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Quinta-feira, 3 de Março de 2011 II Série-RC — Número 13
XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)
VIII REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 2 de Março de 2011
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (António Filipe) deu início à reunião às
17 horas e 24 minutos. Foi aprovada a Acta n.º 11. Procedeu-se à apresentação do projecto de revisão
constitucional n.º 2/XI (2.ª) (PCP), relativamente ao artigo 33.º (Expulsão, extradição e direito de asilo), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José de
Matos Correia (PSD) e Isabel Oneto (PS).
Foram também apresentados os projectos de revisão
constitucional n.os
1/XI (2.ª) (PSD) e 9/XI (2.ª) (PS), relativamente ao artigo 34.º (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência). Pronunciaram-se, além do Sr. Presidente,
os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), João Oliveira (PCP), Isabel Oneto (PS), Telmo Correia (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD) e Luís Fazenda (BE).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas.
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 17 horas e 24 minutos.
Srs. Deputados, na última reunião, concluímos a discussão do artigo 32.º e, hoje, vamos iniciar a discussão
do artigo 33.º.
Antes, porém, vamos proceder à apreciação e votação da Acta n.º 11, respeitante à reunião de 16 de
Fevereiro de 2011. Pergunto se há alguma objecção.
Pausa.
Não havendo objecções, considera-se aprovada.
Relativamente ao artigo 33.º (Expulsão, extradição e direito de asilo), existe uma proposta do PCP,
constante do projecto de revisão constitucional n.º 2/XI (2.ª), que me permitia apresentar, com a anuência dos
Srs. Deputados.
Sr.as
e Srs. Deputados: Este artigo 33.º diz respeito à expulsão, extradição e direito de asilo e a primeira
questão que aqui se suscita é a da extradição de nacionais.
Como sabem, até à revisão constitucional de 2001, que foi feita a propósito do Tratado de Roma que cria o
Tribunal Penal Internacional, a Constituição não admitia a possibilidade de extradição de cidadãos
portugueses do território nacional, que é, aliás, o que acontece na esmagadora maioria dos países do mundo,
que não admite a extradição dos respectivos nacionais.
Ora, consideramos não haver razões que nos devessem levar a alterar esse princípio e que deveriam
encontrar-se mecanismos legais para que os cidadãos nacionais, em relação aos quais fosse pedida a
extradição por um país terceiro, pudessem ser julgados em Portugal pelos crimes que cometeram.
Portanto, esta proposta do PCP vai no sentido de retomar aquele que era o princípio constitucional até
2001, o de não permitir que um cidadão nacional seja extraditado do território nacional, equiparando, neste
aspecto, o regime da extradição ao regime da expulsão, uma vez que essa não é permitida, em caso algum, a
cidadãos nacionais.
Esta proposta implica pôr em causa o n.º 3 do actual texto constitucional do artigo 33.º, que admite a
extradição de cidadãos nacionais, apesar de o fazer a título excepcional. Forçosamente, terá de ser alterada a
previsão deste n.º 3.
Em relação ao n.º 2, não apresentamos qualquer proposta de alteração.
No novo texto do n.º 3, há um inciso para o qual chamaria a atenção, que é a referência à «entrega a
qualquer título». O que propomos é que se equipare ao regime da extradição a entrega a qualquer título, na
medida em que temos vindo a verificar, designadamente a nível da União Europeia, o aparecimento de uma
figura que visa contornar, em certa medida, os requisitos legais e constitucionais da extradição.
Como se sabe, os requisitos para a extradição são relativamente exigentes, implicam decisões judiciais e
começa a impor-se a possibilidade de uma figura que, expeditamente e de forma administrativa, permita que
cidadãos sejam entregues a outro Estado. Portanto, também nos parece que essa figura não deveria ser
admitida, ou seja, havendo materialmente uma situação de extradição, é o regime constitucional da extradição
que deve ser aplicado.
Daí a proposta para o n.º 3, de não admitir «a extradição nem a entrega a qualquer título por motivos
políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte, pena ou
medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida ou
outra de que resulte lesão irreversível da integridade física» — retomando, na parte final, a formulação que já
está hoje em vigor.
Portanto, no n.º 3 acrescentamos a expressão «entrega a qualquer título», equiparando-a à extradição.
Por outro lado, propomos a eliminação do n.º 4, que é substituído pelo regime que acabei de referir. Com
esta proposta, visamos garantir o princípio que enunciei há pouco, de assegurar a competência dos tribunais
portugueses para o julgamento de cidadãos que não possam ser extraditados, por força do regime mais
exigente da extradição.
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Finalmente, propomos um novo texto para o n.º 7, que visa consagrar na Constituição a possibilidade da
concessão de asilo por razões humanitárias.
A concessão de asilo por razões humanitárias está prevista na lei portuguesa há muitos anos, desde 1980.
No entanto, não tem uma consagração expressa na Constituição, o que significa que o legislador ordinário
pode, se assim o entender, eliminar da lei portuguesa relativa ao direito de asilo a sua concessão por razões
humanitárias.
Tal como está consagrado na lei portuguesa do asilo, o asilo por razões humanitárias distingue-se do asilo
político — que se destina, de facto, a proteger cidadãos que sejam perseguidos por motivos políticos ou
ideológicos — e tem sido utilizado, sobretudo, para proteger cidadãos cuja vida ou integridade corra perigo nos
países de onde são originários por razão de conflitos armados que aí ocorram. Creio que esta figura está
longe de estar desactualizada; pelo contrário, cada vez faz mais sentido que cidadãos que estejam nessas
situações possam ser acolhidos por outros países enquanto refugiados.
Se a lei portuguesa o reconhece, quer parecer-nos que fazia todo o sentido que a Constituição também o
reconhecesse e desse uma guarida constitucional expressa que impedisse que esse regime humano, que está
estabelecido na legislação portuguesa, pudesse ser arredado, algum dia, por conveniências do legislador
ordinário que tivesse uma maioria numa dada conjuntura.
São estas as propostas do PCP que estão em cima da mesa para o artigo 33.º e que ponho à discussão,
Srs. Deputados.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Dirijo-me agora ao Sr. Deputado António Filipe, não propriamente ao Sr. Presidente…
O Sr. Presidente: — Tem toda a razão, Sr. Deputado. Aliás, para quem assiste a esta reunião, não seria a
primeira vez que interviria da bancada do PCP; simplesmente, desta vez, não há nenhum vice-presidente que
esteja disponível, neste preciso momento, para assegurar os trabalhos. Portanto, pedi a anuência das várias
bancadas para apresentar uma proposta do PCP, apesar de estar a presidir aos trabalhos, procurando
distinguir as duas qualidades.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Exactamente!
O Sr. Presidente: — Portanto, Sr. Deputado José de Matos Correia, faz todo sentido que se me dirija
enquanto representante da bancada do PCP.
O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Por isso agradeço a concessão da palavra ao Sr. Presidente, mas
dirijo-me agora ao Sr. Deputado António Filipe para comentar as propostas do PCP.
Risos.
Srs. Deputados, estamos aqui a tratar de duas realidades diferentes: uma, corresponde à primeira parte da
exposição do Sr. Deputado António Filipe e diz respeito à questão da extradição e da entrega a qualquer título;
outra, prende-se com esta última proposta, a da concessão de asilo por razões humanitárias.
Começaria pela segunda, para dizer que — como, aliás, o Sr. Deputado António Filipe já notou — se trata
de uma figura que existe há muito tempo na lei ordinária portuguesa e cuja vigência no nosso ordenamento
jurídico está plenamente assegurada.
De facto, nem tudo aquilo que tem enquadramento legal tem de ter enquadramento constitucional, além de
que estamos a falar de situações diferentes: a densidade da questão quando diz respeito à perseguição
política — o direito de asilo já previsto no n.º 8 do artigo 33.º — é diferente, apesar de tudo, da dimensão
jurídico-constitucional da questão de concessão de asilo por razões humanitárias.
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Em todo o caso, se me permitem colocar a questão nestes termos, não fecharíamos em absoluto a porta à
disponibilidade para analisar eventuais circunstâncias em que esta questão possa colocar-se
constitucionalmente. Mas, repito, o nosso raciocínio de princípio é o de que a questão está regulada há muito
tempo, não é controversa e não vemos o risco de alguma maioria conjuntural pôr em causa a legislação sobre
essa matéria. Reforçamos a ideia de que nem tudo o que é jurídico-legalmente regulado tem de estar jurídico-
constitucionalmente protegido e, por isso, fica a manifestação, uma vez mais, da nossa eventual abertura para
discutir, mas de uma forma bastante prudente.
Quanto à outra questão suscitada pelo PCP, essa merece a nossa frontal oposição.
São bem conhecidas as razões que levaram, na revisão constitucional de 2001, à inserção destas
cláusulas na Constituição. Todos nos recordamos, aliás — julgo que muitos de nós participámos nessa revisão
constitucional —, que a revisão constitucional foi desencadeada por causa das questões suscitadas pelo
Tribunal Penal Internacional, nomeadamente pela questão da entrega ao Tribunal Penal Internacional para
efeitos de julgamento, mas depois alargou o seu âmbito em função da evolução que se deu no plano europeu,
em larga medida determinada pelos acontecimentos do 11 de Setembro.
Portanto, a decisão que foi tomada na altura foi clara, assumida e teve fundadas justificações. Não vemos
qualquer necessidade para alterar o que foi decidido, nem sequer vemos qualquer razão para pôr em causa o
bem fundado dessas decisões.
A proposta do PCP implicaria, do nosso ponto de vista, um retrocesso significativo nas decisões que então
foram tomadas, podendo até, no limite, colocar a questão da participação de Portugal em certo tipo de
organizações internacionais, nomeadamente no Tribunal Penal Internacional.
Portanto, repito, o PSD não só não se revê nessas propostas como não vê qualquer razão fundada para
que se volte atrás no que, de uma forma ponderada e politicamente assumida por uma larga maioria nesta
Casa, foi decidido na revisão constitucional de 2001. E, nessa medida, o Partido Comunista não terá,
evidentemente, o nosso acordo para introduzir estas alterações na Lei Fundamental.
Quanto à outra questão, a do asilo por razões humanitárias, já disse o que tínhamos a dizer e, se houver
necessidade, voltaremos ao tema.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria expressar a posição do Partido
Socialista, que não difere muito daquela que acabou de ser expressa pelo Sr. Deputado do Partido Social
Democrata, porquanto entendemos que alterações em matéria de extradição, por um lado, põem em causa os
compromissos internacionais já assumidos por Portugal e, por outro lado, não vemos que a aplicação das
regras actuais da extradição tenha suscitado questões que ponham em causa princípios constitucionais,
designadamente o princípio da humanidade das penas e a garantia de acautelar as situações que envolvam
pena de morte ou prisão perpétua.
Por outro lado, no que respeita à questão da lei do asilo, a posição do PS também vai um pouco no sentido
do que o Sr. Deputado José de Matos Correia acabou de referir, na medida em que não há nesta matéria
qualquer questão que justifique a necessidade de constitucionalizar o que já é aceite.
Não podemos constitucionalizar todas as normas que, em sede de legislação ordinária, são
consensualmente aceites e pacíficas e que regulam matérias que, quanto a nós, cumprem princípios
emanados da Constituição, sem que, contudo, tenham de estar nela expressamente regulados. Daí que
tenhamos também algumas reservas quanto a estas alterações da proposta do PCP.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições para intervir sobre esta matéria, se me é permitido,
agora também na qualidade de proponente, gostaria de referir o seguinte: em primeiro lugar, começo por
registar positiva alguma abertura da parte do Sr. Deputado José de Matos Correia para que a questão das
razões humanitárias possa ser considerada.
Perguntar-se-á por que é que se propõe a sua consagração na Constituição se já está aceite na lei.
Precisamente por ter consciência de que a legislação relativa ao direito de asilo tem sofrido alterações ao
longo dos anos. Aliás, há uns anos, em 1993, tivemos algum dramatismo na vida política portuguesa devido a
uma alteração à lei de asilo, que foi vetada pelo Presidente da República da altura e levou à convocação de
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um Plenário da Assembleia da República em Agosto, para confirmar o veto. Portanto, foi uma questão muito
controversa, muito discutida e, também no plano europeu, tem sido objecto de diversas discussões.
A legislação relativa ao direito de asilo tem sido alterada num sentido crescentemente restritivo em termos
não tanto da consagração de princípios, mas, sobretudo, da consagração de mecanismos de indeferimento
liminar. Hoje em dia, como se sabe, nos vários países europeus, tem descido drasticamente o número de
requerimentos de asilo, pela simples razão de que a esmagadora maioria desses requerimentos não é
considerada como tal e as pessoas são expeditamente devolvidas à sua proveniência.
Portanto, não estamos muito tranquilos quanto à evolução da legislação relativa ao direito de asilo, tendo
em conta alguns ventos adversos a razões humanitárias que, infelizmente, sopram em muitos países
europeus, daí que nos pareça que faz todo o sentido que Portugal afirme os seus princípios humanistas
relativamente à concessão do direito de asilo.
Não é, pois, uma questão despicienda que também esta razão de concessão de asilo, que a legislação
portuguesa consagra desde 1980, possa ter cobertura constitucional. Não que a Constituição defina, ela
própria, quais são as razões humanitárias, mas que considere que as razões humanitárias são relevantes do
ponto de vista constitucional e que a lei deve regular a concessão de asilo por razões humanitárias e não deve
deixar de o fazer — porque a lei pode não o fazer, não admitir esta figura na nossa ordem jurídica.
Trata-se, pois, de procurar salvaguardar princípios que nos são caros e que há mais de 30 anos que estão
considerados na legislação portuguesa.
Em segundo lugar, quanto à questão relativa ao Tribunal Penal Internacional e ao regime da extradição, no
fundo, importa assumir que esta proposta significa voltar atrás em relação à revisão constitucional de 2001,
mas por boas razões. De facto, a revisão de 2001, no que se refere ao Tribunal Penal Internacional, diria que é
um acto falhado constitucional.
Desde logo, porque o Tribunal Penal Internacional, tal como se previa, é um «nado-morto». Ou seja, a
partir do momento em que as principais potências mundiais, que seriam, aos olhos da humanidade, os mais
prováveis arguidos do Tribunal Penal Internacional — basta pensar nos crimes de guerra cometidos no Iraque
nos últimos anos —, se isentaram, a si próprias, da jurisdição do Tribunal Penal Internacional, as violações
mais graves do direito humanitário internacional, os crimes mais graves contra a humanidade estão, à partida,
excluídos do Tribunal Penal Internacional.
Portanto, este Tribunal não escapa àquele anátema de os tribunais internacionais serem «tribunais de
vencedores», e não tribunais justos ou imparciais.
Esta conformação da Constituição portuguesa, ou seja, a abdicação de valores fundamentais da
Constituição portuguesa em nome da jurisdição dessa instituição — o Tribunal Penal Internacional — foi, de
facto, um mau passo que se deu em termos constitucionais, sobretudo com este lamentável n.º 4, que permite
a extradição por crimes a que corresponda «pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade
com carácter perpétuo ou de duração indefinida», desde que o Estado requisitante ofereça «garantias de que
tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada».
Aqui, cabe perguntar qual é o Estado de direito em que é possível um governo dar garantias a outro
Estado, dizendo-lhe que esteja descansado, porque, apesar de a sua ordem jurídica prever a prisão perpétua,
ela não será aplicada!? Ou seja, pergunto se, alguma vez, o Governo português, sendo Portugal um Estado de
direito, pode garantir a um outro Estado que, apesar de a um determinado crime corresponder uma moldura de
pena de prisão de x a x anos, ela não será aplicada. Não pode! E não pode porque existe separação de
poderes e essa é uma decisão judicial.
Evidentemente, se algum Estado puder garantir ao Estado português que aquela norma da sua ordem
jurídica, seguramente, não será aplicada, é porque não estamos perante um Estado de direito e, nesse
sentido, também não nos merece a confiança de podermos entregar-lhe alguém que possa vir a ser submetido
a uma pena que é proibida pela Constituição portuguesa.
Portanto, este «voltar atrás» seria num sentido virtuoso, positivo, corrigindo o que foi, de facto, um erro e
uma evolução negativa do Direito Constitucional português, com a revisão constitucional de 2001.
Além de mais, tudo o que está consagrado no Tratado de Roma que aprovou o Estatuto do Tribunal Penal
Internacional é punido pelo Código Penal Português. Aliás, houve propostas nesse sentido, quer do PCP quer
do PSD, que introduziram no Direito Penal português todos os tipos criminais penalizados pelo Estatuto do
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Tribunal Penal Internacional, por isso a ordem jurídica portuguesa está em condições plenas para não deixar
impunes quaisquer crimes contra a humanidade que pudessem ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional.
Ora, se assim é, se temos todas as condições, no que nos diz respeito, para proceder ao julgamento e à
punição dos eventuais infractores, não vemos por que razão é que a nossa ordem constitucional deve abdicar
de si própria. Daí a nossa proposta para que se reponha, no essencial, o regime constitucional vigente até
2001 nesta matéria, com a garantia, que propomos que seja aditada no n.º 4, de que a lei assegura a
competência dos tribunais portugueses para o julgamento dos cidadãos que não possam ser extraditados.
De certa forma, esta garantia existirá em termos legais, mas também não se perderia nada que ela fosse
constitucionalizada.
Pergunto se mais algum Sr. Deputado pretende intervir sobre o artigo 33.º.
Pausa.
Não havendo inscrições, creio que podemos seguir em frente e passar à discussão do artigo 34.º, que diz
respeito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, para o qual existem duas propostas, uma do
PSD, relativa aos n.os
1, 2 e 3, e outra do PS, relativa ao n.º 4, constantes dos projectos de revisão
constitucional n.os
1/XI (2.ª) e 9/XI (2.ª), respectivamente.
Para apresentar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Dividiria em duas partes,
que são perfeitamente distintas, esta proposta do PSD.
Nos n.os
1 e 2, a alteração que propomos vem na linha do que, em artigos anteriores, já tinha sido colocado
no projecto de revisão constitucional do PSD, isto é, a consagração constitucional da protecção da sede das
pessoas colectivas, numa situação similar à que acontece em termos da protecção constitucional do domicílio
das pessoas singulares.
Como tive oportunidade de referir na altura, embora ainda não estivéssemos a discutir este artigo 34.º, o
PSD gradua diferentemente a protecção constitucional do domicílio das pessoas singulares e da sede das
pessoas colectivas, nomeadamente no que diz respeito à protecção contra a entrada nocturna, que,
relativamente ao domicílio, tem regras muito restritivas. O mesmo não acontecerá relativamente à sede das
pessoas colectivas, por razões que são facilmente entendíveis por todos e que me escusarei agora de
explicitar, a não ser que alguém coloque essa questão expressamente.
Já no n.º 3, o que o Partido Social Democrata propõe é uma melhor sistematização das normas restritivas
da entrada nocturna em domicílio pelas autoridades, aproveitando para, por um lado, concretizar melhor na
própria Constituição o que se entende por «criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada» e,
por outro lado, ir ao encontro do que está estabelecido hoje em dia — penso que pacificamente — na lei
ordinária e na doutrina. Pelo menos é essa a nossa intenção.
Da parte do PSD, não há qualquer intenção de revolucionar o que quer que seja sobre esta matéria, há
apenas a intenção de concretizar constitucionalmente estas normas. Como os Srs. Deputados sabem, esta
terminologia relativa à «criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada» começou a estar
prevista em vários artigos da Constituição e pareceu-nos que seria útil fazer a concretização, numa das
normas da Constituição — e optámos por fazê-lo nesta —, do que deve entender-se por esse tipo de
criminalidade.
Por outro lado, também em relação à «situação de flagrante delito», pretende-se concretizar um pouco
melhor em que termos é que ela deve permitir buscas domiciliárias nocturnas, porque parece-nos evidente —
de resto, a própria jurisprudência tem apontado nesse sentido e, penso, é uma questão de bom senso — que
o que está actualmente no texto da Constituição ressalva a situação de flagrante delito que, apesar de tudo,
não é de qualquer tipo de comportamento ilícito ou de suspeita de crime. Deve-o ser apenas para um
determinado tipo de crimes que justifique de uma forma equilibrada a «violência» que representa para a
reserva de intimidade dos cidadãos a entrada nocturna, as buscas nocturnas ao seu domicílio.
Nesse sentido, estabelecemos a fasquia de crimes puníveis «com pena de prisão igual ou superior a cinco
anos», porque também são aqueles que, já na legislação criminal portuguesa e de acordo com a própria
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Constituição, permitem medidas mais gravosas para a liberdade individual, nomeadamente a prisão preventiva
e outro tipo de medidas.
Portanto, é este o contexto das propostas do Partido Social Democrata para a alteração deste artigo 34.º.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, queria colocar um conjunto de questões ao Sr. Deputado
Luís Marques Guedes e julgo que este é o momento adequado para o fazer, antes de intervir para uma
apreciação sobre as propostas.
Vou colocar três questões muito concretas.
Em primeiro lugar, queria saber se o PSD entende que, relativamente às pessoas colectivas, se coloca a
mesma necessidade de garantir a reserva da intimidade da vida privada e familiar das pessoas singulares, que
justifica esta norma do n.º 1 do artigo 34.º.
Em segundo lugar, queria procurar saber qual a intenção do PSD ao prever o inciso — no n.º 2 do artigo
34.º — da possibilidade de validação pela autoridade judicial da entrada em domicílio ou sede. Isto é, este
acrescento que o PSD faz no n.º 2, de que a entrada pode ser «validada pela autoridade judicial competente»,
tem um determinado objectivo e eu gostava que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes o pudesse clarificar. É
certo que, noutros processos de revisão constitucional, ele já foi apreciado, mas gostava que o Sr. Deputado
concretizasse melhor o sentido desta alteração.
Por fim, em relação às três alíneas que o PSD propõe para o n.º 3 do artigo 34.º, perguntava ao Sr.
Deputado Luís Marques Guedes se este conjunto de requisitos é de verificação cumulativa ou basta a
verificação de uma das situações previstas em cada uma das alíneas para poder considerar-se autorizada a
entrada nocturna em domicílio.
Gostava que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes clarificasse estas três questões, antes de avançar com
a apreciação do PCP sobre esta proposta do PSD.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, também está inscrita a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, mas talvez seja
melhor dar de imediato a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes para responder ao Sr. Deputado
João Oliveira, se assim o entender.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, começo por agradecer
as questões que colocou.
Em primeiro lugar, o porquê de colocar num plano de algum paralelismo as questões do domicílio e da
sede já foi por mim explicitado em anteriores reuniões, quando apresentei propostas do Partido Social
Democrata relativas a artigos anteriores — não posso precisar exactamente em que reunião o fiz e não sei se
o Sr. Deputado esteve presente, ou não. Mas, respondendo de uma forma sintética, o que se passa é que já
existe uma tendência actual e crescente de protecção deste tipo de intromissões também nas sedes das
pessoas colectivas — na legislação ordinária isso já acontece — e parece-nos adequado aproveitar esta
revisão ordinária da Constituição para a consagrar. E a protecção deste tipo de situações, como o Sr.
Deputado bem sabe, tem como reverso da medalha um conjunto de garantias, nomeadamente a necessidade
de validação por parte do juiz competente, e por aí fora, que, em nossa opinião, será benéfico que seja
também consagrado na própria Constituição.
Em todo o caso, como já aconteceu na tal reunião anterior em que falámos sobre estas matérias, chamo a
atenção dos Srs. Deputados de que não propomos uma igualização, total e absoluta, da protecção e das
garantias relativas ao domicílio das pessoas singulares quando confrontado com a sede das pessoas
colectivas.
Apesar de tudo, há uma dimensão humana que é perfeitamente diferenciada e, por essa razão, também
queremos manter expressamente essa distinção no que diz respeito à Constituição — depois, em sede de
legislação ordinária, haverá outro tipo de diferenças. Mas, no que se refere ao discurso constitucional, que é
muito seco sobre esta matéria, a principal diferença seria a da não protecção no caso das chamadas «buscas
nocturnas» ou «entrada nocturna», ao contrário do que acontece relativamente ao domicílio das pessoas
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singulares, porque, este sim, é protegido pela Constituição e não nos parece que haja razão para proteger as
sedes de pessoas colectivas nos mesmos termos.
Quanto ao acrescento da expressão «validada», trata-se apenas de ir ao encontro da realidade, Sr.
Deputado. Como sabe, hoje em dia, essa entrada tanto pode ser ordenada por uma autoridade judicial como
confirmada, a posteriori, por essa mesma autoridade, uma vez que podem ser outras entidades judiciárias a
promover a realização destas buscas, havendo depois um prazo legal, nos nossos códigos, para que haja
lugar a uma validação ou confirmação por parte de autoridade judicial.
Nesta norma utiliza-se o termo «autoridade judicial competente» e não «autoridade judiciária», que, como o
Sr. Deputado sabe, teria um leque mais abrangente. Mas, como o PSD quis manter o texto constitucional
actual, que nos parece correcto, e, simultaneamente, ir ao encontro da realidade prática da execução destes
princípios constitucionais, acrescentámos o termo «validada» ao termo «ordenada».
Por último, relativamente ao texto proposto no n.º 3, é evidente que estas alíneas não são cumulativas,
bastando a verificação de qualquer uma das situações, à semelhança do que já acontece no texto e na
formulação da Constituição, embora com uma arrumação e uma densificação diferentes. No texto actual,
repito, estas situações não são obrigatoriamente cumulativas e, portanto, também sobre essa matéria, a nossa
proposta não pretende inovar minimamente. De outro modo, teríamos utilizado a expressão «só pode ser
realizada com a verificação cumulativa das seguintes condições», o que não é o caso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente a esta proposta de alteração
do PSD e sendo certo, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu, que ela já foi, em grande parte —
nomeadamente no que respeita aos n.os
1 e 2 —, alvo de debate a propósito da discussão da proposta,
também do PSD, relativa ao artigo 12.º, queria reiterar as reservas do Partido Socialista no que diz respeito à
equiparação, para efeitos de inviolabilidade do domicílio, da pessoa colectiva à pessoa singular.
Na nossa perspectiva, tal equiparação dificultaria uma das situações que hoje é cada vez mais premente, a
das buscas às sedes das empresas. Ou seja, em sede de revisão constitucional, estaríamos a dificultar o que
é hoje o trabalho da investigação criminal, quando o que pretendemos é dar instrumentos e acelerar os
mecanismos de investigação criminal.
Nesta proposta, há outras questões que se afastam da matéria que foi alvo de debate no artigo 12.º, que é
o que acontece, nomeadamente, no n.º 2 do artigo 34.º.
No texto constitucional actual, estabelece-se que «A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua
vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente». Ora, na proposta do PSD, o
consentimento do visado não está expresso no n.º 2, apenas está previsto no n.º 3, o que poderá ser
entendido pelo legislador ordinário, sem dificuldade, que, no primeiro caso, em circunstância alguma, o
consentimento poderá relevar, o que restringe ainda mais as situações de busca quer domiciliária quer à sede
da empresa. Ou seja, o próprio consentimento tornar-se-ia irrelevante, porque a Constituição retirou do n.º 2 o
consentimento do visado.
No fundo, ao retirar o consentimento do visado e ao colocá-lo apenas para a entrada nocturna no domicílio,
o PSD está a dizer que, a partir de agora, ele só releva para efeitos de busca nocturna e deixou de relevar
para efeitos de busca diária. Portanto, relativamente a esta questão temos reservas.
Por outro lado, entendemos que a Constituição só deve referir-se a molduras penais quando se trata de um
sinal do legislador Constituinte relativamente a matérias fundamentais e de orientações expressas ao
legislador ordinário, como é o caso, por exemplo, da detenção no artigo 27.º. Por isso, incluir neste artigo 34.º
molduras penais, quando sabemos que estas tendem a ser alteradas em sede de legislação ordinária, mais
tarde irá colocar problemas ao nível da Constituição.
Portanto, há que ter cautela com as referências a molduras penais, sob pena de inviabilizar depois, em
sede de legislação ordinária, alterações sentidas pelo legislador ordinário, porque estão impedidas pela
Constituição.
Por exemplo, na situação de flagrante delito, a lei já prevê hoje, no n.º 3 do artigo 34.º, que «Ninguém pode
entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento, salvo em situação de
flagrante delito», mas a proposta do PSD restringe essa entrada «em situação de flagrante delito de crime
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punível com pena de prisão igual ou superior a cinco anos», isto quando, actualmente, o artigo 177.º do
Código de Processo Penal admite a busca domiciliária nocturna «nos casos de flagrante delito pela prática de
crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.»
Ora, ao elevar aqui a fasquia para os cinco anos, estamos a restringir as situações em que é admissível a
entrada nocturna em relação a outros crimes cuja moldura penal se situa entre os três e os cinco anos. No
Código Penal, há alguns exemplos de crimes que podem merecer a entrada no domicílio e, na nossa
perspectiva, não se justifica esta restrição.
Também na alínea b) do n.º 3 se coloca a questão dos crimes puníveis «com pena de prisão igual ou
superior a oito anos», quando, no fundo, o que o legislador quis consagrar, no actual artigo 34.º, foi um regime
em função da gravidade dos crimes. É evidente que a gravidade dos crimes também se mede pela moldura
penal, mas pode haver necessidade de o legislador a diminuir e isso não lhe ser permitido fazer por força de
imposição constitucional.
Daí, naturalmente, as nossas reservas relativamente a esta proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, com os esclarecimentos que o Sr. Deputado Luís Marques
Guedes prestou sobre as questões que coloquei, julgo que se torna mais fácil clarificar as objecções que o
PCP tem relativamente a esta proposta do PSD.
Em primeiro lugar, importa fazer referência a um elemento histórico. Refiro-me ao alargamento que tem
sido feito em matéria de restrições ao princípio da inviolabilidade do domicílio, com o qual o PCP não tem
estado de acordo — desacordo que mantém, obviamente — e que nos parece que tem, com esta proposta do
PSD, uma nova edição.
Em relação às propostas concretas que o PSD apresenta, não nos parece que faça sentido uma
equiparação, ainda que ela não seja absoluta, como bem referiu o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, entre o
domicílio das pessoas singulares e a sede das pessoas colectivas — e já vou explicar por que entendo que o
PSD acaba por apresentar uma proposta que vai exactamente em sentido contrário da intenção que o Sr.
Deputado Luís Marques Guedes acabou de referir.
Em todo o caso, parece-nos que não há razões para equiparar sequer a necessidade de protecção que é
garantida com a inviolabilidade do domicílio, que é, no fundo, a protecção da intimidade e da reserva da vida
privada e familiar. Portanto, não vemos qualquer vantagem no alargamento desta protecção, agora também, à
sede das pessoas colectivas.
Tal como não podemos acompanhar, obviamente, a proposta de alteração do n.º 2 do artigo 34.º, que o Sr.
Deputado Luís Marques Guedes acabou por justificar com base na prática, porque estamos em crer que a
prática não pode ser essa, não pode ser a da violação do domicílio, ao contrário do que prevê a Constituição,
sendo que essa violação é feita na expectativa de vir depois a ser validada pela autoridade judicial
competente.
Em sede de alteração do Código de Processo Penal, o PCP tem reiteradamente assumido uma posição
contrária a normas que abram essa possibilidade, porque, de facto, a entrada no domicílio dos cidadãos deve
estar condicionada à ordem da autoridade judicial competente, sem prejuízo do entendimento, senão unânime,
pelo menos largamente consensual, de que, em situações de flagrante delito que não ocorram em período
nocturno, numa necessária avaliação de conflito de interesses que podem estar em causa, obrigatoriamente a
inviolabilidade do domicílio terá de ceder quando esteja em causa a violação de outros direitos fundamentais
de interesse superior. Basta imaginar uma situação em que esteja em causa o direito à vida, à integridade
física ou à segurança das pessoas. Se ocorrer a prática de um crime dentro de um domicílio em que esteja a
ser posto em causa algum desses interesses de valor superior, obrigatoriamente que o princípio da
inviolabilidade do domicílio terá de ceder. No entanto, isto não pode obviamente significar a possibilidade de
validação a posteriori pelas autoridades judiciais para outras situações que não da violação do domicílio para
actuação em caso de flagrante delito. Julgamos que esses casos de operações de buscas domiciliárias nunca
podem estar sujeitos à possibilidade de posterior validação pela autoridade judicial e que essa ordenação das
buscas tem de ser obtida a priori.
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Sr. Deputado Luís Marques Guedes, se interpretei bem as suas palavras, justificou a alteração que
propõem para o n.º 3, isto é, a diferenciação em relação à protecção garantida ao domicílio das pessoas
singulares e às sedes das pessoas colectivas, como havendo uma intenção da parte do PSD de proteger de
forma acrescida o domicílio das pessoas singulares em relação à sede das pessoas colectivas. No entanto, o
n.º 3 que propõem faz exactamente o contrário, porque é uma excepção ao princípio da inviolabilidade. Se a
Constituição afirma no n.º 1 o princípio da inviolabilidade e diz no n.º 3 que há uma excepção relativamente à
possibilidade de entrada nocturna no domicílio, não há uma excepção em relação à entrada nocturna em sede
de pessoa colectiva e, portanto, se não há uma excepção, o princípio da inviolabilidade torna-se absoluto.
Assim, fazendo o n.º 3 apenas referência ao domicílio das pessoas singulares, os senhores estão a dizer
que para as pessoas singulares pode haver a possibilidade de violação do domicílio durante a noite, mas para
as pessoas colectivas já não há a possibilidade de excepcionar a inviolabilidade do domicílio durante a noite.
Portanto, o efeito acaba por ser o inverso: só para os cidadãos é que a violação do domicílio se pode verificar
nestas circunstâncias, sendo que em relação à sede das pessoas colectivas vale o princípio da inviolabilidade
estabelecido no n.º 1, porque não há excepção para as pessoas colectivas.
Para além disto, acompanhamos em parte as objecções manifestadas pela Sr.ª Deputada Isabel Oneto
relativamente à alínea c) do n.º 3, não concordando com o alargamento feito em anteriores revisões
constitucionais do n.º 3 do artigo 34.º.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para não me estender mais, dou por reproduzidas as objecções que
anteriormente manifestámos quanto a este n.º 3 do artigo 34.º, agora com um argumento acrescido, que é o
da prática. A prática demonstra que o objectivo de maior segurança dos cidadãos nunca foi atingido pela
cedência em relação às normas que protegem a liberdade dos cidadãos nem com as alterações introduzidas
no n.º 3 do artigo 34.º em anteriores revisões constitucionais precisamente com o propósito de atingir esse
objectivo. Portanto, estamos em crer que também não será com as alterações que o PSD apresenta que se
conseguirá garantir esse objectivo.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero fazer uma observação que não referi há pouco, para
ilustrar como, muitas vezes, ao mexer nestas matérias, podemos estar a criar aquilo que não queremos.
O n.º 3 do artigo 12.º do Código das Sociedades Comerciais diz que «A sede da sociedade constitui o seu
domicílio (…)» e o n.º 3 do artigo 34.º diz que «A entrada nocturna em domicílio só pode ser realizada nos
seguintes casos: (…)». Assim, pode interpretar-se o domicílio em sentido lato, abrangendo não só…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso fica mais complicado com este n.º 1!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O n.º 1 refere «O domicílio das pessoas singulares, a sede das pessoas
colectivas (…)», mas a sede das pessoas colectivas, nos termos do artigo 12.º do Código das Sociedades
Comerciais, constitui o seu domicílio, ou seja, há essa equiparação. E, se a lei faz essa equiparação,…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — É uma leitura possível!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É uma leitura que temos de admitir que possa vir a ser feita.
Entendo o sentido da proposta do PSD, mas não posso excluir que essa interpretação venha a ser feita,
porque o próprio Código das Sociedades Comerciais diz que «A sede da sociedade constitui o seu domicílio
(…)».
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Telmo Correia está inscrito, mas como o Sr. Deputado Luís Marques
Guedes está a responder a objecções, talvez lhe dê primeiro a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O Sr. Presidente decidirá quem irá usar da palavra, mas preferia
intervir primeiro para que a resposta não perca actualidade.
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O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Oneto, quanto à questão da
constitucionalização da reserva da sede, já trocámos impressões e expressámos a nossa opinião, pelo que
não vale a pena estar a repetir-me.
No entanto, vou referir-me a três pontos que a Sr.ª Deputada citou na sua intervenção.
A primeira questão diz respeito à retirada do consentimento no n.º 2. Sr.ª Deputada, confesso que, por
deficiência minha com certeza, não consegui perceber muito bem a objecção que coloca. Retiramos o
consentimento do n.º 2, porque não está a fazer rigorosamente nada neste número. É evidente que, quando
um cidadão abre a porta à polícia, não se coloca nenhum problema de violação de direitos. Se o cidadão deixa
a polícia entrar em sua casa por mote próprio, não há, pura e simplesmente, um problema de violação de
direitos.
Sr.ª Deputada, o PSD retira no n.º 2 a referência ao consentimento, quando se refere «contra a sua
vontade», e não o consentimento em si, apenas pela razão de economia de palavras. O actual n.º 2 diz que «A
entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial
competente (…)», o que é rigorosamente a mesma coisa, do nosso ponto de vista, que dizer «A entrada no
domicílio dos cidadãos só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente (…)». Entendemos isto,
porque estamos, no âmbito constitucional, a falar do problema da protecção dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos e é para todos evidente que, quando a autoridade bater à porta do cidadão e perguntar
se pode entrar, se o cidadão disser que pode entrar não há problema absolutamente nenhum de violação de
direitos, liberdades e garantias.
Portanto, é apenas por nos parecer que estava a mais ou que não faz uma falta tremenda neste número —
conceda, pelo menos, isso — que se retirou o consentimento. Quaisquer leituras de que tem um sentido
contrário, com toda a franqueza, não consigo entender, provavelmente por deficiência minha.
Relativamente à questão das molduras penais, penso que a Sr.ª Deputada tem uma boa dose de razão. De
facto, é sempre desaconselhável fixar molduras penais, exactamente por se saber que elas tendem a mudar
ao longo dos tempos. E, portanto, nesse sentido, reconheço que existe, de facto, um ponto válido na
argumentação que a Sr.ª Deputada expende.
No entanto, sendo esse um ponto válido, parece-me que também é de ponderar a incerteza grande que
pode resultar do actual texto, demasiado vago, da Constituição, pelo menos no que diz respeito ao n.º 3.
Trata-se de uma questão de equilíbrio e de ver o que deve sobrelevar: se é tentar resolver a incerteza e a
insegurança que daí pode resultar para questões de direitos fundamentais como é esta; ou se é o risco de
uma desactualização rápida que desaconselharia a seguir estes caminhos. Reconheço, contudo, que neste
ponto a Sr.ª Deputada tem razão.
Quanto à alínea b), percebo mal a objecção, porque a situação de flagrante delito como está actualmente
permite qualquer tipo de excepção, quando penso que não deve permitir qualquer tipo de excepção. A Sr.ª
Deputada diz que pode dar alguns exemplos, mas, salvo melhor opinião, à primeira vista, não estou a ver
nenhum tipo legal de crime que tenha uma moldura penal inferior a cinco anos e que mereça uma derrogação
tão forte como esta relativamente às buscas nocturnas. Não estou a ver qual, mas é perfeitamente possível
que nos tenha escapado algum tipo de crime que tenha uma moldura inferior a cinco anos e que justifique que
não se espere pelas 7 ou 8 horas da manhã e que se entre no domicílio durante a noite. Pode haver, mas
fizemos essa reflexão e não encontrámos. Pode, contudo, ser defeito nosso.
Quanto à última questão que a Sr.ª Deputada colocou, e fazendo meus apartes que ouvi, devo dizer que
estamos a analisar um artigo da Constituição em que o PSD propõe que se estabeleça, com clareza, logo no
n.º 1 que o domicílio é das pessoas singulares e que a sede é das pessoas colectivas. No entanto, Sr.ª
Deputada, se dúvidas houvesse, o problema ficava automaticamente resolvido repetindo no n.º 3, onde se diz
«A entrada nocturna em domicílio», o que está no n.º 1, ou seja, «em domicílio das pessoas singulares, etc.».
No que diz respeito às objecções colocadas pelo Sr. Deputado João Oliveira, só para introduzir algum
humor, o Sr. Deputado disse, no final da intervenção, que não se alongaria mais para não se estender, mas
penso que se estendeu e em algumas matérias, do meu ponto de vista, «estendeu-se ao comprido».
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Quanto à questão da validade, Sr. Deputado, dou-lhe um exemplo que já está actualmente no texto
constitucional: o flagrante delito. Quando se trata de flagrante delito, não há…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Nocturno!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Peço desculpa, não estou a falar da proposta do PSD, mas do
texto actual. Se já está no texto actual a excepção do flagrante delito, é evidente que no caso de flagrante
delito não há um mandato assinado por um juiz. Não pode haver!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Nocturno!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Deputado, mais razão me dá! Se já está previsto o flagrante
delito, no caso do nocturno, que é o mais protegido de todos, é evidente que há situações em que só pode ser
validado a posteriori. É evidente!
Portanto, com toda a franqueza, penso que não vale a pena estender-me mais — utilizando o termo
«estender» no outro sentido —, porque se já está previsto na Constituição o flagrante delito, estamos
conversados quanto à questão de, em alguns casos, a intervenção por parte do juiz não poder ser prévia.
Relativamente à outra questão que o Sr. Deputado colocou quanto ao n.º 2…
Pausa.
Sr. Presidente, tinha anotado uma observação que o Sr. Deputado João Oliveira fez relativamente ao n.º 2
proposto pelo PSD, mas não estou a encontrar. É melhor deixar falar o Sr. Deputado Telmo Correia e, se for
caso disso, volto a usar da palavra.
O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, enquanto o Sr. Deputado Luís Marques Guedes se
recorda ou não do que tem para acrescentar, de uma forma breve, quero deixar a impressão do CDS sobre
esta matéria, não obstante estarmos em primeira leitura, pelo que poderemos analisar estas propostas mais
detalhadamente e não ser apenas eu a analisá-las, visto que, neste momento, sou o único Deputado do CDS
presente. Ou seja, poderemos ter, depois, uma leitura definitiva que pode não corresponder exactamente à
impressão que agora vou deixar.
Quero começar por sublinhar duas ideias que nos parecem importantes.
Em primeiro lugar, como entendemos que esta revisão constitucional deve ser minimalista e não profunda,
é preciso que seja claro, inequívoco e evidente que as alterações propostas constituem uma melhoria do texto
constitucional, o que, para mim, numa primeira leitura, neste caso concreto, não é evidente.
Em segundo lugar, as alterações devem responder a uma determinada preocupação. Lembro-me da
génese da discussão destas matérias e da altura em que estas alterações foram introduzidas na Constituição.
Talvez o Deputado Luís Marques Guedes ou outro Deputado do PSD me possa dar um exemplo, mas não sei
a que é que as alterações agora propostas visam responder, isto é, que casos têm entretanto surgido no
exercício da nossa actividade judicial, no exercício da política criminal ou outro tipo de situações que não
estejam resolvidos e passem a ficar resolvidos com estas alterações. Para mim, não é evidente, pelo que
tenho alguma dificuldade em acompanhar estas propostas.
Penso que as explicações que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu, não sendo exactamente iguais,
são melhores do que as propostas. A explicação da não existência de equiparação entre o domicílio dos
cidadãos e a sede das pessoas colectivas é uma melhoria em relação à proposta, porque da simples leitura da
proposta — e, se vier a ser aprovada, vamos ver que leitura terá no futuro — resulta a ideia de uma certa
equiparação.
Tanto quanto consigo compreender, pelas razões que já aqui foram expendidas e que são conhecidas de
todos, a protecção que tem de ser dada ao domicílio, ou seja, a protecção da vida privada, não sustenta nem
justifica qualquer tipo de equiparação com a sede das pessoas colectivas. Nesse sentido, não vejo razão para
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que a sede das pessoas colectivas tenha o mesmo grau de protecção que tem o domicílio de cada um dos
cidadãos portugueses que está ligado a direitos da personalidade, à protecção da individualidade, da vida
privada, da família, etc. Portanto, não vejo razão para essa equiparação.
Explica-nos o Sr. Deputado Luís Marques Guedes que não é bem essa a ideia, mas a sua explicação, na
minha opinião, é melhor do que o que está estritamente escrito na proposta.
Não acompanhando completamente o Sr. Deputado João Oliveira nas observações que faz, penso, no
entanto, que foi interessante a referência que fez. Se lermos o conteúdo da proposta do PSD de fio a pavio,
verificamos que ela tem, em princípio, um sentido garantístico, ou seja, estende algumas coisas que são de
protecção do domicílio individual às pessoas colectivas. No entanto, a validação pela autoridade judicial a
posteriori parece vir a contrario do próprio sentido garantístico que lhe pretende dar, porque deixará um pouco
ao critério das entidades envolvidas saber quando é que vão ou não recorrer a esta possibilidade, ficando a
aguardar depois uma validação da autoridade judicial. Penso que esta questão levanta alguma preocupação,
porque, apesar de tudo, se tivermos uma preocupação garantística — da qual também não fujo —, a prática
tem demonstrado um certo abuso deste tipo de meios quando são postos à disposição. E há outros exemplos,
como as comunicações — que o PSD também se propõe alterar —, em que, a partir de certa altura, se
utilizam esses meios a eito, sendo depois validados ou não, aceitáveis ou não.
Tenho, portanto, alguma reserva nesta matéria e parece-me que o que está actualmente no artigo quanto
ao flagrante delito é aceitável e mais ou menos inquestionável.
Por outro lado, sem ter uma leitura muito atenta, porque não fui ver os tipos de crimes que cabem ou não
na moldura penal, parece-me que o tipo de exemplificação que está hoje em dia na Constituição é fácil de
perceber, não levanta grandes dúvidas. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes recorda-se, como eu me
recordo, que se discutiu muito esta matéria relacionada com os inúmeros casos que poderiam surgir no âmbito
do tráfico de droga, que era na altura, e ainda é, uma preocupação muito séria. Quando falamos em tráfico de
droga ou de pessoas, percebemos a que tipo de criminalidade é que se aplica, mas já não é tão claro quando
referimos a moldura penal.
Entendo que o artigo, tal como está hoje em dia, não está mal e tenho dúvidas de que melhore com estas
alterações, porque a intenção do artigo é dizer que para a criminalidade altamente organizada — o terrorismo,
o tráfico de droga, o tráfico de pessoas, etc. — se pode justificar este tipo de actuação, o que não tem de ter
uma relação directa com a moldura penal. E, nesta matéria, acompanho nalguma medida a preocupação da
Sr.ª Deputada Isabel Oneto. Não considero que o melhor caminho seja estarmos a introduzir a moldura penal,
porque parece que estamos a dar uma orientação de que, a partir deste escalão de moldura, sim, mas, a partir
dos outros escalões, não, mesmo que, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes explicou, e bem, não seja
cumulativo.
Portanto, não vejo que o artigo esteja mal como está hoje nem que haja necessidade de alteração.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Luís Marques Guedes deu indicação à mesa de que já se lembra do
que queria dizer e, portanto, apesar de o Sr. Deputado João Oliveira estar inscrito, vou dar-lhe a palavra.
Espero que não se volte a esquecer…
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, peço desculpa por há pouco não me ter lembrado,
mas tem a ver com o tal problema de demorar muito tempo na resposta.
O Sr. Deputado João Oliveira referiu que no n.º 1 se diz que o domicílio é inviolável e depois despendeu a
tese de que, da forma como colocamos o n.º 3, ou seja, que a entrada nocturna só pode ser realizada em
domicílio nos casos que descreve, a contrario não havia qualquer tipo de restrição para as sedes das
empresas. No entanto, o Sr. Deputado esqueceu-se que entre o n.º 1 e o n.º 3 há o n.º 2.
O artigo tem uma lógica própria. O n.º 1 consagra constitucionalmente o princípio da inviolabilidade e o n.º
2 diz que esse princípio pode ser afastado desde que haja intervenção de uma autoridade judicial. Ponto. A
partir daí, o n.º 3 restringe a capacidade dessa autoridade judicial em determinado tipo de situações.
Portanto, a ideia que o Sr. Deputado inculcou de que se pode ler que o n.º 3, só se referindo aos domicílios,
protege mais as sedes das pessoas colectivas do que os domicílios das pessoas individuais, do meu ponto de
vista, com franqueza, não faz sentido, precisamente pela lógica do próprio artigo. O artigo afirma um princípio
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de inviolabilidade no n.º 1, explica no n.º 2 que essa inviolabilidade pode ser afastada por intervenção de uma
autoridade judicial e no n.º 3 que, mesmo no caso da intervenção de autoridade judicial, essa intervenção tem
de se conformar com determinadas baias no que diz respeito ao domicílio, não colocando quaisquer baias no
que diz respeito às sedes.
É essa a diferença, ao contrário do que o Sr. Deputado disse que se poderia ler da proposta do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, julgo que vale a pena aprofundarmos esta discussão, porque
estamos a tratar, neste preciso momento, de uma matéria que tem ocupado horas e horas aos tribunais e à
própria doutrina.
Vale a pena analisarmos a questão como é hoje colocada e a reflexão que tem sido feita a partir das
normas que temos em vigor.
A primeira questão é a do conceito de domicílio. Actualmente, o artigo 34.º só se refere a domicílio e tem-se
discutido, tanto por parte da jurisprudência como da doutrina, se este conceito de domicílio abrange também a
sede das pessoas colectivas, precisamente a partir da referência normativa que a Sr.ª Deputada Isabel Oneto
utilizou. A opinião generalizadamente consensual, incluindo a do Tribunal Constitucional, é a de que este
conceito não abrange a sede das pessoas colectivas. Porquê? Porque se entende que o rácio destas normas
é a defesa da reserva da intimidade da vida privada e familiar e que, desse ponto de vista, a protecção que
merece a sede de uma empresa tem como directa referência a protecção do direito de propriedade, a
protecção da liberdade da empresa e uma série de outras considerações que não têm que ver com a reserva
da intimidade da vida privada e familiar e que, por isso, a sede de uma empresa não está abrangida no âmbito
do artigo 34.º da Constituição. Esta tem sido a interpretação do Tribunal Constitucional e a interpretação
generalizadamente assumida pela doutrina constitucional face a um artigo que não refere, em qualquer dos
seus quatro números, o conceito de sede.
Com esta proposta, o PSD pretende alargar a protecção que hoje é restringida apenas ao domicílio das
pessoas singulares à sede das pessoas colectivas. Já manifestei a discordância que o PCP tem em relação a
esse alargamento, precisamente com o fundamento que serve de base à interpretação do Tribunal
Constitucional destas normas.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a resposta que deu à Sr.ª Deputada Isabel Oneto relativamente ao n.º
3 que propõem é preocupante, porque confirma o que eu tinha dito relativamente à excepção que faz em
relação à possibilidade de entrada nocturna na sede de uma empresa.
A proposta do PSD refere no n.º 1 o domicílio e a sede, no n.º 2 o domicílio e a sede e no n.º 3 apenas o
domicílio, o que significa que a previsão do n.º 3 não se aplica à sede das empresas, isto é, se se refere
exclusivamente ao domicílio, quer dizer que não se aplica às sedes. Ora, se o n.º 3 elenca precisamente um
conjunto de situações em que se admite a violação do domicílio e se esta norma só é aplicável ao domicílio e
não às sedes, nunca há a possibilidade de violar a sede das empresas nem que se verifiquem todas estas
circunstâncias. Portanto, há aqui uma protecção acrescida, de facto, em relação à sede das empresas.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, compreendo, obviamente, que não é esta a intenção do PSD e estou
tentado a acompanhar o que diz o Sr. Deputado Telmo Correia, ou seja, de que é melhor a explicação que o
PSD dá do que o texto da própria proposta.
No entanto, se o entendimento, do ponto de vista jurisprudencial e doutrinal, tem sido de que as normas do
artigo 34.º se referem apenas ao domicílio, a partir do momento em que há normas que se referem à sede das
empresas, tem de ser tido em conta o elemento sistemático. E, se do ponto de vista da sistematização das
normas do artigo 34.º, há normas que passam a referir-se directamente ao domicílio e à sede das empresas, é
porque o legislador constitucional pretende que essas normas tenham no seu âmbito de aplicação não só o
domicílio das pessoas singulares, mas também a sede das empresas. Se há uma que exclui as sedes das
empresas, obviamente que ela não se vai aplicar. E esta é a norma que permite precisamente a violação do
domicílio das pessoas singulares e que, a contrario, não permitirá a violação das sedes das empresas.
Portanto, sem prejuízo da discordância de fundo que já manifestámos em relação ao alargamento do
âmbito do artigo 34.º à sede das pessoas colectivas, do ponto de vista técnico-jurídico, se o PSD pretende, de
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facto, abranger também a sede das empresas na possibilidade de violação da reserva em período nocturno,
era importante que adequasse as propostas à intenção, caso contrário ficamos com um resultado divergente.
Deste ponto de vista, considerando que está verdadeiramente em discussão um direito e um princípio
fundamental que tem sido muito desvirtuado ao longo do tempo — as revisões constitucionais, infelizmente,
alargaram demasiado as restrições que lhe são permitidas —, estamos em crer que estas propostas do PSD
põem ainda mais em causa o que inicialmente o legislador constitucional entendeu que devia ser uma reserva
absoluta de inviolabilidade.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, se bem entendi, quer a intervenção do Sr. Deputado
Telmo Correia quer a intervenção do Sr. Deputado João Oliveira, temos aqui duas leituras completamente
opostas.
O Sr. Deputado Telmo Correia tende a recear que o que está consignado no n.º 3 da proposta do PSD
alargue as restrições da entrada nocturna no domicílio das pessoas singulares à sede das pessoas colectivas.
O Sr. Deputado João Oliveira entende que, se excepcionalmente se permite a entrada no domicílio de pessoa
singular e só está previsto em relação ao domicílio, nunca se pode entrar na sede das pessoas colectivas.
Mas o que haverá na escrita desta proposta que permite leituras tão opostas?
Vamos ver se nos entendemos!
A proposta do PSD, no n.º 1 do artigo 34.º, prevê o alargamento do princípio da inviolabilidade do domicílio
às sedes das pessoas colectivas e é aqui que se queda esta preocupação limitada de alargar este princípio à
sede das pessoas colectivas. Não é mais do que isto!
Por outro lado, os Srs. Deputados estão a esquecer-se do n.º 2, que estabelece, como regra geral, que «A
entrada em domicílio ou sede pode ser ordenada ou validada pela autoridade judicial competente, nos casos e
segundo as formas previstos na lei», o que, desde logo, afasta a leitura do Sr. Deputado João Oliveira que
retira do n.º 3 que nunca se poderia entrar na sede das pessoas colectivas.
Ora, o que se quis salvaguardar é que não haja desvio por parte da lei em relação à entrada no domicílio
das pessoas singulares e que a possibilidade de entrada nocturna tenha de respeitar as restrições que estão
previstas no n.º 3 — restrições que são, apenas e exclusivamente, para o domicílio das pessoas singulares.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Está na proposta «só»!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não percebo as leituras dos Srs. Deputados. Podemos, obviamente, na
especialidade, clarificar redacções, colocá-las mais explícitas…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Guilherme Silva, já estamos em sede de especialidade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Por isso mesmo é que digo que podemos vir, mais tarde, a ter esse
trabalho. No entanto, esse trabalho não pode ser feito em função de leituras que a redacção que está na
proposta não consente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, há cerca de três quartos de hora que se percebeu a sorte ou a
falta de sorte destas propostas.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — A sorte ou o azar!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Da parte do Bloco de Esquerda, não aceitamos a proposta, no sentido em que
objectivamente se cria uma equiparação, desde a epígrafe ao conteúdo do articulado, entre a inviolabilidade
do domicílio e a inviolabilidade da sede de pessoa colectiva.
Portanto, nesse sentido, não cremos que seja adequada.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero apenas clarificar a questão agora suscitada pelo Sr.
Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Deputado diz que o n.º 1 pretende a equiparação do domicílio à sede e não mais do que isso. O
problema é que é muito mais do que isso.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não é mais, não!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O problema é que vem equiparar a busca à sede de uma empresa a uma
busca domiciliária.
Sr. Deputado, então, nós, que debatemos tanto esta matéria em comissões eventuais para o combate à
corrupção, agora vamos dizer que para a sede das empresas o regime passa a ser mais restritivo? Isto faz
algum sentido ou reflecte alguma preocupação da sociedade?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — V. Ex.ª conclui que só há corrupção na sede das pessoas colectivas! Se
calhar, também haverá por parte das pessoas singulares…!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, Sr. Deputado! Como é evidente, não concluo que é só por parte das
pessoas colectivas!
O que eu digo é que estamos a restringir meios de investigação criminal que, manifestamente, são
necessários à investigação criminal e que a limitação da busca domiciliária existe precisamente porque, além
do valor da investigação criminal, é necessário salvaguardar a vida íntima e familiar das pessoas. Só por essa
razão é que existe este regime excepcional para a busca domiciliária.
Portanto, não consigo entender por que razão se faz esta equiparação ou qual a necessidade que a nossa
comunidade possa sentir hoje para que se faça esta equiparação.
Por outro lado, respondendo à observação do Sr. Deputado Luís Marques Guedes relativamente ao
consentimento, quero dizer, uma vez mais, que à noite o consentimento também é possível.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É sempre possível!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — O consentimento é tão válido para a noite como para o dia.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Está lá!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Mas deixa de estar no n.º 2 que propõem e é isso que não consigo entender.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Conseguir entender, consegue!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, não consigo, Sr. Deputado.
O actual n.º 2 diz que a entrada no domicílio «contra a sua vontade», ou seja, não havendo consentimento,
só é possível nas circunstâncias que estabelece e a proposta que fazem deixa de referir a questão do
consentimento.
Não consigo, de facto, entender o alcance desta proposta.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Telmo Correia, que está
inscrito, se me permitem, queria falar deste problema do consentimento, porque, há pouco, o Sr. Deputado
Luís Marques Guedes disse uma coisa que me feriu um tímpano.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — V. Ex.ª tem um tímpano sensível!
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O Sr. Presidente: — Creio que a proposta do PSD pode levar a uma relevância do consentimento que não
está no actual texto constitucional.
O que é que se pretende ao dizer que a entrada durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu
consentimento carece de uma situação de flagrante delito ou de uma autorização judicial naqueles casos
excepcionais em que se admite que se pode violar o domicílio à noite?
A minha leitura é que o consentimento não releva para este efeito.
No caso do flagrante delito, o consentimento não faz qualquer sentido, porque, se quiserem entrar à noite
no domicílio de um cidadão que está a cometer um crime, ele nunca vai dizer «estou agora ocupado a cometer
um crime, mas façam favor de entrar». Não faz sentido.
Na outra situação que carece de autorização judicial e que tem que ver com aqueles crimes muito graves, a
questão do consentimento também não se coloca.
O que me feriu o tímpano foi quando o Sr. Deputado disse que «se houver consentimento, não há
problema nenhum». Alguém imagina que a polícia vá às 3 horas da manhã, por uma razão destas, a casa de
alguém, e pergunte «o senhor dá-me licença? É que, se não me dá licença, venho cá daqui a uma hora com a
autorização judicial.»? Não faz sentido.
Ou seja, faz todo o sentido que nestes casos, independentemente do consentimento do dono do domicílio,
haja a respectiva autorização judicial. Em face do actual regime constitucional, não se entende que a polícia vá
às 3 horas da manhã a casa de um criminoso perigosíssimo e que não leve autorização judicial, pensando
que, se ele consentir, não há qualquer problema. Há! Não pode ser assim!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Porquê?
O Sr. Presidente: — Porque a Constituição, ao referir a entrada no domicílio «sem o seu consentimento»,
quase que presume o não consentimento.
Quando o PSD propõe que «A entrada nocturna em domicílio só pode ser realizada (…) a) Com o
consentimento do visado (…)», está a dar algum conforto à ideia expressa pelo Sr. Deputado Luís Marques
Guedes de que, se houver consentimento, não há problema nenhum. Ou seja, nesse caso, a primeira linha de
intervenção policial para ir ao domicílio de alguém às 3 horas da manhã é bater à porta e, se ele consentir, não
há problema nenhum. Creio, no entanto, que não é isso que pretendem, mas os senhores dirão.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, na sequência da intervenção do Sr. Deputado
Guilherme Silva, que detectou uma discrepância da qual não me tinha apercebido, inscrevi-me para tentar
deixar um pequeno esclarecimento.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Pareceu-me!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Por isso mesmo, Sr. Deputado, vou tentar esclarecer.
O Sr. Deputado diz que as críticas vindas dos Srs. Deputados João Oliveira e Telmo Correia são muito
diferentes. Diria que, no caso, não seria a coisa mais extraordinária no mundo e, considerando a posição e a
perspectiva política de cada um, até seria natural.
Sr. Deputado Guilherme Silva, permita-me que lhe diga, com simpatia, que não me parece ter sido o caso,
porque o caso era mais ou menos factual.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Agora fico a estranhar mais ainda!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Vou explicar-lhe, Sr. Deputado.
Quanto à discussão sobre se o copo está meio cheio ou meio vazio, a única diferença é que eu terei olhado
do lado direito e o Sr. Deputado João Oliveira terá olhado do lado esquerdo, mas olhámos exactamente para o
mesmo copo com a mesma água, não tendo, obviamente, as mesmas preocupações ou a mesma formulação.
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Eu disse que me parece pouco útil esta equiparação da sede das pessoas colectivas ao domicílio das
pessoas singulares, porque não traz nada de novo e pode ser entendida como limitativa da investigação
criminal.
O Sr. Deputado João Oliveira disse — ele desmentir-me-á, se assim não for — que lhe parece que, com
esta leitura, nalguns casos fica mais difícil a investigação na sede das pessoas colectivas do que no domicílio
das pessoas singulares.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exactamente!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Não creio que haja contradição entre estas duas análises e, se dúvidas
houvesse, a Sr.ª Deputada Isabel Oneto, que olha para o copo não da esquerda ou da direita mas de frente,
concluiu exactamente o mesmo que tínhamos dito em relação a esta matéria.
Este é o ponto e aqui terminamos. O copo é o mesmo, a água é a mesma. Foi questionada por mim e por
vários Srs. Deputados, tanto quanto percebi, a utilidade de no artigo que protege o domicílio e o sigilo da
correspondência, isto é, direitos individuais, acrescentar a sede das pessoas colectivas. Esta é a questão
essencial.
Por outro lado, quanto à entrada no domicílio durante a noite, que já está prevista para as situações de
flagrante delito e de determinado tipo de actividade criminal, volto a recordar, sendo ainda mais específico, as
discussões que tivemos sobre esta matéria. Há uns anos, discutimos muito se podia haver actuação nos casos
em que se sabe que há tráfico de estupefacientes em determinados domicílios, a certas horas da noite e
quando as pessoas fazem fila à porta desses domicílios — este é o caso típico de flagrante delito, quando
existem indícios óbvios. Inicialmente, esta norma foi pensada para estes casos, tendo sido depois alargada a
outro tipo de criminalidade, pois, se estava previsto para o tráfico de estupefacientes, por maioria de razão
deveria estar previsto para o tráfico de pessoas, cuja gravidade não é inferior, e para o terrorismo.
Penso que a norma constitucional está suficientemente bem e contempla todas as situações, não havendo,
por isso, necessidade de profundas alterações em sede de especialidade.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, para encerrar, sinto a obrigação, por parte do PSD,
de deixar claro que a nossa posição não é a que pode transparecer de duas intervenções que foram feitas.
Por um lado, da intervenção da Sr.ª Deputada Isabel Oneto, embora não tenha sido afirmado, poder-se-ia
entender que a intenção do PSD com esta norma é criar alguma dificuldade às autoridades judiciárias na
perseguição de determinado tipo de crimes.
Sr.ª Deputada, como sabe, isso não faz qualquer sentido e não é nem deveria ser disputado por ninguém,
porque, independentemente de estar ou não na Constituição, já está na lei que as buscas em sedes das
pessoas colectivas — não apenas de empresas, mas de pessoas colectivas — só podem acontecer com o
consentimento dos próprios ou com mandato judicial. Ponto final. Isso já é assim.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não é!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não é, não!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Peço desculpa, mas já é assim.
Quero, portanto, deixar aqui claro que, da parte do Partido Social Democrata, não há intenção de criar
qualquer tipo de dificuldades acrescidas. Com a nossa proposta, pretendemos apenas dar garantias de
protecção constitucional.
Relativamente à questão do consentimento colocada pelo Sr. Presidente, se pretendem esmiuçar em tão
grande pormenor a actual redacção da Constituição, quero dizer, em primeiro lugar, que tenho muita pena,
mas o que o Sr. Presidente defendeu já está na Constituição. O Sr. Presidente pode tentar fazer leituras e
dizer que deveria especificar-se que não é bem assim ou que é assado, mas o que defendeu já está na
Constituição.
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Chamo, contudo, a atenção dos Srs. Deputados para a diferença entre o actual n.º 2 e o actual n.º 3,
porque, tendo sido uma das reflexões que o PSD fez, essa sim, poderia ter merecido algum reparo — mas não
mereceu — à volta desta mesa.
O n.º 2 da Constituição não refere consentimento, mas «contra a sua vontade» e não deveria, porque
«contra a sua vontade» dá a entender que, se um cidadão não estiver em casa, não for informado do assunto
e, por isso, não tiver manifestado vontade em contrário, a polícia pode entrar no seu domicílio, o que não é
verdade. A Constituição só utiliza o termo «sem o seu consentimento» relativamente às buscas nocturnas no
n.º 3.
«Contra a sua vontade» não é a mesma coisa que «sem o seu consentimento», porque pressupõe que
haja a oportunidade de expressar essa vontade. Portanto, a actual redacção do n.º 2 poderia permitir que
numa situação em que não esteja ninguém em casa a polícia possa entrar, o que não é verdade e, felizmente,
nunca aconteceu, porque o legislador ordinário nunca o permitiu.
Estranho, por isso, que tenham perdido tanto tempo a tentar fazer leituras sobre a questão do
consentimento — do meu ponto de vista, diferentes do texto constitucional — e que ninguém tenha chamado a
atenção para esta diferença de redacção no texto constitucional, que, essa sim, eventualmente, poderia ser
objecto de interpretações diferenciadas.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, quando me referi ao consentimento, não referi essa disparidade,
porque ela é mais uma infelicidade da revisão constitucional de 2001…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Ora aí está!
O Sr. Presidente: — … que introduziu um controverso n.º 3 sem cuidar de uniformizar a sua redacção com
o n.º 2, que já existia.
É, portanto, mais uma infelicidade da revisão constitucional de 2001, a somar a outras.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não! O que está mal é o n.º 2!
O Sr. Presidente: — Está ainda inscrita a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
São quase 19 horas e vamos ter de abreviar os nossos trabalhos para que os Srs. Deputados não tenham
de voltar aos seus domicílios à noite contra a sua vontade.
Risos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Oneto.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, quero apenas fazer uma precisão, lendo o comentário do
Professor Paulo Pinto de Albuquerque ao artigo 177.º do Código de Processo Penal, nota 21, página 486. Diz
o seguinte: «A busca na sede da pessoa colectiva arguida em processo penal ou numa sua dependência
fechada não obedece ao mesmo regime da busca domiciliária, pelo que se lhe aplicam as regras gerais do
artigo 174.º». É só isto.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Ou seja, autorização judicial!
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Não, Sr. Deputado. O artigo 174.º do Código de Processo Penal refere-se aos
pressupostos normais e diz que «As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela
autoridade judiciária competente, …» — não é judicial, mas judiciária, ou seja, o Ministério Público — «…
devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.»
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Então?
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Então o quê, Sr. Deputado?
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Uma coisa é a autorização judiciária, outra é a autorização judicial. A distinção está em todo o Código de
Processo Penal, que exige para uma a autorização do juiz de instrução, bastando para a outra intervenção do
Ministério Público. Estamos a falar de situações muito diferentes.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não temos mais inscrições para este ponto.
Para o artigo 34.º há ainda uma proposta do Partido Socialista sobre a vigilância electrónica, mas é
preferível que essa discussão fique para a próxima reunião.
Sem entrar na discussão, penso que há aqui uma gralha e peço que me confirmem. A proposta diz «A
vigilância electrónica do domicílio (…)» e creio que queria dizer «no domicílio».
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — É!
O Sr. Presidente: — Leia-se, portanto, «A vigilância electrónica no domicílio (…)». É o que vamos discutir
na próxima reunião.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não sei se é isso. Tenho curiosidade em saber!
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Isabel Oneto confirmou que é isso. Portanto, poderemos iniciar a
discussão nesse pressuposto e já poupamos algum tempo.
A Sr.ª Isabel Oneto (PS): — Sr. Presidente, à cautela, deixe-me confirmar para a próxima reunião.
O Sr. Presidente: — Na próxima quarta-feira, como se sabe, tem lugar a tomada de posse do Sr.
Presidente da República, pelo que não haverá condições para realizarmos a nossa reunião, que, portanto,
passará para a quarta-feira seguinte, retomando a discussão do artigo 34.º da Constituição.
Estão encerrados os trabalhos.
Eram 19 horas.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.