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Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2011 II Série-RC — Número 12
XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)
VIII REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 23 de Fevereiro de 2011
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues) deu início à
reunião às 17 horas e 3 minutos. Foi aprovada uma proposta no sentido de solicitar ao
Plenário da Assembleia da República a prorrogação do
prazo de funcionamento da Comissão por mais 120 dias. Procedeu-se à apresentação do projecto de revisão
constitucional n.º 5/XI (2.ª) (CDS-PP), ainda relativamente
ao artigo 30.º (Limites das penas e das medidas de segurança), tendo usado da palavra os Srs. Deputados
Telmo Correia (CDS-PP), Jorge Bacelar Gouveia (PSD),
Vitalino Canas (PS), João Oliveira (PCP), Luís Marques Guedes (PSD) e Luís Fazenda (BE).
Foi também apresentado o projecto de revisão
constitucional n.º 1/XI (2.ª) (PSD), relativamente ao artigo 31.º (Habeas corpus). Pronunciaram-se os Srs. Deputados
Luís Marques Guedes (PSD), Luís Pita Ameixa (PS), João
Oliveira (PCP) e Luís Fazenda (BE).
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Por último, foram apresentados os projectos de revisão
constitucional n.os
1/XI (2.ª) (PSD) e 2/XI (2.ª) (PCP), relativamente ao artigo 32.º (Garantias de processo criminal), tendo usado da palavra os Srs. Deputados
Fernando Negrão (PSD), Nuno Magalhães (CDS-PP), Vitalino Canas (PS), João Oliveira (PCP), Filipe Neto
Brandão e Isabel Oneto (PS), Luís Marques Guedes e
Guilherme Silva (PSD) e Ricardo Rodrigues (PS). Foi aprovada a Acta n.º 10. O Sr. Presidente (António Filipe) encerrou a reunião
eram 19 horas e 16 minutos.
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O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a
reunião.
Eram 17 horas e 3 minutos.
Srs. Deputados, antes de mais, temos de analisar uma questão procedimental que não é de somenos
importância, é de muita importância, que é o facto de termos dado conta que o nosso período inicial de
funcionamento se esgota no próximo dia 1 de Março. Já passou o primeiro prazo.
De acordo com a Deliberação n.º 2-PL/2010, ponho à consideração das Sr.as
e dos Srs. Deputados uma
proposta no sentido de solicitar ao Plenário a prorrogação do prazo de funcionamento desta Comissão por
mais 120 dias.
Vamos votá-la.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
Srs. Deputados, na última reunião da Comissão estávamos a discutir a proposta de alteração do PSD para
o n.º 4 do artigo 30.º.
Pergunto se algum Sr. Deputado deseja ainda intervir sobre essa matéria.
Pausa.
Não havendo mais inscrições, passamos ao projecto de revisão constitucional n.º 5/XI (2.ª) (CDS-PP),
relativamente ao n.º 1 do artigo 30.º — Limites das penas e das medidas de segurança.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, esta proposta do CDS tem um objectivo simples, claro e
facilmente compreensível.
No artigo 30.º, como é evidente, existe uma limitação em relação às penas, designadamente a proibição
das penas de «carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida». O CDS, obviamente, está de acordo,
subscreve e reforça essa ideia de que não devem existir penas com carácter perpétuo, de duração ilimitada ou
mesmo indefinida. Portanto, estamos de acordo com o texto constitucional desse ponto de vista.
Porquê, então — perguntarão o Sr. Presidente e os Srs. Deputados —, esta alteração e o que pretendemos
ao promovê-la?
Como temos defendido em legislação de natureza não constitucional, isto é, em várias propostas
legislativas que temos feito relativamente a esta área e em discurso político, consideramos que, para
determinados tipos de criminalidade particularmente grave e altamente organizada, como o terrorismo e, em
certos casos, o tráfico de droga, à semelhança do que acontece noutros países — a Espanha tem isso, por
exemplo, em relação ao terrorismo —, deveria ser possível o cumprimento integral da pena como ela existe,
hoje em dia, com os limites constitucionais, não sendo, nesses casos, a liberdade provisória automática ou
possível de ser determinada.
Portanto, no fundo, é isso que está aqui em causa.
Para esse tipo de crimes, designadamente para o terrorismo e para a criminalidade altamente organizada,
tem sido essa a linha de seguimento europeia. O Sr. Deputado Nuno Magalhães não está presente, porque
está neste momento a intervir no Plenário, mas tem acompanhado esta área com particular atenção e, dos
debates que tenho tido com ele, entendemos que nos devemos aproximar das preocupações europeias.
Assim como debatemos em relação ao n.º 4 deste artigo 30.º, não se pretende tornar obrigatório, mas, isso
sim, constitucionalmente possível que a lei ordinária venha a consagrar que, para certos tipos de crime muito
específicos e de particular gravidade, seja feito o cumprimento integral das penas que venham a ser aplicadas
em relação a esses crimes.
Basicamente é isto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.
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O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, quero aproveitar esta ocasião para fazer um
pedido de esclarecimento ao Deputado Telmo Correia em relação a esta proposta do CDS, porque,
sinceramente, não vislumbro o seu alcance e até me parece que é, em si, contraditória.
O n.º 1 do artigo 30.º é muito importante, porque precisa um princípio de humanidade das penas. Aliás, foi
em nome desse princípio que, em grande medida, se fizeram as revoluções constitucionais e as revoluções
liberais, no sentido de não haver penas de prisão perpétua, de não haver pena de morte — que não está aqui
referida, mas no artigo 24.º da Constituição — e, sobretudo, de não haver penas incertas, indefinidas e
ilimitadas. Tudo isto foi estabelecido em benefício da humanidade das penas e de um conjunto elementar de
direitos dos arguidos. Esse é um bom princípio que faz parte do nosso património do Estado de direito
democrático.
A meu ver, o acrescento que o CDS sugere — «sem prejuízo dos casos de cumprimento integral de pena
privativa da liberdade previstos na lei» — é contraditório, porque, em primeiro lugar, não acrescenta nada ao
que agora mesmo o CDS quis explicar, visto que, neste momento, de acordo com a lei ordinária, a pena de
prisão pode ser cumprida até ao fim e, portanto, a liberdade condicional não é algo que esteja imposto pela
Constituição ou o facto de se cumprir a pena de prisão até ao fim não é algo que esteja proibido pela
Constituição. Portanto, o Direito Penal ordinário tem mecanismos, no que respeita a uma condenação, de
avaliar se deve ou não haver liberdade condicional.
Por outro lado, o que é dito na proposta não é propriamente a imposição de haver sempre o cumprimento
total da pena. Diz-se apenas: sem prejuízo dos casos em que isso venha a ser possível pela lei. Ora, no caso
de este inciso ser aprovado, o legislador fica exactamente na mesma, continua a ter essa possibilidade. Mais:
ao contrário do que disse o Sr. Deputado Telmo Correia, esta norma não delimita os casos mais graves em
que, porventura, se poderia pensar numa imposição constitucional de nunca poder haver liberdade
condicional, porque não vejo neste artigo a indicação dos crimes mais graves de terrorismo ou contra a
segurança do Estado, etc. Não vejo nada disso aqui.
Portanto, este inciso, a meu ver, não acrescenta nada, é apenas uma mera proclamação de natureza
política. E, mais grave do que isso, penso que o acrescento deste segmento normativo neste lugar introduz
uma contradição na lógica deste preceito, porque, afinal, dá a ideia de que cumprir integralmente a pena é
uma coisa má e que surge como uma excepção a um princípio de humanidade das penas que o próprio artigo
consagra. Ora, há casos em que a pena vai ser cumprida até ao fim e há outros casos em que há liberdade
condicional. Isso faz parte da política de reinserção que o Código do Processo Penal e o Código da Execução
das Penas conferem aos decisores no caso. Portanto, não me parece que o legislador constitucional tenha de
ter uma palavra a dizer sobre isso.
Poderíamos, no entanto, pensar numa outra solução que seria dizer que certo tipo de crimes mais graves
pudessem ser imprescritíveis — alguns já o são por força das normas de Direito Internacional — ou não
susceptíveis de certas medidas de coacção, como, provavelmente, alguns dos crimes que foram referidos pelo
Deputado Telmo Correia. Mas não é nada disso que aqui consta e, portanto, a meu ver, a questão está
deslocada e poderia ser reequacionada noutros termos.
Deixo, no entanto, esta dúvida na esperança de que o Deputado Telmo Correia me possa esclarecer.
O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, quero deixar três notas, manifestando o nosso desacordo de
princípio em relação a esta sugestão que o CDS-PP apresenta.
A primeira nota, também já referida pelo Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, tem que ver com a inserção
sistemática e com a interpretação que se pode dar pelo facto de este inciso ser introduzido exactamente neste
local — penso que de forma incorrecta. Quando se diz, no inciso, «sem prejuízo dos casos de cumprimento
integral de pena privativa da liberdade previstos na lei», parece dar-se a entender que esta segunda parte da
norma constitui um limite à primeira parte da norma. Ou seja, a primeira parte da norma que proíbe as
«medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo» seria limitada pela
segunda parte da norma, isto é, pelo «cumprimento integral de pena privativa da liberdade», o que não é
verdade. A segunda parte da norma não limita a primeira, porque não deixa de haver a proibição do carácter
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perpétuo das medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade e também não é um limite à duração
ilimitada ou indefinida das penas ou das medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade.
Portanto, logo em termos de redacção, teríamos uma objecção séria, porque, na verdade, o inciso proposto
pelo CDS-PP não constitui nenhuma limitação à primeira parte da norma.
Em segundo lugar, com esta inserção, o CDS-PP, porventura, acabará por ir no sentido contrário ao que
pretende. Ou seja, hoje em dia, não é proibido pela Constituição que haja situações em que as pessoas que
estejam a cumprir uma pena restritiva de liberdade tenham de a cumprir até ao final. Basta que a lei o
determine. Não há nenhum preceito constitucional que obrigue a que exista liberdade condicional. Portanto, o
legislador tem uma liberdade relativamente ampla de restringir ou não restringir, adoptar ou não adoptar as
situações de liberdade condicional.
Ora, com o inciso do CDS-PP, forçosamente terão de existir situações em que tem de haver liberdade
condicional, podendo haver situações em que não há liberdade condicional possível, de acordo com a lei.
Portanto, penso que esse objectivo é o contrário do que o CDS-PP pretende. O CDS-PP não pretende ampliar
as situações de liberdade condicional mas, pelo contrário, permitir que haja cumprimentos totais e integrais da
pena privativa da liberdade.
Por outro lado, há um argumento de fundo, que é talvez o fundamental. O Partido Socialista não vê a
liberdade condicional exclusivamente como um prémio para quem cumpre pena. A liberdade condicional é
também uma forma de o Estado, de a justiça continuar a acompanhar, durante algum tempo, no período de
transição, a pessoa que cumpriu uma pena.
Na verdade, a pessoa poderá cumprir pena, na sua fase final, de duas maneiras: integralmente, não
havendo qualquer período de transição — é o que o CDS-PP propõe para os crimes mais graves, embora,
como também já foi dito, essa restrição para os crimes mais graves não esteja na norma proposta; ou ter
liberdade condicional. De duas, uma: ou nos crimes mais graves a pessoa cumpriria a pena de prisão
integralmente até ao fim sem haver qualquer período de transição e, portanto, chegava ao último dia do
cumprimento da pena e o Estado deixava de ter qualquer possibilidade de acompanhar aquela pessoa; ou,
como entendemos que deve sempre suceder, haveria um período de liberdade condicional, mesmo para os
crimes mais graves, que pode ser maior ou menor — hoje existe liberdade para o fixar —, durante o qual o
Estado pode acompanhar, de alguma forma e até estabelecendo algumas restrições, o que a pessoa que
esteve a cumprir uma pena de prisão, que pode ter sido longa, faz e a forma como se readapta ao mundo cá
fora.
Portanto, a liberdade condicional não deve ser vista apenas como um prémio. Tem também que ver com
finalidades de segurança e com os outros interesses, que não os interesses da pessoa que foi condenada e
que cumpriu a pena de prisão.
Nesse sentido, mesmo em termos de legislação geral — penal, processual penal e de cumprimento das
penas —, entendemos que deve sempre haver esta fase de transição entre o momento em que se cumpre a
pena e o momento em que já se está cá fora a readaptar à vida do mundo.
Portanto, também por essa via, não nos parece que haja necessidade de a Constituição se abrir a
situações onde não é permitida a liberdade condicional.
O Sr. Presidente (Ricardo Rodrigues): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, as questões colocadas pelos Srs. Deputados Jorge Bacelar
Gouveia e Vitalino Canas já abordam suficientemente o que são, por um lado, as dúvidas do PCP em relação
à redacção que é proposta e, por outro lado, as objecções que decorrem daquela que julgamos ser a única
interpretação possível desta proposta do CDS e que o Sr. Deputado Vitalino Canas acabou de referir.
De facto, este inciso final que o CDS se propõe acrescentar ao actual n.º 1 do artigo 30.º da Constituição
parece apontar para uma situação de excepção em relação à primeira parte do artigo, ou seja, à sua redacção
actual, mas da exposição do Sr. Deputado Telmo Correia não resultou essa intenção de fazer uma excepção à
imposição que na primeira parte do artigo 30.º proíbe a existência de «medidas de segurança privativas ou
restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida».
Estamos em crer que, se o objectivo do CDS era o que o Sr. Deputado Telmo Correia expôs — não temos
razão para duvidar —, esta não é a redacção adequada, sem prejuízo, obviamente, de discordarmos da
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intenção do CDS. No entanto, isso também não é novidade, porque é no Código Penal que as regras
relativamente ao cumprimento das penas se definem e já tivemos oportunidade de manifestar a discordância
em relação a estas intenções do CDS em sede de revisão do Código Penal.
Portanto, sem prejuízo de o CDS vir a adequar a redacção àquela que é a sua intenção, obviamente que
fica, desde já, expressa a discordância do PCP em relação a este intuito de alteração que o CDS manifesta.
Quanto aos elementos que o Sr. Deputado Vitalino Canas já aduziu, queria acrescentar um outro,
discordando em parte do que disse. A liberdade condicional não tem o objectivo de premiar o preso pelo
cumprimento da pena. Esse é um reflexo do fundamento do instrumento «liberdade condicional». A liberdade
condicional é, de facto, um instrumento que permite, do ponto de vista da organização do sistema prisional,
aferir da capacidade de o preso adequar o seu comportamento às regras sociais e à lei e, portanto, é um
instrumento acessório do objectivo principal do sistema penal, que é a ressocialização do indivíduo, e permite
aferir, em função da avaliação do comportamento do preso — não só durante a execução da pena, mas
também na transição para uma vida em sociedade com a sua libertação —, da capacidade de conformar o seu
comportamento às regras sociais e legais que estão definidas.
Nesse sentido, também desse ponto de vista encontramos um fundamento para não acompanhar esta
intenção do CDS, ainda que venha a adequar a letra da sua proposta a essa sua intenção.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, António Filipe.
O Sr. Presidente: — Boa-tarde, Srs. Deputados.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, para atalhar razões, quero dizer que,
genericamente, faço minhas as dúvidas já aqui expressas pelo Sr. Deputado Vitalino Canas e outros
relativamente à inserção sistémica desta proposta do CDS-PP. De facto, não faz qualquer sentido neste
número.
No entanto, o que interessa para o nosso debate não é isso, mas o conteúdo exacto da proposta
apresentada pelo CDS-PP.
Percebo a proposta apresentada pelo CDS-PP. No fundo, pretendem constitucionalizar a obrigatoriedade
de a lei prever situações em que não é permitida a liberdade condicional. É isso que o CDS-PP pretende. Esta
proposta quer, na prática, constitucionalizar a obrigatoriedade de o legislador ordinário consagrar situações em
que a liberdade condicional não se aplica.
Ora, como já aqui foi dito, em primeiro lugar, não há propriamente um obstáculo constitucional para
remover, porque esse obstáculo constitucional não existe. O legislador ordinário já o pode fazer, querendo.
Portanto, a técnica utilizada pelo CDS-PP, de remeter para o legislador ordinário aquilo que ele já pode fazer,
não acrescenta, na prática, rigorosamente nada.
Do ponto de vista político, a questão que o PSD gostava de ver aclarada, para depois, então sim,
equacionar a sua posição, é a concretização dessas situações. Se alguma coisa temos de equacionar,
pertinente ou não — não estou a tomar posição —, é que tipo de condenações ou de penas aplicáveis a
determinados crimes não são passíveis de administração de liberdade condicional. Só a partir dessa
determinação é que politicamente nos podemos posicionar, porque uma norma aberta, como esta, pelas
razões que acabei de explicar, não acrescenta rigorosamente nada à situação actualmente existente, visto que
o legislador ordinário já o pode fazer, não havendo qualquer obstáculo constitucional para remover.
Politicamente, interessa saber qual o universo preciso que os proponentes pretendem proibir ou afastar da
possibilidade de administração da liberdade condicional. Aguardarei, obviamente, que o CDS, nesta ou numa
outra fase, concretize as situações que pretende ver consagradas.
Da parte do PSD, há abertura para, na legislação ordinária, equacionar situações deste tipo, mas não
estamos ainda convictos de que seja necessário transpô-las para a Constituição. Como não conhecemos
essas situações, porque a proposta é totalmente aberta, não concretiza e remete para o legislador ordinário o
que ele já pode fazer, aguardaremos que seja feita essa clarificação por parte do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
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O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, quero apenas registar a posição do Bloco de Esquerda.
Entendemos que o acrescento que o CDS-PP propõe torna as duas partes da norma incoerentes entre si.
Trata-se de matéria da legislação ordinária, pelo que, por variadíssimas razões, deve estar no critério do
que possa ser legislado desse ponto de vista e não do ponto de vista constitucional, onde a petrificação de
uma norma deste tipo pode ter mais desvantagens do que vantagens.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, nesta matéria, podemos registar, como primeiro ganho
de causa, a afirmação aqui feita e que constará da Acta de que, no entendimento da maioria dos Srs.
Deputados desta Comissão — vale o que vale —, não há hoje nenhum entrave na lei em relação à aplicação e
ao cumprimento integral da pena.
No entanto, essa opinião de quase todos os Srs. Deputados — se algum não o disse, lamento, mas penso
que foi a opinião geral — não é, efectivamente, a opinião da doutrina constitucional dominante no País. E esse
é o problema e este artigo tem uma história.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes dizia agora mesmo, e bem, que é discutível a sua inserção e que
não responde concretamente. Sr. Deputado, a questão é que, quando fazemos esta proposta, estamos, de
alguma forma, a responder a uma pergunta que nos foi feita e, se a pergunta em si mesma não faz muito
sentido — é essa a nossa opinião e nesse ponto estamos de acordo —, é possível que a resposta também
não seja muito clara.
Sem querer ser muito complicado e sem querer perder o sentido do que estou a dizer, o que quero dizer
com isto?
Sempre que o CDS propôs, em momentos passados e em várias alturas da sua história — e poderemos,
entre esta leitura e a próxima, apresentar a demonstração de isso mesmo —, para algum tipo de crimes o
cumprimento integral da pena, foi-nos dito que não era possível não pela jurisprudência constitucional,
obviamente, porque esta matéria nunca chegou a essa fase, mas pela doutrina constitucional. Vital Moreira,
Gomes Canotilho e outros, para citar os nomes mais relevantes e referenciados da praça, vieram dizer que
não era possível o cumprimento integral da pena. Porquê? Como nos foi respondido variadíssimas vezes, pelo
artigo 30.º.
O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Não!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, posso demonstrá-lo. Não é difícil
demonstrar o que estou a dizer.
A doutrina constitucional sempre nos respondeu, em relação a variadíssimos projectos que apresentámos
sobre esta matéria, que o obstáculo era o artigo 30.º — e eu não concordo.
O CDS-PP procurou, de alguma forma, responder a essa objecção, dizendo que não se deve considerar
como uma pena de «carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida» o cumprimento integral da pena.
Por isso é que a segunda parte do artigo pretende, de alguma forma, excepcionar a primeira. Compreendendo
a argumentação e as críticas que foram feitas pelo Sr. Deputado Vitalino Canas e por outros, por que
apresentamos a proposta desta forma? Porque entendemos que o cumprimento integral da pena não é
contraditório com o artigo 30.º, ao contrário do que diz a doutrina constitucional, ou seja, que o artigo 30.º se
opõe ao cumprimento integral da pena. Nesse sentido, a Constituição deve clarificar que o cumprimento
integral da pena não é contraditório com o resto do artigo, rebatendo, assim, uma certa opinião constitucional,
com a qual, pessoalmente, não concordo. Daí a dificuldade desta mesma resposta.
Por outro lado, há aqui duas questões de natureza diversa: a questão de fundo e a questão da técnica
legislativa. Somos, obviamente, muito inflexíveis na questão de fundo e somos completamente flexíveis na
questão da técnica legislativa ou da sistemática.
Em primeiro lugar, pretendemos saber quem, à volta desta mesa, concorda ou não com a ideia de que,
para determinado tipo de crimes, deva ser determinado o cumprimento integral da pena. Dei-vos o exemplo da
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Espanha que o fez para o terrorismo e por maioria de razão, porque tem o problema da ETA. Esta é a questão
de fundo.
Feito o consenso em relação à questão de fundo, poderemos ver se será neste ou noutro artigo, com esta
ou outra redacção, isto é, escrevendo expressamente, por exemplo, que «em determinado tipo de crimes» ou
«em criminalidade considerada grave (…)» — teremos de encontrar a melhor fórmula — «(…) pode a lei
determinar o cumprimento integral da pena», excepcionando num número à parte, em vez de ser na segunda
parte deste número. Ou seja, quanto à inserção sistemática, à técnica legislativa e à redacção, a nossa
abertura é completa.
Tem, no entanto, de existir acordo quanto à questão de fundo e não se pode dizer que «a redacção não é
exacta» ou que «a segunda parte não bate certo com a primeira», etc. Assim, em relação à questão de fundo,
encontrei alguma abertura do PSD, tanto quanto percebi encontrei uma oposição directa, frontal e clara do Sr.
Deputado João Oliveira, que disse que não concorda nem com a questão de fundo nem com a técnica
legislativa utilizada, e depreendo do que foi dito pelo Partido Socialista e pelo Bloco de Esquerda que não
estão de acordo, logo à partida, com a questão de fundo. Portanto, clarifiquemos que assim seja.
O que é que o CDS-PP pretende? O CDS-PP pretende que, para determinado tipo de criminalidade
altamente organizada, altamente violenta ou para o terrorismo, seja possível o cumprimento integral da pena.
É o que pretende o CDS.
Temos a noção de que propostas legislativas deste tipo esbarram e são confrontadas com opinião
doutrinária constitucional que nos diz que isso não é possível à luz do actual texto constitucional. Por isso,
queremos alterar a Constituição para que, no futuro, em relação a determinado tipo de crimes muito graves,
violentos, organizados, para o terrorismo, etc., não aconteça o que muitas vezes acontece, que é uma
condenação desse tipo estar sujeita às regras gerais e, portanto, passado algum tempo, os cidadãos — na
opinião do Sr. Deputado Vitalino Canas — estarem a ser reintegrados, a aprender não sei o quê ou a fazer
não sei que mais. No entanto, o que a opinião pública espera e o que nós consideramos correcto é que, em
criminalidade altamente organizada, em crimes como o terrorismo ou o tráfico de droga, designadamente em
casos de reincidência grave, haja o cumprimento integral da pena.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, damos por concluída, em primeira
leitura, a discussão das propostas para o artigo 30.º.
Vamos passar ao projecto de revisão constitucional n.º 1/XI (2.ª) (PSD), relativamente ao artigo 31.º —
Habeas corpus.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, indirectamente já falámos sobre o artigo 31.º
quando abordámos o artigo 28.º e, portanto, remeto para a argumentação então utilizada.
Sintetizando, pretendemos que, à semelhança do que também propomos para o artigo 28.º, os mecanismo
de defesa, de salvaguarda e de garantia de direitos fundamentais por parte dos cidadãos se apliquem não
apenas às situações de prisão ou detenção ilegal, como a todas as outras que venham a ser
constitucionalizadas como excepções ao direito à liberdade e, portanto, venham a ser consagradas como
medidas de privação de liberdade que podem ser aplicadas pelas autoridades judiciárias.
Portanto, o artigo 31.º é o corolário necessário da alteração que porventura se venha a fazer no artigo 28.º,
conforme atrás propusemos.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esta proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa.
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Sr. Presidente, a norma do Habeas corpus é honrosa não só para a nossa
Constituição, como também, no momento em que a estamos a discutir, para a nossa democracia e para a
nossa tradição republicana, porque foi inserida pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico pela
Constituição de 1911 que agora fez um século. É, aliás, uma norma de boa tradição, porque é o corolário do
«Direito à liberdade», estabelecido no artigo 27.º, e uma norma interessante, porque é uma espécie de
«válvula de escape» que permite uma intervenção de última rácio não só da própria pessoa, como de qualquer
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cidadão a favor de um terceiro, muito próxima da acção popular. Aliás, nalguma literatura, já lhe chamaram
«norma de hospital judiciário», considerando-a como o último curativo que se pode dar a uma situação que
não tem outra solução.
Parece-nos que o PSD formula esta proposta por uma razão de coerência sistemática, porque a norma,
com a sua redacção actual, já abrange as situações que pretendem incluir. Com a redacção actual, nenhum
tribunal ou juiz deixaria de aplicar esta norma nas situações que o PSD agora aqui traz.
Admitindo que se possa rever a redacção actual de acordo com a proposta que é apresentada, queria
trazer para reflexão o seguinte: o actual n.º 1 refere-se à «prisão ou detenção ilegal» e a proposta do PSD
acrescenta «internamento ou obrigação de permanência na habitação decretados ilegalmente». É sobre a
expressão «decretados» que quero levantar a questão.
Julgo que o Habeas corpus, na sua pureza e ambição, deve ser aplicado a todas as restrições de liberdade
ilegais, incluindo as que não foram decretadas, ou seja, que são fácticas. Portanto, a expressão «decretados»,
que não existe na redacção actual, pode ser restritiva. Penso que devíamos reflectir sobre isto e, porventura,
encontrar outra formulação, como «ilegais», em vez de «decretados ilegalmente», isto é, podemos manter o
que já existe ou encontrar uma fórmula diferente. Contudo, «decretados» é uma restrição que não devíamos
estabelecer na Constituição.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Pita Ameixa, optámos pela
expressão «decretados» apenas porque nos pareceu que «ilegais» tornava a norma incongruente em termos
de português. Percebo que se possa dizer «internamento ilegal», mas «obrigação de permanência na
habitação ilegal» não nos pareceu bem.
Assim, para encontrar um termo que pudesse homogeneizar a variedade de figuras optámos por
«decretados», mas compreendo perfeitamente a sua questão e, se houver uma solução melhor, temos total
abertura para a considerar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, relativamente a esta proposta do PSD para o artigo 31.º, não
repetindo as boas razões que já foram expostas, mas remetendo para os argumentos que anteriormente
aduzimos quanto às referências que outras propostas do PSD fazem às situações de «internamento ou
obrigação de permanência na habitação», quero dizer que, da parte do PCP, acompanhamos a intenção do
PSD quanto a esta matéria.
Aliás, como referi anteriormente, mas que é produtivo repetir, no âmbito das últimas revisões do Código de
Processo Penal, em 2007 e em 2009, propusemos a equiparação de alguns dos aspectos relacionados com a
prisão preventiva às restantes medidas de coacção que consubstanciam limitações à liberdade dos cidadãos,
porque, tratando-se de medidas de privação da liberdade, devem estar sujeitas a um regime processual penal
semelhante. Obviamente que o raciocínio que se aplica do ponto de vista das garantias de reacção dos
cidadãos visados por medidas de prisão ou detenção ilegal é exactamente o mesmo que se aplica
relativamente a outro tipo de situações, particularmente em relação às situações de «internamento ou
obrigação de permanência na habitação».
Importa, contudo, aperfeiçoar a questão que o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa coloca, porque uma situação
de detenção pode ter de ser atacada precisamente por não ter sido decretada legalmente. Essa é, de facto,
uma preocupação que a redacção do PSD levanta, porque, por vezes, as situações que são objecto da
providência do Habeas corpus têm precisamente a ver com o facto de não terem sido decretadas como
deviam e, portanto, serem executadas ilegalmente.
Nesse sentido, a redacção proposta pelo PSD, exigindo que tenham sido «decretados ilegalmente», pode
ser limitadora. No entanto, a explicação que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu satisfaz-nos e,
portanto, se houver correcção da redacção que é apresentada, da parte do PCP, não temos qualquer objecção
em acompanhar a proposta que é feita.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, há pouco não falei muito para não interromper a
sequência das intervenções, mas queria reiterar que, de facto, percebo a questão colocada relativamente ao
termo «decretados».
A redacção deste artigo decorrerá do texto que for aprovado para os artigos 27.º e 28.º, relativos às
situações de privação de liberdade. Depois, teremos de encontrar a melhor fórmula para esta norma. Percebo
que «decretados» tem, de facto, o problema que referiu e, por isso, talvez se possa optar por «ilegalmente
aplicados».
Essa será, portanto, uma questão para se ver numa segunda fase de acordo com o que vier a ficar
consensualizado para os artigos 27.º e 28.º.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, esta alteração é uma consequência de outras que já tinham
obtido consenso e insere-se nessa lógica. Portanto, desse ponto de vista, é absolutamente aceitável.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, muito rapidamente, queria apenas deixar um outro alerta que
tem que ver com uma questão de concordância conceptual.
Fui confirmar e a proposta do PSD para o artigo 28.º refere-se ao conceito do «internamento provisório» e
esta proposta refere-se ao conceito de «internamento». Ambas as matérias podem ser objecto de alguma
concordância do ponto de vista conceptual para que, depois, não tenhamos de lidar com interpretações que
apontem para considerações diferenciadas consoante se trate do artigo 28.º ou do artigo 31.º, porque estamos
em crer que a realidade a que ambas as normas se destinam é a mesma.
É certo que o artigo 28.º trata de medidas de coacção, particularmente de medidas de coacção privativas
da liberdade, que têm à partida um carácter provisório e, portanto, o carácter limitado da duração do
internamento é mais óbvio. Ainda assim, como o artigo 31.º se refere ao processo criminal, faz todo o sentido
que haja uma concordância com o artigo 28.º.
Portanto, deste ponto de vista, julgamos que o aperfeiçoamento da redacção talvez deva incluir também
esta nota de concordância em relação às situações que são análogas, porque, no fundo, os dois artigos
referem-se a situações análogas.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, damos por concluída a discussão do artigo 31.º.
Vamos agora iniciar uma «empreitada» razoável com a discussão do artigo 32.º — Garantias de processo
criminal, para o qual existem duas propostas, uma, extensa, do PSD e outra do PCP, que vamos discutir em
separado, porque se trata de matérias distintas.
O projecto de revisão constitucional n.º 2/XI (2.ª) (PCP), propõe um novo n.º 5, matéria sobre a qual a
proposta do PSD não incide. O projecto de revisão constitucional n.º 1/XI (2.ª) (PSD) visa uma reformulação
global do artigo, ou seja, mantém cinco dos seus números, mas produz uma alteração significativa: propõe um
novo n.º 1, que abrange matérias previstas nos actuais n.os
1, 2, 3 e 10; um novo n.º 2, que desenvolve a
matéria constante do actual n.º 7; e mantém os outros números.
Tem a palavra, para apresentar a proposta do PSD, o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, esta nossa proposta não é nenhuma
revolução do artigo 32.º, uma vez que faz apenas um acrescento nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1. No mais,
aprofunda no n.º 2 os direitos dos ofendidos e das vítimas e reformula todo o artigo, que deixa de estar só por
números para passar a estar por números e alíneas.
Sr. Presidente, a cultura judicial democrática em Portugal é uma realidade recente, com cerca de 36 anos,
que tem tido, felizmente, evoluções no bom caminho, no sentido de aumentar as garantias no caso dos
arguidos e dos ofendidos.
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Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, a figura central do processo penal em Portugal era a polícia. Tudo se
centrava na figura da polícia e as instituições judiciais iam um pouco atrás do que a política lhes levava. Nos
anos 80, houve uma evolução e o juiz passou a ser a figura central do sistema judicial, sendo que criava um
problema, porque o juiz era, simultaneamente, aquele que dava o impulso processual para começar o
inquérito, aquele que confirmava a acusação no que se chamava «despacho de querela» e, por fim, era o juiz
que fazia o julgamento. Ou seja, havia «três em um», sendo todos juízes, o que criava uma entorse na
garantia dos direitos dos arguidos.
A evolução que se seguiu foi no sentido de retirar o juiz desta área e de se centrar o processo penal e
igualmente as garantias dos arguidos e das vítimas na figura do Ministério Público, no momento em que o
Ministério Público se começava a afirmar no mundo judicial como uma magistratura autónoma. Ou seja, o
processo penal passou a centrar-se na acusação, mas, centrando-se na acusação, naturalmente que não
havia uma preocupação muito nítida relativamente aos direitos, liberdades e garantias dos arguidos.
Em finais dos anos 90, começou a sentir-se a necessidade de um reequilíbrio, até por uma outra razão: os
advogados foram-se sistematicamente afastando, durante estes vários períodos, do processo penal em
Portugal. Este reequilíbrio traz o reforço dos direitos, liberdades e garantias dos arguidos e, simultaneamente,
uma maior intervenção dos advogados. Ou seja, este reequilíbrio entre a intervenção do Ministério Público e a
intervenção dos advogados traduziu-se num aumento das garantias dos arguidos.
Por isso, estamos neste momento numa afirmação de reequilíbrio não só da acusação, como também dos
direitos dos arguidos.
Para além disso, o n.º 2, estando já consagrado no actual n.º 7 do artigo 32.º, vem reforçar as garantias
processuais das vítimas no processo penal, porque nos parece da maior importância também para equilibrar
os direitos dos arguidos com os direitos dos ofendidos.
Por último, pode ser dito que há aqui uma transposição de normas do processo penal para a Constituição,
mas a ideia é mesmo essa: constitucionalizar normas de garantias dos arguidos e dos ofendidos na
Constituição.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, esta proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente, independentemente de uma intervenção de fundo
sobre este artigo, quero fazer agora não um pedido de esclarecimento, porque fiquei relativamente esclarecido
com o que o Sr. Deputado Fernando Negrão disse, mas um pedido de confirmação.
Ao lermos o n.º 1, verificamos que, ao «processo criminal», já previsto, se acrescenta a expressão «contra-
ordenacional e disciplinar». Gostaria que o PSD confirmasse se a sua intenção é equiparar, para estes efeitos,
os processos contra-ordenacionais e disciplinares ao processo criminal e equiparar a situação processual do
arguido num processo-crime à situação de alguém, que também é denominado «arguido», num processo
contra-ordenacional, por exemplo, de trânsito, ou no âmbito de um processo disciplinar laboral. Ou seja,
concretizando melhor a pergunta, gostaria de saber se o que se pretende é dar as mesmas garantias que tem
alguém que é acusado de cometer um crime de furto ou de roubo (para não ser tremendista) a alguém que
tem uma multa de mau estacionamento ou que alegadamente terá violado um dever laboral, como ter faltado
ao trabalho injustificadamente para além do que está previsto na lei.
Não querendo agora entrar na questão de mérito, que farei oportunamente, consideramos que este
esclarecimento é importante: saber se o que se pretende é, de facto, estender e equiparar, pura e
simplesmente, a situação do sujeito processual arguido em processo criminal ao processo contra-ordenacional
e ao processo disciplinar.
São estes esclarecimentos que gostaria de obter do Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Presidente: — Como foi feita uma interpelação directa, tem a palavra, para responder, o Sr.
Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Magalhães, a preocupação de
estender estas garantias do arguido em processo criminal também às contra-ordenações e aos processos
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disciplinares tem a ver, em primeiro lugar, com o facto formal. Ou seja, sabemos que a figura objecto de
processos contra-ordenacionais e disciplinares tem igualmente a designação de arguido. No entanto, o facto
de a designação de arguido ter hoje uma conotação negativa não nos afasta da realidade, porque a figura do
arguido não tem de ter uma conotação negativa. Como sabemos, há testemunhas que são ouvidas pelas
autoridades judiciais e que, a determinada altura, podem preferir o estatuto de arguido porque lhes dá mais
garantias em termos de processo penal.
Há, obviamente, uma diferença nítida entre o que é criminal, o que é contra-ordenacional e o que é
disciplinar, mas queríamos que ficasse consagrado que os direitos do arguido, seja em que situação for,
devem obedecer ao cumprimento de todas estas normas.
Foi esta a razão que nos levou a incluir neste artigo as contra-ordenações e os processos disciplinares.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, este é um artigo muito extenso e as propostas feitas pelo
PSD, de um modo geral, visam incorporar na Constituição princípios que já estão absorvidos pela lei
processual. Não temos a certeza de que os equilíbrios em termos interpretativos estabelecidos ao nível do
processo penal, depois de cristalizados na Constituição, não sofram refracções que podem ser complexas. Por
isso, a audição que já aqui sugerimos de um especialista em Processo Penal e em Direito Penal poderá,
eventualmente, ajudar-nos a ver se estes equilíbrios estão ou não devidamente preservados.
Sem prejuízo disso e de outras intervenções que poderemos ter sobre esta matéria, queria deixar cinco
notas muito breves.
Em primeiro lugar, admito que a alteração da epígrafe para «Garantias do arguido e do ofendido» possa
ser interessante. No fundo, a mais-valia seria dar um foco especial ao ofendido que nem sempre é
adequadamente salvaguardado ou, pelo menos, não tem nas normas o protagonismo que poderia ter.
Em segundo lugar, quero pôr em dúvida a estratégia de estarmos a diluir o direito à presunção de inocência
até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, que hoje está autonomizado no n.º 2, no meio de vários
outros princípios, porque pode ser lesivo dos tais equilíbrios que existem. Penso que o direito à presunção de
inocência, pela sua dignidade especial, deveria ter um tratamento específico e manter-se autonomizado num
número próprio e não ficar diluído numa alínea no meio de outras.
O terceiro aspecto que quero referir tem que ver com a exigência feita na alínea b) do n.º 1 de o arguido ser
sempre assistido por um intérprete, que não sei se não será excessiva. O intérprete está muito
especificamente definido na lei, pelo que me parece excessivo haver sempre um intérprete em qualquer
situação. Contentar-me-ia com a possibilidade ou a exigência de o arguido ser informado da acusação contra
ele formulada e de a entender, mesmo que isso não seja feito através da utilização de intérprete. Gostaria que
se reflectisse sobre esta sugestão.
Por outro lado, a alínea f), ao estabelecer que «O direito a ser julgado de forma equitativa, pública e no
mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», também traduz constitucionalmente algo que já está
tratado na legislação ordinária. Parece-me que a questão da publicidade do julgamento deveria ser
consagrada, mas com a possibilidade de introdução de restrições, porque há casos em que os interesses das
pessoas envolvidas devem ser devidamente salvaguardados, designadamente ao nível dos ofendidos, e, por
isso, nesses casos, talvez não tenha de haver julgamento público ou possa haver restrição à publicidade do
julgamento.
Finalmente, quero referir-me ao aspecto já tratado pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães. Confesso que a
minha inclinação inicial foi a de considerar positiva esta alteração no sentido de dizer que os direitos
assegurados a estes arguidos em processos sancionatórios e de contra-ordenação não são apenas os direitos
de audiência e defesa, mas são também os outros. Contudo, a intervenção do Sr. Deputado Nuno Magalhães
fez-me reflectir e creio que o devemos também fazer.
Eventualmente, o actual n.º 10 é demasiado restritivo, mas o n.º 1 proposto pelo PSD também pode ser
demasiado ampliativo. Se calhar, deveríamos fazer uma análise mais fina, alínea a alínea, sobre se se justifica
ou não estender aos arguidos nos processos contra-ordenacional e disciplinar todos estes princípios.
São estas, portanto, as nossas observações. Faremos, depois, outras intervenções.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, esta proposta do PSD levanta-nos algumas dúvidas e
reservas.
Em primeiro lugar, pela questão já referida de as garantias constitucionalmente asseguradas ao processo
criminal serem alargadas aos processos contra-ordenacional e disciplinar. À partida, não nos parece de rejeitar
a ideia de que a lei ordinária possa, em relação aos processos contra-ordenacionais e disciplinares, remeter
para o edifício jurídico do processo-crime — aliás, essa aplicação tem sido inquestionável no processo contra-
ordenacional. No entanto, dar corpo constitucional a esta opção, que é uma opção da lei ordinária e que em
determinados momentos pode não ser correcta, parece-nos excessivo.
Ainda assim, há uma questão importante que ainda não foi colocada e que tem que ver com a perspectiva
conceptual da norma constitucional, porque, aparentemente, a perspectiva conceptual do PSD é diferente da
que está actualmente prevista na Constituição.
Em princípio, uma epígrafe não tem grande importância do ponto de vista da concepção normativa, mas a
verdade é que a epígrafe proposta pelo PSD traduz uma alteração conceptual que, julgamos, deve ser
ponderada politicamente. Ponderar as garantias que o processo criminal deve assegurar aos cidadãos é uma
posição conceptual substancialmente diferente de considerar as garantias do arguido e do ofendido num
processo criminal, contra-ordenacional ou disciplinar, tendo em conta os processos como processos entre
partes.
Isto tem que ver com o seguinte: o processo criminal radica numa relação desigual, em primeiro lugar,
entre o Estado e o interesse punitivo do Estado face aos cidadãos que se comportam não se conformando
com as regras sociais e legais que justificam a tipificação dos crimes e os indivíduos que se encontram nessa
situação de arguidos.
A verdade é que há uma marca no processo-crime que o distingue dos outros processos judiciais. Refiro-
me ao interesse punitivo do Estado que impõe que o processo criminal não seja um processo entre partes,
como acontece com a generalidade dos processos judiciais. E esse interesse punitivo do Estado verifica-se
mesmo quando estão em causa bens jurídicos iminentemente individuais; ou seja, até quando está em causa
a prática de um crime semipúblico ou particular, há um interesse punitivo do Estado que impõe que não haja
um processo entre partes stricto sensu. Esta acção, este interesse do Estado tem de ser assegurado,
correctamente definido e limitado, justificando, obviamente, a intervenção dos magistrados do Ministério
Público.
Ora, a concepção actual do processo-crime impõe que, do ponto de vista da sua organização, haja limites
especiais que têm de ser considerados, designadamente os limites impostos pelo direito de os cidadãos terem
acesso a todos os instrumentos que garantam a sua defesa, tendo em vista a perspectiva de um processo-
crime justo e equitativo.
Portanto, esta proposta do PSD, referindo-se às garantias do arguido e do ofendido, traz uma outra
perspectiva sobre o processo-crime, perspectiva que não é inovadora, porque há países onde, também no
processo-crime, o combate processual é feito com base em regras entre partes, em que o interesse punitivo
do Estado acaba por ficar esbatido perante a posição processual do ofendido directamente pela prática do
crime. Mas essa é uma das concepções que não acompanhamos no âmbito do processo penal.
Além de mais, do ponto de vista conceptual, julgamos que esta redacção proposta pelo PSD pode ser
limitada relativamente às garantias de defesa dos arguidos.
Esta pode ser uma questão meramente simbólica ou pode ser substancial, mas a verdade é que, por
exemplo, o texto actual refere que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso.», o que constitui um «chapéu» sob o qual se vão concretizar as disposições da lei processual penal
relativamente às garantias do arguido. Já a proposta do PSD, referindo-se também ao processo contra-
ordenacionais e disciplinar, estabelece que o arguido «goza das garantias de defesa, incluindo as seguintes:
(…)» — e faz uma enumeração.
Ora, penso que este não será um elenco taxativo — certamente, não é essa a intenção do PSD —, mas a
verdade é que o PSD reconheceu-lhe alguma relevância. Por isso, não compreendemos por que razões não
estão aí previstas outras questões que podem ser determinantes para o exercício das garantias de defesa do
arguido e que já hoje estão previstas na lei processual penal.
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Estou a pensar, por exemplo, nas normas do Código de Processo Penal que prevêem a possibilidade de
acesso aos elementos do processo indispensáveis para a garantia de defesa dos arguidos em qualquer
momento, em particular quando falamos de medidas que podem pôr em causa direitos fundamentais, como o
direito à liberdade. Esta é uma norma do processo penal à qual reconhecemos grande importância e se o
PCP, algum dia, optasse por definir o elenco das normas fundamentais de garantia de defesa dos arguidos em
processo-crime, essa seria uma das previstas, certamente! Mas ela não está prevista expressamente no
elenco proposto pelo PSD — este é apenas um exemplo do carácter limitado de uma solução do género da
que o PSD propõe.
Estas objecções, aliadas à que referi anteriormente, mais teórica e conceptual, levam-nos a não
acompanhar esta solução do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de forma muito telegráfica, diria que a
proposta do PSD tem méritos e deméritos.
Com a substituição do n.º 7 do artigo 32.º pela densificação que nos é proposta pelo PSD no n.º 2, penso
que entramos em algo que pode ser classificado como «experimentalismo constitucional», o que me suscita as
maiores reservas sobre as implicações que tal pode ter.
Em primeiro lugar, devo dizer que considero particularmente ponderada a redacção do actual n.º 7 do artigo
32.º, quando refere que «O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei». Ou seja, existe
uma mediação legal para a densificação deste conceito.
Podemos começar por questionar o que é o «ofendido». O ofendido não é o queixoso, porque esse nós
sabemos quem é; nos termos da lei processual penal, o ofendido é o titular do interesse que a lei quis proteger
com a incriminação e, muitas vezes, só sabemos quem ele é no momento do julgamento, porque podemos
chegar à conclusão de que um indivíduo é queixoso mas não é titular de qualquer interesse — por algum
motivo, demonstrou-se que ele não o era. Ora, não sei como se compatibiliza esta objecção terminológica com
o facto de se constitucionalizar o direito do ofendido ao julgamento. Mas esta não é a objecção determinante.
Em segundo lugar, suscitam-me as maiores reservas as alíneas c) e d) do n.º 1 da proposta do PSD.
É verdade que, do ponto de vista processual penal, todas estas matérias são discutíveis e até poderemos
concordar em concretizá-las nessa instância, mas, a partir do momento em que se trata de um imperativo
constitucional, a questão muda de figura. Podemos concordar que reconhecer constitucionalmente que o
ofendido tenha «O direito a apresentar prova e a contestar a prova apresentada pelo arguido» melhora a
aplicação da justiça penal, mas estamos a substituir o modelo que — simplificando — hoje é de acusação,
contestação e julgamento por um modelo de acusação, contestação, mas em que esta consagração da
contestação à prova do arguido (o que, em termos cíveis, correspondia à réplica) conduziria fatalmente a um
novo patamar, o da resposta do arguido à resposta do assistente ou demandante, porque não podemos
esquecer que os actuais artigos 341.º e 360.º do Código de Processo Penal determinam, sob pena de
nulidade, que é sempre o arguido a ter a última palavra no processo, que é uma concretização dos direitos de
defesa.
Portanto, estar-se-ia a acrescentar uma fase na tramitação ordinária dos processos. A questão que suscito
é a de saber se é benéfico impô-lo ou reconhecê-lo constitucionalmente.
Em terceiro lugar, suscita-me dúvidas a questão que se prende com o ofendido ter «O direito a um
julgamento equitativo», porque temos de recordar que há figuras que hoje são consensuais e úteis e que, com
esta consagração, deixariam de poder ocorrer. Por exemplo, nesta sala, ninguém contestará as vantagens da
figura da suspensão provisória do processo. Ora, a suspensão provisória do processo ocorre quando há
concordância do arguido e do assistente — que é um ofendido qualificado —, porque se justifica que só
alguém que tem uma actuação pró-activa no processo seja chamado para essa decisão. Porém, se nós
reconhecermos um direito ao julgamento não ao assistente mas ao ofendido, fatalmente será inconstitucional a
não audição do ofendido e não apenas a do assistente, o que não é de somenos, como sabe quem tem
conhecimento da vida prática.
Por último — questão que me ocorreu quando estava a fazer esta leitura en passant —, pergunto se é
propósito do PSD inconstitucionalizar as leis de amnistia; isto é, se pretendem que deixe de haver amnistias,
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pura e simplesmente!? A partir do momento em que o ofendido tem direito ao julgamento, é evidente que esse
direito não pode ser coarctado por via legal. Portanto, perante uma lei de amnistia, cada ofendido exerceria o
seu direito constitucionalmente reconhecido de levar o arguido a julgamento. É uma opção, que é discutível,
mas não tenho a certeza de que ela tenha sido ponderada.
Sr. Presidente, são estas as dúvidas que deixo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta intervenção mais de fundo, e
procurando não me repetir em relação a intervenções anteriores, gostaria de dizer que o CDS não está — nem
ninguém poderá estar — contra cada um dos direitos, em si mesmos, que a proposta do PSD visa
constitucionalizar, até porque todos eles constam já do Código de Processo Penal. Aliás, a haver divergências
sérias em matéria processual penal nesta sala, não creio que elas surjam a propósito deste conjunto de
direitos, embora um ou outro possa ser melhor definido ou, pelo menos, definido de uma forma mais clara.
No fundo, estão em causa duas opções: em primeiro lugar, a de constitucionalizar este conjunto de direitos
que já está previsto no Código de Processo Penal e, em segundo lugar, conforme já disse numa intervenção
anterior, a de equiparar tout court, sem mais, os processos contra-ordenacional e disciplinar ao processo
criminal.
Ora, apesar da bondade das propostas e estando nós disponíveis para as burilar um pouco em sede de
segunda leitura, parece-nos que esta equiparação é um pouco excessiva.
Em primeiro lugar, não podemos esquecer que, quer no processo contra-ordenacional quer no disciplinar,
estes direitos, via Código de Processo Penal, já têm esse carácter subsidiário e, portanto, em sede contra-
ordenacional ou em sede disciplinar os arguidos gozam destes direitos, mais que não seja por força do direito
subsidiário.
Em segundo lugar, há uma questão que ainda não foi referida e que é preciso recordar, que é a seguinte:
quer no processo contra-ordenacional quer no processo disciplinar, se algum destes direitos não é respeitado,
não só por força desse carácter subsidiário como por força do próprio esquema que está montado, o arguido
poderá exigir que os seus direitos sejam exercidos em sede judicial. Isto faz com que alguém que tenha uma
multa de trânsito possa ir, depois, em primeira instância, a tribunal impugnar a decisão do Estado que o
condenou, por exemplo, a uma multa por estacionamento que violou uma norma do Código da Estrada.
Portanto, parece-nos que terá sido uma opção talvez um pouco excessiva esta equiparação, sem mais, do
direito criminal ao contra-ordenacional e ao disciplinar.
Em terceiro lugar, não sendo certamente essa a intenção do PSD, esta alteração poderá até diluir ou
menorizar alguns direitos que se vêem, de alguma forma, misturados com outros, como é o caso do princípio
fundamental da presunção de inocência, que aparece aqui no meio de outros que, não deixando de ter
importância, talvez não tenham a mesma dignidade.
Em quarto lugar, repetindo-me um pouco em relação à intervenção do Sr. Deputado João Oliveira, não
creio que tenha sido intenção do PSD fazer aqui uma tentativa de enumeração taxativa da parte dos direitos. É
evidente que ela é meramente exemplificativa! Mas podemos ter — e temos, certamente — opiniões
divergentes em relação à importância, à hierarquização que pode fazer-se deste ou daquele direito. Tendo até
a concordar com o exemplo que foi dado pelo Sr. Deputado João Oliveira, porque, de facto, em determinados
processos, o direito a aceder a determinadas partes do processo, para o arguido, pode ser um direito
muitíssimo importante, dos mais importantes! E, não obstante, de acordo com a proposta do PSD, não terá
dignidade constitucional.
Em todo o caso, confesso alguma incapacidade de, em alternativa e de forma construtiva, poder desafiar
esta Comissão, nomeadamente os proponentes, dizendo: «Sendo assim, irei apresentar uma proposta com
um elenco verdadeiramente definitivo dos direitos mais importantes que estão no Código de Processo Penal e
que podem figurar neste artigo». Confesso a minha incapacidade para o fazer, pois estou certo de que não o
conseguiria.
Portanto, queria alertar, por um lado, para os perigos deste excesso de constitucionalização de direitos —
em relação aos quais, na substância, não estamos contra — que já estão previstos no Código de Processo
Penal e, por outro lado, para a dificuldade de elencar, ainda que a título exemplificativo, e de fazer uma
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hierarquização suficientemente segura dos direitos mais importantes para o arguido, uma vez que eles até
variam de caso para caso, de processo para processo, de arguido para arguido e, quase diria, de advogado
para advogado.
Além de mais, sem ter uma posição absolutamente fechada sobre a matéria, nomeadamente em relação
ao que poderá ser um eventual reforço do n.º 10 deste artigo 32.º, parece-me talvez um pouco excessivo
equiparar, sem mais, um processo criminal a um processo contra-ordenacional ou disciplinar.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a alínea d) do n.º 2, tal como já foi referido, parece-nos
carecer de alguma especificação, caso contrário poderá haver algumas vicissitudes na fase do julgamento, na
parte dos direitos processuais de cada um dos sujeitos. Esta é a posição do CDS.
Provavelmente, teremos oportunidade de ouvir alguns entendidos sobre esta matéria caso seja aprovada a
proposta do Sr. Deputado Vitalino Canas. Mas, numa primeira leitura, é o que se nos oferece dizer, Sr.
Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de referir apenas um aspecto de
que não falei na minha primeira intervenção, que tem a ver com a falta de concordância entre duas normas
que são análogas. Refiro-me às alíneas f) do n.º 1 e d) do n.º 2 do artigo 32.º.
De acordo com a proposta do PSD, o arguido tem «O direito a ser julgado de forma equitativa, pública e no
mais curto prazo», mas o ofendido goza do «direito a um julgamento equitativo, público». Portanto,
relativamente ao arguido, a exigência fica-se pela «forma», já em relação ao ofendido a exigência vai ao ponto
mais substancial do conteúdo.
Ora, mesmo admitindo a discussão dos aspectos mais concretos desta solução conceptual do PSD,
julgamos que, a não existir uma equiparação, essa não equiparação deveria ser colocada exactamente na
perspectiva contrária, porque é o arguido que está numa situação que exige particulares preocupações em
relação à sua defesa e às suas garantias, visto que é sobre ele que se exerce o poder punitivo do Estado e é
sobre ele que impende uma relação desigual face a esse interesse punitivo do Estado.
Portanto, o arguido não deve gozar apenas do direito a ser julgado «de forma equitativa», ele tem direito a
um julgamento equitativo, público e no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Este é apenas um pormenor, do ponto de vista técnico, da solução que o PSD nos apresenta, mas que não
deixa de motivar, pelo menos, este pedido de esclarecimento: o que é que motiva esta diferente perspectiva
em relação ao arguido e ao ofendido?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria referir algumas questões que, a título
pessoal, me perturbam na medida em que sou bastante resistente em relação a conceitos que já estão
consolidados na doutrina e na jurisprudência, porque, às vezes, pequenas alterações podem modificar
completamente o sentido do que já está consolidado nestas áreas.
Em primeiro lugar, relacionando o direito ao silêncio, consagrado na alínea a) do n.º 1 da proposta do PSD,
e, por exemplo, o artigo 129.º (Depoimento indirecto) do Código de Processo Penal, pergunto se, quando a
testemunha diz que ouviu dizer ao arguido e o arguido está na sala e não se pronuncia, invalida esse
depoimento e ainda se o direito à não auto-inculpação significa que o arguido já não vai fazer testes de ADN
nem outros que, eventualmente, seja obrigado a fazer no sentido de arranjar prova.
Em segundo lugar, pergunto se «O direito a ser informado, nos termos da lei, no mais curto prazo e em
língua que entenda, da natureza e da causa da acusação» significa que só tem intérprete na acusação e não
tem, por exemplo, no primeiro interrogatório judicial. Mas o primeiro interrogatório judicial não é um momento
em que ele também tem de ter defensor e intérprete, na medida em que se trata de um momento crucial da
fase da acusação?
Por outro lado, reforçando o que disse o Sr. Deputado João Oliveira, pergunto se estas alterações não vão
no sentido de tender para um processo de partes, natureza que o nosso processo penal não tem, de todo.
Creio, aliás, que se retira do próprio sentido da Constituição que não deve ser assim.
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Relativamente a esta matéria do processo de partes, diria que, a ser assim, também teríamos de
equacionar a questão de o arguido ter uma máquina administrativa e judicial na procura de prova para o ilibar.
Quer dizer, se caminhamos para um processo de partes, então vamos dar igualdade de armas às partes.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Parti desse princípio, que também é o seu!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Exactamente! É a minha interpretação do que nos é proposto pelo PSD.
Com efeito, quando o Estado exerce o seu poder punitivo, o arguido tem o seu defensor. Mas existe uma
fase de inquérito, que tem o Ministério Público como figura «amarrada» ao princípio da objectividade e da
validade, mas com toda uma máquina policial a trabalhar no sentido da procura da prova. Ora, se queremos ir
para um processo de partes puro, então vamos também arranjar uma forma de o arguido ter meios e recursos
idênticos ao do Ministério Público.
Creio que esta proposta cria desequilíbrios e, além de mais, altera a estrutura do nosso processo. Ao
atribuirmos estes direitos ao ofendido, sem exigir a necessidade da sua constituição como assistente no
processo, ou seja, sem que o ofendido tenha de ser — como é hoje — um auxiliar do Ministério Público,
estamos a alterar a estrutura processual tal como ela existe hoje, em que o ofendido pode, pura e
simplesmente, depois de exercer o seu direito de queixa, desligar-se do processo, continuando o Ministério
Público com a acção penal.
Por último, pergunto: nestas circunstâncias, onde entra o ofendido, nomeadamente quando quer também
recorrer ou exercer os direitos que actualmente a lei lhe confere enquanto titular do bem jurídico que a lei quis
proteger e enquanto parte que, desejando ser sujeito processual e não mero participante, decide constituir-se
assistente?
O Sr. Presidente — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — O Sr. Presidente dá-me um encargo imenso, porque não sei se vou
conseguir responder às dezenas de objecções que foram feitas…
Risos.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Fernando Negrão, houve várias contribuições generosas para o
«encargo» da parte de muitos Srs. Deputados!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Houve, com certeza, contribuições generosas, mas terei de responder
às generosas, às menos generosas e às não generosas!
Uma primeira nota para dizer o seguinte:…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Uma primeira nota para dizer que não é arguido!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — … relativamente ao n.º 1 do artigo 32.º, que introduz os processos
contra-ordenacionais e disciplinares, gostaria de esclarecer que a actual redacção do artigo 32.º, no seu n.º
10, já integra as contra-ordenações, bem como «quaisquer processos sancionatórios» — estes são os
disciplinares. Portanto, aqui não há novidade alguma, o que há é uma nova sistematização na organização do
dispositivo legal.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não é a mesma coisa!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — A segunda nota é para referir, desde já, que a intervenção do Sr.
Deputado Filipe Neto Brandão teve méritos e deméritos.
O mérito foi o de nos alertar para o facto de a redacção da alínea d) do n.º 2 poder não ser a mais ajustada
por produzir equívocos. E o maior equívoco que esta redacção poderá ter suscitado — e que foi muito
explorado — é o de que haveria um novo paradigma do Código de Processo Penal, criando-se um processo
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de partes com esta proposta. Ou seja, o Ministério Público deixaria de ser aquela figura que fica,
simultaneamente, entre o acusador e o defensor do arguido, quando assim o entenda, como defensor da
legalidade democrática, para passar a ser uma parte. Não é, de todo, essa a interpretação que o PSD faz ou
quer fazer do processo penal ou das normas que hoje têm natureza processual e que quer que passem a ter
natureza constitucional.
Repito: não é, de todo, essa a interpretação que o PSD quer fazer e admite a alteração da redacção desta
alínea d) do n.º 2 do artigo 32.º, para que essa interpretação não possa ser feita.
No que diz respeito, designadamente, ao «direito à presunção de inocência», previsto na alínea e) do n.º 1,
que foi referido como sendo um direito com carácter não direi superior mas que deveria ter consagração
autónoma, direi que a presunção de inocência é tão importante como o direito a apresentar prova por parte do
arguido, porque quando um arguido não tem direito a apresentar prova, não há, de maneira nenhuma, o
respeito pelo princípio da presunção de inocência; e se o arguido não tem direito a ser ouvido, não há o
respeito pelo princípio da presunção de inocência. Tanto o direito a ser informado ou o direito ao silêncio são
direitos fundamentais, tal como o direito à presunção de inocência.
O que é que nós quisemos com este grupo de direitos aqui consagrado? Quisemos criar um núcleo duro de
garantias que digam respeito ao arguido. Mas estão aqui todos? Faltará algum? Estará algum a mais?
Obviamente, estamos num processo negocial, discutiremos isso e veremos qual é o núcleo duro mais
adequado à respectiva consagração constitucional.
Foi igualmente referido que na alínea f) do n.º 1 poderia estar consagrado o direito à publicidade, e eu diria
que está, porque a redacção desta alínea prevê o direito a ser julgado de forma equitativa e pública, e se é
pública é porque tem publicidade! Mas podemos avançar para a possibilidade de essa redacção ser mais
explícita.
Também foi dito que o facto de trazermos estas normas, hoje processuais, para a consagração
constitucional seria excessivo. Pelas razões que aqui aduzi na minha primeira intervenção, penso que a
consagração de direitos do arguido na Constituição não é excessiva, além de que alterar constitucionalmente
uma norma é muito mais difícil do que alterar as normas de carácter processual, como temos visto pela
experiência. Por isso, esta consagração constitucional parece-me da maior importância.
Outras questões…? Se os Srs. Deputados me quiserem relembrar algumas das imensas questões que
aqui colocaram…
O Sr. João Oliveira (PCP): — A minha questão prendia-se com as alíneas f) do n.º 1 e d) do n.º 2.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sim, Sr. Deputado. É bom que se veja a diferença, por isso vou lê-las.
A alínea f) do n.º 1 refere «O direito a ser julgado de forma equitativa», enquanto a alínea d) do n.º 2 refere
«O direito a um julgamento equitativo». Portanto, há aqui uma diferença substancial, que é o direito a ser
julgado e o direito a um julgamento. Ou seja, o arguido tem direito a ser julgado de uma forma equitativa,
pública, no mais curto prazo de tempo compatível, enquanto o ofendido tem direito a um julgamento…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Desde que ele exista!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Obviamente, desde que se chegue a essa fase, porque pode ser
arquivado não havendo acusação e pode ser arquivado não havendo uma pronúncia. Portanto, ele tem direito
a um julgamento que seja, como se diz na alínea, equitativo, público e, igualmente, no mais curto prazo
possível. Esta é a diferença substancial.
Mas volto a reiterar o que disse: se esta redacção oferece a possibilidade de interpretações que, nós
próprios, não queremos, naturalmente estamos abertos a alterá-la.
Creio que é tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas gostaria de alertar para o seguinte: o
princípio da publicidade está consagrado no artigo 206.º da Constituição para os tribunais, o que determina,
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em sede processual, a nulidade absoluta dos julgamentos quando realizados à porta fechada sem fundamento
legal.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, essa é, com certeza, uma
das razões por que não está nesta alínea expressamente a palavra «publicidade», mas, sim, a palavra
«público».
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a mesa não regista mais inscrições para a discussão das propostas
do PSD relativamente ao artigo 32.º, pelo que vamos passar à apreciação da proposta do PCP para o mesmo
artigo, que se traduz no aditamento de um novo n.º 5, constante do projecto de revisão constitucional n.º 2/XI
(2.ª).
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Esta proposta de aditamento de um
novo número — o n.º 5 — ao artigo 32.º já foi apresentada pelo PCP em anteriores revisões constitucionais.
Na altura, propúnhamo-la em sede do actual artigo 202.º, anterior artigo 205.º.
A alteração que propomos tem a ver com a consideração de que os órgãos de polícia criminal devem ter a
sua actuação, do ponto de vista da direcção, constitucionalizada. Isto é, deve constitucionalizar-se o princípio
que já consta de lei ordinária, segundo o qual os órgãos de polícia criminal, no âmbito das suas funções de
investigação, actuam sob a direcção não só dos magistrados judiciais — como já consta, actualmente, do
artigo 56.º do Código de Processo Penal — como do Ministério Público, porque a verdade é que, sempre que
é necessário recorrer aos órgãos de polícia criminal, essa actuação é feita sob a dependência funcional do
Ministério Público.
Portanto, é importante que seja consagrado este princípio, principalmente tendo em conta as perspectivas
que, por vezes, têm sido defendidas nos últimos anos e que apontam no sentido de colocar os órgãos de
polícia criminal na dependência do Governo. Ora, esse é um caminho que entendemos que não deve ser
trilhado.
Deve haver uma intervenção da parte quer do Ministério Público quer dos magistrados judiciais
relativamente à actuação dos órgãos de polícia criminal no exercício de funções de investigação e, neste
sentido, julgamos que a consagração dessa «barreira» na lei deve ter dignidade constitucional. É por isso que
apresentamos a proposta de aditamento deste n.º 5 ao artigo 32.º.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está em discussão a proposta.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta redacção oferece-nos algumas
dúvidas.
A primeira tem a ver com o seguinte: o n.º 5 proposto começa por referir que «Nas suas funções de
investigação, os órgãos de polícia criminal actuam (…)». Ou seja, esta proposta não distingue a questão do
inquérito da questão da instrução, sendo que a questão do inquérito é, efectivamente, a fase de investigação
criminal por excelência.
A instrução não é uma fase de investigação criminal, mas, sim, uma fase ou de confirmação da acusação
ou de não confirmação da acusação. Nesta fase, o Ministério Público já tem a prova — na sua visão e
perspectiva — mais ou menos consolidada e há uma intervenção por parte da defesa no sentido de contrariar
essa prova já adquirida pelo Ministério Público. E quando digo contrariar é efectivamente assim; caso
contrário, o arguido não teria pedido para abrir a instrução.
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Por isso, a interpretação que faço é a de que os órgãos de polícia criminal, na instrução, não funcionam
sob a direcção dos magistrados judiciais, estando eles na sua dependência funcional, como é óbvio. Há aqui
uma diferença de natureza entre o que é o inquérito/investigação criminal e o que é a fase de instrução, que é
uma fase de intervenção da defesa, de tentar contrariar toda a prova adquirida e produzida pelo Ministério
Público na fase de investigação criminal, ou seja, na fase de inquérito ou através das polícias.
Era sobre esta objecção que gostava de ouvir a resposta do Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. Presidente: — Havendo mais dois Srs. Deputados inscritos, pergunto ao Sr. Deputado João Oliveira
se pretende responder já ou no fim.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Como queira, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Dado que se tratou de um pedido de esclarecimento, se desejar responder já, tem a
palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, julgo que a resposta às
questões que colocou é relativamente simples.
Antes de mais, este n.º 5 faz referência às funções de investigação porque os órgãos de polícia criminal, no
exercício da sua função, desempenham outro tipo de missões. Por exemplo, se pensarmos na função de
manutenção da ordem pública da PSP ou da GNR, facilmente percebemos que, relativamente a essas, na sua
actuação, não tenham de estar necessariamente sob a direcção dos magistrados judiciais e do Ministério
público ou na sua dependência funcional.
Portanto, no âmbito dessas outras funções, que não de investigação, as questões que se colocam
relativamente à direcção e à dependência funcional não são necessariamente as mesmas que se colocam no
âmbito do processo criminal.
Relativamente à outra questão que o Sr. Deputado Fernando Negrão colocou, queria dizer que a redacção
do PCP abrange precisamente todas essas circunstâncias em que se encontram os órgãos de polícia criminal,
em função do momento do processo. No momento do inquérito, quem tem poderes de direcção do inquérito é
o Ministério Público, mas na fase de instrução isso já não acontece, porque a direcção desta fase compete ao
magistrado judicial.
Todavia, também na instrução, como o Sr. Deputado Fernando Negrão sabe, até por dever de ofício —
permita-me a expressão —, há ainda possibilidade de produção de prova no âmbito da realização das
diligências instrutórias, que podem ser determinadas pelo juiz de instrução, inclusivamente. E, nesse
momento, a verdade é que os órgãos de polícia criminal actuam ainda dando cumprimento a funções de
investigação no âmbito do processo criminal, já não sob a direcção do Ministério Público mas sob a direcção
do juiz de instrução.
Portanto, há necessidade de prever essa circunstância, por isso fazemos a previsão de que «os órgãos de
polícia criminal actuam sob a direcção dos magistrados judiciais e do Ministério Público», em função do que a
lei processual penal define em matéria de competências para dirigir cada uma das fases do processo penal. E,
obviamente, estão na sua dependência funcional — essa é uma preocupação que já tinha referido na minha
primeira intervenção e que quero acentuar agora —, porque a dependência funcional dos órgãos de polícia
criminal em matéria de investigação deve ser, de facto, relativamente aos magistrados judiciais e do Ministério
Público consoante a fase do processo. Mas tem de ficar bem claro que essa dependência funcional é em
relação aos magistrados e não em relação a outra entidade, nomeadamente o Governo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, do ponto de vista de fundo, não
temos uma oposição a esta proposta do PCP.
Mais uma vez, e sem querer passar uma imagem de posições excessivamente conservadoras ou
imobilistas, não nos parece que, estando nós a tratar do artigo que se refere às garantias de processo criminal,
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esta constitucionalização do que já se encontra previsto na lei ordinária possa reforçar essas mesmas
garantias, poderá ser até um pouco redundante.
Em todo o caso, a forma como está redigido este n.º 5 — não sendo essa a intenção dos proponentes, não
tenho a menor dúvida — pode suscitar questões no concreto que poderão trazer mais problemas do que
benfeitorias.
Por exemplo, a expressão «dependência funcional», quando explicada pelo Sr. Deputado João Oliveira,
parece-me perceptível, mas não estou tão certo que os órgãos de polícia criminal, entre si, e os Srs.
Magistrados quer judiciais quer do Ministério Público tenham uma visão tão cristalina quanto aquela que o Sr.
Deputado João Oliveira aqui nos trouxe, porque essa «dependência funcional» poderá ou não — é uma
pergunta que deixo — englobar uma dependência do ponto de vista operacional.
Ou seja, a questão da dependência funcional exclui a dependência operacional, o modus actuandi dos
órgãos de polícia criminal? Eu diria que sim, mas não estou certo de que isso resulte claro desta redacção e,
sobretudo, estou quase certo de que, na prática, e sendo consagrada esta alteração, não resultará claro entre
os órgãos de polícia criminal e os Srs. Magistrados.
Esta é uma reserva que gostaria de partilhar, que não é assim tão de fundo, mas que é o resultado —
talvez — de uma visão excessivamente pragmática e realista.
Em todo o caso, sentir-me-ia tentado a perguntar ao Sr. Deputado João Oliveira se a parte final da
redacção do n.º 5, quando refere «na sua dependência funcional», inclui ou exclui a dependência operacional.
Como deve imaginar, uma coisa é bastante diferente da outra e, se a englobar, poderá suscitar mais
problemas do que soluções. Nessa matéria, os problemas já são suficientemente grandes para estarmos
agora a criar ainda mais dificuldades de interpretação ou, se quiser, janelas de oportunidade para certas
interpretações, certamente nem todas elas com a bondade com que o partido proponente fez esta proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois desta intervenção do Sr.
Deputado Nuno Magalhães, quase resulta precludida a minha questão.
Começo, precisamente, por manifestar dúvidas sobre qual o benefício para o texto constitucional da
importação desta norma, além de que partilho das objecções já manifestadas relativamente à sua inserção
sistémica nas garantias do processo criminal.
Em reforço da ideia de haver aqui uma eventual redundância, também acrescentaria que, a partir do
momento em que na proposta de articulado do n.º 5 se refere «magistrados judicias e do Ministério Público
competentes», não se prescinde da sua densificação legal e, portanto, a concretização desta norma é feita por
lei ordinária. Nessa perspectiva, pergunto se não será uma benfeitoria voluptuária ao texto constitucional!?
Risos.
Por outro lado, a partir do momento em que o Sr. Deputado João Oliveira se prevalece do artigo 56.º do
Código de Processo Penal, que não estabelece exactamente o que refere, porque não fala em magistrados
judiciais e do Ministério Público, mas, sim, em autoridades judiciárias…
O Sr. João Oliveira (PCP): — É um conceito que abrange todos!
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sim, é um conceito que acaba por abranger todos, mas é bom que se
frise que no n.º 5 não se faz uma mera importação desse preceito.
A verdade é que o artigo 56.º do Código de Processo Civil não pode deixar de ser lido conjuntamente com
o artigo 55.º, na medida em que no artigo 56.º começa por referir «Nos limites do disposto no n.º 1 do artigo
anterior, (…)». Ou seja, este artigo 56.º só surge para concretização das finalidades do processo.
Portanto, importar um artigo que tem um determinado enquadramento e importa um limite constante de
outro artigo, prescindindo-se desse limite, são objecções a mais para um artigo só.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão.
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O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, gostaria de responder ao Sr. Deputado João Oliveira,
dizendo o seguinte: em primeiro lugar, nas questões de ordem pública não se põe a questão da dependência
funcional nem da direcção, seja dos magistrados judiciais seja do Ministério Público. Nas questões de ordem
pública não existe essa figura.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não foi isso que eu disse!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Mas pareceu-me ouvi-lo dizer que sim, dar esse exemplo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não, não!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Em segundo lugar, queria insistir neste ponto: constitucionalmente, o
detentor da acção penal é o Ministério Público. O impulso processual cabe sempre ao Ministério Público e a
direcção do inquérito é do Ministério Público, ou seja, estamos a falar no que é a investigação criminal. E aqui,
na proposta do PCP, confunde-se a fase de instrução com a investigação criminal, por isso se fala na
dependência funcional e na direcção do inquérito por parte do Ministério Público.
Todavia, a fase de instrução — insisto — tem uma natureza completamente diferente. Nela intervém o
Ministério Público com a prova, «consolidada» (na sua opinião) e a defesa vem apresentar as suas provas
para contraditar as provas da acusação. Aqui, o juiz é um árbitro entre a acusação e a defesa; obviamente,
pode fazer uso dos órgãos de polícia criminal, mas com uma natureza diferente da do Ministério Público no
inquérito.
É por isso que, em nossa opinião, a ser consagrado, este preceito deve ter uma redacção diferente, com
formas diferentes para o Ministério Público e para os magistrados judiciais, para que não haja confusão entre
as duas magistraturas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, vou tentar responder respeitando a ordem das questões,
começando pela colocada pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães em relação à dependência funcional.
Obviamente, a intenção do PCP não é ir além do que já hoje é o quadro legal que o Código de Processo
Penal prevê em relação à dependência funcional e operacional. É exactamente por isso que, nessa parte,
transpomos para a Constituição a redacção do artigo 56.º do Código de Processo Penal, porque já hoje se
estatui nesse artigo que «os órgãos de polícia criminal actuam, no processo, sob a direcção das autoridades
judiciárias e na sua dependência funcional». É evidente que isto não transforma os magistrados do Ministério
Público nem os juízes de instrução em comandantes de brigadas da PSP, da GNR, da PJ ou do que quer que
seja!
Portanto, é na dependência funcional dos magistrados do Ministério Público e dos magistrados judiciais
que os órgãos de polícia criminal devem actuar, e não na dependência de quaisquer outros. É esse o
fundamento essencial da proposta do PCP.
Com esta resposta, julgo que já respondi à questão colocada pelo Sr. Deputado Filipe Neto Brandão, que ia
no mesmo sentido da do Sr. Deputado Nuno Magalhães.
A outra objecção que o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão levantou, a relativa à inserção sistemática, devo
dizer, deixa-me um pouco mais confuso, pelo seguinte: na revisão constitucional de 1997, o PCP apresentou
esta proposta no âmbito do actual artigo 202.º (Função jurisdicional) e o Partido Socialista alegou que essa
alteração devia ser feita em sede do artigo 32.º; agora, que acolhemos a objecção do Partido Socialista e
entendemos que, sim senhor, tinha razão e apresentamos a proposta para o artigo 32.º, dizem que não é
nesta sede que a tínhamos de apresentar!
Risos.
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Afinal de contas, em relação à inserção sistemática, parece que o PCP vai sendo vítima de perspectivas
diferentes que vão existindo no Partido Socialista. Mas, da parte do PCP, há inteira abertura para discutir a
inserção sistemática adequada, porque a nossa intenção é a de consagrar a sujeição constitucional dos
órgãos de polícia criminal à direcção e à dependência funcional dos magistrados judiciais e do Ministério
Público.
Para concluir, vou responder às objecções que o Sr. Deputado Fernando Negrão levantou.
Obviamente, não temos qualquer inflexibilidade em relação ao texto da proposta, mas julgamos que esta é
a redacção que permite garantir na Constituição o objectivo fundamental: o de que a direcção dos órgãos de
polícia criminal no âmbito das suas funções de investigação deve ser atribuída aos magistrados judiciais e do
Ministério Público. E a qual destas entidades é atribuída a direcção dos órgãos de polícia criminal? Isso
depende das fases do processo.
É a lei ordinária que, em função da entidade a quem atribui a direcção do processo consoante a fase em
que ele se encontra, que decide qual é a que dirige os órgãos de polícia criminal. Durante o inquérito, terá de
ser o Ministério Público e, durante a instrução, o juiz de instrução, necessariamente. Aliás, temos bem
presente o texto do artigo 288.º do Código de Processo Penal, que estatui, no seu n.º 1, que «A direcção da
instrução cabe a um juiz de instrução».
Portanto, é esta a norma que diferencia a fase de instrução relativamente à fase do inquérito, no que diz
respeito à direcção do processo.
Também o n.º 4 do mesmo artigo refere que «O juiz investiga autonomamente o caso submetido a
instrução». É no âmbito deste poder de investigação de que o juiz de instrução é detentor que,
obrigatoriamente, os órgãos de polícia criminal têm de ser sujeitos à direcção do juiz de instrução nesta fase
— e, obviamente, têm de ser colocados na sua dependência funcional.
Com esta redacção, fixa-se o que deve ser, de facto, a previsão constitucional, garantindo à lei ordinária
espaço para que defina os requisitos e as regras, em termos de matéria processual penal, no que diz respeito
à direcção da investigação e, também, à competência para ter na sua dependência funcional os órgãos de
polícia criminal, que vão dar execução a essas necessidades de investigação no âmbito do processo-crime.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, queria colocar apenas uma questão muito pontual relativa a
esta matéria da autonomia técnica, porque o Sr. Deputado João Oliveira justificou a necessidade de
constitucionalizar a dependência funcional dos órgãos de polícia criminal sob a orientação dos magistrados
judiciais e do Ministério Público… Magistrados judiciais, entenda-se, na fase de instrução, mas, acima de tudo,
na fase de julgamento, porque o nosso processo penal é de estrutura acusatória, mitigada pelo princípio da
investigação, visto que é aí que o juiz, pese embora vinculado ao objecto do processo, tem largos poderes de
investigação, que lhe são atribuídos através do artigo 340.º do Código de Processo Penal. Mas, retomando, o
Sr. Deputado João Oliveira fundamentou a necessidade de constitucionalização desta norma para que não
haja a tentativa de passar a dependência funcional para o Governo, se bem entendi.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Como sabe, Sr. Deputado, a doutrina processual penal tem feito correr «rios
de tinta» a propósito da dependência funcional dos órgãos de investigação criminal, porque garantem eles,
órgãos de investigação criminal, a sua autonomia técnica e táctica. Esta questão tem feito correr «rios de
tinta» sobre quem tem, verdadeiramente, o domínio do inquérito, precisamente por respeito à necessidade de
autonomia técnica e táctica da Polícia Judiciária.
A nossa estrutura actual é esta: orgânica e disciplinarmente, os órgãos de investigação criminal dependem
dos respectivos ministérios, mas funcionalmente, em termos de investigação, dependem do Ministério Público.
Contudo, esta dependência do Ministério Público é meramente funcional, porque eles mantêm, em termos de
investigação, autonomia técnica e táctica.
Pergunto, então: onde é que está, na proposta do PCP, a autonomia técnica e táctica? Quer dizer,
retirando-se esta estrutura, tal como ela está hoje consagrada e consolidada, de autonomia técnica e táctica
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da Polícia Judiciária, não se estará a criar, também aqui, uma dependência excessiva relativamente ao
Ministério Público?
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a mesa registou uma inscrição de «alto risco», do Sr. Deputado Luís
Marques Guedes.
Risos.
E digo de «alto risco» uma vez que, na reunião anterior, dei-lhe a palavra sensivelmente a esta hora e
saímos daqui às 20 horas e 30 minutos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não é o caso, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: — Se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes me garante que a sua intervenção não é
susceptível de «incendiar» a discussão, dou-lhe a palavra. Caso contrário, dou-lhe a palavra na próxima
reunião, ficando pendente a discussão do artigo 32.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, espero que também me dê a palavra na próxima
reunião, mas já não para discutir o artigo 32.º!
O Sr. Presidente: — Com todo o gosto!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — A intervenção do Deputado Luís Marques Guedes é só para pedir para
encerrar os trabalhos!
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, nem sequer vou fazer uma pergunta ao Sr.
Deputado João Oliveira, vou apenas expressar uma posição face à interessante troca de ideias que houve nas
várias intervenções sobre este ponto.
No fundo, sintetizaria as explicações que o Sr. Deputado João Oliveira foi dando, recentrando a intenção
dos proponentes relativamente a este ponto, da seguinte forma: percebo agora, porque o Sr. Deputado João
Oliveira foi bastante claro nesta última intervenção, que, objectivamente, o grande escopo desta proposta é
afastar quaisquer veleidades de controlo político, governamental ou outro dos órgãos de polícia criminal para
efeitos de investigação criminal. É esse, portanto, o objectivo desta proposta, que, em si, não me merece
qualquer reparo e até o considero meritório.
O problema é que, como ficou claro ao longo desta troca de impressões, a proposta do Partido Comunista,
em algumas outras vertentes, tem o condão de «lançar gasolina sobre a fogueira», porque não nos podemos
esquecer que, das várias tensões que existem hoje em dia no sistema de justiça, uma delas é saber
exactamente onde começam e acabam as competências dos magistrados do Ministério Público, onde
começam e acabam as competências dos magistrados judiciais e a interligação de tudo isto.
Ora, a proposta que o Partido Comunista aqui apresenta, uma vez que tem como objectivo apenas afastar
veleidades de politização do controlo da investigação, descura um outro ponto, que é este: coloca num
patamar perfeitamente igual e indistinto as competências de controlo nas funções de investigação por parte
das duas magistraturas.
Se pedirmos a um não jurista para ler o que está nesta proposta, o que ele retira é que, nas funções de
investigação, os órgãos de polícia criminal ficam na dependência dos Srs. Magistrados, sejam eles do
Ministério Público, sejam eles judiciais. Com toda a franqueza, esse é um risco talvez demasiado grande para
o benefício indiscutível que o PCP pretende alcançar, que é o de criar uma norma constitucional que afaste, de
uma forma inequívoca, quaisquer veleidades de politização.
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Apesar de acompanhar a preocupação de que a politização, quer das funções de investigação quer da
justiça no seu todo, é sempre completamente inaceitável num Estado de direito — penso que ninguém, à volta
desta mesa, tem dúvidas em reafirmar esse princípio —, tenho dúvidas de que esta proposta de
constitucionalização, agora presente pelo PCP, não vá criar mais problemas do que aqueles que pretende
resolver.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, não querendo reclamar para mim a qualificação de
«bombeiro» da revisão constitucional e não havendo necessidade disso, até porque as intervenções que me
antecederam foram suficientemente apaziguadoras da discussão que estávamos a ter…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado João Oliveira, não fale já em «apaziguamento», porque ainda está
inscrito o Sr. Deputado Guilherme Silva. Portanto, nunca se sabe…
Risos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, não vou falar de nenhuma especificidade regional em
matéria criminal!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Certamente, foi inocência da minha parte!
Sr. Presidente, tenho ideia de que tanto a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes como a da
Sr.ª Deputada Isabel Oneto se reconduzem à mesma questão: a autonomia técnica e táctica dos órgãos de
investigação criminal.
Obviamente, não temos qualquer posição de inflexibilidade em relação ao texto da norma e, portanto, se
algum dos demais grupos parlamentares entender que pode haver um aperfeiçoamento da redacção, estamos
abertos à sua efectivação.
O que resulta do texto da lei é, também, a exclusão do que não está lá. Portanto, quando nos referimos à
«dependência funcional», não nos referimos à dependência, ponto! E, sendo uma dependência funcional, ela
exclui a dependência operacional, obviamente — aspecto que o Sr. Deputado Nuno Magalhães tinha
questionado.
Quando um magistrado do Ministério Público determina uma operação de revista ou buscas a um
determinado local, não diz à força competente para o fazer que tem de levar x militares, que deve dispô-los
desta forma em redor do local que vai ser revistado ou onde vão ser efectuadas as buscas, que devem ir
armados com esta ou aquela arma… Quer dizer, não é assim que se actua.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Agora não, porque têm autonomia técnica e operacional!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Quisemos garantir, em relação a essas situações, o que o tempo permitiu
adquirir, ou seja, que os órgãos de polícia criminal, no âmbito das suas funções de investigação — e só
nestas, porque em relação às outras há responsabilidades de comando na hierarquia e, também,
responsabilidades políticas que têm de ser respeitadas —, devem actuar sob a direcção dos magistrados que
são competentes para aquela fase do processo — admitimos poder fazer esta clarificação para tranquilizar os
Srs. Deputados e responder às objecções que foram levantando e que, obviamente, são legítimas — e para as
circunstâncias que, em concreto, se colocam à investigação,
Com efeito, há operações e decisões, até mesmo durante a fase do inquérito, que não passam
exclusivamente pela decisão do magistrado do Ministério Público a quem cabe a direcção daquele inquérito.
Por vezes, há circunstâncias em que tem de haver autorização do juiz de instrução para a realização de uma
determinada diligência e, obviamente, nesse âmbito, a competência é definida em função da regra que está no
Código de Processo Penal.
Fundamentalmente, pretendemos garantir que os órgãos de polícia criminal estão na dependência
funcional dos magistrados que são competentes para aquela fase do processo e que não há uma dependência
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funcional em relação à estrutura hierárquica que coloca no topo da pirâmide o responsável político em causa.
Aliás, não é por acaso que, na Assembleia da República, chamamos tantas e tantas vezes os Srs. Ministros da
Administração Interna e da Justiça para prestarem esclarecimentos sobre uma qualquer actuação em concreto
dos órgãos de polícia criminal, não em função da sua actuação no âmbito das funções de investigação que lhe
estão acometidas, mas no âmbito de outras funções — que não de investigação — que também têm a seu
cargo.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, como a mesa registou mais inscrições para intervir, sugiro que
terminemos a reunião por aqui…
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Apenas queria fazer um pequeno comentário, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, na semana passada, começámos assim e terminámos às 20 horas e
30 minutos, com quatro Deputados na sala, situação que não queria repetir.
Neste momento, estão inscritos os Srs. Deputados Guilherme Silva e Isabel Oneto. Se me prometerem ser
breves, com as vossas intervenções concluiremos a discussão deste artigo 32.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, a minha intervenção é muito breve.
Saber se a dependência funcional dos órgãos de polícia criminal pode ser em relação ao Ministério Público
e aos magistrados judiciais parece-me uma questão menor. O problema, salvo melhor opinião, está logo na
primeira parte da redacção proposta pelo PCP, porque as questões do processo penal e das intervenções dos
magistrados, seja do juiz de instrução, seja do Ministério Público, não estão correctamente enquadradas
quando se faz referência às «funções de investigação».
Em relação às funções de investigação, a direcção é do Ministério Público. Ora, não me parece
inteiramente correcto falar «Nas suas funções de investigação», reportando-as aos magistrados judiciais e do
Ministério Público, para daí retirar que é em relação a eles que existe dependência funcional dos órgãos de
polícia criminal. Era necessário não se criar esta ideia de que, relativamente às funções de investigação, há
uma posição de igualdade entre magistrados judiciais e do Ministério Público, porque a tutela, a direcção das
funções de investigação é, efectivamente, do Ministério Público. A intervenção dos magistrados judiciais
coloca-se já no âmbito da intervenção do juiz de instrução, na parte instrutória.
Esta primeira parte tem de ser aclarada, não pode ficar apenas uma referência às «funções de
investigação». Poderia acrescentar-se: «Nas suas funções de investigação e instrução, os órgãos de polícia
criminal actuam (…)».
Neste caso, já haveria um leque de clareza para a intervenção dos magistrados judiciais — a dependência
que, nesses casos, haja em relação a eles da Polícia Judiciária — e para a intervenção do Ministério Público,
que é, como é óbvio, a dominante, porque é a ele que compete a direcção da investigação e do inquérito.
Em minha opinião, esta clarificação é necessária.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, apenas queria referir que o último argumento utilizado pelo Sr.
Deputado João Oliveira é a prova provada em como não é necessário constitucionalizar esta norma.
Precisamente, desde 1987, está prevista no Código de Processo Penal a dependência funcional dos
órgãos de polícia criminal perante o Ministério Público e a autoridade judiciária, seja juiz de instrução ou seja
juiz do julgamento — que também têm poderes de investigação — e o certo é que não é preciso virem cá, à
Assembleia da República, explicar a não ausência de dependência funcional!
Portanto, por um lado, a dependência funcional está consagrada desde 1987 e não há memória que tenha
sido questionada. Aliás, o Sr. Deputado João Oliveira acabou de dizer que quando se chama, a esta
Assembleia, o Sr. Ministro da Administração Interna é para responder a questões relacionadas com matérias
administrativas e de dependência política, e não de dependência funcional. Ora, tal significa que há essa
consolidação já na ordem jurídica processual penal.
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Por outro lado, continuo a dizer que pode trazer problemas consagrar constitucionalmente a dependência
funcional e não reservar a autonomia técnica e táctica dos órgãos de polícia criminal.
O Sr. Presidente: — Para concluir, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme Silva colocou uma questão por
não ter em conta o conteúdo exacto do artigo 288.º (Direcção da instrução) do Código de Processo Penal.
Ora, o n.º 1 do artigo 288.º refere que «A direcção da instrução compete ao juiz de instrução criminal», mas
o n.º 4 também estabelece que «O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução». Aliás, a
estrutura do nosso processo penal sempre foi assim desde 1987, ou seja, a fase da instrução é ainda uma
fase de investigação e, portanto, no âmbito dessa investigação que pode acontecer na fase de instrução, é ao
juiz de instrução que compete a direcção do processo. É por isso que se tem de prever a direcção, por parte
dos magistrados judiciais, dos órgãos de polícia criminal.
Em relação à questão posta pela Sr.ª Deputada Isabel Oneto, eu colocá-la-ia ao contrário: é preciso
constitucionalizar este princípio, porque consideramos que ele é importante para a organização do nosso
processo penal, em particular no que diz respeito à actuação dos órgãos de polícia criminal. Precisamente por
ser um princípio importante, ele deve ter dignidade constitucional para que, de hoje para amanhã, por mera
alteração da lei ordinária, não possa haver uma subversão deste princípio, que a própria Sr.ª Deputada Isabel
Oneto reconhece ser importantíssimo, do ponto de vista da construção do Estado de direito democrático.
É, pois, importantíssimo impedir a interferência governamental em processos que estejam em investigação,
particularmente através da determinação hierárquica ou orgânica do condicionamento dos órgãos de polícia
criminal.
Portanto, a partir dos argumentos aduzidos pela Sr.ª Deputada Isabel Oneto, nós retiramos a conclusão
contrária: de tão pacíficos que são e da importância que lhes é reconhecida, devem ser constitucionalizados.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de concluirmos os trabalhos de hoje, queria referir dois pontos.
Em primeiro lugar, está em apreciação e votação a Acta n.º 10, respeitante à reunião de 9 de Fevereiro de
2011. Pergunto se há alguma objecção.
Pausa.
Não havendo objecções, considera-se aprovada.
Em segundo lugar, queria pôr à consideração dos Srs. Deputados o seguinte: vários Srs. Deputados de
diversos grupos parlamentares têm chamado a atenção para o carácter ficcional da hora de início dos nossos
trabalhos, havendo declarações políticas em Plenário. De facto, calculámos que às 16 horas e 30 minutos as
declarações políticas estariam concluídas, mas a experiência tem-nos demonstrado que a essa hora ainda
estão declarações políticas por fazer, o que tem atrasado um pouco o início das nossas reuniões.
A sugestão que me foi feita é que as reuniões devem começar às 17 horas, não devendo ser marcadas
ficcionalmente para as 16 horas e 30 minutos. Portanto, sugiro que, a partir da próxima reunião, a hora de
início da reunião passe a ser às 17 horas e não às 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, pedi a palavra não tanto para falar sobre a hora de início
dos nossos trabalhos, mas para dizer que, «pelo andar da carruagem»… Com efeito, já esgotámos o primeiro
prazo de 120 dias que nos foi concedido, solicitámos um segundo prazo, de mais 120 dias, e vamos no artigo
32.º. Ou seja, vamos precisar de 480 dias para resolver a questão!
Portanto, sem querer entrar agora nessa discussão, talvez fosse caso de os grupos parlamentares
pensarem sobre este assunto para, numa reunião mais à frente, analisarmos se a metodologia que estamos a
seguir é a mais adequada.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, presumo que há concordância quanto à fixação das 17 horas para o
início das reuniões da Comissão.
Quanto à questão suscitada pelo Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, os grupos parlamentares pensarão
nisso. Em todo o caso, creio que não se trata de uma questão de metodologia, mas, sim, de uma maior ou
menor celeridade que os Deputados entendam imprimir à discussão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, o início das reuniões às 17 horas só ocorrerá
quando houver declarações políticas agendadas em Plenário?
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que sim. O início das reuniões às 17
horas pressupõe que haja declarações políticas.
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, se me permite, nessa medida, talvez possamos fazer
uma pequena alteração ao Regulamento — não sei se ainda vai a tempo —,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, presumo que não!
O Sr. Ricardo Rodrigues (PS): — … no sentido de estabelecer que, desde que estejam presentes todos
os grupos parlamentares, os trabalhos poderão ter início.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, essa é uma regra do Regimento da Assembleia da
República!
Srs. Deputados, a próxima reunião realizar-se-á no dia 2 de Março, às 17 horas, e terá como ordem do dia
a discussão dos artigos 33.º a 46.º da Constituição. Vamos manter o nosso proverbial optimismo!
Na próxima reunião, gostaria de apresentar a proposta do PCP, relativamente ao artigo 33.º, pelo que pedia
ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues o favor de nessa reunião dar início aos trabalhos.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 16 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.