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Quarta-feira, 1 de Junho de 2005 II Série-RC — Número 2
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)
VIIREVISÃOCONSTITUCIONAL (EXTRAORDINÁRIA)
COMISSÃOEVENTUALPARAAREVISÃOCONSTITUCIONAL
Reuniãode 31 deMaiode2005
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Mota Amaral) deu início à reunião às 21 horas. Procedeu-se à apresentação dos projectos de revisão constitucional n.os 1/X (PS), 2/X (PCP), 3/X (PSD), 4/X (CDS-PP), 5/X (Deputados do PSD Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira) e 6/X (Os Verdes), tendo sido dada por concluída a sua discussão na generalidade. Usaram da palavra, a diverso título, para além do Sr.
Presidente, os Srs. Deputados Fernando Rosas (BE), Ricardo Rodrigues (PS), José de Matos Correia (PSD), António Filipe (PCP), Paulo Rangel (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Miguel Pignatelli Queiroz e António Montalvão Machado (PSD), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Guilherme Silva e Nuno da Câmara Pereira (PSD) e José Vera Jardim (PS). O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 23 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente (Mota Amaral): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião. Eram 21 horas. Hoje, conforme consta da ordem do dia que foi acertada na última reunião (e, depois, distribuída), vamos
fazer a apresentação e a apreciação, em primeira leitura, das propostas de alteração à Constituição da República constantes dos projectos de revisão constitucional n.os 1/X (PS), 2/X (PCP), 3/X (PSD), 4/X (CDS-PP), 5/X (Deputados do PSD Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira) e 6/X (Os Verdes).
Sugeria que a apreciação destes projectos fosse feita pela ordem cronológica da sua apresentação (portanto, de acordo com a sua numeração), e julgo que poderíamos assentar no seguinte método de trabalho: como os projectos são curtos, talvez se pudesse partir do princípio de que um representante de cada grupo parlamentar proponente faria a apresentação do respectivo projecto, por um período de 5 minutos, depois haveria a possibilidade de pedir esclarecimentos, por um período breve, visto que se trata de questões tão precisas, ao que se seguiriam as respectivas respostas. Desse modo, terminaríamos a primeira ronda de intervenções de apresentação, seguindo-se uma segunda ronda, desde logo porque um dos grupos parlamentares não apresentou qualquer projecto de revisão constitucional – o Bloco do Esquerda –, mas, obviamente, para além de pedir os esclarecimentos que entender, também poderá usar da palavra para tecer comentários acerca da questão que orienta os diversos projectos e do problema da revisão constitucional nos termos em que está agora a ser formulado.
Após estas duas rondas de intervenções, terminaríamos os trabalhos por hoje, que retomaríamos amanhã já com a discussão na especialidade, para a qual nos será muito útil o guião que foi preparado pelos serviços, visto que permite a discussão de cada um dos preceitos, em si, nas suas diversas modalidades.
Recordo que é necessário obter uma maioria de dois terços para aprovar qualquer alteração à Constituição.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, se me permite, onde é que obtenho esse guião? O Sr. Presidente: —O guião é o que consta do dossier, ou do «processo», distribuído ontem. Nesse
«processo» encontra os textos comparados e cada um dos projectos de revisão constitucional. Srs. Deputados, estão de acordo com o método de trabalho que propus? Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda não apresenta um projecto de revisão
constitucional mas, se fosse possível, gostaria de usar da palavra na primeira ronda da discussão, a título de comentário.
O Sr. Presidente: —Assim se fará, Sr. Deputado. Não havendo objecções ao método de trabalho que sugeri, vamos, então, iniciar a apresentação dos
diversos projectos. Para fazer a intervenção de apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 1/X (PS), tem a palavra
o Sr. Vice-Presidente Ricardo Rodrigues. O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista definiu para esta
revisão constitucional (que, como sabemos, é cirúrgica, ou seja, apenas aborda a questão do referendo) um objectivo essencial que se prende com o compromisso eleitoral e político por ele assumido, o da realização de um referendo ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.
Com base nesse compromisso, entendemos que a melhor altura para realizar e efectivar esse referendo seria a das próximas eleições autárquicas. E é aqui que radica a prioridade da apresentação do projecto de revisão constitucional do PS.
Nele apenas propomos a alteração do n.º 7 do artigo 115.º da Constituição, retirando do seu conteúdo as partes que se referem à proibição de realização de referendos em simultâneo com as eleições relativas ao poder local e regionais. Mantivemos o restante normativo.
Assim, de forma expressa, propomos: «São excluídas a convocação e a efectivação de referendos de âmbito nacional entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, bem como de Deputados ao Parlamento Europeu.» Tal como disse, excluímos as eleições autárquicas e as eleições regionais.
Esta proposta consubstancia, pois, aquele que é o objectivo prioritário do Partido Socialista. Entendemos que as eleições locais, ou seja, as eleições autárquicas têm uma finalidade e um objectivo
muito particular e localizado, em que cada concelho discute as respectivas questões, que não se confundem com as que têm âmbito nacional e que, no caso concreto, versam sobre um Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. A fundamentação da nossa proposta baseia-se nesse princípio de não confusão para os eleitores.
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De resto, os resultados eleitorais das várias eleições que temos realizado ao longo destes últimos 30 anos são bem demonstrativos de que o eleitorado, e os portugueses em geral, percebem perfeitamente o que estão a votar e onde querem votar.
Portanto, não se confundido esse espírito de eleições locais com questões de interesse nacional, estendemos para todas as próximas eleições autárquicas a possibilidade de se realizarem referendos. Isto é, não nos ficamos pela possibilidade de se realizar e efectivar um referendo apenas nas próximas eleições autárquicas.
Com efeito, se o fundamento é válido para as próximas eleições autárquicas, então por que não estendê-lo a todas as eleições autárquicas? De resto, tal solução nem sequer é inédita nos vários sistemas conhecidos nem no domínio do direito comparado, onde sabemos que existem referendos aliados a eleições localizadas e, nalguns países, não só a eleições localizadas.
Por outro lado, como todos sabemos, há uma proibição constitucional quanto à realização de referendos sobre tratados internacionais, daí propormos uma norma transitória que permitiria a realização do referendo ao Tratado Constitucional.
São estes os dois pontos que são alvo do projecto de revisão constitucional do PS e a fundamentação é a acabei de expor.
O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos ao orador, inscreveu-se o Sr. Deputado José de Matos
Correia, a quem dou a palavra de imediato. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, muito obrigado
pela sua exposição. Como o Sr. Presidente da Comissão teve ocasião de sublinhar, estamos perante questões muito concretas
e, portanto, talvez valha a pena entrarmos na concretização das dúvidas que nos suscitam quer as propostas apresentadas quer a explicação do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
Esta é, de facto, uma revisão constitucional plenamente cirúrgica. Noutros momentos, já o dissemos, mas esta é – diria – a mais cirúrgica de todas as revisões constitucionais, visto que ainda o é mais do que a revisão constitucional de 1992, também ela suscitada por questões europeias.
Contudo, do nosso ponto de vista, há aqui uma questão que não se enquadra exactamente na natureza cirúrgica desta revisão.
Independentemente da discussão que poderíamos travar sobre o regime jurídico geral do referendo (e nós estamos à-vontade para falar sobre a matéria, porque em anteriores revisões constitucionais temos apresentado propostas concretas de alteração do regime jurídico do referendo nacional), a verdade é que a proposta do Partido Socialista nesta matéria vai para além desta compreensão puramente cirúrgica da revisão, na medida em que, de forma a propiciar a alteração do regime jurídico do referendo e a realização do referendo em simultaneidade com as próximas eleições autárquica, o Partido Socialista entendeu ser mais adequado optar pela alteração do próprio regime geral do referendo e, por consequência, não se ficar por uma alteração que permitiria apenas a realização deste referendo mas enveredar por uma alteração global do sistema previsto no artigo 115.º da Constituição – digo global no sentido de aplicável a todas as circunstâncias referendárias –, através da modificação do seu n.º 7.
A esse propósito, e de uma forma muito simples, queria colocar duas questões ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.
Em primeiro lugar, por que razão, num contexto de uma revisão que se quer cirúrgica e destinada apenas a realizar um objectivo, o PS opta por uma solução que implica a alteração do próprio regime jurídico do referendo e não por uma solução como aquela que o PSD apresenta, que apenas tem a ver com a criação de condições para a realização deste referendo, excepcionalmente?
Em segundo lugar, também tenho algumas dúvidas quanto à natureza da proposta do Partido Socialista no que se refere ao problema da simultaneidade de realização de referendos com outros actos, nomeadamente actos eleitorais.
O Sr. Deputado Ricardo Rodrigues referiu-se a esta questão, mas gostava que, em resposta a estas perguntas, pudesse ser um pouco mais explícito sobre a ratio decidendi do Partido Socialista nesta matéria, tendo em conta o facto de a nota justificativa do projecto de revisão constitucional do Partido Socialista ser pouco esclarecedora e até, diria, algo contraditória.
Vejamos: no final da primeira página da nota justificativa, pode ler-se que «o estudo comparado de experiências estrangeiras demonstra que a proibição da convocação e da realização de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais que consta do n.º 7 do artigo 115.º não é comum …» – o que é, aliás, inteiramente correcto – «… e não se ostra justificada em toda a sua extensão. Por isso propõe-se a continuação dessa regra apenas para o caso de referendo de âmbito nacional e de eleições nacionais».
Ora, o Partido Socialista considera, e bem, que se trata de uma realidade limitativa que, no direito comparado, não encontra assento e que, de facto, não se mostra justificada em toda a sua extensão, mas depois «salta» imediatamente para a afirmação da sua proposta, que é a da continuação da regra apenas para o caso de referendo nacional e de eleições nacionais, sem consubstanciar adequadamente a razão pela qual,
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por um lado, refere que o direito comparado nos indica que estas limitações normalmente não existem e, por outro lado, consagra que deve haver certas limitações (mas apenas algumas), quando aparentemente não se vê grande razão – pese embora a exposição já feita pelo Sr. Deputado Ricardo Rodrigues – para impedir que um acto eleitoral nacional possa coincidir com referendos de âmbito nacional. Aliás, essa é uma prática que existe em vários países, que o direito comparado citado na nota justificativa refere e que parece ter alguma lógica.
Não questiono que essa simultaneidade possa ocorrer com outras eleições, nomeadamente as autárquicas ou regionais – é essa a posição oficial do PSD –, mas não compreendo em que medida o Partido Socialista entende (tratando-se, para além do mais, de uma alteração que não é necessária para a realização deste referendo) que se faça uma alteração deste teor sem reflectir nem conseguir explicar adequadamente as razões pelas quais se estabelece uma limitação apenas quanto a certo tipo de actos de nível nacional e não a outros.
Do ponto de vista do PSD, haveria outras soluções melhores. Desde logo, cremos que a proposta do PSD, no que diz respeito à resolução deste problema concreto, é melhor, uma vez que o faz sem tocar no regime jurídico geral do referendo.
A tocar no regime jurídico geral do referendo, o que não se justifica a nosso ver, muito menos numa revisão constitucional que se quer cirúrgica, haveria que ponderar outras soluções que parecem tão adequadas como a que o Partido Socialista aqui apresenta.
O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues. O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José de Matos Correia, agradeço a
pergunta que formulou. A questão parece-nos clara, mas, por vezes, o que parece claro a uns não é tão claro para outros.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Defeito nosso! O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não, Sr. Deputado. A questão que se põe é a seguinte: a confusão que se pode estabelecer no eleitorado com a realização de
referendos em simultâneo com eleições nacionais é superior, uma vez que no referendo também estão em causa matérias de interesse nacional, por isso propomos a simultaneidade de referendos exclusivamente com eleições autárquicas.
Devo repetir, porque também é sério da nossa parte, que o nosso objectivo prioritário é realizar o referendo do Tratado Constitucional com as próximas eleições autárquicas. Que este ponto fique claro.
Ao reflectirmos sobre a proposta, concluímos que o fundamento que nos leva a propor uma alteração à Constituição que possa conduzir à efectivação do referendo com as eleições autárquicas tem uma razão de ser essencial, que é a não confusão entre aspectos locais e nacionais.
Como o Sr. Deputado muito bem sabe, na campanha para as próximas eleições autárquicas, o que os candidatos discutem no Porto, em Lisboa ou em Faro não tem nada a ver. A campanha e a disputa partidária faz-se a nível concelhio e os candidatos explicam o seu programa eleitoral para o seu concelho. Ora, isso não se confunde com aspectos de interesse nacional que, eventualmente, sejam referendáveis.
O Sr. António Filipe (PCP): —Não se confunde?! O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não se confunde, porque uma questão é de interesse local e a outra é
de interesse nacional relevante. Ao contrário, dizer, como disse (e, apesar de não ser essa a nossa proposta, respeito a sua posição), que
também se poderiam realizar referendos em simultâneo com as eleições nacionais já nos parece uma posição mais fragilizada, no sentido de gerar mais confusão.
Há alguma sensibilidade a uma crítica prevalecente, que é o caso de alguns partidos situados mais à esquerda, de que não se devem realizar referendos em simultâneo com outro tipo de eleições, e ponto final. É uma posição.
O Sr. Fernando Rosas (BE): — É a posição constitucional! O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — É por isso que estamos a rever a Constituição. O fundamento que nos leva a propor a alteração da Constituição para a realização de um referendo em
simultâneo com as eleições autárquicas é tão válido para as próximas como para futuras eleições autárquicas. Percebo que não seja tão cirúrgico, que não fiquemos apenas num único referendo, pois podemos estar a
abrir a porta para que próximos referendos se possam realizar em simultâneo com futuras eleições autárquicas. Todavia, não podemos ignorar que o fundamento que nos motivou agora pode ser válido nas próximas eleições, porque continuamos a pensar que não se confundem aspectos de interesse local com
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aspectos de interesse nacional, e que os eleitores saberiam sempre o que é que estariam a votar, ou seja, que a própria matéria em questão era diferenciável.
Esta é a razão fundamental da nossa proposta. O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos, então, passar à apresentação do projecto de revisão
constitucional n.º 2/X, da iniciativa do PCP. Tem a palavra, para o apresentar, o Sr. Deputado António Filipe. O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de revisão constitucional do
PCP é muito simples, compreende-se perfeitamente e quase se autojustifica. Desde 1992, altura em que se discutia a ratificação, por Portugal, do Tratado da União Europeia, assinado
em Maastricht, que o PCP tem vindo a defender a necessidade da realização de um referendo sobre os tratados constitutivos da União Europeia. Foi o primeiro momento em que a questão se colocou depois de a nossa Constituição, a partir de 1989, ter admitido o instituto do referendo de âmbito nacional. Assim, logo em 1992, o PCP propôs que se inscrevesse na Constituição não uma norma destinada a permitir a ratificação de todo e qualquer tratado internacional, mas uma norma com carácter excepcional, que permitisse submeter a ratificação o Tratado da União Europeia.
Nessa altura, os partidos maioritários não aceitaram a proposta, que tem sido repetidamente apresentada, pelo Grupo Parlamentar do PCP, em todas as revisões constitucionais subsequentes: aquando do processo de revisão constitucional, que não foi por diante, em 1994; e em 1997, ano em que, como se sabe, foi aprovada a infeliz norma que actualmente vigora e que não permite submeter a referendo directamente os tratados mas, sim, questões relacionadas com a participação de Portugal na União Europeia, o que, como se verifica, não serve — já, por mais de uma vez, foram julgadas inconstitucionais perguntas construídas na base dessa disposição constitucional.
Finalmente, todos reconhecem que essa norma constitucional não serve e que deve ser substituída por uma norma que, inequivocamente, permita referendar a participação de Portugal na União Europeia, nos termos em que ela é proposta nos respectivos tratados que estão submetidos a ratificação.
A questão que hoje se coloca é se deve ser permitido o referendo sobre os tratados a que se refere o n.º 6 do artigo 7.º da Constituição. Ora, a nossa opinião é que deve ser submetido a referendo um qualquer tratado que esteja nessas condições.
Mais claramente: não faz sentido permitir submeter a referendo apenas a ratificação de um Tratado, que está «moribundo» devido às vicissitudes do seu processo de ratificação (com o «não» da França e com eventuais «nãos» que se lhe possam seguir em referendos que vão ser realizados), porque não sabemos qual é o processo de reflexão que vai iniciar-se a partir de agora no âmbito da União Europeia. É perfeitamente possível, e até lógico, que este processo de ratificação seja integralmente repensado e que, daqui a uns tempos, se discuta não a ratificação daquele Tratado mas de um outro.
Assim, não faz qualquer sentido fazermos uma revisão constitucional para, daqui a algum tempo, declarar a sua inutilidade superveniente e, se quiséssemos ratificar outro tratado que venha a estar em discussão, fazer nova revisão constitucional para o permitir, andando a fazer revisões constitucionais «ao virar de cada esquina», sempre que as circunstâncias se alterem relativamente ao tratado que cumpre submeter a referendo.
Portanto, a única forma de resolver este problema é adaptarmos a Constituição Portuguesa ao princípio fundamental de que deve ser referendada qualquer evolução que a nível dos tratados se verifique relativamente às condições da participação de Portugal na União Europeia, Ou seja, devemos estar preparados para submeter a referendo aquilo que, no momento adequado, deva ser submetido a referendo. Nesse sentido, a nossa proposta parece-nos a mais adequada nesta matéria.
Sr. Presidente, como o nosso projecto não propõe qualquer alteração à norma que actualmente proíbe a simultaneidade dos actos referendários com demais actos eleitorais, não vou referir-me agora a essa matéria, visto que foi-me dada a palavra para explicar o conteúdo do projecto e não o que ele não contém.
No entanto, irei pronunciar-me, mais tarde, sobre a nossa recusa frontal de realização de referendos relativos a tratados europeus, em geral, em simultâneo com qualquer outro acto eleitoral, e, por maioria de razão, a realização deste referendo em simultâneo com as eleições autárquicas de Outubro próximo.
O Sr. Presidente: —Não havendo pedidos de esclarecimento ao orador, vamos passar à apresentação do
projecto de revisão constitucional n.º 3/X, da iniciativa do PSD. Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar ser bastante sintético na
apresentação do projecto de revisão constitucional do PSD. O PSD começou por apresentar uma intenção de que esta revisão fosse mais ampla, que não tivesse
apenas enfoque na matéria europeia, até porque, entretanto, se tinham propiciado em algumas matérias, designadamente na área da justiça, condições para reforçar alguns dos princípios de legitimação e outros, através de um entendimento com todos os partidos em geral, designadamente com o Partido Socialista.
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Como o Partido Socialista fez «finca-pé» no exercício do seu legítimo direito, no sentido de que deveríamos cingir-nos à questão europeia, o PSD, naturalmente, com a abertura que tem para as questões europeias, resolveu apresentar um projecto que se circunscrevesse a esta questão.
Nesse sentido, a proposta do PSD não apresenta qualquer alteração ao regime geral do referendo, porque entendemos que essa discussão deve ser feita num espaço mais amplo, visto que há um conjunto de compensações internas da Constituição que uma mudança do regime do referendo obrigaria a fazer. Justamente porque isso não era possível, uma vez que o que se pretendia era apenas discutir a União Europeia, o PSD considera que não há condições para discutir o regime do referendo em geral — até porque é sabido que, da nossa parte, haveria abertura para soluções com as quais o Partido Socialista não concordaria.
Por isso mesmo, o PSD resolveu remeter para uma norma que fará parte da lei constitucional, mas que não integrará a Constituição, a possibilidade de fazer coincidir o referendo sobre o Tratado Constitucional da União Europeia com as eleições autárquicas, sendo, assim, uma norma bastante cirúrgica aplicada a este contexto preciso, e a mais nenhum.
Optou também o Partido Social Democrata por inserir uma norma nas disposições finais e transitórias sobre a possibilidade de submeter o Tratado Constitucional a referendos.
Por que é que se decidiu que esta norma deveria constar do próprio texto constitucional e não apenas da lei constitucional? Porque a mudança que implica a aceitação de um Tratado Constitucional ou de uma Constituição Europeia é de tal relevância que deve ter uma tradução no nosso texto constitucional. Uma questão tão importante não deveria ficar remetida, acantonada na lei constitucional.
De resto, tal levaria a uma revisão constitucional que não tinha qualquer tradução no texto constitucional, mas apenas numa lei constitucional de revisão, o que também seria tecnicamente — diria até, esteticamente — pouco agradável.
No entanto, Partido Comunista exprimiu aqui uma preocupação em relação à qual fomos, de alguma maneira, sensíveis. É por isso que prevemos que possa haver referendo não apenas quanto ao Tratado Constitucional mas também quanto às suas alterações, o que significa que se, por exemplo, no contexto da actual reflexão sobre o «não» francês, se vierem a fazer ajustamentos ou até mudanças significativas, não está impedida a possibilidade de referendo sobre essas novas versões do Tratado Constitucional. Ou seja, a nossa proposta prevê a possibilidade de consulta directa não apenas do Tratado mas também das suas alterações futuras. No fundo, previne-nos contra versões diferentes que venham a aparecer, e é evidente que há vários caminhos possíveis.
Enfim, quem conhece a Constituição Europeia sabe que podem surgir alterações puramente laterais, e, nesse caso, talvez não se justifique um novo referendo; ou, então, alterações de grande monta, que já o justificariam. Portanto, com a nossa proposta fica aberta a porta para se fazerem essas alterações.
Também gostava de acrescentar que, embora fosse pensável que esta matéria pudesse ser incluída no artigo 7.º, relativo às relações internacionais, ou no artigo 115.º, relativo ao regime do referendo, entendemos que, por nesta altura ser previsível a existência de alguma incerteza quanto ao destino do Tratado Constitucional, ela deveria ficar consagrada nas disposições finais e transitórias. É esse o seu local sistemático, uma vez que, numa revisão constitucional futura, pode ser necessário removê-la.
Portanto, para já, pelo menos enquanto não houver consolidação desta matéria, entendemos que o seu local sistemático ideal seria, justamente, o das disposições finais e transitórias.
Os princípios a que se submeteu o projecto de revisão constitucional do PSD estão, assim, claramente elencados.
Primeiro, circunscrever esta revisão, apenas e só, à matéria em causa — o referendo do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa —, o que implica não mexer no regime geral do referendo, mas permitir a realização deste referendo em simultâneo com as eleições autárquicas, fazendo-o apenas numa disposição da lei da revisão constitucional.
Segundo, prever a possibilidade de referendar não apenas a actual versão do Tratado Constitucional mas futuras alterações. Aliás, toda esta crise originada pelo «não» francês poderia ter tido um desenlace feliz, o de que esta versão viesse a ser, afinal, ratificada por todos os Estados-membros ao fim de dois anos. Mas isso nada impede que, daqui a cinco ou seis anos, esse Tratado não seja revisto e essa revisão não mereça, também, um referendo.
Julgamos, portanto, que a ideia de incluir as alterações ao Tratado é positiva, no sentido de contemplar essas hipóteses.
O Sr. Presidente: —Não havendo pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Paulo Rangel, passamos à
apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 4/X, da iniciativa do CDS-PP. Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães. O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já aqui foi dito por anteriores
Deputados, esta é uma revisão constitucional limitada ou limitadíssima. Nesse sentido, irei apresentar o projecto de revisão constitucional do CDS-PP de forma sintética, sem tomar demasiado tempo a esta
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Comissão, até porque creio que o projecto, nomeadamente na sua exposição de motivos, se autojustifica, se auto-explica.
Defendemos, neste projecto, uma revisão limitada ou limitadíssima não tanto por o CDS-PP, como aliás é amplamente conhecido, não defender a necessidade de uma revisão mais alargada da nossa Constituição mas por julgar que, por uma questão de timing, nomeadamente por ter decorrido menos de um ano desde a publicação da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, estando em causa uma matéria tão importante e premente para o CDS-PP como a necessidade de referendar matéria europeia, e pelo facto de, pela primeira vez, os portugueses poderem pronunciar-se directamente sobre o processo de construção europeia — o que nunca foi concedido, ao contrário daquilo que o CDS-PP preconiza, pelo menos desde 1996, com posições muito claras e públicas sobre essa necessidade —, é absolutamente fundamental podermos concretizar a consagração de um referendo, de uma forma clara, directa e objectiva, dando aos portugueses a possibilidade de se pronunciarem sobre a aprovação do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, constante do Tratado de Roma, assinado em 29 de Outubro de 2004.
Para o CDS-PP, o objectivo essencial desta revisão constitucional extraordinária é permitir a realização deste referendo, podendo os portugueses e as portuguesas, pela primeira vez — repito —, pronunciar-se sobre esta questão europeia.
Propomos, por isso, uma norma de carácter transitório que prevê o relevante interesse nacional do referendo em questão, não permitindo a subsistência, nomeadamente por força da jurisprudência constitucional que o Sr. Presidente e os demais Srs. Deputados conhecem, de qualquer tipo de dúvida sobre a legalidade da convocação do referendo.
Entendemos, também, que este referendo deve realiza-se o mais rapidamente possível. E não vou referir-me, pelo menos para já, à questão da sua realização ser ou não simultânea com a de eleições autárquicas.
Em todo o caso, conscientes das dificuldades em conseguir um calendário de acordo com os limites temporais da convocação de referendos, expressos no actual n.º 7 do artigo 115.º, o projecto do CDS-PP prevê que essa restrição se resuma, no caso de referendos de âmbito nacional, à convocação e realização de referendos simultaneamente com eleições para os órgãos de soberania (eleições presidenciais e legislativas) e, nos casos de referendos de âmbito regional, à restrição da simultaneidade do referendo regional com eleições regionais. Trata-se aqui, mais do que uma divergência, de uma diferença em relação ao projecto apresentado pelo Partido Socialista.
Nesse sentido, talvez o nosso projecto não seja tão minimalista quanto o de outros partidos, mas gostaria de reafirmar que o essencial para nós é permitir a pronúncia, por parte dos cidadãos portugueses, sobre a questão europeia — que isso fique bastante claro.
O CDS-PP aproveita para retomar algo que desde sempre defendeu, que é a consagração da possibilidade do chamado referendo constitucional. Esta é uma proposta de sempre do CDS-PP e, uma vez que estamos a alterar o artigo 115.º, não podemos deixar de a apresentar, não tanto para consagrar um plebiscito mas, sim, para procurar ter uma visão moderna e adequada da Constituição, que deve servir, sobretudo, os cidadãos e não impor uma visão de sociedade que não é aquela que necessariamente existe actualmente.
Por isso, relançamos o referendo como instrumento de democracia directa, como forma de participação directa dos cidadãos na condução dos destinos do País. Para tanto, elimina-se a impossibilidade de o referendo recair sobre matéria constitucional, mantendo-se, no entanto, a proibição de referendar as matérias relativas aos limites materiais à revisão constitucional.
Sr. Presidente, julgo que já terei tomado algum tempo a esta Comissão, mas esta é a explicação que tinha para dar.
O Sr. Presidente: —Não havendo inscrições para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno
Magalhães, vamos passar à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 5/X, da iniciativa dos Srs. Deputados do PSD Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira.
Como os Srs. Deputados não estavam presentes no início da reunião, gostaria de dizer-lhes que ficou acordado que, para cada projecto, um dos subscritores usaria de 5 minutos para fazer a respectiva apresentação e, depois, responderia a pedidos de esclarecimento, caso os houvesse.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Miguel Pignatelli Queiroz. O Sr. Miguel Pignatelli Queiroz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não vou demorar muito
tempo a fazer a apresentação do nosso projecto, porque o problema que tratamos não necessita de apresentações. É uma questão de princípio, que já foi colocada à Assembleia da República por várias vezes em termos de petição e, suponho, que o é, pela primeira vez, em termos de projecto de revisão constitucional, que penso ser a via correcta.
Em primeiro lugar, dado que estamos aqui na qualidade de Deputados independentes eleitos pelo PSD, a posição do PPM não é de qualquer tipo de animosidade contra a república nem contra os republicanos.
Efectivamente, este projecto tem como primeira e única finalidade — não queremos um referendo apressado — alterar o que está estabelecido na alínea b) do artigo 288.º da Constituição, pois não o consideramos muito democrático nem muito correcto, visto que não há formas republicanas de governo, mas regimes republicanos e monárquicos.
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A diferença não é assim muito grande, porque nada mudará mais do que a cúpula do Estado: continuamos a ter autarquias — parece que sou o único triautarca desta Assembleia da República e, portanto, acérrimo defensor das autarquias –; continuamos a ter a Assembleia ou o Parlamento, com o nome que lhe quisermos dar; continuamos a ter os tribunais e os poderes independentes.
Esta mudança é fundamental, porque vai valorizar democraticamente a Constituição da República Portuguesa, ou seja, se a tão falada Constituição da Europa não exigir que esta alínea seja retirada da nossa Constituição, apenas pretendemos que o caminho esteja aberto para que a III República (ou a II República, depende da perspectiva) consiga cumprir as promessas feitas pelos primeiros republicanos que, em 5 de Outubro de 1910, prometeram ao País um plebiscito para saber se o povo português queria a monarquia ou a república.
Portanto, Sr. Presidente, a nossa justificação é tão simples como isto. Cabe agora decidir por quem tem o poder e o direito de, efectivamente, decidir.
O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos ao orador, tem a palavra o Sr. Deputado António
Montalvão Machado. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, antes de mais, queria cumprimentar V. Ex.ª,
o Sr. Vice-Presidente e os restantes Srs. Deputados e desejar-lhes um bom trabalho no âmbito desta Comissão.
Como já aqui foi dito, inicialmente o objectivo do Partido Social Democrata nesta revisão constitucional era mais abrangente, no sentido de que pudesse estender-se este processo a eventuais alterações às normas constitucionais ligadas à organização do nosso poder judicial.
Por isso, supusemos que o pacto de justiça que o anterior governo tinha anunciado, e para o qual também apelara ao Sr. Presidente da República, fosse bem recebido pelo hoje maior partido português, o Partido Socialista, designadamente pelo Secretário-Geral do Partido Socialista e Primeiro-Ministro.
Ora, no debate mensal que o Parlamento travou com o Governo, foi manifestamente evidente que o Primeiro-Ministro renegou a extensão que propúnhamos de que esta revisão constitucional abrangesse também as questões constitucionais ligadas à organização do poder judicial.
Perante esta circunstância, ao PSD restava-lhe uma de duas vias: ou inviabilizava este processo de revisão constitucional ou, ciente das suas responsabilidades históricas, como verdadeira instituição democrática que é, e da sua raiz social democrata europeia que, como é sabido, o leva a ser um partido convictamente europeísta, decidia, como decidiu, apresentar uma proposta de revisão constitucional com um objectivo cirúrgico, o de permitir que o referendo se dirigisse a um diploma na sua globalidade jurídica, ponto um, e que o referendo coincidisse com as próximas eleições autárquicas, ponto dois.
O bom senso, a serenidade, o equilíbrio e a prudência legislativas justificam que o objectivo imediato que todos temos — o Partido Social Democrata, o Partido Socialista e o Partido Popular — se cinja a este referendo. Outro tanto não parece querer o Partido Socialista, que admite deixar uma porta aberta (eu diria escancarada) por um futuro incerto que todos desconhecemos, deixando ficar na Constituição uma norma que permite que qualquer referendo se faça simultaneamente com eleições autárquicas.
Insisto que o Partido Socialista, com o maior respeito pela sua posição… O Sr. Presidente: —Sr. Deputado Montalvão Machado, não quero cortar o seu raciocínio, mas queria
pedir-lhe que fizesse uma pergunta ao Sr. Deputado Miguel Pignatelli Queiroz. Se pretender fazer considerações gerais, dar-lhe-ei a palavra para tal na segunda ronda.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, se me deixar concluir, perceberá qual a
razão do meu argumentário. O Sr. Presidente: —Estou percebendo! Risos. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Estou certo, Sr. Presidente, de que irá perceber ainda
melhor! De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não foi dada uma boa razão para que o projecto do Partido
Socialista, nesta conformidade, seja de admitir. A ser assim — e aqui está, como V. Ex.ª verá, a razão do meu pensamento, cujo desenvolvimento me fará
justiça —, e porque a posição do Partido Social Democrata foi justamente a de cingir esta revisão constitucional a este objectivo cirúrgico, milimétrico, que enunciámos, menos ainda era de aceitar o projecto apresentado pelos Srs. Deputados ora proponentes.
Este projecto, saliento, merece o maior respeito e merece que confirmemos a coerência dos Srs. Deputados, mas, de facto, se o objectivo desta revisão constitucional é aquele que o Partido Social Democrata
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enunciou, realmente temos de reconhecer que o projecto de revisão constitucional apresentado pelos Srs. Deputados Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira, não obstante, insisto, o respeito que merece e o reconhecimento pela sua coerência, vai muito para além daquele objectivo que então traçámos.
Deste modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não propriamente como uma pergunta que coloco, mas mais como uma apreciação final…
O Sr. Presidente: —Bem me queria parecer que faltava a pergunta! Risos. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Sr. Presidente, peço desculpa, mas em todos os trabalhos
anteriores que levámos a cabo houve sempre uma apreciação por parte de todos os partidos às propostas apresentadas.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, não obstante, o que ficou combinado foi que a apreciação geral fosse
feita numa segunda ronda. É apenas por isso que estou a interrompê-lo. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — A questão que, então, se coloca, sobretudo a propósito do
preâmbulo do projecto, deixando bem clara a vocação verdadeiramente republicana do Partido Social Democrata, é a de saber se os proponentes, de facto, pré-conceberam o objectivo nuclear desta revisão constitucional e, nesse caso, qual é a posição dos Srs. Deputados proponentes.
O Sr. Presidente: —Tem, então, a palavra para responder o Sr. Deputado Miguel Pignatelli Queiroz. O Sr. Miguel Pignatelli Queiroz (PSD): — Sr. Presidente, tal como V. Ex.ª, não percebi bem a pergunta
que me foi dirigida. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Mas, se quiser, eu repito. O Sr. Presidente: —Não vale a pena, Sr. Deputado. O Sr. Miguel Pignatelli Queiroz (PSD): — Não, não! Dizia que não percebi bem a pergunta que me foi dirigida, pois penso que nós, como Deputados, agimos
dentro daquilo que nos é possibilitado pela lei vigente neste momento. Como tal, apresentámos este projecto de revisão constitucional com o conhecimento do grupo parlamentar em que neste momento nos integramos.
Se tal facto, o conhecimento do grupo parlamentar, não foi até agora referido, gostava de o reiterar aqui. Foi com o conhecimento do Grupo Parlamentar do PSD que nós, legitimamente, apresentámos este projecto de revisão constitucional. Não faria, aliás, sentido de outra maneira. Estando nós integrados ainda no Grupo Parlamentar do PSD, é evidente que este, o Grupo Parlamentar, tinha que conhecer esta iniciativa.
No entanto, a segunda parte da resposta tem de ser dada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República. Devia ou não o Sr. Presidente aceitar este projecto?
O Sr. Presidente: —O Sr. Presidente aceitou a iniciativa e, portanto, ela está em discussão. Muito bem, não havendo mais perguntas sobre esta matéria, passamos à apresentação do projecto de
revisão constitucional n.º 6/X, da iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes». Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por referir
que o Partido Ecologista «Os Verdes» apresentou este projecto de revisão constitucional com um único objectivo: o de criar a possibilidade de referendar em Portugal tratados da União Europeia. Aliás, já tendo defendido a hipótese de realizar um referendo para outros tratados e não, única e exclusivamente, para este Tratado Constitucional, consideramos lamentável que esta hipótese não tenha sido já resolvida na anterior revisão constitucional, sobretudo quando então houve projectos que integraram esta mesma proposta, designadamente o de Os Verdes.
Ora, se esta questão tivesse ficado solucionada no anterior processo de revisão constitucional, poder-se-ia ter evitado aquela cena, na nossa perspectiva lamentável, do acordo entre o PS e o PSD para a elaboração de uma pergunta extremamente confusa, que não poderia ter tido outro destino que não o «chumbo» do Tribunal Constitucional, pela sua ilegalidade e inconstitucionalidade.
De qualquer modo, abrimos um novo processo de revisão constitucional e todos acordámos — houve, de facto, um consenso — que esta revisão constitucional seria cirúrgica e exclusivamente destinada à possibilidade da realização de referendos sobre os tratados da União Europeia. É esta, pelo menos, a nossa leitura, já que outras propostas não contemplam única e exclusivamente esta matéria. De todo o modo, nós, Os Verdes, consideramos que a revisão não deve ir para além disto.
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De qualquer modo, ainda nesta intervenção de apresentação do nosso projecto, gostava de referir o seguinte: no que toca ao referendo do Tratado Constitucional, nós, Os Verdes, não concordamos, em absoluto, com a simultaneidade do referendo com outros actos eleitorais.
Não me vou pronunciar de forma muito detalhada sobre esta matéria, mas gostava de dizer, por via da intervenção que o Sr. Deputado do Partido Socialista fez, apresentando o seu projecto de revisão constitucional, que a não concordância com esta simultaneidade não tem absolutamente nada a ver com a confusão que se pode estabelecer na cabeça dos eleitores. Nós consideramos que os eleitores podem perfeitamente distinguir aquilo que estão a votar, sabendo perfeitamente onde vão pôr a sua «cruzinha» e porquê.
Todavia, pensamos que essa solução inviabiliza totalmente o debate amplo, sério e esclarecedor sobre aquilo que está em questão. Estamos, portanto, a perspectivar o que vai passar-se neste referendo e nas próximas eleições autárquicas, em que vamos estar a discutir candidatos e projectos para as diferentes localidades, os diferentes concelhos e as diferentes freguesias deste país e, pura e simplesmente, as questões europeias vão ficar esquecidas.
Ora, na nossa perspectiva, Portugal e os portugueses terão tudo a perder com essa simultaneidade. A confusão decorre, portanto, da impossibilidade da realização de um debate esclarecedor, plural e sério sobre esta matéria. Se há alguém que esteja interessado na não realização desse debate, nós excluímo-nos totalmente desse grupo, razão pela qual discordamos desta simultaneidade.
Para além disso, não concordamos, de modo algum, que se estabeleça, como alguns projectos fazem, a possibilidade de ao referendo ser consagrada uma disposição transitória, prevendo exclusivamente este Tratado Constitucional.
Apresentámos uma proposta com base no n.º 4 do artigo 115.º, que exclui do âmbito do referendo determinadas matérias, e acrescentámos-lhe um ponto, no qual referimos que esta exclusão não se aplica aos tratados relativos à construção europeia. Ou seja, não limitamos a norma a incluir exclusivamente este Tratado.
Por outro lado, consideramos que neste momento é importante ter em conta a realidade actual, constatando que houve um referendo em França onde ganhou o «não» a este Tratado Constitucional. Nós, Os Verdes, entendemos que, face ao que aconteceu em França e que pode vir, ou não, a acontecer noutros países, os processos de ratificação deveriam parar por aqui. Isto porque, se não for esta a perspectiva, consideramos que não estão a ser respeitadas as regras do «jogo» que tinham sido estabelecidas.
As regras desse «jogo» ou desse processo de ratificação estabeleciam a unanimidade e não a maioria, pelo que, na nossa perspectiva, a leitura de que temos de chegar ao fim e ver se houve mais vitórias do «não» ou mais vitórias do «sim» não é correcta. A regra do «jogo» era a da unanimidade e não a da maioria e, à partida, um «não» deveria, na nossa opinião, parar os processos de ratificação, na medida em que o Tratado já não entrará em vigor, de acordo com as suas próprias regras.
De qualquer modo, parece que essa não será a perspectiva dominante, ainda que não saibamos exactamente o que é que vai resultar da proposta que está em vias de ratificação noutros países. O que consideramos, contudo, é que, a realizar-se, ainda assim, o referendo sobre este Tratado Constitucional com vista à sua ratificação, ele nunca deve ter lugar em Portugal no ano de 2005. Nunca! Justamente pela razão que invoquei ainda há pouco e que se prende com a questão da necessidade de levar a cabo um debate amplo e muito sério. Desde já, relembro os Srs. Deputados — porque todos os conhecem, seguramente — vários estudos realizados a nível da União Europeia, designadamente alguns eurobarómetros, um mesmo especial…
O Sr. Presidente: —Sr.ª Deputada, peço desculpa por interromper, mas gostava de saber se esse assunto
está relacionado com o projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Ecologista «Os Verdes». A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes) — Está, sim, Sr. Presidente. Consta do preâmbulo do projecto. O Sr. Presidente: —Muito bem. A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes) — Serei, todavia, muito breve. Dizia que vários estudos realizados a nível da União Europeia, designadamente alguns eurobarómetros,
concluem justamente que os portugueses são dos povos dos Estados-membros da União Europeia que menos informação têm relativamente a assuntos europeus.
Outro estudo, por seu turno, refere que quase 40% dos portugueses não ouviram falar do Tratado Constitucional e que 50% dos que já tinham ouvido falar deste Tratado reconheciam que, praticamente, não conheciam o seu conteúdo.
Isto, para nós, é extremamente preocupante, pelo que consideramos que a questão da informação, do esclarecimento e do amplo debate é determinante neste processo e está subjacente ao projecto de revisão constitucional que apresentámos.
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O Sr. Presidente: —Alguém deseja pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia? O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Desejo, sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: —Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, queria apenas chamar a
atenção para um ponto e, nessa medida, pedir um esclarecimento sobre algo que foi mencionado várias vezes e que, penso, constitui um elemento importante da argumentação que aqui trouxe.
V. Ex.ª disse que está prejudicada a consideração do Tratado Constitucional enquanto tal, por ser já impossível obter unanimidade quanto a este. No entanto, a verdade é que há uma declaração aposta ao penúltimo artigo do Tratado Constitucional, que é justamente o que prevê a unanimidade, que refere que se, chegados a Novembro de 2006, houver quatro quintos dos Estados que tenham ratificado e um quinto que, eventualmente, não o tenha feito, porque recusou ou porque ainda não desenvolveu qualquer processo nesse sentido, o Conselho Europeu deverá ter uma actuação política para ver o que se deve fazer. Tal significa que se contou com a possibilidade de mais do que um Estado não ratificar este Tratado.
Este é um aspecto importante, pois os próprios autores do Tratado contaram com a hipótese de, pelo menos, 5 dos 25 Estados não ratificarem este texto, e isso faz com que o argumento que usou não tenha valor.
O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Paulo Rangel acabou por referir
que não há solução no Tratado para a não unanimidade. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Mas tem que o ler até ao fim! A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Repito: não há solução no Tratado para a não unanimidade. O
que se estipula é a necessidade de unanimidade para a sua entrada em vigor, e não concebo que num processo democrático em que o povo de um Estado-membro tenha determinado um «não» o mesmo seja quase chantageado para que, no final do processo, quando vamos contar os «sins» e os «nãos», se conceba a hipótese da realização de um novo referendo, em que esse povo, quase obrigatoriamente, diga «sim».
Na minha perspectiva, este não é um processo democrático e este Tratado Constitucional já não nasceu de um processo democrático.
De qualquer modo, como referi há pouco, foram fixadas as regras do «jogo», mas agora, como elas não são favoráveis, querem alterá-las! Esta não é uma lógica democrática e não há respeito por aquilo que o povo de um determinado Estado-membro já definiu relativamente ao futuro deste Tratado.
O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas, que talvez nos
possa dizer por que é que o Bloco de Esquerda não apresentou um projecto de revisão constitucional. Este é um bom tema para a sua primeira intervenção.
Risos. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ressalvado o propósito restauracionista
do projecto dos Srs. Deputados, meus velhos e muito respeitados adversários nesta polémica entre as formas do Estado, penso que se pretendia com esta revisão constitucional permitir a consulta referendária ao povo português em matéria de tratados internacionais, mas com âmbito distinto. Isto é, só de tratados sobre a União Europeia, no projecto do Partido Comunista, e de tratados sobre os grandes passos da política externa no seu conjunto, no propósito inicial do Bloco de Esquerda.
De qualquer maneira, o propósito parecia-me importante, o de permitir aos cidadãos portugueses algo que eles nunca tiveram o direito de fazer, desde 1986: pronunciarem-se, através do voto, sobre os principais passos do processo de integração do País nas comunidades, na União, na Europa.
Salvo o devido respeito pelos demais projectos, não penso que seja isto que se passa com o que está em cima da mesa.
O Partido Socialista e o Partido Social Democrata, aparentemente, concordaram já não numa revisão constitucional mas numa espécie de suspensão da vigência da Constituição para os precisos efeitos de referendar este, e só este, Tratado da Constituição Europeia.
Ousaria falar numa espécie de suspensão «à la carte», ou seja, suspende-se a vigência da Constituição de acordo com as conveniências políticas pontuais e de momento de uma maioria de dois terços no Parlamento, o que considero, do ponto de vista dos princípios, um precedente bastante grave, porque não significa que se altera a Constituição sobre a concessão do direito de as pessoas votarem por referendo os tratados internacionais – alguns ou parte deles – mas, sim, que, para este Tratado concreto, a Constituição não se
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aplica. Ou seja, é possível suspender a vigência do texto constitucional por motivos políticos conjunturais, desde que haja uma maioria de dois terços para o fazer.
Devo dizer, Sr. Presidente, que, no tempo em que andávamos na Faculdade de Direito, esta técnica era altamente condenável pelos nossos mestres. Já deixei o Direito há muitos anos…, mas parece que, ultimamente, nas revisões constitucionais, se tem adoptado a técnica das normas transitórias – que, salvo o devido respeito, é de qualidade jurídica bastante duvidosa. E, neste caso concreto, permite esta solução: não se trata de rever a Constituição, mas de suspender a sua vigência, excepcioná-la, no caso deste Tratado, e só para ele.
A adopção desta técnica como princípio comum de revisão constitucional permite, para efeitos que hoje podemos não saber quais são, desde que obtida uma maioria de dois terços, que a Constituição possa ser objecto de votação não propriamente para rever o texto mas para suspender a sua vigência, que é o que se passa nos projectos que estão em cima da mesa.
Neste sentido, falo de uma pseudo-revisão constitucional, em relação à qual decidimos não valer muito a pena apresentar um projecto constitucional, uma vez que já está a desenhar-se o que se vai passar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta solução tem uma outra agravante. Houve um «não» em França, pode haver um «não» na Holanda, em Inglaterra e pode acontecer que, a
meio do percurso, por qualquer razão, as instituições da União resolvam, por exemplo, negociar uma revisão do Tratado. Neste caso, lá teremos que rever a Constituição outra vez, pelo menos do ponto de vista da técnica constitucional utilizada pelo Partido Socialista – não tanto a do PSD, que inclui uma norma de âmbito mais geral, ou seja, incorpora a excepção no próprio texto constitucional –, porque, entretanto, por hipótese, a evolução da situação política ditou uma nova versão do Tratado.
Portanto, trata-se de rever outra vez a constituição, porque não é uma revisão o que aqui se faz mas, sim, uma suspensão da vigência do texto com vista a este Tratado, e só este.
É uma má técnica, um mau princípio e, do ponto de vista político, pode ser um precedente de consequências imprevisíveis! Naturalmente, hoje estamos cá nós, daqui a 10 anos não se sabe quem cá estará a ditar, por uma maioria de dois terços, a suspensão da vigência da Constituição para um efeito qualquer, que pode não ser este mas um outro.
Para agravar o panorama algo peculiar desta alegada revisão constitucional, o PS, o PSD e o CDS-PP coincidem na decisão de revogar o interdito constitucional da coincidência da convocação do referendo com os actos eleitorais, para autorizar, ainda que em temos diferentes, a simultaneidade do referendo da Constituição Europeia com actos eleitorais.
Para o Partido Socialista e para o CDS-PP, trata-se de uma autorização em termos permanentes para certas modalidades de referendo ou tipo de eleição (que são diferentes nos dois projectos); para o Partido Social Democrata, trata-se de uma excepção: suspende-se a vigência deste artigo da Constituição para este Tratado em concreto, o que significa que, aparentemente, referendado este Tratado, a norma ficará sem efeito, porque não é uma norma…
Quando estudei Direito, as normas eram de carácter geral e abstracto, mas parece que agora já não são! São específicas e particulares.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Algumas não eram, só pareciam! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Nós estudávamos assim… Não sou jurista e, por isso, não quero entrar muito nesse debate, mas compreendo a lógica da norma de
carácter geral e abstracto, sobretudo a constitucional, que é a mais nobre de todas as normas e cujo carácter geral e abstracto deveria ser o mais sólido.
Portanto, para mim – ao que resta da minha consciência jurídica –, introduzir este tipo de excepções à Constituição para efeitos concretos faz-me bastante impressão e penso que, politicamente, não é muito certo.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Consciência jurídica que mantém apurada! O Sr. Fernando Rosas (BE): — É uma espécie de subconsciente. Em suma, a coincidência do referendo com actos eleitorais não merece o nosso apoio, é o esvaziamento
do verdadeiro debate sobre o Tratado da Constituição Europeia, sobretudo nas eleições autárquicas. Bem sei que há outros exemplos europeus, nos Estados Unidos, em diversos países, mas, nessa matéria,
Portugal é Portugal, e não estou a ver como é que, com serenidade, alguém pode defender que vai haver um verdadeiro debate sobre o Tratado Constitucional em simultâneo com 300 eleições, isto é, as eleições para as autarquias e as freguesias.
No fundo, trata-se ainda de uma forma de continuar a velha oposição dos partidos maioritários no nosso sistema político a uma verdadeira consulta em matéria de tratados europeus, que nunca foi feita, pretendendo-se agora que seja feita da maneira mais segura possível, que é fingir que se faz sem fazer o debate.
Portanto, lamentamos que se vá por este caminho, o qual merecerá a nossa oposição.
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Dir-se-ia que estamos simultaneamente perante uma pseudo-revisão constitucional e um pseudodebate sobre o Tratado Constitucional, e perde-se – ou vai perder-se, provavelmente – uma boa oportunidade, uma indispensável oportunidade para fazer um verdadeiro debate sobre o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Até porque, em Portugal, o «sim» tem uma previsão confortável de resultado.
Quer dizer, poderia haver a generosidade, já não direi o risco, de fazer um verdadeiro debate sobre o Tratado Constitucional — que poderia ter lugar em Fevereiro ou em Março do ano que vem, como disse a Deputada Heloísa Apolónia —, temos tempo para o fazer, devíamos fazê-lo, sem receio, mobilizando os cidadãos. Contudo, vai perder-se esta oportunidade, diluindo-o na imensa «pastelada» das eleições locais, que é uma forma de não discutir nada.
Resumindo e concluindo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Bloco de Esquerda opõe-se à coincidência de actos eleitorais com actos referendários, como prevêem os três partidos que acabo de citar – o PS, o PSD e do PP –, ainda que com modalidades diferentes.
O Bloco opõe-se, também, à admissibilidade deste referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu através de norma transitória e específica só para ele, o que contraria o carácter geral e abstracto das leis e é uma espécie de suspensão da vigência constitucional determinada por motivos políticos transitórios e por maiorias políticas de dois terços (as necessárias), também elas transitórias.
Opomo-nos igualmente à vontade do PP de retomar a sua velha aspiração ao referendo sobre matéria constitucional, que é uma espécie de fantasma que regressa à «boca de cena» periodicamente por parte do PP – é uma demonstração de coerência, mas que não merece o nosso apoio.
Gostaríamos de ter um referendo, de ter a possibilidade de os portugueses votarem certos tratados internacionais, podendo variar o seu âmbito – tratados europeus ou outros –, e, sobretudo, pensamos que a verdadeira discussão deste Tratado exigiria a não coincidência do acto eleitoral com o referendo.
Assim, iremos votar contra os três projectos de revisão constitucional subscritos pelos três partidos referidos anteriormente e apoiaremos os outros dois que se aproximam do nosso ponto de vista.
Devo ainda acrescentar que apresentarmos um projecto era uma espécie de tautologia que não mereceria a pena ocupar o tempo e a paciência dos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos passar à segunda ronda de intervenções neste debate, de
alguma forma já iniciada pelos nossos estimados colegas com muito brilho. Espera-se agora que cada um dos oradores se pronuncie a propósito dos outros projectos que não apenas o seu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, Vice-Presidente da Comissão. O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta segunda ronda, talvez valha a
pena fazer algumas considerações mais laterais sobre o que já foi dito nesta Comissão. Em primeiro lugar, queria dizer que o funcionamento da democracia fica garantido se dois terços dos
Deputados chegarem a acordo; o que era de estranhar era que 7% ou 8% fizessem a revisão da Constituição. Isso, sim, é que o povo estranharia!
Portanto, penso que uma maioria tão qualificada, aliás, a mais qualificada que pode haver em votações, é a garantia de que o funcionamento das instituições democráticas é regular e que vamos no bom caminho.
De resto, o Partido Socialista não tem uma visão estática da Constituição, o que, naturalmente, nos distingue de outros partidos. Consideramos que a Constituição é, de facto, o núcleo fundamental de normas que rege o nosso sistema mas, obviamente, não estamos presos para o resto da vida à Constituição e ao que, em 1976 ou em 1992, se estatuiu, nas respectivas revisões constitucionais.
É bem evidente que não queremos fazer nenhuma revolução constitucional, bem pelo contrário, estamos aqui a tratar apenas de um pequeno aspecto da Constituição. Porém, não temos receio de tratar de temas fundamentais, quando for o caso – e, neste caso concreto, do que diz respeito ao referendo.
Falando daquele que é o receio dos partidos mais à esquerda, o de que não vai haver debate, diria que isso é duvidar de si próprio, ou seja, cada um tem a capacidade própria de promover e de tomar a iniciativa de esclarecer os portugueses.
O Partido Socialista desenvolverá todos os esforços para esclarecer os portugueses sobre o que está em causa, quando houver lugar à marcação do referendo e depois do processo estar finalizado, e até entretanto, porque temos a consciência e a certeza de que quanto melhor esclarecidos estiverem mais votarão em consciência. Agora, não temos a visão, que me vou abster de qualificar, de ter tantas dúvidas, tantas dúvidas sobre a União Europeia e pensar que, afinal, se calhar, uns Deputados nossos lá também dão jeito; se calhar, pertencer a algumas organizações também dá jeito, mas se não estivéssemos lá era melhor. Esta confusão, de facto, o Partido Socialista não faz.
Nós queremos estar na União Europeia, nós temos Deputados no Parlamento Europeu, nós queremos fazer parte dessa União e não temos de arranjar desculpas, a pretexto seja do que for, para inviabilizar essa aproximação e essa União que pretendemos. Também é preciso que fique claro que, a pretexto de qualquer questão, as dúvidas que se levantam não são, eventualmente, sobre a questão em concreto mas, sim, sobre uma questão mais de fundo e de algum inconfortável sentimento por pertencer à União Europeia.
Portanto, nesse particular, o que o Partido Socialista pode dizer é que iniciamos aqui o processo de revisão constitucional, estamos convencidos de que é possível chegar a um acordo para a realização e efectivação de
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um referendo sobre o Tratado Constitucional, porque tal corresponde a um compromisso político do Partido Socialista para com os seus eleitores e para com os portugueses. Queremos cumprir esse compromisso e tudo faremos para o esclarecimento dos portugueses sobre aquilo que estará em causa no referendo.
O nosso objectivo essencial – já o disse e repito – é a realização do referendo nas próximas eleições autárquicas mas, tendo delineado esse objectivo (em concordância com o PSD), quisemos realçar um aspecto que ultrapassasse esta revisão tão, tão cirúrgica.
Como já expliquei, ou como o Partido Socialista já tentou explicar, entendemos que o fundamento tinha tanta razoabilidade que poderia, e pode, ser válido para outras eleições autárquicas. Não incluímos, no entanto, nenhuma das questões referidas pelo Sr. Deputado Matos Correia, relativamente aos prazos, precisamente por se tratar aqui de uma revisão tão cirúrgica.
A questão que está no preâmbulo, relativamente ao direito comparado e aos prazos que existem entre a convocação de eleições e a realização de referendos, também podia ser tratada nesta revisão constitucional, mas como a revisão é tão cirúrgica, tão cirúrgica, entendemos que não deveríamos incluir mais um elemento perturbador. No entanto, quisemos deixar um sinal claro de que também víamos com algum interesse que esses limites temporais desaparecessem da Constituição.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, há diversos oradores inscritos para usar da palavra, pelo que vou dá-la,
em primeiro lugar, por ordem de inscrição, ao Sr. Deputado Guilherme Silva. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo fazer uma intervenção de
carácter genérico, mas que visa, em parte, repor a verdade de alguma história recente sobre esta matéria que, através de algumas intervenções, já foi, do meu ponto de vista, um pouco desfocada.
Assim, em nome do PSD, gostaria de dizer o seguinte: entendemos que é boa a solução constitucional de, por princípio, impedir o referendo de tratados ou convenções internacionais, por si próprias, pelas razões que estão explanadas pelos constitucionalistas. Pensamos que deve, por isso manter-se constitucionalmente esse princípio.
Também estamos de acordo com o princípio de respeitar prazos e, acima de tudo, de não acumular actos eleitorais com referendos.
São dois princípios que têm a sua justificação, que estão sustentados em vários estudos da doutrina sobre esta matéria e que entendemos como boa solução.
Todavia, deparando com este quadro constitucional, que julgamos que, como regra, deve subsistir, havia algo que nos preocupava e que constituiu, desde sempre, uma preocupação fundamental. Estavam ainda a decorrer os trabalhos da Convenção quando entendemos que, se, eventualmente, da conclusão daqueles trabalhos, resultassem alterações relevantes, significativas no quadro de funcionamento da União Europeia, como aquelas que vieram, efectivamente, a resultar do Tratado Constitucional Europeu, seria imperativo que os portugueses fossem consultados, por via de referendo, sobre essa matéria. E dissemos desde logo que isso, pela tal restrição constitucional que referi, implicava uma revisão constitucional. Não era pensável formular uma pergunta clara aos portugueses sobre esta matéria sem uma revisão constitucional.
Como toda a gente sabe, no quadro da Legislatura anterior, os dois terços para a revisão constitucional formavam-se entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista, o que significava que aquele desiderato não era alcançável sem o Partido Socialista.
Insistimos, junto da direcção do Partido Socialista, para que se avançasse de imediato para uma revisão constitucional que permitisse este quadro de excepcionalidade — que não tem de causar tanto engulho ao Sr. Deputado Fernando Rosas, porque, se é genuína a sua vontade de consultar os portugueses, deveria ser genuína a sua vontade de aceitar estas alterações, ainda que com carácter excepcional —, mas a verdade é que deparámos com uma barreira, por parte do Partido Socialista, na revisão anterior, na qual se poderia ter resolvido o problema.
O próprio Secretário-Geral do Partido Socialista disse à direcção do meu partido, em acto em que estive presente, o seguinte: só aceitamos fazer uma revisão constitucional, demonstrado que fique que, no quadro da Constituição vigente, não podemos fazer esta consulta referendária.
Iniciámos, então, o fadário, o calvário da pergunta. Nesse sentido, colocámos ao Partido Socialista uma questão muito clara: nós temos dificuldade em
encontrar uma pergunta que, no quadro actual, seja constitucional. Encontrem os senhores a pergunta que nós concordaremos com ela. Se os senhores nos trouxerem essa garantia de constitucionalidade, não vamos mexer numa vírgula, para que não se diga que foi essa vírgula que trouxe a inconstitucionalidade à pergunta. E assim foi.
Como queríamos fazer esta consulta aos portugueses, fosse de que maneira fosse, chegámos a estar confrontados – imaginem os Srs. Deputados – com a seguinte exigência do Partido Socialista: «Esta é a nossa pergunta, mas apresentem-na os senhores no projecto de resolução, porque nós não a subscrevemos». E o quadro de negociação chegou àquilo que é sabido, ou seja, o projecto de resolução foi subscrito pelo PSD, pelo PS e pelo CDS-PP. Foi o preço que a coligação teve de pagar para demonstrar que não tínhamos, no
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quadro constitucional vigente, a possibilidade de realizar o referendo. Mas não nos importámos de pagar esse preço, para que os portugueses pudessem ser ouvidos, em referendo, sobre a matéria.
Porém, foi um preço desnecessário, foi desprestigiante para a Assembleia da República que os Deputados tivessem de elaborar aquela pergunta gongórica, que de clareza não tinha nada, absolutamente nada.
O Sr. António Filipe (PCP): — Só agravou o défice! O Sr. Guilherme Silva (PSD): — A pergunta, como sabem, é esta: «Concorda com a Carta de Direitos
Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?».
O Sr. António Filipe (PCP): — Como é que é?! Risos. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Esta era a pergunta que o Partido Socialista dizia ter o aval de todos os
constitucionalistas consultados, para ser considerada constitucional, e que qualquer aluno do 1.º ano de Direito sabia ser inconstitucional.
A este respeito, o Tribunal Constitucional escreveu, no seu Acórdão, algo muito claro: «Para além de a pergunta globalmente considerada não ter sido formulada de modo unívoco e explícito, sem ambiguidades, também cada uma das questões contidas no quesito não respeita a exigência de clareza, já que podemos atribuir mais do que um sentido a cada uma delas. Asserções que têm presente que uma coisa é a clareza da pergunta e outra diferente o nível de conhecimentos dos eleitores, servindo o período de campanha para esclarecer a matéria perguntada e não para clarificar a pergunta. De resto,…»
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado Guilherme Silva, uma vez terminada a parte histórica, pode agora
passar à parte actual da sua intervenção? O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Vou já terminar, Sr. Presidente. O Tribunal Constitucional não aceitaria que eu não lesse um bocadinho mais. Risos. Assim, termino a citação: «De resto, a clareza da pergunta é mesmo condição para que se possam cumprir
os objectivos da campanha para o referendo: justificação e esclarecimento das questões submetidas a referendo e promoção das correspondentes opções, segundo o disposto no artigo 39.º da LORR», isto é, da lei do referendo.
Reposta a verdade histórica dos antecedentes desta revisão, passo a algumas considerações sobre os projectos.
Em primeiro lugar, quanto à excepcionalidade que referi (e, naturalmente, a concordarmos com as regras contidas na Constituição), havendo uma vontade política e sendo, para nós, um imperativo a consulta dos portugueses, tínhamos de encontrar o caminho jurídico-constitucional para que esse referendo fosse feito. E o caminho jurídico-constitucional é esta revisão, que pode ter um carácter muito temporalizado, que pode ter um carácter menos geral e abstracto para as normas que aqui propomos, mas é ela que permite ouvir os portugueses, de uma forma clara, sobre o novo Tratado Constitucional para a Europa, e não deve haver razão alguma para que não se encontre essa solução.
Contudo, já não aceitamos que uma solução excepcional para permitir esta consulta se transforme, por habilidades, numa quebra das regras que estão na Constituição e com as quais concordamos. Isto para dizer que não estamos de acordo com a solução do Partido Socialista de consagrar na Constituição a possibilidade de acumular futuros referendos com eleições locais – e não apenas com essas eleições, porque a sua fórmula também permite essa acumulação com eleições regionais, o que ainda nos leva mais a rejeitar essa proposta.
Nesta preocupação de consultarmos os portugueses, percebemos que tínhamos uma conjuntura nacional complicada, porque, além de termos tido eleições antecipadas, teremos eleições autárquicas, eleições presidenciais e já se fala em referendo sobre o aborto e sobre a regionalização. Neste quadro, tem sentido que excepcionalmente se opte pela solução de permitir (mau grado não seja, por princípio, uma boa solução), neste caso e só neste, a acumulação do referendo com as eleições autárquicas, para que se garanta uma consulta atempada aos portugueses.
Também não me parece avisado que se faça um alargamento excessivo da excepção à regra de não fazer consulta referendária directamente sobre as convenções, mas já me parece avisado… E é para esta diferença que chamo a atenção do Sr. Deputado Fernando Rosas: há, com certeza, muitos tratados e convenções importantes. Portugal celebrou, celebrará e vincular-se-á a muitos ao longo da sua existência, mas todos compreenderão, dado o espaço da União Europeia em que Portugal hoje se insere e as implicações do Tratado Constitucional na nossa ordem interna, no nosso viver colectivo, que se impõe e justifica que haja um
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tratamento diferente em relação ao Tratado Constitucional Europeu e às suas alterações, tal qual o projecto do PSD prevê e propõe.
Essa, sim, parece-nos a forma mais avisada de tratar a questão. É uma solução menos alargada do que a proposta por Os Verdes e pelo PCP, mas é suficiente para salvaguardar este princípio em relação ao Tratado Constitucional para a Europa e às suas alterações.
No que diz respeito à problemática do «não» em França e do eventual «não» na Holanda, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros proclamou, mas com alguma cautela, como aliás se compreende, que Portugal vai continuar o seu processo de consulta aos portugueses através de um referendo. Tem o nosso total apoio!
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Também acho bem! O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Mas salvaguardou que poderão existir razões excepcionais que
determinem uma ponderação temporal da sua realização. Essas razões podem existir e, naturalmente, todos temos de confiar no Governo, na informação que irá tendo no quadro da União Europeia relativamente às consequências dos «nãos». Mas há aqui dois aspectos que, do meu ponto de vista, são fundamentais.
Primeiro, devemos ter uma posição própria, não subordinando as nossas opções e soluções aos acontecimentos de um «não» em França, na Holanda ou em qualquer outro lado, ou de um «sim» em qualquer outro país. Somos um País independente, temos uma História, sabemos o que queremos e temos um caminho próprio que devemos continuar.
Tenho – e digo isto a título pessoal – uma ressalva que é muito clara: se se desenharem, com alguma consistência, hipóteses de alteração do texto deste Tratado, teremos de ter alguma cautela para não fazermos um referendo sobre um articulado que não corresponderá à versão final do Tratado. Esta observação é pessoal, não vincula o PSD, mas estou convicto de que essa auscultação/informação será, com certeza, ponderada.
Porém, não devemos ceder à tentação de esse receio fazer parar este processo, para não ficarmos com a ideia de que estamos condicionados pelas opções de outros, sendo certo que este é um processo geral da União Europeia, em que todos estamos integrados.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, tenha a bondade de concluir. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. Naturalmente, faz parte do nosso posicionamento na União Europeia afirmarmos, aqui, a realização de um
referendo com um resultado, seja ele qual for (do ponto de vista do PSD, que seja o do «sim» ao Tratado Constitucional), mas temos de seguir um caminho próprio, do qual faz parte este passo da revisão constitucional.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe. O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta segunda intervenção, queria fazer
algumas considerações acerca daquilo que nos é proposto. Para começar, há uma questão fundamental, que é a seguinte: a decisão a tomar pelos portugueses em
referendo é deles e, obviamente, não tem de estar dependente de decisões alheias, nem dos países cujos povos votam pelo «sim» ou pelo «não»; isto é, se queremos um referendo em Portugal é para que os portugueses possam decidir.
Por isso, consideramos importante que neste processo de revisão constitucional, que já está aberto, se consagre a possibilidade de os portugueses se pronunciarem em referendo – isso não está em causa. Aliás, pensamos que essa deveria ser a única disposição a aprovar nesta revisão constitucional.
Contudo, uma coisa é a consagração constitucional da possibilidade de realização do referendo, outra coisa é o processo que devemos seguir relativamente à ratificação do próprio Tratado. Também não defendemos que esse processo pare mas, sim, que haja lucidez na sua condução e, particularmente, que ele comece já.
Fiquei surpreendido por, na intervenção do Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, do Partido Socialista, não ter visto abertura para considerar lucidamente a questão. E considerar lucidamente a questão é adoptar uma solução constitucional que permita a sua validade tendo em conta vicissitudes que poderão decorrer ao longo deste processo de ratificação, que falta concluir, e subsequentemente. Digo isto porque há um facto incontornável.
Sabemos que o Tratado Constitucional, segundo as suas próprias disposições, para entrar em vigor tem de ser ratificado por todos os Estados e que, se tal não acontecer até dois anos após a sua assinatura – a contar a partir de 2006 –, o Conselho Europeu reunir-se-á e avaliará a questão. Não sabemos em que sentido, mas já é do nosso conhecimento que pelo menos um dos países não irá ratificá-lo nas actuais circunstâncias. Esse é
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um dado incontornável, isto é, as coisas não vão ficar como estão, alterar-se-á, necessariamente, algo na forma como este processo está a decorrer.
Por conseguinte, a questão que se põe é a de saber se vamos «amarrar» a Constituição a uma única possibilidade, que é a de submeter a referendo este Tratado tal como ele foi assinado, ou se vamos adoptar uma solução constitucional que permita não só referendar este Tratado como, também, alterações posteriores que venham a ser submetidas a referendo.
Se não adoptarmos essa última solução, poderemos estar confrontados com várias situações que são ridículas e que em nada prestigiam o Estado português nem a revisão constitucional. Uma delas é a de fazermos uma revisão constitucional e, rapidamente, chegarmos à conclusão de que ela não serviu de nada, porque não nos permite referendar o que é preciso referendar! Teremos de fazer outra revisão ou, então, não haverá referendo algum. É um risco sério que se corre.
Portanto, seria sensato adoptar uma solução que previsse as várias possibilidades, que nos permitisse reflectir com lucidez sobre os contornos deste processo e encontrar, depois, a melhor solução.
Inequivocamente, nesta revisão constitucional, a única solução sensata a adoptar seria essa, a de não ficarmos «amarrados» ao referendo sobre o texto aprovado neste momento. Mas, repito, com esta afirmação não estou a condicionar a realização de um referendo. De facto, os portugueses devem ter a possibilidade de se pronunciarem sobre seja qual for a versão do Tratado, mas temos de pensar que há um processo de reflexão em aberto e que temos tempo para reflectir sobre ele.
Passaria agora à questão relativa ao timing do referendo, que tem a ver com a possibilidade, proposta pelo Partido Socialista (e também pelo PSD, embora este o faça em termos mais mitigados e mais excepcionais), de se fazer coincidir este referendo com as próximas eleições autárquicas.
Aqui, retornaria um pouco à história. A norma que proibiu a coincidência temporal entre o referendo e eleições, em 1989, foi proposta pelo Partido Socialista, constava do seu projecto de revisão constitucional, e teve o apoio expresso do PSD, na altura.
Tenho comigo uma transcrição da intervenção do Sr. Deputado Rui Manchete, que nessa altura também era Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, na qual, relativamente à cautela que vinha referida na proposta do Partido Socialista de que se evitasse os limites de oportunidade e a confluência temporal entre um referendo e eleições, dizia o seguinte: «Embora não tenhamos considerado necessário inscrevê-lo no texto constitucional, aceitamos que são exigíveis cautelas quanto ao momento em que um referendo pode ser solicitado. Como é óbvio, ele não pode permitir confusões com actos eleitorais.». Como é óbvio, dizia o Sr. Deputado Rui Manchete.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): — É a opinião dele! O Sr. António Filipe (PCP): — Depois, continuava a defender a proposta e terminava, dizendo: «Não
temos dúvidas a esse respeito». Portanto, o PS fez a proposta, defendeu o que propôs e o PSD não teve dúvidas a esse respeito.
Essa proposta foi consagrada no texto constitucional em 1989 e, em nenhuma revisão constitucional subsequente, foi proposta a alteração dessa regra. Portanto, sempre se considerou pacificamente que não deveria haver coincidência entre os referendos e quaisquer outros actos eleitorais. Aliás, todos os anotadores da Constituição consideram isso uma evidência, para que não haja uma «contaminação» dos resultados de actos eleitorais que são manifestamente diferentes.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado António Filipe, já concluiu a parte histórica? O Sr. António Filipe (PCP) — Já, já. O Sr. Presidente: —Poderia passar, agora, para a parte actual? O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente, Sr. Presidente. Vou passar agora para a parte actual. Hoje, o Partido Socialista propõe que possa haver coincidência com as eleições autárquicas e apenas com
essas, segundo percebo. O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — E com as regionais! O Sr. António Filipe (PCP): — E com as regionais também. Tal significa que o Partido Socialista parece considerar que essas eleições são menos importantes do que
as outras. O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Não, nada disso! O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, as eleições presidenciais e legislativas não podem coincidir com
um referendo, por razões, presumo, ponderosas e com as quais concordo, mas já não há problema se isso se
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verificar em relação às eleições autárquicas e regionais. Isto é, o facto de nas eleições autárquicas se elegerem 308 municípios e mais de 4500 freguesias não é argumento suficiente. Não faz mal nenhum que, ao mesmo tempo que se discutem programas eleitorais e que ocorrem debates relacionados com problemas importantes da vida local dos cidadãos, haja, também, um referendo sobre uma questão como é a da Constituição Europeia!
Srs. Deputados, isto parece-nos absolutamente inaceitável! As eleições autárquicas não só não são menos do que as outras, são eleições de grande importância,
como têm uma natural complexidade dada a multiplicidade de actos eleitorais, sendo cada um deles da maior importância para as populações respectivas.
Obviamente, a bem da democracia, é bom que os partidos e os cidadãos se empenhem o mais possível no debate sobre as opções autárquicas para o local onde residem. Assim como é muito importante que o façam num debate tão fundamental para o futuro do nosso país como é o de saber se Portugal deve ou não ratificar o Tratado que estabelece uma Constituição pró-europeia.
Para nós, é evidente que este debate tem a máxima relevância e que, portanto, não deveria ser misturado com nenhum outro acto eleitoral, o que diminui a importância relativa de um e de outro. E dizemo-lo em nome da defesa das eleições autárquicas e do debate democrático que é importante travar, mas também em nome da importância deste referendo, que exige, só por si, um debate com a maior participação e o maior esclarecimento possíveis.
Sr. Presidente, restaria, então, um último argumento, que é o de dizer que não há mais tempo. O PS e o PSD poderiam dizer: «Bom, achamos que, de facto, não deveria haver coincidência temporal, o ideal era que não fosse necessário, mas estamos com um constrangimento temporal inadiável e o referendo tem de ser realizado agora – é agora ou nunca. E, portanto, tem de haver esta convergência». Srs. Deputados, evidentemente, não é assim!
Sabemos que há muito tempo para fazer o processo de ratificação. De resto, ainda anteontem ouvimos o Sr. Jack Straw e, ontem, o Sr. Tony Blair dizer — algo que é óbvio e que todos sabemos — que vai haver referendo na Grã-bretanha, mas que ainda nem sequer está marcado. Agora, perante o «não» da França, a questão vai ter de ser ponderada, sendo que na Grã-bretanha não se sabe ainda quando irá ter lugar esse referendo.
Neste quadro, que sentido faz estarmos a prejudicar o debate sobre o referendo e o debate sobre as eleições autárquicas, amalgamando os dois actos no mesmo dia? Não há razão absolutamente nenhuma para isso! O único argumento que poderia considerar ter alguma validade era o da inadiabilidade daquela data, o que não existe. O que seria absurdo, nestas circunstâncias, era fazê-lo em simultâneo, por todas as razões.
Penso, então, que não há razão alguma para essa simultaneidade. O debate sobre o referendo deve ser feito com a dignidade que merece e, portanto, desligado de qualquer outro debate eleitoral que tenha lugar. Não há, de facto, nenhum argumento para que isso aconteça, a não ser a ideia de desvalorização deste referendo, o que nos parece inaceitável.
O Sr. Deputado Ricardo Rodrigues dizia que, ao considerarmos que não haveria condições para o debate, estávamos a duvidar de nós próprios. Sr. Deputado, não estamos a duvidar de nós próprios, estamos a duvidar que, nessas circunstâncias, haja condições para um debate democrático!
Não estamos preocupados com a nossa participação, pois seguramente que, com esforço, arranjaríamos forma de participar nas eleições autárquicas e no debate sobre o referendo, mas o povo português não ganhava nada com isso; a clarificação do debate necessário não ganhava nada com isso.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, tem de terminar, pois já esgotou o tempo de que dispunha. O Sr. António Filipe (PCP): — Termino já, Sr. Presidente. Este referendo deve realizar-se em condições de genuinidade democrática, sendo para isso necessário
que ele tenha o debate e a relevância que merece. O último argumento do PS – e com isto termino, Sr. Presidente – é o de que assumiram este compromisso
para com os eleitores. Era bom que os Srs. Deputados assumissem todos os vossos compromissos, que esse argumento não fosse válido só para esta questão e que, designadamente, uma vez que também assumiram o compromisso de não aumentar os impostos, o cumprissem. Infelizmente, estamos a ver que há uns compromissos que cumprem e outros não.
Dir-me-ão que tal aconteceu porque houve razões supervenientes. Julgo que, no caso do referendo, também houve razões supervenientes mais do que suficientes para que o PS altere a posição inicial, a qual, nos dias de hoje, é manifestamente insensata.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno da Câmara Pereira. O Sr. Nuno da Câmara Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É a primeira vez que
intervenho na Assembleia da República, facto que agradeço quer à democracia quer à III República (já não posso fazê-lo nem à I nem à II Repúblicas).
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A palavra «república», naquilo que significa, foi até escrita, em vários diplomas, no tempo da monarquia, por exemplo, por D. Manuel I, que assinava em nome da República. Quem lesse António Sardinha saberia que res publica, república, significa coisa do povo. É tão singelo e tão simples quanto isto.
Se merecemos, de facto, em pleno direito, a nossa existência democrática, consideramos também merecer o respeito de a Constituição permitir que sejamos reconhecidos como um partido que representa uma outra alternativa para o sistema democrático (repito: um partido que representa uma outra alternativa para o sistema democrático). Permite-o genericamente, já que à república não é permitida a sua exclusividade à escala global.
A monarquia e a república coabitam em torno da responsabilidade democrática (repito: a monarquia e a república coabitam em torno da responsabilidade democrática) e cabe à Constituição reconhecê-lo, ao invés de perversamente esconder a verdade da alternativa democrática, que, como já dissemos, é, e será sempre, partilhada, ao contrário do que acontece nos regimes totalitários, pelos quais, ao que sei, nenhum dos partidos aqui representados é responsável.
Portanto, res publica ou república, não me afecta o significado, porque para mim tanto faz uma res publica ou uma república com rei ou sem ele. Prefiro, obviamente, a segunda, não me move qualquer mau significado em relação à palavra república tal qual como aqui a formulei mas, sim, em relação ao republicanismo que exacerba exaustivamente o problema do que é a democracia e a alternativa. Por isso mesmo, Sr.as e Srs. Deputados da III República, lhes agradeço.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães. O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de deixar três notas breves,
porque o debate já vai longo e muito do que tinha para vos dizer já foi dito, nomeadamente, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva.
Queria, no entanto, voltar a certos temas, não sem antes reafirmar a posição do CDS-PP de considerar uma absoluta necessidade a realização de um referendo sobre matérias europeias, a qual, aliás, como já disse numa primeira intervenção, não é de hoje, vem de sempre.
Não olvidamos, obviamente, a superveniência que constitui o resultado do referendo francês mas, como também aqui foi dito, temos a nossa identidade, a nossa História e a nossa soberania nacional, por isso parece-nos que não podemos ficar dependentes daquilo que se passa nos outros países, por muito importantes que eles sejam – embora considere que não existem países «de primeira» ou países «de segunda» na União Europeia. Penso e desejo que assim seja, embora às vezes não pareça.
Parece-nos importante que Portugal, o mais antigo Estado-Nação com as fronteiras geográficas perfeitamente delimitadas, não fique prisioneiro de outros países, por muito potentados económicos que possam aparentar ou ser. Em todo o caso, obviamente, compete ao PS, enquanto partido que suporta o Governo, acompanhar junto das instâncias europeias a evolução que, nos próximos dias (desde já, amanhã com a realização do referendo na Holanda), poderá ou não existir e trazer ao âmbito da Assembleia da República e da Comissão de Assuntos Europeus o que resultar dessas mesmas instâncias europeias. Portanto, reafirmamos esse compromisso europeu, sem prejuízo de consideramos que é necessário algum cuidado e alguma ponderação.
Por outro lado, gostaríamos de dizer que, para nós, é absolutamente essencial esta revisão constitucional extraordinária no sentido de permitir a realização do referendo, sem prejuízo da necessidade de uma revisão mais alargada da Constituição, para a qual, por uma questão temporal, não nos parece este o momento mais adequado.
Quanto à questão da simultaneidade, é evidente que o CDS-PP considera — e todos o consideramos — que é necessária a realização de um amplo debate sobre esta matéria. Julgamos, também, que poderíamos optar por uma situação em que o referendo fosse realizado sem essa simultaneidade, mas foi muito pertinente a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva quando nos relembrou que o elemento histórico é essencial na interpretação de qualquer processo ou norma.
De facto, com a pergunta aprovada por força da necessidade de concordância do PS, como foi expresso num cartoon de um conhecido diário nacional, só na presença de um advogado é que qualquer português poderia responder àquela matéria. E, mesmo assim, talvez só de uma grande sociedade de advogados e de professores de Direito Constitucional!…
Parece-nos que esse elemento é da maior relevância, por isso mesmo o CDS-PP, no seu projecto de revisão constitucional (voltando aos projectos, que é o fundamental), regula esta matéria numa norma com um carácter transitório, acentuando expressamente que se revela uma matéria de relevante interesse nacional.
Portanto, entre a não realização deste referendo ou a sua realização simultânea com as eleições autárquicas, é evidente que preferimos a segunda solução à primeira, até porque, embora percebendo o que o Sr. Deputado António Filipe disse, não podemos olvidar que há uma proliferação, este ano e, se calhar, no princípio do próximo ano, de actos eleitorais ou de consulta aos portugueses. Não esqueçamos que se trata das eleições autárquicas, das eleições presidenciais, com uma eventual segunda volta, dos referendos ao aborto e à regionalização, de que tanto se começa a falar, e, quem sabe, se o PS também ceder ao BE, à liberalização das drogas.
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Enfim, há um programa de referendos que não podemos esquecer e que, pelo menos, vão entrar na agenda política. Por isso, considera o CDS-PP que esta é uma matéria essencial e que é fundamental realizar este referendo.
Por fim, quero assinalar um aspecto que creio ter passado despercebido, mas que é da maior relevância para nós, desde sempre, com excepção — justiça seja feita — do Sr. Deputado Fernando Rosas: a consagração do referendo constitucional.
Entendemos a Constituição da República como um instrumento essencial que deve estar ao serviço dos cidadãos; não são estes que estão ao serviço de uma Constituição, ainda que essa possa não corresponder aos seus anseios. Por isso, sempre defendemos esta matéria e, apesar de esta ser uma revisão cirúrgica, entendemos que é a altura certa para reflectirmos sobre ela, sendo certo que o essencial, como já disse na minha primeira intervenção, é a questão europeia e do seu referendo.
Portanto, agradecendo a referência do BE à coerência do CDS, não posso deixar de dizer que nos causa alguma perplexidade o facto de esse partido ser tão defensor da liberdade individual para umas coisas e, para outras, como, por exemplo, no que se refere à Constituição, já não confiar tanto nos cidadãos portugueses.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente. Srs. Deputados: Há pouco, o Sr. Deputado Ricardo
Rodrigues, comentando os diversos projectos de revisão constitucional, garantia-nos que, havendo uma maioria de dois terços, poderíamos estar sossegados que tudo correria bem. O Sr. Deputado vai permitir-me mas a História está cheia de ditaduras aprovadas por maiorias de dois terços! As maiorias de dois terços têm de seguir regras, e por isso é que há regras, constituições e normas.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Por isso estamos aqui, Sr. Deputado! O Sr. Fernando Rosas (BE): — O que me inquieta não é o facto de haver uma maioria de dois terços para
rever a Constituição, porque isso é o normal; o que me inquieta é que os senhores, por não quererem uma autorização genérica para referendar tratados de âmbito diverso, não criem uma norma de excepção genérica. Essa é que é a boa técnica do direito!
O que os senhores fazem no vosso projecto é suspender a vigência da Constituição para uma determinada circunstância concreta, e isso é que é, com dois terços ou sem dois terços, um mau precedente, porque significa que uma maioria política historicamente ocasional pode, para efeitos de conjuntura política, suspender a vigência da Constituição para certos efeitos concretos.
Ora, se as excepções que a Constituição admite forem, elas próprias, deliberadas por normas genéricas e abstractas, ou seja, se as excepções que admite são, elas próprias, normas de excepção genéricas, naturalmente estamos garantidos que isso não acontecerá. É por isso que, neste caso, a técnica jurídica não é indiferente, porque uma coisa é abrir um «buraco» por onde tudo pode passar, outra coisa é regulamentar, em termos genéricos, quais são as excepções ao carácter normativo das leis. Portanto, a forma como excepcionam — e peço desculpa — juridicamente não me parece a melhor e politicamente tem alguns perigos.
Finalmente, creio que nenhum Deputado do Partido Socialista pode, em consciência, olhando-nos nos olhos, defender que a melhor maneira de referendar o Tratado que estabelece a Constituição para a Europa é misturá-lo com as eleições autárquicas. Não creio que algum dos Srs. Deputados acredite no que está a dizer, porque é impossível!… Sabem que é impossível! Sabem que, em Portugal, não só não há essa tradição como há a tradição contrária!
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Está demasiado confiante! O Sr. Fernando Rosas (BE): — Se misturarmos o Tratado, que já em si é difícil, com as 300 eleições
concelhias e com as 4000 eleições de freguesia, com o predomínio do interesse local, não teremos discussão de Tratado algum – a não ser numa série de pequenos forúns, que não generalizam o debate Nesse sentido, parece-me que essa é uma má solução.
Lamento que o Partido Socialista dê o dito por não dito relativamente àquela que foi a sua filosofia na anterior revisão constitucional e venha agora, por razões que desconheço, ainda por cima com um timing duvidoso — neste momento, o que convinha era poder fazer o referendo um pouco mais adiante, para ver como é que as coisas se passam —, enfiar a pseudo discussão deste Tratado com a coincidência das eleições autárquicas.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas fazer duas ou três
considerações.
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Em primeiro lugar, nesta altura, parece-me claro, até com base nalgumas resenhas históricas que aqui foram feitas, que há partidos, como o PS e o PSD (e esta é a minha leitura pessoal), que não estão verdadeiramente interessados num referendo ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – foi o que pudemos constatar em 1998, com a pergunta «chumbada» pelo Tribunal Constitucional ao Tratado de Amesterdão.
De facto, foi muito interessante ficarmos a conhecer os «bastidores» das negociações desta questão, de que não tivemos conhecimento na altura. Mas, a verdade é que, formalmente, houve um acordo entre o PS e o PSD, a pergunta apareceu e teve, como já referi, a consequência que sabemos, ou seja, o veredicto negativo — não podia ter sido outro — do Tribunal Constitucional.
Portanto, a estas tentativas de fingir que se quer referendo e, depois, quase tudo fazer para que, na prática, não haja referendo, podemos juntar agora a questão da simultaneidade com as eleições autárquicas — que é o que agora é proposto em sede de revisão constitucional —, quase na lógica de que este referendo passe o mais despercebido possível, o que é extremamente preocupante.
Para além do mais, coloca-se a questão de estes partidos, PS e PSD, segundo uma lógica de criação de uma disposição transitória e exclusiva para este Tratado Constitucional, não aceitarem futuros referendos de outros tratados e, inclusivamente, de revisões deste mesmo Tratado.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Não leu o nosso projecto! A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Realmente, isto não tem muita lógica para quem, na verdade,
anda a defender referendos mas faz tudo o que está ao seu alcance… O Sr. Guilherme Silva (PSD): — O nosso projecto não diz isso! A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Mas diz o do Partido Socialista! Como dizia, depois fazem tudo o que está ao seu alcance para que esse referendo não se realize e para
que, a realizar-se, contemple o menor debate e o menor esclarecimento possíveis. Relativamente à intervenção do Sr. Deputado do Partido Socialista, Ricardo Rodrigues, gostava de dizer
que não sei a quem dirigiu a afirmação que fez. De qualquer modo, para quem nos está a ouvir, penso que será extremamente importante referir que não há aqui defensores da continuidade de Portugal na União Europeia e defensores da sua saída da União Europeia. Não é isso que está aqui em causa! E essa é uma questão que deve ficar perfeitamente esclarecida.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Se calhar, até é!… A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — É evidente que o que procuramos introduzir no debate — e que
me parece extraordinariamente importante — é que modelo e que tipo de construção europeia queremos. Quanto a isso não temos dúvidas absolutamente nenhumas. Mas, repito, não está aqui em causa a saída, ou não, de Portugal da União Europeia! Não estamos nessa fase.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Já passou! A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Por outro lado, mais do que o debate, o esclarecimento e a
informação necessária, importa a participação e o envolvimento dos portugueses nesse debate, porque de acordo com a nossa lógica, o debate não se faz com uns cartazes, uns mupies, uns outdoors, uns slogans… Não é assim! O envolvimento é uma questão extraordinariamente importante. Daí que consideremos que não há condições, absolutamente nenhumas, para que esse debate sério se faça em simultâneo com quaisquer outros actos eleitorais.
Gostava ainda de esclarecer um ponto, porque, eventualmente, o que referi pode não ter ficado muito claro. Na nossa perspectiva, esta versão do Tratado «morreu» e, nessa lógica, consideramos que, a nível
europeu, se deveria parar os processos de ratificação. É aquela lógica do «parar para pensar – e agora?» Tal não significa que nos devemos subordinar à vontade dos franceses. Não é isso que está em causa. De todo!
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Então o que é? A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Se continuarem os processos de ratificação, é evidente que ele
continuará em Portugal também. O que dizemos é que o referendo nunca deverá ter lugar em 2005, porque o processo não vai ser sério – esse esclarecimento, esse debate não vai ser sério. Portanto, desde já era fundamental assumir a remessa deste processo para 2006, com um outro argumento, o de saber o que vai resultar deste Tratado «morto». Este seria mais um argumento para remetermos este processo de consulta para 2006.
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De qualquer modo, para que não haja dúvidas absolutamente nenhumas, na perspectiva de Os Verdes, este processo de consulta aos portugueses já deveria ter sido realizado. E também estamos certos de que os portugueses irão ter de pronunciar-se sobre o próximo tratado da União Europeia.
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, queria pôr à consideração da Comissão três questões. Primeira questão: tínhamos combinado fazer duas voltas de debate e as intervenções estão todas feitas.
Este é um ponto que anoto. Segunda questão: informo que recebi uma carta do Sindicato dos Jornalistas – aliás, todos os Srs.
Deputados a receberam, porque ela foi dirigida não à Comissão em si, mas a todos os seus membros –, na qual se apresenta uma opinião. No entanto, o nosso Regulamento refere expressamente que «A Comissão não pode sugerir ao Plenário da Assembleia da República textos de substituição que abranjam preceitos e artigos da Constituição não contemplados em qualquer projecto de revisão».
Portanto, parece-me que esse preceito preclude qualquer abordagem deste assunto, que é extemporâneo e devia ter sido dirigido aos partidos na altura em que o processo de revisão constitucional estava a arrancar. Aliás, admito que, tendo sobre esse assunto sido tomada uma decisão na última revisão constitucional, nenhum deles o quisesse fazer.
De qualquer modo, responderei a título pessoal ou, se me for dado esse mandato, responderei em nome da Comissão, enviando cópia a todos os Srs. Deputados, dizendo isso exactamente. É uma entidade extremamente digna e respeitável que se nos dirige e, nesse sentido, se todos estiverem de acordo, em nome da Comissão responderei que, de acordo com o nosso Regulamento, não podemos dar seguimento ao assunto e, portanto, a questão morre aí.
Terceira questão: foi distribuída, no começo da reunião, a acta da reunião anterior. Tive a cautela de a ler atentamente, fiz-lhe alguns retorques de pormenor, e se ninguém tiver objecções sobre esta acta poderemos considerá-la aprovada, para que seja divulgada imediatamente na Intranet e, depois, publicada, como é usual.
A questão mais importante prende-se com o facto de o Sr. Deputado José Vera Jardim ter pedido a palavra para esclarecer alguns pontos da posição do Partido Socialista, que é o maior partido e o que tem a primeira iniciativa nesta matéria.
Vozes do PSD: —Vamos iniciar uma terceira ronda? O Sr. Presidente: —Havendo acordo, darei a palavra ao Sr. Deputado José Vera Jardim — vamos,
entretanto, estabelecer um limite de tempo rigoroso a cumprir — e, depois, quem quiser reagir dos diferentes grupos parlamentares (então, já não envolveria os Deputados subscritores de um projecto autónomos), poderá fazê-lo, dentro do mesmo período de tempo.
Sr. Deputado José Vera Jardim, expõe a sua posição em 3 minutos? O Sr. José Vera Jardim (PS): — Com certeza, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: —Então, serão concedidos 3 minutos ao Sr. Deputado José Vera Jardim e 3 minutos a
cada um dos grupos parlamentares que, eventualmente, queiram reagir à sua intervenção. O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, nem vou fazer de historiador — aliás, são sempre parciais
os historiadores que aparecem nas Comissões a fazer «histórias» —, vou apenas… O Sr. Presidente: —Mas está a provocar intervenções, Sr. Deputado! O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, escapou-me esta. Peço-lhe desculpa, não resisti. Como dizia, vou apenas tentar esclarecer um ponto que me parece importante. O Sr. Deputado Ricardo Rodrigues foi acusado de não ter esclarecido um conjunto de posições – não seria,
porventura, a altura. Limitou-se, e bem, de um ponto de vista geral, a esclarecer as posições do Partido Socialista relativamente aos projectos da revisão constitucional.
Ora, há um ponto que a era bom que ficasse esclarecido neste momento, para que nos sirva para os trabalhos dos próximos dias: o Partido Socialista não está preso, como, aliás, nunca esteve nas revisões constitucionais, a fórmulas. Bem pelo contrário, dos vários projectos apresentados fará a consideração atenta dos que melhor servem os interesses em jogo — neste caso, interesses constitucionais e interesses da construção europeia, o que não é pouco — e, depois de os sopesar, optará pelas soluções que, no caso concreto e dadas as circunstâncias, lhe possam parecer as mais ajustadas.
Portanto, Sr. Deputado António Filipe, fique certo que se, durante o debate, colhermos a impressão certa e ficarmos convictos de que há outras formulações diferentes da nossa, presentes ou não presentes nos projectos, que possam constituir um instrumento mais adequado aos fins que temos em vista, atentos os circunstancialismos actuais que todos temos presentes, será por esses projectos que nos bateremos e serão esses que votaremos.
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1 DE JUNHO DE 200523
O Sr. Presidente: —Alguém se inscreve para usar da palavra na sequência da intervenção do Sr.
Deputado José Vera Jardim? Pausa. É um esclarecimento que fica e, com toda a franqueza, parece-me que não há razão para reabrir o debate. Nestas condições, damos por encerrado o debate, na generalidade, dos projectos de revisão constitucional. Amanhã, às 21 horas, iniciaremos o debate e a votação, na especialidade, dos mesmos projectos. Srs. Deputados, está encerrada a reunião. Eram 23 horas e 10 minutos. A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.