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Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2011 II Série-RC — Número 7

XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)

VIII REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 19 de Janeiro de 2011

SUMÁRIO O Sr. Presidente (António Filipe) deu início à reunião às 16 horas e 56 minutos.
Concluiu-se a discussão do artigo 9.º (Tarefas fundamentais do Estado), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Pedro Rodrigues (PSD), Bernardino Soares (PCP), José de Matos Correia (PSD), Luís Fazenda (BE) e Vitalino Canas, Celeste Correia e José Ribeiro (PS).
Procedeu-se à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 5/XI (2.ª) (CDS-PP), relativamente ao artigo 11.º (Símbolos nacionais e língua oficial).
Pronunciaram-se, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Telmo Correia (CDS-PP), Luís Marques Guedes e Guilherme Silva (PSD), Vitalino Canas (PS), Luís Fazenda (BE), Bernardino Soares (PCP) e José Ribeiro e Ricardo Rodrigues (PS).

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Foi ainda apresentado o projecto de revisão constitucional n.º 1/XI (2.ª) (PSD), relativamente ao artigo 12.º (Princípio da universalidade), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Isabel Oneto (PS), Bernardino Soares (PCP), Telmo Correia (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
Por último, foram apresentados os projectos de revisão constitucional n.os 2/XI (2.ª) (PCP), 3/XI (2.ª) (Os Verdes), 4/XI (2.ª) (BE) e 9/XI (2.ª) (PS), relativamente ao artigo 13.º (Princípio da igualdade). Pronunciaram-se, além do Sr.
Presidente, os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), José Moura Soeiro (BE), Ana Catarina Mendonça (PS), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Maria Manuela Augusto (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).
O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues) encerrou a reunião eram 19 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 16 horas e 56 minutos.

Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos, retomando a discussão dos projectos de revisão constitucional no ponto em que ficámos na última reunião, ou seja, faltava discutir as propostas, do PSD e do PCP, de aditamento de novas alíneas para o artigo 9.º relativo às «Tarefas fundamentais do Estado».
Para apresentar a proposta do PSD, de aditamento de uma alínea i) ao artigo 9.º, acrescentando, às «Tarefas fundamentais do Estado», «promover a solidariedade entre gerações», tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Rodrigues.

O Sr. Pedro Rodrigues (PSD): — Sr. Presidente, esta proposta apresentada pelo PSD tem o objectivo de colocar no texto constitucional a salvaguarda de um princípio absolutamente crucial nos Estados modernos, que é o da solidariedade inter-geracional, no sentido de se ter em consideração, no momento da tomada de decisões, os custos e benefícios que essas mesmas decisões têm nas futuras gerações, designadamente no que diz respeito aos encargos que as futuras gerações terão de incorrer pelas decisões tomadas pelas gerações presentes.
Esta matéria tem implicações não só no que é tradicional do ponto de vista ambiental — costuma falar-se de solidariedade inter-geracional para se apelar a conceitos de protecção do meio ambiente — , mas também ao nível das grandes decisões de investimentos públicos, políticas orçamentais, etc.
É uma proposta inovadora no nosso texto constitucional e na tradição constitucional portuguesa, mas vem na senda da tradição constitucional de outros países como, por exemplo, a Finlândia, que tem um comité parlamentar para a defesa das gerações futuras, e também o Estado israelita, que tem um comissário para a defesa das futuras gerações, justamente com o propósito e a competência fundamental de avaliar, em cada momento, o impacto que as decisões que são tomadas têm nas gerações futuras e na sustentabilidade do futuro da sociedade.
Julgamos, portanto, que é uma medida e uma tarefa fundamental que o Estado deve assumir no futuro do nosso País e, por isso, que é essencial consagrá-la no nosso texto constitucional.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estando a proposta apresentada e não havendo inscrições, a proposta será submetida à votação na segunda leitura.
Passamos, assim, à proposta do PCP, de aditamento de uma alínea i) ao artigo 9.º: «promover a integração social e garantir a efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes».
Tem a palavra, para apresentar a proposta, o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a nossa proposta é feita com toda a ponderação e tem em conta que na Constituição em artigos como o artigo 9.º, que elenca as «Tarefas fundamentais do Estado», é preciso não ceder à tentação de introduzir elementos porque, mesmo sendo importantes na vida da nossa sociedade, nem todos exigem uma referência expressa.
Penso, no entanto, que a proposta que aqui fazemos escapa a esse crivo, porque se destina a consagrar, de uma forma como não está hoje consagrada constitucionalmente nas «Tarefas fundamentais do Estado», uma atenção específica à questão da integração social e dos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes.
Esta é uma realidade que, provavelmente, podia ter tido justificação para ter sido incluída no texto originário da Constituição, mas que hoje se impõe pela própria mudança da nossa sociedade que, como a generalidade das sociedades europeias, cada vez mais — e, certamente, no futuro continuará a ser assim — , tem um peso significativo de população de imigrantes de outros países no seu seio. Esta situação é uma mais-valia para o desenvolvimento da nossa sociedade, desde logo, em questões óbvias que têm a ver com a solidariedade entre gerações (ainda agora aqui referida) e com a sustentabilidade dos sistemas sociais, a produtividade do País, o aumento da força de trabalho.
Se é assim — e é assim, de facto — , vale a pena considerar, como o PCP aqui propõe, incluir na Constituição, nas «Tarefas fundamentais do Estado», a questão da integração social e da garantia dos direitos

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fundamentais dos cidadãos imigrantes, como parte importantíssima que são hoje da nossa sociedade e que, portanto, devem ter, da parte do Estado, a sua protecção como uma das suas «tarefas fundamentais».

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esta proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, relativamente a esta proposta, não está, evidentemente, em causa o objectivo final prosseguido. E evidente que a promoção da integração social e a garantia da efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes tem de ser uma preocupação do Estado em todos os momentos.
A questão que se nos coloca é, no entanto, um pouco distinta. Trata-se de saber se tem sentido autonomizar este problema de forma a alcandorá-lo ao universo das «Tarefas fundamentais do Estado» tal como definidas no artigo 9.º, na medida em que nos parece que é parcelarizar um pouco o problema.
O artigo 9.º deve situar-se, como o próprio nome indica, ao nível da definição dos grandes fins do Estado — enfim, a expressão é teórica, visto que a nossa Constituição utiliza a expressão «Tarefas fundamentais do Estado». E, se percorrermos o conjunto das regras contidas no artigo 9.º, é nesta linha que ele está construído. Tudo o que aqui está — ou, se não tudo, pelo menos em larguíssima medida — é constituído por objectivos centrais na actividade do Estado.
Ao introduzirmos uma norma desta natureza, estaríamos a introduzir a referência a uma espécie de política sectorial que duvidamos que deva ter este tratamento e que nos obrigaria, provavelmente, a inserir no artigo 9.º muitas outras coisas que cá não estão. Acresce que não podemos esquecer que as normas constitucionais têm de ser lidas na sua interligação e de uma forma sistémica e que, nesse contexto, a nossa Constituição equipara o estatuto jurídico dos estrangeiros e dos apátridas residentes em Portugal ao estatuto jurídico dos cidadãos portugueses. É o que decorre, com clareza, do n.º 1 do artigo 15.º, quando diz que «os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português».
Por isso, dizer que o Estado deve «garantir a efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos imigrantes» é um pouco tautológico, tendo em conta, precisamente, essa equiparação de estatuto jurídico que existe entre os cidadãos imigrantes e os cidadãos portugueses.
Contudo, poder-se-ia, eventualmente, ponderar uma alteração de outras normas do artigo 9.º de forma a deixar, em absoluto, claro — se for considerado que isso é necessário — que, quando o artigo 9.º fala num conjunto de direitos dos cidadãos portugueses que têm de ser defendidos, os direitos em causa são de todos os cidadãos e não apenas dos cidadãos portugueses. Por exemplo, quando, na alínea d) do artigo 9.º, se define como tarefa fundamental do Estado «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses», se calhar, muitos dos problemas que aqui se visam acautelar com esta proposta ganhariam em ser resolvidos com uma alteração a esta alínea que estabelecesse não «a igualdade real entre os portugueses», mas «entre os cidadãos», na medida em que todos os cidadãos, sejam portugueses, sejam estrangeiros, sejam apátridas, estão submetidos ao mesmíssimo regime jurídico.
Julgo que se trataria melhor dessa forma o problema, em vez de, repito, autonomizar uma questão parcelar que dificilmente pode ser considerada como tendo dignidade constitucional para ser tratada desta forma.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos aqui uma proposta que nos reconduz à possibilidade de reequacionar a formulação da alínea d). Creio que é uma proposta muito sugestiva e, portanto, se algum Sr. Deputado quiser pronunciar-se sobre ela, poderá também fazê-lo neste momento, como é evidente, na medida em que nada está fechado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, gostaria de apoiar a proposta originária e dizer que a forma como as «Tarefas fundamentais do Estado» estão desenhadas na lei fundamental — a igualdade real entre os portugueses, a preservação e valorização do património cultural português, a difusão da língua portuguesa, a resolução dos problemas nacionais — tem todo о sentido. Trata -se da primazia dos concidadãos a quem o

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Estado deve serviço. Nesse sentido, talvez haja vantagem em termos uma mera alínea sobre cidadãos que não são portugueses e que convivem na mesma comunidade.
Também do ponto de vista do ordenamento da lógica do texto constitucional, me parece adequada a proposta originária.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, como já manifestámos aqui, de uma forma geral não somos muito favoráveis à alteração do artigo 9.º, a não ser que seja uma alteração de grande fundamentalidade, embora admita, com alguma simpatia, estas duas propostas.
No entanto, queria deixar aqui a indicação de que, mesmo havendo alguma simpatia para analisar as propostas e sem fazer qualquer tipo de compromisso nesta altura, não nos parece que deva haver autonomização da protecção de direitos fundamentais para uma categoria específica de cidadãos. Essa protecção de direitos fundamentais já está devidamente acautelada através da alínea b) do artigo 9.º e não faz muito sentido estar agora a definir segmentos de população — segmentos de cidadãos nacionais ou estrangeiros — a quem se considera que se deve conferir uma protecção especial dentro das «Tarefas fundamentais do Estado», através do artigo 9.º.
A proposta do Sr. Deputado José de Matos Correia pode ser ponderada, porque também admito que, na maior parte das alíneas actuais do artigo 9.º, está demasiado «Portugal» e «cidadãos portugueses», ignorando-se que temos, nesta altura, ao contrário do que sucedia na versão originária da Constituição e logo a seguir, uma ampla comunidade de cidadãos estrangeiros a viver em Portugal e a contribuir para o esforço nacional.
Portanto, admito que possa fazer sentido introduzir em alguma das outras alíneas já existentes uma qualquer referência aos cidadãos estrangeiros, designadamente aos cidadãos imigrantes. Fazer uma alínea nova e específica creio que talvez não faça muito sentido.
Queria também manifestar alguma simpatia pela proposta do PSD em relação à solidariedade intergeracional. Temos abertura para a analisar, tendo em conta os argumentos que foram apresentados pelo Sr. Deputado do PSD, na segunda ronda que viermos a fazer sobre estas propostas.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares, permito-me interpelar o Sr. Deputado Vitalino Canas. Podia tê-lo feito quando falou o Sr. Deputado José de Matos Correia, mas não o fiz. Faço-o agora e a interpelação vale para os dois, se me permitem.
Actualmente, a alínea h) do artigo 9.º refere «promover a igualdade entre homens e mulheres» e creio que o argumento que os Srs. Deputados utilizaram contra a inclusão de uma alínea para os imigrantes é inteiramente válido para a actual alínea h), ou seja, a igualdade entre homens e mulheres também está consagrada no artigo 13.º e não é por isso que não tem uma alínea autónoma no artigo 9.º.
Creio, portanto, que o actual artigo 9.º milita, de certa forma, contra o argumento de VV. Ex.as a propósito da não inclusão de uma alínea relativa à promoção da igualdade dos cidadãos imigrantes, porque uma coisa é haver um artigo de igualdade de direitos, que há, de facto — o artigo 15.º para os imigrantes e o artigo 13.º para outras categorias de cidadãos, incluindo para as mulheres — , outra coisa é haver uma incumbência especial ao Estado de promover essa mesma igualdade.
Gostaria de saber o que os Srs. Deputados pensam sobre isto.
O Sr. Deputado Vitalino Canas fez menção de querer responder.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, como me fez uma interpelação directa, se me permite, responder-lhe-ei, mas não quero alterar a ordem das intervenções.

O Sr. Presidente: — Não altera ordem nenhuma.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, creio que a sua intervenção seria totalmente pertinente, se não estivéssemos a falar do artigo 9.º que estabelece as «Tarefas fundamentais do Estado», seleccionando-as

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na Constituição. Todas estas alíneas — a), b), c), d), e), etc. — têm, depois, a sua concretização ou o seu desenvolvimento na Constituição, como é óbvio, assim como muitas outras que não têm qualquer expressão ao nível do artigo 9.º.
O artigo 9.º refere «Garantir a independência nacional» e existem outras normas onde se fala da independência nacional. O mesmo se verifica quanto a «criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam», etc. «Garantir os direitos e liberdades», que consta da alínea b), é uma redundância em relação a vinte, trinta ou quarenta artigos da Constituição que garantem os direitos, liberdades e garantias e outros direitos fundamentais.
Portanto, é óbvio que este artigo 9.º é um artigo redundante em relação a muitos outros preceitos da Constituição, designadamente o que mencionou da alínea h).
No entanto, o artigo 9.º selecciona na Constituição quais são as «Tarefas fundamentais do Estado» e essa selecção deve ser criteriosa e não pode pretender fazer, como é óbvio, através deste artigo, uma espécie de resumo da Constituição. Não é isso que se pretende, certamente. O que se pretende é estabelecer uma lista das «Tarefas fundamentais do Estado», como está na epígrafe, que são as que estão enumeradas e não outras que também são, eventualmente, tarefas do Estado, que também são, eventualmente, obrigações do Estado e que também são, eventualmente, garantias da Constituição, mas que se entendeu que não deveriam ser alcandoradas ao artigo 9.º.
Portanto, em suma, porventura, fará sentido fazer também uma referência aos cidadãos imigrantes no artigo 9.º — deixo, mais uma vez, a abertura para ponderar a proposta do Sr. Deputado José de Matos Correia — , mas parece-me desnecessário fazer mais alíneas com novas «Tarefas fundamentais do Estado», diferenciando, aliás, cidadãos ou grupos de cidadãos.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado José de Matos Correia foi indirectamente interpelado.
Tem a palavra, Sr. Deputado, se o desejar.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sim, Sr. Presidente.
Muito rapidamente, revejo-me, no essencial, das considerações feitas pelo Sr. Deputado Vitalino Canas.
Julgo que tem toda a razão, porque temos de saber separar o que a Constituição quer que se faça e o que a Constituição considera como fim ou tarefa fundamental do Estado.
O Sr. Deputado Vitalino Canas foi um pouco mais longe do que eu tinha ido na proposta que formulei, mas julgo que, de facto, talvez o artigo 9.º tenha uma centralização excessiva em torno das referências a Portugal e aos portugueses. Não podemos esquecer que, hoje em dia, temos uma estrutura social diferente e um normativo jurídico-constitucional que, ao fazer equiparação entre realidades, faz com que perca sentido esta separação entre o que é e o que não é português do ponto de vista do tratamento jurídico ao nível do artigo 9.º.
No entanto, para além disso, e respondendo directamente à interpelação, apesar da muita consideração e estima que tenho pelo Sr. Presidente, permito-me discordar, porque referiu coisas que não são comparáveis.
Uma coisa é, independentemente da relevância que tenha, uma questão de política sectorial que tem que ver com a integração dos imigrantes, outra coisa é um problema que atravessa toda a sociedade portuguesa, que é horizontal ou transversal à sociedade portuguesa, que é central na organização da sociedade e que tem que ver com a igualdade entre os homens e as mulheres e o combate a uma discriminação que é tradicional na nossa sociedade, à qual tem de ser posto fim na perspectiva da criação de uma democracia social e económica, ou seja, de uma democracia integral, tal como a nossa Constituição a consagra.
Portanto, nessa perspectiva, julgo que as coisas não podem ser tratadas no mesmo plano e, em função disso, não me posso rever na interpelação feita pelo Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, compreendo a sua posição, embora possa discordar dela. Penso que a questão da integração dos imigrantes é cada vez menos sectorial. Creio que o problema está aí.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Não tem a mesma dimensão do ponto de vista conceptual!

O Sr. Presidente: — Não vamos entrar em diálogo, Sr. Deputado.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, quero dizer, em primeiro lugar, que é de saudar esta abertura para que, da forma como propomos ou de outra que atinja um objectivo semelhante, possa ser equacionada uma referência, especialmente, à questão da integração social dos imigrantes neste artigo 9.º.
Penso que esta discussão nos permite uma boa base de reflexão para, depois, na segunda leitura, podermos concretizar esta matéria.
Quero dizer também que, da nossa parte, estamos de acordo com o carácter restritivo das alterações a este artigo 9.º e, se fazemos esta proposta, é porque consideramos que ela responde a uma realidade que hoje se impõe de uma forma como não acontecia há anos e é essa a razão pela qual entendemos que deve ser destacada, como são outras, no quadro do artigo 9.º.
É evidente, isso já aqui foi dito, que vários dos direitos que se alcandoram a «Tarefas fundamentais do Estado» estão previstos noutros artigos da Constituição. Mal seria que fossem «Tarefas fundamentais do Estado» e, depois, não tivessem mais nenhuma referência na Constituição.
Penso, portanto, que esta abertura é positiva e que podemos encontrar uma solução neste sentido e que dê uma resposta que, pensamos, é essencial neste momento e que introduziria um aspecto muito positivo na forma como a sociedade portuguesa e, por maioria de razão, a Constituição encaram a participação da população imigrante na sua vida.
Desse ponto de vista, pensamos que este debate foi satisfatório.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, pessoalmente, gostaria de saudar o PCP por este preceito proposto.
Considero que esta tarefa, ao ficar plasmada como uma tarefa fundamental do Estado — apesar de poder estar, de facto, disseminada ao longo da Constituição, nomeadamente no n.º 1 do artigo 15.º — , densifica garantias constitucionais para um conjunto de cidadãos que criam riqueza e desenvolvimento no País, o que nem sempre lhes é reconhecido.
Penso que esta referência merece estar neste artigo. É uma promoção de integração social, uma efectivação dos direitos fundamentais e funciona a favor de uma coesão nacional que todos desejamos.
Portanto, pessoalmente, estou a favor desta inclusão, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro.

O Sr. José Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, queria apenas colocar uma questão ao PSD sobre a proposta de incluir uma nova alínea no sentido da promoção da «solidariedade entre gerações».
Ouvi atentamente o Deputado José de Matos Correia e concordo com ele, porque devemos ler e perceber as normas constitucionais na sua implicação com outras normas. Em particular, concordei com a sua referência à consequência de uma norma constitucional em termos de política sectorial.
Nesse sentido, Sr. Deputado, gostava de lhe perguntar se é possível, com a vossa proposta, de inserir uma nova alínea de promoção da «solidariedade entre gerações», podermos vir a ter uma espécie de cativação geral em nome da solidariedade geracional. Essa inclusão teria, depois, consequências, uma das quais seria a seguinte: o artigo 81.º da Constituição, que se refere às «Incumbências prioritárias do Estado» no plano económico e social, faz uma referência ao «desenvolvimento sustentável» e a ideia da «solidariedade entre gerações» tem a ver com o «desenvolvimento sustentável», ou seja, com tudo o que não hipoteca a capacidade de as gerações vindouras poderem usufruir também dos recursos.
Portanto, a pergunta que lhe coloco é muito prática: a ser aprovada uma alínea desta natureza, será essa uma das possíveis consequências, isto é, justificarmos constitucionalmente uma espécie de cativação de recursos transversal? Estou a dar apenas uma opinião, mas gostava muito de perceber as possíveis consequências de uma norma desta natureza. Portanto, agradecia, se me pudessem esclarecer.

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O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado fez uma intervenção em tom de pergunta dirigida ao PSD. O Sr. Deputado Pedro Rodrigues, que apresentou a proposta do PSD, não está, neste momento, na sala, mas pergunto se algum Sr. Deputado do PSD quer avocar a resposta.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José Ribeiro, agradeço a sua questão. Embora não tenha sido eu a apresentar esta proposta, tenho muito gosto em responder-lhe.
Não se trata, evidentemente, de qualquer cativação ou do estabelecimento de uma qualquer capitis deminutio para quem tenha de decidir em função da promoção deste objectivo a tarefa fundamental do Estado.
O que está aqui em causa é uma orientação constitucional que visa delimitar a obrigação de uma gestão prudencial dos recursos.
Há aqui duas dimensões do problema: uma dimensão de princípio e uma dimensão que tem que ver com as políticas concretas. Se é certo que a nossa proposta é motivada pela dimensão de princípio, de que tem de haver uma gestão prudencial da coisa pública em todas as suas dimensões e não apenas nos aspectos que se prendem com o «desenvolvimento sustentável», porque isso tem que ver com o tal equilíbrio entre gerações e com a necessidade de não onerar excessivamente as gerações vindouras — o que, como o Sr. Deputado reconhecerá, ultrapassa, em muito, a questão do «desenvolvimento sustentável», embora tenha elementos de negação com ela — , não é menos verdade que a urgência da inclusão de uma norma desta natureza também decorre de algumas questões que têm vindo a ocorrer na sociedade portuguesa.
A verdade é que a opção por determinado tipo de políticas que sistematicamente se baseiam na ideia de diferir para um momento futuro o pagamento dos encargos presentes, onerando os exercícios orçamentais e, de um modo geral, as finanças públicas, deixa para as gerações futuras um peso e um lastro que podemos questionar se é aceitável no quadro do respeito por um princípio fundamental, como é, para nós, o princípio da solidariedade intergeracional.
No entanto, repito, não se trata de um problema de cativar coisa alguma, trata-se de estabelecer, como tarefa fundamental do Estado, a necessidade de respeitar uma gestão prudencial que tenha em conta que a solução das necessidades presentes não pode pôr em causa, sem limites, aquilo que são os direitos das gerações vindouras.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, como não registo mais inscrições, dou por concluída a discussão do artigo 9.º.
Não havendo propostas relativas ao artigo 10.º, passamos ao artigo 11.º, para o qual há uma proposta do CDS-PP. No entanto, o CDS-PP informa-me que só estará em condições de fazer a sua apresentação dentro de alguns minutos.
Assim sendo, e estando o PSD em condições de passar à discussão da proposta que tem para o artigo 12.º, vamos adiar por uns minutos a discussão do artigo 11.º e fazer, primeiro, a discussão do artigo 12.º.
Para apresentar a proposta do PSD para o n.º 2 do artigo 12.º — Princípio da universalidade, que se refere aos direitos e deveres das pessoas colectivas, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, esta proposta do PSD visa, acima de tudo, dar consagração constitucional ao que tem sido o caminho percorrido, na ordem jurídica interna, em termos de consolidação progressiva dos direitos imanentes das pessoas colectivas.
Sendo certo que, tradicionalmente, por princípio dos direitos pessoais entendemos que são os inerentes à dignidade e à pessoa humana, a verdade é que a Constituição, considerando o Estado de direito que somos, reconhece um acervo de direitos e de deveres que não tem que ver propriamente com a dignidade humana, mas com a construção jurídica das sociedades modernas, onde as pessoas colectivas são elementos essenciais de funcionamento da própria sociedade.
Tem havido um caminho mais ou menos consolidado por parte da jurisprudência e da doutrina em Portugal no sentido de densificar os direitos e deveres compatíveis com a natureza das pessoas colectivas, mas esse

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caminho, do nosso ponto de vista, teria muito a ganhar, em termos de consolidação definitiva, se houvesse uma densificação um pouco maior do texto que está actualmente na Constituição.
Nesse sentido, não propormos que se altere o texto constitucional actualmente em vigor, que se manterá na íntegra, havendo apenas uma inversão dos direitos e deveres por deveres e direitos para que o acrescento que é proposto pelo PSD tenha, em termos gramaticais, um encaixe mais simples neste normativo. Propomos, portanto, a especificação de que, nos direitos compatíveis com a natureza das pessoas colectivas, se incluam o direito ao «nome», à «imagem» e à «reserva da sua sede e da sua comunicação», que as pessoas colectivas gozam nos termos densificados, depois, pelo direito interno.
É o que actualmente acontece, como referi, fruto de um caminho e de uma consolidação que, progressivamente, tem vindo a ser feita na legislação, na doutrina e na jurisprudência. No entanto, apesar de tudo, do nosso ponto de vista, esse caminho tem claramente a ganhar com esta clarificação através de uma consagração expressa na própria Constituição.
Em síntese, não sendo propriamente uma inovação total, trata-se da elevação a um patamar de consagração constitucional, para afastar quaisquer leituras dúbias que, por vezes, ainda existem por parte de alguns dos actores do Estado de direito relativamente ao universo de direitos compatíveis com a natureza de pessoa colectiva.
É esse o objectivo do Partido Social Democrata nesta norma, como em alguns artigos mais à frente onde a Constituição trata, mais especificamente, da densificação de alguns dos direitos e deveres das pessoas colectivas, como os relativos às comunicações, às sedes, etc. A seu tempo, quando chegarmos a esses artigos, falaremos também disso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, relativamente a esta proposta do PSD, gostaria de fazer uma leitura conjugada com o artigo 34.º, uma vez que estes dois artigos estão intimamente ligados.
Queria questionar o PSD sobre algumas questões suscitadas por esta ampliação e equiparação da pessoa colectiva à pessoa singular.
Num primeiro momento, porque não há só aqui uma densificação dos conceitos, há uma ampliação do que serão os direitos das pessoas colectivas relativamente às pessoas singulares. Assim, tendo em conta que a comparação que a Constituição faz é em relação à pessoa singular, ao se ampliarem os direitos das pessoas colectivas, está a subir-se o patamar de consagração constitucional da pessoa colectiva, mas também a diminuir, por equiparação, a pessoa singular em termos do que o próprio «Princípio da universalidade» pretende, que é defender os direitos e deveres da pessoa singular pelo simples facto de ela o ser. Ou seja, sendo pessoa, a Constituição diz que tem direitos e deveres pelo simples facto de o ser. No entanto, a Constituição já não o diz relativamente às pessoas colectivas e, ao fazer, como faz hoje, essa equiparação, deixa muito claro que a pessoa colectiva, sendo uma construção e uma ficção jurídica — apesar de tudo e da sua importância para a sociedade, não deixa de o ser — , terá os direitos e os deveres compatíveis com a sua natureza.
O Sr. Deputado referiu, e bem, que os direitos e deveres da pessoa colectiva se espelham, depois, ao longo da Constituição. Veja-se, por exemplo, que o legislador ordinário soube ler quais eram os direitos e os deveres compatíveis com a sua natureza e, ao nível do Código Penal, consagrou o direito ao bom nome da pessoa colectiva, considerando que é compatível com a sua natureza.
No entanto, fazendo a equiparação em absoluto e também relativamente à sua natureza, fazendo a tal densificação no artigo 34.º que o Sr. Deputado referiu e fazendo a equiparação da pessoa singular à pessoa colectiva, pergunto se o legislador ordinário estará habilitado a diferenciar, por exemplo, as buscas domiciliárias das buscas às sedes das pessoas colectivas, atendendo a que propõem que a sede também seja inviolável. Portanto, considerando a sede inviolável, o legislador ordinário vai ser obrigado a equiparar o regime da busca domiciliária ao da busca à sede de uma empresa. Assim, a busca à sede de uma pessoa colectiva só será possível através de jurisdição criminal, como se verifica hoje para a busca domiciliária, com as restrições que conhecemos relativamente aos horários, às autorizações, o que é manifestamente um retrocesso para quem, há quatro meses, andou a tratar, nomeadamente, de agilizar os meios no combate à corrupção.

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Portanto, penso que densificar, sim, mas ampliar, fazendo a equiparação em determinados sectores, pode criar constrangimentos para o legislador ordinário, o que terá implicações profundas na nossa vida colectiva.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Luís Marques Guedes inscreveu-se para, presumo, replicar ao que foi dito. No entanto, peço-lhe que reflicta e replique também a uma objecção que gostaria de fazer.
Este artigo 12.º, de certa forma, é um artigo remissivo, porque diz, no n.º 1, que os direitos e os deveres consignados na Constituição são para todos. Por isso, se chama «Princípio da universalidade». Referindo-se o n.º 1 às pessoas singulares, o n.º 2 ressalva que «as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza», o que, desde logo, exclui, obviamente, os direitos que são inerentes das pessoas singulares e que as pessoas colectivas pela sua natureza não podem ter, como o facto de não poderem constituir família. Enfim, há um conjunto de direitos que são exclusivos das pessoas singulares.
Parece-me que, na lógica deste artigo 12.º, os direitos e deveres, quer das pessoas singulares quer das pessoas colectivas, são os que a Constituição determina em todos os seus artigos até ao final. Nesse sentido, ao dizer-se que os direitos das pessoas singulares são os que estão na Constituição e que os das pessoas colectivas também são os que estão na Constituição e, já agora, mais os que pretendem incluir, quer parecerme que desequilibra, de certa forma, toda a lógica deste artigo.
O Sr. Deputado dir-me-á que os direitos que estão na Constituição, como o bom nome, a imagem e a reserva, são todos compatíveis com a natureza da pessoa colectiva. Sê-lo-ão, mas não seria preferível, pelos vários artigos da Constituição, a propósito precisamente destas questões, poder incluir referência à pessoa colectiva onde ela não estiver, em vez de desequilibrar, desta forma, o artigo 12.º? É essa a questão que deixo.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes já estava inscrito, mas entretanto inscreveu-se o Sr. Deputado Bernardino Soares e tenho a indicação de que prefere falar primeiro, porque a sua intervenção será útil para o Sr. Deputado Luís Marques Guedes responder, dado que o PSD é, de certa forma, interpelado, porque é o proponente.

Pausa.

Não havendo oposição por parte do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, quero apenas deixar marcada a nossa posição em relação a este artigo.
Em primeiro lugar, quero reafirmar o que já foi dito pela Sr.ª Deputada Isabel Oneto e pelo Sr. Presidente.
De facto, esta proposta introduziria um desequilíbrio que não tem justificação neste artigo, dando, na dinâmica do texto constitucional, uma dignidade reforçada às pessoas colectivas e um desenvolvimento da protecção que é inserida no «Princípio da universalidade» que não está proposta para os cidadãos, isto é, para as pessoas individualmente consideradas.
Penso que também é de salientar que nada do que o PSD agora propõe está excluído pelo actual n.º 2 do artigo 12.º. Naturalmente, as pessoas colectivas estão protegidas nos seus vários aspectos pela legislação e também pela Constituição na forma como actualmente está redigida.
É evidente que há um objectivo com a introdução que o PSD aqui propõe, que é, sem dúvida, o de «blindar», para efeitos que não são certamente apenas os do «Princípio da universalidade», a protecção de certos aspectos das pessoas colectivas e que não têm a ver com o direito universal ao respeito pelos seus direitos consagrado no artigo 12.º.
Portanto, não vemos como positiva esta proposta. Podemos compreender o seu aparecimento, se conhecermos e relembrarmos a origem do projecto de revisão constitucional do PSD e imaginarmos a intenção que pode estar por trás desta proposta. Também podemos pensar nesta proposta em função de aspectos concretos da nossa vida quotidiana neste momento e perceber, eventualmente, que alguns bem gostariam de poder invocar uma norma deste tipo perante situações que têm vindo a ocorrer em instituições como o BPN ou o BPP.

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Por todas essas razões mas, sobretudo, na defesa de um equilíbrio deste artigo da Constituição, pensamos que esta proposta não é de acolher.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, afinal, eventualmente, devia ter falado antes, porque esta intervenção era perfeitamente dispensável. Não foi uma intervenção nem sequer uma pergunta.
Foi uma insinuação que, apenas para não incorrer no mesmo tipo de discurso, me abstenho de comentar, porque não merece, de facto, qualquer consideração da minha parte ou da parte do PSD. São insinuações que não têm rigorosamente nada que ver com as propostas constitucionais apresentadas pelo PSD e muito menos com o texto da Constituição da República.
Vou responder, portanto, ao que foi colocado pela Dr.ª Isabel Oneto e pelo Sr. Presidente.
Começando pela Dr.ª Isabel Oneto, queria chamar-lhe a atenção para o facto de não haver a equiparação que referiu. É verdade, eu próprio tinha chamado a atenção, que mais à frente, nomeadamente no artigo 34.º, o PSD volta a tratar do assunto. Mas o PSD não propõe nenhuma equiparação total entre as pessoas individuais e as pessoas colectivas. Como a Sr.ª Deputada bem sabe, o PSD apenas pretende consagrar na Constituição o que nem sempre é cumprido integralmente, mas que já está na legislação ordinária. A saber: o direito ao bom nome já é reconhecido às pessoas colectivas; o direito à imagem já é reconhecido às pessoas colectivas; o direito à reserva da sede — leia-se, como clarificamos no artigo 34.º, o direito à necessidade de uma autorização judicial para uma busca numa sede de uma pessoa colectiva — também já está na legislação, não é nenhuma inovação; e o direito à inviolabilidade das comunicações também já está na legislação ordinária — de todas as comunicações, quer de pessoas individuais quer de pessoas colectivas — e na própria Constituição, pelo menos, genericamente, é isso que se deve ler no actual texto do artigo 34.º, quando diz que «o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis». Por outro lado, está expressamente consagrada na legislação ordinária a interpretação de que as pessoas colectivas também gozam deste princípio da inviolabilidade dos seus meios de comunicação, salvo, obviamente, autorização judicial expressa. A intercepção de comunicações, quer de particulares quer de entidades colectivas, tem de ser autorizada por autoridade judicial.
Mantemos, no artigo 34.º — não o referi antes, porque tratamos dessa matéria mais à frente — , uma diferença que, do nosso ponto de vista, é aquele reduto onde, de facto, não faz sentido qualquer tipo de equiparação. Trata-se do problema das entradas nocturnas, que tem regras específicas na Constituição e que consideramos que se deve manter e apenas para os domicílios particulares, porque a génese desta protecção especial do domicílio, relativamente a qualquer busca durante o período da noite, tem que ver com as pessoas singulares e não com as pessoas colectivas — não utilizo o termo «empresas», porque «pessoas colectivas» é muito mais vasto, como sabemos. Ou seja, entende-se, como «pessoas colectivas», as associações, as entidades sindicais, as entidades sociais, as cooperativas, etc., e, portanto, é um conceito que está muito para além do de «empresa», isto é, de pessoa colectiva de natureza empresarial.
Portanto, a primeira questão que quero deixar clara é que não é verdade que o Partido Social Democrata esteja a esbater a diferenciação de protecção constitucional que existe na ordem jurídica portuguesa relativamente às pessoas individuais e às pessoas colectivas. Na prática, as pessoas colectivas, repito, através da legislação ordinária, já têm direito ao «bom nome, à imagem e à reserva da sua sede e da sua comunicação», entendendo «reserva da sua sede» como especificamos no artigo 34.º e, portanto, diferentemente do que é a reserva de domicílio que tem regras acrescidas quanto à entrada nocturna.
No que se refere à questão que o Sr. Presidente me colocou, já respondi um pouco com a resposta que acabei de dar. De facto, a nossa proposta apenas densifica sem alterar e não desequilibra minimamente o que já está no artigo 12.º.
O Sr. Presidente sugere, em alternativa, ir colocando, ao longo dos preceitos constitucionais, as várias questões relativas às pessoas colectivas, mas isso é difícil — apesar de ser, de facto, como diz, um pouco possível. Penso que, objectivamente, é difícil, na medida em que, no texto constitucional, os direitos relativos ao bom nome, à imagem e a determinado tipo de reservas estão todos no artigo 26.º, que se refere, claramente, à identidade pessoal. São direitos pessoais, dirigidos a pessoas concretas e não a pessoas singulares e colectivas ao mesmo tempo.

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Do meu ponto de vista, seria uma entorse grande alterar-se o artigo 26.º, onde se fala no direito ao bom nome, à imagem, etc. Nesse caso, sim, estaríamos a fazer um «apêndice» que faria pouco sentido. O problema é que é neste artigo da Constituição da República que eles estão e não noutro lugar. E as questões que dizem respeito à reserva do domicílio — leia-se, no caso das pessoas colectivas, da sua sede — , estão no artigo 34.º, em relação ao qual, objectivamente, o PSD faz uma proposta.
Relativamente ao bom nome e à imagem — repito que, quanto à reserva da sede e da comunicação, tratamos no artigo 34.º, seguindo um pouco a metodologia que o Sr. Presidente referiu — , com franqueza, não vemos que seja mais fácil fazer uma alteração ao artigo 26.º do que, genericamente, desta forma «inócua» — e digo inócua, entre aspas, no sentido de não ser verdadeiramente inovadora — , ao artigo 12.º, onde já se enuncia que as pessoas colectivas gozam de direitos e deveres que sejam «compatíveis com a sua natureza» e apenas se acrescentaria «neles se incluindo este, este e mais este». Mais à frente, no que for possível, nomeadamente quanto à reserva da sede e das comunicações, no artigo 34.º, seria explicitado de uma forma mais concreta. Relativamente ao bom nome e à imagem, não trataríamos mais à frente, porque não nos parece haver mais nenhum artigo onde isso seja passível de ser feito. Só por isso, Sr. Presidente. Porque se houvesse um artigo referente ao bom nome — como há o artigo 34.º relativo à sede, ao domicílio e às comunicações — , onde fosse fácil optar por essa solução, não teríamos dificuldade absolutamente nenhuma em fazê-lo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, de uma forma muito breve, quero deixar também a nossa opinião, nesta primeira leitura.
Começo por lamentar não ter podido estar presente desde o início da reunião. Não queria levantar esta questão hoje ou introduzir qualquer tipo de incidente sobre esta matéria, mas penso que a Comissão terá de, num determinado momento, fazer algum tipo de reflexão sobre o seu funcionamento. Demos acordo a que as reuniões da Comissão fossem coincidentes com as reuniões do Plenário, mas elas têm começado sem se ter sequer chegado ao fim das declarações políticas feitas no Plenário. Foi o meu caso hoje, em que tinha uma declaração política para fazer sujeita, depois, a perguntas — a seguir, de resto, à declaração política do Sr. Deputado Bernardino Soares — e já estava a Comissão a decorrer quando ainda estávamos na fase preliminar do Plenário. Portanto, se calhar, temos de rever esta matéria, no futuro.
Quanto à proposta do Partido Social Democrata, tenho, de facto, dificuldade em acompanhá-la, porque me parece que, não querendo fazer qualquer processo de intenções — que nunca faria sobre esta mesma matéria — , de facto, em termos de equilíbrio, esta proposta introduz algum desequilíbrio a favor das pessoas colectivas. Ou seja, não se trata de uma questão de equilíbrio, mas de desequilíbrio. Desse ponto de vista, esta proposta não beneficia muito o texto actual da Constituição, que diz, no n.º 1, que «todos os cidadãos gozam (»)« e, no n.º 2, que as pessoas colectivas tambçm gozam na medida da sua própria natureza.
Parece-me, de facto, suficiente.
Se se quiser introduzir alguma alteração pontual num artigo mais à frente, cá estaremos para discutir, ainda que estas garantias sejam muito dirigidas às pessoas singulares e aos direitos de reserva e de não violação da privacidade e, nesse sentido, a protecção especial do domicílio. Não considero que estes direitos sejam absolutamente equiparáveis às pessoas colectivas e muito menos faz sentido ter aqui uma referência às pessoas colectivas quando não há nenhuma referência às pessoas singulares.
Penso, portanto, sinceramente, que o texto não beneficia muito com esta alteração e, sem querer polemizar com o partido proponente, não deixo de lembrar que incluir «a segurança de pessoas e bens» como tarefa fundamental do Estado foi considerada uma densificação espúria, pelo que mais espúria e bastante mais densificante seria esta proposta, se fosse tida e levada avante.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

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O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Guilherme Silva não diz os apartes ao microfone e eles não ficam registados em Acta.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Se quiser, eu repito.

O Sr. Presidente: — Não vale a pena, Sr. Deputado. Fica para a próxima.
Sr.ª Deputada Isabel Oneto, queira desculpar. Tem a palavra.

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero referir duas questões que me parecem relevantes.
Em primeiro lugar, pegando no que eu tinha referido e que o Sr. Deputado Telmo Correia evidenciou, esta proposta, ao equiparar a pessoa colectiva à pessoa singular, está a subir o patamar da pessoa colectiva e a descer a «dignidade da pessoa humana», que é essencial e na qual assenta, de acordo com o artigo 1.º, toda a Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Já lá está!

A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Já lá está, mas equipara. Portanto, sobe o patamar da pessoa colectiva e, ao fazê-lo, está a colocar num patamar mais baixo, porque mais acessível, a «dignidade da pessoa humana».
Sr. Deputado, o acto de comunicar é, essencialmente, humano, só da pessoa singular. Os animais também comunicam entre eles, mas a linguagem, a palavra, que é o que se pretende defender, é humana. A defesa da comunicação está na palavra dita e escrita e essa ainda é uma qualidade humana que não se estende às empresas. É difícil conseguir estender à pessoa colectiva aquilo que caracteriza, precisamente, a pessoa humana, que é o dom da palavra dita e escrita. O que é que isto significa? Significa que, já hoje, para o direito às comunicações, se defende a palavra escrita e a palavra dita. É isso que o nosso legislador faz.
Relativamente à sede e ao domicílio, Sr. Deputado, o legislador ordinário não distingue apenas as buscas domiciliárias nocturnas das outras.
O artigo 174.º do Código do Processo Penal permite que haja autorização judiciária — e não judicial — para uma busca a uma empresa, a uma pessoa colectiva. O artigo 177.º é específico para a «Busca domiciliária», mesmo durante o dia, visto que mesmo durante o dia é necessário ter protecção do domicílio, do que há de mais privado na pessoa, como, por exemplo, não ter acesso ao seu diário, que sabemos que é uma proibição de prova que as empresas, provavelmente, não têm, porque se refere à intimidade própria da pessoa humana. E mais: o regime da busca domiciliária não só está consagrado quer para o período nocturno quer para durante o dia — a distinção faz-se logo ao nível da autorização judicial para um e para outro, isto é, de dia ou de noite — como também como medida cautelar e de polícia.
Portanto, o regime é diferente, precisamente porque a natureza do sítio fechado, do espaço é diferente. O artigo 174.º permite a busca «quando houver indícios de que os objectos (») se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público», o que também se aplica às pessoas colectivas.
Aliás, Sr. Deputado, posso fazer-lhe chegar acórdãos em que, precisamente, foi feita a defesa da nulidade da prova obtida porque não havia autorização judicial para a busca à pessoa colectiva e o tribunal cita a Constituição e o Professor Gomes Canotilho para dizer que não há essa equiparação. Portanto, esses argumentos têm caído.
Ao fazer-se esta equiparação no artigo 34.º, inevitavelmente, está a dar-se uma orientação ao legislador ordinário para que equipare a sede. Mesmo ao nível do bom nome, tendo o legislador ordinário densificado o conceito de bom nome, ele não é igual, em termos de densificação, para a pessoa colectiva ou para a pessoa singular — ainda assim, é muito mais densificado para a pessoa singular do que para a pessoa colectiva.
Portanto, em meu entender, há distinções próprias da natureza da pessoa singular e da pessoa colectiva e esta proposta acaba por criar um desequilíbrio entre a pessoa singular e o que, em todo o caso e pese embora as vantagens inegáveis para a sociedade, é sempre uma construção jurídica sem alma.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, desta vez com o microfone ligado e já não sob a forma de aparte, penso que há algumas questões que precisam ser aclaradas.
Não vejo que se deva, necessariamente, neste reforço de protecção constitucional às pessoas colectivas, extrapolar uma ideia de confusão ou de degradação das pessoas singulares, porque todos estimulamos e apelamos muito para o reforço da sociedade civil, para a pujança maior da sociedade civil e uma das formas de expressão dessa pujança e dessa intervenção da sociedade civil são as múltiplas pessoas colectivas, que vão tendo conotação com grupos e pessoas de várias áreas, das mais prestimosas, e que, nesta conflitualidade social crescente, também são, muitas vezes, «chamuscadas» em aspectos fundamentais que se pretende aqui acautelar.
Portanto, penso que também devemos olhar para esta questão com essa perspectiva, com essa visão, e não com a ideia de que estamos a deteriorar o conceito de pessoa, como pessoa individual, física e, enfim, humana, porque estamos a trazer para este tipo de protecções também as pessoas colectivas. Além de que este problema também se põe, designadamente, na questão da protecção prevista no artigo 34.º, no domínio das comunicações, do domicílio, da correspondência, etc.
Por razões próprias da evolução do funcionamento da sociedade, económicas e outras, há muito o recurso legítimo à constituição de pessoas colectivas que estão muito entrosadas no funcionamento individual dos titulares directos dessas pessoas colectivas. E o domínio da correspondência, que, muitas vezes, envolve e confunde os próprios domicílios e sedes desse tipo de actividades, leva a que a não prevenção desta protecção às pessoas colectivas, essa sim, acabe por determinar uma diminuição da protecção da pessoa individual. Essa é uma realidade da vida jurídica, económica e social dos nossos dias.
Estas preocupações têm, de facto, a sua sede na evolução das nossas sociedades, são próprias das comunidades de hoje e da forma de organização da sociedade a vários níveis. Foi nesta perspectiva que apresentámos a proposta e gostaríamos que ela fosse reponderada, reflectida e não rejeitada, especialmente com base na ideia de que essa coisa de dar agora a pessoas colectivas os mesmos direitos das pessoas humanas acaba por ter um efeito deteriorante relativamente ao que deve ser o primado, as pessoas em si e não as pessoas colectivas.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, como a mesa não regista mais inscrições, podemos dar por concluída a discussão do artigo 12.º (Princípio da universalidade).
Vamos então, tal como estava previsto, regressar ao artigo 11.º (Símbolos nacionais e língua oficial), para o qual o CDS propõe, através do projecto de revisão constitucional n.º 5/XI (2.ª), que a expressão «A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República» seja substituída pela expressão «A Bandeira Nacional, símbolo da soberania popular».
Para fazer a apresentação desta proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De uma forma muito simples, apenas gostaria de dizer que esta proposta não é inovadora — tanto quanto me lembro, consta de anteriores projectos de revisão constitucional do CDS-PP — , mas entendemos mantê-la neste projecto de revisão constitucional.
Não se trata de uma proposta que pretenda introduzir qualquer alteração de fundo, pois não queremos, com ela, mudar nem os símbolos nem a Bandeira, que podemos gostar mais ou menos, mas essa é uma outra questão. A nossa única ideia é a de que, até do ponto de vista da técnica legislativa, a solução que propomos é melhor.
O artigo 11.º estatui: «A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da Repõblica, (») ç a adoptada pela República». Portanto, esta repetição não faz muito sentido. Além de que, até no nosso modelo constitucional, podemos ir um pouco atrás e ler no artigo 3.º que «A soberania, una e indivisível, reside no povo». Ora, se a soberania, nos termos do artigo 3.º, «reside no povo», é evidente que a Bandeira Nacional é o símbolo da soberania popular, porque é no povo que reside essa soberania e não na República, por assim dizer.
Trata-se apenas de uma questão de técnica legislativa. Pensamos que esta expressão é mais correcta, mais adequada, e não mais do que isso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta matéria estou um pouco dividido, pelo seguinte: por um lado, para mim, é claro que a argumentação do Sr. Deputado Telmo Correia é verdadeira. E até acrescentaria que, mais importante do que remeter para o artigo 3.º, é ter em conta o artigo 2.º, que é claro ao referir que «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular». A única soberania que existe na nossa Constituição é a popular. Não há outro tipo de soberania. A soberania em que é fundada a nossa República é a soberania popular. Mas, sendo isto verdade, por outro lado, também é verdade que este artigo 11.º nunca foi objecto de qualquer interpretação diferente desta, objectivamente. Portanto, diria que esta não é, propriamente, uma alteração e que talvez possa ser adoptada como uma precisão.
Verdadeiramente, penso que faz mais sentido dizer-se: «A Bandeira, símbolo da soberania popular,»« — porque não há outra — «» da independência, unidade e integridade» é aquela que foi adoptada, em 5 de Outubro de 1910, pela República. Isso é claro como água.
Portanto, a minha única dúvida é olhar para esta proposta como uma alteração propriamente dita, pois entendo que seria mais uma precisão. Mas se fossemos entrar nas precisões, eventualmente, haveria muitos outros aspectos pontuais da Constituição que ficariam melhor se fossem estatuídos de forma diferente.
Em conclusão, queria dizer apenas que não temos rigorosamente nada a opor. Pensamos que é inequívoco que os símbolos nacionais têm a ver com os princípios essenciais em que se funda o nosso Estado, a nossa República, que são, claramente, a soberania popular, a independência, a unidade e a integridade territorial. Portanto, desse ponto de vista, não nos merece qualquer reparo esta proposta/sugestão da parte do CDS-PP, a não ser, eventualmente, um critério de mera oportunidade.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, gostaria de tecer uma breve consideração em relação ao que disse o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É uma presidência activa!

O Sr. Presidente: — Exactamente, com todo gosto. E uma presidência construtiva, como vai ver! Chamava a atenção dos Srs. Deputados Telmo Correia e Luís Marques Guedes para o seguinte: quando os Srs. Deputados dizem que a soberania é só uma, que não há outra que não a soberania popular, isso é verdade. Mas creio que a Constituição fala de soberania em duas acepções diferentes: desde logo, a soberania a que se refere o artigo relativo à Bandeira Nacional — artigo 11.º— é a do artigo 1.º, que estatui que «Portugal é uma República soberana»; depois, a do artigo 3.º, que diz a quem pertence essa soberania.
Ora, o que a Bandeira Nacional simboliza não tem a ver com quem exerce a soberania, porque antes da Revolução de 1820, em que não havia esta ideia de soberania popular, o Estado português já tinha bandeira — não era esta, mas tinha bandeira. Portanto, penso que a Bandeira simboliza a soberania da República Portuguesa perante outros Estados, não pretende dizer quem exerce a soberania, porque é evidente que é o povo.
Creio que na proposta do CDS há algum equívoco relativamente à acepção de soberania a que se refere este artigo 11.º. Esta foi uma objecção que me ocorreu, mas os Srs. Deputados dirão se é assim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, esta é uma achega pessoal que visa evitar que se entre em considerações parlamentares que nos conduziriam a estabelecer qualquer coisa do género «símbolo da soberania da Repõblica popular«, o que não seria muito desejável» Nesta perspectiva, talvez não ficasse pior a seguinte redacção: «A Bandeira Nacional, símbolo da soberania, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910». Além de mais, a redacção melhorava, porque não repetia duas vezes a palavra «República».

O Sr. Presidente: — Se bem percebi, o Sr. Deputado Guilherme Silva propõe uma de três soluções: ou «soberania», ou «soberania da República», ou «soberania da República popular».

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Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta é uma proposta recorrente, como também é recorrente a posição que o Partido Socialista tem assumido em relação a ela — posição que venho aqui, no fundo, reiterar.
Srs. Deputados, de duas, uma: ou estamos perante um mero aperfeiçoamento baseado numa discussão retórica, como a que, até aqui, foi feita nesta Comissão (talvez até difícil de entender para quem estiver a assistir a este debate lá fora e, certamente, muito afastada dos problemas que, eventualmente, teremos de resolver), ou não estamos perante uma discussão retórica.
Se estamos perante uma discussão retórica, não vejo qualquer razão para alterar este artigo 11.º, pois não me parece que a Constituição fique melhor com a alteração proposta pelo CDS-PP. Mas se esta não é uma discussão retórica e o que está em jogo é a questão da República, então a posição do Partido Socialista será ainda mais peremptória e radical, porque é óbvio que não podemos discutir a questão da República, nem que seja de uma forma encapotada, a propósito da Bandeira Nacional.
Por isso, deixamos a nossa indisponibilidade para alterar este artigo 11.º.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, de forma muito breve, e salvo o devido respeito pelos preponentes, gostaria de dizer o seguinte: o Estado português tem símbolos, que são símbolos nacionais mas que aqui se entrelaçam com a identificação do Estado. O Estado português chama-se «República», tal como o Estado vizinho se chama reino.
Portanto, obviamente, do que estamos a falar é da Bandeira da República Portuguesa. Não há forma de escamotear nem de tergiversar acerca disso.
Além de mais, percebe-se mal a utilidade política desta alteração: todos os monárquicos que conheço não se deixariam seduzir por ela, porque não era pelo facto de deixar de ser a «Bandeira da República» que passaria a ser a bandeira da sua preferência, uma vez que ainda estão mais ou menos presos à imagem azul e branca e não exactamente a esta, que é a bandeira verde-rubra.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, sem querer alongar-me, gostaria de dar a minha opinião sobre o que V. Ex.ª disse, porque, relativamente à questão de fundo, já disse o que tinha a dizer e nada tenho a acrescentar. Ou seja, não tenho nada contra a proposta do CDS, mas tenho dúvidas de que haja oportunidade ou vantagem nesta alteração.
Assim, com toda a clareza, gostaria de fazer um breve comentário à intervenção do Sr. Presidente. De facto, poderia intuir-se das suas palavras, apesar de não ter sido isso que disse, que, para além da soberania popular, a nossa Constituição também fala de uma soberania da República. Mas isso não é verdade, porque só há uma soberania.
Há um artigo na Constituição sobre soberania, o artigo 3.º, cuja epígrafe é «Soberania e legalidade», no qual se lê que a soberania é «una e indivisível, reside no povo». Não há mais nenhuma, não há soberania da República nem nada disso! A Constituição é clara. No artigo 1.º, encontramos a expressão «República soberana», mas não é a mesma coisa que «soberania da República», não tem nada a ver! Portanto, gostaria de deixar claro que não creio que haja essa duplicidade de conceitos — soberania popular e soberania da República — , porque são coisas completamente diferentes. Na República Portuguesa, só há uma soberania, que «reside no povo», como estatui o artigo 3.º, não há outra. A soberania não decorre da forma de governo, decorre da vontade popular.
Em suma, a questão da República coloca-se não no plano da soberania mas no plano da forma de governo de um Estado que é soberano.

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Não queria deixar de fazer esta leve distinção, sendo certo que — e reitero o que disse inicialmente, Sr.
Presidente e Caros Colegas — não me parece que, alguma vez, este preceito tenha sido susceptível de uma interpretação dúbia. Portanto, tenho muitas dúvidas relativamente à oportunidade de se estar a alterar esta disposição, mas também julgo que não ficaria pior.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, sem querer entrar em diálogo consigo, julgo que não entendeu bem o que eu disse.
O artigo 1.º da Constituição estatui que «Portugal é uma República soberana» e o que eu quis dizer foi que a Bandeira portuguesa exprime precisamente essa soberania, ou seja, a afirmação de que o Estado português não reconhece nenhum poder estrangeiro que lhe seja superior — é nisso que consiste a soberania da República.
Ora, o que aqui se diz é que a Bandeira portuguesa exprime isso. Ou seja, se participamos numa competição internacional, nos Jogos Olímpicos, ou se nos fazemos representar nas Nações Unidas ou na União Europeia, apresentamo-nos com a Bandeira portuguesa e o que ela simboliza é que somos um Estado soberano, igual aos demais Estados soberanos, e não reconhecemos qualquer entidade internacional que nos seja superior.
Questão diferente — creio que é a isso que se refere o artigo 3.º da Constituição — é a quem pertence essa soberania. Inequivocamente, pertence ao povo português.
Já ultrapassámos os conceitos de Constituições anteriores, que diziam que «a soberania reside em a Nação», uma vez que a versão actual afirma, claramente, que a soberania pertence ao povo. Quanto a isso, creio que todos estamos de acordo, não há opiniões diferentes.
Todos estamos de acordo sobre o que a Bandeira representa, o que há aqui é um problema de formulação.
Usei da palavra porque, antes, talvez não me tenha exprimido da melhor forma, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, apenas queria sinalizar que não vemos qualquer vantagem nesta alteração, tal como não veríamos qualquer prejuízo se ela fosse apenas uma questão de redacção. Mas, provavelmente, é bastante mais do que isso, o que só adensa a nossa convicção de que não deve ser alterada a formulação actual do artigo 13.º da Constituição neste ponto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Ribeiro.

O Sr. José Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, apenas gostaria de lembrar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, nos dias que correm, o que orienta as relações do Estados, num conceito jurídico, é exactamente a legitimação pela via da lei.
Portanto, penso que este artigo quer dizer (o que, na prática, é um dado) que a soberania entre Estados traduz uma ideia de igualdade entre os Estados na comunidade internacional; o artigo que estamos a discutir é, claramente, relativo a símbolos que identificam o Estado português em relação a outros Estados, e nada mais.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Para mim, a Bandeira é mais do que isso. Eu identifico-me com a minha Bandeira!

O Sr. José Ribeiro (PS): — Aliás, Sr. Presidente, a questão não se coloca apenas em relação à Bandeira.
Nos Jogos Olímpicos, para além da bandeira, temos o Hino e o idioma.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, para concluir, gostaria de dizer o seguinte: em primeiro lugar, revejo-me completamente na última intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes (de resto, a preocupação que ele aqui expressou é a nossa preocupação); em segundo lugar, creio que o Sr. Deputado

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Bernardino Soares, ao contrário do que lhe é habitual, hoje está um pouco virado para o princípio da suspeição, para ver coisas escondidas atrás de propostas simples e, estas sim, espúrias.
Continuo a preferir a redacção proposta pelo CDS do que a do texto constitucional, sublinhando, como foi dito — e bem — pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que o soberano é o povo, quer queiram quer não.
Surpreende-me, aliás, que o «amor» do BE e do PCP à República seja superior ao seu «amor» ao povo, sobretudo vindo de onde vem, e que gostem muito mais da ideia da República do que da ideia popular, mas é possível que assim seja.
De facto, é indiscutível que Portugal é uma República — está no artigo 1.º da Constituição e continua por aí fora — , tal como é indiscutível que o soberano é o povo — no próprio artigo 11.º, não retiramos a expressão «é a adoptada pela República». E como o soberano é o povo, não é a República, um dia, se o povo não estiver de acordo com a República, ele é soberano. Dentro destes dois valores, a soberania é popular.
Esta é a nossa ideia, mas não fazemos dela uma questão. Não há aqui qualquer ruptura constitucional, nem mudança de fundo, nem questão essencial, por isso, se não merece o consenso generalizado, não insistiremos mais nesta ideia, mantendo nós a nossa afeição à soberania popular, acima da afeição à República.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues.

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, não temos muitas divergências sobre quem é o soberano — penso que essa questão está muito clara — , mas a verdade é que estamos a tratar do artigo 11.º, que se refere aos símbolos nacionais. Ora, o símbolo nacional é da República e não do povo; a Bandeira não é um símbolo do povo, é um símbolo da República.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Da soberania!

O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Nunca identifico o símbolo com o povo. Quer dizer, temos um Estado, uma República que, face a terceiros, tem símbolos, e os símbolos são do Estado, da República. Nesse sentido, parece-me que o texto da Constituição está bem, porque o símbolo é do Estado, da República, não é do povo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Se é nacional, é referente à Nação, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Deputado Telmo Correia suscita-me uma curta resposta.
Estava o Bloco de Esquerda posto em sossego quando foi invectivado»

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A nossa função é desinquietar os espíritos!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — A verdade é que o CDS tem aqui uma linha à qual se pode atribuir alguma coerência: quis eliminar o preâmbulo da Constituição, porque falava do socialismo; quis eliminar as referências ao colonialismo, uma realidade que também tem a ver com a memória histórica; e quer aqui apagar um pouco a República. Ou seja, vem tudo na mesma continuidade.
O que é preciso é assumir esse ideário, porque ele é tão legítimo como outra expressão política qualquer.
Mas vir dizer-nos que se trata apenas de uma alteração meramente formal, quando não ç o caso» O objectivo aqui é, realmente, tirar a República de um papel histórico que ela teve, por isso é bom que não nos enganemos com as expressões.
De facto, não se trata agora de fazer uma discussão dicotómica entre soberania popular, que é o lado interno da expressão do fenómeno, e soberania da República, que é o lado externo, a afirmação da soberania no espaço internacional e universal.

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Portanto, como é óbvio e consta da história — toda a gente sabe e está escrito na linha imediatamente a seguir — , a Bandeira Nacional foi a adoptada pela República e, como tal, há-de ser a Bandeira da República até que um dia seja alterado o regime. E devia sossegar as consciências de VV. Ex.as o facto de ter lá a esfera armilar, as quinas e todas essas coisas que, realmente, até inquinam um pouco aquela Bandeira.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, de uma forma muito breve e na sequência desta intervenção do Sr. Deputado Luís Fazenda, gostaria apenas de dizer que esse é um dado positivo. O facto de na Bandeira estarem as quinas, os castelos, a esfera armilar e de, no fundo, o escudo de armas da Bandeira portuguesa continuar a ser o mesmo desde sempre, significa uma continuidade histórica na Bandeira de um País que é a Nação mais antiga da Europa com fronteiras definidas.
Independentemente de tudo o resto, ainda bem que lá estão todos esses elementos, porque significa que, realmente, aquela Bandeira não nasceu no dia 5 de Outubro de 1910, nem no dia 25 de Abril de 1974 — aliás, não sofreu qualquer alteração por esse facto, era a que existia antes e continuou a existir depois — , antes, tem uma longa história de séculos. Portanto, esse é um dado positivo.
Tal como Portugal, enquanto identidade, para nós é mais relevante do que a própria República, independentemente das opiniões de cada um sobre a república, a monarquia ou seja o que for. Quer dizer, Portugal é uma identidade que se sobrepõe à própria noção de República.
Não quis dar exemplos desportivos, até porque aí a minha bandeira é completamente vermelha, mas esse é outro problema — é o único aspecto em que a minha bandeira é completamente vermelha, ao contrário da sua! — , mas nesses mesmos eventos desportivos de que falava há pouco, normalmente tendemos, eu e os mais entusiastas (não sei se é o seu caso), a gritar «Portugal» e não «República Portuguesa», porque, de facto, temos de Portugal uma ideia histórica, que está para além da própria República.
Chamava ainda a atenção do Sr. Deputado Luís Fazenda para um aspecto da sua intervenção, que é relevante e em relação ao qual não foi completamente justo. De facto, nós não retiramos a palavra «República» do artigo 11.º, de maneira alguma.
Ou seja, no texto «A Bandeira Nacional, símbolo da soberania popular, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910», a referência à República mantém-se. Mas entendemos que não temos de ter a palavra «República» ao quadrado! Isto ç, no texto constitucional, não tem de estar «soberania da Repõblica, (») adoptada pela República», por causa da República! Isso, sim, parece-me já um pouco exagerado, por isso propomos uma nova formulação nestes termos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a mesa não regista mais inscrições, pelo que dou por terminada esta discussão sobre a Bandeira portuguesa ou da República Portuguesa, como preferirem.
Vamos passar à discussão do artigo 13.º (Princípio da Igualdade), em relação ao qual foram apresentadas várias propostas constantes dos projectos de revisão constitucional n.os 2/XI (2.ª) (PCP), 3/XI (2.ª) (Os Verdes), 4/XI (2.ª) (BE) e 9/XI (2.ª) (PS).
Respeitando a ordem dos projectos de revisão, começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares, para fazer a apresentação da proposta do PCP.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do PCP é bastante clara e inclui duas alterações ao n.º 2 do artigo 13.º.
A primeira visa um reposicionamento da proibição da discriminação por orientação sexual, que nos parece estar melhor colocada a meio do artigo do que no final, onde ficou por razões de inserção posterior em relação a outras matérias.
A segunda proposta visa alterar uma expressão que pensamos estar ultrapassada, embora mantendo o sentido do princípio constitucional já consagrado. Refiro-me à substituição do termo «raça» por «origem étnica», que parece ser a forma adequada de nos referirmos a esta realidade.
Portanto, a posposta resume-se a estas duas alterações e penso que é bastante clara em relação ao texto actual do artigo 13.º.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, creio que teríamos vantagem em fazer, primeiro, a apresentação das propostas, uma vez que todas elas incidem sobre o mesmo número.
Como, neste momento, não está presente a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que se encontra no Plenário, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro, para fazer a apresentação da proposta do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de começar por defender a proposta do Bloco de Esquerda no que diz respeito à retirada da palavra «raça» e à sua substituição pela palavra «etnia».
Sabemos que a raça não existe, que o estudo da diferenciação genética não permite utilizar esse termo, porque não há variação genética suficiente nos humanos para podermos falar de subespécies ou de raças e que, por isso mesmo, a raça é um conceito sem sustentação, que foi essencialmente produzido pela ideologia racista e pela ideologia colonialista. Portanto, trata-se de um conceito absurdo do ponto de vista científico, histórico e até cultural.
Por exemplo, a raça negra não corresponde à percepção das diferenças étnicas dos próprios povos e das tribos que existiam e que catalogamos de raça negra, como se elas constituíssem um mesmo grupo. Por isso mesmo, a raça é um conceito que divide, de forma arbitrária, as pessoas, que teve um fundamento, uma história e consequências políticas que nós conhecemos e que se ligam ao racismo.
Desse ponto de vista, existe discriminação e existe diferença em função da cor da pele, mas a cor da pele é apenas um dos elementos do fenótipo das pessoas, das suas características físicas. E nós sabemos, também, que é possível haver fenótipos muito diferentes, ou seja, as pessoas terem características físicas relativamente diferenciadas, mas terem genótipos muito parecidos, da mesma forma que o inverso também é verdade. Ou seja, é possível as pessoas terem fenótipos iguais e genótipos diferentes, tal como é possível as pessoas terem fenótipos diferentes e genótipos semelhantes.
O que quero dizer com isto é que, na verdade, se quiséssemos ser rigorosos do ponto de vista científico, poderíamos falar da discriminação em função do fenótipo, ou seja, das características físicas das pessoas.
Mas esse é um termo que é desconhecido para a maioria das pessoas e coloca o problema de ser excessivamente abrangente.
Se a raça não existe, não deve estar na Constituição, porque é legitimar um termo que é errado e que tem uma história que, ainda por cima, nos envergonha. Mas há um problema: a raça não existe, de facto, é um conceito que ninguém consegue sustentar do ponto de vista científico, mas existe o racismo. Ou seja, apesar de a raça não existir, existem representações subjectivas sobre a existência da raça que originam comportamentos racistas.
Portanto, em relação a este problema, teríamos três hipóteses.
A primeira hipótese seria mudar completamente a redacção do artigo 13.º e formulá-lo não em função da raça mas em razão de uma discriminação racista — porque se a raça não existe, essa discriminação racista existe.
A segunda hipótese seria recorrer à palavra que cientificamente se usa para descrever as diferenças em termos das características físicas das pessoas, que seria a palavra «fenótipo», mas que é uma palavra que, além de desconhecida, também é mais lata do que se pretende com a menção ao racismo.
Ou, então — é a terceira hipótese e foi a opção do Bloco de Esquerda — , há que substituir uma palavra errada por uma outra que tem elementos semelhantes ao que queremos dizer, que é a palavra «etnia». Etnia é um conceito cultural, ou seja, remete para a partilha de uma língua, de uma cultura — muitas vezes, nos estudos culturais, entra também aqui a questão da religião. No fundo, é a ideia de que há um grupo que tem uma história comum e que se projecta enquanto colectivo num futuro.
Desse ponto de vista, pode haver uma diferença entre a discriminação com base na etnia e a discriminação com base racista. No entanto, entre as opções que se colocam, entendemos que a discriminação com base na etnia é aquela que melhor nomeia o que entendemos por racismo.
Sobre a outra proposta que apresentamos, a da inclusão do termo «género», sabemos que esta palavra é cada vez mais utilizada e que tem diferenças e vantagens em relação à utilização da palavra «sexo». O sexo é

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um conceito biológico, natural, enquanto o género é um conceito que se refere ao papel social ou performativo que é apreendido. Ensinam-nos, desde que nascemos, a comportarmo-nos como homens ou como mulheres, e isso é o género.
As desigualdades na sociedade são desigualdades sociais, e é precisamente porque a sociedade atribui poderes diferentes a homens e a mulheres que há essas desigualdades. As desigualdades de género, entre homens e mulheres, são um dos elementos mais persistentes, mais vincados, mais transversais e perenes na estrutura das desigualdades das nossas sociedades. Usa-se precisamente o termo «desigualdade de género» para acentuar a natureza social dessa desigualdade, que é o que permite que ela desapareça.
O discurso da desigualdade e da sua inevitabilidade é que recorre, normalmente, à tentativa de naturalizar essas diferenças de género como se elas fossem diferenças naturais, fisiológicas, etc., para justificar uma discriminação e uma desigualdade que tem como única e exclusiva razão uma diferença de distribuição de poder na sociedade. Ou seja, como se as diferenças de salário, as diferenças na execução das tarefas domésticas, nos cargos públicos, etc., tivessem alguma coisa de natural ou de sexual nesse sentido, como se tivessem algum vínculo às diferenças biológicas. Não têm, é uma questão de diferenças sociais e dos valores sociais que se atribuem aos diferentes sexos.
É por isso, aliás, que, em Portugal, não temos uma comissão para a igualdade de sexo, temos uma Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, porque esse tema se popularizou e se entende que é mais correcto utilizá-lo.
Entendemos que deve ser incluída a palavra «género», mas não propomos que se elimine a palavra «sexo», essencialmente por dois motivos.
O primeiro é que o sexo existe e existe no nosso enquadramento legal — o registo civil fala em sexo. Aliás, no senso comum, como na maioria dos casos o sexo e o género são correspondentes, ou seja, as pessoas fazem uma equivalência entre o sexo e o género, refere-se muitas vezes a discriminação do género como uma discriminação baseada no sexo. Por exemplo, a mulher que é despedida por estar grávida é despedida por ser mulher e por, na nossa sociedade, se fazerem construções e diferentes atribuições de género em função, também, de diferenças biológicas.
Todavia, devemos passar a ter as duas categorias, porque há situações em que essas duas categorias não são equivalentes e é, precisamente, em função de identidades de género fora da norma que as pessoas são discriminadas.
Muitos estudos e documentos legais alertam para o facto de as pessoas que transgridem as normas de género serem particularmente vulneráveis à violência. Estou certo de que as pessoas interessadas neste tema conhecem a Carta de Princípios de Yogyakarta, que reuniu algumas dezenas de especialistas internacionais de 25 países, incluindo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a ex-Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, também ex-Primeira-Ministra da Irlanda, Mary Robinson, bem como algumas dezenas de especialistas de direitos humanos a trabalhar na própria Organização das Nações Unidas, juízes de tribunais internacionais, académicos, etc.
Essa Carta de Princípios defende, precisamente, que a falta de reconhecimento do género, uma terminologia inconsistente e confusa nos textos legais — nomeadamente, entre as categorias de orientação sexual, de sexo, de género e de identidade de género — , é uma das razões para a desprotecção das situações de discriminação das pessoas que transgridem os papéis de género. Por isso, a Carta de Princípios, assinada pelas pessoas que referi, sugere aos Estados a inclusão das expressões «género» e «identidade de género» nas constituições, nos códigos penais e na legislação antidiscriminatória.
Esta inclusão é particularmente importante para as pessoas transexuais, porque nestas é claro haver uma descoincidência entre a sua identidade de género e o sexo biológico de nascença — aliás, é uma reivindicação importante dos movimentos pela defesa dos direitos humanos e dos movimentos pela defesa das minorias sexuais, em Portugal como noutros países. Mas ela também é importante para as situações em que a discriminação se baseia não no sexo.
Imaginemos o caso de uma pessoa que pertence ao sexo hegemónico (um homem), que pertence à orientação sexual dominante e hegemónica (é heterossexual), mas que tem uma performance de género que é diferente da dominante, ou seja, é o rapaz efeminado que é discriminado em função disso. Ora, ele não é discriminado em função do sexo, certamente, pois faz parte do sexo dominante, nem é discriminado em

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função da sua orientação sexual, mas é discriminado em função do seu género ou da sua identidade de género.
Portanto, defendemos que se incluam estas duas categorias, que a Constituição possa acolher estas recomendações internacionais de juristas e de defensores dos direitos humanos que trabalham e intervém sobre estas questões.
Além disso, não temos qualquer objecção, pelo contrário, à inclusão da questão da «deficiência» e também entendemos que é importante incluir no artigo 13.º a questão do «estado de saúde», uma proposta, aliás, que vem sendo feita por diferentes movimentos de doentes, nomeadamente de doentes crónicos.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ricardo Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para fazer a apresentação da proposta do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nesta apresentação da alteração que o Partido Socialista propõe, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que um dos objectivos estruturantes do projecto de revisão constitucional do PS é não só o reforço como o desenvolvimento do princípio da igualdade. Por isso mesmo, tendo em conta este reforço e este desenvolvimento, apresentámos propostas em relação não apenas ao artigo 13.º como também aos artigos 15.º e 36.º, que analisaremos a seu tempo.
Sr. Presidente, propomos a introdução do conceito «género», tendo a consciência de que, por um lado, a proibição da discriminação deve ser um princípio fundamental e, por outro lado, a Constituição é uma ordem aberta e, por isso mesmo, deve adaptar-se à dinâmica da vida social. E, sem entrar nos aspectos mais científicos, de que falou o nosso colega José Moura Soeiro, gostaria de dizer que esta é uma aproximação ao que é hoje a realidade social e parece-me exigível que a Constituição também acompanhe esta evolução.
Por outro lado, Sr. Presidente, a proposta do Partido Socialista propõe a eliminação do conceito «raça», substituindo-o pelo de «etnia», por considerarmos que este é um conceito mais amplo, desde logo porque compreende não apenas os aspectos morfológicos como, também, os aspectos culturais. Por isso mesmo, esta deverá ser uma proibição de discriminação não em função da raça, que é um conceito ultrapassado e com outras conotações ideológicas que não interessam para esta discussão, mas em função da etnia, que é um conceito mais amplo, que abrange aspectos não apenas morfológicos mas, também, culturais, da nacionalidade, da religião, da língua ou das próprias tradições.
Sr. Presidente, esta é a apresentação que se me oferece fazer sobre o princípio da igualdade.

O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, para fazer a apresentação da proposta de Os Verdes.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço a tolerância, mas há dias em que temos de andar a correr do Plenário para a Comissão, que é o caso de hoje.
Sobre estas propostas de Os Verdes, que já não são novas e que, eventualmente, são conhecidas pelos Srs. Deputados de outros processos de revisão constitucional, ainda que não exactamente nos mesmos termos, de uma forma muito breve, gostaria de dizer o seguinte: reconhecendo que o n.º 2 do artigo 13.º não é uma norma fechada sobre si própria nem completamente taxativa, julgamos que ela merece uma actualização em função do que se vai detectando como factores de tratamento discriminatório e que não deve estar sujeito a esse tratamento.
Foi nesse sentido, justamente, que Os Verdes entenderam propor que «estado civil, deficiência, risco agravado de doença» constassem do n.º 2 do artigo 13.º e ficassem expressamente sujeitos ao princípio da igualdade. Julgo que não vale a pena detalhar muito cada um de per si, mas passaria a relembrar alguns aspectos aos Srs. Deputados, para promoverem e fazerem a sua avaliação em relação a estas propostas.
Em relação ao estado civil, penso que toda a gente conhecerá que, actualmente, apesar de tudo o que está legislado, no mundo do trabalho as mulheres são ainda muito discriminadas em função do seu estado civil. De

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resto, para o acesso ao emprego, essa é uma pergunta que hoje não devia ser tolerada, mas que é feita.
Portanto, conhecendo este factor de discriminação, Os Verdes consideram que era importante integrá-lo expressamente no artigo 13.º.
Relativamente às matérias da deficiência e do risco agravado de doença, a lacuna que existe neste n.º 2 do artigo 13.º é de tal ordem que nós, Assembleia da República, legislámos ordinariamente sobre a matéria e construímos a Lei n.º 46/2006, que, justamente, proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de doença. Ela comporta, portanto, os dois elementos que Os Verdes propõem.
A integração no n.º 2 do artigo 13.º destes dois factores é importante na medida em que ajudará à própria formação e organização da nossa sociedade para a promoção desta igualdade, designadamente nas questões da deficiência, ao nível da organização do ensino, ao nível da generalização, mais do que necessária, da língua gestual, para que todos tenham acesso aos meios de comunicação, bem como ao nível do acesso, ainda hoje não generalizado — incompreensivelmente — , aos edifícios e a serviços públicos.
Estou apenas a exemplificar a necessidade que Os Verdes vêem na referência expressa a estes três factores no artigo 13.º. Depois, em função das questões que os Srs. Deputados colocarem, eventualmente direi mais qualquer coisa, Sr. Presidente.
Já agora, acrescento que só tenho pena que Os Verdes não tenham apresentado também uma proposta de substituição com o termo «etnia», em vez de «raça», mas fico-me com a pena e votarei favoravelmente a proposta dos outros.

O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, começo por pedir desculpa aos demais Srs. Deputados porque, depois de usar da palavra, vou ter de ausentar-me. Em todo o caso, os Srs. Deputados Guilherme Silva, Fernando Negrão e Francisca Almeida estarão presentes e, portanto, a posição do PSD ficará assegurada, em qualquer circunstância.
Queria apenas comunicar a posição do Partido Social Democrata relativamente a estas propostas, diferenciando dois grupos que, do nosso ponto de vista, devem se diferenciados, claramente. Por um lado, as questões que têm a ver com o género e a etnia e, por outro lado, as demais questões.
Começando pelas questões do género e da etnia, devo dizer que percebi bem a questão colocada pela Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça e, pela maneira soft como o fez, não nos oferece grandes dúvidas a ideia de o texto constitucional acompanhar, de certa forma, as terminologias que são utilizadas e a própria evolução em termos conceptuais. De qualquer maneira, não deixo de referenciar, porque essa é uma questão que nos levanta algumas dúvidas sobre a matéria, o seguinte: independentemente das nuances de percepção que, hoje em dia, vão sendo construídas em torno da terminologia «sexo» ou «género», a verdade é que continua a haver apenas sexo masculino e sexo feminino, género masculino e género feminino, não há terceiros — não há terceiro género nem terceiro sexo.
Portanto, nesse sentido, a introdução no texto constitucional da referência às duas realidades — quando a percepção das pessoas é a de que elas não tocam coisas diferentes, objectivamente — pode ser foco de alguma dúvida ou, pelo menos, de alguma interpelação sobre qual é, verdadeiramente, a vantagem, para além de uma certa modernidade de linguagem e de conceitos aplicada no próprio texto constitucional. Mas, em termos do que verdadeiramente decorre do princípio constitucional da igualdade, quer lá esteja «sexo» ou «género» quer lá estejam os dois, continuaremos a falar do género masculino e do género feminino, do sexo masculino e do sexo feminino.
Em relação à questão da etnia, embora compreenda a diferença que os Srs. Deputados José Moura Soeiro e Ana Catarina Mendonça referiram, devo dizer que há um ponto em que não me revejo, que é a ideia de que «raça» pode ser uma palavra a diabolizar. Com toda a franqueza, distingo claramente «raça» de «racismo», como distingo «sexo» de «sexismo», como seria completamente diferente falarmos de «militares» ou de «políticas militaristas».

O Sr. Marques Júnior (PS): — Exactamente!

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Falar de militares ou de militarismo não é a mesma coisa! Falar de raça ou de racismo não é nem pode, sequer, deixar entender que a palavra «raça» empurra-nos para o racismo — a mim não me empurra, tal como a palavra «sexo» não me empurra para o sexismo! Portanto, rejeito com clareza a ideia de repudiar ou diabolizar o termo «raça», que sempre esteve na Constituição e nunca foi diabolizado dessa maneira.
Já sou um pouco mais receptivo à ideia não de diabolizar a palavra «raça», mas de dizer que há uma evolução na terminologia utilizada na sociedade e, às tantas, a Constituição poderia, ou não — não é que seja necessário — , acompanhar essa mesma terminologia porque ela, em si, porventura, é mais rica. Essa já é uma argumentação diferente e que merece uma ponderação diferente.
Relativamente às expressões «deficiência, risco agravado de doença» e «estado de saúde», devo dizer, com toda a franqueza, que nos merecem as maiores dúvidas, para não dizer oposição. Passo a explicar porquê.
A referência à deficiência não pode constar deste artigo 13.º — aliás, esta é uma discussão recorrente em variadas revisões constitucionais — , porque a legislação portuguesa confere, em muitos casos e bem, direitos acrescidos e privilégios aos deficientes. Portanto, ao colocarem neste artigo a palavra «deficiência», os Srs. Deputados que apresentam estas propostas — ou, por exemplo, a Associação Portuguesa de Deficientes (APD), que, com certeza, é com a maior das generosidades que propõe, em documentação enviada para esta Comissão, a ponderação de se acrescentar a palavra «deficiência» no n.º 2 do artigo 13.º- olham só para o problema de eventuais retiradas de direitos quando o que está em causa, neste artigo, é não só a retirada de direitos como a concessão de privilégios, de benefícios.
De facto, este artigo refere que «Ninguçm pode ser privilegiado, beneficiado,»« — e só depois — «» prejudicado, privado».
Ora, a ordem jurídica nacional — e bem, do meu ponto de vista — confere direitos diferentes, acrescidos, por razões da deficiência, em matéria de reformas, de quotas no ensino, no emprego, etc. Ou seja, há muitas políticas de discriminação positiva que são aplicadas à deficiência e, por essa razão, como já foi discutido muitas vezes, em matéria de revisão constitucional, não faz sentido colocar aqui, no artigo 13.º, a palavra «deficiência». Digo isto apenas por essa razão, sem pôr em causa, minimamente, a generosidade da proposta da Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia ou a generosidade da proposta da APD. Isso está fora de causa! Chamo a atenção dos Srs. Deputados, mais uma vez, para o facto de que este artigo não tem a ver apenas com a privação de direitos ou o tratamento discriminatório no sentido negativo, também tem a ver com o tratamento discriminatório positivo, e olhando para o positivo as coisas mudam radicalmente de figura.
Quanto à expressão «estado de saúde», devo dizer que percebo a generosidade dos proponentes, mas o que está subjacente à proposta de se acrescentar «estado de saúde», mais uma vez, é pensar que ninguém pode ser prejudicado por causa do estado de saúde — por exemplo, por ser portador de HIV. Mas, Srs. Deputados, pensem ao contrário: o estado de saúde pode, em algumas circunstâncias, obrigar a que haja um tratamento preferencial. É o caso das pessoas que têm baixas de saúde, que podem faltar ao trabalho por razões de saúde, quando os outros, que não têm esse estado de saúde agravado, não podem, sob pena de terem outro tipo de sanções, sob pena de terem um tipo de tratamento, no plano dos direitos e deveres, diferente do das pessoas que estão em situação de doença.
Portanto, é preciso ter em atenção que esta norma, o n.º 2 do artigo 13.º, não tem a ver, exclusivamente, com a ideia do «prejudicado, privado de qualquer direito», também tem a ver com a ideia de «privilegiado, beneficiado». E, claramente, o estado de saúde deve merecer, e merece, sem disputa de ninguém, um tratamento privilegiado para determinado tipo de direitos, que as pessoas que estão com um estado de saúde diferente, ou seja, que não sofrem de qualquer doença não devem beneficiar.
O mesmo se diga relativamente à expressão «risco agravado de doença», porque, se bem intuo, a proposta que é apresentada pelo PEV radica um pouco na mesma questão.
Faltou-me falar na expressão «estado civil», mas essa, com toda a franqueza, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, é uma questão política, porque, no fundo, o que a Sr.ª Deputada está a dizer é que, por exemplo, os direitos de herança das pessoas que têm o estado civil de casados, através de uma norma como a proposta, passariam a ser rigorosamente iguais para as pessoas que vivem em comum, por exemplo. E eu não concordo com isso porque estar-se-ia, através da Constituição, a retirar qualquer força ao que é uma

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convenção livre entre as partes, como é o contrato de casamento ou outro, e que pode influenciar o estado civil das pessoas — tal como o divórcio ou o que quer que seja.
Portanto, já não diria que esta é uma generosidade mal orientada, diria antes que é uma questão política que, chamo a atenção, tem implicações nas quais o PSD não se revê. De facto, entendemos que estar a colocar neste artigo a questão do estado civil seria o mesmo que estar a igualizar-se totalmente certas situações (muito mais ainda do que faz a legislação recentemente aprovada nesta Assembleia, e que contou com o voto contra do PSD, que não se revê nessa posição e di-lo de uma forma transparente), o que tornaria obsoleta a legislação que a Assembleia da República aprovou recentemente.
Esta é, pois, uma divergência já de natureza política. E a posição do PSD é mais do que uma chamada de atenção para o facto de se estar a olhar apenas para o lado generoso da questão, sem ver as outras implicações que, essas sim, são negativas, quer na questão da deficiência quer na questão do estado de saúde, visto que me parece que, da inserção desta redacção na Constituição, resultaria muito mais um prejuízo do que um benefício para as pessoas que se encontrem neste tipo de situações.
Mais uma vez, peço desculpa aos Srs. Deputados, mas, por razões pessoais, vou ter de me ausentar.

O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Srs. Deputados, recordo que, por consenso, combinámos que as nossas reuniões terminariam às 19 horas e como, neste momento, estão inscritos três oradores, as Sr.as Deputadas Maria Manuela Augusto e Heloísa Apolónia e o Sr. Deputado Telmo Correia, informo que não aceitarei mais inscrições. Isto sem prejuízo de podermos continuar esta discussão na próxima reunião, como é óbvio.
Peço aos Srs. Deputados a maior brevidade possível no uso da palavra.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuela Augusto.

A Sr.ª Maria Manuela Augusto (PS): — Sr. Presidente, serei breve necessariamente, até porque estou completamente de acordo com a intervenção da Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça e, naturalmente, também com a intervenção do Sr. Deputado José Moura Soeiro, que quero felicitar pela forma pedagógica como introduziu o tema — estou a referir-me concretamente à questão do género.
Estou convicta, e queria evidenciar este facto, de que a introdução na Constituição da não discriminação em função da identidade de género é um avanço muito significativo, porque reforça não só a questão da igualdade como ainda a questão da não discriminação. De facto, estes dois vocábulos «sexo» e «género» não têm necessariamente o mesmo significado.
O significado deles não é coincidente, manifestamente: nasce-se com um sexo, podendo mesmo nascer-se com um sexo que não é definido, todos sabemos disso, e cresce-se com uma identidade de género, que pode não ser coincidente com a do sexo. Esta é uma verdade científica.
Para não me alongar, não vou repetir os aspectos que referiu o Sr. Deputado José Moura Soeiro em relação ao que a sociedade espera de um determinado género, os comportamentos que são identificados com um determinado género. Não vou entrar por aí, porque a explanação do Sr. Deputado foi muito clara, mas não queria deixar de evidenciar que estamos a falar de coisas diferentes — podemos estar a falar de coisas coincidentes e podemos estar a falar de coisas não coincidentes.
De facto, a introdução desta categoria no texto constitucional reforça, valoriza e moderniza a nossa Constituição, porque tem de ser bem clarificado que a diferenciação de género não pode assentar, de forma alguma, em qualquer estereótipo que possa conduzir a uma qualquer discriminação.
Apenas quis evidenciar que esta é uma questão muito significativa em termos do reforço da não discriminação.

O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, tenho pena que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já não esteja presente — mas, enfim, as questões de agenda são assim mesmo — , porque quero dizer que discordo totalmente da intervenção do Sr. Deputado quando ele considera que a discriminação positiva é um privilégio que se atribui às pessoas. Mas o que é isto da discriminação positiva como um privilégio?! A discriminação positiva é um meio de garantir o princípio da igualdade; ou seja, quando ele não se

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atinge por si, porque é impossível, então, aplicam-se medidas de discriminação positiva para garantir, justamente, o princípio da igualdade.
Portanto, como é que a referência à deficiência não pode estar no artigo 13.º? É claro que pode e, na perspectiva de Os Verdes, é claro que deve! Se assim não fosse, também tiraríamos desta norma a referência ao território de origem, porque há vantagens fiscais em função do território, da insularidade, da interioridade, etc. As pessoas são «beneficiadas, privilegiadas» por terem essas discriminações positivas? Julgamos que isto não pode ser entendido dessa forma.
Por outro lado, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes fez exactamente o inverso do que nos acusou de estar a fazer. Disse o Sr. Deputado: «Os senhores estão a olhar só para os prejuízos, não estão a olhar para as questões de benefício e de privilégio». Só que, depois, foi a vez de o Sr. Deputado só olhar para as questões de privilégio e de benefício, e não para as questões de discriminação. De facto, em termos de acesso a crédito bancário, em termos de contratos de seguro e de arrendamento, as pessoas são discriminadas em função da sua deficiência e em função de risco agravado de doença. Além de que esta questão do «risco agravado de doença» é curiosíssima, porque as pessoas não são discriminadas em função do risco que têm, mas, sim, do conhecimento que se tem deste risco — se ninguém conhecer, ninguém é discriminado.
Não tenho muito mais a acrescentar em relação ao que foi dito, a não ser que me pareceu completamente inoportuno o raciocínio do Sr. Deputado Luís Marques Guedes e, naturalmente, peço a reflexão dos Srs. Deputados para a eventual segunda leitura deste artigo.

O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Srs. Deputados, são 19 horas e constato que não temos quórum de funcionamento. No entanto, tem ainda a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, que já estava inscrito para intervir, a quem peço que seja breve.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, se esta é a última intervenção sobre o artigo 13.º, uso da palavra para não deixarmos pendente esta discussão, até porque serei muito breve.

Vozes do PS e do BE: — Não, não é a última!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, se não se encerra hoje a discussão deste artigo, também a posso fazer noutro dia! Em qualquer caso, Sr. Presidente, de uma forma muito breve, gostaria de dizer o seguinte: não vou entrar em grande discussão sobre as várias teorias nesta matéria — devo dizer, de resto, que não tenho conhecimento científico suficiente para o fazer — , mas parece-me que o texto do artigo não está mal ou não justificaria uma intervenção como aquela que aqui ouvimos.
Sabemos que estas expressões são actualizáveis, mutáveis e, muitas vezes, têm a ver com a própria noção do «politicamente correcto», mas entendo que não temos de entrar num concurso do «politicamente mais correcto». Sobre a própria orientação sexual, já ouvi vários teóricos da matéria dizerem se existe, se não existe, se ç natural, se não ç natural» Ou seja, ç possível fazer inõmeras discussões sobre esta mesma matéria.
Todavia, parece-nos que o artigo, na redacção actual, abrange os vários conceitos, percebe-se o que quer dizer e é suficientemente preventivo de formas de discriminação possíveis. Portanto, podemos incluir a referência ao sexo e ao gçnero, á raça e á etnia» Enfim, desde que tenha uma destas expressões, conseguese generalizar e perceber qual a preocupação que está no artigo. Isso parece-me suficiente, mas não entraria em detalhe nessa discussão.
Já a proposta de introdução do termo «deficiência» faz sentido, porque a deficiência não está prevista na Constituição e, olhando para a sociedade portuguesa actual, a nossa experiência política diz-nos que esse é um factor sério de discriminação e uma daquelas matérias onde faz sentido a Constituição valorizar um aspecto que está algo esquecido, que não tem preocupado suficientemente a sociedade. Portanto, esta proposta do Partido Ecologista «Os Verdes» merece, à partida, a nossa simpatia.

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O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Srs. Deputados, na próxima reunião, quarta-feira, dia 26 de Janeiro, às 16 horas e 30 minutos, continuaremos a discussão deste tema.
Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 5 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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