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V REVISÃO CONSTITUCIONAL
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Acta n.º 15
Reunião do dia 6 de Setembro de 2001
SUMÁRIO
A reunião teve início às 15 horas e 20 minutos.
Procedeu-se à apreciação das diferentes propostas, tendo cada um dos grupos parlamentares clarificado a sua posição e a metodologia a seguir no debate das mesmas.
Usaram da palavra para o efeito, além do Sr. Presidente (José Vera Jardim), os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), Alberto Costa (PS), Fernando Seara (PSD) e Osvaldo Castro (PS).
O Presidente encerrou a reunião eram 16 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, como sabem, tínhamos três reuniões marcadas antes da abertura do Plenário, a de hoje e mais duas para a semana. Essas reuniões foram agendadas com o propósito de apurar se estaríamos em condições de, pouco depois da primeira sessão - para não dizer logo na primeira sessão, pois seria, porventura, demasiado ambicioso -, termos concluídos os nossos trabalhos de forma a subirem a Plenário.
Como esta é a primeira reunião a seguir às férias, bem-vindos a todos.
Penso que é altura de cada grupo parlamentar - a quem darei a palavra -, passado este tempo não direi de reflexão mas de descanso sobre o amplo debate que já travámos, expor as suas posições em relação às propostas que estão sobre a mesa. É essa a nossa ideia para que, nestas próximas sessões, possamos chegar a um resultado final.
Nesse sentido, darei a palavra aos representantes dos vários grupos parlamentares para "medirmos a temperatura" dessas reflexões e das posições dos vários partidos sobre os diferentes projectos que temos presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero aproveitar para, em meu nome e dos meus colegas do Grupo Parlamentar do PS, cumprimentar V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados dos vários grupos parlamentares, bem como os Srs. Funcionários de apoio à Comissão, augurando que tenhamos todos recuperado em férias o fôlego bastante para o novo ciclo dos nossos trabalhos e, na circunstância, dos trabalhos da revisão constitucional.
Suponho que estaremos todos de acordo quanto à evidência de que o calendário nos aconselha a que sejamos razoavelmente céleres depois do trabalho profícuo que representou o período anterior, designadamente na parte em que realizámos um conjunto de audições cuja reflexão certamente contribuiu para o enriquecimento da nossa própria elaboração em torno das matérias presentes nesta revisão extraordinária da Constituição.
Assim sendo, queria começar por verificar algo que é natural relativamente à vida parlamentar. Temos trabalhado, até agora, em sede própria de comissão extraordinária de revisão, iremos continuar a fazê-lo mas, na fase em que os trabalhos estão, certamente também não é inibitório - bem pelo contrário, é aconselhável - que os grupos parlamentares manifestem disponibilidade para a possibilidade de, bilateral ou multilateralmente, sem qualquer atitude prévia extremamente rigidificada sobre essa matéria, estabelecerem pontos de vistas que permitam facilitar as soluções de redacção final relativamente àquelas áreas em que se avizinha uma possibilidade de acordo.
Sem cuidar ainda de soluções normativas definitivas, mas procurando contribuir para um caminhar no sentido de ajudar a fixar os pontos de vista, designadamente do Grupo Parlamentar do PS, sobre os vários temas em discussão, eu estaria disponível, repito, sem cuidar já de avançar com soluções textuais definitivas, para dar uma visão um pouco genérica das posições do Grupo Parlamentar do PS face a cada um dos temas pendentes na revisão.
No entanto, pergunto ao Sr. Presidente, e já agora aos grupos parlamentares, se metodologicamente lhes parece adequado que todos pudéssemos fazer esta ronda inicial nestes termos ou se têm outra sugestão metodológica.
O Sr. Presidente: - Não sei se algum Sr. Deputado, designadamente do PSD, quereria fazer um comentário a esta intervenção transmitindo a sua posição.
Tem a palavra o Sr. Luís Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Sr. Presidente, se bem percebi, o que o Sr. Deputado Jorge Lacão sugeriu foi que houvesse um percurso rápido da parte de cada grupo parlamentar relativamente àquele que é o crivo crítico que faz dos trabalhos no que respeita a cada um dos artigos.
Estamos obviamente de acordo e iremos inscrever-nos a seguir.
O Sr. Presidente: - Não sei se mais algum dos Srs. Deputados, designadamente das outras bancadas, quereria usar da palavra neste momento. Não querendo, então daria a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, na lógica da continuidade da sua intervenção - dada a receptividade das bancadas, porque penso que o silêncio das outras bancadas também assim poderá ser interpretado -, para expor o posicionamento, sem preocupações de redacção, da bancada do Partido Socialista em relação aos vários artigos que estão em discussão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nessa exacta linha de continuidade, gostaria de exprimir que, relativamente à questão central ou, pelo menos, à primeira razão de ser desta revisão extraordinária da Constituição, há possibilidade de estabelecer, em sede constitucional, uma cláusula que permita a recepção do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e que a nossa posição, na sequência do debate travado (e que, desde logo, fomos indiciando ao longo desse mesmo debate), vai no sentido de, em primeiro lugar, aceitar sem dificuldade a inserção da disposição em causa no âmbito do artigo 7.º da Constituição, que trata dos princípios fundamentais relativos às relações internacionais.
Como sabem, inicialmente o PS apresentou esta matéria em sede de disposição final mas, desde logo, dissemos que estávamos abertos e disponíveis a reequacionar a sua inserção sistemática. Por isso, nesse sentido, aqui o volto a reafirmar.
Há uma outra questão que se prende com esta e que tem a ver com o sentido da cláusula respectiva. Aí fomos chamando a atenção, e queríamos agora, nesta oportunidade, reiterar este aspecto, que nos parecia que essa cláusula de recepção ganharia em ser o mais "enxuta" possível, na medida em que do que se trata é de permitir que a Constituição abra a possibilidade da aprovação e da rectificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional sem constrangimentos de natureza constitucional.
Já quanto à natureza das relações a estabelecer entre a nossa ordem jurídica interna e a ordem jurídica do TPI, designadamente quanto às questões de complementaridade e de prioridade no exercício da jurisdição, entendemos que essa matéria deverá ser solucionada - mais avisadamente - em sede de direito ordinário, sem soluções vinculantes em sede constitucional.
Essa é a sugestão que também deixamos, ou seja, a aceitação da inserção sistemática, em sede de artigo 7.º, de uma opção por uma cláusula desejavelmente ática, que
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evite tomar posição sobre as questões de relacionamento entre a ordem jurídica do TPI e a ordem jurídica interna, reservando ao legislador ordinário quaisquer opções que nesse domínio entenda oportuno fazer.
Passaria agora para o tratamento da proposta originária do projecto do PSD, em sede de artigo 15.º, relativamente à igualdade de direitos entre os cidadãos portugueses e os cidadãos brasileiros e de demais países de língua oficial portuguesa. Julgo já ter ficado suficientemente claro, dos debates travados até ao momento, que o Partido Socialista está aberto à aceitação desta proposta e que, por isso, não será difícil encontrar para ela uma solução de redacção nalguns aspectos pontuais onde se justifique.
Nas observações das personalidades que aqui foram ouvidas sobre a proposta foi mencionado um excesso de referência à configuração do conceito de "direitos próprios" dos cidadãos portugueses, uma vez que, em matéria de direitos fundamentais, os direitos não são propriamente exclusivos da condição de cidadão português - têm uma dimensão e uma natureza universalista na maior parte dos casos - e, portanto, falar de direitos dos portugueses já é suficiente para estabelecer o conceito adequado, evitando assim uma cláusula de conotação xenófoba, sem qualquer necessidade de o fazer. Nada disto altera o conteúdo fundamental da norma.
Quanto às referências das excepções à definição da igualdade de direitos, estamos disponíveis para qualquer acertamento que se justifique. Há aqui um problema a ponderar, que é o de saber se no quadro das excepções deve figurar a referência aos presidentes dos Supremos Tribunais, a todos ou apenas a alguns deles. A norma originária do PSD reporta-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ao Presidente do Tribunal Constitucional. Suponho que, um pouco por decorrência daquilo que é a ordem jurisdicional brasileira, não se fez referência ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que na jurisdição brasileira a jurisdição administrativa se integra no âmbito dos tribunais comuns. Por isso, do ponto de vista deles, faz sentido falar só do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Do nosso ponto de vista, em que há jurisdição autónoma administrativa, para haver coerência normativa, teria de fazer-se também referência ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, ou então a nenhum dos presidentes dos tribunais superiores. Esta é, pois, uma questão a considerar e, seja qual for a solução final, ela deve ser coerente com a nossa organização judiciária.
Manifestando-nos nesta atitude de disponibilidade para conferir os nossos votos para a maioria qualificada de dois terços, congratulo-me pela circunstância feliz destes trabalhos de revisão - como, aliás, ontem foi salientado no Brasil pelo Sr. Primeiro-Ministro - ocorrerem no momento em que podem, à sua maneira, concorrer também para o clima de aprofundamento das boas relações entre portugueses e brasileiros.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Ontem até parecia que o PS era o autor da proposta!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Certamente que os Srs. Deputados do PSD se considerarão satisfeitos por terem dado um contributo muito significativo nesse sentido.
É necessário ter um espírito de grandeza política para, em matérias de contributo construtivo e positivo, todos podermos concorrer para isso sem falsas querelas ou rivalidades que não tenham justificação.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Consta que o Primeiro-Ministro recebeu um fax do Dr. Almeida Santos!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Se os Srs. Deputados me permitirem, gostaria de avançar um pouco mais para fazer agora um apelo à vossa particular atenção. Como todos se recordam, o Partido Socialista tomou a iniciativa - e volto ao artigo 7.º, em sede de relações internacionais - de apresentar uma reelaboração do n.º 6 desse artigo 7.º, permitindo que a construção dos poderes necessários ao exercício em comum da construção da União Europeia ocorresse com uma previsão mais ampla, integrando o espaço da construção relativa à liberdade, à segurança e à justiça.
Essa proposta que, suponho, no início terá suscitado algumas dúvidas - naturalmente legítimas - também fez o seu caminho e mereceu o aplauso das personalidades que foram ouvidas nesta matéria. E dada a compreensão de que este incremento constitucional no domínio da construção dos poderes que aprofundam a própria experiência da União Europeia se justifica em sede constitucional, estamos convictos que os outros grupos parlamentares encontram motivos positivos para acolher a proposta do PS, relativa ao n.º 6 do artigo 7.º.
Só que a tal proposta tem algumas implicações, que depois convém aprofundar com mais detalhe, particularmente no que diz respeito à maneira como, no artigo 33.º, se regulamenta o regime da extradição por causa das questões da entrega junto de tribunais dos Estados membros da União Europeia, particularmente quando isso resulte do processo de aprofundamento do espaço de justiça no domínio da cooperação penal e no da execução em regime de cooperação das decisões penais no espaço jurisdicional da União Europeia.
Assim, e em coerência com o que apresentámos originariamente para o artigo 7.º, queremos vir apresentar e propor aos Srs. Deputados uma solução que não altere o que contém o artigo 33.º mas que lhe acrescente um novo número que permita configurar de forma especial justamente o domínio da jurisdição penal aplicável entre Estados membros da União Europeia. Portanto, oportunamente, para aí convocaremos também a atenção dos Srs. Deputados.
Reporto-me agora a uma proposta, esta da iniciativa do Grupo Parlamentar do CDS-PP, quanto à matéria da inviolabilidade do domicílio e da correspondência.
Esta proposta originária do CDS-PP foi depois acompanhada de uma outra que, no decurso dos trabalhos, o PSD também já apresentou. No mesmo sentido, o PS irá apresentar também uma solução de texto.
No entanto, por agora, julgo poder dizer que estamos de acordo quanto à preocupação constante da proposta originária do PP, que acompanhamos a preocupação que a motivou e mesmo que estamos disponíveis para desenvolver o seu âmbito de aplicação, inserindo, simultaneamente, as garantias adequadas, designadamente as garantias de intervenção do juiz competente em matérias de autorização relativamente a buscas domiciliárias nocturnas, mas tipificando um âmbito de aplicação mais abrangente que permita que a medida possa ter o seu efeito útil maximizado sem prejuízo das garantias processuais penais exigíveis na circunstância.
Feita esta declaração, suponho que todos estaremos em condições de encontrar melhor redacção a partir da proposta do CDS-PP, reflectindo na proposta posterior do PSD e com uma solução redactiva que, depois, nós próprios 
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também queremos pôr à consideração dos Srs. Deputados.
Há uma proposta, que julgo ter sido apresentada pelo PSD, no que diz respeito à possibilidade de inserir em sede constitucional uma cláusula relativa à limitação de mandatos.
Com toda a franqueza, queremos dizer aos Srs. Deputados que entendemos que a matéria merece um processo de reflexão, quer quanto aos seus fundamentos quer quanto aos âmbitos possíveis da sua aplicação. Consideramos que essa reflexão não está suficientemente amadurecida para, em sede de revisão extraordinária, permitir tomar já posição em sede constitucional.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Fica para a lei!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Portanto, pela nossa parte, manifestamo-nos empenhados em continuar a contribuir para esse processo de reflexão. Entendemos, todavia, que este ponto certamente há-de vir novamente a debate numa próxima revisão constitucional ordinária, mas, por enquanto, não encontrará da parte do PS possibilidade de vir a obter maioria qualificada para ser introduzido nesta fase dos nossos trabalhos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Temos de chamar o Deputado Jorge Coelho!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quanto a outros domínios, como sejam a proposta que o PSD apresentou para regular o problema das associações sindicais por parte dos agentes de forças de segurança, penso que, basicamente, está compreendida a posição do PS, aliás, desde o início.
Como sabem, o PS sempre entendeu que a Constituição já não é um obstáculo à possibilidade de criação de associações sindicais por parte dos agentes das forças de segurança. Em todo o caso, como o PSD insiste nessa necessidade de clarificação para fundamentar a sua alteração de posição no domínio do direito ordinário, queremos contribuir para que o PSD supere esse seu obstáculo, que é mais de natureza política do que de natureza jurídico-constitucional, mas queremos fazê-lo por forma a que a Constituição mantenha a sua harmonia e não se criem soluções desequilibrantes.
Foi-me chamada a atenção para a circunstância de este tema não dever ser tratado no artigo da Constituição que trata dos direitos dos trabalhadores em geral, uma vez que o tema se reporta a direitos não de quaisquer trabalhadores mas de corpos especiais do Estado e que os direitos relativos aos corpos especiais do Estado que se reportam aos serviços e às forças de segurança já têm sede constitucional adequada no artigo 270.º
Aliás, se a memória me não trai, foi também este o ponto de vista em absoluto corroborado por todas as personalidades ouvidas durante os nossos trabalhos de audição. Portanto, este ponto de vista do PS conforta-se com o das nossas personalidades especialistas em Direito Constitucional que nos acompanharam na compreensão de que a clarificação temática poderá e deverá ser feita no âmbito do artigo 270.º.
O PSD tem manifestado preocupações, que nós procuramos acompanhar, no sentido de que daí não viesse a resultar alguma leitura equívoca no que diz respeito àquele que é o âmbito restritivo aplicável às Forças Armadas e o âmbito de tratamento próprio aplicável aos serviços e forças de segurança.
Somos sensíveis a essa preocupação, pelo que julgamos poder propor, em momento oportuno, uma fórmula que contemple esta preocupação fundamental do PSD.
Assim, entendo - e certamente os Srs. Deputados do PSD não deixarão de partilhar este entendimento comigo - que não se trata de procurar uma qualquer "guerra de Alecrim e Manjerona" sem relevância, mas de encontrar uma solução harmoniosa equilibrada e adequada aos propósitos que, ao fim e ao cabo, se pretende alcançar, tornar clara em sede constitucional a admissibilidade dos direitos de associação sindical e a admissibilidade da restrição do direito à grave. Consequentemente, pensamos poder ter encontrado uma fórmula que fará a síntese das preocupações de todos nós e assim superar em definitivo esta questão.
Não sei se terei feito o balanço geral de todos os temas que têm estado presentes nos nossos trabalhos de revisão, mas julgo que sim. Em todo o caso, estarei disponível, se for caso disso, para prestar algum esclarecimento suplementar que os Srs. Deputados entendam formular.
Quero, portanto, concluir, sublinhando um voto, em nome dos Srs. Deputados do PS que me autorizam a fazê-lo, no sentido de que estamos inteiramente convictos de podermos "marchar" de forma eficaz e relativamente célere para as soluções finais desta revisão extraordinária com uma atitude, relativamente à qual penso que todos podemos congratular-nos, que é a da forma muito positiva e construtiva como tudo tem decorrido até ao momento no âmbito de esclarecimento parlamentar, de um amplo debate e aprofundamento e, portanto, de caminhar para soluções consensuais que julgo também terem resultado desta intervenção que pude fazer, soluções consensuais essas que estão muito ao alcance de todos nós.
Muito obrigado Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para uma intervenção.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer, tal como já o fez o meu colega Miguel Macedo, que, de facto, parece que as férias fizeram bem ao Partido Socialista, o que nos deixa contentes. Eventualmente, no que se refere a um ou outro aspecto, as férias talvez ainda tenham sido curtas…
Risos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Nós fizemos a coisa com elegância mas vocês não resistem a entrar por essas vias…!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quando ficamos contentes, temos de manifestar a nossa alegria! Tenha paciência, mas quando ficamos contentes gostamos de manifestar-nos!
Enfim, percorrendo os textos em causa, como, aliás, foi sugerido pelo Sr. Deputado Jorge Lacão com a aquiescência do Sr. Presidente, farei algumas observações rápidas, aproveitando também para tecer algumas breves considerações relativamente às posições transmitidas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão quanto à leitura que o Partido Socialista faz dos trabalhos até ao momento.
No que toca ao artigo 7.º, é evidente que nos congratulamos com a aceitação do Partido Socialista da inserção da importante questão do TPI neste artigo e não numa parte transitória da Constituição.
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Quanto à redacção em concreto, escutei atentamente as prudentes considerações do Sr. Deputado Jorge Lacão mas devo apenas deixar-lhe uma nota.
Concordo consigo, Sr. Deputado, em defesa da sua proposta no sentido de uma redacção mais enxuta relativamente à adesão ao TPI. Concordo, pois, consigo quando diz que na Constituição da República se deve evitar tomar posições definitivas relativamente a determinados modelos. Obviamente, estou de acordo com esta sua apreciação. Só que, Sr. Deputado, não podemos é confundir a tomada de posições relativamente a modelos com a assunção de pressupostos e de princípios que devem basilar, no caso concreto, a adesão de Portugal a uma determinada lógica internacional. Essa é uma confusão que não pode perpassar os nossos trabalhos.
Quando o PSD propõe a norma de permissão ao legislador ordinário para adesão a um modelo como é o Tribunal Penal Internacional, o legislador constituinte não deve indicar que a adesão é ao tribunal A, B ou C, deve é dizer que Portugal pode aderir em nome de determinados princípios e registados que estejam determinados pressupostos. Se assim não for, estaremos a abrir uma porta que fica escancarada para sabe-se lá o quê. Obviamente, isso iria contra o próprio espírito programático que a nossa Constituição assumidamente tem desde 1975.
Portanto, para nós, uma coisa é não tomar posições definitivas sobre um determinado modelo - quanto a isso, estamos de acordo -, outra coisa é evitarmos ou deixarmos de registar princípios e pressupostos à luz dos quais Portugal pode ou não aderir a uma determinada lógica transnacional.
De resto, como o Sr. Deputado bem sabe, é precisamente isso que já acontece na nossa Constituição, no próprio artigo 7.º, quando se fez a revisão extraordinária, em 1992, a propósito da constituição da União Europeia. Naquela altura, o legislador constituinte poderia ter dito que Portugal aceitava aderir à União Europeia, só que, do ponto de vista desse legislador, tal seria um erro e não ficou expresso na Constituição. Ora, do ponto de vista do PSD, devo dizer que continuamos a entender que teria sido um erro crasso se tivesse sido escrito que se aceitava a União Europeia, leia-se toda e qualquer união europeia até, por absurdo, eventuais uniões europeias em cujos princípios fundamentais Portugal não se revisse.
O que se fez, em 1992, foi dizer que Portugal pode integrar a União Europeia em condições de reciprocidade - e toda a gente sabe que a CEE assentava numa lógica de reciprocidade, mas nem por isso o legislador considerou repetitivo colocar isso na Constituição. O que estava em causa não era tomar posições sobre o modelo concreto de Maastricht ou outro, tanto que o modelo está em evolução e continuará a evoluir, o que é sinal de que a Europa não estagnou. Coisa diferente é dizermos que aceitamos uma lógica internacional, neste caso o Tribunal Penal Internacional, à luz de determinados princípios e desde que estejam salvaguardadas determinadas regras, determinados pressupostos. É isso que propomos no nosso texto.
O Sr. Deputado dirá que, quando o PSD diz que "Portugal aceita, em condições de complementaridade face à jurisdição nacional", o princípio da complementaridade já está nos Estatutos de Roma e nós diremos que sim, que está, mas que, como está, amanhã poderá não estar! Da mesma forma que foi colocado no Tratado, amanhã, numa revisão do Tratado, pode deixar de estar! O Sr. Deputado dirá: "Isso é um absurdo!". Não sei se é absurdo ou não, o que é certo para mim é que aquilo que leva o PSD e aquilo que deve levar o Estado português a aceitar, na sua Lei Fundamental, uma eventual adesão a esse Tribunal Penal Internacional são princípios. Nós temos de nos reger por princípios! Então, digamos aqui, como se faz já no artigo 7.º, a propósito, nomeadamente, da União Europeia, e a outros propósitos, como, por exemplo, das relações de amizade com outros povos, que aceitamos essas relações internacionais, desde que registados determinados pressupostos, ou seja, deixando aqui, claramente, de forma indirecta, o aviso de que, no dia em que, eventualmente, o Tribunal possa - e, desejavelmente, é bom que esse dia nunca chegue - evoluir para formas que não respeitem estes princípios, Portugal terá, com certeza, de se retirar ou terá de ponderar muito seriamente a sua posição dentro do Tribunal, por um imperativo constitucional. E todos os Srs. Deputados sabem perfeitamente a diferença que isto encerra!
Uma coisa é, de hoje para amanhã, ter de se ponderar a ratificação ou não dos Estatutos do Tribunal, ratificação essa que é feita por uma maioria simples na Assembleia da República, outra coisa será a apreciação de uma alteração dos Estatutos do Tribunal, no plano dos princípios fundamentais que o enformam, e se essa apreciação tiver de ser feita por uma alteração constitucional, porque aí exige-se um consenso qualificado dos representantes do povo português, mais alargado do que a maioria simples, de uma maioria qualificada de 2/3, o que dá garantias de estabilidade e garantias acrescidas aos portugueses relativamente à verificação e ao cumprimento de princípios que, neste momento - não ouvi ninguém contestá-lo e, evidentemente, ninguém o contesta -, são aqueles que nos levam a aderir ao TPI. Mas, se de hoje a amanhã deixarem de ser os princípios que enformam o TPI, com certeza, do ponto de vista do PSD, Portugal não deve lá continuar.
É essa a nossa posição neste momento e, portanto, a abertura constitucional para a adesão não deve ser… Mas também é verdade que não deve tomar posição no sentido, que nos parece errado, de se referir a um modelo concreto, como sucede, com toda a franqueza, com a proposta do Partido Socialista - eventualmente, apenas por comodidade, porque já foi assim, por exemplo, na República francesa, na alteração da Constituição francesa -, tomando uma posição relativamente ao Estatuto do Tribunal assinado em Roma, no dia 17 de Julho de 1998, porque, de hoje a amanhã, há uma alteração dos Estatutos que terá, necessariamente, uma data diferente, porventura, a data de 18 de Julho de 2005, uma vez que existe um período mínimo de 7 anos para a revisão, e teremos de ir a correr rever a Constituição, ainda que essa alteração possa ser uma alteração minimalista, irrelevante, em termos meramente procedimentais.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não insista nisso, porque já retirámos a referência à data!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, Sr. Deputado, há aqui distinções a fazer relativamente àquilo que é a tomada de posições quanto a um modelo concreto e aquilo que é a assunção de pressupostos e de princípios que devem sempre enformar a adesão do Estado português a determinado tipo de organismos internacionais, ainda por cima com a relevância deste, do Tribunal Penal, a qual tem, obviamente, implicações directas e gravosas nos direitos
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fundamentais dos cidadãos, que são, afinal, a razão primeira e última de toda a actividade política e também da actividade que aqui desenvolvemos para alterar a Constituição.
Em relação ao artigo 15.º, para além da satisfação que já manifestei há pouco quanto à alteração de posição da parte do Partido Socialista, devo dizer, quanto à observação que o Sr. Deputado fez relativamente ao problema dos presidentes dos tribunais supremos, que é evidente que o PSD está de acordo. A redacção que aqui pusemos, como foi explicado por nós logo na primeira leitura, foi copiada da redacção que já tínhamos apresentado em 1997, precisamente para podermos concitar, em torno da nossa proposta, os mesmos apoios que já em 1997 havíamos tido e que, como o Sr. Deputado se recordará, vinham de todas as bancadas, excluindo, oficialmente, a bancada do Partido Socialista, embora, individualmente, alguns Deputados do Partido Socialista já, na altura, tivessem votado favoravelmente esta proposta.
Portanto, a apresentação, tal qual a fizemos, tentou ser, num primeiro momento, apenas um texto que continuasse a reunir todos os apoios, que não desperdiçasse nenhum dos apoios de que já beneficiava anteriormente, para tentar conquistar novos apoios, como, pelos vistos, acabámos por conseguir relativamente à linha oficial do Partido Socialista, mas é evidente que, quanto à redacção definitiva, estamos abertos.
O Sr. Deputado citou o problema do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, eu, nos trabalhos da primeira leitura, registei outras sugestões que nos pareceram que também podem merecer uma ponderação adequada, quer de algumas das audições, quer de alguns dos Deputados que intervieram na apreciação deste artigo, como, por exemplo, desde logo, a questão da língua oficial portuguesa ou da língua portuguesa, a questão de se enfatizar aqui a observância das convenções internacionais, quando já se remete para a lei, havendo aqui, digamos, uma repetição sem sentido e sem utilidade prática. Portanto, há, de facto, melhoramentos que podemos fazer no texto, desde que o conteúdo não seja minimamente adulterado.
Há também a questão do Deputado Cláudio Monteiro, que agora não está aqui presente, quanto ao problema da expressão "direitos próprios", embora me pareça que a sugestão por ele avançada, dos direitos civis e políticos, talvez não seja uma boa solução.
Mas, enfim, a nossa abertura para a discussão pontual das várias propostas de redacção deste artigo 15.º mantém-se desde o início e manter-se-á até ao final, desde que não haja - essa, para nós, é a questão fundamental - uma adulteração. Ou seja, quanto àquelas propostas de acrescentar aqui os conselheiros de Estado, os membros do Conselho Superior de Defesa Nacional, que, como o Sr. Deputado bem sabe, grande parte são-no por inerência, o que colocaria problemas tremendos em termos da própria compreensão do sentido útil da norma, não temos qualquer abertura, obviamente, mas quanto às questões, nomeadamente àquela que o Sr. Deputado quis colocar na sua intervenção inicial, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, obviamente, a nossa posição é de total abertura e gostaríamos de trabalhar em conjunto com todos os Deputados da Comissão, para fazer uma redacção deste novo n.º 3 do artigo 15.º o mais escorreita e, digamos, o mais dentro do espírito da proposta inicial possível.
Seguindo a ordem da intervenção do Sr. Deputado, quanto à questão que coloca do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, com toda a franqueza, Sr. Deputado, esse é um dos casos em que as férias ainda não foram suficientes, porque me parece que o Sr. Deputado manifestou uma leitura um bocadinho sectária, quando disse que todas as pessoas ouvidas nesta Comissão tiveram uma posição claramente favorável à proposta do Partido Socialista. Diria, Sr. Deputado, com toda a franqueza, para sermos rigorosos, que ninguém se lhe opôs, o que, do meu ponto de vista, é manifestamente diferente.
Ou seja, do meu ponto de vista, não houve um aplauso genérico, houve mais uma aceitação tácita, embora, quando questionadas aprofundadamente sobre a questão, algumas das individualidades aqui ouvidas tivessem reconhecido que havia alguma inutilidade ou, no mínimo, alguma redundância na inclusão desta norma no texto constitucional. E a audição que, para nós, em termos práticos, mais relevou e que deve ser melhor ponderada por nós todos, foi a do Comissário português, que, neste momento, tem exactamente esta pasta, em termos da Comissão da União Europeia, e está a trabalhar directamente nos problemas que estão subjacentes a esta matéria que o Partido Socialista quis aqui trazer, pelo que a sua audição é relevantíssima para a reflexão que temos de fazer em conjunto.
O Sr. Comissário foi muito claro quando disse que não via nada contra esta norma mas que, verdadeiramente, o que iria, porventura, ser necessário alterar, de hoje a amanhã, na Constituição, era o artigo 33.º. O Sr. Comissário disse que fazer ou não esta alteração que o Partido Socialista agora propunha não iria alterar nada relativamente a essa realidade, porque o problema, a colocar-se, colocar-se-á, porventura, lá para o final do ano ou para a presidência do primeiro semestre do ano que vem e colocar-se-á, sim, porventura, relativamente ao artigo 33.º. E, manifestamente, quanto a isso, o Sr. Deputado também já abriu a janela no sentido de dizer que o Partido Socialista já percebeu bem o que o Sr. Comissário disse, como está bom de ver, e está já a trabalhar, inclusive, numa alteração ao artigo 33.º.
Desde já, Sr. Deputado, obviamente manifestando… Quer dizer, as verdades, aqui, nunca são absolutas e definitivas, mas, à partida, devo dizer-lhe, com toda a franqueza, que a disponibilidade do Partido Social Democrata para, nesta revisão extraordinária, mexer no artigo 33.º é nula. À partida, é esta a nossa posição! É evidente que não conheço o seu texto e que o Sr. Deputado apenas falou na eventualidade de os senhores estarem a preparar, conjuntamente, uma alteração ao artigo 33.º, para tentarem dar substância a esta vossa posição, porque também ouviram o que o Comissário António Vitorino aqui disse, isto é, que a simples referência ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça não acrescentava nada e nada resolvia para o futuro e que o que estaria em causa no futuro seria o problema do artigo 33.º, mas devo dizer-vos que, neste momento, nas actuais circunstâncias, a disponibilidade do PSD para, na revisão extraordinária, mexer no artigo 33.º é nula.
Enfim, obviamente, aguardaremos, com a abertura intelectual e política necessária, quaisquer propostas que os Srs. Deputados ou outros Deputados desta Comissão, enquanto a Comissão estiver em funcionamento, queiram apresentar sobre a matéria, sendo certo que, como o Sr. Presidente bem sabe, tecnicamente, até nem deveria ser assim, 
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isto é, uma vez não apresentada nos textos iniciais da Constituição qualquer alteração ao artigo 33.º nos trabalhos da Comissão não seria útil nem possível, sequer, vir a mexer-se no artigo 33.º. Mas, enfim, entendendo que haja uma conexão…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Claro que há!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De qualquer forma, Sr. Presidente, com toda a franqueza, não é na tecnicidade que o PSD se estriba mas na apreciação política. A nossa disposição para mexer no artigo 33.º, neste momento, nesta revisão extraordinária, é nula. As cartas devem ser colocadas com franqueza sobre a mesa, porque é assim que podemos avançar o nosso trabalho, sendo certo, obviamente, que não podemos dizer que não a uma coisa que ainda não lemos. Agora, a nossa disponibilidade, à partida, repito, é nula. É como o Orçamento do Estado!…
Risos.
Mas, de qualquer forma, só para encerrar essa questão do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, penso que, como diz o ditado, "pela boca morre o peixe", ou seja, o simples facto de o Partido Socialista já ter aqui denunciado a sua intenção de mexer no artigo 33.º é bem revelador da verdade que o PSD defende desde o princípio, de que a alteração simples do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, por si, não chega, não serve para nada, não resolve nada nem adianta grande coisa e, verdadeiramente, o que vai estar em causa é o artigo 33.º.
Portanto, isso vem dar razão ao PSD desde o início, quando questionava qual a utilidade, a necessidade e as consequências práticas da aprovação da proposta do Partido Socialista de alteração do artigo 7.º, acrescentando a tal questão do espaço de liberdade. De facto, parece que essa utilidade e essa necessidade são inexistentes, porque o que estará verdadeiramente em causa será o artigo 33.º e, quanto a isso, logo veremos, logo veremos em definitivo. Para já, com toda a franqueza, a nossa posição de partida é de indisponibilidade para, em revisão extraordinária, se equacionar esse problema. E, apenas para que fique claro, não é por se tratar de uma revisão extraordinária, é porque, como deixámos muito claro ao longo dos trabalhos, sempre que discutimos esta matéria com várias individualidades, o que o PSD entende é que, como o Comissário António Vitorino aqui deixou claro, num momento em que a União Europeia ainda nem sequer sabe, em definitivo - sabe para onde quer ir, aliás, o Sr. Comissário abriu-se com esta Comissão e explicou-nos qual é a estratégia e a intenção política da Comissão, e dele em particular, neste momento -, no contexto do acerto entre os 15 Estados membros, qual vai ser o ponto de chegada relativamente a esta matéria, é, obviamente, imprudente, insensato e até muito prematuro da parte do Estado português estar, desde já, a passar uma carta branca a uma solução que ainda nem sequer está negociada, mas que vai ter de ser negociada pelo Estado português, como todas as questões importantes o são.
É bom que os membros do Governo do Estado português, nomeadamente o chefe do Governo, quando, em Conselho Europeu, se sentarem à mesa para discutir e aprovar ou reprovar a alteração do Tratado neste ponto, não estejam perfeitamente amputados de qualquer capacidade negocial, pura e simplesmente, porque já toda a gente sabe que os portugueses já disseram que querem isso! Não vale, pois, a pena o chefe do Governo tentar fazer a negociação normal, porque, seguramente, surgirão outros pontos nessa reunião para alteração dos tratados, e é evidente que alguns serão favoráveis aos interesses dos portugueses e outros não terão assim tanto interesse.
Esta é a lógica das coisas, esta é as lógica da própria construção europeia, que é uma lógica de negociação permanente e, sempre que possível, de avanço consensual nos grandes dossiers. Portanto, parece-nos, de facto, bastante prematuro, sendo essa a razão de ser, à partida, da nossa indisponibilidade para, nesta revisão, mexermos neste assunto.
O Comissário António Vitorino deixou claro que essa era matéria em relação à qual, enquanto Comissário, tecnicamente no seu departamento, estava a fazer um forcing para que estivesse pronta até ao final do ano.
Politicamente, é provável que a presidência do primeiro semestre tente agarrar o dossier e, portanto, em termos de aprovação ou de ratificações dos Estados membros, o problema só se colocará para o Outono do ano que vem, ou seja, para o momento de abertura da revisão ordinária. Por isso, até em termos de timings políticos, aparentemente, pelo calendário que nós próprios solicitámos ao Sr. Comissário que nos fornecesse (porque, para nós, era fundamental conhecê-lo) e, de acordo com essas informações, esse calendário aponta manifestamente para que, porventura, uma matéria como esta só deva ser equacionada pela Assembleia da República, em termos constituintes, no ano que vem.
Relativamente ao artigo 34.º, e se bem entendi, o Partido Socialista - sem o Sr. Deputado Jorge Lacão o ter dito directamente - quer aderir à posição que o PSD já apresentou nesta Comissão. Aliás, o Sr. Deputado já deve conhecer a proposta alternativa à proposta inicial do Partido Popular que o Partido Social Democrata fez entrega, no mês de Julho, nesta mesma Comissão, para o artigo 34.º.
Aproveito também para dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró, que, salvo erro, na reunião em que apresentámos a nossa proposta, não pôde estar presente ou não esteve presente até ao final da reunião, que, na altura, não pudemos contar com uma apreciação crítica por parte dos proponentes iniciais desta alteração constitucional.
Como estava a dizer, pareceu-me que o Partido Socialista, segundo as palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão, exactamente como a proposta do PSD faz, prefere um âmbito mais abrangente para a norma constitucional, ou seja, deverá ser, depois, o legislador ordinário, como já acontece em muitos outros casos, a delimitar em concreto quais são as situações em que excepcionalmente se pode afastar este princípio-regra da proibição das buscas domiciliárias durante o período nocturno. É essa exactamente a proposta do PSD. O Sr. Deputado não se referiu a ela mas, seguramente, conhece-a e, portanto, também aqui as férias parece terem sido boas conselheiras.
Quanto ao artigo 118.º, Sr. Deputado, com toda a franqueza, é uma matéria em que o PSD, como prevíramos desde o início, tem vindo sucessivamente a conquistar a compreensão e a adesão política de cada vez mais sectores da sociedade portuguesa. Relembro rapidamente que, quando o PSD apresentou esta proposta na última revisão constitucional, ficou isolado, e nem o Partido Popular votou connosco, votámos sozinhos uma norma similar a esta.
Nesta legislatura, o Partido Popular já apresentou propostas sobre esta matéria, o mesmo acontecendo com
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o Bloco de Esquerda (que não está presente agora na sala, pelo menos não o vejo), que também apresentou propostas concretas relativamente à limitação de mandatos.
A este propósito, tenho aqui um artigo do Dr. Jorge Coelho, que não é qualquer pessoa dentro do Partido Socialista, do mês de Agosto, em que claramente adere já à nossa tese, dizendo: "Sou convictamente adepto de que todos os lugares executivos resultantes de eleição pelo povo, por sufrágio, devem ter uma limitação temporal concreta. Pode ser de dois ou de três mandatos…". Registamos, de facto, esta evolução permanente.
O próprio Governo já apresentou na Assembleia da República, durante o mês de Agosto, um proposta de lei estrutural relativamente à reforma dos institutos públicos, onde existe um artigo explícito - o artigo 18.º - que expressamente limita a três os mandatos sucessivos dos presidentes dos conselhos directivos, seguindo, de resto, a proposta do Professor Vital Moreira, do grupo de trabalho que tinha sido constituído para a elaboração da proposta de lei, que, nos seus comentários, diz claramente que se trata de uma questão imprescindível, por ser a concretização do princípio republicano da renovação dos cargos políticos.
Como está bom de ver, o PSD, desde o princípio, achou que a sua proposta faria o seu caminho. Acreditamos que ainda vai a tempo de o fazer e continua a fazê-lo. E, mais uma vez, fazemos ver ao Partido Socialista formalmente - parece que já não a todo, porque muitos já abriram os olhos para a questão - que a sua posição não faz qualquer sentido. A vossa posição, no fundo, resume-se a isto: ou esta norma se aplica a partir de 2013 ou a partir de 2017 e, portanto, a única coisa que o Partido Socialista quer, aparentemente, é ganhar tempo, o que não se percebe nem faz qualquer tipo de sentido.
O que aqui está em causa é uma questão de transparência, de legitimação, de refrescamento e de renovação do princípios democráticos e dos cargos políticos electivos de natureza executiva, e, portanto é evidente que dizer-se apenas que se quer continuar a reflectir sobre o assunto, quando o único resultado prático é perder mais quatro ou cinco anos… Com toda a franqueza, pensamos que ainda há, pelo menos, três meses até Dezembro para rever essa situação, porque a legislação, para ser efectiva, tem de ser aprovada até Dezembro.
Uma última nota para dizer o seguinte: O Sr. Deputado Jorge Lacão afirmou que o problema merece reflexão mas que não está pronto para avançar já e eu aproveito para lembrar que aqui, na Constituição, a única coisa que se faz é abrir a porta para que o legislador ordinário depois aprove. E como, actualmente, o Partido Socialista dispõe de 115 Deputados tem, à partida, a garantia política de que, enquanto não entender que esta questão está madura para ser aprovada, ela não o será! Mas, pelo menos, deixará de haver o alibi constitucional.
A nossa função é alterar a Constituição de modo a flexibilizá-la o suficiente para que as reformas necessárias do sistema político possam ser assumidas a seu tempo, mas é evidente que essas reformas têm de ser amadurecidas e ponderadas por todos.
O que não faz sentido é continuarmos com a discussão nos mesmos termos de há quatro meses atrás, salvo erro, quando foram discutidas no Plenário desta Assembleia as propostas iniciais de revisão constitucional; o que não faz sentido é o PS e o Governo, quando formos discutir a legislação autárquica por exemplo, virem dizer que esta matéria não poderá ser objecto de discussão, é uma matéria tabu, porque a Constituição não o permite! Então, permitamos que, em sede da Constituição, essa matéria seja colocada sobre a mesa; permitamos que essa reflexão se faça (que o Sr. Deputado disse que o PS já reconhece que deve ser feita) e que possa dar resultados, se o seu ponto de chegada for positivo. Penso que já há condições manifestas para que, mesmo dentro do Partido Socialista, essa reflexão chegue a bom porto. O que é preciso é que nós, legislador constituinte, possamos agora abrir a porta a que essa reflexão se faça em definitivo.
Por último, relativamente ao artigo 56.º, Sr. Deputado Jorge Lacão, folgo em ouvir V. Ex.ª reconhecer que a nossa posição política no que se refere ao sinal que se dá, nomeadamente no caso das Forças Armadas, quanto ao problema dos direitos sindicais é uma preocupação a ter em conta. Folgo em ouvi-lo! E folgo em ouvir isso porque, como o PSD, desde o princípio, deixou claro, a sua opção pela inserção sistemática no artigo 56.º e no 270.º estribava-se, fundamentalmente, no sinal político claro que era dado para fora e nas expectativas legítimas que se formariam a partir daí. Folgo, pois, que o Partido Socialista tenha acabado por reconhecer qual é a razão de ser da nossa proposta.
O Sr. Deputado apenas avançou que, tendo em consideração essas preocupações que o PS já interiorizou, o PS estaria a preparar ou teria no "bolso" uma solução que, porventura, acautelaria também esses mecanismos. Devo dizer, Sr. Deputado, que aguardamos com bastante interesse essa solução,…
Protestos do Deputado do PS, Osvaldo Castro.
… porque, como o PSD deixou claro, desde o início, o que está aqui em causa não são questões de teimosia, são questões políticas. Os senhores finalmente reconheceram que existe aí uma questão política, que tem de ser resolvida. No artigo 56.º fica resolvida. Pode haver outras soluções, porque há "várias formas de matar coelhos". Confesso que nós, na altura, achámos que a melhor solução seria tratar desta matéria no artigo 56.º e todas as demais soluções nos pareceram "coxas".
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não acharam graça à piada!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não percebo porquê, mas enfim!
Aguardamos com expectativa, Sr. Deputado, porque o essencial, segundo me parece, é que estamos no bom caminho. Ou seja: o essencial era haver da parte do Partido Socialista o reconhecimento de que há aqui uma questão política que não é indiferente. Porventura poderá ser resolvida de uma maneira ou de outra, nós achámos que era desta, mas, desde que os senhores já reconheçam que existe uma questão política, penso que estamos no bom caminho para chegarmos a uma solução equilibrada. Foi por termos presente esse problema político desde início que optámos pelo artigo 56.º. Se os senhores, neste momento, já reconhecem que há aqui uma questão técnico-política a resolver, e que a questão não se resolve ao "Deus dará", então, tudo bem, já estamos no bom caminho, os senhores já abriram os olhos para o problema e com certeza que aguardamos com expectativa as vossas soluções.
Sr. Presidente, feito este percurso rápido sobre todas as questões…
Risos do PS.
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Não foi rápido, mas foi exaustivo!
Como estava a dizer, feito este percurso rápido sobre todos os textos, termino com um apelo: que, pelo menos, relativamente ao artigo 34.º, o Partido Popular, que ainda não se pronunciou relativamente ao nosso texto - a única proposta alternativa que já deu entrada formal e está sobre a mesa -, e não relativamente às outras, porque o Partido Socialista apenas falou nas hipóteses, mas não avançou nada, fizesse algum comentário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, considero legítimo e até compreensível esta metodologia, isto é, que os Srs. Deputados do PS e do PSD entendam trocar informações em Comissão acerca da evolução ou não das suas posições relativamente aos vários pontos que estão em discussão na revisão constitucional.
Nós, pela nossa parte, não sentimos a necessidade de o fazer. Cada um dos artigos vai ser discutido de per si, não pode ser de outra forma, e há textos cujas propostas não estão ainda consolidadas, por isso preferiríamos tomar posição de forma detalhada relativamente a cada um dos pontos que vão estar em discussão no momento preciso em que sejam discutidos.
Repito: creio que o PS e o PSD, que são partidos que cada um por si é decisivo para a obtenção de uma maioria de dois terços, possam, desde já, proceder a esta troca genérica de informações, mas, pela nossa parte, parece-nos preferível, em termos metodológicos, tomarmos posição relativamente a cada uma das formulações que estejam concretamente em discussão, artigo a artigo, sem necessidade de estarmos já a adiantar uma posição nesta fase dos nossos trabalhos, embora, naturalmente, já tenhamos feito a nossa discussão internamente e já tenhamos feito uma reflexão relativamente à posição que vamos tomar em cada uma das grandes questões que aqui foram suscitadas.
O único comentário que se me oferece fazer nesta fase dos trabalhos, tendo em conta as informações que foram dadas por ambos os partidos, é que, relativamente ao Partido Socialista, não direi que as férias fizeram bem ou mal mas tiveram influência nas suas posições: num caso creio que bem, no que se refere à reciprocidade de direitos com os cidadãos brasileiros, noutro caso, infelizmente, creio que mal. Refiro-me ao exercício de direitos por parte dos agentes das forças de segurança e à inviolabilidade do domicílio na medida em que, pelo que foi anunciado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, muitas das justas afirmações acerca dessas matérias proferidas por vários Srs. Deputados do Partido Socialista antes das férias terão ido para a "gaveta", terão aumentado o vasto património que o Partido Socialista já tem na sua "gaveta". Digo infelizmente, porque creio que as afirmações que aqui haviam sido feitas relativamente a essas duas matérias foram, do nosso ponto de vista, correctas, mais correctas do que a posição agora manifestada pelo Partido Socialista.
De qualquer forma, este é um comentário lateral e, naturalmente, quando cada uma dessas questões for discutida em concreto, tomaremos a posição que entendermos por bem tomar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Gostaria, em primeiro lugar, de cumprimentar V. Ex.ª e os colegas já regressados de férias.
As posições que o PS hoje expostas já estavam anunciadas ou tinham sido impostas antes das férias. Nada de novo, portanto. E o PSD também regressa de férias como tinha partido. Portanto, não houve qualquer modificação substancial quanto às suas posições iniciais.
As alterações aos artigos que estão sobre a mesa dependem, por mais que se queira ou não, dos dois grandes partidos. E é muitíssimo positivo que seja nesta mesa que se discute se há ou não acordo, em vez de isso ser feito por outras pessoas que não Deputados (tem havido muitos acordos feitos fora da Assembleia). Portanto, essa foi uma boa aquisição que se deve manter para o futuro no sentido de tudo ser tratado na respectiva Comissão e nada fora dela.
Também aguardamos a formulação de novos textos para que depois possamos dizer de nossa justiça.
Quanto à alteração ao artigo 34.º, proposta que era exclusivamente nossa, a que se refere à inviolabilidade do domicílio no período da noite, lemos a proposta do PSD, mas isso não faz com que a proposta do CDS-PP deixe de ser do CDS-PP, ou que seja substituída pela do PSD. A proposta do PSD é mais abrangente do que a do CDS-PP, e quando for discutida veremos se será esse o texto final ou se algum aspecto terá de ser revisto, como, aliás, se fará com todos os outros textos.
Doravante, deixarão de haver textos deste, daquele ou daqueloutro partido para haver textos da Comissão, sobre os quais vamos trabalhar da melhor maneira de modo a ter uma revisão constitucional "enxuta" e votada o mais depressa possível.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, dirijo-lhe os meus cumprimentos.
Na minha perspectiva, alicerçada num parecer que foi aprovado pela 1.ª Comissão, a adesão portuguesa ao Tribunal Penal Internacional suscita problemas constitucionais que não são resolúveis apenas por uma norma habilitante, nomeadamente a matéria da extradição e das imunidades não fica correctamente solucionada se se ficar só por uma norma habilitante. Suscitar-se-ão sempre problemas no plano das hipóteses com que lida o direito que, para serem ultrapassados, requerem algo mais do que uma norma geral.
Por exemplo, a entrega de uma pessoa encontrada em território nacional que tiver sido objecto de um pedido feito às autoridades portuguesas pode sempre suscitar a reacção de que essa entrega viola as garantias previstas no artigo 33.º da Constituição. E não é seguro nem é provável que a norma do artigo da Constituição que seja invocada tenha de ceder em relação à norma geral habilitante. Esse diferendo não está resolvido à cabeça por força da norma habilitante e se um dia os tribunais se ocupassem dessa matéria - e é bem possível que dela se possam ocupar - teriam ocasião de aprofundar este défice de uma solução constitucional eliminadora deste problema.
Portanto, é um inconveniente jurídico não se mexer nas regras sobre a extradição, um sólido inconveniente jurídico que a classe forense, que a advocacia compreenderá na perfeição, mas é também um inconveniente no plano político. Talvez para os que sustentam que a competência 
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dos tribunais portugueses deva ser universalizada a ponto de excluir toda e qualquer entrega ela seja reduzida a muito pouco ou tendencialmente a zero, mas não creio que ninguém que seja responsável queira sustentar que toda a espécie de crimes, onde quer que sejam cometidos, por responsáveis de qualquer nacionalidade, deva ser adequadamente levada a um tribunal em Portugal. Isso seria tripudiar sobre o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. E, não sendo assim, não existindo a solução da competência universal dos tribunais portugueses para esse tipo de crimes em relação aos quais é competente o Tribunal Penal Internacional, temos de pensar que existe aqui um problema de regulamentação constitucional, que, a meu ver, só se resolve em matéria de extradição.
Não vou aprofundar o tema das imunidades, mas devo dizer que há também nesse domínio uma zona de colisão entre normas constitucionais e as normas do Tratado. Não creio que se deva mexer nas regras que estabelecem a imunidade dos órgãos de soberania, mas creio que no estatuto geral dos titulares de cargos políticos e na norma constitucional correspondente deveria estar consagrado o reconhecimento do princípio da irrelevância da posição oficial, do cargo oficial a desempenhar. Mas admito que neste caso a questão possa ser mais complicada.
Parece-me que a extradição está indissoluvelmente vinculada ao problema da cláusula geral e das suas origens. Por que é que precisamos de uma cláusula geral habilitante? Inicialmente referimos a prisão perpétua, a extradição, as imunidades, etc. Depois colocou-se questão da soberania jurisdicional. Será que resolvemos este problema todo com um "chapéu", esquecendo nomeadamente o problema crucial da extradição (e aqui estamos todos de acordo)? Penso que esse problema não pode ser evacuado. Ele está na origem e uma "cláusula-chapéu" não o resolve inteiramente e não resolve, do ponto de vista operacional, a entrega dos indivíduos ao tribunal. Repito, o problema só existirá para quem entenda que não há nenhuma entrega em tempo algum a fazer ao Tribunal Penal Internacional. Mas isso não me parece ser responsável.
No plano europeu, o não se mexer na norma da extradição tem inconvenientes que não são jurídicos mas, sim, políticos, no sentido de que temos andado a fazer, como todos se recordam, revisões depois de assinar tratados ou convenções - fizemo-lo em Maastricht e fazemo-lo agora.
No calendário europeu vamos estar confrontados com este problema: ou adiar a assinatura, o comprometimento, a adesão, ou assinar primeiro e rever depois. Se queremos alterar a metodologia no que ela tem de errado, temos que antecipar. Se não antecipamos, condenamo-nos a errar uma outra vez!
Eram estes os pontos que gostaria de colocar em cima da mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer duas observações, a última das quais suscitada pela intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa.
A primeira, muito singelamente, é para recordar aos Srs. Deputados que as posições do PS aqui expressas não resultaram de qualquer elaboração especial em período de férias. Se os Srs. Deputados estiveram atentos, e presumo que sim, terão reparado que ocorreu, no final dos trabalhos parlamentares, uma reunião conjunta da Comissão Política Nacional do Partido Socialista e do seu grupo parlamentar e que essa reunião permitiu assumir as posições de orientação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista nos trabalhos desta Comissão que, desde logo, ficaram expressas. Portanto, o que aqui foi traduzido na circunstância do calendário dos nossos trabalhos foi algo que ficou muito definido antes do início do período de férias, e os Srs. Deputados não levarão a mal que aqui o recorde, porque factos são factos e blagues políticas são blagues políticas e, como se vê, essa blague, valesse o que valesse, não tem fundamento face aos factos.
A segunda observação que faço é para ponderar uma questão difícil de técnica e de dogmática constitucional que se reporta à interpretação sobre o valor constitucional da chamada norma habilitante que permita recepcionar, através de cláusula constitucional, os Estatutos do Tribunal Penal Internacional.
Essa norma habilitante tem só como razão de ser o facto de permitir uma solução de excepção para que, do acto de aprovação e de ratificação da convenção que permite fazer entrar em vigor o estatuto do TPI, não haja colisão com a Constituição ou, mais do que uma excepção, essa norma habilitante tem a faculdade constitucional de constitucionalizar as normas do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. É esta segunda hipótese aquela que, em dogmática constitucional, propendo para considerar a mais adequada.
Recordo que temos um exemplo disso na nossa Constituição actual. Em sede disposições finais e transitórias, a nossa Constituição tem uma norma relativa à lei de 1975, que vem desde a Constituição de 1976, que incriminava os agentes da PIDE/DGS. Como se sabe, levantava-se na altura um problema muito delicado, que era o da retroactividade da lei penal e só era admissível que, depois da Constituição e 1976, essa disposição legal permanecesse em vigor se ela fosse constitucionalizada pela própria Constituição, como foi. Portanto, temos aqui uma situação de um direito que instrumentalmente está fora da Constituição, mas que esta constitucionalizou para permitir a sua plena validade na ordem jurídica.
Ao podermos estabelecer uma norma habilitante relativamente ao Estatuto do TPI, se ela for redigida no sentido de o TPI com o seu Estatuto ser aceite nas condições e nos termos previstos no próprio Estatuto, propendo a encarar essa norma habilitante como uma norma que permite interpretar como texto constitucionalizado o próprio Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Se, no plano da dogmática jurídica, eu tiver razão nesta interpretação (e estou a colocá-la à consideração dos Srs. Deputados), algumas das desconformidades pontuais da Constituição com o Estatuto do TPI seriam resolvidas em sede meramente interpretativa de normas aparentemente contraditórias, e não já por uma relação de supra/infra-ordenação entre as normas da Constituição e as normas constantes do Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Enfim, pode ser uma questão um pouco inspissiosa - é-o certamente, mas penso que esta é a sede adequada para reflectirmos este problema.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Seara.
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O Sr. Fernando Seara (PSD): - Sr. Presidente, cumprimentando em V. Ex.ª todos os Srs. Deputados, quero começar por fazer uma reflexão em relação àquilo que os Srs. Deputados Alberto Costa e Jorge Lacão suscitaram e que tem a ver, claramente, com o que se pode chamar os efeitos privados de dois dos aspectos mais relevantes desta revisão extraordinária, que são a matéria relacionada com o TPI e o quadro jurídico do TPI, e a questão respeitante ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
As duas notas são para dizer o seguinte: no conjunto das intervenções de ilustres professores de Direito aqui produzidas, a posição do PSD aproxima-se muito mais das reflexões nesta matéria (e no que respeita, em primeiro lugar, ao TPI e a algumas das questões suscitadas pelo Sr. Deputado Alberto Costa) apresentadas e propostas pelo Prof. Jorge Miranda do que, porventura, de uma sugestão que aqui foi apresentada, se bem se lembram, pelo Prof. Fausto Quadros de aditamento, claramente, de um n.º 4 ao artigo 117.º.
Nessa matéria, penso que os trabalhos desta Comissão Eventual de Revisão Constitucional deveriam, para além da formulação de articulado rigoroso, dar a entender ao conjunto dos intérpretes constitucionais qual é o entendimento maioritário na sistemática das soluções que forem aprovadas em relação à compreensão global de uma norma como a que nós propusemos para o novo n.º 7 do artigo 7.º da Constituição, de consagração constitucional dos princípios e, principalmente, da jurisdição do Tribunal Penal Internacional de acordo com o seu Estatuto de Roma.
Aqui, o intérprete constitucional que analise, estude e medite nos trabalhos da Comissão, em meu entendimento, deve aproximar-se muito mais da conclusão de que nós tivemos uma visão de interpretação sistemática e de interpretação "integralista" - para utilizar alguma expressão do Sr. Deputado Alberto Costa acerca do tribunal constitucional federal alemão nesta matéria - do que, porventura, introduzir normas e adaptações precisas em preceitos constitucionais.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa, para considerar este aspecto no seu raciocínio: Como se recorda, a Alemanha fez uma revisão extraordinária da Constituição para resolver quer o problema do TPI quer o problema da extradição simplificada ou entrega no âmbito europeu. E resolveu a questão numa só norma, dizendo que as regras anteriores da Constituição podem deixar de ser totalmente aplicadas, ou algo equivalente, no caso de se tratar da entrega a tribunais internacionais ou aos tribunais europeus; isto é, ela própria…
O Sr. Fernando Seara (PSD): - Mas a lei fundamental de Bona tem uma norma expressa que exigia essa cautela.
O Sr. Alberto Costa (PS): - É uma norma semelhante à nossa, nomeadamente uma norma que era muito blindada em relação aos nacionais, como a nossa era - o contexto é parecidíssimo. E eles entenderam necessário fazer essa incursão cirúrgica. Pelo menos, dá que pensar! E é preciso dizer que essa revisão foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Fernando Seara (PSD): - Mas como verá, Sr. Deputado Alberto Costa, do próprio parecer do tribunal constitucional federal alemão, essa norma resulta de norma precisa da lei fundamental de Bona, que não é similar à nossa, que não é similar ao nosso artigo 33.º. Até pelas razões históricas de como nasceu a lei fundamental de Bona e pelas razões de jurisprudência constitucional federal alemã sobre a protecção e a salvaguarda de direitos dos cidadãos alemães. Portanto, a situação não é totalmente similar, ao nível da formulação jurídica, mas fundamentalmente ao nível da formulação jurisprudencial - a Bundesverfassunggericht, nessa matéria, é muito mais cautelosa do que o Tribunal Constitucional português nas suas formulações.
A segunda reflexão é para sublinhar o seguinte: é evidente que a questão do espaço de liberdade, de segurança e de justiça deve fazer-nos meditar sobre aquilo que, prospectivamente, possa derivar de propostas da Comissão. Penso que temos de ter, neste preciso momento, um mecanismo de salvaguarda precisa em relação ao texto constitucional actual, e não podemos abrir demasiado em relação a um conjunto de tutela de bens que, necessariamente, não podem ser afectados em relação a qualquer projecto de regulamentação europeia como acontece nalguns casos - e o Sr. Deputado Alberto Costa já vê que constam de documentos de trabalho da Comissão. Nessa matéria, temos de ter cuidado. É o meu sentido de cautela jurídica que, com certeza, me acompanha nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, penso que podemos qualificar como útil esta troca de posições pelos partidos que entenderam fazê-las, salvaguardando também aqueles que reservaram por inteiro as suas posições para os textos concretos que vierem a ser apresentados.
Havia agora que combinar o nosso futuro próximo, visto que temos duas reuniões marcadas, como sabem: uma, no dia 12, se não me falha a memória, às 15 horas, e uma outra, no dia 13, às 10 horas.
Ora bem, naturalmente que, tal como está nas convocatórias, iremos proceder à continuação dos trabalhos; penso, no entanto, que nos cabe, a nós todos, a começar por mim, dar um sentido útil a essa continuação dos trabalhos para que não venhamos para aqui repetir o que se passou hoje. Penso que seria útil - mas faço esta pergunta, designadamente, àqueles partidos que apresentaram propostas e que aqui as desenvolveram mais longamente hoje, quer em jeito de comentário quer em jeito de exposição - saber se poderíamos, no dia 12, às 15 horas, ser confrontados já com propostas concretas relativamente àqueles primeiros artigos que estão em debate, visto que me parece que temos de entrar nesse trabalho mais duro, fazendo sair do "bolso" (para usar uma expressão que já aqui foi usada) propostas que já estejam elaboradas nessa altura, se for o caso. É esta pergunta que faço aos vários grupos, naturalmente com especial relevo para aqueles que já se mostraram disponíveis para apresentar essas propostas ou para as comentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, como há um trabalho de afinação que tem de ser feito, nomeadamente algum trabalho inter-partidário, a nós perecia-nos mais profícuo - se bem estou a pensar, mas isso depende dos outros partidos - que a reunião de dia 12 fosse cancelada e se mantivesse a reunião de dia 13. Suponho que é possível, no dia 13, ter já propostas que permitam uma discussão na especialidade, tendente depois à sua votação. Tenho alguns receios em relação ao dia 12
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porque, por notícias que tenho, há vários Deputados que estão fora - o Sr. Deputado Fernando Seara e eu próprio, por exemplo, estamos fora, o Sr. Deputado Narana Coissoró tem uma outra reunião e há um conjunto de situações que pode impedir que, no dia 12…
O Sr. Presidente: - Alguém deseja manifestar-se sobre este ponto, de podermos cancelar a reunião do dia 12 e mantermos a reunião do dia 13, de manhã?
Verifico que há consenso quanto a esta proposta, pelo que fica cancelada a reunião do dia 12 e confirmada a reunião do dia 13, sendo de esperar - pelo menos eu assim o espero - que já possamos ser confrontados nessa altura com textos concretos para podermos, seguindo a ordem normal dos vários artigos, começar a discussão, então já na especialidade, artigo a artigo, com textos alternativos ou não para essa discussão.
Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar então no dia 13, às 10 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 16 horas e 45 minutos.
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