pode fazer a busca se houver consentimento, mas eu também concordo consigo ao dizer que este consentimento, se for pedido e dado, será sempre forçado. Ou seja, se a polícia pedir a alguém o seu consentimento para fazer a busca, nunca este consentimento é livre, porque basta a polícia estar lá a pedir para entrar em casa para a vontade já estar diminuída no momento de dar este consentimento.
Mas o que interessa não é o consentimento. O que interessa é salientar que, nos dias que correm, há crimes gravíssimos que se praticam de noite e que o conceito de domicílio, como disse aqui o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Procurador-Geral da República, é muito frouxo, o que leva a que a pessoa, em Portugal, possa ter oito domicílios, bastando para tal levar um pequeno divã para se dizer que aquilo é um domicílio para a noite. Aliás, uma reportagem da RTP mostrou o tráfico de droga numa casa em que a polícia não podia entrar porque era de noite. Julgo que toda a gente à volta desta mesa aceita alguma abertura para esta excepção à não violação do domicílio de noite.
O problema que eu queria pôr prende-se, no entanto, com aquilo que aqui disse o Sr. Deputado Osvaldo Castro, porque parece que há já um "contrato fechado" sobre esta revisão constitucional entre o Primeiro-Ministro, como Secretário-Geral do PS, e o Dr. Durão Barroso, líder do PSD. Isto já é público, já veio nos jornais e já se disse que o Partido Socialista apenas quer três artigos para esta revisão constitucional extraordinária. Esses artigos são os relativos ao TPI, ao espaço jurídico e ao problema do sindicato da polícia sem direito à greve.
Como tal, o artigo comum aos dois partidos é o relativo ao TPI, pretendendo ainda o PS introduzir a questão do espaço jurídico e o PSD uma alteração em matéria de sindicato da polícia. Isto veio em todos os jornais, não foi desmentido, falou-se imenso desse possível acordo à mesa do almoço e, agora, há aqui um "eco" disso, de que esta revisão extraordinária seria circunscrita a três artigos. Ora, tem sido o nosso Presidente, com uma enorme paciência, a trazer todos estes artigos ao debate em todas as audições, sabendo, porventura, que isto do acordo pode ser verdade, porque tal veio constantemente referido e não foi desmentido, e já aqui foi hoje sublinhado pelo coordenador do PS.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - V. Ex.ª não ouviu tudo o que eu disse!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não! Agora está a mostrar abertura, mas até aqui não havia!
Eu gostava de saber se o Sr. Dr. Mário Soares pensa que as revisões extraordinárias da Constituição devem ser circunscritas a dois ou três artigos que os dois grandes partidos querem ver revistos, ou se, como disse, deve haver uma abertura para, pelo menos, aqueles artigos que fazem parte de um mínimo que cada partido entendeu dever fazer parte da revisão constitucional extraordinária. Era isto que queria saber.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nós temos presente o Dr. Mário Soares, que acedeu a vir prestar o seu depoimento. Penso, portanto, que não devemos sujeitar o nosso convidado, seja este ou outro qualquer, mas refiro-me agora em especial ao Dr. Mário Soares, a discussões políticas que extravasam manifestamente o âmbito da sua audição.

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Por esta razão, sem fazer uma crítica de fundo a intervenções que foram feitas, solicito aos Srs. Deputados que não entrem agora num "ping-pong" de declarações políticas sobre a revisão constitucional, que, a meu ver, mostrará, porventura, menos apreço pela presença do Dr. Mário Soares, que a elas é totalmente alheio. Solicito, por isto, aos Srs. Deputados que ouçamos o Dr. Mário Soares e que, no retomar dos trabalhos, VV. Ex.as ditem para a acta, porque é disso que se trata, aquilo que muito bem entendam. Todavia, penso que não devemos sujeitar a pessoa do Dr. Mário Soares a estar a ouvir este debate sobre negócios e coisas estranhas com as quais ele nada tem a ver.

Protestos do Deputado do CDS-PP, Narana Coissoró.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que se insistir em usar da palavra, eu, depois, terei de a dar a todos os demais, até porque o primeiro inscrito foi o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Insisto, sim, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - O meu apelo não teve, portanto, tristemente, a meu ver, a adesão…

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Às vezes acontece-nos isso, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Acontece, sim, Sr. Deputado. O problema é quando acontece muitas vezes e repetidamente!
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dar um esclarecimento, porque o Sr. Deputado Narana Coissoró fez aqui uma afirmação relativa a um acordo entre o Dr. Durão Barroso e o Sr. Primeiro-Ministro, António Guterres. Quanto a isso queria dizer uma coisa muito simples: obviamente, houve conversações, como é normal relativamente a processos desta natureza, que curaram daquilo que era um mínimo para ser viabilizado nesta revisão, mas, obviamente, nem um nem outro assumiria compromissos que retirassem o espaço próprio desta Comissão e da Assembleia da República. Deixemos clara essa questão, porque, se assim não fosse, estaríamos todos aqui com um "colete de forças" que nem o Primeiro-Ministro nem o Dr. Durão Barroso, em circunstância alguma, assumiriam.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe a sua intervenção muito breve. Vamos ver se assim conseguimos limitar o desgaste deste debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, creio que V. Ex.ª acabará por aceitar e os Srs. Deputados todos por compreender, sobretudo depois do que disse o Sr. Deputado Guilherme Silva, a importância desta intervenção neste contexto.
De facto, o Sr. Dr. Mário Soares foi convidado por nós para se pronunciar sobre o conjunto das matérias que entendeu por convenientes mas, em particular, sobre a questão da igualdade entre portugueses e brasileiros e, como se viu pelas preocupações do Sr. Deputado Narana Coissoró, essa não seria uma das matérias que supostamente tinha sido acordada à cabeça deste processo de revisão constitucional. Ora, a não haver da nossa parte reacção sobre essa posição, poder-se-ia pensar, e poderia pensar mesmo o Dr. Mário Soares, o que seria de inútil ou extemporâneo este mesmo acto parlamentar que aqui estamos a ter.
Foi por isso que insisti em pedir a palavra, Sr. Presidente. Pedi a palavra para clarificar também, do lado dos Deputados do PS e da minha parte, porque aqui tenho estado em todas as sessões de trabalho, que nós apreciámos, sem discriminação, todas as propostas pelo seu mérito intrínseco e acerca delas temos dado a nossa reflexão activa e positiva e queremos sair deste processo de revisão constitucional votando "sim" o que entendermos que devemos votar "sim" e votando "não" o que entendermos votar "não", procurando ainda contribuir para melhorar os excertos, pelo valor intrínseco das matérias e não por qualquer delimitação negativa sobre o espaço desta revisão constitucional fora dos trabalhos da mesma. Somos Deputados e respondemos pelos nossos actos e é só por eles e não por outros que aqui não são chamados.
Pela minha parte, enquanto Deputado do Partido Socialista, nunca fui notificado por ninguém quanto a uma delimitação negativa do espaço desta revisão constitucional. Estou, por isso, em plena liberdade de intervenção, a apreciar o mérito de todas as propostas, incluindo aquelas sobre as quais o Sr. Dr. Mário Soares hoje, aqui, se veio pronunciar.

O Sr. Presidente: - Sr. Dr. Mário Soares, foram postas algumas questões e feitas intervenções. V. Ex.ª escolherá, naturalmente, aquelas que pensa ser útil responder ou comentar com inteira liberdade, como é nosso timbre. Vamos ouvir com muita atenção os seus comentários e respostas.
Tem a palavra.

O Sr. Dr. Mário Soares: - Sr. Presidente, eu queria começar pela última questão que colocou o Deputado Narana Coissoró, quando disse que o constitucionalista Jorge Miranda terá afirmado: "Não mexam muito na Constituição! Façam uma revisão minimalista, ou seja, alterem apenas o que é absolutamente necessário". Eu, não sendo constitucionalista, embora me tenha ocupado muito de Constituições, estou inteiramente de acordo com o Professor Jorge Miranda, porque penso que as Constituições são para mexer o menos possível. A nossa tem bastante elasticidade e, realmente, tem provado, ao fim de 26 anos, que é uma Constituição que está de pé, que é válida e que foi alterada, mas que as alterações introduzidas foram sábias e permitiram que a Constituição não seja já um motivo de discussão política. Estou, portanto, de acordo com esta teoria de mexer o menos possível na Constituição.
Mas, uma vez que se altera… E tinha de se alterar por causa do Tribunal Penal Internacional, embora alguns constitucionalistas tenham dito que talvez se pudesse resolver a questão sem uma revisão constitucional. De todo o modo, é mais claro que haja revisão constitucional - eu sou favorável a esse ponto concreto.

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Entretanto, levantou-se o problema do Brasil e das reciprocidades relativas ao Brasil e, agora, às ex-colónias portuguesas. Devo dizer que este é um problema político sério e que tem de ser visto com muita seriedade pelos Srs. Deputados. Há pouco, o Sr. Deputado Osvaldo Castro, quando estava a dizer que podia chegar a um acordo com o PSD, afirmou: "Isto é política". Sinceramente, se me permitem fazer um apelo, gostaria que não houvesse política partidária nesta questão do Brasil, porque ela é de uma importância transcendente para o futuro de Portugal. Peço desculpa por estar a chamar a vossa atenção para esse aspecto, mas a verdade é que assim é.
Ora, os brasileiros sabem (porque têm informações e, aliás, é para isso que têm cá uma embaixada e tudo o mais) que foram feitas estas diligências, que houve pessoas que fizeram abaixo-assinados e se agora, por uma questão que não tem propriamente a ver com o Brasil, por uma questão partidária, por uma coisa destas - que é, a meu ver, lana-caprina -, se viesse a negar esta reciprocidade, penso que os brasileiros teriam toda a razão (e eu seria o primeiro a dá-la) para ficarem extremamente ofendidos com o que se passa. Ainda por cima porque já é a segunda vez que acontece, e esta é uma situação desagradabilíssima!
O Brasil é um grande país que está num mau momento mas todos os portugueses que forem ao Brasil sentem isso, sentem que é um grande país! É um país que todos nós devemos ter no coração por todas as razões! São 170 milhões de pessoas que falam a nossa língua! A unidade política brasileira foi dada por Portugal e pelo nosso D. João VI, quer se queira quer não!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Sr. Dr. Mário Soares (PS): - Tudo aquilo que foi feito e as ligações que existem, o carinho com que eles tratam os portugueses, sempre e em todas as circunstâncias, é algo que nós… E ainda lá temos 1 milhão de portugueses ou de luso-descendentes, facto que também não podemos esquecer! Portanto, devemos tratar esta matéria com muita atenção.
Se, por acaso, fosse verdade - mas não acredito que seja - que o Governo português tivesse entendido que não se devia falar nesta questão do Brasil, eu seria o primeiro a criticar duramente o Governo português, porque penso que isso não tem sentido algum. Em política externa, o Brasil é uma "trave" imensa de Portugal. Nós, portugueses, colocámos lá recursos e poderá ser discutível, em termos estritamente económicos, se o devíamos ter feito ou não. De qualquer modo, foram os grupos económicos que o fizeram e não o Estado português, se bem que alguns tenham tido uma "mão" ou um impulso do Estado português. A verdade é que colocámos esses recursos que, inclusivamente, estão em quebra, no que respeita às acções.
No entanto, o ex-Ministro Pina Moura foi ao Brasil e disse uma frase muito inteligente. Quando lhe perguntaram "Então, agora os portugueses vão retirar os seus investimentos?", ele respondeu: "Não! Nós fizemos estes investimentos para mais cinco séculos, e não para flutuarmos depois de uma quebra das acções". Por isso é que pergunto: fomos capazes de fazer isso e agora vamos estragar tudo por uma questão política que, a meu ver, não tem razão de ser? Não pode ser, não podemos fazê-lo!
Acrescento agora um outro aspecto que é importante que saibam: temos de assumir que correram muito mal todas as actividades que levámos a cabo para celebrar os 500 anos da descoberta do Brasil!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!

O Sr. Dr. Mário Soares: - Posso dizê-lo porque me nomearam Presidente da Comissão de Honra dessas comemorações e eu, porque fazia parte da minha função, propus ao Governo que nomeasse uma Comissão de Honra de Altas Individualidades Portuguesas. Elas foram nomeadas mas depois disso não se passou nada. E nós assistimos, tanto a Dr.ª Manuela Aguiar como eu, porque fomos na viagem presidencial ao Brasil, ao que se passou. Por culpa, em parte, dos brasileiros e por razões políticas brasileiras do momento, mas também por culpas nossas. E a questão do tratado é uma delas. Eu nunca "engoli" este tratado, porque ninguém teve conhecimento dele até ao momento em que ele foi feito. Isto não era um tratado para ser feito por duas chancelarias! Não era! Era um tratado para ser discutido por todo o povo português e, não sei porquê, prescindiu-se disso! Como digo, não sei por que razão foi assim, mas há aqui pontos que excedem a minha compreensão.
Se, ainda por cima, nós não aprovarmos esta reciprocidade, depois de a termos anunciado e proposto, sinceramente, creio que será muito mau para o futuro das relações entre Portugal e o Brasil. Já tivemos um caso terrível que, felizmente, foi ultrapassado e esquecido, que foi o caso dos dentistas: depois de os brasileiros terem recebido milhões de portugueses ao longo dos tempos, nós discutimos um problema de dentistas. Mas espero que não entremos outra vez numa chicana com o Brasil, pois seria extremamente desagradável.
Eu tenho o dever de vos dizer isto.
Quanto a tudo o mais que me perguntaram, devo dizer que estou de acordo com as intervenções de todos, de uma bancada e de outra. A questão que me colocou o Deputado Jorge Lacão passa um pouco à margem daquilo para que estava convocado, mas eu, não conhecendo bem a situação, não tenho dúvidas em responder que sim. Já a questão que suscitou quanto ao nativismo é mais difícil de responder, mas não sei por que é que há esta súbita… Sabe, infelizmente, há muitos portugueses que não conhecem o Brasil e, muitas vezes, daquilo que não conhecem fazem uma ideia, imaginam uma coisa que é diferente da realidade. Disse uma vez, e permito-me repeti-lo aqui, que devia ser obrigatório para todos os portugueses irem ao Brasil com 20 ou 25 anos. Deviam fazer uma visita ao Brasil, porque não há mais nenhum país no mundo, mais sítio nenhum da Terra onde se sinta tanto orgulho em ser português como quando se vai ao Brasil. Esta é que é a verdade!

A Sr.ª Maria Manuela Aguiar (PSD): - Muito bem!

O Sr. Dr. Mário Soares: - As pessoas chegam ao Brasil e dizem: "Caramba! Portugal fez isto?! Como é que foi possível?!". E isso é algo que nos dá um orgulho extraordinário em ser português e é preciso acarinhar essa relação, o que tem um reflexo para África. A África está hoje como está, todos conhecemos a situação africana, mas daqui a 10 ou a 50 anos não estará! Ora, tudo o que

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fizermos para estabelecer boas relações com toda a família da língua portuguesa é qualquer coisa de importante para as gerações futuras. Não brinquemos, portanto, com esta situação.
Quanto às demais questões que me colocaram, estou de acordo no essencial. Enfim, foram mais afirmações do que perguntas, mas penso que fui bastante explícito e claro no que disse em relação ao Tribunal Penal Internacional, pelo que não me vou repetir. E, em relação a todos os outros pontos que foram abordados, como sejam a inviolabilidade do domicílio, os direitos sindicais e o princípio da renovação dos cargos, que, evidentemente, não está ainda maduro, talvez não sejam as questões mais importante desta revisão.
Mas se há questões importantes, poria o Tribunal Penal Internacional em primeiro lugar, porque é um passo de progresso para o mundo. Quando surgiu a ideia do Tribunal Penal Internacional, escreveu-se em muitos jornais e em grandes títulos "Cuidem-se os ditadores, porque os ditadores ficaram em crise!". Este é o grande ponto e o grande progresso que tem o Tribunal. E aproveito para dizer que sou completamente contra os tribunais ad hoc, não só por serem tribunais de vencedores, como porque eles permitem, pela maneira como são constituídos, que haja "bons" ditadores e "maus" ditadores. Um mau ditador seria o Saddam Hussein; outro mau ditador seria o Milosevic. E esses julgam-se com toda a pena e gravidade da lei. Depois há ditadores - e não vou dizer os nomes dos que existem na actualidade, porque não seria inteligente da minha parte - a quem se passa uma "esponja". Pensando no passado, temos o Pinochet… Por exemplo, no Salazar já nem pensamos, porque, coitado, morreu na cama, nem no Franco. Isso, realmente, quase que já não existe!
Mas, dizia, não podemos ir por esse critério dos "maus" e dos "bons" ditadores segundo os interesses das grandes potências. Isso é que não podemos fazer. Como tal, um Tribunal Penal Internacional dá-nos garantias, o que é mais uma razão para sermos a favor da sua criação.

O Sr. Presidente: - Sr. Dr. Mário Soares, penso exprimir o pensamento de todos os Srs. Deputados ao dirigir-lhe as melhores saudações e os nossos profundos agradecimentos pela riqueza do seu depoimento, que nos faz pensar que fizemos muito bem quando deliberámos convidá-lo a vir a esta Comissão para a Revisão Constitucional. Muito obrigado.
Srs. Deputados, continuamos os trabalhos às 15 horas e 30 minutos, com a audição, a última, do Fórum Justiça e Liberdades, reunião que será dirigida pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que acedeu a substituir-me.
Srs. Deputados, está interrompida a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, esta tarde temos, entre nós, o Sr. Presidente do Fórum Justiça e Liberdades, Prof. Doutor Pinto Ribeiro, a quem quero, em meu nome e no da Comissão, agradecer a disponibilidade manifestada para colaborar com esta Comissão. O Parlamento tem com o Fórum Justiça e Liberdades uma relação de há longo tempo, particularmente a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Naturalmente que esta Comissão Eventual, mercê das questões que estão em causa nesta revisão extraordinária da Constituição, não podia deixar de ouvir o Fórum.
Permito-me dar plena liberdade ao Sr. Professor para se pronunciar sobre o que entender, pedindo, em particular, a sua atenção para a questão do Tribunal Penal Internacional, para a matéria do espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União Europeia e as questões que se colocam e nos parecem também exigir alguma clarificação constitucional no domínio do artigo 7.º, e para uma proposta do CDS-PP que tem a ver com as diligências para a entrada no domicílio privado durante a noite, que a Constituição condiciona e que se pretendia flexibilizar relativamente a um determinado tipo de criminalidade.
São fundamentalmente estas as questões sobre as quais a Comissão gostaria de o ouvir, sem prejuízo, repito, de o Sr. Professor. intervir relativamente ao que entender.
Tem a palavra o Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro.

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro (Presidente do Fórum Justiça e Liberdades): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer o convite dirigido ao Fórum. É para nós muito importante a oportunidade que nos é dada de podermos participar no processo legislativo, nomeadamente na parte que diz respeito à defesa de direitos, liberdades e garantias e à consagração legal que, a nosso ver, seja a mais correcta e a mais eficaz possível desses direitos, liberdades e garantias, numa perspectiva de criação, de consolidação e de desenvolvimento do Estado de direito.
Gostaria de dizer que não temos uma posição unânime em matéria de Tribunal Penal Internacional, que desenvolvemos alguns debates internos nessa matéria e que esses debates foram cortados pelas seguintes linhas.
Em primeiro lugar, o entendimento de que estes crimes, que seriam qualificados como susceptíveis de serem julgados pelo Tribunal Penal Internacional, são crimes com uma dimensão de natureza política, o que justificaria um tratamento diverso, isto é, o reconhecimento de que, estando a discutir uma questão que é puramente jurídica, estes crimes, porque crimes contra a humanidade, revestiriam uma natureza política que seria a única que poderia justificar uma sanção diversa daquela que é aplicada a quem pratica crimes que não têm esta natureza política de crime contra a humanidade. Daí, e por isso mesmo, admitir-se (se é que esta diferença existe) que pudesse haver, do ponto de vista penal, um tratamento diferenciado destes crimes relativamente aos crimes que se encontram previstos no Código Penal Português - sem prejuízo de, no Código Penal Português, já se preverem estes crimes, mas sem a suposição da sua eventual natureza penal política diversa.
Esta foi uma linha que nos dividiu.
Pessoas houve, nessas discussões no Fórum, que entenderam que os crimes devem ser punidos com uma

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moldura penal máxima determinada, a que consta do Código Penal Português, e que, se se entende que ela deve ser revista, deve sê-lo para todos os crimes. O tratamento dos crimes, enquanto tal, deve ser feito nos mesmos termos, daí não aceitarem esta qualificação destes crimes, isto é, o comportamento em si mesmo ter uma natureza política (porque crime contra a humanidade) que justificasse um tratamento politicamente diverso. É esse tratamento político diverso que também legitima, na opinião de alguns, a possibilidade de um tratamento, através de uma jurisdição de excepção, dessas pessoas.
Outras pessoas defenderam que, pelo contrário, aquilo que se deveria fazer era ter uma jurisdição descentralizada comum, digamos, uma espécie de regime semelhante àquele que existe para a legislação europeia da concorrência, cabendo aos tribunais nacionais aplicar as normas penais dessas convenções internacionais. Tal corresponderia ao que existe, neste momento, para a Convenção sobre os Crimes de Tortura e Maus Tratos, ou seja: serem competentes os tribunais da nacionalidade ou do Estado de que é nacional o torturado; ser competente o tribunal onde o crime tiver sido praticado ou o tribunal da nacionalidade do torturador ou daquele que pratica esses actos.
Foi esse regime que abriu a possibilidade de um juiz de um tribunal espanhol requerer a extradição de um cidadão que se encontrava em Inglaterra, concretamente o ex-Presidente do Chile, General Augusto Pinochet, ou seja, pedir a extradição dele para ser julgado em Espanha, porque os tribunais espanhóis teriam competência para tal. Portanto, a lógica foi a de entender que o que se devia fazer era alargar este sistema de competência, através de um conjunto de mecanismos de conexão que fizesse com que a conexão não fosse apenas a da nacionalidade do torturado, a da nacionalidade do torturador ou do Estado onde o crime tinha sido cometido. E, fazendo esse alargamento, passar a reduzir os casos em que se justificasse, de alguma forma, a existência de uma jurisdição de excepção.
A terceira linha de força que prevaleceu no Fórum, e sobre a qual não houve unanimidade, foi a de que seria bom, se tal fosse possível, sem prejuízo de a Assembleia da República entender rever os limites máximos penais relativamente a esses crimes, chamados crimes contra a humanidade, estabelecer um limite máximo de pena que não pudesse ser excedido, mesmo quando se verifica a extradição dessa pessoa para ser julgada pelo Tribunal Penal Internacional, e, portanto, conseguir-se, de alguma forma, estabelecer uma espécie de reserva na ratificação que assegurasse que isso fosse alcançado. Mas pensamos que, juridicamente, isso não é possível.
A leitura que fizemos do Estatuto de Roma sobre essa matéria vai no sentido de que isso não é possível. Não sei se, do ponto de vista do direito interno e do ponto de vista das relações de extradição, será possível ao Estado português, ao fazer a extradição, condicioná-la, como condicionava as extradições feitas ao abrigo da anterior legislação constitucional, quando dizia que só extraditaria desde que o Estado para o qual fazia a extradição se comprometesse a não aplicar a pena de morte ou a prisão perpétua. Mas se foi possível fazer isto - nomeadamente, foi possível em Macau, mas, a meu ver, mal, com a República Popular da China - em alguns momentos, ou seja, admitir a extradição, na medida em que o Estado para o qual a extradição se fazia se comprometesse a não aplicar uma pena de prisão perpétua ou pena de morte (caso contrário, não haveria extradição), poder-se-ia admitir que um mecanismo semelhante pudesse ser instituído.
Não havendo este mecanismo, a única coisa que preocupou especialmente o Fórum foi a ideia da - repetindo - não separação clara da natureza política dos crimes contra a humanidade relativamente aos outros crimes e, portanto, a possibilidade de uma "infecção por contágio" dos outros crimes existentes na ordem penal portuguesa, de modo a que viessem a ver a sua moldura penal agravada, porque, como é obvio, indignamo-nos muito mais com o crime praticado relativamente a um filho, a um parente ou a um próximo do que com os crimes praticados (por mais que eles configurem um genocídio) no Cambodja, onde desapareceram não sei quantos milhões de pessoas. Isto porque quanto mais próxima de nós é a vítima, mais a indignação é sentida.
Exactamente porque há um elemento emocional muito marcado nisto, o Fórum chama a atenção para o risco deste "contágio" e, consequentemente, o risco de as pessoas caírem numa indiferenciação da moldura penal criminal, sem distinguirem claramente que estes crimes justificam uma leitura política e uma sanção política e não justificam outra.
No fundo, se quiserem, deixo-vos aqui uma pergunta, à qual não conseguimos responder, que foi esta: se Adolf Hitler tivesse sido condenado por um tribunal português em 1945, ele teria sido solto em 1970. Tê-lo-íamos solto em 1970? Acharíamos bem que ele fosse solto em 1970? Isto não tem a ver com aquela pessoa, com aquele homem; não tem a ver sequer com a reeducação daquele homem; tem a ver, sim, com sabermos se, do ponto de vista político (e do ponto de vista político da Humanidade), a Humanidade estaria em condições morais, políticas e éticas para reconhecer que alguém que foi responsável - pacificamente, é admitido que tenha sido - pela morte de milhões de pessoas, algumas das quais estritamente com o objectivo de liquidá-las e de liquidar um ou vários grupos étnicos, como os ciganos, os judeus, etc., se a Humanidade estaria em condições, repito, de, passados 25 anos, perante esses crimes do nazismo, dizer: cumpriu a pena, pode sair.
Foi perante essa questão, à qual não conseguimos dar resposta, que entendemos ser necessário fazer a leitura política destes crimes. O que é algo extraordinário, porque se trata de uma organização (o Fórum) que, apesar de ter uma preocupação puramente jurídica, no fundo, reconhece que, a partir do momento em que começamos a lidar com estas coisas em termos do conjunto da Humanidade, há uma natureza política que ultrapassa a dimensão criminal individual e, portanto, a relação entre duas pessoas, entre aquele que pratica o crime e aquele que é vítima do crime.
Diria que, relativamente às questões da ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a única coisa com que verdadeiramente podemos contribuir é com problemas, com dúvidas, mais do que com soluções e redacções mais claras.
No fundo, não somos capazes de encontrar uma formulação, dado o Estatuto que foi aprovado e a necessidade da sua ratificação. Entendemos que o Tribunal Penal Internacional pode constituir algum acrescento, porém temos dúvidas quanto à natureza não política do Tribunal Penal Internacional, quanto aos preconceitos políticos que

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ali podem ser expressos, quanto à isenção do Procurador, quanto à possibilidade de ele acusar quem quer ou o Conselho de Segurança o impedir de acusar quem quer. Enfim, temos dúvidas quanto a alguns desses aspectos.
Temos também dúvidas relativamente ao Estatuto (mas não é isso que está aqui em causa), por ele repetir aquilo que consideramos ser um erro da generalidade das jurisdições europeias continentais, que é a de acumular funções no juiz, a saber: dirigir a audiência, dizer o que é legal e o que é ilegal, condenar ou absolver, dizer se está provado ou não um facto. Entendemos que estas funções têm de ser absolutamente separadas, ou seja, quem dirige a audiência não pode pronunciar-se sobre se os factos estão ou não provados, e, portanto, entendemos que se justificava completamente, neste tipo de tribunais, a existência de um júri - e de um júri que julgasse estas pessoas - e não de juízes que dirigem a audiência e também julgam. Isto porque o que entendemos ser a prática corrente é que o advogado que quer desentender-se jurídicoprocessualmente com um juiz teme que o juiz retalie, humanamente retalie, fique com o preconceito que não domina, com uma irritação que o invade e que ele não controla, porque foi posto em causa, foi agredido verbalmente pelo advogado que defende e, portanto, acaba inconscientemente por retaliar no arguido e ser menos exigente na apreciação da prova.
Quanto ao artigo 7.º (Relações internacionais) e à ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional nada mais tinha a comunicar a esta Comissão e, por via dela, à Assembleia da República.
Relativamente ao artigo 15.º, somos favoráveis às soluções de alargamento e de igualdade de tratamento de cidadãos de outros países, como acontece aqui com a República Federativa do Brasil e com os Estados de língua oficial portuguesa. Nada temos contra o que é proposto em termos de alargamento. Pelo contrário, entendemos que a panóplia de direitos fundamentais devem ser favoráveis, aplicáveis, e devem proteger todos os cidadãos que se encontrarem na República Portuguesa e não apenas alguns relativamente a outros. Portanto, entendemos que todo o alargamento explícito é bem-vindo e é positivo.
Não sabemos exactamente as consequências que daqui decorrerão. Primeiro, porque o nosso entendimento era de que os estrangeiros e apátridas já gozavam em Portugal de todos os direitos fundamentais previstos na Constituição, com excepção, estritamente, dos direitos políticos, e o que aqui se faz é apenas uma restrição ao gozo de alguns direitos políticos por parte dessas pessoas.
Nessa medida, a leitura que é possível fazer do n.º 3 do artigo 15.º é de que se trata apenas do alargamento de direitos políticos a cidadãos da República Federativa do Brasil e a cidadãos de outros Estados de língua oficial portuguesa.
Portanto, na medida em que se trata apenas do alargamento de direitos políticos, o Fórum entende que são bem-vindos, no cumprimento do princípio da igualdade, mas não se pronuncia porque não se ocupa propriamente dos direitos políticos e do exercício desses direitos. Do ponto de vista do princípio da igualdade, esse alargamento parece ser favorável, mas do ponto de vista do juízo político sobre se devem ou não fazê-lo, não é algo que ocupe especialmente o Fórum.
Sobre este assunto, limitamo-nos a dizer que somos favoráveis ao princípio da igualdade. Entendemos que este princípio da igualdade se justifica relativamente a pessoas oriundas de países com os quais Portugal tenha esta estreita relação da língua.
Gostávamos ainda de chamar a atenção - não que isto venha imediatamente a propósito - para dois aspectos: um aspecto político e um outro de natureza mais jurídica. O aspecto político tem a ver com política de imigração. Entendemos que o que aqui está expresso é um favorecimento, uma discriminação a favor dos cidadãos dos Estados em que a língua oficial seja a portuguesa e um desfavorecimento dos Estados em que a língua oficial não seja a portuguesa e que tenham, consequentemente, residência permanente em Portugal.
Pergunto então: por que é que um cidadão oriundo de um país, que não de língua oficial portuguesa, mas com o qual Portugal tenha estreitas relações - por exemplo, um cidadão da União Indiana, de Goa -, que fale corrente e familiarmente português, não poderá beneficiar, exactamente, dos mesmos direitos que estas pessoas, que chegam nestas condições, beneficiam?
Poderia questionar a mesma coisa relativamente a Macau. Não se trata de um Estado de língua oficial portuguesa; não é um Estado, mas uma zona administrativa, uma zona especial. Se de lá vier um cidadão de nacionalidade chinesa que fale correntemente português, escorreitamente português, que há três gerações fala português, por que é que este cidadão não pode ter o mesmo tratamento destas pessoas?
Em suma, por que é que este é um problema de nacionalidade? Imaginemos agora um nacional de um destes países, que não fala português. É nacional de Moçambique, é nacional de Angola, é nacional da Guiné, é nacional de Timor, admitindo que daqui a pouco tempo Timor tem língua oficial portuguesa, etc., mas ele não fala português; imaginemos que fala bahasa-indonésio! Como é que se resolve esse problema? O problema é da língua do sujeito? É da língua do país de que ele é nacional? Penso que, relativamente a estas discriminações, há problemas que não sabemos como resolver.
Uma outra questão que se prende com esta é a da política de emigração, sobre a qual, pensamos, ninguém se pronuncia efectivamente. Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, toda a gente tem direito a sair do seu país, tem direito a deslocar-se para fora do seu país. Se bem todos estão lembrados, esta luta foi essencial, por parte das democracias ditas ocidentais, relativamente aos países de Leste, no sentido de assegurar que as pessoas pudessem sair livremente. Como todas as moedas têm dois lados, é preciso que eles tenham o direito a ser acolhidos. Isto é, ninguém tem direito a sair de um sítio onde existe "arame farpado" à volta! E o "arame farpado" tanto se pode pôr para não deixar sair como para não deixar entrar; tanto pode ser posto por quem está do lado de dentro para não deixar sair quem lá está, como pode ser posto à volta por quem está fora para não deixar entrar. Assim, consideramos que é preciso começar a pensar no exercício efectivo do direito à deslocação, que é um direito que consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem. As pessoas têm direito a deslocar-se.
Como ouvi dizer, não há muito tempo, na Alemanha, cada 100 km ou cada 500 km (as pessoas discutiam se eram 100 km, se eram 500 km) de aproximação dos Urais à Alemanha significava um aumento de 100 marcos por mês. Portanto, as pessoas tinham tendência a deslocar-se, se

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possível, por ano, 500 km, até chegarem à Alemanha, porque todos os anos aumentavam em 100 marcos a sua receita.
As pessoas têm direito a deslocar-se, as pessoas devem ter direito a deslocar-se. Quanto mais global é o mundo do ponto de vista da informação, do ponto de vista do capital, do ponto de vista da capacidade de trabalho, etc., mais global ele tem de ser do ponto de vista da mobilidade dos indivíduos, que são o suporte destes processos.
Portanto, coloca-se aqui um problema, que é o de o Governo português, nomeadamente a Assembleia da República, começar a fazer uma leitura do conteúdo desse direito das pessoas que querem imigrar, nomeadamente para Portugal. Alguns passos têm sido dados, mas entendemos que eles são insuficientes, sobretudo porque Portugal se confrontará, brevemente ou a curto prazo, com ondas de imigração que já se verificam no sul de Espanha. Só não se verificam em Portugal porque a proximidade geográfica não é aquela que existe em relação à Espanha e porque não temos um mare nostrum mais calmo - que é o Mediterrâneo - para atravessar, mas o Atlântico, que é bastante menos calmo.
Finalmente, tal pressupõe, no que diz respeito ao Sr. Ministro da Administração Interna, mas principalmente no que diz respeito à Assembleia da República, a definição de políticas de discriminação em função da língua ou em função da raça. Preferimos que venham cidadãos de raça diferente mas de língua portuguesa, ou preferimos que venham cidadãos de língua diferente mas de raça semelhante? Estes problemas vão colocar-se. E quem diz de raça diz de religião, quem diz de religião diz de língua, quem diz de língua diz de outras coisas do género!
Entendemos que essas discriminações e essas escolhas não podem ser feitas, apesar de o serem implicitamente, por quem dirige os Serviços de Imigração e de Estrangeiros e Fronteiras. Mas a verdade é que essas discriminações são feitas implicitamente, pelo que gostaríamos de chamar a atenção da Assembleia da República para a necessidade de tal ser considerado na apreciação que for feita dos comportamentos dos órgãos, nomeadamente do Governo que é quem tem competência nessa matéria.
Relativamente ao artigo 34.º, queremos dizer que somos absolutamente contra o que nele se propõe. O Fórum Justiça e Liberdades, nos últimos anos - diria, desde a introdução do Código de Processo Penal, que é de 1987, entrando em vigor em 1988 -, tem vindo a assistir a uma limitação sistemática, nas revisões que são feitas do Código de Processo Penal, dos direitos, liberdades e garantias das pessoas que são objecto de perseguição criminal. Entendemos que os agentes, os instrumentos, as autoridades de investigação criminal deveriam ser autoridades de investigação criminal dotadas de equipamentos e de meios que permitissem uma perseguição criminal eficaz, competente, célere, rápida e absolutamente tuteladora dos direitos, liberdades e garantias das pessoas e não infractora desses direitos, liberdades e garantias.
Entendemos que existe uma grande deficiência na organização, na preparação, no equipamento dessas autoridades de investigação e perseguição criminal; entendemos que isso leva a um aviltamento do exercício da acção penal, a uma degradação da fasquia mínima de qualidade do exercício da acção processual penal, perante a qual a resposta do Estado português tem sido, sistematicamente, a de facilitar a tarefa destas autoridades de investigação criminal; a de aviltar, degradar, diminuir os direitos, liberdades e garantias das pessoas; a de permitir que essas autoridades investiguem mais facilmente e mais simplesmente, tenham mais tempo para investigar e, para tanto, impedir tudo e mais alguma coisa que possa entravar, de alguma forma, essa investigação.
Em vez de dotarem essas autoridades de meios de investigação competentes, céleres e eficazes que permitam, a um tempo, ser competente na investigação, aumentar a fasquia de qualidade e salvaguardar os direitos, liberdades e garantias das pessoas nesse processo de investigação, aquilo que se verifica é exactamente o contrário: deixa-se degradar a qualidade de investigação, os meios de investigação e, depois, degradam-se os meios de defesa para equilibrar as coisas e permitir que as pessoas sejam perseguidas criminalmente.
Apesar de não estar imediatamente ligado a este problema, vou dar um exemplo que se verificou na Assembleia da República, recentemente, em 1997, aquando da revisão da Constituição.
Pedia só que atentassem no que se estabelece no artigo 27.º da CRP, ao qual têm vindo a ser, sistematicamente, acrescentadas alíneas. Não deixa de ser curioso que, desde a Constituição de 1976, o número de alíneas deste artigo tenha crescido muito e que, na alínea h) - reparem que não se trata de ninguém sobre quem deva recair um juízo de desvalor moral, ético, mas de pessoas portadoras de anomalia psíquica -, se venha permitir, sem qualquer pré-intervenção judicial, o "Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.".
Aquilo que peço é que comparem a redacção da alínea h) do artigo 27.º com o que se dispõe no n.º 2 do artigo 30.º da Constituição, que existe desde 1976 e que não foi alterado nesta matéria. O n.º 2 do artigo 30.º refere-se a pessoas que tenham praticado crimes, mas pelos quais, eventualmente, não são imputáveis - que não é o caso das pessoas sobre que recai o artigo 27.º, que apenas são portadoras de anomalia psíquica. O n.º 2 do artigo refere-se, repito, a portadores de anomalia psíquica que praticaram crimes.
Assim, relativamente às pessoas que praticaram crimes, refere-se que "Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, (…)". Aliás, se repararem, a anomalia psíquica que era "grave" no artigo 30.º, passou a ser banal no artigo 27.º, alínea h); havia "perigosidade" baseada nessa anomalia psíquica, "perigosidade" que desapareceu na alínea h) do artigo 27.º! Mas o n.º 2 do artigo 30.º estabelece mais: refere que é só "em caso de impossibilidade de terapêutica em meio aberto", exigência que também desapareceu do artigo 27.º.
Acrescenta-se ainda que "poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade" - portanto, pessoa que praticou um crime e, por isso, ficou submetida a medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade - "ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial".
Assim, na alínea h) do artigo 27.º desaparece a decisão judicial, desaparece a prorrogação, desaparece a "perigosidade", desaparece a "grave" anomalia psíquica,

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desaparece a "impossibilidade de terapêutica em meio aberto" relativamente a uma pessoa que não praticou crime algum e que, portanto, não tem qualquer comparação com a pessoa que praticou um crime e que está abrangida pelo artigo 30.º, n.º 2.
Não é admissível que os senhores constituintes, quando alteram a revisão da Constituição e acrescentam esta alínea h) ao artigo 27.º, não a compaginem com o n.º 2 do artigo 30.º e não estabeleçam, pelo menos, exigências tão fortes como fazem para pessoas que já praticaram crimes, embora inimputáveis, e que estão submetidas a medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade, e para estarem submetidas a essas medidas, nos termos do artigo 9.º do Código do Processo Penal, e do Código Penal, têm de ter praticados esses crimes.
Penso, pois, que não é possível aceitar-se esta degradação do direito à liberdade, através desta redacção do artigo 27.º. Não é possível!
Portanto, aquilo que nós, Fórum, entendemos é que este é um padrão que muitas vezes se repete. Na realidade, o que nós gostaríamos era que, também aqui, no artigo 27.º, houvesse decisão judicial, que é a solução que existe em Espanha: têm um tribunal a funcionar, sete dias por semana, 24 horas por dia, durante todo…

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Está cá!

O Sr. Prof. Dr. Pinto Ribeiro: - Onde? Na expressão "confirmado"?
Peço desculpa, o que se refere na alínea h) do artigo 27.º é "decretado ou confirmado por autoridade judicial competente"! E eu estou a dizer "confirmado", porque uma coisa é decretado por autoridade judicial, outra coisa é confirmado por autoridade judicial! E o que aqui está é "decretado ou confirmado (…)". Ora, tal significa que o que se verifica nos estabelecimentos psiquiátricos é, muitas vezes, algo que formalmente corresponde a isso, o que nos parece mal.
No entanto, relativamente à proposta de alteração ao artigo 34.º, gostaria de referir o seguinte: o n.º 3 do artigo 34.º estabelece que "Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento". Na proposta de alteração ao artigo 34.º introduz-se um conceito que está ausente do n.º 3 do actual artigo 34.º, que é o de "visado, ou visados". E o que é que significa "visado, ou visados"? "Visado" é a pessoa que se quer prender? É a pessoa relativamente à qual se quer fazer a revista? É a pessoa a quem se imputa a prática de determinado crime? É a pessoa que se pensa que pode ter escondido o material instrumental do crime ou da prova do crime naquele sítio? O que é o "visado"? Quem é o "visado" neste caso?
Vamos passar a permitir que, desde que o "visado" pela medida judicial autorize, se possa entrar naquela casa? A entrada no domicílio de qualquer pessoa durante a noite depende da verificação de determinados pressupostos, e poder-se-ia dizer, pelo menos, que depende do consentimento de todas as pessoas domiciliadas naquela casa! Isto porque pode haver várias pessoas domiciliadas naquela casa. É que a polícia quando entra, a partir do momento em que encontrou, faz busca, faz um varejo e apreende o que quiser, coisa que acontece no sistema português e não nos sistemas ditos de Estado de direito, em que as autoridades de investigação criminal só podem ir em busca daqueles objectos que constam do mandado de busca, não podem ir em busca a uma casa e apreender o que lá encontrarem e o que lá aparecer. Podem ir em busca das coisas mas, para o fazerem, têm de ter um motivo fundado e alicerçado, digamos, uma justificação fundada para lá ir.
Srs. Deputados, peço-lhes que se quiserem cotejar isto vejam apenas a redacção que se encontra na Constituição americana sobre essa matéria, para perceberem os limites à busca que, nos amendments de 1791 e de 1793, se fazem na Constituição americana nesse domínio. A busca poderá ser feita, sim senhor, mas o juiz tem de ter alguém que fundamente a suspeita, que diga por que é que entende que há suspeita de, naquela casa, estar aquela pessoa, ou aquela coisa, e vai à busca daquela coisa ou daquela pessoa, não vai lá e diz: "Já agora, descobrimos mais sete coisas…". Ou seja, nas buscas domiciliárias há uma limitação funcional.
O problema que se coloca relativamente à proposta de alínea a) do artigo 34.º tem a ver com o facto de esta introduzir a expressão "visado, ou visados", o que altera completamente o n.º 3 do actual artigo 34.º, porque o que aí se estabelece, repito, é que "Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.", isto é, sem o consentimento das pessoas que se encontrem domiciliadas naquela casa.
Em segundo lugar, nós, Fórum, entendemos que estas medidas excepcionais de entrada na casa das pessoas, ordenada por autoridade judicial competente, no caso de criminalidade relacionada com tráfico de estupefacientes, parecem-nos desnecessárias. E porquê? Porque entendemos que as autoridades de perseguição criminal podem, com relativa facilidade, isolar a casa e, portanto, impedir que entrem ou saiam da casa durante o tempo em que não pode fazer-se a entrada na casa, isto é, durante a noite, porque o que estamos a tratar é só da entrada durante a noite no domicílio de qualquer pessoa.
Uma das questões que muito tem preocupado o Fórum, e peço desculpa de a trazer à colação, tem sido a prisão preventiva. Entendemos mutatis, mutantis, que a prisão preventiva deve ser decretada em duas situações: ou quando a pessoa é presa em flagrante delito e, portanto, estão presentes todos os elementos para a acusar, ou quando existem contra ela todos os elementos necessários para deduzir acusação contra ela.
Assim, o que nos distingue profundamente dos outros países da União Europeia é o facto de termos no nosso Código de Processo Penal a possibilidade de prisão preventiva sem culpa formada, isto é, a prisão preventiva sem que as pessoas saibam exactamente de que são acusadas e, portanto, sem a tutela que resulta do artigo 1.º do Código de Processo Penal (as alterações feitas ao tipo de crime que é imputado: que a pessoa possa ser presa preventivamente, acusada do crime A e, depois, a meio da prisão preventiva, venha a ser acusada do crime B, C, D ou E; até à acusação, todos estes crimes podem ser imputados e atribuídos às pessoas).
Aquela que foi a luta desde a Idade Média ou, se quiserem, desde a Revolução Francesa, pela prisão com culpa formada é exactamente o que entendemos que não existe no Código de Processo Penal português. Nesse sentido, o que nos preocupa são os meios restritivos da liberdade, sem estes serem acompanhados do rigor, da exigência, da certeza, do escrutínio, da sindicância, por parte

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de uma autoridade judicial, que assegure que, sem o cumprimento desses requisitos, a pessoa não possa ser limitada nos seus direitos.
Em suma, se há uma casa onde está alguém e é preciso fazer uma busca a essa casa, pois que as polícias, os meios de perseguição criminal cerquem a casa, isolem a casa e, logo que seja possível, entrem na casa. Portanto, que façam a busca nos termos legalmente admissíveis.
Não temos posição assente relativamente ao direito à greve previsto na proposta de alteração ao artigo 56.º. O que entendemos é que existe um direito de organização sindical e que esse direito deve poder ser exercido por essas organizações, nomeadamente pelas organizações policiais, sejam elas a PSP, sejam elas outras organizações policiais civis.
Também pensamos que o estatuto da GNR deveria ser alterado para um regime de força policial e não submetido ao regime de uma força militar. Este é o nosso entendimento, mas é um entendimento político que visa assegurar que as relações do cidadão com essas forças policiais são sempre governadas por regras comuns aplicáveis a qualquer relação dos cidadãos com as autoridades policiais e não diversamente, consoante se aplique o Código Penal Militar ou outras regras de natureza diversa.
Quanto ao direito à greve, julgamos que este direito poderá e deverá ser restringido na medida do necessário para que as forças de segurança continuem a ter o monopólio da força pública, o monopólio do poder coactivo e de coerção de forma a que possam intervir sempre que legalmente seja necessário e sempre que a ordem constitucional o permita e o determine.
Nessa medida, entendemos que poderá haver restrições ao direito à greve. Mas, se o que se pretende é a proibição integral do direito à greve, isso é algo que terá de ser ajuizado politicamente pela Assembleia da República, pois não somos capazes de nos pronunciar nem de verificar detalhadamente, numa espécie de tabela gradativa das limitações, a partir de que ponto essa limitação é necessária e indispensável, e a partir de que ponto não é.
Não nos parece que nos devamos pronunciar sobre o teor do artigo 118.º.
O artigo 298.º-A, proposto pelo PS, no fundo vem levantar a mesma questão que foi abordada noutra sede - artigo 7.º (Relações internacionais) -, pelo PSD, no que respeita ao Tribunal Penal Internacional. Mas, também nesta sede, o PS apresentou uma outra proposta que tem que ver com o espaço de liberdade, de segurança e de justiça, matéria que não abordei há pouco, na medida em que me referi apenas ao Tribunal Penal Internacional.
O que preocupa especialmente o Fórum é verificar que não existe, ao nível da União Europeia, a criação de mecanismos judiciários de salvaguarda, de controlo, de sindicância, de fiscalização do cumprimento dos direitos, liberdades e garantias das pessoas.
Existe colaboração na perseguição criminal, existe colaboração entre as polícias, existe colaboração entre os órgãos de perseguição criminal, designadamente com o Ministério Público, articulação julgada necessária em função da criminalidade violenta organizada e internacional, de vários tráficos e de várias actividades consideradas altamente organizadas e altamente criminosas, mas não existe a nível da União Europeia qualquer controlo jurisdicional feito onde essa coordenação se faz, de modo a que, por exemplo, eu possa verificar em que medida é que são cumpridas as regras quando uma autoridade de um país se socorre de elementos fornecidos pela autoridade de outro país, em violação do segredo de justiça, em violação de 30 normas que se destinam a proteger a intimidade da vida privada, etc. Refiro-me aos meios de recolha de prova: uma prova que foi recolhida por uma autoridade do país vizinho, pela República Federal da Alemanha, ou por outro país qualquer, que as transmite à polícia portuguesa, que as transmite às autoridades portuguesas nas reuniões em que estas informações são transmitidas e postas a circular sem que haja qualquer possibilidade de escrutínio, de fiscalização.
Entendemos que um espaço de liberdade e um espaço de segurança pressupõem um espaço de efectiva intervenção dos tribunais e de efectiva jurisdicionalização dos mecanismos e dos procedimentos. Mas o que nós verificamos é que há um grande défice em matéria de justiça do ponto de vista da União Europeia,
Nós, Fórum, já expressámos várias vezes a opinião de que, enquanto não houver direitos ancorados federalmente, para quem acredita na federação europeia e defende que a União Europeia se transforme num Estado federal, esse espaço não será uma mais-valia para os cidadãos dos vários Estados federados que se incluam nessa federação; enquanto não houver direitos fundamentais ancorados a nível federal… É que a Carta dos Direitos Fundamentais Europeus não tem qualquer relevância nessa matéria, porque não tem valor vinculativo e porque, porque, porque… - não vale a pena abundar nessas razões, porque os Srs. Deputados conhecem-nas melhor do que eu -, mas sobretudo porque não existe qualquer fasquia de qualidade acrescida que decorra desses direitos relativamente à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Bom seria que se caminhasse no sentido da jurisdicionalização e da fiscalização jurisdicional, mesmo descentralizada, mesmo pelos tribunais comuns de qualquer dos países, sujeita, quanto muito, a uma revisão, em sentido prejudicial, feita pelo Tribunal das Comunidades em matéria processual penal ou em outra matéria.
Pensamos que sem isso feito, este espaço de liberdade, de segurança e de justiça é um espaço "coxo" em que se faz incidir especialmente a atenção sobre a segurança mais do que se faz incidir sobre a liberdade e os instrumentos de salvaguarda desta.
A segunda Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Nacional francesa, referia no seu artigo 16.º, se não estou enganado, que a liberdade é a expressão da segurança de todos e que a segurança é apenas a expressão da liberdade de todos e, portanto, do intocar da liberdade de cada um dos outros.
Segurança é nós podermos passear à noite sem que ninguém tolha a nossa liberdade de circularmos, a nossa liberdade de termos os bens que quisermos, a nossa liberdade de termos um corpo íntegro e de estarmos vivos. Portanto, nesse espaço, parece-nos que é necessário fazer incidir a atenção sobre a justiça e os seus caminhos.
Entendemos que esse aspecto tem sido muito desatendido pela União Europeia, que a justiça não é um pilar e uma política em que assente o desenvolvimento da União Europeia e, por isso mesmo, ela não tem um

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orçamento próprio e, também por isso mesmo, se quiserem, coisas tão simples como a defesa e a promoção dos direitos fundamentais nos vários Estados da União Europeia não são susceptíveis de financiamento pelo orçamento da União Europeia.
O Fórum foi convidado, repetidamente, a participar em sessões de promoção dos direitos, liberdades e garantias para a Eslovénia, para a Moldávia, para a Ucrânia e para vários outros países, nomeadamente a seguir à queda do muro de Berlim, e para um outro conjunto de países que viriam a integrar-se no primeiro pelotão da União Europeia. Agradecemos os convites, esclarecendo que o Fórum tinha um desiderato e um objectivo puramente nacional, isto é, só tratava da ordem jurídica portuguesa, do que se verificava no âmbito da ordem jurídica portuguesa, pois era esse o seu objectivo estatutário. Eles disseram-nos que para aquele tipo de iniciativas podiam dar-nos dinheiro, mas para fazer o que quer que seja dentro das próprias fronteiras do Estado português, por portugueses, não há dinheiro, porque a justiça não é uma política e, consequentemente, não é destinatária de um orçamento específico para esse efeito.
Entendemos que é necessário rever essa matéria e criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça que o seja efectivamente, sem que as pessoas tenham medo da circulação dessa informação, sem qualquer controlo jurisdicional sobre ela.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Muito obrigado Sr. Prof. Pinto Ribeiro pela sua exposição, que percorreu todas as questões relevantes desta revisão.
Tenho já alguns Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos, sendo o primeiro deles o Sr. Deputado Alberto Costa, a quem dou de imediato a palavra.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar quero saudar o Prof. Pinto Ribeiro, e o Fórum Justiça e Liberdades, dizendo que é com gosto que o temos mais uma vez entre nós e que apreciámos muito a sua contribuição, nomeadamente para os trabalhos que temos em mãos, os de revermos extraordinariamente a Constituição.
O Tribunal Penal Internacional suscitou em alguns esperanças extraordinárias, noutros esperanças tout court, noutros suspeições e reservas, como, aliás, vimos que existem e que matizam a posição do Fórum, e noutros ainda oposições e relutâncias quase invencíveis. Ninguém espera que nos próximos anos os Estados Unidos ratifiquem o Estatuto, se é que alguma vez virá a ratificá-lo, e também não é provável que a China venha a fazê-lo.
Portanto, existe à escala global um concerto de posições muito variado sobre esta inovação, mas a Assembleia da República convergiu no sentido de que a aposta nesta ratificação era suficientemente valiosa do ponto de vista jurídico, político e civilizacional para se envolver numa revisão extraordinária, que entendeu ser preciso fazer para viabilizar essa ratificação. Na base deste pressuposto gostava de fazer duas ou três perguntas.
A primeira vai no sentido de saber se a alteração da norma respeitante às relações internacionais ou aquela norma final de conteúdo análogo, com uma habilitação geral, digamos, ao reconhecimento do Tribunal Penal Internacional, será suficiente para que o Estatuto possa ser ratificado. Porquê a pergunta? Por causa, em primeiro lugar, da temática da extradição no sentido de que, sendo a disciplina constitucional portuguesa tão estrita nessa matéria e com pautas tão apertadas, poderá sustentar-se que não basta ter um bordão geral para entrar no tema, que será preciso, face à dificuldade concreta de uma concreta extradição, uma outra norma, que viabilize uma decisão de extradição.
Anexa a esta vai a pergunta sobre se, na hipótese de necessidade destas "obras" no artigo 33.º da CRP, seria mais indicado alterar a disciplina substantiva lá existente ou operar através de uma inovação que tem sido preconizada por alguns, a de distinguir uma entrega do regime da extradição. Lendo o regime constitucional actual, não me parece lícito subtrair alguns casos de "entregas" à protecção que a Constituição dá aos extraditandos, mas do ponto de vista da redacção de um novo texto constitucional é uma questão que pode pôr-se. Portanto, a fazer-se "obra", que "obra" seria pertinente fazer, nomeadamente em consonância com o que no espaço europeu e em alguns direitos europeus tem sido feito nesta matéria.
A outra questão que coloco, ainda neste domínio, é a de saber se a disciplina das imunidades poderá ficar como está, no sentido de que o Estatuto de Roma estabelece o princípio da irrelevância da qualidade oficial, que já vinha daquelas convenções que foram citadas pelo Prof. Pinto Ribeiro, nomeadamente a Convenção sobre a Tortura, mas também de outras mais que permitiram aos lordes ingleses concluir que o General Pinochet nunca poderia ter torturado ou mandado torturar enquanto chefe de Estado.
Sendo esta norma erigida, em princípio, do Estatuto, e constando da nossa Constituição normas que criam regimes especiais de efectivação de responsabilidade de vários responsáveis políticos, uns mais proteccionistas e outros menos, o certo é que colidem com regras do Estatuto. E a pergunta que lhe faço é esta: bastará uma cláusula geral para passar por cima dessas imunidades ou seria mais indicado fazer uma recepção positiva do princípio da irrelevância da qualidade oficial, no sentido de colocar o nosso Estado entre aqueles ordenamentos jurídicos que, "preto no branco", estabelecem que para os grandes crimes não funciona a protecção decorrente do exercício da função estatal?
Eram estas as questões a que gostava que respondesse, mas antes de terminar quero fazer uma consideração final, para manifestar concordância com as observações sobre o défice da protecção jurisdicional dos direitos, no âmbito do espaço de liberdade, de segurança e de justiça em construção.
Na verdade, quer Schengen quer a Europol fizeram avançar primeiro os aspectos policiais, como disse o Prof. Pinto Ribeiro, sem que os elementos jurisdicionais fossem suficientemente desenvolvidos. Ainda recentemente, numa deslocação à Europol no quadro das actividades da 1.ª Comissão, pôde verificar-se que, realmente, existe um défice de controle e de jurisdicionalização que carece de ser suprido, sob pena de a entrada em velocidade de cruzeiro dessa instituição, que se prevê para o ano que vem, poder multiplicar riscos para os cidadãos, que neste momento não são muito visíveis porque a instituição se encontra em estado de preparação e não ainda no de actividade externa.
Julgo que essa observação é precedente e importante como aviso e como estímulo a que não só os responsáveis

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políticos mas também as organizações não governamentais do tipo Fórum Justiça e Liberdades cooperam no sentido de suprir este défice que, na minha opinião - e como gostaria que isso ficasse claro, daí tê-lo exposto -, corresponde a uma preocupação legítima no quadro actual da construção do chamado espaço europeu de justiça, de liberdade e de segurança.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Seara.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais cumprimento o Dr. Pinto Ribeiro, a quem suscitarei apenas duas reflexões complementares sobre a intervenção que fez e que nos levou, antes de mais, a acompanhar as suas reflexões e cautelas - e também as do Dr. Alberto Costa - sobre a questão do défice de controlo no fenómeno do desenvolvimento do espaço de liberdade, de segurança e de justiça da União Europeia.
Cumprimentando também o conjunto das acções do Fórum das quais vamos tendo conhecimento, permito-me solicitar a V. Ex.ª dois aditamentos complementares.
Primeiro aditamento: V. Ex.a considera desproporcionada a iniciativa de revisão constante do nosso projecto no que concerne ao n.º 3 do artigo 15.º, respeitante à consagração do princípio da reciprocidade aos cidadãos da República Federativa do Brasil e dos demais Estados de língua portuguesa?
Faço esta pergunta porque, permita-me, pareceu-me intuir da exposição de V. Ex.ª que não achava oportuno este tipo de aditamento e de consagração constitucional.
O segundo aditamento é para, no âmbito da iniciativa do CDS-PP solicitar a V. Ex.ª o seguinte esclarecimento suplementar: V. Ex.ª entende, relativamente à entrada no domicílio de qualquer pessoa (e aqui, peço desculpa a V. Ex.ª, estamos a falar no domicílio independentemente das pessoas, sendo certo que cada vez vamos tendo mais conhecimento e verificação in concreto que a questão do domicílio, hoje em dia, é tão vaga, tão vaga, tão vaga, que dá para tudo!), que deve ser rejeitada in limine qualquer introdução/inovação constitucional que permita aquilo que o CDS-PP aqui consagra - e não vamos entrar aqui em considerações para que tipo de crimes, para que situações jurídico/criminais -, ou seja, rejeita in limine esta susceptibilidade da entrada no domicílio de qualquer pessoa durante a noite?
Essa é uma posição firme do Fórum Justiça e Liberdades ou admite que, tendo em conta o que necessariamente está subjacente às considerações de V. Ex.ª para o artigo 15.º, se nós temos de ter em conta a globalização da circulação das pessoas também temos de criar mecanismos, que aqui teriam de ser constitucionais, para atendermos à globalização dos fenómenos criminais e, particularmente, mais que dos fenómenos criminais, das fragilidades criminais de um conjunto de ordenamentos jurídicos que, necessariamente, não podem deixar de ser ignorados pelo legislador, sendo o legislador bom, menos bom ou mau, porque isso é irrelevante?

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, começo por saudar o Prof. Pinto Ribeiro, agradecer a contribuição que nos trouxe e pedir-lhe que nos habilite com a sua reflexão - sua e do Fórum Justiça e Liberdades - acerca das consequências que o processo em curso de ratificação do Estatuto do TPI e também de construção do chamado espaço de liberdade, de segurança e de justiça da União Europeia podem trazer para o mecanismo da extradição.
Creio que a extradição, tal como a Constituição Portuguesa configura, poderá entrar em crise, quer por via do TPI quer, mais ainda, segundo me parece, por via do chamado espaço de liberdade, de segurança e de justiça. O Estatuto do TPI transforma a extradição num processo de entrega, isto é, um tanto artificialmente, a meu ver, considera que a entrega não é uma extradição e, portanto, não tem de obedecer aos mecanismos constitucionalmente previstos para a extradição.
Ora, o que está em causa na construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça e, segundo fomos informados pelo Comissário António Vitorino, estará em cima da mesa dos Ministros da União Europeia, é considerar que a extradição apenas existirá nas relações de um Estado da União Europeia com um Estado terceiro e que não faz sentido no plano do relacionamento entre Estados da União Europeia. Acontece que, no nosso caso, o processo de extradição, embora seja, naturalmente, um processo entre Estados, é um processo entre Estados que comporta um conjunto de garantias dos cidadãos postos em causa, isto é, na relação de extradição não há apenas uma relação entre dois Estados, há uma relação entre dois Estados mas que constitui um triângulo com um terceiro vértice, que é o próprio cidadão. E a eventual negação da extradição também tem a ver com garantias do próprio cidadão.
A questão concreta que coloco é se considera que o artigo 33.º da Constituição Portuguesa é arredável se se estabelecer no artigo 7.º que Portugal aceita a construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, ou se se estabelecer no artigo 7.º que Portugal aceita a jurisdição do TPI. Estou a lembrar-me, designadamente, que, aquando da revisão de 1992, para viabilizar a ratificação do Tratado da União Europeia não bastou o artigo 7.º - foi necessário alterar o artigo 7.º mas considerou-se que também era necessário alterar, designadamente, o artigo 105.º sobre o Banco de Portugal. Assim, pergunto-lhe como é que vê as consequências relativamente à extradição, tendo em conta designadamente o artigo 33.º e as propostas de alteração ao artigo 7.º.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Não havendo mais inscrições, e uma vez que já dispõe de um conjunto vasto de questões, tem a palavra o Sr. Prof. Pinto Ribeiro para responder.

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria agradecer a paciência com que me ouviram e pedir desculpa se, aqui ou além, tiver excedido os limites do razoável, na medida em que a revisão constitucional está limitada pelo que está colocado em cima da mesa como sendo objecto possível de revisão, isto é, matérias sobre as quais foram apresentadas propostas. O Sr. Deputado que, neste momento, está em funções como Presidente explicou-me, simpaticamente, que, por vezes, fazem um alargamento por conexão, conexão mais forte ou mais fraca! Eventualmente, abordei

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questões que não têm essa conexão mais forte ou mais fraca mas que, no discurso e no raciocínio, se prendiam umas com outras. Portanto, agradeço a paciência com que me ouviram e, sobretudo, agradeço não me terem censurado e, pelo contrário, terem aceitado bem esse facto ou, pelo menos, passivamente.
Relativamente às questões colocadas, gostava de dizer, sumariamente, o seguinte: pegando na primeira pergunta, formulada pelo Sr. Deputado Alberto Costa, que, de alguma forma, se liga com a pergunta também formulada pelo Sr. Deputado António Filipe, e que versa, no fundo, o problema da norma habilitadora, de saber se o artigo 7.º é suficiente, se este regime da extradição…, o carácter subsidiário, a excepção para o TPI e, enfim, todas estas questões. Ora, o mínimo que posso dizer é que não sou especialista em Direito Internacional Público, e não sou especialista em Direito Constitucional nem de Constitucional em matéria de Direito Internacional Público. Portanto, as perguntas que colocam ao Fórum, por meu intermédio, são perguntas de rigor técnico-jurídico-constitucional ou internacional público sobre as quais não me sinto especialmente habilitado a responder.
Posso opinar sobre receios que sou capaz de antecipar e que sejam receios do Fórum - tenho sempre medo de abrir portas pelas quais acabem por atravessar "carruagens" (usando uma expressão inglesa), "puxadas por seis cavalos"! A certa altura, para deixar passar uma coisa pequena, estabelecemos um regime tal que deixa passar tudo. Essa situação, a nós, Fórum, preocupa-nos um pouco mais na medida em que temos a sensação, temos a convicção, opinamos, entendemos, ajuizamos o comportamento do Tribunal Constitucional português e os mecanismos de acesso ao Tribunal Constitucional português, nomeadamente em matéria de verificação/tutela da constitucionalidade, e da constitucionalidade a posteriori, como muito deficientes porque muito lentos. E quando se trata de fiscalização abstracta, lentíssimos, porque inoperantes.
Portanto, falando um pouco da questão da entrega e da extradição, para nós, as questões colocam-se no sentido material do termo: extradição é extradição, chamem-lhe "entrega", chamem-lhe "pôr à disposição", chamem-lhe "mandar", ou chamem-lhe o que quiserem chamar! A verdade é que é uma retirada do poder policial, do poder da autoridade pública que é o território português e a entrega a um outro espaço onde esse poder da autoridade pública portuguesa e do Estado português deixa de se poder exercer.
Portanto, por mais que sejamos capazes de fazer as ficções que permitiram o julgamento das pessoas acusadas do crime de Lockerbie através de um tribunal da Escócia, Estado que pertence à Grã-Bretanha, àquela união, e que passou a ter, de repente, uma colónia em Sheningham - percebeu-se que havia ali uma pequena colónia escocesa que foi criada durante um período relativamente curto. Mas isso mais não são do que ficções.
O que nos preocupa é que o Tribunal Constitucional português, à semelhança do Tribunal Constitucional alemão, à semelhança, eu diria, do Tribunal Constitucional espanhol, que tem mais ou menos a mesma idade do português, seja forte na defesa material daquilo que está defendido constitucionalmente. Aquilo que me aflige é habilitarmos o Tribunal Constitucional português com um conjunto de novos conceitos, novos mecanismos, novas normas que permitam que essa leitura material deixe de ser feita.
Também é isso que me aflige, nomeadamente quando me referi ao artigo 34.º e à expressão "visado, ou visados". O que é que isto quer dizer? O consentimento de quem? Não é o consentimento do domiciliado naquela casa, não é o consentimento do dono da casa, do proprietário da casa, do arrendatário da casa, da pessoa que integra o núcleo familiar da casa! Então, quem é o "visado"? E se o "visado" pela medida for uma outra pessoa qualquer que lá se encontra? Posso entrar com autorização do "visado", mesmo que não tenha autorização do proprietário da casa, do arrendatário da casa, do dono da casa?
É esta noção de entrar em conceitos relativamente fluidos que nos assusta. A nós assusta-nos, assustou-nos sempre a ideia de que não estamos perante casos de extradição mas perante casos de uma outra realidade.
Assim, também nos assusta o problema da prisão preventiva e de outras formas que já não são prisão preventiva, porque até seis horas estamos no domínio da mera "retenção" que não da detenção, como ouvi defender a responsáveis pelo poder político, que diziam: "Não, até seis horas não há detenção, até seis horas há retenção na esquadra." - suponho que até quatro horas será "tenção" na esquadra e, depois, até duas horas será outra coisa qualquer! Quero dizer com isto que devemos, constitucionalmente, tentar ater-nos a conceitos que sejam construídos materialmente pelo Tribunal Constitucional e a partir dos quais saibamos e sejamos capazes de prever as consequência do nosso comportamento.
Nessa medida, entendemos que se tratará de extradições em sentido material: do que se trata é de extraditar, e trata-se de extraditar para o Tribunal Penal Internacional. Nessa medida, também pensamos que seria melhor ou tecnicamente mais correcto fazer a revisão do artigo 33.º e, portanto, admitir uma excepção à regra forte que o artigo 33.º estabelece, que é a da não admissão da expulsão de cidadãos portugueses do território nacional, nomeadamente em relação aos cidadãos portugueses.
Mas, do que temos medo é que esta excepção não seja uma excepção feita "cirurgicamente" apenas para o caso do Tribunal Penal Internacional - eu diria, para o caso do Tribunal Penal Internacional e apenas para os crimes que sejam qualificados como crimes contra a humanidade, porque tenho medo do alargamento da competência do Tribunal Penal Internacional. Aqui, nós temos uma regra de extradição para o TPI ou de reconhecer a jurisdição do TPI. E se amanhã o Tribunal Penal Internacional tiver a sua competência alargada a crimes que não sejam crimes contra a humanidade? Também extraditamos? Também "mandamos para fora"? Fazemos esta cláusula geral aberta? Desde que seja da competência do Tribunal Penal Internacional, "a gente manda"? E se se alterar a competência do Tribunal Penal Internacional, vamos discutir, então, se ratificamos ou não ratificamos aquela alteração? Tenho medo.
Julgo que esta norma se deveria circunscrever ao Tribunal Penal Internacional e aos crimes - se calhar, que a própria Constituição declare - contra a humanidade, sendo que a Constituição está sempre em situação de poder revê-los, de poder declarar mais crimes como crimes contra a humanidade. Mas deverá ser a Constituição a

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declarar os crimes contra a humanidade? Deverá ser uma instância, através de uma autorização da Assembleia da República? Portanto, deve ser matéria reservada, ainda que de reserva relativa, autorizar que alguns crimes sejam declarados como crimes contra a humanidade e que só relativamente a esses, declarados como crimes contra a humanidade, é que poderá haver extradição, ao abrigo deste n.º 6 do artigo 7.º?
Pensamos que esta remissão apenas para a jurisdição do Tribunal Penal Internacional é uma porta excessivamente aberta, pouco restritiva, pouco minuciosa, pouco cirúrgica, para permitir aquilo que eu penso que é a vontade da Assembleia da República, que abrange só aqueles quatro crimes que estão previstos no Estatuto; ou melhor, aqueles três crimes, porque o quatro ainda não está sequer legislado internacionalmente. Refiro-me ao problema das guerras agressivas ou da guerra de invasão, que não está ainda…

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Esta referência "conforme estabelecido no Estatuto de Roma" não o tranquiliza nesse aspecto? É a versão actual do Estatuto de Roma que conta.

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Sr. Presidente, é a actual, mas não sei se será a de amanhã! Eu não gostaria que deixasse de estar na mão dos constituintes portugueses, isto é, da Assembleia da República Portuguesa, o controle dessa abertura. Gostaria que quando abrissem… Vamos admitir que as coisas evoluem e que, amanhã, se entende que os crimes contra a humanidade não são aqueles quatro mas seis, ou cinco. Então, é preciso alterar o tipo criminal que está previsto porque se verificou que era insuficiente para alguns casos. Posso perceber que tal ocorra mas, nessa altura, a Assembleia da República tem o poder para fazer essa abertura.
Pronunciando-me agora sobre aspectos que são técnicos e técnico-jurídicos, do ponto de vista do Direito Constitucional e do Direito Internacional Público, devo dizer que prefiro soluções que sejam exaustivas, rigorosas, minuciosas e que não desapropriem a Assembleia da República do poder de que ela foi, por nós, investida e apropriada. Sem prejuízo de a Assembleia da República usar esse poder nos termos que, constitucionalmente, lhe são atribuídos e, portanto, fazer normas remissivas, normas atributivas de competência deste tipo ou outras. Mas que o faça sempre com peso, conta e medida e sempre sem abrir portas que, mais tarde, não se conseguem nem se conseguirão fechar.
Pegando noutro aspecto desta mesma questão, não tenho a certeza de que este n.º 6 que é proposto seja suficiente. Em todo o caso, este n.º 6 do artigo 7.º, relativo às relações internacionais, que visaria permitir a extradição para o Tribunal Penal Internacional, há-de ser verificado pelo Tribunal Constitucional português, ou há-de ser verificado pelo tribunal comum português, se não chegar ao Tribunal Constitucional. Diria que mesmo que, no rigor dos rigores, esta norma não fosse suficiente, pessoalmente não vejo os tribunais portugueses a desatenderem isto e a dizerem que não é suficiente - nem os tribunais portugueses comuns nem, muito menos, o Tribunal Constitucional.
Nessa medida, não penso que - falando agora de um risco que não é um técnico-jurídico mas, sim, jurídico-político - o Tribunal Constitucional emitisse um acórdão no sentido de que esta norma do n.º 6 não é suficiente para aquele que foi o objectivo, isto é, para permitir a extradição efectiva de pessoas para o Tribunal Penal Internacional. Não creio! Mas, como disse, abstenho-me dos aspectos pura e simplesmente técnico-jurídicos de minúcia, porque essa não é a minha área de competência. Sou mais do Direito Privado ou, como diria o outro, "eu sou mais dos bolos…". Portanto, não sou capaz de pronunciar-me com rigor ou com autoridade científica sobre essa matéria. O mesmo diria relativamente ao artigo 298.º-A, quanto à justiça internacional e quanto ao problema da jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Quanto à extradição, penso que temos um problema complicado com a União Europeia. Pessoalmente - já fiz esta confissão pública, pelo que não estou a dizer nada de novo -, sou federalista, sou europeísta, acredito na construção da União Europeia enquanto Estado federal; não acredito muito na maneira como essa construção europeia tem vindo a ser feita enquanto Estado federal porque, como digo, só acredito na criação de uma Constituição europeia que me dê poderes; acredito que posso ter mais poder enquanto cidadão europeu do que tenho enquanto cidadão português, desde que a Administração Pública portuguesa, as autoridades portuguesas, os tribunais portugueses, os tribunais federais sejam obrigados a aplicar direito, a aplicar procedimentos, a aplicar processos que sejam de fasquia mais elevada e de maior qualidade do que aqueles que aplicam agora!
Prefiro ter - peço desculpa de o dizer, sendo português - face a mim o fisco inglês do que o fisco português; prefiro ter os tribunais fiscais ingleses do que os tribunais fiscais portugueses; prefiro ter uma fasquia mais elevada de tutela dos meus interesses e dos meus direitos, mesmo que tal seja assegurado por via da União Europeia, do que uma tutela menor; prefiro ter direito da concorrência europeu do que direito da concorrência português - o direito da concorrência português não existe, não existem autoridades capazes de o aplicar e, portanto, prefiro ter o direito europeu da concorrência.
Isto é, entre uma coisa que me desapropria de direitos - a ordem jurídica portuguesa - e uma coisa que me atribui direitos, prefiro uma coisa que me atribua direitos, mesmo que eu seja português e que a atribuição dos direitos seja feita por esta via enviesada, que não deveria ser necessária, mas que é!
Nessa medida, o problema que se coloca é o seguinte: deveremos nós ter regras limitativas de extradição entre os Estados que pertencem à União Europeia ou regras eventualmente diferentes? Devemos nós ter crimes federais? Deveremos ter extradição para crimes federais, e apenas para esses, ou extradição entre acordos? Para tanto, basta pegar na lógica americana: o sistema americano tem extradição para crimes federais, não tem extradição, senão através de acordos de reciprocidade, entre os Estados federados para os crimes internos, por exemplo. Uma decisão de não extradição ou uma decisão de julgamento relativamente a um crime num Estado faz com que a pessoa não possa ser julgada noutro Estado federado pelo mesmo crime. Por exemplo, a regra do non bis in idem existe dentro de todo aquele espaço e, portanto, penso que podemos aprender com esse sistema muitas coisas.

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O que nos preocupa é que não sejamos consistentes na defesa, na criação, na implementação e no desenvolvimento de um Estado de direito. Isso é que nos aflige.
Não consideramos que a extradição seja algo que deva ser proibido no âmbito da União Europeia; não consideramos que a extradição deva ser absolutamente proibida na ordem jurídica internacional! O que entendemos é que ela deve ser feita com "todos os ff e rr", ou seja, com todas as garantias e, portanto, analisada pelos tribunais em que confiamos e cujas decisões são por nós aceitáveis, acreditáveis e feitas de forma transparente.
Somos a favor de um espaço de mais liberdade, de mais segurança, de mais justiça do que aquela que temos. Se ela vier por via da União Europeia, venha ela! Mas se por via da União Europeia não vem mais segurança, vem menos segurança, não vem mais justiça, vem menos justiça, não vem mais liberdade, vem menos liberdade, somos contra. Não somos contra a União Europeia, somos contra o que vier de mau e somos a favor do que vier de bom. Por isso, faremos uma análise, caso a caso. Em absoluto, pessoalmente sou a favor da União Europeia - o Fórum não tem qualquer posição sobre a União Europeia, nem lhe cabe ter - e nessa medida disse o que disse.
Penso que os mecanismos de tutela da Constituição em Portugal são deficientes; a prática constitucional é deficiente. A dificuldade, a morosidade para se chegar a uma decisão do Tribunal Constitucional revela uma realidade extremamente deficiente.
Não temos recurso de amparo: temos um recurso de amparo constitucional e não há recurso de amparo algum! Temos um conjunto de medidas previstas no artigo 20.º da Constituição, mas onde é que elas estão? Temos associações de defesa dos direitos dos cidadãos, mas não cabemos, enquanto associação, na previsão do n.º 3 do artigo 52.º. Porquê? Está a defesa da saúde pública, a defesa do ambiente, a defesa do consumidor e a defesa do património cultural, mas a defesa dos direitos fundamentais não está incluída? Porquê? Pedimos repetidamente à Assembleia da República que estivesse!
Nós, Fórum, não podemos representar as pessoas cujos direitos fundamentais tenham sido essencialmente violados. Porquê?! Se quisermos representar o património cultural, podemos fazê-lo, os consumidores ou a saúde pública também, mas direitos não podemos representar? Os direitos fundamentais: a liberdade? Porquê? Não percebemos.
Portanto, há muitas coisas que pedíamos que a Assembleia da República fizesse, que o Governo fizesse e, se ninguém fizer, que venham da Europa. Aliás, se puderem "caírem dos céus aos trambolhões", sem virem de parte alguma, também estamos a favor! Gostávamos era que elas existissem.
Relativamente à entrega, à extradição, ao caracter subsidiário e de excepção para o TPI, penso que essa deve ser uma excepção "cirúrgica", deve ser uma excepção que não permita abrir mais portas do que aquelas que a Assembleia da República quer abrir; entendo que deve ser restrita, deve ser só para a competência actualmente atribuída, só para aqueles crimes. É nessa solução que penso.
Quanto à entrega/extradição, penso que se trata de extradição e que ao Tribunal Constitucional caberá qualificar materialmente o que é extradição, dizendo: "Aqui trata-se de extradição, temos os mecanismos da extradição para controlar".
No que respeita ao problema das imunidades, ao problema da irrelevância da qualidade oficial, diria que, salvo melhor opinião, é necessária uma norma interna que assegure que estas normas são irrelevantes, sob pena de termos uma precedência da norma especial sobre a norma geral. E, apesar de a norma geral ser uma norma posterior, não é inequívoco da vontade do legislador que queira derrogar todas as normas que estabelecem regras de imunidade e garantias especiais para as pessoas que são julgadas por várias ordens de razão. Por isso, não penso que esta norma tenha uma redacção que seja inequívoca no sentido da derrogação.
A regra geral do direito é que as normas gerais não derrogam as normas especiais, a menos que essa seja a vontade inequívoca do legislador. Aqui temos uma regra geral e uma regra especial e, portanto, diria que a regra especial sobreleva-se sobre a geral. Estamos a falar de uma norma que se aplica a todos os cidadãos e não de uma norma que se dirige especialmente aos titulares de órgãos de soberania que beneficiam de um regime especial. Assim, se esse é o objectivo, também se deve proceder dessa forma.
Relativamente às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Fernando Seara - com quem já não estava há muitos anos: foi meu aluno, salvo erro, em 1976, portanto já lá vão 25 anos, e numa área do direito privado (o Direito Comercial) que nada tem que ver com esta matéria -, penso que o regime de reciprocidade que me coloca é o que já vigora no n.º 3 do artigo 15.º: "Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, (…)". Portanto, quando me pergunta se considero que esta iniciativa é despropositada e se é desproporcionado e despropositado o regime da reciprocidade, respondo-lhe que ele já lá está, não é?!

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Não nesses termos!

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Como?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está mais limitado do que na proposta.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O âmbito da proposta é que é maior!

O Sr. Prof. Dr. Pinto Ribeiro: - O âmbito da proposta? Então, peço desculpa, mas solicito um esclarecimento por parte dos proponentes no sentido de…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A proposta amplia…

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Amplia?

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sim, a proposta amplia as situações previstas no actual texto constitucional.

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Amplia no sentido em que podem concorrer a mais cargos do que até agora podiam concorrer. Com certeza! Mas a reciprocidade é a mesma. Assim, quando me pergunta se considero desproporcionada a iniciativa da reciprocidade, diria que a reciprocidade é a mesma. Está antes a perguntar-me se considero despropositado este alargamento?

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O Sr. Fernando Seara (PSD): - Exactamente!

O Sr. Prof. Doutor Pinto Ribeiro: - Não, politicamente não consideramos despropositado o alargamento. Nada temos contra o alargamento, mas não nos pronunciamos sobre o alargamento porque entendemos que é um problema político e não de direitos fundamentais; é um problema de exercício dos direitos políticos. Nós, Fórum, no nosso objecto, não nos pronunciamos sobre o exercício dos direitos políticos, a não ser e na medida em que sejam instrumentais da tutela e do exercício dos direitos fundamentais cívicos.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Só coloquei a questão por causa do cidadão de Goa, do cidadão de Macau, etc…

O Sr. Prof. Dr. Pinto Ribeiro: - Sr. Deputado, o que afirmei foi que aqui está implícito um critério de discriminação em função da nacionalidade, em função de saber se aquele é um Estado de língua oficial portuguesa, que não em função da pessoa, ela mesma, poder ser alguém que está absolutamente integrada na ordem jurídica constitucional portuguesa e na sociedade portuguesa, que fala português, que sempre falou português, cuja língua-mãe é o português, mas que não pertence a este. E, inversamente, uma outra pessoa.
Estava apenas a chamar a atenção para o problema da discriminação materialmente infundada que pode estar implícita neste critério.

O Sr. Fernando Seara (PSD): - Exactamente!

O Sr. Prof. Dr. Pinto Ribeiro: - Na medida em que tem de haver um critério geral, o critério pode ser este. Estava apenas a chamar a atenção para os efeitos perversos que pode ter este critério geral.
Relativamente à questão do artigo 34.º, diria que o Fórum é liminarmente contra a entrada de qualquer pessoa, especialmente em função do que o Sr. Deputado acabou de referir, que é o problema da globalização. Diria que não somos contra o facto de as autoridades entrarem durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento quando se vê, exteriormente, que lá se está a praticar um crime! Não é, pois, um problema de globalização. Se a persiana não está corrida e se alguém, de faca em punho, tenta matar outra pessoa, é óbvio que as autoridades entrarão, que o vizinho entrará e que alguém entrará.
Numa hierarquia de valores, a vida prevalecerá sobre o problema do domicílio e, portanto, não haverá acto ilícito mas, sim, um acto justificado porque a hierarquia de valores é essa, porque os valores tutelados são maiores. Todavia, penso que esses são casos que existem antes da globalização e que continuarão a existir depois da globalização.
Relativamente à globalização, aquilo que entendo é que a lógica de direitos fundamentais - à inglesa: my kingdom is my castle ou my castle is my kingdom - é a de não entrar durante a noite no domicílio das pessoas e, portanto, não permitir essa intromissão em caso algum, não havendo, no entanto, qualquer proibição de a polícia cercar a casa, de não deixar as pessoas entrar e sair ou, quando saem, revistá-las. Na via pública, com certeza!.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Sr. Prof. Pinto Ribeiro, agradeço muito a sua disponibilidade, quer a intervenção inicial quer a abordagem que agora fez em resposta às questões que os Srs. Deputados colocaram.

O Sr. Prof. Dr. Pinto Ribeiro: - Sr. Presidente, gostaria de agradecer, mais uma vez, a paciência e a atenção com que me escutaram. O Fórum deseja um bom trabalho e muito êxito na revisão constitucional.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 10 minutos.

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A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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