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Terça-feira, 9 de fevereiro de 2021 Número 42
XIV LEGISLATURA
S U M Á R I O
Projetos de Lei (n.os 131 e 446/XIV/1.ª e 526, 577, 578, 598, 605 e 609/XIV/2.ª): N.º 131/XIV/1.ª (PAN) — Lei de Bases do Clima. N.º 446/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece as bases da política de ambiente e ação climática. N.º 526/XIV/2.ª (PEV) — Lei-Quadro da Política Climática. N.º 577/XIV/2.ª (PS) — Aprova a Lei de Bases da Política do
Clima. N.º 578/XIV/2.ª (BE) — Lei de Bases do Clima. N.º 598/XIV/2.ª (PSD) — Lei de Bases do Clima. N.º 605/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Define as bases da política climática. N.º 609/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Lei de Bases da Política Climática.
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Nos termos e para os efeitos do artigo 140.º do Regimento da Assembleia da República, avisam-se os cidadãos de que se encontram para apreciação, de 9 de fevereiro a 26 de março de 2021, os diplomas seguintes:
Projetos de Lei n.os 131/XIV/1.ª (PAN) — Lei de Bases do Clima, 446/XIV/1.ª (PCP)— Estabelece as bases da política de ambiente e ação climática, 526/XIV/2.ª (PEV)— Lei-Quadro da Política Climática, 577/XIV/2.ª (PS)— Aprova a Lei de Bases da Política do Clima, 578/XIV/2.ª (BE)— Lei de Bases do Clima, 598/XIV/2.ª (PSD)— Lei de Bases do Clima, 605/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues)— Define as bases da política climática e 609/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira)— Lei de Bases da Política Climática.
As sugestões e pareceres deverão ser enviados, até à data limite acima indicada, por correio eletrónico dirigido a: 11CAEOT@ar.parlamento.pt; ou em carta, dirigida à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, Assembleia da República, Palácio de São Bento, 1249-068 Lisboa.
Dentro do mesmo prazo, poderão ser solicitadas audiências à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, devendo fazê-lo por escrito, com indicação do assunto e fundamento do pedido.
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PROJETO DE LEI N.º 131/XIV/1.ª LEI DE BASES DO CLIMA
Exposição de motivos
As alterações climáticas constituem uma das maiores ameaças à vida no planeta. Como resultado do
fenómeno das alterações climáticas estima-se que poderá ocorrer um aquecimento global médio superior a
2ºC, que conduzirá a eventos climáticos extremos, subida do nível do mar e subsequente ameaça para as
zonas costeiras, onde se concentra grande parte da população mundial, períodos de seca extrema, tornando
vastas zonas do planeta inabitável, entre outros efeitos1.
A comunidade científica internacional e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC)
consideram que um aumento médio da temperatura global de 2ºC constitui o «ponto de não retorno» das
condições climáticas que têm permitido a sobrevivência e prosperidade da espécie humana e das restantes
espécies animais e flora do planeta.
O IPCC aponta que concentrações de CO2 equivalente na atmosfera na ordem das 430 partes por milhão
(ppm) conduzirão a um aumento médio da temperatura global de 1,5ºC e que concentrações de CO2
equivalente na atmosfera na ordem das 450 ppm conduzirão a um aumento médio da temperatura global de
2ºC2.
Desde 1970, as concentrações de CO2 equivalente aumentaram, em média, 1,73 ppm por ano. A tendência
é crescente, nos últimos dez anos, as concentrações de CO2 equivalente aumentaram, em média, 2,33 ppm
por ano.
No final de 2018, foram atingidas as 410 ppm3, o que, adicionado aos chamados «efeitos de feedback» ou
«processos de autoalimentação» não quantificados, na sua totalidade, nos limites definidos pelo IPCC, torna
clara a urgência da atuação no combate às alterações climáticas.
Portugal, integrado nas políticas climáticas da União Europeia, tem implementado, no quadro jurídico
nacional, algumas iniciativas:
• No campo da mitigação às alterações climáticas, em planos de longo prazo, foi aprovado o Roteiro
Nacional de Baixo Carbono, em 2012, e o Roteiro de Neutralidade Carbónica para 2050, em 2019. Ao nível
dos planos de curto e médio prazo, existe o Plano Nacional para as Alterações Climáticas para 2020-2030, que
concretiza medidas inspiradas no Roteiro Nacional de Baixo Carbono de 2012 e que carece de revisão face
aos objetivos mais exigentes do recentemente aprovado Roteiro de Neutralidade Carbónica para 2050.
• Ao nível da adaptação às alterações climáticas, foi aprovado pelo Governo, em 2015, a Estratégia
Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas para 2020 que se virá a consolidar em planos concretos,
tendo o primeiro sido aprovado em agosto de 2019 – o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações
Climáticas (P-3AC) –, com o objetivo de estabelecer a estratégia de atuação setorial de adaptação às
alterações climáticas até 2030.
A nível internacional são ainda poucos os países que adotaram uma lei do clima, destacando-se, na União
Europeia, o Reino Unido e a Suécia e, fora da União Europeia, a Suíça, a Coreia do Sul e o Quénia. Nestas
leis do clima e, à semelhança, das recomendações das Nações Unidas, verifica-se a concretização de planos
de redução de emissões a nível sectorial, como forma de atingir as metas nacionais de redução de emissões.
Os países que implementaram uma lei do clima sublinham a sua importância, seja pelo envolvimento e
responsabilização dos diferentes sectores de atividade na sua prossecução, seja no envolvimento dos vários
atores sociais nos objetivos nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE),
considerando a existência de uma lei de bases do clima como um instrumento fundamental para o
cumprimento dos compromissos internacionais em matéria climática.
Por outro lado, ao nível das Nações Unidas, debate-se atualmente a necessidade de integrar e reforçar as
1 «Trajectories of the Earth System in the Anthropocene» – https://www.pnas.org/content/115/33/8252 2 https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr/ 3 Fonte: NASA
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leis ambientais internacionais e de encontrar novos modelos de governação da área ambiental que garantam a
prossecução efetiva dos objetivos internacionais em matéria ambiental e climática.
Desta forma, no decurso do «Pacto Global para o Ambiente», aprovado pela Resolução das Nações
Unidas, A/RES/72/277, a 10 de maio de 2018, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, a 30 de
agosto de 2019, a Resolução A/RES/73/333, que recomenda aos Estados-Membros que:
a. Reforcem a proteção do ambiente para as gerações presente e futuras;
b. Contribuam para o reforço da implementação da lei ambiental internacional e respetivos instrumentos;
c. Reforcem os esforços e ambição no âmbito dos compromissos internacionais a nível ambiental;
d. Reforcem as leis ambientais, políticas e quadros regulatórios a nível nacional e sectorial e reconheçam a
importância da cooperação internacional;
e. Contribuam para os esforços das Nações Unidas de reforço da implementação da lei ambiental
internacional e da governação ambiental internacional.
Com efeito, o «sistema terrestre», que se define como os processos físicos, químicos e biológicos que
interagem com a Terra e que inclui a terra, oceanos, atmosfera e polos e os ciclos naturais do planeta –
carbono, água, nitrogénio (azoto), fósforo, enxofre e outros ciclos –, funciona de forma holística. Neste sistema,
os impactos das alterações climáticas, simultaneamente, produzem-se e recebem-se de outras variáveis como
a biodiversidade, a acidificação dos oceanos, a quantidade e qualidade de água potável e o uso do solo, entre
outras. Assim, será fundamental uma evolução progressiva para modelos legislativos e de governação que
integrem o «sistema terrestre» como um todo.
Os «limites planetários» são um conceito que envolve processos do «sistema terrestre» que contêm limites
ambientais, nas vertentes das alterações climáticas, biodiversidade, uso do solo, acidificação dos oceanos, uso
de água potável, processos biogeoquímicos, concentração de ozono e aerossóis na atmosfera e poluição
química. O objetivo da definição dos referidos «limites planetários» foi a possibilidade de estipular um «espaço
operacional seguro para a humanidade» como pré-condição para o desenvolvimento sustentável. A estrutura é
baseada em evidências científicas de que as ações humanas, desde a Revolução Industrial, se tornaram no
principal motor das mudanças ambientais globais. De acordo com os cientistas que definiram estes conceitos,
«transgredir um ou mais limites planetários pode ser prejudicial ou até catastrófico devido ao risco de cruzar
limiares que desencadearão mudanças ambientais abruptas não-lineares em sistemas de escala continental a
planetária», alterando a vida na Terra, tal como a conhecemos. Desde 2009, três dos nove limites planetários
já foram ultrapassados, nomeadamente, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e os processos
biogeoquímicos, enquanto que os restantes estão em risco iminente de serem ultrapassados.
Portugal, para além de ter o dever de dar o seu contributo mundial para a redução das emissões de GEE, é
um dos países, a nível europeu, que mais sofrerá com os impactos das alterações climáticas. A região do
Mediterrâneo esteve sujeita a grandes impactos nas últimas décadas, como resultado da diminuição da
precipitação e do aumento da temperatura e espera-se que piorem à medida que o clima continue a mudar. Os
principais impactos são a diminuição da disponibilidade de água e da capacidade de produção agrícola,
aumentando os riscos de secas e de perda de biodiversidade, incêndios florestais e ondas de calor. Estas são,
de resto, justamente o que mais tem tido impacto no nosso país num passado recente e com tendência para
se agravar, com consequências, nomeadamente, ao nível da morbilidade e da mortalidade. Além disso, o
sector hidroelétrico será cada vez mais afetado pela menor disponibilidade de água e pelo aumento da procura
de energia, com todos os custos daí decorrentes. Adicionalmente, Portugal está particularmente exposto à
subida do nível da água do mar, tendo em consideração a sua extensa zona costeira.4
Face ao exposto, é fundamental que o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050, aprovado pelo
Governo, não seja apenas um mero plano, mas integre um conjunto de metas e ambições de prossecução
obrigatória, consubstanciado em planos de responsabilidade sectorial de curto prazo.
No que se refere à adaptação às alterações climáticas, é crucial haver uma visão de longo prazo, que
incorpore as projeções dos impactos das alterações climáticas no nosso território, ao longo do tempo, de forma
a que se possam tomar opções de ação e medidas de adaptação de curto e médio prazo, coerentes com a
evolução expetável do nosso clima a longo prazo.
4 https://ec.europa.eu/clima/policies/adaptation/how/territorial_en
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É assim importante garantir, através da criação de uma lei de bases do clima, que:
• Portugal defenda posições ambiciosas de redução das emissões de CO2 a nível internacional, bem
como adote uma visão integrada do «sistema terrestre»;
• Sejam cumpridas as metas nacionais de redução de emissões;
• Sejam definidas as metas e definidos os planos de ação, de curto prazo, nos sectores da energia,
transportes, resíduos, agricultura e florestas;
• Seja concretizado o correto planeamento e execução das ações de adaptação do nosso território às
alterações climáticas, através de planos de ação, nomeadamente, ao nível do ordenamento do território, dos
recursos hídricos, das florestas, da agricultura, do planeamento de ações e aquisição de recursos materiais e
humanos pela proteção civil e da saúde, devidamente calendarizados, por um período temporal não inferior
a50 anos;
• Sejam introduzidos critérios de eficácia avaliação, nomeadamente, económica nas ações de mitigação e
adaptação às alterações climáticas, de forma a otimizar os recursos disponíveis;
• Seja envolvida ativamente a sociedade civil nos desafios climáticos, através de ações de comunicação e
sensibilização e outras iniciativas dirigidas para a mudança comportamental;
• Seja criada uma comissão independente, que reportará exclusivamente à Assembleia da República,
para a avaliação do cumprimento, por parte do Governo, das ações definidas na lei.
Dando, assim, cumprimento às recomendações das Nações Unidas e aos exemplos de melhores práticas
internacionais em matéria de legislação climática, com o objetivo de tornar Portugal num país modelo em
matéria de política climática;
E nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado e as Deputadas do PAN apresentam o
seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
Princípios Gerais
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei define as bases da política do clima, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da
Constituição da República Portuguesa.
Artigo 2.º
Objetivos da política do clima
Partindo do reconhecimento de que vivemos um estado de emergência climática, compete ao Estado
português:
1 – Assegurar que a transição para a neutralidade climática é irreversível.
2 – Garantir o direito a um ambiente saudável e tornar prioritária a elaboração e implementação de
políticas públicas de adaptação às alterações climáticas e mitigação de emissões de gases com efeito de
estufa.
3 – Regular as emissões de gases com efeito de estufa para alcançar a estabilização das suas
concentrações na atmosfera, de forma a evitar mais impactes resultantes da interferência antropogénica no
sistema climático, de acordo com o disposto no artigo 2.º da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas.
4 – Definir objetivos e metas nacionais e sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa
, devidamente calendarizadas e baseadas nos compromissos europeus, internacionais e planos nacionais,
como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 e equivalente que lhe suceda.
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5 – Regular ações para mitigação e adaptação às alterações climáticas.
6 – Reduzir a vulnerabilidade da população e dos ecossistemas do país aos efeitos adversos das
alterações climáticas, bem como criar e fortalecer a capacidade do Estado para responder a este fenómeno.
7 – Promover a educação, pesquisa, inovação, desenvolvimento e transferência de tecnologia, bem como
a sua disseminação nas áreas de adaptação e mitigação das alterações climáticas.
8 – Estabelecer as bases para a participação informada do público.
9 – Promover a transição para uma economia competitiva e sustentável de baixas emissões de carbono.
10 – Assegurar a justiça intra e intergeracional.
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos da presente lei, são aplicáveis as seguintes definições:
a) «Alterações climáticas», variação no clima atribuída direta ou indiretamente à atividade humana que
altera a composição da atmosfera global e é adicional à variabilidade natural do clima observada durante
períodos de tempo comparáveis;
b) «Adaptação», medidas e ajustes de sistemas humanos e naturais, como resposta a estímulos climáticos
projetados ou reais, ou aos seus efeitos, que podem limitar os danos ou tirar proveito dos seus aspetos
positivos;
c) «Atlas de risco», um documento dinâmico, cujas avaliações de risco em áreas vulneráveis regiões ou
zonas geográficas considera cenários climáticos atuais e futuros;
d) «Gases com efeito estufa», os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como antropogénicos,
que absorvem e reemitem a radiação infravermelha;
e) «Mitigação», ações que conduzem à redução de emissões de gases com efeitos de estufa.
Artigo 4.º
Política externa em matéria de clima
O Estado em matéria de política externa relacionada com o clima, defende ativamente:
a) O reforço de ambição das metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa;
b) A assunção de compromissos internacionais que digam respeito ao clima e à preservação do ambiente;
c) A defesa de uma visão integrada do «sistema terrestre», com respeito pelos «limites planetários» que
definem o «espaço operacional seguro para a Humanidade».
Artigo 5.º
Mitigação às alterações climáticas
1 – No âmbito da mitigação às alterações climáticas, o Estado deve definir e cumprir objetivos e metas
nacionais e sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa, devidamente calendarizadas e
baseadas nos compromissos europeus, internacionais e planos nacionais, conforme o disposto no n.º 3, do
artigo 2.º.
2 – Para efeitos do disposto no número que antecede, o Estado deve recorrer a mecanismos de
flexibilidade que garantam a equivalente redução de emissões de gases com efeito de estufa, sempre que se
verifique o incumprimento das metas nacionais e/ou sectoriais definidas.
Artigo 6.º
Adaptação às alterações climáticas
1 – No âmbito das ações de adaptação às alterações climáticas, o Estado deve:
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a) Reforçar a capacidade científica dos modelos climáticos, a nível nacional e regional, que apoiem, cada
vez mais e melhor, o planeamento das ações de adaptação às alterações climáticas, através da elaboração de
um Atlas de Risco;
b) Definir objetivos nacionais, regionais e sectoriais de ações de adaptação às alterações climáticas,
devidamente calendarizadas, num horizonte temporal não inferior a cinquenta anos.
2 – A escolha das diferentes opções, relativas às ações de adaptação às alterações climáticas a nível
sectorial, é baseada em critérios de custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, e de avaliação
de impacto ambiental, devidamente demonstrados.
Artigo 7.º
Investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
De acordo com o disposto no n.º 6, do artigo 2.º, o Estado promove ações de investigação e
desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas, dando prioridade:
a) A projetos considerados estratégicos para as ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas
em território nacional, em que se inclui a preservação de habitats ou ecossistemas;
b) À participação em ações de investigação e desenvolvimento a nível europeu e internacional,
estratégicos para o território nacional;
c) Ao desenvolvimento de projetos-piloto;
d) À criação de uma base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no âmbito
das alterações climáticas.
Artigo 8.º
Cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas
1 – A cooperação internacional, no âmbito das alterações climáticas, obedece aos seguintes princípios:
a) Respeito pelos compromissos internacionais em matéria de cooperação para o combate às alterações
climáticas e preservação dos ecossistemas;
b) Independência e determinação dos países terceiros relativamente aos apoios a receber, justificada a sua
mais-valia e custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, dos projetos no âmbito das ações de
mitigação e adaptação às alterações climáticas.
2 – O Governo cria uma base de dados nacional dos projetos de cooperação internacional no âmbito das
alterações climáticas.
Artigo 9.º
Financiamento das atividades de combate às alterações climáticas
O financiamento das atividades de combate às alterações climáticas, pelo Estado, deverá obedecer aos
seguintes princípios:
a) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;
b) Maximização da utilização de fundos europeus, disponíveis neste domínio, nomeadamente através da
criação de um Programa ou subprograma Operacional de adaptação às alterações climáticas, de cariz
transversal;
c) Informação sobre as fontes de financiamento disponíveis para ações de mitigação e adaptação às
alterações climáticas, de forma a reforçar a participação do sector privado nestas ações.
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CAPÍTULO II
Mitigação às alterações climáticas
Artigo 10.º
Metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa
1 – O Estado define, numa base quinquenal e num horizonte de trinta anos, as suas metas nacionais de
redução de emissões de gases com efeito de estufa, respeitando os seus compromissos europeus e
internacionais.
2 – A definição das metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa tem por base o
«Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050» aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
107/2019, de 1 de julho, e os documentos que o venham a suceder.
3 – O primeiro ano de referência da aplicação das disposições do presente artigo é o ano de 2021.
4 – Desta forma, vigoram, até futura revisão mais ambiciosa das mesmas, as seguintes metas, não
considerando o sector de uso do solo e florestas, de redução de emissões de gases com efeito de estufa, face
a 2005:
a. Ano de 2025: 45%;
b. Ano de 2030: 55%;
c. Ano de 2035: 65%;
d. Ano de 2040: 75%;
e. Ano de 2045: 85%;
f. Ano de 2050: 90%.
5 – O sector do uso do solo e florestas deverá apresentar-se como sumidouro líquido de:
a. Média anual 2020/2025: 9 Megatoneladas (Mt) de CO2;
b. Média anual 2026/2030: 10 Megatoneladas (Mt) de CO2;
c. Média anual 2031/2035: 11 Megatoneladas (Mt) de CO2;
d. Média anual 2036/2040: 12 Megatoneladas (Mt) de CO2;
e. Média anual 2041/2045: 13 Megatoneladas (Mt) de CO2;
f. Média anual 2046/2050: 13 Megatoneladas (Mt) de CO2;
6 – A revisão das metas definidas nos números 5 e 6 do presente artigo é efetuada pela Assembleia da
República, por alteração à presente lei, nos termos do artigo 25.º, sem prejuízo da introdução de critérios mais
ambiciosos do ponto de vista climático que possam e devam ser promovidos pelas diferentes políticas
públicas.
Artigo 11.º
Metas sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa
1 – A concretização das metas definidas nos números 5 e 6 no artigo que antecede é prevista no plano
sectorial pelo Governo.
2 – O Governo determina através de Resolução do Conselho de Ministros, para os anos de referência do
artigo, as metas para os contributos dos sectores da produção de energia, indústria, edifícios, transportes,
resíduos e águas residuais, agricultura e florestas.
Artigo 12.º
Planos sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa
1 – O Governo desenvolve e apresenta à Assembleia da República, após consulta pública, os planos
sectoriais de mitigação das alterações climáticas para o cumprimento do disposto no artigo anterior.
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2 – Os planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas são elaborados com um horizonte temporal
de cinco anos e as opções de ações de mitigação devidamente justificadas através da análise de alternativas e
de critérios de custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais.
3 – Os primeiros planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas, com o horizonte temporal
2022/2026, deverão ser apresentados à Assembleia da República até ao final do terceiro trimestre de 2021.
4 – Os planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas de horizontes temporais subsequentes são
apresentados acompanhados de relatório de avaliação, no final do terceiro trimestre anterior ao período a que
respeitam.
Artigo 13.º
Mecanismo de flexibilidade
1 – Sempre que se verifique o incumprimento das metas definidas no artigo 10.º da presente lei, o Governo
recorre a mecanismos de flexibilidade, que garantam o cumprimento das mesmas.
2 – Os mecanismos referidos no número que antecede correspondem a investimentos em projetos
internacionais que produzam reduções de emissões de gases com efeito de estufa, pelos mecanismos geridos
pelas Nações Unidas.
3 – As tipologias de projetos referidos no ponto anterior apenas poderão corresponder a redução de
emissões através de projetos nas áreas de:
a. Energias renováveis, com exceção de grandes hídricas;
b. Tratamento de resíduos urbanos;
c. Eficiência energética e energias renováveis no sector dos transportes.
4 – O valor do investimento a efetuar corresponde ao necessário para a obtenção do quantitativo de
redução de emissões de CO2 equivalente em falta no cumprimento das metas nacionais definidas no artigo
10.º da presente lei.
5 – A redução de emissões para efeitos do disposto no presente artigo deve ser comprovada através da
disponibilização à Comissão de Acompanhamento da respetiva inscrição no Registo Português de Licenças de
Emissão.
CAPÍTULO III
Adaptação às alterações climáticas
Artigo 14.º
Prioridades nacionais em matéria de adaptação às alterações climáticas
1 – Tendo em conta as especificidades do território português, tomam especial relevância as ações de
adaptação às alterações climáticas, no âmbito:
a. Do ordenamento do território;
b. Dos recursos hídricos;
c. Das florestas;
d. Da agricultura;
e. Do planeamento de ações e aquisição de recursos materiais e humanos pela proteção civil;
f. Da saúde.
2 – Cabe ao Governo assegurar a devida coerência e transversalidade das ações de adaptação às
alterações climáticas nos âmbitos referidos.
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Artigo 15.º
Planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas
1 – O Governo desenvolve e apresenta à Assembleia da República, após consulta pública, os planos
sectoriais de adaptação às alterações climáticas, com especial enfoque nos sectores referidos no número 1 do
artigo que antecede.
2 – Os planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas são elaborados com um horizonte temporal
de cinquenta anos.
3 – Os planos previstos no número que antecede apresentam medidas concertadas para cada cinco anos,
bem como as respetivas justificações das opções de ações através da análise de alternativas e de critérios de
custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais.
4 – Os primeiros planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas, com o horizonte temporal
2022/2071, são apresentados à Assembleia da República até ao final do terceiro trimestre de 2021.
5 – Os planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas de horizontes temporais subsequentes são
revistos de cinco em cinco anos e apresentados, acompanhados de relatório de avaliação, no final do terceiro
trimestre anterior ao período a que respeitam.
CAPÍTULO IV
Investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
Artigo 16.º
Prioridades nacionais em matéria de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
1 – As prioridades nacionais em matéria de investigação e desenvolvimento são definidas como opções
estratégicas para ultrapassar os obstáculos identificados nos planos nacionais e sectoriais de mitigação e
adaptação às alterações climáticas.
2 – Os planos sectoriais de mitigação e adaptação às alterações climáticas, referidos nos artigos 12.º e 15.º
da presente lei, deverão indicar e justificar claramente as tipologias de projetos de investigação e
desenvolvimento a apoiar pelo Estado no horizonte temporal em causa.
Artigo 17.º
Articulação internacional em matéria de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
O Estado português, dentro das tipologias de projetos definidas no artigo anterior, deve participar em ações
de investigação e desenvolvimento a nível europeu e internacional.
Artigo 18.º
Reporte das atividades de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
1 – O Governo implementa uma base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no
âmbito das alterações climáticas.
2 – A base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações
climáticas é apresentada, anualmente, até ao final do primeiro trimestre do ano subsequente, à Assembleia da
República.
3 – O primeiro ano de reporte é o ano de 2021.
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CAPÍTULO V
Cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas
Artigo 19.º
Tipologias de projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas
São considerados projetos de cooperação internacional, no âmbito das alterações climáticas, todos os
projetos que conduzam à mitigação e adaptação às alterações climáticas, podendo assumir as tipologias de:
a) Capacitação para as alterações climáticas;
b) Transferência de tecnologia de mitigação ou adaptação às alterações climáticas;
c) Ações de mitigação das alterações climáticas;
d) Ações de adaptação às alterações climáticas.
Artigo 20.º
Princípios para o apoio a projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas
1 – O Estado português deve honrar os compromissos assumidos no âmbito da cooperação internacional
de clima, a nível europeu e internacional.
2 – Devem ser privilegiados os projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas em países de
língua portuguesa.
3 – Os países recetores da cooperação nacional em matéria de alterações climáticas determinam,
exclusivamente, dentro dos recursos financeiros disponíveis, e justificada a sua mais-valia e custo-eficácia, no
que respeita aos resultados ambientais, os projetos a serem apoiados.
4 – O Governo deverá fomentar a participação em projetos de cooperação delegada em países de língua
portuguesa.
Artigo 21.º
Reporte das atividades de cooperação no âmbito das alterações climáticas
1 – O Governo implementa uma base de dados nacional dos projetos de cooperação no âmbito das
alterações climáticas.
2 – A base de dados nacional dos projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas deve ser
apresentada, anualmente, até ao final do primeiro trimestre do ano subsequente, à Assembleia da República.
3 – O primeiro ano de reporte é o ano de 2021.
CAPÍTULO VI
Financiamento das atividades de combate às alterações climáticas
Artigo 22.º
Princípios gerais para o financiamento nacional de projetos de mitigação às alterações climáticas
O financiamento das atividades de mitigação às alterações climáticas, pelo Estado, obedece aos seguintes
princípios:
a) Enquadramento nos respetivos planos sectoriais;
b) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;
c) Maximização da utilização de fundos europeus e internacionais disponíveis neste domínio.
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Artigo 23.º
Princípios gerais para o financiamento nacional de projetos de adaptação às alterações climáticas
O financiamento das atividades de adaptação às alterações climáticas, pelo Estado, obedece aos seguintes
princípios:
a) Enquadramento nos respetivos planos sectoriais;
b) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;
c) Maximização da utilização de fundos europeus e internacionais disponíveis neste domínio,
nomeadamente através da criação de um Programa ou subprograma Operacional de adaptação às alterações
climáticas, de cariz transversal.
Artigo 24.º
Informação sobre as fontes de financiamento para o combate às alterações climáticas
Compete ao Governo a sistematização e divulgação pública, num portal digital, de todas as fontes de
financiamento disponíveis, a nível nacional, europeu e internacional, para ações de mitigação e adaptação às
alterações climáticas, para os sectores público e privado e seu respetivo estado de execução.
Artigo 25.º
Reporte financeiro climático
Em 2021, o Governo define um sistema de reporte financeiro climático, que quantifique os riscos e
oportunidades relacionados com as alterações climáticas, com base nas melhores práticas internacionais,
tornando-o obrigatório, a partir de 2022, para todas as empresas cotadas em bolsa e para as empresas que
pretendam aceder a apoios públicos, sejam estes por via nacional ou comunitária, bem como para as
empresas que venham a beneficiar de financiamento do Banco Português de Fomento. Os critérios de apoio
ou financiamento a essas empresas devem privilegiar as informações do reporte financeiro climático.
CAPÍTULO VII
Fiscalização do cumprimento da lei
Artigo 26.º
Comissão independente
1 – É criada uma comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima, sem
prejuízo dos poderes de fiscalização da Assembleia da República, nos termos constitucionais.
2 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei do clima é uma entidade
administrativa independente, com poderes de autoridade, respondendo apenas perante a Assembleia da
República.
3 – A comissão independente é composta por onze peritos em matéria de alterações climáticas, designados
pela Assembleia da República, através de proposta de Universidades e Organizações Não-Governamentais na
área do ambiente e dois elementos que constituirão o seu secretariado técnico.
4 – É da competência da comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima
o reporte da avaliação do cumprimento da presente lei, nos termos do artigo 28.º.
5 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei do clima tem sede em instalações
cedidas pela Assembleia da República, sendo os encargos com o seu funcionamento cobertos pela dotação
orçamental atribuída à Assembleia da República.
6 – O apoio administrativo, logístico e financeiro da comissão independente é assegurado pelos serviços a
disponibilizar pela Assembleia da República, incluindo a remuneração dos respetivos membros.
7 – A fim de tratar de assuntos da sua competência, a comissão independente pode tomar parte nos
trabalhos das comissões parlamentares competentes, quando o solicite por julgar conveniente e sempre que
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estas solicitem a sua presença.
Artigo 27.º
Membros da comissão independente
1 – Os membros da comissão independente são cidadãos de reconhecida idoneidade e no pleno gozo dos
seus direitos civis e políticos.
2 – O exercício do cargo de membro da comissão é incompatível:
a) com a qualidade de membro de outros conselhos ou comissões com funções de fiscalização ou controlo
de natureza análoga;
b) com a titularidade de órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder local;
c) com a titularidade de órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder local, nos últimos cinco
anos anteriores à data da designação para o cargo;
d) com o exercício de funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de fundações com eles
conexas, nem desenvolver atividades político-partidárias de carácter público.
3 – Durante o período de desempenho do cargo fica suspenso o estatuto decorrente da filiação em partidos
ou associações políticas.
4 – Os membros da comissão independente são designados pela Assembleia da República, através da
escolha de nomes propostos por Universidades e Organizações Não-Governamentais na área do ambiente,
para um mandato de cinco anos.
5 – Os membros da comissão independente constam de uma lista publicada na 1.ª série do Diário da
República e tomam posse perante a Assembleia da República, nos 10 dias seguintes à publicação da lista,
podendo renunciar ao mandato mediante declaração escrita, a apresentar ao Presidente da Assembleia da
República, a qual é publicada na 2.ª série do Diário da República.
6 – O estatuto dos membros da comissão independente garante a independência do exercício das suas
funções e consta de lei orgânica, a publicar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei.
7 – Os membros do secretariado técnico auferem uma remuneração fixa e os peritos auferem de senhas de
presença, de periodicidade mensal, a determinar mediante despacho do Presidente da Assembleia da
República.
Artigo 28.º
Relatório de avaliação do cumprimento da lei de bases do clima
1 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima elabora um
relatório anual sobre o cumprimento das disposições previstas na presente lei.
2 – O relatório referido no número anterior é apresentado à Assembleia da República, até maio do ano
subsequente àquele a que se refira, sendo o primeiro relatório apresentado, excecionalmente, até ao final do
primeiro semestre de 2022.
3 – A pedido de qualquer um dos partidos políticos representados na Assembleia da República o relatório
referido no número 1 pode ser objeto de discussão em reunião do Plenário da Assembleia da República.
4 – O relatório referido no número 1 é publicado em Diário da Assembleia da República e é publicitado na
página da Assembleia da República na Internet.
CAPÍTULO VIII
Disposições finais
Artigo 29.º
Atualização das metas da presente da lei
As metas previstas na presente lei são atualizadas a cada período de cinco anos, pela Assembleia da
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República.
Artigo 30.º
Direitos fundamentais climáticos
1 – Todos os cidadãos têm direito ao equilíbrio climático, bem como o direito à participação na política
climática e o direito a requerer a cessação imediata de qualquer atividade que ameace o equilíbrio climático.
2 – Todas as ações e/ou omissões que contribuam, negativamente, para as alterações climáticas,
designadamente, aquelas que emitam gases com efeito de estufa ou provoquem destruição de ecossistemas,
geram responsabilidade civil.
Artigo 31.º
Segurança nacional e saúde
1 – O planeamento da defesa nacional passa a incorporar os riscos decorrentes das alterações climáticas,
designadamente, a pressão sobre o território, a escassez de recursos hídricos e as migrações climáticas.
2 – O Governo cria uma entidade que reúne responsáveis de defesa nacional e da área da saúde de forma
a prevenir e reagir face a eventuais surtos pandémicos que possam surgir em virtude das alterações climáticas
e destruição de habitats, apoiados pelo conhecimento científico internacional nestas matérias.
Artigo 32.º
Oceanos
Tendo em consideração que os oceanos constituem um importante sumidouro de carbono, o Governo
apresenta, até ao final de 2022, um plano de mitigação às alterações climáticas para os oceanos, em território
Português, que privilegie a defesa dos ecossistemas marinhos face a eventuais explorações económicas dos
oceanos e com vista a reverter os efeitos da poluição, nomeadamente a degradação de habitats marinhos e
declínio da biodiversidade.
Artigo 33.º
Educação e ações de sensibilização em alterações climáticas
1 – O Governo incorpora, até ao final de 2022, a educação em alterações climáticas, nos currículos dos
ensinos básico e secundário, integrando-os nas matérias do ambiente.
2 – O Governo, em articulação com as regiões autónomas, as autarquias locais e demais entidades,
promove ações de comunicação e sensibilização de âmbito nacional, regional e local, com vista à mudança de
comportamentos que contribuam para a neutralidade carbónica.
Artigo 34.º
Eliminação de subsídios perversos
O Governo elimina, até ao final de 2022, quaisquer os chamados subsídios perversos, designadamente, os
subsídios, benefícios fiscais e despesas fiscais associado(a)s ao uso de combustíveis fósseis.
Artigo 35.º
Entrada em vigor
1 – A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 – O portal e as bases de dados referidas no presente diploma devem estar disponíveis e operacionais ao
público num prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, com a emissão da respetiva Portaria
para o efeito.
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Assembleia da República, 4 de janeiro de 2021.
O Deputado e as Deputadas do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real.
———
PROJETO DE LEI N.º 446/XIV/1.ª ESTABELECE AS BASES DA POLÍTICA DE AMBIENTE E AÇÃO CLIMÁTICA
Exposição de motivos
A política de Ambiente conheceu, em Portugal e no mundo, desenvolvimentos muito significativos nas
últimas décadas, essencialmente por força da aproximação dos limites materiais da renovação dos recursos
naturais que o modelo produtivo atual atingiu. A perceção global de que a Humanidade vive em plena
dependência das condições naturais e ambientais em que se insere generalizou a consciência coletiva e a
preocupação política perante a natureza.
A situação ambiental do nosso País caracteriza-se pela ausência de uma política integrada e estratégica,
com a privatização de setores fundamentais como a energia ou os resíduos, a progressiva mercantilização da
natureza e serviços públicos destinados ao tratamento das questões ambientais depauperados ao nível dos
meios e possibilidade de atuação.
Portugal necessita de uma política integrada para o desenvolvimento em harmonia com o meio ambiente
que considere, entre outros aspetos, o território, a organização económica, a biodiversidade, o acesso,
utilização e salvaguarda dos recursos hídricos, a produção, valorização e tratamento de resíduos, a produção
agroalimentar, a eficiência energética, o planeamento, uso e proteção do solo, a sustentabilidade do uso de
recursos.
A questão das alterações climáticas e da salvaguarda do Ambiente foi em 2019 tema central do debate
público. No entanto, a discussão ao nível das instituições nacionais e fóruns internacionais tem sido
equivocadamente desligada da discussão sobre o sistema económico e social vigente, as desigualdades
dentro e entre os estados, o modo de produção, ao mesmo tempo que se afunila nos comportamentos
individuais e numa falsa dicotomia economia-ambiente e tem sido pretexto para a defesa de políticas
antipopulares e aprofundamento da exploração e desigualdades.
As alterações do clima são reais, sendo fundamental reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a
riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais em todos os países e Portugal terá, nesta matéria,
que fazer a sua parte.
Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional de escolha de
soluções menos impactantes e aumentar o conhecimento sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de
impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas, são aspetos fundamentais a considerar e a
promover.
Os gases com efeito estufa (GEE) são emitidos naturalmente através da superfície terrestre e impedem que
parte da irradiação solar seja refletida de volta para o espaço. Sem estes gases, a temperatura média da Terra
diminuiria drasticamente, impossibilitando a vida no planeta tal como a conhecemos hoje. No entanto, a
quantidade de GEE provenientes da atividade humana tem vindo a subir no último século e meio,
acompanhando a instauração hegemónica do modo de produção capitalista.
A ciência demonstrou que a concentração de GEE na atmosfera terrestre está diretamente ligada à
temperatura média global da Terra e que a concentração destes gases tem aumentado constantemente, tal
como as temperaturas globais, a partir da Revolução Industrial.
Face às alterações do sistema climático terrestre é preciso promover uma discussão séria em matéria de
ambiente e ação climática e intervir em diferentes níveis, tais como:
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• A avaliação das necessidades de produtos, bens e serviços, combatendo a obsolescência programada e
o consumo não intencional, desenvolvendo um programa global de prolongamento e manutenção da vida útil
de equipamentos e infraestruturas.
• A Planificação do território, desenvolvendo políticas que permitam uma organização do território que
contribua e fomente a racionalidade da utilização do transporte público e a redução da utilização do transporte
individual.
• A Planificação económica tomando em consideração os setores essenciais de acordo com as
necessidades das populações, do povo e do País, promovendo o desenvolvimento da agricultura e indústria de
acordo com critérios de interesse público e, consequentemente ambiental, com a retoma do controlo público
dos setores essenciais, nomeadamente o setor energético.
• A Participação democrática com o envolvimento das populações na definição de políticas públicas e
ambientais à escala local e regional.
• Uma Contabilidade Ambiental justa assente numa abordagem minimizadora de emissões em toda a sua
extensão, onde cada agente económico fique obrigado a reduzir de facto essas emissões, implementando os
processos mais eficientes e tecnologicamente mais adequados, efetivando a redução do seu impacto e não
assentando essa redução num processo meramente contabilístico. Ou seja, reduzir emissões com um
normativo específico, e não com atribuição de licenças transacionáveis que potenciam a especulação e não
resolvem o problema.
Em 2014 foi aprovada atual Lei de Bases do Ambiente, a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que revogou a Lei
n.º 11/87, de 7 de abril, alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro que aprofundou o caminho de
mercantilização do ambiente.
Nos últimos anos, tem-se assistido a uma gradual destruição e fragilização da capacidade de intervenção
do Estado e dos seus organismos próprios, numa estratégia de minimização da presença do Estado, visando a
mercantilização dos recursos naturais, colocando o seu valor ecológico e correspondente valor económico ao
serviço de interesses privados. Uma estratégia que conduz à degradação da riqueza natural e à privação das
populações do usufruto dessa riqueza.
Uma estratégia que assenta igualmente na redução da capacidade de intervenção do Estado a todos os
níveis, em particular na conservação e proteção da natureza.
Passados mais de vinte anos, a Lei de Bases do Ambiente regista um desfasamento significativo com os
resultados do progresso científico e tecnológico no plano dos meios de produção e no plano dos impactos
ambientais das atividades humanas, carecendo de uma profunda adaptação às preocupações que assumem
hoje relevo no quadro das políticas de ambiente.
O projeto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta à Assembleia da República não é uma mera
adição de temas à lei existente, mas uma reformulação da resposta à conturbada relação da sociedade com a
natureza.
Ao contrário do pressuposto do antagonismo entre o homem e a natureza, que está frequentemente
implícito nas abordagens mais superficiais de políticas de ambiente, o projeto de lei apresentado pelo PCP
centra-se na harmonização do desenvolvimento humano com a natureza, na unidade do homem com a
natureza, de que faz parte e da qual depende.
Este projeto de lei introduz novos e inovadores mecanismos legais para dar combate à degradação dos
recursos naturais e aos impactos negativos das atividades humanas no meio ambiente, do qual depende o
bem-estar de todos os seres humanos. Introduz vetores de intervenção política que se assumem como
fundamentais, nomeadamente sobre riscos, catástrofes ambientais, danos e segurança ambiental, sobre a
utilização de organismos geneticamente modificados, sobre o habitat humano, o bem-estar e a qualidade de
vida, sobre a integridade do ciclo da água, alterações climáticas, modelo produtivo e gestão de materiais
obsoletos. Institui a abordagem integrada do sistema produtivo e dos seus efeitos na natureza, a única capaz
de conciliar o desenvolvimento humano com a preservação das condições naturais que lhe são essenciais.
Além disso, o PCP propõe também a introdução de disposições legais sobre a conservação da natureza,
em torno de uma abordagem transversal das riquezas naturais, integrando a sua componente estética, cultural,
económica, humana e ecológica, com especial relevo para a biodiversidade e geodiversidade.
Em termos gerais, o projeto de lei de Bases do Ambiente que o PCP agora apresenta traduz-se num passo
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em frente para a concretização dos direitos previstos nos artigos 64.º, 65.º e 66.º da Constituição da República
Portuguesa, particularmente no que diz respeito ao direito a um ambiente sadio, capaz de assegurar o bem-
estar e a qualidade de vida a todos os portugueses.
Mas este projeto de lei também aprofunda a articulação entre os diferentes mecanismos legislativos de
proteção e gestão ambiental, nomeadamente a Reserva Ecológica Nacional, as Áreas Protegidas, as
Avaliações Ambientais e os Planos Sectoriais.
Além disso, este é um projeto de lei que introduz na discussão política a necessidade de intervir de forma
transversal, aprofundando simultaneamente a possibilidade de acompanhamento público de todos os
procedimentos de avaliação ou de análise prévia.
Este é um projeto de lei de Bases do Ambiente que rompe com a legislação de bases atual, e introduz
questões centrais da política ambiental dos dias de hoje, não numa perspetiva meramente mitigadora, mas
também transformadora, que faz do bem-estar das pessoas e da qualidade de vida o padrão e o motor para
um desenvolvimento harmonioso com a natureza e em equilíbrio com a sua capacidade de suporte e de
renovação.
O presente projeto de lei define as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos
9.º e 66.º da Constituição da República.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
Princípios, objetivos e conceitos
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei define as bases da política de ambiente e ação climática.
Artigo 2.º
Princípios gerais
1 – Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado, incumbindo ao
Estado, por meio de organismos próprios e através do apoio a iniciativas populares e comunitárias, promover a
melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer coletiva.
2 – A política de ambiente tem por fim otimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos
naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto de um desenvolvimento social, económico e
cultural harmonioso e em equilíbrio com a dinâmica e o ciclo de regeneração de cada recurso natural.
3 – Sem prejuízo dos regimes sectoriais e dos âmbitos de proteção específica previstos na presente lei, a
política de ambiente é definida e executada partindo de uma abordagem geral e transversal, integrada e
conciliadora dos mais diversos fatores humanos e naturais, considerando a interpenetrabilidade dinâmica entre
esses fatores.
4 – As obrigações do Estado na gestão dos recursos naturais, no ordenamento do território e na
fiscalização das atividades humanas com impactos no ambiente são da sua responsabilidade direta e
desempenhadas diretamente por organismos próprios da administração do Estado com a participação das
autarquias locais, sem possibilidade de delegação.
Artigo 3.º
Princípios específicos
A política de ambiente, a preservação e a conservação da natureza implicam a observância dos seguintes
princípios específicos:
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a) Da precaução: as atuações, atividades ou a utilização de tecnologias ou produtos com potenciais
implicações negativas no ambiente, na qualidade de vida, na exposição ao risco ou na saúde, ou cujas
implicações se desconheçam, são alvo de procedimento experimental em ambiente controlado até que seja
possível determinar as ações de mitigação e antecipação dos seus efeitos;
b) Da prevenção: as atuações com efeitos, imediatos ou a prazo, no ambiente devem ser consideradas de
forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, priorizando a correção dos efeitos dessas ações ou
atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar
o ambiente, suportando os encargos daí resultantes e as compensações aplicáveis a terceiros, não lhe sendo
permitido continuar a ação poluente ou de degradação ambiental;
c) Do equilíbrio: devem ser criados os meios adequados para assegurar a integração da componente
ambiental e de conservação da natureza nas políticas de desenvolvimento económico e social, tendo como
finalidade o desenvolvimento integrado, harmonioso e sustentado;
d) Da divulgação e publicitação: a planificação e a avaliação dos impactos das atividades humanas, bem
como a execução de políticas e ações ambientais, são publicamente divulgadas e acessíveis a todos os
cidadãos ao longo de todas as fases de cada processo;
e) Da participação: todos podem intervir na formulação e execução da política de ambiente e ordenamento
do território, através dos órgãos competentes da administração central, regional e local, de outras pessoas
coletivas de direito público, de pessoas e entidades privadas e de órgãos consultivos;
f) Da unidade de gestão e ação: cabe ao órgão nacional responsável pela política de ambiente e do
ordenamento do território normalizar e informar sobre a atividade dos agentes públicos ou privados
interventores, como forma de garantir a integração da política ambiental e territorial no planeamento
económico, quer ao nível global, quer ao nível sectorial;
g) Da cooperação internacional: através da procura de soluções concertadas com outros países ou
organizações internacionais para os problemas do ambiente e da gestão dos recursos naturais;
h) Da subsidiariedade: através da execução de medidas de política ambiental devem ser tidas em conta os
diferentes graus de administração do Estado e o mais adequado grau de intervenção, seja ele de âmbito
internacional, nacional, regional, local ou sectorial;
i) Da função sócio ambiental dos recursos: através da sobreposição dos valores, qualidade de vida e bem-
estar coletivos ao exercício do direito de propriedade, sem prejuízo das garantias constitucionalmente
consagradas;
j) Da satisfação das necessidades básicas: através da subordinação das opções energéticas e ambientais
às necessidades básicas do bem-estar coletivo, particularmente as relativas à alimentação e à saúde;
k) Da solidariedade territorial: através da justa compensação, do indivíduo ou da comunidade, sempre que,
por limitações específicas às suas regulares atividades socioeconómicas em função da salvaguarda de valores
ambientais, possam ser prejudicados;
l) Da perenidade: através do combate à efemeridade dos bens, particularmente dos não recicláveis, com
medidas concretas junto dos agentes económicos e do mercado de consumo, estimulando processos que
atribuam maior tempo de vida dos bens de consumo;
m) Da recuperação: através da adoção de medidas urgentes para limitar os processos degradativos nas
áreas em que ocorram e promover a recuperação dessas áreas, tendo em conta os equilíbrios a estabelecer
com as áreas limítrofes;
n) Da redução: através da utilização, nos processos transformativos, industriais e comerciais, das
quantidades mínimas necessárias de material passível de gerar resíduos supérfluos, independentemente da
sua natureza;
o) Da reciclagem: através do encaminhamento para processos de reciclagem todos os materiais ou
resíduos passíveis de serem convertidos em novos materiais utilizáveis;
p) Da reutilização: através da reutilização de todos os materiais cujo tempo de vida possa ser prolongado
além do previsto para a sua função inicial, ainda que através de uso distinto;
q) Da ação local: através de uma política de combate à dependência externa e de defesa da soberania
alimentar e produtiva, estimulando sempre que possível, em território nacional, a produção correspondente ao
consumo interno;
r) Da democratização e universalidade: através da gestão dos recursos naturais e o ordenamento do
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território visando a fruição coletiva, democrática e universal, do recurso, ainda que de forma adequada ao grau
de proteção a que deve estar sujeito;
s) Da responsabilização: através da responsabilização dos agentes interventores pelas consequências da
sua ação, direta ou indireta, sobre terceiros e sobre os recursos naturais.
Artigo 4.º
Objetivos
São objetivos da política de ambiente e ordenamento do território, designadamente:
a) O desenvolvimento económico e social em harmonia com os ciclos de regeneração dos recursos
naturais que, satisfazendo as necessidades atuais, não prejudique a satisfação das necessidades de gerações
futuras;
b) O equilíbrio ecológico, a estabilidade dos ciclos e das relações biológicas e geológicas;
c) Garantir o mínimo impacto ambiental negativo, através de uma planificação para a instalação correta
das atividades produtivas em termos territoriais;
d) A manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a utilização racional dos recursos vivos e a
preservação do património genético e da sua diversidade;
e) A conservação dos valores naturais de acordo com o grau de proteção a que estão sujeitos, garantindo
o equilíbrio biológico e a estabilidade dos habitats, nomeadamente através da compartimentação e
diversificação das paisagens, da constituição de parques e reservas naturais e outras áreas protegidas,
corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos, de modo a preservar o continuum naturale;
f) A plenitude da vida humana e a permanência dos habitats indispensáveis ao seu suporte, bem como a
garantia da qualidade de vida e o acesso aos recursos naturais vitais, nomeadamente o ar e a água;
g) A defesa, recuperação e valorização do património cultural e social, natural ou construído;
h) Desenvolver, através da investigação e desenvolvimento, os processos económicos e sociais, bem
como os meios de produção, no sentido da minimização dos seus impactos no ambiente e nos recursos
naturais;
i) A recuperação das áreas e recursos naturais degradados do território nacional.
Artigo 5.º
Conceitos e definições
Para efeitos da presente lei são definidos os seguintes conceitos:
a) A qualidade de vida é o resultado da interação de múltiplos fatores no funcionamento das sociedades
humanas e traduz-se na situação de bem-estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais,
bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade, dependendo da influência de fatores
inter-relacionados, que compreendem, designadamente, a capacidade de carga do território e dos recursos; a
alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a ocupação do tempo livre; um sistema social
que assegure a posteridade de toda a população e os consequentes benefícios da Segurança Social; a
integração da expansão urbana e industrial na paisagem, funcionando como fator de valorização da mesma, e
não como agente de degradação;
b) Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, geológicos, biológicos e suas relações e dos
fatores económicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos
e a qualidade de vida da população humana;
c) Ordenamento do território é o processo integrado de organização do espaço biofísico, tendo como
objetivo o uso e a transformação do território de acordo com as suas capacidades e vocações, e a
permanência dos valores de equilíbrio biológico e estabilidade geológica, numa perspetiva de aumento da sua
capacidade de suporte de vida;
d) Paisagem é a unidade geográfica, ecológica e estética resultante da ação humana e da reação da
natureza, sendo primitiva quando a ação humana é mínima ou nula, natural quando essa ação é determinante,
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sem prejudicar o equilíbrio biológico, a estabilidade física e a dinâmica ecológica, e urbana quando
predominantemente transformada e artificializada pela ação humana e ocupada por edificação concentrada;
e) Continuum naturale é o sistema contínuo de ocorrências que constituem o suporte de vida silvestre e de
manutenção do potencial genético que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território;
f) Qualidade do ambiente é a adequabilidade de todos os seus componentes e recursos às necessidades
dos seres humanos e dos restantes seres vivos;
g) Poluição é o conjunto dos efeitos negativos provocados direta ou indiretamente pela ação humana na
natureza que degradem ou afetem a saúde, o bem-estar, as diferentes formas de vida, a harmonia ou a
durabilidade dos ecossistemas naturais e transformados ou a estabilidade física e biológica do território;
h) Fontes poluidoras são atividades ou processos geradores de poluição;
i) Conservação da natureza é a gestão da utilização humana da natureza, de modo a compatibilizar de
forma perene a sua máxima rentabilização com a manutenção da capacidade de regeneração de todos os
recursos naturais;
j) Biodiversidade é a variabilidade genética traduzida no número de espécies e de comunidades
específicas do conjunto dos seres vivos, independentemente do seu grau de complexidade;
k) Geodiversidade é a variabilidade litológica, fóssil, geomorfológica, estrutural e mineral traduzida no
número de espécies minerais, de tipos rochosos, de formações geomorfológicas, estruturas geológicas e na
diversidade do registo fóssil e icnofóssil.
CAPÍTULO II
Instrumentos
Artigo 6.º
Instrumentos
Sem prejuízo de outros instrumentos sectoriais, e para o cumprimento dos objetivos enunciados no artigo
4.º, são instrumentos da política de ambiente:
a) Os diversos instrumentos legais de ordenamento do território, nacionais, regionais, locais ou sectoriais;
b) As condicionantes legais de ordenamento do território, nomeadamente a Reserva Agrícola Nacional e a
Reserva Ecológica Nacional;
c) A criação de regimes especiais de proteção de valores naturais ou ambientais, nomeadamente através
da criação de parques ou reservas naturais;
d) Os processos de licenciamento e de autorização;
e) A fiscalização, por organismos próprios, do cumprimento da legislação ambiental;
f) A administração, por organismos próprios, do património, dos recursos naturais e dos valores ambientais
protegidos;
g) A cartografia e o cadastro do território nacional, da propriedade, dos valores biológicos, geológicos e
hidrológicos, atualizados e corretamente elaborados;
h) A consulta e os inquéritos públicos;
i) Apoio ao movimento associativo, nomeadamente às associações de defesa do ambiente, de utentes e
de moradores;
j) A investigação e desenvolvimento orientados para o aperfeiçoamento dos processos produtivos e para a
eficiência energética e ecológica das atividades humanas;
k) A divulgação, educação e sensibilização ambiental da população em geral;
l) O adequado financiamento dos organismos de fiscalização e administração e a sua dotação dos meios
técnicos e humanos necessários;
m) Os processos legais de Estudo, de Avaliação, de Declaração de Impacte Ambiental, bem como os
processos de Avaliação Ambiental Estratégica;
n) Os incentivos públicos, nos termos da lei, às práticas de modernização dos meios de produção e de
aumento da eficiência energética;
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o) A penalização fiscal, contraordenacional e penal, das práticas poluentes, lesivas ou desajustadas, nos
termos da lei.
Artigo 7.º
Cartografia e cadastro
1- A elaboração de cartografia apropriada para a prossecução dos objetivos previstos na presente lei é da
responsabilidade do Estado, através das entidades públicas competentes.
2- O Estado, através da entidade pública competente, elabora e mantém atualizado um cadastro territorial,
florestal, fundiário e de identificação dos valores naturais e habitats.
3- A monitorização das políticas de ambiente e ordenamento do território é da responsabilidade do Estado,
através das entidades públicas competentes.
Artigo 8.º
Áreas protegidas
1- As Áreas Protegidas de âmbito nacional, nomeadamente as reservas naturais, os parques naturais, os
parques nacionais e os sítios da Rede Natura 2000 são geridas e fiscalizadas pela autoridade pública
competente, sem possibilidade de concessão dessas atividades.
2- A cada uma das Áreas Protegidas referidas no número anterior corresponde uma unidade orgânica de
direção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos para a satisfação das
necessidades materiais, biofísicas, sociais e ecológicas da área protegida que tutela.
3- A cada organismo de direção das Áreas Protegidas em território nacional corresponde um diretor,
nomeado pelo Governo.
4- As Áreas Protegidas são alvo de uma política de ordenamento do território própria, devidamente
enquadrada na envolvente social e ambiental em que se inserem, definida através de Planos de Ordenamento
para cada uma das referidas áreas.
5- As Áreas Protegidas são alvo de uma política de visitação planificada por cada uma das direções
intermédias referidas nos números anteriores, de acordo com as limitações físicas, biofísicas, sociais ou
ecológicas de cada área.
6- Todos podem aceder e visitar as áreas protegidas independentemente da sua condição
socioeconómica, nos termos dos Planos de Ordenamento das respetivas áreas.
7- As autarquias locais participam e intervêm na definição dos Planos de Ordenamento e na gestão das
áreas protegidas, nos termos desses planos.
8- Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são acompanhados por um Plano de
Desenvolvimento e Investimento que contempla as medidas de ordenamento e de intervenção do Estado no
sentido de assegurar o desenvolvimento local e regional no interior e na envolvente da respetiva área
protegida.
Artigo 9.º
Reserva Ecológica Nacional
1 – A Reserva Ecológica Nacional (REN) é uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que
são objeto de proteção especial e diferenciada por razões ambientais, inserindo-se na REN, nomeadamente,
as áreas, corredores e percursos que se diferenciam do território circundante pela função específica ou
restrições especiais decorrentes da Lei de Bases do Ambiente e, em especial, pelo estipulado sobre âmbitos
específicos de proteção e sobre danos e riscos nos capítulos II e III deste diploma.
2 – A REN representa, sintetiza, diferencia geograficamente e mapeia inequivocamente os territórios com
diferentes estatutos e enquadramentos normativos, legais ou regulamentares no domínio do ambiente e da
segurança ambiental e é constituída por uma coleção de figuras ou camadas distintas, a cada uma das quais
correspondendo um regime específico, que a diferencia do território exterior.
3 – As representações da REN e as suas transposições para instrumentos de ordenamento do território,
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de licenciamento, de avaliação ambiental ou outros, individualizam obrigatoriamente cada figura ou camada,
associando-a ao estatuto, normativo, regulamento e condicionantes específicas, que são únicos para cada
figura e diferentes em figuras distintas.
4 – As áreas correspondentes a sobreposições de figuras ou camadas da REN são sujeitas
cumulativamente aos regimes associados a cada uma das figuras ou camadas.
5 – A inclusão ou exclusão de determinada área ou território numa ou mais figuras da REN é um ato
normativo com instrução técnica e não pode ser executada por ato administrativo.
6 – A REN obedece a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.
Artigo 10.º
Avaliações ambientais
1 – As decisões passíveis de ter efeitos diretos ou indiretos, a curto ou longo prazo, certos ou incertos, no
ambiente, ou através do ambiente provocar danos, aumentar riscos ou alterar a distribuição de benefícios,
danos e riscos, são previamente instruídas por avaliação ambiental.
2 – São instrumentos de avaliação de efeitos ambientais:
a) Os Processos de Avaliação de Impactes Ambientais;
b) Os Processos de Avaliação Ambiental Estratégica;
c) Os Processos de Avaliação de Incidências Ambientais.
3 – A avaliação ambiental inicia-se obrigatoriamente pela caracterização da decisão em avaliação e
alternativas, pela definição de âmbito e pela definição de profundidade, de cuja aprovação pela entidade
pública competente depende o prosseguimento da avaliação.
4 – São avaliadas obrigatoriamente alternativas, incluindo a alternativa nula.
5 – São avaliados obrigatoriamente os efeitos cumulativos das alternativas consideradas com outras
intervenções existentes ou previstas sobre o território considerado.
6 – A definição de âmbito tem de apresentar, clara e detalhadamente, as potenciais implicações da
decisão em apreciação e a zona geográfica a abranger pelo estudo da repercussão do efeito ou efeitos
potenciais de cada alternativa e identifica explicitamente as disposições, condicionantes e figuras com as quais
nenhuma alternativa interfere, para cada disposição ou condicionante estipulada na Lei de Bases do Ambiente
e para cada figura ou camada da REN, justificando, quando pertinente.
7 – A definição de profundidade caracteriza os métodos, estudos, informação e o grau de precisão e rigor
da análise de cada efeito.
8 – Se a avaliação ambiental aprovada incluir medidas de mitigação de danos, de compensação, de
segurança ou outras, a decisão não é passível de prossecução sem que essas medidas sejam tomadas.
9 – As avaliações ambientais e as peças técnicas e descritivas necessárias à sua instrução são públicas e
publicitadas em todas as fases do processo de aprovação.
10 – As avaliações ambientais obedecem a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.
11 – Os cidadãos têm direito a requerer a avaliação ambiental com processo de consulta pública de
decisões com potenciais efeitos danosos no ambiente, bem como a exigir a avaliação de impactes específicos
ou de efeitos de medidas de mitigação através de mecanismo regulamentado em legislação própria.
Artigo 11.º
Instrumentos contraordenacionais e penais
1 – A lei prevê um regime contraordenacional como instrumento dissuasor e sancionatório das práticas
lesivas para o ambiente ou para a utilização indevida ou abusiva dos recursos naturais.
2 – A lei prevê um regime de aplicação de penas como instrumento dissuasor e sancionatório da prática
criminosa que envolva utilização indevida de recursos naturais, poluição ou degradação de recursos ou
qualquer outra forma de atuação que se revele lesiva para a integridade dos ecossistemas, da biodiversidade e
geodiversidade ou que coloque em risco a saúde e o bem-estar públicos.
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CAPÍTULO III
Âmbitos específicos de proteção
Artigo 12.º
Âmbitos específicos de proteção
Nos termos da presente lei, são âmbitos de proteção específica:
a) O solo
b) A água;
c)O ar;
d) O clima;
e) A biodiversidade e os recursos biológicos;
f) O habitat humano;
g) O subsolo;
h) Os outros recursos geológicos e a geodiversidade;
i) A luminosidade;
j) O som;
k) A radiação;
l) As fontes e os recursos energéticos;
m) O património natural e construído;
n) A paisagem;
o) O litoral.
Artigo 13.º
Defesa da qualidade do ambiente e proteções específicas
No sentido de assegurar a defesa da qualidade do ambiente em cada um dos âmbitos específicos referidos
no artigo anterior, poderá o Estado, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, proibir ou
condicionar o exercício de atividades e desenvolver ações necessárias à prossecução dos mesmos fins,
nomeadamente através da obrigatoriedade de realização de análise prévia de custos-benefícios, tendo em
conta os impactos ambientais, culturais, económicos e sociais de cada atividade.
Artigo 14.º
Solo
1 – A defesa e valorização do solo e da sua função social como recurso natural determinam a adoção de
medidas conducentes à sua racional utilização, evitando a sua degradação e promovendo a melhoria da sua
fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que
salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, regulação ou de uso múltiplo e que
regule o ciclo da água.
2 – É condicionada a utilização de solos agrícolas de elevada fertilidade para fins não agrícolas, bem como
plantações, obras e operações ou práticas agrícolas que provoquem erosão e degradação do solo, o
desprendimento de terras, encharcamento, inundações, salinização e outros efeitos perniciosos.
3 – Aos proprietários ou utilizadores de terrenos agrícolas podem ser impostas medidas de defesa e
valorização dos mesmos, nos termos do n.º 1 deste artigo, nomeadamente a obrigatoriedade de execução de
trabalhos técnicos, agrícolas ou silvícolas, ou outras medidas agroambientais, em conformidade com a
legislação em vigor.
4 – O uso de biocidas, pesticidas, herbicidas, adubos, corretivos ou quaisquer outras substâncias
poluentes e persistentes no solo, bem como a sua produção e comercialização, são objeto de regulamentação
especial.
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5 – Para efeitos do número anterior, sem prejuízo da evolução tecnológica e da indústria química, são
limitadas e condicionadas as utilizações dos produtos referidos, em função das propriedades do solo e da sua
localização, nomeadamente da sua posição relativa a recursos hídricos de superfície ou subterrâneos.
6 – A utilização e a ocupação do solo para usos urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e
infraestruturas são condicionados pela sua natureza, topografia e fertilidade.
Artigo 15.º
Água
1 – A proteção da água visa assegurar, de forma integrada e transversal, as suas funções sociais,
ecológicas e económicas, como fluxo contínuo, determinante da composição atmosférica, do clima, da
morfologia, das transformações químicas e biológicas e das condições de toda a vida na Terra, insubstituível e
essencial nas suas funções de suporte à vida, ao bem-estar humano e à maioria dos processos produtivos,
bem como a proteção das pessoas, do território, dos solos e subsolos, dos seres vivos, dos ecossistemas e do
património natural e construído relativamente a ameaças associadas à água, nomeadamente a cheias, a
tempestades, a episódios de precipitação intensa, a variações da energia gravítica e cinética do escoamento e
variações anómalas de caudais por causas naturais ou provocadas, a secas, a descontinuidades ou
interrupções dos caudais dos cursos de água permanentes, a carências de água, à contaminação das águas, à
exaustão da capacidade de depuração de meio hídricos, a anomalias na fase hídrica dos ciclos do oxigénio, do
fósforo, do azoto e do carbono, à eutrofização, à estagnação e outros fenómenos conducentes à ocorrência de
meios aquáticos propícios à proliferação de organismos patogénicos ou vetores de transmissão de doenças.
2 – Os riscos sanitários, os riscos de arrastamento pelas águas, afogamento, erosão, deslizamento,
esqueletização de solos e arrastamento de finos, submersão, de exaustão ou degradação de reservatórios de
água, de degradação dos usos, da biodiversidade ou da ictiofauna por inadequação do regime de escoamento
ou da qualidade física, química, microbiológica, ecológica da água, de emissões gasosas nocivas ou com
odores, de contaminação de solos ou subsolo, bem como todos os riscos de degradação da sanidade ou da
qualidade do ambiente em todas as suas vertentes, incluindo a paisagem, são alvo de regulamentação própria,
nos termos da presente lei.
3 – É dever do Estado assegurar a proteção da água, fazer as intervenções necessárias à recuperação
dos aspetos degradados e administrá-la, com base na solidariedade, na unidade do ciclo hidrológico, na
harmonia com a dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do seu carácter público.
4 – São enquadrados por legislação sectorial específica os principais usos da água, com ênfase para a
captação de águas, rejeição de efluentes e construções junto aos cursos de água, sendo assegurado o caráter
intersectorial da administração da água com a administração do ambiente e do território, com ênfase para a
interação com o solo e incidindo especialmente na abordagem integrada e holística da parte do ciclo da água
que se processa no solo e no subsolo.
5 – As disposições do presente diploma aplicam-se à proteção de todas as fases e processos do ciclo
hidrológico, aos terrenos e infraestruturas necessários ao adequado funcionamento do ciclo da água e dos
processos físicos, químicos e biológicos que nela se processam, assim como à proteção das funções sociais e
ecológicas da água, dos seus usos instalados e potenciais, com ênfase para a utilização doméstica e
saneamento, bem como para a proteção das espécies piscícolas e outros ecossistemas aquáticos ou
associados à água.
6 – Incluem-se no estatuto especial de proteção das águas:
a) Águas marítimas, águas costeiras e águas de transição, com respetivos fundos, leitos e margens;
b) Águas interiores, nomeadamente cursos de água permanentes e temporários, lagos, lagoas, valas,
canais e albufeiras, com respetivos leitos e margens, as águas subterrâneas e as águas subsuperficiais;
c) Fontes, nascentes e minas de água, assim como as origens que as alimentam;
d) Todos os reservatórios naturais ou artificiais comunicantes com sistemas aquíferos ou cursos de água,
abrangendo, nomeadamente, a retenção de humidade pelos solos;
e) Todo o domínio público hídrico, as servidões públicas associadas à água, as áreas inundáveis, as zonas
ameaçadas por cheias, as origens de água para abastecimento público e outras figuras designadas ou que
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venham a ser designadas por legislação específica como de importância relevante para a proteção da água.
7 – São condicionadas e objeto de regulamentação especial as ações e usos do solo compatíveis com a
proteção da água.
8 – São condicionadas, sujeitas a autorização do Estado e objeto de regulamentação especial todas as
alterações morfológicas, reconversões de uso do solo, construções, movimentos de terras, instalação de
equipamento, impermeabilizações, abandono ou incorporação de substâncias nocivas ou potencialmente
contaminantes, ou quaisquer outras ações que:
a) Alterem ou perturbem o regime de escoamento;
b) Alterem ou perturbem o regime de recarga de aquíferos;
c) Interfiram com a continuidade dos percursos de cursos de água permanentes ou temporários, em todos
os troços do percurso, nomeadamente, naturais ou artificiais, a céu aberto, cobertos, sub-superficiais, ou no
subsolo;
d) Deteriorem a qualidade física, química, biológica ou ecológica das águas, reduzindo a sua aptidão para
usos humanos exigentes, nomeadamente a potabilidade ou uso balnear, ou prejudicando os ecossistemas
aquáticos ou associados, com ênfase para ictiofauna, ou diminuindo a capacidade de depuração do meio
hídrico;
e) Perturbem os processos de infiltração, evapotranspiração, evaporação, armazenamento de água no
solo, de formação ou transporte das nuvens, ou de formação da precipitação;
f) Perturbem os processos de transporte sólido, erosão ou deposição;
g) Alterem as condições de drenagem, induzindo alagamentos ou aumentos de velocidade;
h) Desviem o curso das águas ou alterem a energia do escoamento, reduzindo caudais ou provocando
aumentos de velocidade erosivos;
i) De qualquer forma prejudiquem localmente ou em maior extensão o bom funcionamento do sistema
hídrico, ou a capacidade de satisfação das funções sociais, ecológicas e económicas da água.
9 – O represamento de cursos de água para qualquer fim, a extração de inertes em cursos de água ou nas
margens e bancos de cursos de água são sujeitos a medidas de minimização da contenção de sedimentos e
obedecem a normas próprias, identificadas nos Estudos de Impacte Ambiental e Declarações de Impacte
Ambiental, que defendem a estabilidade do ciclo sedimentar, e garantem a produção, transporte e deposição
dos sedimentos.
10 – São incentivadas e promovidas as atividades e usos do solo que contribuam para a proteção da água
ou proporcionem recuperação das situações de degradação.
11 – É proibida a interrupção da continuidade dos percursos da água, temporários ou permanentes, desde
que a precipitação atinge o solo e até que a água chega ao oceano; sejam esses percursos naturais ou
artificiais, superficiais ou subterrâneos, incorporando ou não reservatórios ou aquíferos e seja qual for o
período de residência em cada reservatório e em cada fase do percurso.
12 – Para efeitos de delimitação dos percursos referidos no número anterior, é considerada a bacia de
drenagem pertinente, a intensidade, duração e frequência de precipitação mais desfavorável para uma
probabilidade de ocorrência que não exceda uma vez em 100 anos.
13 – A qualidade dos percursos refere-se à harmonização dos seguintes fatores, tendo em conta a
variabilidade hidrológica natural e as probabilidades de ocorrência de fenómenos extremos:
a) Adequada drenagem das águas pluviais e superficiais;
b) Bom escoamento de cheias, minimizando as áreas inundadas, as velocidades e a erosão;
c) Manutenção contínua dos regimes de caudais dos cursos de água adequados na perspetiva das
utilizações humanas instaladas ou habituais, incluindo o lazer e balnear, bem como na perspetiva ecológica, de
proteção das espécies vivas e nomeadamente adequadas condições de circulação e de desova das espécies
piscícolas residentes e das migratórias;
d) Condições adequadas de infiltração e recarga de aquíferos;
e) Maximização dos tempos de permanência nos reservatórios e nos percursos, no sentido de prolongar a
fase do ciclo hidrológico entre a precipitação e a incorporação no oceano, otimizando a disponibilidade de água
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doce;
f) Preservação das fontes e nascentes naturais;
g) Minimização das condições favoráveis à contaminação das águas, especialmente das contidas em
reservatórios de mais longas residências, e nomeadamente por inundação transporte e lixiviamento ou por
alterações à permeabilidade ou aos diferenciais de energia determinantes dos escoamentos no subsolo;
h) Minimização das condições que possam criar zonas insanas, nomeadamente, que possam adequar-se à
proliferação de micro-organismos patogénicos ou geradores de substâncias tóxicas ou ao desenvolvimento de
agentes ou vetores de transmissão de doenças, que produzam emissões poluentes do ar ou odoríferas;
i) Manutenção das velocidades dos cursos de água e dos níveis de oxigenação adequados,
nomeadamente, garantindo a capacidade de depuração e as boas condições ecológicas do meio hídrico.
14 – Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, recuperar os percursos degradados e
assegurar a preservação da qualidade dos percursos e reservatórios existentes.
15 – O Estado, em articulação com as Autarquias, elabora os planos de recuperação e manutenção dos
percursos da água, a entrar em vigor no prazo de cinco anos após a aprovação desta lei.
16 – O Estado poderá autorizar ou promover alterações aos percursos existentes, desde que seja
assegurado que a qualidade e capacidade dos novos troços não diminuem a qualidade dos percursos, que são
adequados aos caudais previsíveis e que a alteração não diminui a qualidade ambiental, nos termos deste
diploma, nem imputa riscos ou prejudica terceiros, nomeadamente no uso atual ou potencial do solo.
17 – Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, fazer o cadastro, caracterização,
nomeadamente em termos de caudais, e cartografia cotada dos percursos das águas, com a escala e rigor
adequado, num prazo de cinco anos após a publicação deste diploma.
18 – O cadastro, sua caracterização e cartografia, é atualizado e republicado de cinco em cinco anos,
registando e incorporando as alterações, devidamente documentadas.
19 – Os instrumentos de planeamento com incidência territorial incorporam estes cadastros, articulam-se
com os planos de recuperação e impõem as condicionantes pertinentes à utilização do solo.
Artigo 16.º
Ar
1 – A gestão da qualidade do ar é regulamentada por legislação própria no sentido de garantir a sua
adequação às necessidades dos ecossistemas e das comunidades humanas, garantindo um controlo
permanente com cobertura territorial representativa, da proporção e natureza da mistura de compostos
gasosos que o compõem.
2 – O lançamento para a atmosfera de quaisquer substâncias, seja qual for o seu estado físico, suscetíveis
de afetarem de forma nociva a qualidade do ar e o equilíbrio ecológico ou que impliquem risco, dano ou
incómodo grave para as pessoas e bens é limitado e é objeto de regulamentação especial.
3 – As alterações do odor do ar, ou da carga de partículas em suspensão, em função de atividades
industriais, de processamento de resíduos ou de outras atividades económicas são da responsabilidade da
entidade promotora da atividade, a quem cabe o seu controlo ou eliminação.
4 – A produção de energia elétrica através do vento é alvo de regulamentação específica e atenta aos
seus impactos na qualidade e no valor da estrutura e funcionamento da paisagem.
5 – É proibido pôr em funcionamento novos empreendimentos ou desenvolver aqueles já existentes e que,
pela sua atividade, possam constituir fontes de poluição do ar sem serem dotados de instalações, dispositivos
ou mecanismos em estado de funcionamento adequado para reter ou neutralizar as substâncias poluentes ou
sem se terem tomado as medidas para respeitar as condições de proteção da qualidade do ar estabelecidas
pelo organismo competente.
Artigo 17.º
Clima
1 – O Estado assegura uma política de planeamento que salvaguarde os valores naturais, o bem-estar e a
saúde públicos, tendo em conta a instabilidade climática, as variações de pressão, temperatura e composição
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atmosféricas, bem como os seus impactos.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o Estado, através de entidade pública competente,
garante a monitorização, por observação direta e modelação, da pressão, temperatura e composição
atmosféricas, bem como a sua publicitação.
3 – É da responsabilidade do Estado a elaboração, a fiscalização e o cumprimento de planos de
adaptação, mitigação e combate às alterações climáticas que influam negativamente no território nacional no
plano ambiental, social ou económico.
4 – Para efeitos do número anterior, o Estado cria e mantém um Fundo para as alterações climáticas
destinado prioritariamente à intervenção em território nacional para cumprimento dos objetivos fixados no n.º 1
do presente artigo.
5 – No âmbito da mitigação, adaptação e combate às alterações climáticas o Estado assegura a
participação nacional e a cooperação internacional em políticas concertadas para a redução das
consequências da variabilidade climática, incluindo o estímulo ao desenvolvimento dos meios produtivos e da
indústria mais sustentável em território nacional ou estrangeiro, privilegiando, sempre que possível, circuitos
mais curtos de produção-consumo.
6 – A política de combate às alterações climáticas em Portugal assenta na redução de emissão de gases
com efeito de estufa, na racionalização da utilização dos solos, no estímulo às fontes de energia não
poluentes, na promoção da racionalização do sistema de transportes, com investimento no sistema público de
transportes e no estímulo da mobilidade suave e na concretização de uma política de eficácia energética e no
uso de recursos, nomeadamente da água, através dos mecanismos legais adequados.
7 – O Estado cria uma Plataforma de acesso e partilha de informação dos estudos e projetos de
investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas.
8 – O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do estado da arte
relativo aos projetos de investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas,
referenciados na Plataforma prevista no número anterior.
9 – O Estado cria uma plataforma de acesso e partilha de informação dos projetos de cooperação
desenvolvidos no âmbito das alterações climáticas.
10 – O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do estado da arte
relativo aos projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas, referenciados na plataforma prevista
no número anterior.
11 – O Estado desenvolve e implementa um sistema de contabilidade ambiental a aplicar aos diferentes
sectores de atividade, assente numa abordagem de minimização efetiva das emissões de gases com efeito de
estufa, em que sejam evidenciados os custos ambientais de todo o ciclo de vida dos produtos e serviços,
incluindo os custos ambientais de transporte.
12 – A regulamentação dos critérios a considerar no âmbito do sistema de contabilidade ambiental é
elaborada pelo Governo e apresentada à Assembleia da República para discussão e aprovação.
Artigo 18.º
Biodiversidade e recursos biológicos
1 – A variabilidade genética e os organismos vivos são protegidos através de legislação própria,
atendendo ao seu papel nos ecossistemas, à sua utilização na atividade humana, ao seu bem-estar e à
abundância e dimensão de cada comunidade específica.
2 – Toda a fauna é protegida através de legislação especial com vista a salvaguardar a conservação e a
exploração das espécies, principalmente sobre as quais recai interesse científico, económico, ou social,
garantindo o seu potencial genético e os habitats que asseguram a sua existência.
3 – A proteção dos recursos faunísticos autóctones pode implicar medidas de restrição, condicionamento
ou proibição de atividades humanas, nomeadamente no âmbito de:
a) Manutenção ou ativação dos processos biológicos de autorregeneração;
b) Recuperação dos habitats degradados essenciais para a fauna e criação de habitats de substituição,
quando necessário;
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c) Comercialização de fauna silvestre, aquática ou terrestre;
d) Introdução de espécies animais selvagens, aquáticas ou terrestres, no território nacional, com relevo
para as áreas protegidas;
e) Destruição de animais tidos por prejudiciais, sem exceção, através do recurso a métodos não
autorizados e sempre sobre controlo das autoridades competentes;
f) Regulamentação e controlo da importação e comercialização de espécies exóticas;
g) Regulamentação e controlo da utilização de substâncias que prejudiquem a fauna selvagem;
h) Organização de lista ou listas de espécies animais e das biocenoses em que se integram, quando raras
ou ameaçadas de extinção.
4 – A exploração e gestão dos recursos animais, cinegéticos e piscícolas de águas interiores e da orla
costeira marinha é objeto de legislação especial que regulamenta a sua valorização, fomento e usufruição,
prestando especial atenção ao material genético que possa ser utilizado no desenvolvimento da silvicultura e
da aquicultura e atendendo aos impactos ambientais inerentes às atividades em causa.
5 – A exploração de recursos faunísticos, independentemente das suas características, obedece a normas
específicas que assegurem um nível de bem-estar animal máximo, de acordo com a capacidade tecnológica,
através de legislação especial.
6 – A utilização para fins experimentais, científicos, de investigação ou para testes, de seres vivos
sencientes é regulamentada por diploma próprio e carece de autorização pelas autoridades competentes.
7 – A política de ambiente promove a adoção de medidas de:
j) Substituição das técnicas que usam material senciente para os fins referidos no número anterior por
outras, ou substituição do material senciente por outro não senciente, no quadro das possibilidades
tecnológicas disponíveis;
k) Redução da utilização de seres vivos sencientes para os fins referidos no número anterior;
l) Aperfeiçoamento das técnicas relacionadas com os referidos fins, no sentido da redução das
necessidades de utilização de seres vivos sencientes nesses procedimentos.
8 – A utilização de seres vivos sencientes em qualquer atividade económica, desportiva, cultural ou
recreativa é regulamentada por legislação própria e sujeita a autorização das autoridades competentes, bem
como a inspeções periódicas.
9 – A utilização de seres vivos sencientes para fins de companhia é de notificação obrigatória junto das
autoridades competentes, nos termos de legislação específica.
10 – As formações vegetais espontâneas e subespontâneas que constituem o património florestal e dos
espaços verdes urbanos e periurbanos são protegidas por lei especial que visa a sua integridade, salvaguarda
e valorização.
11 – São proibidos os processos ou atividades que impeçam o desenvolvimento normal ou a recuperação
da flora e da vegetação espontânea que apresentem interesse científico, económico e paisagístico,
designadamente da flora silvestre e da flora ripícola.
12 – A política de proteção da flora visa designadamente:
a) A salvaguarda e valorização do património silvícola do País, bem como o seu ordenamento em função
de objetivos científicos, económicos, sociais e paisagísticos;
b) A recuperação dos recursos silvícolas degradados ou afetados por incêndios florestais;
c) A conservação das espécies vegetais ameaçadas de extinção ou os exemplares botânicos isolados ou
em grupo que, pelo seu potencial genético, porte, idade, raridade, ou outra razão, representem um valor
ecológico, científico, económico, social, cultural ou paisagístico;
d) O controlo da colheita, do abate da utilização e comercialização de certas espécies vegetais e seus
derivados, da sua importação ou da introdução de exemplares exóticos, através de legislação adequada.
e) O combate à desertificação, acidificação ou salinização dos solos.
13 – A conservação da biodiversidade animal, vegetal ou dos restantes seres vivos, bem como dos
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correspondentes habitats, é inalienável e incumbe ao Estado, através dos seus organismos competentes.
14 – Para efeitos do disposto no número anterior, através dos organismos competentes, o Estado
organiza, e atualiza sempre que necessário, a inventariação e identificação dos valores biológicos bem como
dos seus habitats, de acordo com a sua distribuição geográfica, com suporte em registo cartográfico com
escala adequada.
15 – É proibida a libertação ou introdução em território nacional, em ambiente não controlado, de
organismos geneticamente modificados.
Artigo 19.º
Habitat humano
1 – O Estado assegura, nomeadamente através da política de ambiente, a qualidade do habitat humano,
essencial à fruição plena e universal dos direitos ao ambiente, à habitação e à saúde garantidos
respetivamente pelos artigos 66.º, 65.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa.
2 – O habitat humano é fundamentalmente integrado pelas áreas naturais e urbanas que constituem
ambiente e suporte da atividade humana nas suas diversas dimensões: na habitação, no trabalho, no estudo,
no lazer, na organização comunitária e no viver coletivo.
3 – Estão abrangidas para efeitos da presente lei as componentes, funções, processos, infraestruturas,
equipamentos e serviços relevantes para a qualidade do habitat humano, incluindo designadamente a
qualidade e segurança ambientais, sanitárias e estruturais dos espaços interiores e exteriores.
4 – Uma ocupação equilibrada em termos de usos e densidades assegura o desenvolvimento harmonioso
e ambientalmente sustentado do território nacional no seu conjunto.
5 – O habitat humano assegura uma relação equilibrada com a paisagem e o ambiente natural. As formas
de ocupação do solo que realiza são compatíveis e tiram vantagem dos processos naturais pré-existentes,
nomeadamente no que diz respeito à drenagem natural das águas superficiais, à desobstrução das linhas de
água, ao regime de ventos e brisas dominantes que asseguram a renovação e a qualidade do ar.
6 – O habitat humano tem as suas funções organizadas de forma a reduzir os custos energéticos dos
diferentes modos de transporte, a facilitar as deslocações, a potencializar a oferta e a utilização das redes de
transporte coletivo.
7 – Na relação entre a habitação, os locais de trabalho e os equipamentos coletivos a política de ambiente
valoriza a proximidade e os pequenos percursos, privilegiando a continuidade da ocupação do espaço e a
desobstrução dos percursos.
8 – A construção de espaços habitáveis privilegia as envolventes que asseguram menores custos
energéticos e maior durabilidade.
9 – O planeamento urbano privilegia a contenção dos perímetros urbanos, e favorece a reabilitação e a
reconversão da construção existente.
Artigo 20.º
Subsolo
1 – A exploração dos recursos do subsolo, marítimo ou terrestre, deverá ter em conta:
a) As limitações impostas pelas necessidades de conservação da natureza e dos recursos naturais;
b) A necessidade de obedecer a um plano global de desenvolvimento e, portanto, a uma articulação a nível
nacional;
c) Os interesses e questões que local e mais diretamente interessem às regiões e autarquias onde se
insiram.
2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do presente artigo, a exploração dos recursos do subsolo deverá ser
orientada de forma a respeitar os seguintes princípios:
a) Garantia das condições que permitam a regeneração dos fatores naturais renováveis e uma adequada
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relação entre o volume das reservas abertas e o das preparadas para serem abertas;
b) Valorização máxima de todas as matérias-primas extraídas, independentemente de constituírem ou não
o recurso nuclear da exploração;
c) Exploração racional das nascentes de águas minerais e termais, fontes geotérmicas e hidrotermais, e
determinação dos seus perímetros de proteção;
d) Adoção de medidas preventivas de degradação do ambiente, resultantes dos trabalhos de extração de
matéria-prima que possam pôr em perigo a estabilidade dos sistemas naturais e sociais;
e) Adoção de medidas especiais de controlo e contenção de radioatividade sempre que a exploração do
subsolo incida sobre matérias-primas radioativas;
f) Reconstrução obrigatória e reabilitação funcional da paisagem quando da exploração dos recursos do
subsolo resulte alteração da topografia preexistente, do coberto vegetal ou outros valores naturais importantes,
com vista à integração harmoniosa da área sujeita à exploração na paisagem envolvente.
3 – É proibida a concessão de novas explorações, ou o desenvolvimento daquelas que já existem, sempre
que se verifique ou seja previsível, em análise prévia, o incumprimento, de qualquer um dos princípios
referidos no número anterior.
Artigo 21.º
Outros recursos geológicos e geodiversidade
1 – As formações geomorfológicas de relevante interesse, os monumentos geológicos, e as estruturas
geológicas, as fontes geotermais e hidrotermais, as camadas litológicas de interesse paleoestratigráfico, os
fósseis e os icnofósseis constituem valores ambientais a salvaguardar, de acordo com a sua importância.
2 – O Estado promove a preservação e salvaguarda do património geológico, litológico, estratigráfico e
paleontológico, através de legislação especial de proteção da geodiversidade e da criação e funcionamento
dos mecanismos e organismos adequados.
3 – A produção de energia através de recursos energéticos geológicos internos é alvo de regulamentação
específica.
4 – O Estado pode impor, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, impedimentos
ou condicionantes ao exercício de atividades humanas que coloquem em risco ou sejam passíveis de degradar
património geológico de relevante importância científica, social, cultural ou económica.
Artigo 22.º
Litoral
1 – Todos têm direito a aceder e usufruir do litoral, nomeadamente da faixa compreendida entre os
cordões dunares e o mar, das falésias e arribas estáveis e seguras.
2 – O âmbito específico litoral compreende a zona de interação entre o mar e a terra e designadamente o
domínio público hídrico marítimo e o território confinante, as terras reclamadas ao mar, os estuários, as águas
costeiras, de transição e todas aquelas, superficiais ou subterrâneas, cujo regime seja influenciado pelas
marés ou sujeitas a intrusão salina, com seus leitos, margens e formações que os delimitam, as praias,
falésias e sistemas dunares, os solos associados com seu coberto vegetal, bem como os processos, os
ecossistemas, incluindo o humano, as atividades, as construções, os equipamentos, as instalações e a
laboração associados a esses espaços e compreende ainda as zonas passíveis de ser submersas, inundadas
ou erodidas por causas associadas a ondulação excecional ou subidas do nível do mar de curta ou de longa
duração, incluindo marés vivas, maremotos ou outras.
3 – A política de gestão do litoral considera a influência das atividades humanas e limita a sua realização
de acordo com a estabilidade da faixa costeira, nomeadamente face a fenómenos de avanço ou recuo da linha
de costa, a tempestades ou cheias ou intrusão salina em aquíferos de abastecimento para qualquer fim.
4 – A política de gestão do litoral é transversal, nacional e da responsabilidade do Estado, nomeadamente
no que toca a concertação internacional e transfronteiriça que se demonstre necessária para a estabilidade da
faixa costeira continental.
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5 – O litoral tem expressão territorial transposta nos instrumentos de ordenamento do território com a
delimitação, expressão e regulamentação específica adequada.
6 – A gestão do litoral é definida por instrumentos de ordenamento do território próprios, os planos de
ordenamento da orla costeira, definidos em articulação com as autarquias locais.
Artigo 23.º
Luminosidade
1 – Todos têm direito a um nível de luminosidade natural conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto
na habitação, no local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.
2 – Nos termos do número anterior, ficam condicionados:
a) A volumetria dos edifícios a construir, no sentido de impedir que prejudique a qualidade de vida dos
cidadãos e a vegetação, pelo ensombramento, dos espaços públicos e privados;
b) O regulamento e as normas específicas respeitantes à construção de fogos para habitação, escritórios,
fábricas e outros locais de trabalho, escolas e restante equipamento social;
c) A volumetria das construções a erigir na periferia de espaços verdes existentes ou a construir;
d) Os anúncios luminosos só são permitidos nas áreas urbanas e são condicionadas as suas cores, forma,
intensidade luminosa, localização e intermitência, por regulamentação especial.
3 – O nível de luminosidade para qualquer lugar deve ser o mais consentâneo com o equilíbrio dos
ecossistemas transformados de que depende a qualidade de vida das populações.
4 – Os anúncios luminosos, fixos ou intermitentes, não devem perturbar o sossego, a saúde e o bem-estar
dos cidadãos.
Artigo 24.º
Som
1 – Todos têm direito a um nível de ruído conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto na habitação, no
local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.
2 – Nos termos do número anterior, compete ao Estado assumir o controlo do ruído através,
designadamente:
a) Da normalização dos métodos de medida do ruído;
b) Do estabelecimento de níveis sonoros máximos,
c) Da redução do nível sonoro na origem, através da fixação de normas de emissão aplicáveis às
diferentes fontes;
d) Dos incentivos à utilização de equipamentos cuja produção de ruídos esteja contida dentro dos níveis
máximos admitidos para cada caso;
e) Da obrigação de os fabricantes de máquinas e eletrodomésticos apresentarem informações detalhadas,
homologadas, sobre o nível sonoro dos mesmos nas instruções de uso;
f) Da introdução, nas autorizações de construção de edifícios, de utilização de equipamento ou no
exercício de atividades, da obrigatoriedade de adotar medidas preventivas para eliminação da propagação do
ruído para o exterior e no interior, bem como das trepidações.
g) Da sensibilização das populações para os problemas associados ao ruído;
h) Da localização adequada no território das atividades causadoras de ruído.
3 – Os veículos motorizados, incluindo as embarcações, aeronaves e transportes ferroviários, estão
sujeitos a homologação e controle no que se refere às características do ruído que produzem.
4 – Os avisadores sonoros estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às características das
vibrações acústicas que produzem.
5 – Os equipamentos eletromecânicos deverão ter especificadas as características do ruído que
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produzem.
Artigo 25.º
Radiação
1 – O espaço hertziano e os campos eletromagnéticos são recursos naturais regulamentados por
legislação própria.
2 – A radiação solar é um bem comum de acesso público e livre.
3 – São proibidas as atividades ou processos que impeçam permanentemente ou de forma significativa,
contra a vontade do proprietário, a incidência da radiação solar sobre os solos ou edifícios.
4 – A produção de energia elétrica que use como fonte direta a radiação solar é regulamentada por
legislação própria.
Artigo 26.º
Fontes e recursos energéticos
1 – As fontes e recursos energéticos são alvo de uma gestão que visa, designadamente:
a) O aumento da eficácia energética e a democratização do usufruto das comodidades da energia;
b) O desenvolvimento da produção nacional, em harmonia com o equilíbrio ecológico e a conservação da
natureza;
c) O aproveitamento otimizado das fontes e recursos naturais, com o menor impacto ambiental.
d) A diminuição da dependência energética externa do País e a minimização do recurso à combustão como
forma de produção de energia.
2 – As fontes e os recursos energéticos, ou seja, a água, as fontes hidrotermais e geotérmicas, os
hidrocarbonetos, os recursos minerais, o ar, a radiação solar, são inalienáveis e a sua gestão cabe ao Estado,
de acordo com legislação própria.
3 – A produção e utilização de biomassa para produção de energia elétrica são regulamentadas por
legislação própria.
4 – A produção e utilização de combustíveis, para qualquer fim, obtidos, em todo ou em parte, através de
recursos biológicos produzidos no País ou no estrangeiro é regulamentada por legislação especial,
salvaguardando a função social dos solos, nomeadamente no que diz respeito à produção alimentar.
5 – A implantação ou construção de infraestruturas de produção ou transformação energética através de
recursos naturais é alvo de planificação sectorial no plano nacional e regional que identifica as potencialidades
e impactos da referida produção, nomeadamente nos planos económico, ecológico, paisagístico e humano.
Artigo 27.º
Património natural e construído
1 – São deveres do Estado, através de legislação adequada:
a) A salvaguarda, conservação e valorização do património natural e construído, bem como do património
histórico e cultural através, entre outros, de uma adequada gestão dos recursos existentes, da planificação das
ações a empreender numa perspetiva de animação e utilização criativa;
b) A recuperação e reabilitação dos centros históricos das áreas urbanas e rurais, a conservação ou
recuperação de paisagens primitivas e naturais notáveis e de edifícios e conjuntos monumentais;
c) A inventariação e a classificação do património histórico, cultural, natural e construído, em cooperação
com as autarquias locais e com as associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente;
d) A promoção do desenvolvimento local e regional através da valorização do património cultural e
construído identitário de cada região.
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2 – Constitui responsabilidade do Estado a inventariação e classificação do património histórico, cultural,
natural e construído, bem como de bens paleontológicos, em cooperação com as autarquias locais e com as
associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente.
3 – Aos proprietários de bens patrimoniais culturais e naturais incumbe a preservação e proteção dos
mesmos.
4 – Os proprietários e usufrutuários têm o direito à informação quanto aos atos de administração do
património, à indemnização, a pronunciarem-se quanto à definição da política, ao conhecimento das medidas
aplicadas e a recurso à expropriação.
5 – Os proprietários e usufrutuários têm ainda os deveres de conservar e proteger o bem, de facilitar o
acesso à informação necessária e de facilitar o acesso e usufruto físico do bem, nos casos em que não
existam incompatibilidades.
6 – Os bens patrimoniais naturais e construídos são alvo de regulamentação específica, por parte de
entidades responsáveis pela sua salvaguarda, designadamente medidas de estabelecimento de zonas de
proteção e procedimentos específicos, relativos à intervenção nessas áreas, determinados pela tutela e
delimitação zonas de proteção específica, em respeito pela defesa da qualidade ambiental e paisagística.
7 – As intervenções em monumentos, conjuntos e sítios são autorizadas por pareceres vinculativos das
autoridades competentes tendo em conta o enquadramento paisagístico e regulamentar existente.
8 – Para efeitos do disposto no número anterior, a lei estabelece a orgânica e o modo de funcionamento
dos organismos, existentes ou a criar, responsáveis e considerados necessários para o seu cumprimento.
Artigo 28.º
Paisagem
1 – Para a preservação da paisagem, como unidade ecológica, estética e visual, serão condicionados pela
administração central, regional, ou local, a implantação de construções, infraestruturas viárias, novos
aglomerados urbanos ou outras construções que, pela sua dimensão, volume, silhueta, cor ou localização,
provoquem um impacto perturbante na paisagem preexistente, bem como a exploração de minas e pedreiras,
evacuação e acumulação de resíduos e materiais usados e o corte maciço do arvoredo, nos termos de
legislação específica.
2 – A ocupação marginal das infraestruturas viárias, fluviais, portuárias ou aeroportuárias, qualquer que
seja o seu tipo, hierarquia ou localização, é objeto de regulamentação especial.
3 – Para uma política de gestão da paisagem, são instrumentos:
a) A proteção e valorização das paisagens que, caracterizadas pelas atividades seculares do ser humano,
pela sua diversidade, concentração e harmonia e pelo sistema sociocultural que criaram, se revelam
importantes para a manutenção da pluralidade paisagística e cultural;
b) A determinação de critérios múltiplos e dinâmicos que permitam definir prioridades de intervenção, quer
no que respeita às áreas menos afetadas pela presença humana, quer àquelas em que a ação humana é mais
determinante;
c) Uma estratégia de desenvolvimento que empenha as populações na defesa desses valores,
nomeadamente, e sempre que necessário, por intermédio de incentivos financeiros ou fiscais e de apoio
técnico e social;
d) O inventário e a avaliação dos tipos característicos de paisagem rural e urbana, comportando elementos
abióticos, bióticos e culturais;
e) A identificação e cartografia dos valores visuais e estéticos das paisagens naturais.
Artigo 29.º
Avaliação e proteção
1 – As políticas, planos, programas e outras decisões do Estado, com vista à promoção ou autorização de
intervenções, são acompanhadas de análise prévia dos seus potenciais efeitos e riscos ambientais.
2 – Os âmbitos específicos de proteção e as ameaças específicas são explicitamente considerados, em
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todas as suas vertentes, nos estudos e avaliações ambientais, assim como na tomada de decisões públicas
sobre intervenções físicas no território ou nas águas, nomeadamente:
a) Nos processos de avaliação de impacte ambiental e respetivos Estudos de Impacte Ambiental;
b) Nos Estudos de Incidências Ambientais;
c) Nos processos de declaração ambiental e noutras avaliações ambientais;
d) Na instrução dos processos de licenciamento;
e) Em processos de desafetação ou de alteração de condicionantes ao uso do solo;
f) Nas avaliações ambientais estratégicas de planos e programas;
g) Na instrução dos processos de declaração de interesse público;
h) Na instrução do processo de classificação de qualquer projeto como de «Potencial Interesse Nacional»;
i) Nos processos de concessão, com ou sem concurso público.
3 – São obrigatoriamente emitidos e publicitados, gratuitamente relatórios, técnicos e resumos não
técnicos dos elementos apurados e postos à consulta pública, em moldes a regulamentar por lei, antes da
deliberação sobre o plano, programa, projeto ou ação.
4 – Excetuam-se as intervenções necessárias em situações de emergência, de reparação urgente ou de
socorro.
CAPÍTULO IV
Segurança, danos e riscos
Artigo 30.º
Danos e riscos por causas naturais ou provocadas
1 – Incumbe ao Estado prevenir e mitigar os danos no ambiente e os prejuízos pessoais devidos a causas
naturais, a acidentes ou a ações de terceiros e, designadamente, a ações que alterem a vulnerabilidade, a
magnitude, a exposição ou a distribuição dos danos.
2 – Para efeitos do número anterior, a prevenção e mitigação dos danos compreende a segurança em
relação a danos incertos ou riscos.
3 – O Estado inventaria e caracteriza as situações de vulnerabilidade e de risco existentes e elabora
planos de recuperação, redução da vulnerabilidade e mitigação dos danos, bem como programas operacionais
de emergência nos casos de inevitabilidade dos riscos.
4 – O Estado garante a monitorização e fiscalização adequadas à minimização de danos e riscos e
empreende as ações necessárias à cessação das situações irregulares.
5 – Legislação sectorial, designadamente, regulamentação técnica e de segurança de construção e de
laboração bem como condicionantes dos instrumentos de ordenamento do território e outra regulamentação
específica, impõe limitações às atividades humanas, à construção e ao uso dos solos, de acordo com as
condicionantes naturais verificadas no terreno, nomeadamente em relação às ameaças específicas objeto do
artigo seguinte.
6 – Os cidadãos colocados em situação de risco provocado ou afetados por acidente decorrido desse risco
têm direito a compensação, nos termos da lei.
7 – A lei proíbe a realização de ações indutoras de risco ou danosas para terceiros, sempre que os
instrumentos de análise prévia indiquem a impossibilidade de serem tomadas medidas de mitigação que
permitam, com elevado grau de certeza e razoabilidade, prever a contenção do risco para níveis de segurança
que garantam o bem-estar das populações, o equilíbrio ecológico, a conservação da natureza ou a
preservação de valores naturais e construídos de relevante interesse científico, económico, social ou cultural.
8 – O Estado dispõe de um fundo público de compensação para os danos materiais e humanos em caso
de catástrofe natural, acionado sempre que o valor do prejuízo o justifique, nos termos de legislação própria.
Artigo 31.º
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Ameaças específicas
A legislação complementar e o planeamento sectorial para efeitos de medidas especiais de mitigação,
proteção e segurança de pessoas, bens, qualidade do ambiente, do território e dos recursos naturais em
relação aos danos e riscos, incide sobre as seguintes ameaças específicas:
a) Cheias, inundações e precipitações intensas;
b) Sismos e maremotos;
c) Vulcanismo;
d) Seca e desertificação;
e) Alterações locais, regionais ou globais às normais climáticas;
f) Incêndios e fogos;
g) Contaminação física;
h) Contaminação química;
i) Contaminação biológica;
j) Ameaças pelas águas do mar;
k) Instabilidade da costa ou de falésias;
l) Anomalias na realimentação das praias ou das dunas;
m) Tempestades e tornados;
n) Erosão e deslizamentos;
o) Rotura de estruturas naturais ou construídas;
p) Disfunções, avarias e deficiências de instalações ou processos;
q) Deficiências de estanquidade de reservatórios ou depósitos de matérias sólidas, líquidas ou gasosas;
r) Meios, de génese natural ou antropogénica, favoráveis à proliferação de organismos patogénicos,
geradores de substâncias tóxicas ou vetores de doenças;
s) Alterações ou variações de génese antropogénica aos regimes de caudais, velocidades, níveis ou
percursos das águas;
t) Variações temporárias ou alterações, de génese natural ou antropogénica, às áreas inundáveis pelas
águas costeiras ou interiores, incluindo as subterrâneas.
Artigo 32.º
Regulamentação de segurança
1 – As atividades ou construções passíveis de gerar implicações na qualidade do ambiente ou de criar
riscos para os seus trabalhadores, infraestruturas ou para terceiros elaboram obrigatoriamente um
regulamento de segurança e apresentam-no para homologação à autoridade pública competente antes do
início da atividade ou da entrada em funcionamento da infraestrutura construída.
2 – A regulamentação de segurança obedece a um enquadramento legal próprio, definido de acordo com o
sector de atividade e com as exigências, limitações e condicionantes imposta pela circunstância ambiental em
que se insere a atividade ou construção.
3 – O Governo elaborará, no prazo de um ano após a aprovação deste diploma, a regulamentação de
segurança em relação a cada uma das ameaças específicas referidas no artigo 31.º.
Artigo 33.º
Responsabilidade por danos, acidente ou risco e direito de compensação
1 – O proprietário, promotor ou concessionário de ação ou atividade que provoque acidente ou potencie
risco de acidente, é responsável pelas consequências geradas pelo acidente ou pela geração do risco, ainda
que sem concretização de acidente, e é obrigado a compensar os cidadãos afetados, a reparar os danos
ambientais e a cessar a atuação geradora ou potenciadora de risco.
2 – Os prejuízos para terceiros, os acidentes ou danos ambientais que decorram de atividade ou
construção licenciada, por ausência de cumprimento pela entidade promotora ou proprietária das obrigações
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decorrentes dos termos do licenciamento, da Declaração de Impacte Ambiental ou da legislação sectorial
aplicável, são da responsabilidade exclusiva dessa entidade.
3 – O Estado é corresponsável pelos prejuízos para terceiros dos acidentes ou danos ambientais que
decorram de atividade ou construção licenciada, concessionada ou autorizada, por ausência da identificação
de riscos ou de medidas de mitigação ou adaptação e minimização dos impactos.
4 – A declaração de interesse público de qualquer projeto, atividade ou ação é precedida de processo de
impacte ambiental incluindo consulta pública e instrução com todas as peças e apreciações aplicáveis por lei à
tipologia do empreendimento e condicionantes de localização, bem como a clara identificação de danos e
riscos e uma Declaração da Aceitabilidade dos Riscos emitida pelo membro do Governo com competências na
área do ambiente.
5 – Excetuam-se do estipulado no ponto anterior as ações de socorro ou mitigação de emergência.
6 – O licenciamento, concessão, autorização ou declaração de interesse público da atividade ou ato não
isenta o seu proprietário, concessionário ou autor, das responsabilidades relativamente a terceiros e ao
ambiente e, nomeadamente, das indemnizações e recuperações devidas, bem como responsabilidade civil
pelos danos e riscos, competindo-lhe a reposição das condições originais ou a indemnização a terceiros por
danos, prejuízos, aumento ou geração de novos riscos tendo o direito de processar o Estado ou as entidades
públicas licenciadoras para ressarcimento dos prejuízos próprios decorrentes.
7 – O aumento ou geração de novos riscos que resultem do licenciamento de uma atividade, construção
ou ação é identificado pelas entidades licenciadoras e emissoras da Declaração de Impacte Ambiental, sendo
equiparado a prejuízo para todos os efeitos.
Artigo 34.º
Direito ao conhecimento do risco
1 – Os cidadãos têm direito a aceder a todos os estudos de análise prévia, bem como aos resultados de
análises e avaliações de risco efetuadas a cada atividade ou construção.
2 – É da responsabilidade do Estado, em articulação com as autarquias, a criação e preparação de
respostas céleres, no âmbito da intervenção ambiental ou proteção civil, em função dos riscos identificados.
Artigo 35.º
Mitigação e adaptação
1 – Os instrumentos de análise prévia e a declaração de impacte ambiental devem conter as indicações
necessárias para a mitigação dos impactes negativos identificados.
2 – O cumprimento das obrigações previstas no número anterior é condição para o licenciamento e
funcionamento da atividade ou construção em causa.
3 – Os instrumentos de análise prévia, bem como a declaração de impacte ambiental devem conter
indicações sobre as medidas de adaptação do projeto de atividade ou construção sob avaliação, sendo o seu
cumprimento condição para o licenciamento e execução.
Artigo 36.º
Declaração de zona crítica ou situação de emergência
1 – O Governo declarará como zonas críticas todas aquelas em que os parâmetros que permitem avaliar a
qualidade do ambiente atinjam, ou se preveja virem a atingir, valores que possam pôr em causa a saúde
humana ou o ambiente, ficando sujeitas a medidas especiais e ações a estabelecer pelo departamento
encarregado da proteção civil em conjugação com as demais autoridades da administração central e local.
2 – Quando os índices de poluição, em determinada área, ultrapassarem os valores admitidos pela
legislação regulamentar correspondente, ou por qualquer forma, colocarem em perigo a qualidade do
ambiente, poderá ser declarada a situação de emergência, devendo ser previstas atuações específicas,
administrativas ou técnicas, para lhes fazer face, por parte da administração central e local, acompanhadas do
esclarecimento da população afetada.
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3 – Serão aplicadas as medidas imediatas necessárias para socorrer a casos de acidente sempre que
estes provoquem aumentos bruscos e significativos dos índices de poluição ou que, pela sua natureza, façam
prever a possibilidade dessa ocorrência.
Artigo 37.º
Segurança ambiental
1- A presente lei é regulamentada por legislação própria no que toca aos acréscimos de responsabilidade
por imputação de riscos ou danos.
2- Até à publicação da legislação regulamentar, os acréscimos de responsabilidade por imputação de
riscos ou danos não são aplicáveis a construções, movimentos de terras ou equipamentos fixos já existentes e
em condições legais à data de aprovação do presente diploma.
CAPÍTULO V
Contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais
Artigo 38.º
Abordagem integrada dos impactos do sistema produtivo
1 – A política de ambiente compatibiliza a melhoria de qualidade de vida da população e o
desenvolvimento do sistema produtivo nacional com a contenção da contaminação e da exaustão dos recursos
naturais, visando simultaneamente:
a) A redução de emissões poluentes, de resíduos e de desperdício;
b) O controlo e proteção da qualidade física, química, biológica e ecológica do meio ambiente;
c) A contenção da exploração dos recursos naturais dentro dos limites de renovação.
2 – A intervenção do Estado na adaptação ambiental do sistema produtivo e de consumo privilegia a maior
utilidade dos bens e produtos para o bem-estar e qualidade de vida da população e combate os danos
ambientais, ponderando, nomeadamente:
a) A necessidade e utilidade do bem ou produto, a acessibilidade e extensão da sua utilização, a
importância objetiva e subjetiva para a qualidade de vida da população;
b) A incorporação de materiais e a degradação de energia, bem como as emissões e resíduos no ciclo
completo de vida do bem ou produto, nomeadamente a produção, a embalagem, o transporte, a importação, a
comercialização, a fruição, o consumo, a duração útil, recolha, transporte, processamento e deposição final
dos materiais sobrantes ou residuais;
c) As matérias-primas consumidas, transformadas ou degradadas em relação com a sua taxa de
renovação na natureza e com a taxa de consumo global, distinguindo os impactos em território nacional,
nomeadamente na degradação ou risco de exaustão dos recursos naturais;
d) O tipo e quantidade de emissões e resíduos, respetiva perigosidade, riscos ambientais associados e
efeitos nos meios recetores, distinguindo os meios no território nacional e considerando o seu estado e
capacidade de depuração disponível;
e) A viabilidade de otimizar a relação utilidade-impactos por eliminação ou substituição de componentes ou
fases do processo, com ênfase para os desperdícios, o transporte, as embalagens, a obsolescência precoce e
a curta durabilidade de bens não consumíveis;
f) A substituibilidade do bem ou produto por outro com melhor relação utilidade-impactos;
g) A viabilidade de soluções de produção de proximidade, de manutenção, de reutilização e de
reconversão dos bens ou produtos não consumíveis, das embalagens e dos resíduos sólidos não
biodegradáveis;
h) Os efeitos das intervenções no sistema produtivo nacional, na cadeia produtiva e no emprego;
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i) A contenção e redução dos custos ao consumidor ou utilizador final, a equidade social e o combate à
pobreza.
3 – Os normativos, medidas e intervenções de contenção e redução dos impactos negativos do sistema de
produção e utilização ou consumo não podem, em caso algum, provocar, direta ou indiretamente,
discriminação negativa da produção nacional face à importação.
4 – O Estado publicita e promove a notícia rigorosa e completa aos consumidores sobre os impactos dos
ciclos de vida dos produtos, em padrões idênticos para bens semelhantes, de forma a facultar a possibilidade
de escolha informada.
5 – O Estado desenvolve um Sistema Específico de Informação ao Público sobre Produtos e Serviços que
evidencie os respetivos impactes no âmbito das alterações climáticas, nomeadamente quanto às emissões de
Gases com Efeito de Estufa associados às diferentes atividades, indicando, no caso específico de bens de
consumo, as emissões relacionadas com o seu transporte em cada modo, bem como a respetiva distância
média de percurso entre a origem e o destino.
6 – São monitorizados e publicitados os efeitos no ambiente e recursos naturais, na qualidade de vida, no
sistema produtivo nacional e nos preços ao consumidor, das normas, medidas e intervenções no âmbito da
contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais.
Artigo 39.º
Poluição química, resíduos e águas residuais
1 – No âmbito da abordagem integrada de contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos
recursos naturais, são aplicadas medidas específicas de controlo e redução da poluição, que incluem:
a) O estímulo à aplicação de tecnologias menos poluentes;
b) A avaliação sistemática dos efeitos potenciais dos agentes químicos sobre o homem e sobre o
ambiente;
c) O controlo do fabrico, comercialização, utilização e eliminação dos agentes químicos;
d) A aplicação de técnicas e metodologias preventivas orientadas para a reciclagem e reutilização de
matérias-primas e produtos químicos;
e) O controlo e inventariação da produção nacional, importação e exportação de reagentes passíveis de
constituir ou integrar arma química ou agente nocivo para a saúde e bem-estar públicos, bem como para o
ambiente e os recursos naturais;
f) O funcionamento de estruturas laboratoriais públicas que realizem ensaios destinados ao estudo dos
impactos ambientais dos agentes químicos;
g) A obrigatoriedade de avaliação dos impactos e riscos decorrentes da utilização ou deposição de agentes
químicos, antes da sua comercialização, por parte dos seus produtores industriais;
h) Estabelecimento de normas e mecanismos adequados de fiscalização para os níveis máximos admitidos
para a presença de diferentes agentes químicos, elementos ou compostos, na água, no solo e subsolo, no ar,
nos seres vivos e na cadeia trófica do ser humano.
i) A redução da produção e da importação de produtos inúteis, com ênfase nas embalagens, rótulos, tintas
ou solventes, que não sejam imprescindíveis para a individualização ou manutenção do produto final ao
consumidor;
j) A hierarquização dos processos, considerando como primeira prioridade a reciclagem do resíduo, como
segunda prioridade a reutilização e como última prioridade a sua eliminação, ainda que dessa resulte produção
energética;
k) Reencaminhamento de todos os materiais reutilizáveis ou recicláveis para o tratamento adequado após
o seu tempo de vida útil.
l) Estímulo ao aproveitamento dos desperdícios agropecuários;
m) A reciclagem, incentivando o encaminhamento de todos os resíduos para processos de reconversão
em matérias-primas;
n) A reutilização, incentivando a utilização, ainda que em função e atividade distinta, do resíduo ou
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efluente, considerando como última opção a eliminação ou valorização energética;
o) A aplicação de instrumentos fiscais e financeiros que incentivem a reciclagem e a reutilização de
resíduos;
p) A responsabilização do produtor ou importador e do distribuidor pela redução, reciclagem, reutilização e
tratamento dos resíduos.
2 – A produção de efluentes implica o processamento e destino final adequado das fases sólida e líquida,
com controlo por autoridade pública competente e de acordo com uma estratégia nacional de efluentes.
3 – É da responsabilidade do Estado, em articulação e cooperação com as autarquias, assegurar uma
rede pública de saneamento de águas residuais e tratamento e recolha de resíduos sólidos urbanos que
garanta a universalidade do acesso e a sanidade ambiental.
Artigo 40.º
Substâncias radioativas e controlo da radioatividade
1 – O Estado dispõe de entidade laboratorial capacitada para a realização de ensaios e estudos científicos
que contribuam para a prossecução de uma política de controlo de poluição radioativa e de gestão de
substâncias radioativas, nomeadamente no âmbito da investigação em tecnologias nucleares ou extração de
minério.
2 – O controlo da poluição originada por substâncias radioativas tem por finalidade eliminar a sua
influência na saúde e bem-estar das populações e no ambiente e faz-se, designadamente, através:
a) Da avaliação dos efeitos das substâncias radioativas nos ecossistemas recetores;
b) Da fixação de normas de emissão para os efluentes físicos e químicos radioativos resultantes de
atividades que impliquem extração, transporte, transformação, utilização ou armazenamento de material
radioativo;
c) Do planeamento das medidas preventivas necessárias para a atuação imediata em caso de poluição
radioativa;
d) Da avaliação e controlo dos efeitos da poluição transfronteiriça e atuação técnica e diplomática
internacional que permita a sua prevenção;
e) Da fixação de normas para o trânsito, transferência e deposição de materiais radioativos no território
nacional e nas águas marítimas territoriais e na zona económica exclusiva.
CAPÍTULO VI
Competência do Governo e organismos responsáveis
Artigo 41.º
Competência do Governo e da Administração Regional e Local
1 – Compete ao Governo, de acordo com a presente lei de bases, a condução de uma política global nos
domínios do ambiente, da qualidade de vida e do ordenamento do território, bem como a coordenação das
políticas de ordenamento regional do território e desenvolvimento económico e progresso social e ainda a
adoção de medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei.
2 – O Governo e a administração regional e local articulam entre si a aplicação das medidas necessárias à
prossecução dos fins previstos na presente lei, no âmbito das respetivas competências.
3 – O Governo garante, através de uma agência pública e em articulação com as administrações regional
e local, a realização de processos de avaliação de impacte ambiental que implica a elaboração do estudo de
impacte ambiental, a participação e conhecimento públicos e a consequente declaração de impacte ambiental,
nos termos de legislação própria.
4 – O Governo garante, através de uma agência pública, a realização dos estudos de impacte ambiental
das atividades ou construções que deles careçam, cujos custos são assumidos pela entidade proprietária ou
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requerente da autorização e licenciamento ambiental, nos termos de legislação própria.
5 – O Governo garante, através de uma agência pública, a emissão de declaração de impacte ambiental,
determinante para o licenciamento ou não licenciamento de cada atividade ou construção, nos termos de
legislação própria.
Artigo 42.º
Organismos responsáveis
1 – A entidade ou as entidades públicas competentes do Estado responsável pela coordenação da
aplicação da presente lei tem por missão central promover, coordenar, apoiar e participar na execução da
política nacional do ambiente e qualidade de vida constante deste diploma e a concretizar pelo Governo, em
estreita colaboração com os diferentes serviços da administração central, regional e local.
2 – A nível de cada região administrativa existem organismos dependentes da administração regional,
responsáveis pela coordenação e aplicação da presente lei, em termos análogos aos do organismo referido no
número anterior e em colaboração com este, sem prejuízo de poderem existir organismos similares a nível
municipal.
CAPÍTULO VII
Direitos e deveres dos cidadãos
Artigo 43.º
Direitos e deveres dos cidadãos
1 – É dever dos cidadãos, em geral, e dos sectores públicos, privado e cooperativo, em particular,
colaborar na criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e na melhoria progressiva e
acelerada da qualidade de vida.
2 – Às iniciativas populares no domínio da melhoria do ambiente e da qualidade de vida, quer surjam
espontaneamente, quer correspondam a um apelo da administração central, regional ou local, deve ser
dispensada proteção adequada, através dos meios necessários à prossecução dos objetivos do regime
previsto na presente lei.
3 – O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, em especial as autarquias, fomentarão a
participação das populações em iniciativas de interesse para a prossecução dos fins previstos na presente lei,
nomeadamente as associações nacionais ou locais de defesa do ambiente, do património natural e construído
e de defesa do consumidor.
4 – Os cidadãos diretamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e
ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violência e a
respetiva indemnização.
5 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias, às organizações de
defesa do ambiente e aos cidadãos que sejam afetados pelo exercício de atividades suscetíveis de
prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades
responsáveis pelos prejuízos causados.
Artigo 44.º
Responsabilidade objetiva
1 – Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado
danos no ambiente, em virtude de ação perigosa, ainda que em respeito pela legislação aplicável.
2 – O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em
legislação complementar.
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Artigo 45.º
Embargos administrativos
Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado
poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a atividade causadora do dano, seguindo-se,
para tal efeito, o processo de embargo administrativo.
Artigo 46.º
Seguro de responsabilidade civil
Aqueles que exerçam atividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente e como tal venham a ser
classificados serão obrigados a segurar a sua responsabilidade civil.
Artigo 47.º
Direito a uma justiça acessível e pronta
1 – É assegurado aos cidadãos o direito ao apoio judiciário, nomeadamente através da isenção de
pagamento de taxa de justiça e custas judiciais, nos processos em que pretendam obter reparação de perdas
e danos emergentes de factos ilícitos que violem regras constantes da presente lei e dos diplomas que a
regulamentem, desde que o valor da causa não exceda o da alçada do Tribunal da Relação.
2 – Os processos contra o mesmo arguido relativos a infrações em violação da presente lei, não serão
apensados salvo se requerido pelo Ministério Público.
CAPÍTULO VIII
Penalizações
Artigo 48.º
Tribunal competente
1 – São competentes para as ações decorrentes da violação da presente lei e respetiva regulamentação
os tribunais comuns, territorialmente competentes em função do dano causado ou da residência do
denunciante.
2 – Sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à
atuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou
lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior,
também ao Ministério Público compete a defesa dos valores protegidos pela presente lei, nomeadamente
através da utilização dos mecanismos nela previstos.
3 – É igualmente reconhecido a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na
demanda, bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e às autarquias locais,
o direito de propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à
defesa dos valores protegidos pela presente lei.
Artigo 49.º
Crimes contra o ambiente
Sem prejuízo dos crimes previstos e punidos no Código Penal, serão ainda considerados crimes as
infrações que a legislação complementar qualificar como tal, de acordo com o disposto na presente lei.
Artigo 50.º
Contraordenações
1 – As infrações à presente lei não qualificadas como crime, serão consideradas puníveis com coima, em
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termos a definir por legislação complementar, compatibilizando os vários níveis da Administração em função
da gravidade da infração.
2 – Se a mesma conduta constituir simultaneamente crime e contraordenação, será o infrator punido a
título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contraordenação.
3 – Em função da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, poderão ainda ser aplicadas as
seguintes sanções acessórias:
a) Interdição do exercício de uma profissão ou atividade;
b) Privação do direito de subsídio outorgado por entidades ou serviços públicos;
c) Cessação de licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da respetiva atividade;
d) Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos utilizados ou produzidos aquando da infração;
e) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de estabelecimentos
de crédito de que haja usufruído.
4 – A negligência e a tentativa são puníveis.
Artigo 51.º
Obrigatoriedade de remoção das causas da infração e da reconstituição da situação anterior
1 – Os infratores são obrigados a remover as causas da infração e a repor a situação anterior à mesma ou
equivalente, salvo o disposto no n.º 3.
2 – Se os infratores não cumprirem as obrigações acima referidas no prazo que lhes for indicado, as
entidades competentes mandarão proceder às demolições, obras e trabalhos necessários à reposição da
situação anterior à infração a expensas dos infratores.
3 – Em caso de não ser possível a reposição da situação anterior à infração, os infratores ficam obrigados
ao pagamento de uma indemnização especial a definir por legislação e à realização das obras necessárias à
minimização das consequências provocadas.
CAPÍTULO IX
Disposições finais e transitórias
Artigo 52.º
Relatório sobre cumprimento de políticas ambientais
1 – O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, juntamente com as Grandes
Opções do Plano de cada ano, um relatório sobre o cumprimento da legislação ambiental, referindo,
designadamente, o número de processos criminais em curso e o montante de contraordenações instaurado e
efetivamente cobrado em Portugal, referente ao ano anterior.
2 – O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, de três em três anos, um relatório
sobre o estado do ambiente, investimento e grau de execução das políticas ambientais em Portugal.
Artigo 53.º
Acordos e convenções internacionais
A regulamentação da presente lei e toda a legislação especial em matéria ambiental tem em conta as
convenções e acordos internacionais aceites e ratificados por Portugal neste âmbito, assim como as normas e
critérios aprovados bilateralmente ou multilateralmente entre Portugal e outros países.
Artigo 54.º
Legislação complementar
Os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto na presente lei são publicados no prazo de
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um ano a partir da data da sua entrada em vigor.
Artigo 55.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril.
Assembleia da República, 5 de junho de 2020.
Os Deputados do PCP: Alma Rivera — Paula Santos — António Filipe — Jerónimo de Sousa — Bruno Dias
— Diana Ferreira — Ana Mesquita — Vera Prata — João Dias — Duarte Alves.
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PROJETO DE LEI N.º 526/XIV/2.ª LEI-QUADRO DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Os efeitos negativos do processo de alterações climáticas fazem-se sentir, no presente, um pouco por todo
o mundo, sendo bastante visíveis, fundamentalmente, os extremos climáticos regulares, acentuados e
violentos. Nada para que a comunidade científica não venha a alertar, mais intensamente desde os anos 90,
com destaque para os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), os quais
davam conta de que se nada fosse feito, o século XXI acolheria amarguras reais resultantes do aumento da
temperatura média do planeta, com um clima mais agressivo, com o degelo dos glaciares, com o aumento dos
níveis do mar, com a desertificação de solos, resultando perda de solo útil para a agricultura e,
consequentemente, com repercussões na alimentação humana, e também com a disseminação de doenças
mais características dos climas tropicais, entre outras consequências. Em suma, os impactos ambientais,
sociais e económicos podem ser bastante graves.
Para minimizar esse impacto, é determinante agir em duas vertentes: mitigar as alterações climáticas,
atuando diretamente sobre as causas antropogénicas de fatores que podem acelerar esse processo; adaptar
as sociedades e o território às alterações climáticas, erradicando os fatores de maior vulnerabilidade e gerando
mais resiliência.
Ao nível internacional a obtenção de acordos tem sido difícil, com os países que mais emitem gases com
efeito de estufa (GEE) a procurar aligeirar as suas responsabilidades de ação, ou mesmo desvincular-se,
vergonhosamente, dos acordos (como fizeram os EUA quer em relação ao Protocolo de Quioto, quer em
relação ao mais recente Acordo de Paris).
O Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, a vigorar a partir de 2020 (após o último período de
vigência do Protocolo de Quioto), estabelece a urgência de reduzir as emissões de GEE, de modo a limitar o
aumento da temperatura média do planeta abaixo dos 2ºC, e preferencialmente abaixo dos 1,5ºC, em relação
à era pré-industrial. Este acordo global implica um esforço de todos os Estados para o cumprimento destas
metas, em particular dos Estados que mais emitem gases para a atmosfera que implicam com o processo de
alterações climáticas.
Em Portugal foi feito um estudo – projeto SIAM – que apontou preocupações para diversos setores
económicos e para o território nacional, relacionados com a mudança climática. Por exemplo, regiões como o
Alentejo correm um risco de desertificação de solos bastante significativo e a subida dos níveis do mar ameaça
o nosso litoral, bastante pressionado urbanisticamente e pela concentração de atividades e população.
Importa, assim, trilhar um caminho onde se estabeleçam e concretizem medidas de mitigação e de
adaptação eficazes para atingir os objetivos propostos.
Relativamente à adaptação, é fundamental fazer um levantamento das vulnerabilidades existentes,
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identificar a fragilidade de certas infraestruturas, e gerar um ordenamento do território e de atividades que
permitam enfrentar com maior resiliência o aquecimento global, tendo em particular atenção o ordenamento
florestal, a proteção das arribas e dunas, bem como a opção por culturas menos intensivas e menos
dependentes de água. É também determinante, tendo em conta a previsão de alastramento de doenças
tropicais a outras zonas do globo, que a população esteja dotada de conhecimento e informação e que os
serviços de saúde se preparem para estes fenómenos.
Relativamente à mitigação, impõe-se reduzir a emissão de gases com efeito de estufa (em particular o CO2)
e, para o efeito, Portugal precisa de se tornar progressivamente menos dependente dos combustíveis fósseis,
optando, designadamente, por fontes de energia renováveis, apostando na eficiência energética, trilhando um
caminho determinado para o encerramento das centrais de carvão a muito curto prazo, criando um sistema de
transportes coletivos que responda às necessidades das populações, para que estas possam fazer a opção de
não utilização diária do automóvel particular, e também um sistema de mobilidade suave e ativa. É preciso,
igualmente, apostar num consumo alimentar mais sustentável e não tão dependente de pecuárias de produção
intensiva, apostar na utilização da produção local para as necessidades de consumo local, para evitar a
enorme pegada ecológica do transporte diário de longo curso de alimentos. A prevenção relativamente aos
fogos florestais é, também, uma medida fundamental a tomar, tendo em conta que estes incêndios
representam o aumento de emissões de CO2 e destroem um meio determinante para a retenção de carbono.
Estes são apenas alguns exemplos de medidas, entre tantas outras que se impõe adotar.
Portugal está dotado de um conjunto de instrumentos que regem as decisões políticas que implicam com as
questões climáticas, e que impõem uma transversalidade em diversos setores governativos e na sociedade em
geral. A atuação dos poderes públicos é determinante, bem como a dos agentes económicos e dos cidadãos
em geral. Todos somos imprescindíveis para que este combate às alterações climáticas tenha sucesso.
Não obstante a existência desse conjunto de instrumentos, o PEV considera que, no enquadramento
resultante da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases da Política de Ambiente, é útil criar uma
lei-quadro específica para a política climática, que estabeleça o quadro de objetivos a prosseguir e dos
princípios que devem nortear o caminho para atingir esses objetivos. Trata-se de um instrumento legislativo, de
valor reforçado, que procura agregar às medidas de minimização e de adaptação a adotar, um forte
envolvimento e participação dos cidadãos, a necessidade de não se perder de vista a criação de postos de
trabalho, uma aposta na investigação e no conhecimento, a garantia de sistema de informação e de
monitorização, e, claro, as necessidades de investimento de financiamento, entre outras questões, como a
importância de reconhecer um papel relevante às organizações de ambiente na mobilização da sociedade para
o contributo efetivo de atitudes e comportamentos positivos para conter o processo de aquecimento global.
Trata-se da procura de criar uma lei que estabeleça o enquadramento da política climática de forma estável,
sabendo que os instrumentos de política climática que estão atualmente criados têm prazos definidos e são
sujeitos a revisões regulares. Devem, nessas revisões, obedecer aos objetivos e princípios estabelecidos
numa lei-quadro da política climática.
Para além disso, uma lei desta natureza deve levar o Parlamento a gerar um processo amplo de debate e
consulta pública, onde a sociedade seja, efetivamente, envolvida na sua realização, facto que, tendo em conta
a importância de divulgar informação e articular interesses e objetivos, assume uma grande relevância.
As alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade atualmente enfrenta. Todas as
atividades humanas, em maior ou menor grau, dependem de funções de ecossistemas que se encontram
gravemente ameaçados pelo aumento da temperatura e pela alteração dos padrões de clima que já se fazem
sentir. E a verdade é que o planeta terra é a casa comum que todos temos de preservar, garantindo a
diversidade biológica que ele acolhe e a sustentabilidade das sociedades humanas que nele habitam, a partir
da certeza de que depois desta geração outras virão, com o direito de habitar, em condições, o mesmo
planeta.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar de Os
Verdes apresenta o seguinte projeto de lei, com vista à criação de uma lei-quadro da política climática:
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CAPÍTULO I
Objetivos e princípios da política climática
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o enquadramento da política climática, nos termos da Constituição da República
Portuguesa e da lei que define as Bases da Política de Ambiente.
Artigo 2.º
Objetivos gerais
1 – A política climática visa combater e enfrentar as alterações climáticas, através de ações de mitigação e
de adaptação, gerando condições objetivas para a redução de gases com efeitos de estufa (GEE) e para a
eliminação das vulnerabilidades no território nacional.
2 – Compete ao Estado a realização da política climática, através dos seus órgãos, seja ao nível local,
regional ou nacional e na representação internacional, e também através da mobilização dos cidadãos e
agentes sociais e económicos, por via de um intenso processo participativo.
Artigo 3.º
Objetivos específicos
Constituem objetivos específicos da política climática:
a) A criação de condições para uma ampla participação dos cidadãos na determinação da política climática;
b) A definição ambiciosa, clara e calendarizada de metas de redução de emissões de GEE, bem como das
medidas para a prosseguir;
c) O reforço da resiliência do território nacional, com o apontamento atualizado das vulnerabilidades a
reduzir ou a erradicar;
d) A promoção da criação de emprego verde, compatível com a redução das emissões de GEE;
e) O estímulo à investigação, à inovação e ao conhecimento nas vertentes da mitigação e da adaptação às
alterações climáticas;
f) A adequação do investimento público às metas e medidas a adotar e a garantia de condições de
financiamento;
g) A intensificação dos sistemas de informação e monitorização, de modo a obter dados atualizados,
fundamentais à definição contínua da política climática;
h) A cooperação internacional.
Artigo 4.º
Princípios da política climática
Para o cumprimento dos objetivos referidos nos artigos 2.º e 3.º, observam-se os seguintes princípios a que
a política climática deve obedecer:
a) Participação – todos os cidadãos têm o direito de se envolver na definição da política climática,
competindo ao Estado garantir esse direito de participação;
b) Informação e educação – proporciona-se informação e conhecimento atualizado aos cidadãos, para que
percecionem a importância de cooperar nas medidas a adotar e para que se constituam um veículo de
reivindicação de medidas eficazes;
c) Solidariedade intrageracional – todos os cidadãos têm o direito de ver os seus direitos e as suas
necessidades essenciais satisfeitas;
d) Solidariedade intergeracional – às gerações futuras não pode ser negado o direito de usufruirem dos
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recursos naturais e de qualidade de vida;
e) Pensar global, agir local – a implementação de medidas ao nível local, regional e nacional são fulcrais
para o cumprimento dos objetivos a prosseguir;
f) Produção e consumo local – estímulo à produção local, em razão das necessidades de consumo local, de
modo a diminuir a pegada ecológica;
g) Opção consciente e responsável – para que os cidadãos possam fazer opções sustentáveis, do ponto de
vista da ação climática, o Estado tem o dever de proporcionar condições para que essas escolhas possam ser
feitas e de gerar responsabilidades aos agentes económicos;
h) Prevenção – as medidas a definir devem antecipar os seus efeitos em diversas vertentes, de modo a não
causarem prejuízos substanciais ao ambiente e à qualidade de vida;
i) Eficiência – é possível obter redução da utilização geral de recursos naturais e de gerir a utilização de
recursos de forma sustentável, sem perder na garantia de qualidade de vida.
Artigo 5.º
Definições
Para efeitos da aplicação da presente lei, entende-se por:
a) «Adaptação» a minimização dos efeitos negativos das alterações climáticas nos sistemas biofísicos e
nas sociedades;
b) «Alterações climáticas» a variação significativa do estado médio do clima, por um longo período de
tempo, com implicações no meio biofísico e nas sociedades;
c) «Gases com Efeito de Estufa» (GEE) as substâncias gasosas que absorvem e retêm parte da radiação
solar, provocando, designadamente, um sobreaquecimento do planeta;
d) «Mitigação» a redução de GEE para a atmosfera, com vista a desacelerar o processo de alterações
climáticas.
CAPÍTULO II
Gestão da política climática
Artigo 6.º
Instrumentos da política climática
1 – São instrumentos nacionais da política climática, designadamente:
a) O Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPIC);
b) O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC);
c) As Estratégias Nacionais para as Alterações Climáticas (ENAC);
d) Os Programas de Ação para as Alterações Climáticas (PAAC);
e) O Sistema Nacional para Políticas e Medidas (SPeM);
f) O Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas (INERPA).
2 – Os instrumentos referidos no número anterior não excluem outros instrumentos, devendo todos eles ser
articulados e conjugados.
3 – Os instrumentos de gestão territorial contêm medidas a adotar na respetiva área territorial de incidência,
com vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.
4 – As estratégias, planos e programas de política setorial contêm medidas a adotar no respetivo setor, com
vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.
5 – Os instrumentos da política climática criados para vigorarem num período de tempo definido, são
submetidos a revisão com a antecedência devida, de modo a garantirem o planeamento contínuo e eficaz dos
objetivos e metas a prosseguir, com condições para uma ampla participação do público.
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6 – O Relatório do Estado do Ambiente, produzido anualmente, incorpora um capítulo específico sobre as
alterações climáticas, dando conta da tendência registada no âmbito das respostas às alterações climáticas,
quer no que respeita à mitigação, quer à adaptação.
Artigo 7.º
Transversalidade
A transversalidade da política climática impõe a sua consideração em todos os sectores da vida económica,
social, ambiental e cultural, e obriga à sua articulação e integração com todas as políticas sectoriais, visando a
promoção de relações de coerência, de eficácia e de complementaridade.
Artigo 8.º
Comissão Interministerial
1 – A Comissão Interministerial do Ar e das Alterações Climáticas (CIAAC) promove a coordenação e o
acompanhamento das tutelas setoriais, ao nível governativo.
2 – O membro do governo responsável pela área do ambiente preside à CIAAC.
3 – Para além do estabelecido no número anterior, e sem prejuízo de outros considerados relevantes, na
CIAAC fazem-se representar os membros do governo que tutelam a energia, o ordenamento do território, a
conservação da natureza, as florestas, a agricultura, o mar, a economia, a inovação, a educação, a ciência, os
transportes, a saúde, o turismo, a proteção civil, o desenvolvimento regional, a administração local, os
negócios estrangeiros, a cooperação internacional, as finanças.
4 – Participam também na CIAAC os representantes dos governos regionais dos Açores e da Madeira.
CAPÍTULO III
Operacionalização dos objetivos específicos da política climática
Artigo 9.º
Participação dos cidadãos
1 – Os cidadãos têm o direito de participar no processo de elaboração dos instrumentos da política climática
e nas revisões desses instrumentos.
2 – Para além das consultas públicas, sob a forma tradicional de contributo escrito, devem ser organizadas
sessões de esclarecimento e debate entre os cidadãos e os responsáveis pela decisão relativa à política
climática, quer por iniciativa da administração, quer por solicitação de, no mínimo, 30 cidadãos.
3 – Para efeitos dos números anteriores, é disponibilizada informação, de forma clara, sistematizada e de
consulta fácil, a todos os cidadãos que pretendam a ela ter acesso.
Artigo 10.º
Medidas de mitigação
1 – A definição de medidas de redução de GEE é acompanhada de metas quantitativas a alcançar, bem
como de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.
2 – As metas, medidas e prazos traçados devem ser devidamente justificados.
Artigo 11.º
Medidas de adaptação
1 – A definição de medidas de adaptação às alterações climáticas, quer de âmbito territorial, quer de âmbito
setorial, é acompanhada de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.
2 – Para a definição de medidas de adaptação, é elaborada uma carta de risco, que demonstre as
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vulnerabilidades existentes que importa corrigir e adaptar.
Artigo 12.º
Fomento do emprego verde
1 – O combate às alterações climáticas não pode perder de vista a necessidade de criação de emprego que
garanta a subsistência dos cidadãos e a sua realização profissional.
2 – O Estado deve privilegiar o apoio à criação de emprego sustentável e compatível com os objetivos da
política climática, priorizando o apoio às micro, pequenas e médias empresas.
Artigo 13.º
Investigação
O Estado incentiva a investigação no âmbito da mitigação e da adaptação às alterações climáticas,
fundamentalmente no que ao território nacional diz respeito, e promove a divulgação generalizada desses
projetos de investigação.
Artigo 14.º
Investimento e Financiamento
1 – O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação e de
adaptação às alterações climáticas.
2 – Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente,
juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório que compreenda a síntese
das medidas de mitigação e de adaptação a concretizar, para que possam ser devidamente avaliadas as
necessidades de investimento.
3 – O governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações climáticas,
torna público, de forma acessível e generalizada, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas
de acesso ao respetivo financiamento.
4 – O Governo divulga, igualmente, os projetos e atividades a que foram atribuídos financiamentos públicos.
Artigo 15.º
Informação e monitorização
1 – O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre as emissões de GEE e setores
que contribuem para essas emissões, bem como sobre a tendência evolutiva verificada em cada um desses
setores.
2 – A base setorial prevista no número anterior abrange, designadamente, transportes e mobilidade,
edifícios de serviços e residenciais, indústria, resíduos e águas residuais, agricultura e pecuária, uso do solo e
florestas.
Artigo 16.º
Cooperação internacional
1 – O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções
internacionais respeitantes à matéria das alterações climáticas.
2 – O Estado português coopera internacionalmente, designadamente, com informação e conhecimento
relacionados com as alterações climáticas.
3 – Com prioridade para os países de língua oficial portuguesa, o Estado português coopera,
designadamente ao nível tecnológico, em projetos de mitigação e adaptação às alterações climáticas.
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CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 17.º
Apoio a associações ambientais
O Estado apoia as associações que dedicam a sua ação à defesa do ambiente, facilitando o seu contributo
para a sensibilização da sociedade relativamente à importância de combater as alterações climáticas.
Artigo 18.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 24 de setembro de 2020.
Os Deputados do PEV: Mariana Silva — Luís Ferreira.
———
PROJETO DE LEI N.º 577/XIV/2.ª APROVA A LEI DE BASES DA POLÍTICA DO CLIMA
Foi em 1979, há pouco mais de 40 anos, que Hans Jonas publicou uma das suas obras mais marcantes, O
Princípio da Responsabilidade, onde, na busca de uma ética para as civilizações futuras, se debruça sobre o
impacto das diferentes tecnologias no nosso planeta. Nessa altura, o efeito do crescente consumo de energia
fóssil nos níveis atmosféricos de dióxido de carbono (CO2) já estava a ser estudado há mais de 20 anos. Roger
Revelle, diretor do Instituto Scripps de Oceanografia, confirmando que os níveis atmosféricos de CO2 estavam
muito abaixo dos previstos pelo consumo de energia fóssil, propõe que seriam os oceanos os principais
sumidouros de CO2 e decide iniciar um projeto rigoroso de medições do CO2 na atmosfera e dos seus efeitos
nos oceanos.
Coube a Charles Keeling iniciar essa tarefa em 1957. Foi ele o primeiro a demonstrar que os níveis de CO2
estavam a aumentar na atmosfera a um ritmo acelerado. O gráfico representativo desse crescimento, hoje
denominado «A Curva de Keeling», mostrava ainda que essas concentrações oscilavam entre valores
máximos no fim do inverno e mínimos no fim do verão, valores, esses, que podiam ser rigorosamente
calculados e previstos, de acordo com os níveis de libertação e fixação de CO2 durante as diferentes estações
do ano.
Outro dos grandes pioneiros dessa época, no estudo integrado do ciclo do carbono, envolvendo os
oceanos, os continentes e a atmosfera, foi Bert Bolin, cujo trabalho foi fundamental para o desenho de
modelos teóricos mais fidedignos sobre a produção e fixação do CO2. Foi, por isso mesmo, escolhido em 1988
para ser o primeiro presidente do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), estrutura chave das
Nações Unidas cuja principal finalidade é fornecer aos diversos governos, em todos os níveis, informações
científicas que possam usar para desenvolver políticas climáticas. A lista de pioneiros não estaria completa
sem mencionar o nome de Wallace Broecker, que, em 1975, popularizou o termo global warming (aquecimento
global) e desenvolveu os estudos que vieram a credibilizar a ideia da «circulação oceânica global».
Não será exagero afirmar que foi precisamente na década de 80 do século XX que o tema do clima, do CO2
e dos outros «gases de efeito de estufa» ganhou visibilidade global. Como foi também nessa década, e no fim
da década anterior, que temas como «o buraco do ozono», «as chuvas ácidas», «a biodiversidade» e «a
sustentabilidade» começaram a atrair o interesse dos mais variados meios de comunicação e do público em
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geral. Em 1987, Portugal aprova uma Lei de Bases do Ambiente, onze anos depois de ter incluído na
Constituição da República o conceito do direito ao ambiente, e em 1990 é consagrado na orgânica
governamental, pela primeira vez, o Ministério do Ambiente. Mas após já quase meio século de atenção,
muitas das soluções continuam a ser sistematicamente adiadas. Agora, na ordem do dia das gerações mais
jovens, é altura de avançar mais rapidamente.
A primeira década do novo milénio viu confirmadas muitas das previsões feitas 20 anos antes. O
aperfeiçoamento dos diferentes modelos climáticos, assim como a monitorização rigorosa dos diferentes
parâmetros meteorológicos e de composição atmosférica em muitas regiões do planeta, teve como
consequência principal a credibilidade acrescida dessas previsões. O aumento da temperatura global, do nível
dos oceanos, assim como da sua acidificação, a redução da quantidade de gelo nas regiões polares e nos
glaciares, os eventos extremos e os efeitos sobre a agricultura e a saúde tornaram-se evidentes.
Os mecanismos a serem implementados pelos diferentes governos para lidar, de forma concertada, com
estes efeitos começam também a ser debatidos em 1988 em Toronto. Segue-se uma reunião em 1990 na
Suécia e finalmente a grande reunião internacional do Rio de Janeiro em 1992. No entanto, o Protocolo de
Quioto, resultante da terceira Conferência das Partes (COP3) realizada em 1997, que estipula compromissos
mais rígidos para a redução da emissão de CO2 e de outros gases de efeito de estufa só entra em vigor em
2005.
É também nessa primeira década do século XXI que vários governos começam a tomar iniciativas
importantes com propostas ainda mais ambiciosas de soluções tanto técnicas como políticas para os desafios
emergentes. Em 2001, Portugal estabelece o Plano Nacional para as Alterações Climáticas e, em 2008, o
Reino Unido avança com a primeira Lei de Bases do Clima.
Hoje, com o acumular dos dados experimentais e de modelos físico-matemáticos cada vez mais
sofisticados, só uma iliteracia profunda ou objetivos ideológicos ou de interesse económico particular podem
justificar o comportamento irresponsável daqueles que questionam a correlação evidente entre os níveis
crescentes de CO2 e o aumento da temperatura global e dos eventos ambientais extremos no planeta. O mês
de janeiro de 2020 foi o mais quente dos últimos 141 anos (para os quais existem dados fiáveis),
nomeadamente 1,14°C acima da média de todos os meses de janeiro do século XX. Foi o mês em que as
concentrações atmosféricas de CO2 atingiram o valor de 414 ppm (partes por milhão). Os modelos teóricos
usados nas previsões dos relatórios do IPCC de 2007 previam a subida dos valores da temperatura planetária
de pelo menos 2°C para valores da concentração atmosférica de CO2 da ordem dos 450 ppm.
O Relatório Especial do IPCC, publicado em 2018, analisava de forma exaustiva os efeitos globais do
aquecimento global de 1,5°C e ilustrava de forma clara os benefícios associados a este limite de aumento da
temperatura quando comparado com o valor de 2°C. Na última reunião internacional, no final de 2019, em
Madrid, a COP25 atualizou e confirmou muitos destes dados. Os Estados-Parte foram alertados para a
urgência da necessidade de limitar as emissões de CO2 e de outros gases de efeito de estufa. Mas,
infelizmente, o resultado final ilustrou claramente as dificuldades de consenso, em grande parte resultantes de
posições negacionistas relativamente às metas para as próximas décadas.
Tudo isto, enquanto a população do planeta está quase a atingir os 7,8 mil milhões de habitantes e continua
a aumentar entre 70 e 80 milhões por ano, aumento esse principalmente em economias emergentes que têm
vindo a consumir mais energia proveniente de fontes fósseis.
Há décadas que um número crescente de investigadores se tem dedicado a estudar as consequências do
acesso a fontes de energia diversificadas e de custo variável. No caso das alterações climáticas algumas das
consequências são previsíveis. Mas muitos dos efeitos a nível da saúde do homem e da sustentabilidade dos
ecossistemas, do acesso à água e da produção de alimentos, da organização dos transportes e do próprio
conceito de globalização são de tal modo complexos, que muitas das previsões continuam frágeis. As
simulações, por mais sofisticadas que sejam, ao incluírem um número tão elevado de parâmetros, nem sempre
independentes, necessitam de um aperfeiçoamento contínuo, para se tornarem mais credíveis.
Será essa provavelmente uma das razões que leva a que encontrar consensos nunca tenha sido fácil,
quando os benefícios e os custos não são equitativos e a urgência nos vários domínios não é vista da mesma
forma pelas diferentes nações. O resultado da recente COP25 ilustra esta dificuldade de forma clara. Acresce
que a polarização das opiniões normalmente aumenta quando potentes interesses económicos estão em jogo
e quando a autonomia dos governos é defendida de forma intransigente.
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Portugal tem conseguido fazer uma transição energética cuidadosa e inteligente, representando um caso
exemplar na União Europeia. Em 2016 tornámo-nos o primeiro País a comprometer-se com a neutralidade
carbónica em 2050, estabelecendo, em 2019, o roteiro para essa mesma finalidade.
É neste contexto que, no início da terceira década deste século, a presente lei deseja continuar essa
trajetória, alargando o seu âmbito, no sentido de ser integradora relativamente aos múltiplos desafios que as
alterações climáticas estão a provocar, incluindo opções técnicas e políticas que deveriam ser consensuais.
Indo para além da mitigação e adaptação, inclui estratégias de planeamento da política climática, metas
setoriais, mecanismos de avaliação e respetivos instrumentos de financiamento. O seu principal objetivo é o da
transição rápida e justa para uma economia competitiva, circular, resiliente e neutra em carbono.
O desafio do envolvimento ativo dos cidadãos no combate às alterações climáticas é reconhecido
globalmente. A importância das autarquias locais neste combate e na implementação de estratégias para a
transição energética, através de uma governação mais próxima desses cidadãos, é indiscutível. Conhecer as
vulnerabilidades do território e das populações que aí habitam e trabalham é crucial para que as estratégias a
adotar sejam consistentes a médio e longo prazo. Permite ainda criar oportunidades de promoção de um
desenvolvimento local sustentável, que inclui a criação de comunidades inclusivas, adaptadas às alterações
climáticas e eficientes do ponto de vista energético, melhorando a qualidade de vida de toda a população e
reforça a responsabilização pela ação climática através da colaboração e partilha de dados e de informação
com os níveis regional e nacional. O envolvimento das autarquias em todo o processo de construção de
estratégias para o combate às alterações climáticas é essencial.
Os oceanos são globalmente responsáveis pelo sequestro de cerca de 25% das emissões de CO2 de
origem antropogénica. Com mais de 4 milhões de km2 de zonas marítimas, Portugal é o maior estado costeiro
da União Europeia e também um dos maiores à escala mundial. O espaço marítimo nacional representa cerca
de 1% das águas marinhas mundiais e cerca de 10% da bacia do Atlântico Nordeste. A linha de costa
portuguesa estende-se por cerca de 1000 km, no continente, a que acrescenta as linhas de costa dos
arquipélagos dos Açores, com uma extensão de cerca de 900 km, e da Madeira, de 400 km. Este triângulo
marítimo representa a maior ZEE no espaço europeu e, se atendermos ao volume de água correspondente a
essa ZEE, bem como do mar territorial, o País possui cerca de 48% da totalidade do volume de água marinha
da União Europeia.
Por estes motivos, Portugal tem um papel relevante na mitigação das alterações climáticas. Por outro lado,
como nação costeira, é também particularmente vulnerável aos riscos e impactes causados pelas alterações
climáticas.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados abaixo
assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projeto de lei:
LEI DE BASES DA POLÍTICA DO CLIMA
CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei define as bases da política do clima.
Artigo 2.º
Objetivos da política do clima
As políticas públicas do clima prosseguem os seguintes objetivos:
a) Promover uma transição rápida, justa e socialmente equilibrada para uma economia sustentável e uma
sociedade neutras em carbono;
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b) Assegurar uma trajetória sustentável de redução das emissões de gases de efeito de estufa, a fim de
mitigar o impacto destas no clima e, deste modo, contribuir para travar as alterações climáticas;
c) Promover o aproveitamento das energias de fonte renovável e a sua integração no sistema energético
nacional, substituindo, tanto quanto possível, fontes fósseis ou poluentes de energia;
d) Melhorar a eficiência energética em toda a cadeia do valor da energia, desde a produção ao consumo,
reconhecendo o princípio de que a eficiência energética é um elemento prioritário para um fornecimento de
energia mais sustentável e de menor custo;
e) Desenvolver e reforçar os atuais sumidouros e demais serviços de sequestro de carbono;
f) Reforçar a resiliência e as capacidades nacionais de adaptação às alterações climáticas, promovendo a
segurança climática;
g) Assegurar uma participação empenhada, ambiciosa e liderante nas negociações internacionais e na
cooperação internacional em matérias do clima;
h) Estimular a inovação, a investigação e o desenvolvimento de conhecimento e tecnologias que
contribuam para estes fins, assim como a adoção e difusão das mesmas;
i) Garantir uma transição justa que não deixe para trás os mais vulneráveis e desfavorecidos,
designadamente combatendo a pobreza energética;
j) Fomentar a prosperidade e o crescimento verde, gerando mais riqueza e emprego;
k) Proteger e dinamizar a regeneração da biodiversidade, dos ecossistemas e dos seus serviços que
contribuam para a adaptabilidade e resiliência às alterações climáticas, promovendo medidas para a sua
gestão integrada numa perspetiva de desenvolvimento sustentável;
l) Dinamizar o financiamento sustentável e a informação relativa aos riscos climáticos por parte dos
agentes económicos e financeiros; e
m) Reiterar a diplomacia climática como um eixo prioritário da política externa portuguesa, em especial no
contexto da participação portuguesa na União Europeia, nas Nações Unidas e noutras organizações
multilaterais, incluindo no desenvolvimento de programas de apoio à descarbonização destinados a países em
desenvolvimento.
Artigo 3.º
Princípios da política do clima
As políticas públicas do clima estão subordinadas, nomeadamente, aos seguintes princípios:
a) Do desenvolvimento sustentável, designadamente o dever de solidariedade e respeito pelas gerações
futuras e pelas demais espécies que coabitam no planeta;
b) Da transversalidade e da integração, garantindo que as exigências de mitigação e adaptação às
alterações climáticas sejam consideradas na definição e execução das demais políticas globais e setoriais, de
modo a contribuir ou, pelo menos, não prejudicar a descarbonização;
c) Da cooperação internacional, tendo em vista as mais-valias tanto para o desenvolvimento de práticas e
tecnologias como para a conjugação necessária de esforços para a descarbonização global;
d) Da valorização do conhecimento e da ciência, assentando sempre nestas a tomada de decisões e
promovendo a difusão e respeito por elas;
e) Da participação das regiões e das autarquias nos processos de planeamento, tomada de decisão e
avaliação das políticas públicas, assegurando uma administração multinível integrada e eficiente;
f) Da informação e da participação dos cidadãos nos processos de planeamento, tomada de decisão e
avaliação das políticas públicas, impondo ao decisor público uma cultura de transparência e responsabilidade;
g) Da prestação de contas, através da divulgação pública e facilmente acessível dos indicadores e da
monitorização da evolução dos mesmos;
h) Da responsabilidade intra e intergeracional, que obriga à utilização e ao aproveitamento dos recursos
naturais e humanos de uma forma racional e equilibrada, a fim de garantir a sua preservação para a presente e
futuras gerações;
i) Da prevenção e da precaução, que obrigam à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de
obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactos adversos no clima, com origem natural ou humana,
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tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira
como podem estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que
alegue a ausência de perigos ou riscos.
CAPÍTULO II
DIREITOS E DEVERES CLIMÁTICOS
Artigo 4.º
Direito ao equilíbrio climático
1 – Todos têm direito ao equilíbrio climático, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos.
2 – O direito ao equilíbrio ecológico consiste no direito de defesa contra os impactos das alterações
climáticas, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das
obrigações, em matéria climática, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.
3 – A prossecução do equilíbrio ecológico deve assegurar a equidade intergeracional.
Artigo 5.º
Direitos procedimentais e processuais em matéria climática
1 – Todos gozam dos direitos de intervenção e de participação nos procedimentos administrativos relativos
à política climática, nos termos legalmente estabelecidos.
2 – Em especial, os referidos direitos procedimentais incluem, nomeadamente:
a) O direito de participação dos cidadãos, das associações não-governamentais e dos demais agentes
interessados na definição de instrumentos estratégicos e na adoção das decisões relativas a procedimentos de
autorização ou referentes a atividades que possam ter impactes significativos no clima, devendo o Estado, as
regiões autónomas e as autarquias locais promover a participação ativa dos cidadãos e das suas organizações
na conceção, execução, avaliação e revisão dos instrumentos de política climática de âmbito nacional, regional
ou local.
b) O direito de acesso à informação ambiental com relevo em matéria climática detida por entidades
públicas, as quais têm o dever de a divulgar e disponibilizar ao público através de mecanismos adequados,
incluindo a utilização de tecnologias telemáticas ou eletrónicas e, em especial, de acesso aos documentos
administrativos relacionados com processos de decisão que gerem um acréscimo de emissões de gases de
efeito de estufa, nos termos da lei e das convenções internacionais que vinculam o Estado português.
3 – A todos é reconhecido o direito à tutela plena e efetiva dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos em matéria climática.
4 – Em especial, os referidos direitos processuais incluem, nomeadamente:
a) O direito de ação para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, assim como
para o exercício do direito de ação pública e de ação popular;
b) O direito a promover a prevenção, a cessação e a reparação de riscos para o equilíbrio climático da
forma mais célere possível;
c) O direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao equilíbrio climático.
Artigo 6.º
Deveres em matéria de equilíbrio climático
1 – Todos têm o dever de proteger, preservar e respeitar o equilíbrio climático, contribuindo através dos
seus comportamentos e decisões para mitigar as alterações climáticas, e de forma a assegurar a sua
salvaguarda a longo prazo, nomeadamente para as gerações futuras.
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2 – A cidadania climática consiste no dever de contribuir para a criação de condições que assegurem o
equilíbrio climático, cabe ao Estado promover, nos planos político, cultural, educativo, económico e jurídico, o
respeito pelo dever para com o equilíbrio climático.
3 – As ações e omissões danosas que acelerem as alterações climáticas são geradoras de
responsabilidade, nos termos da lei.
CAPÍTULO III
GOVERNAÇÃO DA POLÍTICA DO CLIMA
Artigo 7.º
Coordenação de políticas
1 – A mitigação e adaptação das alterações climáticas devem ser consideradas, articuladas e integradas no
planeamento, execução e avaliação das diversas políticas setoriais e no desenvolvimento das atividades
económicas, sociais e políticas, assegurando a sua coerência e complementaridade.
2 – O Governo promove a coordenação interministerial da política climática, bem como a sua articulação e
coordenação a nível europeu e internacional.
Artigo 8.º
Unidade Técnica para a Estratégia Climática
1 – É criado, no âmbito do Conselho Nacional para o Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, um órgão
independente, a Unidade Técnica para a Estratégia Climática (UTEC), à qual compete pronunciar-se sobre o
planeamento, a execução e a avaliação da política em matéria de alterações climáticas, bem como contribuir
para qualificar a discussão pública sobre a condução desta política e o fenómeno em causa, tendo em conta
as experiências internacionais.
2 – A UTEC deve integrar personalidades de reconhecido mérito, com conhecimento técnico e experiência
nas áreas das alterações climáticas, ambiente, gestão de risco ou políticas públicas, e, pelo menos, um
cidadão jovem, com idade até aos 30 anos, residente em Portugal, de reconhecido mérito no combate às
alterações climáticas.
3 – Sem prejuízo do disposto na presente lei, a composição, as competências, a organização e o
funcionamento da UTEC, bem como o estatuto dos respetivos membros, são definidos em diploma próprio.
4 – Sem prejuízo das demais competências estabelecidas na presente lei, e em articulação com as demais
estruturas do Estado, compete à UTEC:
a) Apresentar bienalmente cenários de descarbonização da economia, de acordo com os indicadores de
custo e de desenvolvimento da tecnologia mais recentes, e opções de política de apoio à conversão dos
setores e agentes económicos envolvidos;
b) Identificar as tecnologias e inovações mais custo-eficazes e de maior valor acrescentado e que menos
expõem a economia ao risco climático, para a obtenção das metas setoriais referidas na presente lei, utilizando
para este efeito os indicadores mais recentes disponíveis assim como a avaliação de investimentos já
efetuados em inovação e desenvolvimento nas áreas de energia e clima;
c) Apresentar bienalmente recomendações sobre o desenvolvimento das infraestruturas de energia e
transportes, tendo em conta os cenários desenvolvidos nos termos da alínea a) e o resultado da análise
referida na alínea b); e
d) Pronunciar-se em consultas solicitadas pelo Governo, pela Assembleia da República, pelas regiões
autónomas e, caso se justifique, pelas autarquias locais sobre a elaboração, discussão e aprovação de atos
legislativos ou do planeamento de políticas públicas que visem a prossecução das metas inscritas no presente
diploma.
5 – Para efeitos da alínea b) do número anterior, as entidades responsáveis pelo planeamento das redes de
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distribuição e transporte de eletricidade e gás, das redes de abastecimento de água, de saneamento e
tratamento de águas residuais, das redes rodoviárias e ferroviárias nacionais, das infraestruturas de
transportes aéreos e marítimos e dos sistemas de transportes públicos das autoridades metropolitanas e das
comunidades intermunicipais devem colaborar no desenvolvimento destes cenários e considerar, como
pressupostos no desenvolvimento dos seus cenários, as recomendações da UTEC.
6 – A aplicação de recursos públicos em inovação, investigação e desenvolvimento em áreas relacionadas
com o combate às alterações climáticas deve ter em conta as recomendações da UTEC.
7 – Os resultados da alínea b) do n.º 4 são utilizados como pressupostos para a elaboração da estratégia
industrial verde prevista na presente lei.
Artigo 9.º
Políticas regionais e locais para o clima
1 – As regiões autónomas e as autarquias locais programam e executam políticas climáticas no âmbito das
suas atribuições e competências, assegurando a sua coerência com os instrumentos de gestão territorial.
2 – As comissões de coordenação de desenvolvimento regional, as comunidades intermunicipais e as áreas
metropolitanas definem políticas climáticas comuns para os respetivos territórios.
3 – As entidades referidas nos números anteriores cooperam, designadamente, para assegurar a
complementaridade das políticas e dos investimentos para a mitigação e a adaptação às alterações climáticas.
4 – O Estado assegura os meios necessários para garantir o desenvolvimento das políticas regionais e
locais em matéria climática.
5 – As empresas do setor empresarial do Estado têm um especial dever de cooperação na concretização
das políticas em matéria climática no território onde se inserem e desenvolvem a sua atividade.
6 – As entidades referidas no presente artigo são objeto de uma avaliação de desempenho das respetivas
políticas públicas em matéria climática, em termos a definir em diploma próprio.
Artigo 10.º
Política externa climática
1 – O Governo adota uma visão global e integrada da prossecução dos objetivos climáticos, assente numa
conceção de justiça climática, respeitando o limite do uso sustentável dos recursos naturais do planeta e os
percursos de desenvolvimento de cada país, defendendo ativamente em matéria de política externa
relacionada com o clima:
a) O reforço das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, suficiente para não
ultrapassar 1,5ºC de aquecimento global;
b) Os compromissos internacionais que digam respeito ao clima e à preservação do ambiente;
c) O aprofundamento da tutela penal internacional do ambiente;
d) A definição do conceito de refugiado climático.
2 – A política externa deve promover o combate à fuga de carbono e ao dumping climático,
designadamente através da convergência internacional das normas ambientais em acordos comerciais e a
abrangência dos preços de carbono, designadamente assegurando a sua repercussão nas importações.
3 – A República Portuguesa promove a adoção e implementação de normas de sustentabilidade nos
acordos internacionais, em particular nos acordos comerciais.
4 – A República Portuguesa tem em conta os riscos climáticos como fontes e multiplicadores de
instabilidade global, designadamente na sua política de vizinhança.
Artigo 11.º
Segurança climática e defesa nacional
1 – Compete ao Governo, no quadro das suas competências em matéria climática, de segurança interna,
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de proteção civil e de defesa nacional, promover a segurança climática, devendo para isso identificar os riscos
e agir para prevenir e mitigar as consequências das alterações climáticas na ordem, segurança e tranquilidade
públicas, na integridade de pessoas e bens e no regular exercício dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais dos cidadãos.
2 – Integra-se, ainda, na conceção de segurança climática a proteção da segurança energética e da
segurança alimentar e nutricional.
3 – Os recursos do Estado devem ser organizados com vista a reforçar a resiliência nacional face aos
impactos das alterações climáticas, quer em território nacional, quer junto das diásporas e das missões
internacionais que Portugal integra, é essencial à garantia de uma capacidade nacional de defesa dos
interesses nacionais.
4 – A segurança climática desenvolve-se em todo o espaço sujeito aos poderes de jurisdição portuguesa,
devendo ainda a República Portuguesa cooperar com organizações internacionais e outros Estados na adoção
e implementação de medidas de segurança climática comuns, fora deste espaço.
5 – A reflexão estratégica relativa às prioridades de segurança e defesa nacional deve:
a) Integrar os impactos das alterações climáticas nas regiões vizinhas de Portugal e da Europa, incluindo
nos países com quem Portugal coopera em matérias de segurança e defesa.
b) Estudar os efeitos políticos sobre a segurança e a defesa internacional, através do levantamento de
cenários a curto, médio e longo prazo e acautelar o respetivo planeamento no exterior onde se encontrem
missões e nacionais em grande número, em articulação com os demais agentes do Estado.
6 – As Forças Armadas devem incorporar no seu planeamento estratégico e operacional os riscos inerentes
às alterações climáticas, assim como as medidas no âmbito da chamada defesa verde, para que seja possível
reduzir o impacto ambiental das atividades de segurança e defesa.
7 – O planeamento estratégico de defesa nacional e o desenvolvimento de capacidades, nomeadamente no
âmbito da Lei de Programação Militar, da participação nacional da Cooperação Estruturada Permanente da
União Europeia em matéria de defesa e do desenvolvimento da Base Tecnológica e Industrial de Defesa, deve
integrar as alterações climáticas como premissa fundamental e global no plano interno e externo.
8 – Os cidadãos, as empresas e demais entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar na
prossecução dos fins de segurança climática, nos mesmos termos que fazem para fins de segurança interna,
proteção civil e defesa nacional.
9 – A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira,
para enquadrar a política de segurança climática e fiscalizar a sua execução.
10 – A Assembleia da República aprecia, para esse efeito, um relatório, a apresentar pelo Governo até 31
de março de cada biénio, sobre a situação do País em matéria de segurança climática, bem como a atividade
desenvolvida no biénio anterior para a salvaguardar.
11 – O relatório definido no número anterior deverá ser acompanhado de parecer da UTEC.
CAPÍTULO IV
INSTRUMENTOS DE PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO
Secção I
Princípios Gerais
Artigo 12.º
Neutralidade carbónica
A República Portuguesa está comprometida em alcançar a neutralidade carbónica até ao ano de 2050, o
que se traduz num balanço neutro entre emissões de gases de efeito de estufa e o sequestro destes gases
pelos diversos sumidouros.
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Artigo 13.º
Princípios de planeamento da política climática
1 – A política climática é desenvolvida tendo em atenção as perspetivas de alterações climáticas no curto,
médio e longo prazo, bem como o seu impacto na vida dos cidadãos, nas atividades económicas, sociais e
culturais e no meio ambiente.
2 – A política climática assenta numa avaliação rigorosa e prudente das perspetivas e dos impactos
referidos no número anterior, devendo basear-se na ciência e no conhecimento.
3 – A política climática concretiza-se através de iniciativas do Estado, do seu setor empresarial, das regiões
autónomas e das autarquias locais, direta ou indiretamente, pela promoção e adoção de iniciativas e pela
alteração de comportamentos por parte dos cidadãos, das entidades públicas e privadas.
4 – A política climática deve ser executada tendo em vista a obtenção de resultados de mitigação e
adaptação das alterações climáticas tanto no curto como nos médio e longo prazos.
5 – A política climática é planeada tendo em conta as circunstâncias tecnológicas, políticas, económicas,
fiscais, sociais, energéticas, regionais, europeias e internacionais no momento da sua definição.
6 – A política climática é construída com os cidadãos e conduzida no interesse geral destes, devendo incluir
participação pública, ser escrutinada na Assembleia da República e avaliada com independência pela UTEC.
Secção II
Políticas de Mitigação
Artigo 14.º
Metas nacionais de mitigação
1 – A República Portuguesa adota e assume as seguintes metas de redução face a 2005 de emissões de
gases de efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:
a) Até ao ano de 2030, uma redução de pelo menos 55%;
b) Até ao ano de 2040, uma redução de entre 65 a 75%;
c) Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 90%.
2 – São ainda adotadas como metas para o sumidouro líquido de CO2 equivalente do setor do uso do solo e
das florestas, em média, entre 2045 e 2050, pelo menos, 13 megatoneladas.
3 – O Estado submete estas metas no âmbito das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do
Acordo de Paris ou de convenção internacional que o substitua, assegurando a adequação entre os
compromissos nacionais e internacionais de redução das emissões de gases de efeito de estufa.
4 – As metas estabelecidas na presente lei podem ser revistas a cada 5 anos, após avaliação da matéria,
com vista a aumentar o seu grau de ambição, nomeadamente tendo em conta os resultados já obtidos em
matéria de descarbonização e o novo conhecimento científico e tecnológico.
Artigo 15.º
Instrumentos de planeamento para a mitigação
1 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República os seguintes instrumentos de planeamento
com vista à consecução dos objetivos climáticos em matéria de mitigação:
a) Estratégia de longo prazo;
b) Orçamentos de carbono; e
c) Plano Nacional de Energia e Clima.
2 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou apresentar cada
um dos instrumentos de planeamento ou o seu projeto ou anteprojeto, sendo este publicado em simultâneo
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com a sua apresentação à Assembleia da República.
3 – O Governo submete a consulta pública um projeto de cada um dos instrumentos de planeamento
previstos no presente artigo, acompanhado pelo respetivo parecer da UTEC, devendo assegurar a audição de:
a) As regiões autónomas;
b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) A Associação Nacional de Freguesias;
d) O Conselho Económico e Social; e
e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
4 – O Governo pode, se necessário, atualizar os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo
de cinco em cinco anos, devendo apresentar essas revisões à Assembleia da República, e assegurar também
o cumprimento do disposto no n.º 2 e no n.º 7 do presente artigo.
5 – A estratégia de longo prazo estabelece os objetivos e as linhas gerais de condução da política climática,
com uma perspetiva de 30 anos.
6 – Os orçamentos de carbono estabelecem um plafond total de emissões de gases de efeito de estufa
para cada período de cinco anos, e com uma antecedência de pelo menos doze anos face ao período em
referência, fazendo a prospetiva de política climática para assegurar o cumprimento deste plafond.
7 – O Plano Nacional de Energia e Clima adota a estratégia nacional de política climática para o período de
dez anos subsequente à sua aprovação.
8 – Os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo são consistentes com as metas previstas
na presente lei e coerentes entre si.
Artigo 16.º
Metas setoriais de mitigação
1 – A República Portuguesa adota e assume as seguintes metas de redução face a 2005 de emissões de
gases com efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:
a) Para o sistema electroprodutor:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 90 e 95%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução de pelo menos 98%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 99%.
b) Para o setor dos transportes e mobilidade, incluindo aviação e marítimos internacionais:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 43 e 46%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 84 e 85%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 98%.
c) Para o setor da indústria:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 48 e 52%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 59 e 60%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução entre 72 e -73%.
d) Para o setor dos edifícios:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 48 e 51%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 82 e 83%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 98%.
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e) Para o setor da agricultura, solos com agricultura e pastagens:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 36 e 39%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 37 e 49%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução entre 38 e 60%.
f) Para o setor dos resíduos e das águas residuais:
i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 57 e 58%;
ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 69 e 71%; e
iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 80%.
2 – As metas estabelecidas na presente lei podem ser revistas a cada 5 anos para aumentar o seu grau de
ambição, nomeadamente tendo em conta os resultados já obtidos em matéria de descarbonização e o novo
conhecimento científico e tecnológico.
Artigo 17.º
Planos setoriais de mitigação
1 – Tendo em vista a consecução das metas previstas no artigo anterior, de dez em dez anos, o Governo
desenvolve e aprova, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, planos setoriais de
mitigação das alterações climáticas a vigorar por um período de 10 anos.
2 – Os planos setoriais de mitigação das alterações climáticas adotam a estratégia setorial para o período
em referência.
3 – Os planos setoriais de mitigação das alterações climáticas são consistentes com as metas previstas na
presente lei, bem como com os instrumentos de planeamento previstos nos artigos anteriores.
4 – Na elaboração dos planos setoriais de mitigação das alterações climáticas, o Governo obtém e toma em
consideração o parecer da UTEC a publicar em simultâneo com as apresentações dos referidos planos.
Artigo 18.º
Transparência da monitorização das metas
O Governo cria e disponibiliza uma ferramenta digital acessível através da internet para, seguindo o
princípio da transparência, permitir ao cidadão acompanhar e monitorizar o progresso das metas referidas na
presente secção.
Secção III
Adaptação
Artigo 19.º
Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas
1 – Até 1 de janeiro de 2029 e de dez em dez anos a partir dessa data, o Governo elabora e apresenta na
Assembleia da República uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas a vigorar por um
período de 10 anos, a partir de 1 de janeiro de 2031.
2 – As Estratégias Nacionais de Adaptação às Alterações Climáticas adotam a estratégia nacional para o
período em referência no que concerne à adaptação do território, das comunidades e das atividades
económicas e sociais às alterações climáticas, aos seus riscos e aos seus impactos.
3 – A prospetiva de riscos referida no número anterior deve considerar vários cenários, entre os quais de
políticas invariantes, sendo as medidas a adotar baseadas no cenário mais provável ou num cenário mais
prudente.
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4 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou apresentar uma
Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas ou o seu projeto ou anteprojeto, a publicar em
simultâneo com a apresentação da Estratégia.
5 – Até 1 de janeiro de 2028, e de dez em dez anos a partir dessa data, o Governo elabora e apresenta um
projeto da próxima Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas.
6 – O Governo submete a consulta pública o projeto da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações
Climáticas, acompanhado de parecer da UTEC, devendo assegurar a audição de:
a) As Regiões Autónomas;
b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) A Associação Nacional de Freguesias;
d) O Conselho Económico e Social; e
e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
7 – Até 30 de junho de 2024 e, posteriormente, até 1 de janeiro de 2034, e de dez em dez anos após essa
data, o Governo elabora e apresenta na Assembleia da República uma atualização da última Estratégia
Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, a qual deve ter sido submetida ao escrutínio previsto nos n.os
4 e 6 do presente artigo.
8 – A Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas e as suas atualizações são discutidas e
votadas no prazo de 90 dias após a data da sua admissão pela Assembleia da República.
Artigo 20.º
Planos Setoriais de Adaptação às Alterações Climáticas
1 – De dez em dez anos, o Governo desenvolve e aprova, em diálogo com as estruturas representativas de
cada setor, planos setoriais de adaptação às alterações climáticas a vigorar por um período de 10 anos.
2 – Os planos setoriais de adaptação às alterações climáticas adotam a estratégia setorial para o período
em referência nas seguintes áreas:
a) Adaptação do território, da geografia e do meio natural;
b) Adaptação das infraestruturas, dos equipamentos e do meio construído; e
c) Adaptação das atividades económicas, sociais e culturais.
3 – Os planos setoriais de adaptação das alterações climáticas são consistentes com as metas previstas na
presente lei, bem como com os instrumentos de planeamento previstos nos artigos anteriores.
4 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou aprovar um plano
setorial de adaptação às alterações climáticas, a publicar em simultâneo com a sua apresentação pelo
Governo.
Secção IV
Instrumentos de Avaliação
Artigo 21.º
Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito de Estufa
1 – O Estado garante a elaboração do Inventário Nacional de Emissões Antropogénicas por Fontes e
Remoção por Sumidouros de Poluentes Atmosféricos (INERPA), de acordo com os requisitos e as diretrizes
europeias e internacionais, e assegura a coerência, a comparabilidade e o rigor das estimativas efetuadas.
2 – Até 31 de julho de cada ano, o Estado divulga e comunica à Comissão Europeia o inventário
aproximado de gases de efeito de estufa para o ano transato.
3 – A partir de 2023, o Estado divulga e comunica à Comissão Europeia os dados preliminares deste
inventário até 15 de janeiro e os dados finais do mesmo até 15 de março.
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Artigo 22.º
Avaliação contínua independente
1 – A UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um relatório anual sobre o
estado de execução dos instrumentos de planeamento.
2 – De dois em dois anos, a UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um
relatório sobre as políticas e medidas em matéria de gases de efeito de estufa, bem como as projeções
nacionais de emissões antropogénicas de gases de efeito de estufa por fontes e remoções por sumidouros.
3 – De dois em dois anos, a UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um
relatório sobre as ações de adaptação às alterações climáticas.
4 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República um relatório anual, acompanhado de
parecer da UTEC, sobre a utilização de receitas geradas através do leilão de licenças de emissão.
5 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República um relatório anual, acompanhado de
parecer da UTEC, sobre o apoio prestado em matéria climática a países em desenvolvimento.
5 – A UTEC obtém e toma em consideração o parecer do Governo antes de elaborar ou apresentar um dos
relatórios previstos nos n.os 1 a 3 ou os seus projetos, a publicar em simultâneo com a sua apresentação.
6 – A UTEC submete a consulta pública um projeto dos relatórios previstos nos n.os 1 a 3, acompanhado de
parecer do Governo, devendo assegurar a audição:
a) Das regiões autónomas;
b) Da Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) Da Associação Nacional de Freguesias;
d) Do Conselho Económico e Social; e
e) Do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
7 – O Governo submete a consulta pública um projeto dos relatórios previstos nos n.os 5 e 6, acompanhado
de parecer da UTEC, devendo assegurar a audição:
a) Das regiões autónomas;
b) Da Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) Da Associação Nacional de Freguesias;
d) Do Conselho Económico e Social; e
e) Do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
8 – Os relatórios referidos no presente artigo são disponibilizados ao público.
Artigo 23.º
Avaliação intermédia
Até um ano antes do prazo para essa atualização, a UTEC elabora e divulga uma avaliação intermédia do
estado de execução do instrumento de planeamento, tendo em vista informar e orientar a sua atualização nos
termos da lei.
Artigo 24.º
Avaliação ex post
1 – Até um ano após o final do período de referência de cada instrumento de planeamento, a UTEC elabora
e divulga um relatório final de avaliação.
2 – Sem prejuízo para a sua independência e autonomia, a UTEC e o Governo colaboram para a
elaboração do relatório final de avaliação, devendo para isso:
a) A UTEC ouvir o Governo sobre a execução dos objetivos, metas, políticas, medidas e investimentos
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planeados;
b) O Governo prestar toda a informação, acesso e auxílio necessários à elaboração do relatório;
c) A UTEC apresentar um anteprojeto do relatório ao Governo; e
d) O Governo elaborar uma resposta ao anteprojeto do relatório.
3 – A UTEC submete a consulta pública um projeto do relatório final de avaliação, acompanhado da
resposta do Governo, devendo assegurar a audição de:
a) As regiões autónomas;
b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;
c) A Associação Nacional de Freguesias;
d) O Conselho Económico e Social; e
e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Artigo 25.º
Avaliação climática de impacto legislativo
De forma a assegurar a harmonização da ordem jurídica nacional com as metas e instrumentos climáticos
definidos na presente lei, o procedimento legislativo deve ter em conta o impacto das iniciativas no equilíbrio
climático, devendo os órgãos com competência legislativa promover a disponibilização de uma avaliação de
impacto no momento de apreciação das mesmas, nos termos das respetivas disposições regimentais e de
funcionamento interno.
CAPÍTULO V
INSTRUMENTOS ECONÓMICOS E FINANCEIROS
Secção I
Processo Orçamental e Fiscalidade Verde
Artigo 26.º
Princípios orçamentais e fiscais verdes
As políticas orçamentais e fiscais devem respeitar os seguintes princípios orientadores em matéria
climática:
a) O financiamento ou tributação das atividades que contribuam, mitiguem ou adaptem o território e a
sociedade às alterações climáticas devem respeitar os princípios da transparência orçamental e da
especificação;
b) Os subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou através de benefícios fiscais, dos combustíveis
fósseis ou da sua utilização devem ser progressivamente eliminados até ao ano de 2030;
c) O esforço, em matéria de tributação e de dotação orçamental, deve ser justo e progressivo, tanto quanto
à capacidade contributiva como quanto ao comportamento sujeito a tributação;
d) A fiscalidade deve tornar-se num instrumento da transição para a neutralidade, reforçando a aplicação da
taxa de carbono e promovendo uma maior tributação sobre o uso dos recursos; e
e) As receitas da fiscalidade verde devem ser consignadas para a descarbonização, a transição justa e o
aumento da resiliência e capacidade de adaptação às alterações climáticas.
Artigo 27.º
Programação orçamental
1 – Sem prejuízo da sua inscrição em diversos programas orçamentais setoriais, em respeito pelo princípio
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da transparência orçamental, a dotação orçamental para fins de política climática deve ser consolidada numa
conta do Orçamento Climático.
2 – O Governo assegura a integração dos cenários climáticos nos modelos que subjazem as previsões e
cenários macroeconómicos que sustentam o Orçamento do Estado, devendo incluir explicitamente uma
previsão das emissões de gases de efeito de estufa para o ano económico a que respeita, devendo estas estar
alinhadas com o cumprimento das metas e dos instrumentos de planeamento previstos na presente lei.
3 – O Orçamento do Estado deve, no relatório que o acompanha, e em referência ao ano económico a que
respeita, e com base nos instrumentos de planeamento em vigor:
a) Identificar as medidas a adotar pelo Governo em matéria de política climática;
b) Indicar a dotação orçamental consolidada a disponibilizar para a sua execução nos vários programas
orçamentais; e
c) Apresentar uma estimativa do contributo das medidas inscritas para a obtenção das metas previstas na
presente lei.
4 – A Conta Geral do Estado deve, no relatório que a acompanha, e em referência ao ano económico a que
respeita, e em consonância com a avaliação contínua independente prevista na presente lei:
a) Identificar as medidas executadas pelo Governo em matéria de política climática;
b) Indicar a execução orçamental consolidada das iniciativas de ação climática dos vários programas
orçamentais; e
c) Apresentar uma estimativa da redução obtida ou prevista de gases de efeito de estufa para cada uma
das medidas.
5 – A UTEC emite parecer sobre o Orçamento do Estado e sobre a Conta Geral do Estado,
designadamente sobre o cumprimento do disposto no presente artigo.
Artigo 28.º
Despesa fiscal
1 – Na apresentação de relatórios sobre benefícios fiscais ou despesa fiscal, o Governo especifica os
benefícios ou a despesa que contribua, mitigue ou adapte o território e a sociedade às alterações climáticas.
2 – Em respeito pelo previsto na alínea b) do artigo 26.º, os benefícios fiscais e despesa fiscal que
contribuam para as alterações climáticas fixados por legislação nacional são, progressivamente, eliminados.
Artigo 29.º
Taxa de carbono
1 – Sem prejuízo de legislação especial, os produtos petrolíferos e energéticos estão sujeitos a uma taxa de
carbono, aplicada adicionalmente ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, de acordo com
fatores de adicionamento tendencialmente correspondentes às emissões totais de gases de efeito de estufa na
produção e consumo desse produto energético.
2 – A taxa de carbono aplicada a produtos petrolíferos e energéticos não sujeitos ao Comércio Europeu de
Licenças de Emissão não pode ser inferior a uma média recente do preço resultante dos leilões de licenças de
emissão de gases de efeito de estufa, realizados no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão.
3 – Pode ser fixado por diploma próprio um valor mínimo, atualizado periodicamente, para a tonelada de
CO2 equivalente, aplicável:
a) Aos produtos não sujeitos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão, através de uma taxa de
carbono correspondente ao valor mínimo; e
b) Aos produtos sujeitos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão, através de uma taxa adicional ao
valor da licença de emissão.
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Artigo 30.º
Instrumentos financeiros
1 – Deve ser criado na dependência do membro do Governo responsável pela área das alterações
climáticas, um instrumento financeiro que tem por finalidade apoiar políticas climáticas, contribuindo para o
cumprimento dos objetivos e compromissos nacionais e internacionais.
2 – Sem prejuízo para a definição por lei de outras receitas, constituem receitas do instrumento financeiro:
a) O montante das receitas nacionais de leilões relativos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão
(CELE);
b) O montante das receitas de leilões para o setor da aviação; e
c) O montante das receitas da taxa de carbono prevista no artigo anterior.
3 – Enquanto acionista em instituições financeiras, e sem prejuízo da autonomia de gestão do órgão de
administração e da legislação especificamente aplicável a estas entidades, o Estado adota linhas de
orientação que promovam a adequação da política de crédito e investimento e da sua carteira de ativos à
prossecução das metas climáticas e ao desenvolvimento de atividades ambientalmente sustentáveis, evitando
progressivamente a exposição a atividades vulneráveis a risco climático.
Secção II
Financiamento Sustentável
Artigo 31.º
Princípios de financiamento sustentável
As políticas financeiras, de gestão financeira, de apoio à capitalização e de apoio à contração de
empréstimos, tanto do Estado como de entes privados, devem promover os seguintes princípios orientadores
em matéria climática:
a) O princípio da identificação, assegurando o conhecimento sobre o impacto climático decorrente dessas
ações, nomeadamente como esse impacte afeta os ativos ou passivos económicos e financeiros do País e da
organização recetora;
b) O princípio da transparência, promovendo a divulgação de informação relativa ao impacte climático nas
decisões de gestão e investimento por parte de gestores, investidores e consumidores, seguindo as
recomendações europeias de reporte não financeiro e climático e as melhores práticas internacionais;
c) O princípio da responsabilização e prudência, visando a incorporação dos riscos climáticos na avaliação
dos ativos e dos passivos;
d) O princípio do desinvestimento, procurando que fundos públicos progressivamente deixem de participar
de ativos que não correspondam a atividades ambientalmente sustentáveis e que sejam aplicados progressiva
e preferencialmente em ativos que o sejam.
Artigo 32.º
Sistema financeiro
1 – Os agentes e as instituições públicas e privadas, nas suas decisões de financiamento, devem ter em
conta o risco climático e o impacto climático.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se:
a) Risco climático, as consequências previsíveis das alterações climáticas nos investimentos de cada
agente económico;
b) Impacto climático, o impacto dos investimentos de cada agente económico nas alterações climáticas.
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3 – A não consideração do risco e impacte climáticos no curto, médio e longo prazo é considerada uma
quebra do dever fiduciário.
4 – A falta de transparência ou não partilha de informação, em violação do disposto no número anterior, é
considerada uma venda inadequada, nos termos da regulação de mercados de instrumentos financeiros.
5 – A análise de risco, designadamente, na intermediação financeira deve considerar o risco e impacte
climáticos das atividades que procuram por financiamento.
6 – A informação sobre a relação entre investimentos e as alterações climáticas deve respeitar a taxonomia
sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia sobre atividades ambientalmente
sustentáveis.
7 – As entidades reguladoras e de fiscalização apresentam um relatório anual sobre a exposição do risco
climático dos seus respetivos setores e, em particular, o risco climático do setor financeiro e segurador.
Artigo 33.º
Património público
1 – O Estado garante que, progressivamente e até 2030, não existe património público que não esteja
alinhado com os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, em
particular, para as atividades assentes ou conexas à exploração, transformação e comercialização de
combustíveis fósseis e os seus sucedâneos.
2 – O Estado assegura, progressivamente e até 2030, o desinvestimento de participações em sociedades
ou atividades que não estejam alinhados com os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente
sustentáveis da União Europeia, em particular, para as atividades assentes ou conexas à exploração,
transformação e comercialização de combustíveis fósseis e os seus sucedâneos devem dispor de um plano de
descarbonização própria, compatível com os princípios do desinvestimento anteriormente referidos.
3 – Excetua-se do disposto nos números anteriores o património, investimentos ou participações que sejam
considerados de interesse estratégico nacional, mediante parecer vinculativo da UTEC.
4 – A administração central, regional e local deve preferencialmente financiar projetos, contratar serviços ou
concessionar serviços públicos, de forma exclusiva ou parcial, que cumpram com os princípios da Taxonomia
sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia.
Artigo 34.º
Risco climático no governo das sociedades
1 – As sociedades devem considerar no seu governo as alterações climáticas, designadamente
incorporando, na sua tomada de decisão, uma análise do risco climático.
2 – Os deveres de cuidado, lealdade e de relatar a gestão e apresentar contas prescritos aos gestores ou
administradores e titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem incluir uma consideração
prudente e uma partilha de informação transparente sobre o risco que as alterações climáticas colocam ao
modelo de negócio, estrutura de capital e ativos das sociedades, seguindo as recomendações e boas práticas
de divulgação de informação climática.
3 – As sociedades devem ainda avaliar, em relação a cada exercício anual, as dimensões económica,
ambiental e social e a exposição às alterações climáticas do impacto carbónico da sua atividade e
funcionamento, integrando esta análise no seu relatório de gestão, e podem definir um orçamento de carbono,
estabelecendo um plafond total de emissões de gases de efeito de estufa que considere as metas previstas na
presente lei.
4 – As sociedades e as entidades do setor empresarial do Estado integram, no âmbito das obrigações
informacionais, designadamente as previstas no Código dos Valores Mobiliários, um capítulo que reporta, de
forma transparente e abrangente, os riscos climáticos por estas enfrentadas, seguindo as recomendações e
boas práticas de divulgação de informação climática.
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CAPÍTULO VI
INSTRUMENTOS DE POLÍTICA SETORIAL DO CLIMA
Secção I
Transição Energética
Artigo 35.º
Enquadramento do mercado energético
1 – O mercado energético em Portugal enquadra-se dentro da União Europeia de Energia.
2 – Portugal participa no Mercado Ibérico de Eletricidade e no Mercado Ibérico do Gás.
Artigo 36.º
Princípios da política energética
1 – A política energética subordina-se aos seguintes princípios:
a) Descarbonização da produção de eletricidade, apostando nos recursos endógenos renováveis;
b) Descarbonização no setor residencial, privilegiando a reabilitação urbana e o aumento da eficiência
energética nos edifícios, reduzindo os índices de pobreza energética e melhorando o conforto térmico;
c) Reforço muito significativo da eficiência energética em todos os setores da economia, apostando na
incorporação de fontes de energia renováveis endógenas nos consumos finais de energia;
d) Eletrificação do consumo de energia, eliminando até 2040 o papel do gás fóssil no sistema energético
nacional;
e) Progressiva descentralização e democratização da produção de energia;
f) Combate à pobreza energética;
g) Descarbonização da mobilidade, privilegiando o sistema de mobilidade em transporte coletivo, bem como
a mobilidade elétrica e outras tecnologias de zero emissões, a par da redução da intensidade carbónica dos
transportes marítimos e aéreos;
h) Promoção da transição energética nos diferentes setores da atividade económica e, em particular, na
indústria;
i) Melhoria dos índices de qualidade do ar.
Artigo 37.º
Sistema electroprodutor
1 – O Estado promove a descarbonização do sistema electroprodutor, assegurando que:
a) É promovida a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis;
b) A utilização do carvão para a produção de energia elétrica é proibida a partir de 2023;
c) A utilização do gás natural de origem fóssil para a produção de energia elétrica é proibida a partir de
2040; e
d) A produção de energia elétrica a partir de biomassa deve, de forma progressiva, ser assegurada
exclusivamente através de biomassa residual, devendo até 2025 incorporar maioritariamente este tipo de
biomassa.
2 – O Estado desenvolve uma política de desenvolvimento da produção elétrica a partir de fontes
renováveis, através:
a) Da promoção de uma produção descentralizada e democrática de eletricidade, designadamente a
microgeração e autoconsumo de energia renovável;
b) Do incentivo à investigação e desenvolvimento tecnológico;
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c) Do incentivo ao teste e amadurecimento de novas soluções de baixo carbono;
d) Do desenvolvimento de critérios para a concessão de certificados verdes que atestem a fonte renovável
da eletricidade e de gases;
e) Da certificação da origem de biomassa florestal residual e a regular fiscalização da natureza da biomassa
utilizada para a produção elétrica; e
f) Da potenciação do mar como espaço privilegiado de aproveitamento de energias de fontes renováveis
para produção elétrica.
3 – O Estado promove o desenvolvimento e a implementação de tecnologias que permitam o
armazenamento de energia elétrica.
4 – A República Portuguesa coopera com o Reino de Espanha na instalação das interligações elétricas
necessárias para assegurar o bom funcionamento do Mercado Ibérico de Eletricidade e o desenvolvimento
pleno do potencial de produção elétrica a partir de fontes renováveis.
5 – Os instrumentos de gestão territorial no espaço marítimo e no espaço terrestre devem ser revistos para
ter em conta a concretização do desenvolvimento do potencial energético nacional, em particular das fontes de
energia renovável.
Artigo 38.º
Armazenamento de energia
O Estado promove o desenvolvimento e a implementação de tecnologias que garantem o armazenamento
de energia, tendo em vista:
a) A possibilidade de diferenciar a atividade de produção e armazenamento de energia;
b) Promover a valorização do conhecimento em áreas que permitam desenvolver os modelos de
armazenamento, valorizando o processo tecnológico desenvolvido em Portugal; e
c) Introduzir mecanismos de monitorização em tempo real da oferta e da procura.
Artigo 39.º
Redes de transporte e de distribuição energética
1 – O Estado assegura o desenvolvimento das redes de transporte e de distribuição elétrica, nas suas
várias modalidades de tensão elétrica, tendo em vista:
a) O cumprimento das metas climáticas inscritas na presente lei;
b) A promoção de uma rede inteligente e eficiente, capaz de integrar uma produção de eletricidade a partir
de fontes crescentemente renováveis e soluções de armazenamento e de gestão da procura sem degradar a
qualidade ou colocar em causa a ininterruptibilidade do serviço;
c) A racionalização dos custos de acesso às redes; e
d) A disponibilização racional da capacidade de injeção na rede elétrica de produção de eletricidade a partir
de fontes renováveis.
2 – O Estado regula o desenvolvimento da rede de transporte e distribuição de outros produtos energéticos,
tendo em vista:
a) Assegurar o abastecimento dos produtos energéticos de forma segura, custo-eficiente e socialmente
justa;
b) Promover um funcionamento adequado dos mercados energéticos, designadamente minimizando as
discrepâncias regionais de preço; e
c) Promover a transição para produtos energéticos e métodos de distribuição consistentes com os objetivos
de descarbonização da República.
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Artigo 40.º
Eficiência energética
1 – O Estado promove a eficiência energética nos edifícios, privilegiando na sua política de habitação e
urbanismo a reabilitação urbana por forma a reduzir a pobreza energética e garantir o conforto térmico dos
cidadãos.
2 – O Estado promove a eficiência energética dos serviços e infraestruturas públicas ou de interesse
público e do seu setor empresarial, podendo para isso desenvolver planos e programas de investimento, bem
como criar mecanismos de transparência e incentivo à eficiência energética.
Artigo 41.º
Política de combustíveis e gases
1 – O Estado promove a substituição de combustíveis, em particular dos combustíveis fósseis, como fonte
de energia por fornecimento elétrico ou gases renováveis, designadamente:
a) Nos edifícios, para aquecimento e arrefecimento;
b) Nos equipamentos de aquecimento de água;
c) Nos demais equipamentos domésticos;
d) Nos veículos, ligeiros e pesados, de passageiros e mercadorias, e
e) Na indústria e demais setores da atividade económica.
2 – O Estado regulamenta a utilização de combustíveis que evidenciem uma adaptação à redução de gases
de efeito de estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o dióxido de nitrogénio (NO2).
3 – O Estado promove a incorporação de fontes renováveis nos combustíveis, designadamente o
incremento da componente renovável dos biocombustíveis e dos gases de alto rendimento.
4 – O Estado fomenta a produção, distribuição e utilização de gases renováveis, entre os quais o
hidrogénio, designadamente através:
a) Da conceção e implementação de certificados de origem;
b) Da elaboração de um plano de conversão do sistema de transportes de mercadorias e passageiros;
c) Do desenvolvimento de incentivos para a reconversão do parque automóvel para a utilização de gases
renováveis;
d) Do desenvolvimento de uma rede de postos de abastecimento de gases renováveis e de uma rede de
distribuição de gases renováveis; e
e) Do fomento da utilização de gases renováveis na indústria.
Artigo 42.º
Prospeção e exploração de hidrocarbonetos
É proibido em Portugal a prospeção ou exploração de hidrocarbonetos com recurso à fratura hidráulica.
Secção II
Transportes
Artigo 43.º
Transportes públicos
1 – Com o intuito de reduzir as emissões do setor dos transportes, assegurar aos cidadãos um acesso à
mobilidade sustentável e reduzir o congestionamento nas cidades, o Estado desenvolve, nos termos da lei,
uma rede adequada de transportes públicos.
2 – O Estado assegura no âmbito do desenvolvimento da rede de transportes públicos a promoção de
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serviços de mobilidade integrados e multimodais.
3 – O Estado assegura que a rede de transportes públicos integra tendencialmente veículos de emissões
reduzidas ou sem emissões, designadamente veículos híbridos, veículos elétricos e veículos movidos a gases.
4 – O Estado regulamenta o ecossistema de mobilidade partilhada, assegurando a sua tendencial
descarbonização e o incremento de uma visão de economia circular.
5 – As regiões autónomas e as autarquias locais desenvolvem planos de mobilidade urbana sustentável
que planeiem o desenvolvimento dos serviços de mobilidade no âmbito dos seus territórios.
Artigo 44.º
Parque e circulação automóvel
1 – O Estado incentiva a aquisição e a utilização de veículos elétricos, híbridos ou movidos a gases
renováveis.
2 – Para cumprimento do disposto no número anterior, o Estado promove o desenvolvimento de uma rede
pública de carregamento de veículos elétricos, podendo, para esse efeito, cooperar com os setores privado,
social e cooperativo.
3 – O Estado, as regiões autónomas ou as autarquias locais podem instituir limites à circulação de veículos
automóveis em determinadas vias ou zonas, em razão dos impactos climáticos, do ruído ou da qualidade do
ar.
4 – A partir de 2035 não podem ser comercializados em Portugal veículos ligeiros movidos exclusivamente
a combustíveis fósseis, nos termos a definir na lei.
Artigo 45.º
Transporte de mercadorias
1 – O Estado incentiva a descarbonização do transporte de mercadorias nas suas diversas modalidades,
designadamente rodoviária, ferroviária, marítima e aérea, através de:
a) Descarbonização da base energética da frota de transportes de mercadorias, com a utilização de
eletricidade, gases renováveis ou combustíveis mais eficientes;
b) Promoção do aumento de veículos com carregamento dinâmico;
c) Adaptação tecnológica dos sistemas de transporte de mercadorias para tecnologias mais eficientes e
menos emissivas;
d) Adoção de estratégias de planeamento e regras de planeamento urbano que facilitem e potenciem a
utilização da mobilidade suave e o aproveitamento de economias de aglomeração em modelos de cargas e
descargas; e
e) Cooperação entre transportadoras para assegurar uma otimização da carga dos transportes de
mercadorias, designadamente evitando viagens de regresso com carga vazia.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias
desenvolvem políticas que assegurem o provisionamento de serviços de transportes de mercadorias em tempo
útil no conjunto do território nacional.
Secção III
Política de Materiais e Consumo
Artigo 46.º
Economia circular
1 – O Estado promove a economia circular como eixo fundamental da descarbonização, designadamente
nas seguintes áreas:
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a) Mobilidade;
b) Agroalimentar;
c) Fileira florestal;
d) Construção;
e) Resíduos; e
f) Ciclo da água.
2 – No âmbito da política de fomento da economia circular e integrada numa política de mobilidade e
transportes públicos, o Estado promove o desenvolvimento de sistemas de mobilidade partilhada e fomenta a
sua utilização pelos cidadãos.
3 – O desenho dos produtos, das embalagens, das infraestruturas e dos edifícios deve ser otimizado para a
lógica do design ecológico (ecodesign), minimizando o consumo de recursos e a carga emissiva da sua
produção e maximizando o seu ciclo de vida ou a sua reciclagem.
4 – O Estado promove as formas mais eficiente em termos técnicos, climáticos e económicos de aproveitar
os resíduos da fileira florestal, designadamente a biomassa florestal residual.
5 – As autarquias promovem, no âmbito dos instrumentos de gestão territorial, a transformação dos
espaços urbanos e do edificado no âmbito dos serviços em espaços multifuncionais.
6 – O Estado promove, no âmbito dos serviços públicos e também na economia privada, a
desmaterialização e a digitalização, assegurando sempre que possível a utilização dos serviços em suporte
digital.
7 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais fomentam a economia da manutenção e o
comércio de produtos em segunda mão, tendo em vista o prolongamento do ciclo de vida útil dos produtos,
designadamente através do abastecimento de peças sobresselentes.
Artigo 47.º
Água e resíduos
1 – O Estado promove o uso eficiente da água e a valorização dos sistemas de tratamento de águas
residuais, designadamente através de:
a) Execução do planeamento e da gestão hídrica, no sentido de garantir a segurança hídrica para pessoas,
proteção da biodiversidade e as atividades socioeconómicas, de acordo com um uso justo, reduzindo a
exposição e a vulnerabilidade e aumentando a resiliência às alterações climáticas;
b) Da definição de um sistema de monitorização dos grandes consumos de água em Portugal, nos seus
vários fins, incluindo o consumo humano, ao nível autárquico, consumo nos perímetros hidroagrícolas
nacionais, e consumos industriais, no sentido de analisar as ações de eficiência hídrica em cada um dos
setores;
c) Da requalificação dos sistemas de tratamento e distribuição de águas residuais, tornando-os aptos a
produzir água residual com qualidade, por forma a ser utilizada em diferentes usos e fins;
d) Da garantia uma política de informação constante junto do consumidor, com vista ao aumento da
perceção do recurso escasso que é a água, e da necessidade de redução de consumos;
e) Da implementação um sistema de benefícios fiscais ou financeiros para quem consiga demonstrar
poupança no consumo de água.
2 – O Estado deve adotar uma estratégia nacional para a redução de perdas nas redes de distribuição em
alta e em baixa.
3 – O Estado promove uma gestão sustentável dos resíduos, assente na prevenção da produção de
resíduos, no incremento das taxas de reciclagem e na redução muito significativa da deposição de resíduos
em aterro, designadamente assegurando:
a) Desenvolvimento de sinergias nos sistemas de recolha e valorização das diferentes matérias que são
objeto de reutilização;
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b) Adaptação de novas tenologias que tornem mais eficiente cada uma das áreas, nomeadamente:
i) Reforço da recolha seletiva em Portugal, através da implementação de metodologias de recolha que
privilegiem o princípio do poluidor-pagador; e
ii) Maior incorporação dos resíduos na reciclagem e promoção de incentivos ao Biodesign;
c) Aprofundamento do enquadramento legal para a promoção do ecodesign e da consciencialização do
consumidor nas decisões de consumo e nas atitudes no tratamento dos resíduos;
d) Prestação de sistemas de recolha de resíduos Industriais, resíduos da Construção e da Demolição,
resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) e resíduos urbanos perigosos de forma segura e
controlada, por forma a evitar a criação de passivos ambientais;
e) Implementação de um modelo de recolha e valorização de biorresíduos; e
f) Implementação até 2025 de sistemas de incentivo e de tara retornável de resíduos de embalagens de
modo a recuperar eficazmente as embalagens de plástico dos resíduos urbanos.
Artigo 48.º
Informação de impacte climático
O Estado apoia a tomada de decisões informadas e conscientes por parte do consumidor, promovendo a
transparência sobre a pegada ecológica ou carbónica dos bens e serviços através de um sistema de
certificação a ser implementado em articulação com os diferentes setores económicos.
Secção IV
Cadeia Agroalimentar
Artigo 49.º
Agricultura de baixo carbono
1 – O Estado promove uma agricultura sustentável e resiliente, combatendo a desertificação e
prosseguindo os objetivos da neutralidade carbónica, da coesão territorial e da proteção da biodiversidade.
2 – A descarbonização do setor da agricultura é desenvolvida através de políticas que, designadamente:
a) Acelerem uma transição para sistemas produtivos e culturas mais sustentáveis e resilientes;
b) Melhorem a alimentação animal e tenham uma abordagem holística da pecuária, designadamente
através do recurso a tecnologias que reduzam a emissão de gases de efeito de estufa;
c) Promovam o aumento do teor de matéria orgânica no solo, designadamente através de pastagens
permanentes melhoradas e da aplicação de compostos orgânicos;
d) Melhorem os sistemas de gestão dos efluentes pecuários;
e) Fomentem o uso mais eficiente de fertilizantes, de energia e de água;
f) Promovam a substituição de fertilizantes químicos sintéticos por orgânicos;
g) Expandam significativamente a agricultura biológica, de conservação e de precisão;
h) Estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor agrícola;
i) Promovam a agroecologia.
Artigo 50.º
Pesca e aquicultura
1 – O Estado promove atividades de pesca e aquicultura ambientalmente sustentáveis e eficientes,
prosseguindo os objetivos da neutralidade carbónica e da proteção da biodiversidade.
2 – A descarbonização dos setores da pesca e aquicultura é desenvolvida através de políticas que,
designadamente:
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a) Promovam a utilização de tecnologias e combustíveis verdes e/ou renováveis nas atividades de pesca e
aquicultura;
b) Promovam a implementação de sistemas de aquicultura multitrófica integrada (IMTA), de forma a
potenciar a produção de baixo carbono, melhorando a qualidade de água e reduzindo a carga poluente;
c) Estimulem o desenvolvimento tecnológico dos setores da pesca e aquicultura.
Artigo 51.º
Alimentação
1 – O Estado promove hábitos alimentares sustentáveis e saudáveis, designadamente através de:
a) Tributos e incentivos que alinhem o preço dos bens e serviços alimentares com a totalidade dos seus
custos, incluindo os custos ambientais;
b) Regulação sobre os produtos alimentares, a sua embalagem e rotulagem;
c) Sensibilização e informação sobre os produtos alimentares;
d) Educação sobre hábitos, práticas e dietas mais sustentáveis e saudáveis;
e) Política comercial que promova a sustentabilidade dos produtos alimentares; e
f) Inclusão de produtos alimentares mais sustentáveis e saudáveis nas ementas servidas nos refeitórios sob
gestão do Estado, seu setor empresarial e autarquias locais.
2 – O Estado desenvolve, ainda, uma política de salvaguarda da segurança alimentar, designadamente
através de:
a) Um planeamento dos riscos que as alterações climáticas colocam para o abastecimento alimentar;
b) Uma programação da adaptação do sistema alimentar em função desses riscos; e
c) Uma estratégia para reduzir o desperdício alimentar, designadamente recorrendo a tecnologias como big
data para informar e apoiar um comércio e um consumo inteligente.
Secção V
Estratégias de Sequestro
Artigo 52.º
Florestas e espaços verdes
1 – O Estado promove uma floresta sustentável, tendo em vista o aumento da capacidade de sequestro de
carbono da floresta e a redução do risco de incêndio rural, designadamente através:
a) Da reflorestação, em especial das áreas ardidas;
b) Do ordenamento do território florestal, assegurando a atualização do cadastro da propriedade rural;
c) Do aumento do investimento e do conhecimento sobre a gestão dos povoamentos florestais e da sua
cadeia de valor;
d) Da promoção de culturas florestais mais sustentáveis e resilientes, designadamente as autóctones, as
quercíneas e as folhosas;
e) Da prevenção e combate aos incêndios rurais;
f) Da valorização dos serviços de ecossistemas; e
g) De ações de reconversão da floresta e transformação da paisagem.
2 – O Estado, em parceria com as regiões autónomas e as autarquias locais, promove o desenvolvimento
de espaços verdes, tendo como objetivo o aumento da cobertura verde e a atenuação do efeito «ilha de calor»
dos centros urbanos.
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Artigo 53.º
Oceano e reservatórios de carbono
O Estado desenvolve uma política para o mar que protege o bom estado do ambiente marinho e costeiro e
desenvolve uma economia azul sustentável, designadamente através:
a) Da gestão sustentável dos ecossistemas marinhos, designadamente das populações das espécies
consumidas por humanos com valor comercial;
b) Da gestão sustentável das intervenções humanas no sistema Oceano, nomeadamente as atividades de
pesca e aquicultura sustentáveis;
c) Do estímulo à produção elétrica através de energias oceânicas e offshore;
d) Da avaliação de necessidades e consequente implementação de ações de restauro ecológico e
desenvolvimento sustentável de ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo sapais, pradarias de ervas
marinhas, recifes e florestas de algas;
e) Da designação de áreas marinhas protegidas para proteção de ecossistemas vulneráveis e essenciais ao
bom estado das águas marinhas.
Artigo 54.º
Tecnologias de captura de carbono
1 – O Estado analisa, acompanha e apoia o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento
de carbono.
2 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais promovem projetos piloto de implementação de
tecnologias de captura de carbono em zonas do território nacional com maior carga emissiva.
Secção VI
Educação Climática
Artigo 55.º
Política de educação climática
1 – O Estado incorpora nos currículos do ensino básico e secundário a educação em matéria climática.
2 – Em respeito pela autonomia das instituições de ensino superior, o Estado promove o desenvolvimento
de conteúdos letivos sobre as alterações climáticas no ensino superior.
Secção VII
Investigação e Desenvolvimento
Artigo 56.º
Promoção de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
1 – O Estado promove, nos termos da lei, a investigação e desenvolvimento em matéria de alterações
climáticas, utilizando para este efeito, a título consultivo, as recomendações da UTEC, designadamente em
sede de:
a) Energias renováveis oceânicas e offshore;
b) Adaptação às alterações climáticas;
c) Biodiversidade;
d) Cidades sustentáveis;
e) Utilização do solo e descarbonização do complexo agroalimentar;
f) Descarbonização da construção e do meio construído;
g) Bioeconomia circular;
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h) Indústria de baixo carbono, designadamente a siderurgia;
i) Baterias e armazenamento de energia;
j) Hidrogénio verde; e
k) Captura e sequestro de gases de efeito de estufa.
2 – O Estado participa na cooperação científica internacional, em particular no quadro da União Europeia.
3 – O Estado promove a cooperação científica internacional no eixo atlântico, designadamente através da
existência de um centro de investigação com base em Portugal que promova investigação científica e
desenvolvimento tecnológico sobre as alterações climáticas.
Secção VIII
Cooperação Internacional
Artigo 57.º
Programas, projetos e ações de cooperação internacional relacionadas com as alterações climáticas
1 – O Estado promove a execução e implementação de programas, projetos e ações de cooperação
internacional no âmbito das alterações climáticas, nomeadamente as que conduzam à mitigação, adaptação e
resiliência às alterações climáticas.
2 – São considerados programas, projetos e ações de cooperação internacional os projetos de:
a) Desenvolvimento de capacidades para as alterações climáticas;
b) Transferência e desenvolvimento de tecnologia e partilha e dados que permitam a mitigação ou
adaptação às alterações climáticas; e
c) Ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas.
Secção IX
Economia Verde e Transição Justa
Artigo 58.º
Princípios de economia verde
As políticas económicas e sociais estão subordinadas aos seguintes princípios em matéria de equilíbrio
climático:
a) Definição de políticas energéticas e climáticas centradas nos cidadãos e no seu bem-estar;
b) Criação e fruição de um conceito de prosperidade partilhada e sustentável, tendo como função o bem-
estar;
c) Promoção da equidade entre gerações e dentro de cada geração, assegurando uma economia inclusiva
em que as oportunidades e rendimentos são distribuídas de forma equitativa;
d) Promoção do crescimento económico dentro dos limites do planeta, reconhecendo e investindo no valor
funcional, cultural e ecológico da natureza;
e) Promoção da sustentabilidade na produção e no consumo, promovendo uma economia circular que
conserve os recursos e ativos;
f) Alinhamento dos preços, líquidos de subsídios, impostos e outros incentivos com os verdadeiros custos
da produção e consumo dos bens e serviços, designadamente os custos em matéria climática;
g) Garantia da justiça social da transição climática, apoiando a requalificação de trabalhadores e a
reestruturação económica e social de regiões afetadas; e
h) Elaborada, tomada de decisão, execução e avaliação da política económica e social com a participação
de todos e adotando uma perspetiva de longo prazo.
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Artigo 59.º
Estratégia industrial sustentável
O Estado articula a agenda de inovação e desenvolvimento no combate às alterações climáticas com a
estratégia industrial verde.
Artigo 60.º
Transição justa
1 – O Estado promove uma transição justa para uma economia neutra em carbono, designadamente
através:
a) Da promoção de uma agenda de crescimento verde para a economia portuguesa, promovendo a
transição para uma economia zero emissões, de alto valor acrescentado e de base inovadora;
b) Do combate à pobreza energética, apoiando os setores mais vulneráveis na sua capacidade de
adotarem medidas de eficiência energética que permitam aquecer e arrefecer os seus lares e locais de estudo
ou trabalho;
c) Da requalificação dos trabalhadores cujos empregos sejam eliminados ou significativamente
transformados pela descarbonização, designadamente promovendo o acesso a programas de formação;
d) Da redução dos impactos das alterações climáticas na saúde pública, na biodiversidade e nos
ecossistemas;
e) Da reestruturação económica e social das regiões cujas atividades económicas sejam encerradas,
reduzidas ou significativamente transformadas pela descarbonização, designadamente através de programas
de apoio e incentivo ao investimento;
f) Da salvaguarda e a proteção das pessoas e das regiões mais vulneráveis aos impactos das alterações
climáticas, promovendo a adaptação dos territórios, das suas atividades, equipamentos e infraestruturas; e
g) O restauro e recuperação dos territórios, bem como das atividades, equipamentos e infraestruturas
afetadas pelos impactos das alterações climáticas.
Artigo 61.º
Publicidade
Apenas se podem considerar tecnologias limpas ou que contribuam para o combate às alterações
climáticas aquelas que respeitem as regras da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da
União Europeia.
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS
Artigo 62.º
Outras medidas
Os instrumentos estratégicos e normativos referidos na presente lei não excluem os demais instrumentos,
nomeadamente os que decorrem da Lei de Bases do Ambiente.
Artigo 63.º
Mitigação do impacto carbónico no Parlamento
1 – A Assembleia da República tem como meta atingir a neutralidade carbónica até 2025.
2 – A Assembleia da República elabora e divulga, no primeiro ano de cada legislatura, relativamente à
legislatura anterior, um relatório de avaliação do impacto carbónico da sua atividade e funcionamento,
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identificando as medidas tomadas e definindo medidas a tomar para mitigar estes impactos.
Artigo 64.º
Aprovação de instrumentos de planeamento
1 – Os instrumentos de planeamento previstos no artigo 15.º são discutidos e votados no prazo de 90 dias
após a data da sua admissão pela Assembleia da República.
2 – Estabelece-se o objetivo da aprovação até ao final do ano de 2021 de planos setoriais de mitigação das
alterações climáticas referidos no artigo 17.º para os seguintes setores prioritários:
a) Sistema electroprodutor;
b) Edifícios e construção;
c) Transportes e mobilidade, incluindo aviação, transportes marítimos e respetivas infraestruturas;
d) Indústria;
e) Sistema alimentar e agricultura; e
f) Resíduos e águas residuais.
3 – Estabelece-se o objetivo da aprovação até ao final do ano de 2021 de planos setoriais de adaptação às
alterações climáticas referidos no artigo 20.º para os seguintes setores prioritários:
a) Recursos hídricos;
b) Florestas;
c) Agricultura;
d) Oceano e defesa costeira;
e) Biodiversidade
f) Cidades;
g) Proteção Civil; e
h) Saúde.
Artigo 65.º
Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050
O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
107/2019, é adotado como estratégia de longo prazo, para o disposto no artigo 15.º do Regulamento (UE)
2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da
União da Energia e da Ação Climática.
Artigo 66.º
Avaliação de impacto climático inicial
Até 31 de março de 2022, o Governo apresenta um relatório à Assembleia da República com os diplomas
com potencial de desalinhamento com as metas e instrumentos climáticos do presente diploma, devendo para
este efeito ser analisados designadamente:
a) Normas jurídicas que conferem o direito à execução de projetos que na sua cadeia de valor contribuam
de forma líquida para a emissão de gases de efeito de estufa a nível nacional ou internacional;
b) Normas jurídicas que enquadrem o investimento em infraestruturas cujos impactos não foram
considerados no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050; e
c) O Código dos Contratos Públicos.
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Artigo 67.º
Levantamento de benefícios fiscais
Em respeito pelo princípio da transparência orçamental, e para cumprimento dos princípios da sua
progressiva eliminação, o Governo elabora e apresenta à Assembleia da República, no prazo de um ano após
a entrada em vigor da presente lei, um relatório que faz o levantamento dos benefícios fiscais que contribuam,
mitiguem ou adaptem o território e a sociedade às alterações climáticas.
Artigo 68.º
Risco e impacto climático
No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo regulamenta a partilha de
informação sobre como o impacte e o risco climáticos estão incorporados na construção dos ativos financeiros.
Artigo 69.º
Relatório sobre património público, investimento, participações ou subsídios
O ministro responsável pela área das finanças elabora e divulga, até 31 de dezembro de 2021, um relatório
sobre o património público, os investimentos, participações ou subsídios económicos ou financeiros em causa
referidos no artigo 33.º.
Artigo 70.º
Revisão do regime jurídico de governo das sociedades
1 – As entidades reguladoras e de fiscalização identificam, no prazo de um ano após a publicação da
presente lei, as alterações legislativas e procedem às alterações regulamentares necessárias para que as
sociedades integrem no seu governo a sua exposição aos cenários climáticos e os seus potenciais impactos
financeiros, seguindo as recomendações da Diretiva de informação não financeira e a taxonomia sobre
atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, bem como as recomendações e boas práticas
internacionais.
2 – No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo apresenta à Assembleia da
República um relatório sobre as revisões necessárias para harmonizar o disposto na presente lei, no Código
das Sociedades Comerciais e demais legislação.
Artigo 71.º
Revisão do regime jurídico dos hidrocarbonetos
Até 31 de dezembro de 2022, o Governo elabora e apresenta na Assembleia da República uma revisão das
normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos em Portugal, devendo
ser reavaliadas periodicamente consoante as metas e objetivos climáticos.
Artigo 72.º
Estratégia industrial
O Governo apresenta, até ao dia 31 de dezembro de 2022, uma estratégia industrial compatível com as
metas e objetivos fixados na presente lei, utilizando, a título consultivo, as recomendações da UTEC.
Artigo 73.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 93/2001, de 20 de agosto.
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Artigo 74.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 27 de outubro de 2020.
As Deputadas e os Deputados do PS: Ana Catarina Mendonça Mendes — Miguel Matos — Hugo Pires —
Ricardo Pinheiro — Alexandre Quintanilha — Pedro Delgado Alves — Hugo Oliveira — Paulo Porto — Joana
Sá Pereira — Bruno Aragão — Lúcia Araújo Silva — Palmira Maciel — Fernando Paulo Ferreira — Ana
Passos — Clarisse Campos — Vera Braz — Alexandra Tavares de Moura — Maria Joaquina Matos — Cristina
Sousa — Marta Freitas — Anabela Rodrigues — Telma Guerreiro — Rita Borges Madeira — Ana Maria Silva
— Sofia Araújo — Norberto Patinho — Francisco Rocha — João Miguel Nicolau — José Manuel Carpinteira —
Cristina Mendes da Silva — Susana Correia — João Azevedo Castro — Olavo Câmara — Pedro Sousa —
Paulo Porto — Lara Martinho — Nuno Fazenda.
———
PROJETO DE LEI N.º 578/XIV/2.ª LEI DE BASES DO CLIMA
Exposição de motivos
A presente lei de bases do clima estipula metas de redução de GEE no curto e médio prazo e procura
antecipar a data para atingir a neutralidade climática. Prevê ainda as medidas essenciais para atingir essas
metas, nomeadamente a criação de um orçamento de carbono, de um plano nacional de adaptação e políticas
estruturais e setoriais. A crise climática foi criada por um modelo que, pelos mesmos mecanismos, criou
desigualdade social. A resposta será de justiça social e climática.
A estabilidade climática do planeta tem sido a norma e não a exceção nos últimos milénios. O fim da última
glaciação, há cerca de 11 700 anos, determinou a era climática moderna, permitindo temperaturas constantes,
fluxos biogeoquímicos regulares e água doce disponível em vastas regiões do planeta. Foi a estabilidade das
condições climáticas que permitiu o desenvolvimento agrícola, demográfico e tecnológico. Foi a estabilidade
climática que permitiu a civilização humana.
Atualmente, a estabilidade climática do planeta está comprometida. Tal deve-se a um aumento rápido e
abrupto da concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera que tem ocorrido nas últimas
décadas. O aumento da concentração de dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, entre outros GEE na
atmosfera, deve-se principalmente a atividades antrópicas e não tem precedentes na história da humanidade.
Foi o modelo socioeconómico vigente que provocou a crise climática. É por isso o capitalismo que coloca
em risco a qualidade de vida das populações, a sociedade, a biodiversidade e a sustentabilidade do planeta. A
definição da produção, o desenvolvimento da tecnologia e a extração de recursos naturais foram definidos por
critérios de acumulação de capital e não para a satisfação das necessidades reais das populações.
Entre os principais fatores que contribuíram, e continuam a contribuir, para o rápido aumento e para a
magnitude da concentração de GEE na atmosfera estão as atividades humanas de queima intensiva de
petróleo, gás natural e carvão, como é o caso da produção de eletricidade, dos transportes, da construção de
infraestruturas, da produção de resíduos e de inúmeros processos industriais.
De igual forma, a destruição e a alteração dos sumidouros naturais de carbono, como as florestas, os solos
e o oceano, tem sido responsável pela emissão de elevadas quantidades de GEE e pela diminuição da sua
remoção da atmosfera. Para esta destruição muito têm contribuído as práticas agropecuárias intensivas que
desgastam rapidamente os solos e os recursos hídricos e que em muitas zonas do globo são precedidas da
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destruição de vastas áreas de floresta e de outros ecossistemas onde abunda a biodiversidade.
No oceano, o cenário não é mais animador. Os ecossistemas marinhos e costeiros com grande capacidade
de retenção e sequestro de carbono, como as pradarias marinhas, as zonas de sapal, ou as florestas de
macroalgas, têm visto a sua área global diminuir a cada ano que passa.
O atual modelo socioeconómico é responsável pela depredação dos ecossistemas e da sua biodiversidade,
bem como pelo uso desenfreado e desigual de energia fóssil. Foi também o modelo socioeconómico vigente
que criou desigualdades sociais e desigualdades no acesso aos recursos do planeta e aos bens comuns. Ao
mesmo tempo, e pelos mesmos processos, criou também desigualdades climáticas. Quem menos contribui
para a crise climática é quem mais sofre os seus efeitos.
De acordo com a Oxfam International, que usa dados do Centro Internacional de Investigação Climática e
Ambiental de Oslo, a metade mais pobre da população mundial – cerca de 3,5 mil milhões de pessoas – é
responsável por apenas 10% das emissões mundiais associadas ao consumo. E cerca de 50% destas
emissões são da responsabilidade dos 10% mais ricos do planeta, os quais têm uma pegada carbónica 60
vezes superior aos 10% mais pobres. A grande maioria da população que menos contribuiu para a crise
climática é também a que vive em países mais vulneráveis a essa mesma crise.
As mulheres, em particular as do Sul global, são quem mais depende diretamente dos recursos naturais e
são igualmente mais afetadas pela crise climática. Desde logo, das 1,3 mil milhões de pessoas que vivem em
pobreza, 70% são mulheres. E apesar do contributo das mulheres para a produção de alimentos ser
desproporcionalmente maior (50% a 80%), possuem menos de 10% da terra. Nestas comunidades
empobrecidas, as mulheres assumem a maior parte das responsabilidades relativas ao abastecimento de
água, de energia, de aquecimento, de confeção de alimentos e de segurança alimentar da casa e da família. O
aumento da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos agravam estas desigualdades. Assim,
em geral, as mulheres nestes locais tendem a gastar mais tempo a garantir os meios de subsistência
domésticos, tendo menos tempo para aceder à educação e a rendimentos. Em todo o globo, a desigualdade
de género agrava também os riscos para as mulheres perante a crise climática. Esta é uma desigualdade que
deve ser assumida e tida em conta na política climática, com a necessidade de garantir a justiça climática e a
efetiva participação das mulheres.
Neste contexto, a descarbonização da economia e a justiça climática devem ser objetivos inseparáveis. A
escala da resposta necessária, assim como o reconhecimento de responsabilidades históricas e da
irrepetibilidade do atual modelo socioeconómico, colocam a solidariedade internacional no centro da resposta.
Esta terá de acautelar o respeito pelo conjunto de direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,
através da qual é garantida a participação das populações na resposta climática e a definição do uso
sustentável dos recursos naturais e dos bens comuns. Em suma, a resposta climática terá de instigar uma
sociedade mais igualitária, participativa e justa.
Os efeitos da crise climática
Os efeitos negativos da crise climática são já hoje notórios. De acordo com o Painel Intergovernamental
para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) das Nações Unidas, a elevada concentração de GEE na
atmosfera já resultou no aumento da temperatura média do planeta em cerca de 1 grau Celsius acima dos
níveis pré-industriais. Num planeta mais quente, a frequência e a intensidade das tempestades, cheias, secas
e ondas de calor são mais elevadas. São estas novas dinâmicas climáticas que estão a pôr em perigo os
sistemas de proteção civil, de saúde pública, de saúde ambiental, de emprego, de produção agrícola, e as
condições de habitabilidade um pouco por todo o mundo.
Em Portugal, a subida do nível médio do mar, aliada à erosão costeira, faz a linha de costa regredir a cada
ano que passa. Num planeta mais quente é acelerado o degelo das calotas polares e a expansão térmica das
moléculas de água, causando o aumento do nível médio do mar. Com a regressão da linha de costa
portuguesa, desaparecerão núcleos populacionais, áreas agrícolas, e zonas de elevado valor ecológico, com
potencial de mitigação das alterações climáticas, para a proteção costeira e de ecossistemas sumidouro de
carbono.
Até 2100, a precipitação deverá diminuir entre 20% a 40% provocando períodos de seca extrema que
aumentarão a área de desertificação do País. Esta tendência causará graves efeitos na produção agrícola e
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até nas condições de habitabilidade de vastas regiões do território, afetando principalmente os grupos sociais
mais vulneráveis.
As ondas de calor afetam igualmente porções do oceano, aumentando a mortalidade da fauna e da flora,
criando zonas pobres em biodiversidade e afetando os modos de vida e a segurança alimentar das
comunidades costeiras.
É neste contexto de crise climática que 195 Estados, incluindo Portugal, ratificaram o Acordo de Paris com
o intuito de desenvolverem uma ação global concertada contra a crise climática. O acordo visa mitigar as
emissões de GEE e estabelece como um dos seus objetivos de longo prazo limitar o aumento da temperatura
média global a níveis bem abaixo dos 2ºC face aos níveis pré-industriais e prosseguir esforços para limitar o
aumento da temperatura a 1,5ºC, reconhecendo que isso reduzirá significativamente os riscos e impactos das
alterações climáticas. No entanto, o acordo não define quando é que as emissões dos países devem diminuir,
considerando apenas que as emissões globais terão de atingir o seu pico «o mais rápido possível».
Outro dos principais objetivos do Acordo de Paris é o de aumentar a capacidade de adaptação à crise
climática dos Estados, de forma a proteger as populações dos impactes negativos do clima. É neste âmbito
que o acordo reconhece a necessidade de a comunidade internacional auxiliar os Estados mais pobres para
que as suas populações possam adaptar-se em consonância com a severidade da crise climática. O acordo
reconhece também a importância da cooperação internacional para serem minimizadas as perdas e danos
associados aos efeitos adversos da crise climática.
No panorama nacional, o Governo português aprovou em 2019 um roteiro para a neutralidade carbónica da
economia portuguesa em 2050. Nele, o Governo propõe «reduções substanciais das emissões e/ou aumentos
dos sumidouros nacionais, que deverão materializar-se entre o presente e 2050». O roteiro não considera os
sistemas costeiros vegetados nacionais (e.g., pradarias marinhas e sapais) mas que, pela sua importância,
devem ser incluídos e ser alvo de proteção específica como sumidouros de carbono e prestadores de serviços
de ecossistema.
Tendo em conta a gravidade da crise climática e a urgência do seu combate, a meta estipulada pelo
Governo de atingir a neutralidade carbónica da economia apenas em 2050 é manifestamente tardia. Aliás,
outros Estados comprometeram-se com metas muito mais ambiciosas, como foi o caso da Noruega (2030), da
Finlândia (2035), da Islândia (2040), ou da Suécia (2045).
No Relatório Especial do IPCC sobre o Aquecimento Global de 1,5ºC, aprovado por 195 Governos de
Estados-Membros das Nações Unidas, incluindo Portugal, é referido que as emissões globais líquidas de
dióxido de carbono causadas pelas atividades humanas têm de diminuir cerca de 45% face aos níveis de
2010, até 2030, de maneira a limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC. O Relatório, desenvolvido por 91
autores através de mais de 6000 referências científicas e contributos de milhares de especialistas, refere que
para que a meta de 1,5ºC possa ser atingida são necessárias transições «rápidas e de longo alcance» nos
setores da energia, indústria, construção e transportes, bem como nas cidades e nos usos do solo.
O Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030, que é parte integrante do Quadro
Estratégico para a Política Climática do Governo, centra-se em políticas de mitigação de GEE e inclui todos os
setores da economia. O programa tem como principais objetivos promover a transição para uma economia de
baixo carbono e reduzir as emissões de GEE entre 18% e 23% em 2020, e entre 30% e 40% em 2030, em
relação às emissões nacionais de 2005. Em 2018, o ano para o qual a Agência Portuguesa do Ambiente
disponibiliza dados mais atuais, as emissões de GEE foram estimadas em 67,4 milhões de toneladas de CO2.
Este valor representa um aumento de cerca de 15% relativamente a 1990, um decréscimo de 21,3% face a
2005 (o ano de pico de emissões de GEE em Portugal) e de 4,6% face a 2017. Estas estimativas excluem as
emissões decorrentes das alterações ao uso do solo. Em anos de grandes incêndios no País e elevada área
ardida, as emissões associadas ao uso do solo podem ter um contributo determinante.
Na década de 2007-2017, as emissões médias anuais de GEE de Portugal equivaleram a 69 milhões de
toneladas de CO2, tendo os sumidouros, como as florestas, absorvido cerca de 9 milhões de toneladas de CO2
da atmosfera. O total líquido de emissões de GEE de Portugal equivalerá, portanto, a cerca de 60 milhões de
toneladas de CO2.
É urgente priorizar a proteção, preservação e recuperação dos grandes sumidouros de carbono, isto é,
florestas, ecossistemas costeiros e solos. Devido aos fogos rurais de grandes proporções que assolam
periodicamente Portugal, as florestas – que em ano de grandes incêndios passam de sumidouros a emissores
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de GEE – devem merecer particular atenção da parte do Estado.
Por outro lado, é muito importante a transição energética e ecológica em Portugal de modo a diminuir o
elevado nível de emissões de GEE do País. Para isso, os setores mais poluentes de carbono, como são o
caso de produção de energia, dos transportes, da indústria, dos resíduos e da agropecuária, terão de ser
reconvertidos rapidamente e de forma justa para todas e todos que neles trabalham.
A redução do horário de trabalho deve ser um dos objetivos e instrumentos do caminho para a neutralidade
climática. É necessário um novo modelo de produção, que garanta maior qualidade de vida e mais tempo para
a viver. Um modelo que não esteja assente na exploração da força de trabalho e na produção desligada do
imperativo de satisfazer as necessidades sociais.
A 4 de março de 2020 a Comissão Europeia apresentou a sua proposta de Lei Europeia do Clima que
estipula a neutralidade climática até 2050. No entanto, a proposta não dispõe das medidas necessárias para
atingir essa meta nem de reduções de emissões nos curto e médio prazos em linha com um aumento da
temperatura até 1,5ºC. A proposta não prevê o importante papel dos ecossistemas costeiros e marinhos no
sequestro de carbono. A proposta falha ainda ao não abordar as causas que nos levaram à crise climática,
nomeadamente o capitalismo fóssil e a primazia do mercado.
O mercado é incapaz de resolver o problema que criou
Apesar do reconhecimento da urgência do combate à crise climática, as emissões globais de GEE
continuam a aumentar no planeta. No período 2010-2018, de acordo com um estudo da Agência Internacional
de Energia – que opera no quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)
– os principais responsáveis foram a produção de energia [aumento de 1405 milhões de toneladas (Mt) de
CO2], a substituição do parque automóvel por veículos utilitários desportivos (SUV) (544 Mt), a indústria
pesada (365 Mt), a camionagem (311 Mt), a aviação (233 Mt) e os navios (80 Mt).
O aumento das emissões nestes setores revela que, mesmo com o desenvolvimento tecnológico, o modelo
de organização económico e social das nossas vidas continua a provocar o aumento de emissões de GEE. É
assim importante que a resposta – e a presente Lei de Bases – enquadre e procure soluções para debelar as
emissões nestes setores.
O caso dos SUV é elucidativo e o seu efeito global nas emissões desproporcionado. No período em
referência, os SUV duplicaram a sua quota de mercado global, passando de 17% para 39%. Na Europa, esse
número é de 33%. A mesma necessidade social – e analisando apenas no quadro da mobilidade individual – é
suprimida agora à custa de mais emissões, já que os SUV, quando comparados com o automóvel médio, são
centenas de quilos mais pesados e menos eficientes sob o ponto de vista aerodinâmico, tendo de consumir
muito mais combustível e por isso emitir mais GEE.
Também no setor do transporte marítimo as emissões de GEE são elevadas, nomeadamente entre os
navios de comércio e de cruzeiro. Comparando as emissões dos navios de comércio que navegam com
destino e partida da Europa com as emissões dos países da União Europeia, verifica-se que o setor do
transporte marítimo ocupa o oitavo lugar dos maiores emissores de GEE, logo a seguir à Holanda.
Os navios de comércio emitiram mais de 139 milhões de toneladas de GEE em Portugal no ano de 2018.
No mesmo ano, os navios de comércio que atracaram em portos nacionais produziram mais emissões de GEE
do que todo o tráfego rodoviário das oito cidades do País com mais automóveis registados, isto é, Lisboa,
Sintra, Cascais, Loures, Porto, Gaia, Matosinhos e Braga. Portugal é ainda o quinto País da União Europeia
com maior percentagem de emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%).
Apesar de a magnitude das emissões do setor do transporte marítimo, os gases com efeito de estufa emitidos
pelos navios de comércio e de cruzeiro não fazem parte das metas de redução de emissões definidas pelo
Acordo de Paris.
A legislação comunitária isenta o setor do transporte marítimo do pagamento de impostos sobre o
combustível, o que constitui uma subsidiação pública ao setor no valor de 24 mil milhões de euros por ano. A
subsidiação é também um incentivo para que o setor mantenha a insustentabilidade da situação atual e não
invista na transição energética da sua frota para combustíveis menos poluentes.
De forma a mitigar as emissões de GEE, as políticas comunitárias e nacionais têm incentivado o comércio
de carbono e outros mecanismos de financeirização. Estes mercados de carbono têm falhado rotundamente
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como meio de redução das emissões de GEE. Constituem mercados especulativos e não permitem à
sociedade a definição das necessidades sociais prioritárias e a verdadeira alocação das emissões. Os maiores
poluidores receberam à cabeça, e sem esforço, direitos de emissões pelo seu histórico poluente de carbono,
ou seja, foi-lhes atribuído um bem transacionável que vale dinheiro apenas porque eram poluidores. Acresce
que quando estes poluidores reduzem as suas emissões substancialmente podem vender esses direitos de
emissões garantindo que essa melhoria substantiva não tem reflexo no planeta, mas sim que essas emissões
sejam produzidas por outra entidade. De facto, com a expansão mundial dos mercados de carbono, as
emissões globais de GEE não têm diminuído como previsto pelos mercados, mas, pelo contrário, têm
aumentado, designadamente desde a década de 1990, a década na qual foram criados os primeiros mercados
de carbono. Em 2019, as emissões globais de GEE atingiram o seu máximo histórico.
A sociedade deve poder definir áreas prioritárias para a redução de emissões GEE e a definição de
políticas concretas para essa redução e sequestro de carbono. É essa a proposta da presente Lei de Bases do
Clima. Nela prevê-se a criação de um Orçamento do Carbono e de um Plano Nacional para a Adaptação à
Crise Climática, articulados entre si.
Neutralidade climática, pico de emissões e curto-prazo
A presente Lei de Bases considera essencial o desenvolvimento e aplicação de políticas públicas para a
antecipação da data da meta para alcançar a neutralidade climática. Prevê ainda que a cada ano as emissões
de GEE sejam estruturalmente inferiores às emissões do ano anterior. Reconhece a urgência da redução
significativa das emissões de GEE até 2030 e no curto prazo.
Orçamento do Carbono e medidas de mitigação
O Orçamento do Carbono estabelece, a cada cinco anos, o valor anual do balanço entre as emissões e o
sequestro de GEE, estipuladas por cada área económica, enquanto promove a criação de emprego. Em
simultâneo, são estabelecidas metas de sequestro de carbono para o setor agroflorestal.
As medidas de mitigação incluem o abandono da produção energética a carvão, a aposta nos transportes
públicos coletivos e na mobilidade ativa, o combate à obsolescência programada, a promoção de circuitos de
produção-consumo de proximidade, a redução de bens descartáveis e a criação de um programa para a
redução de resíduos.
É ainda criada a Inspeção-Geral das Emissões Industriais com o objetivo de reduzir as emissões da
indústria pesada, como a produção de energia, cimento e celulose, e que pode ser alargada a outras
atividades. Por fim, interdita-se a prospeção, pesquisa e exploração de hidrocarbonetos no período de
transição energética.
O sucesso da redução de emissões de GEE deve estar afeto à antecipação da data da neutralidade
climática, ao invés da transação, para que os Estados mais pobres que menos contribuíram para a crise
climática tenham prazos mais alargados de redução de emissões de GEE até completarem a transição
energética e ecológica.
A presente Lei de Bases prevê uma transição energética e ecológica assente em critérios de justiça social e
climática, e, por conseguinte, a erradicação da pobreza energética.
O edificado público e privado terá de ser neutro em GEE. Os programas de eficiência energética são por
isso fundamentais para a transição. A eficiência energética das habitações, conseguida, por exemplo, através
de programas de instalação de painéis fotovoltaicos no edificado e a garantia de isolamento térmico, deve ter
como prioridade as residências das pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica. A presente
Lei de Bases promove e incentiva as comunidades energéticas para a produção localizada e descentralizada
de energia renovável e pretende dinamizar o autoconsumo de energia solar.
Ainda no domínio dos edifícios e habitação, é dada prioridade à reabilitação e a formas de construção
menos dispendiosas de recursos naturais e protetoras do ambiente. É ainda dada primazia a técnicas de
arquitetura e construção que permitam diminuir a pegada ecológica das habitações.
A Lei de Bases preconiza uma transição energética na qual a energia nuclear não é uma alternativa
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desejável, as técnicas de fraturação hidráulica estão interditas, a importação de hidrocarbonetos extraídos a
partir de areias betuminosas não é permitida, os biocombustíveis passam a ser produzidos apenas a partir de
óleos alimentares usados para os quais deve ser implementado um sistema abrangente de recolha.
É dada prioridade na contratação pública a opções neutras em carbono e de ciclos de produção-consumo
de proximidade.
O Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática
Este plano é revisto a cada cinco anos e estabelece a resposta climática no planeamento e ordenamento do
território, na gestão das áreas marinhas, no ordenamento florestal e agrícola, na sustentabilidade dos recursos
hídricos, na saúde pública, na saúde ambiental e na proteção civil.
Ainda que se atinjam as metas nacionais de mitigação de GEE, os efeitos negativos da crise climática
prolongar-se-ão durante séculos, sendo por isso necessárias políticas públicas de adaptação que
salvaguardem as populações dos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos, como
serão as cheias, secas e ondas de calor, bem como da subida do nível médio do mar.
Neste âmbito, o território nacional não se encontra preparado para a severidade dos efeitos negativos da
crise climática, como se verifica com os efeitos recentes dos fogos rurais, das ondas de calor ou da regressão
acentuada da linha de costa. É por isso essencial um plano nacional que estruture, defina e coordene as
prioridades das respostas de mitigação e adaptação à crise climática.
A presente Lei de Bases inclui medidas para o ordenamento florestal e agrícola e para a reformulação da
política agrícola comum no sentido de ser mais justa para os pequenos agricultores e garantir a transição
agroflorestal ecológica.
A Lei de Bases contempla ainda medidas para a adaptação dos espaços urbanos à crise climática. Nela se
incluem medidas de redução de riscos, de preparação face a eventos climáticos extremos, e de planeamento
urbano para que a estrutura urbana possa também contribuir para o sequestro de carbono. Estão também
plasmadas na presente Lei de Bases medidas para a preservação dos recursos hídricos.
A crise climática coloca em risco as áreas litorais de baixa cota que necessitam de medidas de proteção
como a recarga com sedimentos e estruturas de proteção. Ainda assim, estas áreas vulneráveis à erosão
costeira precisam de soluções adequadas que assegurem a estabilidade e os direitos das populações. O
projeto snmportugal.pt, para os cenários de subida do nível médio do mar para Portugal continental, estima em
60 mil o número de edifícios e em 146 mil as pessoas vulneráveis à subida do nível médio do mar até 2050.
Na maior parte dos casos impõem-se complexos processos sociais de deslocação de comunidades, que
devem ser profundamente participados e mediados em conjunto com as populações, devendo citar-se o caso
das demolições nas ilhas barreira do Algarve como exemplo do que não deve ser feito: falta de transparência,
falta de diálogo e repressão social. É por isso que a presente lei estabelece a proteção das populações
perante perdas e danos em resultado da crise climática. Garante ainda que as condições e procedimentos de
deslocalização inerentes sejam obrigatoriamente participados e mediados pela própria comunidade. Garante
ainda financiamento público adequado à deslocalização.
Para a proteção da costa é realçada a importância da manutenção e restauro das barreiras naturais que
reduzem os riscos dos fenómenos climáticos extremos e da erosão costeira.
São também contemplados e avaliados os riscos para a saúde ambiental e saúde pública originados pelos
eventos climáticos extremos, entre eles o surgimento de epidemias e patologias potenciadas pela crise
climática ou a incidência de doenças entre as populações mais vulneráveis sob o ponto de vista social e
económico.
Por fim, as políticas públicas de redução e mitigação de riscos, adaptação e preparação frente a eventos
climáticos extremos são delineadas pelos princípios orientadores, prioridades de ação e metas estabelecidas
no Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030.
Cooperação e solidariedade internacional
A procura de soluções num quadro internacional multilateral e a participação nas conferências das Nações
Unidas são peças essenciais na resposta climática. Nesse âmbito, o Estado português deve promover
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compromissos para a justiça climática e para metas vinculativas e mais ambiciosas para a descarbonização da
economia.
É ainda dever do Estado português o de participar, no quadro das suas relações internacionais, nos
mecanismos de auxílio a países assolados por fenómenos climáticos extremos. É também seu dever participar
no financiamento global de programas de resposta à crise climática, nomeadamente no que se refere a perdas
e danos, e de participar e desenvolver projetos de transferência de conhecimento. O reconhecimento do
estatuto de refugiado climático é parte integrante de uma resposta climática justa, solidária e humanista.
A presente Lei de Bases reconhece o crime de ecocídio, inclui a sua definição e promove medidas para a
sua inclusão na legislação nacional e internacional. O conceito de ecocídio foi utilizado pela primeira vez para
designar as atrocidades ambientais cometidas na Guerra do Vietname com o uso do agente laranja por parte
das forças dos Estados Unidos da América. A destruição de ecossistemas é um dos principais problemas do
nosso tempo e vários movimentos ambientalistas têm exigido o reconhecimento do crime.
No quadro internacional, o Estado português opõe-se à financeirização dos instrumentos de resposta
climática e à constituição de direitos a poluir. É ainda garantida a informação pública, atempada e de fácil
acesso sobre as metas, compromissos e projetos internacionais a que o País está vinculado.
Conhecimento
O conhecimento científico e as tecnologias relativas à crise climática, aos seus riscos, medidas de
mitigação e adaptação, e a sua integração no sistema de ensino público e divulgação são peças importantes
na resposta societal a este problema mundial.
A política de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e respetivos programas de financiamento,
são enquadrados nas necessidades inerentes aos objetivos relativos à crise climática.
A educação ambiental é outro dos elementos essenciais para a efetivação da Lei de Bases do Clima.
Desde logo, pelas campanhas de sensibilização e pelo alargamento da rede de professores a coordenar
projetos com organizações não governamentais de ambiente ou em equipamentos de apoio à educação
ambiental.
A educação ambiental deve responder aos novos desafios, identificando e debatendo o recuo de decisores
políticos em matérias climáticas, a oposição à informação científica disponível e a inação na resposta à crise
climática.
A educação ambiental deve, como aliás preconiza a Recomendação n.º 1/2020, do Conselho Nacional da
Educação, «admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as
articulações entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico (…) e de
exploração/desigualdade».
Fiscalidade verde e poluidor-pagador
A ideia de fiscalidade verde tem sido apresentada como uma forma de mudar comportamentos e de
substituir impostos sobre o trabalho. Mas, da parte dos seus proponentes, tem sido parca a concretização de
medidas de justiça social e a efetiva criação de alternativas e capacidade de escolha aos «comportamentos»
prejudiciais ao ambiente e ao clima.
Ao mesmo tempo, e pelos mesmos argumentos, tem-se instituído o princípio do poluidor-pagador como o
alfa e ómega das políticas ambientais e climáticas. Aliás, a alteração à Lei de Bases do Ambiente em 2014
eliminou o artigo «proibição de poluir», tendo desencadeado toda uma nova geração de políticas ambientais
centradas ou no direito a poluir mediante compensação, ou em taxas sobre a poluição.
É necessário nortear a fiscalidade verde. Na sua globalidade, esta tem sido centrada em taxas ao consumo
pagas pelo consumidor. Corresponde à concretização de uma ideia falaciosa: a de que a crise climática é
apenas fruto do conjunto de comportamentos individuais. Desresponsabiliza-se, assim, o próprio modelo
socioeconómico vigente, nunca questionando a razão estrutural da crise climática. Segundo estes
pressupostos, não é dada a devida importância ao facto de apenas 100 empresas serem responsáveis por
71% das emissões globais de GEE. São, aliás, estas mesmas empresas que determinam, em grande medida,
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os bens de consumo e as condições em que estes são produzidos, transportados e consumidos.
Da mesma ideia central nasce a convicção de que as soluções para resolver a crise climática são
individuais e que os cidadãos, pela suposta escolha livre do que compram, forçam as empresas a vender
produtos mais sustentáveis. Esta suposição cria desigualdade no acesso à democracia, já que o poder dos
cidadãos de definir regras essenciais para a nossa sociedade estaria dependente dos seus rendimentos e
capacidade financeira. Mas a ideia contrasta ainda com a realidade. Por exemplo, uma grande empresa de
bebidas – a maior poluidora de plástico do planeta – já anunciou não estar disponível para acabar com as
garrafas descartáveis de plástico, mesmo quando existe pressão social para o efeito. É ainda preciso ter em
consideração que as camadas mais empobrecidas da população não podem ser excluídas do consumo de
bens essenciais à sua vida pelo encarecimento desses bens.
Assim, desde logo é necessário colocar a justiça social e climática no centro da ideia de qualquer
fiscalidade e concretamente na fiscalidade verde. Deve ser objetivo da fiscalidade verde a diminuição das
desigualdades, bem como das emissões de GEE e a adaptação da estrutura da produção e do consumo. É
necessário compreender que não existe solução climática para o modelo socioeconómico vigente, sendo por
isso necessárias transformações profundas do sistema de produção e consumo.
Há ainda uma componente de fiscalidade verde que é necessário aprofundar: a eliminação de incentivos,
isenções e benefícios perversos a grandes poluidores. A par, é necessária a criação de alternativas
ecologicamente sustentáveis de produção e consumo, por exemplo com regras para a diminuição de
embalagens que não se centram apenas na sua taxação. E ainda levar as empresas responsáveis por
produtos com elevadas emissões de GEE à responsabilização e à redução de emissões.
Devem ser criadas alternativas às ligações aéreas e este setor deve deixar de ter os benefícios fiscais de
que dispõe, salvaguardando sempre o caso específico e sem alternativas das ligações envolvendo as regiões
autónomas.
A emergência climática necessita de financiamento solidário e transparente e deve ser aplicado na proteção
das populações; na conservação da natureza e preservação da biodiversidade; na redução das emissões de
GEE; no aumento da captura natural de carbono e na proteção, preservação e recuperação de ecossistemas.
Participação e democracia
É constituído o direito de participação das populações nas políticas climáticas e são criados mecanismos
para proteção de ativistas climáticos e ambientais alvo de ações judiciais estratégicas contra a participação
pública.
São implementadas normas para excluir instrumentos de direito internacional privado que permitam aos
investidores exigir indemnizações derivadas de políticas climáticas que estes consideram contrários aos seus
interesses. Este tipo de mecanismo, como os investor-state dispute settlement, constituem direitos especiais
às maiores empresas globais que não estão ao alcance de cidadãos e outras empresas. Acresce que estes
mecanismos são um entrave à democracia pois colocam-se do lado da defesa dos lucros futuros das
megaempresas ao invés das políticas democráticas essenciais para combater a crise climática e promover a
sustentabilidade da vida no planeta.
Fiscalização
A presente Lei de Bases do Clima cria os mecanismos para a sua fiscalização, nomeadamente a
apresentação, discussão e aprovação pela Assembleia da República do Orçamento do Carbono, do Plano
Nacional para a Adaptação à Emergência Climática, entre outros elementos essenciais à política climática.
Cria ainda uma Comissão Técnica Independente para a Crise Climática para avaliar e monitorizar o
cumprimento da presente Lei de Bases e dos seus instrumentos.
Responder à crise sanitária, económica e social de COVID-19 e à crise climática
A presente pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e a COVID-19 vitimou já centenas de milhares de
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pessoas no globo, acentuou as desigualdades sociais e teve como consequência a destruição de empregos e
a degradação de vastos setores da economia. Aprendemos com a crise de 2008 que as respostas assentes
em políticas de austeridade são erradas pois agravam os efeitos das crises e as condições de vida da
população.
A presente crise levou à redução das emissões de GEE, tal como aconteceu com a crise financeira de
2008, no caso no norte global. No entanto, no período pós-crise financeira, ocorreu um rápido crescimento das
emissões que compensou em grande medida a redução anterior. Ou seja, manter o modelo económico
inalterado, após interregnos pontuais de aumento de emissões, faz com que persistam precisamente os
mesmos problemas que trouxeram a crise climática. São assim necessárias medidas estruturais que evitem o
regresso à normalidade de emissões.
A resposta à presente crise económica e social resultante da pandemia deve ser uma transição ecológica
que crie emprego para a transformação necessária a responder à crise climática.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS E OBJETIVOS
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei define as bases da política do clima, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da
Constituição da República Portuguesa.
Artigo 2.º
Objeto
Constitui objeto da presente lei o estabelecimento das bases para atingir a neutralidade climática, para a
descarbonização da economia, para a mitigação e adaptação aos efeitos da crise climática, para a resposta a
perdas e danos, para a transição energética e ecológica, para a solidariedade internacional, para a justiça
social e climática e para o financiamento das políticas climáticas.
Artigo 3.º
Objetivos
São objetivos da presente lei:
a) A definição dos princípios e objetivos para a política climática, no quadro do desenvolvimento
sustentável, da preservação dos recursos do planeta e do interesse coletivo da humanidade;
b) A justiça climática, almejando que a resposta climática tenha em consideração as responsabilidades
históricas, a proteção das comunidades mais vulneráveis à crise climática, o respeito dos direitos humanos, as
políticas de igualdade e os direitos coletivos sobre os bens comuns;
c) A garantia da proteção da população face aos impactes negativos da crise climática, avaliando e
mitigando riscos específicos associados às comunidades social e economicamente vulneráveis, e às
desigualdades de género;
d) A definição do direito e do dever fundamental do Estado e da sociedade em garantir e defender uma
política climática compatível com a qualidade de vida das populações, com a preservação da biodiversidade e
dos ecossistemas e com a sustentabilidade dos recursos do planeta;
e) O desenvolvimento de políticas públicas com vista à antecipação da data da meta para a neutralidade
climática;
f) O reconhecimento de que as emissões anuais de gases com efeitos de estufa, adiante designados de
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GEE, devem ter uma redução contínua, sendo sempre inferiores às do ano ou conjunto de anos anteriores,
garantindo a ponderação em caso de efeitos de eventos climáticos extremos ou eventos inesperados
independentes da decisão humana;
g) O reconhecimento da urgência da implementação de políticas públicas que permitam a redução
significativa das emissões de GEE até 2030 e no curto prazo;
h) O desenvolvimento de políticas de redução do horário de trabalho de toda a população respondendo à
necessidade de pleno emprego, de maior tempo livre para o trabalhador, de um novo modelo de produção,
atendendo igualmente à automatização e fazendo-o no quadro de uma repartição mais justa da riqueza
produzida;
i) O desenvolvimento da necessária adaptação do território nacional aos efeitos da crise climática e a
respetiva mitigação de riscos de forma a garantir a proteção e a segurança das populações;
j) A garantia de participação de Portugal em fóruns internacionais multilaterais para a persecução e
concretização de políticas climáticas e a definição de um quadro de solidariedade internacional para a resposta
à crise climática;
k) A definição de um quadro orientador da política climática para a descarbonização da economia, para a
transição energética e ecológica, assim como dos instrumentos que a concretizam;
l) A criação de um sistema de Orçamento do Carbono e a definição de metas para a redução de emissões
de GEE para o País e para os diferentes setores de atividade económica;
m) A criação de um Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática;
n) O reconhecimento da política climática enquanto política multissetorial e transversal aos diferentes
ministérios e áreas de atividade humana;
o) A articulação com a Lei de Bases do Ambiente no sentido de prevenir e mitigar riscos ambientais
conexos;
p) A aplicação do princípio da precaução.
Artigo 4.º
Definições
Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:
a) «Adaptação», o conjunto de ações que visam a prevenção, antecipação e minimização dos efeitos
adversos da crise climática e dos danos por esta causados;
b) «Alterações climáticas», as mudanças no clima que persistem por um período extenso em resultado da
atividade antropogénica e adicionais à variabilidade natural do clima;
c) «Crise climática» ou «emergência climática», o atual estado de riscos, impactes, perdas e danos
causados pelas alterações climáticas;
d) «Ecocídio», o dano extensivo, destruição ou perda de ecossistemas de um determinado território,
derivado da ação humana com dolo, em tal extensão que o usufruto pelos habitantes sobre tal território tenha
sido ou venha a ser severamente diminuído;
e) «Emissão de gases com efeito de estufa», a libertação, com origem antropogénica, de gases com efeito
estufa para a atmosfera;
f) «Gases com efeito de estufa», as substâncias gasosas que absorvem radiação infravermelha e que
contribuem para o aumento da temperatura, para a ocorrência de anomalias térmicas e para a permanência de
alterações climáticas;
g) «Justiça climática», o respeito pelo conjunto dos direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,
através da qual se garante a participação das populações na resposta climática, a definição do uso sustentável
dos recursos naturais e dos bens comuns, o reconhecimento de responsabilidades históricas, e uma resposta
climática que vise uma sociedade mais igualitária e justa;
h) «Mitigação», o conjunto de ações que visam reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa;
i) «Neutralidade climática», o balanço líquido, igual a zero, entre as emissões dos gases com efeito de
estufa regulados pela legislação nacional e a remoção desses gases da atmosfera, por fenómenos naturais;
j) «Perdas e danos», os impactes negativos não reversíveis, que resultam da crise climática;
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k) «Princípio da precaução», princípio sob o qual a falta de certeza científica não pode ser alegada como
razão suficiente para não adotar medidas preventivas e eficazes nas atividades que podem ter impactes
negativos relevantes no ambiente e na saúde humana;
l) «Resposta climática», o conjunto de políticas com vista à mitigação e adaptação à crise climática.
Artigo 5.º
Princípio da transversalidade
A política climática é transversal e abrange todas as áreas da atividade humana e as respetivas políticas
públicas sendo que, para tal, a presente lei de bases e os seus objetivos devem estar em permanente e
adequada articulação com as diferentes leis, instrumentos em vigor e a criar e, como tal, contar com a
participação de todos os ministérios do Governo.
Artigo 6.º
Política climática
As políticas climáticas são constituídas por um plano que inclui o Orçamento do Carbono e o Plano
Nacional para a Adaptação à Crise Climática, elaborados de forma articulada e complementar aos demais
mecanismos, instrumentos e legislação afeta à ação climática e aos seus impactes.
Artigo 7.º
Neutralidade climática
1 – O Estado português dirige a sua política para atingir a neutralidade climática, estabelecendo que o
balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses gases têm como objetivo atingir a sua
neutralidade o mais cedo possível.
2 – O Governo dirige a sua política no sentido da contínua melhoria da resposta climática, nomeadamente
através da revisão da data para atingir a neutralidade climática para garantir a sua antecipação.
Artigo 8.º
Pico de emissões
1 – As emissões de GEE têm redução contínua ao longo do tempo.
2 – O valor anual de emissões de GEE deve ser sempre inferior ao registado no ano ou conjunto de anos
anteriores.
3 – O estipulado no número anterior tem a ponderação de eventos climáticos extremos ou eventos
inesperados independentes da decisão humana, como cheias, secas, ondas de calor ou frio, pandemias, entre
outros.
CAPÍTULO II
MITIGAÇÃO
Artigo 9.º
Orçamento do Carbono
1 – É constituída a Comissão Interministerial da Ação Climática, composta pelos ministérios com a tutela da
ação climática e áreas governativas conexas, para elaborar, a cada cinco anos, um Orçamento do Carbono
para Portugal que explicita e detalha o balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses
gases, com o intuito de:
a) atingir a neutralidade climática e a sua preservação, o mais cedo possível;
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b) introduzir políticas públicas que garantam a redução de emissões de GEE e o aumento do sequestro
desses gases por fenómenos naturais no sentido de antecipar a data de neutralidade climática;
c) reduzir efetivamente em pelo menos 60% as emissões de GEE do País até 2030, face às emissões de
2005, excluindo dos cálculos de redução de emissões o sequestro de carbono;
d) detalhar, por área de atividade económica, as metas de emissões de GEE para cada ano;
e) incluir as políticas setoriais a implementar pela Administração Pública e por todos os agentes
económicos para atingir a redução de emissões de GEE;
f) incluir políticas de redução do horário de trabalho nos moldes estipulados nos objetivos da presente lei;
g) garantir a preservação e a saúde do ambiente, nomeadamente a preservação e a recuperação dos
sumidouros de carbono;
h) respeitar o princípio da precaução;
i) garantir a justiça climática.
2 – Todos os ministérios do Governo têm a responsabilidade de, nas áreas que tutelam, perseguir os
objetivos expostos na presente lei e contribuírem para a neutralidade climática, nomeadamente de participar
para a elaboração do Orçamento do Carbono e garantir o seu cumprimento.
3 – Respeitando a autonomia e as competências próprias do Governo Regional dos Açores, do Governo
Regional da Madeira e das autarquias, o Governo pode – em parceria e com a concordância destes –
inscrever no Orçamento do Carbono objetivos, políticas e financiamento de ações a desenvolver pelos
referidos órgãos no âmbito das suas competências.
4 – O Orçamento do Carbono requer a aprovação da Assembleia da República.
5 – O Orçamento do Carbono é revisto em caso de necessidade de reajustamento das suas metas e
políticas setoriais, mantendo ou reduzindo a sua meta global.
Artigo 10.º
Sequestro de carbono
1 – A comissão interministerial referida no artigo anterior estabelece, a cada cinco anos, para o setor da
produção florestal, agrícola, pecuária e aquícola, as metas anuais de sequestro de carbono.
2 – É elaborada e periodicamente atualizada uma lista dos ecossistemas terrestres, fluviais, costeiros e
marinhos com capacidade relevante de sequestro de carbono; nessa lista são mapeadas e detalhadas as
coordenadas da localização dos ecossistemas, indicada a capacidade efetiva de sequestro de carbono e
identificados, avaliados e quantificados, sob o ponto de vista biofísico, os restantes serviços que esses
ecossistemas prestam de regulação climática e outros benefícios ambientais.
3 – São estabelecidas políticas para a proteção, preservação e restauro dos ecossistemas referidos no
número anterior e definidos planos de ação e de financiamento para implementar as respetivas políticas.
Artigo 11.º
Antecipação da meta da neutralidade climática
1 – As políticas afetas à resposta climática têm como um dos objetivos primordiais a antecipação da meta
para atingir a neutralidade climática.
2 – As emissões de GEE são reduzidas em pelo menos 60% até 2030, face às emissões de 2005,
excluindo dos cálculos de redução de emissões o sequestro de carbono.
3 – A neutralidade climática é atingida até à data da meta definida pelo Governo, tendo a presente Lei por
objetivo criar as políticas tendentes à antecipação dessa meta.
4 – A data da meta para a neutralidade climática do País não é passível de ser adiada.
5 – A cada cinco anos é feita uma avaliação da meta para atingir a neutralidade climática, tendo em vista a
sua antecipação.
6 – A redução das emissões de GEE acima do previsto no Orçamento do Carbono e/ou no aumento de
sequestro de carbono devem ser primordialmente utilizadas para antecipar a data prevista para atingir a meta
da neutralidade climática.
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Artigo 12.º
Sumidouros de carbono aquáticos
1 – É implementado um plano de proteção, preservação e monitorização dos ecossistemas de elevada
capacidade de sequestro de carbono, nomeadamente os sapais, as pradarias marinhas e as florestas de
macroalgas.
2 – São implementados planos de restauro e de ampliação de áreas de distribuição histórica dos
ecossistemas referidos no número anterior.
Artigo 13.º
Sistemas de produção agrícola, florestal e pecuária extensivos
1 – Os sistemas de produção agrícola, florestal e pecuária extensivos, como o montado de sobro, o olival
tradicional ou o sistema agro-silvo-pastoril do Barroso, são apoiados pelo Estado de modo a garantir a
preservação e restauro destes agrossistemas fundamentais no sequestro de carbono, na resiliência do
território aos incêndios, na fixação de população, na proteção e preservação do solo e da biodiversidade, na
mitigação dos efeitos da crise climática e na regulação dos ciclos da água e dos nutrientes.
2 – São implementadas medidas tendo em vista a ampliação da área de sistemas de produção agrícola,
florestal e pecuária extensivos nas zonas territoriais adequadas e onde possam contribuir para a proteção e a
preservação do território, dos solos e da biodiversidade.
Artigo 14.º
Transição energética
1 – A substituição de energias fósseis por energias renováveis é priorizada nas políticas de transição
energética e está sujeita a critérios de justiça social e climática.
2 – A transição energética obedece a critérios de saúde pública e de saúde ambiental, nomeadamente no
que se refere a partículas finas, a exposição a campos eletromagnéticos e a outros riscos para a saúde.
3 – É criado um setor público para as energias renováveis e para a criação de emprego.
Artigo 15.º
Erradicação da pobreza energética
O combate à pobreza energética e a sua erradicação é central nas políticas para a transição energética.
Artigo 16.º
Energia elétrica com recurso a carvão
1 – A produção de energia elétrica a partir da queima de carvão é abandonada no território nacional até
2023, sendo para tal:
a) A Central Termoelétrica do Pego encerrada ou reconvertida durante o ano de 2021;
b) A Central Termoelétrica de Sines encerrada ou reconvertida durante o ano de 2021.
2 – As ações previstas no número anterior garantem a substituição da produção dessas fontes de energia
no mix energético nacional por fontes renováveis e sustentáveis.
3 – Os trabalhadores e as trabalhadoras, contratados diretamente ou subcontratados, afetos às entidades
referidas no n.º 1 do presente artigo, mantêm o emprego e os respetivos direitos laborais, recebem formação
sem custos para os próprios e são reafetados a funções de produção energética renovável, de transição
energética e/ou de programas de eficiência energética ou outros similares.
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Artigo 17.º
Exploração de reservas de combustíveis fósseis
1 – No período de transição energética necessário para abandonar o recurso a combustíveis fósseis, como
o petróleo, derivados, carvão e gás natural, o Estado português define como política manter todas as reservas
de combustíveis fósseis inexploradas, quer seja em meio terrestre ou marinho, incluindo as zonas marítimas
sob soberania e/ou jurisdição portuguesa, bem como em todas as áreas constantes da proposta de extensão
da plataforma continental entregue para apreciação nas Nações Unidas.
2 – O disposto no número anterior aplica-se ao território nacional e à posição do Estado português a nível
internacional, nomeadamente no que se refere à exploração de combustíveis fósseis em áreas de degelo e
águas internacionais.
Artigo 18.º
Mineração
1 – A extração de recursos minerais é interdita em áreas classificadas ao abrigo do direito nacional e
internacional, em zonas da rede nacional de áreas protegidas, em zonas da Rede Natura 2000 e outras áreas
sensíveis, terrestres ou marinhas.
2 – Nos projetos de mineração de grande área cumulativa garante-se:
a) A avaliação ambiental estratégica;
b) A transferência de riqueza entre atividades económicas existentes eventualmente incompatíveis com a
nova atividade de mineração;
c) O balanço entre a perda de capacidade de sequestro de carbono provocada pela destruição de
ecossistemas e habitats por ação de atividades de mineração e a eventual contribuição do projeto mineiro para
a redução das emissões de GEE.
3 – O Estado garante o conhecimento do território nacional e dos seus recursos através das universidades,
institutos e outras entidades públicas.
4 – O Estado português, no plano internacional, toma a posição contrária à mineração em áreas
classificadas, terrestres ou marinhas, ao abrigo do direito internacional.
Artigo 19.º
Mineração em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição nacional
1 – É aplicada uma moratória de 20 anos à mineração em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição
nacional.
2 – No final da moratória definida no número anterior é reavaliado o prolongamento da moratória face aos
conhecimentos científicos à data sobre os impactes associados à prospeção, pesquisa e exploração mineira
em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição nacional.
Artigo 20.º
Mix energético
O Governo traça metas de penetração de eletricidade renovável no mix energético, mediante
procedimentos que reduzam custos para os utentes.
Artigo 21.º
Eletricidade renovável
Aumento de 50% da capacidade instalada de produção de energia solar e eólica até 2030, mediante
procedimentos que reduzam custos para os utentes, com prioridade para o aumento da capacidade instalada
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de produção de energia solar de âmbito local e em regime de autoconsumo.
Artigo 22.º
Produção hidroelétrica de energia
1 – Na avaliação do balanço climático da produção hidroelétrica são estimadas e consideradas as emissões
de GEE, nomeadamente metano, emitidas pelas albufeiras correspondentes.
2 – É garantida a monitorização adequada da qualidade da água das albufeiras de barragens e
implementadas medidas para a sua melhoria.
Artigo 23.º
Biocombustíveis
1 – É abandonado, de forma faseada, o recurso a biocombustíveis produzidos a partir de material vegetal
cultivado propositadamente para este efeito.
2 – É interdita a importação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma a partir de 2022.
3 – É implementado um sistema abrangente de recolha de óleos alimentares usados e da sua
transformação em biocombustíveis.
Artigo 24.º
Biomassa
1 – São promovidos ecossistemas e sistemas agroflorestais resilientes nos quais a biomassa florestal
residual é preferencialmente incorporada ou mantida nos solos, por forma a preservar o papel que a matéria
orgânica residual desempenha na manutenção da integridade ecológica e na provisão de serviços de
ecossistema como a fixação de carbono, a formação de habitats ou a prevenção da erosão hídrica.
2 – São criados protocolos técnicos, de base científica, nos quais são definidos critérios rigorosos que
permitem a remoção de biomassa florestal residual dos ecossistemas e dos sistemas agroflorestais de origem
sem pôr em causa a integridade ecológica e a provisão de serviços de ecossistema.
3 – É adaptada a capacidade instalada das unidades de produção de energia a biomassa à disponibilidade
de biomassa florestal residual do País e às necessidades energéticas regionais e locais.
4 – O abastecimento das unidades de produção de energia a biomassa é limitado a biomassa florestal
residual, certificada, rastreável e proveniente de circuitos curtos.
5 – É interdito o recurso a madeira de qualidade, biomassa de «culturas energéticas» e biomassa residual
procedente de territórios longínquos para a produção de energia a partir de biomassa.
6 – São privilegiados pequenos projetos locais de aproveitamento térmico sobre grandes projetos de
produção elétrica a partir de biomassa florestal residual.
7 – A utilização de biomassa florestal residual para fins energéticos é articulada com os instrumentos de
prevenção de incêndios rurais e de gestão territorial, nomeadamente com o Sistema de Gestão Integrada de
Fogos Rurais e com os planos regionais de ordenamento florestal.
Artigo 25.º
Fraturação hidráulica
1 – As técnicas de fraturação hidráulica são interditas no território nacional.
2 – É interdita a importação para o território nacional de hidrocarbonetos extraídos a partir de técnicas de
fraturação hidráulica.
Artigo 26.º
Areias betuminosas
É interdita a importação para o território nacional de hidrocarbonetos extraídos a partir de areias
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betuminosas.
Artigo 27.º
Energia nuclear
1 – A energia nuclear não é uma alternativa limpa às energias fósseis, atendendo aos seus riscos,
nomeadamente de acidentes, de contaminação durante os seus processos de produção, de armazenamento
de resíduos e das necessidades duradouras após o encerramento das centrais nucleares.
2 – O Estado português não permite a produção de energia nuclear no seu território.
3 – O Estado português, no plano das relações transfronteiriças, toma a posição de exigência de
encerramento de centrais nucleares junto à fronteira portuguesa e/ou que acarretem riscos para o território
nacional.
4 – O Estado português, no plano internacional, toma a posição contrária à produção de energia nuclear.
Artigo 28.º
Eficiência energética
1 – A eficiência energética é um objetivo primordial para a redução das emissões de GEE, de gasto
energético, do seu custo e para o combate à pobreza energética.
2 – São criados indicadores objetivos e mensuráveis que permitam avaliar os ganhos em eficiência
energética resultantes das políticas e instrumentos preconizados na presente lei de bases.
Artigo 29.º
Eficiência energética do edificado público
1 – O edificado habitacional do Estado e dos municípios é alvo de intervenção com vista ao aumento da sua
eficiência energética e da sua neutralidade climática.
2 – O edificado afeto aos serviços públicos é alvo de intervenção com vista ao aumento da sua eficiência
energética e da sua neutralidade climática.
3 – É dada prioridade a programas de eficiência energética no edificado habitacional público destinado a
pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica.
Artigo 30.º
Eficiência energética das habitações
1 – A eficiência energética das habitações é um fator essencial no combate à crise climática e à promoção
da justiça climática.
2 – É dada prioridade aos programas de eficiência energética das habitações das pessoas em situação de
vulnerabilidade social e/ou económica.
Artigo 31.º
Transição energética do edificado
1 – A neutralidade de emissões de GEE e a produção de energia nas habitações é um objetivo da presente
lei.
2 – São implementados programas de instalação de painéis solares e aplicadas outras medidas de
produção local de energia, priorizando-se edifícios da propriedade do Estado e edifícios de residência de
pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica.
Artigo 32.º
Neutralidade climática na Assembleia da República e no Governo
1 – Os edifícios centrais da Assembleia da República e dos ministérios atingem a neutralidade climática até
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2028, através da redução efetiva das emissões de GEE que lhes estão associadas, não recorrendo para o
efeito a mecanismos de compensação de emissões.
2 – Os edifícios referidos no número anterior tornam-se autossustentáveis, sob o ponto de vista energético,
até 2028, recorrendo para o efeito a fontes de energia renovável.
Artigo 33.º
Edifícios com reduzida pegada ecológica
1 – É dada prioridade à reabilitação de edifícios e a formas de construção menos dispendiosas de recursos
naturais e protetoras do ambiente.
2 – São aplicadas e desenvolvidas técnicas de arquitetura e de construção que permitam diminuir a pegada
ecológica dos edifícios e das habitações.
Artigo 34.º
Comunidades energéticas
1 – São criados apoios de incentivo à criação de comunidades energéticas com base em produção
localizada de energias renováveis.
2 – São criados apoios de incentivo à criação de cooperativas comercializadoras de eletricidade, pela
definição de garantias bancárias em função da energia que servem, impedindo barreiras à entrada destes
novos comercializadores.
Artigo 35.º
Autoconsumo de energia solar
Criação de um plano para produção de energia solar fotovoltaica para autoconsumo com o objetivo de
aumentar a capacidade instalada em 2 GW até 2030, metade dos quais até 2025, sob dois eixos:
a) Lançamento de concursos regionais para a instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios públicos,
com o objetivo de atingir uma potência instalada de 500 MW;
b) Financiamento de sistemas de autoconsumo comunitários, sendo o investimento público amortizado num
prazo de sete anos pela absorção de parte das poupanças realizadas pelos utilizadores.
Artigo 36.º
Transportes
1 – É dada prioridade ao investimento na mobilidade coletiva pública, à sua descarbonização e à garantia
de acesso dos cidadãos e cidadãs a esses meios de transporte.
2 – É dada prioridade ao alargamento da ferrovia no País, à sua modernização e eletrificação e à sua
interligação com o Estado espanhol, assente num Plano Ferroviário Nacional.
3 – São promovidos os modos ativos de mobilidade, como a deslocação a pé e de bicicleta.
4 – No plano europeu, o Estado português defende o fim da produção de novos automóveis movidos a
motor de combustão interna de hidrocarbonetos, até 2030.
5 – É realizada uma avaliação dos veículos com mais emissões de GEE e implementadas medidas com
vista à redução das suas emissões.
6 – É realizada uma avaliação do impacte dos veículos desportivos utilitários (SUV) nas emissões de GEE e
implementadas medidas com vista à redução das emissões causadas pelo aumento do peso e aerodinâmica
destes veículos.
Artigo 37.º
Transportes públicos coletivos
1 – As tarifas dos transportes públicos coletivos urbanos são progressivamente reduzidas de forma a atingir
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a sua gratuitidade.
2 – É garantido o pleno acesso à rede de transportes públicos coletivos a cidadãos e cidadãs com
mobilidade reduzida.
3 – São estudadas e implementadas soluções de redes de transportes públicos rodoviários, movidos a
energias renováveis, nomeadamente para locais com menor densidade populacional.
4 – São criadas ligações ferroviárias eletrificadas entre todas as capitais de distrito.
5 – São modernizadas e eletrificadas todas as linhas e ramais de âmbito nacional e regional e construídas
novas ligações de modo a criar uma rede ferroviária que promova a coesão territorial.
6 – São criadas ligações funcionais e eletrificadas entre as principais cadeias logísticas aeroportuárias,
portuárias, de mercadorias e transfronteiriças ibéricas.
7 – É alargada a cobertura territorial das redes de metropolitano nos grandes centros urbanos e
modernizadas as infraestruturas com necessidade de requalificação.
Artigo 38.º
Modos ativos de mobilidade
1 – É criado um programa de apoio às deslocações pendulares em bicicleta.
2 – É promovida a intermodalidade dos transportes públicos coletivos e dos modos ativos de mobilidade.
3 – É garantida a gratuitidade dos sistemas públicos de bicicletas partilhadas.
4 – É incentivado o uso de bicicletas de carga nos sistemas de logística urbana.
5 – É criado um plano de financiamento adequado às autarquias locais, e em articulação com estas, para a
implementação das medidas de incentivo aos modos ativos de mobilidade.
6 – É implementada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030 e são antecipadas as
metas nela definidas, tal como as medidas para as alcançar.
7 – É criada e implementada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2020-2030.
Artigo 39.º
Aviação e voos domésticos no território nacional continental
1 – As ligações aéreas internas entre os aeroportos do Porto, Lisboa e Faro são progressivamente
substituídas até 2030 por ligações ferroviárias reforçadas, rápidas e de preço acessível.
2 – No quadro internacional, o Estado português defende a eliminação dos incentivos, isenções e
benefícios ao setor da aviação devido ao elevado contributo do setor para as emissões globais de GEE.
Artigo 40.º
Transporte marítimo
1 – São definidas metas no Plano Nacional de Energia e Clima 2021-2030 para a redução das emissões de
GEE provenientes do setor do transporte marítimo, designadamente dos navios de comércio e de cruzeiro que
navegam nas zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição portuguesa.
2 – As metas referidas no número anterior são definidas em função das indicações da estratégia para a
redução de GEE da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas.
3 – São implementadas medidas para o uso de combustíveis menos poluentes nos navios, privilegiando a
transição do setor do transporte marítimo para fontes de energia renovável.
4 – É promovida e implementada uma Área de Controlo de Emissões em articulação com os países do
Mediterrâneo, na área marítima entre o Mar Mediterrâneo (inclusive) e a Área de Controlo de Emissões já
existente do Canal da Mancha.
5 – São criadas condições infraestruturais nos portos do território nacional, no sentido de fornecer
eletricidade, produzida a partir de fontes de energia renovável, às embarcações que utilizam os portos
portugueses (cold ironing).
6 – No quadro internacional, o Estado português defende junto das entidades competentes a eliminação de
incentivos, isenções e benefícios sobre os combustíveis fósseis concedidos ao setor do transporte marítimo,
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designadamente aos navios de comércio e de cruzeiro.
Artigo 41.º
Indústria pesada
1 – É criada a Inspeção-Geral das Emissões Industriais, com as seguintes incumbências:
a) Análise e inspeção regular das maiores unidades industriais do País no que respeita às emissões de
GEE, nomeadamente nas áreas da energia, do cimento e da celulose, podendo a sua atividade ser alargada a
outros setores;
b) Promover a redução, para metade, do conjunto das emissões da indústria pesada através da
eletrificação, aumento de eficiência ou outras opções técnicas.
2 – Após se atingir a redução de emissões de GEE das unidades industriais, a Inspeção-Geral das
Emissões Industriais é extinta e os seus quadros são integrados na Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do
Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).
3 – É promovida a reconversão da indústria cimenteira através da integração de produtos mais ecológicos e
sustentáveis nos seus processos industriais, como a incorporação de resíduos de construção e demolição,
reduzindo as emissões de GEE e a necessidade extrativa.
Artigo 42.º
Obsolescência programada
1 – É criado um programa de combate à obsolescência programada, garantindo uma maior durabilidade,
possibilidade de substituição de peças e de conserto de equipamentos.
2 – É promovida a durabilidade dos produtos, em particular eletrónicos, por alargamento dos períodos de
garantia e por comparticipação dos custos de reparação.
Artigo 43.º
Circuitos de produção-consumo de proximidade
1 – É promovido o consumo de produtos provenientes de circuitos curtos e com menor pegada ecológica.
2 – É promovida a produção e o consumo de bens alimentares de proximidade e de agriculturas
sustentáveis.
Artigo 44.º
Redução de bens descartáveis
A redução de bens descartáveis é alcançada através de medidas legislativas que promovam:
a) A sustentabilidade de um sistema de economia circular;
b) A redução de bens de uso único, nomeadamente de plástico;
c) A criação de um plano de redução de embalagens e de combate à sobreembalagem;
d) A criação de sistemas de tara recuperável como meio de reutilização de embalagens;
e) A implementação de programas de substituição do uso do plástico em embalagens descartáveis por
materiais biodegradáveis.
Artigo 45.º
Resíduos
1 – É criado um programa para a redução de resíduos, implementando mecanismos e instrumentos que
permitam a sua redução através da reutilização.
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2 – É implementado um programa de reciclagem que permita aumentar a taxa de recolha e tratamento de
resíduos passíveis de serem reciclados.
3 – São criados programas de recolha seletiva de resíduos porta-a-porta.
4 – Para a manutenção da atividade das empresas gestoras de resíduos é fator imperativo o cumprimento
das metas estipuladas nos seus contratos.
5 – A deposição em aterro é uma solução de final de linha que deve ser desincentivada, pelo planeamento
anterior de produção e consumo e pelos custos estipulados às entidades gestoras para essa deposição.
6 – É garantida a redução, conducente à supressão, do movimento transfronteiriço de resíduos para
eliminação e deposição em aterro, de e para o território nacional, de forma a respeitar e cumprir o princípio da
autossuficiência e da proximidade.
Artigo 46.º
Pecuária
1 – São avaliadas e contabilizadas as emissões de GEE da produção pecuária intensiva e, quando
aplicável, da destruição e degradação de floresta ou de outros ecossistemas para essa atividade.
2 – São instituídas medidas para garantir a redução das emissões de GEE da produção pecuária.
3 – São reforçados os mecanismos e políticas públicas para garantir que a pecuária intensiva não afeta,
através de poluição, a sustentabilidade dos recursos hídricos e o bom estado ambiental dos cursos de água e
dos solos.
4 – É promovida a transição da pecuária intensiva para regimes de pecuária com menores emissões
associadas de GEE, como os sistemas de produção pecuária extensiva.
Artigo 47.º
Contratação pública
A contratação de bens e serviços por parte do Estado, dos seus organismos, das autarquias e de empresas
públicas majora positivamente as opções neutras em GEE e de ciclos de produção-consumo de proximidade.
CAPÍTULO III
ADAPTAÇÃO
Artigo 48.º
Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática
1 – É elaborado um plano nacional para a adaptação à crise climática, revisto a cada cinco anos, que prevê
os instrumentos e os mecanismos nesse domínio, nomeadamente para o planeamento e ordenamento do
território, para a gestão das áreas marinhas, para o ordenamento florestal e agrícola, para a sustentabilidade
dos recursos hídricos, para a saúde pública e ambiental e para a proteção civil.
2 – O Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática inclui políticas de criação de emprego para a
persecução dos objetivos constantes do mesmo.
3 – O referido plano nacional está sujeito ao princípio da precaução e à justiça climática.
4 – O Governo elabora um relatório anual relativo ao cumprimento do Plano Nacional para a Adaptação à
Crise Climática.
Artigo 49.º
Ordenamento do território
1 – É elaborada uma cartografia de risco e estratégias de adaptação a fenómenos climáticos extremos que
podem causar ondas de calor, secas, inundações, tempestades marítimas e terrestres, entre outros.
2 – São elaborados programas de defesa e mitigação dos efeitos da erosão costeira, nomeadamente
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através da recarga natural de sedimentos, sempre que possível, e da proibição de construção de nova
edificação em áreas de risco.
3 – Para áreas litorais de baixa cota, mais vulneráveis, são criadas soluções adequadas, privilegiando as
soluções de engenharia natural, de manutenção e de restauro das barreiras naturais, e de soluções que
assegurem a sua estabilidade e os direitos das populações.
4 – É garantida a participação das populações nos processos de adaptação aos efeitos da crise climática,
nomeadamente na tomada de decisões políticas e enquanto agentes ativos na proteção do território, na
preservação das barreiras naturais e dos sumidouros de carbono.
5 – O disposto no presente artigo é articulado com os instrumentos de ordenamento do território, planos de
ação, planos de risco e planos de gestão.
Artigo 50.º
Espaço urbano
1 – A adaptação do espaço urbano aos efeitos da crise climática é apoiada pelo Estado, tendo como
objetivo a criação de corredores ecológicos e a conservação da biodiversidade em meio urbano, impedindo a
excessiva impermeabilização dos solos e o efeito de ilha urbana de calor.
2 – O espaço urbano é gerido e intervencionado com vista à redução dos riscos da crise climática,
nomeadamente através da redução dos riscos de cheia, de ondas de calor e frio, de incêndios, entre outros.
3 – O espaço urbano é organizado de forma a garantir infraestruturas naturais para a melhoria da qualidade
do ar, sombreamento, regulação hídrica e sequestro natural de carbono, nomeadamente através de parques
arbóreos de dimensão e tipologia adequadas.
4 – A preservação e a intervenção no parque arbóreo urbano são efetuadas por técnicos especializados em
arboricultura e sujeitas a um regulamento geral a criar, validado cientificamente.
5 – O desenho do tecido urbano tem em conta a redução das necessidades de deslocação e a importância
da existência de uma rede pública de transportes coletivos descarbonizada, acessível e eficiente.
6 – A intervenção no edificado urbano orienta-se pelo princípio da neutralidade climática dos edifícios
através de ganhos de eficiência energética e de produção de energia renovável, priorizando-se as
intervenções no edificado do Estado e nos edifícios de habitação das pessoas em situação de vulnerabilidade
social e/ou económica.
7 – A requalificação do edificado é preferível à construção de novos edifícios.
Artigo 51.º
Ordenamento agroflorestal
1 – É promovida a transição ecológica agroflorestal, abandonando a monocultura intensiva e superintensiva
e apostando num modelo mais diverso, resiliente e que tira proveito dos processos ecológicos, com menos
consumo de fatores de produção, nomeadamente adubos e produtos fitofarmacêuticos, com mais resiliência
aos incêndios e à seca e com menos emissões de GEE.
2 – São elaboradas políticas com a finalidade de promover a descontinuidade florestal e a gestão da
matéria combustível, combater a proliferação de plantas invasoras com a plantação de espécies autóctones,
reduzir o número de ignições de fogos rurais e para debelar a sua intensidade.
3 – É garantida a capacitação do sistema de proteção civil de forma a dar resposta aos incêndios rurais,
nomeadamente através da prevenção, do salvamento e auxílio às populações.
4 – São promovidos processos de transformação de matérias-primas e de consumo de bens agroflorestais
em circuitos de produção-consumo de proximidade.
5 – O disposto no presente artigo é articulado com a Lei de Bases da Política Florestal, os planos regionais
de ordenamento florestal, o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais e outros instrumentos de
ordenamento do território.
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Artigo 52.º
Reformulação da política agrícola comum
1 – O Estado português defende no plano europeu a reformulação da política agrícola comum (PAC) no
sentido de a distribuição dos seus fundos ser mais justa, nomeadamente para os pequenos agricultores e para
meios de produção mais sustentáveis.
2 – A reformulação da PAC deve privilegiar a transição ecológica agroflorestal como resposta à crise
climática e terminar o financiamento público aos sistemas de produção em monocultura intensiva e
superintensiva.
Artigo 53.º
Sustentabilidade dos recursos hídricos
1 – É reconhecido o direito humano à água.
2 – São elaboradas políticas para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos e de proteção perante
inundações e períodos de seca.
Artigo 54.º
Ciclo da água
1 – São previstas medidas para aumentar a eficiência dos usos e do ciclo da água, nomeadamente:
a) Uma rede de separação e reutilização das águas pluviais;
b) A reutilização nas habitações das águas residuais aí criadas;
c) O tratamento das águas residuais para reutilização;
d) A criação de um programa de rega dos campos de golfe exclusivamente a partir de águas residuais
tratadas.
2 – O disposto no presente artigo e no anterior é articulado com a Lei da Água, o Plano Nacional da Água e
outra legislação relevante.
Artigo 55.º
Saúde pública e saúde ambiental
São avaliados os riscos e elaborados planos de atuação perante fenómenos climáticos extremos,
surgimento de novas doenças ou agravamento da incidência de doenças em resultado da crise climática,
dando destaque e reforçando as áreas de intervenção em saúde pública e em saúde ambiental.
Artigo 56.º
Proteção civil
É garantida uma proteção civil capacitada para responder às populações e ao território no quadro dos
riscos da crise climática.
Artigo 57.º
Preparação frente a eventos climáticos extremos
1 – Os riscos e a vulnerabilidade da população face a eventos climáticos extremos são mitigados através de
políticas públicas delineadas pelos princípios orientadores, prioridades de ação e metas estabelecidas no
Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030 ou outros instrumentos que se adotem
na sua aplicação. Concretamente, as políticas públicas a desenvolver para a preparação frente a eventos
climáticos extremos terão como objetivos:
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a) A redução da mortalidade provocada por catástrofes naturais;
b) A redução do número de pessoas afetadas por catástrofes naturais, priorizando as pessoas em situação
de vulnerabilidade social e/ou económica;
c) A diminuição dos danos causados nas infraestruturas essenciais à prestação de serviços públicos,
património cultural e setores de atividade económica;
d) A diminuição dos danos causados nos ecossistemas através de medidas de conservação e restauro
adequadas que permitem aumentar a sua resiliência;
e) A definição de estratégias de redução de riscos de catástrofes naturais a nível nacional, regional e local;
f) O reforço da cooperação e da solidariedade internacional com os países do Sul Global, prestando apoio
adequado à implementação das medidas previstas no Quadro de Sendai;
g) A introdução da perspetiva de género em todas as ações relativas à mitigação e redução de riscos face a
eventos climáticos extremos, tais como medidas de prevenção, reação e compensação.
2 – As políticas públicas de adaptação à crise climática quando vertidas em instrumentos de planeamento
são orientadas pelas medidas, indicadores e planos de contingência estabelecidos no Quadro de Sendai.
Artigo 58.º
Deslocalização de populações devido a perdas e danos
1 – As populações devem ser protegidas de perdas e danos resultantes da crise climática, nomeadamente
em zonas vulneráveis à subida do nível médio do mar.
2 – As condições e procedimentos para a deslocalização de populações no sentido de as proteger de
perdas e danos causados pelos efeitos da crise climática climáticas são obrigatoriamente participados e
mediados pela própria comunidade.
3 – São identificadas as principais zonas populacionais do território nacional vulneráveis à subida do nível
médio do mar.
4 – São elaborados planos de preparação de deslocalização de populações em zonas críticas, de modo a
preparar adequada e atempadamente eventuais necessidades de deslocalização.
5 – É garantido financiamento público adequado e suficiente para a deslocalização de populações quando
esta seja inevitável.
CAPÍTULO IV
COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL
Artigo 59.º
Princípio da participação internacional
O Estado português integra a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
Artigo 60.º
Política externa na área do clima
1 – No quadro das suas relações externas e na sua participação em organizações e conferências
internacionais, o Estado português participa e promove ativamente na criação de compromissos para:
a) O reforço, antecipação e cumprimento das metas para a redução de emissões de GEE e para atingir a
neutralidade climática;
b) Objetivos comuns, vinculativos e efetivos de resposta à crise climática e à preservação do ambiente e da
biodiversidade;
c) A adaptação da produção tendendo à preservação dos recursos naturais e do bom estado ecológico do
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planeta;
d) A justiça climática.
2 – O Estado português cumpre os seus compromissos internacionais na área da solidariedade e
cooperação climática, nomeadamente de financiamento.
Artigo 61.º
Fenómenos climáticos extremos no exterior
O Estado português colabora e participa, no quadro das suas relações internacionais, em mecanismos de
auxílio a países assolados por fenómenos climáticos extremos e pelas suas consequências.
Artigo 62.º
Perdas e danos no exterior
1 – O Estado português participa solidariamente no financiamento global de programas de resposta às
perdas e danos causados pela crise climática, nomeadamente através das obrigações por si assumidas na
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
2 – O Estado português desenvolve ações de cooperação para dar resposta a perdas e danos no âmbito
das relações internacionais com países de língua oficial portuguesa.
Artigo 63.º
Ecocídio
1 – É reconhecido o crime de ecocídio e o mesmo é incluído e tipificado no ordenamento jurídico português.
2 – O Estado português apresenta e apoia propostas a nível internacional no sentido de incluir o ecocídio
na lista de crimes que afetam a comunidade internacional no seu conjunto.
Artigo 64.º
Refugiados climáticos
1 – O Estado português reconhece o estatuto de refugiado climático a pessoas que se vejam forçadas a
sair do seu território de origem devido a ameaças à resiliência e à segurança desse território em resultado de
uma situação da emergência climática.
2 – Portugal declara-se País de acolhimento de refugiados climáticos.
Artigo 65.º
Projetos internacionais
O Estado português participa e desenvolve projetos de cooperação internacional na área climática tendo
em vista a transferência de conhecimento e tecnologia, de capacitação e de projetos de mitigação e/ou
adaptação aos efeitos da crise climática.
Artigo 66.º
Financeirização da resposta climática
No quadro das suas relações internacionais, o Estado português opõe-se à financeirização dos
instrumentos de resposta climática e a mecanismos de constituição do direito a poluir, opondo-se
nomeadamente:
a) Ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão;
b) À criação de um mercado global de emissões;
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c) À criação de um mercado para o capital natural.
Artigo 67.º
Informação da política internacional climática
Na área da política climática, é publicado no Portal do Governo:
a) As metas e compromissos internacionais a que o Estado português está vinculado;
b) A listagem de projetos de cooperação internacional em que o Estado português está envolvido com a
respetiva descrição, objetivos, organizações envolvidas, financiamento e resultados.
CAPÍTULO V
CONHECIMENTO
Artigo 68.º
Investigação e desenvolvimento
1 – A política de investigação científica e desenvolvimento tecnológico é enquadrada nas necessidades
inerentes ao cumprimento do Orçamento do Carbono e do Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática, da
redução das emissões de GEE, da preservação e restauro de sumidouros de carbono, da conservação e
preservação da natureza, da avaliação dos riscos e impactes da crise climática e da proteção das populações.
2 – O Estado português e as suas instituições participam ativamente em equipas internacionais de
investigação científica e desenvolvimento tecnológico no âmbito da crise climática planetária.
3 – O Estado português deve garantir o financiamento ou cofinanciamento adequado e suficiente para a
execução dos projetos referidos nos números anteriores deste artigo.
Artigo 69.º
Educação
1 – O sistema de ensino integra conteúdos relativos à crise climática.
2 – Quando adequado, são disponibilizadas ferramentas de conhecimento na área das alterações
climáticas a museus, centros de ciência, bibliotecas e a meios de comunicação e divulgação.
3 – É dada formação e capacitação neste domínio a adultos, em particular os que tenham profissões ou
atividades diretamente relacionadas com as alterações climáticas e com o impacto direto nos objetivos
preconizados na presente lei de bases, de forma a assegurar a participação informada de todos os cidadãos e
cidadãs em matérias relativas à crise climática.
Artigo 70.º
Educação ambiental
1 – A rede de professores com competências técnico-pedagógicas para a coordenação e dinamização de
projetos desenvolvidos em articulação com instituições públicas, nomeadamente com o serviço de saúde
pública e em especial com a área da saúde ambiental, com organizações não governamentais de ambiente
(ONGA) ou ancorados em equipamentos de apoio à educação ambiental é um elemento importante da Lei de
Bases do Clima e deve ser reforçada.
2 – São promovidas campanhas de sensibilização para a prevenção e para os riscos inerentes à crise
climática.
3 – A educação ambiental tem como desígnios:
a) Cultivar a «educação ambiental permanente», ao longo da vida, a integrar em espaços de educação
formal e não formal, reconhecendo a importância da dimensão da transformação social exigida no presente
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momento e que requer uma profunda mudança comportamental, de políticas e de práticas, a todos os níveis
societais (do governo às empresas e escolas);
b) Capacitar para a transformação social, através do envolvimento democrático dos cidadãos e cidadãs –
crianças, jovens e adultos de diferentes idades – em iniciativas individuais e coletivas de resolução dos
problemas que afetam a sua vida, as comunidades onde vivem e a sociedade;
c) Admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as articulações
entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico e de exploração/desigualdade.
CAPÍTULO VI
FISCALIDADE E FINANCIAMENTO
Artigo 71.º
Fiscalidade verde
1 – A fiscalidade com incidência na área climática enquadra-se nos princípios de progressividade e de
justiça fiscal e visa:
a) Diminuir as desigualdades;
b) Reduzir as emissões de GEE;
c) Adaptar a estrutura da produção e de consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento
ambiental e climático;
d) Promover a justiça social e a justiça climática.
2 – São criadas alternativas na produção e no consumo que permitam a escolha e posterior substituição
para métodos com melhor balanço climático, privilegiando os métodos neutros em emissões de GEE.
3 – São eliminados os incentivos, isenções e benefícios perversos a setores de atividade económica com
grande contributo para as emissões de GEE.
4 – A fiscalidade não confere o direito a poluir ou a emitir GEE.
Artigo 72.º
Aviação e navegação internacionais
No quadro internacional, o Estado português defende a eliminação de incentivos, isenções e benefícios a
setores de atividade económica com grande contributo para as emissões globais de GEE, nomeadamente a
aviação e a navegação marítima de transporte de mercadorias.
Artigo 73.º
Ligações aéreas nas regiões autónomas
1 – As ligações aéreas com partida ou destino na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da
Madeira são consideradas políticas essenciais de coesão do território e de ligação a regiões ultraperiféricas.
2 – As ligações aéreas definidas no número anterior podem ter disposições especiais, nomeadamente ao
nível do preço ao utente e outros benefícios.
Artigo 74.º
Financiamento da resposta climática
1 – A alocação do financiamento das ações de mitigação, adaptação e resposta a perdas e danos no
âmbito da política climática cumprem os seguintes critérios:
a) Proteção das populações;
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b) Conservação da natureza e preservação da biodiversidade;
c) Redução das emissões de GEE;
d) Aumento da captura natural de carbono;
e) Proteção, preservação e restauro de ecossistemas.
2 – O financiamento da resposta climática é alocado de acordo com as políticas e prioridades constantes do
Orçamento do Carbono, Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática e as necessárias para fazer face a
perdas e danos.
3 – É dada prioridade ao financiamento de projetos e objetivos que demonstrem maior custo-eficácia e
promovam a justiça climática.
4 – O Estado português recorre a fundos europeus e internacionais na resposta climática.
5 – O financiamento global da resposta climática e das suas ações são publicadas no Portal do Governo.
CAPÍTULO VII
PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA
Artigo 75.º
Participação
É constituído o direito de participação das populações nas políticas climáticas.
Artigo 76.º
Proteção de ativistas climáticos e ambientais
São criados mecanismos de proteção, nomeadamente apoio judicial, a cidadãos e cidadãs que promovam
ações em prol da defesa do clima e do ambiente.
Artigo 77.º
Proteção da democracia
1 – O bem comum das políticas climáticas é de importância nacional e internacional.
2 – O Estado português não integra acordos que prevejam instrumentos de direito internacional privado que
atribuam a investidores os direitos especiais de, por essa via, exigirem compensações derivadas de políticas
climáticas que estes consideram contrários aos seus interesses.
CAPÍTULO VIII
FISCALIZAÇÃO
Artigo 78.º
Fiscalização
1 – Incumbe à Assembleia da República a avaliação e fiscalização da presente lei, promovendo para tal o
conjunto de iniciativas que considere necessárias.
2 – A Assembleia da República organiza a apresentação e discussão anual:
a) Do Orçamento do Carbono;
b) Do relatório do Governo sobre o cumprimento do Orçamento do Carbono e os riscos para Portugal
inerentes ao atual e previsível impacto da crise climática;
c) Do Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática e respetivo relatório;
d) Do relatório da Comissão Técnica Independente para a Crise Climática;
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e) Da informação enviada pela Inspeção-Geral das Emissões Industriais;
f) Da informação enviada no âmbito dos planos de saúde pública relacionados com a política climática;
g) De outros elementos que considera relevantes.
Artigo 79.º
Comissão Técnica Independente para a Crise Climática
1 – É criada a Comissão Técnica Independente para a Crise Climática, adiante abreviadamente designada
Comissão, cuja missão consiste na avaliação e monitorização do cumprimento da Lei de Bases do Clima, das
suas metas e dos seus objetivos.
2 – A Comissão é composta por catorze técnicos especialistas de reconhecido mérito, nacionais e
internacionais, com competências no âmbito das ciências climáticas, ordenamento do território, ambiente e/ou
energia.
3 – Os membros da Comissão são designados para um mandato de cinco anos do seguinte modo:
a) Seis peritos designados pelo Presidente da Assembleia da República, ouvidos os grupos parlamentares;
b) Seis peritos indicados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e designados pelo
Presidente da Assembleia da República, um dos quais é o presidente;
c) Dois peritos indicados por organizações não governamentais ambientais e designados pelo Presidente
da Assembleia da República.
4 – Os membros da Comissão:
a) atuam de forma independente no desempenho das funções que lhes estão cometidas pela presente lei,
não podendo solicitar nem receber instruções da Assembleia da República, do Governo ou de quaisquer
outras entidades públicas ou privadas, incluindo as entidades que participam nos processos relativos à Lei de
Bases do Clima;
b) não poderão desempenhar outras funções públicas ou privadas que possam objetivamente ser
geradoras de conflitos de interesse com as suas funções na Comissão.
5 – A Comissão tem acesso a toda a informação necessária ao cumprimento da sua missão, encontrando-
se obrigadas todas as entidades públicas e privadas ao fornecimento atempado de tal informação, e aos
esclarecimentos adicionais que lhes forem solicitados, obedecendo esta disposição às regras previstas na lei
em matéria de segredo de Estado e de segredo de justiça.
6 – Anualmente, a Comissão apresenta um relatório à Assembleia da República, e procede à divulgação do
mesmo no seu sítio eletrónico.
7 – O referido relatório é composto por dados relativos à atividade desenvolvida no âmbito do cumprimento
da Lei de Bases do Clima e por recomendações para a persecução das suas metas e objetivos.
8 – Os membros da Comissão não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais
ou no seu emprego permanente por virtude do desempenho do seu mandato.
9 – O apoio administrativo, logístico e financeiro da Comissão é assegurado pelos serviços a disponibilizar
pela Assembleia da República, incluindo a remuneração dos respetivos membros, e é definido a cada cinco
anos.
CAPÍTULO IX
DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 80.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
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Assembleia da República, 28 de outubro de 2020.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Nelson Peralta — Pedro Filipe Soares — Mariana
Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires —
Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro —
Luís Monteiro — Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina
Martins.
———
PROJETO DE LEI N.º 598/XIV/2.ª LEI DE BASES DO CLIMA
Exposição de motivos
A política climática é, nas suas diferentes e múltiplas vertentes, um instrumento indispensável ao
desenvolvimento de uma economia sustentável, à preservação da natureza, à construção de uma sociedade
mais justa e, ainda, ao aumento da qualidade de vida dos cidadãos.
A confirmação da gravidade e rápida evolução das alterações climáticas e dos respetivos impactos
negativos para a biodiversidade, a sustentabilidade ambiental, a qualidade de vida e, no limite, para as
próprias condições de existência de vida na Terra, convocou a comunidade internacional para a celebração de
mecanismos de colaboração, traduzidos em sucessivos acordos internacionais – desde a Convenção Quadro
das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, assinada no Rio de Janeiro no ano de 1992, aos respetivos
instrumentos de aplicação, com destaque para o Protocolo de Quioto de 1997 e para o Acordo de Paris de
2015 –, bem como para a adoção de medidas com relevância estrutural na economia e na sociedade, as
quais, num processo de inovação permanente, estão em curso a nível global e, com particular destaque, na
União Europeia (UE), que elegeu o combate às alterações climáticas como um dos objetivos prioritários da sua
atuação, em conformidade com o artigo 191.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e com
reflexo na recente iniciativa da Comissão Europeia de submissão da primeira Lei Europeia do Clima, cujos
objetivos foram entretanto revistos para incluir uma redução de 55% de emissão de GEE até 2030, como base
para atingir a neutralidade carbónica em 2050.
A UE assumiu o papel de principal impulsionadora da resposta internacional à crise climática, através,
designadamente, da aprovação do Pacto Ecológico Europeu («Green Deal»), que prevê um plano de ação
para (i) impulsionar a utilização eficiente dos recursos através da transição para uma economia circular e (ii)
restaurar a biodiversidade e reduzir a poluição, apontando para o objetivo da Europa ser o primeiro continente
climaticamente neutro em 2050.
Portugal é um dos países da UE que será mais afetado pelos efeitos das alterações climáticas, com
impactos, designadamente, na erosão costeira, no risco da subida do nível das águas do mar, na perda de
qualidade e quantidade de disponibilidades hídricas, na desertificação, nos incêndios florestais e nos eventos
hidrológicos extremos, importando que se implementem políticas públicas eficazes e transversais, destinadas a
fazer face a estas ameaças. É já claro que Portugal enfrenta, nos dias que correm, uma emergência climática
à qual todas as instituições, empresas e cidadãos estão convocados para agir em conformidade.
A Lei de Bases do Ambiente em vigor (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril) contempla as alterações climáticas
como componente associado aos comportamentos humanos objeto da política do ambiente. Contudo, em face
da centralidade que a política climática tem assumido a nível glocal e, em particular, no espaço social,
económico e geográfico em que Portugal se insere – a União Europeia –, afigura-se incontornável destacar a
sua importância no quadro legislativo nacional, através da aprovação do presente projeto de lei de bases do
clima.
Neste contexto, deve ser aprovada pela Assembleia da República uma lei de bases do clima, enquanto
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instrumento jurídico de enquadramento das principais opções para fazer face aos desafios decorrentes das
alterações climáticas, quer em termos de mitigação, quer de adaptação.
A magnitude da tarefa assim assumida, não dispensa, para além da responsabilidade inalienável dos
poderes públicos, a participação da generalidade da sociedade civil – cidadãos, empresas, organizações não
governamentais e centros e grupos de investigação e reflexão – na consecução deste objetivo nacional, razão
pela qual é premente investir na formação e capacitação climática dos cidadãos e na previsão de mecanismos
de incentivo à melhoria do comportamento climáticos dos cidadãos e das empresas. Também nesta linha,
afigura-se essencial adotar uma política fiscal indutora de padrões de consumo mais saudáveis e sustentáveis
e para a internalização de externalidades negativas, como constituiu exemplo as medidas aprovadas no âmbito
da reforma da fiscalidade verde, aprovada pelo Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, tendo presente que a
aceitação social das medidas ambientais na área fiscal depende, em larga medida, da perceção clara dos seus
objetivos e da promoção do princípio da justa repartição dos encargos. Por outro lado, no que respeita ao
investimento público, devem seguir-se critérios de eficiência, promotores de um crescimento verde inclusivo,
tendo em vista os objetivos da descarbonização, da economia circular, da coesão territorial e da mitigação e
adaptação às alterações climáticas.
Com a presente iniciativa pretende-se, assim, estabelecer um quadro jurídico de base da política do clima,
que preveja mecanismos e instrumentos de resposta urgente e eficaz às alterações climáticas, seja no plano
da adaptação, seja da mitigação, por forma a estabelecer uma política do clima eficaz, clara, coerente e
ordenada, nos diferentes níveis de atuação, articulada com a política do ambiente, bem como com cada um
dos setores conexos, que garanta a distribuição equitativa dos custos e dos benefícios que decorram da
aplicação das soluções deste projeto.
Entre esses instrumentos e principais medidas previstos no presente projeto de lei, destacam-se, entre
outros, (i) a previsão da obrigação de fixação, por ato legislativo, de metas nacionais vinculativas de redução
de emissões de gases com efeito de estufa, bem como da respetiva remoção através de sumidouros de
carbono; (ii) a clarificação e o reforço do papel a desempenhar neste domínio por cada um dos sujeitos da
ação climática, procurando envolver os diferentes agentes, seja públicos, seja privados; (iii) a previsão da
criação de uma entidade independente – o Conselho para a Ação Climática (CAC) –, não sujeita a direção,
superintendência ou tutela governamental, composta por especialistas, dedicada à análise e avaliação das
alterações climáticas e da política do clima e sujeita a obrigações de reporte perante a Assembleia da
República, bem como de um portal da ação climática abrangente, destinado a promover a transparência,
divulgação de informação e de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios; (iv) o
desenvolvimento e a concretização da política do clima através de instrumentos especiais como os planos
(nacionais e municipais) e programas setoriais de ação climática e (v) a consideração do comportamento
climático dos agentes económicos, seja para efeitos da eliminação progressiva da subsidiação pública de
atividades económicas contrárias aos objetivos do presente projeto, seja como fator relevante de atribuição de
subsídios, outros apoios públicos às empresas e financiamento de projetos.
Pelo importante papel que o Estado e demais entes públicos assumem enquanto agentes e motores da
ação climática, deu-se também especial destaque aos programas de descarbonização no âmbito da
Administração Pública.
O presente projeto de lei reconhece ainda a necessidade de assegurar a transversalidade da política do
clima, impondo a sua consideração em todos os setores da vida económica, social e cultural e a sua
articulação e integração com as demais políticas setoriais – passando também a exigir-se que todas as
políticas nacionais avaliem o respetivo impacto climático –, bem como com a política fiscal, que deve,
nomeadamente, promover e incentivar a transição para a neutralidade carbónica e contribuir para o
financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e
para o incremento da capacitação climática dos cidadãos, bem como para reduzir os impostos sobre o
rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal.
Procurou-se, por fim, estabelecer um quadro de reforço da transparência, de prestação de contas e da
efetivação da política do clima, bem como o aumento da eficiência dos sistemas de informação, de reporte e
da monitorização, incumbindo, em especial, à Assembleia da República e ao CAC a avaliação permanente
desta política e da eficácia da sua execução.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo
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assinados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o seguinte projeto de lei:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece as bases da política do clima.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Acordo de Paris», o acordo adotado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, no âmbito da Convenção
Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas;
b) «Adaptação às alterações climáticas», as medidas e ajustes de sistemas humanos e naturais, como
resposta a estímulos climáticos projetados ou reais, ou aos seus efeitos, que podem limitar os danos ou tirar
proveito de seus aspetos positivos;
c) «Alteração climática», uma modificação no clima atribuível, direta ou indiretamente, à atividade humana
que altera a composição da atmosfera global e que, conjugada com as variações climáticas naturais, é
observada durante períodos de tempo comparáveis;
d) «Emissões», a libertação de gases com efeito de estufa e ou seus precursores na atmosfera sobre uma
área específica e durante certo período;
e) «Gases com efeito de estufa (GEE)», os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como
antropogénicos, que absorvem e reemitem a radiação solar;
f) «Mitigação das alterações climáticas», as ações e processos que conduzem à redução de emissões
antropogénicas de GEE para a atmosfera, nomeadamente, através do aumento da capacidade de absorção e
dos sumidouros que acumulam e armazenam estes gases;
g) «Neutralidade carbónica», o balanço neutro entre emissões de GEE e o sequestro de carbono
equivalente pelo uso do solo, das florestas, do oceano, das pradarias marinhas, dos sapais e das florestas de
algas;
h) «Neutralidade fiscal», o balanço neutro da carga fiscal global;
i) «Sistema climático», o conjunto da atmosfera, hidrosfera, biosfera e litosfera e suas interações;
j) «Sumidouro», qualquer processo, atividade ou mecanismo que remove da atmosfera um gás com efeito
de estufa, ou um seu percursor, ou um aerossol.
Artigo 3.º
Direito Internacional e da União Europeia
A política nacional do clima deve respeitar o Direito Internacional, incluindo as convenções internacionais e
compromissos assumidos pelo Estado português, bem como o Direito da União Europeia.
TÍTULO II
Objetivos, princípios e metas
Artigo 4.º
Objetivos
São objetivos da política do clima, designadamente:
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a) A mitigação das alterações climáticas, através de ações que contribuam para a redução de emissões de
GEE e, desta forma, para o cumprimento das metas definidas;
b) A adaptação às alterações climáticas;
c) A transição para uma economia competitiva e sustentável, neutra em emissões de carbono e promotora
do crescimento verde inclusivo;
d) A contribuição da política do clima para o desenvolvimento sustentável e a coesão social e territorial;
e) A integração dos objetivos climáticos nos domínios sectoriais;
f) O fomento da cooperação internacional na área das alterações climáticas;
g) A capacitação e a consciencialização dos cidadãos em matéria climática;
h) O reforço da participação dos setores público e privado e dos cidadãos na implementação e consecução
da ação climática;
i) A promoção da investigação científica e da inovação em matéria climática;
j) A transição para uma economia circular;
k) O aumento da eficácia dos sistemas de informação, reporte e monitorização;
l) O reforço da transparência, da acessibilidade e da clareza da informação e do quadro jurídico relativos à
matéria das alterações climáticas;
m) A consciencialização da importância da redução do consumo e da produção de resíduos e a alteração
do padrão de consumo com vista à promoção da reutilização e reciclagem;
n) O reforço da utilização de fontes renováveis de energia e aumento da eficiência e suficiência energéticas
e hídricas, a promoção da mobilidade suave e a transição para a mobilidade elétrica.
Artigo 5.º
Princípios
Para além dos princípios consagrados na Lei de Bases do Ambiente e no Código do Procedimento
Administrativo, a política do clima deve especialmente observar os seguintes princípios:
a) Do desenvolvimento sustentável;
b) Da responsabilidade intra e intergeracional;
c) Da transversalidade e da integração;
d) Da justiça climática;
e) Da precaução;
f) Do melhor conhecimento científico disponível;
g) Da transparência;
h) Da responsabilidade;
i) Da neutralidade fiscal;
j) Do poluidor-pagador;
k) Do utilizador-pagador;
l) Da cooperação internacional, designadamente, com os países de língua oficial portuguesa, bem como
entre entidades administrativas.
Artigo 6.º
Metas
1 – Em cumprimento do Acordo de Paris e dos restantes compromissos internacionais do Estado
português, dos mecanismos de cooperação europeia para o reforço das interligações energéticas, bem como
das metas estabelecidas no âmbito da União Europeia, Portugal deve alcançar a neutralidade carbónica, o
mais tardar, até 2050.
2 – As metas nacionais de redução de emissões de GEE, bem como as metas da respetiva remoção
através de sumidouros de carbono, são fixadas por ato legislativo, a cada cinco anos, no respeito pelos
compromissos europeus e internacionais do Estado português.
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Artigo 7.º
Economia circular
1 – A economia circular assenta no princípio da sociedade da partilha, na promoção da melhoria da
eficiência dos recursos, da reutilização e da reciclagem dos materiais, com o objetivo de redução do consumo
de matérias-primas virgens e de recursos energéticos, das emissões poluentes decorrentes das atividades
extrativas e transformadoras, assim como da produção de resíduos.
2 – A transição para a economia circular depende do desenvolvimento de modelos de negócio e produção,
de bioeconomia, de ecodesign, arquitetura, urbanismo e reabilitação sustentáveis, de estratégias colaborativas
e de produtos e serviços centrados no uso eficiente de recursos e novas dinâmicas de inovação, que
beneficiem os produtos, materiais e soluções mais duráveis e passíveis de reparação, reutilização e
remanufactura.
3 – No âmbito da política de resíduos, a prossecução do objetivo da economia circular é garantido,
designadamente, através da instalação de sistemas de triagem de resíduos urbanos e de recolha e valorização
de biorresíduos, do reprocessamento dos resíduos produzidos, da criação de centros de reuso e de
recuperação de equipamentos de iniciativa municipal e de apoio à reconversão dos setores da indústria de
descartáveis e de valorização de subprodutos e processos de simbiose industrial, com vista ao aproveitamento
do valor socioeconómico dos resíduos e à promoção do fecho do ciclo de vida dos materiais.
4 – O Governo assegura a criação e manutenção de bases de informação sobre os fluxos específicos de
resíduos que permitam a articulação e implementação de programas de simbiose industrial e o
acompanhamento do progresso e evolução das metas instituídas.
TÍTULO III
Sujeitos da ação climática
CAPÍTULO I
Sujeitos da ação climática
Artigo 8.º
Sujeitos
São sujeitos da ação climática:
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas públicas;
d) As regiões autónomas;
e) As autarquias locais e respetivas associações públicas;
f) O Conselho para a Ação Climática, nos termos a definir em diploma próprio;
g) As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica;
h) As organizações não governamentais de ambiente (ONGA) e centros e grupos de investigação e
reflexão e outras organizações não governamentais, associações ou entidades da sociedade civil;
i) Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado.
Artigo 9.º
Estado, institutos públicos e empresas públicas
Compete ao Governo a definição da política do clima, no respeito pela presente lei e da respetiva legislação
de desenvolvimento, bem como a sua execução e coordenação através dos órgãos e serviços da
administração direta e indireta, designadamente a Agência Portuguesa do Ambiente, IP (APA) e, enquanto
órgão consultivo do Governo, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).
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Artigo 10.º
Regiões autónomas
No âmbito das suas competências, os órgãos de governo próprios das regiões autónomas definem e
executam política do clima complementar à política nacional, atendendo às especificidades das respetivas
regiões autónomas.
Artigo 11.º
Autarquias locaise respetivas associações públicas
1 – As autarquias locais e respetivas associações públicas colaboram na definição da política do clima e, no
âmbito das suas atribuições, contribuem para a sua execução no âmbito local e regional.
2 – No âmbito das suas atribuições, os municípios e respetivas associações públicas definem e executam
medidas de política do clima complementares à política nacional, atendendo às especificidades dos respetivos
territórios e populações.
Artigo 12.º
Entidades administrativas independentes
1 – As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica,
designadamente nas áreas da banca, seguros e fundos de pensões e valores mobiliários, exercem, nos termos
da legislação de desenvolvimento da presente lei, competências que assegurem a consideração, prevenção e
monitorização dos riscos climáticos na atividade dos agentes económicos regulados e o cumprimento de
obrigações de reporte por parte destes em matéria climática.
2 – As entidades referidas no número anterior apresentam ao Conselho para a Ação Climática, nos termos
da legislação de desenvolvimento da presente lei, um relatório anual sobre a evolução do impacto das
alterações climáticas nos mercados e setores objeto de regulação, que contemple, designadamente, propostas
de medidas preventivas ou corretivas dos riscos ou impactos climáticos identificados.
3 – As entidades referidas no presente artigo cooperam com o Conselho para a Ação Climática,
designadamente, prestando a informação e colaboração técnica que lhes seja solicitada, com vista à
articulação da atividade de regulação económica setorial com a política do clima, bem como prestam aos
agentes económicos a informação relevante para a monitorização da evolução e impacto das alterações
climáticas nos setores regulados.
Artigo 13.º
Organizações não governamentais de ambiente
As ONGA têm o direito de participar na definição da política do clima, na definição de opções de atuação,
na sua avaliação e implementação e, posteriormente, na aferição do respetivo impacto, bem como de zelar
pelo seu cumprimento por parte da administração pública e dos operadores económicos, através do exercício
dos direitos de informação, de participação, de ação e de outros, nos termos da legislação aplicável.
Artigo 14.º
Cidadãos, empresas privadas e outras entidades de direito privado
1 – Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado, enquanto sujeitos da ação
climática, são titulares dos direitos de informação e participação procedimentais, de acesso aos documentos
administrativos, de ação popular, em matéria de clima, nos termos da legislação aplicável, bem como estão
adstritos aos deveres que resultem da legislação e respetiva regulamentação que concretiza a política do
clima.
2 – Nos termos da legislação de desenvolvimento da presente lei, são definidas obrigações de reporte de
informação não financeira das empresas relativamente à avaliação do respetivo comportamento climático.
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CAPÍTULO II
Conselho para a Ação Climática
Artigo 15.º
Conselho para a Ação Climática
1 – O Conselho para a Ação Climática (CAC) é criado por diploma próprio que define o seu regime,
atribuições, composição, orgânica e funcionamento, observando os seguintes parâmetros:
a) A missão de analisar a evolução e o impacto das alterações climáticas, avaliar a eficácia das medidas
de política do clima e a sua implementação, efetuar recomendações e propor medidas de melhoria com vista à
transição para uma economia competitiva e sustentável de neutralidade carbónica, aconselhar na elaboração
de diplomas e emitir opiniões e pareceres em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às
alterações climáticas;
b) A independência do CAC, que não pode ser sujeito a direção, a superintendência ou a tutela
governamental;
c) A sua composição por sete especialistas de reconhecido mérito em matéria de clima, de ambiente,
gestão e de economia, bem como de áreas conexas, e respetiva forma de eleição;
d) A eleição dos membros pela Assembleia da República para um mandato com a duração de cinco anos;
e) Fixação de obrigações de reporte anual perante a Assembleia da República.
2 – Incumbe, designadamente, ao CAC colaborar com a Assembleia da República e com o Governo na
formulação das políticas e dos diplomas em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às
alterações climáticas, nos termos a definir no diploma referido no n.º 1.
Artigo 16.º
Portal da ação climática
O diploma referido no artigo anterior prevê a criação de um portal da ação climática, a funcionar junto do
CAC, para a divulgação e participação do cidadão e dos diferentes sujeitos da ação climática de informação
sobre o clima, os impactos deste sobre o tecido económico-social do país, de medidas de mitigação e de
adaptação às alterações climáticas, de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios.
TÍTULO IV
Política do Clima
CAPÍTULO I
Política do clima
Artigo 17.º
Política do clima
1 – A política do clima é desenvolvida através de legislação própria, em conformidade com a legislação
europeia e internacional, tendo em vista a materialização dos objetivos e dos princípios enunciados na
presente lei.
2 – Em concretização da legislação referida no número anterior, são instrumentos especiais da política do
clima os planos e os programas sectoriais de ação climática, sem prejuízo de outros instrumentos avulsos
previstos em legislação da União Europeia ou nacional.
3 – Constitui também instrumento da política do clima o regime de comércio de licenças e emissão de GEE.
4 – A política do clima articula-se em especial com a política de ambiente.
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Artigo 18.º
Transversalidade e integração
1 – A transversalidade da política do clima impõe a sua consideração em todos os sectores da vida
económica, social e cultural, e determina a sua articulação e integração com as demais políticas sectoriais,
com vista à promoção de relações de coerência e de complementaridade.
2 – Todas as políticas nacionais e respetiva concretização normativa devem avaliar o seu impacto climático
e considerar os objetivos, princípios e metas conducentes à neutralidade carbónica.
CAPÍTULO II
Instrumentos
SECÇÃO I
Plano e programas sectoriais de ação climática
Artigo 19.º
Plano de ação climática
1 – O Governo reavalia e aprova, a cada cinco anos, o plano de ação climática, em matéria de mitigação e
adaptação às alterações climáticas, assente nos eixos da proteção dos recursos naturais, da promoção da
qualidade de vida e do desenvolvimento económico sustentável.
2 – O plano a que se refere o número anterior prevê, designadamente, as medidas de impacto global, o
faseamento e as metas setoriais de redução de emissões de GEE, tendo em vista alcançar as metas previstas
no ato legislativo a que se refere o artigo 6.º, bem como as medidas de adaptação às alterações climáticas.
Artigo 20.º
Programas sectoriais
1 – No desenvolvimento do plano de ação climática, o Governo aprova programas sectoriais, que
contemplam as medidas específicas e vinculativas de mitigação e ou de adaptação às alterações climáticas
nos setores relevantes, designadamente os seguintes:
a) Energia;
b) Indústria;
c) Edifícios;
d) Mobilidade e transportes;
e) Agricultura e florestas;
f) Oceano e zonas costeiras;
g) Recursos hídricos;
h) Economia circular e resíduos;
i) Ordenamento do território e urbanismo;
j) Saúde e alimentação;
k) Educação.
2 – Os programas referidos no número anterior podem ser individuais, se dedicados a um setor, ou
conjuntos, se relativos a vários setores combinados.
3 – Os programas sectoriais devem considerar, quando aplicável, o potencial impacto que a aprovação de
medidas de mitigação para vigorar em território nacional pode produzir em termos de aumento de emissões de
GEE em Estados terceiros não comprometidos com os objetivos da neutralidade carbónica.
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Artigo 21.º
Planos municipais de ação climática
Com vista ao desenvolvimento e complementação do plano de ação climática e dos programas setoriais, os
municípios, em articulação com as respetivas associações públicas, aprovam, no âmbito das suas atribuições,
planos de ação climática que atendem às especificidades das respetivas populações, empresas e territórios.
Artigo 22.º
Programas de descarbonização da Administração Pública
1 – Para além do cumprimento, na parte que lhes seja aplicável, dos programas setoriais referidos no artigo
20.º, as entidades e os serviços da administração pública contribuem ativamente para a consecução dos
objetivos da presente lei, designadamente adotando práticas e comportamentos, com reflexo na sua
organização e funcionamento, incluindo no âmbito da contratação pública, investimento público e contabilidade
pública, com vista à descarbonização da sua atividade.
2 – Com vista ao cumprimento do disposto no número anterior, o Governo aprova um programa de
descarbonização da administração pública.
3 – Os órgãos de gestão dos serviços da administração direta e indireta do Estado, das entidades
administrativas independentes, bem como os órgãos executivos das autarquias locais e das associações
públicas, aprovam programas de descarbonização específicos dos respetivos serviços e instituições.
Artigo 23.º
Licenças e emissão de GEE
O regime aplicável ao comércio de licenças e emissão de GEE é objeto de diploma próprio.
SECÇÃO II
Promoção da investigação, educação e capacitação climática
Artigo 24.º
Investigação e inovação
O Estado incentiva e financia projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação
climática, em colaboração com as instituições do ensino superior, os centros de investigação científica, as
empresas e outras entidades vocacionadas para o desenvolvimento de projetos nesta área.
Artigo 25.º
Educação e capacitação climática
1 – O sistema educativo nacional promove o envolvimento e a consciencialização da sociedade para os
temas da ação climática, bem como a capacitação para uma atuação neutra em carbono, responsável e
resiliente face às alterações climáticas, nomeadamente através de pontos focais de ação para a capacitação
climática.
2 – O Estado incentiva e financia programas com vista à capacitação climática dos cidadãos, das empresas
e dos serviços e entidades da administração pública.
CAPÍTULO III
Fiscalidade verde
Artigo 26.º
Objetivos
1 – Para a consecução dos objetivos da presente lei, o Estado adota uma política fiscal que promova e
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incentive a transição para a neutralidade carbónica.
2 – A política fiscal deve contribuir para a eficiência na utilização dos recursos, a redução da utilização de
combustíveis fósseis em linha com as metas de descarbonização estabelecidas através da correção de
incentivos perversos, a proteção da biodiversidade, a utilização sustentável do solo, do território e dos espaços
urbanos, a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, bem como para fomentar o
empreendedorismo e a inovação tecnológica, a criação de emprego e o desenvolvimento económico
sustentável.
3 – A política fiscal deve permitir a internalização das externalidades negativas para o clima num contexto
de neutralidade fiscal de modo a promover a competitividade económica, a sustentabilidade e a coesão social
e territorial e a fomentar a harmonização dos instrumentos económicos e financeiros da política do clima.
4 – A afetação da receita proveniente da fiscalidade verde deve permitir reduzir os impostos sobre o
rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, bem como contribuir para o
financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e
para o incremento da capacitação climática dos cidadãos.
Artigo 27.º
Medidas
1 – As medidas de fiscalidade verde contribuem para a diversificação das fontes de receita e para a
simplificação fiscal e o alargamento da base tributável ambiental, numa perspetiva de uma repartição equitativa
de encargos e uma transição justa e inclusiva, tendo em vista promover comportamentos sustentáveis e a
responsabilização das atividades com impacto no clima.
2 – As medidas de fiscalidade verde devem ser precedidas de uma análise de impacto económico-
financeiro, social e ambiental e ser objeto de uma avaliação permanente da respetiva execução.
CAPÍTULO IV
Financiamento
Artigo 28.º
Financiamento da política do clima
1 – A realização da política do clima será considerada na elaboração do Plano e do Orçamento do Estado
como uma das prioridades nacionais.
2 – A política do clima é financiada com recurso, entre outros, às receitas provenientes das medidas fiscais,
nos termos do capítulo anterior, e ao aproveitamento de instrumentos de financiamento europeus e
internacionais e da progressiva eliminação da subsidiação pública de atividades económicas contrárias à
prossecução dos objetivos do presente diploma.
3 – O Governo assegura a articulação entre as diferentes fontes de financiamento da política do clima, com
vista a garantir a sua utilização racional, eficiente e eficaz.
4 – O Governo informa o CAC dos meios financeiros disponíveis em cada ano para a realização da política
do clima, com vista à sua disponibilização pública no portal da ação climática.
Artigo 29.º
Financiamento público de agentes económicos
1 – As entidades, órgãos e agentes da administração pública, bem como o Banco Português de Fomento,
SA, consideram como fator relevante de atribuição de subsídios, outros apoios públicos às empresas e
financiamento de projetos, o respetivo contributo para a prossecução dos objetivos da presente lei, nos termos
a desenvolver em diploma próprio, que fixará, designadamente, os requisitos e fatores de avaliação do
comportamento climático dos agentes económicos e dos projetos e investimentos que pretendam realizar.
2 – O diploma referido no número anterior tem especialmente em conta o regime europeu para a promoção
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do investimento sustentável.
CAPÍTULO V
Avaliação
Artigo 30.º
Avaliação
1 – O Governo avalia o cumprimento das metas e das medidas constantes dos instrumentos da política do
clima e monitoriza a eficácia da respetiva execução e implementação.
2 – Na sequência da avaliação referida no número anterior, o Governo elabora anualmente, após um
período de discussão pública com a duração mínima de 1 mês e com um aviso prévio de 15 dias relativamente
à data do seu início, um relatório sobre o estado do clima e da execução da política do clima, mitigação e
adaptação às alterações climáticas, incluindo, designadamente, informação sobre a evolução das emissões de
GEE globais e em cada setor e sobre a implementação e o cumprimento das medidas, planos e programas
previstos na presente lei e na respetiva legislação de desenvolvimento.
3 – Incumbe à Assembleia da República, bem como ao CAC, nos termos do artigo 15.º, a avaliação
permanente da política do clima e da eficácia da sua execução.
Artigo 31.º
Medidas de compensação
O Governo prevê medidas de compensação a adotar em caso de incumprimento das metas de redução de
emissões e inscreve-as no plano de ação climática e nos programas sectoriais.
TÍTULO V
Controlo e fiscalização
Artigo 32.º
Obrigações de reporte
1 – O Governo apresenta anualmente à Assembleia da República o relatório referido no n.º 2 do artigo 30.º,
com vista ao desenvolvimento da sua competência de fiscalização da atividade do Governo e de avaliação da
política do clima.
2 – O Governo dá conhecimento ao CAC do relatório referido no número anterior, com vista à sua
publicação no portal da ação climática e à prossecução das suas atribuições de avaliação da política do clima.
3 – A apresentação do relatório referido no n.º 1 deve anteceder a submissão da proposta de lei do
Orçamento do Estado na Assembleia da República, em período não inferior a 30 dias, tendo em vista permitir
que as opções de política do clima com impacto orçamental sejam refletidas naquela proposta.
Artigo 33.º
Fiscalização e inspeção
O Estado exerce o controlo das atuações suscetíveis de ter impacto no clima, acompanhando a sua
execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente, assegurar o
cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos da política do clima e prevenir ilícitos
em matéria de clima.
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Artigo 34.º
Quadro sancionatório
1 – O regime sancionatório aplicável às contraordenações em matéria de clima é objeto de diploma próprio.
2 – Constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à
violação de disposições legais e regulamentares relativas ao clima que consagre direitos ou imponham
deveres, para o qual se comine uma coima, nos termos do diploma referido no número anterior.
TÍTULO VI
Disposições Finais
Artigo 35.º
Legislação complementar
Os diplomas referidos no n.º 2 do artigo 6.º, no artigo 12.º, no n.º 2 do artigo 14.º, no n.º 1 do artigo 15.º e
no artigo 29.º devem ser aprovados no prazo de seis meses após a data de entrada em vigor da presente lei.
Artigo 36.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da data da sua publicação.
Lisboa, 22 de dezembro de 2020.
Os Deputados do PSD: Adão Silva — Afonso Oliveira — Alberto Fonseca — Alberto Machado — Alexandre
Poço — Álvaro Almeida — Ana Miguel dos Santos — André Coelho Lima — André Neves — António Cunha —
António Lima Costa — António Maló de Abreu — António Topa — António Ventura — Artur Soveral Andrade —
Bruno Coimbra — Carla Barros — Carla Borges — Carla Madureira — Carlos Alberto Gonçalves — Carlos
Eduardo Reis — Carlos Peixoto — Carlos Silva — Catarina Rocha Ferreira — Clara Marques Mendes —
Cláudia André — Cláudia Bento — Cristóvão Norte — Duarte Marques — Duarte Pacheco — Eduardo Teixeira
— Emídio Guerreiro — Emília Cerqueira — Fernanda Velez — Fernando Negrão — Fernando Ruas — Filipa
Roseta — Firmino Marques — Helga Correia — Hugo Carneiro — Hugo Martins de Carvalho — Hugo Patrício
Oliveira — Isabel Lopes — Isabel Meireles — Isaura Morais — João Gomes Marques — João Moura — Jorge
Paulo Oliveira — José Cancela Moura — José Cesário — José Silvano — Lina Lopes — Luís Leite Ramos —
Luís Marques Guedes — Márcia Passos — Margarida Balseiro Lopes — Maria Gabriela Fonseca — Maria
Germana Rocha — Mónica Quintela — Nuno Miguel Carvalho — Ofélia Ramos — Olga Silvestre — Paulo
Leitão — Paulo Moniz — Paulo Neves — Paulo Rios de Oliveira — Pedro Alves — Pedro Pinto — Pedro
Rodrigues — Pedro Roque — Ricardo Baptista Leite — Rui Cristina — Rui Rio — Rui Silva — Sandra Pereira
— Sara Madruga da Costa — Sérgio Marques — Sofia Matos.
———
PROJETO DE LEI N.º 605/XIV/2.ª DEFINE AS BASES DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Exposição de motivos
É um dado aceite pela comunidade científica que o clima global se encontra a sofrer alterações a um ritmo
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sem precedentes. As mais recentes evidências demonstram que, no último século, a temperatura média global
terá aumentado entre 0,3 e 0,6°C. Este aumento da temperatura encontra-se associado a um aumento das
emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) resultantes da atividade humana, tendo a desflorestação e
queima de combustíveis fósseis sido as principais responsáveis.
Desde o início da industrialização que a concentração de carbono na atmosfera aumentou de 270 para 410
ppm, revelando uma tendência para aumentar entre 525 a 750 ppm até ao final do século XXI, de acordo com
as mais recentes previsões dos modelos socioeconómicos.5
Segundo o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), o
aumento do aquecimento global acima de 2°C terá impactos drásticos ao nível dos ecossistemas e na
biodiversidade do nosso planeta, além da nossa saúde e dos sistemas alimentares.6
Assim, para restringir o aumento da temperatura média global em 1,5°C, limite considerado seguro pelo
IPCC, é imprescindível que a nível global se atinjam emissões líquidas nulas de CO2 até 2050. Para tal, é
necessário não só adotar medidas para a redução das emissões antropogénicas como aumentar a remoção
dos GEE da atmosfera através de sumidouros naturais. Segundo o relatório do PIAC, os ecossistemas
marinhos e terrestres que funcionam como sumidouros essenciais para as emissões antropogénicas de
carbono, têm uma absorção bruta de cerca de 60% das emissões mundiais por ano, o que demonstra que as
soluções baseadas na natureza podem reduzir em 37% os impactos das alterações climáticas até 2030.
Com a continuação do aumento das emissões dos GEE para a atmosfera e consequente aumento da
temperatura global, esperam-se alterações ao clima que aumentarão a probabilidade de eventos
meteorológicos extremos tais como redução da precipitação no Inverno; aumento dos períodos de seca;
fenómenos extremos de vento e ondas de calor, bem como outras consequências como o aumento do nível do
mar; acidificação dos oceanos e perda de biodiversidade.
As atuais previsões demonstram a importância de evitar alterações irreversíveis ao clima e justificam a
urgente tomada de decisões a nível mundial para reduzir as emissões de GEE e evitar, assim, o aumento da
temperatura global acima do 1,5°C.
Face a este cenário, o Parlamento Europeu definiu, através da Resolução de 14 de março de 2019, sobre
alterações climáticas, o objetivo de atingir as emissões líquidas nulas de GEE até 2050, tendo, igualmente,
com a Resolução do Parlamento Europeu de 28 de novembro de 2019, declarado uma emergência climática e
ambiental.
Perante as mais recentes resoluções do Parlamento Europeu, foi aprovada a 8 de outubro de 2020, a
Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que «estabelece o quadro para alcançar a
neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima)», definindo
orientações e trajetórias em concordância com as conclusões científicas do PIAC, a Agenda 2030 das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
nomeadamente o ODS 3, «Saúde e Bem-Estar Mundial», assim como contribuir para a aplicação do Acordo de
Paris, assinado por 195 países.
No seguimento das orientações internacionais, Portugal desenvolveu um Quadro Estratégico para a Política
Climática (QEPiC), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de julho, de onde
surgiram os seguintes instrumentos de política nacional para a mitigação e adaptação às alterações climáticas:
– Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030 (PNAC 2020/2030) que congrega um
conjunto de políticas e medidas de aplicação sectorial através das quais se visa o cumprimento do Protocolo
de Quioto;
– Roteiro Nacional de Baixo Carbono (RNBC), elaborado em 2012, onde se estabelece as políticas a
prosseguir e as metas nacionais a alcançar em termos de emissões de GEE.
– Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), elaborado em 2019, onde se constitui a
Estratégia de Longo Prazo de Portugal face ao assumido em 2016 relativamente à descarbonização da
economia nacional, contribuindo para os objetivos do Acordo de Paris;
– Plano Nacional integrado Energia Clima 2030 (PNEC 2030), que determina os contributos nacionais e
5 https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/AR5_SYR_FINAL_SPM.pdf 6 IPCC; 2018, Global Warming of 1,5°C. An IPCC Special Report on the impacts of global warming of 1,5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty
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linhas de atuação planeadas para cumprir os objetivos do Regulamento (UE) n.º 2018/1999, de 11 de
dezembro de 2018, relativos à redução de emissões de GEE, energias renováveis, eficiência energética e
interligações, sendo um dos principais instrumentos de política energética e climática para a década 2021-
2030;
– Sistema Nacional para Políticas e Medidas (SPeM), constituído em 2013, que tem por objetivo avaliar o
progresso das políticas climáticas nacionais, como cumprimento das obrigações da Convenção-Quadro das
Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC) e comunitárias.
– Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), aprovada em 2015, onde são
definidas as prioridades para implementar medidas de adaptação e promover a sua integração em políticas
sectoriais;
– Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC), aprovado em 2019, que tem por
objetivo promover ações de adaptação, uma a curto prazo (até 2020) e outra a médio prazo (até 2030).
Não obstante o compromisso que os diversos Governos têm demonstrado na elaboração das mais diversas
estratégias, planos e programas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, não existem, ainda,
políticas intersectoriais ambiciosas, verificando-se a inexistência de uma interligação entre os vários
instrumentos e sectores económicos.
A prioridade das políticas de mitigação tem passado, principalmente, pela redução das emissões dos GEE,
não tendo sido dada a mesma relevância à remoção da atmosfera como modo de compensação dos sectores
onde é mais complicada a descarbonização. Para tal, devem ser determinadas medidas e ações concretas
para a conservação e aumento dos sumidouros naturais, tais como as florestas, solos, terras agrícolas e zonas
húmidas.
É notória a falha na avaliação dos impactos de diversas políticas socioeconómicas para o cumprimento dos
objetivos de mitigação e adaptação às alterações climáticas. A título de exemplo, no projeto de Melhoria das
Acessibilidades Marítimas ao Porto de Setúbal, inserido na Estratégia para o Aumento da Competitividade da
Rede de Portos Comerciais do Continente, não foi contabilizado o impacto negativo da obra nas pradarias
marinhas, e consequentemente, na capacidade das mesmas de remover carbono atmosférico.
É também evidente a falta de direção na política agrícola nacional face às metas de adaptação e mitigação
às alterações climáticas, uma vez que se continua a privilegiar culturas agrícolas intensivas em áreas com
solos empobrecidos e em risco de desertificação, onde a redução da precipitação anual e o aumento dos
períodos de seca serão cada vez mais uma realidade devido às alterações climáticas.
Os esforços empregues para a redução das emissões dos GEE não são de se desvalorizar. Contudo, é
essencial a implementação de medidas e ações mais ambiciosas no que diz respeito à capacidade de
resiliência, prevenção e preparação do ambiente, cidadãos e economia às alterações climáticas.
Com este projeto, pretende-se, assim, complementar as políticas existentes, definindo metas mais
ambiciosas para a redução das emissões antropogénicas de GEE, aumento da captura em sumidouros
naturais e medidas de adaptação do território às alterações climáticas mais abrangentes e transversais aos
vários sectores socioeconómicos.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues
apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei define as bases da política do Clima, aplicável às emissões antropogénicas e à remoção dos
gases com efeito de estufa através de sumidouros naturais, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º
da Constituição da República Portuguesa.
Artigo 2.º
Objetivos
São objetivos da Lei de Bases do Clima:
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a) Definir objetivos e metas nacionais e sectoriais para a redução e regulação das emissões de gases com
efeito de estufa, de acordo com as metas nacionais e internacionais;
b) Definir objetivos, orientação e princípios para a política climática;
c) Fornecer uma resposta estratégica para a mudança climática através da elaboração de planos de ação,
de adaptação e compromissos de redução de emissões;
d) Incentivar a transição energética de todos os sectores económicos para um sistema energético
sustentável, acessível e seguro, resultante de sistemas de produção de energia renovável compatível com o
combate e adaptação às alterações climáticas;
e) Promover ações de participação pública com o sentido de capacitar a sociedade para o combate e
adaptação às alterações climáticas;
f) Reduzir os impactos de catástrofes naturais resultantes de fenómenos meteorológicos extremos, na
sociedade civil e ecossistemas, através da capacitação da proteção civil com os meios humanos e materiais
necessários para implementar medidas de prevenção e combate;
g) Desenvolver e implementar medidas conexas às várias políticas e legislação ambiental, de modo a
fomentar a adaptação do território às alterações climáticas, abrangendo os vários sectores económicos com
vista a aumentar a capacidade de adaptação, resiliência da população aos impactos das alterações climáticas;
h) Integrar os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento
económico nacional e sectorial;
i) Integrar os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento
económico nacional e sectorial.
Artigo 3.º
Princípios
A atuação pública está subordinada, para além dos princípios previstos na Lei de Bases do Ambiente, aos
seguintes princípios:
«Princípio de tomada de decisão informada», qualquer decisão, política, programa ou processo deve ser
baseada na análise das melhores práticas disponíveis e informações sobre os impactos potenciais de
alteração climática relevantes para o ato em causa, assim como deve ser deve tomado em consideração a
potencial contribuição para emissões de gases com efeito de estufa.
«Princípio da tomada de decisão integrada», qualquer decisão, política, programa ou processo deve
integrar uma análise de longo e médio prazo relativo às componente ambientais, económicas e de saúde, por
forma a garantir que há um exame adequado de todas as questões que são relevantes para as alterações
climáticas e assegurar que quaisquer medidas adotadas como resultado de decisão, política, programa ou
processo são eficazes e proporcionais às eventuais consequências provocadas pelas alterações climáticas.
«Princípio da gestão de risco», qualquer decisão, política, programa ou processo deve ser baseada:
a) Na avaliação cuidadosa das melhores práticas, informações disponíveis sobre os potenciais impactos
das mudanças climáticas;
b) Na avaliação das consequências de cada das opções na tomada de decisão tendo em conta os riscos
de cada uma dessas opções.
«Princípio da Equidade», devem ser criadas oportunidades pela geração atual para aumentar as
capacidades dentro dessa geração e das gerações futuras para se adaptar às alterações climáticas e, em
particular, dos mais vulneráveis; a geração atual deve garantir que a saúde, diversidade e produtividade do
ambiente é mantida ou melhorada para benefício das gerações futuras devendo procurar sempre evitar
impactos adversos para as gerações futuras.
«Princípio da transparência e participação», prevê o envolvimento da comunidade nas decisões, políticas,
programas ou processos relacionados com as alterações climáticas, pelo que implica fornecer informações
adequadas à comunidade; garantir oportunidades para a comunidade participar na decisão, política, programa
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ou processo; bem como, garantir informações adequadas e consulta pública à comunidade.
«Princípio de compatibilidade», a tomada de decisões deve procurar promover um quadro político coerente
dentro do Estado, assim como deve procurar alcançar a coesão das políticas, programas, iniciativas, ou
compromissos relacionados com as alterações climáticas de outros Estados ou organismos e organizações
internacionais.
«Princípio da responsabilidade ambiental», qualquer pessoa que realize ações ou atividades que afetam ou
podem afetar o meio ambiente, devem prevenir, minimizar, mitigar, reparar, restaurar e, em última instância,
indenizar os danos.
Artigo 4.º
Adaptação
A política nacional de adaptação às mudanças climáticas deve basear-se na análise, planeamento,
medição, monitorização, relatório, verificação e avaliação de instrumentos, e deve perseguir os seguintes
objetivos:
a) Reduzir a vulnerabilidade da sociedade e dos ecossistemas aos efeitos das alterações climáticas;
b) Fortalecer a resiliência e resistência dos sistemas naturais e humanos;
c) Minimizar riscos e danos, considerando o clima atual e futuro;
d) Identificar a vulnerabilidade e capacidade de adaptação e transformação de sistemas ecológicos, físicos
e sociais, e aproveitar as oportunidades geradas por novas condições climáticas;
e) Estabelecer mecanismos de resposta imediata às áreas impactadas pelos efeitos das alterações
climáticas – como uma componente de planos e ações de proteção civil; e
f) Facilitar e promover a segurança alimentar e a preservação dos ecossistemas e recursos naturais.
Artigo 5.º
Política climática municipal
As autarquias locais, na medida das suas competências próprias, devem incluir ações de adaptação na
formulação de políticas públicas, nas seguintes áreas:
a) Gestão de risco abrangente;
b) Recursos hídricos;
c) Agricultura e silvicultura;
d) Ecossistemas e biodiversidade, especialmente em regiões costeiras, marinhas, altas montanhas, zonas
áridas e semiáridas, recursos florestais e solos;
e) Energia, indústria e serviços;
f) Infraestrutura de transporte e comunicação;
g) Planeamento ecológico do uso da terra do território e desenvolvimento urbano;
h) Saúde geral e infraestrutura de saúde pública; e
i) Todos os outros considerados prioritários pelas autoridades.
Artigo 6.º
Mitigação
1. A política nacional de mitigação das mudanças climáticas deve incluir o diagnóstico, planeamento,
medição, monitorização, reporte, verificação e avaliação das emissões nacionais.
2. Esta política deve estabelecer planos, programas, ações e políticas económicas, assim como
instrumentos regulatórios para alcançar gradualmente metas de redução para emissões por sector e atividade,
tendo em conta os compromissos internacionais a que Portugal está sujeito.
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Artigo 7.º
Objetivos de mitigação
São objetivos das políticas públicas de mitigação:
a) Promover a proteção ambiental e o direito a um meio ambiente saudável;
b) Reduzir as emissões nacionais por meio de políticas e programas que promovam a transição para uma
economia sustentável, competitiva e de baixa emissão de carbono, incluindo instrumentos de mercado,
incentivos e outras alternativas que melhorem a relação custo-eficácia da medida de mitigação específica,
reduzindo seus custos económicos e promoção da competitividade, transferência de tecnologia e
desenvolvimento tecnológico;
c) Promover a substituição gradual do uso e consumo de combustíveis fósseis com fontes renováveis de
energia, bem como a geração de eletricidade por meio do uso de energia renovável;
d) Promover práticas de eficiência energética, o desenvolvimento e uso de fontes renováveis de energia e
transferência e desenvolvimento de tecnologia de baixo carbono, particularmente no edificado público;
e) Promover a investigação e implementação de tecnologias de mitigação cuja emissão de gases com
efeitos de estufa e compostos têm baixo teor de carbono ao longo de seu ciclo de vida;
f) Promover o alinhamento e coerência dos programas, orçamentos, políticas e ações da competência de
governo, de forma a conter a degradação dos ecossistemas florestais;
g) Medir, analisar e reportar as emissões relativas à emissão de gases com efeito de estufa;
h) Promover o desenvolvimento do transporte coletivo de massa com elevados padrões de eficiência,
favorecendo a substituição de combustíveis fósseis e o desenvolvimento de sistemas de transporte urbano e
suburbano sustentáveis;
i) Desenvolver incentivos económicos e fiscais para promover o desenvolvimento e consolidação de
indústrias e empresas socialmente responsáveis com o ambiente;
j) Promover a participação dos sectores social, público e privado na conceção, desenvolvimento e
implementação de políticas nacionais de mitigação.
Artigo 8.º
Plano de Ação para a Prevenção de Catástrofes Naturais
No âmbito da adaptação às alterações climáticas o Governo deve assegurar o desenvolvimento de um
Plano de Ação para a Prevenção de Catástrofes Naturais, onde deve:
a) Elaborar cartografia de risco a catástrofes naturais à escala nacional e disponibilizar numa plataforma
online partilhada com todos os intervenientes nacionais e sectoriais interessados;
b) Determinar ações e medidas de prevenção e mitigação do risco regionalmente;
c) Reforçar os sistemas de monitorização e alerta a riscos para integrar fenómenos meteorológicos
extremos;
d) Dotar as entidades regionais e nacionais de proteção civil de meios humanos e materiais para a
implementação do plano.
Artigo 9.º
Comissão Interministerial sobre Mudança do Clima
1 – É constituída a Comissão Interministerial para as Alterações Climáticas para assegurar a integração dos
objetivos para a neutralidade climática nas políticas, medidas e planos de investimento dos diversos sectores
económicos.
2 – A Comissão terá caráter permanente e será presidida pelo Primeiro-Ministro, que poderá delegar essa
função no Ministro competente pela área do Ambiente e Alterações Climáticas.
3 – Esta comissão será constituída por membros dos vários ministérios e será apoiada por técnicos dos
departamentos envolvidos.
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4 – Qualquer política, plano ou investimento terá de ser submetida a avaliação da Comissão Interministerial
para as Alterações Climáticas e obter parecer positivo, para a sua concretização.
Artigo 10.º
Competências da Comissão Interministerial
A Comissão terá as seguintes atribuições:
a) Promover a coordenação das ações entre os órgãos e entidades da administração pública, na área de
mudanças climáticas.
b) Desenvolver e implementar políticas nacionais de mitigação das mudanças climáticas e adaptação, e
incorporá-los aos programas sectoriais e ações correspondentes;
c) Elaborar critérios para que as políticas públicas de mudanças climáticas sejam transversais e
abrangentes, para que possam ser aplicados pelas entidades públicas;
d) Propor e apoiar estudos e projetos de inovação tecnológica, pesquisa, desenvolvimento e transferência
de tecnologia, em relação às alterações climáticas e publicar seus resultados;
e) Promover as ações necessárias para cumprir os objetivos e compromissos internacionais;
f) Divulgar seu trabalho e resultados, bem como publicar um relatório anual de atividades;
g) Entre outras que considere pertinentes com vista a atingir os fins previstos no presente diploma.
Artigo 11.º
Instrumentos Económicos
1 – O Governo deve projetar, desenvolver e aplicar instrumentos económicos que incentivem o
cumprimento dos objetivos da política nacional de combate às alterações climáticas.
2 – Sob nenhuma circunstância estes os instrumentos devem ser estabelecidos apenas para fins de
obtenção de receita tributária.
3 – Os direitos e interesses derivados de instrumentos económicos baseados no mercado devem ser
transferíveis, não tributáveis e sujeitos ao interesse público.
Artigo 12.º
Observatório Técnico Independente para as Alterações Climáticas
1 – É criado o Observatório Técnico Independente para as Alterações Climáticas, que procede à análise,
avaliação e acompanhamento da política nacional de combate às alterações climáticas em território nacional.
2 – O Observatório previsto no n.º 1 do presente diploma deve prestar apoio técnico às comissões
parlamentares bem como propor, conforme considerar apropriado, emendas totais ou parciais, acréscimos ou
redireccionamentos.
3 – Com base nos resultados das avaliações, o Observatório pode emitir sugestões e recomendações à
Comissão Interministerial, devendo tornar essas recomendações públicas.
Artigo 13.º
Legislação aplicável
No que diz respeito às atribuições, vigência, composição, estatuto dos membros e do observatório, aplica-
se mutatis mutandis o disposto na Lei n.º 56/2018, de 20 de agosto de 2018.
Artigo 14.º
Transparência e acesso à informação
Deve ser assegurado pelas entidades públicas o acesso à informação relativa à aplicação e monitorização
do disposto no presente diploma, devendo as informações ser prestadas aos cidadãos que as solicitarem nos
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termos da legislação aplicável.
Artigo 15.º
Relatório e Livro Branco sobre o estado do ambiente e das alterações climáticas
1. O Relatório e livro branco do estado do ambiente previsto na Lei de Bases do Ambiente deve passar a
incidir especialmente também sobre os efeitos das alterações climáticas, medidas adotadas e avaliação de
eficácia das mesmas.
2. O referido relatório deve ser apresentado pelo Governo à Assembleia da República, anualmente,
referente ao ano anterior.
3. O livro branco, previsto no n.º 1 do presente diploma, deve ser apresentado pelo Governo à Assembleia
da República, de cinco em cinco anos.
Artigo 16.º
Controlo, fiscalização e inspeção
O Estado exerce o controlo das atividades suscetíveis de ter um impacte negativo no ambiente,
acompanhando a sua execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente,
assegurar o cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos ambientais e prevenir
ilícitos ambientais.
Artigo 17.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 11 de dezembro de 2020.
A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
———
PROJETO DE LEI N.º 609/XIV/2.ª LEI DE BASES DA POLÍTICA CLIMÁTICA
Fundamentação
É hoje consensual que vivemos a era do Antropoceno, um jargão científico que caiu no uso comum e que
designa a época marcada pela espécie homo sapiens e de que forma esta influenciou irreversivelmente os
ecossistemas, os habitats, a biodiversidade – todo o planeta. O planeta tem cerca de 4,5 biliões de anos e num
intervalo de 200 mil anos a espécie humana moderna alterou física, química e biologicamente a Terra. Em
particular, de forma mais intensa, nos últimos 60 anos, os humanos foram responsáveis pelo aquecimento
global, pela acidificação dos oceanos, pela destruição de habitats, por extinções em massa, a sobreextração
de riquezas naturais, exploração do que deveriam ser os bens comuns e por um aumento exponencial das
emissões de dióxido de carbono.
A nível mundial, as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) têm vindo a aumentar continuamente
até 2019, o que é incompatível com o objetivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de
2ºC, e preferencialmente abaixo de 1,5ºC, em relação à época pré-industrial. De acordo com o Relatório
Especial sobre os Impactos do Aquecimento Global de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, publicado em
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2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, um aumento da temperatura global média
superior a 1,5ºC está associado a maiores riscos da ocorrência de ondas de calor, de secas severas, de mega
incêndios florestais, de tempestades e inundações diluvianas e do aumento do nível do mar, constituindo uma
ameaça à biodiversidade e aos ecossistemas terrestres e marítimos.7
Acresce que o Relatório de Avaliação Global sobre os Serviços da Biodiversidade e dos Ecossistemas do
IPBES, publicado em 2019, demonstrou ainda que a Natureza tem sido modificada de forma significativa pela
intervenção humana, provocando um declínio da grande maioria dos indicadores de ecossistemas e
biodiversidade e ameaçando mais espécies da extinção global do que alguma vez no passado. Esta perda de
diversidade representa um sério risco no que diz respeito à segurança alimentar. Igualmente a alteração da
utilização dos solos e a exploração dos ecossistemas marinhos tem um efeito negativo sobre a Natureza que é
agravado pelas alterações climáticas, enquanto os incentivos económicos à atividade humana têm beneficiado
as atividades nocivas em detrimento da conservação, regeneração e reparação daqueles ecossistemas.8
Devido às medidas relacionadas com a pandemia da COVID-19, prevê-se uma redução das emissões de
GEE de 7% em 2020, em comparação com o ano anterior. No entanto, as políticas de retoma económica
deixam prever um novo aumento das emissões, em vez da manutenção de uma trajetória decrescente (que
deveria situar-se na ordem de 7,6% por ano),9 se essas políticas não tiverem um forte compromisso com a
redução da emissão de GEE. As contribuições determinadas a nível nacional (NDC na sigla inglesa) até agora
assumidas de forma incondicional ou mesmo condicional são insuficientes e acabam por ser consistentes com
um aquecimento global de pelo menos 3ºC.
Os regulamentos e políticas atuais também não enfrentam, de forma adequada, o aumento das emissões
de GEE provenientes do transporte marítimo e da aviação internacionais que, nas suas trajetórias atuais,
atingirão uma quota de 60% a 220% em relação ao orçamento de carbono disponível a nível mundial em 2050.
Mudanças do estilo de vida baseado no consumo são imprescindíveis para conseguir reduzir a lacuna de
emissões decorrente das políticas atuais e das necessidades para atingir o objetivo do Acordo de Paris,
nomeadamente em relação ao 1% mais rico da população mundial, que por si só é responsável por 50% das
emissões.10
Considerando a distribuição dos orçamentos de carbono remanescentes para cumprir o Acordo de Paris
pelos diversos países, será preciso observar princípios básicos de justiça e equidade, tanto no que diz respeito
a futuras emissões como às emissões já acumuladas desde a revolução industrial pelos diferentes países.11
Esse tipo de abordagem pode levar a orçamentos negativos muito elevados nos países industriais, impossíveis
de cumprir, mas terá de ter em conta uma partilha de esforço entre países, com reduções mais acentuadas
nos países do Norte Global e aumentos passageiros nos países do Sul Global, para permitir atingir níveis de
desenvolvimento adequados, de acordo com o proposto pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano e
Antropoceno, para atingir uma transformação justa na forma como vivemos, trabalhamos e cooperamos sem
exceder os limites biofísicos do planeta.12
O ponto de partida para combater a emergência climática em curso é também o reconhecimento de que
neoliberalismo está na base da «prosperidade» do Ocidente, moldando hoje a sua (in)capacidade de
responder à crise climática. A ideia de que podemos simplesmente mudar de uma economia movida a
combustíveis fósseis para outra movida a energias renováveis não é uma opção realista, porque o modelo
extrativista é o mesmo. É este modelo, o grande responsável pela destruição do planeta, e sobretudo do Sul
Global, que sofre os maiores impactes mesmo não sendo o principal responsável. Efetivamente, quem dispõe
de menores recursos económicos e já sente os efeitos da desigualdade social na sua vida quotidiana é quem
também é desproporcionalmente afetado/a pelos riscos ambientais. Neste sentido, justiça climática é justiça
social, porque é sabido que a crise climática é produto da desigualdade e de um sistema económico obcecado
pelo crescimento contínuo.
Assim, o princípio orientador deste projeto de lei será o primado da justiça climática que assenta na
distribuição justa do esforço necessário para atingir o objetivo de manter o planeta habitável para a espécie
7 https://www.ipcc.ch/sr15/ 8 https://ipbes.net/global-assessment 9 https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/cut-global-emissions-76-percent-every-year-next-decade-meet-15degc 10 https://www.unep.org/emissions-gap-report-2020 11 N.J. van den Berg. et al., «Implications of various effort-sharing approaches for national carbon budgets and emission pathways», in Climatic Change 162 (2020), pp. 1805–1822. https://doi.org/10.1007/s10584-019-02368-y 12 http://hdr.undp.org/en/2020-report.
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humana. Este princípio orientador assentará em três pilares: a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.
O pilar da sustentabilidade visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a
neutralidade carbónica e garantir formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais, pôr
em prática a política dos 6R – recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois,
reciclar, apostar nos transportes públicos e na mobilidade ativa, fomentar práticas de troca e autoconsumo,
numa lógica de reequilíbrio e redução da produção e do consumo de bens, nomeadamente do Norte global e
das elites do Sul global.
O pilar da resiliência procura tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do
aquecimento global, tanto a nível humano como técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco
para as zonas costeiras, as secas prolongadas acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais.
Por fim, o pilar da reparação, pois regenerar requer medidas proativas de reparação dos ecossistemas e
habitats naturais para aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar.
Rejeitando a forma antropocêntrica, que também é violenta, de como nos relacionamos com a natureza,
este projeto de lei tornará ainda obrigatório que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de
maior envergadura a realizar no futuro sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para
cumprir os pressupostos enunciados, promovendo a redução do consumo de matérias-primas não-renováveis
e seus derivados, a redução das emissões de gases de efeitos de estufa e outros poluentes e a regeneração
da biodiversidade, reduzindo assim a pegada ecológica nacional.
Para tanto prevê igualmente uma mudança de paradigma, uma relação com a Terra que seja recíproca e
não extractivista e implique também o respeito pelas demais espécies – animais e vegetais – que connosco
coabitam o planeta.
Neste sentido, nos termos do artigo 167.º da Constituição da República e do artigo 119.º do Regimento da
Assembleia da República, a Deputada não inscrita abaixo assinada apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
Define as Bases da Política do Clima, em cumprimento do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 9.º e
igualmente do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de atingir a neutralidade
climática, através da promoção da sustentabilidade, da resiliência e da reparação dos efeitos da emergência
climática em curso.
Artigo 2.º
Objetivos
1 – A definição dos princípios orientadores, objetivos e metas da política climática nacional, no quadro de
um desenvolvimento sustentável e pós-extrativista, de proteção, preservação e restauro das riquezas naturais,
ecossistemas e biodiversidade e dos direitos coletivos sobre os bens comuns do planeta, em prol do interesse
coletivo e das futuras gerações, numa perspetiva intergeracional, e tendo sempre presente o Princípio da
Precaução.
2 – A persecução da justiça climática como forma integrada de enfrentar os desafios causados pelo sistema
e cujos pilares são a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.
3 – A adaptação e resiliência do território nacional aos efeitos da crise climática e a proteção das
populações, garantindo a sua qualidade de vida e o respeito pelas demais espécies, animais e vegetais, que
coabitam o planeta.
4 – A criação de um Plano Estratégico Nacional para a Crise Climática, transversal a diferentes ministérios
e áreas de atividade humana, que preveja a cooperação e o diálogo internacional.
5 – A criação deuma Comissão Interministerial para a Crise Climática, que promova a coordenação e o acompanhamento das políticas setoriais.
6 – A definição de um quadro orientador da política climática, para a descarbonização da economia e para a
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transição energética e ecológica, assim como dos instrumentos que a concretizem.
7 – O compromisso de que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura
sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para cumprir os pressupostos enunciados,
integrando os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento
económico nacional e setorial.
8 – A articulação com a Lei de Bases do Ambiente e restante legislação ambiental no sentido de prevenir e
mitigar riscos ambientais conexos.
9 – O estímulo, através de investimento público, à investigação, à inovação e ao conhecimento científico e
tecnológico, adequando-o às metas ambientais, e ao emprego verde.
10 – A garantia da informação pública e acessível aos cidadãos e da participação dos mesmos na definição
das políticas climáticas.
CAPÍTULO I
PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 3.º
Definições
Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:
a) «Adaptação», ações que visam a prevenção, antecipação e minimização dos efeitos adversos da crise
climática e dos danos por esta causados;
b) «Alterações climáticas», as mudanças no clima que persistem por um período extenso em resultado da
atividade antropogénica e adicionais à variabilidade natural do clima;
c) «Crise climática» ou «emergência climática», o atual estado de riscos, impactes, perdas e danos
causados pelas alterações climáticas;
d) «Ecocídio», a destruição massiva ou perda total de ecossistemas de um determinado território, derivado
da ação humana com dolo, que o usufruto pelos habitantes tenha sido ou venha a ser severamente diminuído;
e) «Extrativismo», relação não recíproca com a Terra não, baseada no domínio; uma relação que única e
exclusivamente tira que é o oposto de gestão ambiental, que implica tirar, mas zela para que a regeneração e
a vida futura continuem. É a redução da vida a objeto para terceiros, não lhes conferindo qualquer integridade
ou valor próprio, transformando ecossistemas vivos complexos em «recursos naturais» em vez de bens
comuns;
f) «Gases com efeitos de estufa», as substâncias gasosas que absorvem radiação infravermelha e que
contribuem para o aumento da temperatura e para a ocorrência de anomalias térmicas e, nesta medida, para a
permanência de alterações climáticas;
g) «Justiça climática», o respeito pelo conjunto dos direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,
através da qual se garante a participação das populações na resposta climática, a definição do uso sustentável
dos recursos naturais e dos bens comuns, o reconhecimento de responsabilidades históricas, e uma resposta
climática que vise uma sociedade mais igualitária e justa;
h) «Neutralidade Climática», o balanço líquido, igual a zero, entre as emissões dos gases com efeito de
estufa regulados pela legislação nacional e a remoção desses gases da atmosfera, por fenómenos naturais;
i) «Princípio da precaução», princípio sob o qual a falta de certeza científica não pode ser alegada como
razão suficiente para não adotar medidas preventivas e eficazes nas atividades que podem ter impactes
negativos relevantes no ambiente e na saúde humana;
j) «Refugiado climático», qualquer pessoa que se veja forçada a sair do seu território de origem em
resultado de uma situação da emergência climática;
l) «Reparação», políticas e ações com vista ao restauro de ecossistemas, habitats e biodiversidade para
aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar;
m) «Resiliência», políticas e ações de mitigação e adaptação à crise climática, procurando tornar a
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sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento global, tanto a nível humano como
técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco para as zonas costeiras, as secas prolongadas
acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais;
n) «Sustentabilidade», as políticas para o equilíbrio ambiental do planeta, que visa adequar todas as
atividades sociais e económicas à compatibilidade com a neutralidade carbónica e garantir formas de energia
não baseadas em carbono ou em metais e minerais.
Artigo 4.º
Pilares da política climática
As políticas públicas do clima estão subordinadas a três pilares:
1 – Sustentabilidade, que visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a
neutralidade carbónica, garantindo formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais.
2 – Resiliência, que visa tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento
global, tanto a nível humano como técnico.
3 – Reparação, que visa a regeneração dos ecossistemas e habitats naturais para aumentar a sua
biodiversidade e garantir a segurança alimentar.
Artigo 5.º
Plano Estratégico para a Crise Climática
1 – A política e ação climáticas são constituídas pelo Plano Estratégico para a Crise Climática, que inclui o
Orçamento do Carbono que, por sua vez, institui as metas sectoriais de sequestro de carbono.
2 – O referido plano nacional está sujeito ao princípio da precaução e à justiça climática.
3 – O Plano previsto no n.º 1 do presente artigo é elaborado até 30 de junho de 2022 e sujeito a consulta
pública, vigorando depois por um período de 10 anos, findo o qual o Governo apresenta uma versão
atualizada.
4 – O Governo elabora um relatório anual relativo ao cumprimento do Plano Nacional para a Adaptação à
Crise Climática, apresentando-o à Assembleia da República no primeiro trimestre do ano seguinte ao que diz
respeito.
Artigo 6.º
Comissão Interministerial para a Crise Climática
É criada a Comissão Interministerial para a Crise Climática, que promove a coordenação e o
acompanhamento das políticas setoriais, assegurando os princípios da transversalidade e complementaridade
nos sectores económicos, sociais e culturais, e nas respetivas políticas públicas.
Artigo 7.º
Neutralidade climática
1 – O Estado português dirige a sua política para atingir a neutralidade climática, estabelecendo que o
balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses gases tem como objetivo atingir, ou
mesmo antecipar, as suas metas ou seja 100% até 2050.
2 – As emissões de GEE têm redução contínua ao longo do tempo e o seu valor anual de emissões deve
ser sempre inferior ao registado no ano anterior.
3 – A data para a neutralidade climática do País não é passível de adiamento.
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CAPÍTULO II
SUSTENTABILIDADE, RESILIÊNCIA e REPARAÇÂO
Artigo 8.º
Sustentabilidade
1 – A política e ação para a sustentabilidade têm como objetivo a mitigação da crise climática, cabendo ao
Estado definir objetivos e metas nacionais e sectoriais, devidamente calendarizadas e baseadas nos
compromissos internacionais, e cumpri-las, nomeadamente:
a) Promover a proteção ambiental e o direito a um meio ambiente saudável;
b) Reduzir as emissões de gases estufa por meio de políticas e programas que promovam a transição para
uma economia sustentável e de baixa emissão de carbono;
c) Promover a transição energética através da substituição do uso e consumo de combustíveis fósseis por
fontes renováveis de energia, nomeadamente solar e eólica;
d) Manter todas as reservas de combustíveis fósseis inexploradas, tanto em meio terrestre como em meio
marinho, incluindo as áreas constantes da proposta de extensão da plataforma continental;
e) Interditar a extração de recursos minerais em áreas classificadas ao abrigo do direito nacional e
internacional, em REN, em RAN, em zonas da Rede Natura 2000 e outras áreas sensíveis, terrestres ou
marinhas;
f) Sujeitar impreterivelmente os projetos de mineração, em terra ou mar, a avaliação ambiental estratégica,
que inclua todas as externalidades;
g) Criar um programa de incentivos à mineração urbana;
h) Interditar os biocombustíveis produzidos a partir de material vegetal cultivado propositadamente para
este efeito, bem como a importação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma;
i) Limitar o abastecimento das centrais de biomassa, a biomassa florestal residual, certificada, rastreável e
proveniente de circuitos curtos;
j) Proibir a fracturação hidráulica no território nacional;
l) Promover aeficiência energética, particularmente no edificado público, sendo dada prioridade à reabilitação de edifícios e a formas de construção menos dispendiosas e mais amigas do ambiente;
k) Priorizar o transporte público coletivo e a sua descarbonização, garantindo o acesso dos cidadãos,
incluindo aqueles com mobilidade reduzida, e instituir medidas para assegurar a sua progressiva gratuitidade;
m) Promover os modos ativos de mobilidade, como a deslocação a pé e de bicicleta, e criar um programa
de apoio às deslocações pendulares em bicicleta;
n) Priorizar a Ferrovia, a sua modernização e a sua interligação a Espanha, criando ligações eletrificadas
entre todas as capitais de distrito;
o) Substituir as ligações aéreas internas entre os aeroportos nacionais do continente por ligações
ferroviárias a preço acessível e eliminar os incentivos, isenções e benefícios ao setor da aviação;
p) Analisar e inspecionar periodicamente as grandes unidades industriais no que respeita às emissões de
GEE, nomeadamente nas áreas do cimento e da celulose;
q) Criar programa de combate à obsolescência programada, garantindo uma maior durabilidade,
nomeadamente do conserto de equipamentos e/ou substituição de peças, apoiando cooperativas de
reparação;
r) Reduzir os bens descartáveis e de uso único através de medidas legislativas;
s) Melhor a gestão dos resíduos com vista à sua a redução e reutilização, aplicando a política dos 6R –
recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois, reciclar;
t) Promover uma política sustentável para o mar, designadamente através da gestão das intervenções
humanas e da instituição de áreas marinhas protegidas;
u) Reduzir drasticamente o uso de herbicidas e pesticidas.
2 – O disposto no presente artigo é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de
ação, planos de risco e planos de gestão.
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Artigo 9.º
Resiliência
1 – No âmbito das ações para a promoção da resiliência à crise climática e minimização dos riscos e danos
a nível nacional, regional e local, o Estado define objetivos nacionais e sectoriais e a sua calendarização, e
cumpre-os, nomeadamente:
a) Reforça a capacidade científica, que sustenta o planeamento das políticas e ações;
b) Identifica a vulnerabilidade e capacidade de adaptação e transformação de sistemas ecológicos, físicos e
sociais;
c) Elabora um Atlas do Risco, que inclua estratégias de adaptação a fenómenos climáticos extremos que
causam ondas de calor, secas, inundações, tempestades marítimas e terrestres, entre outros;
d) Estabelece mecanismos de resposta imediata às áreas impactadas pelos efeitos da crise climática,
reforçando e capacitando a Proteção Civil para enfrentar eventos climáticos extremos;
e) Protege as populações de perdas e danos resultantes da crise climática, nomeadamente em zonas
vulneráveis à subida do nível médio do mar, estabelecendo procedimentos para a sua deslocalização se
necessário for;
f) Elabora um programa de defesa e mitigação dos efeitos da erosão costeira privilegiando soluções de
engenharia natural e de restauro das barreiras naturais;
g) Promove o abandono de áreas de risco, proibindo nova construção;
h) Promove políticas de adaptação do espaço urbano aos efeitos da crise climática, nomeadamente através
de corredores ecológicos e de conservação da biodiversidade em meio urbano, impedindo a
impermeabilização dos solos e o efeito de ilha urbana de calor;
i) Preserva espaços verdes e árvores adultas, assegurando que a intervenção no arvoredo urbano é
efetuada por técnicos especializados em arboricultura e sujeita a um regulamento geral a criar em sede
própria, validado cientificamente e em constante atualização;
j) Garante a sustentabilidade dos recursos hídricos, reutilizando as águas pluviais;
l) Promove a agroecologia, sustentável e resiliente, para combater a desertificação e prosseguir objetivos
da neutralidade carbónica e a proteção da biodiversidade;
m) Promove uma alimentação sustentável e saudável e implementa uma estratégia para reduzir o
desperdício alimentar;
n) Promove a produção-consumo de proximidade e de agriculturas sustentáveis.
2 – O disposto no número anterior é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de
ação, planos de risco e planos de gestão.
Artigo 10.º
Reparação
1 – O Estado promove a contenção da degradação dos ecossistemas, habitats e biodiversidade e concorre
para a sua reparação, através da instituição de medidas de restauro adequadas que permitem aumentar a sua
resiliência, nomeadamente:
a) Sumidouros de carbono terrestres e aquáticos: proteção, preservação, monitorização, ampliação e
restauro dos ecossistemas de elevada capacidade de sequestro de carbono, nomeadamente as florestas
autóctones, os sapais, as pradarias marinhas e as florestas de algas e recifes;
b) Preservação e restauro do montado de sobro e do olival tradicional como agrossistemas fundamentais no
sequestro de carbono, na resiliência do território aos incêndios, na fixação de população, na proteção da
biodiversidade, e na regulação dos ciclos da água e do solo;
c) Promoção e restauro da floresta autóctone, designadamente através de culturas florestais mais
sustentáveis e resilientes e a reflorestação das áreas ardidas, abandonando progressivamente a monocultura
do eucalipto;
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e) Promoção da agroecologia, um modelo agrícola mais diverso, resiliente e que tira proveito dos processos
ecológicos, com recurso reduzido a adubos, mais resiliente aos incêndios e à seca e com menos emissões de
GEE;
f) Reformulação da Política Agrícola Comum por forma a apoiar os pequenos agricultores e meios de
produção mais sustentáveis, nomeadamente a agricultura biológica, em detrimento dos sistemas de produção
de monocultura intensiva e superintensiva.
2 – O disposto no n.º 1 é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de ação,
planos de risco e planos de gestão.
CAPÍTULO III
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E JUSTIÇA CLIMÁTICA
Artigo 11.º
Cooperação internacional
1 – O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções
internacionais respeitantes à crise climática e fomenta a cooperação através da troca de informação,
conhecimento científico e tecnologia.
2 – Cumpre igualmente os seus compromissos internacionais, colaborando e participa em mecanismos de
auxílio a países terceiros assolados por fenómenos climáticos extremos.
Artigo 12.º
Financeirização da resposta à crise climática
No quadro das suas relações internacionais, o Estado Português opõe-se à financeirização dos
instrumentos de resposta climática e a mecanismos de constituição do direito a poluir, nomeadamente ao
Comércio Europeu de Licenças de Emissão ou a um mercado global de emissões ou ainda à criação de um
mercado para o capital natural.
Artigo 13.º
Ecocídio
É reconhecido e tipificado no ordenamento jurídico português o crime de ecocídio.
Artigo 14.º
Refugiados climáticos
O Estado português reconhece o estatuto de refugiado climático a pessoas que sejam forçadas a sair do
seu território de origem em resultado de uma situação da emergência climática.
CAPÍTULO IV
INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO
Artigo 15.º
Informação e monitorização
O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre a Crise Climática em curso,
nomeadamente as emissões de GEE e os setores que mais contribuem para essas emissões.
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Artigo 16.º
Investigação e desenvolvimento
1 – A política de investigação científica é enquadrada no cumprimento do Plano Estratégico para Crise
Climática e do Orçamento do Carbono, da redução das emissões de GEE, da preservação e restauro de
sumidouros de carbono, da conservação, preservação e reparação da natureza, da avaliação dos riscos e
impactes da crise climática e da proteção das populações.
2 – O Estado português e as suas instituições participam ativamente em equipas internacionais de
investigação científica e desenvolvimento tecnológico no âmbito da crise climática planetária.
3 – É garantido o financiamento adequado para a execução dos projetos referidos nos números anteriores,
bem como a sua divulgação generalizada.
Artigo 17.º
Empregos para o Clima
O Governo fomenta os empregos para o clima através de planos sectoriais de reconversão e formação.
Artigo 18.º
Educação ambiental
1 – O Estado promove a educação ambiental permanente em espaços de educação formal e informal,
reconhecendo a relação entre a crise climática e as lógicas de crescimento económico contínuo e as lógicas
de exploração e de promoção das desigualdades.
2 – São promovidas campanhas de sensibilização para a prevenção e para os riscos inerentes à crise
climática.
CAPÍTULO V
FISCALIDADE E FINANCIAMENTO
Artigo 19.º
Financiamento da resposta climática
1 – O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação,
resiliência e reparação às alterações climáticas.
2 – Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente,
juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório-síntese.
3 – O Governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações
climáticas, torna público, de forma acessível, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas de
acesso ao respetivo financiamento, divulgando, igualmente, os projetos a que foram atribuídos financiamentos
públicos.
Artigo 20.º
Fiscalidade Verde
São eliminados os incentivos, isenções e benefícios a setores de atividade económica com grande
contributo para as emissões de GEE, nomeadamente a aviação nacional e internacional e o transporte de
mercadorias por via marítima.
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CAPÍTULO VI
PARTICIPAÇÃO E PROTECÇÃO CIDADÃ
Artigo 21.º
Participação
É garantida a participação das populações nas políticas climáticas, nomeadamente na tomada de decisões
políticas e enquanto agentes ativos na proteção do território.
Artigo 22.º
Proteção
São criados mecanismos de proteção, nomeadamente apoio judicial, a cidadãos e cidadãs que promovam
ações em prol da defesa do clima e do ambiente.
Artigo 23.º
Apoio a associações ambientais
O Estado apoia as associações que se dedicam à defesa do ambiente e ao combate à crise climática.
CAPÍTULO VII
AVALIAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
Artigo 24.º
Avaliação Estratégica
Todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura são avaliados
estrategicamente em relação ao seu contributo para o cumprimento dos pressupostos enunciados,
nomeadamente a redução do consumo de matérias-primas não-renováveis e seus derivados, as emissões de
gases de efeitos de estufa e outros poluentes, a reparação de ecossistemas e habitats e a regeneração da
biodiversidade.
Artigo 25.º
Comissão Técnica Independente para a Crise Climática
É criada uma Comissão Técnica Independente para a Crise Climática cuja missão consiste na avaliação,
fiscalização e monitorização, de forma independente, do cumprimento da Lei de Bases do Clima, composta por
especialistas, representantes dos partidos e de ONG, produzindo um relatório anual.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 26.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 6 de janeiro de 2021.
A Deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.
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REGIMENTO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Artigo 140.º
Discussão pública
1 — Em razão da especial relevância da matéria, a comissão parlamentar competente pode propor ao
Presidente a discussão pública de projetos ou propostas de lei, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 134.º.
2 — O disposto nos números anteriores não prejudica as iniciativas que as comissões parlamentares
competentes em razão da matéria entendam desenvolver de modo a recolher os contributos dos interessados,
designadamente através de audições parlamentares ou do sítio da Assembleia da República na Internet.