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SEPARATA — NÚMERO 64

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ocorreu ao abrigo destas normas, sistematicamente, foi o alargamento e não a restrição de tais faculdades. No

mundo do trabalho subordinado, quem predispõe e redige o contrato é a entidade empregadora. O trabalhador

quase se limita a assiná-lo. E, como é óbvio, quem predispõe e redige não restringe os seus poderes, antes

tende a expandi-los.

Ou seja, a nossa atual lei do trabalho, estranhamente, como que convida os sujeitos deste contrato a

introduzirem no mesmo as chamadas «cláusulas de mobilidade funcional» e «cláusulas de mobilidade

geográfica», permitindo que, ao abrigo de tais cláusulas, o empregador encarregue o trabalhador de exercer

funções não compreendidas na atividade contratada, ou que o empregador transfira o trabalhador para outro

local de trabalho, sem observar os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito.

Esta aposta na liberdade contratual dos sujeitos, sabendo-se como se sabe que o contrato de trabalho é,

por regra, um contrato de adesão, no qual o trabalhador se limita a aderir às condições contratuais

predispostas pela entidade empregadora – sob pena de permanecer desempregado –, não podia dar

resultados diferentes daqueles que deu: nos últimos anos, estas cláusulas de mobilidade transformaram-se em

“cláusulas de estilo”, passando a fazer parte de um número cada vez mais significativo de contratos de

trabalho e concedendo à entidade empregadora faculdades quase ilimitadas para modificar, a seu bel-prazer,

o tipo de funções a desempenhar pelo trabalhador ou o local onde as mesmas devem ser prestadas por este.

Quando, em 2003, a maioria de direita de então (PSD e CDS) consagrou estas normas na lei, elas

mereceram, sem surpresa, a oposição e o voto contrário não apenas do Bloco de Esquerda, mas também do

PCP, do PEV e do PS. Numa declaração de voto da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

datada de 11 de abril de 2003 e assinada, entre outros deputados, pelo atual Ministro Vieira da Silva, afirma-

se, a propósito, que o Código de Trabalho de então, ao incluir estas cláusulas, «Restringe os direitos

individuais dos trabalhadores (vg. mobilidade funcional e geográfica, representantes dos trabalhadores), pondo

em causa, uma vez mais, princípios fundamentais com expressão constitucional».

A manutenção, até hoje, destes artigos na lei produziu o efeito esperado pelos seus autores. A banalização

destas cláusulas acentuou a situação de fragilidade em que se encontra o trabalhador e colocou em xeque

uma garantia constitucional que, também aqui, cumpre respeitar: a garantia da segurança no emprego,

prevista no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, a segurança no emprego projeta-

se muito para além da questão da duração do contrato de trabalho e das condições em que o mesmo pode ser

extinto por decisão do empregador. Realmente, de que adianta proibir o despedimento sem justa causa, se

depois o empregador pode livremente transferir o trabalhador de Lisboa para Bragança, do Porto para Beja, de

Coimbra para Faro (ou para um qualquer destino longínquo), ao abrigo de tais cláusulas de mobilidade? Neste

sentido, estas cláusulas podem mesmo ser vistas como traduzindo uma renúncia antecipada do trabalhador a

um seu direito fundamental, como sustenta Jorge Leite.

O Bloco de Esquerda entende que nada justifica normas como as constantes do n.º 2 do artigo 120.º e do

n.º 2 do artigo 194.º do Código do Trabalho. Como alerta João Leal Amado, estas são normas que não

correspondem ao «código genético» do Direito do Trabalho e que, de resto, têm sido criticadas pela grande

maioria da doutrina portuguesa, justamente por permitirem o esvaziamento sistemático e sem controlo das

garantias básicas dos trabalhadores, traduzindo-se numa deificação da autonomia da vontade tão injustificada

quanto perigosa.

O Bloco de Esquerda considera que as supramencionadas normas legais se arriscam a viabilizar uma

situação de «ditadura contratual», a qual ocorre nas situações em que a diferença de poder entre as partes no

contrato é de tal ordem que a parte mais fraca, vulnerabilizada por não ter alternativa ao contrato, aceita as

condições que lhe são impostas pela parte mais poderosa, por mais despóticas que sejam.

Não é esta a missão das leis do trabalho, ontem como hoje. As leis do trabalho devem tentar harmonizar os

interesses conflituantes de trabalhadores e empregadores, devem tentar estabelecer uma plataforma de

compromisso aceitável para ambos, também no que à mobilidade funcional e geográfica diz respeito. A

adequada ponderação desses interesses, feita pela lei, poderá, decerto, ser reequacionada e ajustada às

particularidades de cada setor de atividade, mediante contratação coletiva, tal como resulta do disposto no n.º

6 do artigo 120.º e no n.º 6 do artigo 194.º do Código do Trabalho.