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Sábado, 6 de Outubro de 2001 I Série - Número 9

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE OUTUBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
José de Almeida Cesário
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Após o Sr. Deputado José Vera Jardim (PS) ter feito a síntese do relatório da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, iniciou-se o debate do texto emanado da Comissão Eventual de Revisão Constitucional [projectos de revisão constitucional n.os 1/VIII (PSD), 2/VIII (PS) e 3/VIII (CDS-PP)] (artigos 7.º, 11.º, 15.º, 33.º, 34.º, 115.º, 118.º e 270.º).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Durão Barroso (PSD), Francisco de Assis (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Fernando Rosas (BE), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Guilherme Silva (PSD), Basílio Horta (CDS-PP), Jorge Lacão (PS), Pedro Roseta (PSD), António Filipe(PCP), Rui Gomes da Silva (PSD), Francisco Louçã (BE), José de Matos Correia (PSD), António Braga (PS), Telmo Correia (CDS-PP), José Vera Jardim (PS), Maria Manuela Aguiar (PSD), Carlos Luís, Maria Celeste Correia e Cláudio Monteiro (PS), Fernando Seara (PSD), Odete Santos e João Amaral (PCP), Osvaldo Castro (PS), Luís Marques Guedes e Miguel Macedo (PSD) e Bernardino Soares (PCP).
No fim, no âmbito da revisão constitucional, foram aprovadas, na especialidade e em votação final global, as alterações aos artigos 7.º, 11.º, 15.º, 33.º, 34.º e 270.º.
A Câmara aprovou ainda, na generalidade, os projectos de lei n.os 404/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PCP) e 464/VIII - Regula a protecção dos direitos de autor dos jornalistas (PS).
Finalmente, foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Ética, três autorizando Deputados (2 do PSD e 1 do PS) e um não autorizando um Deputado do PSD a deporem como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Maria Diogo
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui Manuel Leal Marqueiro
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas

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Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Bosco Soares Mota Amaral
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Ana Margarida Lopes Botelho
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
Lino António Marques de Carvalho
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
António José Carlos Pinho
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raúl Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Francisco Anacleto Louçã

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem não há lugar a uma votação na generalidade, segundo o entendimento consagrado, até pelos doutrinadores, embora não seja inteiramente claro que deva ser assim. A verdade é que a deliberação de «abrir» o processo de revisão constitucional vale, digamos assim, como sucedâneo da discussão na generalidade.
Assim, sendo, como há atribuição de tempo globais para cada partido, se concordarem faríamos do seguinte modo: eu daria a palavra, por 5 minutos, ao Sr. Deputado Relator para tecer as considerações que quiser, resumidas, sobre o relatório, depois daria a palavra aos Srs. Deputados que a pedissem em representação dos partidos que apresentaram projectos de revisão, que são o PSD, o PS e o CDS-PP, e a partir daqui os partidos fariam as considerações de carácter geral que entendessem a propósito do primeiro artigo ou de qualquer outro artigo em revisão, na especialidade, gerindo livremente os seus tempos.
Se estamos todos de acordo sobre esta metodologia, dou a palavra, para resumir o relatório da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, ao Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, penso que a intenção do Sr. Deputado José Vera Jardim não é aquela que V. Ex.ª referiu. Todos nós entendemos o que o Sr. Presidente pretendeu dizer, mas creio que o Sr. Deputado José Vera Jardim vai falar como Presidente da Comissão Eventual de Revisão Constitucional (CERC), embora também se vá referir ao relatório.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no passado, falou-se em relator, mas se o Sr. Deputado José Vera Jardim pretende usar da palavra na qualidade de Presidente da Comissão especializada também está bem; a qualidade é quase irrelevante, o que interessa é o discurso.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Concluímos hoje, com a discussão e votação no Plenário, o processo de revisão extraordinária da Constituição deliberado em 4 de Abril passado, com a assunção de poderes extraordinários de revisão pela Assembleia da República.

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Rever a Constituição, assumir poderes constituintes, é, sem dúvida, o acto mais importante e sensível do Parlamento. Trata-se de alterar a Lei Fundamental, elemento fundador e integrador da comunidade política nacional. A Constituição, a lei das leis, sedimenta em si o consenso do povo sobre a sociedade em que deseja viver, titula os direitos, liberdades e garantias fundamentais de todos os cidadãos, legítima o poder democrático e as traves-mestras do Estado de direito. Por isso é altamente desejável a estabilidade constitucional como garante da estabilidade da comunidade política.
Não se compadece a Constituição com constantes revisões e muito menos com revisões fundamentadas em circunstâncias não essenciais para o projecto político nacional que ela incorpora e garante. Por isso, a própria Constituição contém os mecanismos necessários à defesa da sua própria estabilidade, exigindo consensos de alteração suficientemente expressivos para a assegurar.
Só se justifica, a meu ver, a revisão extraordinária quando a exijam ou compromissos internacionais essenciais e urgentes que criem obrigações incompatíveis com o sistema constitucional vigente ou aperfeiçoamentos derivados de novas condições da vida em sociedade que constituam questão constitucional face ao articulado da mesma e cuja resolução seja manifestamente urgente.
Esta revisão teve a sua génese mais próxima na primeira daquelas ordens de razões. A ordem jurídica internacional, quer no quadro da União Europeia, quer no que respeita à criação duma jurisdição penal internacional, traz exigências a Portugal não totalmente harmonizáveis com alguns preceitos constitucionais, não tanto pela contradição clara entre uns e outros mas, sobretudo, pelas lacunas de referência a quadros jurídicos novos, a exigir novas previsões.
Um novo ordenamento penal internacional está em construção, como exigência, a meu ver inteiramente justificada, face a formas de criminalidade até agora sem resposta adequada por parte dos Estados e das organizações internacionais.
O tratado que institui o TPI (Tribunal Penal Internacional) é uma exigência de civilização e um real progresso face a trágicas experiências de crimes cometidos contra os povos e que tantas e tantas vezes ao longo da História, e da mais recente, ficaram impunes, muitas vezes por simples razões de real politik ou de pretendida reconciliação nacional.
Portugal não poderia, por inexistência de previsão constitucional, ficar à margem deste movimento de justiça que percorre a comunidade das nações que comungam dos ideais de defesa das liberdades e direitos fundamentais.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como também não seria aceitável que pudéssemos ser obstáculo às exigências da cooperação judiciária na União Europeia, como fundamento de um espaço de liberdade, segurança e justiça.
A construção europeia traz consigo a necessidade não só de construção de um espaço económico único com vista à realização da coesão económica e social como também desse espaço de liberdade, segurança e justiça entre os Estados que comungam duma mesma matriz de direitos e que se encontram hoje confrontados com novas formas de criminalidade transfronteiriça a exigir cooperação e repressão criminal, até agora compartimentadas no estrito exercício da soberania dos Estados.
Finalmente, e ainda no plano das relações internacionais, a revisão preencheu um vazio no que respeita à criação das bases de uma verdadeira cidadania lusófona, conseguindo assim mais uma etapa, e esta bem essencial, à construção desse espaço a que tanto sentimento nos liga e que representava, aliás, em relação ao Brasil o cumprimento do dever estrito de reciprocidade face à Constituição brasileira.
O consenso alargou-se ainda a duas outras matérias. Uma delas é a que permite finalmente, e independentemente da opinião dos vários partidos sobre a necessidade de revisão neste domínio, a legitimação constitucional dos sindicatos de polícia, com expressa exclusão do direito à greve. Era também urgente criar condições para cumprir este compromisso arrastado por vários anos e confirmado por todas as bancadas parlamentares.
A outra matéria respeita à alteração das condições para a entrada em domicílio no período nocturno. Também aqui se tratou de fazer face a exigências colocadas por condições de vida bem diferentes das existentes há um quarto século e também a novas e sofisticadas formas de organização criminosa a que temos hoje de fazer frente, isto sem perda das garantias dos cidadãos que à Constituição cumpre assegurar.
Não estamos, com esta alteração, a construir uma sociedade securitária, estamos, assegurando as garantias, a contribuir para uma luta contra a alta criminalidade organizada, esta, sim, atentando gravemente contra os fundamentos das sociedades democráticas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estas as matérias em que foi possível na Comissão gerar o consenso constitucionalmente exigido para a revisão extraordinária.
Foi, como não podia deixar de ser, uma revisão limitada ao estritamente necessário. Nem por isso ela é menos importante ao criar as condições para podermos agora cumprir compromissos inadiáveis e urgentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi para mim, pessoalmente, uma honra poder presidir aos trabalhos da Comissão. A tarefa foi, aliás, facilitada pelo clima de cooperação e cordialidade entre todos os Srs. Deputados que dela fizeram parte.
Foi também para todos nós - estou certo poder afirmá-lo - uma experiência enriquecedora e marcante pelo nível e profundidade do debate, como também pelo contributo altamente positivo dado por todas as entidades que connosco colaboraram nas muitas audições que tiveram lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua a sua intervenção.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Penso que todos nós, eleitos, temos a consciência de ter cumprido o mandato que nos foi cometido. A palavra e a deliberação é agora do Plenário, para, na assunção plena dos seus poderes constituintes, poder criar as condições necessárias à aprovação da V Revisão Constitucional.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, agradecia que caracterizasse a matéria da ordem de trabalhos em causa.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com o guião de votações que nos foi distribuído.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o guião de votações que nos foi distribuído contém, para votação pelo Plenário, as propostas objecto de votação na CERC: as que obtiveram, numa votação com carácter indiciário, maioria de dois terços e as que, não a tendo obtido, obtiveram maioria simples. Não contém, porém, propostas apresentadas na CERC que não obtiveram maioria.
Ora, quero anunciar que vamos usar do direito que nos assiste de reapresentar, para discussão em Plenário, a proposta que apresentámos na CERC quanto à alínea c) do n.º 4 do artigo 115.º, que tem a ver com o referendo sobre tratados relativos à União Europeia.
Sr. Presidente, é este o anúncio que queria fazer.
Quero também referir, dado que tem a ver com a ordem de trabalhos, que a intervenção do Sr. Deputado José Vera Jardim como Presidente da Comissão Eventual de Revisão Constitucional foi uma declaração política que exprime a sua posição relativamente às matérias em discussão, com a qual nós, enquanto membros dessa Comissão, não concordamos de maneira alguma, e à qual não nos associamos.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, a última parte da sua intervenção não me justifica nenhum comentário.
Quanto à primeira parte, penso que não haverá qualquer objecção a que seja apresentada a proposta que não consta do guião, até porque…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não tenho qualquer objecção ao solicitado pelo PCP, quero apenas pedir à Mesa que a mande distribuir.

O Sr. Presidente: - Claro que a proposta será distribuída, Sr. Deputado, se bem que as propostas só podem ser apresentadas durante a discussão na generalidade, e não há lugar a essa discussão, mas, neste caso, ela foi apresentada na Comissão. Portanto, não há nada que impeça que seja distribuída.
Sendo assim, peço ao Sr. Deputado António Filipe o favor de fazer chegar à Mesa a proposta do PCP, para que eu a mande distribuir.
Dou agora a palavra ao Sr. Deputado Durão Barroso para se pronunciar sobre o projecto de revisão constitucional n.º 1/VIII, originário do seu grupo parlamentar, no tempo atribuído ao PSD.

O Sr. Durão Barroso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A revisão constitucional extraordinária que hoje chega ao seu termo é algo de que esta Assembleia se pode legitimamente orgulhar. Graças aos consensos estabelecidos entre diversas forças políticas será inserido na nossa Lei Fundamental um conjunto de alterações que muito a beneficiam.
Recordo-as brevemente: possibilidade de adesão ao Tribunal Penal Internacional; plena participação do nosso país no espaço europeu de liberdade, segurança e justiça; consagração do português como língua oficial no artigo relativo aos símbolos nacionais; reciprocidade de direitos políticos em favor dos cidadãos brasileiros e dos demais países de língua portuguesa; expresso reconhecimento de que, em caso de estabelecimento de sindicatos integrados por agentes das forças de segurança, os mesmos não gozarão do direito à greve; excepção, em casos especialmente graves, da proibição de buscas domiciliárias nocturnas.
Tudo isto foi possível apesar de a presente revisão ter tido um início pouco auspicioso. Com efeito, este processo foi desencadeado pelo problema da adesão de Portugal à instituição do Tribunal Penal Internacional. O problema, digo bem, pois a atitude e o método do Governo socialista foram reveladores de uma boa dose de ligeireza - e mesmo de irresponsabilidade política - ao ter negociado e assinado um tratado internacional que colidia com normas da nossa Constituição sem ter previamente assegurado, junto desta Assembleia, o consenso indispensável a uma revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por causa dessa atitude, aquilo que à partida devia merecer um apoio generalizado suscitou dúvidas e equívocos desnecessários. Mas, do nosso lado, nunca houve dúvidas: apoiámos, desde a primeira hora, a criação do Tribunal Penal Internacional. Seria, de facto, absurdo que o nosso país, que tantas vezes invoca a sua tradição universalista, se recusasse agora a aceitar progressos na ordem jurídica internacional que consagram princípios universais cuja aceitação representa um inequívoco avanço civilizacional.
É para nós muito importante que se crie uma justiça internacional defensora dos direitos da pessoa humana e dos direitos dos povos, que possa actuar sempre que as justiças nacionais não queiram combater os seus agressores ou não estejam em condições de o fazer. Apenas exigimos - e congratulo-me por isso ficar consagrado - que a adequação da nossa Constituição se faça em torno desses princípios e não de uma adesão sem regras nem critério.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sempre deixámos claro que a revisão da Constituição, ainda que extraordinária, deveria dar solução a algumas questões nacionais relevantes pelas quais, há anos, o PSD se vem batendo. Essa razão levou-nos a incluir no nosso projecto propostas para a consagração da reciprocidade de direitos

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políticos no espaço lusófono e para a admissibilidade da proibição da greve no caso de estabelecimento de sindicatos na polícia. Fizemo-lo por estarmos convictos de que estas são matérias cuja solução não pode continuar adiada.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Congratulamo-nos hoje com os resultados obtidos, mas não vamos aqui reclamar qualquer vitória em termos partidários. Ganhou, isso sim, a nossa ordem constitucional; ficou a ganhar Portugal.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de referir-me às medidas que importa adoptar por forma a permitir a Portugal a participação no espaço europeu de liberdade, segurança e justiça.
O mandado de captura europeu e o instituto da entrega de criminosos são matérias que há algum tempo vêm sendo trabalhadas na União Europeia. Acredito que os trágicos ataques de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América, ao despertarem consciências e mobilizarem vontades, geraram na comunidade internacional uma oportunidade ímpar para caminharmos com decisão no combate, sem tréguas, às ameaças contra a nossa liberdade, a nossa segurança, os nossos valores e o nosso modo de vida.
Há quem pense que as medidas de luta contra o terrorismo são ineficazes, que se trata de uma batalha perdida à partida, mas não é assim! Ao contrário da posição cínica dos pretensos realistas, que constantemente nos lembram que «as coisas são o que são», acredito que as coisas dependem também da nossa vontade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E a chamada ordem natural das coisas tem sido muitas vezes alterada por avanços da civilização contra a barbárie. No passado, flagelos globais foram enfrentados e derrotados graças à cooperação internacional e a uma adequada combinação entre o uso da força e a aplicação do Direito. O caso da escravatura ou da pirataria de alto mar aí estão para o demonstrar.
Também o terrorismo internacional pode ser vencido. Creio, por isso, que é de fundamental importância dar à Europa os meios que lhe permitam desenvolver uma acção decidida a favor da segurança e da liberdade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portugal tem de participar de modo consciente e firme neste combate. As alterações previstas nesta revisão constitucional são a prova da nossa determinação. E são prova também da nossa vontade de construirmos a Europa e de mostrarmos a nossa oposição àqueles para quem a ameaça terrorista é o pretexto ou a ocasião para recuos no processo de integração, para a renacionalização de algumas políticas ou para o retorno a Estados mais fechados ou a sociedades menos livres.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta revisão constitucional permitiu ainda que formulássemos, e que fosse aceite, uma proposta que reputo simbolicamente muito relevante.
No momento em que damos mais um passo favorável ao aprofundamento da integração europeia, reiteramos o nosso empenho na defesa daquilo que, porventura, mais nos identifica como Nação, a língua portuguesa, definindo-a como língua oficial no mesmo artigo 11.º, em que se encontram já referências aos símbolos nacionais. É um sinal, mas é um sinal importante, com certeza.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta revisão constitucional é um progresso, mas poderia ter sido ainda mais positiva caso se não tivesse verificado a oposição do Partido Socialista à consagração do princípio da limitação de mandatos de cargos políticos e de altos cargos públicos.

Aplausos do PSD.

A limitação de mandatos surge como indispensável se realmente quisermos responder às crescentes preocupações de transparência e de independência no sistema político.
Esta é uma via adequada para combater as lógicas clientelistas, as ilegítimas confusões de interesses e mesmo, em alguns casos, o abuso de poder que a permanência por tempo excessivo em funções pode determinar, sobretudo nos meios mais pequenos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É bom lembrar que o PSD esteve muito tempo sozinho na defesa desta causa. Começámos por adoptar este princípio nos nossos estatutos internos, onde vigora há já vários anos, e apresentámo-lo, depois, na revisão de 1997, em que o votámos sozinhos. Hoje, verdadeiramente ninguém tem a coragem de se lhe opor, ao menos de modo explícito.
Quer o Sr. Presidente da República, o Dr. Jorge Sampaio, quer o seu antecessor, o Dr. Mário Soares, quer outras personalidades relevantes do Partido Socialista aderiram já a uma proposta reclamada pelos sectores da opinião pública que mais têm reflectido sobre o nosso regime democrático e a necessidade da sua reforma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não se pode, Srs. Deputados do PS, constantemente falar da necessidade de reforma do sistema político e, quando se trata de decidir, esquecê-la por completo.

Aplausos do PSD.

Encorajado pelas posições de tantas relevantes personalidades, mesmo do Partido Socialista, numa última tentativa dirigi-me directamente ao Engenheiro António Guterres, propondo-lhe um acordo entre os nossos dois partidos por forma a aceitar já hoje o que só a um pequeno grupo interessa que fique para amanhã. Infelizmente, a resposta foi negativa.
Mais uma vez, o PS quer deixar o assunto para a próxima revisão ordinária.

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Como no passado, o PS acabará por aceitar a indispensabilidade das mudanças do sistema político e, no quadro destas, a limitação de mandatos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Como no passado, o PS será forçado a reconhecer, contrariado, que a razão não está do seu lado.
Como no passado, o PS demonstra, uma vez mais, a sua falta de pontualidade nos encontros com a História.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A terminar, quero aqui deixar uma palavra de sincero agradecimento a todos os Deputados que participaram na Comissão Eventual de Revisão Constitucional e que, de uma ou outra forma, contribuíram para o sucesso do processo que hoje culmina.
Compreenderão que dirija uma saudação especial aos Deputados do Partido Social Democrata com assento nessa Comissão e, de entre eles, ao seu coordenador, o Deputado Luís Marques Guedes, a cuja actuação competente e dedicada muito deve o sucesso da presente revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, não foi possível chegar a acordo sobre todas as questões em discussão, mas o trabalho feito valeu inequivocamente a pena. Congratulamo-nos hoje com os resultados que, estou certo, iremos alcançar; congratulamo-nos não apenas em nome do PSD mas, antes de tudo, porque a nossa Constituição fica a partir de hoje bem melhor. E valeu a pena porque ganhou Portugal, e quando ganha Portugal todos temos razão para nos congratularmos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis para introduzir o debate das alterações constantes do projecto de revisão constitucional n.º 2/VIII, apresentado pelo seu grupo parlamentar.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS abordou este processo de revisão constitucional procurando ter sempre presente dois aspectos fundamentais que, desde o primeiro momento, enformaram toda esta discussão.
Em primeiro lugar, tendo presente que estávamos, e estamos, perante um processo de revisão extraordinário da Constituição e não perante um processo de revisão ordinário da mesma. Dentro de dois anos, a Assembleia da República adquirirá automaticamente poderes constituintes e, então, teremos naturalmente oportunidade, e será esse o momento adequado, de tratarmos de muitos outros assuntos. Esta questão tinha que ver com um processo de revisão extraordinária da Constituição, e em nenhum momento procurámos afastar-nos desse espírito.
Em segundo lugar, também procurámos ter sempre presente um princípio fundamental. Em tempos, aquando das grandes transformações democráticas ocorridas nos países de Leste no início dos anos 90, um grande sociólogo e teorizador político inglês de origem alemã, que o Dr. Durão Barroso, na sua qualidade de cultor da ciência política, tão bem conhece, escreveu Ralph Darendorf uma carta aos seus amigos do Leste europeu onde dava o seguinte conselho: «Não devem confundir, neste momento inaugural das vossas democracias, que se desejam democracias liberais assentes num Estado de direito, duas questões que são distintas: as querelas que têm a ver com a política normal, com a política ordinária, e as questões que têm a ver com a dimensão constitucional». E é fundamental estabelecer esta distinção, porque se cedêssemos, nós ou eles, em algum momento, à tentação de transferir para o debate constitucional questões que resultam das nossas disputas ao nível da política mais ordinária - ordinária no sentido normal, naturalmente - estávamos, obviamente, a prestar um mau serviço à própria Constituição e a contribuir para diminuir o nível do debate em termos político-constitucionais.
É por isso que quero aqui salientar aqueles que parecem ser, do ponto de vista do Partido Socialista, os grandes avanços que resultam desta revisão constitucional.
Em primeiro lugar, saliento aquilo que corresponde a um avanço civilizacional. Estamos, como já muito bem referiu o Sr. Deputado José Vera Jardim, perante a criação de uma nova ordem penal no plano internacional, que corresponde a um efectivo avanço civilizacional.
Portugal, até pelas suas tradições notáveis deste ponto de vista, não podia ficar de fora. Por isso mesmo manifestámos, desde o primeiro momento, todo o empenhamento no sentido de serem removidos os obstáculos constitucionais que impedissem a rápida aprovação, por parte desta Assembleia da República, das orientações necessárias para proceder à ratificação da convenção que vai permitir justamente a instituição do Tribunal Penal Internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não temos a menor dúvida de que estamos perante um grande avanço civilizacional, não apenas no plano jurídico-penal mas também no plano político em geral, que não deixará de ter as maiores repercussões ao nível do reordenamento de todo o sistema de relações internacionais. E neste sentido o Parlamento português, ao associar-se, como está hoje a fazer, a esta vontade mais geral para criar esta nova ordem penal internacional, está, do nosso ponto de vista, a prestigiar-se e a revelar estar à altura daquilo que é a própria tradição legislativa do nosso país em matéria de protecção dos Direitos do Homem.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Partido Socialista manifestou, desde o primeiro momento, todo o empenhamento em introduzir nesta revisão da Constituição alterações que permitissem a plena participação do Estado português no grande esforço que está hoje a ser levado a cabo no âmbito da União Europeia no sentido de aprofundar o seu terceiro pilar, que tem precisamente a ver com a construção de um espaço de liberdade, segurança e justiça comuns.

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Nós temos de ter hoje uma visão integrada do processo de construção da União Europeia, e não é possível caminhar no sentido da densificação da cidadania europeia e da verdadeira construção dessa mesma cidadania se não avançarmos também nestes domínios. Já algo se tinha feito em matéria de reforço da coesão nos planos económico e social e era preciso também avançar agora neste plano. E se é verdade que os acontecimentos mais recentes, que foram ainda há pouco referidos pelo Sr. Deputado Durão Barroso e que têm que ver com as manifestações do terrorismo internacional, vêm demonstrar a necessidade de avançarmos mais neste domínio, também não é menos certo que não é apenas devido a factores momentâneos e actuais que entendemos que deveríamos avançar neste plano. Por isso mesmo o Partido Socialista, muito antes dos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro, já tinha apresentado propostas…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - … no sentido de acolher na nossa Constituição algumas alterações que permitissem a Portugal ter uma participação plenamente activa neste esforço, um dos mais importantes que, hoje, está a ser levado a cabo no sentido também de construir a Europa num plano fundamental de afirmação da cidadania europeia e que tem que ver com a criação de um espaço de liberdade, justiça e segurança comuns.
Por isso, julgo que a Assembleia da República e os diversos grupos parlamentares se prestigiam pela forma como fomos capazes de alcançar o consenso necessário para garantir a aprovação destas iniciativas. E do nosso ponto de vista eram estes, no momento inaugural do processo de revisão constitucional, os assuntos que deveriam ser tratados. Contudo, não fomos insensíveis a outros aspectos.
Há muitos anos que o PSD invocava a existência, na sua própria interpretação, de um bloqueio constitucional à possibilidade de criação dos sindicatos de polícias. É sabido que temos divergências neste domínio, mas, uma vez que era esse o motivo habitualmente invocado pelo PSD, entendemos que nós próprios deveríamos dar um contributo, em sede de revisão constitucional, para superar esse obstáculo de forma a que possa ser brevemente cumprido aquele que tem sido um compromisso reiteradamente assumido pelo Partido, que é o de promover a criação dos sindicatos das polícias.
Por outro lado, também fomos sensíveis a uma proposta oriunda de outro grupo parlamentar e que tem que ver com o reconhecimento da reciprocidade de direitos no espaço da lusofonia. Foi travado, nos últimos anos, um amplo debate, que envolveu toda a sociedade portuguesa, um debate que teve expressão e repercussão no interior de todos os partidos políticos, nomeadamente no do Partido Socialista, e entendemos hoje que estão criadas todas as condições para a introdução dessa modificação no texto constitucional e que chegou a hora de o fazer. Não ignoramos que essa proposta era do PSD, mas entendemos que agora, que ela já estava suficientemente amadurecida na sociedade portuguesa, era o momento de dar a nossa resposta positiva, de forma a introduzir-se essa modificação.
São estes, basicamente, os aspectos que quero aqui salientar, os quais são, do nosso ponto de vista, os aspectos positivos, são os aspectos de fundo e aqueles que os historiadores do futuro, quando se voltarem para este momento, tenderão a salientar, porque obtiveram o vasto consenso que é necessário para garantir o sucesso de um processo de revisão constitucional.
Antes de encerrar a minha curta intervenção, não quero deixar de fazer uma referência a um aspecto que agora mesmo foi focado pelo Sr. Deputado Durão Barroso na intervenção que acabou de proferir.
O PSD apresentou uma proposta, no âmbito desta revisão extraordinária, que visava promover uma alteração no sentido de garantir a execução do princípio da limitação dos mandatos.
A posição do Partido Socialista sobre este assunto é muito clara: entendemos que este é um assunto sério, de inequívoca pertinência, é um assunto que suscita hoje uma discussão interessante na sociedade portuguesa e que, por isso mesmo, deve ser discutido no momento e na sede próprios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, do nosso ponto de vista, esse momento é o da próxima revisão ordinária da Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é adiar!

O Orador: - Dissemos isto desde o primeiro momento; esta é a nossa posição.
O Partido Socialista vai organizar internamente um amplo, profundo e exaustivo debate sobre este assunto. Se tivermos o cuidado de recensear as posições daqueles que, nos últimos anos, oriundos das mais diversas forças partidárias, se pronunciaram publicamente a favor do princípio da limitação dos mandatos, verificaremos que há profundas divergências em relação à delimitação do universo de aplicação desse princípio,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - … o que significa que há uma profunda discussão que tem de ser feita, e, a meu ver, o Parlamento deve ser um local que acolha as discussões de forma séria e de forma serena. Se aqui, no Parlamento, nos demitirmos da nossa responsabilidade de decidir com base numa reflexão profunda, na sequência de um debate amplamente participado, se pensarmos que vamos de encontro às aspirações dos portugueses sempre que estamos dispostos a ir ao encontro daquilo que parece ser a última moda de uma opinião pública, que é, por definição, volátil, a meu ver não estamos à altura das funções que exercemos.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - Um Parlamento tem a obrigação de decidir com sentido da responsabilidade; um Parlamento deve compreender que decisões desta natureza, que implicam alterações de ordem constitucional, implicam a maturação, a reflexão, o debate e implicam, porventura, o risco de ser incompreendido. Se, no final destes dois discursos, levássemos a cabo uma sondagem, talvez a maioria dos portugueses estivesse, neste momento, mais de acordo com a posição do Dr. Durão Barroso do que com a posição que eu aqui estou a enunciar.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é «talvez», é de certeza!

O Orador: - Mas a nossa obrigação, enquanto parlamentares, em homenagem aos princípios fundamentais de uma democracia representativa, é a de correr o risco de, muitas vezes, desagradar, de correr o risco de tomar as posições que não são imediatamente as mais populares,…

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - … de correr o risco de tomar as posições que não são aquelas que, no minuto seguinte, suscitam de imediato a aquiescência da opinião pública.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

E é por isso que, correndo mesmo esse risco…

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-vos que ouçam em silêncio.

O Orador: - No fundo, o que está aqui em causa são questões essenciais, é saber se a democracia representativa deve ou não prevalecer sobre a democracia instantânea, é saber se deve ou não haver, aqui, um espaço de amplo debate, devidamente elaborado e organizado, ou se, pelo contrário, devemos estar sempre disponíveis para seguir aquela que parece ser a última aspiração de uma opinião que é, como todas são por definição, volátil e efémera do ponto de vista da consistência de algumas das suas reivindicações.
Este assunto é sério, este assunto tem de ser discutido exaustivamente em todos os partidos e neste Parlamento. É preciso analisar experiências já levadas a cabo em outros países; é preciso saber, em absoluto, determinar com rigor qual o universo de aplicação. Aliás, não deixa de ser curioso, se me permitem Srs. Deputados do PSD e Sr. Deputado Durão Barroso em particular, que o Sr. Deputado invoque como motivo fundamental para propor o princípio da limitação dos mandatos a necessidade de contrariar a tendência para algum abuso decorrente de um exercício excessivamente prolongado no tempo desses mesmos mandatos, quando exclui da sua proposta aquele que, em Portugal, é o político que disso mais abusou, do exercício do seu poder político,…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … legítimo, aliás, por muito tempo,…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Os senhores têm cá um trauma!

O Orador: - … que é o caso do presidente do Governo Regional da Madeira.

Aplausos do PS.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está-lhe atravessado!

O Orador: - Não, não está atravessado! Não deixa é de ser curioso.
Sr. Deputado, eu não estou sequer aqui a dizer-lhe qual é a minha opinião pessoal sobre esse assunto, se deve ou não…

Protestos do PSD.

O que estou aqui a dizer-lhe, Sr. Deputado, é que isso demonstra que a vossa proposta é profundamente inconsistente, e que é preciso, nestas questões de ordem constitucional, garantia uma maior solidez na fundamentação das propostas.
Para terminar, Sr. Presidente, quero exprimir aqui, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, o regozijo pela forma como estes trabalhos foram concretizados, em especial dirigir as minhas felicitações ao Sr. Presidente da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, o Sr. Deputado José Vera Jardim, e esperar que ao longo deste debate sigamos todos o tal princípio do Ralph Darendorf, que não nos deixemos contaminar, no bom sentido, por aquelas que são as discussões da política mais habitual e que continuemos a abordar até ao fim este processo, tendo em conta que estamos a tratar de uma questão fundamental, que tem que ver com a Constituição do nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para introduzir o debate dos dispositivos constantes do projecto de revisão constitucional n.º 3/VIII, originário do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta segunda revisão extraordinária da Constituição da República Portuguesa corresponde à necessidade de habilitar a Assembleia da República a aprovar, em momento oportuno, a convenção que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), o chamado Estatuto de Roma.
Diga-se, desde já, que não é unânime a doutrina portuguesa sobre este imperativo de, previamente proceder à revisão constitucional, para poder o ordenamento jurídico português aceitar a competência do TPI. Por exemplo, o actual Procurador-Geral da República, opinando como Procurador Adjunto do Procurador-Geral, cargo que então exercia, em forma de artigo de opinião foi de parecer, no início, quando se discutiu esta matéria, que a Constituição da República Portuguesa não precisava de dispositivos novos, como mais tarde veio a reconhecer, principalmente para prevenir eventuais inconstitucionalidades que pudessem vir a ser invocadas aquando da aplicação prática dos dispositivos de TPI. O mesmo ponto de vista foi, durante algum tempo, sustentado em Portugal por uma das negociadoras do Estatuto de Roma, a Doutora Paula Escarameia e alguns Deputados. Porém, a opinião dominante foi a de que a jurisprudência das cautelas recomendava esta pré-adaptação da nossa Constituição, para prevenir futuras querelas.
Como muito bem explicitou o Sr. Deputado Alberto Costa, no seu notável relatório apresentado na 1.ª Comissão, as matérias que requeriam um novo enquadramento constitucional eram limitadas e precisas.
Em primeiro lugar, a atribuição a um tribunal internacional, que, por isso, não integra a organização

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judiciária portuguesa, de competência para julgar crimes susceptíveis de serem praticados dentro dos limites territoriais do Estado português representar uma violação do princípio de soberania do Estado, o de punir através dos seus tribunais e dos seus magistrados judiciais e de só eles poderem fazê-lo dentro do princípio da estrita legalidade. A translação desta competência jurisdicional para outro tribunal, mesmo que em complementaridade, apenas poderia ter lugar se a Constituição da República expressamente o admitisse, para não ofender os artigos 1.º, 202.º e 209.º do seu articulado.
Em segundo lugar, o Convénio de Roma prevê, em situações extremamente graves, a possibilidade da aplicação de pena de prisão perpétua, embora admitindo a possibilidade de revisão decorridos 25 anos sobre a sua aplicação e execução. A admissão do princípio da reabilitação social do condenado - e, por isso, a pena ser obrigatoriamente revisível ao fim de um determinado número de anos de aplicação - retira, à primeira vista, o carácter da perpetuidade absoluta, que seria totalmente inconcebível para a nossa sensibilidade e cultura jurídica.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas como a Constituição da República Portuguesa proíbe, de forma incondicional, a aplicação desta pena perpétua sem distinguir a perpetuidade absoluta ou com a possibilidade de redução da pena, nenhuma consideração poderia sobrelevar a norma expressa e peremptória vigente em Portugal.
Foi esta desconformidade que levou o CDS-PP a ponderar se não poderia haver instrumentos para, reconhecendo o Tribunal Penal Internacional, obviar, de qualquer modo, a aplicação da pena perpétua aos cidadãos nacionais. Há Deputados do meu grupo parlamentar que entendem que o princípio humanitário, consagrado na Lei Fundamental, o de que ninguém, em caso algum, poderá vir a sofrer de encarceramento sem tempo pré-determinado, não deve, em circunstância alguma, ser abandonado.
Acresce que, como referiu o Deputado Alberto Costa no citado relatório, no Estatuto de Roma não existe qualquer sentido pré-determinado para esta reapreciação. Quer isto dizer que, em rigor, o seu resultado não é antecipável; isto é, mesmo a possibilidade de a pena ser revista ao fim de 25 anos não significa que ela seja revista ou reduzida, pois pode ser mantida, pelo que o princípio constitucional de natureza temporária, limitada e definida das penas fica sempre interferido.
Em coerência lógica com esta proibição de prisão perpétua, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 35.º, n.º 5, só admite a extradição por crimes a que correspondam, segundo o direito de Estado requisitante, medidas de segurança preventivas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena ou medida de segurança não seja aplicada ou executada.
Sobre este ponto de vista, foi levantado pelo Dr. António Vitorino um complicado problema, que não podemos deixar de trazer aqui. É que, efectivamente, o Estado português, ao pedir a garantia a um Estado terceiro de que, ao entregar um cidadão português, não aplicará a pena de prisão perpétua, está a ofender os princípios matriciais do Estado de direito. Qual é a ofensa? É a de o Estado português obrigar o poder político do Estado terceiro a ordenar ao seu tribunal, que, num Estado de direito, deve ser um órgão independente, que não aplique a prisão perpétua a um determinado arguido ou cidadão. Ora, existe aqui uma contradição, que é a de a nossa Constituição exigir, contra as regras do próprio Estado de direito - parece que por alguma ligeireza, porque o problema foi falado aquando da segunda revisão -, ao poder político do terceiro Estado para interferir na independência dos tribunais, para não aplicar a prisão perpétua a um cidadão concreto. Ou seja, a garantia de que o Direito português se quer munir é, no fundo, uma falsa garantia ou, então, uma garantia que pode vir a ser inexequível. Esta é mais uma razão para aqueles Deputados que defendem o princípio-regra de não haver a pena de prisão perpétua, também neste caso, não podem ceder e têm razão do ponto de vista da estrita legalidade.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - O terceiro e último aspecto diz respeito à irrelevância da qualidade oficial do cidadão. A qualidade oficial é aquela que determinados cidadãos têm por exercício de cargos políticos: Presidente da República, Ministros, Deputados, etc. Assim, este aspecto de irrelevância de qualidade oficial do cidadão, quando a sua detenção ou entrega for solicitada pelo Tribunal Penal Internacional, levanta, à face do nosso ordenamento jurídico, importantes problemas, porque todo o problema de imunidades e incompatibilidades legais entra em crise.
Três óbices importantes se levantam para definir a posição que a Assembleia poderia vir a tomar face ao TPI, entre as duas únicas possíveis, a do opting-out ou a do opting-in. Recorro, mais uma vez, ao relatório do Sr. Deputado Alberto Costa que elimina este dilema e onde se pode ler, aqui e ali, que uma Constituição como a nossa não é só «amiga dos Direitos do Homem» - aliás, esta expressão não é dele - como também é «amiga do direito internacional» e, por isso, não pode alhear-se ou dissociar-se deste passo decisivo para a construção de uma permanente e efectiva justiça criminal internacional e da particular comunidade de direito que com ela se constitui. Direi eu, o Estatuto do Tribunal consagra uma solução criativa que parece dotá-lo de características e requisitos indispensáveis para se afirmar e exercer uma influência profunda na evolução da comunidade internacional. Deve, por isso, Portugal tornar-se um Estado-parte de uma forma constitucionalmente autorizada, até para não se perder o que é um momentum internacional favorável à institucionalização do Tribunal.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram estes princípios, por um lado, o respeito claro pelos princípios humanitários de que enforma a nossa Constituição e, por outro, a necessidade, que antevemos, da estatuição deste princípio para este tribunal, que é importante para a defesa dos direitos do homem, que nos levaram a, prudentemente, não apresentar qualquer proposta logo no início da revisão constitucional. Porém,

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durante o debate, veio a verificar-se que muitos dos aspectos sobre a prisão perpétua, principalmente no plano da União Europeia, poderiam não ser tão graves como, à primeira vista, poderia parecer.
No entanto, uma coisa subsiste: o Tribunal Penal Internacional é uma instituição que integra o espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia. É um tribunal alheio, não é de um Estado, mas internacional. E o facto de os nossos tribunais terem um diálogo com outro tribunal - de existir diálogo entre dois tribunais -, mesmo que seja pela forma de complementaridade, deixa sempre «um espinho na garganta» a quem, efectivamente, apoia que o Tribunal Penal Internacional deva exercer, clara e absolutamente, toda a sua jurisdição. Resta-nos a consolação de saber que as autoridades portuguesas, os negociadores portugueses tudo fizeram, e conseguiram, para que a pena de morte fosse afastada do Estatuto de Roma.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esperamos que Portugal, com o seu prestígio e com o apoio que, neste momento, está a surgir na própria União Europeia e no mundo em geral, consiga, um dia, modificar o Estatuto de Roma, de modo a retirar dele a prisão perpétua.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este é o desejo unânime dos Deputados do nosso grupo parlamentar ao votar a favor do TPI, e é também uma consolação para os nossos colegas que, com manifesta pureza dos sentimentos humanitários, aguardam para, em consciência, aderirem pessoalmente ao reconhecimento do TPI, quando tal objectivo for conseguido.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Resumidamente, foram estas as considerações que levaram o nosso grupo parlamentar a não contrariar a proposta de aditamento de um n.º 7 ao artigo 7.º que remove os obstáculos à plena aceitação de jurisdição do TPI, e que é do seguinte teor: «Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma.»
Subsistem, na mente de alguns Deputados meus colegas, fortes reservas sobre a possibilidade de cidadãos nossos, mesmo que em circunstâncias muito remotas (assim o esperamos), poderem ser condenados a penas indeterminadas ou perpétuas, mesmo que revisíveis. Uma questão de consciência impõe-se como regra inabalável: respeitamos a posição e, por isso, admitimos a liberdade de voto.
Ao mesmo tempo que se gizou a solução para a recepção do TPI, entenderam os Grupos Parlamentares do PS e do PSD que o processo aberto deveria ser aproveitado para consagrar, desde já, o espaço de liberdade, segurança e justiça, tendo em conta as posições tomadas em Julho pelo Conselho de Ministros da União Europeia sobre o TPI.
Como se sabe, as matérias que têm a ver com o espaço de liberdade, segurança e justiça estão divididas em dois distintos pilares da União: de um lado, a circulação das pessoas, a política do asilo, a política da imigração e cooperação judiciária e civil - matérias que, desde o Tratado de Amesterdão, integram o I Pilar da União Europeia - e, ao lado destes, aparecem, agora, as matérias que são parte do III Pilar, puramente intergovernamental no que respeita à cooperação policial e cooperação judicial penal. São estes últimos que ganharam, devido aos acontecimentos de 11 de Setembro, um impacto novo, extraordinário, e tornaram-se, a agenda europeia, de urgência declarada.
Fundamentalmente, a cooperação policial consagra o princípio iniciado em Tampere do reconhecimento mútuo das decisões judiciais como pedra angular de cooperação judiciária, de modo a permitir que as decisões de um órgão judicial de um Estado-membro possam ser aplicadas universalmente no âmbito jurídico de outro Estado-membro, sem necessidade de qualquer procedimento jurídico-administrativo intercalar que, actualmente, vigora entre nós e nos demais países.
Como referiu o Comissário António Vitorino, que teve a amabilidade de se deslocar à Comissão para nos dar o exacto andamento deste dossier, este objectivo ambicioso tem dois pressupostos: primeiro, o grau de confiança mútua entre sistemas jurídicos dos 15 Estados têm de atingir uma consolidação tal que permita a este título a aplicação imediata das decisões judiciais; segundo, a existência de um grau equivalente de protecção dos direitos fundamentais de garantias processuais nos ordenamentos jurídicos dos 15 Estados-membros. E é este o dossier que está, neste momento, a ser trabalhado em Bruxelas, em conformidade com um programa de acção aprovado em Novembro de 2000.
Num futuro próximo, será abolida a extradição em todos os casos em que haja uma condenação definitiva para, no seu lugar, surgir a figura da entrega por uma autoridade judicial a outra autoridade judicial, abolindo-se o princípio intermédio ou, como referi, o princípio político-administrativo da decisão de extradição. É a generalização da estrutura de um sistema horizontal da entrega judicial a todo o tipo de infracções que sejam elencadas por acordo dos Estados.
Sendo assim, sempre que a autoridade judiciária de um Estado-membro exija a entrega de um cidadão de outro Estado já definitivamente condenado ou porque sobre ele recai um processo criminal de investigação, esta decisão tem de ser executada sem quaisquer entraves por outro Estado. Diga-se, como circunstância importante, que o automatismo não é total, pois admite-se a possibilidade de recusa de execução das decisões no conjunto limitado de hipóteses, que será definido no próprio instrumento comunitário.
Em terceiro lugar, quanto ao mecanismo de cooperação judiciária, pode existir o chamado «mandado de busca e captura europeu», que tem como objectivo garantir o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais quando se trata de pessoas ainda não condenadas, ou seja, pessoas indiciadas pela prática de determinados tipos de crimes. Ora, tendo toda esta matéria de cooperação judiciária criminal, penal e policial directamente a ver com o artigo 33.º da Constituição da República Portuguesa, ali

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se estabeleceu o princípio de que a extradição dos cidadãos portugueses do território nacional só pode ser concedida quando se trata de criminalidade organizada ou de terrorismo. Mas, agora, o elenco de crimes previstos no instrumento da União será muito mais alargado.
Outro problema, não menos importante, tem a ver com o n.º 5 do mesmo artigo 33.º, quando se estabelece o princípio de que o Estado português deve exigir garantias de que não será aplicável ou aplicada qualquer pena de prisão perpétua de duração indeterminada ou ilimitada.
A reforma da Constituição acarreta, para consagração deste espaço de liberdade, segurança e justiça, a introdução de um regime de excepção em relação aos ditames do artigo 33.º quando se trata dos Estados-membros da União Europeia.
O CDS está de acordo com esta adaptação. O espaço de liberdade, segurança e justiça é, sabemos bem, um passo na construção de um federalismo europeu, mas reconhece a diversidade dos ordenamentos jurídicos nacionais, pretendendo harmonizá-los e não uniformizá-los, de forma a impedir que os criminosos aproveitem as diferenças penais dos Estados quando praticam as sua infracções criminais, contribuindo assim para acabar com os chamados «paraísos criminais», sejam eles de criminalidade comum, sejam de criminalidade organizada, para branqueamento de dinheiro ou tráfico de droga e de seres humanos. É neste sentido que a Constituição da República Portuguesa deve incorporar estes dispositivos.
A redacção que fica consagrada sobre as várias modalidades em que pode plasmar-se a cooperação judiciária penal para o imediato abrange as matérias da segurança interna, das migrações e do direito de asilo. O texto proposto para efeitos de cooperação judiciária penal é o seguinte: «Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito pelo princípio de subsidiariedade e tendo em vista a realização da coesão económica e social e de um espaço de liberdade, segurança e justiça, convencionar o exercício em comum ou em cooperação dos poderes necessários à construção da União Europeia».
Na sequência lógica desta modificação era imperioso rever o artigo 33.º da nossa Lei Fundamental, no tocante à entrega ou extradição dos nacionais, nos termos atrás referidos, fazendo uma clara distinção que é importante sublinhar: Portugal abre mão, em termos cautelosos, da sua tradicional reserva de cidadania - a não entrega ou extradição de cidadãos nacionais quando estes possam sofrer pena de prisão perpétua, excepção que apenas se aplicará aos Estados-membros da União -, com a clara reafirmação, que Portugal sempre tem defendido e continuará a defender, de que a harmonização das legislações penais e criminais deve ser feita de modo a evitar a aplicação de pena de prisão perpétua aos cidadãos daqueles países que não exercem tal condenação, por o nosso sentimento colectivo entender que a prisão perpétua é contrária aos Direitos do Homem e ofende intrinsecamente a dignidade da vida humana. Foi, pois, com base neste entendimento que demos o nosso voto concordante ao inciso constante do n.º 5 do artigo 33.º.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estas as posições do CDS no tocante ao primeiro bloco de matérias da revisão constitucional: o TPI e o espaço de liberdade, segurança e justiça. Mas o CDS-PP apresentou propostas próprias.
A primeira proposta prende-se com a alteração do n.º 3 do artigo 34.º, no sentido de prever a possibilidade de execução de buscas domiciliárias durante o período que decorre entre as 21 horas e as 7 horas, em caso de criminalidade relacionada com tráfico de estupefacientes.
Durante o debate, verificou-se um consenso geral, embora dele não participassem o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, no sentido de que o elenco dos crimes para efeito de busca domiciliária nocturna deveria ser alargado. Não nos opusemos a esse desiderato na medida em que, verdadeiramente, o crime de tráfico de estupefacientes é, por sua vez, uma parte dos crimes de associação criminosa ou de branqueamento de dinheiros. E, tratando-se de uma elencagem de alta criminalidade, de crimes violentos ou de associação criminosa, pareceu-nos que deveríamos admitir que também estes crimes fossem objecto de previsão no caso de busca domiciliária nocturna.
É certo que existe entre nós, devido ao trauma da PIDE, a ideia de que a violação do domicílio durante a noite constitui um grave atentado contra a intimidade da vida privada ou contra os Direitos do Homem. Creio que não é assim, na medida em que aqueles que se dedicam ostensivamente a atentar contra a vida dos outros, contra outros homens e mulheres, e a ter, dentro das suas quatro paredes, a que chamam «domicílio», verdadeiros escritórios de associações criminosas não devem merecer, quando em situação de flagrante delito - em caso de consentimento do próprio, mesmo que este seja «fraco», sempre contará como tal! -, qualquer contemplação por parte dos poderes constituídos. Tudo se resume ao uso que se faz da autorização judicial (e nada temos a apontar ao amor dos juízes às liberdades dos cidadãos) nesta problemática da violação do domicílio dos criminosos.
A segunda alteração que propomos, que também foi apresentada pelo PSD, prende-se com a questão do direito de associação sindical por parte da polícia e a proibição do direito à greve - matéria que já aqui foi tratada. Não vale a pena repetir o que aqui já foi dito, e o mesmo vale para a matéria da renovação dos mandatos. Para nós seria fundamental - e ainda temos esperança de que o PS possa mudar de posição - que a transformação do nosso sistema eleitoral e do sistema político começasse nesta revisão extraordinária. Se isto não for possível será uma grande perda para o País.
A terceira alteração tem a ver com a equiparação de direitos, em condições de reciprocidade, aos brasileiros. Também aqui foi dito que a questão é fazer-se, ou não, uma menção expressa aos brasileiros. Por aí não vem grande mal ao mundo! O que pretendíamos era homenagear a Constituição brasileira, que sempre fez uma referência especial aos portugueses, correspondendo na «mesma moeda» a essa irmandade ou fraternidade que vigora entre os dois povos.
São estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as nossas propostas e soluções para esta revisão constitucional.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes passarmos à discussão na especialidade, artigo a artigo, com base no guião de votações que foi elaborado, acrescido da

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proposta de alteração à alínea c) do n.º 4 do artigo 115.º, apresentada pelo PCP, informo a Câmara que se encontram a assistir aos nossos trabalhos um simpático grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Albufeira, para o qual peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que identifique a matéria da ordem de trabalhos em causa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é exactamente sobre a sequência dos nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo do artigo 4.º do processo especial de apreciação e votação da revisão constitucional, venho solicitar ao Plenário que aceite fazer a discussão conjunta das propostas de alteração ao n.º 6 do artigo 7.º, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça, e aos n.os 5 e 6 do artigo 33.º, por se tratarem de matérias evidentemente conexas. Penso que só haverá vantagem em que as mesmas sejam discutidas em conjunto, para além de ganho de tempo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se houver consenso, dispensa-se a deliberação da Assembleia.

Pausa.

Visto não haver objecções, considero aceite a proposta do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Assim, vamos começar por discutir, na especialidade, conjuntamente as propostas de alteração ao n.º 6 do artigo 7.º e aos n.os 5 e 6 do artigo 33.º da Constituição.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda invoca cinco razões fundamentais para se opor claramente ao consenso da revisão constitucional acordado pelo PS com os partidos da direita parlamentar.
Em primeiro lugar, porque pouca gente, sobretudo na opinião pública, terá reparado que esta é uma revisão com falso pretexto. Derrapou do pretexto de consagrar na nossa ordem jurídica a adesão ao Tribunal Penal Internacional para uma revisão moldada por critérios de securitarismo, sob influência e pressão de circunstâncias internacionais. É uma revisão em que os critérios de eficácia policial se sobrepõem e anulam, em aspectos essenciais, o edifício garantístico da Constituição de 1976.
Em segundo lugar, porque entendemos que esta revisão abre a porta, sobretudo no n.º 6 do artigo 7.º e, mais à frente, no artigo 33.º, agora em discussão, a um chamado «espaço de segurança e liberdade europeu», que cria uma ordem policial europeia que não tem acompanhamento com a respectiva ordem europeia no plano político, parlamentar e judicial, que cria uma ordem policial europeia sem fiscalização político-parlamentar ou, sequer, judicial correspondente, abrindo o caminho a processos, que podem vir a ser graves, de discricionariedade policial a nível europeu.
Não estou a falar de cor.
Na realidade, o artigo 7.º, n.º 6, introduz na nossa ordem jurídica o conceito de «entrega», que é uma espécie de extradição obrigatória com diminuição das garantias, em que passa a verificar-se a desnecessidade de intervenção política para a extradição e em que se abole o princípio da dupla incriminação para efeitos de extradição, o que permite - e, lá fora, pouca gente se terá apercebido disto - que qualquer polícia europeia passe a «requisitar» um suspeito no nosso território, sem qualquer interferência política por parte das autoridades portuguesas.
Não podemos estar de acordo com o caminho que está a seguir esta ordem policial europeia, que não tem nem controlo parlamentar europeu eficaz, nem, sequer, controlo judicial eficaz, porque estas duas componentes marcharam muito mais devagar do que aquilo que se dá agora como direitos, em nome da eficácia, à capacidade de intervenção das polícias europeias.
Em terceiro lugar, opomo-nos a esta revisão constitucional porque ela aceita a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, que, na realidade, representa um recuo na ordem penal internacional ao aceitar a pena de prisão perpétua e surge como um instrumento de um «clube» de potências hegemónicas, autoproclamadas defensoras dos direitos humanos, e que se propõem policiar o mundo por conta própria.
Não estamos de acordo, no actual quadro da ordem jurídica internacional, com o surgimento de um «tal» tribunal penal internacional.
Em quarto lugar, estamos em desacordo com a revisão constitucional porque ela permite a extradição, para países europeus onde ainda vigora a pena de prisão perpétua, de cidadãos cuja extradição seja solicitada. Parecem-me extraordinários os argumentos que se utilizam, o artifício que se utiliza: vamos passar a poder extraditar pessoas para países europeus onde há prisão perpétua - e apresentam isto como um avanço! Quer dizer, nós vamos recuar 117 anos! Vamos reconhecer indirectamente, na ordem jurídica portuguesa, a prisão perpétua; indirectamente vamos passar a reconhecê-la! E isto é um avanço?!
Dizem que o País não pode ficar tornar-se num «santuário». Mas existe um «santuário» de criminalidade organizada em Portugal há 117 anos?! Mas não existem tribunais e leis que julguem os crimes que são passíveis de extradição há 117 anos?! A diferença é que os julgamos de acordo com um critério penal superior, e isso faz a nossa diferença positiva! É isto que abandonamos; é nisto que recuamos ao permitir a extradição para países com pena de prisão perpétua.
Admite-se, na realidade, um recuo nos critérios que têm presidido à nossa ordem penal, e acho fantástico que se venha aqui dizer que este é um grande progresso em termos de concepção penalista na Europa! Não é um progresso, é um recuo!
Já agora, quanto ao novo n.º 6 do artigo 33.º, no qual se reforçam as proibições para os países com pena de morte, gostava de saber o que vai o Governo, o Estado português, fazer quando a União Europeia estabelecer um

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acordo de extradição global com os Estados Unidos da América, onde há pena de morte. Estamos a negociar a extradição com os países europeus - acabou a proibição para países onde há pena de prisão perpétua. E se houver, como já se diz, um acordo de extradição global da União Europeia com os Estados Unidos da América, onde há a pena de morte e um dos maiores goulags prisionais do mundo actual, só com rivalidade na China?
Se negociarmos a extradição para a União Europeia e esta negociar o acordo global de extradição para os Estados Unidos da América, eu gostaria de saber onde vai parar esta nova garantia do artigo 6.º, incluída aqui para compensar a má consciência da introdução da excepção da extradição para os países europeus!
Em quinto lugar, opomo-nos a esta revisão constitucional, porque ela acaba com a inviolabilidade nocturna do domicílio pela polícia. Esta é uma norma emblemática do nosso edifício garantístico, e as normas emblemáticas, os símbolos devem ser mexidos com muito cuidado. Até posso compreender as razões de eficácia da revisão proposta, mas não se deve mexer em certas normas da Constituição, como não se deve mexer no Hino nem na Bandeira, precipitadamente, porque são normas simbólicas de um certo número de conquistas, nomeadamente da Revolução de Abril e da ordem constitucional de 1976. E aí reside, a meu ver, o perigo desta medida.
Sr. Presidente, esta revisão é, no entender do Bloco de Esquerda, um recuo nos direitos, nas liberdades e nas garantias da Constituição de 1976; é um recuo na visão humanística do nosso Direito Penal; é um recuo numa visão da Europa como baluarte inexpugnável dos direitos dos povos. Podem vir aí tempos de sombra para as liberdades e para as democracias europeias, e nós gostaríamos que todos os democratas, independentemente dos ventos da conjuntura, soubessem manter a lucidez na defesa do essencial.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referir-me-ei à proposta em discussão, mas quero, antes de mais, tecer algumas considerações acerca deste processo de revisão constitucional.
A primeira consideração é no sentido de referir a desnecessidade deste processo de revisão extraordinária da Constituição, pois estamos a menos de um ano do momento em que é constitucionalmente possível a abertura de um processo ordinário de revisão da Constituição e trata-se da quarta revisão do texto constitucional em 12 anos.
De facto, desde a revisão constitucional de 1989, tivemos a revisão constitucional extraordinária de 1992, tivemos um processo de revisão constitucional em 1994 que não chegou ao seu termo (com este, teriam sido cinco os processos de revisão), tivemos a revisão constitucional ordinária de 1997 e estamos agora no quinto processo de revisão e perante a quarta revisão constitucional a proceder no curto espaço de 12 anos.
Temos, pois, um texto constitucional sob instabilidade permanente, sujeito a uma permanente revisão, pelo que estão afastadas todas as cautelas com que os constituintes rodearam a revisão de um texto fundamental como é o da Constituição.
Para além desta subversão da estabilidade constitucional, estamos também perante cedências graves relativamente a princípios que são parte basilar do nosso ordenamento constitucional, cedências essas que são determinadas por circunstâncias externas - em 1992, a reboque do Tratado de Maastricht, agora, a reboque da ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e, fundamentalmente, no que toca ao debate do artigo em apreço, em relação ao chamado «espaço de liberdade, segurança e justiça» da União Europeia.
A minha segunda observação serve para referir que, mais uma vez, este processo de revisão constitucional foi resultado de uma concertação interpartidária entre o PS e o PSD. Aliás, todo o timing e toda a metodologia da revisão constitucional foram condicionados por esse acordo de vontades entre o PS e PSD celebrado à margem da Assembleia da República.
De facto, o âmbito deste processo de revisão constitucional foi definido fora da Assembleia da República, numa reunião realizada entre os líderes do PS e do PSD. Os trabalhos de revisão constitucional decorreram ao sabor dos progressos negociais que iam sendo feitos entre o PS e o PSD e terminaram abruptamente no dia em que o PS e o PSD chegaram a acordo. Fizeram-se todas as leituras, repetiram-se todos os discursos, discutiu-se várias vezes a mesma matéria enquanto o PS e o PSD não tinham chegado a acordo, mas o debate terminou subitamente e precipitou-se a discussão para Plenário no preciso dia em que o PS e o PSD fecharam o acordo de revisão constitucional fora da CERC.
A minha terceira observação é relativa ao âmbito desta revisão constitucional, para lembrar que, no princípio, esta revisão constitucional tinha como único objectivo permitir a ratificação por Portugal do Estatuto de Roma, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Segundo se dizia, tratava-se de uma revisão «cirúrgica», com um objectivo muito preciso. Bom, esse objectivo «cirúrgico» vai hoje muito longe, pois, de facto, a «cirurgia» alastrou a várias partes do «corpo»! Aliás, como dizíamos no início deste processo, aberto um processo de revisão constitucional, ninguém pode garantir, à partida, onde é que ele vai parar, pois os partidos são livres de apresentarem as suas propostas.
Assim, para além da «cirurgia» inicial, que consistia em viabilizar a ratificação do Estatuto do TPI, estamos hoje perante a iminência da aprovação de disposições limitadoras do direito à greve por parte dos profissionais das forças de segurança, estamos na iminência da aprovação de uma norma que acaba com a inviolabilidade do domicílio à noite e estamos perante a iminência da aprovação de normas viabilizadoras de aspectos muito negativos relacionados com o espaço judiciário europeu.
É precisamente sobre este último aspecto, que é o que está em discussão no artigo 33.º e no n.º 6 do artigo 7.º, que neste momento quero pronunciar-me, para salientar a gravidade da disposição constitucional proposta, designadamente, para o artigo 33.º.
Estamos perante um verdadeiro «cheque em branco» ao chamado «espaço de liberdade, segurança e justiça», arredando, para esse efeito, as normas constitucionais que funcionariam como salvaguarda perante manifestos abusos

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ao nível das liberdades fundamentais que esse espaço de liberdade, segurança e justiça pode representar.
Os defensores deste espaço apresentam-no com o pretexto do combate à criminalidade. Pela nossa parte, nunca negámos os esforços que são necessários na cooperação internacional, entre as magistraturas e as polícias, para o combate à criminalidade. Simplesmente, não é isso que está em causa, porque, se fosse esse o real fundamento, haveria evidentemente um consenso nesta Câmara acerca dele. Aquilo que está em discussão são conceitos como o que tem presidido à construção de uma «Europa-fortaleza».
É também em nome do espaço de liberdade, segurança e justiça na Europa que se limitam drasticamente os direitos dos imigrantes, que a Europa fecha as suas portas ao mundo, que são drasticamente reduzidos os direitos de quem chega a Europa carecendo de refúgio de perseguições políticas, de todos os requerentes de asilo. Em nome deste espaço de liberdade, segurança e justiça, a Europa tem abdicado de um património civilizacional que muito a notabilizou como sendo um espaço de refúgio para todos os que eram vítimas de perseguição política, mas que, neste momento, está a deixar de ser. É também essa «Europa-fortaleza» que está aqui presente e que nós vivamente contestamos.
O que está fundamentalmente em discussão, relativamente à Constituição portuguesa, é o problema da extradição. Em 1997, na revisão ordinária, foi introduzida uma norma constitucional, no artigo 33.º, que abriu a primeira porta ao princípio, até aí intangível, da proibição da extradição quando estivesse em causa a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão perpétua. Abriu-se aí a primeira porta, e podemos dizer que agora se escancara completamente essa porta no que se refere aos países da União Europeia.
Também aí, e não apenas no tocante ao TPI, a que me referirei adiante, se trata, muito claramente, de uma recepção, ainda que indirecta, da pena de prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa. A partir do momento em que Portugal abdica de fazer aplicar o regime da extradição quando se trate de algum pedido formulado por um país da União Europeia, ainda que nesse país vigore a pena de prisão perpétua, estamos perante uma abdicação total deste princípio constitucional, que vivamente contestamos, pois entendemos não haver justificação para que esta norma constitucional seja efectivamente afastada.
Não somos nós que temos de nos envergonhar, na Europa, por não prevermos a pena de prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa e entendemos que, se considerarmos que as medidas penais que estão consagradas na Constituição portuguesa são justas, são humanas e são adequadas, temos é de nos bater pela sua consagração e não abdicar dos princípios, que nos parecem justos, em nome daquilo que outros países nos procuram impor.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Daí que manifestemos frontalmente a nossa oposição à proposta de alteração ao n.º 5 do artigo 33.º, que prescinde da aplicação das normas constitucionais limitadoras da possibilidade de extradição para países onde vigore a pena de prisão perpétua em nome da aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, desde já, referir, que, como é sabido, Os Verdes manifestaram-se contra a abertura deste processo de revisão extraordinária da Constituição. Receamos a banalização destas sucessivas revisões constitucionais, quando, na verdade, temos uma revisão ordinária à porta, daqui a um ano.
Preocupa-nos também, evidentemente, que o início destas sucessivas revisões constitucionais se baseie em acordos fora da Assembleia da República entre o PS e o PSD - esta culminou, entretanto, num acordo de revisão em muitas das matérias entre PS, PSD e PP. Creio que, quanto a isto, fica tudo dito.
Esta revisão constitucional foi primeiramente anunciada como ficando restrita ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Depois, foi-se incluindo todo um conjunto de matérias pelo meio, muitas das quais, na nossa perspectiva, restringem direitos, liberdades e garantias hoje previstos na Constituição da República Portuguesa - são matérias como a extradição para países com prisão perpétua, como a questão da inviolabilidade domiciliária ou mesmo a da limitação do direito à greve.
Na nossa perspectiva, as revisões constitucionais num processo de aprofundamento da democracia nunca devem restringir, mas devem sempre reforçar direitos, liberdades e garantias. Contudo, este não é, repito, a nosso ver, o caso desta.
Preocupa-nos também o entendimento e o desrespeito que muitos grupos parlamentares e partidos políticos manifestam hoje em relação à Constituição da República Portuguesa. É que não é a primeira vez que se assumem, primeiro, acordos internacionais e, depois, se adequa a Constituição aos mesmos - foi o caso do Tratado da União Europeia e é hoje o caso do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Pronunciando-me agora concretamente sobre o n.º 6 do artigo 7.º, devo dizer que se chega ao ponto de introduzirem propostas da União Europeia na nossa Constituição. É o que se passa com a consagração constitucional do chamado «espaço de liberdade, segurança e justiça», que ainda constitui uma incógnita, desde logo porque os seus contornos ainda não estão definidos.
Propõe-se que Portugal passe a participar, sem restrições, nesse espaço chamado de «cooperação judiciária», quando as implicações práticas do poder policial a esse nível estão profundamente indefinidos. Vai-se acelerar o pilar da segurança europeia num domínio profundamente escorregadio sem qualquer controlo político, dando azo a todos os tipos de abusos. Retira-se também todo o sentido ao actual artigo 33.º, n.º 5, naquilo que se refere aos limites à extradição. Passamos a poder extraditar pessoas para países da União Europeia que prevêem prisão perpétua, voltando a aceitar a prisão perpétua como um princípio legítimo da ordem penal, o que é, a nosso ver, perfeitamente errado.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta entrega cega à União Europeia, que, como já referi, nos faz abdicar dos nossos princípios, não pode, de forma alguma, ter a adesão de Os Verdes. O entendimento da Constituição da República Portuguesa como um instrumento incondicionalmente votado à União Europeia é totalmente rejeitado por Os Verdes.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses não compreenderiam que, tratando-se embora de uma revisão extraordinária, para rever a Constituição por causa da adesão e ratificação de Portugal do Tratado que institui o Tribunal Penal Internacional, não aproveitássemos esta oportunidade para resolver algumas questões prementes na ordem interna e também em vertentes de cooperação em que Portugal está integrado. O consenso que se gerou neste sentido foi, como já aqui foi dito pelo Presidente do meu partido, o Deputado Durão Barroso, feito em nome e a favor de Portugal.
Hoje, as democracias ocidentais estão confrontadas com um desafio que ninguém ignora, que é o de encontrar formas de cooperação que assegurem um combate eficaz à criminalidade, organizada e grave, internacional, que nos toca a todos, com o respeito pelas liberdades públicas e pelos direitos fundamentais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas temos de ter a noção exacta do que é a conciliação desses valores e não ignorar que não há forma mais brutal de ofender direitos fundamentais do que o que aconteceu em Nova Iorque, em que milhares de pessoas perderam a vida. O direito mais fundamental de todos foi, perante todo o mundo, violado da forma mais brutal que se possa imaginar. E vamos cruzar os braços perante uma criminalidade que é cada vez mais sofisticada e organizada?! Vão os Estados manter respostas artesanais a este profissionalismo sofisticado criminal?! É óbvio que não! É óbvio que, ainda na defesa desses direitos fundamentais que são brutalmente atingidos nessas ocasiões, temos de encontrar, com o respeito pelo princípio da personalidade, as formas que, podendo, excepcionalmente e em nome desses valores, restringir este ou aquele princípio, este ou aquele direito, vão, mais à frente, garantir outros, tão ou mais relevantes do que aqueles que são excepcionalmente afastados. Este é o quadro com que estamos confrontados e que não podemos ignorar.
Portugal não pode estar na União Europeia de meio corpo, está de corpo inteiro,...

Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia.

... e esteve, nas várias ocasiões em que as questões fundamentais se foram colocando: na ratificação do Tratado de Amsterdão, no Conselho Europeu de Tampere, em todos os momentos em que estas questões foram colocadas sobre a mesa.
Não tenho qualquer hesitação em reconhecer que o PSD teve alguma reserva inicial, alguma prudência nesta matéria, exactamente porque tem a consciência de que estamos numa área sensível e que tem de ser tratada com prudência. Mas mantivemos essa prudência sem tomar a posição que, naturalmente, alguns gostariam: que o maior partido da oposição comprometesse a posição de Portugal na instância importante que é a União Europeia, no combate a esta criminalidade. Reflectimos - naturalmente que a história, hoje, faz-se mais depressa, e, infelizmente, nem sempre pelas melhores razões - e não fomos naturalmente insensíveis a uma precipitação que os acontecimentos internacionais ocasionaram no próprio tratamento que a União Europeia teve de dar a esta questão.
Mas é necessário que fique claro, porque as confusões também se lavram por aí: Portugal não passa a admitir a aplicação, na sua ordem jurídica interna, da prisão perpétua.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal permite, pura e simplesmente, num espaço que se quer mais cooperante e mais eficaz no combate à criminalidade, que, pontualmente, em termos de entrega de pessoas condenadas, ou procuradas, com decisões judiciais dos tribunais de outros países da União Europeia (com a reciprocidade que também advém da mesma aplicação ser feita às decisões dos tribunais portugueses nesses países do quadro da União Europeia), se possa, eventualmente, entregar as pessoas a países que têm a prisão perpétua. Ora, isto é coisa completamente diferente de se entender e dizer que andamos para trás, nessa matéria e nesse princípio. E fizemo-lo conscientemente!
Não é com certeza pela mão do PSD que Portugal será transformado num «paraíso criminal». O maior partido da oposição, ou mesmo um qualquer partido minimamente responsável, não podia pactuar com esse perigo que existia e que era um perigo real.

Protestos do PCP.

Não tenhamos qualquer dúvida a esse respeito!
Já tínhamos dado passos constitucionais, com o n.º 6 do artigo 7.º, no que diz respeito à realização da coesão económica e social. E alguém compreenderia que, tendo nós dado esses passos constitucionais, naturalmente, numa área relevante como é a da coesão económica e social, não os déssemos também numa área que não é por certo menos relevante, a do espaço de liberdade, segurança e justiça?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não é por acaso que este espaço está caracterizado desta forma - espaço de liberdade, de segurança e justiça. Não está aqui uma mensagem de securitária da União Europeia, não está aqui uma mensagem dos Estados que integram a União Europeia no sentido de Estado securitário, está a segurança balizada por dois valores fundamentais que todas as estruturas dos Estados da União Europeia sobejamente garantem e asseguram, a liberdade e a justiça.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

Risos do Deputado do PCP Bernardino Soares.

O Orador: - São estes os parâmetros em que se insere o espaço segurança.
Àqueles que apontam estas medidas e estas soluções como a criação de um Estado securitário que atropelará direitos fundamentais, em nome da ordem e da segurança, respondemos que não é isso, que é exactamente o contrário: respeitaremos a vida, respeitaremos os direitos das pessoas, conseguindo conciliar esses princípios de liberdade e justiça com excepções que respeitem o princípio da personalidade e permitam esse combate eficaz à criminalidade, que é, repito, cada vez mais grave, mais organizada, mais sofisticada.
Não é possível deixar que esta criminalidade grasse, avance e aproveite a nossa liberdade, aproveite a liberdade de circulação que temos instituída no âmbito da União Europeia.
Naturalmente que era indispensável fazer uma alteração também ao artigo 33.º da Constituição e fizemo-lo como alteração conexa com o n.º 6. Mas também não foi por acaso que tivemos o cuidado de, no n.º 6 do artigo 33.º, deixar claro que a figura flexibilizante e operacionalizante das acções judiciais penais, em termos da União Europeia, através da figura da entrega, não seria posta em causa, minimamente, em circunstância alguma, com países terceiros, exteriores ao quadro da União Europeia. Assim, fizemos a alteração ao n.º 6 do artigo 33.º que é clara no que diz respeito aos princípios que prezamos: «Não é admitida a extradição, nem entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.».
Se alguém tinha dúvidas da nossa preocupação…

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Eu!

O Orador: - ... em conciliar princípios e valores fundamentais com a cooperação internacional no combate ao terrorismo e a outra criminalidade grave, como o tráfico de pessoas, o tráfico de droga e outros crimes que atentam com valores fundamentais da nossa organização como comunidade internacional, a resposta está aqui!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, quero dizer-lhe que, em linhas gerais, estou muito de acordo com aquilo que acaba de dizer.
A minha pergunta tem que ver com um caso concreto, fundamentalmente com a jurisdição do TPI. Quero dizer que, na minha bancada, este é um problema de consciência; por mim, sempre fui a favor do TPI, e digo-o com clareza, pois penso que é necessário lutar contra crimes contra a humanidade e não nos devemos desarmar, de forma alguma, perante agressores sem escrúpulos e com fanatismos perfeitamente inconcebíveis, que tem de ser devidamente punidos.
No entanto, há um aspecto, para o qual eu queria chamar a sua atenção. Eu, que sempre tive esta posição, quando vi a forma como o TPI actuou com Milosevic, fiquei preocupado. Não que esse político não merecesse, obviamente, julgamento e, até eventualmente, condenação por actos praticados, mas quando a entrega se faz mais por motivos económicos, contra decisões dos tribunais internos, e pela forma como foi feita, interrogo-me sobre se não é necessário nós próprios termos algumas cautelas em relação ao funcionamento do TPI.
Se em relação ao mandado europeu esta questão não me oferece quaisquer dúvidas, oferece-as, em relação ao TPI, a questão de saber quem manda no TPI,…

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - … de saber que tipo de prioridades é que o TPI tem, de saber como é que intervém. Isto para que nunca nos esqueçamos de que a segurança é muito importante.
Alguém uma vez disse que, quando se privilegia excessivamente a segurança em função da liberdade, acaba por se perder as duas, a segurança e a liberdade, e em relação ao TPI temos de ter um cuidado muito grande para saber quais são os critérios de adesão.
Portanto, pergunto-lhe, em primeiro lugar, como é que analisa a intervenção do TPI no caso Milosevic. Em segundo lugar, que medidas é que o Sr. Deputado, como conhecedor desta matéria, entende que devem ser tomadas para que haja uma total independência e objectividade de critérios por forma a que a segurança de alguém não possa ser alguma vez posta em causa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Basílio Horta fez uma pergunta e, ao mesmo tempo, deu-lhe a resposta. E vou explicar porquê.
É que V. Ex.ª pôs exactamente o «dedo na ferida», isto é, colocou uma questão relativamente a um tipo de tribunal que nós não queremos que exista mais.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro!

O Orador: - Queremos um Tribunal Penal Internacional permanente, que não tenha os vícios destes tribunais penais internacionais ad hoc, com todas as consequências, como a justiça dos vencedores sobre os vencidos.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Ora, aí está!

O Orador: - Queremos introduzir regras no Tribunal Penal Internacional permanente que dêem resposta a essas suas preocupações, que são legítimas, e naturalmente que os Estados-membros que aderem ao Tribunal Penal Internacional têm essa tarefa; nunca mais queremos que existam criminosos de crimes internacionais, e de crimes de guerra deste tipo, bons e outros maus. São todos maus Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cuidamos de tratar agora, pela ordem que o Sr. Presidente estabeleceu, no essencial, do espaço de liberdade, segurança e justiça no contexto europeu.
Trata-se, da nossa parte, de conseguir que a nossa ordem jurídico-constitucional esteja à altura das próprias responsabilidades políticas que assumimos no próprio processo de aprofundamento da União Europeia. Particularmente desde a aprovação do Tratado de Amsterdão, não podemos ignorar que o espaço de liberdade, de segurança e de justiça, na dimensão das competências comunitarizadas - e refiro-me em particular ao controlo externo de fronteiras, à política de asilo, à regulação dos direitos de cidadãos terceiros no espaço da União Europeia, à própria política geral de imigração -, são hoje realidades que fazem parte daquilo que são as competências das instituições comunitárias.
Para além destas competências, não podemos ignorar que, no domínio do chamado terceiro pilar, as matérias de cooperação em matéria policial e em matéria judicial e igualmente no combate ao racismo…

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - … e à discriminação, assentaram num compromisso efectivo dos Estados-membros da União no sentido de harmonizar as suas ordens jurídicas, particularmente, no domínio que implica a cidadania europeia, a realização do espaço de espaço de liberdade, de segurança e de justiça.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente que nós estamos atentos à dinâmica da própria União Europeia e evidentemente que sabemos que o Estado português, designadamente no Conselho Europeu de Tampere, subscreveu as respectivas conclusões. Ora, destas conclusões, se me permitem, passo a ler um pequeno extracto: «Um maior reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a necessária aproximação da legislação facilitarão a cooperação entre as autoridades e a protecção judicial dos direitos individuais. Por conseguinte, o Conselho Europeu subscreve o princípio do reconhecimento mútuo, que, na sua opinião, se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal. Este princípio deverá aplicar-se às sentenças e outras decisões das autoridades judiciais.»
Este é o compromisso que desde 1999, designadamente, orienta a posição do Governo português, com a solidariedade da Assembleia da República, e agora, Srs. Deputados, com alguns instrumentos fundamentais na execução desta política de integração, por um lado, e de cooperação, por outro, designadamente, os que têm que ver com a Europol, uma polícia europeia indispensável para o combate e a prevenção da criminalidade transfronteiriça, com a criação da unidade Eurojus, uma instância jurisdicional efectiva para garantir o próprio controlo da actividade policial europeia, e, por outro lado ainda, com o mandado europeu de captura e busca que implicará a possibilidade de execução directa de decisões das autoridades judiciais.
Tudo isto, Srs. Deputados, nós sabíamos e por isso apresentámos, na iniciativa de revisão constitucional do PS, de forma ponderada e serena, a oportunidade de tomada das decisões adequadas em sede de revisão constitucional.
Permitam-me, por isso, que neste ponto releve que entendo que não foi o melhor serviço prestado à causa do espaço da unidade, da segurança, da liberdade, da justiça, no quadro da União Europeia, pretender associar o aprofundamento da cidadania europeia às questões mais imediatas, infelizmente, trágicas, que ocorreram nas últimas semanas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque esta questão, a questão da cidadania europeia, é uma questão do aprofundamento das liberdades fundamentais e nós sabemos que a própria União Europeia, nos termos do artigo 6.º do seu Tratado, está ela mesma vinculada ao respeito pelos direitos do homem, tal como eles estão consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e como resultam das tradições constitucionais dos respectivos Estados-membros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso, Srs. Deputados, que não estamos em nenhuma deriva securitária, estamos a apurar as garantias fundamentais para a cidadania europeia, da qual declarámos querer fazer parte de corpo inteiro.

A Sr.ª Natalina Tavares de Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - E para aqueles que, a propósito do artigo 33.º e relativamente à circunstância de aí se falar de uma solução especial para a cooperação judiciária justamente em matéria de cooperação penal no espaço europeu, quero sublinhar que, para além do que acabei de referir, o mandado europeu de captura, de que agora mais se fala, apesar de ser de aplicação directa, não é um mandado de aplicação mecânica. Ou seja, em cada Estado nacional, haverá uma autoridade judiciária competente para garantir a forma de execução desse mesmo mandado e, no articulado da decisão-quadro que, acerca desta matéria, está a ser discutida nas reuniões JAE - nós sabemos, porque essa informação foi depositada na Assembleia da República - consta, designadamente, o respeito pelas imunidades constitucionais estabelecidas nas Constituições dos Estados-membros…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É verdade!

O Orador: - … e medidas alternativas que, naquelas circunstâncias em que uma eventual detenção poderia bulir com essas imunidades constitucionais, garantam o seu efeito útil, como, por exemplo, o estabelecimento do domicílio obrigatório, a própria possibilidade transeuropeia da videoconferência ou outras medidas complementares que acautelarão que a autoridade judiciária interna encarregada da execução do mandato assegurará todas as garantias estabelecidas na ordem jurídico-constitucional dos respectivos Estados-membros.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É, portanto, Srs. Deputados, com a consciência de estarmos a contribuir para um passo do qual Portugal não se deve dissociar que, através do artigo 7.º, n.º 6, e da alteração pontual no artigo 33.º, queremos aqui testemunhar uma convicção: a de que não estamos a construir a Europa da deriva securitária mas, num contexto internacional bem evidente, a construir a Europa que garanta e aprofunde o respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à interrupção dos nossos trabalhos, para recomeçarmos, pontualmente, às 15 horas.
Não se esqueçam de que amanhã é feriado nacional e, portanto, muitos Srs. Deputados estarão interessados, naturalmente, em que os trabalhos não se prolonguem para além de uma certa hora. Portanto, repito, vamos recomeçar, pontualmente, às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

Srs. Deputados, vamos reiniciar a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, não sei se posso considerar terminada a discussão do artigo 7.º, em conjunto com o artigo 33.º.

Pausa.

Uma vez que ninguém se pronuncia, vamos passar à discussão da proposta de aditamento de um n.º 7 ao mesmo artigo 7.º, apresentada pelo PS e pelo PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Foi largamente dominante a opinião que sustentou a necessidade de se proceder a uma revisão constitucional para permitir a ratificação do Estatuto de Roma.
É preciso lembrar que, há quase um século, muitos vinham reclamando a criação de uma jurisdição mundial para julgar crimes contra a humanidade ou de guerra.
Sem esquecer anteriores tentativas ou experiências, o Conselho de Segurança criou, em 1993 e 1994, os Tribunais Penais ad hoc para a ex-Jugoslávia e o Ruanda, mas é hoje evidente a necessidade de ultrapassar este modelo muito defeituoso. Estes Tribunais não respeitam as jurisdições nacionais, das quais não são cpmplementares, e são a expressão de dois pesos e duas medidas. Na verdade, só visam a punição, sem dúvida necessária, de crimes cometidos dentro de certas fronteiras, em determinados períodos de tempo. Crimes igualmente graves cometidos noutros países, alguns vizinhos dos referidos, ou noutros períodos de tempo ficam impunes. Ora, como todos sabem, só há justiça se for aplicável a todos por igual.
Por outro lado, estes Tribunais não têm a capacidade de dissuasão da prática de novos crimes, porque foram criados para julgar apenas determinados crimes cometidos anteriormente à sua criação, sem terem a missão dissuasora que teria, e virá a ter, um tribunal penal permanente.
Pelo contrário, o Estatuto assinado em Roma, em 1998, visa criar um tribunal permanente para prevenção e repressão de todos os crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra. Mais tarde, será definido o crime de agressão.
Pretende-se, agora, dissuadir a prática de crimes semelhantes aos que se verificaram ao longo do século XX, por muitos considerado o pior da história da Humanidade. Lembro que só em crimes de genocídio e contra a humanidade, sem incluir os mortos em guerra, foram assassinadas cerca de 170 milhões de pessoas. Em muitos casos, tentou-se mais: tentou destruir-se a própria condição humana de muitas dessas pessoas, pretendendo reduzi-las a simples objectos ou até a mero «lixo», como Primo Levi recordou em palavras lapidares, prevenindo que, se tudo aquilo aconteceu, pode vir de novo a acontecer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o PSD aprova, sem reservas, a criação do TPI como jurisdição complementar das jurisdições nacionais. Mas fá-lo também por, no Estatuto, estar consagrado, como no artigo 1.º da Constituição, o primado da pessoa humana, designadamente sobre a soberania dos Estados.
Na verdade, os direitos humanos não decorrem da cidadania de certo Estado, antes assentam nos atributos da pessoa humana enquanto tal, o que exige uma efectiva protecção internacional.
O TPI é, aliás, uma expressão da universalidade dos direitos humanos, claramente afirmada, em 1993, na Declaração da Conferência Mundial de Viena. Foi, então, proclamado que a sua protecção e promoção incumbem, em primeiro lugar, aos órgãos do poder político.
Ora, Portugal tinha sido pioneiro no reconhecimento dessa universalidade, consagrando-a na Constituição, designadamente no artigo 7.º.
Hoje, o mundo, goste-se ou não, oferece apenas duas alternativas: a globalização sem regras e sem valores, em que triunfa a lei do mais forte ou do que procura o maior lucro, ou, em alternativa, a globalização com regras e valores que, utilizando as grandes potencialidades das comunicações, das tecnologias e dos mercados, pode conduzir à promoção das pessoas, dos seus direitos e do seu bem-estar.
Espanta-me, por isso, ouvir falar, por vezes, dos «nossos» direitos humanos. Trata-se de uma contradição absoluta e absolutamente absurda! Os direitos humanos ou são reconhecidos e promovidos para todos os seres humanos ou não são direitos humanos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro direito que o TPI visa proteger é o direito primordial à vida, que os portugueses generalizadamente respeitam.
Pensamos que o facto de ter sido proscrita a pena de morte para aqueles que cometerem os piores crimes imagináveis contribuirá para o alargamento do respeito pela vida e dará forte impulso ao objectivo, que, julgo, todos partilhamos nesta Assembleia, da total abolição dessa pena desumana e aberrante. Mas não basta falar de princípios e valores, tem de se reconhecer que, entre eles, há uma

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hierarquia. Sem hierarquia, não há qualquer valor! A promoção de valores fundamentais, como o direito à vida, tem de ter prioridade!
Argumentam alguns que o texto do Estatuto é tímido, outros julgam-no irrealista e até imperfeito. No debate da aprovação para ratificação do Estatuto, nós próprios não deixaremos de apontar algumas más opções que foram tomadas. Mas lembro que o PSD sempre criticou o perfeccionismo, que, na prática, impede os avanços efectivos da humanidade. E não esquecemos, por outro lado, qual foi o resultado da imposição a várias sociedades de modelos sociais ou regras jurídicas ditos «perfeitos»: foi, pura e simplesmente, a tirania. Se cada pessoa pode buscar a perfeição individual, ninguém pode impô-la aos outros e, muito menos, a todo o mundo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o caminho para um mundo melhor faz-se caminhando passo a passo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se Portugal não ratificasse o Estatuto, não poderia participar nem na instauração do TPI nem nas revisões naquele previstas, que queremos, por certo, melhorar.
Queremos salvaguardar, por exemplo, a tão referida interdição portuguesa da pena de prisão perpétua. Sublinhámos já que não se aplica nunca na ordem jurídica interna. Penso que há que fazer, sobre esta matéria, uma outra consideração.
Penso que a ética da convicção tem sempre de ser conjugada com a ética da responsabilidade, que nos impõe a atenção ao real concreto e às consequências das opções escolhidas. Qual seria a alternativa? A situação actual, que todos criticam, de mistura de impunidade com tribunais ad hoc?! A tentação neo-isolacionista, o regresso ao «orgulhosamente sós»? Como conseguir promover os nossos valores a não ser fazendo parte das instituições?! Se fez vencimento, em toda a Europa, a abolição da pena de morte, hoje proibida pelo Protocolo n.º 6, adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, foi porque nós estivemos no Conselho da Europa exigindo-a! Se muitas organizações internacionais nos apoiaram na defesa do direito à autodeterminação e outros direitos do povo de Timor-Leste foi porque nelas participámos, batendo-nos por eles!
Além disso, seria incompreensível que não ouvíssemos os apelos que nos são agora dirigidos no sentido da ratificação do Estatuto e que são provenientes quer das organizações não governamentais mais prestigiadas - que todos invocam a propósito de outras coisas mas que, aqui, surpreendentemente, ignoram -, quer de muitas autoridades e instâncias religiosas, sociais e culturais. A quase totalidade das personalidades que aceitaram participar nas audições promovidas pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional também a defenderam.
Quero ainda informar que o Conselho da Europa, organização de 43 países, que tem, reconhecidamente, a maior autoridade no domínio dos direitos humanos, apelou há poucos dias, mais uma vez, através da sua Assembleia Parlamentar, quase por unanimidade, à urgente ratificação do Estatuto, recomendando ainda que o terrorismo seja considerado crime contra a humanidade, podendo vir, mais tarde, a ser julgado pelo TPI.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também os países com que mais estreitos laços temos no mundo, os de língua portuguesa e os latino-americanos, a ela apelaram em conferências realizadas em Lisboa e em Santiago do Chile. Ao contrário do que já hoje foi aqui dito, não são as grandes potências que querem este Tribunal para impor os seus valores. Não foram essas grandes potências que lideraram o processo, pelo contrário, foram os povos do Sul, com apoio, certamente, em alguns países do Norte, como o Canadá, Portugal e outros, que lideraram o processo. E são esses povos do Sul que mais reclamam esta ratificação.
Ora, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a solidariedade é para todos nós um valor indiscutível. E o dever de ser coerentes com o humanismo universalista que inspirou, há séculos, os portugueses exige que participemos neste passo em frente da humanidade, que quase todos, pelo mundo fora, consideram como um gigantesco passo civilizacional.
Podem muitos valorizar também o valor da fraternidade; outros quererão lembrar o pensamento iluminista; outros também quererão responder ao grito de Antígona, que há milénios continua a ressoar, dando-lhe, finalmente, a vitória tão desejada sobre Creonte, derrotando a fria e implacável razão de Estado; outros ainda lembrarão o internacionalismo que inspirou os movimentos dos trabalhadores desde o século XIX, e que outros hoje, aqui, nesta Assembleia, surpreendentemente, parecem ter esquecido;…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … outros lembrarão a sabedoria de outras civilizações, nomeadamente de uma das mais antigas civilizações do Oriente Próximo, dizendo que «o facto de o lugar ser escuro não é razão para não acender lá uma luz».
Finalmente, muitos outros, sabendo que autoridade respeitada proclamou há muito que a política é a forma mais alargada do amor ao próximo, responderão, ao ouvir a interrogação evangélica «Quem é o meu próximo?»: sem prejuízo dos que, à nossa volta, nos confiaram o mandato representativo que muito respeitamos, o próximo, neste mundo globalizado, é toda e qualquer pessoa humana injustamente perseguida, abandonada ou cujos direitos são violados.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este n.º 7 do artigo 7.º é um exemplo daquilo que referi na minha primeira intervenção como uma forma de moldar a Constituição da República Portuguesa a compromissos internacionais já assumidos.
O Partido Ecologista Os Verdes concorda com um tribunal penal internacional que julgue crimes contra a

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humanidade de acordo com critérios de justiça, de igualdade e de imparcialidade. Ora, o que decorre do Estatuto de Roma é a criação de um tribunal de alguma forma dependente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o qual pode definir que uma determinada acusação não prossiga. E, nesta ordem internacional, é fácil perceber como tudo funciona em função das necessidades estratégicas de algumas potências e como os aliados depressa se submetem a todas as determinações da potência, pelo que os dois pesos e as duas medidas são uma séria ameaça.
É que não basta invocar, como fez o Sr. Deputado Pedro Roseta, que é preciso ratificar o Estatuto para assegurar o direito à vida no mundo, no fundo em defesa da humanidade. Será que quem pensa assim também entende que o fabrico de armas que têm capacidade para destruir vezes sem conta o planeta constitui um crime contra a humanidade? E quem pensa assim também terá a noção de que a aposta no nuclear a todo o pretexto constitui uma verdadeira ameaça para a humanidade? Se tem essa noção, então, deve entender que existem sérias lacunas na capacidade de julgamento deste Tribunal Penal Internacional, porque isso de crimes contra a humanidade, que julgamos que devem ser imparcialmente julgados, não pode ser só o que convém e para quem convém.
Os Verdes não podem igualmente aderir à aceitação na ordem penal da prisão perpétua como pena a aplicar, como implica a ratificação incondicional do Tribunal Penal Internacional. Mesmo que isso não significasse introduzir directamente no sistema penal português a prisão perpétua, seria sempre aceitar internacionalmente uma medida coerciva da liberdade eterna. É aceitar o princípio e a medida. Será este um primeiro passo para voltar a adoptá-lo entre nós, retrocedendo um século nos valores e princípios que construímos?
Esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a leitura de Os Verdes, que nos leva, evidentemente, a votar contra esta proposta que é feita. Permitam-me referir mais uma vez que, na nossa perspectiva, esta revisão da Constituição representa, em muitos aspectos, um verdadeiro recuo em relação à Constituição que Abril criou.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pronunciar-me-ei também sobre esta proposta relativa ao Tribunal Penal Internacional, que constitui um aspecto fundamental deste processo de revisão constitucional. Faço-o após a intervenção que há pouco ouvimos, do Sr. Deputado Pedro Roseta, para dizer que a nossa divergência relativamente a esta proposta não tem que ver com discordâncias sobre os princípios que são invocados para a criação de um tribunal penal internacional. A nossa discordância não surge quanto à bondade desses princípios mas, sim, quanto à concretização que nos é proposta desses princípios.
Digo isto porque a criação de uma instituição judiciária internacional que julgue crimes contra a humanidade segundo critérios de justiça e imparcialidade é um propósito que acolhemos e consideramos meritório. Nós consideramos fundamental que se acabe com a impunidade dos autores de crimes que ofendem a consciência universal e consideraríamos meritória a criação de mecanismos de aplicação de Direito Internacional que pudessem escapar à lógica de uma justiça exercida pelos vencedores, lógica que é inerente aos tribunais ad-hoc, já hoje, aqui, criticados por outros Srs. Deputados. De facto, como dizia, consideramos que estes propósitos são meritórios e revemo-nos neles.
A questão que se coloca, todavia, é a de saber se este Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que foi aprovado em Roma e cuja ratificação nos é proposta, representa uma consagração adequada ou aceitável desses princípios. É esse, precisamente, o nosso problema, é aí que está a nossa divergência e é isso que nos leva a não aceitar esta alteração da Constituição, por forma a permitir ratificar o Estatuto do TPI.
Em primeiro lugar, porque este Estatuto consagra alguma dependência do TPI relativamente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas quanto ao seu funcionamento. Mas não é esse o único aspecto negativo. O facto de não ter sido feita ainda a qualificação jurídica do crime de agressão, passando para negociação intergovernamental, a exemplo do que acontece com a definição dos elementos constitutivos dos crimes, também é um defeito. Isto é, este TPI está, à partida, dependente da negociação internacional quanto a aspectos fundamentais do seu funcionamento, o que, convenhamos, é um mau sinal de partida quanto à imparcialidade deste Tribunal na sua actuação.
Por tudo isto, cremos que concretizado desta forma, com este TPI, o meritório princípio da aplicação de uma justiça internacional continuaria a ficar sujeito à imposição e legitimação da justiça do mais forte.
Mas há uma outra questão, que, para nós, não é de somenos, relacionada com a relevância da pena de prisão perpétua e com a sua proibição na ordem jurídica portuguesa. É inequívoco que, embora por via indirecta, se procede a uma recepção da pena de prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa, o que, do nosso ponto de vista, corresponde a um enorme retrocesso. E não se diga que não é isso que está em causa, porque se não fosse isso que estivesse em causa nem sequer era necessário proceder à revisão do texto constitucional. Manifestamente, é isso que está em causa e o que se vai permitir é que a ordem jurídica portuguesa acolha uma sanção penal que a Constituição inequivocamente proíbe e que se encontra banida entre nós desde finais do século XIX.
Repito que o que está em causa, para nós, não é o conteúdo, pois consideramos que todos os crimes que são previstos e punidos no Estatuto do Tribunal Penal Internacional são bem previstos e bem punidos. Pensamos, no entanto, que é possível acolher todas essas punições na ordem jurídica portuguesa directamente, dispensando, assim, a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e recusando, deste modo, esta indirecta reintrodução da pena de prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E foi isso, aliás, que propusemos quando apresentámos nesta Assembleia um projecto de lei do qual

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constava a recepção no Código Penal Português de todas as molduras penais previstas no Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Seria, portanto, perfeitamente possível, com a aprovação deste projecto de lei, que todos esses crimes pudessem ser julgados em Portugal, caso os criminosos se encontrassem no nosso país. Todavia, seriam julgados não por molduras penais que nos procuram impor e que passam pela prisão perpétua mas pelas molduras penais vigentes em Portugal, que todos nós consideramos justas. O que é significativo é que os mesmos Srs. Deputados que aqui propõem a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional nessas condições, tenham recusado o agendamento prévio deste projecto de lei, que seguramente resolveria este problema com respeito por valores fundamentais da Constituição actualmente vigente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca como hoje, para mim, foi tão verdadeira a afirmação de que, como diria Ortega y Gasset, «somos nós e as nossas circunstâncias».
Quando a questão da adesão ao Tribunal Penal Internacional foi suscitada, solicitei à direcção do meu partido, através da direcção do seu grupo parlamentar, a liberdade de voto nesta matéria por razões de consciência. Como já tive ocasião de referir pormenorizadamente numa das reuniões da Comissão Eventual de Revisão Constitucional, lamentei então que Portugal aceitasse incluir na Constituição da República Portuguesa uma disposição no sentido de readmitir a figura da prisão perpétua no ordenamento jurídico português (dele erradicada em 1911), mesmo que indirectamente, por referência a disposições de tratados internacionais de que Portugal seja parte e para um número bem definido de crimes.
Referi, então - no pedido que entendi dirigir ao Deputado António Capucho, então Presidente do meu grupo parlamentar, a quem aqui quero deixar uma palavra pública de elogio pelo espírito de abertura demonstrado -, as razões de tal atitude. Salientei, nessa altura, uma hipotética culpa do Governo, que, aquando da adesão de Portugal ao Estatuto de Roma, assinada no dia 7 de Outubro de 1998, destinado a implantar o Tribunal Penal Internacional, o fez sem qualquer declaração interpretativa, ao contrário de outros países, como a França, a Bélgica e a Nova Zelândia. Sublinhei a importância de não devermos responder com a permissividade e a lassidão aos princípios civilizacionais fundamentais. Relembrei o facto de Portugal ter mantido, desde sempre, nesta matéria, uma posição humanista avançada. Alertei para o facto de se poder considerar que a reintrodução da pena de prisão perpétua poderia traduzir um retrocesso em matéria de direitos humanos, um recuo que poderia abrir um perigoso precedente para uma qualquer futura tentativa de admissão da pena de morte que recuso em absoluto. Concluí afirmando, então sem dúvidas, ser contra uma revisão constitucional que admitisse, ainda que indirectamente, qualquer disposição que caminhasse nesse sentido.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, quer queiramos ou não, o mundo mudou desde o dia 11 de Setembro de 2001. Como já referi nessa mesma intervenção em Comissão, depois do que aconteceu em Nova Iorque e Washington nesse fatídico dia, não quero ser confundido com os que falsificam a realidade, não quero caminhar ao lado dos que deturpam a verdade para a adequar aos seus ideais, não quero emparceirar com os que julgam poder justificar actos bárbaros num mundo livre e democrático.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não quero que alguém, num futuro mais ou menos longínquo, possa sequer admitir que, em algum momento, alinhei com os que julgam ter o terrorismo legitimidade para matar, cabendo às vítimas a responsabilidade pela sua própria morte.
E se estes crimes agora perpetrados revelam uma situação internacional tão grave que a sua resolução pela comunidade das nações passa pela introdução de mecanismos como o TPI e o mandado de captura europeu, então que assim seja.
Como em tudo, há que hierarquizar princípios. O mundo mudou! Mantenho as convicções, mas, tal como o mundo, também as circunstâncias que determinam o meu voto mudaram. E o meu voto, esse - por muito que custe a algumas pessoas -, será, hoje, obviamente, a favor da introdução dessas mesmas alterações no texto da Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, não escapará a ninguém que a maioria «revisional» que se formou nesta Assembleia está em grandes dificuldades. Há uma maioria esmagadora que permite fazer o que seja e, no entanto, são os mais extraordinários argumentos que aqui são vertidos no debate.
Um Sr. Deputado vem explicar-nos um novo sentido para a palavra «princípio», que passa a ser tudo o que é essencial até ter de ser abandonado. Um outro Sr. Deputado vem explicar-nos exactamente as razão pelas quais devemos rejeitar o actual Estatuto do TPI: porque ele não nos exclui de um mundo com dois pesos e duas medidas e porque na sua génese está a rejeição da classificação do terrorismo e do narcotráfico como crimes contra a humanidade. Ele não é universal nem eficiente e, desse ponto de vista, não defende os princípios da justiça.
Pior ainda: este artigo que agora estamos a discutir introduz, de facto - pesem embora as muitas consciências dilaceradas no silêncio da sua palavra -, a pena de prisão perpétua no sistema jurídico português. Basta que o Tribunal Penal Internacional possa invocar que o Estado português, onde corre um determinado processo, tem uma regra diferente da determinação da prescrição para que possa exigir que um cidadão português que aqui poderia ser julgado tenha de ser entregue para eventualmente cumprir uma pena de prisão perpétua. É por causa destas excepções tão graves que o Direito não se aplica, o que é suficiente e necessário a que seja indispensável pronunciarmo-nos claramente pela justiça, votando, portanto, contra este princípio.

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O Sr. Fernando Rosas (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, aquando da Cimeira de Roma, que deu lugar à elaboração do Estatuto de Roma e ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional, teve ocasião de dizer que o TPI seria provavelmente o melhor legado que as gerações actuais poderiam deixar às gerações futuras em matéria de garantia do Direito Internacional e dos Direitos do Homem.
Estamos inteiramente de acordo com esta compreensão, porque sabemos dos esforços da comunidade internacional que desde os tribunais de Nuremberga e de Tóquio se confrontou com a circunstância de sentir a importância de uma instância que, justamente no Direito Internacional, acima dos Estados, com justiça e imparcialidade, pudesse julgar os crimes mais graves de genocídio contra a humanidade, porque esses são os crimes que verdadeiramente atacam a consciência mais profunda da dignidade humana, e também as experiências recentes de tribunais de vencedores, como aqueles que foram criados para o Ruanda ou para a ex-Jugoslávia, nos demonstram a enorme importância da criação do Tribunal Penal Internacional.
Foi um esforço em que a Organização das Nações Unidas esteve claramente envolvida e não deixa de ser paradoxal que se coloque à nossa consciência democrática o saber-se que muitos daqueles que frequentemente exigem que as relações internacionais sejam estabelecidas, em primeira linha, de acordo com a Carta das Nações Unidas e assumidas no quadro das instituições da Organização das Nações Unidas, lamentam agora que o próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas possa ter alguma atitude relevante no momento de introduzir, sob a forma de acusação, alguns processos junto do Tribunal Penal Internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É uma contradição absoluta, que revela não só da incoerência mental como também, provavelmente, da hipocrisia política.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Muito bem!

O Orador: - E vale a pena desmontar argumentos. O que nesta revisão constitucional vamos fazer é introduzir na nossa Constituição uma cláusula constitucional de recepção formal do Estatuto de Roma, nas suas condições e nos seus termos, e, por isso, no âmbito exclusivo do seu próprio funcionamento, o que quer dizer que não tem a mínima razão o Sr. Deputado António Filipe quando, por exemplo, vem alegar que o que estaríamos a fazer era a recepção da pena perpétua na ordem jurídica portuguesa. Para além de ser um vício completo em matéria de interpretação do significado da cláusula constitucional, é, naturalmente, uma indigência política que não podemos aqui assumir e, por isso mesmo, não podemos deixar de denunciar.

O Sr. António Filipe (PCP): - Então, não assumam!

O Orador: - Não, Sr. Deputado António Filipe, Srs. Deputados do PCP e do Bloco de Esquerda! Nós não estamos a introduzir a pena perpétua na ordem jurídica portuguesa, o que estamos a fazer é a juntar a nossa posição à posição de países que, no quadro da União Europeia, desde a Áustria,…

Vozes do PCP: - A Áustria! Bom exemplo!...

O Orador: - … à Bélgica, à Dinamarca, à Finlândia, à França, à Alemanha, à Grécia, à Irlanda, à Itália, à Holanda, à Suécia, para citar apenas alguns, fazem parte da comunidade que quer algo de essencial, e esse algo de essencial é que haja uma instância supra-estadual que, com critérios de justiça e de imparcialidade, assuma a possibilidade de julgar crimes que são uma verdadeira ofensa à dignidade da nossa condição humana.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é apenas um acto jurídico-constitucional que estamos neste momento a praticar, é, mais do que isso, dar um testemunho da mais alta instituição da representação plural portuguesa de que queremos estar com todos aqueles que, na comunidade internacional, querem uma ordem de justiça e uma ordem de garantia dos direitos e o respeito por esses mesmos direitos, com a eficácia que um tribunal possa justamente permitir.
É por isso também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nos queremos associar a todos os que irão votar favoravelmente esta cláusula, com uma observação final de alguma preocupação. Como se sabe, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional entrará em vigor na ordem internacional quando tiver sido ratificado por 60 Estados. Neste momento, já 41 Estados o fizeram e é muito previsível que as circunstâncias internacionais que vivemos levem à aceleração natural e positiva deste processo de ratificação do Tribunal Penal Internacional.
Srs. Deputados, queremos ficar entre o grupo de Estados fundadores do Tribunal Penal Internacional, por isso não podemos perder mais tempo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É ainda para uma breve intervenção sobre esta matéria, suscitada pela intervenção que acabámos de ouvir do Sr. Deputado Jorge Lacão, e para dizer duas coisas muito simples, tendo a primeira a ver com a intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O que se prevê no Estatuto do TPI é que o Conselho de Segurança possa pedir ao procurador a suspensão de um inquérito pelo prazo de um ano, renovável, o que significa que o Conselho de Segurança, que é uma instância internacional onde as grandes potências têm direito de veto, pode interferir na aplicação da justiça pelo Tribunal Penal Internacional, e é disso que discordamos. Um tribunal que queira ser justo e imparcial não pode ficar dependente do funcionamento destes mecanismos, onde prevalece, naturalmente, a posição das grandes potências.

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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por um ano, e não mais do que um ano!

O Orador: - É renovável, Sr. Deputado! Mas ainda que fosse por um ano!
A segunda é para salientar que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse que não era verdade que se estivesse a reintroduzir a prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa, mas não encontrou meios para o desmentir. O Sr. Deputado não deu um único argumento que o desmentisse, aliás, nem o poderia fazer, porque se o problema não fosse esse, para é que estávamos aqui a rever a Constituição?! É evidente, desde a primeira hora, que o obstáculo constitucional à ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional é precisamente o facto de a pena de prisão perpétua estar expressamente prevista nesse Estatuto.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Mas direi mais: nesta revisão constitucional o problema já não é só esse, o problema é que há uma dupla recepção indirecta da prisão perpétua, através do TPI e também através da alteração ao regime da extradição que é proposto a propósito do chamado espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E, portanto, o problema, deste ponto de vista, está agravado.
De facto, esta revisão constitucional representará um retrocesso na luta que Portugal deveria travar para a abolição da pena de prisão perpétua, e não o contrário, que é cedermos em princípios civilizacionais que nos são próprios e de que só temos de nos orgulhar, em nome de princípios que não são nossos e que nos querem impor.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do BE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, é uma lástima vir da sua bancada, daqueles que tantas vezes encheram a boca com palavras de internacionalismo e solidariedade internacional,…

O Sr. António Filipe (PCP): - Eh!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Que não de democracia!

O Orador: - … uma atitude política adversa no exacto momento em que a comunidade internacional está a fazer uma tentativa construtiva (vide as palavras que, há pouco, citei do Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan) para criar na ordem internacional aquilo que, manifestamente, é uma lacuna nessa mesma ordem, que é a possibilidade de um tribunal penal internacional superpartes, pela circunstância de o Conselho de Segurança das Nações Unidas - que os senhores, aliás, tantas vezes invocam, quando, no vosso critério, algumas vezes, as suas posições, porventura, não são devidamente acatadas - poder ter um papel de alguma maneira regulador em certas circunstâncias de ordem internacional, quanto ao modo como certos processos são introduzidos no Tribunal Penal Internacional na sua fase preparatória de investigação e de acusação.
É verdadeiramente lamentável que o Sr. Deputado calque aos pés o papel do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, a par do Tribunal Penal Internacional, é uma instância da maior importância para garantir a paz internacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, Sr. Deputado António Filipe, passemos à questão jurídica.
No âmbito da questão jurídica, o Sr. Deputado revela desconhecer questões fundamentais do direito, mas quanto a isso, eu, nos apertados limites do tempo de que disponho, não vou ter condições para lhe explicar.

Protestos do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Não é um problema de escola!

O Orador: - É um problema de escola, sim, Sr. Deputado António Filipe!

O Sr. António Filipe (PCP): - Eu sei que não tem condições para explicar!

O Orador: - Não confunda o que é o direito internacional e o que é o direito interno. O direito internacional tem uma esfera própria e o direito interno tem outra esfera diferente; o que há são relações chamadas paramétricas de relação entre direito internacional e direito interno, quando aquele é acolhido na ordem interna.

O Sr. António Filipe (PCP): - É óbvio!

O Orador: - As fontes de direito não se confundem e são diferentes, e o nosso problema, em termos de Direito Constitucional, era saber se admitíamos ou não para o funcionamento do TPI, e exclusivamente no âmbito das respectivas competências, uma cláusula de recepção formal do Estatuto do TPI para o funcionamento dele próprio, não para conferir aos tribunais portugueses uma moldura penal para os crimes da nossa ordem jurídica interna. E é este erro e esta confusão grosseira que o Sr. Deputado aqui quis insinuar, confundindo tudo.

O Sr. António Filipe (PCP): - A confusão é sua!

O Orador: - Se foi deliberadamente, então, ainda é pior, porque foi de má fé!
Sr. Deputado António Filipe, nenhum tribunal português poderá condenar na ordem jurídica interna qualquer cidadão em pena perpétua.

O Sr. António Filipe (PCP): - Alguém disse isso?!

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