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Segunda-feira, 9 de abril de 2018 Número 88
XIII LEGISLATURA
S U M Á R I O
Projeto de lei n.º 789/XIII (3.ª):
Cria a Ordem dos Assistentes Sociais (CDS-PP).
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ÀS ENTIDADES INTERESSADAS
Nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, avisam-se todas as entidades interessadas de que se encontra para apreciação, de 9 de abril a 8 de junho de 2018, o diploma seguinte:
Projeto de lei n.o 789/XIII (3.ª) —Criação da Ordem dos Assistentes Sociais(CDS-PP).
As sugestões e pareceres deverão ser enviados, até à data limite acima indicada, por correio eletrónico dirigido a: 10ctss@ar.parlamento.pt; ou em carta, dirigida à Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social, Assembleia da República, Palácio de São Bento, 1249-068 Lisboa; ou através de formulário disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/IniciativasemApreciacaoPublica.aspx.
Dentro do mesmo prazo, as entidades interessadas poderão solicitar audiências à Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social, devendo fazê-lo por escrito, com indicação do assunto e fundamento do pedido.
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PROJETO DE LEI N.º 789/XIII (3.ª)
CRIAÇÃO DA ORDEM DOS ASSISTENTES SOCIAIS
Exposição de motivos
As associações públicas profissionais são entidades públicas de estrutura associativa representativas de
profissões que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração
de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por
imperativo de tutela do interesse público prosseguido.
A constituição de associações públicas profissionais é excecional, podendo apenas ter lugar quando visar a
tutela de um interesse público de especial relevo que o Estado não possa assegurar diretamente e for adequada,
necessária e proporcional para tutelar os bens jurídicos a proteger.
Nesse sentido, são, nomeadamente, atribuições das associações públicas profissionais: a defesa dos
interesses gerais dos destinatários dos serviços; a representação e a defesa dos interesses gerais da profissão;
a regulação do acesso e do exercício da profissão; a concessão, em exclusivo, dos títulos profissionais das
profissões que representem; a concessão, quando existam, dos títulos de especialidade profissional; a
atribuição, quando existam, de prémios ou títulos honoríficos; a elaboração e a atualização do registo
profissional; o exercício do poder disciplinar sobre os seus membros; a prestação de serviços aos seus
membros, no respeitante ao exercício profissional, designadamente em relação à informação e à formação
profissional; a colaboração com as demais entidades da Administração Pública na prossecução de fins de
interesse público relacionados com a profissão; a participação na elaboração da legislação que diga respeito ao
acesso e exercício das respetivas profissões; a participação nos processos oficiais de acreditação e na avaliação
dos cursos que dão acesso à profissão; o reconhecimento de qualificações profissionais obtidas fora do território
nacional, nos termos da lei, do direito da União Europeia ou de convenção internacional.
Quando correspondam a profissões cujo exercício é condicionado à obtenção prévia de uma habilitação
académica de licenciatura ou superior, as associações públicas profissionais têm a denominação «ordem
profissional»
Atualmente existem em Portugal as seguintes Ordens Profissionais:
Ordem dos Advogados;
Ordem dos Arquitetos;
Ordem dos Biólogos;
Ordem dos Contabilistas Certificados;
Ordem dos Despachantes Oficiais;
Ordem dos Economistas;
Ordem dos Enfermeiros;
Ordem dos Engenheiros;
Ordem dos Engenheiros Técnicos;
Ordem dos Farmacêuticos;
Ordem dos Médicos;
Ordem dos Médicos Dentistas;
Ordem dos Médicos Veterinários;
Ordem dos Notários;
Ordem dos Nutricionistas;
Ordem dos Psicólogos;
Ordem dos Revisores Oficiais de Contas;
Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
A acrescentar a estas Ordens Profissionais, encontra-se em fase de discussão na especialidade, após
aprovação em votação na generalidade, a criação da Ordem dos Fisioterapeutas.
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O CDS, apesar do carater de excecionalidade que reveste a criação de uma Ordem Profissional, sempre
entendeu que, caso se justifique, podem e devem ser criadas novas Ordens Profissionais e, foi com essa
perceção, que, nas últimos anos, a criação da Ordem dos Psicólogos e a criação da Ordem dos Nutricionistas,
teve origem em iniciativas suas.
Foi, com este alcance, que entendemos se justifica a criação de mais uma Ordem Profissional, a Ordem dos
Assistentes Sociais.
O serviço social nasceu como área disciplinar das ciências sociais em 1898 em Nova Iorque e, em 1899 em
Amsterdão. Em Portugal, as primeiras escolas datam de 1935 e 1937, respetivamente em Lisboa e Coimbra,
embora oficialmente reconhecidas apenas em 1939 (Decreto-Lei n.º 30135/39, de 14 dez.). A Associação dos
Profissionais de Serviço Social (APSS) foi juridicamente criada em Janeiro de 1978, sendo, em 1985, admitida
como membro da Federação Internacional de Assistentes Sociais (FIAS).
Conforme resultou de uma aprovação pela Assembleia Geral da Associação Internacional de Escolas de
Serviço Social (AIESS/IASSW) e da Federação Internacional dos Assistentes Sociais (FIAS/IFSW) em julho de
2014, em Melborne: “O Serviço Social é uma profissão de intervenção e uma disciplina académica que promove
o desenvolvimento e a mudança social, a coesão social, o empowerment e a promoção da Pessoa. Os princípios
de justiça social, dos direitos humanos, da responsabilidade coletiva e do respeito pela diversidade são centrais
ao Serviço Social. Sustentado nas teorias do serviço social, nas ciências sociais, nas humanidades e nos
conhecimentos indígenas, o serviço social relaciona as pessoas com as estruturas sociais para responder aos
desafios da vida e à melhoria do bem-estar social”.
O Serviço Social baseia-se no respeito pelo valor da dignidade inerente a todas as pessoas, e pelos direitos
que daí advêm. Os assistentes sociais devem promover e defender a integridade e o bem-estar físico,
psicológico, emocional e espiritual de cada pessoa. O que significa:
Respeitar o direito à autodeterminação: os assistentes sociais devem respeitar e promover o direito à
liberdade de escolha e tomada de decisão independentemente dos seus valores e opções de vida,
desde que não ameacem os direitos e interesses legítimos de terceiros;
Promover o direito à participação: os assistentes sociais devem promover o envolvimento e a
participação em pleno, das pessoas, utilizando os seus serviços de modo a capacita-las para o reforço
de todos os aspetos de decisão e ações que afetem as suas vidas;
Tratar cada pessoa como um todo: os assistentes sociais devem considerar a totalidade da pessoa, no
contexto da família, comunidade, meio social e natural, ou seja, identificar todos os aspetos da sua
vida;
Identificar e desenvolver competências: os assistentes sociais devem focalizar-se nas competências
de todos os indivíduos, grupos e comunidades e, dessa forma, promover o seu fortalecimento.
Os assistentes sociais têm a responsabilidade de promover a justiça social em relação a toda a sociedade e
às pessoas com quem trabalham, o que significa:
Desafiar a discriminação negativa: os assistentes sociais têm a responsabilidade de rejeitar a
discriminação negativa, com base em características tais como aptidão, idade, cultura, género, estado
civil, estatuto socioeconómico, opiniões políticas, cor da pele, raça ou outras características físicas,
orientação sexual ou crenças espirituais;
Reconhecer a diversidade: os assistentes sociais devem reconhecer e respeitar a diversidade étnica e
cultural das sociedades onde exercem a sua prática, tendo em conta as diferenças individuais,
familiares, grupais e comunitárias;
Distribuir os recursos equitativamente: os assistentes sociais devem assegurar que os recursos
disponíveis são distribuídos de um modo justo de acordo com as necessidades de cada um;
Desafiar práticas e políticas injustas: os assistentes sociais têm o dever de chamar a atenção aos seus
empregadores, e público em geral, para as situações nas quais os recursos ou a sua distribuição são
inadequados, assim como para as políticas e as práticas opressivas, injustas e dolosas;
Trabalhar numa perspetiva solidaria: os assistentes sociais têm a obrigação de questionar as
condições sociais que levam à exclusão social, estigmatização ou submissão, e trabalhar para uma
sociedade inclusiva.
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Desde o fim do século passado, mais precisamente 1997, que a APSS tem vindo a desenvolver esforços
para a criação da Ordem dos Assistentes Sociais como estratégia de afirmação académica e profissional na
Cidade, quando, a partir da segunda metade dos anos 90 do século XX, a oferta de Cursos passa de 3 para
cerca de 20, entre o ensino particular e cooperativo e o ensino público.
Nestes termos, e:
Considerando que, dada a sua relevância social, a profissão de assistente social constitui uma
profissão publicamente regulada na generalidade dos países;
Considerando a necessidade de estabelecer por via legislativa o estatuto legal da profissão;
Considerando que a profissão requer a definição e implementação de um quadro deontológico próprio;
Considerando a vantagem em adotar mecanismos de autorregulação e de autodisciplina da profissão,
tal como sucede com a generalidade das profissões reguladas em Portugal;
Considerando a Lei das associações públicas profissionais;
Considerando que um processo que já se arrasta há mais de 20 anos justifica ser finalmente
finalizado.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-
PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – É criada a Ordem dos Assistentes Sociais, doravante designada Ordem, cujos Estatutos se publicam em
anexo ao presente diploma e dele fazem parte integrante.
2 – A Ordem resulta da transformação da atual Associação dos Profissionais de Serviço Social, adiante
designada APSS, associação de direito privado, em associação de direito público.
Artigo 2.º
Competência da Direção Nacional da Associação dos Profissionais de Serviço Social
Compete à Direção Nacional (DN) da APSS:
a) Proceder à instalação da Ordem, para o que prepara os regulamentos internos necessários ao
funcionamento da Ordem;
b) Promover a inscrição dos assistentes sociais;
c) Preparar os atos eleitorais para os órgãos nacionais e regionais da Ordem;
d) Conferir posse ao Bastonário que for eleito;
e) Realizar os demais atos necessários à instalação e normal funcionamento da Ordem;
f) Prestar contas do mandato exercido.
2 – A aplicação do novo Estatuto não prejudica a inscrição automática na Ordem dos atuais membros da
APSS, inscritos ao abrigo das disposições estatutárias respetivas, desde que reúnam os respetivos
pressupostos e preencham os requisitos legalmente exigíveis.
3 – Na execução dos atos de instalação, a DN rege-se, com as necessárias adaptações, pelo regime previsto
nos Estatutos anexos à presente lei.
4 – O período de instalação não pode exceder o prazo de um ano a contar da data da entrada em vigor do
presente diploma, cessando com a investidura dos órgãos nacionais da Ordem.
5 – O termo do período de instalação requer uma declaração formal pública do Conselho Geral da Ordem.
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Artigo 3.º
Profissão abrangida
1 – A Ordem dos Assistentes Sociais abrange os profissionais licenciados em Serviço Social que, em
conformidade com o respetivo Estatuto e as disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de Assistente
Social.
2 – Poderá também abranger os profissionais licenciados noutros cursos de ensino superior que, pelo seu
plano de estudos, sejam considerados apropriados para o acesso à profissão, mediante portaria do Ministro
competente para a área dos Assuntos Sociais, sob proposta fundamentada da Ordem dos Assistentes Sociais.
Artigo 4.º
Tutela administrativa da Ordem dos Assistentes Sociais
Os poderes de tutela administrativa sobre a Ordem dos Assistentes Sociais, nos termos da Lei n.º 2/2013,
de 10 de Janeiro, e no respetivo Estatuto, são exercidos pelo membro do Governo responsável pela área dos
Assuntos Sociais, podendo ser delegados num Secretário de Estado.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
ESTATUTOS DA ORDEM DOS ASSISTENTES SOCIAIS
TÍTULO I
Acesso à Profissão e Exercício Profissional
Capítulo I
Conceito e âmbito da profissão
Artigo 1.º
Conceito e áreas de intervenção da profissão
1 – Os assistentes sociais são profissionais no campo das ciências sociais e humanas que, de acordo com
as respetivas regras científicas e técnicas, intervêm nas interações entre os indivíduos, as organizações e
serviços sociais, focalizando situações de exclusão social e pobreza, designadamente de vulnerabilidade e risco
social, destituição, desfiliação, dependência, discriminação e desigualdade.
2 – O exercício da profissão de assistente social tem como fim a a resolução de problemas no contexto das
relações humanas e a capacitação e desenvolvimento das pessoas e comunidades, visando o bem-estar e o
desenvolvimento social, o respeito e promoção dos direitos humanos e a promoção da mudança social.
3 – Constituem áreas de intervenção dos profissionais de serviço social designadamente:
a) segurança social e ação social;
b) saúde;
c) reinserção social e serviços prisionais;
d) educação;
e) formação profissional e emprego;
f) desenvolvimento local.
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4 – A profissão pode ser exercida em organismos públicos da administração central, regional e local, em
organizações do terceiro setor e em organismos empresariais.
Artigo 2.º
Âmbito do exercício profissional
O exercício da profissão de assistente social abrange, entre outros, os seguintes atos:
a) Diagnóstico social, visando a identificação e avaliação de necessidades e problemas sociais e
psicossociais das pessoas e comunidades no âmbito das áreas de intervenção dos assistentes
sociais;
b) Abertura de processo social e registo de informação social;
c) Elaboração de planos de ação adequados à natureza das necessidades e problemas sociais e
psicossociais das pessoas através da promoção do acesso aos recursos sociais e institucionais
inscritos nas políticas sociais e políticas públicas em geral, bem como pela potenciação dos recursos
pessoais, comunitários e locais;
d) Conceção, planificação, e implementação de projetos sociais visando necessidades e problemas de
caráter coletivo ou dirigido a grupos específicos de população, designadamente famílias, crianças,
adultos e idosos, em situações de exclusão social e pobreza, designadamente de vulnerabilidade e
risco social, destituição, desfiliação, dependência, discriminação e desigualdade;
e) Administração social e direção técnica de equipamentos e serviços sociais;
f) Advocacia social e mediação entre cidadãos, serviços e instituições sociais no âmbito do acesso a
direitos, bens, recursos e prestação de serviços sociais;
g) Elaboração de perícias técnicas, pareceres, informações e relatórios sociais, legal e estatutariamente
consagrados no âmbito da profissão, nomeadamente em processos de adoção, processos de
violência doméstica, processos de reinserção social, referenciação e alta social em cuidados de saúde
e em cuidados continuados, medidas de promoção, proteção e acompanhamento, regulação das
responsabilidades parentais, tutela educativa, de prestações sociais em bens e serviços (prestações
pecuniárias, ajudas técnicas, habitação social, etc.), e de processos de licenciamento de
equipamentos e respostas sociais;
h) Participação na conceção, implementação e avaliação de programas e políticas sociais e outras
políticas públicas relevantes para as áreas de intervenção e finalidades da profissão;
i) Assessoria e consultoria aos órgãos da administração e gestão de entidades públicas, privadas e do
terceiro setor no âmbito das políticas e projetos de desenvolvimento social;
j) Assessoria e consultoria a associações de utentes e movimentos de cidadãos no âmbito das políticas
sociais, no exercício, promoção e defesa dos direitos de cidadania e particularmente dos direitos
sociais;
k) Investigação aplicada e avaliativa visando a contínua melhoria da acessibilidade, qualidade e eficácia
dos serviços, projetos e políticas sociais e o conhecimento atualizado e monitorização dos fenómenos
e problemas sociais;
l) Supervisão profissional de assistentes sociais;
m) Formação inicial, pós-graduada, e ao longo da vida, designadamente no ensino em Serviço Social.
Artigo 3.º
Modalidades de exercício da profissão
1 – A profissão de assistente social pode ser exercida por conta de outrem ou de forma liberal, quer a título
individual quer em sociedade.
2 – O exercício da atividade profissional por conta de outrem não afeta a autonomia técnica nem dispensa o
cumprimento dos deveres deontológicos.
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Capítulo II
Acesso à profissão e incompatibilidades
Artigo 4.º
Requisitos de acesso
1 – Constituem requisitos de acesso à profissão:
a) A licenciatura em Serviço Social;
b) A realização de um estágio profissional nos termos do artigo 6.º e a aprovação nas provas de
habilitação, nos termos do artigo 10.º;
2 – Podem também exercer a profissão em Portugal:
a) Os nacionais de outro Estados-membros da União Europeia que sejam titulares das habilitações
académicas e profissionais requeridas legalmente para o exercício da profissão no respetivo Estado
de origem;
b) Os nacionais de outros Estados em condições de reciprocidade, desde que obtenham a equiparação,
nos termos da lei.
Artigo 5.º
Requisitos académicos
1 – Habilitam para o exercício da profissão de assistente social a licenciatura em serviço social, conferida por
instituições de ensino superior portuguesas ou por instituições estrangeiras, desde que reconhecidos nos termos
da lei.
2 – Poderá também considerar-se elegível a licenciatura noutros cursos de ensino superior que, pelo seu
plano de estudos, seja considerada apropriada para o acesso à profissão, mediante portaria do Ministro
competente para a área dos Assuntos Sociais, sob proposta fundamentada da Ordem dos Assistentes Sociais.
Artigo 6.º
Estágio Profissional da Ordem
1 – A habilitação para a profissão inclui obrigatoriamente a realização de um estágio profissional promovido,
organizado e orientado sob supervisão da Ordem dos Assistentes Sociais nos termos do presente estatuto e do
regulamento de estágio em vigor, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 37.º da Lei n.º 2/2013, de 10
de janeiro.
2 – O estágio profissional da Ordem tem a duração máxima de 18 meses.
3 – O período de estágio inicia-se na data de inscrição como membro estagiário e inclui:
a) Um período de prática profissional orientada por um assistente social credenciado pela Ordem;
b) Um seminário de ética e deontologia profissional;
c) A possibilidade de frequência de conferências, seminários, e outras iniciativas de formação
organizadas pela Ordem ou por ela recomendadas;
d) A avaliação do estágio.
5 – As inscrições para realização do estágio profissional ocorrem bianualmente.
6 – A realização de estágio profissional no estrangeiro é admitida, nos termos das normas para equiparação
ao estágio da Ordem previstas no regulamento de estágio.
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Artigo 7.º
Direitos e Deveres do Orientador de Estágio Profissional da Ordem
1 – O orientador de estágio é um assistente social, membro efetivo da Ordem, credenciado para o efeito pela
Ordem dos Assistentes Sociais.
2 – Compete ao orientador de estágio supervisionar as atividades do Assistente Social estagiário, no sentido
de assegurar a sua formação no âmbito do exercício da profissão e o cumprimento das respetivas regras
deontológicas.
3 – O orientador de estágio está sujeito aos seguintes deveres:
a) Garantir o rigor profissional, ético e deontológico na formação concedida ao assistente social
estagiário;
b) Garantir o acesso a informação, documentação e aos meios inerentes ao regular exercício da
profissão ao assistente social estagiário;
c) Zelar pelo cumprimento do plano de estágio profissional;
d) Aconselhar, orientar e informar o assistente social estagiário durante todo o tempo de formação, de
acordo com o plano de estágio;
e) Emitir um parecer sobre o estágio, a integrar no processo de avaliação;
f) Integrar o Júri de avaliação final do assistente social estagiário, nos termos do regulamento.
4 – O Orientador de estágio tem os seguintes direitos:
a) A ver reconhecida e certificada pela Ordem, em termos de experiência profissional, o desempenho da
função de orientador de estágios profissionais;
b) A frequentar um seminário de deontologia e ética profissional promovido pela Ordem;
c) Ao acesso a ações de formação promovidas pela Ordem, nos termos previstos no regulamento de
estágio.
Artigo 8.º
Direitos e Deveres do Estagiário
1 – Constituem deveres do estagiário, designadamente:
a) Respeitar em plenitude os princípios definidos no Código Deontológico, no Estatuto Profissional e nos
demais regulamentos aprovados pelos Órgãos da Ordem no exercício da atividade profissional;
b) Observar as regras e condições que se imponham no contexto da entidade de acolhimento;
c) Ser orientado por um assistente social, membro efetivo da Ordem;
d) Cumprir o definido no projeto de estágio profissional da Ordem;
e) Colaborar com o orientador sempre que este o solicite e efetuar os trabalhos que lhe sejam
determinados, desde que se revelem compatíveis com os objetivos do estágio;
f) Participar com empenho, zelo e competência em todas as atividades desenvolvidas no âmbito do
projeto de estágio;
g) Comunicar à Comissão de Estágios qualquer facto que possa condicionar ou limitar o pleno
cumprimento das normas estatutárias e regulamentares inerentes ao estágio;
h) Apresentar um relatório de estágio da sua autoria, que descreva fielmente as atividades desenvolvidas
no estágio, de acordo com as normas estabelecidas em regulamento;
i) Pagar atempadamente as taxas a que esteja obrigado;
j) Cumprir as restantes obrigações inerentes ao estágio, dentro dos prazos estabelecidos.
2 – Constituem direitos do estagiário, designadamente:
a) Ser apoiado pela Ordem na defesa dos seus direitos e interesses profissionais;
b) Ter orientação de acordo com o plano de estágio definido e contratado pelas partes;
c) Participar no seminário obrigatório de deontologia e ética profissional, assim como nas ações de
formação destinadas a assistentes sociais estagiários organizadas pela Ordem;
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d) Inscrever-se na Ordem como membro estagiário no período de estágio;
e) Usufruir de um seguro de acidentes pessoais que cubra os riscos de eventualidades que possam
ocorrer durante e por causa das atividades desenvolvidas pelo estagiário no decurso do estágio, bem
como nas deslocações entre a residência e o local de estágio.
f) Usufruir de um seguro profissional de responsabilidade civil em benefício do estagiário, no caso do
estagiário exercer a sua atividade em regime liberal.
Artigo 9.º
Suspensão e cessação do período de estágio
1 – O Assistente Social estagiário poderá requerer a suspensão do seu período de estágio, por motivos
atendíveis devidamente justificados, indicando desde logo a duração previsível da suspensão.
2 – A suspensão não pode exceder a duração máxima de seis meses, seguidos ou interpolados.
3 – Em caso de gravidez, maternidade e paternidade, o período de seis meses referido no número anterior
pode ser prorrogado caso o assistente social estagiário o requeira e demonstre a respetiva necessidade.
4 – No caso de suspensão, o estagiário fica sujeito às normas regulamentares em vigor à data do reinício do
seu plano de estágio.
5 – O período de estágio cessa após a conclusão das provas de habilitação profissional, com aprovação.
Artigo 10.º
Provas de habilitação profissional
1 – O título profissional de assistente social, com a inscrição na Ordem como membro efetivo, depende da
aprovação nas provas de habilitação profissional, as quais incluem:
a) Discussão pública do relatório de estágio do candidato, que será acompanhado do relatório do
orientador de estágio;
b) Prova de conhecimentos de deontologia profissional.
2 – As provas de habilitação profissional são da competência de um júri constituído por três profissionais
creditados, nos termos do regulamento de estágio.
3 – Em caso de reprovação na prova de discussão pública do relatório de estágio, o candidato terá de cumprir
um novo período de estágio com a duração de 6 meses, com sujeição a nova prova.
4 – Em caso de reprovação na prova de conhecimentos deontológicos, haverá repetição da prova no prazo
de 30 dias, salvo se verificar a situação do número anterior, caso em que ambas as provas se realizam na
mesma data.
5 – As provas de habilitação profissional são marcadas bianualmente.
Artigo 11.º
Incompatibilidades
O exercício da profissão de assistente social é incompatível com o desempenho de cargos de direção em
empresas produtoras de bens ou serviços que envolvam a atividade profissional dos assistentes sociais ou com
outras atividades, profissionais ou não, que criem conflitos de interesse relativamente ao exercício da profissão,
desde que definidas por portaria ministerial sob proposta fundamentada da Ordem.
Artigo 12.º
Inscrição na Ordem
1 – Ninguém pode exercer legalmente a profissão de assistente social sem estar inscrito na Ordem dos
Assistentes Sociais.
2 – Todos os que possuam os requisitos para o exercício da profissão nos termos do artigo 4.º e não estejam
impedidos de a exercer têm direito à inscrição na Ordem.
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3 – A inscrição na Ordem só pode ser recusada nos seguintes casos:
a) Por motivo de falta dos requisitos académicos e profissionais referidos nos artigos 5.º, 6.º e 10.º;
b) Por motivo de incompatibilidade, nos termos do artigo anterior;
c) Por motivo de condenação em sanção de interdição ou suspensão do exercício da profissão prevista
na lei, em consequência de infração criminal, contraordenacional ou disciplinar, sem prejuízo do direito
à reabilitação.
4 – O disposto no presente artigo não prejudica a legislação em vigor quanto ao direito de estabelecimento
e liberdade de prestação de serviços e ao reconhecimento de qualificações profissionais dentro da União
Europeia e Espaço Económico Europeu.
Artigo 13.º
Sociedades Profissionais
1 – Podem ser constituídas sociedades profissionais que tenham por objeto principal o exercício da profissão
de assistente social.
2 – Os sócios, gerentes ou administradores de sociedades de profissionais devem respeitar os princípios e
regras deontológicos, bem como a autonomia técnica e científica e as garantias conferidas ao assistente social
pela lei e pelo presente Estatuto.
3 – O registo de sociedades profissionais na Ordem é definido no regulamento de inscrição.
Capítulo III
Deontologia profissional
Artigo 14.º
Deveres gerais
No exercício da sua atividade profissional, os assistentes sociais devem respeitar os seguintes deveres
gerais:
a) Atuar com independência e isenção profissional;
b) Prestigiar e dignificar a profissão;
c) Exercer a sua atividade com diligência e zelo;
d) Utilizar os instrumentos científicos e técnicos adequados ao rigor exigido no exercício da profissão;
e) Colocar a sua capacidade ao serviço do interesse público;
f) Defender e fazer defender o sigilo profissional, quando seja devido;
g) Conhecer e agir com respeito pelos preceitos legais e regulamentares;
h) Respeitar as incompatibilidades que decorram da lei.
i) Desenvolver a sua formação e atualização profissional ao longo da vida
Artigo 15.º
Deveres específicos
Constituem deveres específicos, entre outros definidos no código deontológico:
a) O desempenho de funções de orientação de estágio profissional, salvo motivo justificado;
b) O desempenho de funções em júris de provas de habilitação profissional, salvo motivo justificado;
c) A cooperação em procedimentos disciplinares;
d) A denúncia das situações de exercício ilegal da profissão, por falta de habitações académicas e
profissionais, incluindo a falta de inscrição na Ordem, ou por motivo de suspensão ou interdição
profissional.
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Artigo 16.º
Deveres negativos
O assistente social, na sua atividade profissional, deve:
a) Abster-se de exercer a sua atividade em áreas do exercício profissional para as quais não tenha
recebido formação específica;
b) Recusar quaisquer interferências no exercício da sua atividade que ponham em causa aspetos
técnico-científicos ou éticos do exercício profissional, independentemente das suas funções e
dependências hierárquicas ou do local onde exerce a sua atividade;
c) Abster-se de utilizar métodos e técnicas específicas da profissão para os quais não tenha recebido
formação, que saiba desatualizadas ou que sejam desadequadas ao contexto de aplicação.
Artigo 17.º
Deveres recíprocos entre assistentes sociais
O assistente social, no exercício da sua profissão, deve:
a) Tratar os colegas com urbanidade e respeito;
b) Não denegrir o trabalho dos colegas, sem prejuízo da liberdade de apreciação crítica;
c) Sem prejuízo da liberdade de concorrência na prestação de serviços, abster-se de atos de
concorrência desleal.
Artigo 18.º
Código deontológico
1 – A Ordem aprova o código deontológico dos assistentes sociais.
2 – A elaboração e revisão do código deontológico devem ser precedidas de debate público.
TÍTULO II
Ordem dos Assistentes Sociais
Capítulo I
Natureza, âmbito e missão
Artigo 19.º
Natureza
1 – É criada a Ordem dos Assistentes Sociais, adiante abreviadamente designada por Ordem.
2 – A Ordem é a associação pública profissional representativa dos que, em conformidade com os preceitos
desta lei e outras disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de assistente social.
3 – A criação da Ordem não prejudica a liberdade de criação de associações para a defesa dos interesses
científicos, culturais ou socioprofissionais dos assistentes sociais, incluindo no plano das relações de trabalho,
nos termos da legislação competente.
Artigo 20.º
Missão
É missão da Ordem, nos termos da lei, regular e supervisionar o acesso à profissão de assistente social e o
seu exercício, elaborando as normas técnicas e deontológicas respetivas, velando pelo cumprimento das
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normas legais e regulamentares da profissão e exercendo o poder disciplinar sobre os seus membros, no quadro
de um regime disciplinar autónomo.
Artigo 21.º
Atribuições
1 – São atribuições da Ordem:
a) A defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços prestados por assistentes sociais,
assegurando e fazendo respeitar o direito das pessoas a serviço de qualidade;
b) A representação e a defesa dos interesses gerais da profissão, zelando nomeadamente pela função
social, dignidade e prestígio da profissão;
c) A atribuição, em exclusivo, dos títulos profissionais e a emissão das cédulas profissionais dos seus
membros;
d) A defesa do título de assistente social, incluindo a denúncia das situações de exercício ilegal da
profissão, podendo constituir-se assistente em eventual processo-crime;
e) A atribuição, quando existam, de prémios ou títulos honoríficos;
f) A regulamentação e atribuição dos títulos de especialização profissional, quando existam;
g) A elaboração e a atualização do registo profissional;
h) A defesa da deontologia profissional;
i) O exercício do poder disciplinar sobre os seus membros, incluindo os membros suspensos e os
estagiários;
j) A prestação de serviços aos seus membros, no respeitante ao exercício profissional, designadamente
em relação à informação e à formação profissional e à assistência técnica e jurídica;
k) A colaboração com as demais entidades da Administração Pública na prossecução de fins de
interesse público relacionados com a profissão;
l) A participação na elaboração da legislação que diga respeito à profissão e seus campos de atuação;
m) Contribuir para a elevação dos padrões de formação de Assistente Social;
n) Colaborar com as escolas, faculdades e outras instituições em iniciativas que visem a formação de
Assistente Social;
o) Acompanhar a situação geral do ensino do Serviço Social, dando parecer sobre todos os assuntos
relacionados com esse ensino, designadamente participando nos processos oficiais de acreditação e
na avaliação dos cursos que dão acesso à profissão;
p) Promover o intercâmbio de experiências entre os membros e entre estes e organismos congéneres
estrangeiros e internacionais, bem como ações de coordenação interdisciplinar, quer a nível da
formação e investigação, quer ao nível do exercício profissional;
q) A promoção do desenvolvimento do serviço social e das ciências sociais e do seu ensino;
r) O reconhecimento de qualificações profissionais obtidas fora do território nacional, nos termos da lei,
do direito da União Europeia ou de convenção internacional;
s) Quaisquer outras tarefas que lhe sejam cometidas por lei.
Artigo 22.º
Natureza e regime jurídico
1 – A Ordem é uma pessoa coletiva de direito público, integrando a categoria das associações públicas
profissionais.
2 – A Ordem rege-se pela presente lei e pela Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, em tudo o que aqui não se
encontrar previsto.
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Artigo 23.º
Autonomia
1 – A Ordem goza de autonomia administrativa e no exercício dos seus poderes públicos pratica, a título
definitivo, sem prejuízo dos casos de aprovação tutelar, os atos administrativos necessários ao desempenho
das suas funções e aprova os regulamentos previstos na lei.
2 – A Ordem dispõe de património próprio e de finanças próprias, bem como de independência orçamental.
3 – A autonomia financeira inclui o poder de fixar o valor da contribuição mensal ou anual dos seus membros,
bem como as taxas pelos serviços prestados, nos termos da lei.
4 – A Ordem dispõe de órgãos representativos próprios.
Artigo 24.º
Âmbito, sede e delegações regionais
1 – A Ordem tem âmbito nacional.
2 – A Ordem pode compreender estruturas regionais, às quais incumbe a prossecução das suas atribuições
na respetiva área, nos termos do regulamento de organização.
3 – A Ordem tem sede em Lisboa, podendo porém a mesma ser mudada por deliberação do Conselho Geral,
aprovada por maioria absoluta.
4 – As delegações regionais, caso existam, correspondem às unidades territoriais correspondentes às NUTS
II do território nacional, podendo porém agregar as que não contenham o número mínimo de profissionais
definido no regulamento referido no n.º 2.
Artigo 25.º
Insígnias
A Ordem tem direito a usar emblema e selo próprios, conforme modelos a aprovar pelo Conselho Geral, sob
proposta da Direção.
Capítulo II
Membros da Ordem
Secção I
Categorias e inscrição
Artigo 26.º
Categorias
1 – A Ordem tem membros efetivos, correspondentes, honorários e beneméritos.
2 – Consideram-se membros efetivos os profissionais de Serviço Social que preencham os requisitos
previstos no presente Estatuto e tenham realizado estágio profissional.
3 – São admitidos como membros correspondentes:
a) Cidadãos portugueses licenciados em Serviço Social que exerçam a sua atividade no estrangeiro;
b) Membros de associações estrangeiras congéneres que confiram igual tratamento aos membros da
Ordem.
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4 – São admitidos como membros honorários e beneméritos as pessoas singulares ou coletivas que,
exercendo ou tendo exercido atividade de reconhecido interesse público e contribuído para a dignificação e o
prestígio da profissão de assistente social, sejam considerados como merecedores de tal distinção, sob proposta
apresentada pela direção e aprovada pelo conselho geral.
Artigo 27.º
Obrigatoriedade
1 – A atribuição do título profissional, o seu uso e o exercício da profissão de assistente social, em qualquer
setor de atividade, dependem da inscrição na Ordem como membro efetivo.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se qualquer setor de atividade os setores público,
privado, cooperativo e social, e independentemente do exercício de forma liberal ou por conta de outrem.
3 – O uso ilegal do título profissional ou o exercício da profissão sem título são punidos nos termos da lei
penal.
4 – Ninguém pode contratar ou utilizar serviços a assistentes sociais que não estejam inscritos na Ordem.
5 – A infração ao disposto no número anterior constitui contraordenação, punível com coima no montante
equivalente a entre 3 e 10 IAS, a aplicar pelo Ministro responsável pela área dos assuntos sociais, sob proposta
da Ordem, à qual compete a instrução do processo e que beneficia de 40% do montante das coimas aplicadas.
Artigo 28.º
Estagiários
1 – Devem inscrever-se como estagiários os candidatos ao acesso à profissão, até à aprovação nas provas
de habilitação profissional.
2 – Os estagiários podem ser isentos de pagamento de contribuição ou sujeitos ao pagamento de
contribuição reduzida.
3 – Os estagiários estão sujeitos à jurisdição da Ordem, incluindo o poder disciplinar, estando porém
impedidos de participar na sua vida institucional.
Artigo 29.º
Cédula profissional
1 – Com a inscrição é emitida a cédula profissional, assinada pelo Bastonário.
2 – A cédula profissional segue modelo a aprovar pela Direção.
Artigo 30.º
Suspensão e cancelamento
1 – São suspensos da Ordem os membros que:
a) Por sua iniciativa requeiram a suspensão;
b) Se encontrem temporariamente em situação de incompatibilidade com o exercício da profissão;
c) Sejam punidos com a sanção disciplinar de suspensão ou sujeitos a suspensão preventiva em
procedimento disciplinar.
2 – É cancelada a inscrição na Ordem aos membros que:
a) Deixem de exercer a atividade profissional e que assim o comuniquem à Direção;
b) Sejam punidos com sanção disciplinar de expulsão ou com sanção penal, ou outra, de interdição
profissional, nos termos da lei.
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Secção II
Direitos e deveres dos membros
Artigo 31.º
Direitos
1 – Constituem direitos dos membros efetivos:
a) Eleger e ser eleito para os órgãos da Ordem, salvo as incapacidades previstas na presente lei;
b) Participar nas atividades da Ordem e exercer quaisquer funções no seu âmbito;
c) Ser apoiado pela Ordem para defesa dos seus direitos e interesses profissionais, salvo em relação a
situações que envolvam responsabilidade disciplinar perante a Ordem;
d) Ser informado pela Ordem acerca de estudos, relatórios e pareceres relativos ao exercício da
profissão;
e) Participar e beneficiar da atividade social e científica da Ordem e utilizar os serviços oferecidos pela
Ordem;
f) Requerer a sua cédula profissional e os demais documentos necessários ao exercício da profissão;
g) Exercer o direito de defesa em qualquer procedimento disciplinar e recorrer dos atos que afetem os
seus direitos;
h) Requerer os títulos de especialidade, nos termos dos regulamentos aplicáveis;
i) Solicitar a comprovação oficial da sua qualificação profissional;
j) Solicitar a suspensão ou o cancelamento da sua inscrição, nos termos do artigo 26.º.
2 – Os membros estagiários gozam dos direitos que lhe não estejam vedados e que não sejam incompatíveis
com a sua condição.
Artigo 32.º
Deveres
1 – Constituem deveres dos membros efetivos:
a) Participar na vida institucional da Ordem;
b) Pagar as contribuições, quotas e taxas devidas e os demais encargos regulamentares;
c) Cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos e as deliberações dos órgãos da Ordem;
d) Prestar a comissões e grupos de trabalho da Ordem a colaboração que lhes seja solicitada;
e) Desempenhar os cargos para que sejam eleitos e as funções para as quais sejam designados com o
seu consentimento ou que constituam uma obrigação nos termos da presente lei;
f) Contribuir para a boa reputação da Ordem e procurar alargar o seu âmbito de influência;
g) Agir solidariamente na defesa dos interesses coletivos dos membros da Ordem.
h) Manter a Ordem informada quanto a todos os dados pessoais e profissionais constantes do registo
profissional, nomeadamente quanto ao domicílio profissional e quanto a impedimentos ao exercício
profissional.
2 – Os membros estagiários estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a sua condição.
Artigo 33.º
Não pagamento de quotas
O não pagamento de contribuições por período superior a um ano, após aviso prévio, determina o
impedimento de participação na vida institucional da Ordem, bem como de usufruir dos seus serviços, enquanto
perdurar aquela situação, sem prejuízo de eventual responsabilidade disciplinar.
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Capítulo III
Organização da Ordem
Secção I
Disposições gerais
Artigo 34.º
Princípios gerais
1 – A Ordem tem órgãos nacionais, podendo também ter órgãos regionais, nos termos desta lei.
2 – A organização nacional da Ordem baseia-se na democracia representativa e na separação de órgãos e
de poderes.
3 – Nenhum órgão pode exercer competência legal de outro, salvo delegação legalmente admitida e os casos
especiais legalmente previstos.
Artigo 35.º
Órgãos nacionais
São órgãos nacionais da Ordem:
a) O Conselho Geral;
b) O Bastonário e o Vice-Bastonário;
c) A Direção;
d) O Conselho Jurisdicional;
e) O Conselho Fiscal.
Artigo 36.º
Órgãos regionais
São órgãos das delegações regionais, havendo-as:
a) A assembleia regional;
b) A direção regional.
Artigo 37.º
Incompatibilidades
1 – Nenhum membro da Ordem pode pertencer simultaneamente a mais do que um dos órgãos referidos no
artigo 35.º, ressalvada a integração do Bastonário e do Vice-Bastonário na Direção.
2 – O exercício de cargos nos órgãos da Ordem é incompatível como exercício dos seguintes cargos:
a) Cargos de direção em outras associações de assistentes sociais;
b) Membros de órgãos de soberania ou de órgãos de governo próprio de região autónoma, bem como de
órgãos executivos do poder local;
c) Cargos dirigentes na Administração pública;
d) Cargos em associações sindicais ou patronais;
e) Outros cargos ou atividades com os quais se verifique um manifesto conflito de interesses, como tal
declarado pelo Conselho Jurisdicional, a pedido da Direção.
Artigo 38.º
Duração do mandato e tomada de posse
1 – O mandato dos órgãos da Ordem inicia-se no dia 1 de novembro e tem a duração de três anos.
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2 – A constituição ou tomada de posse dos órgãos eletivos, conforme os casos, ocorre no dia do início do
mandato, salvo se os órgãos não tiverem sido eleitos atempadamente, caso em que o início de funções ocorre
no 8.º dia posterior à eleição.
3 – Caso não seja possível o início de funções dos novos titulares no primeiro dia do mandato, os titulares
cessantes mantêm-se em funções pelo tempo necessário.
4 – Os titulares dos órgãos nacionais ou regionais não podem ser eleitos ou designados para um terceiro
mandato consecutivo no mesmo órgão, nem para um quarto mandato consecutivo em órgãos diferentes.
Artigo 39.º
Renúncia e suspensão
1 – Os membros dos órgãos da Ordem gozam do direito de renúncia ao cargo para o qual tenham sido eleitos
ou designados.
2 – Qualquer membro dos órgãos da Ordem, salvo o Bastonário e o Vice-Bastonário, pode solicitar a
suspensão temporária do exercício das suas funções, por motivos devidamente fundamentados, não podendo
o tempo total de suspensão exceder seis meses no mesmo mandato.
3 – A renúncia ou suspensão do mandato devem ser comunicadas aos presidentes dos respetivos órgãos,
bem como ao presidente da mesa do Conselho Geral, salvo no caso da renúncia do Bastonário e do Vice-
Bastonário, que só ser apresentada ao presidente da mesa do Conselho Geral.
Artigo 40.º
Vagatura, substituição e eleição intercalar
1 – As vagas verificadas em órgãos colegiais que resultem da suspensão, renúncia, morte ou incapacidade,
ou outras causas, são preenchidas pelos respetivos suplentes, nos termos do regulamento de organização da
Ordem.
2 – No caso de vagatura do cargo de Bastonário, é o mesmo substituído pelo Vice-Bastonário e, na falta
deste, pelo presidente do Conselho Geral, havendo lugar a nova eleição para o cargo deste.
3 – Perdem o mandato, mediante decisão do presidente do órgão a que pertençam ou da respetiva mesa,
conforme os casos, os membros que excederem o número de faltas previsto no respetivo regulamento, bem
como os que forem condenados a pena disciplinar que os torne inelegíveis para o cargo que exercem, ou que
incorrerem em situações de incompatibilidade com o exercício da profissão.
4 – A vagatura de mais de metade dos membros de órgão colegial diretamente eleito, depois de esgotadas
todas as substituições, obriga à realização de eleições intercalares, salvo se restar menos de um ano para
terminar o mandato, caso em que o órgão funcionará com os membros subsistentes, desde que no mínimo de
1/3 do número total.
Artigo 41.º
Gratuitidade dos cargos
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, bem como da remuneração do revisor oficial de contas,
nos termos do artigo 55.º, o exercício dos cargos nos órgãos da Ordem é gratuito.
2 – Por deliberação do Conselho Geral, os cargos de exercício permanente, designadamente os cargos de
Bastonário e de presidente do Conselho Jurisdicional, podem ser remunerados.
3 – O disposto no n.º 1 não prejudica o pagamento de despesas de representação ou de deslocação ao
serviço da Ordem, nos termos dos regulamentos competentes.
Artigo 42.º
Responsabilidade solidária
1 – Os membros dos órgãos colegiais respondem solidariamente pelos atos praticados no exercício do
mandato que lhes foi conferido.
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2 – Ficam isentos de responsabilidade os membros que tenham votado expressamente contra a deliberação
em causa, bem como os que não tenham estado presentes na sessão na qual tenha sido tomada a deliberação,
desde que tenham manifestado a sua discordância logo que dela tenham tomado conhecimento.
Artigo 43.º
Vinculação
1 – Para que a Ordem fique obrigada são necessárias as assinaturas do Bastonário, ou seu substituto, e de
um outro membro da Direção em efetividade de funções.
2 – A Direção pode constituir mandatário para a prática de certos e determinados atos, devendo para tal fixar
com precisão o âmbito e a duração dos poderes conferidos.
Secção II
Conselho Geral
Artigo 44.º
Composição e eleição
1 – O Conselho Geral é composto por entre 30 e 50 membros, nos termos do regulamento de organização,
eleitos por sufrágio universal e pelo sistema de representação proporcional, segundo o método da média mais
alta de Hondt, nos círculos territoriais que correspondem às delegações regionais previstas no artigo 24.º, n.º 4.
2 – Se não existirem delegações regionais, os círculos eleitorais regionais correspondem às unidades
territoriais de nível NUTS II, podendo porém ser agregadas a outras circunscrições regionais que tenham um
número de membros inscritos inferior ao previsto no regulamento eleitoral.
3 – Cada círculo regional elege pelo menos 2 representantes, sendo os restantes repartidos pelos círculos
regionais proporcionalmente ao número de eleitores de cada um.
4 – Incumbe à comissão eleitoral proceder à repartição dos representantes pelos diversos círculos, nos
termos dos números anteriores.
Artigo 45.º
Competências do Conselho Geral
Compete ao Conselho Geral:
a) Eleger e destituir a sua mesa, nos termos da presente lei e elaborar o seu regimento;
b) Pronunciar-se sobre a nomeação da Direção, sob proposta do Bastonário, e eventualmente votar a
sua rejeição;
c) Nomear o Conselho Fiscal;
d) Aprovar o orçamento e o plano de atividades, bem como o relatório e as contas, sob proposta da
Direção;
e) Aprovar projetos de alteração do regime legal da Ordem, por maioria absoluta, bem como a proposta
da sua extinção, sendo neste caso exigida a sua ratificação por referendo;
f) Aprovar os regulamentos previstos na lei, que não sejam da competência de outros órgãos, bem como
os demais regulamentos necessários para o desempenho das atribuições da Ordem, designadamente
o regulamento de inscrição;
g) Aprovar o montante de contribuições, quotas e taxas, sob proposta da Direção;
h) Aprovar a criação de secções de especialidade e de colégios de especialidade, bem como os títulos
de especialidade, e os seus regulamentos;
i) Aprovar a celebração de contratos de associação ou de protocolos de cooperação com associações
congéneres, nacionais ou estrangeiras, sob proposta da Direção;
j) Aprovar a convocação de referendos, sob proposta do Bastonário, por maioria absoluta;
k) Decidir sobre a instituição do Provedor dos Utentes, sob proposta do Bastonário, bem como a sua
remuneração.
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Artigo 46.º
Funcionamento
1 – O Conselho Geral reúne ordinariamente:
a) No início do mandato, para a eleição da mesa do Conselho Geral, do Conselho Fiscal e para
ratificação da Direção;
b) Anualmente, para a aprovação do orçamento e plano de atividades, bem como do relatório e contas
da Direção;
c) Trimestralmente, para apreciação da gestão da Ordem, na base de um relatório oral apresentado pelo
Bastonário.
2 – O Conselho Geral reúne extraordinariamente sempre que as circunstâncias o aconselhem e o seu
presidente o convoque, por sua iniciativa ou a pedido da Direção, de duas das direções regionais, se existirem,
ou de um mínimo de um terço dos seus membros.
3 – Se à hora marcada para o início da reunião não se encontrar presente pelo menos metade dos membros
efetivos, a reunião começará uma hora depois, com os membros presentes, desde que em número não inferior
a um terço.
4 – A reunião destinada à discussão e votação do relatório e contas da Direção realiza-se até ao fim do mês
de março do ano imediato ao do exercício respetivo.
Artigo 47.º
Convocatória
1 – O Conselho Geral é convocado pelo seu presidente mediante aviso postal ou eletrónico expedido para
cada um dos membros efetivos, com pelo menos 15 dias de antecedência em relação à data designada para a
realização da reunião, salvo caso de urgência, em que a reunião pode ser convocada com a antecedência de
apenas 3 dias.
2 – Da convocatória devem constar a ordem de trabalhos, o horário e o local de realização da reunião.
Artigo 48.º
Mesa do Conselho Geral
1 – A mesa do Conselho Geral é composta por um presidente e dois secretários, eleitos individualmente por
maioria absoluta.
2 – A primeira reunião do Conselho Geral, até à eleição da mesa, é dirigida pelo membro mais idoso presente
e secretariada pelo membro mais jovem.
Artigo 49.º
Votações
1 – Salvo os casos em que a lei exige maioria absoluta ou mais qualificada, as deliberações do Conselho
Geral são tomadas por maioria simples, descontadas as abstenções, desde que os votos a favor constituam
pelo menos ¼ dos membros presentes.
2 – Salvo nos casos de voto secreto previstos na lei, ou por deliberação do próprio Conselho caso a caso, as
votações são tomadas por voto aberto.
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Secção III
Bastonário e Vice-Bastonário
Artigo 50.º
Função
1 – O Bastonário representa a Ordem e é o presidente da Direção.
2 – O Vice-Bastonário é o vice-presidente da Direção e substitui o Bastonário nas suas faltas ou
impedimentos, bem como em caso de vagatura.
Artigo 51.º
Eleição
1 – O Bastonário e o Vice-Bastonário são eleitos por sufrágio universal, em lista conjunta.
2 – Para a candidatura ao cargo de Bastonário e de Vice-Bastonário é necessário o mínimo de 10 anos e 5
anos de exercício profissional, respetivamente, e nacionalidade portuguesa.
3 – No caso de nenhuma das candidaturas concorrentes obter maioria absoluta dos votos válidos expressos,
realiza-se nova votação duas semanas depois, entre as duas candidaturas mais votadas na primeira votação,
que não declarem retirar a sua candidatura.
4 – O Bastonário e o Vice-Bastonário tomam posse perante o Conselho Geral, na primeira reunião deste.
Artigo 52.º
Competências
1 – Compete ao Bastonário:
a) Representar a Ordem em juízo e fora dele, designadamente perante os órgãos de soberania e demais
órgãos do poder, bem como das organizações europeias e internacionais;
b) Presidir à Direção e designar os respetivos vogais;
c) Dirigir as reuniões da Direção, com voto de qualidade, e participar sem voto, querendo, nas reuniões
de todos os órgãos colegiais da Ordem, salvo o Conselho Jurisdicional;
d) Executar e fazer executar as deliberações da Direção e dos demais órgãos nacionais;
e) Exercer a competência da Direção em casos de reconhecida urgência ou nas situações em que tal
competência lhe seja delegada;
f) Assegurar o funcionamento dos serviços da Ordem, no respeito da lei e dos respetivos regulamentos;
g) Solicitar a qualquer órgão da Ordem a elaboração de pareceres relativos a matérias da sua
competência;
h) Nomear o Provedor dos Utentes, se o cargo tiver sido instituído;
i) Impugnar judicialmente, por ilegalidade, os atos dos demais órgãos da Ordem.
2 – O Bastonário pode delegar poderes no Vice-Bastonário ou em outro membro da direção da Ordem.
Secção IV
Direção
Artigo 53.º
Composição e nomeação
1 – A Direção é composta pelo Bastonário e pelo Vice-Bastonário e por um número ímpar de vogais, no
mínimo de três e um máximo de cinco.
2 – Os membros da Direção, salvo o Bastonário e o Vice-Bastonário, são nomeados por aquele e são
submetidos coletivamente à apreciação do Conselho Geral antes do início de funções.
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3 – O Conselho Geral pode votar a rejeição da Direção apresentada pelo Bastonário, sob proposta de ¼ dos
seus membros, cuja aprovação carece de maioria absoluta.
4 – Não havendo proposta de rejeição, ou não sendo ela aprovada, a Direção considera-se ratificada.
5 – Em caso de rejeição da Direção pelo Conselho Geral ou de posterior aprovação de uma moção de
censura por maioria absoluta, o Bastonário apresentará novos vogais da Direção à apreciação do Conselho, no
prazo de duas semanas.
6 – As moções de censura não podem ser discutidas nem votadas senão uma semana depois da sua
apresentação ao presidente da mesa do Conselho Geral.
7 – Em caso de rejeição ou de destituição, e até à aprovação de nova direção, as suas competências são
transitoriamente exercidas pelo Bastonário e pelo Vice-Bastonário.
Artigo 54.º
Competência
Compete à Direção:
a) Dirigir a atividade nacional da Ordem;
b) Aprovar a inscrição de novos membros ou mandar suspendê-las ou cancelá-las, nos termos da lei;
c) Elaborar e manter atualizado o registo profissional de todos os assistentes sociais;
d) Dar execução às deliberações do Conselho Geral e do Conselho Jurisdicional;
e) Aprovar os regulamentos dos serviços e das instalações da Ordem;
f) Promover a instalação e coordenar as atividades das direções regionais, se existirem;
g) Dar, diretamente ou através de comissões constituídas para o efeito, pareceres e informações a
entidades públicas e privadas, no âmbito das atribuições da Ordem;
h) Cobrar as receitas e efetuar as despesas previstas no orçamento;
i) Elaborar e apresentar ao Conselho Geral o plano e o orçamento, bem como o relatório de atividades e
as contas anuais;
j) Deliberar sobre alienação ou oneração de bens da Ordem e a contração de empréstimos, dentro dos
limites de endividamento aprovados no orçamento.
k) Aceitar os legados ou doações feitas à Ordem;
l) Marcar a data das eleições para os órgãos da Ordem diretamente eleitos, nos termos do regulamento
eleitoral;
m) Dirigir os serviços da Ordem, nomear os dirigentes dos serviços, aprovar a contratação de pessoal e a
aquisição ou locação de bens e serviços, bem como praticar os demais atos e realizar os demais
contratos necessários à gestão da Ordem;
n) Aprovar o estabelecimento de formas de cooperação com outras entidades, públicas ou privadas, que
contribuam para o desempenho das atribuições da Ordem;
o) Revogar, por sua iniciativa ou mediante recurso, os atos dos órgãos regionais, caso estes sejam
instituídos, por ilegalidade ou lesão dos interesses gerais da Ordem, salvo daqueles cuja validade é
apreciada pelo Conselho Jurisdicional;
p) Aprovar os subsídios de deslocação para os membros dos órgãos da Ordem, para efeito das reuniões
ou de outras tarefas da Ordem;
q) Aprovar o seu regulamento interno.
Artigo 55.º
Funcionamento
1 – A Direção reúne ordinariamente uma vez por mês, salvo se uma periodicidade mais frequente for decidida
pela própria Direção, e extraordinariamente sempre que convocada pelo seu presidente.
2 – A Direção só pode deliberar validamente quando esteja presente mais de metade dos seus membros.
3 – As deliberações são tomadas por maioria simples dos membros presentes, dispondo o presidente de
voto de qualidade.
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Secção V
Conselho Jurisdicional
Artigo 56.º
Composição e designação
1 – O Conselho Jurisdicional é composto por cinco, sete ou nove membros, nos termos do regulamento de
organização.
2 – Os membros do Conselho Jurisdicional são eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, de entre
membros da Ordem com pelo menos 5 anos de inscrição profissional.
3 – Podem também ser eleitos para o Conselho Jurisdicional membros estranhos à profissão, até um terço
da sua composição.
4 – O Conselho Jurisdicional é um órgão independente, não podendo os seus membros ser destituídos nem
censurados pelas suas decisões, sem prejuízo do respetivo controlo judicial.
Artigo 57.º
Competência
Compete ao Conselho Jurisdicional:
a) Instruir e julgar os processos disciplinares contra os membros da Ordem;
b) Decidir os recursos sobre a validade das decisões relativas a perda ou suspensão do mandato dos
membros dos órgãos da Ordem, a requerimentos dos interessados;
c) Decidir os recursos sobre a validade das decisões dos demais órgãos da Ordem que afetem
diretamente direitos dos membros, designadamente em matéria de inscrição, a requerimento dos
interessados;
d) Decidir os recursos das decisões em matéria eleitoral, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º;
e) Verificar previamente a conformidade legal e regulamentar dos referendos convocados pelo Conselho
Geral;
f) Dar parecer sobre as propostas de código deontológico e de regulamento disciplinar, bem como de
regulamentos relativos ao acesso e ao exercício da profissão;
g) Aprovar o seu regulamento interno.
Artigo 58.º
Funcionamento
1 – O Conselho Jurisdicional reúne ordinariamente de acordo com a agenda por si aprovada e
extraordinariamente quando convocado pelo seu presidente, ou por quem o substitua, nos termos do
regulamento interno.
2 – As deliberações são tomadas por maioria, sem direito a abstenção, dispondo o presidente de voto de
qualidade.
3 – O Conselho Jurisdicional pode ser assessorado por um consultor jurídico contratado pela Direção sob
proposta do presidente daquele.
Secção VI
Conselho Fiscal
Artigo 59.º
Composição e eleição
1 – O Conselho Fiscal é composto por um presidente e dois vogais, um dos quais obrigatoriamente revisor
oficial de contas.
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2 – O Conselho Fiscal é eleito pelo Conselho Geral, por maioria de 3/5, sob proposta da Direção.
3 – Compete à Direção deliberar sobre a remuneração do revisor oficial de contas.
Artigo 60.º
Competência
Compete ao Conselho Fiscal:
a) Verificar a gestão patrimonial e financeira da Ordem;
b) Examinar e emitir parecer prévio sobre as contas anuais a apresentar pela Direção ao Conselho Geral;
c) Pronunciar-se sobre os contratos de empréstimo negociados pela Direção, antes da sua conclusão.
d) Apresentar à Direção as sugestões que entenda de interesse da Ordem em matéria de gestão
patrimonial e financeira;
e) Elaborar os pareceres solicitados pelos demais órgãos da Ordem, no âmbito da sua competência.
Secção VII
Delegações regionais
Artigo 61.º
Órgãos regionais
1 – A instituição de delegações regionais depende de deliberação do Conselho Geral, sob proposta da
Direção, nos termos de regulamento a aprovar por aquele.
2 – A assembleia regional é composta por todos os membros inscritos na Ordem com domicílio profissional
na circunscrição territorial da respetiva delegação regional.
3 – A direção regional é composta por um presidente e um número par de vogais, num mínimo de dois e num
máximo de quatro, eleitos por sufrágio de lista, pelos membros da Ordem inscritos na respetiva circunscrição
regional.
4 – As listas concorrentes devem indicar o candidato a presidente e vice-presidente.
Artigo 62.º
Competência
1 – Compete à assembleia regional:
a) Eleger a respetiva mesa, bem como os membros da Direção regional;
b) Aprovar o orçamento e o plano de atividades, bem como o relatório e as contas da delegação regional;
c) Pronunciar-se sobre assuntos da competência da delegação regional, por iniciativa própria ou a
pedido da Direção regional.
2 – Compete à Direção regional:
a) Representar a Ordem na respetiva área territorial, designadamente perante as entidades públicas que
aí exerçam funções, sempre que mandatada para o efeito pela Direção;
b) Dar execução às deliberações do Conselho Geral e da assembleia regional e às deliberações e
diretrizes da Direção nacional;
c) Exercer os poderes delegados pela Direção nacional;
d) Propor e executar o orçamento e o plano de atividades da delegação regional;
e) Gerir os serviços da delegação regional;
f) Apresentar à Direção nacional o relatório e as contas anuais aprovados pela assembleia regional.
3 – As decisões das assembleias regionais e das direções regionais são suscetíveis de recurso para a
Direção da Ordem, nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo para o recurso hierárquico
impróprio, com as necessárias adaptações, não podendo ser impugnadas diretamente perante os tribunais.
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Secção VIII
Secções profissionais
Artigo 63.º
Criação e competências
1 – Por deliberação do Conselho Geral, sob proposta da Direção, podem ser criadas secções representativas
das diferentes áreas profissionais dos assistentes sociais.
2 – A organização e as competências das secções são reguladas por regulamento do Conselho Geral.
Capítulo IV
Eleições e referendos
Artigo 64.º
Regulamento eleitoral
1 – As eleições são regidas pelo regulamento eleitoral, a aprovar pelo Conselho Geral, com respeito da
presente lei e dos princípios gerais do direito eleitoral nacional.
2 – Os casos omissos serão resolvidos por analogia com as leis eleitorais dos órgãos do poder político,
conforme os casos.
Artigo 65.º
Comissão eleitoral
1 – As eleições diretas para os órgãos nacionais e para os órgãos regionais, se existirem, são conduzidas
por uma comissão eleitoral composta pela mesa do Conselho Geral e por um representante de cada uma das
listas admitidas a sufrágio, que devem ser indicados conjuntamente com a apresentação das respetivas
candidaturas.
2 – A comissão eleitoral é presidida pelo presidente da mesa do Conselho Geral.
3 – Compete à comissão eleitoral:
a) Admitir as candidaturas;
b) Fiscalizar o processo eleitoral e resolver todas as questões surgidas no seu âmbito;
c) Distribuir entre as diferentes candidaturas os meios de apoio disponibilizados pela Direção da Ordem;
d) Proceder ao apuramento dos resultados eleitorais;
e) Decidir os recursos das decisões das mesas das assembleias de voto.
4 – A comissão eleitoral dispõe do apoio dos serviços da Ordem e todos os órgãos da Ordem devem cooperar
com ela no exercício das suas funções.
Artigo 66.º
Data das eleições
1 – As eleições realizar-se-ão simultaneamente para todos os órgãos eletivos até duas semanas antes do
termo do mandato.
2 – No caso de eleições intercalares do Conselho Geral, elas têm lugar até ao 60º dia posterior à verificação
do facto que lhes deu origem.
Artigo 67.º
Capacidade eleitoral
1 – Têm direito de voto os membros no pleno gozo dos seus direitos, inscritos na Ordem até à data da
marcação das eleições, desde que tenham as contribuições em dia.
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2 – Sem prejuízo do disposto em relação ao Bastonário e ao Vice-Bastonário, bem como ao Conselho
Jurisdicional, podem ser candidatos aos órgãos da Ordem todos os membros que sejam eleitores, desde que
não tenham sido sancionados disciplinarmente nos últimos três anos com uma pena superior a censura.
Artigo 68.º
Candidaturas
1 – As candidaturas para os órgãos nacionais e para os órgãos regionais, se existirem, são apresentadas
perante o presidente da comissão eleitoral.
2 – As listas candidatas aos órgãos colegiais, as quais são individualizadas para cada órgão, é subscrita por
um mínimo de 50 eleitores, no caso dos órgãos nacionais, e de 20, no caso dos órgãos regionais, devendo as
listas incluir os nomes de todos os candidatos efetivos e suplentes a cada um dos órgãos, juntamente com a
declaração de aceitação.
3 – As candidaturas a Bastonário e Vice-Bastonário são subscritas pelo menos por 100 eleitores.
4 – As candidaturas são apresentadas com a antecedência mínima de 60 dias em relação à data das eleições.
Artigo 69.º
Igualdade de tratamento
1 – As listas concorrentes beneficiam de igual tratamento por parte dos órgãos e dos serviços da Ordem.
2 – A Ordem comparticipa nos encargos das eleições e das campanhas eleitorais com montante a fixar pela
Direção, a repartir igualmente pelas listas concorrentes.
Artigo 70.º
Cadernos eleitorais
1 – Os cadernos eleitorais devem ser afixados na sede nacional e nas sedes das delegações regionais,
conforme os casos, com a antecedência prevista no regulamento eleitoral em relação à data da realização da
eleição, devendo também ser disponibilizados no sítio da Ordem na Internet.
2 – Da inscrição ou da omissão indevida nos cadernos eleitorais pode qualquer eleitor reclamar para a
comissão eleitoral nos oito dias seguintes aos da afixação, devendo esta decidir da reclamação no prazo de
quarenta e oito horas.
Artigo 71.º
Verificação das candidaturas
1 – A comissão eleitoral deve verificar a regularidade das candidaturas nos cinco dias subsequentes ao
encerramento do prazo para entrega das listas.
2 – Com vista ao suprimento das eventuais irregularidades encontradas, o primeiro subscritor da lista é
notificado para as sanar no prazo de três dias úteis.
3 – Findo o prazo referido no número anterior sem que se proceda à regularização das candidaturas, deve a
comissão eleitoral rejeitá-las nas vinte e quatro horas seguintes.
Artigo 72.º
Boletins de voto
1 – Os boletins de voto são editados pela Ordem, sob controlo da comissão eleitoral.
2 – Os boletins de voto, bem como as listas de candidatura, são enviados a todos os eleitores até uma
semana antes da data marcada para o ato eleitoral e devem estar disponíveis nos locais de voto.
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Artigo 73.º
Identificação dos eleitores
A identificação dos eleitores é feita através da cédula profissional e, na sua falta, por meio do Cartão de
Cidadão ou qualquer outro documento oficial de identificação com fotografia.
Artigo 74.º
Assembleias de voto
1 – Para efeito de eleição, constituem-se, pelo menos, tantas assembleias de voto quantos os círculos
eleitorais, incluindo a mesa de voto na sede nacional.
2 – A comissão eleitoral pode determinar o desdobramento territorial dos círculos eleitorais.
Artigo 75.º
Votação
1 – O voto pode ser exercido de forma presencial ou por via postal, nos termos do regulamento eleitoral.
2 – O exercício do voto por via postal implica a renúncia ao voto presencial, sendo os votantes descarregados
dos cadernos eleitorais presenciais.
3 – É vedado o voto por procuração.
Artigo 76.º
Reclamações e recursos
1 – Os eleitores e os candidatos podem apresentar reclamação às mesas de voto, com fundamento em
irregularidades do ato eleitoral, que devem ser decididas até ao encerramento da assembleia.
2 – Das decisões das reclamações cabe recurso imediato para a comissão eleitoral, a qual deve apreciá-los
no prazo de quarenta e oito horas, antes de proceder ao apuramento definitivo, sendo a decisão comunicada
aos recorrentes por escrito e afixada na sede e no sítio eletrónico da Ordem.
3 – Das decisões da comissão eleitoral cabe recurso para o Conselho Jurisdicional, no prazo de três dias
úteis contados da data da sua afixação.
4 – O Conselho Jurisdicional é convocado pelo respetivo presidente para decidir os recursos nos oito dias
seguintes.
Artigo 77.º
Referendos
1 – Por deliberação do Conselho Geral, tomada por maioria absoluta, sob proposta do Bastonário, podem
ser submetidas a referendo consultivo ou vinculativo dos membros da Ordem quaisquer questões da
competência daquele órgão, do Bastonário ou da Direção, ressalvadas as questões financeiras ou disciplinares.
2 – Está sujeita a referendo vinculativo obrigatório a aprovação de proposta de dissolução da Ordem.
3 – A realização de qualquer referendo é precedida obrigatoriamente pela verificação da sua conformidade
legal e regulamentar pelo Conselho Jurisdicional, sob pena de nulidade e responsabilidade disciplinar de quem
tenha permitido a sua realização.
4 – A organização dos referendos obedece ao regime previsto para as eleições, com as necessárias
adaptações, nos termos do competente regulamento.
5 – Os casos omissos serão solucionados de acordo com os princípios gerais do regime dos referendos
políticos e legislativos, estabelecido na Constituição e na lei.
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Artigo 78.º
Secções profissionais
O mandato, a competência e a forma de eleição dos órgãos das secções de especialidade e colégios de
especialidade, quando existam, constam de regulamento próprio.
Capítulo V
Gestão administrativa, patrimonial e financeira
Artigo 79.º
Ano social
O ano social corresponde ao ano civil.
Artigo 80.º
Gestão administrativa
1 – A Ordem dispõe de serviços necessários ao desempenho das suas atribuições, nos termos do respetivo
regulamento.
2 – O pessoal está sujeito ao regime do contrato de trabalho, com as ressalvas estabelecidas na lei para
salvaguardar a igualdade e não discriminação no acesso ao emprego em entidades públicas.
Artigo 81.º
Autonomia financeira
A Ordem goza de independência orçamental e financeira, sem prejuízo da tutela prevista nesta lei e na Lei
n.º 2/2013, de 10 de janeiro, bem como da submissão à jurisdição do Tribunal de Contas.
Artigo 82.º
Receitas
1 – Constituem receitas da Ordem:
a) As contribuições e quotas dos seus membros;
b) As taxas por atos ou serviços específicos;
c) O produto da venda das suas publicações;
d) As doações, heranças, legados e subsídios;
e) Os rendimentos de bens e de aplicações financeiras;
f) As receitas provenientes de atividades e projetos;
g) O produto da prestação de serviços.
h) Outras receitas previstas na lei.
2 – O montante das contribuições, quota e taxas, bem como os restantes aspetos relativos à sua fixação e
cobrança são previstos em regulamento.
3 – A Ordem pode recorrer ao crédito dentro dos limites previstos na lei e até ao montante previsto no
orçamento aprovado pelo Conselho Geral.
Artigo 83.º
Despesas
Constituem despesas da Ordem os gastos com instalações e equipamento e com o pessoal, bem como com
todas as atividades necessárias ao desempenho das suas atribuições
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Capítulo VI
Tutela e responsabilidade externa da Ordem
Artigo 84.º
Tutela ministerial
1 – Os poderes de tutela sobre a Ordem, nos termos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, são exercidos pelo
membro do Governo responsável pela área dos assuntos sociais podendo ser delegados num secretário de
Estado.
2 – Ressalvados os casos previstos na lei, os atos e regulamentos da Ordem não estão sujeitos a autorização
nem aprovação governamental.
3 – Compete ao Bastonário submeter a aprovação tutelar, nos termos da lei, os regulamentos que versem
sobre os estágios profissionais e as provas profissionais de acesso à profissão e sobre as especialidades
profissionais.
Artigo 85.º
Relatório anual e deveres de informação
1 – A Ordem elabora anualmente um relatório sobre o desempenho das suas atribuições, que será presente
à Assembleia da República e ao Governo, até ao dia 31 de março de cada ano.
2 – A Ordem presta à Assembleia da República e ao Governo toda a informação que lhe seja solicitada
relativamente ao exercício das suas atribuições.
3 – O Bastonário deve corresponder ao pedido das comissões parlamentares competentes para prestar as
informações e esclarecimentos de que estas necessitem.
Artigo 86.º
Controlo jurisdicional
1 – Os atos praticados pelos órgãos da Ordem no exercício de poderes públicos são passíveis de ação
administrativa especial a interpor junto dos tribunais administrativos nos termos da lei.
2 – A interposição de ação administrativa especial depende da prévia utilização dos recursos internos
previstos nesta lei, designadamente os recursos para o Conselho Jurisdicional.
TÍTULO III
Regime Disciplinar
Artigo 87.º
Princípio da responsabilidade
1 – Os assistentes sociais, bem como os profissionais em livre prestação de serviços que exerçam nos termos
do artigo 36.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, respondem disciplinarmente pelas infrações aos seus deveres,
nos termos da presente lei e do regulamento disciplinar.
2 – A responsabilidade disciplinar dos assistentes sociais por infração aos deveres deontológicos ou aos
deveres sociais perante a Ordem é independente da sua responsabilidade disciplinar perante as entidades
empregadoras, por infração dos deveres emergentes de relações de trabalho.
3 – A responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil e criminal decorrente dos mesmos
atos, sem prejuízo dos números seguintes.
4 – A acusação por crime praticado no exercício de funções profissionais acarreta a obrigação de instauração
de procedimento disciplinar, caso não tenha sido instaurado, e a condenação penal acarreta a suspensão
preventiva do visado.
5 – Os factos apurados em processo penal consideram-se também provados em processo disciplinar.
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Artigo 88.º
Exercício da ação disciplinar
1 – Podem desencadear o procedimento disciplinar o Bastonário, a Direção nacional e as direções regionais,
o Ministério Público e, oficiosamente, o próprio presidente do Conselho Jurisdicional.
2 – A iniciativa de procedimento disciplinar cabe ainda ao Provedor dos Utentes, se existir.
3 – O procedimento disciplinar contra o Bastonário ou contra qualquer membro do Conselho Jurisdicional só
pode ser instaurado por deliberação do Conselho Geral aprovada por maioria absoluta.
4 – O procedimento disciplinar rege-se por regulamento aprovado pelo Conselho Geral, sendo
supletivamente aplicável o regime previsto no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas.
Artigo 89.º
Infração disciplinar
1 – Considera-se infração disciplinar toda a ação ou omissão que consista em violação dolosa ou culposa
dos deveres consignados na lei, no código deontológico ou nos regulamentos.
2 – Qualquer pessoa direta ou indiretamente afetada pode participar à Ordem factos suscetíveis de constituir
infração disciplinar praticados por assistentes sociais.
Artigo 90.º
Prescrição da responsabilidade disciplinar
1 – As infrações disciplinares prescrevem no prazo de cinco anos a contar da prática do ato, ou do último ato
em caso de prática continuada, sendo o prazo de prescrição interrompido pelo desencadeamento do
procedimento disciplinar.
2 – Se as infrações constituírem simultaneamente infrações penais, prescrevem no mesmo prazo que o
procedimento criminal, se este for superior.
3 – A responsabilidade disciplinar também prescreve se, desde a participação da infração cometida a
qualquer órgão da Ordem não se iniciar o procedimento disciplinar competente num período de nove meses.
Artigo 91.º
Cessação da responsabilidade disciplinar
A responsabilidade disciplinar mantém-se durante o período de suspensão da inscrição na Ordem e não
cessa com o pedido de cancelamento da inscrição, nem com a expulsão, por infrações anteriormente praticadas.
Artigo 92.º
Penas disciplinares
1 – As penas disciplinares são as seguintes:
a) Advertência;
b) Censura;
c) Multa, entre 1 e 10 IAS;
d) Suspensão dos direitos e regalias em relação à Ordem, incluindo direitos eleitorais, até um máximo de
2 anos;
e) Suspensão do exercício profissional até ao máximo de 2 anos;
f) Expulsão.
2 – A pena prevista na alínea a) é aplicada às infrações praticadas com culpa leve, de que não tenha resultado
prejuízo grave para terceiro nem para a Ordem.
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3 – A pena prevista na alínea b) é aplicada às infrações disciplinares praticadas com negligência grave por
infração sem gravidade ou em caso de reincidência na infração referida no número anterior.
4 – A pena prevista na alínea c) é aplicável a infrações graves que não devam ser punidas com pena mais
severa;
5 – A pena prevista na alínea e) é aplicável a infração que afete gravemente a dignidade e o prestígio da
profissão ou lese direitos ou interesses relevantes de terceiros;
6 – A pena prevista na alínea f) é aplicável quando, tendo em conta a natureza da profissão, a infração
disciplinar tenha posto em causa a vida ou a integridade física das pessoas ou seja gravemente lesiva da honra
ou do património alheios ou de valores equivalentes, sem prejuízo do direito à reabilitação
7 – As sanções disciplinares previstas nas alíneas e) e f) são aplicáveis apenas às infrações graves e muito
graves, não podendo ter origem no incumprimento pelo membro de dever de pagar contribuições ou de qualquer
outro dever de natureza pecuniária.
8 – Excetua-se do disposto no número anterior o incumprimento pelo membro do dever de pagar
contribuições, que pode dar lugar à aplicação da pena prevista na alínea e) quando se apure que aquele
incumprimento é culposo e se prolongue por um período superior a 12 meses.
9 – Na situação prevista no número anterior, o pagamento voluntário das contribuições em dívida determina
a impossibilidade de aplicação da sanção disciplinar prevista na alínea e), ou a sua extinção, caso já tenha sido
aplicada.
10 – A aplicação de penas mais graves do que a de censura a membro que exerça algum cargo nos órgãos
da Ordem implica a destituição desse cargo.
11 – A aplicação da pena de interdição a qualquer membro, bem como a aplicação de qualquer sanção
disciplinar ao Bastonário, não podem ser aprovadas contra o voto do presidente do Conselho Jurisdicional.
12 – A aplicação das penas de suspensão ou de interdição só pode ter lugar precedendo audiência pública,
salvo falta do arguido, nos termos do regulamento disciplinar.
13 – Salvo quando o Conselho Jurisdicional justificadamente determinar outra coisa, por razões ligadas à
defesa dos interesses da Ordem ou de direitos ou interesses legítimos de terceiros, as sanções disciplinares
são sempre tornadas públicas.
Artigo 93.º
Graduação
Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, à
gravidade e consequências da infração, ao grau de culpa e a todas as demais circunstâncias agravantes ou
atenuantes.
Artigo 94.º
Reabilitação
1 – O membro punido com sanção de expulsão pode ser reabilitado desde que se verifiquem
cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham decorrido mais de 10 anos sobre a data em que se tornou definitiva a decisão que aplicou a
sanção de expulsão;
b) O membro tenha revelado boa conduta, podendo, para o demonstrar, utilizar os meios de prova
admitidos em Direito.
2 – O processo de reabilitação segue a tramitação prevista no regulamento disciplinar.
3 – Concedida a reabilitação, o membro reabilitado recupera plenamente o direito de exercer a profissão.
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TÍTULO IV
Disposições Finais e Transitórias
Artigo 95.º
Comissão instaladora
1 – A Ordem considera-se efetivamente instalada com a primeira reunião do Conselho Geral e a concomitante
tomada de posse do primeiro Bastonário eleito nos termos dos estatutos.
2 – Até essa data, a Ordem é interinamente gerida por uma comissão instaladora, com poderes limitados
para esse efeito.
3 – A comissão instaladora é composta por cinco elementos, incluindo o presidente, sendo nomeada pelo
membro do Governo responsável pela área dos assuntos sociais, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor
da presente lei, após audição das associações de assistentes sociais existentes, podendo os seus membros ser
substituídos nos mesmos termos.
4 – O mandado da comissão instaladora tem a duração máxima de um ano a partir da data da sua nomeação,
cessando com a investidura dos órgãos nacionais da Ordem, nos termos do n.º 1.
5 – Se no prazo definido no número anterior não tiverem sido eleitos os órgãos da Ordem, o Ministro
competente para a área dos assuntos sociais pode determinar a prorrogação do mandato da comissão
instaladora, simultaneamente com a marcação da data das eleições.
6 – Os atos ilegais da comissão instaladora são suscetíveis de recurso para o Ministro responsável pela área
dos assuntos sociais, sem o que não podem ser judicialmente impugnados.
Artigo 96.º
Competência e funcionamento da comissão instaladora
1 – Compete à comissão instaladora:
a) Promover as inscrições na Ordem nos termos da presente lei e aprovar o respetivo regulamento
provisório, incluindo o valor provisório das taxas de inscrição;
b) Elaborar e manter atualizado o registo nacional dos assistentes sociais e torná-lo público no sítio da
Ordem na Internet;
c) Preparar e submeter a aprovação ministerial os regulamentos necessários à entrada em
funcionamento da Ordem, nomeadamente os respeitantes aos atos eleitorais;
d) Preparar e proceder à convocação e organização das primeiras eleições para os órgãos da Ordem,
nos termos da presente lei, até 30 dias antes do termo do seu mandato e apreciar os eventuais
recursos;
e) Realizar todos os atos necessários à instalação e início do funcionamento da Ordem;
f) Convocar a primeira reunião do Conselho Geral, que incluirá a tomada de posse do Bastonário e do
Vice-Bastonário, nos 15 dias posteriores ao apuramento dos resultados eleitorais, ou do julgamento
dos recursos, se os houver;
g) Prestar contas do mandato exercido mediante relatório dirigido ao ministro da tutela e aos órgãos
eleitos da Ordem.
2 – Na prossecução das suas competências, a comissão instaladora rege-se pela presente lei com as
necessárias adaptações e pelas regras relativas às "estruturas de missão", na parte aplicável.
3 – As despesas da comissão instaladora, nos termos definidos no despacho ministerial, correm por conta
da Ordem, sendo satisfeitas designadamente por via da receita das taxas de inscrição cobradas.
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Artigo 97.º
Inscrição na Ordem no período de instalação
Sem prejuízo dos impedimentos previstos na lei, podem requerer à comissão instaladora a sua inscrição
como membros efetivos da Ordem os profissionais que, tendo um título académico habilitante, nos termos da
presente lei, comprovem o exercício da atividade profissional como assistente social durante um período mínimo
de 12 meses, até 30 dias antes da data marcada para as primeiras eleições, nos termos a definir pela Ordem.
Artigo 98.º
Dispensa transitória de estágio e de provas de habilitação profissional
1 – O estágio profissional e as provas de habilitação profissional referidos nos artigos 6º e 10º só se
consideram exigíveis para inscrição na Ordem para os assistentes sociais que iniciam a atividade profissional
um ano após o início de funcionamento da Ordem, podendo esse prazo ser prorrogado pela Direção por igual
período.
2 – Até ao fim do período previsto no número anterior, podem inscrever-se como membros efetivos da Ordem,
com direito ao título profissional, os titulares de título académico habilitante que exerçam a profissão há pelo
menos um ano, sendo inscritos como estagiários os que ainda não preencham esse último requisito.
Artigo 99.º
Regulamentos
Incumbe à primeira Direção preparar e apresentar ao Conselho Geral, no prazo de três meses após a primeira
reunião deste, os projetos de regulamento de estágio, de provas de avaliação, bem como de código deontológico
e de regulamento disciplinar, os quais devem ser aprovados pelo Conselho até ao fim do 6º mês posterior à sua
primeira reunião.
Artigo 100.º
Requisito temporal de capacidade eleitoral passiva
Enquanto não tiver decorrido o número de anos correspondente, o requisito de capacidade eleitoral passiva
relativo ao número mínimo de anos de inscrição na Ordem inclui o número de anos de exercício da profissão
comprovado junto da comissão eleitoral.
Artigo 101.º
Responsabilidade disciplinar
A responsabilidade disciplinar dos atuais profissionais inicia-se com a sua inscrição na Ordem, não
abrangendo os atos praticados anteriormente.
Artigo 102.º
Duração do primeiro mandato
O primeiro mandato dos órgãos da Ordem inicia-se no dia da primeira reunião do Conselho Geral e da tomada
de posse do Bastonário e termina no dia 31 de outubro do terceiro ano subsequente.
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Artigo 103.º
Associação dos Profissionais de Serviço Social
1 – Se, na sequência da criação da Ordem dos Assistentes Sociais, for extinta a Associação dos Profissionais
de Serviço Social, os seus bens e créditos, livres de ónus e encargos, revertem a favor da Ordem, ressalvado o
disposto no n.º 1 do artigo 166.º do Código Civil.
2 – Por decisão da Direção, e salvo oposição dos interessados, a Ordem pode suceder na posição da
Associação nos contratos de trabalho, de prestação de serviços, de arrendamento, de leasing e de outros
contratos em que a Ordem tenha interesse.
Palácio de São Bento, 20 de fevereiro de 2018.
Os Deputados do CDS-PP: Filipe Anacoreta Correia — António Carlos Monteiro — Nuno Magalhães —
Assunção Cristas — Hélder Amaral — Pedro Mota Soares — João Rebelo — Ilda Araújo Novo — Patrícia
Fonseca — Álvaro Castelo Branco — Filipe Lobo d'Ávila — Isabel Galriça Neto.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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ANEXO
Estudo elaborado pelo Centro de Estudos Sociais
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O CAMPO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL:
ESTUDO SOCIOLÓGICO TENDO EM VISTA
A CONSTITUIÇÃO DA ORDEM PROFISSIONAL
DOS ASSISTENTES SOCIAIS
Relatório final
Coordenação
António Casimiro Ferreira
Pedro Hespanha
Equipa de investigação
Bruno Sena Martins
Carina Sousa Gomes
Carlos Nolasco
Marina Henriques
Vítor Silva
Coimbra, Julho de 2009
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ÍNDICE
Introdução .................................................................................................................................................. 1
Nota metodológica ................................................................................................................................... 4
1. Introdução ............................................................................................................................................ 4
2. O Inquérito por Questionário .............................................................................................................. 5
3. A Entrevista ......................................................................................................................................... 6
Capítulo I – As profissões, os mecanismos de auto-regulação e a emergência das ordens profissionais .............................................................................................................................................. 8
1. A transformação das profissões ............................................................................................................ 8
2. Profissões, profissionalismo e pós-profissionalismo: as velhas, as novas e as profissões em adaptação ............................................................................................................................................................... 10
3. O auto-controlo profissional: controvérsias entre reforço e declínio .................................................. 11
4. A regulação profissional: as ordens profissionais ............................................................................... 13
5. Ordens profissionais em Portugal: breves apontamentos .................................................................. 14
Capítulo II – A Profissão de Assistente Social em Portugal........................................................... 17
1. Introdução .......................................................................................................................................... 17
2. Breve visão histórica do Serviço Social em Portugal ......................................................................... 17
3. A Formação em Serviço Social ........................................................................................................... 21
4. A organização profissional ................................................................................................................. 26
5. Breve Enquadramento Legal da Profissão de Assistente Social ......................................................... 30
6. Título Profissional e Graus Académicos ............................................................................................ 34
7. Ética Profissional ............................................................................................................................... 35
8. A Profissão de Assistente Social em Portugal: principais áreas de intervenção ................................ 37
9. Breves notas sobre o crescimento no número de Assistentes Sociais ................................................. 42 9.1. A formação de Assistentes Sociais ........................................................................................ 42 9.2. Efectivos em Serviço Social: sector público – sector privado ............................................ 43 9.3. Estrutura do mercado de trabalho ........................................................................................ 45
Capítulo III – Os profissionais do Serviço Social: caracterização dos percursos e práticas ..... 47
1. Introdução .......................................................................................................................................... 47
2. Caracterização sócio-demográfica dos respondentes .......................................................................... 47
3. Habilitações e percurso académico ..................................................................................................... 52
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4. Condição perante o trabalho ............................................................................................................... 55
5. Auto-regulação profissional ............................................................................................................... 64
Capítulo IV – Os discursos dos profissionais do Serviço Social ................................................... 69
1. Introdução .......................................................................................................................................... 69
2. Caracterização sócio-demográfica dos profissionais de Serviço Social entrevistados ......................... 69
3. Formação académica ........................................................................................................................... 70
4. Áreas de intervenção e funções dos assistentes sociais ....................................................................... 76
5. Representações sobre a profissão ........................................................................................................ 82
6. Expectativas face à evolução da procura dos serviços prestados pela profissão .................................. 89
7. Desafios à profissão ............................................................................................................................ 93
8. Profissões que competem com a de Assistente Social ......................................................................... 94
9. Nível de autonomia no exercício da profissão .................................................................................... 96
10. Opinião, expectativas e interesse público da constituição da Ordem dos Profissionais do Serviço Social ...................................................................................................................................................... 98
Conclusões ............................................................................................................................................. 107
Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 111
Anexo 1 ................................................................................................................................................... 115
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1
Introdução
A iniciativa do presente estudo partiu da Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS)
e visou dar cumprimento ao disposto na Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, que instituiu o
regime de constituição de Associações Profissionais Públicas, com o objectivo de criar uma
Ordem de Profissionais de Serviço Social.
O estudo incidiu sobre o campo de actuação dos profissionais de Serviço Social, procurando, de
acordo com o normativo referido, avaliar o interesse público da profissão e o impacto que a
criação de uma ordem profissional terá sobre a regulação da profissão, designadamente no que
respeita ao controlo de qualidade da formação, ao ingresso na profissão, à fiscalização
deontológica do desempenho profissional, à garantia da qualidade profissional e ao exercício da
acção disciplinar.
O campo profissional em estudo apresenta um conjunto de singularidades várias que se foram
estruturando em função da sua evolução histórica, do aprofundamento do conjunto de
conhecimentos que o enquadra e do alargamento das suas áreas de intervenção. A
imprescindibilidade da intervenção social, nas mais variadas áreas sociais onde as fragilidades
dos cidadãos se manifestam, permitiu um padrão de crescimento, qualitativo e quantitativo,
dos profissionais de Serviço Social associado a uma melhoria da qualificação e da organização
para responder às exigências actuais. Deste modo, a evolução e capacidade de resposta que os
profissionais de Serviço Social têm demonstrado nas últimas décadas são a melhor garantia de
que, a par de uma crescente fragilidade das redes sociais de apoio e da estabilidade dos
cidadãos, emerge um corpo profissional que tem desempenhado um papel crucial na protecção
dos mais desfavorecidos e dos portadores de maiores fragilidades sociais (que vai muito além
das dificuldades económicas), através da oferta de serviços, diversificados e qualificados, que
têm contribuído para uma melhor qualidade de vida em geral.
A diversidade crescente das intervenções destes profissionais, aliada ao alargamento dos
domínios de exercício profissional e à multiplicidade de mecanismos de resposta às
necessidades sociais (seja através da intervenção do Estado seja, cada vez mais, pela intervenção
da sociedade civil na vertente associativa ou na vertente da responsabilidade social das
empresas), tem implicado uma exposição social muito maior, em que os factores de risco social
são emergentes e, simultaneamente, muito complexos. Por conseguinte, exige-se a estes
profissionais uma capacidade de actuação acrescida, em parceria com múltiplas entidades e
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2
profissionais, e uma aguda percepção da especificidade do seu campo de acção e das mudanças,
por vezes quase imperceptíveis, que estão a ocorrer nas sociedades contemporâneas. Este
contexto mutante impõe, assim, que se estude e reflicta sobre o melhor processo de organização,
fiscalização e controlo do campo de actuação dos profissionais de Serviço Social, desde a
formação até à avaliação da intervenção profissional por forma a permitir que esta corresponda
à acção competente e eficaz que a sociedade espera.
O estudo procura responder a estas inquietações procedendo a uma caracterização dos
profissionais de Serviço Social enquanto grupo profissional, que combina os indicadores
objectivos sobre diversos aspectos da profissão, desde a sua formação escolar e profissional até
aos modos de exercício dessa profissão, com informação mais subjectiva decorrente da
experiência dos profissionais, sobre a avaliação que estes fazem daqueles e de outros aspectos
da profissão, como a estrutura formativa, as áreas de intervenção profissional, as dinâmicas do
mercado de trabalho e os modos de regulação das actividades profissionais, tudo num contexto
de grande turbulência das sociedades modernas, em geral, e da articulação entre as profissões,
em particular.
O presente relatório, que apresenta os resultados do estudo efectuado, está repartido em cinco
capítulos, antecedidos de uma nota metodológica. O primeiro capítulo desenha um
enquadramento teórico para a problemática da auto-regulação da profissão do Serviço Social,
abrindo uma reflexão sobre o contexto actual da profissão e sobre as transformações que vêm
ocorrendo nas últimas décadas quer no campo das profissões quer nos mecanismos de (auto)
regulação. O segundo capítulo congrega uma breve análise sócio-histórica dos profissionais de
Serviço Social, em Portugal, clarificando o seu trajecto profissional, as suas especificidades, os
seus meios de formação e o contexto educativo em que se inserem. O terceiro capítulo apresenta
e discute os resultados da aplicação de um inquérito por questionário aos profissionais de
Serviço Social, visando não só a caracterização sócio-profissional destes, mas também uma
auto-avaliação relativa às suas competências e desempenho profissional e às expectativas em
termos de modos de regulação da profissão. O quarto capítulo tem um pendor mais qualitativo
e centra-se na análise de conteúdo de um conjunto alargado de entrevistas a profissionais de
Serviço Social exercendo as suas funções em diversas áreas sociais e a profissionais com
responsabilidades de natureza distinta e mais institucional mas com eventual impacto na
actuação daqueles. Por fim, no quinto capítulo, procura-se realizar uma avaliação deste campo
profissional, através de uma síntese avaliativa das potencialidades e das fragilidades expostas
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3
nos capítulos anteriores, tendo em vista a apresentação de um modelo de organização e
regulação profissional.
Este estudo foi realizado entre Fevereiro e Junho de 2009, por uma equipa alargada de
investigadores, coordenada cientificamente por Pedro Hespanha e António Casimiro Ferreira, e
constituída por Carina Sousa Gomes, Marina Henriques, Carlos Nolasco, Bruno Sena Martins e
Vítor Silva. O Centro de Estudos Sociais providenciou as condições logísticas e científicas para
que o estudo se desenvolvesse com normalidade no curto período de tempo disponível.
O estudo não poderia ter sido realizado sem a colaboração de muitas pessoas que nele
participaram, de forma directa ou indirecta, designadamente aquelas que manifestaram a sua
disponibilidade para serem entrevistadas e/ou inquiridas. A todas se quer deixar aqui uma
palavra de agradecimento. À Associação dos Profissionais de Serviço Social, em particular,
agradece-se a confiança depositada no Centro de Estudos Sociais e nesta equipa de
investigadores para a realização de um estudo desta natureza.
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4
Nota metodológica
1. Introdução
Neste tipo de estudos, a aliança entre metodologias quantitativas e qualitativas revelou ser a
forma mais apropriada para apreender, por um lado, tendências mais gerais e, por outro,
motivações e princípios que justificam as tendências identificadas. Desta forma, optou-se pela
utilização de dois instrumentos de recolha de informação – o inquérito por questionário e a
entrevista – porque permitem complementar adequadamente aquelas duas componentes da
observação. Como argumenta José M. Mendes, aquilo que “se apreende num questionário a
uma amostra representativa não é o mesmo que se capta numa entrevista”(Mendes, 2003: 1)1
O objectivo primeiro da aplicação dos inquéritos por questionário a assistentes sociais era
alcançar uma cobertura extensiva do universo em estudo, que permitisse traçar uma
caracterização soció-demográfica geral daqueles indivíduos e delinear algumas tendências
sobre as formas como concebem e interpretam a possível constituição de uma Ordem
Profissional.
.
No entanto, os dados provenientes do questionário não eram suficientes para satisfazer todos os
propósitos desta investigação, porque não permitiam perceber quais as lógicas e as motivações
subjacentes àquelas tendências mais gerais.
Tendo em conta que os métodos qualitativo e quantitativo, porque observam realidades
diferentes ou aspectos diferentes da mesma realidade, nunca são substitutos um do outro,
decidiu-se realizar um conjunto de entrevistas, na medida em que os métodos qualitativos são
mais úteis e mais poderosos quando usados para explorar a forma como os respondentes
encaram o mundo (McCraken, 1988: 16-18).
1 Para uma análise crítica do inquérito por questionário cfr. Ferreira (1986).
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5
2. O Inquérito por Questionário
O inquérito por questionário a Assistentes Sociais esteve disponível para preenchimento no
sítio electrónico do Centro de Estudos Sociais. O período de recolha de dados ocorreu de 12 de
Março a 7 de Abril do corrente ano.
Numa primeira fase, foram contactados por via electrónica cerca de 2.000 assistentes sociais
constantes de uma base de dados facultada pela APSS, aos quais se solicitou a resposta ao
inquérito por questionário. Solicitou-se, também, que funcionassem como intermediários do
estudo, divulgando-o por outros profissionais de Serviço Social que conhecessem e que não
tivessem recebido o contacto original por não constarem da referida base.
Numa segunda fase foi, então, mantido um contacto estreito com outros assistentes sociais que
manifestaram interesse em colaborar no estudo.
A cada indivíduo foi fornecido um nome de utilizador e uma palavra-chave de uso único. O
anonimato e a confidencialidade das respostas foram assegurados, uma vez que as chaves
foram atribuídas através de um processo aleatório de base informática.
Durante o período da recolha de dados, foi possível obter 536 respostas, das quais 483 foram
validadas para análise. Entre as 53 respostas não consideradas encontram-se alguns casos de
respondentes ainda estudantes de licenciatura, e outros que não fornecem resposta,
simultaneamente, às questões relativas ao sexo, idade, nível de escolaridade e concelho do
domicílio profissional. No primeiro caso, por não fazerem parte do objecto de análise e, no
segundo, por não responderem a variáveis essenciais para a própria caracterização sócio-
demográfica, este conjunto foi eliminado da base de dados original.
Sendo conhecidos os limites metodológicos da recolha de dados por via electrónica –
nomeadamente as dificuldades causadas pelo tempo de resposta – optou-se por elaborar um
questionário o mais sintético possível, incluindo apenas questões consideradas essenciais para a
análise.
Neste sentido, o questionário é constituído por quatro secções distintas, de acordo com os
interesses e objectivos do estudo. A primeira, onde constam apenas três questões, diz respeito
aos dados pessoais dos respondentes. A segunda é constituída por um bloco de questões sobre
as habilitações literárias dos respondentes. A terceira e quarta secções, com seis e quatro
perguntas, respectivamente, centram-se nas questões mais directamente ligadas às condições
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6
perante o trabalho e às opiniões sobre constituição de uma Ordem Profissional na área do
Serviço Social.
Nesta última secção, sobre a auto-regulação profissional – a de maior importância para os
propósitos do estudo – exploram-se não só as opiniões mais gerais sobre a constituição da
Ordem, mas também as vantagens e as desvantagens que os respondentes lhe atribuem, os seus
impactos públicos e, por fim, as condições e os requisitos que devem conduzir a admissão de
um licenciado em Serviço Social na Ordem Profissional.
Os dados resultantes deste instrumento metodológico, a partir das diferentes partes que o
compõem, são analisados no terceiro capítulo deste relatório.
3. A Entrevista
A metodologia da entrevista, constituindo um instrumento primordial de investigação em
ciências sociais enquanto método de pesquisa qualitativo, foi privilegiada no presente estudo
enquanto instrumento de recolha de informação. O modelo de entrevista aplicado foi o da
entrevista semi-estruturada. As potencialidades deste instrumento metodológico consistem
fundamentalmente na possibilidade de uma determinada flexibilidade na sua condução e na
exploração dos temas por parte do entrevistado. O investigador apenas fixa os tópicos
principais a abordar, devendo ter um conhecimento total de todos os temas sobre os quais
pretende obter respostas do entrevistado.
Para melhor caracterizar o exercício profissional dos assistentes sociais, recorreu-se à entrevista
semi-estruturada junto de uma amostra dos actores envolvidos, por se considerarem
indissociáveis dos sistemas em que operam, procurando obter testemunhos de combinação
entre as vivências que nos legam e as perspectivas que nos propõem. O principal objectivo foi o
de criar condições de visibilidade sociológica sobre a forma como a actividade dos profissionais
do Serviço Social se traduz em experiências e práticas sociais efectivas no que diz respeito a
questões como a regulação profissional.
A escolha desta técnica de entrevista dependeu do conhecimento visado, isto é, recorreu-se a
entrevistas semi-estruturadas de modo a possibilitar reunir informação qualitativa importante.
As questões que integraram o guião de entrevista obedeceram a um formato de perguntas
abertas, com o objectivo de melhor compreender as percepções sobre o exercício desta
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actividade profissional e as opiniões sobre a importância da constituição de uma Ordem
Profissional do Serviço Social.
Após a análise de conteúdo das entrevistas realizadas, apresentam-se os resultados obtidos pela
metodologia das entrevistas semi-estruturadas organizados de acordo com as categorias
resultantes da análise de conteúdo.
Foram realizadas 30 entrevistas a profissionais do Serviço Social e a profissionais com funções
de carácter institucional, designadamente a desempenhar funções de coordenação, liderança ou
ao nível da formação. Grant McCracken (1998: 17-25) defende que o objectivo das metodologias
qualitativas não é o de generalização. Desta forma, é mais importante trabalhar mais e com
mais cuidado com poucos indivíduos do que superficialmente com um maior número de
indivíduos. Além disso, os entrevistados não constituem uma amostra e a sua escolha não deve
seguir, por isso, os princípios da amostragem. No entanto, há algumas regras que podem ser
seguidas. Por exemplo, seleccionando entrevistados com contrastes em função do sexo, da
idade, da educação, entre outros critérios.
No presente estudo, e no caso dos profissionais do Serviço Social sem funções de carácter
institucional, os indivíduos a entrevistar foram seleccionados em função do sexo, do grupo
etário, do sector e da região do país em que desenvolvem a sua actividade profissional, factores
que, teoricamente, estabelecem diferenças significativas nas opiniões e nos comportamentos dos
indivíduos. Além disso, foram seleccionados a partir de uma técnica de amostragem não-
probabilística, a bola de neve. Neste tipo de técnica “começa-se por seleccionar um indivíduo de
interesse que depois recomenda outros indivíduos, que por sua vez recomendam outros,
aumentado a dimensão da amostra geometricamente” (Maroco, 2003: 22).
No caso dos entrevistados com funções de carácter institucional, partiu-se de uma listagem
cedida pela APSS e seleccionaram-se os indivíduos a entrevistar a partir de uma técnica de
amostragem probabilística aleatória simples, tendo todos os elementos da amostra sido
seleccionados ao acaso, assegurando que todos teriam a mesma probabilidade de serem
seleccionadas.
As entrevistas decorreram, na sua maioria, no espaço de trabalho dos profissionais
entrevistados, tendo sido integralmente gravadas e transcritas. Os excertos que se incorporam
no presente relatório de investigação são identificados de acordo com a expressão “Ent.”,
seguida de uma numeração atribuída aleatoriamente.
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Capítulo I – As profissões, os mecanismos de auto-regulação e a emergência das
ordens profissionais
1. A transformação das profissões
As profissões encontram-se em permanente transformação. Esta ocorre em tempos e espaços
distintos de acordo com as necessidades sociais e, não menos importantes, profissionais. Aliás,
as transformações promovidas pelas próprias profissões, segundo estratégias de revalorização
profissional ou de manutenção de um status quo, são elementos constantes da evolução das
sociedades, desde os tempos mais remotos até aos nossos dias.
Alguns autores tendem a considerar que as profissões estão actualmente em «crise» devido às
profundas mudanças que abalam os seus alicerces identitários. Eliot Freidson (2000), um dos
autores mais marcantes nos estudos sociológicos das profissões, opõe-se, contudo, a esta visão
de que as mudanças na posição dos profissionais são indícios ou sintomas do declínio e
desaparecimento das profissões e sustenta que os elementos essenciais do profissionalismo se
mantêm embora assumindo outras características. Assim, a sua análise da evolução das
profissões na sociedade pós-industrial parte das recentes mudanças da opinião pública, do
mercado e das políticas estatais. A transformação das profissões está, deste modo, interligada
com as transformações da sociedade, num sentido amplo. E falar de «crise» das profissões
implica uma reflexão sobre que profissões estão em «crise» e que factores explicam essa
situação. Passando um rápido olhar sobre as profissões em «crise», verificamos que as
principais «atingidas» são as profissões tradicionais com um estatuto social elevado, como
sejam os médicos, advogados, políticos ou professores. Outras profissões menos valorizadas
socialmente ou com um menor impacto na sociedade são excluídas desta análise ou, em caso de
extinção, esquecidas. No entanto, a «crise» destas profissões acontece no preciso momento em
que aumenta a competitividade profissional, com o surgimento e ascensão de «novas»
profissões, a reconversão de outras e se questiona os monopólios de conhecimento e de
exercício profissional (Dubar, 1997). Neste último grupo podemos incluir os profissionais de
Serviço Social, como uma profissão que, pese embora a sua tradição relativamente recente
(Mouro e Simões, 2001), conseguiu já consolidar um processo de profissionalização, assente na
formação e na “oferta” de serviços cada vez mais prementes, que impõem níveis de organização
e de sensibilidade social apurados (Negreiros, 1995).
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As profissões distinguem-se em função da organização das suas competências técnicas e do
poder que detêm em sectores particularmente relevantes da vida social. A competência é o
elemento-chave de qualquer profissão “por possibilitar uma forma de monopólio do
conhecimento técnico por parte do grupo profissional”. O poder “consiste no facto de a
profissão poder usar de maneira privilegiada, mesmo monopolisticamente, esses
conhecimentos técnicos” (Ferrarese: 1992: 43), correspondendo tal poder a um reconhecimento
por parte da sociedade de que a profissão exerce uma importante função de interesse geral. As
profissões são, hoje em dia, confrontadas com um conjunto de transformações societais que as
impele a actualizar quer as suas competências quer os equilíbrios de poder existentes entre os
vários grupos profissionais.
Por isso, independentemente das perspectivas teóricas, é consensual afirmar-se que o
protagonismo das profissões não só se manteve como é cada vez maior. Tal como Rodrigues e
Carapinheiro sublinham, recorrendo à perspectiva parsoniana, “o desenvolvimento e aumento
da importância das profissões constitui provavelmente a mais importante mudança ocorrida no
sistema ocupacional das sociedades modernas” (1998: 147). Ora, estas mudanças continuam a
ocorrer e têm vindo a contribuir para a redefinição de noções como profissão e profissionalismo
e permitindo, ainda, o surgimento de novas noções como a de pós-profissionalismo. “Se é
verdade que em muitas circunstâncias se contesta hoje o poder dos profissionais e não se aceita,
sem discutir, a sua autoridade, é também verdade que o modelo associado ao profissionalismo
se divulgou como um valor positivo, oposto ao do amadorismo, assalariamento, funcionalismo
e outros, passando a profissionalização a constituir uma aspiração de muitos grupos
profissionais pelo poder, prestígio e autonomia que lhe estão associados” (Rodrigues e
Carapinheiro, 1998: 147-148)2
.
2 Tomando como exemplo de estratégias profissionais distintas, o caso dos médicos e enfermeiros, verificamos que os primeiros lutam pela manutenção do seu poder e prestígio e os segundos procuram imiscuir-se num espaço reservado tradicionalmente apenas aos médicos (Rodrigues e Carapinheiro, 1998; Carapinheiro, 1998; Ruivo, 1987; Pimentel et al., 1991).
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2. Profissões, profissionalismo e pós-profissionalismo: as velhas, as novas e as
profissões em adaptação
O conceito de profissão tem tido vários significados ao longo dos tempos3
O mesmo autor encarrega-se de mostrar que vários factores podem estar a descaracterizar o
profissionalismo e refere, a propósito, a perda de exclusividade profissional; a crescente
segmentação da utilização do conhecimento abstracto através da especialização; e o crescimento
do uso das novas tecnologias no acesso às fontes de informação. Esta nova realidade, que
designa de pós-profissionalismo, permite que os serviços antes desempenhados exclusivamente
por certas profissões possam agora ser efectuados por um conjunto de profissões
especializadas. A resistência das profissões tradicionais não conseguiu combater a crescente
especialização e segmentação de tarefas, bem como o acesso alargado à informação, em especial
através da Internet. Assim, o pós-profissionalismo que Kritzer (1999) aborda combina as
complexidades desta evolução profissional com a multiplicidade de modos em que se
manifestam, nomeadamente nas mudanças dos padrões de influência política, na racionalização
do conhecimento e no crescimento das tecnologias como instrumento de trabalho e acesso à
informação.
. Herbert Kritzer
(1999) considera três definições, que sintetizamos: a de senso comum, que é sinónima de
ocupação, em oposição a amador; a histórica, que inclui um conjunto de ocupações que exigem
formação específica e selecção através do mérito demonstrado e uma avaliação por outros
profissionais da mesma área; e a sociológica, que usa a palavra profissional num sentido mais
restrito. Nesta última definição, dois elementos são fundamentais na caracterização da
profissão: a exclusividade profissional e a utilização de conhecimento abstracto. Algumas
profissões conseguiram adicionar outros atributos, tais como altruísmo, autonomia regulatória e
independência face aos “clientes” e Estado, que contribuíram para uma maior afirmação em
relação a outras profissões (desde logo, o caso da medicina e da advocacia).
Por outro lado, sendo as profissões entidades que, no entender de Richard Abel (1986),
procuram, por natureza, limitar o acesso à profissão e reduzir os níveis de competição interna,
algumas delas, como por exemplo as jurídicas, a dos economistas ou a dos arquitectos, têm
vindo a perder estes mecanismos de controlo. Contudo, outras há que, não detendo
historicamente estes mecanismos de controlo, aspiram e, por vezes conseguem, introduzir
mecanismos de organização, controlo e fiscalização profissional. O pós-profissionalismo 3 Sobre a evolução das profissões e dos modelos de análise ver Rodrigues (1997) ou Dubar (1997).
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caracteriza-se, então, por uma especialização dos serviços prestados pelos vários profissionais
de forma idêntica ao que sucedeu com a especialização de produtos. Como esta especialização
implicou a deslocalização da mão-de-obra, também a especialização verificada na produção de
serviços impõe uma flexibilidade de recursos humanos, quer a nível contratual quer mesmo em
termos geográficos. Como refere Kritzer (1999: 718), “a alteração da natureza do trabalho
combinada com a diminuição do emprego estatal e a globalização da actividade económica
constituem as condições para a emergência do pós-profissionalismo”.
3. O auto-controlo profissional: controvérsias entre reforço e declínio
Ao relembrar o que se afirmou atrás sobre o declínio das profissões e a perda de controlo
profissional (Abel, 1986) verifica-se a existência de três factores principais que contribuem para
esta realidade (Kritzer, 1999: 718): a alteração da natureza do trabalho, a transformação dos
mecanismos de controlo e autonomia profissional e a globalização da prestação de serviços
profissionais.
Em relação às alterações na natureza do trabalho, verifica-se um declínio do trabalho manual,
um aumento da racionalização das tarefas e a introdução das tecnologias de informação. A
racionalização do trabalho envolve três elementos: a formalização e sistematização da
distribuição de conhecimento, o desenvolvimento de procedimentos estandardizados e a
segmentação da prática profissional. Estas transformações vão, posteriormente, ter repercussões
na especialização profissional e na delegação de competências. Os médicos, os advogados ou os
engenheiros passam a intitular-se especialistas em algumas áreas específicas e abandonam a
ideia generalista que cultivaram durante anos4
4 Entre os médicos existem distinções consoante as especialidades, como cardiologistas, obstetras, neurocirurgiões, demonstrando uma actividade profissional cada vez mais segmentada. A mesma coisa ocorreu com engenheiros (civis, hidráulicos, de minas, etc.) ou com os juristas (constitucionalistas, administrativistas, penalistas, etc.).
. Esta especialização ocorre onde existe um
mercado dinâmico e de dimensão assinalável. Neste sentido, a especialização acarreta
igualmente uma forma de estratificação profissional que, por sua vez, vai reformular as
identidades profissionais, subdividindo-as (os neurocirurgiões, por exemplo, adquiriram um
reconhecimento sócio-profissional mais elevado que os especialistas de medicina interna ou os
engenheiros civis em relação aos engenheiros geológicos). E é dentro desta crescente
especialização que surge a delegação de competências noutros profissionais que vão colaborar
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no exercício das tarefas. Quanto mais especializado e espartilhado for o trabalho, maior a
probabilidade de um conjunto de procedimentos rotineiros e simples verem a sua execução
delegada em profissionais com níveis de formação mais baixos.
Os impactos da especialização e a consequente delegação de tarefas vão no sentido de
responder às crescentes necessidades e sofisticação dos clientes/cidadãos, que exigem cada vez
mais um acesso fácil e directo a esses novos profissionais e uma redução dos custos. Esta
situação é tanto mais paradoxal quando sabemos que muitas destas novas profissões foram
“criadas” pelas profissões tradicionais com o objectivo de atingir níveis de eficiência mais
elevados5
As profissões tradicionais “em perda” procuram resistir a este processo, argumentando que só
os profissionais com determinado nível de conhecimentos podem assegurar um desempenho
com qualidade e uma compreensão das complexas interrelações sociais, bem como as
particularidades e especificidades de cada caso. Alertam para a necessidade de proteger os
direitos dos cidadãos ao garantir um desempenho com qualidade, o qual só pode ser
assegurado com uma formação profissional adequada.
. Foram assim os próprios profissionais “tradicionais” a criar ou a colaborar na criação
das condições necessárias para a emergência do pós-profissionalismo.
No pólo oposto, temos as profissões em ascensão que, após um processo de valorização por via
de uma formação superior mais rigorosa e em consonância com as suas exigências sociais,
procuram atingir um patamar de auto-regulação superior, em plano de igualdade com as ditas
profissões “tradicionais”. É o caso dos assistentes sociais, como está bem patente no trabalho de
Isabel Passarinho (2008). Este é um processo em que, para além das questões de igualdade,
competência e indispensabilidade das funções em termos sociais, implica um reequacionar das
identidades6
, das hierarquias profissionais e o reequilíbrio dos poderes sociais de cada
profissão.
5 Em França verificou-se, em 1990, a fusão entre as profissões de advogado e de consultor jurídico, que até esta altura se encontravam separadas. Entre as várias razões invocadas para proceder a esta alteração está a pressão resultante da criação do mercado único europeu, no sentido de preparar as profissões jurídicas para o alargamento da concorrência, em particular dos gabinetes anglo-saxónicos (Racine, 2001: 256). 6 Sobre a evolução e construção da identidade profissional do Assistente Social em Portugal, ver o trabalho de Clara Cruz Santos (2007).
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4. A regulação profissional: as ordens profissionais
A actual importância que atingiu o problema da fiscalização e do controlo das profissões
relaciona-se, igualmente, com a época em que nos encontramos. Não podemos deixar de
contextualizar estas acções com a crescente importância atribuída, nos nossos dias, à realização
pessoal baseada no desempenho profissional. Deste modo, é compreensível que muitos
profissionais, seja de que profissão for, considerem frustrante muitas das actividades que
desempenham, quer porque a margem de iniciativa é quase nula, quer porque as
oportunidades de valorização profissional são quase inexistentes, sendo a inovação e o estímulo
profissional algo, em resumo, quase raro. Por conseguinte, é por forma a contrariar esta situação
que o sistema de avaliação do desempenho profissional e de progressão na carreira adquire
uma verdadeira importância, não se relacionando apenas com o seu desempenho, mas com a
motivação que possam incutir na prestação dos serviços à sociedade.
Um outro vector importante para compreender a necessidade que algumas profissões sentem
na criação de formas de controlo do desempenho e de fiscalização profissional é a crescente
visibilidade que certas áreas da sociedade adquiriram nas últimas décadas, expondo os seus
profissionais a uma visibilidade social crescente em função da própria sensibilidade social das
intervenções. Deste modo, a crescente opção profissional pela auto-regulação é demonstrativa
da importância que as profissões atribuem à necessidade de, por um lado, garantir um conjunto
coerente e operacional de funções e, por outro, promover uma organização profissional que
seja, simultaneamente, capaz de controlar o exercício profissional e transmitir aos cidadãos um
grau de confiança e respeitabilidade ímpar.
A auto-regulação pode ser definida “como o sistema sob o qual as regras são feitas por aqueles
a quem elas vão ser aplicadas” (Davison apud Moreira, 1997: 52). Esta definição de auto-
regulação detém, na perspectiva de Vital Moreira, três características principais. “Primeiro, é
uma forma de regulação e não ausência desta; auto-regulação é uma espécie do género
regulação. Segundo, é uma forma de regulação colectiva. Não existe auto-regulação individual;
a auto-contenção ou auto-disciplina de cada agente (...) por motivos morais ou egoístas, não é
regulação; a auto-regulação envolve uma organização colectiva que estabelece e impõe aos seus
membros certas regras e certa disciplina. Terceiro, é uma forma de regulação não pública”
(1997: 52-53).
Estas características são fundamentais para compreender a forma como se procede à criação de
órgãos reguladores das profissões, como é o caso das ordens profissionais. Estes órgãos
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integram instrumentos auto-regulatórios que lhes conferem poderes de auto-regulamentação,
auto-execução e auto-disciplina (Moreira, 1997: 69). No entendimento deste autor, a auto-
regulamentação é a faculdade de criação de normas e de regras de conduta, ainda que, por
vezes, possa estar limitada à “(...) execução de normas criadas exteriormente à instância de
auto-regulação” (ibid.: 70). Por seu lado, a auto-execução refere-se à capacidade de aplicar as
normas ou as regras de conduta que constituem o ordenamento regulatório, ainda que este seja
oriundo de outra instância externa. A auto-disciplina, na definição de Vital Moreira (1997: 72), é
“(...) a capacidade da organização (...) sancionar os seus próprios membros pelas infracções
cometidas”. Esta capacidade pode originar três tipos de questões organizatórias (ibid.: 73): “(…)
a existência de um organismo disciplinar específico, separado dos órgãos representativos e
executivos (separação de funções); a participação de leigos no órgão disciplinar; a possibilidade
de dois graus de jurisdição disciplinar interna, através de um órgão de recurso”.
Deste modo, o surgimento de Ordens profissionais, capazes de garantir uma actuação
disciplinadora, transparente e estimuladora da excelência profissional configura uma mais valia
profissional. Este órgão poderá contribuir, não só para a fiscalização e disciplina profissional,
mas essencialmente para a regulamentação da formação e, por esta via, da promoção da
competência profissional. Por vezes, argumenta-se que estes órgãos profissionais usam de
práticas corporativas no exercício do controlo da qualidade profissional e da acção disciplinar.
Contudo, a mera existência destas práticas, traduzidas na protecção dos incompetentes e dos
que cometem infracções disciplinares, para além do favorecimento dos «conhecidos», configura
situações de verdadeira (ir)responsabilidade profissional. Acredita-se que o exercício da
fiscalização das profissões, de forma transparente, isenta e competente, é essencial para a
manutenção e reforço das funções que os cidadãos esperam que desempenhem, em particular
as de cariz mais simbólico e/ou sensível.
5. Ordens profissionais em Portugal: breves apontamentos
A lei que regula o funcionamento das associações públicas profissionais, onde se integram as
Ordens profissionais, foi recentemente alterada. Esta alteração procurou clarificar as
competências e funções que se lhes assistem, bem como permitir uma maior fiscalização por
parte do Estado (Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro). As Ordens profissionais são associações de
carácter privado, cujos objectivos principais passam pela defesa dos seus interesses de classe, no
sentido mais amplo, devendo, “cumulativamente, ser sujeitas ao controlo do respectivo acesso e
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exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar
autónomo” (art.º 2.º).
As Ordens profissionais, designação que assumem quando os seus profissionais são detentores
de uma licenciatura (cf. Art. 10.º da Lei 6/2008), são organismos virados para si mesmos, no
sentido em que são possuidores de um conjunto alargado de atribuições no que respeita ao
acesso à profissão, à fiscalização do desempenho profissional e ao exercício da acção disciplinar
(art. 4.º) mas com reconhecido interesse público, ou seja, no pressuposto de que as atribuições
que são concedidas às Ordens contribuem para a garantia da qualidade da acção dos seus
profissionais e para a defesa dos interesses gerais dos utentes. O seu âmbito de actuação leva a
que exista uma maior definição e regulamentação do exercício das profissões que
desempenham e de discriminação em relação a quaisquer actividades supostamente
concorrenciais, dado estabelecerem os critérios essenciais e necessários ao interesse dos
cidadãos.
Estas associações profissionais, que são únicas e exclusivas em termos de exercício das
profissões, por imporem a inscrição obrigatória, permitem garantir as exigências de formação
adequada, de capacidades profissionais e de conhecimento das regras do código deontológico
da profissão, prevenindo as práticas profissionais de má qualidade sem no entanto intervirem
directamente na oferta dos seus membros no mercado de trabalho7
A implementação de um código deontológico é outra das grandes atribuições das Ordens
profissionais, destinada a cultivar e a defender um ethos associativo que se traduz num conjunto
de valores, normas, atitudes e aspirações de carreira, na profissão que regulam. A expressão
social que os seus profissionais congregam e a importância que o seu exercício tem para a
sociedade global, transformam as Ordens em importantes grupos de pressão em relação ao
poder político, em especial na defesa dos direitos dos cidadãos e na defesa dos interesses
profissionais dos seus associados. De facto, numa sociedade cada vez mais espartilhada, em
termos de valores e éticas profissionais, as Ordens procuram garantir uma actuação homogénea
.
7 A lei veda às Associações Públicas Profissionais o estabelecimento de um regime de numerus clausus no acesso à profissão ou de acreditação de cursos oficialmente reconhecidos (artº 21º.3.). Mais, a lei é clara quanto à impossibilidade de estas associações estabelecerem “restrições à liberdade de profissão que não estejam previstas na lei” ou de infringirem “as regras de concorrência na prestação de serviços profissionais” (artº 4º, 3.). Por último, está igualmente impedida a possibilidade de uma Associação “exercer ou participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros” (artº 4º, 2.).
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e coerente, valorizando a sua actividade e salvaguardando a sua imagem junto dos cidadãos,
através de um exercício competente, transparente e responsável.
Várias razões justificam que as Ordens possam desempenhar legitimamente um poder
fiscalizador e regulador: tratar-se de profissões que exigem um elevado grau de preparação
educacional e de especialização; as áreas de actuação terem um impacto social de grande
relevância; e o Estado ter uma capacidade fiscalizadora limitada, quer por ser um actor parcial
pelas políticas que implementa, quer por ser um contratador de serviços por excelência.
A exclusividade das Ordens profissionais e a obrigatoriedade de inscrição para o exercício
profissional deve-se, assim, à transferência de competências que o Estado opera, de modo a que
sejam os próprios profissionais a assumir a responsabilidade de certificação das formações e das
competências profissionais. A capacidade de avaliação das necessidades formativas de
profissões com um grau de exigência relevante e com competências que impõem não só um
corpo de saberes alargado e profundo, mas também uma grande sensibilidade social, em função
da natureza das suas actuações, leva à maior aptidão, por parte dos próprios profissionais, para
o exercício dessa avaliação, quando comparado com a acção generalista do Estado.
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Capítulo II – A Profissão de Assistente Social em Portugal8
1. Introdução
Apresenta-se neste capítulo uma breve análise da profissão de Assistente Social em Portugal,
mapeando os principais traços característicos deste grupo profissional no contexto nacional.
Através de um conjunto de tópicos que configuram elementos estruturantes da profissão de
Assistente Social, é possível identificar e definir um leque de características que conferem uma
singularidade a esta profissão, destacando-a como essencial no actual modelo de organização
social, onde áreas de grande fragilidade, como sejam a justiça, a segurança social e/ou saúde
denotam uma carência de agentes/técnicos com grande profissionalismo e, simultaneamente,
sensibilidade. Trata-se, assim, de mobilizar uma diversidade de contribuições pertinentes e
sugestivas, em termos de caracterização de uma profissão que contribui para o bem comum dos
cidadãos, procurando efectuar um ponto de situação do Serviço Social em Portugal, bem como
das dinâmicas que atravessam este campo profissional.
2. Breve visão histórica do Serviço Social em Portugal
Antes de abordar estas diferentes dimensões de análise, importa apresentar uma breve visão
histórica do Serviço Social em Portugal.
As primeiras tentativas para a criação de Escolas de Serviço Social em Portugal, segundo Alcina
Martins (1999: 207-230), são ensaiadas em 1928 no Instituto de Orientação Profissional, com o
intuito de formação do pessoal vinculado aos serviços de justiça de menores e, em 1934, no
mesmo Instituto, para a formação de observadores de psicologia juvenil e de observadores
sociais. Ocorrendo no contexto da Ditadura Nacional (1926-1933), estas primeiras iniciativas
têm a sua génese nas preocupações e iniciativas dos movimentos higienistas, de medicina social
e de protecção da infância que, de forma manifesta, antecedem o fim da I República em
Portugal.
8 Este capítulo foi desenvolvido com a colaboração do Centro de Estudos de Serviço Social e Sociologia da Universidade Católica Portuguesa. Seguimos nesta breve síntese sobre a trajectória do Serviço Social em Portugal (Branco e Fernandes, 2005).
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É, no entanto, com o I Congresso da União Nacional (partido único), em 1934, que são feitas
propostas pela Condessa de Rilvas e por Bissaya Barreto no sentido da criação do Instituto de
Serviço Social (Lisboa, 19359) e da Escola Normal Social (Coimbra, 193710
A formação em Serviço Social é regulada pelo Estado em 1939: são reconhecidos os Institutos de
Serviço Social de Lisboa e Coimbra, estabelecida a orientação da formação segundo um plano
de estudos de três anos, e certificado o diploma e o título profissional de Assistente Social,
exclusivo dos diplomados em Serviço Social.
). Mais tarde, em 1956,
seria criado pela Associação de Cultura e Serviço Social o Instituto de Serviço Social do Porto.
Assim, no caso português, a institucionalização do Serviço Social como formação académica e
profissão tem por contexto sócio-político o Estado Novo, um regime de natureza autoritária e
corporativista, avesso ao intervencionismo público na esfera social e, por isso, contrário ao
modelo de Estado Social em progressiva constituição nos países democráticos e mais
desenvolvidos do mundo ocidental. É pois no contexto ideológico e cultural do Estado Novo
que vai movimentar-se a formação e o exercício profissional do Serviço Social.
Nesta primeira fase, a formação compreendia as dimensões médico-sanitária, jurídica, filosófica
e do Serviço Social. Uma outra componente essencial da formação era constituída pelos
estágios, ao longo dos três anos, como oportunidade de aprendizagem do desempenho
profissional, modelada no terreno, através do contacto e experiência em serviços de cirurgia,
medicina, pediatria, puericultura em creche, maternidade e consultas pré-natais, dispensários
de profilaxia em higiene social, fábricas, centros sociais e organizações especializadas em ensino
familiar e doméstico.
A orientação da formação e da missão que se pretendia conferir às assistentes sociais assumia
um carácter fortemente doutrinário, corporativo e conservador. Na letra da Lei:
às obreiras do Serviço Social, dirigentes idóneas, responsáveis e activas cooperadoras da Revolução Nacional, animadas por sãs doutrinas - as de sentido humano, corporativo e cristão, [compete actuar] junto de fábricas, organizações profissionais, instituições de assistência e particularmente entre as famílias humildes e de restrita cultura, as mais facilmente influenciáveis, com objectivos higiénicos, morais e intelectuais. (Decreto-Lei nº. 30135, de 14 de Dezembro de 1939)
9 Este Instituto foi criado como estabelecimento de ensino particular, feminino, por iniciativa do Patriarcado, tendo por suporte jurídico a Associação de Serviço Social, instituição com fins de cultura e formação social. 10 Esta Escola foi criada por iniciativa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, com o apoio de Bissaya Barreto, Presidente da Junta da Província da Beira Litoral sendo, mais tarde (1949), o seu alvará concedido a esta Junta.
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Em concordância com esta orientação, e de acordo com Martins (1995), numa primeira fase, as
assistentes sociais desenvolviam a sua actividade sobretudo no âmbito da política de assistência
social corporativa. Depois de 1945, o campo profissional amplia-se à área hospitalar,
dispensários de saúde, organismos tutelares educativos e prisionais, sendo o Estado o principal
empregador.
Os anos 60 marcam uma reorientação do Serviço Social em Portugal. No plano da formação, em
1956, procede-se a uma revisão da regulamentação pública da formação em Serviço Social que
passa a ter, oficialmente11
Inicia-se então uma reorientação paulatina da formação profissional, com uma progressiva
introdução em termos curriculares das disciplinas em Ciências Sociais e dos métodos em
Serviço Social (case work, group work e community work) sob a influência do Serviço Social
americano e à semelhança do que ocorria nos países desenvolvidos e democráticos.
, uma duração de 4 anos. Em 1961, o curso de Serviço Social é
reconhecido como curso superior. E no ano lectivo 1961/62 regista-se a admissão, no Instituto
de Lisboa, de alunos do sexo masculino.
No campo profissional, o Serviço Social seria fortemente influenciado pelas novas orientações
do desenvolvimento humano e social adoptadas no período pós-guerra sob a égide de
diferentes organismos internacionais. Em Portugal, assiste-se à criação do Serviço de Promoção
Social Comunitária e Cooperação Familiar e ao lançamento, em todo o país, de diversos
projectos de desenvolvimento local e comunitário. Esta orientação, estruturante e inovadora, de
sentido desenvolvimentista, coexistiria com os domínios tradicionais de exercício do Serviço
Social e mormente com o Serviço Social corporativo e do trabalho, que consubstancia a
orientação doutrinária e conservadora que se projecta da fase de institucionalização do Serviço
Social em Portugal (cf. Branco et al., 1992).
Como sustenta Martins (1995), este período foi particularmente importante para o
desenvolvimento da profissão, quer no plano científico-técnico, quer no que se refere à
expansão do corpo profissional, que conhece neste período um significativo alargamento12
11 O plano de estudos de 4 anos tinha já sido adoptado pelas escolas de formação desde os anos 40 (cf. Martins, 1995: 45).
.
12 Mais de 1000 assistentes sociais na década de 60, contra algumas dezenas nos anos 40 (cf. Martins, 1995: 46).
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Em 1974, com as transformações institucionais, culturais e ideológicas subsequentes à revolução
de 25 de Abril de 1974, inaugura-se uma nova fase do Serviço Social em Portugal marcado quer
pela dinâmica revolucionária e democrática que atravessa a sociedade portuguesa, quer pelo
clima de liberdade ideológica e cultural.
No plano da formação aprofunda-se, neste novo contexto, a influência das correntes do Serviço
Social crítico e radical, e mais particularmente do designado movimento de reconceptualização
do Serviço Social de origem latino-americana que conduziria a um questionamento da
metodologia clássica do Serviço Social (baseada na tríade caso, grupo e comunidade), à
introdução de uma metodologia integrada e global e à concepção do Assistente Social como
profissional comprometido com os interesses das classes excluídas e agente de mudança
institucional.
Neste plano deve ainda destacar-se, neste período, o processo desencadeado pelas escolas de
Serviço Social no sentido do reconhecimento do grau de licenciatura e da integração da
formação em Serviço Social na universidade pública e que marcou de forma indelével o
processo de desenvolvimento académico e profissional do Serviço Social em Portugal.
Este movimento que associou, a nível nacional, escolas e organizações profissionais,
profissionais e estudantes, na mais significativa dinâmica académico-profissional do Serviço
Social em Portugal (cf. Negreiros, 1999) culminou com o reconhecimento do grau de
licenciatura em Setembro de 1989, e a consagração da carreira específica de Serviço Social na
administração pública em 1990.
No domínio mais especificamente profissional assiste-se ao questionamento dos campos
tradicionais de intervenção (Assistência, Previdência, Trabalho, Saúde) e à emergência de novas
áreas de intervenção, quer numa primeira fase, que acompanha o período de crise
revolucionária (Abril de 1974 a Novembro de 1975), pela aliança de diferentes sectores
profissionais aos movimentos populares13, quer numa segunda fase, de normalização
democrática e institucional, por via do alargamento das funções sociais do Estado e de
descentralização político-administrativa14
.
13 Veja-se como ilustração o caso do movimento CERCI (Negreiros et al., 1992). 14 Veja-se como ilustração a área das Autarquias Locais (Branco, 1998).
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A partir de meados da década de 90 pode delimitar-se uma nova fase do percurso histórico do
Serviço Social em Portugal. Como dimensões salientes desta nova etapa podem apontar-se quer
a profunda transformação da formação em Serviço Social no nosso país (cf. ponto 2 infra), quer
a mutação da estrutura do mercado de trabalho dos assistentes sociais com o sector privado
social a tornar-se o sector predominante em detrimento do sector público em consequência da
transferência de funções sociais do Estado para as IPSS e da retracção do emprego público, a
par de uma dinâmica de desregulamentação do mercado de trabalho.
3. A Formação em Serviço Social
De acordo com uma das orientações mais relevantes da clássica sociologia das profissões, um
dos requisitos essenciais que distingue as profissões das ocupações reside na exigência de uma
formação longa no quadro do sistema de ensino superior, condição para a constituição de um
saber sistemático num domínio científico e técnico determinado (cf. Greenwood, 1957). Ao
mesmo tempo, uma socialização longa no contexto de instituições educativas constituiu-se
como possibilidade de uma construção identitária como grupo profissional, através de
mecanismos de identificação para si e de diferenciação de outros grupos profissionais, bem
como para a aquisição do referencial ético de base, mormente nas profissões que envolvem não
só uma importante componente de serviço à comunidade e orientação pelo bem comum, como
uma forte dimensão de relação com públicos muito diferenciados.
A formação superior dos assistentes sociais em Portugal inicia-se na década de 30 do séc. XX,
apresentando um carácter consolidado, designadamente se tivermos em conta o período que se
estende, por cerca de 65 anos, entre a data da entrada em funcionamento do primeiro curso de
Serviço Social (no Instituto de Serviço Social em Lisboa) e a segunda metade da década de 90 – a
partir da qual se vai assistir a um crescimento exponencial da oferta formativa em Serviço Social
no país. Em termos sintéticos, importa traçar este itinerário da formação em Serviço Social em
Portugal, registando os seus principais marcos.
A formação de assistentes sociais em Portugal, como se refere no ponto anterior, inicia-se em
1935, no Instituto de Serviço Social de Lisboa e, em 1937, na Escola Normal Social de Coimbra.
Contudo, o seu reconhecimento formal apenas foi conseguido em 1939, através do Decreto-Lei
nº. 30135, de 14 de Dezembro. Em 1961, regista-se, na sequência da reforma curricular de 1956, o
reconhecimento da formação em Serviço Social como curso superior, passando o plano de
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estudos a ter a duração de 4 anos e a serem exigidas condições de acesso idênticas a todos os
demais cursos superiores em Portugal. Nos anos 60 e 70, a formação em Serviço Social em
Portugal segue as orientações internacionais neste domínio fundando-se progressivamente nas
Ciências Sociais e na produção teórica em Serviço Social que ocorre nos países mais
desenvolvidos.
Na década de 80, e mais especificamente em 1989, na sequência de um longo e complexo
processo, tem lugar o reconhecimento do grau de Licenciatura aos cursos de Serviço Social
ministrados nos Institutos (particulares) de Lisboa, Porto e Coimbra. A partir da segunda
metade dos anos 90 multiplica-se a criação de novos cursos de Serviço Social, registando-se
uma alteração completa do panorama da formação em Serviço Social em Portugal. Às três
escolas históricas, sedeadas nas três mais importantes cidades do país, junta-se uma
significativa diversidade de estabelecimentos e cursos, sendo de salientar o funcionamento,
desde 2000/2001, da primeira licenciatura no quadro do ensino universitário público, na
Universidade dos Açores (Branco e Fernandes, 2005).
Actualmente, regista-se a existência de 20 cursos do 1º ciclo – licenciatura em Serviço Social
(Quadro 1). Neste movimento, assistiu-se ao surgimento da formação em Serviço Social no
Ensino Politécnico (por uniformidade de critério com o ensino público universitário
anteriormente referenciado), reintroduzindo-se nesta área, após a sua extinção nos anos 70, a
questão da formação bietápica e de graus diferenciados em termos profissionais. Este aspecto,
entendido como particularmente crítico pelas organizações profissionais15
A formação pós-graduada inscreve-se na estratégia de desenvolvimento profissional e
académico do Serviço Social em Portugal, orientada, desde a restauração do regime
democrático em Portugal (Abril de 1974), por dois desígnios centrais: em primeiro lugar, a
integração da formação em Serviço Social no ensino superior público; e, em segundo lugar, o
reconhecimento do nível universitário desta formação, consubstanciado na atribuição do grau
académico de licenciatura aos diplomados em Serviço Social. Assim, desde o início dos anos 80,
o Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa desenvolveu um conjunto de esforços tendentes
ao início da formação pós-graduada, ao nível de mestrado e doutoramento, como programas de
, veio a ser minorado
pela reforma de Bolonha e a unificação dos títulos universitários nos ensinos Politécnico e
Universitário.
15 Veja-se «Posição da APSS sobre a criação de Licenciaturas bi-etápica em Serviço Social no Ensino Politécnico», in http://socialis.blogspot.com/2005_09_01_archive.html.
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qualificação de docentes e formação de investigadores, requisitos essenciais à afirmação
académica e desenvolvimento científico do Serviço Social. Na sequência destes esforços, inicia-
se, em Fevereiro de 1987, o I Programa de Mestrado em Serviço Social ao abrigo de um
Protocolo de Cooperação Científica com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), o qual conheceria várias edições. Em Junho de 1996, vem a ser criado, em termos
semelhantes, o Programa Especial de Doutoramento em Serviço Social.
No seguimento do processo de reconhecimento da Licenciatura em Serviço Social (1989), em
1995, são criados os primeiros programas de Mestrado em Serviço Social, da responsabilidade
de instituições de ensino portuguesas: Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa e do
Porto. Actualmente, existem em Portugal 9 programas de Mestrado e 2 programas de
Doutoramento em Serviço Social (Quadro 1).
A formação em Serviço Social em Portugal é, actualmente, atravessada por dinâmicas de
desenvolvimento de sentido vincadamente distinto. Por um lado, o processo de reconhecimento
académico, com estatuto universitário, num caminho de paulatina consolidação que percorre os
últimos 20 anos, reforça-se no presente com a criação dos primeiros programas de
doutoramento em Serviço Social em Portugal. Por outro lado, ocorre, designadamente ao nível
da formação inicial (1º ciclo – licenciatura), um processo de crescimento acentuado da oferta
formativa, não sustentado, e com riscos quanto à qualidade da formação assegurada por
inúmeras instituições sem tradição, «know-how» e condições estruturais para o cumprimento
desta missão (Branco, 2008).
Como alguns dos traços mais salientes da formação em Serviço Social em Portugal, podem
referir-se os seguintes:
i. A formação em Serviço Social, enquanto formação superior é uma realidade consolidada em
Portugal: iniciada em 1935 e reconhecida como superior há quase meio século (1961);
ii. O processo de «academização» do Serviço Social em Portugal apresenta um carácter recente,
com duas décadas de existência, depois de um processo tardio e complexo, como se evidencia
na história da atribuição do nível universitário ao Serviço Social (1989) e na ausência de oferta
de formação pública até um período muito recente (2000);
iii. A oferta formativa actual é predominantemente universitária, com a duração de 7 semestres,
e ministrada em estabelecimentos de carácter público;
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Quadro 1: Cursos de Serviço Social em funcionamento no ano lectivo 2008/09
Estabelecimento de Ensino
Sub-Sistema 1ºciclo 2º ciclo 3º ciclo 1. Universidade Lusíada, Lisboa a) Privado e Cooperativo Universitário 2006 (1935) 2006 (1995) Sem 3º ciclo 2. Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra Privado e Cooperativo Não integrado 1937 2000 Sem 3º ciclo 3. Instituto Superior de Serviço Social do Porto, Porto Privado e Cooperativo Não integrado 1956 1995 Sem 3º ciclo 4. Universidade Católica, Lisboa Concordatário Universitário 1996 2003 2003 5. Universidade Fernando Pessoa, Porto Privado e Cooperativo Universitário 1997 2007 e) Sem 3º ciclo 6. Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa Privado e Cooperativo Universitário 1999 2007 Sem 3º ciclo 7. Universidade Católica, Braga Concordatário Universitário 2000 2006 Sem 3º ciclo 8. Universidade dos Açores, Ponta Delgada Público Universitário 2000 Sem 2º ciclo
Sem 3º ciclo
9. Instituto Politécnico de Leiria, Leiria Público Politécnico 2003 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 10. Instituto Politécnico de Viseu, Lamego Público Politécnico 2004 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 11. Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco Público Politécnico 2004 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 12. Instituto Politécnico de Portalegre, Portalegre Público Politécnico 2004 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 13. Universidade Católica, Viseu Concordatário Universitário 2004 2008 Sem 3º ciclo 14. Instituto Politécnico de Beja, Beja Público Politécnico 2004 2008 Sem 3º ciclo 15. Ins. Sup. de Ciências Empresariais e do Turismo, Porto Privado e Cooperativo Politécnico 2005 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 16. Universidade de Coimbra, Coimbra Público Universitário 2005 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 17. Universidade da Madeira, Funchal Público Universitário 2005 Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 18. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Miranda
Público Universitário 2006 b) Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo
19. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa Público Universitário 2006 c) Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo 20. Instituto Superior Politécnico de Gaia, VN Gaia Privado e Cooperativo
Politécnico 2006 d) Sem 2º ciclo Sem 3º ciclo
21. Ins. Sup. das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa Público Universitário Sem 1º ciclo 2008 2004 22. Instituto Superior de Serviço Social de Beja, Beja Privado e Cooperativo Não integrado 1990(curso extinto)
2005 (curso extinto)
Sem 3º ciclo 23. Instituto Superior Bissaya Barreto, Coimbra Privado e Cooperativo Não integrado 1991 (curso extinto)
Sem 2º ciclo
Sem 3º ciclo Fontes: (Branco e Fernandes, 2005; Branco, 2008) Notas: a) Por transmissão da autorização de funcionamento do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (1935)
b) Por adequação a Bolonha da Licenciatura de Trabalho Social (1997) c) Por adequação a Bolonha da Licenciatura de Política Social (1984), inicialmente designada de Licenciatura em Serviço Social (1980) d) Por adequação a Bolonha da Licenciatura em Intervenção Social e Comunitária (2002) e) Por adequação a Bolonha do Mestrado em Trabalho Social (2003)
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iv. As propostas formativas configuram um mosaico com tipificações diversas, quer quanto
aos perfis das áreas de formação matriciais e da sua relação com o Serviço Social enquanto
área científica predominante, quer quanto aos modelos de formação específica,
designadamente formação experiencial, quer ainda quanto à capacitação para a investigação
e produção de conhecimento;
v. A diversidade das propostas formativas não parece resultar tanto da afirmação de
projectos concorrenciais de formação, em termos da concepção e perfis profissionais, mas de
contingências associadas à constituição do mercado do ensino superior e à crise de
financiamento do ensino superior público;
vi. Esta diversidade tão significativa, na ausência de tradição e «know-how» das novas
escolas de formação de assistentes sociais em Portugal, configura o campo do ensino em
Serviço Social, ao nível do 1º ciclo, como um domínio atravessado por fragilidades e riscos na
qualidade da formação assegurada, exigindo uma atenção redobrada e a existência de uma
regulação básica.
Neste quadro, assume um particular significado a posição preconizada pela APSS, aquando
do debate sobre a implementação do Processo de Bolonha16, relativa à defesa do
estabelecimento de uma norma base de regulamentação desta formação, à semelhança, por
exemplo, do que foi realizado em Espanha através do Libro Blanco do Título de Grado de
Trabajo Social, realizado no âmbito da Agencia Nacional de Evaluación de la Calidad y
Acreditación de Espanha17
. Contudo, com o actual panorama formativo, a que se voltará
mais adiante, urge avaliar a oferta formativa e, eventualmente através de uma entidade
profissional, disciplinar e regulamentar a capacidade instalada, adequando-a às exigências
profissionais, à natureza das funções a desempenhar e, ainda, às expectativas depositadas
pelos cidadãos nos profissionais de Serviço Social.
16 http://www.apross.pt/interna.php?idseccao=10 17 http://www.aneca.es/activin/docs/libroblanco_trbjsocial_def.pdf
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4. A organização profissional
O associativismo profissional é uma matéria que tem igualmente ocupado a sociologia das
profissões, suscitando um significativo debate em torno das motivações e implicações do
poder destas organizações em termos do interesse público. As perspectivas favoráveis ao
associativismo profissional sublinham a abertura adicional de canais de expressão pelos
cidadãos, superando a imperfeição dos mecanismos de participação das democracias
parlamentares, caracterizados pela máxima agregação e mínima distinção de interesses.
Realçam, ainda, as possibilidades de controlo do poder das autoridades públicas, através da
avaliação e acompanhamento da sua actividade pelas associações profissionais, a
salvaguarda da pluralidade de visões, pela concorrência entre diferentes actores, e o controlo
interno dos membros, através de mecanismos de auto-regulação.
Os pontos de vista críticos, de modo distinto, sublinham a ausência de democraticidade no
funcionamento interno dos grupos e os défices de representatividade dos interesses dos seus
membros (interesses líderes vs interesses membros). Outros argumentos passam pela
ausência de neutralidade das instituições públicas que interagem com grupos de interesses e
o reforço das desigualdades sociais, em função dos poderes adicionais de influência e
decisão dos grupos de interesses e associações profissionais com maiores recursos.
No fundo, trata-se de uma oposição entre duas visões contrastantes: uma que postula o
altruísmo e desinteresse das profissões, sublinhando que estas se orientam para a promoção
de valores não particularistas e o interesse público, potenciados pelo sistema de acreditação e
certificação profissional e pela auto-regulação ética e auto-disciplina; outra que sublinha as
motivações económicas, visando a criação e controlo de monopólios profissionais e aquisição
de estatuto económico e social para os seus membros.
É a este título sugestiva a análise de Merton (1982), ao distinguir a função manifesta e a
função latente do associativismo profissional, considerando o autor que estes organismos
consubstanciam o altruísmo institucionalizado como tradução normativa dos valores
profissionais, nomeadamente nas profissões sociais (“care professions”), distinguindo-se as
profissões das outras ocupações exactamente pela institucionalização do altruísmo (diferença
entre sentir o altruísmo e agir altruisticamente).
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No que respeita à evolução da profissão dos assistentes sociais em Portugal, é possível
identificar um conjunto de actores que têm constituído a base organizativa destes
profissionais, ainda que tenham diferente natureza, história, dimensão e importância.
A Associação dos Profissionais de Serviço Social, constituída em Janeiro de 1978, como
associação sem fins lucrativos, configura-se como a principal estrutura associativa dos
assistentes sociais. A APSS tem como âmbito a intervenção em todo e qualquer assunto do
interesse dos profissionais de Serviço Social, com excepção dos específicos da actividade
sindical, sendo os seus objectivos principais, de acordo com os actuais estatutos:
i. Aprofundar o espírito associativo e velar pelos direitos e deveres profissionais;
ii. Promover o aperfeiçoamento e a formação contínua dos Assistentes Sociais;
iii. Organizar e difundir informação de carácter técnico com especial incidência no Serviço
Social;
iv. Desenvolver iniciativas conjuntas com outras Associações Profissionais afins, bem como
com as Escolas de Serviço Social;
v. Desenvolver o intercâmbio e a cooperação internacionais, nomeadamente com a Federação
Internacional dos Assistentes Sociais;
vi. Contribuir para o desenvolvimento da política social e particularmente das políticas que
visem o bem-estar e a qualidade de vida e a efectivação dos direitos sociais e humanos;
vii. Promover a elaboração do código deontológico e de conduta de acordo com os
instrumentos internacionais e compatíveis com as exigências éticas do Serviço Social.
Na sua actividade a APSS tem dado um especial destaque à formação contínua dos
profissionais, quer através da realização de cursos breves, quer da realização de jornadas e
conferências. Outra área de intervenção tem sido constituída pelo acompanhamento das
principais áreas de intervenção dos assistentes sociais, designadamente através de grupos de
trabalho permanentes ou ad hoc, conferindo particular atenção quer ao domínio das políticas
sociais dos diferentes sectores, quer à regulação do mercado de trabalho e protecção do título
profissional nesses domínios, prestando para este efeito aconselhamento e suporte aos seus
associados. Em articulação com este domínio de intervenção, a APSS colabora com as
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entidades públicas ou outras na definição ou operacionalização de políticas sociais através
da participação em diferentes grupos de trabalhos ou participação em consultas públicas.
A intervenção da APSS estende-se igualmente ao acompanhamento da formação em Serviço
Social em Portugal, designadamente da formação inicial.
A APSS vem desenvolvendo, desde 1997, um processo tendente à sua transformação em
Ordem dos Assistentes Sociais, matéria considerada de interesse estratégico para a
organização e estatuto profissional dos assistentes sociais em Portugal. Assim, foi aprovado,
por sua iniciativa, um projecto de Estatutos da Ordem em Novembro de 2002. Em 2003, foi
formalmente apresentada à Assembleia da República o pedido de constituição da Ordem
Profissional. Uma nova legislatura, iniciada em 2006, conduziu à necessidade de actualização
do pedido de criação da Ordem Profissional dos Assistentes Sociais, junto da Assembleia da
República. Entretanto, por iniciativa parlamentar, foi aprovada, em Dezembro de 2007, a Lei-
Quadro do Regime das Associações Públicas Profissionais, obrigando ao reinício e
reenquadramento da iniciativa da APSS. Entre outros requisitos legais, exige-se às
organizações que se pretendem constituir como Associações Públicas Profissionais a
realização de um estudo de fundamentação do interesse público da regulação profissional
pelo Estado, que constitui o presente documento.
A par da APSS, existem outras organizações profissionais, designadamente o Sindicato
Nacional dos Profissionais de Serviço Social, associação sindical fundada em 1950 (na
sequência da dinâmica e debate criados pela Associação de Antigos Alunos do Instituto
Superior de Serviço Social de Lisboa, surgida em 1943). Com sede em Lisboa, esta
organização é integrada por assistentes sociais e titulares de cursos entretanto desaparecidos
como assistentes familiares e auxiliares sociais designadamente. Dada a sua natureza sindical,
os seus principais objectivos são a participação na elaboração da legislação do trabalho, a
fiscalização da sua aplicação bem como dos instrumentos de regulamentação do trabalho e o
exercício do direito de contratação colectiva em diferentes sectores de actividade
profissional18
18 cf. http://sindicatoservicosocial.blogspot.com/
. Contudo, a actividade desenvolvida não teve expressão apenas em termos da
defesa dos interesses profissionais individuais dos Assistentes Sociais, mas tem abrangido
também campos colectivos de construção da profissão. Disto são exemplo o processo de
reivindicação e reconhecimento do grau de licenciatura, a criação de uma carreira especifica
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29
(Carreira Técnica Superior de Serviço Social) nos quadros do Estado e por alastramento a
outros domínios de inserção profissional. De acordo com informações obtidas junto do
SNPSS, está em curso o processo de dissolução do mesmo, alegadamente por razões de
decréscimo de filiação.
A AIDSS – Associação de Investigação e Debate em Serviço Social, é uma associação de
assistentes sociais, sedeada no Porto e que persegue objectivos de formação, divulgação e
debate científico19
O CPIHTS - Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social, é uma outra
iniciativa no campo do associativismo profissional surgida em 1993, tendo diversos
objectivos como o estudo dos problemas e das politicas sociais e da intervenção social na
realidade portuguesa, o desenvolvimento de estudos históricos do Serviço Social e a
elaboração e execução de projectos de investigação, a divulgação e publicação dos resultados
de estudos e investigação na mesma área. O CPIHTS tem participado em várias
investigações no campo da história e de temas sociais, tendo uma linha editorial que tem
permitido a publicação de trabalhos de natureza diversa (da produção académica à
divulgação de documentos ilustrativos de factos e momentos marcantes do desenvolvimento
da profissão). De registar ainda a diversidade de iniciativas formativas e de informação e
animação da categoria profissional (por si ou em cooperação com outras entidades: escolas
de Serviço Social, APSS, outros centros de investigação).
. Ao longo de 16 anos de existência, a AIDSS tem reunido um número
variável de associados (profissionais e estudantes de Serviço Social) e mantém actividades
designadamente na área da formação, pesquisa e publicações (de entre estas saliente-se a
publicação, desde 1994, da Revista Investigação e Debate, com periodicidade anual e que, por
via de regra, tem uma organização temática).
A APSS apresenta-se, contudo, como a organização mais representativa a nível da profissão.
Em termos de filiação activa, o número de associados da APSS representará 15% dos
efectivos no mercado de trabalho.
19 cf. http://aidss.wordpress.com/
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5. Breve Enquadramento Legal da Profissão de Assistente Social
De acordo com algumas das perspectivas teóricas referenciadas, o reconhecimento pela
comunidade, através do Estado, da necessidade na regulação da formação, do poder de
creditação profissional e de regulação ética da profissão, bem como a atribuição partilhada
desse poder com organismos profissionais, constituem alguns dos atributos e vectores
essenciais da constituição de uma ocupação como profissão.
A profissão de Assistente Social, em Portugal, não é objecto de uma regulamentação geral,
quer no que se refere à formação, quer no que respeita ao exercício profissional. No que se
refere aos programas de formação, a regulação tem sido assumida exclusivamente pelo
Estado, através do Ministério que tutela o ensino superior, com base na homologação dos
curricula de formação e na atribuição de graus, segundo dispositivos de peritagem que
excluíram, praticamente até ao presente, especialistas provenientes do grupo profissional.
Neste plano, a situação portuguesa enquadra-se no designado modelo franco-europeu, em
contraposição com o modelo anglo-saxónico (casos do Reino Unido e Irlanda), no qual se
regista uma acreditação por conselhos especiais para a formação inicial e profissional20
Os requisitos e condições de exercício profissional baseiam-se num regime de regulação
casuística e fragmentada, que configura um conglomerado de normas legais e
regulamentares dispersas, quanto ao seu estatuto e contexto histórico, variando segundo os
principais sectores e campos de actividade. Relevante é, nesta circunstância, sublinhar que
este quadro geral é concomitante com a ausência de uma Ordem Profissional ou de uma
Associação de Direito Público que possa exercer o papel de interlocutor da profissão com o
Estado nos domínios da regulação do exercício profissional e da formação.
,
existindo uma regulamentação através de pré-requisitos e critérios para os cursos, exames,
validação e reconhecimento de graus e licenças profissionais (Brauns e Kramer, 1986;
Negreiros, 1999).
O facto de o grupo profissional não deter, até ao presente, qualquer poder de credenciação
do exercício profissional dos Assistentes Sociais, ao invés do que se passa com outros grupos
profissionais em Portugal ou com os próprios Assistentes Sociais noutros países europeus, 20 No caso do Reino Unido a criação de cursos de Serviço Social, quer de formação inicial quer de pós-graduação, é precedida de um processo exigente de acreditação junto do General Council of Social Care (GCSC). Uma vez aprovados, esses cursos estão sujeitos a ciclos anuais de avaliação cujos resultados são públicos. Para uma informação detalha da dos processo de acreditação e dos seus requisitos veja-se http://www.gscc.org.uk/Training+and+learning/.
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tem estado na base, pelo menos desde 1997, da reivindicação da consagração de uma Ordem
Profissional. A perpetuação do actual contexto contribui para a manutenção da situação
actual, caracterizada por uma insuficiente regulação e pela ocorrência de um número cada
vez mais significativo de irregularidades e ilegalidades respeitantes ao uso de títulos
profissionais, graus académicos, equivalência de diplomas e carreiras profissionais
(concursos, categorias, conteúdos funcionais, remunerações, etc.), entre outras situações
conhecidas.
A experiência de outros países mostra que existe uma significativa diversidade de formas de
organização, o que se liga com o desenvolvimento diferencial da profissão em cada país.
No caso europeu, que interessa particularmente considerar, o denominador comum é a
existência, na actualidade, de organizações profissionais em todos os países. Apesar disso,
pode constatar-se que essas organizações têm géneses diferenciadas em tempo e formas
jurídicas distintas. Em vários países, tem-se vindo a pluralizar os campos que sugerem a
organização profissional, desde a versão territorializada de uma organização nacional até
formas de organização baseadas em sectores de actuação do Serviço Social ou tipo de
problemas ou grupos destinatários do agir profissional.
Da análise a que se procedeu das organizações profissionais no espaço da Europa
Comunitária ressalta ainda que em todos os casos se faz referência à Federação Internacional
de Assistentes Sociais (FIAS) que surge como referencial importante e potencial agregador
internacional. As menções feitas à FIAS referem-se prioritariamente aos princípios
deontológicos e à definição adoptada da profissão, mas existem outras áreas trabalhadas pela
FIAS e presentes nalguns documentos das organizações nacionais da Europa Comunitária,
como, por exemplo, os global standards no que respeita à formação em Serviço Social.
A FIAS foi fundada em 195621
Os seus objectivos passam pela promoção da profissão de Serviço Social através da
cooperação internacional, especialmente quanto aos valores profissionais, padrões, ética,
direitos humanos, reconhecimento, formação e condições de trabalho. Neste âmbito, ela tem
vindo a apoiar a criação e desenvolvimento de diversas organizações nacionais de
e é actualmente composta por 90 países, agregando mais de
745.000 membros.
21 A FIAS sucedeu ao Secretariado Permanente de Assistentes Sociais, criado em 1928 para desenvolver acções de promoção da profissão.
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Assistentes Sociais. As suas Conferências Mundiais, organizadas bianualmente, além de
reforçarem a reflexão sobre a realidade e os desafios da profissão, são também ocasião para
publicação e disseminação de uma série de livros designada Social Work Around the World. No
domínio da disseminação, a FIAS tem publicações quer de carácter regular (caso da revista
International Social Work) quer temático (como, por exemplo, o Manual sobre Direitos Humanos
e Serviço Social, iniciativa conjunta com a ONU). No domínio da cooperação internacional,
salienta-se o seu estatuto de entidade consultora junto de organizações como o Conselho
Económico e Social das Nações Unidas, a Organização Internacional do Trabalho, a UNICEF,
o Conselho da Europa e a União Europeia. De salientar, ainda, a cooperação mantida com a
ENSACT (rede europeia de associações profissionais, faculdades de Serviço Social e
conselhos nacionais de bem estar), com a Associação Internacional das Escolas de Serviço
Social e com o Conselho Internacional de Bem Estar.
A FIAS está organizada em cinco regiões: África, Ásia e Pacífico, Europa, América do Norte e
América Latina e Caraíbas. Relativamente à sua ligação com Portugal, o Comité Executivo da
Região Europa integra um membro eleito pela Associação dos Profissionais de Serviço Social
(APSS - Portugal) e o Comité Global dos Direitos Humanos tem como agente de contacto na
região Europa uma profissional filiada na APSS.
Ao nível europeu, as modalidades de organização da profissão são, como se referiu
genericamente acima, muito diversas e respeitam a trajectórias também distintas. Ainda
assim, apresentam-se de seguida e sinteticamente três casos nacionais que são significativos
do ponto de vista dessas trajectórias: Espanha, Suécia e Reino Unido (Lyons, 2007).
Em Espanha, os municípios são os principais empregadores de assistentes sociais (80% dos
cerca de 42 mil profissionais), seguindo-se-lhe as organizações do terceiro sector. Em 1982,
foi criado o Colégio dos Trabalhadores Sociais na forma de entidade de direito público. Entre as
amplas competências que lhe são atribuídas, incumbe-lhe a representação da profissão a
nível nacional e internacional, a aprovação do Código Deontológico com carácter básico e
obrigatório, a elaboração dos próprios estatutos e regulamentos, o exercício de funções
disciplinares e de controlo e a aprovação e promoção, a nível estatal, de propostas de
políticas de fomento de emprego profissional. Além da Direcção Nacional, o Colégio está
organizado em 36 associações territoriais, que têm estatutos próprios aprovados em
Assembleia Geral a nível nacional. Cada uma destas associações territoriais tem por função
representar os Assistentes Sociais dessa área, proporcionando serviços tais como apoio legal,
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aconselhamento e supervisão profissional, emprego e auto-emprego, formação especializada,
recursos bibliográficos, informação actualizada, além de espaço para reuniões e grupos de
trabalho e suporte para experiências profissionais em campos emergentes. O Colégio é
parceiro formal de várias iniciativas legislativas, tendo igualmente funções de consultoria e
parecer em várias áreas designadamente no campo das políticas sociais e da formação em
Serviço Social.
Na Suécia, o Estado é o principal empregador de assistentes sociais (90% dos cerca de 30 mil
profissionais) e estes profissionais desempenham funções em organizações públicas
descentralizadas que oferecem uma gama variada de serviços. A organização profissional na
Suécia está repartida por duas organizações – a Associação Sueca de Graduados em Ciências
Sociais, Administração Pública. Economia e Trabalho Social (SSR) e a União Sueca de Funcionários
do Governo Local (SKTF) – que, em conjunto representam 90% dos profissionais de Serviço
Social. Apesar de ambas terem também funções do foro sindical, a primeira está
predominantemente investida na qualidade da formação graduada e da educação e
formação ao longo da vida. Tem ainda funções no campo da investigação em Serviço Social e
em actividades de internacionalização. Desde 1998, a SSR passou a auto-regular a entrada na
profissão, devendo os candidatos ter um grau académico mínimo, três anos de experiência
comprovada e um atestado da competência para exercer a profissão subscrito por
orientadores seniores. Deontologicamente, as duas associações regem-se por padrões
específicos, pese embora a influência do código da FIAS.
Em Inglaterra, o Estado – designadamente ao nível local - tem sido também o principal
empregador dos cerca de 43 mil assistentes sociais existentes. A British Association of Social
Workers (BAWS), criada em 1970, reúne entre 8000 e 12000 Assistentes Sociais, na sua grande
maioria profissionais de terreno, mas existem também outras organizações mais
especializadas, designadamente, associando os profissionais dos cuidados sociais (Social Care
Association) ou orientadas para o campo da educação em Serviço Social (por exemplo o Social
Work Education Committee of the Joint University Council for Social and Public Administration e a
Association of Teachers in Social Work Education). Esta pluralidade de associações tem levado a
que elas se envolvam em iniciativas conjuntas para assim ganharem força e influência junto
dos decisores, o que já levou, por exemplo, a que um sistema de licenciamento da profissão
pelo Estado que a BAWS e outras organizações defendiam fosse recentemente aprovado.
Quanto ao estabelecimento de orientações éticas para a profissão, o Código de Ética da
Associação Britânica, aprovado em 1975, tem encontrado dificuldades em obter adesões para
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além da dos membros da Associação, embora seja estudado em todos os cursos. Mais, os
trabalhadores sociais inscritos estão agora vinculados a um Código de Práticas introduzido
pelo GSCC em 2002, tendo esta organização responsabilidades claras no domínio da acção
disciplinar em caso de não cumprimento das regras de ética (Payne apud Lyons, 2007).
Da análise efectuada pode concluir-se que em todos os países existe pelo menos uma
associação nacional de profissionais de Serviço Social aberta aos Assistentes Sociais. Acresce
ainda que num número significativo de países existe uma variedade assinalável de outras
organizações especializadas, quer por áreas específicas de prática profissional, por
metodologias da prática (por exemplo trabalho de grupo, administração) e por sectores de
prática, além de orientadas por questões étnicas e religiosas. Nalguns países (caso por
exemplo da Suécia e da Alemanha), as associações profissionais nacionais existentes
acumulam funções sindicais. Nos países em que as associações nacionais são exclusivamente
entidades profissionais, os profissionais de Serviço Social estão também filiados em
sindicatos das respectivas áreas.
Num número significativo de casos, as diferentes organizações profissionais procuram
coordenar-se a nível nacional como forma de incrementar a sua influência em matéria de
política social. A construção e adopção de um Código de Ética único tem sido uma
orientação seguida em vários países como resultado dessa cooperação inter-associações
profissionais.
6. Título Profissional e Graus Académicos
O Decreto-Lei nº 30135, de 14 de Dezembro de 1939, que estabelece as condições a que devia
obedecer a formação em Serviço Social, estatuiu que Assistente Social é o título autorizado
por lei, exclusivamente, para os diplomados em Serviço Social, formação ministrada até 1995,
exclusivamente, pelos Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa, Coimbra e Porto.
Conforme estipula o art. 9º,
O título de assistente de Serviço Social é privativo das diplomadas nos termos deste decreto-lei [...] (sublinhado nosso).
Decorrendo o uso da designação de diplomados do facto de, então, o ordenamento educativo
não prever que aos cursos ministrados em instituições particulares de ensino pudessem ser
conferidos graus académicos.
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O reconhecimento, em 1989, do grau de Licenciatura, aos cursos de Serviço Social
ministrados por aquelas escolas, actualiza a disposição legal de uso exclusivo do título
profissional de Assistente Social aos licenciados em Serviço Social. Refira-se que, em Julho de
1956, o Decreto-Lei n.º 40678, que revê o Decreto-Lei nº 30135, estabelecendo a formação em
4 anos curriculares, consagra a designação de assistentes sociais (cf. art.º 1º), título
profissional que se mantém até ao presente.
Importa nestas circunstâncias distinguir entre o uso do título profissional de Assistente
Social e o acesso à carreira de Técnico Superior de Serviço Social na Administração Pública.
No caso, esta carreira está também, por determinação legal (Decreto-Lei nº 148/94), aberta
aos licenciados em Política Social, enquanto que o título de Assistente Social está confinado,
como foi referido, aos licenciados em Serviço Social.
Estas disposições genéricas não estão – na ausência de uma regulamentação legal
desenvolvida da profissão e face à inexistência, até à data, de uma associação profissional de
direito público – suficientemente protegidas, havendo lugar a abusos no uso do título
profissional de Assistente Social e em variadas situações de “intrusão profissional”, seja por
parte de outras profissões e formações do campo do trabalho social (educadores sociais,
“investigadores sociais”, etc.), com grau de bacharel ou ainda de formações não
universitárias no domínio social (CET, etc.)22
.
7. Ética Profissional
A regulação ética da profissão é normalmente um dos atributos que o Estado, enquanto
representante do interesse geral, delega através do reconhecimento de poderes especiais aos
corpos profissionais. A imprescindibilidade da existência de um código ético-deontológico
constitui um dos referentes nucleares da necessidade de regulação e protecção de uma dada
profissão, fundada na natureza específica dos seus actos profissionais, normalmente
acompanhados de um importante grau de autonomia, e no seu interesse público.
Até ao presente momento, não se procedeu à elaboração de um Código de Ética específico,
dado que nenhuma estrutura associativa-profissional goza dessas atribuições, delegadas pelo
22 Realce para a reestruturação das carreiras da Administração Pública (Decreto-Lei nº 121/2008), que originou a extinção da generalidade das carreiras técnicas. Contudo, esta reforma não revogou expressamente a carreira de Técnico Superior de Serviço Social.
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Estado. A este propósito, está consagrado no projecto de Estatutos da Ordem dos Assistentes
Sociais – promovida pela APSS – como primeira atribuição do previsto Conselho Profissional
e Deontológico (Capítulo III, Secção IV), ao qual são cometidas igualmente relevantes
funções em termos regulamentares, bem como competências ao nível disciplinar.
Artigo 33º Conselho Profissional e Deontológico Competência 1. Compete ao Conselho Profissional e Deontológico: a) Exercer o poder disciplinar sobre os membros da Ordem, nos termos previstos no capítulo VI do presente Estatuto; [...] 2. Compete, em exclusivo, ao Conselho Profissional e Deontológico, [...]: a) Elaborar o Código Deontológico dos assistentes sociais
b)
a apresentar a votação à Assembleia Geral;
Elaborar e propor alterações ao regimento disciplinar
c) Reconhecer as especialidades em Serviço Social e propor à Assembleia Geral a criação dos respectivos Colégios de Especialidade, bem como o regulamento que define a sua estrutura e funcionamento;
para apresentação à aprovação da Assembleia Geral;
[...]
O mesmo projecto de Estatutos estabelece (capítulo IV) uma detalhada regulamentação da
deontologia profissional, a observar pelos assistentes sociais, na qual se estatui o exclusivo
da Ordem em matéria disciplinar emergente de infracções de carácter deontológico, regulada
de forma igualmente pormenorizada no projecto (capítulo VI).
A Associação dos Profissionais de Serviço Social, desde a sua fundação em 1978, constituiu
como prática a adopção dos documentos normativos da IFSW, em termos de regulação ética,
e, mais recentemente, o documento orientador da IFSW / IASSW – Ética no Serviço Social:
Declaração de Princípios – aprovado por estas organizações em Outubro de 2004. Pese embora
este documento constituir apenas um quadro geral de princípios e deveres dos assistentes
sociais, não prevendo o regime disciplinar e de sanções, matéria que é remetida para os
códigos nacionais, ele configura um quadro referencial que contribui para delimitar o campo
profissional.
Estas circunstâncias traduzem-se, no caso português, num relativo vazio em matéria de
regulação ética, bem como na ausência de mecanismos especificamente profissionais de
protecção e poder disciplinar neste domínio, limitando-se os actuais instrumentos jurídicos,
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essencialmente, a uma actuação ao nível formativo e pedagógico, exercido quer pela
associação profissional quer pela formação de assistentes sociais, ministrando-se, em regra,
disciplinas de Ética e Deontologia na grande maioria dos cursos (17 em 20) (Branco, 2009).
8. A Profissão de Assistente Social em Portugal: principais áreas de intervenção
A informação disponível sobre as profissões sociais em Portugal é frágil e dispersa. Torna-se,
por isso, relevante caracterizar as funções exercidas pelos Assistentes Sociais em Portugal.
Vejam-se algumas das principais áreas de trabalho.
A Segurança Social é historicamente uma área profissional “natural” onde os Assistentes
Sociais exercem as suas funções no âmbito de diferentes programas de assistência social23
O apoio ao Trabalho e ao Emprego, através da inserção de desempregados no mercado de
trabalho, em regra por via da integração dos quadros do Instituto de Emprego e Formação
Profissional, bem como de outras estruturas estatais, sindicais e empresariais, com uma forte
componente de intervenção nas franjas mais frágeis do mercado de trabalho. Acresce ainda a
,
designadamente programas de visam garantir o apoio social em situações de precariedade
económica e social e de marginalização e exclusão social. Estão, em regra, envolvidos na
implementação e administração de programas de intervenção social do Estado, como é o
caso o Rendimento Mínimo Garantido, criado em 1996, onde o seu papel foi preponderante
(posteriormente designado de Rendimento Social de Inserção). A par das missões de
assistência, os Assistentes Sociais encarregam-se, também, e para citar a tipologia de
Mondolfo (1997), de missões de desenvolvimento, no âmbito de programas de luta contra a
pobreza e exclusão social e em projectos de desenvolvimento social local. Estão ainda
cometidas a estes profissionais funções de apoio técnico aos organismos associativos que
intervêm nestes domínios, bem como no âmbito de processos de direito de menores e
família, quer na assessoria aos tribunais, quer na execução de medidas de protecção de
crianças e jovens em risco social. Num plano geral, pode afirmar-se que, embora exercendo
funções de concepção e avaliação de programas, as funções predominantes situam-se, de
facto, na esfera da intervenção directa de carácter psicossocial.
23 Utiliza-se aqui a designação internacionalmente consagrada, embora em Portugal, após 1974, a área da assistência social, no âmbito do sistema de segurança social, tenha sido renomeada como Acção Social.
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sua actividade no âmbito das competências da Autoridade para as Condições de Trabalho
ou, ainda, e em equipas multidisciplinares de avaliação das situações de desemprego, para a
melhoria da capacidade de integração dos trabalhadores, como sucede, muitas vezes, em
casos de falências, onde é necessário avaliar o tecido social para melhor delinear as
intervenções estatais.
Na área da Justiça, a intervenção dos Assistentes Sociais desenvolve-se, em particular, no
âmbito dos Estabelecimentos Prisionais e dos serviços de Reinserção Social. No primeiro
plano, estes profissionais exercem fundamentalmente funções de apoio técnico aos Tribunais
de Execução de Penas e de acompanhamento e preparação do regresso dos reclusos à
situação de liberdade, designadamente no âmbito dos regimes prisionais abertos e das
medidas de flexibilização de penas. No que respeita aos serviços de Reinserção Social (IRS),
os Assistentes Sociais, a par de profissionais de outras formações, asseguram a assessoria
técnica aos tribunais no período preliminar e no decurso das sentenças judiciais, bem como o
apoio técnico no domínio do direito tutelar de menores. Acresce, em complemento desta
última vertente, a intervenção social no quadro de Centros Educativos que acolhem jovens
menores em cumprimento de medidas tutelares educativas. Aos Assistentes Sociais está,
ainda, cometida a função de participação em projectos de reinserção e prevenção da
marginalidade, realizados em parceria com outras entidades públicas e privadas. Sem
prejuízo do exercício de funções de intervenção directa, a natureza essencial das funções
exercidas nesta área, mormente nos serviços de Reinserção Social, reside na assessoria
técnica, traduzida na elaboração de relatórios sociais de diagnóstico, prognóstico e avaliação
do acompanhamento de menores, arguidos em geral, vítimas e suas famílias.
A área da Saúde, onde os Assistentes Sociais trabalham sobretudo no campo hospitalar e,
embora com menor expressão, no domínio dos cuidados primários de saúde, é, dadas as
carências no apoio à prestação de cuidados de saúde, uma das áreas de actuação profissional
que sentiu um maior crescimento nos últimos anos. No âmbito hospitalar, as funções
exercidas por estes profissionais desenvolvem-se, em termos gerais, no acolhimento dos
doentes e suas famílias, no apoio assistencial (económico e material), na prestação de
informação sobre direitos e recursos sociais, no aconselhamento e suporte emocional na
gestão da doença, na preparação da alta social e na mobilização de recursos sociais. Embora a
intervenção profissional se situe nas diferentes dimensões envolvidas no suporte social aos
doentes e suas famílias (emocional, prático, apoio à (re)inserção social), e devam ter-se em
conta as particularidades que ocorrem no âmbito de diferentes patologias (oncologia, saúde
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mental, pediatria, etc.), algumas das quais requerem um importante trabalho ao nível do
suporte emocional dos doentes e suas famílias, a função que assume maior relevância no
exercício profissional dos Assistentes Sociais, no campo da saúde hospitalar, é, claramente, a
preparação e acompanhamento da alta social. Este apoio traduz-se na avaliação das
diferentes barreiras e ameaças à reinserção, reabilitação e/ou cuidados continuados dos
doentes e na articulação com a rede sócio-sanitária de apoio. No domínio dos cuidados de
saúde primária, que caracterizam o campo de intervenção dos Assistentes Sociais nos centros
de saúde, as funções relevantes situam-se na prevenção e educação para a saúde. Refira-se,
ainda, que outras importantes funções institucionalmente atribuídas a estes profissionais
relacionam-se com a humanização dos serviços e com a função de advocacia social (social
advocacy). Esta última função está directamente relacionada com as suas responsabilidades
na coordenação do Gabinete do Utente, estrutura presente nos serviços de saúde primária e
hospitalar, e à qual está confiada o atendimento, tratamento das queixas e reclamações dos
cidadãos utilizadores dos serviços de saúde. Pese embora a importância desta actividade,
esta não tem sido devidamente valorizada no exercício profissional.
A Educação constitui uma área de integração profissional dos Assistentes Sociais com maior
relevo nas últimas duas décadas. Esta entrada numa área sem grande tradição de
incorporação de outros profissionais graduados, para além dos docentes, faz-se nos vários
níveis de ensino, no apoio a crianças com dificuldades de adaptação, na detecção e
intervenção em situações de crianças ou jovens com problemas familiares, em serviços de
apoio social e orientação profissional (incluindo as saídas profissionais) ou em serviços de
coordenação e dinamização das actividades escolares e educativas. A actuação profissional
dá-se, deste modo, tanto em escolas de 1º ciclo, com nas de 2º, 3º e nas instituições de ensino
superior técnico e universitário.
As Autarquias Locais constituem, igualmente, um campo de intervenção de grande
importância para os Assistentes Sociais, que se enquadram, maioritariamente, nos serviços
municipais de Acção Social, Educação e Saúde. Ainda que em número mais reduzido, os
Assistentes Sociais integram-se, igualmente, em serviços municipais de Habitação e
Urbanismo e de Recursos Humanos24
24 Para uma informação mais detalhada consultar Branco (1998).
. As funções exercidas por estes profissionais situam-se,
sobretudo, na concepção, dinamização e avaliação de programas de desenvolvimento social,
com particular ênfase nas redes de equipamentos e serviços sociais, e em projectos de
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carácter promocional e educativo – acções levadas a cabo, regra geral, em parceria com
serviços locais do Estado e com a rede de agentes sociais locais.
As Organizações Sociais não Lucrativas(que se incluem nas genericamente designadas de
Organizações Não Governamentais) constituem, em Portugal, um importante campo de
trabalho para os Assistentes Sociais, designadamente aquelas que cooperam com os Centros
Distritais de Segurança Social, tais como as Instituições Particulares de Solidariedade Social e
as Misericórdias. Neste âmbito, estes profissionais exercem sobretudo funções de direcção
técnica destas estruturas associativas de solidariedade social, sendo, por conseguinte,
responsáveis pela coordenação e administração de equipamentos e serviços sociais, com
particular incidência nas áreas do apoio à família e idosos. A multiplicidade de serviços é
grande, começando em Centros de Dia para Idosos, passando por ATL’s até chegar a
actividades de luta contra a pobreza. A intervenção social não se esgota nestas componentes,
integrando, igualmente, equipas de intervenção e apoio nas variadas vertentes de actuação
destas organizações do terceiro sector que complementam, de forma quase imprescindível
face, as lacunas do Estado no apoio social aos mais necessitados e desfavorecidos. Neste
campo, podemos ainda incluir as Organizações Não Governamentais de índole variada,
como sejam associações que lutam contra a pobreza, que dão apoio a doentes acamados, que
apoiam a ocupação de tempos livres de idosos ou de crianças (centros de dia e ATL’s), que
apoiam a luta contra a toxicodependência (CAT’s), que apoiam a integração de crianças
inadaptadas (como é o caso das Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças
Inadaptadas - CERCI) que lutam pela inserção de desempregados no mercado de trabalho,
entre muitos outros exemplos de actividades relevantes, com elevado grau de
reconhecimento social. De realçar que nestas organizações, os profissionais de Serviço Social
exercem maioritariamente funções de concepção e planeamento dos projectos de intervenção
social, nas mais variadas áreas de actuação.
O campo de trabalho dos Assistentes Sociais é, nestas e noutras áreas, partilhado com outros
profissionais da área das Ciências Sociais (sociologia, psicologia, antropologia), animadores
sócio-culturais, médicos e enfermeiros. O modo como esta partilha marca a jurisdição
profissional dos Assistentes Sociais depende de diversos factores, embora assumindo
contornos particularmente distintos consoante as áreas de trabalho. No caso da Segurança
Social, os Assistentes Sociais são o grupo profissional maioritário e, até há alguns anos, quase
exclusivo, pelo que a competição interprofissional se situa num baixo limiar e reveste-se de
uma clara oportunidade de trabalho multidisciplinar nas problemáticas da pobreza, exclusão
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e desenvolvimento social. Situação manifestamente diferente é que se regista no domínio da
Saúde, uma vez que aqui os Assistentes Sociais são um grupo profissional minoritário,
subalternizado e que tende a ser funcionalizado pelo poder médico, a sua jurisdição
profissional alvo de forte competição por parte dos profissionais de enfermagem (ainda que
com grandes potencialidades de gerar complementaridades beneficiadoras das necessidades
dos cidadãos). Situação específica é a que ocorre na área da Justiça, por sinal uma das mais
relevantes em termos de emprego de Assistentes Sociais. Neste caso, por força das reformas
ocorridas depois de Abril de 1974 no Serviço Social prisional, verifica-se como que um
ocultamento da disputa das jurisdições profissionais. Este processo ocorreu por via da
diluição de todas as disciplinas profissionais em carreiras únicas e integradas, concretamente
de Técnicos de Educação, no âmbito dos serviços prisionais, e de Técnicos de Reinserção
Social, sendo que neste último caso estão cometidas exactamente as mesmas funções a
assistentes sociais, psicólogos, juristas, entre outros. Na área da Educação, e apesar de desde
1991 estar prevista a integração de Assistentes Sociais nos Serviços de Psicologia e
Orientação da rede de escolas do ensino básico e secundário, até à data, à margem dos
graves problemas de insucesso e abandono escolar em Portugal, estes serviços são
dominantemente constituídos por psicólogos, sendo claramente marginal a inserção de
assistentes sociais e outros trabalhadores sociais. Para além destes domínios, mais
representativos da inserção profissional dos Assistentes Sociais no sector público, em
Portugal, é ainda de referir a área do Emprego e Formação Profissional (cf. adiante ponto
9.2).
Por fim, em termos de áreas de intervenção, não podemos deixar de referir a crescente
inserção profissional dos Assistentes Sociais em Portugal no sector privado empresarial, em
cujo âmbito exercem sobretudo funções no âmbito dos serviços sociais das empresas, em
serviços de apoio social aos trabalhadores e ainda em departamentos de saúde ocupacional e
recursos humanos. Apesar de significativa, a sua presença em empresas não foi ainda muito
estudada.
Fica evidente, pela breve trajectória que se fez pelas áreas de acção dos Assistentes Sociais
em Portugal, que estes profissionais desempenham as suas funções em áreas muito
relevantes da sociedade, ocupando-se de problemáticas centrais para o bem-estar nacional e
são recursos humanos imprescindíveis para a realização da maior parte das políticas sociais.
A premência das necessidades sociais, a existência de grandes desigualdades no acesso aos
recursos para as satisfazer, a severidade da pobreza e da exclusão social para certos grupos
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42
da população, a desagregação das práticas de solidariedade e das instituições tradicionais de
ajuda são, conjuntamente com outros factores que afectam o bem-estar e a coesão social,
problemas sociais que a sociedade muito valoriza. Neste sentido, à profissão de Assistente
Social e às competências desenvolvidas pela profissão têm sido reconhecidos em toda a parte
um papel importantíssimo e em muitos domínios se assistiu a uma progressiva
institucionalização desse papel, quer pelo reconhecimento de competências específicas para
o desempenho de certas funções, quer pela atribuição à profissão de competências auto-
reguladoras.
9. Breves notas sobre o crescimento no número de Assistentes Sociais
9.1. A formação de Assistentes Sociais
O crescimento do número de Assistentes Sociais não é fácil de aferir em Portugal. Os dados
necessitam de ser confirmados e urge criar mecanismos de controlo, fiáveis, para que se
possa acompanhar a evolução da profissão nos próximos anos. De acordo com Martins (1995:
50), até 1992 ter-se-ão diplomado 4.540 Assistentes Sociais. Já consultando o estudo de
Martins e Tomé (2008: 7), de 1993 a 2003 formaram-se 4.770 e entre 2004 e 2006 surgiram
mais 2.501, totalizando 11.811 Assistentes Sociais diplomados em Portugal. A taxa de
evolução dos diplomados em Portugal de 1992 a 2006 mais do que duplicou, como se pode
constatar pelo quadro seguinte (Quadro 2).
Quadro 2: Número de diplomados e licenciados em Serviço Social25
Período
Cursos Diplomados e
Licenciados SS
Total acumulado
Variação % Ano 0: 1992
1935 a 1992 (1) 3 4.540
1993 a 2003 (2) 5 4.770 9.310 206,4
2004 a 2006 (3) 7 2.501 11.811 260,2
2007 (4) 15 1.332 13.971 307,7
2008 20 n.d. n.d. n.d. Fontes: (1) (Martins e Coutinho, 1995: 50)
(2) (3) (Martins e Tomé, 2008: 7), com base nas Estatísticas do Ensino Superior (GPEARI) (4) Diplomados no Ensino Superior [actualização 2006-2007], GPEARI - MCTES
25 Os cursos foram contabilizados em função dos anos em que “produziram” diplomados.
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43
9.2. Efectivos em Serviço Social: sector público – sector privado
Os dados estatísticos que permitam analisar a distribuição dos Assistentes Sociais pelas
diversas áreas de actuação, são, actualmente, muito difíceis de apurar, não só pela sua
dispersão em função da diversidade de campos profissionais, mas igualmente pela natureza
pública ou privada dos lugares em que exercem funções.
No que se refere ao sector público, os últimos dados disponíveis, relativos a 1996 (Quadro 3),
permitem apurar que 2.571 assistentes sociais exercem as suas funções nos diferentes
serviços do Estado, verificando-se que as áreas de maior relevância para o seu trabalho são
os domínios da Justiça (25,4 %), Segurança Social (24,4 %) e Saúde (21,7 %), assumindo
igualmente uma significativa expressão o campo de trabalho nas Câmaras Municipais (13,8
%) (domínio que conheceu um grande desenvolvimento depois da restauração da
democracia em Portugal e, particularmente, depois de 1980) (Branco, 1998).
Quadro 3: Assistentes Sociais nos Organismos da Administração Pública, 1996
Organismos da Administração Pública Número %
Presidência do Conselho de Ministros 3 0.1
Ministério da Justiça 653 25.4
Ministério das Finanças 6 0.2
Ministério da Defesa 27 1.1
Ministério da Solidariedade e Segurança Social 627 24.4
Ministério da Saúde 558 21.7
Ministério do Ambiente 3 0.1
Ministério da Educação 131 5.1
Ministério da Administração Interna 5 0.2
Ministério do Planeamento e Administração do Território 14 0.5
Ministério da Agricultura 108 4.2
Ministério da Qualificação e Emprego (a) 50 1.9
Câmaras Municipais 356 13.8
Juntas de Freguesia 30 1.2
Total 2.571 100 Fonte: Instituto de Gestão de Bases de Dados dos Recursos Humanos da Função Pública, 1996 e Rosa (2000) [adaptado de Rosa, 2000]. (a) Inclui os Assistentes Sociais do Instituto do Emprego e Formação Profissional (49), relativos a Dezembro de 1999.
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44
Refira-se, no entanto, que estes dados são anteriores à implementação em Portugal de
políticas sociais com significativo impacto no emprego dos Assistentes Sociais, como o
Rendimento Mínimo Garantido (1996) e o Programa Rede Social (1997), cuja repercussão no
recrutamento de assistentes sociais foi assinalável26
As Organizações Sociais Sem Fins Lucrativosconstituem, hoje, um importante campo de
trabalho para os assistentes sociais, uma vez que estas entidades são um dos principais
prestadores de serviços sociais
.
27, designadamente no domínio de respostas sociais para
idosos e para a 1ª e 2ª infância28
O sector privado empresarial, como área de trabalho dos Assistentes Sociais, domínio onde,
antes de Abril de 1974, se concentrava o maior número de serviços empregadores destes
profissionais (Ferreira e Perdigão, 1972), parece ter perdido importância relativa face ao
sector público e das organizações do terceiro sector, ainda que, na verdade, não se disponha
. Em 1996, existiam 2.975 Instituições Particulares de
Solidariedade Social registadas com fins de Acção Social, as quais, através da existência de
acordos de cooperação com o Estado, se obrigam, numa grande maioria de situações, a
confiar a direcção técnica dos estabelecimentos a assistentes sociais ou, pelo menos, a ter nos
seus quadros vários destes profissionais. Com a restrição da admissão de efectivos na
administração pública e o crescimento da oferta de serviços sociais convencionados entre o
Estado e as IPSS, este sector apresenta-se, actualmente, como o maior empregador dos
assistentes sociais em Portugal, estimando-se que o seu contingente tenha já ultrapassado o
constituído pelo emprego público. De referir, ainda neste contexto, que o apoio social a
doentes e familiares, que estabelece uma ponte entre as áreas de segurança social e de saúde,
se integra neste processo de crescimento.
26 A título exemplificativo refira-se que, segundo o Estudo de Impactes do Rendimento Mínimo Garantido – Técnicos (2002), levado a cabo pelo Instituto de Desenvolvimento Social, existiam 258 técnicos com funções de acompanhamento social dos beneficiários, 82 % dos quais Assistentes Sociais, o que, se se tiver em consideração que uma parte significativa destes técnicos iniciou a sua vida profissional no âmbito do RMG (cf. estudo supracitado) atesta o crescimento do emprego no sector da Segurança Social após 1996. Vd., a propósito o Decreto-Lei n.º 27-A/2000, de 3 de Março. O Programa Rede Social foi criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº197/97, de 18 de Novembro.27 De acordo com a Carta Social de 2001, publicado pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho, 71 % dos equipamentos sociais existentes em Portugal eram propriedade de Instituições Privadas de Solidariedade Social 28 87 % das respostas sociais em 2001, de acordo com os dados da Carta Social.
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de dados rigorosos, em resultado de levantamentos da situação a nível do país29
. Nestes
termos, parece sustentável estimar o efectivo de assistentes sociais, no mercado de trabalho,
num valor que se situará em torno dos 8.000 activos.
9.3. Estrutura do mercado de trabalho
Os aspectos assinalados devem ainda ser reportados em relação à estrutura do mercado de
trabalho dos assistentes sociais em Portugal. Assim, assiste-se quer a processos de dualização
do mercado de trabalho, quer a dinâmicas de precarização das relações de trabalho.
Em primeiro lugar, importa assinalar a forte dualização do mercado de trabalho verificada
entre o sector público (e empresarial) e o sector das organizações particulares de
solidariedade social. Esta dualidade tem impactos a vários níveis profissionais: 1) estrutura
de carreiras; 2) condições remuneratórias; 3) mecanismos de regulação profissional nas
situações de trabalho. Existe, assim, em termos gerais, um núcleo central relativamente
protegido, constituído pelos profissionais a desempenhar funções em entidades estatais, e
um núcleo periférico, já hoje maioritário, mais desqualificado em termos de condições de
exercício profissional e onde emerge, como particularmente crítica, a regulação das relações
de trabalho (referência aos salários propostos para contratação de novos profissionais,
desrespeito pelos títulos profissionais, precarização da relação laboral, entre outras
situações).
Em segundo lugar, refira-se que a dinâmica de precarização da relação laboral é transversal
aos dois núcleos em que se estrutura o mercado de trabalho, observando-se quer no sector
público, quer no sector privado social, como atestam na administração pública a contracção
da provisão definitiva como forma de relação de trabalho, e o crescimento dos contratos
individuais de trabalho a termo indeterminado e a termo certo.
Refira-se ainda que, em Portugal, como nos demais países, regista-se uma forte feminização
da profissão. Não existindo dados sistemáticos disponíveis, há, empiricamente, a percepção
de que a massificação da oferta se tem traduzido numa maior procura da profissão pelos
29 O trabalho de Ferreira e Perdigão (1972) procedeu a um levantamento nacional dos serviços que empregavam Assistentes Sociais por campo de trabalho e sectores de actividade mas, na verdade, não procedeu a um recenseamento dos Assistentes Sociais que exerciam a sua actividade nesses serviços.
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46
homens. Contudo, o levantamento exaustivo dos profissionais a exercer actualmente funções
não existe, pelo que se torna, igualmente, impossível extrapolar dados exactos.
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47
Capítulo III – Os profissionais do Serviço Social: caracterização dos percursos e
práticas
1. Introdução
Neste capítulo apresentam-se e sintetizam-se os dados correspondentes às respostas dos 483
assistentes sociais constitutivos da amostra do inquérito por questionário realizado para este
estudo. A análise está organizada em torno das quatro secções principais em que se estrutura
o questionário: (1) caracterização sócio-demográfica dos respondentes, (2) habilitações e
percurso académico, (3) condição perante o trabalho, e (4) auto-regulação profissional.
Como já foi referido, as duas últimas secções são as que mais directamente estão
relacionadas com a profissão de Assistente Social e com a relevância social da constituição da
Ordem Profissional dos Assistentes Sociais, sendo, por isso, aquelas que mais directamente
respondem aos objectivos do presente estudo.
2. Caracterização sócio-demográfica dos respondentes
Do total da amostra (Gráfico 1) fazem parte 436 mulheres (90,3%) e 46 homens (9,5%)30
Trata-se, portanto, de uma amostra bastante feminizada, que corresponderá
aproximadamente aos valores estimados para o universo português do Serviço Social, no
qual as mulheres possuem uma grande preponderância numérica, confirmando, aliás, a
tendência identificada no capítulo anterior.
.
30 Apenas um inquirido não respondeu a esta questão (0,2%).
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48
Gráfico 1: Sexo dos respondentes (%)
Em termos etários (Gráfico 2), destaca-se o grupo dos indivíduos com idades até 34 anos (298
indivíduos) que representa quase dois terços do total de respondentes. O grupo etário
seguinte, dos 35 aos 49 anos, ultrapassa um quarto da amostra (134 indivíduos). Por fim,
cerca de um décimo dos respondentes têm 50 ou mais anos31
.
Gráfico 2: Grupos etários dos respondentes (%)
31 Apenas dois inquiridos não responderam a esta questão (0,4%).
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49
Para além de uma amostra bastante feminizada, ela é igualmente bastante jovem, como
mostra o gráfico seguinte (Gráfico 3). De facto, trata-se de um conjunto de profissionais do
Serviço Social com uma média etária de 34 anos e uma mediana de 31 anos, compreendida
num intervalo de 43 anos, em que a idade do respondente mais jovem é de 21 e a do mais
velho é de 64 anos.
Gráfico 3: Grupos etários por sexo dos respondentes (%)
No que respeita ao local do domicílio profissional, e ao nível das NUT II32
, o Norte, o Centro
e Lisboa destacam-se claramente das restantes regiões de Portugal, representando,
respectivamente, 29% (Norte), 26,7% (Centro) e 26.3% (Lisboa) do total de respostas. A
proeminência destas três sub-regiões (NUT II) de Portugal é bastante visível na figura
seguinte (Figura 1).
32 NUT II - Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins estatísticos, ao nível das 7 sub-regiões de Portugal: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira.
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50
Figura 1: Domicílio profissional dos respondentes, por NUT II (%)
Em consequência, as quatro outras sub-regiões reúnem valores muito mais baixos: no
Alentejo situam-se 7,2% dos domicílios profissionais dos inquiridos; no Algarve e nos Açores
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51
as percentagens são ainda mais baixas, com, 3,7% e 3,3% das respostas; por fim, a Madeira
concentra apenas 2,1% das respostas33
.
Figura 2: Domicílio profissional dos respondentes, por NUT III (%)
33 Há que referir, ainda, a ausência de resposta quanto ao concelho do domicílio profissional por parte de 1,7% dos respondentes.
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Desagregando estes dados (Figura 2), salienta-se claramente, em cada uma das grandes
regiões com as taxas de resposta mais elevadas (Norte, Centro e Lisboa), uma sub-região34
Mais, esta análise por NUT III mostra uma distribuição bastante desigual nas taxas de
resposta, salientando-se a faixa litoral – desde o Grande Porto, a norte e até à Grande Lisboa,
a sul – como a zona do país onde a mobilização para a resposta ao inquérito por questionário
foi maior.
com mais respondentes: no Norte, destaca-se o Grande Porto, com 11,8% dos domicílios
profissionais; no Centro, o Baixo Mondego, concentrando 7,2% das respostas; e, em Lisboa,
evidencia-se a sub-região da Grande Lisboa, com a maior parte dos domicílios profissionais
de toda a amostra, 23,4%. Através destes valores, é possível concluir que a todas as outras
sub-regiões cabem percentagens de resposta abaixo dos 5%.
Acentua-se, assim, a litoralização da amostra respondente. Os concelhos do domicílio
profissional situados nas sub-regiões do interior, pelo contrário, representam sempre menos
de 2,5% do total de respostas obtidas. É preciso considerar aqui, no entanto, que o processo
de inquirição teve como base a já referida listagem fornecida pela APSS, pelo que é possível
que esta concentração no litoral do país seja efeito de um enviesamento original da listagem.
3. Habilitações e percurso académico
Relativamente ao nível de habilitações literárias (Gráfico 4), a amostra é constituída,
maioritariamente, por assistentes sociais que terminaram uma licenciatura como nível mais
elevado de formação académica. Encontram-se nesta situação 358 indivíduos, representando
cerca de ¾ da população respondente.
Gráfico 4: Habilitações académicas dos inquiridos (%)
34 NUT III: Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins estatísticos, ao nível das 30 sub-regiões, divididas a partir das NUT II.
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53
Depois deste grupo, e com grande distância percentual, surge um conjunto de 81 assistentes
sociais (representando 16,8% da amostra) que completaram uma pós-graduação e outro
conjunto de 35 indivíduos (representando 7,2%) que terminaram um mestrado. As
percentagens relativas aos níveis académicos seguintes são diminutas: apenas 1% dos
respondentes completou um doutoramento e menos ainda um pós-doutoramento.
Se em termos de nível máximo de habilitações, a distribuição dos respondentes é
relativamente uniforme, centrando-se na conclusão de uma licenciatura, o percurso
académico para níveis seguintes é bastante mais diversificado.
Apenas 7 indivíduos concluíram um bacharelato antes da licenciatura, maioritária mas não
exclusivamente na área do Serviço Social. A conclusão deste nível de ensino varia entre os
anos de 1970 e 2007.
Tendo sido referido atrás que 358 indivíduos possuem uma licenciatura como nível mais
elevado de habilitações académicas, no entanto, convém esclarecer que, além destes, mais 94
indivíduos concluíram uma licenciatura mas avançaram no percurso académico, o que faz
elevar o total de licenciados para 452.
Entre esses 452 licenciados (Gráfico 5), a esmagadora maioria (96%) concluiu uma
licenciatura em Serviço Social.
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54
Gráfico 5: Designação das licenciaturas dos respondentes (%)
Entre os restantes, 0,9% concluíram uma licenciatura em Política Social e 0,4% em Ciências
Sociais e Políticas. Por fim, 2,7% dos 452 indivíduos não forneceram a designação das
respectivas licenciaturas. Deve-se, contudo, referir que poderão tratar-se de pessoas que
responderam indevidamente ao inquérito, por erro do recenseamento realizado, em parte a
partir de um recenseamento on-line no site da APSS ou por constituírem profissionais
detentores de mais que uma licenciatura.
Verifica-se uma clara hegemonia de três cidades portuguesas como os locais onde os
respondentes realizaram as suas licenciaturas: Coimbra, com 130 respostas; Lisboa, com 120
respostas; e o Porto, com 87 respostas. Esta hegemonia está relacionada, antes de mais, com a
evolução histórica da formação em Serviço Social no contexto nacional, tal como se
descreveu atrás. Ainda assim, e considerando o carácter juvenil da amostra de respondentes,
aquela hegemonia realça não só a importância que estes três centros urbanos ainda detêm no
contexto nacional como, também, o facto de o ensino superior nestas três cidades continuar a
exercer um efeito de atracção pela sua reputação. Para além delas, merecem destaque apenas
Beja e Braga, com 20 e 16 respostas, respectivamente.
As datas de conclusão deste nível de ensino por parte dos respondentes variam entre os anos
de 1967 e de 2009. É de referir, no entanto, que cerca de metade dos que concluíram uma
licenciatura, fizeram-no de 2003 até à actualidade. Isto significa que se trata de uma amostra
de profissionais do Serviço Social recentemente inseridos no sector, dado coerente com a
distribuição etária da amostra.
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55
No que respeita às pós-graduações, a grande maioria dos inquiridos – 78,5% – afirma não
possuir este nível de habilitações literárias. Dos restantes, há que registar que 19,9% dos
indivíduos possuem uma pós-graduação, 1,2% possuem duas pós-graduações e, ainda, 0,4%
possuem três pós-graduações.
Mais uma vez, e tal como se verificou no respeitante aos bacharelatos, estas pós-graduações
estão relacionadas maioritária mas não exclusivamente com a área do Serviço Social. A sua
conclusão varia entre os anos de 1996 e de 2009, sendo que a maioria teve lugar a partir de
2005.
Entre os 483 inquiridos, cerca de 14% – 66 indivíduos – realizaram ou estão ainda a realizar
um mestrado. Metade desses mestrados estão relacionados com a área do Serviço Social. Em
relação aos restantes, eles repartem-se por áreas de estudo tão variadas como a saúde, a
sociologia, a psicologia, a economia, o direito ou os estudos sobre família. O Instituto
Superior Miguel Torga, em Coimbra, o Instituto Superior de Serviço Social, em Lisboa, e os
vários pólos da Universidade Católica Portuguesa destacam-se como as instituições que
concederam ou concedem a maior parte destes graus.
As datas de conclusão deste nível de ensino por parte dos respondentes são posteriores a
1992 e, na maior parte, posteriores a 2006. Alguns respondentes apontam para 2010 como o
ano de conclusão dos seus cursos.
Em relação aos níveis mais avançados, os respondentes que afirmam possuir doutoramento
ou pós-doutoramento não forneceram informações suficientes para que seja possível
proceder a uma caracterização dessas habilitações.
4. Condição perante o trabalho
No que respeita à condição dos respondentes perante o trabalho (Gráfico 6), a grande
maioria da amostra – 83%, que corresponde a 401 indivíduos – exerce uma actividade
profissional.
Gráfico 6: Condição dos respondentes perante o trabalho (%)
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56
Parte-se do pressuposto que estes indivíduos exercem tal actividade na área do Serviço
Social, uma vez que 1,7% dos respondentes indicaram que exercem uma actividade mas
noutra área profissional diferente. Há que realçar, no entanto, que se trata de um
pressuposto não comprovável, na medida em que esta informação não era solicitada no
questionário.
Com grande distância percentual surgem outros tipos de condição perante o trabalho. Os
desempregados à procura do primeiro emprego representam 8,7% do total da amostra; os
desempregados à procura de novo emprego, representam 2,9%; os reformados e os
respondentes que se encontram numa situação distinta de todas as outras, representam 1%
cada; e, por fim, os estagiários e os bolseiros de investigação, representam 0,6% de respostas
cada.
Entre os indivíduos que já trabalharam – isto é, exceptuando os que estão à procura do
primeiro emprego – cerca de 35% (153 respondentes) têm ou já tiveram mais do que uma
actividade profissional na área do Serviço Social. Esse número varia entre um mínimo de 2 e
um máximo de 8 actividades, sendo que a grande maioria (93,3%) desses 153 indivíduos teve
entre 2 a 4 actividades profissionais.
Cruzando estes dados com os escalões etários dos respondentes (Gráfico 7), percebe-se
claramente que a variedade ou a multiplicidade de actividades profissionais é uma situação
mais característica dos respondentes mais jovens, ainda que à medida que o número de
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57
actividades aumenta o efeito da idade sobre a duração da carreira venha a reduzir o impacto
dessa característica, como se verá de seguida.
De facto, 57,6% dos respondentes que têm ou tiveram no passado duas actividades
profissionais na área do Serviço Social têm até 34 anos, valor que desce para 33,7% entre os
que têm de 35 a 49 anos e para 8,7% entre os que têm 50 ou mais anos.
A supremacia dos grupos mais jovens mantém-se entre os respondentes que têm ou tiveram
três actividades profissionais na área do Serviço Social: 45,5% entre os que têm até 34 anos,
42,4% entre os que têm de 35 a 49 anos e apenas 12% entre os que têm 50 ou mais anos.
Esta tendência começa, no entanto, a perder força a partir das quatro actividades
profissionais na área do Serviço Social, pelo efeito da idade sobre a duração das carreiras –
no caso das quatro actividades, as maiores percentagens são partilhadas entre os
respondentes que têm até 34 anos e os que têm 50 ou mais anos de idade.
Gráfico 7: N.º de actividades profissionais por escalão etário dos respondentes (%)
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58
No conjunto dos respondentes com 5 ou mais actividades esta distinção deixa, de facto, de
ser pertinente, até pelos baixos valores de indivíduos que passaram por esta variedade de
actividades profissionais na mesma área.
Em termos de situação perante a profissão actual ou a última que os respondentes tiveram
no passado (Quadro 4), há uma clara maioria dos que são trabalhadores por conta de outrem
com um contrato por tempo indeterminado: representam 64,5% do total de respostas válidas
– tendo em conta que 42 indivíduos nunca trabalharam e 10 não responderam à questão.
Verifica-se, por outro lado, que uma grande percentagem de respondentes trabalha
igualmente por conta de outrem mas com um contrato a termo certo, cerca de um quarto da
amostra. Ainda por conta de outrem, mas com uma situação profissional menos esclarecida,
encontram-se 3,2% dos respondentes, com recibos verdes.
Quadro 4: Situação profissional dos respondentes (%)
Situação Profissional % Válida
Trab. por conta de outrem (contrato por tempo indeterminado) 64,5
Trab. por conta de outrem (contrato a termo) 25,3
Trab. por conta de outrem a “recibos verdes” 3,2
Trab. independente/ Prof. liberal 1,2
Empregador/ Trab. autónomo com pessoas ao serviço 0,5
Bolseiro de investigação 0,2
Estagiário 3,0
Outra situação 2,1
Total 100,0
As restantes situações apresentam proporções menos significativas: 3% dos respondentes são
estagiários, 2,1% encontram-se numa situação distinta de todas as outras e 1,2% dos
respondentes são profissionais liberais. Menos de 1% dos indivíduos são empregadores ou
trabalhadores autónomos com pessoas ao serviço, ou bolseiros de investigação.
Embora uma parte considerável da amostra possua um vínculo de trabalho estável, com um
contrato por tempo indeterminado, verifica-se igualmente que, para além dos
desempregados à procura de primeiro emprego (42 respondentes) – não contabilizados nesta
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59
tabela – há uma parte considerável (cerca de um terço) dos respondentes que possuem
vínculos de trabalho precários.
Resta, para já, analisar, por um lado, o tipo de instituições ou empresas onde exercem as suas
profissões actuais ou a última que exerceram no passado e, por outro, o tipo de funções que
aí exercem ou exerciam.
Do Gráfico 8 resulta que – excluindo os 42 indivíduos à procura de primeiro emprego e os 27
que não forneceram esta informação –, de um total de 414 respostas válidas, um terço dos
respondentes exercem ou exerceram a sua actividade profissional na Administração Central,
17,6% na Administração Regional ou Local, e uma maioria de 51,4% exerce ou exercia a
profissão no Sector Privado, lucrativo ou não lucrativo.
Somando estas percentagens, percebe-se que elas não resultam num total de 100%, mas sim
em 102,4%, o que se justifica pela existência de respondentes com mais do que um sector
para o exercício da profissão e, por vezes, com mais do que um local no quadro do mesmo
sector.
Gráfico 8: Sector de exercício da profissão (%)
Através de uma concatenação destes dados, apresentada no quadro seguinte (Quadro 5) é
possível um melhor entendimento desta situação.
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Quadro 5: Sector e local do exercício da profissão (%)
Sector e Local de exercício da profissão N % Válida
Trabalha/trabalhou na Administração Central 131 31,6
Trabalha/ trabalhou na Administração Central e na Administração Regional ou Local 1 0,2
Trabalha/trabalhou na Administração Central e num local no Sector Privado 6 1,4
Trabalha/trabalhou na Administração Regional ou Local 69 16,7
Trabalha/trabalhou na Administração Regional ou Local e num local no Sector Privado 2 0,5
Trabalha/trabalhou na Administração Regional ou Local e em dois locais no Sector Privado 1 0,2
Trabalha/trabalhou num local no sector privado 199 48,1
Trabalha/trabalhou em dois locais no sector privado 5 1,2
Fica claro, assim, que a percentagem de quem trabalha, exclusivamente, no sector privado
desce para 49,3%, em um ou mais do que um local. Acontece que a estes 49,3% se somam
1,4% que acumulam o sector privado com a Administração Central e 0,7% que aliam o
privado à Administração Regional ou Local. Há ainda o caso de um respondente que exerce
a sua actividade em ambas as Administrações Central e Regional ou Local.
As combinações de actividades profissionais em diferentes sectores são, desta forma, mais
heterogéneas e complexas do que à partida se esperaria.
No que respeita à Administração Central, destacam-se o Ministério da Saúde e o Ministério
do Trabalho e Segurança Social por serem os empregadores de, respectivamente, 73 e 45
respondentes. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior acolhe 4 respondentes e
o Ministério Administração Interna acolhe 3. Com 2 respondentes cada incluem-se os
Ministérios das Finanças e Administração Pública e do Ambiente, do Ordenamento do
Território e do Desenvolvimento Regional. Por fim, somente com um indivíduo cada, há que
registar o Ministério da Justiça e a Presidência do Conselho de Ministros.
Na Administração Regional ou Local, as Câmaras Municipais surgem como os locais de
trabalho principais, com 49 respostas. As Juntas de Freguesia são o local de trabalho de 11
respondentes e, por fim, os Governos Regionais dos Açores e da Madeira acolhem,
respectivamente, 10 e 3 indivíduos.
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As Instituições Particulares de Solidariedade Social constituem-se como o principal local de
trabalho dos respondentes, não só do sector privado, mas do total da amostra, acolhendo 169
respondentes. Por outro lado, 27 respondentes exercem as suas actividades profissionais em
Empresas e 14 em Organizações Não Governamentais. As Cooperativas, as Associações de
Desenvolvimento Local e as Associações Sindicais são, por fim, os locais de exercício da
profissão de 6, 2 e 1 indivíduos, respectivamente.
Para além destes respondentes que se posicionam num dos três sectores de actividade
profissional, 24 indivíduos afirmam encontrar-se numa situação distinta de todas as
anteriores.
Através do gráfico seguinte (Gráfico 9), é possível analisar as funções que os respondentes
desempenham, ou desempenham na última profissão que tiveram no passado. Os dados
referem-se a 441 indivíduos, deixando de fora os 42 que estão desempregados à procura de
primeiro emprego.
No conjunto de todas as funções, a execução ou intervenção directa destaca-se como aquela
que é desempenhada por mais indivíduos – 72,3%, que corresponde a 319 respondentes.
Com percentagens já muito distantes, surgem depois a coordenação ou a direcção, com
35,8%, e o planeamento, com 18,6% – correspondendo, respectivamente, a 158 e 82
respondentes.
Gráfico 9: Funções desempenhadas no exercício da profissão (%)
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As percentagens continuam a baixar, situando-se nos 14,7% para a supervisão e avaliação,
nos 10,7% para a função administrativa, e nos 9,8% para a formação. Por fim, 5,9% dos
respondentes dedicam-se à investigação, 4,1% ao ensino e 2,5% à consultoria.
Há que referir, ainda, que 4,8% dos indivíduos se posicionam numa situação diferente de
todas as anteriores já referidas.
Como é notório pelo gráfico acima, as percentagens totais ultrapassam em muito os 100%, o
que significa que, nas suas actividades profissionais, os respondentes desempenham ou
desempenhavam no passado mais do que uma função. Excluindo aqueles que se posicionam
nessa outra situação, estatisticamente os respondentes desempenham, em média, 1,83
funções cada, mas o seu número varia entre um mínimo de uma e um máximo de 8 funções.
Detalhadamente, 60,1% dos respondentes desempenham uma função apenas, 18,1% afirmam
exercer 2 funções e 10,2% desempenham 3 funções. Com 5% de indivíduos cada, surgem as
situações de desempenho de 4 e 5 funções. Por fim, entre 6 e 8 funções situam-se 1,7% dos
respondentes.
Exceptuando novamente os 42 indivíduos à procura de primeiro emprego e 33 que não
forneceram informação, a maioria – 68,8%, 280 indivíduos – demorou até 6 meses a encontrar
o primeiro emprego após a formação na área do Serviço Social (Gráfico 10).
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Gráfico 10: Período de tempo até ao primeiro emprego (%)
Por outro lado, cerca de 20% dos respondentes precisaram de um período entre 7 e 12 meses
até encontrarem o primeiro emprego. Isto significa que uma esmagadora maioria – cerca 89%
dos respondentes – conseguiram o seu primeiro emprego depois da formação na área do
Serviço Social em menos de um ano.
Pelo contrário, 7,8% demoraram entre um e dois anos (13 a 24 meses) e, para períodos
maiores, as percentagens baixam drasticamente: para 2,2% para os indivíduos que
demoraram entre três e cinco anos (25 e 60 meses) e para 1% para os que demoraram mais do
que cinco anos (61 ou mais meses).
O intervalo de tempo para encontrar o primeiro emprego após a formação varia entre um
mínimo de zero meses e um máximo de 120 meses, acrescentando-se que, em média, os
respondentes demoram 7,15 meses. Há que referir, no entanto, que dada a dispersão
acentuada dos dados, entre intervalo apresenta um desvio padrão elevado – de 11,5 meses.
A análise por grupos etários não revela diferenças significativas. Ainda assim, vale a pena
olhar para a distribuição dos períodos de tempo até encontrar o primeiro emprego por
escalões etários dos respondentes (Gráfico 11).
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Gráfico 11: Período de tempo até ao primeiro emprego por grupos etários (%)
Como seria de esperar, os três grupos etários apresentam as percentagens mais elevadas no
que respeita ao período mais curto até encontrar emprego após a formação. Para o período
entre 7 e 12 meses, nota-se uma proporção mais elevada no grupo dos respondentes que têm
até 34 anos de idade.
Pelo contrário, considerando os respondentes que demoraram entre 3 a 5 anos ou mais de 5
anos a encontrar emprego depois da formação em Serviço Social, as maiores proporções
encontram-se entre aqueles que têm 50 ou mais anos de idade.
5. Auto-regulação profissional
Passa-se agora a analisar as respostas dos inquiridos a um conjunto de questões relacionadas
directamente com a criação de uma Ordem de profissionais do Serviço Social.
No conjunto dos 483 respondentes, é notória a importância atribuída à criação da Ordem. De
facto, 98,8% dos respondentes – o que corresponde a 477 dos 483 – manifestam a sua
concordância face à criação desta instância de auto-regulação profissional. Os restantes 6
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inquiridos não se expressam, no entanto, contra a constituição da Ordem, preferindo não
fornecer resposta à questão.
Gráfico 12: Vantagens da constituição da Ordem Profissional (%)
Legenda: V1: Assegurar a defesa dos interesses da profissão e dos associados V2: Melhorar a visibilidade e credibilidade pública da profissão V3: Fazer respeitar o código deontológico e exercer jurisdição disciplinar V4: Garantir o exclusivo do emprego na área profissional para os seus associados V5: Promover a valorização profissional e científica dos associados V6: Acompanhar e avaliar as licenciaturas em Serviço Social
No que respeita às vantagens que adviriam da constituição de uma Ordem Profissional dos
Assistentes Sociais35
As vantagens da Ordem Profissional para “fazer respeitar o código deontológico e exercer
jurisdição disciplinar”, bem como para “promover a valorização profissional e científica dos
(Gráfico 12), os respondentes apontam, maioritariamente, para a
“defesa dos interesses da profissão e dos associados” e para a “melhoria da visibilidade e
credibilidade da profissão”. Estes itens receberam, respectivamente, 48,2% e 22,4% das
respostas para as vantagens mais importantes entre as sugeridas.
35 Nesta questão, pedia-se aos respondentes que se posicionassem face a uma série de 6 vantagens diferentes sugeridas e uma “outra” em aberto, e que as classificassem segundo uma escala de importância, atribuindo o valor “1” à vantagem mais importante, “2” à segunda vantagem mais importante, e assim sucessivamente, até ao valor “7” para a vantagem menos importante. No gráfico 12 apresentam-se os resultados em função desta escala.
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associados”, receberam, pela ordem apresentada, 15,5% e 8,1% de respostas no sentido de
serem as vantagens mais importantes.
Para uma melhor e mais facilitada leitura destes dados, mostra-se relevante reunir em
grandes grupos as respostas obtidas: num primeiro grupo, as três primeiras categorias de
importância (da pontuação 1 a 3); num segundo grupo a categoria intermédia já existente; e
num terceiro grupo, as três últimas categorias de importância (da pontuação 5 a 7). O gráfico
seguinte (Gráfico 13) mostra os resultados por grandes grupos.
Percebe-se que a “defesa dos interesses da profissão e associados”, bem como a “visibilidade
e credibilidade pública da profissão” são, de facto, as prioridades dos respondentes no que
respeita à importância da constituição da Ordem Profissional, mas logo seguidas do
“respeito pelo código deontológico e jurisdição disciplinar”, relevância que não estava
clarificada através da análise anterior.
Com uma posição intermédia e talvez ambígua surge a “valorização profissional e científica
dos associados”, aspecto que reúne percentagens elevadas como sendo uma vantagem de
importância mediana ou menor.
Por fim, a garantia do “exclusivo do emprego na área profissional para os associados” e o
“acompanhamento e avaliação das licenciaturas em Serviço Social” surgem, como já era
visível no gráfico 12, como os aspectos que os indivíduos valorizam menos.
Gráfico 13: Vantagens da constituição da Ordem Profissional, por grandes grupos
de opinião (%)
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Legenda: V1: Assegurar a defesa dos interesses da profissão e dos associados V2: Melhorar a visibilidade e credibilidade pública da profissão V3: Fazer respeitar o código deontológico e exercer jurisdição disciplinar V4: Garantir o exclusivo do emprego na área profissional para os seus associados V5: Promover a valorização profissional e científica dos associados V6: Acompanhar e avaliar as licenciaturas em Serviço Social
Entre os respondentes é, no entanto, notória a importância atribuída à Ordem no que
respeita ao impacto da sua criação sobre a regulação da profissão: 59,4% e 34,1% consideram
que a constituição da Ordem Profissional poderá vir a ter um impacto, respectivamente,
“elevado” ou “muito elevado” na regulação da profissão de Assistente Social. Pelo contrário,
são poucos os respondentes que se colocam numa posição distinta: 5,2% afirmam que esse
impacto “não será elevado nem reduzido” e apenas 1,3% consideram que a Ordem terá um
impacto “reduzido”.
Resta referir que nenhum dos respondentes optou pela categoria mínima de impacto
sugerida no questionário – “muito reduzido”.
Uma última questão presente no questionário está relacionada com os requisitos adequados
à admissão dos indivíduos na Ordem Profissional (Gráfico 14).
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Gráfico 14: Opinião sobre os requisitos na admissão à Ordem (%)
É possível perceber, através do gráfico anterior, que os respondentes se encontram de certa
forma divididos entre duas possibilidades de admissão: aquela que obriga a uma licenciatura
em Serviço Social e estágio ou período probatório creditado pela Ordem, e aquela que
pressupõe igualmente uma licenciatura em Serviço Social e estágio ou período probatório,
mas sem referência à creditação pela Ordem. Respectivamente, estas duas opções distintas
contam com 40,8% e com 38,3% das respostas.
Por outro lado, a opção restante – uma licenciatura em Serviço Social e exame de admissão à
Ordem - é escolhida por 19,7% dos respondentes.
Em suma, a importância que é atribuída a uma Ordem Profissional goza de amplo consenso
entre os assistentes sociais que constituem a amostra.
Quanto os princípios da sua operacionalização as opiniões divergem mais, debatendo-se,
sobretudo, o papel da Ordem na creditação de um período probatório necessário à admissão
individual. Porventura tendo em conta esta diversidade de opiniões o Projecto de Estatutos
da Ordem deixa em aberto a possibilidade de poder ser exigida aos candidatos a inscrição a
realização de estágio e a prestação de provas de aptidão (art.º 9º, 2.).
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Capítulo IV – Os discursos dos profissionais do Serviço Social
1. Introdução
No presente capítulo desenvolve-se a análise das entrevistas realizadas36
de acordo com as
seguintes categorias analíticas: (1) caracterização sócio-demográfica dos entrevistados; (2)
formação académica; (3) áreas de intervenção e funções; (4) representações sobre a profissão;
(5) expectativas face à evolução da procura dos serviços prestados; (6) desafios à profissão;
(7) profissões concorrentes; (8) autonomia face a outras profissões; (9) opinião, expectativas e
interesse público da constituição da Ordem dos Profissionais do Serviço Social.
2. Caracterização sócio-demográfica dos profissionais de Serviço Social
entrevistados
Num primeiro momento, procedeu-se à realização de vinte e uma entrevistas a pessoas com
formação em Serviço Social, contactadas aleatoriamente de acordo com os critérios
desenvolvidos na nota metodológica deste relatório. Posteriormente, foram realizadas nove
entrevistas a profissionais que, pela sua posição institucional, demonstraram ser detentores
de uma reflexão aprofundada relativamente às questões colocadas no decurso das
entrevistas.
Considerando as características sócio-demográficas dos entrevistados, constata-se que do
total de trinta profissionais entrevistados apenas duas entrevistas foram efectuadas a
profissionais do sexo masculino, estando esta amostra de acordo com o universo de
assistentes sociais em Portugal. Por outro lado, relativamente à variável etária, verifica-se
que 50% dos entrevistados estão incluídos no escalão etário inferior a 35 anos, 20% estão
entre os 35 e 50 anos e 30% das entrevistas foram efectuadas a profissionais com mais de 50
anos.
36 Conforme mencionado no capítulo metodológico, todas as entrevistas realizadas foram gravadas (mediante autorização dos entrevistados) e transcritas. Num momento posterior, procedeu-se à definição de categorias e à sua análise de conteúdo.
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Relativamente ao momento em que concluiram a formação em Serviço Social, constata-se
que a situação dos profissionais entrevistados se situa num largo espectro temporal, desde a
década de 60 até à actual década. Da amostra de profissionais entrevistados, a pessoa que há
mais tempo concluiu a sua formação fê-lo em 1967, enquanto que a que concluiu há menos
tempo fê-lo em 2007, ano em que 3 entrevistadas terminaram a sua formação.
A título de exemplo, refira-se ainda que, para além da formação em Serviço Social, foi
entrevistado um profissional com licenciatura também em Sociologia e quatro profissionais
com formação pós-graduada, dois com mestrado e dois com doutoramento.
Relativamente à caracterização das funções profissionais dos entrevistados, verifica-se uma
significativa diversidade, traduzida em funções como o apoio domiciliário, funções de
direcção e coordenação de instituições com valências no domínio do Serviço Social, cargos de
direcção em organizações representativas dos profissionais e actividades de Serviço Social,
entre outras. Uma análise mais detalhada das funções pode ser observada na tabela 1,
apresentada em anexo.
3. Formação académica
No que diz respeito à adequação da formação académica ao exercício profissional, os
entrevistados tendem a concordar, de forma generalizada, com a importância dessa
formação, embora se verifiquem algumas reticências face aos planos curriculares, sobretudo
devido a excessos de carga teórica e carências de formação prática. Entre as respostas
obtidas, destacam-se os argumentos positivos relacionados com o estágio de formação, a
duração do curso e os recursos que proporcionou para posteriormente exercer a profissão.
A minha licenciatura ainda foi de cinco anos e nós ainda tivemos a divisão em ramos, por isso, foi completamente adequada, sim. (Ent. 18)
A formação inicial de licenciatura foi muito boa, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista metodológico, abriu-nos um horizonte. Isto é uma profissão transversal a vários sectores, e acho que a minha formação me permitiu ter uma abertura, adquirir um posicionamento metodológico que me permite inserir em qualquer sector de actividade, quer do ponto de vista de análise desse sector e dos problemas que aí estão, quer da forma como esta profissão pode lá trabalhar. (Ent 26)
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Reconhecida a importância da formação académica para o desempenho profissional,
considera-se também que o contexto laboral, pelas suas especificidades e pela diversidade de
áreas de intervenção, implica uma aprendizagem contínua em contexto de trabalho que,
complementada com a aprendizagem académica, contribui para o melhor exercício
profissional.
Apesar do curso ter uma vertente muito teórica, depois a prática é que acaba por nos dar algum tipo de estaleca e de experiência para, no dia-a-dia, ajustarmos os conhecimentos àquilo que fazemos na nossa vida profissional. Portanto, penso que sim, que deu a base para as funções que exerço. (Ent. 1)
A formação académica é importante, porque nos dá alguma base da nossa intervenção, mas depois tem a ver também connosco, com as nossas características pessoais e com a nossa disponibilidade para depois nos irmos integrando aos novos desafios e às novas áreas de intervenção e ao que nos for solicitado. (Ent. 5)
Como todos os cursos, a parte teórica acaba por ter pouca tradução depois na prática. Mas há bases que acabam por ser importantes, quanto mais não seja numa primeira fase, depois a experiência vai dando o resto do traquejo. Mas há conteúdos que são importantes para nós termos alguma noção. (Ent. 8)
É consensual o reconhecimento de que existem limitações na formação académica inicial que
têm de ser complementadas por formação continuada posterior. Apesar de aquela ser
importante para o trabalho que se venha a fazer no campo do Serviço Social, não cobre todo
o universo laboral, nem tão pouco consegue prever as transformações que esse mesmo
campo irá sofrer. Assim, afigura-se fundamental a formação contínua, com investimento
noutras áreas, a actualização permanente relativamente às políticas e à legislação aplicáveis
no específico domínio de trabalho. Em síntese, a importância da aprendizagem ao longo da
vida esteve muito presente nas respostas obtidas em sede das entrevistas realizadas.
Inicialmente acho que sim, mas depois, obviamente, tenho vindo a aprofundar a minha formação, investindo noutras áreas. (Ent. 9)
É claro que nós temos que nos actualizar sempre, porque muda sempre um bocadinho o contexto, toda a conjuntura. Uma pessoa tem sempre que se actualizar. Por exemplo, face às novas políticas, o Rendimento Social de Inserção, o Complemento Social para Idosos, com que nós trabalhamos todos os dias, e que temos que nos ir adaptando, ir estudando a legislação. (Ent. 14)
Eu considerei na época que tivemos uma visão global e transversal que nos deu bases de trabalho muito importantes, deu-nos uma visão global das várias áreas, das várias problemáticas e, principalmente, das questões da economia, a psicologia, a história, métodos e técnicas. Eu penso que o curso, na altura, deu as ferramentas principais e importantes para o desenvolver da função. Claro que, como todos os profissionais, quando se tem um grau
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académico, não pára ali o conhecimento. Por isso, as pessoas deverão ir sempre actualizando, melhorando. (Ent. 28)
Contudo, outros entrevistados, embora concordando que a formação foi efectivamente
adequada, dão respostas condicionais, ou seja, reconhecem e lamentam o défice de formação
prática que lhes desse a conhecer, de forma concreta e pragmática, o universo de acção do
Serviço Social. Há nestas respostas o assumir de uma descoincidência entre uma dimensão
teórica e reflexiva presente na formação, e uma dimensão prática e instrumental, inexistente
ou insuficiente para a abordagem da complexa realidade, com que se deparem no exercício
da sua profissão.
Foi adequada mas eu acho, entretanto talvez já esteja diferente a nível curricular, que falta muita prática. Porque a nossa área, o nosso serviço, conforme as diferentes áreas em que trabalhamos, também é diferente. O princípio é o mesmo, mas eu acho que havia mais necessidade de prática a nível do curso para a pessoa sair mais preparada para certas situações. (Ent. 3)
Tive duas ou três cadeiras que foram uma base mas, sinceramente, acho que é um curso muito teórico, que deveria ter uma carga prática muito maior, porque o nosso trabalho é muito prático, muito de terreno. (Ent. 21)
Essa questão é um bocado complicada. Se me deu uma panorâmica geral para eu entender o mercado, aí sim. Se me deu os instrumentos que tinha mais necessidade para trabalhar o mercado de trabalho, aí já começam algumas questões (…). Quando saímos do curso com a ideia de que faltava ali qualquer coisa, e qualquer coisa é mediar a parte académica com a parte profissional. Nessa mediação houve uma falha na formação, que acho que ao longo dos anos se ampliou. Não se colmatou e ampliou-se. Ou seja, não me faltou saber o que era Serviço Social, não me faltou saber quais são as áreas de intervenção do Serviço Social, não me faltou a generalidade, mas depois ao chegar ao mundo de trabalho alguns instrumentos faltaram. (Ent. 27)
O assumir de um défice prático na formação, é quase concomitante com o reconhecimento de
uma excessiva formação teórica cuja pertinência curricular é questionada para uma posterior
integração na vida activa.
Nessa área acho que falha um bocadinho em termos práticos da universidade. Em termos teóricos, claro que eu tirei o curso ainda eram 5 anos e, de facto, parte teórica tivemos muita que às vezes nós pensamos para que é que fizemos isto ou aquela cadeira, quando sentimos que falta mesmo é de muita parte prática que não fizemos, como elaborar relatórios, como fazer entrevistas, acho que por aí falhou um bocadinho. (Ent. 6)
Eu acho que os cursos de Serviço Social são muito, muito teóricos e não tem uma parte tão prática que nos permita chegar ao mercado de trabalho e depois aplicar na prática esses conhecimentos. É claro, toda a informação, todos os conhecimentos, todas as teorias e
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políticas que estudámos, se aplicam. Mas devia haver uma parte mais prática que nos permitisse chegar e aplicar esses conhecimentos mais práticos. (Ent. 14)
Mas nem todos os entrevistados questionam o campo teórico. Há um reconhecimento de que
a dimensão prática do currículo e posteriormente o exercício profissional têm de ser
fundamentados numa reflexão teórica, para que a realidade seja entendível e as práticas
profissionais tenham sentido e possam ser racionalizadas. Por isso, alguns entrevistados
foram reconhecendo, ao longo do exercício da profissão, que afinal as teorias aprendidas
tinham utilidade prática.
Quando estamos na faculdade, não se dá importância àquilo que é dado. Achamos sempre que aquilo nunca vai ser importante. Aqui, é o consolidar dos nossos conhecimentos. Acaba por ser o dia-a-dia. Vamos aprendendo coisas novas e vamos vendo que faz tudo sentido, aquilo que nós demos a nível teórico. Nós temos muitas cadeiras a nível de Sociologia, Antropologia. São muitas teorias que agora, acabam por nos ajudar a compreender os comportamentos, as atitudes das pessoas. Tentar encontrar um outro, às vezes parte dessas teorias que aprendemos no curso. (Ent. 12)
Quando inquiridos sobre a formação académica actualmente disponível em Portugal na área
do Serviço Social, constatamos três grandes tipos de respostas: uma primeira, que
simplesmente ignora a forma como hoje em dia se processa a formação em Serviço Social;
uma segunda que afirma um conhecimento relativo e parcial sobre a realidade formativa; e,
finalmente, uma terceira forma de responder informada e crítica sobre a formação. Constata-
se que são as respostas das entrevistas aos profissionais que desempenham cargos
institucionais as que são mais informadas e fundamentadas nas suas apreciações sobre o
processo formativo em Portugal.
Deixando de lado o primeiro grupo de respostas, pela sua irrelevância, verifica-se, no que
diz respeito ao segundo grupo, algum desconhecimento acerca da realidade formativa por
parte dos entrevistados ao avaliarem a forma como a formação actual decorre. De entre este
grupo de entrevistados, as respostas são de dois tipos: os que têm uma opinião negativa e os
que têm uma ideia positiva acerca da actual formação académica em Portugal.
Os entrevistados com opinião desfavorável à formação actual em Serviço Social assinalam o
surgimento de diversas instituições de formação e a consequente massificação dos cursos e
perda de qualidade formativa. Alguns comentários são referidos ao desfasamento entre a
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parte curricular e as necessidades profissionais, à necessidade de estágios que efectivamente
preparem para o trabalho e a uma revisão curricular onde a parte teórica se sobrepõe à
componente prática.
O que me parece é que desde que o Serviço Social começou a ser leccionado no serviço público desceu muito de qualidade. O que me parece também é que começaram a ser profissionais não experientes a dar a Serviço Social e penso que, com isso, o curso ficou desmembrado. Não sei se o curso agora é de 4 anos ou de 3, mas eu acho que é pouco tempo. Porque depois no terreno as coisas são muito mais complicadas. (Ent. 2)
O que eu acho é que estão a colocar o Serviço Social em todo o lado e sem qualquer tipo de rigor (…) e acho que banalizaram um bocadinho o curso. Há uma perda de qualidade, sem dúvida, mesmo em relação a corpos técnicos, do que eu já ouvi falar, há muita gente apenas com licenciaturas a dar aulas em Portugal. (Ent. 6)
Neste momento há demasiadas instituições a leccionar este curso e já está de tal modo diversificado porque as especialidades são muito diversificadas e acaba por ser cada vez mais difícil conseguir dizer o que é um Assistente Social. (Ent. 7)
As respostas de carácter mais favorável relativamente à formação actual, ainda que pouco
fundamentadas, fazem referência à diversidade das componentes curriculares, bem como a
uma adequação da formação à dimensão profissional através da implementação dos
estágios.
Agora acho que as coisas estão um bocadinho diferentes e já se estão a aproximar mais da prática e da realidade e, se calhar, perderam-se algumas coisas, como o carácter de virar o Serviço Social para ramos e áreas distintas, como nós tínhamos, mas, entretanto, ganhou-se essa parte da prática, por aquilo que eu tenho reparado. (Ent. 18)
Tem um factor positivo que é ser abrangente e diversificada porque teve diversas disciplinas teóricas desde o direito à psicologia e à sociologia. Todo um conjunto de ferramentas que, de facto, o Assistente Social precisa. Contudo, acho que tem pouca componente prática. (Ent. 20)
Conforme já referido, concluiu-se a existência de um terceiro grupo de respostas com alguma
uniformidade que deriva fundamentalmente da reflexão e fundamentação sobre a questão
da formação académica. Todas as respostas que estão neste grupo são proferidas por
entrevistados enquadrados no grupo institucional, sendo provavelmente essa a razão pela
qual as suas respostas são significativamente mais reflexivas. De entre estas respostas,
verificam-se também posturas diversas sobre a formação. O pessimismo está muito
relacionado com a redução da duração dos cursos em virtude do processo de Bolonha, com a
inadequação curricular face às necessidades profissionais, à massificação do ensino com a
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consequente perda de qualidade, com a desregulação e falta de controle no reconhecimento e
funcionamento das formações, com a degradação da formação ministrada pelas instituições
públicas, com a perda de identidade e referências formativas e profissionais, e com a carência
de um corpo docente adequado às necessidades quantitativas e qualitativas da formação. De
comum entre todas elas é o reconhecimento da necessidade de a profissão reflectir sobre si
própria e melhorar a regulação do exercício profissional por parte dos seus membros.
Sou contra uma formação de 3 anos, é insuficiente na nossa profissão. Em relação à actual formação, está ainda em rebuliço porque dentro daquilo que é exigido, que são 3 anos, porque é necessária uma grande reformulação dos planos de estudo com vista a alcançar o objectivo que Bolonha propõe, que é uma actividade mais profissional e menos com competências de investigação (…). (Ent. 22)
Eu acho que não há um período igual, na história do Serviço Social, de desregulação da formação como este. (…) É muito curioso fazer a avaliação dos cursos, dos curricula, não só da sua história, da sua emergência. Há um corpo relativamente restrito de escolas que apostam num tronco comum que poderíamos considerar pelo menos identitário da profissão. Acresce ainda a circunstância que há muitas escolas que não têm pessoal qualificado o que obviamente poderia ser explicável pelo desenvolvimento tardio das questões da pós-graduação na própria profissão. Mas o que eu acho mais grave é algumas delas não têm nem sequer estratégias de qualificação para os docentes. (Ent. 23)
Primeiro, falta uma noção clara do que é a profissão. Então, se pegarmos nos cursos mais recentes, isso é claro. Ninguém tem uma ideia do que é Serviço Social nem da evolução histórica do Serviço Social. A primeira grande consequência é que as gerações mais novas estão a perder as referências da profissão. Eu já disse que às vezes a profissão parece que nasce de cogumelos, porque as pessoas não têm uma referência, nem sequer têm uma noção de que a nível planetário a profissão tem mais de 100 anos, mas não aparece em Portugal (…). Para mim isso é a grande lacuna dos cursos todos. A partir daqui a formação começa a ter falhas. Ou seja, se não está presente a evolução histórica e o sentimento histórico da profissão, o resto vai começar a fraquejar. (Ent 27)
O que eu tenho conhecimento é de uma grande formação multidisciplinar, com orientações diversas, sem percebermos muito bem qual é o perfil que se está a formar, com divergências que nós não percebemos muito bem qual a raiz, porque é que surgem aquelas disciplinas, porque é que uns têm uma orientação mais num sentido do que noutro, com a agravante de que neste campo de intervenção começam a surgir outras formações, designadamente a nível de consultadoria, de gestão social, que vai ocupar o mesmo campo, isto para além dos animadores. Isto traz alguma fragmentação, não apenas no campo da formação, mas depois no das profissões. Levanta-se um problema, que os outros países já se estão a confrontar, e que nós nos temos que confrontar também, para alem da questão do perfil profissional. Isso parece-me realmente grave e tem que ser acautelado. (Ent. 29)
As respostas de carácter mais optimista fundamentam-se na exigência e grau de dificuldade
associado ao curso, nas facilidades proporcionadas por Bolonha para progredir na formação
e nas reestruturações e reformulações curriculares que a adequação a Bolonha proporcionou.
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Eu acho que a formação em Serviço Social neste país foi muito exigente, muito prolongada em relação às necessidades que temos no país. Eu acho que se devia ter trabalhado mais na inserção no mercado de trabalho e na afirmação da necessidade do Serviço Social do que tanta teoria, tanta teoria. Se me perguntar, se calhar contra tudo o que os meus colegas vão dizer, eu até acho bem este processo de Bolonha e Mestrado (…). Agora uma pessoa com 3 anos fica perfeitamente apta para fazer um trabalho de Serviço Social normal, atendimento, trabalho de grupo, dinamizar actividades, trabalho comunitário. Depois complementa-se com uma formação em etapas, é um pouco a fórmula americana, a fórmula inglesa, dos países desenvolvidos. (Ent. 23)
Há uma diversidade, mas mesmo na sua essência eles não perderam grandes conteúdos, o que é fundamental. Sim, penso que algumas estão melhores, depois daquilo que se vê na prática, aqui nos estágios. Penso que poderia neste momento ser mais trabalhado o Serviço Social de caso. Aí, penso que talvez se esteja a perder um pouco. (Ent. 28)
Se algum aspecto merece ser retido deste ponto para substanciar a necessidade de criação de
uma Ordem profissional decerto que o mais óbvio consiste na preocupação comummente
demonstrada pelos entrevistados com a qualidade de formação, como uma condição para
um melhor e mais eficaz desempenho da profissão. Acresce que a Ordem permite ainda
contribuir para este objectivo através da organização ou patrocínio de acções de formação
profissional37
, conforme menção expressa na Lei 6/200, em que as Ordens Profissionais se
apresentam como parceiros sociais do Estado e outros organismos na definição da política de
formação.
4. Áreas de intervenção e funções dos assistentes sociais
Quando questionados sobre as áreas de intervenção dos assistentes sociais, verifica-se um
consenso generalizado entre todos os entrevistados acerca da enorme amplitude de áreas
passíveis de serem intervencionadas por profissionais de Serviço Social. Assim, em todas as
respostas, os entrevistados começam por utilizar expressões como: “as áreas de intervenção
são muitas”; “são muitas, várias e variadas”; “é muito abrangente”.
Contudo, dentro deste consenso sobre a amplitude das áreas de intervenção, encontram-se
diferentes tipos de respostas. Algumas destas respostas revelam uma forte intersecção entre
áreas de intervenção, problemas sociais e público-alvo. Podem referir-se as respostas que,
reconhecendo a amplitude dos campos de intervenção, se limitam posteriormente a
especificar algumas áreas de intervenção. Assim, depois de afirmar que é possível o Serviço
Social intervir em todas as áreas, dão-se os exemplos da terceira idade, alcoolismo, educação
37 Esta é uma das atribuições expressamente previstas no artº 4º,1. da Lei 6/2008.
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e educação especial, ajuda domiciliária, justiça, saúde, áreas de projectos, crianças e jovens,
prisões, famílias carenciadas, desempregados, minorias étnicas, toxicodependentes, poder
local, escolas, entre outros.
Logicamente, é mais a nível socioeconómico, ao nível das famílias carenciadas. Hoje em dia, com a crise que estamos a atravessar nota-se que a população que vem ao nosso serviço já não é tanto aquela população que é pobre e que sempre foi pobre. Hoje são aquelas pessoas que se vêem numa situação de ficarem desempregadas, de não terem direito a subsídio de desemprego ou mesmo ser baixo, terem situações de empréstimos de casa e de carros para pagar e de entrarem num desespero de não ter como fazer face às despesas. (Ent. 3)
São imensas. Quer dizer, em termos de Segurança Social são imensas, ou seja, encontramos assistentes sociais, como eu, ligados ao idoso em termos mais de gestão de vagas, IPSS e tudo mais, como em termos de lares de idosos. Depois temos em termos da ajuda domiciliária, temos em termos da acção social que é o grande grupo, como depois em termos da saúde temos a nível hospitalar, a nível dos centros de saúde. Temos em termos de justiça, o Instituto de Reinserção Social. Depois em termos de Educação Especial, também há bastantes assistentes sociais também na Educação Especial. (Ent. 5)
São muitas, variadas e vastas. Parece que cabe tudo no Serviço Social. Há a questão das pessoas que pelas suas características são mais vulneráveis a determinado tipo de problemáticas, os idosos, as crianças em risco, pessoas com escassos recursos económicos, por sua vez também há os problemas associados, o desemprego. Há uma série de problemas e cada vez mais necessitam da nossa atenção. (Ent. 8)
Eu acho que há duas áreas preferenciais: o serviço público, onde estará uma coluna grossa de Serviço Social; e o grosso do mercado social de emprego, isto é, da economia social, das IPSS. Depois há por aqui as empresas, o Serviço Social de empresas, a localização de assistentes sociais na direcção de recursos humanos, há assistentes sociais a trabalharem em projectos comunitários, muitas vezes por via de associações ou até mesmo de IPSS. Mas a ideia que eu tenho é que há um pesado volume de assistentes sociais na administração pública, com conteúdos funcionais diferentes. (Ent. 25)
As respostas que se seguem procuram desenvolver uma explicação sobre a variedade e
vastidão das áreas de intervenção. Os argumentos centram-se sobretudo na complexidade da
vida social, na interligação entre várias dimensões da vida dos cidadãos, no cruzamento de
áreas essenciais mesmo quando se pretende intervir apenas num domínio. Como é referido
numa das respostas, para intervir num único problema social apresentado por um utente, é
obrigatória uma intervenção de retaguarda onde está a família, a comunidade, a escola, os
tribunais, as empresas, num cruzamento de áreas e domínios de intervenção que se tornam
inevitáveis se se pretender potenciar a qualidade de vida dos cidadãos. Eventualmente,
como é assinalado numa das entrevistas, esta circunstância de intervir numa enorme
pluralidade de áreas retira especificidade ao Serviço Social, sendo, contudo, essa pluralidade
de áreas que permite a actual caracterização da profissão.
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As áreas de intervenção são muito abrangentes. Nós podemos trabalhar com todo o tipo de situações. Eu acho que o Assistente Social tem que estar apto para lidar com qualquer tipo de situação, de pessoas. Seja toxicodependente, seja uma criança, sejam idosos, seja com quem for, quem nos aparecer nós temos que ser muito flexíveis. Depois não temos que ter estereótipos ou preconceitos com ninguém. Independentemente das etnias, de raça, do que for. Por isso as intervenções sociais não são lineares, são abrangentes. (Ent. 12)
Eu julgo que a grande área de intervenção, o grande chapéu, e é uma ideia relativamente consensualizada, é o campo das políticas sociais. O campo das políticas sociais, não tanto na política social, mas nas políticas sociais. Dentro das políticas sociais sectoriais nuns campos mais do que noutros. Um dos campos que tem sido desde sempre muito extenso é o campo da segurança social. A área da saúde também. Cada vez mais na área da justiça. E hoje, muito também nas Instituições Particulares de Solidariedade Social, também em algumas organizações não governamentais mas muito mais nas IPSS e estas quase sempre vinculadas ao sector da segurança social. (Ent 24)
Eu acho que há que distinguir campos, de áreas ou problemas. Existem digamos que 6 ou 7 áreas, que são as mais tradicionais, dependendo da perspectiva onde nós nos coloquemos. Se for do ponto de vista da divisão administrativa e política das políticas sociais, nós podemos enquadrar e ter assistentes sociais na área da segurança social, da educação, da justiça, trabalho/emprego, poder local, saúde. Se for do ponto de vista dos sujeitos com quem trabalhamos, nós aí podemos diferenciar em intervenção comunitária, intervenção junto de famílias, intervenção junto dos indivíduos isolados. Se for do ponto de vista das problemáticas, então vamos encontrar uma diversidade muito grande. (Ent 27)
Aquilo a que temos assistido é que para além de áreas tradicionalmente associadas ao desempenho profissional, ligadas à pobreza, etc., neste momento estão a surgir novas problemáticas sociais que solicitam uma intervenção também diferenciada, e com perspectivas diferentes. Não apenas de atribuição de mecanismos ou medidas de política social, mas também de mobilização, de desenvolvimento de competências, uma intervenção com um cariz não apenas socioinstitucional, ou sociopolítico, mas também sociopedagógico, com uma intervenção comunitária mas mais no campo da cidadania, do estabelecimento de contratos, de compromissos, contratualizações etc. (Ent 28)
No que diz respeito às funções dos assistentes sociais, as respostas obtidas caracterizam-se
por um manancial de predicados que exprimem aquilo que consideram fazer: ouvir, escutar,
falar, conversar, pensar, compreender, perceber, identificar, avaliar, sinalizar, diagnosticar,
investigar, estudar, intervir, agir, orientar, encaminhar, ajudar, articular. Esta sequência de
verbos é a sequência de implementação de projectos em que, numa primeira fase, se começa
por observar a realidade, idealizam-se formas de agir e, finalmente, intervém-se no domínio
em causa. Aplicando este raciocínio à acção do Serviço Social, o que as respostas sugerem é
que as funções dos assistentes sociais implicam, num primeiro momento, receber os utentes
nos serviços, diagnosticar as razões pelas quais houve a necessidade de procurar esses
mesmos serviços, e posteriormente, depois de avaliadas as circunstâncias, agir sobre a
realidade, quer nas dimensões que mais directamente afectam os indivíduos (micro-
actuação), quer nas dimensões associadas ao contexto social e local mais próximo (meso-
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actuação), ou ainda ao nível das políticas e recursos institucionais (macro-actuação). Essa
ajuda, contudo, não pode ser confundida com uma perspectiva assistencialista, pois a
intervenção deve ser no sentido dos indivíduos se emanciparem da precariedade social em
que se encontram, através de programas e políticas sociais articuladas, disponíveis para
serem implementadas. Como é referido numa das entrevistas, “as funções dos assistentes
sociais é fazerem a mediação entre as políticas sociais e os cidadãos”. A maioria das
respostas acerca das principais funções dos assistentes sociais segue exactamente este perfil.
Cabe-nos avaliar a situação da pessoa e ver o tipo de necessidades que tem a nível económico e a nível social. Não nos cabe intervir só a nível económico, mas também tentando integrar a pessoa na sociedade, organizar, fazer o diagnóstico da situação e depois temos que, conjuntamente com a pessoa, arranjar meio para se tornar independente e conseguir fazer face às coisas. Nós orientamos, a pessoa tem trabalhar por ela também, é o tal empowerment de que se fala tanto que a pessoa tem que adquirir. (Ent. 3)
Um Assistente Social tem que saber ouvir, tem que saber escutar os problemas, tem que saber encaminhar a pessoa. Por vezes a pessoa está ali à nossa frente, quer uma resposta, quer que a encaminhemos para alguma instituição. Nós não somos milagrosos, não temos varinha mágica, mas as pessoas pensam que sim, que os assistentes sociais têm que resolver os problemas. Acho que é essencialmente ouvir, compreender a pessoa e tentar encaminhar da melhor forma para resolver os seus problemas. (Ent. 12)
Eu diria que o Assistente Social é essencialmente um profissional que se caracteriza por ter um amplo campo de funções. Funções que vão desde a perspectiva curativa, à perspectiva terapêutica, à perspectiva promocional ou até preventiva, e que lhes permite intervir não apenas na aplicação das medidas, mas também na prospecção de necessidades, na planificação e gestão de recursos. Isto implica perfis e competências diferentes. (…) Eu diria que aquilo que caracteriza o perfil do profissional é uma complexidade e uma multidisciplinaridade, que apesar de ser multidimensional, essa multidimensionalidade lhe dá alguma especificidade. (Ent. 29)
Depende um bocadinho dessa área de intervenção em que se actua, mas eu acho que há duas principais funções. A primeira será no sentido da identificação da situação, do problema, mas sempre na perspectiva de quem a está a viver, e depois, a partir daí, definir a área de intervenção, diagnosticar a situação, até encaminhamento para esta ou para aquela situação. As funções serão de identificação da situação do problema e depois de estabelecer uma relação de ajuda no sentido da resolução daquela situação, ou pelo menos, de encontrar o caminho que para aquela pessoa. (Ent. 30)
Algumas respostas são dadas em função da própria experiência e daquilo que
quotidianamente se faz nos serviços em que estão inseridos. Ou seja, a afirmação de que as
funções variam inevitavelmente com a área em que se está inserido adquire aqui uma
expressão concreta. Por exemplo, no âmbito hospitalar as funções estão relacionadas com o
acompanhamento dos pacientes, a preparação das condições para a efectivação das altas
médicas e o apoio doméstico aos utentes em convalescença. Por outro lado, para quem tem
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um “trabalho de gabinete” as funções, para além do contacto directo com utentes,
caracterizam-se mais pelo atendimento, o escutar e apoiar e o trabalho administrativo. Muito
deste trabalho, sempre que as circunstâncias o permitem, é efectuado em equipas
multidisciplinares. Para quem trabalha com idosos, as funções consistem em fazer o
levantamento das necessidades, o reconhecimento comunitário, o acompanhamento
domiciliário. Os exemplos vão-se sucedendo consoante os âmbitos de trabalho.
A área hospitalar é um bocadinho diferente. Aqui a nossa principal função é a ligação entre os doentes e o hospital e a preparação das altas porque realmente aqui é o mais importante, quer dizer o mais importante não é para nós, mas para o hospital, para a instituição, é libertar as camas, é haver rotatividade das camas e não ficarem os doentes internados por motivos sociais. (Ent. 4)
Isto de definir as funções vai depender muito do trabalho que cada Assistente Social vai fazer. No meu caso, existe o trabalho de gabinete que passa por preparar um documento escrito dos pedidos do que é necessário que seja feito em termos de políticas sociais, em termos do acompanhamento, e depois existe o trabalho de atendimento e o trabalho de terreno, que é o acompanhamento aos utentes e familiares. E também o trabalho de equipa com outras instituições. (Ent. 7)
A principal função é o acolhimento, a forma como você acolhe alguém que vem com um problema. É muito importante. Por isso é que nós, naqueles cinco anos aprendemos as técnicas do contacto visual, tudo isso. (Ent. 16)
Tem várias funções nesta área. Depende do contexto, dos termos das políticas, dos termos da própria intervenção, depende das áreas. Penso que em termos de trabalho comunitário, em termos de trabalho de grupo, em termos de acompanhamento, de assessoria, de pareceres técnicos. Eu acho que é muito abrangente em termos de intervenção na área social. (Ent. 28)
As funções dos assistentes sociais suscitaram aos entrevistados algumas posições bastante
críticas, no sentido de colocarem em causa não apenas a postura dos profissionais de Serviço
Social no âmbito dos serviços em que se encontram inseridos, mas também as próprias
políticas sociais que nas suas exigências burocratizadas, reduzem o desempenho dos técnicos
a um trabalho mecanizado de preenchimento de impressos. Ou seja, as funções são
duplamente adulteradas porque, em primeiro lugar, o profissional de Serviço Social é
desviado das competências que a sua formação lhe confere e, em segundo lugar, passa a
fazer um trabalho administrativo e burocrático que é passível de ser desempenhado por
outras profissões.
Veja-se o Rendimento Social de Inserção, o que o Assistente Social faz é estar a preencher a ficha, e a principal função seria a inserção daquela família. A taxa de insucesso do rendimento mínimo tem a ver com a taxa de insucesso da intervenção que o Assistente Social faz, porque não faz o trabalho como deveria fazer, deveria sair de trás da sua secretária e trabalhar na comunidade, inserir a família, fazer os contactos. E depois não é interventivo.
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Com os problemas de exclusão social que temos, o Assistente Social devia ser muito mais interventivo, mas o Assistente Social gosta é de trabalho individual. (Ent. 23)
Isso depende do serviço. Acima de tudo, temos que entender uma coisa: se alguém vem ter connosco, por norma vem em situação de dificuldade. Há que perceber qual é a dificuldade. Nós não podemos ter respostas estandardizadas, temos começar a trabalhar primeiro com as pessoas e construir as respostas com as pessoas. Isso obriga a partir a visão do mundo, porque normalmente o que se diz é “se vamos para a educação devemos ter estas e estas funções”. (Ent 27)
O posicionamento crítico relativamente às funções está patente em respostas que, de uma
forma relativamente clara, denunciam que os profissionais de Serviço Social estão a ser
desconsiderados nas suas competências, nomeadamente porque as suas funções estão a ser
atribuídas a outras formações académicas que, apesar de abordarem o campo social, não o
fazem na perspectiva do Serviço Social. Por outro lado, por exigências várias, os profissionais
de Serviço Social vêem-se na contingência de intervir em áreas que não lhes pertencem,
colocando em causa a eficiência dos seus desempenhos.
Neste momento acho que está acontecer o seguinte: os assistentes sociais desempenham uma profissão para a qual foram preparados mas, em muitos casos, estão a trabalhar em simultâneo com pessoas que não têm formação para tal, ou estão a trabalhar ou a ser coordenados por essas pessoas que não têm formação para tal. Portanto, as funções do Serviço Social estão a ser um bocado desconsideradas. Eu creio que o Serviço Social está a perder o estatuto e está a ser ultrapassado por pessoas que não têm formação para isso. A competência de um Assistente Social é elaborar diagnósticos, intervir, acompanhar. É uma competência do Serviço Social, não das diversas profissões que por diversas razões se apoderaram do trabalho que tem sido desenvolvido pelo Serviço Social. (Ent. 2)
Há situações flagrantes. Nós temos colegas que fazem transporte, que se dedicam ao transporte dos utentes. Temos colegas que fazem de psicólogos dos utentes e muitas vezes dos próprios dirigentes. Não é muitas vezes fácil para eles e já estive também nessa situação. Tu não queres, há quem queira. (Ent. 17)
Estas observações críticas sobre as exigências de trabalho que as instituições fazem aos
profissionais, desviando-os das áreas da sua competência para outras que caberiam a outros
tipos de profissionais ou de funções centrais do exercício da profissão para outras
predominantemente burocráticas, justificam o reconhecimento de uma maior capacidade de
regulação do exercício da profissão pela própria profissão.
Importa ainda sublinhar, no mesmo sentido de reforçar as dimensões de interesse público de
uma Ordem profissional, por um lado, as preocupações expressas quanto à necessidade de
ter uma intervenção abrangente das problemáticas sociais, reconhecendo a complexidade
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dos problemas e a necessidade de articulação com outras profissões e, por outro, a
preocupação com os condicionamentos das instituições que enquadram a actividade dos
profissionais de Serviço Social, responsáveis muitas vezes pela magreza dos resultados dessa
actividade. Ao defender os interesses gerais da profissão, pela autonomia profissional dos
seus membros, a Ordem estaria concomitantemente a defender os interesses dos utentes e da
sociedade em geral, pela melhoria de desempenho dos profissionais.
5. Representações sobre a profissão
Relativamente às funções dos assistentes sociais que têm maior reconhecimento público,
constata-se que os profissionais entrevistados têm uma atitude algo pessimista relativamente
à opinião e reconhecimento público dos seus desempenhos. Assim, consideram
fundamentalmente que o seu reconhecimento está directamente relacionado com a resolução
de problemas sociais ou problemas individuais colocados pelos utentes que se dirigem aos
serviços.
O maior reconhecimento público corresponde, muitas vezes, às situações que estão completamente no escuro e que com o apoio do Assistente Social podem ser resolvidas. Por exemplo, um mendigo que vive debaixo duma ponte e que através de articulações, das políticas socais existentes recebe um apoio camarário, um apoio no âmbito do apoio da alimentação, etc. Isso tem sempre um reconhecimento público com muito destaque. (Ent. 1)
É, sem dúvida, o Rendimento Social de Inserção. É a pessoa que dá o dinheiro. (Ent. 7)
Há um estereótipo. Nós trabalhamos com estereótipos. “Eu vou à Assistente Social para me resolver problemas”. (…) Este estereótipo tem prejudicado muito os assistentes sociais e até a classe. Aquele imaginário, “eu vou à Assistente Social mas ela não faz nada por mim”. As pessoas entregam-se, colocam-se nas mãos de, têm ali uma pessoa para cuidar delas, excluindo-se dessa participação. Eu acho que nós criámos historicamente esta dinâmica das pessoas se entregarem a nós, de poderem confiar em todos nós, e de nós depois lhes devolvermos aquilo que do ponto de visto político estava já consagrado para elas, sem que elas algum dia tivessem colaborado nessa resposta. (Ent 25)
Em conformidade com algumas respostas, a resolução de problemas sociais acaba por ser
contraproducente, na medida em que daí resulta um reconhecimento público socialmente
negativo. Ou seja, os profissionais de Serviço Social consideram que o facto de darem apoios,
nomeadamente financeiros, a populações carenciadas, tem como consequência uma imagem
negativa junto da opinião pública. Por outro lado, se esses apoios não forem concedidos, são
as populações que deles carecem que fazem uma interpretação negativa dos desempenhos
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dos técnicos. Outro exemplo referenciado como negativo tem a ver com o acompanhamento
ou intervenção junto de crianças e jovens em risco, por considerarem que a opinião pública
vê essa intervenção como uma intromissão pouco ponderada, ou excessivamente técnica.
Se estamos a ajudar, a pessoa agradece sempre, e aí há sempre o reconhecimento. Mas depois há situações em que não se pode apoiar e aí pronto, já somos as piores pessoas do mundo. Mas que da parte dos utentes existe reconhecimento. Quanto ao público que não tem interacção com os assistentes sociais acho que a opinião é negativa (…). Em geral, do que se ouve falar, existe aquela ideia de que o Assistente Social só quer é tirar as crianças ou que o Assistente Social não faz nada para ajudar. (Ent. 3)
Bem, talvez seja mais ao nível da acção social. Eu penso que o que é mais conhecido deve ser o trabalho de acção social embora seja uma parte do que se faz num todo, penso que é o que é mais divulgado e muitas vezes até pelos piores motivos e não pelos melhores. Essa área, a área das comissões de protecção de menores, penso que também deve ser uma área que é mais mediática, também por maus motivos. Provavelmente, também será por isso que é mais conhecida. (Ent. 5)
O Serviço Social tem trabalhado pouco na reflexão e publicação dos problemas com que trabalha. Na última década já tem publicado algumas coisas sobre os problemas com que se trabalha, mas não temos dado grande visibilidade pública quer aos próprios problemas e à insuficiência de respostas que existem, quer por outro lado à própria capacidade e amplitude da prática profissional. Se calhar, o que o cidadão comum conhece mais da nossa profissão é o que nos pode vir pedir. Que questõezinhas concretas nos podem vir pedir. Do ponto de vista das entidades patronais, que é outra dimensão, acham que é uma profissão que lhes vai resolver todos os problemas sociais que ali têm, nomeadamente na saúde, que lhes vai tirar de cá [hospital] os doentes. (Ent 26)
Num caso e noutro, a mediatização a que estão hoje – e crescentemente – sujeitos os
“problemas sociais” expõe muito o trabalho dos assistentes sociais sem que estes possam ser
ouvidos, ou porque não são ouvidos efectivamente ou porque não são autorizados a
esclarecer o seu papel e os fundamentos da sua acção. A ansiedade e pressão que isso coloca
nos profissionais prejudicam a sua independência e discernimento. Também aqui a
existência de uma Ordem é vista como muito positiva, sobretudo tendo em conta que se trata
de uma profissão recente e sem o prestígio e poder de outras profissões de referência38
Uma outra leitura relativamente ao reconhecimento público das funções dos assistentes
sociais decorre da dimensão relacional. Ou seja, tal como anteriormente se reconheceu que
parte das funções dos técnicos passa por saber escutar, e falar com os utentes, também agora
o reconhecimento se faz pela relação que se estabelece com as pessoas que estão
dependentes, fragilizadas, condicionadas por processos de marginalização e exclusão. Como
.
38 Um exemplo muito referido de intervenção positiva da Ordem em defesa da identidade e bom nome da profissão é o da Ordem dos Enfermeiros, criada em 1998.
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é referido numa das respostas, o “Serviço Social é a cara de qualquer serviço”, porque é o
momento em que a dimensão humana do contacto e resolução do problema começa a ganhar
consistência. Se, como também é assinalado, não houver uma expressão relacional a mediar a
resolução do problema, então o mesmo não será plenamente solucionado, porque foi apenas
intervencionado numa dimensão técnica e não afectiva.
Eu quando digo que é uma profissão que abrange muito, é também uma profissão de muitas frustrações. Espera-se do Serviço Social que venha a solução para tudo. É a ideia que me dá quando as pessoas vêm aqui. O Serviço Social é a cara. Eu acho muitas vezes que, mais do que outro tipo de serviço, o Serviço Social é a cara do serviço. Devido ao atendimento, com uma grande componente de contacto com o público, acho que é a cara de um serviço. (Ent. 8)
Eu acho que as que têm mais reconhecimento público são estas que estão mais ligadas ao atendimento social. Ou seja, a maior parte das instituições que têm algum tipo de competências em matéria de acção social, têm assistentes sociais a trabalhar, sejam IPSS, sejam autarquias, sejam serviços da administração central. (Ent. 10)
Aquilo que tem mais reconhecimento público será a resolução, ou seja, o que tem visibilidade é sempre aquilo que se conseguiu realizar, concretizar, o que é que foi possível para resolver a situação que a pessoa tinha. Agora, a outra parte também tem sempre muita importância, na medida em que a relação que é estabelecida fica, mesmo que o problema não seja resolvido. Se a relação que é estabelecida, se aquele acompanhamento, ou aquele encaminhamento ou aquele atendimento for feito tendo em conta o que uma pessoa vive e a sua perspectiva, mesmo que o problema não seja resolvido, aquela pessoa vai sentir-se ajudada e acho que isso é que é importante na área do trabalho social. (Ent. 30)
Relativamente à questão do conhecimento que o público em geral terá relativamente àquilo
que os assistentes sociais fazem, verifica-se uma dicotomia nas respostas, entre os que
consideram que o público sabe efectivamente o que o Assistente Social faz e os que acham
que o público tem uma ideia errada das funções dos assistentes sociais.
As razões invocadas para se considerar o desconhecimento do público relativamente aos
desempenhos dos assistentes sociais passam essencialmente pela ideia errada segundo a qual
o que os assistentes sociais fazem é “dar” subsídios. Há nas respostas a esta questão a recusa
da imagem assistencialista de apoio pecuniário aos carenciados, a recusa da imagem “das
meninas da assistência” que resolvem os problemas da miséria e da pobreza, a recusa da
ideia da segurança social que “encontra lares para os velhinhos sem família”.
Eu acho que está tudo relacionado com uma ideia um bocado errada do subsídio. Mesmo no hospital, as pessoas quando vêm ter connosco associam o Serviço Social à Segurança Social, aos subsídios e o apoio pecuniário. Esta parte do subsídio é que as pessoas, em todo o lado, acham que é a nossa função. As pessoas vêem-nos um bocadinho ainda como as meninas da assistência, é ideia da assistência social que as pessoas têm um bocadinho, um bocadinho não, muito. (Ent. 4)
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Acho que as pessoas não sabem o que um Assistente Social faz. Na generalidade. Quando as pessoas procuram o Assistente Social, vêm dizer: “eu não tenho dinheiro, estou desempregada, sou uma coitadinha, tenho 5 filhos, dêem-me um subsídio!”. Na maior parte dos casos, as pessoas que nos chegam são assim. E nós temos que desconstruir, dar a volta, e tudo bem, vamos tentar ajudar, tentar arranjar respostas, vamos arranjar tentar por exemplo, arranjar uma ama para os miúdos, vamos tentar que eles vão à escola, que o seu marido vá a consultas e a senhora vai frequentar uma formação. O ideal é eles chegarem aqui, nós fazermos os papelinhos do Rendimento Social de Inserção e eles ficam em casa sem fazer nada, e recebem o subsídio. Esses vêem o Assistente Social como assistencialista. (Ent. 14)
Primeiro, não temos tido organismos de classe que tenham essa possibilidade, esse acesso a alguma visibilidade pública. Depois, tem muito a ver com a história. De Serviço Social toda a gente acha que sabe. Assim como da medicina receitam o cházinho, mas sabem que não é medicina, em Serviço Social acham que dar duas palmadinhas nas costas já é Serviço Social. Por um lado é a história, de onde vem, de onde decorre esta profissão de longa data, que começou com a caridade, ligada à igreja. Depois tem muita culpa os organismos de classe que, até ao momento, não têm dado visibilidade pública. Temos visibilidade doméstica, entre as instituições com que se trabalha, e dentro de algum ministério com maior trabalho público, mas em termos de imagem comum e representação social geral, a profissão não tem investido nisso. Somos muito modestos. (Ent. 26)
Todas estas respostas apontam para a existência de uma ideia errada do que fazem os
assistentes sociais. Ou seja, assume-se que há uma ideia, contudo essa ideia não corresponde
ao que é o efectivo desempenho dos profissionais de Serviço Social.
Como já foi referido, há outras respostas que assumem que o público em geral sabe o que
fazem os assistentes sociais. Estas respostas não negam que o conhecimento comum incide
efectivamente numa certa ideia da função assistencial, de apoio financeiro, de resolução de
problemas, contudo também não negam que esse é um domínio de actuação dos assistentes
sociais. O que se afirma é que o conhecimento comum é um conhecimento redutor e parcial,
baseado exclusivamente na relação de contacto que os utentes têm com os serviços. Não é
um conhecimento pleno e profundo da pluralidade de funções e actividades passíveis de
serem desempenhadas pelos assistentes sociais. É interessante observar afirmações como
“quem melhor sabe o que faz um Assistente Social é quem tem que recorrer aos seus
serviços” e esses são o que procuram algum tipo de assistência, “quem não recorre não
sabe”. Também é curioso constatar a consciência de que há uma responsabilidade própria
relativa à imagem enviesada do Serviço Social, estando a ser feitos esforços para trabalhar e
alterar essa mesma imagem.
Infelizmente, ainda há quem pense que somos as meninas da assistência. A Assistente Social está ali é para dar subsídio e ponto, é para dar o Rendimento Social de Inserção e ponto. Também depende do público-alvo, da população alvo, que os técnicos tenham. (Ent. 5)
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Eu acho que se espera tudo. Acho que se esperam milagres. As pessoas têm a noção de que mesmo que não seja resolvido aqui, e muita coisa não é, pode haver uma ponte, que é um elemento que acaba por fazer a ligação com outros serviços. Penso que a ideia que têm é a de que é uma pessoa que corresponde a uma série de coisas. Uma pessoa vai ao advogado, só vai tratar daquele processo, vai ao médico só vai tratar daquele problema. Penso que quando uma pessoa recorre a um Assistente Social que vai um pouco à procura de uma abordagem mais global ou que não sabe muitas vezes o que é que pode esperar dali. Daí a importância do Assistente Social também saber separar o que é essencial, para tentar dar o encaminhamento preciso. (Ent. 8)
Eu acho que, se calhar, ultimamente, tem sido uma intervenção com maior visibilidade. Possivelmente, muito por via destas questões ligadas aos menores. Os assistentes sociais aparecem sempre aí na linha da frente quando há situações que vêm na comunicação social. Ou também nas situações que surgem de conflito nos bairros sociais, ou de atribuição de casas, de habitação social, etc. Por via dessas questões que às vezes aparecem na comunicação social, eu acho que os assistentes sociais vão tendo maior visibilidade. (Ent. 10)
Eu gostava que as pessoas soubessem o que é que faz um Assistente Social num sentido mais positivo. Têm uma noção de que quando a criança foi retirada foi a Assistente Social que tirou, têm noção que se não foi atribuído o benefício foi a Assistente Social que disse que não no seu parecer técnico. Portanto eu acho que se sabem o que não faz e também sabem o que faz, ou seja, o que poderia fazer, na sua perspectiva. Eu acho que as pessoas que nunca recorreram directamente não têm ideia do que é que faz um Assistente Social, portanto sabem que é uma pessoa que dá assistência, que ajuda, mas não o que faz concretamente, embora hoje as funções do Assistente Social estejam muito mais visíveis do que há algum tempo atrás porque a franja da população que recorria às instituições, onde estão assistentes sociais, é completamente diferente neste momento. (Ent. 30)
Quando confrontados com a questão de como a profissão de Assistente Social pode
contribuir para o bem-estar da população, verifica-se que uma parte significativa dos
entrevistados considera que esse mesmo bem-estar será alcançado se os assistentes sociais
conseguirem que os utentes dos serviços adquiram autonomia e competências próprias,
permitindo-lhes emanciparem-se das circunstâncias de dependência em que se encontram.
Verifica-se nesta resposta uma significativa sintonia com as respostas dadas relativamente à
pergunta acerca das funções dos assistentes sociais.
Nas respostas generalistas e algo acríticas, embora assumindo o bem-estar como a tarefa
primordial do Serviço Social, procura-se afirmar que o bem-estar só pode ser conseguido
através de intervenções que capacitem os indivíduos para se emanciparem das
circunstâncias de exclusão ou precariedade.
Pode contribuir para o bem-estar da população a vários níveis. Em termos do atendimento, no sentido de capacitar as pessoas, de lhe dar autonomias, de lhe dar formação para desenvolvimento das suas próprias competências. E o trabalho que é feito com as pessoas, é muito a esse nível. Da capacitação e da formação. Se elas forem capacitadas e ganharem
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autonomia, e se tiverem condições, elas conseguem dar o salto e ficam capacitadas a esse nível. (Ent. 9)
Eu vejo o Assistente Social muito mais ligado a uma intervenção de mudança e de empowerment de uma população do que propriamente estar no hospital a atender as capitações das pessoas, devia ter um trabalhador administrativo que lhe faz isso. Agora estou aqui com uma campanha, e a parte mais importante não é o dinheiro que a fundação nos vai dar, é o acompanhamento dessas famílias. (Ent. 23)
É tirar as pessoas do estado de dependência que têm. Obviamente que é um processo difícil de gerir, mas temos que ver o país em que estamos, a sociedade em que estamos, e descobrir colectivamente a forma de chamarmos a atenção para isso. Há uma parte que é pessoal, que a pessoa que estamos a ajudar. Depois há as estruturas onde a pessoa se enquadra, a comunidade. Essa faceta também tem que ser trabalhada, porque senão trabalharmos as duas coisas em conjunto, também não vamos lá. (Ent. 27)
De acordo com algumas respostas, o grande contributo do Serviço Social para o bem-estar da
população passa pela capacidade dos assistentes sociais funcionarem como intérpretes na
aplicação das políticas sociais à realidade, bem como a realidade social poder ser
encaminhada para beneficiar dessas mesmas políticas. Os assistentes sociais não trabalham
com nada de seu, os recursos que colocam à disposição da população são recursos que
resultam de políticas sociais, sendo da aplicação desses recursos que resulta o bem-estar da
população. Ou seja, cabe aos assistentes sociais constituírem-se como mediadores entre estas
duas dimensões, contribuindo para o bem-estar dos indivíduos e, ao mesmo tempo, para o
regular funcionamento da sociedade e das suas instituições.
Pelo atendimento às pessoas em termos sociais, pela aplicação das políticas sociais, acabam também por ser os assistentes sociais a ter uma voz activa junto das instituições governamentais a definir aquilo que é importante, as medidas que são importantes. Alertar o Estado, no fundo, para as reais necessidades das pessoas. (Ent. 7)
Acho que o acompanhamento que fazemos às pessoas e até o encaminhamento das situações contribui fundamentalmente para o bem-estar das pessoas. Isto é quase sempre a mesma coisa. Uma pessoa vem até nós, está desempregada, precisa de alimentos ou de coisas, fraldas, leite, produtos para bebés, por exemplo. Nós encaminhamos, falamos com as outras entidades. Não temos dinheiro mas temos apoios. (Ent. 14)
Eu penso que o papel dos assistentes sociais que é fundamental não só na tradução das necessidades dos cidadãos, mas também na própria aferição dos recursos que são encaminhados, na voz que os próprios cidadãos podem ter. Daí também o papel de leitura, o papel que tem sido pouco exercido pelas assistentes sociais, que é o papel propositivo, e que é uma função fundamental do meu ponto de vista. (Ent. 24)
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Ainda sobre o contributo do Serviço Social para o bem-estar da população, há um conjunto
de respostas que apresentam uma perspectiva mais preventiva relativamente aos problemas
sociais. Enquanto parte das respostas anteriores assumem uma postura mais reactiva, de
tentar minimizar os problemas sociais através do trabalho com os indivíduos ou pela
implementação e intermediação das políticas sociais, as respostas seguintes são preventivas
no sentido de se considerar que é possível combater os problemas sociais antes dos mesmos
surgirem ou atingirem proporções preocupantes. Esta perspectiva assume uma metodologia
de investigação-acção, em que conhecendo de forma segura e fundamentada a sociedade e as
suas dinâmicas, fazendo-se o diagnóstico das situações, ou como é metaforicamente
assumido numa das respostas, “tirar-se a fotografia da realidade”, se pode agir de imediato
sobre os problemas ou permanecer atento a novas necessidades. Este conhecimento seguro e
fundamentado deverá ser a base que proporcione o delinear das políticas sociais adequadas
aos contextos.
Eu acho que é uma profissão importante na sociedade e acho que faz falta na medida em que se devem começar a trabalhar as situações logo não as deixando chegar ao ponto em que é muito difícil sair. Acho que de facto a profissão faz falta, mas que há muita falta de técnicos. É um serviço que fundamentalmente tem que ser feito no terreno, tem que haver técnicos, tem que haver meios para o conseguir fazer. (Ent. 3)
Eu, se calhar como todas as assistentes sociais, tenho algum lado romântico. Sempre acreditei muito nisto: o grande contributo que as assistentes sociais podem dar para fazerem fotografias em determinados momentos da vida das pessoas, é conseguirem exactamente colocarem-se nessa posição de fotógrafo da realidade. Só é possível ser fotógrafo da realidade se estiver integrado numa equipa. (Ent. 25)
Através das políticas, da sistematização, do conhecimento, da investigação-acção. Não é o paliativo casuístico, porque a intervenção muito casuística não leva a nada, é paliativo e pronto, não tem impacto para a mudança das políticas. E é esse o caminho que temos que fazer, investigar em termos de investigação-acção para ter uma percepção, de forma sistematizada de perceber as causas e os efeitos, e devolver a alguém que tem o poder da decisão, nessa matéria. Penso que é aí o grande contributo do Serviço Social para a mudança na nossa sociedade. (Ent. 28)
A consciência da importância do Serviço Social para o bem-estar da população e do interesse
público num bom desempenho da profissão parecem ser as notas mais salientes que estes
testemunhos transmitem. A questão que recorrentemente nestes se coloca é precisamente a
de saber quem pode garantir o bom desempenho da profissão num contexto em que as
principais instituições que empregam os profissionais parecem ser as primeiras a
desrespeitar a missão destes. A resposta a esta questão não é fácil mas muitos entendem que
é precisamente a Ordem quem melhor pode fazer respeitar a profissão pelo facto de ser
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também ela quem mais se esforça por promover a qualidade das práticas profissionais dos
seus membros.
6. Expectativas face à evolução da procura dos serviços prestados pela profissão
A procura dos serviços prestados pela profissão de Assistente Social é percepcionada pela
esmagadora maioria dos entrevistados como tendo uma evolução de sentido
tendencialmente crescente. A referência à crise económica e financeira e aos problemas dela
decorrentes, nomeadamente o desemprego, os baixos rendimentos e o endividamento, surge
associada ao aumento da necessidade da intervenção do Serviço Social.
No que diz respeito a este eventual aumento da necessidade dos serviços prestados pela
profissão, os assistentes sociais entrevistados tendem a justificar o aumento referido com os
problemas sociais que decorrem da carência de rendimento, da pobreza, do aumento do
endividamento, etc.
Eu acho que vai continuar a haver procura, e cada vez mais. Isto também tem a ver com a instabilidade e aquilo que se está a viver neste momento. A nível da autonomia financeira, e de inserção profissional, com o grande aumento do desemprego que se está a dar agora. Vai evoluir. Evoluir em termos da procura do serviço. (Ent. 9)
Está a haver uma mudança no público que procura essas instituições. Isso depois também se reflecte na procura relativamente ao Assistente Social. Nós vemos aqui pela própria Segurança Social, que o tipo de pessoas que normalmente recorre aos serviços de apoio social está a mudar. Aliás, isso é reflexo também da crise. Os próprios equipamentos sociais comparticipados pela Segurança Social, por exemplo os lares, o público também começa a mudar. (Ent. 10)
Tendo em conta a crise que está generalizada por todo o lado, só tende a aumentar. Especialmente para as pessoas que trabalham com o Rendimento Social de Inserção, com a habitação social, dentro dessas áreas eu acho que vai aumentar e muito. E também um bocado as crianças e jovens em risco. (Ent. 19)
Outra explicação para o aumento da necessidade dos serviços prestados pelos assistentes
sociais baseia-se no envelhecimento da população e nas necessidades de intervenção social
daí decorrentes.
Eu acho que o Serviço Social cada vez mais vai estar virado para a parte da população idosa, porque cada vez mais surgem necessidades neste aspecto e, portanto, um maior número de técnicos será nessas áreas. Nesse sentido, a procura vai aumentar em função do envelhecimento da população. (Ent. 6)
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Eu penso que há uma necessidade e, havendo uma necessidade, haverá uma procura. Muito mais com o envelhecimento da população portuguesa, haverá também um aumento da procura das necessidades ligadas à terceira idade. E se há essa necessidade da terceira idade, há também, provavelmente, uma procura de técnicos para acompanhar essa necessidade e acompanhar esse serviço. (Ent. 15)
Por outro lado, as transformações ocorridas ao longo das últimas décadas na sociedade
portuguesa em termos do aumento da população imigrante e da sua difícil integração são
também referenciadas enquanto justificação para o aumento da necessidade dos serviços
prestados pelos assistentes sociais.
Face aos problemas actuais, à crise, ao desemprego e à falta de oportunidades, há muita procura. Agora existe cada vez mais uma procura da população imigrante, que está cada vez mais em Portugal. Às vezes são coisas básicas, por exemplo: eles não sabem como se dirigir ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, como tratar de um problema, de uma papelada. E às vezes nós damos um apoio, que é uma coisa simples, mas ajudamos a pessoa a preencher aquele formulário. (Ent. 14)
As justificações de carácter mais estrutural ao nível dos problemas sociais, e não tanto
relacionadas com a crise económica, foram expostas pelos entrevistados com funções de
carácter institucional, conforme se verifica pelos excertos abaixo transcritos.
Acho que vai evoluir. Há novos problemas sociais (…) vão surgidos novos problemas, problemas sociais como a imigração, reestruturação familiar, novos comportamentos e novas violências e, portanto, o Assistente Social vai ter campo de trabalho. (Ent. 22)
Há uma grande aposta que vai estar muito em cima da mesa, que é o desenvolvimento de acções preventivas, não apenas de acção face aos problemas. Eu gostava que um perfil de Assistente Social assumisse outras características. Tem a ver com a procura de alternativas para os problemas. Colocaria os assistentes sociais num patamar de mediação social, mediação comunitária, que não é apenas a aplicação das medidas, mas também não é uma perspectiva terapêutica. É mais uma perspectiva dos direitos, mas ligando a promoção e a prevenção. Porque foi realmente um campo onde o Serviço Social sempre interveio, nos conflitos familiares, nos conflitos dentro da escola. Nunca assumiu foi o seu perfil como mediador, porque a mediação foi-se afirmando como um modo alternativo de resolução de conflitos, extra judicial e não incorporado numa prática profissional corrente. (Ent. 29)
Em concordância com a esmagadora maioria das respostas obtidas face à questão da
evolução da procura dos serviços prestados pela profissão, relativamente às expectativas
quanto à evolução das condições de empregabilidade dos assistentes sociais, o agravamento
dos problemas sociais relacionados com o envelhecimento da população, a pobreza e a
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exclusão social são condições que os assistentes sociais entrevistados apontam como
justificação para a necessidade de uma intervenção crescente dos profissionais do Serviço
Social e, consequentemente, para o aumento da necessidade de contratação de novos
profissionais, ou seja, para o aumento da sua empregabilidade.
Eu acho que o emprego vai crescer em Portugal em relação ao Serviço Social. Primeiro, porque o mercado da economia social está a crescer e está a sustentar-se, o que é mais importante do que estar apenas a crescer. Cada vez mais, temos associações para todas as questões da vida das pessoas. Por exemplo, as associações de doentes são uma coisa espantosa. As associações de doentes de Parkinson, de Alzheimer, etc. O mercado de trabalho em termos de Serviço Social vai crescer muito. E vai crescer também ao nível da docência. Eu acredito claramente que muitos cursos que hoje são muito estandardizados vão ter que meter o social lá dentro, as ciências sociais, as sociologias, todas as áreas das dinâmicas de grupo, as metodologias sociais. Isso fala-se em todas as universidades, e diz-se que os magistrados têm de saber do social, e que os médicos têm que saber do social. Acredito seriamente que essas áreas vão ser penetradas e a minha expectativa é que o trabalho vai crescer muito. (Ent. 25)
Todavia, a crise, anteriormente associada ao aumento da necessidade da intervenção dos
profissionais do Serviço Social, é também mencionada por alguns entrevistados como
justificação para a reserva que evidenciam relativamente à evolução da empregabilidade dos
assistentes sociais.
Acho que cada vez está mais complicado. Nesta área existe uma grande dificuldade de integração a nível laboral. Porque, hoje em dia, também os trabalhos são precários. Fazem-se estes projectos, mas estes projectos não têm continuidade. Chega a um ponto em que acabam. É um projecto, tem princípio, meio e fim. Não tem sustentabilidade. (Ent. 12)
Neste momento o mercado de trabalho não absorve essas pessoas todas. Nós quando precisamos de um Assistente Social vamos ao nosso arquivo de currículos e temos muitos, muitos. (Ent. 14)
Eu não tenho grandes expectativas. Porque se não se reconhece o que é o Assistente Social e a função que ele desempenha, não se pode esperar muito. É um preconceito, mas se soubessem que o Assistente Social podia intervir nestas áreas todas eu acho que não havia assistentes sociais desempregados. Eu vi na Dinamarca fazerem intervenção com desempregados de longa duração, lá têm mesmo que trabalhar, e o Assistente Social lá ia de bicicleta percorrer as casas, não estava atrás de um guichet a atender. (Ent. 23)
À semelhança do que já se referiu anteriormente, os entrevistados que desempenham
funções de carácter mais institucional aparentam ter uma reflexão mais desenvolvida,
nomeadamente sobre as condições futuras de empregabilidade dos assistentes sociais,
associando-as a uma reestruturação que a profissão deverá pôr em prática.
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Penso que está do lado dos assistentes sociais, neste momento, fazerem-se ver e ouvir relativamente às suas propostas. Uma das grandes dificuldades que eu acho que esta profissão continua a ter é o parco uso do espaço público. Acho que se usa pouco, pouco no sentido de ir à luta, ir ao debate. (Ent. 24)
Não julgo que haja o risco do desemprego maciço, não acho. Acho que a ligação e o vínculo de trabalho e a entidade patronal pode deixar de existir, pode passar mesmo à criação de instituições de atendimento e de orientação como profissões liberais. Eu julgo que a tendência pode ser essa. Mesmo a criação de empresas de subcontratação. Porque a realidade exige. A noção do vínculo laboral a uma entidade pública ou privada pode deixar de existir. Mas, ultrapassada essa questão, a profissão não tende a desaparecer. (Ent. 26)
Relativamente à possibilidade do surgimento de novas oportunidades para os assistentes
sociais, em termos gerais, os entrevistados evidenciam alguma confiança em termos de
oportunidades para o futuro desta profissão. A especificação daquilo em que se traduzirão as
novas oportunidades foi concretizada em diversos aspectos, nomeadamente, a partilha de
experiências para reunir know how sobre as diversas intervenções, a responsabilidade social
das empresas, investigação social, educação e formação.
Eu penso que as novas oportunidades vão surgir por dois lados. Primeiro pelos serviços, por sentirem essa necessidade e depois, também, eu penso que seria interessante os próprios assistentes sociais criarem essas oportunidades porque também estão em situação de desemprego. Ou seja, os assistentes sociais fazendo uma análise ao contexto em que estão, em que se encontram e em que a sociedade se encontra, também serem os próprios assistentes sociais a dirigirem-se aos serviços e fazerem propostas, propostas de projectos. (Ent. 5)
Eu acho que as novas oportunidades são sempre a nível de projectos. Projectos de várias áreas. A nível da investigação. Têm surgido agora muitos a nível de minorias étnicas, de emigrantes. Estão a surgir grandes projectos, uns assumidos pelas autarquias, outros por nós aqui, através das linhas de financiadoras do QREN. (Ent. 9)
Construção do objecto teórico, a construção científica. A verdade é que nós não fazemos muita investigação e seria até bastante importante. E conquistar um lugar de profissão e deixar o lugar de assistência. Que se afirme cada vez mais a profissão. (Ent. 20)
À semelhança do que ocorre com as categorias analíticas anteriormente mencionadas, as
novas oportunidades para os assistentes sociais são objecto de uma reflexão mais integrada
por parte dos profissionais institucionais.
Ou nós aproveitamos este momento, pegamos na crise e tornamo-la num investimento nosso, ou seja, uma alavanca nossa para mostrar outra imagem da profissão, ou nós afundamo-nos com ela (…). Se as pessoas continuarem a achar que isto é burocrático e qualquer um, só por ter o social faz, então aí caminhamos para a extinção. (Ent. 27)
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Eu penso é que existem outras entidades que há uns anos atrás não consideravam os assistentes sociais e que agora já consideram. Eu vejo muito mais a procura, da interdisciplinaridade, da melhoria da qualidade dos serviços prestados às populações. Há uns anos atrás as pessoas dava-se apenas apoio, hoje há uma necessidade constante e as organizações têm necessidade de trabalhar para a comunidade. Por isso, há uma procura constante de trabalhar melhor e de responder melhor a quem realmente usufrui das próprias organizações e serviços, porque à alguns anos atrás isso não acontecia. (Ent. 28)
Tudo depende muito das políticas sociais e dos apoios que existam. Há uma coisa que provavelmente estará em expansão, que é a questão do empreendedorismo. A possibilidade da criação do próprio emprego. O domínio social afirmar-se como um domínio de auto-emprego de prestação de serviços diferenciados. Mas poderá ser não a profissão liberal, com uma dimensão meramente económica, mas o empreendedorismo social, de prestação de serviços, de criação de IPSS, mas da iniciativa dos próprios profissionais. Uma iniciativa que poderá inovadora. (Ent. 29)
7. Desafios à profissão
Os entrevistados consideram, maioritariamente, a existência de desafios à profissão,
nomeadamente em termos de capacidade de intervenção face aos novos problemas sociais,
delimitação do campo profissional, formação contínua, organização e auto-regulação da
profissão, condições laborais, necessidade de novos diagnósticos sociais, etc.
Acho que o principal desafio que os assistentes sociais vão encontrar daqui para a frente é, cada vez mais, pessoas com problemas de exclusão. Eu acho que é um desafio grande que nós temos daqui para a frente. É trabalhar estes públicos que vão sofrer de uma pobreza a outros níveis, em termos de info-exclusão, em termos de auto-exclusão, em termos de problemas mentais. (Ent. 9)
Os desafios que se colocam à profissão em princípio são permanentes. Ou seja, a necessidade da formação permanente. A capacidade de reflectir sobre a aplicação das políticas. Ou seja, não perder esta vertente de reflexão sobre aquilo que se faz. Para não mecanizar a intervenção, para não se tornar apenas uma extensão de aplicação de recursos, ou de aplicação de medidas, sem reflectir o que é que isso implica. O que é que significa a aplicação de uma determinada política, que consequências é que tem. (Ent. 10)
Nós sentimos sempre necessidade, se calhar como outros profissionais, de aprofundar a nossa própria formação, para trabalhar com novas realidades sociais. Por exemplo, a questão das minorias étnicas, é uma questão que cada vez mais exige qualificações específicas para trabalhar o problema de inserção das minorias. Por exemplo a questão do trabalho com as pessoas muito idosas, o tipo de serviço a prestar às pessoas muito idosas. Também são áreas relativamente novas com que nos estamos a deparar. As famílias monoparentais. Enfim, são problemas sociais que vão tomando outra dimensão. (Ent. 15)
Eu acho que os desafios são uma maior uniformidade quer nos planos curriculares, quer mesmo na definição pública do nosso conteúdo funcional. Temos o código de ética, mas não temos um código funcional que seja quase os 10 mandamentos do Serviço Social. Está interiorizado, não está tido como um documento público normativo, que daí saíam depois as particularidades de cada um dos sectores. (Ent. 26)
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Neste momento, o grande desafio é a consolidação do ponto de vista da disciplina, construção de conhecimentos, o investimento em termos de investigação. Do ponto de vista da intervenção, penso que é ocupar uma área que muitas vezes ainda está só no domínio da intenção, e que também não é só exclusivo do Assistente Social. Que é a questão da justiça social, a questão da equidade, a questão da cidadania e da prestação de serviços de qualidade. Não interessa aquilo que se faz, interessa como se faz. (Ent. 29)
8. Profissões que competem com a de Assistente Social
Relativamente à identificação das profissões que competem com a de Assistente Social, os
profissionais entrevistados são tendencialmente unânimes ao identificar um conjunto de
profissionais como os psicólogos, os sociólogos, os animadores sociais e os educadores
sociais, entre outros, que desempenham funções que entendem ser do domínio do Serviço
Social.
O Serviço Social está equiparado a política social. Depois temos intervenção comunitária, infelizmente às vezes temos psicólogos no lugar dos assistentes sociais, como acho mal assistentes sociais a fazer de psicólogos. Há também os animadores culturais. (Ent. 3)
Por exemplo, profissões na área da animação sócio-cultural, da animação social, da animação geriátrica, da administração social. Muitos técnicos que saíram de Investigação Social Aplicada, uma boa parte deles estão a trabalhar, a ocupar lugares, ou a desempenhar funções que tradicionalmente seriam funções de assistentes sociais. (Ent. 10)
A falta da Ordem do Serviço Social é uma coisa muito negativa para a profissão. Porque já existem psicólogos, sociólogos, licenciados em direito, licenciados em história, a trabalharem na acção social e nomeadamente com as competências do Assistente Social. Ou seja, temos por um lado outras profissões que trabalham nos problemas sociais e que são chamadas através das equipas multidisciplinares. (Ent. 22)
Eu acho que depende um bocadinho dos campos. Hoje, por exemplo, a área da psicologia é uma área que talvez esteja colocada muito nessa posição. Cada vez mais, também a área da Sociologia. Um outro curso que é muito engraçado também, é o curso de Educador Social. Mas, cada vez mais pelo desenvolvimento do mercado de trabalho, há essa confusão. Porque quando estas coisas não se clarificam a tempo, depois em vez de criarmos relações de complementaridade, de afinação de coisas, cria-se ali uma competição meio tola que não tem graça nenhuma. (Ent. 24)
A enfermagem foi também referida como sendo uma das profissões que compete com o
Serviço Social, no sentido em que os enfermeiros acabam por desempenhar as funções dos
assistentes sociais.
Penso que uma das profissões que tenta fazer cada vez mais o nosso papel, em termos individual e em termos de família, é a enfermagem (pelo menos eu tenho essa noção), que agora a enfermagem também tem uma vertente mais direccionada para a família e que tenta
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também ter o seu papel sobre a família. Seria importante realmente haver uma boa definição dos limites de cada profissão porque são pessoas importantes. Tenho a noção que pelo menos em enfermagem que isso acontece. (Ent. 5)
O enfermeiro, de longe. Tenho visto nos hospitais que o enfermeiro é que faz o trabalho do Assistente Social. Porque agora o enfermeiro mais graduado já não faz injecções, resolve o problema das pessoas e não se deixa tocar, nem pelo próprio médico. Depois o sociólogo, os de ciência política, segurança social (que agora acabou). (Ent. 23)
Esta concorrência é apontada como ocorrendo a vários níveis, mas o dominante é o nível da
empregabilidade, isto é, os assistentes sociais manifestam o seu desagrado face ao facto de
outros profissionais oriundos de áreas de formação distintas desempenharem funções que
deveriam estar atribuídas, de acordo com a sua opinião, aos assistentes sociais.
Todas as profissões são concorrenciais, mas nenhuma é concorrencial. Há umas que tradicionalmente nós atribuímos a concorrência: sociologia, psicologia, psicologia social. Nós sempre fomos apontados e a profissão nasceu dum processo de participação activa num processo de ajuda ao outro. Para mim, na minha experiência profissional, eu tenho alguma dificuldade em entender a concorrência dos outros. Eu falo na concorrência dos outros, porque os outros falam na concorrência. Eu nunca tive concorrência directa dessas áreas e sempre me dei bem com elas. O problema, se calhar, não está na existência desses cursos. O problema está no mercado de trabalho. Eventualmente, conjunturalmente, em determinado ponto, o nosso mercado estará a ser prejudicado por isso. (Ent. 27)
Eu não diria, competem. Diria que ocupam o mesmo espaço, ou poderão vir a ocupar o mesmo espaço. Estou a pensar por exemplo, a educação social. Há umas que são mais emergentes, e que são relativamente novas no nosso contexto, e outras que já existindo, têm vindo a afinar o seu diapasão também para a intervenção. Desde logo a Psicologia, a Sociologia, as Ciências da Educação. O campo social não é de ninguém e é de todos. Isso a mim não me causa dificuldade nenhuma, a questão é percebermos quem faz o quê e quais são as competências de uns e de outros, senão andamos todos a monte. Mas a diferença é depois na sua operacionalização. Porque as pessoas ocupam lugares nas organizações, não apenas porque têm determinada formação, mas porque vão para determinada função, e aí poderá ser diferente e é necessariamente diferente. Não me parece que o exercício profissional legitime isso. (Ent. 29)
Ao serem questionados sobre os aspectos que diferenciam o Serviço Social das outras
profissões que com ele competem, os assistentes sociais entrevistados tendem a considerar a
sua profissão mais abrangente e com metodologias distintas das outras profissões
concorrentes.
Na formação em Serviço Social temos estágios direccionados para este tipo de intervenção. Essas pessoas não tiveram esse acompanhamento. Não têm essa formação. Às vezes perguntam-me a mim qual é a estratégia de intervenção que tem que ter com as pessoas. Uma pessoa que não teve metodologias de intervenção nunca poderá ter uma intervenção como a dos assistentes sociais que tiveram uma formação de 5 anos para intervir. (Ent. 2)
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Eu acho que o Serviço Social tem uma identidade muito específica, como formação e como profissão. O Assistente Social é um profissional com uma formação bastante agregadora, ou seja, tem uma formação que lhe advém das várias áreas das ciências sociais. Um Assistente Social é um profissional que tem que ter competência e capacidade para perceber e analisar a sociedade e as relações sociais em que está inserido. E, por outro lado, ter competências técnicas para trabalhar ao nível das relações sociais. Portanto, o Assistente Social tem vários níveis de intervenção: a nível micro, na relação com a pessoa, mas também no quadro das relações mais alargadas e das próprias organizações. (Ent. 10)
Eu acho que nós somos mais abrangentes em termos da área do social que tocamos. Dá-me a sensação que nós estamos mais abertos a ver o utente no seu todo. O utente com a sua família. Tenho a sensação de que o Assistente Social tem um utente à sua frente, e imediatamente está com uma visão alargada e preocupada com o todo e por detrás daquele utente toda a problemática que pode ali estar. Dele e da sua família. A sensação que tenho é que o Assistente Social vê assim com esta amplitude. (Ent. 13)
A especificidade é a forma de olhar, a dimensão do problema que nós trabalhamos que pode ser o mesmo problema que outras classes profissionais trabalham, mas trabalham uma dimensão diferente. E é a metodologia de intervenção. Eu acho que o que nos distingue de todos os outros que trabalham os mesmos problemas em todos os sectores é, de facto, a óptica pela qual se olha a dimensão do problema. Está simultaneamente virada para a acção. Se calhar é esta articulação teórico prática que outras profissões não terão. (Ent. 26)
Assim, os entrevistados, ao mesmo tempo que reconhecem a existência de outras
competências profissionais a concorrerem no mercado com a competência do profissional de
Serviço Social, também estão certos de que as fronteiras dos saberes são hoje mais imprecisas
e que existe cada vez mais espaço para um trabalho interdisciplinar e multiprofissional.
Contudo, a profissão ganha com a clarificação do que lhe cabe nestes contextos de trabalho e
de como pode contribuir para potenciar resultados positivos em acção concertada.
9. Nível de autonomia no exercício da profissão
Relativamente a esta questão, encontram-se respostas muito distintas. O nível de autonomia
parece variar mais em função do nível hierárquico do que em função da profissão. Ou seja,
como a maioria dos profissionais entrevistados trabalha em equipa, a autonomia é relativa.
Nós estamos numa instituição com dirigentes, acaba por ser um enquadramento diferente. Temos autonomia no sentido de fazermos os contactos que precisamos com os utentes, articularmos com eles, com outras Instituições, se for caso disso. Mas nós todos temos sempre alguém a quem temos de prestar satisfações do nosso desempenho. (Ent. 1)
Acho que tenho um bom grau de autonomia. Naturalmente que uma pessoa tem um guião e tem legislação e tem que se guiar por ali, mas depois no que toca a apoiar vai um bocado por nós e pela pessoa que temos ali à frente, pela situação em si. (Ent. 3)
Portanto, aqui há autonomia técnica. Depois tenho menos autonomia porque trabalho inserida numa instituição, que tem políticas, tem prioridades, tem objectivos, tem metas a
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cumprir, tem que dar números, tem que dar valores. Aí as prioridades não são definidas por mim, nem pela pessoa que está acima de mim, são definidas a um outro nível. (Ent. 10)
Os profissionais que desempenham funções de carácter mais institucional evidenciam, como
seria de esperar, uma grande autonomia no exercício da sua profissão. A explicação para esta
autonomia reside no tipo de funções desempenhadas, muitas vezes de coordenação, no cargo
ocupado e em termos de poder decisório.
Eu trabalho com bastante autonomia. Eu trabalho sozinha numa instituição em que sou a única profissional. O meu grau de autonomia é bastante, talvez por ser sozinha e porque sempre tive uma forte componente de investigação. Mas o Assistente Social tem muito pouca autonomia face à estrutura da administração pública. Isto precisava de uma grande reflexão e aí a Ordem seria importante. (Ent. 22)
Eu acho que apesar de tudo sempre trabalhei com bastante autonomia. Porque eu acho que a autonomia é alguma coisa que também tem a ver com o nosso perfil pessoal. Claro que do ponto de vista da profissão eu sempre tive um entendimento da profissão como uma aliada da autonomia. Eu queixo-me muito mais do mau uso da autonomia, do que da falta da autonomia. Há uma possibilidade de criação de proposta, que obviamente sempre me amarram a um conjunto de coisas, mas obviamente me solta para outras. Eu acho que apesar de tudo esta profissão tem uma autonomia que não é utilizada na sua plenitude. (Ent. 24)
Assim, e de acordo com o que foi referido anteriormente, o nível de dependência face a
decisões de outros profissionais evidencia variações associadas fundamentalmente ao nível
hierárquico e não tanto em função da profissão.
Nós trabalhamos com parceiros, portanto, nessa medida estou dependente da relação que se estabelece com as parcerias. São coisas burocráticas que têm que se fazer de uma determinada forma. (Ent. 2)
Temos que ter autorização superior. Trabalhando eu no serviço de ajuda domiciliária em que me é feito um pedido de apoio para a higiene pessoal, sou eu que faço o atendimento, sou eu que faço a visita, sou eu que faço a avaliação do caso. Mas esse apoio tem que ser autorizado pelos meus superiores. Ou seja, eu tenho que fazer o pedido superiormente. (Ent. 7)
Desde que não se ultrapassem os normativos do sector, tecnicamente temos toda a autonomia. É o único serviço que não precisa que as nossas correspondências com o exterior passem pelo Conselho de Administração. Portanto, o Serviço Social é institucionalmente tido como a profissão de relação com o exterior. Mesmo em termos das respostas que propomos para determinados grupos de risco, por vezes passam pela autorização superior, mas que não nos questionam relativamente às nossas informações, à nossa proposta, ao facto de estarem outras excluídas, não nos pedem nenhum comprovativo. Portanto, temos uma grande autonomia dentro dos condicionalismos normativos do sector. Aqui nesta instituição não sentimos isso. Trabalhamos muito em cooperação. (Ent. 26)
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O nível de dependência de outros profissionais face às decisões dos assistentes sociais
entrevistados, à semelhança da questão analisada anteriormente, evidencia variações
associadas fundamentalmente ao nível hierárquico, mais do que em função da profissão.
Também dependem porque, como nós trabalhamos em equipa, o que sai feito por eles também tem que passar por nós para darmos o nosso parecer. Quando elaboro, por exemplo, um relatório sobre uma determinada família, o relatório é feito pela minha parte, a parte social toda, e depois há uma parte dos psicólogos que também sai no mesmo relatório, portanto, até eles também concluírem a avaliação deles o meu não avança. (Ent. 6)
Sim. Como eu tenho algum grau de autonomia, há outras profissões que dependem do meu grau de decisão. Num regime formal ninguém depende de mim e eu também não dependo dessas pessoas. Dependo das hierarquias, dos chefes, dos directores. Ao meu nível eu consigo influenciar outros como outros me influenciam, e os outros não são só assistentes sociais. (Ent. 27)
Não. Temos um plano de actividades e orçamento para toda a instituição, que toda a gente colabora na elaboração do mesmo. Nós temos os objectivos estratégicos que são definidos para a equipa, e pedimos também a colaboração para melhorar. De facto há o respeito pelas diferentes categorias. Há vários processos que são transversais, por isso é que há uma definição de estratégia que depois é aplicada. Há outros departamentos ao nível da organização que exigem uma transversalidade. (Ent. 28)
10. Opinião, expectativas e interesse público da constituição da Ordem dos
Profissionais do Serviço Social
No que concerne à opinião dos profissionais acerca da constituição da Ordem, as opiniões
são consensuais. A Ordem dos Profissionais do Serviço Social é considerada fundamental,
tendo como principais justificações a regulação profissional, a regulação da formação, a
representação e defesa dos profissionais, a harmonização de metodologias e procedimentos,
entre outros referenciados nos excertos abaixo transcritos.
A Ordem seria importante para destrinçar bem os papéis, para responsabilizar as pessoas na melhoria do desempenho profissional. A Ordem tem também a obrigação de vigiar, de regular. A disparidade relativamente às tabelas salariais, relativamente aos técnicos que trabalham nas IPSS e relativamente aos técnicos que trabalham no Estado. Se calhar se houvesse a Ordem podia intervir neste sentido, não existiriam duas tabelas completamente distintas. (Ent. 2)
Eu acho que seria importante, para nos orientarem em termos de profissão, para existir supervisão, para fazer uma triagem dos profissionais, ou seja, para termos a noção de que há uma regulação e que estamos todos orientados por isso e que temos que tornar a profissão mais credível. Ou até quando nos surgem dúvidas a nós, enquanto profissionais, não só para nos defender, se for caso disso, mas até em termos de esclarecimentos. Queremos saber como está a nossa profissão, por exemplo em termos europeus. Seria importante para nos regular como também para nos dar uma outra visão da nossa profissão perante a sociedade. (Ent. 5)
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Acho que é importante pela necessidade de não esvaziar esta identidade do Assistente Social, para impor alguns princípios de conduta que estão subjacentes mas que, por via da criação de uma Ordem, podem ficar mais reconhecidos. Não sei se isso vai aumentar a margem de autonomia do profissional, mas vai pelo menos dar maior segurança à aplicação de determinados princípios de actuação. (Ent. 10)
Tal como o médico tem a Ordem, o enfermeiro tem a Ordem, nós não temos. Já aconteceu haver colegas com problemas decorrentes de situações que correram menos bem, acabando por ser preciso como que uma intervenção jurídica para defesa, que nós não temos. A necessidade de ter um serviço que é nosso, onde podemos recorrer para que nos defendam, para esclarecer. (Ent. 13)
Eu penso que a Ordem poderá ser fundamental em diversos campos. Desde logo pela formação, eu acho que a Ordem pode ser fundamental, desde logo, para criar regras nas instituições formativas e na qualidade. (Ent. 15)
Será um passo importante a nível interno para a reorganização da profissão face aos novos desafios, face à evolução científica e técnica, face aos novos campos de trabalho e que acompanha também a evolução dos direitos humanos. Eu penso que será um factor extremamente positivo e necessário a nível interno e sobretudo para nos afirmarmos como profissão. (Ent. 20)
Para proteger os profissionais de determinadas situações. Dar visibilidade aos problemas da profissão mas também definir a função que ela poderá fazer. Fazer a supervisão de algum trabalho inadequado por parte de alguns assistentes sociais que deve ser punido. Regulamentar a formação, eu diria que é das coisas mais fundamentais. Depois, proteger os próprios profissionais contra coisas que eu considero terríveis. Basta ver em telenovelas qual é a imagem que passam do Assistente Social. E portanto a profissão precisa de ser regulada por uma entidade que proteja por um lado, que regulamente a profissão por outro, e que seja o porta-voz da profissão nas várias instâncias. (Ent. 22)
Por outro lado, ainda no que se refere à questão da importância da constituição da Ordem, as
opiniões dos profissionais do Serviço Social com cargos institucionais evidenciam um nível
desenvolvido de reflexão. Constata-se a existência de dois tipos de opinião, os que assinalam
a regulação da formação disponível como sendo o factor mais importante da auto-regulação
da profissão e os que salientam o objectivo da defesa dos interesses dos cidadãos. No que diz
respeito à regulação da formação devem observar-se os seguintes excertos.
Eu acho que é importante na medida em que regula a profissão e eu acho que uma profissão regulada exerce com mais ética e pode exigir mais à pessoa que exerce a profissão. E também para regular os cursos todos que estão aí, que eu acho importantíssimo, para não permitir que as instituições contratem sociólogos, técnicos de acção social como se fossem assistentes sociais. Acho que vai permitir regular a profissão. Há uma grande miscelânea nas formações e nas profissões que vão exercer. Descaracteriza a profissão. (Ent. 23)
Acho que é uma forma de regular o exercício profissional, até pela diversidade de perfis profissionais. Para ser Assistente Social tem que haver determinados requisitos, tem que haver determinado standard de qualidade, em termos de formação e em termos de exercício profissional. Penso que a Ordem será a instituição que melhor poderá ocupar este lugar, zelar por estes aspectos da formação. (Ent. 29)
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Ainda de entre as opiniões dos profissionais do Serviço Social com cargos institucionais,
transcrevem-se abaixo algumas opiniões acerca da auto-regulação da profissão enfatizando o
objectivo da defesa dos interesses dos cidadãos.
A circunstância de se ter caminhado no sentido de pensar numa Ordem, era pela vantagem de se fazer essa regulação a partir de um sistema de auto-regulação. Dir-me-á: “mas o sistema de auto-regulação pode-se tornar um sistema extremamente fechado e corporativo”. Eu teria medo disso aqui há uns anos atrás. Neste momento não tenho. Não tenho porque a própria legislação que saiu, a legislação de enquadramento das associações profissionais públicas considera que o primeiro objectivo de uma associação deste tipo é a defesa dos interesses dos cidadãos. (Ent. 24)
Se pensarmos que uma Ordem serve para reorganizar uma profissão, para cuidar dessa profissão, logo, por inerência, cuidar dos utentes dessa profissão, para o Serviço Social é inevitavelmente uma necessidade. Porque não tem um sindicalismo suficiente que cuidasse dos interesses dos trabalhadores, mas ter direito a uma qualificação também é um direito que um sindicato não protege, mas que uma Ordem pode efectivar. (Ent. 25)
A Ordem serve para defender os utentes, aqueles a quem se destina a sua acção. É para isso que eu entendo que a Ordem deve existir. Primeiro, para defendermos a profissão, temos que mostrar a validade social da profissão ajudando aqueles que precisam. (Ent. 27)
Regular uma intervenção, não só a nível do país mas também da Europa. Por isso tem importância. Neste momento, com o número de classes profissionais que trabalham connosco, é imprescindível que nós venhamos a ter uma Ordem. Não é só a questão dos direitos, mas também a questão dos deveres. Porque se isso existir, há também uma visão diferente da categoria profissional, e há também uma regulamentação diferente. Eu vejo aí mais os deveres do que até os próprios direitos. É imprescindível. (Ent. 28)
De acordo com algumas justificações apresentadas anteriormente para a importância da
constituição da Ordem, os aspectos identificados como sendo mais positivos são diversos:
regulação, protecção, harmonização de procedimentos, definição de padrões salariais.
A Ordem será um factor positivo. E poderá ser também importante em regularizar o tecido técnico dos assistentes sociais. Não faz sentido técnicos serem tabelados por diferentes tabelas. Se sou técnico de Serviço Social, quer seja no público, quer seja no privado, quer esteja no semi-público, deveriam ser pautados por uma tabela salarial comum. (Ent. 15)
Para a profissão tem sempre vantagem. A profissão tem estado mais absorvida na resolução do que em mostrar os problemas com que trabalha. E não somos tidos nem achados na negociação de determinada medida social, quando nós é que trabalhos com esses problemas. Pode ser uma forma também de participar na elaboração de algumas medidas de política se o organismo de classe for considerado de utilidade pública e for ouvido na construção dessas medidas. Isso para além de dar garantia da nossa qualidade. (Ent. 26)
Acho que é uma forma de regular o exercício profissional, por diversidade de perfis profissionais e até pela necessidade de zelar pelos interesses e direitos dos próprios cidadãos
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e dos próprios utentes. Penso que a Ordem será a instituição que melhor poderá ocupar este lugar, zelar por estes aspectos de regulação social, de formação, de articulação com a formação. Parece-me que será por aí. (Ent. 29)
Apesar da relutância manifestada relativamente à identificação de aspectos negativos que
poderão advir da constituição da Ordem, os assistentes sociais tendem a identificar algumas
questões, nomeadamente as que são habitualmente associadas a outras ordens profissionais
existentes em Portugal, como o corporativismo.
Os aspectos negativos têm a ver com os aspectos negativos das outras ordens: o corporativismo, a pouca transparência, um pouco a reprodução de algumas mazelas que encontramos na sociedade, no fundo alguns que detêm o poder e os outros que são controlados por. Mas a Ordem terá muito mais vantagens que inconveniências. (Ent. 22)
O aspecto mais negativo que pode estar associado à criação de uma Ordem é fechar-se à volta de si mesmo, dos seus profissionais, tentando criar apenas condições de melhoria para os seus sócios. Isso é mau porque para isso há os sindicatos. Como também me parece que é perigoso que a Ordem de Serviço Social se feche a uma dinâmica pública de escrutínio, de ser escrutinada pelos seus. Tem que criar a condição para que os sócios intervenham. Tem que criar dinâmicas, espaços de participação para que seja um corpo vivo. (Ent. 25)
A mim não me agrada que os assistentes sociais se convertam quase em blocos, na medida em que nada pode ser reformulado, como acontece em certas profissões. Eu tenho algum receio disso, porque é a tentação mais fácil de converter a Ordem. Aquela coisa de defender a profissão, defende-se a profissão às vezes em extremos que não devíamos defender. Isso é um receio, é o único receio que tenho relativamente à Ordem, de caciquismos intocáveis. O mundo de hoje não se compadece com essas posições. É muito mais útil a uma profissão entender a evolução social e tentar adaptar-se a ela do que fechar-se inamovível em posições que depois vão pesar na imagem da própria profissão. (Ent. 27)
A maioria das respostas acerca das expectativas associadas à constituição da Ordem
relaciona-se com os aspectos positivos identificados anteriormente, sobretudo a regulação
profissional, a protecção dos assistentes sociais e a harmonização da formação disponível.
Um enquadramento jurídico para dar um suporte e um apoio em casos em que o Assistente Social trata da situação, por exemplo, quando o Assistente Social retira uma criança aos pais por maus-tratos é exposto a situações de ameaças. É neste tipo de situação em que as pessoas terão que recorrer porventura a apoios jurídicos, etc. E aí existe essa necessidade da Ordem, não só pelo prestígio que poderá dar à profissão, mas também no sentido de poder defender os profissionais, desde que as coisas sejam claras e bem fundamentadas. (Ent. 1)
As minhas expectativas são a regulação dos cursos de Assistente Social neste país, regular os docentes, haver fiscalização no corpo técnico, nomeadamente cadeiras que são leccionadas, locais de estágio, se for por aí é benéfico. Poderia ter um papel semelhante às ordens existentes, termos uma Ordem é uma defesa, também serve para nós, defendemos o nosso lugar na população activa, haver uma Ordem até nos dá mais credibilidade. (Ent. 6)
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A haver Ordem, e eu sou uma incondicional defensora de que deve haver, tem que haver um escrupuloso cumprimento dos seus estatutos e do compromisso ético e deontológico do que é a profissão. E o que acontece é que nalgumas ordens isso não acontece. (Ent. 22)
Eu julgo que para garantia de qualidade desta actividade profissional e até para garantia do público em geral e das entidades patronais que nos contratam, que tem toda a vantagem que algum organismo não só possa zelar pela uniformidade da formação inicial, como depois pela formação pós-graduada, e também pela qualidade da prestação profissional propriamente dita. Há todas as vantagens na existência de um organismo que centralize o registo e credenciação profissional, como possa ter alguma influência na formação, nos planos curriculares e na área profissional. (Ent. 26)
De um modo geral, os assistentes sociais entrevistados identificam o interesse público da
constituição da Ordem com o aumento da qualidade do trabalho desenvolvido e a sua
tradução na melhoria dos serviços prestados à comunidade.
Nós prestamos um serviço público, se estivermos mais bem organizados não tenho dúvida nenhuma que esse nível de organização se vai manifestar no serviço que é prestado à comunidade. (Ent. 17)
Quem exerce o Serviço Social, exerce uma grande responsabilidade, mesmo em diferentes áreas como a infância, juventude, são cada vez mais áreas prioritárias, e se não há uma unidade e uma organização dentro da profissão, eu penso que também a prestação dos serviços não terá uma qualidade excelente que poderá ter com essa Ordem. (Ent. 20)
Eu acho que o interesse público é procurar acompanhar a franca diversidade de cursos existentes que não correspondem àquilo que é exigido pela identidade profissional. Por outro lado, a regulamentação do acto do profissional. Todas estas questões de regulamentação da profissão são fundamentais. (Ent. 22)
A possibilidade da categoria profissional ser organizada e reconhecida. É evidente que eu não desconheço que a Ordem pode, deve e tem de interferir relativamente a casos de desregulação profissional, isto é, que não têm essas consequências tão imediatas para os cidadãos. Uma vez constituída na Ordem, eu acho que a categoria ganha também a possibilidade de ser reconhecida como um parceiro a ouvir. Se calhar é o primeiro passo e que é importante do meu ponto de vista. (Ent. 24)
Tem mais utilidade pública do que para a classe, porque a classe vai sentir-se controlada. Eu até acho que pode dar mais visibilidade pública à profissão. Os potenciais utilizadores destes serviços sabem que têm aquele organismo a quem se dirigir, neste caso é uma garantia. Até por mais, porque há um crescente trabalho liberal com esta dificuldade em entrar na função pública. (Ent. 26)
Em síntese, no que concerne à opinião dos entrevistados face à constituição da Ordem dos
Profissionais do Serviço Social, são frequentes as respostas centradas na defesa dos
profissionais, nomeadamente em situações em que se vêem confrontados com a
mediatização das suas decisões e ameaças por parte dos seus utentes. Por outro lado, é
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menos expressiva a referência à defesa dos cidadãos, sendo poucos os entrevistados que
destacam a dimensão da defesa dos cidadãos que têm necessidade de recorrer aos serviços
prestados pela profissão.
Outro aspecto frequente nas respostas é a exemplificação de outras ordens profissionais.
Alguns entrevistados dão o exemplo da Ordem dos Advogados, talvez a mais mediática nos
últimos tempos, para referirem quais poderão ser as vantagens em termos de protecção dos
profissionais. No entanto, o exemplo daquela Ordem profissional é também utilizado para
sinalizar algumas situações que os entrevistados não gostariam de ver na Ordem dos
Profissionais do Serviço Social.
Ao longo do capítulo que aqui se conclui, analisaram-se os discursos dos profissionais do
Serviço Social a partir dos dados recolhidos através da metodologia das entrevistas semi-
estruturadas. A informação obtida foi tratada de acordo com as categorias analíticas
definidas, estando patentes ao longo deste capítulo de acordo com os seguintes itens:
caracterização sociodemográfica dos entrevistados; formação académica; áreas de
intervenção e funções; representações sobre a profissão; expectativas face à evolução da
procura dos serviços prestados; desafios à profissão; profissões concorrentes; autonomia face
a outras profissões; e opinião, expectativas e interesse público da constituição da Ordem dos
Profissionais do Serviço Social.
A merecer destaque, dadas as diferenças de conteúdo patente nas respostas obtidas, assinala-
se o facto das entrevistas realizadas a profissionais com funções de que carácter institucional
serem portadoras de informações que derivam da vasta experiência profissional destes
entrevistados e da consequente reflexão que, para além de estar associada ao desempenho
das funções profissionais, beneficia também da formação complementar que estes
profissionais realizaram no decurso da sua vida profissional.
No que diz respeito à caracterização sócio-demográfica dos entrevistados, verifica-se uma
feminização da profissão, já destacada no capítulo onde se procede à análise dos dados
recolhidos através dos inquéritos aplicados. Por outro lado, também a juventude de uma
larga percentagem de entrevistados está de acordo com o universo dos assistentes sociais em
Portugal. Destaca-se também uma significativa diversidade em termos de funções
desempenhadas, como o apoio domiciliário, funções de direcção e coordenação de
instituições com valências no domínio do Serviço Social, cargos de direcção em organizações
representativas dos profissionais e actividades de Serviço Social, entre outras.
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A adequação da formação académica ao exercício profissional foi uma das questões
colocadas. Sem surpresa, os entrevistados tendem a concordar com a importância da
frequência do curso, apesar de manifestarem alguma reserva ao desequilíbrio entre os
conteúdos teóricos e práticos dos planos curriculares. Esta limitação em termos dos
conteúdos práticos é perspectivada como sendo ultrapassável através da formação contínua,
isto é, os entrevistados destacam a aprendizagem ao longo da vida como um complemento
essencial da formação inicial. Para além da formação complementar, os entrevistados
apontam o próprio exercício da profissão como a melhor forma de aprendizagem da
complexa realidade com que se deparam. Relativamente à formação académica em Serviço
Social disponível em Portugal, as opiniões manifestadas podem ser agrupadas em três
categorias analíticas: uma postura de desconhecimento; um conhecimento relativo e parcial;
e uma posição informada e crítica. Constata-se, à semelhança de outras questões, que são os
profissionais que desempenham cargos institucionais que dão respostas mais
fundamentadas.
As áreas de intervenção e funções dos assistentes sociais são perspectivadas pela esmagadora
maioria dos entrevistados como sendo de grande amplitude. Os argumentos para esta
vastidão centram-se sobretudo na complexidade da vida social, na interligação entre várias
dimensões da vida dos utentes, no cruzamento de várias áreas mesmo quando se pretende
intervir apenas num domínio.
A questão das representações sobre a profissão foi colocada no sentido de compreender
quais as funções dos assistentes sociais que têm maior reconhecimento público. Os
entrevistados demonstram ter uma concepção sobre a opinião e reconhecimento público dos
seus desempenhos muito associadas à resolução de problemas sociais ou problemas
individuais colocados pelos utentes que se dirigem aos serviços. Relativamente ao
conhecimento dos cidadãos em relação à profissão de Assistente Social, os entrevistados têm
opiniões de dois tipos: os que consideram que o público sabe efectivamente o que o
Assistente Social faz e os que acham que o público tem uma ideia errada das funções dos
assistentes sociais. As razões invocadas para se considerar o desconhecimento do público
relativamente aos desempenhos dos assistentes sociais passam essencialmente pela ideia de
assistencialismo associado à profissão.
Uma parte significativa dos entrevistados considera que a contribuição da profissão de
Assistente Social para o bem-estar da população depende dos assistentes sociais
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conseguirem que os utentes dos serviços adquiram autonomia e competências próprias. De
acordo com algumas respostas, o grande contributo do Serviço Social para o bem-estar da
população passa pela capacidade dos assistentes sociais funcionarem como intérpretes na
aplicação das políticas sociais à realidade39
Relativamente às expectativas acerca da procura dos serviços prestados, a maioria das
respostas perspectiva uma evolução crescente associada principalmente aos problemas
decorrentes da crise económica e financeira, como o desemprego, os baixos rendimentos e o
endividamento. Em concordância com a esmagadora maioria das respostas acerca da
evolução da procura dos serviços prestados pela profissão, no que diz respeito às
expectativas quanto à evolução das condições de empregabilidade dos assistentes sociais, o
agravamento dos problemas sociais relacionados com o envelhecimento da população, a
pobreza e a exclusão social são condições que os assistentes sociais entrevistados apontam
como justificação para a necessidade de uma intervenção crescente dos profissionais do
Serviço Social e, consequentemente, para o aumento da necessidade de contratação de novos
profissionais. Todavia, a crise, anteriormente associada ao aumento da necessidade da
intervenção dos profissionais do Serviço Social, é também mencionada como justificação
para a reserva que evidenciam relativamente à empregabilidade dos assistentes sociais.
, bem como a realidade social poder ser
encaminhada para beneficiar dessas mesmas políticas.
No que diz respeito à possibilidade do surgimento de novas oportunidades para os
assistentes sociais, os entrevistados evidenciam alguma confiança em termos de
oportunidades para o futuro. A especificação daquilo em que se traduzirão as novas
oportunidades foi concretizada em diversos aspectos, nomeadamente, a partilha de
experiências para reunir conhecimentos sobre as diversas intervenções, a responsabilidade
social das empresas, investigação social, educação e formação. Por outro lado, os
entrevistados consideram, maioritariamente, a existência de desafios à profissão,
nomeadamente em termos de capacidade de intervenção face aos novos problemas sociais,
delimitação do campo profissional, formação contínua, organização e auto-regulação da
profissão, condições laborais, necessidade de novos diagnósticos sociais, etc. Estes desafios
39 No sentido de ajudarem os cidadãos a compreender a aplicabilidade das políticas sociais, em termos concretos, muita vezes guiando-os através dos “labirintos” das entidades públicas competentes, de forma a poderem ter acesso às medidas sociais a que têm direito. Esta função alarga-se, igualmente, a capacidade do Assistente Social em saber ler as políticas sociais e, por essa via, poder avaliar as situações em que os cidadãos devem ser elucidados para a elas possam aceder.
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estão muito relacionados com as respostas dadas em termos da importância e das
expectativas face à criação da Ordem profissional.
Face à identificação das profissões que competem com a de Assistente Social, os profissionais
são tendencialmente unânimes ao assinalar um conjunto de profissionais como os
psicólogos, os sociólogos, os animadores sociais e os educadores sociais, entre outros, que
desempenham funções que entendem ser, tradicionalmente, do domínio do Serviço Social.
Esta competição, muitas vezes desregulada, é apontada como ocorrendo sobretudo ao nível
da empregabilidade, isto é, os assistentes sociais manifestam o seu desagrado face ao facto de
outros profissionais oriundos de áreas de formação distintas desempenharem funções que
consideram da sua competência. Relativamente aos aspectos que diferenciam o Serviço
Social das outras profissões concorrentes, tendem a considerar a sua profissão mais
abrangente e com metodologias distintas, em regra mais vocacionadas para uma intervenção
de proximidade e com inovadoras práticas de avaliação das necessidades e de estratégias de
envolvimento e inserção dos cidadãos no sistema de protecção social.
A questão da autonomia face a outras profissões é objecto de respostas muito distintas. O
nível de autonomia parece variar mais em função do nível hierárquico do que em função da
profissão.
Finalmente, no que concerne à opinião dos profissionais acerca da constituição da Ordem, as
opiniões são consensuais. A criação da Ordem dos Profissionais do Serviço Social é
considerada fundamental, tendo como principais justificações a regulação profissional, a
regulação da formação, a representação e defesa dos profissionais, a defesa dos direitos dos
cidadãos e a harmonização de metodologias e procedimentos. De acordo com estas
justificações, os aspectos identificados como sendo mais positivos são diversos: regulação,
protecção, harmonização de procedimentos, e definição de padrões salariais. Por outro lado,
apesar da relutância manifestada relativamente à identificação de aspectos negativos que
poderão advir da constituição da Ordem, os entrevistados tendem a reconhecer algumas
questões, como o corporativismo, dando como exemplo o que ocorre com outras ordens
profissionais existentes em Portugal. De um modo geral, os assistentes sociais entrevistados
identificam o interesse público da constituição da Ordem com o aumento da qualidade do
trabalho desenvolvido e a sua tradução na melhoria dos serviços prestados à comunidade.
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Conclusões
Ao longo deste relatório, foram colocadas em evidência as características do campo
profissional do Serviço Social marcadas por predicados que sustentam a criação da Ordem
dos Profissionais do Serviço Social.
As dimensões de interesse público subjacentes à constituição da Ordem emergem, desde
logo, da especificidade que marca a relação entre a sociedade, o Estado e os profissionais do
Serviço Social. As suas diferentes áreas de intervenção partilham a forte vocação deste corpo
profissional para a promoção da cidadania através da sua intervenção vocacionada para a
resolução de problemas sociais de indivíduos, de famílias e de organizações.
No quadro da transformação do papel do Estado, e do movimento de reformas estatais
levadas a cabo no âmbito europeu, nomeadamente as que dizem respeito ao designado
modelo social, têm adquirido renovada centralidade as diferentes gerações de políticas
sociais, as quais requerem para a sua implementação a existência de um corpo profissional
especializado e competente. As dinâmicas da sociedade civil, com especial destaque para as
instituições do sector social (terceiro sector), revelam a existência de diferentes formas de
actuação tendo por origem o sector privado e diferentes modalidades de parcerias
envolvendo o Estado e diversos actores sociais, reforçando a multiplicidade de actores e o
aumento da complexidade dos mecanismos de actuação, dirigidos à crescente diversidade de
situações que requerem abordagens adequadas.
A dinâmica das políticas sociais e a sua crescente complexidade patente nos diferentes
modelos de recalibragem, monitorização e implementação têm requerido a intervenção dos
profissionais do Serviço Social. Embora a Segurança Social seja, historicamente, uma área
profissional onde os assistentes sociais exercem as suas funções no âmbito de diferentes
programas, devem observar-se, igualmente, as funções desempenhadas por estes
especialistas na área da justiça, com particular destaque para a sua actuação no quadro dos
estabelecimentos prisionais e dos serviços de reinserção social, e ainda a actividade por eles
desenvolvida na área da saúde, sobretudo nos domínios hospitalar, dos cuidados primários
de saúde e dos cuidados continuados e integrados. O trabalho e emprego e a educação são
duas áreas onde, nos últimos anos, se detectou uma maior dinâmica de intervenção dos
profissionais de Serviço Social. As autarquias locais e as organizações sociais não lucrativas
constituem igualmente campos de intervenção de grande importância para os assistentes
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sociais, consubstanciados nos serviços de acção social, educação e saúde, serviços municipais
de habitação, urbanismo e recursos humanos, Redes Sociais, Instituições Particulares de
Solidariedade Social e Misericórdias. A multiplicidade de áreas de actuação e a diversidade
de competências exigidas, que têm por base um campo de actuação alicerçado em situações,
muitas das vezes, de grande sensibilidade social, tornam a intervenção profissional dos
assistentes sociais num elemento estruturante para a garantia da coesão social.
Um dos grandes contributos do Serviço Social para a sociedade, como indicam os resultados
obtidos pelo inquérito, passa pela capacidade de os seus profissionais actuarem como
intérpretes na aplicação das políticas sociais à realidade, bem como de contribuírem para o
aperfeiçoamento da acção social através da identificação das necessidades sociais. A
reflexividade gerada entre o contributo para o bem-estar dos indivíduos e dos grupos, e o
regular funcionamento da sociedade e das suas instituições, beneficia com o desempenho
funcional dos profissionais do Serviço Social. Os resultados obtidos pela aplicação do
inquérito aos profissionais de Serviço Social, bem como o leque diversificado de entrevistas
realizadas, com grande abrangência sócio-profissional, revelam uma larga maioria favorável
à criação da Ordem dos Assistentes Sociais. Contudo, existe uma consciência profissional de
que a par da criação desta entidade vem um acréscimo de responsabilidade, para o qual
afirmam estar preparados, dado o estado de consolidação profissional que vem sendo
atingido.
Os resultados obtidos pelas entrevistas, perante uma diversidade de profissionais
seleccionados, são reveladores do afirmado anteriormente, pugnando-se por uma crescente
afirmação da profissão concomitantemente com o acréscimo de responsabilidades assumido
nas últimas décadas, em resultado da crescente complexificação das demandas sociais,
assegurado com maior competência em função da melhoria visível, e sentida
profissionalmente, da formação ministrada inicialmente. De facto, as competências
adquiridas relevam uma excelente capacidade de adaptação e adequação às necessidades de
intervenção profissional, facilmente perceptível pela rápida expansão profissional, nas várias
áreas de grande exigência social, como se enumerou atrás, demonstrando a sua
imprescindibilidade na avaliação, aplicação e fiscalização dos mecanismos, públicos e
privados, de intervenção social.
O objectivo de uma intervenção abrangente nas problemáticas sociais, reconhecendo a
complexidade dos problemas e os constrangimentos institucionais em que decorre a
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actividade dos profissionais do Serviço Social, justifica sobremaneira a necessidade de auto-
regulação consubstanciada em regulação profissional, regulação da formação, representação
e defesa dos profissionais e harmonização de metodologias e procedimentos. Face às
transformações assinaladas anteriormente, adquire particular relevância a atribuição do
estatuto de interesse público à Ordem dos Profissionais do Serviço Social. De acordo com a
legislação em vigor, as ordens profissionais actuam através da transferência de competências
que o Estado opera, em defesa do interesse público geral, o que, neste caso, se traduzirá no
aumento da qualidade do trabalho desenvolvido e na melhoria dos serviços prestados à
comunidade.
São essas mesmas razões que conduzem à necessidade de o campo profissional dos
assistentes sociais regular matérias como sejam: (1) garantir o exercício profissional das
funções que lhes são cometidas; (2) elaborar e aplicar normas técnicas e deontológicas; (3)
garantir as exigências de formação adequada; e (4) assegurar o exercício profissional com
qualidade.
As Ordens profissionais são associações de carácter público, cujos objectivos principais
passam pela defesa dos seus interesses de classe, no sentido mais amplo, devendo,
cumulativamente, ser sujeitas ao controlo do respectivo acesso e exercício, à elaboração de
normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar autónomo. Garantem,
igualmente, as exigências de formação adequada, de capacidades profissionais e de
conhecimento das regras do código deontológico da profissão, prevenindo as práticas
profissionais de má qualidade sem, no entanto, intervirem directamente na oferta dos seus
membros no mercado de trabalho. A implementação de um código deontológico é outra das
grandes atribuições das Ordens Profissionais, destinada a cultivar e a defender um ethos
associativo que se traduz num conjunto de valores, normas, atitudes e aspirações de carreira,
na profissão que regulam. Acresce ainda que a capacidade de avaliação das necessidades
formativas de profissões, com um grau de exigência relevante e com competências que
impõem, não só um corpo de saberes alargado e profundo, mas também uma grande
sensibilidade social, em função da natureza das suas actuações, leva à maior aptidão, por
parte dos próprios profissionais, para o exercício dessa avaliação, quando comparada com a
acção generalista do Estado.
De entre os desafios que se colocam à regulação do campo profissional do Serviço Social, por
via da constituição da sua Ordem, estão: em primeiro lugar, o da sua capacidade de
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intervenção face aos problemas e riscos sociais que marcam os contextos onde intervêm os
profissionais e conduzem à necessidade de elaborar diagnósticos sociais adequados; em
segundo lugar, a delimitação e consolidação do campo profissional, criando condições de
visibilidade pública das funções e actos profissionais orientados pelo propósito do interesse
público; em terceiro, o assegurar de critérios exigentes, em termos de qualidade, no acesso à
profissão, em conformidade com as regras técnicas e deontológicas definidas; e em quarto
lugar, embora o fim principal para a constituição de uma Ordem, a garantia do interesse
público, pelo assegurar que o delicado trabalho de intervenção social, nas suas múltiplas
facetas, é efectuado com competência e responsabilidade.
Por conseguinte, e em estreita conformidade com o resultado deste estudo sobre o campo de
actuação dos profissionais de Serviço Social, consideramos de grande interesse público a
criação de uma ordem profissional. O actual contexto, diagnosticado pela diversidade de
fontes recolhidas, impõe, assim, que se avance para a constituição da Ordem dos Assistentes
Sociais como o melhor instrumento para a organização, fiscalização e controlo do campo de
actuação dos profissionais de Serviço Social, desde a formação até à avaliação da intervenção
profissional, por forma a permitir que esta corresponda à acção competente e eficaz que a
sociedade espera.
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Legislação
Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro. Regime das Associações Públicas Profissionais.
Assembleia da República/Diário da República.
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115
Anexo 1
Tabela 1 - Caracterização sócio-demográfica dos entrevistados
Sexo Idade Conclusão do Curso
Locais de Formação Funções
Feminino 37 1997 Coimbra Formação profissional em reabilitação de cegos e amblíopes
Feminino 30 2002 Beja IPSS, apoio comunitário
Feminino 28 2005 Lisboa IPSS
Feminino 39 1994 Coimbra Hospital, preparação das altas hospitalares e apoios comunitários a utentes carenciados Feminino 36 1999 Coimbra Centro de Segurança Social, divisão de apoio ao idoso
Feminino 26 2005 Lisboa Centro paroquial, acolhimento familiar
Feminino 33 1999 Porto -
Feminino 34 1997 Beja Centro Distrital da Segurança Social, assessoria aos tribunais
Feminino 40 1993 Lisboa Centro Distrital da Segurança Social, rede social e programas sociais
Feminino 53 1978 Lisboa Centro Distrital da Segurança Social, núcleo de respostas sociais e requalificação Feminino 31 2002 Lisboa IPSS, área dos idosos e serviço de apoio domiciliário
Feminino 24 1997 Leiria IPSS, área do Rendimento Social de Inserção
Feminino 58 1975 Lisboa Hospital, atendimento de doentes e suas famílias
Feminino 25 2005 Coimbra IPSS, Centro de Acolhimento e Inserção Social
Masculino 28 2007 Porto Centro de Protecção de Crianças e Jovens, atendimento a famílias de acolhimento parental e serviço de apoio domiciliário Feminino 33 1999 Porto Formação no campo social
Feminino 32 2000 Coimbra Lar de acolhimento de crianças e jovens
Feminino 27 2005 Coimbra Estabelecimento prisional, preparação para a reinserção social de reclusos
Feminino 29 2007 Coimbra Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, técnica de reforço
Feminino 27 2004 Açores Criação de projectos de intervenção social e formação no campo social
Feminino 24 2007 Coimbra Formação no campo social e acompanhamento de jovens em contexto de formação profissional
Feminino 53 1988 Lisboa Instituto de Medicina Legal de Lisboa, Universidade Lusófona e Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa Feminino 63 1967 Lisboa Cruz Vermelha Portuguesa
Feminino 64 1969 Porto Universidade Católica, Plano Nacional de Acção para a Inclusão, Associação dos Profissionais de Serviço Social Feminino 60 1972 Coimbra Assembleia da República, deputada
Feminino 52 1980 Porto Hospital, responsável pelo Serviço Social
Masculino 42 1989 Porto Rede escolar, Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
Feminino 54 1980 Lisboa Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Feminino 54 1976 Coimbra Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Feminino 42 - Porto Universidade do Algarve, sector de bolsas de estudo e alojamento nos serviços de acção social
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9 DE ABRIL DE 2018
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APRECIAÇÃO PÚBLICA
Diploma:
Proposta de lei n.º _____/XIII (….ª) Projeto de lei n.º _____/XIII (….ª) Proposta de alteração
Identificação do sujeito ou entidade
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Morada ou Sede:
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Local ________________________________________________________________________________
Código Postal _________________________________________________________________________
Endereço Eletrónico ____________________________________________________________________
Contributo:
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Data ________________________________________________________________________________
Assinatura ____________________________________________________________________________
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SEPARATA — NÚMERO 88
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Lei n.º 2/2013
de 10 de janeiro
Estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
Artigo 3.º
Constituição
1 — A constituição de associações públicas profissionais é excecional, podendo apenas ter lugar quando:
a) Visar a tutela de um interesse público de especial relevo que o Estado não possa assegurar diretamente;
b) For adequada, necessária e proporcional para tutelar os bens jurídicos a proteger; e
c) Respeitar apenas a profissões sujeitas aos requisitos previstos no artigo anterior.
2 — A constituição de novas associações públicas profissionais é sempre precedida dos seguintes procedimentos:
a) Apresentação de estudo, elaborado por entidade de independência e mérito reconhecidos, sobre as exigências
referidas no artigo anterior e o cumprimento dos requisitos previstos no número anterior, bem como sobre o seu impacte na
regulação da profissão em causa;
b) Audição das associações representativas da profissão;
c) Submissão a consulta pública, por um período não inferior a 60 dias, de projetos de diploma de criação e de estatutos
da associação pública profissional, acompanhado do estudo referido na alínea a).
3 — A cada profissão regulada corresponde apenas uma única associação pública profissional, podendo esta representar mais do que uma profissão, desde que tenham uma base comum de natureza técnica ou científica.