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Terça-feira, 9 de fevereiro de 2021 Número 42

XIV LEGISLATURA

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 131 e 446/XIV/1.ª e 526, 577, 578, 598, 605 e 609/XIV/2.ª): N.º 131/XIV/1.ª (PAN) — Lei de Bases do Clima. N.º 446/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece as bases da política de ambiente e ação climática. N.º 526/XIV/2.ª (PEV) — Lei-Quadro da Política Climática. N.º 577/XIV/2.ª (PS) — Aprova a Lei de Bases da Política do

Clima. N.º 578/XIV/2.ª (BE) — Lei de Bases do Clima. N.º 598/XIV/2.ª (PSD) — Lei de Bases do Clima. N.º 605/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Define as bases da política climática. N.º 609/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Lei de Bases da Política Climática.

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Nos termos e para os efeitos do artigo 140.º do Regimento da Assembleia da República, avisam-se os cidadãos de que se encontram para apreciação, de 9 de fevereiro a 26 de março de 2021, os diplomas seguintes:

Projetos de Lei n.os 131/XIV/1.ª (PAN) — Lei de Bases do Clima, 446/XIV/1.ª (PCP)— Estabelece as bases da política de ambiente e ação climática, 526/XIV/2.ª (PEV)— Lei-Quadro da Política Climática, 577/XIV/2.ª (PS)— Aprova a Lei de Bases da Política do Clima, 578/XIV/2.ª (BE)— Lei de Bases do Clima, 598/XIV/2.ª (PSD)— Lei de Bases do Clima, 605/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues)— Define as bases da política climática e 609/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira)— Lei de Bases da Política Climática.

As sugestões e pareceres deverão ser enviados, até à data limite acima indicada, por correio eletrónico dirigido a: 11CAEOT@ar.parlamento.pt; ou em carta, dirigida à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, Assembleia da República, Palácio de São Bento, 1249-068 Lisboa.

Dentro do mesmo prazo, poderão ser solicitadas audiências à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, devendo fazê-lo por escrito, com indicação do assunto e fundamento do pedido.

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PROJETO DE LEI N.º 131/XIV/1.ª LEI DE BASES DO CLIMA

Exposição de motivos

As alterações climáticas constituem uma das maiores ameaças à vida no planeta. Como resultado do

fenómeno das alterações climáticas estima-se que poderá ocorrer um aquecimento global médio superior a

2ºC, que conduzirá a eventos climáticos extremos, subida do nível do mar e subsequente ameaça para as

zonas costeiras, onde se concentra grande parte da população mundial, períodos de seca extrema, tornando

vastas zonas do planeta inabitável, entre outros efeitos1.

A comunidade científica internacional e o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC)

consideram que um aumento médio da temperatura global de 2ºC constitui o «ponto de não retorno» das

condições climáticas que têm permitido a sobrevivência e prosperidade da espécie humana e das restantes

espécies animais e flora do planeta.

O IPCC aponta que concentrações de CO2 equivalente na atmosfera na ordem das 430 partes por milhão

(ppm) conduzirão a um aumento médio da temperatura global de 1,5ºC e que concentrações de CO2

equivalente na atmosfera na ordem das 450 ppm conduzirão a um aumento médio da temperatura global de

2ºC2.

Desde 1970, as concentrações de CO2 equivalente aumentaram, em média, 1,73 ppm por ano. A tendência

é crescente, nos últimos dez anos, as concentrações de CO2 equivalente aumentaram, em média, 2,33 ppm

por ano.

No final de 2018, foram atingidas as 410 ppm3, o que, adicionado aos chamados «efeitos de feedback» ou

«processos de autoalimentação» não quantificados, na sua totalidade, nos limites definidos pelo IPCC, torna

clara a urgência da atuação no combate às alterações climáticas.

Portugal, integrado nas políticas climáticas da União Europeia, tem implementado, no quadro jurídico

nacional, algumas iniciativas:

• No campo da mitigação às alterações climáticas, em planos de longo prazo, foi aprovado o Roteiro

Nacional de Baixo Carbono, em 2012, e o Roteiro de Neutralidade Carbónica para 2050, em 2019. Ao nível

dos planos de curto e médio prazo, existe o Plano Nacional para as Alterações Climáticas para 2020-2030, que

concretiza medidas inspiradas no Roteiro Nacional de Baixo Carbono de 2012 e que carece de revisão face

aos objetivos mais exigentes do recentemente aprovado Roteiro de Neutralidade Carbónica para 2050.

• Ao nível da adaptação às alterações climáticas, foi aprovado pelo Governo, em 2015, a Estratégia

Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas para 2020 que se virá a consolidar em planos concretos,

tendo o primeiro sido aprovado em agosto de 2019 – o Programa de Ação para a Adaptação às Alterações

Climáticas (P-3AC) –, com o objetivo de estabelecer a estratégia de atuação setorial de adaptação às

alterações climáticas até 2030.

A nível internacional são ainda poucos os países que adotaram uma lei do clima, destacando-se, na União

Europeia, o Reino Unido e a Suécia e, fora da União Europeia, a Suíça, a Coreia do Sul e o Quénia. Nestas

leis do clima e, à semelhança, das recomendações das Nações Unidas, verifica-se a concretização de planos

de redução de emissões a nível sectorial, como forma de atingir as metas nacionais de redução de emissões.

Os países que implementaram uma lei do clima sublinham a sua importância, seja pelo envolvimento e

responsabilização dos diferentes sectores de atividade na sua prossecução, seja no envolvimento dos vários

atores sociais nos objetivos nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE),

considerando a existência de uma lei de bases do clima como um instrumento fundamental para o

cumprimento dos compromissos internacionais em matéria climática.

Por outro lado, ao nível das Nações Unidas, debate-se atualmente a necessidade de integrar e reforçar as

1 «Trajectories of the Earth System in the Anthropocene» – https://www.pnas.org/content/115/33/8252 2 https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr/ 3 Fonte: NASA

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leis ambientais internacionais e de encontrar novos modelos de governação da área ambiental que garantam a

prossecução efetiva dos objetivos internacionais em matéria ambiental e climática.

Desta forma, no decurso do «Pacto Global para o Ambiente», aprovado pela Resolução das Nações

Unidas, A/RES/72/277, a 10 de maio de 2018, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, a 30 de

agosto de 2019, a Resolução A/RES/73/333, que recomenda aos Estados-Membros que:

a. Reforcem a proteção do ambiente para as gerações presente e futuras;

b. Contribuam para o reforço da implementação da lei ambiental internacional e respetivos instrumentos;

c. Reforcem os esforços e ambição no âmbito dos compromissos internacionais a nível ambiental;

d. Reforcem as leis ambientais, políticas e quadros regulatórios a nível nacional e sectorial e reconheçam a

importância da cooperação internacional;

e. Contribuam para os esforços das Nações Unidas de reforço da implementação da lei ambiental

internacional e da governação ambiental internacional.

Com efeito, o «sistema terrestre», que se define como os processos físicos, químicos e biológicos que

interagem com a Terra e que inclui a terra, oceanos, atmosfera e polos e os ciclos naturais do planeta –

carbono, água, nitrogénio (azoto), fósforo, enxofre e outros ciclos –, funciona de forma holística. Neste sistema,

os impactos das alterações climáticas, simultaneamente, produzem-se e recebem-se de outras variáveis como

a biodiversidade, a acidificação dos oceanos, a quantidade e qualidade de água potável e o uso do solo, entre

outras. Assim, será fundamental uma evolução progressiva para modelos legislativos e de governação que

integrem o «sistema terrestre» como um todo.

Os «limites planetários» são um conceito que envolve processos do «sistema terrestre» que contêm limites

ambientais, nas vertentes das alterações climáticas, biodiversidade, uso do solo, acidificação dos oceanos, uso

de água potável, processos biogeoquímicos, concentração de ozono e aerossóis na atmosfera e poluição

química. O objetivo da definição dos referidos «limites planetários» foi a possibilidade de estipular um «espaço

operacional seguro para a humanidade» como pré-condição para o desenvolvimento sustentável. A estrutura é

baseada em evidências científicas de que as ações humanas, desde a Revolução Industrial, se tornaram no

principal motor das mudanças ambientais globais. De acordo com os cientistas que definiram estes conceitos,

«transgredir um ou mais limites planetários pode ser prejudicial ou até catastrófico devido ao risco de cruzar

limiares que desencadearão mudanças ambientais abruptas não-lineares em sistemas de escala continental a

planetária», alterando a vida na Terra, tal como a conhecemos. Desde 2009, três dos nove limites planetários

já foram ultrapassados, nomeadamente, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e os processos

biogeoquímicos, enquanto que os restantes estão em risco iminente de serem ultrapassados.

Portugal, para além de ter o dever de dar o seu contributo mundial para a redução das emissões de GEE, é

um dos países, a nível europeu, que mais sofrerá com os impactos das alterações climáticas. A região do

Mediterrâneo esteve sujeita a grandes impactos nas últimas décadas, como resultado da diminuição da

precipitação e do aumento da temperatura e espera-se que piorem à medida que o clima continue a mudar. Os

principais impactos são a diminuição da disponibilidade de água e da capacidade de produção agrícola,

aumentando os riscos de secas e de perda de biodiversidade, incêndios florestais e ondas de calor. Estas são,

de resto, justamente o que mais tem tido impacto no nosso país num passado recente e com tendência para

se agravar, com consequências, nomeadamente, ao nível da morbilidade e da mortalidade. Além disso, o

sector hidroelétrico será cada vez mais afetado pela menor disponibilidade de água e pelo aumento da procura

de energia, com todos os custos daí decorrentes. Adicionalmente, Portugal está particularmente exposto à

subida do nível da água do mar, tendo em consideração a sua extensa zona costeira.4

Face ao exposto, é fundamental que o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050, aprovado pelo

Governo, não seja apenas um mero plano, mas integre um conjunto de metas e ambições de prossecução

obrigatória, consubstanciado em planos de responsabilidade sectorial de curto prazo.

No que se refere à adaptação às alterações climáticas, é crucial haver uma visão de longo prazo, que

incorpore as projeções dos impactos das alterações climáticas no nosso território, ao longo do tempo, de forma

a que se possam tomar opções de ação e medidas de adaptação de curto e médio prazo, coerentes com a

evolução expetável do nosso clima a longo prazo.

4 https://ec.europa.eu/clima/policies/adaptation/how/territorial_en

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É assim importante garantir, através da criação de uma lei de bases do clima, que:

• Portugal defenda posições ambiciosas de redução das emissões de CO2 a nível internacional, bem

como adote uma visão integrada do «sistema terrestre»;

• Sejam cumpridas as metas nacionais de redução de emissões;

• Sejam definidas as metas e definidos os planos de ação, de curto prazo, nos sectores da energia,

transportes, resíduos, agricultura e florestas;

• Seja concretizado o correto planeamento e execução das ações de adaptação do nosso território às

alterações climáticas, através de planos de ação, nomeadamente, ao nível do ordenamento do território, dos

recursos hídricos, das florestas, da agricultura, do planeamento de ações e aquisição de recursos materiais e

humanos pela proteção civil e da saúde, devidamente calendarizados, por um período temporal não inferior

a50 anos;

• Sejam introduzidos critérios de eficácia avaliação, nomeadamente, económica nas ações de mitigação e

adaptação às alterações climáticas, de forma a otimizar os recursos disponíveis;

• Seja envolvida ativamente a sociedade civil nos desafios climáticos, através de ações de comunicação e

sensibilização e outras iniciativas dirigidas para a mudança comportamental;

• Seja criada uma comissão independente, que reportará exclusivamente à Assembleia da República,

para a avaliação do cumprimento, por parte do Governo, das ações definidas na lei.

Dando, assim, cumprimento às recomendações das Nações Unidas e aos exemplos de melhores práticas

internacionais em matéria de legislação climática, com o objetivo de tornar Portugal num país modelo em

matéria de política climática;

E nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado e as Deputadas do PAN apresentam o

seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

Princípios Gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define as bases da política do clima, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da

Constituição da República Portuguesa.

Artigo 2.º

Objetivos da política do clima

Partindo do reconhecimento de que vivemos um estado de emergência climática, compete ao Estado

português:

1 – Assegurar que a transição para a neutralidade climática é irreversível.

2 – Garantir o direito a um ambiente saudável e tornar prioritária a elaboração e implementação de

políticas públicas de adaptação às alterações climáticas e mitigação de emissões de gases com efeito de

estufa.

3 – Regular as emissões de gases com efeito de estufa para alcançar a estabilização das suas

concentrações na atmosfera, de forma a evitar mais impactes resultantes da interferência antropogénica no

sistema climático, de acordo com o disposto no artigo 2.º da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre

Alterações Climáticas.

4 – Definir objetivos e metas nacionais e sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa

, devidamente calendarizadas e baseadas nos compromissos europeus, internacionais e planos nacionais,

como o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 e equivalente que lhe suceda.

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5 – Regular ações para mitigação e adaptação às alterações climáticas.

6 – Reduzir a vulnerabilidade da população e dos ecossistemas do país aos efeitos adversos das

alterações climáticas, bem como criar e fortalecer a capacidade do Estado para responder a este fenómeno.

7 – Promover a educação, pesquisa, inovação, desenvolvimento e transferência de tecnologia, bem como

a sua disseminação nas áreas de adaptação e mitigação das alterações climáticas.

8 – Estabelecer as bases para a participação informada do público.

9 – Promover a transição para uma economia competitiva e sustentável de baixas emissões de carbono.

10 – Assegurar a justiça intra e intergeracional.

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos da presente lei, são aplicáveis as seguintes definições:

a) «Alterações climáticas», variação no clima atribuída direta ou indiretamente à atividade humana que

altera a composição da atmosfera global e é adicional à variabilidade natural do clima observada durante

períodos de tempo comparáveis;

b) «Adaptação», medidas e ajustes de sistemas humanos e naturais, como resposta a estímulos climáticos

projetados ou reais, ou aos seus efeitos, que podem limitar os danos ou tirar proveito dos seus aspetos

positivos;

c) «Atlas de risco», um documento dinâmico, cujas avaliações de risco em áreas vulneráveis regiões ou

zonas geográficas considera cenários climáticos atuais e futuros;

d) «Gases com efeito estufa», os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como antropogénicos,

que absorvem e reemitem a radiação infravermelha;

e) «Mitigação», ações que conduzem à redução de emissões de gases com efeitos de estufa.

Artigo 4.º

Política externa em matéria de clima

O Estado em matéria de política externa relacionada com o clima, defende ativamente:

a) O reforço de ambição das metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa;

b) A assunção de compromissos internacionais que digam respeito ao clima e à preservação do ambiente;

c) A defesa de uma visão integrada do «sistema terrestre», com respeito pelos «limites planetários» que

definem o «espaço operacional seguro para a Humanidade».

Artigo 5.º

Mitigação às alterações climáticas

1 – No âmbito da mitigação às alterações climáticas, o Estado deve definir e cumprir objetivos e metas

nacionais e sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa, devidamente calendarizadas e

baseadas nos compromissos europeus, internacionais e planos nacionais, conforme o disposto no n.º 3, do

artigo 2.º.

2 – Para efeitos do disposto no número que antecede, o Estado deve recorrer a mecanismos de

flexibilidade que garantam a equivalente redução de emissões de gases com efeito de estufa, sempre que se

verifique o incumprimento das metas nacionais e/ou sectoriais definidas.

Artigo 6.º

Adaptação às alterações climáticas

1 – No âmbito das ações de adaptação às alterações climáticas, o Estado deve:

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a) Reforçar a capacidade científica dos modelos climáticos, a nível nacional e regional, que apoiem, cada

vez mais e melhor, o planeamento das ações de adaptação às alterações climáticas, através da elaboração de

um Atlas de Risco;

b) Definir objetivos nacionais, regionais e sectoriais de ações de adaptação às alterações climáticas,

devidamente calendarizadas, num horizonte temporal não inferior a cinquenta anos.

2 – A escolha das diferentes opções, relativas às ações de adaptação às alterações climáticas a nível

sectorial, é baseada em critérios de custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, e de avaliação

de impacto ambiental, devidamente demonstrados.

Artigo 7.º

Investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

De acordo com o disposto no n.º 6, do artigo 2.º, o Estado promove ações de investigação e

desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas, dando prioridade:

a) A projetos considerados estratégicos para as ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas

em território nacional, em que se inclui a preservação de habitats ou ecossistemas;

b) À participação em ações de investigação e desenvolvimento a nível europeu e internacional,

estratégicos para o território nacional;

c) Ao desenvolvimento de projetos-piloto;

d) À criação de uma base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no âmbito

das alterações climáticas.

Artigo 8.º

Cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas

1 – A cooperação internacional, no âmbito das alterações climáticas, obedece aos seguintes princípios:

a) Respeito pelos compromissos internacionais em matéria de cooperação para o combate às alterações

climáticas e preservação dos ecossistemas;

b) Independência e determinação dos países terceiros relativamente aos apoios a receber, justificada a sua

mais-valia e custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, dos projetos no âmbito das ações de

mitigação e adaptação às alterações climáticas.

2 – O Governo cria uma base de dados nacional dos projetos de cooperação internacional no âmbito das

alterações climáticas.

Artigo 9.º

Financiamento das atividades de combate às alterações climáticas

O financiamento das atividades de combate às alterações climáticas, pelo Estado, deverá obedecer aos

seguintes princípios:

a) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;

b) Maximização da utilização de fundos europeus, disponíveis neste domínio, nomeadamente através da

criação de um Programa ou subprograma Operacional de adaptação às alterações climáticas, de cariz

transversal;

c) Informação sobre as fontes de financiamento disponíveis para ações de mitigação e adaptação às

alterações climáticas, de forma a reforçar a participação do sector privado nestas ações.

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CAPÍTULO II

Mitigação às alterações climáticas

Artigo 10.º

Metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa

1 – O Estado define, numa base quinquenal e num horizonte de trinta anos, as suas metas nacionais de

redução de emissões de gases com efeito de estufa, respeitando os seus compromissos europeus e

internacionais.

2 – A definição das metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa tem por base o

«Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050» aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º

107/2019, de 1 de julho, e os documentos que o venham a suceder.

3 – O primeiro ano de referência da aplicação das disposições do presente artigo é o ano de 2021.

4 – Desta forma, vigoram, até futura revisão mais ambiciosa das mesmas, as seguintes metas, não

considerando o sector de uso do solo e florestas, de redução de emissões de gases com efeito de estufa, face

a 2005:

a. Ano de 2025: 45%;

b. Ano de 2030: 55%;

c. Ano de 2035: 65%;

d. Ano de 2040: 75%;

e. Ano de 2045: 85%;

f. Ano de 2050: 90%.

5 – O sector do uso do solo e florestas deverá apresentar-se como sumidouro líquido de:

a. Média anual 2020/2025: 9 Megatoneladas (Mt) de CO2;

b. Média anual 2026/2030: 10 Megatoneladas (Mt) de CO2;

c. Média anual 2031/2035: 11 Megatoneladas (Mt) de CO2;

d. Média anual 2036/2040: 12 Megatoneladas (Mt) de CO2;

e. Média anual 2041/2045: 13 Megatoneladas (Mt) de CO2;

f. Média anual 2046/2050: 13 Megatoneladas (Mt) de CO2;

6 – A revisão das metas definidas nos números 5 e 6 do presente artigo é efetuada pela Assembleia da

República, por alteração à presente lei, nos termos do artigo 25.º, sem prejuízo da introdução de critérios mais

ambiciosos do ponto de vista climático que possam e devam ser promovidos pelas diferentes políticas

públicas.

Artigo 11.º

Metas sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa

1 – A concretização das metas definidas nos números 5 e 6 no artigo que antecede é prevista no plano

sectorial pelo Governo.

2 – O Governo determina através de Resolução do Conselho de Ministros, para os anos de referência do

artigo, as metas para os contributos dos sectores da produção de energia, indústria, edifícios, transportes,

resíduos e águas residuais, agricultura e florestas.

Artigo 12.º

Planos sectoriais de redução de emissões de gases com efeito de estufa

1 – O Governo desenvolve e apresenta à Assembleia da República, após consulta pública, os planos

sectoriais de mitigação das alterações climáticas para o cumprimento do disposto no artigo anterior.

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2 – Os planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas são elaborados com um horizonte temporal

de cinco anos e as opções de ações de mitigação devidamente justificadas através da análise de alternativas e

de critérios de custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais.

3 – Os primeiros planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas, com o horizonte temporal

2022/2026, deverão ser apresentados à Assembleia da República até ao final do terceiro trimestre de 2021.

4 – Os planos sectoriais de mitigação das alterações climáticas de horizontes temporais subsequentes são

apresentados acompanhados de relatório de avaliação, no final do terceiro trimestre anterior ao período a que

respeitam.

Artigo 13.º

Mecanismo de flexibilidade

1 – Sempre que se verifique o incumprimento das metas definidas no artigo 10.º da presente lei, o Governo

recorre a mecanismos de flexibilidade, que garantam o cumprimento das mesmas.

2 – Os mecanismos referidos no número que antecede correspondem a investimentos em projetos

internacionais que produzam reduções de emissões de gases com efeito de estufa, pelos mecanismos geridos

pelas Nações Unidas.

3 – As tipologias de projetos referidos no ponto anterior apenas poderão corresponder a redução de

emissões através de projetos nas áreas de:

a. Energias renováveis, com exceção de grandes hídricas;

b. Tratamento de resíduos urbanos;

c. Eficiência energética e energias renováveis no sector dos transportes.

4 – O valor do investimento a efetuar corresponde ao necessário para a obtenção do quantitativo de

redução de emissões de CO2 equivalente em falta no cumprimento das metas nacionais definidas no artigo

10.º da presente lei.

5 – A redução de emissões para efeitos do disposto no presente artigo deve ser comprovada através da

disponibilização à Comissão de Acompanhamento da respetiva inscrição no Registo Português de Licenças de

Emissão.

CAPÍTULO III

Adaptação às alterações climáticas

Artigo 14.º

Prioridades nacionais em matéria de adaptação às alterações climáticas

1 – Tendo em conta as especificidades do território português, tomam especial relevância as ações de

adaptação às alterações climáticas, no âmbito:

a. Do ordenamento do território;

b. Dos recursos hídricos;

c. Das florestas;

d. Da agricultura;

e. Do planeamento de ações e aquisição de recursos materiais e humanos pela proteção civil;

f. Da saúde.

2 – Cabe ao Governo assegurar a devida coerência e transversalidade das ações de adaptação às

alterações climáticas nos âmbitos referidos.

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Artigo 15.º

Planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas

1 – O Governo desenvolve e apresenta à Assembleia da República, após consulta pública, os planos

sectoriais de adaptação às alterações climáticas, com especial enfoque nos sectores referidos no número 1 do

artigo que antecede.

2 – Os planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas são elaborados com um horizonte temporal

de cinquenta anos.

3 – Os planos previstos no número que antecede apresentam medidas concertadas para cada cinco anos,

bem como as respetivas justificações das opções de ações através da análise de alternativas e de critérios de

custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais.

4 – Os primeiros planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas, com o horizonte temporal

2022/2071, são apresentados à Assembleia da República até ao final do terceiro trimestre de 2021.

5 – Os planos sectoriais de adaptação às alterações climáticas de horizontes temporais subsequentes são

revistos de cinco em cinco anos e apresentados, acompanhados de relatório de avaliação, no final do terceiro

trimestre anterior ao período a que respeitam.

CAPÍTULO IV

Investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

Artigo 16.º

Prioridades nacionais em matéria de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

1 – As prioridades nacionais em matéria de investigação e desenvolvimento são definidas como opções

estratégicas para ultrapassar os obstáculos identificados nos planos nacionais e sectoriais de mitigação e

adaptação às alterações climáticas.

2 – Os planos sectoriais de mitigação e adaptação às alterações climáticas, referidos nos artigos 12.º e 15.º

da presente lei, deverão indicar e justificar claramente as tipologias de projetos de investigação e

desenvolvimento a apoiar pelo Estado no horizonte temporal em causa.

Artigo 17.º

Articulação internacional em matéria de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

O Estado português, dentro das tipologias de projetos definidas no artigo anterior, deve participar em ações

de investigação e desenvolvimento a nível europeu e internacional.

Artigo 18.º

Reporte das atividades de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

1 – O Governo implementa uma base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no

âmbito das alterações climáticas.

2 – A base de dados nacional dos projetos de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações

climáticas é apresentada, anualmente, até ao final do primeiro trimestre do ano subsequente, à Assembleia da

República.

3 – O primeiro ano de reporte é o ano de 2021.

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CAPÍTULO V

Cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas

Artigo 19.º

Tipologias de projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas

São considerados projetos de cooperação internacional, no âmbito das alterações climáticas, todos os

projetos que conduzam à mitigação e adaptação às alterações climáticas, podendo assumir as tipologias de:

a) Capacitação para as alterações climáticas;

b) Transferência de tecnologia de mitigação ou adaptação às alterações climáticas;

c) Ações de mitigação das alterações climáticas;

d) Ações de adaptação às alterações climáticas.

Artigo 20.º

Princípios para o apoio a projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas

1 – O Estado português deve honrar os compromissos assumidos no âmbito da cooperação internacional

de clima, a nível europeu e internacional.

2 – Devem ser privilegiados os projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas em países de

língua portuguesa.

3 – Os países recetores da cooperação nacional em matéria de alterações climáticas determinam,

exclusivamente, dentro dos recursos financeiros disponíveis, e justificada a sua mais-valia e custo-eficácia, no

que respeita aos resultados ambientais, os projetos a serem apoiados.

4 – O Governo deverá fomentar a participação em projetos de cooperação delegada em países de língua

portuguesa.

Artigo 21.º

Reporte das atividades de cooperação no âmbito das alterações climáticas

1 – O Governo implementa uma base de dados nacional dos projetos de cooperação no âmbito das

alterações climáticas.

2 – A base de dados nacional dos projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas deve ser

apresentada, anualmente, até ao final do primeiro trimestre do ano subsequente, à Assembleia da República.

3 – O primeiro ano de reporte é o ano de 2021.

CAPÍTULO VI

Financiamento das atividades de combate às alterações climáticas

Artigo 22.º

Princípios gerais para o financiamento nacional de projetos de mitigação às alterações climáticas

O financiamento das atividades de mitigação às alterações climáticas, pelo Estado, obedece aos seguintes

princípios:

a) Enquadramento nos respetivos planos sectoriais;

b) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;

c) Maximização da utilização de fundos europeus e internacionais disponíveis neste domínio.

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Artigo 23.º

Princípios gerais para o financiamento nacional de projetos de adaptação às alterações climáticas

O financiamento das atividades de adaptação às alterações climáticas, pelo Estado, obedece aos seguintes

princípios:

a) Enquadramento nos respetivos planos sectoriais;

b) Custo-eficácia, no que respeita aos resultados ambientais, na escolha dos diferentes apoios a prestar;

c) Maximização da utilização de fundos europeus e internacionais disponíveis neste domínio,

nomeadamente através da criação de um Programa ou subprograma Operacional de adaptação às alterações

climáticas, de cariz transversal.

Artigo 24.º

Informação sobre as fontes de financiamento para o combate às alterações climáticas

Compete ao Governo a sistematização e divulgação pública, num portal digital, de todas as fontes de

financiamento disponíveis, a nível nacional, europeu e internacional, para ações de mitigação e adaptação às

alterações climáticas, para os sectores público e privado e seu respetivo estado de execução.

Artigo 25.º

Reporte financeiro climático

Em 2021, o Governo define um sistema de reporte financeiro climático, que quantifique os riscos e

oportunidades relacionados com as alterações climáticas, com base nas melhores práticas internacionais,

tornando-o obrigatório, a partir de 2022, para todas as empresas cotadas em bolsa e para as empresas que

pretendam aceder a apoios públicos, sejam estes por via nacional ou comunitária, bem como para as

empresas que venham a beneficiar de financiamento do Banco Português de Fomento. Os critérios de apoio

ou financiamento a essas empresas devem privilegiar as informações do reporte financeiro climático.

CAPÍTULO VII

Fiscalização do cumprimento da lei

Artigo 26.º

Comissão independente

1 – É criada uma comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima, sem

prejuízo dos poderes de fiscalização da Assembleia da República, nos termos constitucionais.

2 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei do clima é uma entidade

administrativa independente, com poderes de autoridade, respondendo apenas perante a Assembleia da

República.

3 – A comissão independente é composta por onze peritos em matéria de alterações climáticas, designados

pela Assembleia da República, através de proposta de Universidades e Organizações Não-Governamentais na

área do ambiente e dois elementos que constituirão o seu secretariado técnico.

4 – É da competência da comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima

o reporte da avaliação do cumprimento da presente lei, nos termos do artigo 28.º.

5 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei do clima tem sede em instalações

cedidas pela Assembleia da República, sendo os encargos com o seu funcionamento cobertos pela dotação

orçamental atribuída à Assembleia da República.

6 – O apoio administrativo, logístico e financeiro da comissão independente é assegurado pelos serviços a

disponibilizar pela Assembleia da República, incluindo a remuneração dos respetivos membros.

7 – A fim de tratar de assuntos da sua competência, a comissão independente pode tomar parte nos

trabalhos das comissões parlamentares competentes, quando o solicite por julgar conveniente e sempre que

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estas solicitem a sua presença.

Artigo 27.º

Membros da comissão independente

1 – Os membros da comissão independente são cidadãos de reconhecida idoneidade e no pleno gozo dos

seus direitos civis e políticos.

2 – O exercício do cargo de membro da comissão é incompatível:

a) com a qualidade de membro de outros conselhos ou comissões com funções de fiscalização ou controlo

de natureza análoga;

b) com a titularidade de órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder local;

c) com a titularidade de órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou do poder local, nos últimos cinco

anos anteriores à data da designação para o cargo;

d) com o exercício de funções em órgãos de partidos, de associações políticas ou de fundações com eles

conexas, nem desenvolver atividades político-partidárias de carácter público.

3 – Durante o período de desempenho do cargo fica suspenso o estatuto decorrente da filiação em partidos

ou associações políticas.

4 – Os membros da comissão independente são designados pela Assembleia da República, através da

escolha de nomes propostos por Universidades e Organizações Não-Governamentais na área do ambiente,

para um mandato de cinco anos.

5 – Os membros da comissão independente constam de uma lista publicada na 1.ª série do Diário da

República e tomam posse perante a Assembleia da República, nos 10 dias seguintes à publicação da lista,

podendo renunciar ao mandato mediante declaração escrita, a apresentar ao Presidente da Assembleia da

República, a qual é publicada na 2.ª série do Diário da República.

6 – O estatuto dos membros da comissão independente garante a independência do exercício das suas

funções e consta de lei orgânica, a publicar no prazo de três meses após a entrada em vigor da presente lei.

7 – Os membros do secretariado técnico auferem uma remuneração fixa e os peritos auferem de senhas de

presença, de periodicidade mensal, a determinar mediante despacho do Presidente da Assembleia da

República.

Artigo 28.º

Relatório de avaliação do cumprimento da lei de bases do clima

1 – A comissão independente para a avaliação do cumprimento da lei de bases do clima elabora um

relatório anual sobre o cumprimento das disposições previstas na presente lei.

2 – O relatório referido no número anterior é apresentado à Assembleia da República, até maio do ano

subsequente àquele a que se refira, sendo o primeiro relatório apresentado, excecionalmente, até ao final do

primeiro semestre de 2022.

3 – A pedido de qualquer um dos partidos políticos representados na Assembleia da República o relatório

referido no número 1 pode ser objeto de discussão em reunião do Plenário da Assembleia da República.

4 – O relatório referido no número 1 é publicado em Diário da Assembleia da República e é publicitado na

página da Assembleia da República na Internet.

CAPÍTULO VIII

Disposições finais

Artigo 29.º

Atualização das metas da presente da lei

As metas previstas na presente lei são atualizadas a cada período de cinco anos, pela Assembleia da

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República.

Artigo 30.º

Direitos fundamentais climáticos

1 – Todos os cidadãos têm direito ao equilíbrio climático, bem como o direito à participação na política

climática e o direito a requerer a cessação imediata de qualquer atividade que ameace o equilíbrio climático.

2 – Todas as ações e/ou omissões que contribuam, negativamente, para as alterações climáticas,

designadamente, aquelas que emitam gases com efeito de estufa ou provoquem destruição de ecossistemas,

geram responsabilidade civil.

Artigo 31.º

Segurança nacional e saúde

1 – O planeamento da defesa nacional passa a incorporar os riscos decorrentes das alterações climáticas,

designadamente, a pressão sobre o território, a escassez de recursos hídricos e as migrações climáticas.

2 – O Governo cria uma entidade que reúne responsáveis de defesa nacional e da área da saúde de forma

a prevenir e reagir face a eventuais surtos pandémicos que possam surgir em virtude das alterações climáticas

e destruição de habitats, apoiados pelo conhecimento científico internacional nestas matérias.

Artigo 32.º

Oceanos

Tendo em consideração que os oceanos constituem um importante sumidouro de carbono, o Governo

apresenta, até ao final de 2022, um plano de mitigação às alterações climáticas para os oceanos, em território

Português, que privilegie a defesa dos ecossistemas marinhos face a eventuais explorações económicas dos

oceanos e com vista a reverter os efeitos da poluição, nomeadamente a degradação de habitats marinhos e

declínio da biodiversidade.

Artigo 33.º

Educação e ações de sensibilização em alterações climáticas

1 – O Governo incorpora, até ao final de 2022, a educação em alterações climáticas, nos currículos dos

ensinos básico e secundário, integrando-os nas matérias do ambiente.

2 – O Governo, em articulação com as regiões autónomas, as autarquias locais e demais entidades,

promove ações de comunicação e sensibilização de âmbito nacional, regional e local, com vista à mudança de

comportamentos que contribuam para a neutralidade carbónica.

Artigo 34.º

Eliminação de subsídios perversos

O Governo elimina, até ao final de 2022, quaisquer os chamados subsídios perversos, designadamente, os

subsídios, benefícios fiscais e despesas fiscais associado(a)s ao uso de combustíveis fósseis.

Artigo 35.º

Entrada em vigor

1 – A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

2 – O portal e as bases de dados referidas no presente diploma devem estar disponíveis e operacionais ao

público num prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, com a emissão da respetiva Portaria

para o efeito.

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Assembleia da República, 4 de janeiro de 2021.

O Deputado e as Deputadas do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 446/XIV/1.ª ESTABELECE AS BASES DA POLÍTICA DE AMBIENTE E AÇÃO CLIMÁTICA

Exposição de motivos

A política de Ambiente conheceu, em Portugal e no mundo, desenvolvimentos muito significativos nas

últimas décadas, essencialmente por força da aproximação dos limites materiais da renovação dos recursos

naturais que o modelo produtivo atual atingiu. A perceção global de que a Humanidade vive em plena

dependência das condições naturais e ambientais em que se insere generalizou a consciência coletiva e a

preocupação política perante a natureza.

A situação ambiental do nosso País caracteriza-se pela ausência de uma política integrada e estratégica,

com a privatização de setores fundamentais como a energia ou os resíduos, a progressiva mercantilização da

natureza e serviços públicos destinados ao tratamento das questões ambientais depauperados ao nível dos

meios e possibilidade de atuação.

Portugal necessita de uma política integrada para o desenvolvimento em harmonia com o meio ambiente

que considere, entre outros aspetos, o território, a organização económica, a biodiversidade, o acesso,

utilização e salvaguarda dos recursos hídricos, a produção, valorização e tratamento de resíduos, a produção

agroalimentar, a eficiência energética, o planeamento, uso e proteção do solo, a sustentabilidade do uso de

recursos.

A questão das alterações climáticas e da salvaguarda do Ambiente foi em 2019 tema central do debate

público. No entanto, a discussão ao nível das instituições nacionais e fóruns internacionais tem sido

equivocadamente desligada da discussão sobre o sistema económico e social vigente, as desigualdades

dentro e entre os estados, o modo de produção, ao mesmo tempo que se afunila nos comportamentos

individuais e numa falsa dicotomia economia-ambiente e tem sido pretexto para a defesa de políticas

antipopulares e aprofundamento da exploração e desigualdades.

As alterações do clima são reais, sendo fundamental reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a

riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais em todos os países e Portugal terá, nesta matéria,

que fazer a sua parte.

Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional de escolha de

soluções menos impactantes e aumentar o conhecimento sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de

impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas, são aspetos fundamentais a considerar e a

promover.

Os gases com efeito estufa (GEE) são emitidos naturalmente através da superfície terrestre e impedem que

parte da irradiação solar seja refletida de volta para o espaço. Sem estes gases, a temperatura média da Terra

diminuiria drasticamente, impossibilitando a vida no planeta tal como a conhecemos hoje. No entanto, a

quantidade de GEE provenientes da atividade humana tem vindo a subir no último século e meio,

acompanhando a instauração hegemónica do modo de produção capitalista.

A ciência demonstrou que a concentração de GEE na atmosfera terrestre está diretamente ligada à

temperatura média global da Terra e que a concentração destes gases tem aumentado constantemente, tal

como as temperaturas globais, a partir da Revolução Industrial.

Face às alterações do sistema climático terrestre é preciso promover uma discussão séria em matéria de

ambiente e ação climática e intervir em diferentes níveis, tais como:

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• A avaliação das necessidades de produtos, bens e serviços, combatendo a obsolescência programada e

o consumo não intencional, desenvolvendo um programa global de prolongamento e manutenção da vida útil

de equipamentos e infraestruturas.

• A Planificação do território, desenvolvendo políticas que permitam uma organização do território que

contribua e fomente a racionalidade da utilização do transporte público e a redução da utilização do transporte

individual.

• A Planificação económica tomando em consideração os setores essenciais de acordo com as

necessidades das populações, do povo e do País, promovendo o desenvolvimento da agricultura e indústria de

acordo com critérios de interesse público e, consequentemente ambiental, com a retoma do controlo público

dos setores essenciais, nomeadamente o setor energético.

• A Participação democrática com o envolvimento das populações na definição de políticas públicas e

ambientais à escala local e regional.

• Uma Contabilidade Ambiental justa assente numa abordagem minimizadora de emissões em toda a sua

extensão, onde cada agente económico fique obrigado a reduzir de facto essas emissões, implementando os

processos mais eficientes e tecnologicamente mais adequados, efetivando a redução do seu impacto e não

assentando essa redução num processo meramente contabilístico. Ou seja, reduzir emissões com um

normativo específico, e não com atribuição de licenças transacionáveis que potenciam a especulação e não

resolvem o problema.

Em 2014 foi aprovada atual Lei de Bases do Ambiente, a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que revogou a Lei

n.º 11/87, de 7 de abril, alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro que aprofundou o caminho de

mercantilização do ambiente.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma gradual destruição e fragilização da capacidade de intervenção

do Estado e dos seus organismos próprios, numa estratégia de minimização da presença do Estado, visando a

mercantilização dos recursos naturais, colocando o seu valor ecológico e correspondente valor económico ao

serviço de interesses privados. Uma estratégia que conduz à degradação da riqueza natural e à privação das

populações do usufruto dessa riqueza.

Uma estratégia que assenta igualmente na redução da capacidade de intervenção do Estado a todos os

níveis, em particular na conservação e proteção da natureza.

Passados mais de vinte anos, a Lei de Bases do Ambiente regista um desfasamento significativo com os

resultados do progresso científico e tecnológico no plano dos meios de produção e no plano dos impactos

ambientais das atividades humanas, carecendo de uma profunda adaptação às preocupações que assumem

hoje relevo no quadro das políticas de ambiente.

O projeto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta à Assembleia da República não é uma mera

adição de temas à lei existente, mas uma reformulação da resposta à conturbada relação da sociedade com a

natureza.

Ao contrário do pressuposto do antagonismo entre o homem e a natureza, que está frequentemente

implícito nas abordagens mais superficiais de políticas de ambiente, o projeto de lei apresentado pelo PCP

centra-se na harmonização do desenvolvimento humano com a natureza, na unidade do homem com a

natureza, de que faz parte e da qual depende.

Este projeto de lei introduz novos e inovadores mecanismos legais para dar combate à degradação dos

recursos naturais e aos impactos negativos das atividades humanas no meio ambiente, do qual depende o

bem-estar de todos os seres humanos. Introduz vetores de intervenção política que se assumem como

fundamentais, nomeadamente sobre riscos, catástrofes ambientais, danos e segurança ambiental, sobre a

utilização de organismos geneticamente modificados, sobre o habitat humano, o bem-estar e a qualidade de

vida, sobre a integridade do ciclo da água, alterações climáticas, modelo produtivo e gestão de materiais

obsoletos. Institui a abordagem integrada do sistema produtivo e dos seus efeitos na natureza, a única capaz

de conciliar o desenvolvimento humano com a preservação das condições naturais que lhe são essenciais.

Além disso, o PCP propõe também a introdução de disposições legais sobre a conservação da natureza,

em torno de uma abordagem transversal das riquezas naturais, integrando a sua componente estética, cultural,

económica, humana e ecológica, com especial relevo para a biodiversidade e geodiversidade.

Em termos gerais, o projeto de lei de Bases do Ambiente que o PCP agora apresenta traduz-se num passo

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em frente para a concretização dos direitos previstos nos artigos 64.º, 65.º e 66.º da Constituição da República

Portuguesa, particularmente no que diz respeito ao direito a um ambiente sadio, capaz de assegurar o bem-

estar e a qualidade de vida a todos os portugueses.

Mas este projeto de lei também aprofunda a articulação entre os diferentes mecanismos legislativos de

proteção e gestão ambiental, nomeadamente a Reserva Ecológica Nacional, as Áreas Protegidas, as

Avaliações Ambientais e os Planos Sectoriais.

Além disso, este é um projeto de lei que introduz na discussão política a necessidade de intervir de forma

transversal, aprofundando simultaneamente a possibilidade de acompanhamento público de todos os

procedimentos de avaliação ou de análise prévia.

Este é um projeto de lei de Bases do Ambiente que rompe com a legislação de bases atual, e introduz

questões centrais da política ambiental dos dias de hoje, não numa perspetiva meramente mitigadora, mas

também transformadora, que faz do bem-estar das pessoas e da qualidade de vida o padrão e o motor para

um desenvolvimento harmonioso com a natureza e em equilíbrio com a sua capacidade de suporte e de

renovação.

O presente projeto de lei define as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos

9.º e 66.º da Constituição da República.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

Princípios, objetivos e conceitos

Artigo 1.º

Âmbito

A presente lei define as bases da política de ambiente e ação climática.

Artigo 2.º

Princípios gerais

1 – Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado, incumbindo ao

Estado, por meio de organismos próprios e através do apoio a iniciativas populares e comunitárias, promover a

melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer coletiva.

2 – A política de ambiente tem por fim otimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos

naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto de um desenvolvimento social, económico e

cultural harmonioso e em equilíbrio com a dinâmica e o ciclo de regeneração de cada recurso natural.

3 – Sem prejuízo dos regimes sectoriais e dos âmbitos de proteção específica previstos na presente lei, a

política de ambiente é definida e executada partindo de uma abordagem geral e transversal, integrada e

conciliadora dos mais diversos fatores humanos e naturais, considerando a interpenetrabilidade dinâmica entre

esses fatores.

4 – As obrigações do Estado na gestão dos recursos naturais, no ordenamento do território e na

fiscalização das atividades humanas com impactos no ambiente são da sua responsabilidade direta e

desempenhadas diretamente por organismos próprios da administração do Estado com a participação das

autarquias locais, sem possibilidade de delegação.

Artigo 3.º

Princípios específicos

A política de ambiente, a preservação e a conservação da natureza implicam a observância dos seguintes

princípios específicos:

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a) Da precaução: as atuações, atividades ou a utilização de tecnologias ou produtos com potenciais

implicações negativas no ambiente, na qualidade de vida, na exposição ao risco ou na saúde, ou cujas

implicações se desconheçam, são alvo de procedimento experimental em ambiente controlado até que seja

possível determinar as ações de mitigação e antecipação dos seus efeitos;

b) Da prevenção: as atuações com efeitos, imediatos ou a prazo, no ambiente devem ser consideradas de

forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, priorizando a correção dos efeitos dessas ações ou

atividades suscetíveis de alterarem a qualidade do ambiente, sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar

o ambiente, suportando os encargos daí resultantes e as compensações aplicáveis a terceiros, não lhe sendo

permitido continuar a ação poluente ou de degradação ambiental;

c) Do equilíbrio: devem ser criados os meios adequados para assegurar a integração da componente

ambiental e de conservação da natureza nas políticas de desenvolvimento económico e social, tendo como

finalidade o desenvolvimento integrado, harmonioso e sustentado;

d) Da divulgação e publicitação: a planificação e a avaliação dos impactos das atividades humanas, bem

como a execução de políticas e ações ambientais, são publicamente divulgadas e acessíveis a todos os

cidadãos ao longo de todas as fases de cada processo;

e) Da participação: todos podem intervir na formulação e execução da política de ambiente e ordenamento

do território, através dos órgãos competentes da administração central, regional e local, de outras pessoas

coletivas de direito público, de pessoas e entidades privadas e de órgãos consultivos;

f) Da unidade de gestão e ação: cabe ao órgão nacional responsável pela política de ambiente e do

ordenamento do território normalizar e informar sobre a atividade dos agentes públicos ou privados

interventores, como forma de garantir a integração da política ambiental e territorial no planeamento

económico, quer ao nível global, quer ao nível sectorial;

g) Da cooperação internacional: através da procura de soluções concertadas com outros países ou

organizações internacionais para os problemas do ambiente e da gestão dos recursos naturais;

h) Da subsidiariedade: através da execução de medidas de política ambiental devem ser tidas em conta os

diferentes graus de administração do Estado e o mais adequado grau de intervenção, seja ele de âmbito

internacional, nacional, regional, local ou sectorial;

i) Da função sócio ambiental dos recursos: através da sobreposição dos valores, qualidade de vida e bem-

estar coletivos ao exercício do direito de propriedade, sem prejuízo das garantias constitucionalmente

consagradas;

j) Da satisfação das necessidades básicas: através da subordinação das opções energéticas e ambientais

às necessidades básicas do bem-estar coletivo, particularmente as relativas à alimentação e à saúde;

k) Da solidariedade territorial: através da justa compensação, do indivíduo ou da comunidade, sempre que,

por limitações específicas às suas regulares atividades socioeconómicas em função da salvaguarda de valores

ambientais, possam ser prejudicados;

l) Da perenidade: através do combate à efemeridade dos bens, particularmente dos não recicláveis, com

medidas concretas junto dos agentes económicos e do mercado de consumo, estimulando processos que

atribuam maior tempo de vida dos bens de consumo;

m) Da recuperação: através da adoção de medidas urgentes para limitar os processos degradativos nas

áreas em que ocorram e promover a recuperação dessas áreas, tendo em conta os equilíbrios a estabelecer

com as áreas limítrofes;

n) Da redução: através da utilização, nos processos transformativos, industriais e comerciais, das

quantidades mínimas necessárias de material passível de gerar resíduos supérfluos, independentemente da

sua natureza;

o) Da reciclagem: através do encaminhamento para processos de reciclagem todos os materiais ou

resíduos passíveis de serem convertidos em novos materiais utilizáveis;

p) Da reutilização: através da reutilização de todos os materiais cujo tempo de vida possa ser prolongado

além do previsto para a sua função inicial, ainda que através de uso distinto;

q) Da ação local: através de uma política de combate à dependência externa e de defesa da soberania

alimentar e produtiva, estimulando sempre que possível, em território nacional, a produção correspondente ao

consumo interno;

r) Da democratização e universalidade: através da gestão dos recursos naturais e o ordenamento do

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território visando a fruição coletiva, democrática e universal, do recurso, ainda que de forma adequada ao grau

de proteção a que deve estar sujeito;

s) Da responsabilização: através da responsabilização dos agentes interventores pelas consequências da

sua ação, direta ou indireta, sobre terceiros e sobre os recursos naturais.

Artigo 4.º

Objetivos

São objetivos da política de ambiente e ordenamento do território, designadamente:

a) O desenvolvimento económico e social em harmonia com os ciclos de regeneração dos recursos

naturais que, satisfazendo as necessidades atuais, não prejudique a satisfação das necessidades de gerações

futuras;

b) O equilíbrio ecológico, a estabilidade dos ciclos e das relações biológicas e geológicas;

c) Garantir o mínimo impacto ambiental negativo, através de uma planificação para a instalação correta

das atividades produtivas em termos territoriais;

d) A manutenção dos ecossistemas que suportam a vida, a utilização racional dos recursos vivos e a

preservação do património genético e da sua diversidade;

e) A conservação dos valores naturais de acordo com o grau de proteção a que estão sujeitos, garantindo

o equilíbrio biológico e a estabilidade dos habitats, nomeadamente através da compartimentação e

diversificação das paisagens, da constituição de parques e reservas naturais e outras áreas protegidas,

corredores ecológicos e espaços verdes urbanos e suburbanos, de modo a preservar o continuum naturale;

f) A plenitude da vida humana e a permanência dos habitats indispensáveis ao seu suporte, bem como a

garantia da qualidade de vida e o acesso aos recursos naturais vitais, nomeadamente o ar e a água;

g) A defesa, recuperação e valorização do património cultural e social, natural ou construído;

h) Desenvolver, através da investigação e desenvolvimento, os processos económicos e sociais, bem

como os meios de produção, no sentido da minimização dos seus impactos no ambiente e nos recursos

naturais;

i) A recuperação das áreas e recursos naturais degradados do território nacional.

Artigo 5.º

Conceitos e definições

Para efeitos da presente lei são definidos os seguintes conceitos:

a) A qualidade de vida é o resultado da interação de múltiplos fatores no funcionamento das sociedades

humanas e traduz-se na situação de bem-estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais,

bem como em relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade, dependendo da influência de fatores

inter-relacionados, que compreendem, designadamente, a capacidade de carga do território e dos recursos; a

alimentação, a habitação, a saúde, a educação, os transportes e a ocupação do tempo livre; um sistema social

que assegure a posteridade de toda a população e os consequentes benefícios da Segurança Social; a

integração da expansão urbana e industrial na paisagem, funcionando como fator de valorização da mesma, e

não como agente de degradação;

b) Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, geológicos, biológicos e suas relações e dos

fatores económicos, sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos

e a qualidade de vida da população humana;

c) Ordenamento do território é o processo integrado de organização do espaço biofísico, tendo como

objetivo o uso e a transformação do território de acordo com as suas capacidades e vocações, e a

permanência dos valores de equilíbrio biológico e estabilidade geológica, numa perspetiva de aumento da sua

capacidade de suporte de vida;

d) Paisagem é a unidade geográfica, ecológica e estética resultante da ação humana e da reação da

natureza, sendo primitiva quando a ação humana é mínima ou nula, natural quando essa ação é determinante,

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sem prejudicar o equilíbrio biológico, a estabilidade física e a dinâmica ecológica, e urbana quando

predominantemente transformada e artificializada pela ação humana e ocupada por edificação concentrada;

e) Continuum naturale é o sistema contínuo de ocorrências que constituem o suporte de vida silvestre e de

manutenção do potencial genético que contribui para o equilíbrio e estabilidade do território;

f) Qualidade do ambiente é a adequabilidade de todos os seus componentes e recursos às necessidades

dos seres humanos e dos restantes seres vivos;

g) Poluição é o conjunto dos efeitos negativos provocados direta ou indiretamente pela ação humana na

natureza que degradem ou afetem a saúde, o bem-estar, as diferentes formas de vida, a harmonia ou a

durabilidade dos ecossistemas naturais e transformados ou a estabilidade física e biológica do território;

h) Fontes poluidoras são atividades ou processos geradores de poluição;

i) Conservação da natureza é a gestão da utilização humana da natureza, de modo a compatibilizar de

forma perene a sua máxima rentabilização com a manutenção da capacidade de regeneração de todos os

recursos naturais;

j) Biodiversidade é a variabilidade genética traduzida no número de espécies e de comunidades

específicas do conjunto dos seres vivos, independentemente do seu grau de complexidade;

k) Geodiversidade é a variabilidade litológica, fóssil, geomorfológica, estrutural e mineral traduzida no

número de espécies minerais, de tipos rochosos, de formações geomorfológicas, estruturas geológicas e na

diversidade do registo fóssil e icnofóssil.

CAPÍTULO II

Instrumentos

Artigo 6.º

Instrumentos

Sem prejuízo de outros instrumentos sectoriais, e para o cumprimento dos objetivos enunciados no artigo

4.º, são instrumentos da política de ambiente:

a) Os diversos instrumentos legais de ordenamento do território, nacionais, regionais, locais ou sectoriais;

b) As condicionantes legais de ordenamento do território, nomeadamente a Reserva Agrícola Nacional e a

Reserva Ecológica Nacional;

c) A criação de regimes especiais de proteção de valores naturais ou ambientais, nomeadamente através

da criação de parques ou reservas naturais;

d) Os processos de licenciamento e de autorização;

e) A fiscalização, por organismos próprios, do cumprimento da legislação ambiental;

f) A administração, por organismos próprios, do património, dos recursos naturais e dos valores ambientais

protegidos;

g) A cartografia e o cadastro do território nacional, da propriedade, dos valores biológicos, geológicos e

hidrológicos, atualizados e corretamente elaborados;

h) A consulta e os inquéritos públicos;

i) Apoio ao movimento associativo, nomeadamente às associações de defesa do ambiente, de utentes e

de moradores;

j) A investigação e desenvolvimento orientados para o aperfeiçoamento dos processos produtivos e para a

eficiência energética e ecológica das atividades humanas;

k) A divulgação, educação e sensibilização ambiental da população em geral;

l) O adequado financiamento dos organismos de fiscalização e administração e a sua dotação dos meios

técnicos e humanos necessários;

m) Os processos legais de Estudo, de Avaliação, de Declaração de Impacte Ambiental, bem como os

processos de Avaliação Ambiental Estratégica;

n) Os incentivos públicos, nos termos da lei, às práticas de modernização dos meios de produção e de

aumento da eficiência energética;

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o) A penalização fiscal, contraordenacional e penal, das práticas poluentes, lesivas ou desajustadas, nos

termos da lei.

Artigo 7.º

Cartografia e cadastro

1- A elaboração de cartografia apropriada para a prossecução dos objetivos previstos na presente lei é da

responsabilidade do Estado, através das entidades públicas competentes.

2- O Estado, através da entidade pública competente, elabora e mantém atualizado um cadastro territorial,

florestal, fundiário e de identificação dos valores naturais e habitats.

3- A monitorização das políticas de ambiente e ordenamento do território é da responsabilidade do Estado,

através das entidades públicas competentes.

Artigo 8.º

Áreas protegidas

1- As Áreas Protegidas de âmbito nacional, nomeadamente as reservas naturais, os parques naturais, os

parques nacionais e os sítios da Rede Natura 2000 são geridas e fiscalizadas pela autoridade pública

competente, sem possibilidade de concessão dessas atividades.

2- A cada uma das Áreas Protegidas referidas no número anterior corresponde uma unidade orgânica de

direção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos para a satisfação das

necessidades materiais, biofísicas, sociais e ecológicas da área protegida que tutela.

3- A cada organismo de direção das Áreas Protegidas em território nacional corresponde um diretor,

nomeado pelo Governo.

4- As Áreas Protegidas são alvo de uma política de ordenamento do território própria, devidamente

enquadrada na envolvente social e ambiental em que se inserem, definida através de Planos de Ordenamento

para cada uma das referidas áreas.

5- As Áreas Protegidas são alvo de uma política de visitação planificada por cada uma das direções

intermédias referidas nos números anteriores, de acordo com as limitações físicas, biofísicas, sociais ou

ecológicas de cada área.

6- Todos podem aceder e visitar as áreas protegidas independentemente da sua condição

socioeconómica, nos termos dos Planos de Ordenamento das respetivas áreas.

7- As autarquias locais participam e intervêm na definição dos Planos de Ordenamento e na gestão das

áreas protegidas, nos termos desses planos.

8- Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são acompanhados por um Plano de

Desenvolvimento e Investimento que contempla as medidas de ordenamento e de intervenção do Estado no

sentido de assegurar o desenvolvimento local e regional no interior e na envolvente da respetiva área

protegida.

Artigo 9.º

Reserva Ecológica Nacional

1 – A Reserva Ecológica Nacional (REN) é uma estrutura biofísica que integra o conjunto das áreas que

são objeto de proteção especial e diferenciada por razões ambientais, inserindo-se na REN, nomeadamente,

as áreas, corredores e percursos que se diferenciam do território circundante pela função específica ou

restrições especiais decorrentes da Lei de Bases do Ambiente e, em especial, pelo estipulado sobre âmbitos

específicos de proteção e sobre danos e riscos nos capítulos II e III deste diploma.

2 – A REN representa, sintetiza, diferencia geograficamente e mapeia inequivocamente os territórios com

diferentes estatutos e enquadramentos normativos, legais ou regulamentares no domínio do ambiente e da

segurança ambiental e é constituída por uma coleção de figuras ou camadas distintas, a cada uma das quais

correspondendo um regime específico, que a diferencia do território exterior.

3 – As representações da REN e as suas transposições para instrumentos de ordenamento do território,

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de licenciamento, de avaliação ambiental ou outros, individualizam obrigatoriamente cada figura ou camada,

associando-a ao estatuto, normativo, regulamento e condicionantes específicas, que são únicos para cada

figura e diferentes em figuras distintas.

4 – As áreas correspondentes a sobreposições de figuras ou camadas da REN são sujeitas

cumulativamente aos regimes associados a cada uma das figuras ou camadas.

5 – A inclusão ou exclusão de determinada área ou território numa ou mais figuras da REN é um ato

normativo com instrução técnica e não pode ser executada por ato administrativo.

6 – A REN obedece a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.

Artigo 10.º

Avaliações ambientais

1 – As decisões passíveis de ter efeitos diretos ou indiretos, a curto ou longo prazo, certos ou incertos, no

ambiente, ou através do ambiente provocar danos, aumentar riscos ou alterar a distribuição de benefícios,

danos e riscos, são previamente instruídas por avaliação ambiental.

2 – São instrumentos de avaliação de efeitos ambientais:

a) Os Processos de Avaliação de Impactes Ambientais;

b) Os Processos de Avaliação Ambiental Estratégica;

c) Os Processos de Avaliação de Incidências Ambientais.

3 – A avaliação ambiental inicia-se obrigatoriamente pela caracterização da decisão em avaliação e

alternativas, pela definição de âmbito e pela definição de profundidade, de cuja aprovação pela entidade

pública competente depende o prosseguimento da avaliação.

4 – São avaliadas obrigatoriamente alternativas, incluindo a alternativa nula.

5 – São avaliados obrigatoriamente os efeitos cumulativos das alternativas consideradas com outras

intervenções existentes ou previstas sobre o território considerado.

6 – A definição de âmbito tem de apresentar, clara e detalhadamente, as potenciais implicações da

decisão em apreciação e a zona geográfica a abranger pelo estudo da repercussão do efeito ou efeitos

potenciais de cada alternativa e identifica explicitamente as disposições, condicionantes e figuras com as quais

nenhuma alternativa interfere, para cada disposição ou condicionante estipulada na Lei de Bases do Ambiente

e para cada figura ou camada da REN, justificando, quando pertinente.

7 – A definição de profundidade caracteriza os métodos, estudos, informação e o grau de precisão e rigor

da análise de cada efeito.

8 – Se a avaliação ambiental aprovada incluir medidas de mitigação de danos, de compensação, de

segurança ou outras, a decisão não é passível de prossecução sem que essas medidas sejam tomadas.

9 – As avaliações ambientais e as peças técnicas e descritivas necessárias à sua instrução são públicas e

publicitadas em todas as fases do processo de aprovação.

10 – As avaliações ambientais obedecem a legislação própria, subordinada à Lei de Bases do Ambiente.

11 – Os cidadãos têm direito a requerer a avaliação ambiental com processo de consulta pública de

decisões com potenciais efeitos danosos no ambiente, bem como a exigir a avaliação de impactes específicos

ou de efeitos de medidas de mitigação através de mecanismo regulamentado em legislação própria.

Artigo 11.º

Instrumentos contraordenacionais e penais

1 – A lei prevê um regime contraordenacional como instrumento dissuasor e sancionatório das práticas

lesivas para o ambiente ou para a utilização indevida ou abusiva dos recursos naturais.

2 – A lei prevê um regime de aplicação de penas como instrumento dissuasor e sancionatório da prática

criminosa que envolva utilização indevida de recursos naturais, poluição ou degradação de recursos ou

qualquer outra forma de atuação que se revele lesiva para a integridade dos ecossistemas, da biodiversidade e

geodiversidade ou que coloque em risco a saúde e o bem-estar públicos.

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CAPÍTULO III

Âmbitos específicos de proteção

Artigo 12.º

Âmbitos específicos de proteção

Nos termos da presente lei, são âmbitos de proteção específica:

a) O solo

b) A água;

c)O ar;

d) O clima;

e) A biodiversidade e os recursos biológicos;

f) O habitat humano;

g) O subsolo;

h) Os outros recursos geológicos e a geodiversidade;

i) A luminosidade;

j) O som;

k) A radiação;

l) As fontes e os recursos energéticos;

m) O património natural e construído;

n) A paisagem;

o) O litoral.

Artigo 13.º

Defesa da qualidade do ambiente e proteções específicas

No sentido de assegurar a defesa da qualidade do ambiente em cada um dos âmbitos específicos referidos

no artigo anterior, poderá o Estado, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, proibir ou

condicionar o exercício de atividades e desenvolver ações necessárias à prossecução dos mesmos fins,

nomeadamente através da obrigatoriedade de realização de análise prévia de custos-benefícios, tendo em

conta os impactos ambientais, culturais, económicos e sociais de cada atividade.

Artigo 14.º

Solo

1 – A defesa e valorização do solo e da sua função social como recurso natural determinam a adoção de

medidas conducentes à sua racional utilização, evitando a sua degradação e promovendo a melhoria da sua

fertilidade e regeneração, incluindo o estabelecimento de uma política de gestão de recursos naturais que

salvaguarde a estabilidade ecológica e os ecossistemas de produção, regulação ou de uso múltiplo e que

regule o ciclo da água.

2 – É condicionada a utilização de solos agrícolas de elevada fertilidade para fins não agrícolas, bem como

plantações, obras e operações ou práticas agrícolas que provoquem erosão e degradação do solo, o

desprendimento de terras, encharcamento, inundações, salinização e outros efeitos perniciosos.

3 – Aos proprietários ou utilizadores de terrenos agrícolas podem ser impostas medidas de defesa e

valorização dos mesmos, nos termos do n.º 1 deste artigo, nomeadamente a obrigatoriedade de execução de

trabalhos técnicos, agrícolas ou silvícolas, ou outras medidas agroambientais, em conformidade com a

legislação em vigor.

4 – O uso de biocidas, pesticidas, herbicidas, adubos, corretivos ou quaisquer outras substâncias

poluentes e persistentes no solo, bem como a sua produção e comercialização, são objeto de regulamentação

especial.

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5 – Para efeitos do número anterior, sem prejuízo da evolução tecnológica e da indústria química, são

limitadas e condicionadas as utilizações dos produtos referidos, em função das propriedades do solo e da sua

localização, nomeadamente da sua posição relativa a recursos hídricos de superfície ou subterrâneos.

6 – A utilização e a ocupação do solo para usos urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e

infraestruturas são condicionados pela sua natureza, topografia e fertilidade.

Artigo 15.º

Água

1 – A proteção da água visa assegurar, de forma integrada e transversal, as suas funções sociais,

ecológicas e económicas, como fluxo contínuo, determinante da composição atmosférica, do clima, da

morfologia, das transformações químicas e biológicas e das condições de toda a vida na Terra, insubstituível e

essencial nas suas funções de suporte à vida, ao bem-estar humano e à maioria dos processos produtivos,

bem como a proteção das pessoas, do território, dos solos e subsolos, dos seres vivos, dos ecossistemas e do

património natural e construído relativamente a ameaças associadas à água, nomeadamente a cheias, a

tempestades, a episódios de precipitação intensa, a variações da energia gravítica e cinética do escoamento e

variações anómalas de caudais por causas naturais ou provocadas, a secas, a descontinuidades ou

interrupções dos caudais dos cursos de água permanentes, a carências de água, à contaminação das águas, à

exaustão da capacidade de depuração de meio hídricos, a anomalias na fase hídrica dos ciclos do oxigénio, do

fósforo, do azoto e do carbono, à eutrofização, à estagnação e outros fenómenos conducentes à ocorrência de

meios aquáticos propícios à proliferação de organismos patogénicos ou vetores de transmissão de doenças.

2 – Os riscos sanitários, os riscos de arrastamento pelas águas, afogamento, erosão, deslizamento,

esqueletização de solos e arrastamento de finos, submersão, de exaustão ou degradação de reservatórios de

água, de degradação dos usos, da biodiversidade ou da ictiofauna por inadequação do regime de escoamento

ou da qualidade física, química, microbiológica, ecológica da água, de emissões gasosas nocivas ou com

odores, de contaminação de solos ou subsolo, bem como todos os riscos de degradação da sanidade ou da

qualidade do ambiente em todas as suas vertentes, incluindo a paisagem, são alvo de regulamentação própria,

nos termos da presente lei.

3 – É dever do Estado assegurar a proteção da água, fazer as intervenções necessárias à recuperação

dos aspetos degradados e administrá-la, com base na solidariedade, na unidade do ciclo hidrológico, na

harmonia com a dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do seu carácter público.

4 – São enquadrados por legislação sectorial específica os principais usos da água, com ênfase para a

captação de águas, rejeição de efluentes e construções junto aos cursos de água, sendo assegurado o caráter

intersectorial da administração da água com a administração do ambiente e do território, com ênfase para a

interação com o solo e incidindo especialmente na abordagem integrada e holística da parte do ciclo da água

que se processa no solo e no subsolo.

5 – As disposições do presente diploma aplicam-se à proteção de todas as fases e processos do ciclo

hidrológico, aos terrenos e infraestruturas necessários ao adequado funcionamento do ciclo da água e dos

processos físicos, químicos e biológicos que nela se processam, assim como à proteção das funções sociais e

ecológicas da água, dos seus usos instalados e potenciais, com ênfase para a utilização doméstica e

saneamento, bem como para a proteção das espécies piscícolas e outros ecossistemas aquáticos ou

associados à água.

6 – Incluem-se no estatuto especial de proteção das águas:

a) Águas marítimas, águas costeiras e águas de transição, com respetivos fundos, leitos e margens;

b) Águas interiores, nomeadamente cursos de água permanentes e temporários, lagos, lagoas, valas,

canais e albufeiras, com respetivos leitos e margens, as águas subterrâneas e as águas subsuperficiais;

c) Fontes, nascentes e minas de água, assim como as origens que as alimentam;

d) Todos os reservatórios naturais ou artificiais comunicantes com sistemas aquíferos ou cursos de água,

abrangendo, nomeadamente, a retenção de humidade pelos solos;

e) Todo o domínio público hídrico, as servidões públicas associadas à água, as áreas inundáveis, as zonas

ameaçadas por cheias, as origens de água para abastecimento público e outras figuras designadas ou que

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venham a ser designadas por legislação específica como de importância relevante para a proteção da água.

7 – São condicionadas e objeto de regulamentação especial as ações e usos do solo compatíveis com a

proteção da água.

8 – São condicionadas, sujeitas a autorização do Estado e objeto de regulamentação especial todas as

alterações morfológicas, reconversões de uso do solo, construções, movimentos de terras, instalação de

equipamento, impermeabilizações, abandono ou incorporação de substâncias nocivas ou potencialmente

contaminantes, ou quaisquer outras ações que:

a) Alterem ou perturbem o regime de escoamento;

b) Alterem ou perturbem o regime de recarga de aquíferos;

c) Interfiram com a continuidade dos percursos de cursos de água permanentes ou temporários, em todos

os troços do percurso, nomeadamente, naturais ou artificiais, a céu aberto, cobertos, sub-superficiais, ou no

subsolo;

d) Deteriorem a qualidade física, química, biológica ou ecológica das águas, reduzindo a sua aptidão para

usos humanos exigentes, nomeadamente a potabilidade ou uso balnear, ou prejudicando os ecossistemas

aquáticos ou associados, com ênfase para ictiofauna, ou diminuindo a capacidade de depuração do meio

hídrico;

e) Perturbem os processos de infiltração, evapotranspiração, evaporação, armazenamento de água no

solo, de formação ou transporte das nuvens, ou de formação da precipitação;

f) Perturbem os processos de transporte sólido, erosão ou deposição;

g) Alterem as condições de drenagem, induzindo alagamentos ou aumentos de velocidade;

h) Desviem o curso das águas ou alterem a energia do escoamento, reduzindo caudais ou provocando

aumentos de velocidade erosivos;

i) De qualquer forma prejudiquem localmente ou em maior extensão o bom funcionamento do sistema

hídrico, ou a capacidade de satisfação das funções sociais, ecológicas e económicas da água.

9 – O represamento de cursos de água para qualquer fim, a extração de inertes em cursos de água ou nas

margens e bancos de cursos de água são sujeitos a medidas de minimização da contenção de sedimentos e

obedecem a normas próprias, identificadas nos Estudos de Impacte Ambiental e Declarações de Impacte

Ambiental, que defendem a estabilidade do ciclo sedimentar, e garantem a produção, transporte e deposição

dos sedimentos.

10 – São incentivadas e promovidas as atividades e usos do solo que contribuam para a proteção da água

ou proporcionem recuperação das situações de degradação.

11 – É proibida a interrupção da continuidade dos percursos da água, temporários ou permanentes, desde

que a precipitação atinge o solo e até que a água chega ao oceano; sejam esses percursos naturais ou

artificiais, superficiais ou subterrâneos, incorporando ou não reservatórios ou aquíferos e seja qual for o

período de residência em cada reservatório e em cada fase do percurso.

12 – Para efeitos de delimitação dos percursos referidos no número anterior, é considerada a bacia de

drenagem pertinente, a intensidade, duração e frequência de precipitação mais desfavorável para uma

probabilidade de ocorrência que não exceda uma vez em 100 anos.

13 – A qualidade dos percursos refere-se à harmonização dos seguintes fatores, tendo em conta a

variabilidade hidrológica natural e as probabilidades de ocorrência de fenómenos extremos:

a) Adequada drenagem das águas pluviais e superficiais;

b) Bom escoamento de cheias, minimizando as áreas inundadas, as velocidades e a erosão;

c) Manutenção contínua dos regimes de caudais dos cursos de água adequados na perspetiva das

utilizações humanas instaladas ou habituais, incluindo o lazer e balnear, bem como na perspetiva ecológica, de

proteção das espécies vivas e nomeadamente adequadas condições de circulação e de desova das espécies

piscícolas residentes e das migratórias;

d) Condições adequadas de infiltração e recarga de aquíferos;

e) Maximização dos tempos de permanência nos reservatórios e nos percursos, no sentido de prolongar a

fase do ciclo hidrológico entre a precipitação e a incorporação no oceano, otimizando a disponibilidade de água

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doce;

f) Preservação das fontes e nascentes naturais;

g) Minimização das condições favoráveis à contaminação das águas, especialmente das contidas em

reservatórios de mais longas residências, e nomeadamente por inundação transporte e lixiviamento ou por

alterações à permeabilidade ou aos diferenciais de energia determinantes dos escoamentos no subsolo;

h) Minimização das condições que possam criar zonas insanas, nomeadamente, que possam adequar-se à

proliferação de micro-organismos patogénicos ou geradores de substâncias tóxicas ou ao desenvolvimento de

agentes ou vetores de transmissão de doenças, que produzam emissões poluentes do ar ou odoríferas;

i) Manutenção das velocidades dos cursos de água e dos níveis de oxigenação adequados,

nomeadamente, garantindo a capacidade de depuração e as boas condições ecológicas do meio hídrico.

14 – Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, recuperar os percursos degradados e

assegurar a preservação da qualidade dos percursos e reservatórios existentes.

15 – O Estado, em articulação com as Autarquias, elabora os planos de recuperação e manutenção dos

percursos da água, a entrar em vigor no prazo de cinco anos após a aprovação desta lei.

16 – O Estado poderá autorizar ou promover alterações aos percursos existentes, desde que seja

assegurado que a qualidade e capacidade dos novos troços não diminuem a qualidade dos percursos, que são

adequados aos caudais previsíveis e que a alteração não diminui a qualidade ambiental, nos termos deste

diploma, nem imputa riscos ou prejudica terceiros, nomeadamente no uso atual ou potencial do solo.

17 – Incumbe ao Estado, em articulação com as Autarquias, fazer o cadastro, caracterização,

nomeadamente em termos de caudais, e cartografia cotada dos percursos das águas, com a escala e rigor

adequado, num prazo de cinco anos após a publicação deste diploma.

18 – O cadastro, sua caracterização e cartografia, é atualizado e republicado de cinco em cinco anos,

registando e incorporando as alterações, devidamente documentadas.

19 – Os instrumentos de planeamento com incidência territorial incorporam estes cadastros, articulam-se

com os planos de recuperação e impõem as condicionantes pertinentes à utilização do solo.

Artigo 16.º

Ar

1 – A gestão da qualidade do ar é regulamentada por legislação própria no sentido de garantir a sua

adequação às necessidades dos ecossistemas e das comunidades humanas, garantindo um controlo

permanente com cobertura territorial representativa, da proporção e natureza da mistura de compostos

gasosos que o compõem.

2 – O lançamento para a atmosfera de quaisquer substâncias, seja qual for o seu estado físico, suscetíveis

de afetarem de forma nociva a qualidade do ar e o equilíbrio ecológico ou que impliquem risco, dano ou

incómodo grave para as pessoas e bens é limitado e é objeto de regulamentação especial.

3 – As alterações do odor do ar, ou da carga de partículas em suspensão, em função de atividades

industriais, de processamento de resíduos ou de outras atividades económicas são da responsabilidade da

entidade promotora da atividade, a quem cabe o seu controlo ou eliminação.

4 – A produção de energia elétrica através do vento é alvo de regulamentação específica e atenta aos

seus impactos na qualidade e no valor da estrutura e funcionamento da paisagem.

5 – É proibido pôr em funcionamento novos empreendimentos ou desenvolver aqueles já existentes e que,

pela sua atividade, possam constituir fontes de poluição do ar sem serem dotados de instalações, dispositivos

ou mecanismos em estado de funcionamento adequado para reter ou neutralizar as substâncias poluentes ou

sem se terem tomado as medidas para respeitar as condições de proteção da qualidade do ar estabelecidas

pelo organismo competente.

Artigo 17.º

Clima

1 – O Estado assegura uma política de planeamento que salvaguarde os valores naturais, o bem-estar e a

saúde públicos, tendo em conta a instabilidade climática, as variações de pressão, temperatura e composição

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atmosféricas, bem como os seus impactos.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o Estado, através de entidade pública competente,

garante a monitorização, por observação direta e modelação, da pressão, temperatura e composição

atmosféricas, bem como a sua publicitação.

3 – É da responsabilidade do Estado a elaboração, a fiscalização e o cumprimento de planos de

adaptação, mitigação e combate às alterações climáticas que influam negativamente no território nacional no

plano ambiental, social ou económico.

4 – Para efeitos do número anterior, o Estado cria e mantém um Fundo para as alterações climáticas

destinado prioritariamente à intervenção em território nacional para cumprimento dos objetivos fixados no n.º 1

do presente artigo.

5 – No âmbito da mitigação, adaptação e combate às alterações climáticas o Estado assegura a

participação nacional e a cooperação internacional em políticas concertadas para a redução das

consequências da variabilidade climática, incluindo o estímulo ao desenvolvimento dos meios produtivos e da

indústria mais sustentável em território nacional ou estrangeiro, privilegiando, sempre que possível, circuitos

mais curtos de produção-consumo.

6 – A política de combate às alterações climáticas em Portugal assenta na redução de emissão de gases

com efeito de estufa, na racionalização da utilização dos solos, no estímulo às fontes de energia não

poluentes, na promoção da racionalização do sistema de transportes, com investimento no sistema público de

transportes e no estímulo da mobilidade suave e na concretização de uma política de eficácia energética e no

uso de recursos, nomeadamente da água, através dos mecanismos legais adequados.

7 – O Estado cria uma Plataforma de acesso e partilha de informação dos estudos e projetos de

investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas.

8 – O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do estado da arte

relativo aos projetos de investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas,

referenciados na Plataforma prevista no número anterior.

9 – O Estado cria uma plataforma de acesso e partilha de informação dos projetos de cooperação

desenvolvidos no âmbito das alterações climáticas.

10 – O Governo submete anualmente à Assembleia da República um relatório síntese do estado da arte

relativo aos projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas, referenciados na plataforma prevista

no número anterior.

11 – O Estado desenvolve e implementa um sistema de contabilidade ambiental a aplicar aos diferentes

sectores de atividade, assente numa abordagem de minimização efetiva das emissões de gases com efeito de

estufa, em que sejam evidenciados os custos ambientais de todo o ciclo de vida dos produtos e serviços,

incluindo os custos ambientais de transporte.

12 – A regulamentação dos critérios a considerar no âmbito do sistema de contabilidade ambiental é

elaborada pelo Governo e apresentada à Assembleia da República para discussão e aprovação.

Artigo 18.º

Biodiversidade e recursos biológicos

1 – A variabilidade genética e os organismos vivos são protegidos através de legislação própria,

atendendo ao seu papel nos ecossistemas, à sua utilização na atividade humana, ao seu bem-estar e à

abundância e dimensão de cada comunidade específica.

2 – Toda a fauna é protegida através de legislação especial com vista a salvaguardar a conservação e a

exploração das espécies, principalmente sobre as quais recai interesse científico, económico, ou social,

garantindo o seu potencial genético e os habitats que asseguram a sua existência.

3 – A proteção dos recursos faunísticos autóctones pode implicar medidas de restrição, condicionamento

ou proibição de atividades humanas, nomeadamente no âmbito de:

a) Manutenção ou ativação dos processos biológicos de autorregeneração;

b) Recuperação dos habitats degradados essenciais para a fauna e criação de habitats de substituição,

quando necessário;

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c) Comercialização de fauna silvestre, aquática ou terrestre;

d) Introdução de espécies animais selvagens, aquáticas ou terrestres, no território nacional, com relevo

para as áreas protegidas;

e) Destruição de animais tidos por prejudiciais, sem exceção, através do recurso a métodos não

autorizados e sempre sobre controlo das autoridades competentes;

f) Regulamentação e controlo da importação e comercialização de espécies exóticas;

g) Regulamentação e controlo da utilização de substâncias que prejudiquem a fauna selvagem;

h) Organização de lista ou listas de espécies animais e das biocenoses em que se integram, quando raras

ou ameaçadas de extinção.

4 – A exploração e gestão dos recursos animais, cinegéticos e piscícolas de águas interiores e da orla

costeira marinha é objeto de legislação especial que regulamenta a sua valorização, fomento e usufruição,

prestando especial atenção ao material genético que possa ser utilizado no desenvolvimento da silvicultura e

da aquicultura e atendendo aos impactos ambientais inerentes às atividades em causa.

5 – A exploração de recursos faunísticos, independentemente das suas características, obedece a normas

específicas que assegurem um nível de bem-estar animal máximo, de acordo com a capacidade tecnológica,

através de legislação especial.

6 – A utilização para fins experimentais, científicos, de investigação ou para testes, de seres vivos

sencientes é regulamentada por diploma próprio e carece de autorização pelas autoridades competentes.

7 – A política de ambiente promove a adoção de medidas de:

j) Substituição das técnicas que usam material senciente para os fins referidos no número anterior por

outras, ou substituição do material senciente por outro não senciente, no quadro das possibilidades

tecnológicas disponíveis;

k) Redução da utilização de seres vivos sencientes para os fins referidos no número anterior;

l) Aperfeiçoamento das técnicas relacionadas com os referidos fins, no sentido da redução das

necessidades de utilização de seres vivos sencientes nesses procedimentos.

8 – A utilização de seres vivos sencientes em qualquer atividade económica, desportiva, cultural ou

recreativa é regulamentada por legislação própria e sujeita a autorização das autoridades competentes, bem

como a inspeções periódicas.

9 – A utilização de seres vivos sencientes para fins de companhia é de notificação obrigatória junto das

autoridades competentes, nos termos de legislação específica.

10 – As formações vegetais espontâneas e subespontâneas que constituem o património florestal e dos

espaços verdes urbanos e periurbanos são protegidas por lei especial que visa a sua integridade, salvaguarda

e valorização.

11 – São proibidos os processos ou atividades que impeçam o desenvolvimento normal ou a recuperação

da flora e da vegetação espontânea que apresentem interesse científico, económico e paisagístico,

designadamente da flora silvestre e da flora ripícola.

12 – A política de proteção da flora visa designadamente:

a) A salvaguarda e valorização do património silvícola do País, bem como o seu ordenamento em função

de objetivos científicos, económicos, sociais e paisagísticos;

b) A recuperação dos recursos silvícolas degradados ou afetados por incêndios florestais;

c) A conservação das espécies vegetais ameaçadas de extinção ou os exemplares botânicos isolados ou

em grupo que, pelo seu potencial genético, porte, idade, raridade, ou outra razão, representem um valor

ecológico, científico, económico, social, cultural ou paisagístico;

d) O controlo da colheita, do abate da utilização e comercialização de certas espécies vegetais e seus

derivados, da sua importação ou da introdução de exemplares exóticos, através de legislação adequada.

e) O combate à desertificação, acidificação ou salinização dos solos.

13 – A conservação da biodiversidade animal, vegetal ou dos restantes seres vivos, bem como dos

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correspondentes habitats, é inalienável e incumbe ao Estado, através dos seus organismos competentes.

14 – Para efeitos do disposto no número anterior, através dos organismos competentes, o Estado

organiza, e atualiza sempre que necessário, a inventariação e identificação dos valores biológicos bem como

dos seus habitats, de acordo com a sua distribuição geográfica, com suporte em registo cartográfico com

escala adequada.

15 – É proibida a libertação ou introdução em território nacional, em ambiente não controlado, de

organismos geneticamente modificados.

Artigo 19.º

Habitat humano

1 – O Estado assegura, nomeadamente através da política de ambiente, a qualidade do habitat humano,

essencial à fruição plena e universal dos direitos ao ambiente, à habitação e à saúde garantidos

respetivamente pelos artigos 66.º, 65.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa.

2 – O habitat humano é fundamentalmente integrado pelas áreas naturais e urbanas que constituem

ambiente e suporte da atividade humana nas suas diversas dimensões: na habitação, no trabalho, no estudo,

no lazer, na organização comunitária e no viver coletivo.

3 – Estão abrangidas para efeitos da presente lei as componentes, funções, processos, infraestruturas,

equipamentos e serviços relevantes para a qualidade do habitat humano, incluindo designadamente a

qualidade e segurança ambientais, sanitárias e estruturais dos espaços interiores e exteriores.

4 – Uma ocupação equilibrada em termos de usos e densidades assegura o desenvolvimento harmonioso

e ambientalmente sustentado do território nacional no seu conjunto.

5 – O habitat humano assegura uma relação equilibrada com a paisagem e o ambiente natural. As formas

de ocupação do solo que realiza são compatíveis e tiram vantagem dos processos naturais pré-existentes,

nomeadamente no que diz respeito à drenagem natural das águas superficiais, à desobstrução das linhas de

água, ao regime de ventos e brisas dominantes que asseguram a renovação e a qualidade do ar.

6 – O habitat humano tem as suas funções organizadas de forma a reduzir os custos energéticos dos

diferentes modos de transporte, a facilitar as deslocações, a potencializar a oferta e a utilização das redes de

transporte coletivo.

7 – Na relação entre a habitação, os locais de trabalho e os equipamentos coletivos a política de ambiente

valoriza a proximidade e os pequenos percursos, privilegiando a continuidade da ocupação do espaço e a

desobstrução dos percursos.

8 – A construção de espaços habitáveis privilegia as envolventes que asseguram menores custos

energéticos e maior durabilidade.

9 – O planeamento urbano privilegia a contenção dos perímetros urbanos, e favorece a reabilitação e a

reconversão da construção existente.

Artigo 20.º

Subsolo

1 – A exploração dos recursos do subsolo, marítimo ou terrestre, deverá ter em conta:

a) As limitações impostas pelas necessidades de conservação da natureza e dos recursos naturais;

b) A necessidade de obedecer a um plano global de desenvolvimento e, portanto, a uma articulação a nível

nacional;

c) Os interesses e questões que local e mais diretamente interessem às regiões e autarquias onde se

insiram.

2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do presente artigo, a exploração dos recursos do subsolo deverá ser

orientada de forma a respeitar os seguintes princípios:

a) Garantia das condições que permitam a regeneração dos fatores naturais renováveis e uma adequada

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relação entre o volume das reservas abertas e o das preparadas para serem abertas;

b) Valorização máxima de todas as matérias-primas extraídas, independentemente de constituírem ou não

o recurso nuclear da exploração;

c) Exploração racional das nascentes de águas minerais e termais, fontes geotérmicas e hidrotermais, e

determinação dos seus perímetros de proteção;

d) Adoção de medidas preventivas de degradação do ambiente, resultantes dos trabalhos de extração de

matéria-prima que possam pôr em perigo a estabilidade dos sistemas naturais e sociais;

e) Adoção de medidas especiais de controlo e contenção de radioatividade sempre que a exploração do

subsolo incida sobre matérias-primas radioativas;

f) Reconstrução obrigatória e reabilitação funcional da paisagem quando da exploração dos recursos do

subsolo resulte alteração da topografia preexistente, do coberto vegetal ou outros valores naturais importantes,

com vista à integração harmoniosa da área sujeita à exploração na paisagem envolvente.

3 – É proibida a concessão de novas explorações, ou o desenvolvimento daquelas que já existem, sempre

que se verifique ou seja previsível, em análise prévia, o incumprimento, de qualquer um dos princípios

referidos no número anterior.

Artigo 21.º

Outros recursos geológicos e geodiversidade

1 – As formações geomorfológicas de relevante interesse, os monumentos geológicos, e as estruturas

geológicas, as fontes geotermais e hidrotermais, as camadas litológicas de interesse paleoestratigráfico, os

fósseis e os icnofósseis constituem valores ambientais a salvaguardar, de acordo com a sua importância.

2 – O Estado promove a preservação e salvaguarda do património geológico, litológico, estratigráfico e

paleontológico, através de legislação especial de proteção da geodiversidade e da criação e funcionamento

dos mecanismos e organismos adequados.

3 – A produção de energia através de recursos energéticos geológicos internos é alvo de regulamentação

específica.

4 – O Estado pode impor, através do Ministério da tutela ou dos organismos competentes, impedimentos

ou condicionantes ao exercício de atividades humanas que coloquem em risco ou sejam passíveis de degradar

património geológico de relevante importância científica, social, cultural ou económica.

Artigo 22.º

Litoral

1 – Todos têm direito a aceder e usufruir do litoral, nomeadamente da faixa compreendida entre os

cordões dunares e o mar, das falésias e arribas estáveis e seguras.

2 – O âmbito específico litoral compreende a zona de interação entre o mar e a terra e designadamente o

domínio público hídrico marítimo e o território confinante, as terras reclamadas ao mar, os estuários, as águas

costeiras, de transição e todas aquelas, superficiais ou subterrâneas, cujo regime seja influenciado pelas

marés ou sujeitas a intrusão salina, com seus leitos, margens e formações que os delimitam, as praias,

falésias e sistemas dunares, os solos associados com seu coberto vegetal, bem como os processos, os

ecossistemas, incluindo o humano, as atividades, as construções, os equipamentos, as instalações e a

laboração associados a esses espaços e compreende ainda as zonas passíveis de ser submersas, inundadas

ou erodidas por causas associadas a ondulação excecional ou subidas do nível do mar de curta ou de longa

duração, incluindo marés vivas, maremotos ou outras.

3 – A política de gestão do litoral considera a influência das atividades humanas e limita a sua realização

de acordo com a estabilidade da faixa costeira, nomeadamente face a fenómenos de avanço ou recuo da linha

de costa, a tempestades ou cheias ou intrusão salina em aquíferos de abastecimento para qualquer fim.

4 – A política de gestão do litoral é transversal, nacional e da responsabilidade do Estado, nomeadamente

no que toca a concertação internacional e transfronteiriça que se demonstre necessária para a estabilidade da

faixa costeira continental.

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5 – O litoral tem expressão territorial transposta nos instrumentos de ordenamento do território com a

delimitação, expressão e regulamentação específica adequada.

6 – A gestão do litoral é definida por instrumentos de ordenamento do território próprios, os planos de

ordenamento da orla costeira, definidos em articulação com as autarquias locais.

Artigo 23.º

Luminosidade

1 – Todos têm direito a um nível de luminosidade natural conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto

na habitação, no local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.

2 – Nos termos do número anterior, ficam condicionados:

a) A volumetria dos edifícios a construir, no sentido de impedir que prejudique a qualidade de vida dos

cidadãos e a vegetação, pelo ensombramento, dos espaços públicos e privados;

b) O regulamento e as normas específicas respeitantes à construção de fogos para habitação, escritórios,

fábricas e outros locais de trabalho, escolas e restante equipamento social;

c) A volumetria das construções a erigir na periferia de espaços verdes existentes ou a construir;

d) Os anúncios luminosos só são permitidos nas áreas urbanas e são condicionadas as suas cores, forma,

intensidade luminosa, localização e intermitência, por regulamentação especial.

3 – O nível de luminosidade para qualquer lugar deve ser o mais consentâneo com o equilíbrio dos

ecossistemas transformados de que depende a qualidade de vida das populações.

4 – Os anúncios luminosos, fixos ou intermitentes, não devem perturbar o sossego, a saúde e o bem-estar

dos cidadãos.

Artigo 24.º

Som

1 – Todos têm direito a um nível de ruído conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto na habitação, no

local de trabalho e nos espaços públicos de recreio, lazer e circulação.

2 – Nos termos do número anterior, compete ao Estado assumir o controlo do ruído através,

designadamente:

a) Da normalização dos métodos de medida do ruído;

b) Do estabelecimento de níveis sonoros máximos,

c) Da redução do nível sonoro na origem, através da fixação de normas de emissão aplicáveis às

diferentes fontes;

d) Dos incentivos à utilização de equipamentos cuja produção de ruídos esteja contida dentro dos níveis

máximos admitidos para cada caso;

e) Da obrigação de os fabricantes de máquinas e eletrodomésticos apresentarem informações detalhadas,

homologadas, sobre o nível sonoro dos mesmos nas instruções de uso;

f) Da introdução, nas autorizações de construção de edifícios, de utilização de equipamento ou no

exercício de atividades, da obrigatoriedade de adotar medidas preventivas para eliminação da propagação do

ruído para o exterior e no interior, bem como das trepidações.

g) Da sensibilização das populações para os problemas associados ao ruído;

h) Da localização adequada no território das atividades causadoras de ruído.

3 – Os veículos motorizados, incluindo as embarcações, aeronaves e transportes ferroviários, estão

sujeitos a homologação e controle no que se refere às características do ruído que produzem.

4 – Os avisadores sonoros estão sujeitos a homologação e controle no que se refere às características das

vibrações acústicas que produzem.

5 – Os equipamentos eletromecânicos deverão ter especificadas as características do ruído que

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produzem.

Artigo 25.º

Radiação

1 – O espaço hertziano e os campos eletromagnéticos são recursos naturais regulamentados por

legislação própria.

2 – A radiação solar é um bem comum de acesso público e livre.

3 – São proibidas as atividades ou processos que impeçam permanentemente ou de forma significativa,

contra a vontade do proprietário, a incidência da radiação solar sobre os solos ou edifícios.

4 – A produção de energia elétrica que use como fonte direta a radiação solar é regulamentada por

legislação própria.

Artigo 26.º

Fontes e recursos energéticos

1 – As fontes e recursos energéticos são alvo de uma gestão que visa, designadamente:

a) O aumento da eficácia energética e a democratização do usufruto das comodidades da energia;

b) O desenvolvimento da produção nacional, em harmonia com o equilíbrio ecológico e a conservação da

natureza;

c) O aproveitamento otimizado das fontes e recursos naturais, com o menor impacto ambiental.

d) A diminuição da dependência energética externa do País e a minimização do recurso à combustão como

forma de produção de energia.

2 – As fontes e os recursos energéticos, ou seja, a água, as fontes hidrotermais e geotérmicas, os

hidrocarbonetos, os recursos minerais, o ar, a radiação solar, são inalienáveis e a sua gestão cabe ao Estado,

de acordo com legislação própria.

3 – A produção e utilização de biomassa para produção de energia elétrica são regulamentadas por

legislação própria.

4 – A produção e utilização de combustíveis, para qualquer fim, obtidos, em todo ou em parte, através de

recursos biológicos produzidos no País ou no estrangeiro é regulamentada por legislação especial,

salvaguardando a função social dos solos, nomeadamente no que diz respeito à produção alimentar.

5 – A implantação ou construção de infraestruturas de produção ou transformação energética através de

recursos naturais é alvo de planificação sectorial no plano nacional e regional que identifica as potencialidades

e impactos da referida produção, nomeadamente nos planos económico, ecológico, paisagístico e humano.

Artigo 27.º

Património natural e construído

1 – São deveres do Estado, através de legislação adequada:

a) A salvaguarda, conservação e valorização do património natural e construído, bem como do património

histórico e cultural através, entre outros, de uma adequada gestão dos recursos existentes, da planificação das

ações a empreender numa perspetiva de animação e utilização criativa;

b) A recuperação e reabilitação dos centros históricos das áreas urbanas e rurais, a conservação ou

recuperação de paisagens primitivas e naturais notáveis e de edifícios e conjuntos monumentais;

c) A inventariação e a classificação do património histórico, cultural, natural e construído, em cooperação

com as autarquias locais e com as associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente;

d) A promoção do desenvolvimento local e regional através da valorização do património cultural e

construído identitário de cada região.

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2 – Constitui responsabilidade do Estado a inventariação e classificação do património histórico, cultural,

natural e construído, bem como de bens paleontológicos, em cooperação com as autarquias locais e com as

associações locais de defesa do património e de defesa do ambiente.

3 – Aos proprietários de bens patrimoniais culturais e naturais incumbe a preservação e proteção dos

mesmos.

4 – Os proprietários e usufrutuários têm o direito à informação quanto aos atos de administração do

património, à indemnização, a pronunciarem-se quanto à definição da política, ao conhecimento das medidas

aplicadas e a recurso à expropriação.

5 – Os proprietários e usufrutuários têm ainda os deveres de conservar e proteger o bem, de facilitar o

acesso à informação necessária e de facilitar o acesso e usufruto físico do bem, nos casos em que não

existam incompatibilidades.

6 – Os bens patrimoniais naturais e construídos são alvo de regulamentação específica, por parte de

entidades responsáveis pela sua salvaguarda, designadamente medidas de estabelecimento de zonas de

proteção e procedimentos específicos, relativos à intervenção nessas áreas, determinados pela tutela e

delimitação zonas de proteção específica, em respeito pela defesa da qualidade ambiental e paisagística.

7 – As intervenções em monumentos, conjuntos e sítios são autorizadas por pareceres vinculativos das

autoridades competentes tendo em conta o enquadramento paisagístico e regulamentar existente.

8 – Para efeitos do disposto no número anterior, a lei estabelece a orgânica e o modo de funcionamento

dos organismos, existentes ou a criar, responsáveis e considerados necessários para o seu cumprimento.

Artigo 28.º

Paisagem

1 – Para a preservação da paisagem, como unidade ecológica, estética e visual, serão condicionados pela

administração central, regional, ou local, a implantação de construções, infraestruturas viárias, novos

aglomerados urbanos ou outras construções que, pela sua dimensão, volume, silhueta, cor ou localização,

provoquem um impacto perturbante na paisagem preexistente, bem como a exploração de minas e pedreiras,

evacuação e acumulação de resíduos e materiais usados e o corte maciço do arvoredo, nos termos de

legislação específica.

2 – A ocupação marginal das infraestruturas viárias, fluviais, portuárias ou aeroportuárias, qualquer que

seja o seu tipo, hierarquia ou localização, é objeto de regulamentação especial.

3 – Para uma política de gestão da paisagem, são instrumentos:

a) A proteção e valorização das paisagens que, caracterizadas pelas atividades seculares do ser humano,

pela sua diversidade, concentração e harmonia e pelo sistema sociocultural que criaram, se revelam

importantes para a manutenção da pluralidade paisagística e cultural;

b) A determinação de critérios múltiplos e dinâmicos que permitam definir prioridades de intervenção, quer

no que respeita às áreas menos afetadas pela presença humana, quer àquelas em que a ação humana é mais

determinante;

c) Uma estratégia de desenvolvimento que empenha as populações na defesa desses valores,

nomeadamente, e sempre que necessário, por intermédio de incentivos financeiros ou fiscais e de apoio

técnico e social;

d) O inventário e a avaliação dos tipos característicos de paisagem rural e urbana, comportando elementos

abióticos, bióticos e culturais;

e) A identificação e cartografia dos valores visuais e estéticos das paisagens naturais.

Artigo 29.º

Avaliação e proteção

1 – As políticas, planos, programas e outras decisões do Estado, com vista à promoção ou autorização de

intervenções, são acompanhadas de análise prévia dos seus potenciais efeitos e riscos ambientais.

2 – Os âmbitos específicos de proteção e as ameaças específicas são explicitamente considerados, em

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todas as suas vertentes, nos estudos e avaliações ambientais, assim como na tomada de decisões públicas

sobre intervenções físicas no território ou nas águas, nomeadamente:

a) Nos processos de avaliação de impacte ambiental e respetivos Estudos de Impacte Ambiental;

b) Nos Estudos de Incidências Ambientais;

c) Nos processos de declaração ambiental e noutras avaliações ambientais;

d) Na instrução dos processos de licenciamento;

e) Em processos de desafetação ou de alteração de condicionantes ao uso do solo;

f) Nas avaliações ambientais estratégicas de planos e programas;

g) Na instrução dos processos de declaração de interesse público;

h) Na instrução do processo de classificação de qualquer projeto como de «Potencial Interesse Nacional»;

i) Nos processos de concessão, com ou sem concurso público.

3 – São obrigatoriamente emitidos e publicitados, gratuitamente relatórios, técnicos e resumos não

técnicos dos elementos apurados e postos à consulta pública, em moldes a regulamentar por lei, antes da

deliberação sobre o plano, programa, projeto ou ação.

4 – Excetuam-se as intervenções necessárias em situações de emergência, de reparação urgente ou de

socorro.

CAPÍTULO IV

Segurança, danos e riscos

Artigo 30.º

Danos e riscos por causas naturais ou provocadas

1 – Incumbe ao Estado prevenir e mitigar os danos no ambiente e os prejuízos pessoais devidos a causas

naturais, a acidentes ou a ações de terceiros e, designadamente, a ações que alterem a vulnerabilidade, a

magnitude, a exposição ou a distribuição dos danos.

2 – Para efeitos do número anterior, a prevenção e mitigação dos danos compreende a segurança em

relação a danos incertos ou riscos.

3 – O Estado inventaria e caracteriza as situações de vulnerabilidade e de risco existentes e elabora

planos de recuperação, redução da vulnerabilidade e mitigação dos danos, bem como programas operacionais

de emergência nos casos de inevitabilidade dos riscos.

4 – O Estado garante a monitorização e fiscalização adequadas à minimização de danos e riscos e

empreende as ações necessárias à cessação das situações irregulares.

5 – Legislação sectorial, designadamente, regulamentação técnica e de segurança de construção e de

laboração bem como condicionantes dos instrumentos de ordenamento do território e outra regulamentação

específica, impõe limitações às atividades humanas, à construção e ao uso dos solos, de acordo com as

condicionantes naturais verificadas no terreno, nomeadamente em relação às ameaças específicas objeto do

artigo seguinte.

6 – Os cidadãos colocados em situação de risco provocado ou afetados por acidente decorrido desse risco

têm direito a compensação, nos termos da lei.

7 – A lei proíbe a realização de ações indutoras de risco ou danosas para terceiros, sempre que os

instrumentos de análise prévia indiquem a impossibilidade de serem tomadas medidas de mitigação que

permitam, com elevado grau de certeza e razoabilidade, prever a contenção do risco para níveis de segurança

que garantam o bem-estar das populações, o equilíbrio ecológico, a conservação da natureza ou a

preservação de valores naturais e construídos de relevante interesse científico, económico, social ou cultural.

8 – O Estado dispõe de um fundo público de compensação para os danos materiais e humanos em caso

de catástrofe natural, acionado sempre que o valor do prejuízo o justifique, nos termos de legislação própria.

Artigo 31.º

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Ameaças específicas

A legislação complementar e o planeamento sectorial para efeitos de medidas especiais de mitigação,

proteção e segurança de pessoas, bens, qualidade do ambiente, do território e dos recursos naturais em

relação aos danos e riscos, incide sobre as seguintes ameaças específicas:

a) Cheias, inundações e precipitações intensas;

b) Sismos e maremotos;

c) Vulcanismo;

d) Seca e desertificação;

e) Alterações locais, regionais ou globais às normais climáticas;

f) Incêndios e fogos;

g) Contaminação física;

h) Contaminação química;

i) Contaminação biológica;

j) Ameaças pelas águas do mar;

k) Instabilidade da costa ou de falésias;

l) Anomalias na realimentação das praias ou das dunas;

m) Tempestades e tornados;

n) Erosão e deslizamentos;

o) Rotura de estruturas naturais ou construídas;

p) Disfunções, avarias e deficiências de instalações ou processos;

q) Deficiências de estanquidade de reservatórios ou depósitos de matérias sólidas, líquidas ou gasosas;

r) Meios, de génese natural ou antropogénica, favoráveis à proliferação de organismos patogénicos,

geradores de substâncias tóxicas ou vetores de doenças;

s) Alterações ou variações de génese antropogénica aos regimes de caudais, velocidades, níveis ou

percursos das águas;

t) Variações temporárias ou alterações, de génese natural ou antropogénica, às áreas inundáveis pelas

águas costeiras ou interiores, incluindo as subterrâneas.

Artigo 32.º

Regulamentação de segurança

1 – As atividades ou construções passíveis de gerar implicações na qualidade do ambiente ou de criar

riscos para os seus trabalhadores, infraestruturas ou para terceiros elaboram obrigatoriamente um

regulamento de segurança e apresentam-no para homologação à autoridade pública competente antes do

início da atividade ou da entrada em funcionamento da infraestrutura construída.

2 – A regulamentação de segurança obedece a um enquadramento legal próprio, definido de acordo com o

sector de atividade e com as exigências, limitações e condicionantes imposta pela circunstância ambiental em

que se insere a atividade ou construção.

3 – O Governo elaborará, no prazo de um ano após a aprovação deste diploma, a regulamentação de

segurança em relação a cada uma das ameaças específicas referidas no artigo 31.º.

Artigo 33.º

Responsabilidade por danos, acidente ou risco e direito de compensação

1 – O proprietário, promotor ou concessionário de ação ou atividade que provoque acidente ou potencie

risco de acidente, é responsável pelas consequências geradas pelo acidente ou pela geração do risco, ainda

que sem concretização de acidente, e é obrigado a compensar os cidadãos afetados, a reparar os danos

ambientais e a cessar a atuação geradora ou potenciadora de risco.

2 – Os prejuízos para terceiros, os acidentes ou danos ambientais que decorram de atividade ou

construção licenciada, por ausência de cumprimento pela entidade promotora ou proprietária das obrigações

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decorrentes dos termos do licenciamento, da Declaração de Impacte Ambiental ou da legislação sectorial

aplicável, são da responsabilidade exclusiva dessa entidade.

3 – O Estado é corresponsável pelos prejuízos para terceiros dos acidentes ou danos ambientais que

decorram de atividade ou construção licenciada, concessionada ou autorizada, por ausência da identificação

de riscos ou de medidas de mitigação ou adaptação e minimização dos impactos.

4 – A declaração de interesse público de qualquer projeto, atividade ou ação é precedida de processo de

impacte ambiental incluindo consulta pública e instrução com todas as peças e apreciações aplicáveis por lei à

tipologia do empreendimento e condicionantes de localização, bem como a clara identificação de danos e

riscos e uma Declaração da Aceitabilidade dos Riscos emitida pelo membro do Governo com competências na

área do ambiente.

5 – Excetuam-se do estipulado no ponto anterior as ações de socorro ou mitigação de emergência.

6 – O licenciamento, concessão, autorização ou declaração de interesse público da atividade ou ato não

isenta o seu proprietário, concessionário ou autor, das responsabilidades relativamente a terceiros e ao

ambiente e, nomeadamente, das indemnizações e recuperações devidas, bem como responsabilidade civil

pelos danos e riscos, competindo-lhe a reposição das condições originais ou a indemnização a terceiros por

danos, prejuízos, aumento ou geração de novos riscos tendo o direito de processar o Estado ou as entidades

públicas licenciadoras para ressarcimento dos prejuízos próprios decorrentes.

7 – O aumento ou geração de novos riscos que resultem do licenciamento de uma atividade, construção

ou ação é identificado pelas entidades licenciadoras e emissoras da Declaração de Impacte Ambiental, sendo

equiparado a prejuízo para todos os efeitos.

Artigo 34.º

Direito ao conhecimento do risco

1 – Os cidadãos têm direito a aceder a todos os estudos de análise prévia, bem como aos resultados de

análises e avaliações de risco efetuadas a cada atividade ou construção.

2 – É da responsabilidade do Estado, em articulação com as autarquias, a criação e preparação de

respostas céleres, no âmbito da intervenção ambiental ou proteção civil, em função dos riscos identificados.

Artigo 35.º

Mitigação e adaptação

1 – Os instrumentos de análise prévia e a declaração de impacte ambiental devem conter as indicações

necessárias para a mitigação dos impactes negativos identificados.

2 – O cumprimento das obrigações previstas no número anterior é condição para o licenciamento e

funcionamento da atividade ou construção em causa.

3 – Os instrumentos de análise prévia, bem como a declaração de impacte ambiental devem conter

indicações sobre as medidas de adaptação do projeto de atividade ou construção sob avaliação, sendo o seu

cumprimento condição para o licenciamento e execução.

Artigo 36.º

Declaração de zona crítica ou situação de emergência

1 – O Governo declarará como zonas críticas todas aquelas em que os parâmetros que permitem avaliar a

qualidade do ambiente atinjam, ou se preveja virem a atingir, valores que possam pôr em causa a saúde

humana ou o ambiente, ficando sujeitas a medidas especiais e ações a estabelecer pelo departamento

encarregado da proteção civil em conjugação com as demais autoridades da administração central e local.

2 – Quando os índices de poluição, em determinada área, ultrapassarem os valores admitidos pela

legislação regulamentar correspondente, ou por qualquer forma, colocarem em perigo a qualidade do

ambiente, poderá ser declarada a situação de emergência, devendo ser previstas atuações específicas,

administrativas ou técnicas, para lhes fazer face, por parte da administração central e local, acompanhadas do

esclarecimento da população afetada.

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3 – Serão aplicadas as medidas imediatas necessárias para socorrer a casos de acidente sempre que

estes provoquem aumentos bruscos e significativos dos índices de poluição ou que, pela sua natureza, façam

prever a possibilidade dessa ocorrência.

Artigo 37.º

Segurança ambiental

1- A presente lei é regulamentada por legislação própria no que toca aos acréscimos de responsabilidade

por imputação de riscos ou danos.

2- Até à publicação da legislação regulamentar, os acréscimos de responsabilidade por imputação de

riscos ou danos não são aplicáveis a construções, movimentos de terras ou equipamentos fixos já existentes e

em condições legais à data de aprovação do presente diploma.

CAPÍTULO V

Contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais

Artigo 38.º

Abordagem integrada dos impactos do sistema produtivo

1 – A política de ambiente compatibiliza a melhoria de qualidade de vida da população e o

desenvolvimento do sistema produtivo nacional com a contenção da contaminação e da exaustão dos recursos

naturais, visando simultaneamente:

a) A redução de emissões poluentes, de resíduos e de desperdício;

b) O controlo e proteção da qualidade física, química, biológica e ecológica do meio ambiente;

c) A contenção da exploração dos recursos naturais dentro dos limites de renovação.

2 – A intervenção do Estado na adaptação ambiental do sistema produtivo e de consumo privilegia a maior

utilidade dos bens e produtos para o bem-estar e qualidade de vida da população e combate os danos

ambientais, ponderando, nomeadamente:

a) A necessidade e utilidade do bem ou produto, a acessibilidade e extensão da sua utilização, a

importância objetiva e subjetiva para a qualidade de vida da população;

b) A incorporação de materiais e a degradação de energia, bem como as emissões e resíduos no ciclo

completo de vida do bem ou produto, nomeadamente a produção, a embalagem, o transporte, a importação, a

comercialização, a fruição, o consumo, a duração útil, recolha, transporte, processamento e deposição final

dos materiais sobrantes ou residuais;

c) As matérias-primas consumidas, transformadas ou degradadas em relação com a sua taxa de

renovação na natureza e com a taxa de consumo global, distinguindo os impactos em território nacional,

nomeadamente na degradação ou risco de exaustão dos recursos naturais;

d) O tipo e quantidade de emissões e resíduos, respetiva perigosidade, riscos ambientais associados e

efeitos nos meios recetores, distinguindo os meios no território nacional e considerando o seu estado e

capacidade de depuração disponível;

e) A viabilidade de otimizar a relação utilidade-impactos por eliminação ou substituição de componentes ou

fases do processo, com ênfase para os desperdícios, o transporte, as embalagens, a obsolescência precoce e

a curta durabilidade de bens não consumíveis;

f) A substituibilidade do bem ou produto por outro com melhor relação utilidade-impactos;

g) A viabilidade de soluções de produção de proximidade, de manutenção, de reutilização e de

reconversão dos bens ou produtos não consumíveis, das embalagens e dos resíduos sólidos não

biodegradáveis;

h) Os efeitos das intervenções no sistema produtivo nacional, na cadeia produtiva e no emprego;

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i) A contenção e redução dos custos ao consumidor ou utilizador final, a equidade social e o combate à

pobreza.

3 – Os normativos, medidas e intervenções de contenção e redução dos impactos negativos do sistema de

produção e utilização ou consumo não podem, em caso algum, provocar, direta ou indiretamente,

discriminação negativa da produção nacional face à importação.

4 – O Estado publicita e promove a notícia rigorosa e completa aos consumidores sobre os impactos dos

ciclos de vida dos produtos, em padrões idênticos para bens semelhantes, de forma a facultar a possibilidade

de escolha informada.

5 – O Estado desenvolve um Sistema Específico de Informação ao Público sobre Produtos e Serviços que

evidencie os respetivos impactes no âmbito das alterações climáticas, nomeadamente quanto às emissões de

Gases com Efeito de Estufa associados às diferentes atividades, indicando, no caso específico de bens de

consumo, as emissões relacionadas com o seu transporte em cada modo, bem como a respetiva distância

média de percurso entre a origem e o destino.

6 – São monitorizados e publicitados os efeitos no ambiente e recursos naturais, na qualidade de vida, no

sistema produtivo nacional e nos preços ao consumidor, das normas, medidas e intervenções no âmbito da

contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos recursos naturais.

Artigo 39.º

Poluição química, resíduos e águas residuais

1 – No âmbito da abordagem integrada de contenção da contaminação do ambiente e da exaustão dos

recursos naturais, são aplicadas medidas específicas de controlo e redução da poluição, que incluem:

a) O estímulo à aplicação de tecnologias menos poluentes;

b) A avaliação sistemática dos efeitos potenciais dos agentes químicos sobre o homem e sobre o

ambiente;

c) O controlo do fabrico, comercialização, utilização e eliminação dos agentes químicos;

d) A aplicação de técnicas e metodologias preventivas orientadas para a reciclagem e reutilização de

matérias-primas e produtos químicos;

e) O controlo e inventariação da produção nacional, importação e exportação de reagentes passíveis de

constituir ou integrar arma química ou agente nocivo para a saúde e bem-estar públicos, bem como para o

ambiente e os recursos naturais;

f) O funcionamento de estruturas laboratoriais públicas que realizem ensaios destinados ao estudo dos

impactos ambientais dos agentes químicos;

g) A obrigatoriedade de avaliação dos impactos e riscos decorrentes da utilização ou deposição de agentes

químicos, antes da sua comercialização, por parte dos seus produtores industriais;

h) Estabelecimento de normas e mecanismos adequados de fiscalização para os níveis máximos admitidos

para a presença de diferentes agentes químicos, elementos ou compostos, na água, no solo e subsolo, no ar,

nos seres vivos e na cadeia trófica do ser humano.

i) A redução da produção e da importação de produtos inúteis, com ênfase nas embalagens, rótulos, tintas

ou solventes, que não sejam imprescindíveis para a individualização ou manutenção do produto final ao

consumidor;

j) A hierarquização dos processos, considerando como primeira prioridade a reciclagem do resíduo, como

segunda prioridade a reutilização e como última prioridade a sua eliminação, ainda que dessa resulte produção

energética;

k) Reencaminhamento de todos os materiais reutilizáveis ou recicláveis para o tratamento adequado após

o seu tempo de vida útil.

l) Estímulo ao aproveitamento dos desperdícios agropecuários;

m) A reciclagem, incentivando o encaminhamento de todos os resíduos para processos de reconversão

em matérias-primas;

n) A reutilização, incentivando a utilização, ainda que em função e atividade distinta, do resíduo ou

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efluente, considerando como última opção a eliminação ou valorização energética;

o) A aplicação de instrumentos fiscais e financeiros que incentivem a reciclagem e a reutilização de

resíduos;

p) A responsabilização do produtor ou importador e do distribuidor pela redução, reciclagem, reutilização e

tratamento dos resíduos.

2 – A produção de efluentes implica o processamento e destino final adequado das fases sólida e líquida,

com controlo por autoridade pública competente e de acordo com uma estratégia nacional de efluentes.

3 – É da responsabilidade do Estado, em articulação e cooperação com as autarquias, assegurar uma

rede pública de saneamento de águas residuais e tratamento e recolha de resíduos sólidos urbanos que

garanta a universalidade do acesso e a sanidade ambiental.

Artigo 40.º

Substâncias radioativas e controlo da radioatividade

1 – O Estado dispõe de entidade laboratorial capacitada para a realização de ensaios e estudos científicos

que contribuam para a prossecução de uma política de controlo de poluição radioativa e de gestão de

substâncias radioativas, nomeadamente no âmbito da investigação em tecnologias nucleares ou extração de

minério.

2 – O controlo da poluição originada por substâncias radioativas tem por finalidade eliminar a sua

influência na saúde e bem-estar das populações e no ambiente e faz-se, designadamente, através:

a) Da avaliação dos efeitos das substâncias radioativas nos ecossistemas recetores;

b) Da fixação de normas de emissão para os efluentes físicos e químicos radioativos resultantes de

atividades que impliquem extração, transporte, transformação, utilização ou armazenamento de material

radioativo;

c) Do planeamento das medidas preventivas necessárias para a atuação imediata em caso de poluição

radioativa;

d) Da avaliação e controlo dos efeitos da poluição transfronteiriça e atuação técnica e diplomática

internacional que permita a sua prevenção;

e) Da fixação de normas para o trânsito, transferência e deposição de materiais radioativos no território

nacional e nas águas marítimas territoriais e na zona económica exclusiva.

CAPÍTULO VI

Competência do Governo e organismos responsáveis

Artigo 41.º

Competência do Governo e da Administração Regional e Local

1 – Compete ao Governo, de acordo com a presente lei de bases, a condução de uma política global nos

domínios do ambiente, da qualidade de vida e do ordenamento do território, bem como a coordenação das

políticas de ordenamento regional do território e desenvolvimento económico e progresso social e ainda a

adoção de medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei.

2 – O Governo e a administração regional e local articulam entre si a aplicação das medidas necessárias à

prossecução dos fins previstos na presente lei, no âmbito das respetivas competências.

3 – O Governo garante, através de uma agência pública e em articulação com as administrações regional

e local, a realização de processos de avaliação de impacte ambiental que implica a elaboração do estudo de

impacte ambiental, a participação e conhecimento públicos e a consequente declaração de impacte ambiental,

nos termos de legislação própria.

4 – O Governo garante, através de uma agência pública, a realização dos estudos de impacte ambiental

das atividades ou construções que deles careçam, cujos custos são assumidos pela entidade proprietária ou

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requerente da autorização e licenciamento ambiental, nos termos de legislação própria.

5 – O Governo garante, através de uma agência pública, a emissão de declaração de impacte ambiental,

determinante para o licenciamento ou não licenciamento de cada atividade ou construção, nos termos de

legislação própria.

Artigo 42.º

Organismos responsáveis

1 – A entidade ou as entidades públicas competentes do Estado responsável pela coordenação da

aplicação da presente lei tem por missão central promover, coordenar, apoiar e participar na execução da

política nacional do ambiente e qualidade de vida constante deste diploma e a concretizar pelo Governo, em

estreita colaboração com os diferentes serviços da administração central, regional e local.

2 – A nível de cada região administrativa existem organismos dependentes da administração regional,

responsáveis pela coordenação e aplicação da presente lei, em termos análogos aos do organismo referido no

número anterior e em colaboração com este, sem prejuízo de poderem existir organismos similares a nível

municipal.

CAPÍTULO VII

Direitos e deveres dos cidadãos

Artigo 43.º

Direitos e deveres dos cidadãos

1 – É dever dos cidadãos, em geral, e dos sectores públicos, privado e cooperativo, em particular,

colaborar na criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e na melhoria progressiva e

acelerada da qualidade de vida.

2 – Às iniciativas populares no domínio da melhoria do ambiente e da qualidade de vida, quer surjam

espontaneamente, quer correspondam a um apelo da administração central, regional ou local, deve ser

dispensada proteção adequada, através dos meios necessários à prossecução dos objetivos do regime

previsto na presente lei.

3 – O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, em especial as autarquias, fomentarão a

participação das populações em iniciativas de interesse para a prossecução dos fins previstos na presente lei,

nomeadamente as associações nacionais ou locais de defesa do ambiente, do património natural e construído

e de defesa do consumidor.

4 – Os cidadãos diretamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e

ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violência e a

respetiva indemnização.

5 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias, às organizações de

defesa do ambiente e aos cidadãos que sejam afetados pelo exercício de atividades suscetíveis de

prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades

responsáveis pelos prejuízos causados.

Artigo 44.º

Responsabilidade objetiva

1 – Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado

danos no ambiente, em virtude de ação perigosa, ainda que em respeito pela legislação aplicável.

2 – O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em

legislação complementar.

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Artigo 45.º

Embargos administrativos

Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado

poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a atividade causadora do dano, seguindo-se,

para tal efeito, o processo de embargo administrativo.

Artigo 46.º

Seguro de responsabilidade civil

Aqueles que exerçam atividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente e como tal venham a ser

classificados serão obrigados a segurar a sua responsabilidade civil.

Artigo 47.º

Direito a uma justiça acessível e pronta

1 – É assegurado aos cidadãos o direito ao apoio judiciário, nomeadamente através da isenção de

pagamento de taxa de justiça e custas judiciais, nos processos em que pretendam obter reparação de perdas

e danos emergentes de factos ilícitos que violem regras constantes da presente lei e dos diplomas que a

regulamentem, desde que o valor da causa não exceda o da alçada do Tribunal da Relação.

2 – Os processos contra o mesmo arguido relativos a infrações em violação da presente lei, não serão

apensados salvo se requerido pelo Ministério Público.

CAPÍTULO VIII

Penalizações

Artigo 48.º

Tribunal competente

1 – São competentes para as ações decorrentes da violação da presente lei e respetiva regulamentação

os tribunais comuns, territorialmente competentes em função do dano causado ou da residência do

denunciante.

2 – Sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à

atuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou

lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior,

também ao Ministério Público compete a defesa dos valores protegidos pela presente lei, nomeadamente

através da utilização dos mecanismos nela previstos.

3 – É igualmente reconhecido a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na

demanda, bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e às autarquias locais,

o direito de propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à

defesa dos valores protegidos pela presente lei.

Artigo 49.º

Crimes contra o ambiente

Sem prejuízo dos crimes previstos e punidos no Código Penal, serão ainda considerados crimes as

infrações que a legislação complementar qualificar como tal, de acordo com o disposto na presente lei.

Artigo 50.º

Contraordenações

1 – As infrações à presente lei não qualificadas como crime, serão consideradas puníveis com coima, em

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termos a definir por legislação complementar, compatibilizando os vários níveis da Administração em função

da gravidade da infração.

2 – Se a mesma conduta constituir simultaneamente crime e contraordenação, será o infrator punido a

título de crime, sem prejuízo das sanções acessórias previstas para a contraordenação.

3 – Em função da gravidade da contraordenação e da culpa do agente, poderão ainda ser aplicadas as

seguintes sanções acessórias:

a) Interdição do exercício de uma profissão ou atividade;

b) Privação do direito de subsídio outorgado por entidades ou serviços públicos;

c) Cessação de licenças ou autorizações relacionadas com o exercício da respetiva atividade;

d) Apreensão e perda a favor do Estado dos objetos utilizados ou produzidos aquando da infração;

e) Perda de benefícios fiscais, de benefícios de crédito e de linhas de financiamento de estabelecimentos

de crédito de que haja usufruído.

4 – A negligência e a tentativa são puníveis.

Artigo 51.º

Obrigatoriedade de remoção das causas da infração e da reconstituição da situação anterior

1 – Os infratores são obrigados a remover as causas da infração e a repor a situação anterior à mesma ou

equivalente, salvo o disposto no n.º 3.

2 – Se os infratores não cumprirem as obrigações acima referidas no prazo que lhes for indicado, as

entidades competentes mandarão proceder às demolições, obras e trabalhos necessários à reposição da

situação anterior à infração a expensas dos infratores.

3 – Em caso de não ser possível a reposição da situação anterior à infração, os infratores ficam obrigados

ao pagamento de uma indemnização especial a definir por legislação e à realização das obras necessárias à

minimização das consequências provocadas.

CAPÍTULO IX

Disposições finais e transitórias

Artigo 52.º

Relatório sobre cumprimento de políticas ambientais

1 – O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, juntamente com as Grandes

Opções do Plano de cada ano, um relatório sobre o cumprimento da legislação ambiental, referindo,

designadamente, o número de processos criminais em curso e o montante de contraordenações instaurado e

efetivamente cobrado em Portugal, referente ao ano anterior.

2 – O Governo fica obrigado a apresentar à Assembleia da República, de três em três anos, um relatório

sobre o estado do ambiente, investimento e grau de execução das políticas ambientais em Portugal.

Artigo 53.º

Acordos e convenções internacionais

A regulamentação da presente lei e toda a legislação especial em matéria ambiental tem em conta as

convenções e acordos internacionais aceites e ratificados por Portugal neste âmbito, assim como as normas e

critérios aprovados bilateralmente ou multilateralmente entre Portugal e outros países.

Artigo 54.º

Legislação complementar

Os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto na presente lei são publicados no prazo de

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um ano a partir da data da sua entrada em vigor.

Artigo 55.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 19/2014, de 14 de abril.

Assembleia da República, 5 de junho de 2020.

Os Deputados do PCP: Alma Rivera — Paula Santos — António Filipe — Jerónimo de Sousa — Bruno Dias

— Diana Ferreira — Ana Mesquita — Vera Prata — João Dias — Duarte Alves.

———

PROJETO DE LEI N.º 526/XIV/2.ª LEI-QUADRO DA POLÍTICA CLIMÁTICA

Os efeitos negativos do processo de alterações climáticas fazem-se sentir, no presente, um pouco por todo

o mundo, sendo bastante visíveis, fundamentalmente, os extremos climáticos regulares, acentuados e

violentos. Nada para que a comunidade científica não venha a alertar, mais intensamente desde os anos 90,

com destaque para os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), os quais

davam conta de que se nada fosse feito, o século XXI acolheria amarguras reais resultantes do aumento da

temperatura média do planeta, com um clima mais agressivo, com o degelo dos glaciares, com o aumento dos

níveis do mar, com a desertificação de solos, resultando perda de solo útil para a agricultura e,

consequentemente, com repercussões na alimentação humana, e também com a disseminação de doenças

mais características dos climas tropicais, entre outras consequências. Em suma, os impactos ambientais,

sociais e económicos podem ser bastante graves.

Para minimizar esse impacto, é determinante agir em duas vertentes: mitigar as alterações climáticas,

atuando diretamente sobre as causas antropogénicas de fatores que podem acelerar esse processo; adaptar

as sociedades e o território às alterações climáticas, erradicando os fatores de maior vulnerabilidade e gerando

mais resiliência.

Ao nível internacional a obtenção de acordos tem sido difícil, com os países que mais emitem gases com

efeito de estufa (GEE) a procurar aligeirar as suas responsabilidades de ação, ou mesmo desvincular-se,

vergonhosamente, dos acordos (como fizeram os EUA quer em relação ao Protocolo de Quioto, quer em

relação ao mais recente Acordo de Paris).

O Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015, a vigorar a partir de 2020 (após o último período de

vigência do Protocolo de Quioto), estabelece a urgência de reduzir as emissões de GEE, de modo a limitar o

aumento da temperatura média do planeta abaixo dos 2ºC, e preferencialmente abaixo dos 1,5ºC, em relação

à era pré-industrial. Este acordo global implica um esforço de todos os Estados para o cumprimento destas

metas, em particular dos Estados que mais emitem gases para a atmosfera que implicam com o processo de

alterações climáticas.

Em Portugal foi feito um estudo – projeto SIAM – que apontou preocupações para diversos setores

económicos e para o território nacional, relacionados com a mudança climática. Por exemplo, regiões como o

Alentejo correm um risco de desertificação de solos bastante significativo e a subida dos níveis do mar ameaça

o nosso litoral, bastante pressionado urbanisticamente e pela concentração de atividades e população.

Importa, assim, trilhar um caminho onde se estabeleçam e concretizem medidas de mitigação e de

adaptação eficazes para atingir os objetivos propostos.

Relativamente à adaptação, é fundamental fazer um levantamento das vulnerabilidades existentes,

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identificar a fragilidade de certas infraestruturas, e gerar um ordenamento do território e de atividades que

permitam enfrentar com maior resiliência o aquecimento global, tendo em particular atenção o ordenamento

florestal, a proteção das arribas e dunas, bem como a opção por culturas menos intensivas e menos

dependentes de água. É também determinante, tendo em conta a previsão de alastramento de doenças

tropicais a outras zonas do globo, que a população esteja dotada de conhecimento e informação e que os

serviços de saúde se preparem para estes fenómenos.

Relativamente à mitigação, impõe-se reduzir a emissão de gases com efeito de estufa (em particular o CO2)

e, para o efeito, Portugal precisa de se tornar progressivamente menos dependente dos combustíveis fósseis,

optando, designadamente, por fontes de energia renováveis, apostando na eficiência energética, trilhando um

caminho determinado para o encerramento das centrais de carvão a muito curto prazo, criando um sistema de

transportes coletivos que responda às necessidades das populações, para que estas possam fazer a opção de

não utilização diária do automóvel particular, e também um sistema de mobilidade suave e ativa. É preciso,

igualmente, apostar num consumo alimentar mais sustentável e não tão dependente de pecuárias de produção

intensiva, apostar na utilização da produção local para as necessidades de consumo local, para evitar a

enorme pegada ecológica do transporte diário de longo curso de alimentos. A prevenção relativamente aos

fogos florestais é, também, uma medida fundamental a tomar, tendo em conta que estes incêndios

representam o aumento de emissões de CO2 e destroem um meio determinante para a retenção de carbono.

Estes são apenas alguns exemplos de medidas, entre tantas outras que se impõe adotar.

Portugal está dotado de um conjunto de instrumentos que regem as decisões políticas que implicam com as

questões climáticas, e que impõem uma transversalidade em diversos setores governativos e na sociedade em

geral. A atuação dos poderes públicos é determinante, bem como a dos agentes económicos e dos cidadãos

em geral. Todos somos imprescindíveis para que este combate às alterações climáticas tenha sucesso.

Não obstante a existência desse conjunto de instrumentos, o PEV considera que, no enquadramento

resultante da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases da Política de Ambiente, é útil criar uma

lei-quadro específica para a política climática, que estabeleça o quadro de objetivos a prosseguir e dos

princípios que devem nortear o caminho para atingir esses objetivos. Trata-se de um instrumento legislativo, de

valor reforçado, que procura agregar às medidas de minimização e de adaptação a adotar, um forte

envolvimento e participação dos cidadãos, a necessidade de não se perder de vista a criação de postos de

trabalho, uma aposta na investigação e no conhecimento, a garantia de sistema de informação e de

monitorização, e, claro, as necessidades de investimento de financiamento, entre outras questões, como a

importância de reconhecer um papel relevante às organizações de ambiente na mobilização da sociedade para

o contributo efetivo de atitudes e comportamentos positivos para conter o processo de aquecimento global.

Trata-se da procura de criar uma lei que estabeleça o enquadramento da política climática de forma estável,

sabendo que os instrumentos de política climática que estão atualmente criados têm prazos definidos e são

sujeitos a revisões regulares. Devem, nessas revisões, obedecer aos objetivos e princípios estabelecidos

numa lei-quadro da política climática.

Para além disso, uma lei desta natureza deve levar o Parlamento a gerar um processo amplo de debate e

consulta pública, onde a sociedade seja, efetivamente, envolvida na sua realização, facto que, tendo em conta

a importância de divulgar informação e articular interesses e objetivos, assume uma grande relevância.

As alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade atualmente enfrenta. Todas as

atividades humanas, em maior ou menor grau, dependem de funções de ecossistemas que se encontram

gravemente ameaçados pelo aumento da temperatura e pela alteração dos padrões de clima que já se fazem

sentir. E a verdade é que o planeta terra é a casa comum que todos temos de preservar, garantindo a

diversidade biológica que ele acolhe e a sustentabilidade das sociedades humanas que nele habitam, a partir

da certeza de que depois desta geração outras virão, com o direito de habitar, em condições, o mesmo

planeta.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar de Os

Verdes apresenta o seguinte projeto de lei, com vista à criação de uma lei-quadro da política climática:

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CAPÍTULO I

Objetivos e princípios da política climática

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece o enquadramento da política climática, nos termos da Constituição da República

Portuguesa e da lei que define as Bases da Política de Ambiente.

Artigo 2.º

Objetivos gerais

1 – A política climática visa combater e enfrentar as alterações climáticas, através de ações de mitigação e

de adaptação, gerando condições objetivas para a redução de gases com efeitos de estufa (GEE) e para a

eliminação das vulnerabilidades no território nacional.

2 – Compete ao Estado a realização da política climática, através dos seus órgãos, seja ao nível local,

regional ou nacional e na representação internacional, e também através da mobilização dos cidadãos e

agentes sociais e económicos, por via de um intenso processo participativo.

Artigo 3.º

Objetivos específicos

Constituem objetivos específicos da política climática:

a) A criação de condições para uma ampla participação dos cidadãos na determinação da política climática;

b) A definição ambiciosa, clara e calendarizada de metas de redução de emissões de GEE, bem como das

medidas para a prosseguir;

c) O reforço da resiliência do território nacional, com o apontamento atualizado das vulnerabilidades a

reduzir ou a erradicar;

d) A promoção da criação de emprego verde, compatível com a redução das emissões de GEE;

e) O estímulo à investigação, à inovação e ao conhecimento nas vertentes da mitigação e da adaptação às

alterações climáticas;

f) A adequação do investimento público às metas e medidas a adotar e a garantia de condições de

financiamento;

g) A intensificação dos sistemas de informação e monitorização, de modo a obter dados atualizados,

fundamentais à definição contínua da política climática;

h) A cooperação internacional.

Artigo 4.º

Princípios da política climática

Para o cumprimento dos objetivos referidos nos artigos 2.º e 3.º, observam-se os seguintes princípios a que

a política climática deve obedecer:

a) Participação – todos os cidadãos têm o direito de se envolver na definição da política climática,

competindo ao Estado garantir esse direito de participação;

b) Informação e educação – proporciona-se informação e conhecimento atualizado aos cidadãos, para que

percecionem a importância de cooperar nas medidas a adotar e para que se constituam um veículo de

reivindicação de medidas eficazes;

c) Solidariedade intrageracional – todos os cidadãos têm o direito de ver os seus direitos e as suas

necessidades essenciais satisfeitas;

d) Solidariedade intergeracional – às gerações futuras não pode ser negado o direito de usufruirem dos

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recursos naturais e de qualidade de vida;

e) Pensar global, agir local – a implementação de medidas ao nível local, regional e nacional são fulcrais

para o cumprimento dos objetivos a prosseguir;

f) Produção e consumo local – estímulo à produção local, em razão das necessidades de consumo local, de

modo a diminuir a pegada ecológica;

g) Opção consciente e responsável – para que os cidadãos possam fazer opções sustentáveis, do ponto de

vista da ação climática, o Estado tem o dever de proporcionar condições para que essas escolhas possam ser

feitas e de gerar responsabilidades aos agentes económicos;

h) Prevenção – as medidas a definir devem antecipar os seus efeitos em diversas vertentes, de modo a não

causarem prejuízos substanciais ao ambiente e à qualidade de vida;

i) Eficiência – é possível obter redução da utilização geral de recursos naturais e de gerir a utilização de

recursos de forma sustentável, sem perder na garantia de qualidade de vida.

Artigo 5.º

Definições

Para efeitos da aplicação da presente lei, entende-se por:

a) «Adaptação» a minimização dos efeitos negativos das alterações climáticas nos sistemas biofísicos e

nas sociedades;

b) «Alterações climáticas» a variação significativa do estado médio do clima, por um longo período de

tempo, com implicações no meio biofísico e nas sociedades;

c) «Gases com Efeito de Estufa» (GEE) as substâncias gasosas que absorvem e retêm parte da radiação

solar, provocando, designadamente, um sobreaquecimento do planeta;

d) «Mitigação» a redução de GEE para a atmosfera, com vista a desacelerar o processo de alterações

climáticas.

CAPÍTULO II

Gestão da política climática

Artigo 6.º

Instrumentos da política climática

1 – São instrumentos nacionais da política climática, designadamente:

a) O Quadro Estratégico para a Política Climática (QEPIC);

b) O Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC);

c) As Estratégias Nacionais para as Alterações Climáticas (ENAC);

d) Os Programas de Ação para as Alterações Climáticas (PAAC);

e) O Sistema Nacional para Políticas e Medidas (SPeM);

f) O Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas (INERPA).

2 – Os instrumentos referidos no número anterior não excluem outros instrumentos, devendo todos eles ser

articulados e conjugados.

3 – Os instrumentos de gestão territorial contêm medidas a adotar na respetiva área territorial de incidência,

com vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.

4 – As estratégias, planos e programas de política setorial contêm medidas a adotar no respetivo setor, com

vista à mitigação e à adaptação às alterações climáticas.

5 – Os instrumentos da política climática criados para vigorarem num período de tempo definido, são

submetidos a revisão com a antecedência devida, de modo a garantirem o planeamento contínuo e eficaz dos

objetivos e metas a prosseguir, com condições para uma ampla participação do público.

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6 – O Relatório do Estado do Ambiente, produzido anualmente, incorpora um capítulo específico sobre as

alterações climáticas, dando conta da tendência registada no âmbito das respostas às alterações climáticas,

quer no que respeita à mitigação, quer à adaptação.

Artigo 7.º

Transversalidade

A transversalidade da política climática impõe a sua consideração em todos os sectores da vida económica,

social, ambiental e cultural, e obriga à sua articulação e integração com todas as políticas sectoriais, visando a

promoção de relações de coerência, de eficácia e de complementaridade.

Artigo 8.º

Comissão Interministerial

1 – A Comissão Interministerial do Ar e das Alterações Climáticas (CIAAC) promove a coordenação e o

acompanhamento das tutelas setoriais, ao nível governativo.

2 – O membro do governo responsável pela área do ambiente preside à CIAAC.

3 – Para além do estabelecido no número anterior, e sem prejuízo de outros considerados relevantes, na

CIAAC fazem-se representar os membros do governo que tutelam a energia, o ordenamento do território, a

conservação da natureza, as florestas, a agricultura, o mar, a economia, a inovação, a educação, a ciência, os

transportes, a saúde, o turismo, a proteção civil, o desenvolvimento regional, a administração local, os

negócios estrangeiros, a cooperação internacional, as finanças.

4 – Participam também na CIAAC os representantes dos governos regionais dos Açores e da Madeira.

CAPÍTULO III

Operacionalização dos objetivos específicos da política climática

Artigo 9.º

Participação dos cidadãos

1 – Os cidadãos têm o direito de participar no processo de elaboração dos instrumentos da política climática

e nas revisões desses instrumentos.

2 – Para além das consultas públicas, sob a forma tradicional de contributo escrito, devem ser organizadas

sessões de esclarecimento e debate entre os cidadãos e os responsáveis pela decisão relativa à política

climática, quer por iniciativa da administração, quer por solicitação de, no mínimo, 30 cidadãos.

3 – Para efeitos dos números anteriores, é disponibilizada informação, de forma clara, sistematizada e de

consulta fácil, a todos os cidadãos que pretendam a ela ter acesso.

Artigo 10.º

Medidas de mitigação

1 – A definição de medidas de redução de GEE é acompanhada de metas quantitativas a alcançar, bem

como de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.

2 – As metas, medidas e prazos traçados devem ser devidamente justificados.

Artigo 11.º

Medidas de adaptação

1 – A definição de medidas de adaptação às alterações climáticas, quer de âmbito territorial, quer de âmbito

setorial, é acompanhada de prazos objetivamente calendarizados para a sua concretização.

2 – Para a definição de medidas de adaptação, é elaborada uma carta de risco, que demonstre as

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vulnerabilidades existentes que importa corrigir e adaptar.

Artigo 12.º

Fomento do emprego verde

1 – O combate às alterações climáticas não pode perder de vista a necessidade de criação de emprego que

garanta a subsistência dos cidadãos e a sua realização profissional.

2 – O Estado deve privilegiar o apoio à criação de emprego sustentável e compatível com os objetivos da

política climática, priorizando o apoio às micro, pequenas e médias empresas.

Artigo 13.º

Investigação

O Estado incentiva a investigação no âmbito da mitigação e da adaptação às alterações climáticas,

fundamentalmente no que ao território nacional diz respeito, e promove a divulgação generalizada desses

projetos de investigação.

Artigo 14.º

Investimento e Financiamento

1 – O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação e de

adaptação às alterações climáticas.

2 – Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente,

juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório que compreenda a síntese

das medidas de mitigação e de adaptação a concretizar, para que possam ser devidamente avaliadas as

necessidades de investimento.

3 – O governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações climáticas,

torna público, de forma acessível e generalizada, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas

de acesso ao respetivo financiamento.

4 – O Governo divulga, igualmente, os projetos e atividades a que foram atribuídos financiamentos públicos.

Artigo 15.º

Informação e monitorização

1 – O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre as emissões de GEE e setores

que contribuem para essas emissões, bem como sobre a tendência evolutiva verificada em cada um desses

setores.

2 – A base setorial prevista no número anterior abrange, designadamente, transportes e mobilidade,

edifícios de serviços e residenciais, indústria, resíduos e águas residuais, agricultura e pecuária, uso do solo e

florestas.

Artigo 16.º

Cooperação internacional

1 – O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções

internacionais respeitantes à matéria das alterações climáticas.

2 – O Estado português coopera internacionalmente, designadamente, com informação e conhecimento

relacionados com as alterações climáticas.

3 – Com prioridade para os países de língua oficial portuguesa, o Estado português coopera,

designadamente ao nível tecnológico, em projetos de mitigação e adaptação às alterações climáticas.

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CAPÍTULO IV

Disposições finais

Artigo 17.º

Apoio a associações ambientais

O Estado apoia as associações que dedicam a sua ação à defesa do ambiente, facilitando o seu contributo

para a sensibilização da sociedade relativamente à importância de combater as alterações climáticas.

Artigo 18.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 24 de setembro de 2020.

Os Deputados do PEV: Mariana Silva — Luís Ferreira.

———

PROJETO DE LEI N.º 577/XIV/2.ª APROVA A LEI DE BASES DA POLÍTICA DO CLIMA

Foi em 1979, há pouco mais de 40 anos, que Hans Jonas publicou uma das suas obras mais marcantes, O

Princípio da Responsabilidade, onde, na busca de uma ética para as civilizações futuras, se debruça sobre o

impacto das diferentes tecnologias no nosso planeta. Nessa altura, o efeito do crescente consumo de energia

fóssil nos níveis atmosféricos de dióxido de carbono (CO2) já estava a ser estudado há mais de 20 anos. Roger

Revelle, diretor do Instituto Scripps de Oceanografia, confirmando que os níveis atmosféricos de CO2 estavam

muito abaixo dos previstos pelo consumo de energia fóssil, propõe que seriam os oceanos os principais

sumidouros de CO2 e decide iniciar um projeto rigoroso de medições do CO2 na atmosfera e dos seus efeitos

nos oceanos.

Coube a Charles Keeling iniciar essa tarefa em 1957. Foi ele o primeiro a demonstrar que os níveis de CO2

estavam a aumentar na atmosfera a um ritmo acelerado. O gráfico representativo desse crescimento, hoje

denominado «A Curva de Keeling», mostrava ainda que essas concentrações oscilavam entre valores

máximos no fim do inverno e mínimos no fim do verão, valores, esses, que podiam ser rigorosamente

calculados e previstos, de acordo com os níveis de libertação e fixação de CO2 durante as diferentes estações

do ano.

Outro dos grandes pioneiros dessa época, no estudo integrado do ciclo do carbono, envolvendo os

oceanos, os continentes e a atmosfera, foi Bert Bolin, cujo trabalho foi fundamental para o desenho de

modelos teóricos mais fidedignos sobre a produção e fixação do CO2. Foi, por isso mesmo, escolhido em 1988

para ser o primeiro presidente do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), estrutura chave das

Nações Unidas cuja principal finalidade é fornecer aos diversos governos, em todos os níveis, informações

científicas que possam usar para desenvolver políticas climáticas. A lista de pioneiros não estaria completa

sem mencionar o nome de Wallace Broecker, que, em 1975, popularizou o termo global warming (aquecimento

global) e desenvolveu os estudos que vieram a credibilizar a ideia da «circulação oceânica global».

Não será exagero afirmar que foi precisamente na década de 80 do século XX que o tema do clima, do CO2

e dos outros «gases de efeito de estufa» ganhou visibilidade global. Como foi também nessa década, e no fim

da década anterior, que temas como «o buraco do ozono», «as chuvas ácidas», «a biodiversidade» e «a

sustentabilidade» começaram a atrair o interesse dos mais variados meios de comunicação e do público em

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geral. Em 1987, Portugal aprova uma Lei de Bases do Ambiente, onze anos depois de ter incluído na

Constituição da República o conceito do direito ao ambiente, e em 1990 é consagrado na orgânica

governamental, pela primeira vez, o Ministério do Ambiente. Mas após já quase meio século de atenção,

muitas das soluções continuam a ser sistematicamente adiadas. Agora, na ordem do dia das gerações mais

jovens, é altura de avançar mais rapidamente.

A primeira década do novo milénio viu confirmadas muitas das previsões feitas 20 anos antes. O

aperfeiçoamento dos diferentes modelos climáticos, assim como a monitorização rigorosa dos diferentes

parâmetros meteorológicos e de composição atmosférica em muitas regiões do planeta, teve como

consequência principal a credibilidade acrescida dessas previsões. O aumento da temperatura global, do nível

dos oceanos, assim como da sua acidificação, a redução da quantidade de gelo nas regiões polares e nos

glaciares, os eventos extremos e os efeitos sobre a agricultura e a saúde tornaram-se evidentes.

Os mecanismos a serem implementados pelos diferentes governos para lidar, de forma concertada, com

estes efeitos começam também a ser debatidos em 1988 em Toronto. Segue-se uma reunião em 1990 na

Suécia e finalmente a grande reunião internacional do Rio de Janeiro em 1992. No entanto, o Protocolo de

Quioto, resultante da terceira Conferência das Partes (COP3) realizada em 1997, que estipula compromissos

mais rígidos para a redução da emissão de CO2 e de outros gases de efeito de estufa só entra em vigor em

2005.

É também nessa primeira década do século XXI que vários governos começam a tomar iniciativas

importantes com propostas ainda mais ambiciosas de soluções tanto técnicas como políticas para os desafios

emergentes. Em 2001, Portugal estabelece o Plano Nacional para as Alterações Climáticas e, em 2008, o

Reino Unido avança com a primeira Lei de Bases do Clima.

Hoje, com o acumular dos dados experimentais e de modelos físico-matemáticos cada vez mais

sofisticados, só uma iliteracia profunda ou objetivos ideológicos ou de interesse económico particular podem

justificar o comportamento irresponsável daqueles que questionam a correlação evidente entre os níveis

crescentes de CO2 e o aumento da temperatura global e dos eventos ambientais extremos no planeta. O mês

de janeiro de 2020 foi o mais quente dos últimos 141 anos (para os quais existem dados fiáveis),

nomeadamente 1,14°C acima da média de todos os meses de janeiro do século XX. Foi o mês em que as

concentrações atmosféricas de CO2 atingiram o valor de 414 ppm (partes por milhão). Os modelos teóricos

usados nas previsões dos relatórios do IPCC de 2007 previam a subida dos valores da temperatura planetária

de pelo menos 2°C para valores da concentração atmosférica de CO2 da ordem dos 450 ppm.

O Relatório Especial do IPCC, publicado em 2018, analisava de forma exaustiva os efeitos globais do

aquecimento global de 1,5°C e ilustrava de forma clara os benefícios associados a este limite de aumento da

temperatura quando comparado com o valor de 2°C. Na última reunião internacional, no final de 2019, em

Madrid, a COP25 atualizou e confirmou muitos destes dados. Os Estados-Parte foram alertados para a

urgência da necessidade de limitar as emissões de CO2 e de outros gases de efeito de estufa. Mas,

infelizmente, o resultado final ilustrou claramente as dificuldades de consenso, em grande parte resultantes de

posições negacionistas relativamente às metas para as próximas décadas.

Tudo isto, enquanto a população do planeta está quase a atingir os 7,8 mil milhões de habitantes e continua

a aumentar entre 70 e 80 milhões por ano, aumento esse principalmente em economias emergentes que têm

vindo a consumir mais energia proveniente de fontes fósseis.

Há décadas que um número crescente de investigadores se tem dedicado a estudar as consequências do

acesso a fontes de energia diversificadas e de custo variável. No caso das alterações climáticas algumas das

consequências são previsíveis. Mas muitos dos efeitos a nível da saúde do homem e da sustentabilidade dos

ecossistemas, do acesso à água e da produção de alimentos, da organização dos transportes e do próprio

conceito de globalização são de tal modo complexos, que muitas das previsões continuam frágeis. As

simulações, por mais sofisticadas que sejam, ao incluírem um número tão elevado de parâmetros, nem sempre

independentes, necessitam de um aperfeiçoamento contínuo, para se tornarem mais credíveis.

Será essa provavelmente uma das razões que leva a que encontrar consensos nunca tenha sido fácil,

quando os benefícios e os custos não são equitativos e a urgência nos vários domínios não é vista da mesma

forma pelas diferentes nações. O resultado da recente COP25 ilustra esta dificuldade de forma clara. Acresce

que a polarização das opiniões normalmente aumenta quando potentes interesses económicos estão em jogo

e quando a autonomia dos governos é defendida de forma intransigente.

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Portugal tem conseguido fazer uma transição energética cuidadosa e inteligente, representando um caso

exemplar na União Europeia. Em 2016 tornámo-nos o primeiro País a comprometer-se com a neutralidade

carbónica em 2050, estabelecendo, em 2019, o roteiro para essa mesma finalidade.

É neste contexto que, no início da terceira década deste século, a presente lei deseja continuar essa

trajetória, alargando o seu âmbito, no sentido de ser integradora relativamente aos múltiplos desafios que as

alterações climáticas estão a provocar, incluindo opções técnicas e políticas que deveriam ser consensuais.

Indo para além da mitigação e adaptação, inclui estratégias de planeamento da política climática, metas

setoriais, mecanismos de avaliação e respetivos instrumentos de financiamento. O seu principal objetivo é o da

transição rápida e justa para uma economia competitiva, circular, resiliente e neutra em carbono.

O desafio do envolvimento ativo dos cidadãos no combate às alterações climáticas é reconhecido

globalmente. A importância das autarquias locais neste combate e na implementação de estratégias para a

transição energética, através de uma governação mais próxima desses cidadãos, é indiscutível. Conhecer as

vulnerabilidades do território e das populações que aí habitam e trabalham é crucial para que as estratégias a

adotar sejam consistentes a médio e longo prazo. Permite ainda criar oportunidades de promoção de um

desenvolvimento local sustentável, que inclui a criação de comunidades inclusivas, adaptadas às alterações

climáticas e eficientes do ponto de vista energético, melhorando a qualidade de vida de toda a população e

reforça a responsabilização pela ação climática através da colaboração e partilha de dados e de informação

com os níveis regional e nacional. O envolvimento das autarquias em todo o processo de construção de

estratégias para o combate às alterações climáticas é essencial.

Os oceanos são globalmente responsáveis pelo sequestro de cerca de 25% das emissões de CO2 de

origem antropogénica. Com mais de 4 milhões de km2 de zonas marítimas, Portugal é o maior estado costeiro

da União Europeia e também um dos maiores à escala mundial. O espaço marítimo nacional representa cerca

de 1% das águas marinhas mundiais e cerca de 10% da bacia do Atlântico Nordeste. A linha de costa

portuguesa estende-se por cerca de 1000 km, no continente, a que acrescenta as linhas de costa dos

arquipélagos dos Açores, com uma extensão de cerca de 900 km, e da Madeira, de 400 km. Este triângulo

marítimo representa a maior ZEE no espaço europeu e, se atendermos ao volume de água correspondente a

essa ZEE, bem como do mar territorial, o País possui cerca de 48% da totalidade do volume de água marinha

da União Europeia.

Por estes motivos, Portugal tem um papel relevante na mitigação das alterações climáticas. Por outro lado,

como nação costeira, é também particularmente vulnerável aos riscos e impactes causados pelas alterações

climáticas.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados abaixo

assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projeto de lei:

LEI DE BASES DA POLÍTICA DO CLIMA

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define as bases da política do clima.

Artigo 2.º

Objetivos da política do clima

As políticas públicas do clima prosseguem os seguintes objetivos:

a) Promover uma transição rápida, justa e socialmente equilibrada para uma economia sustentável e uma

sociedade neutras em carbono;

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b) Assegurar uma trajetória sustentável de redução das emissões de gases de efeito de estufa, a fim de

mitigar o impacto destas no clima e, deste modo, contribuir para travar as alterações climáticas;

c) Promover o aproveitamento das energias de fonte renovável e a sua integração no sistema energético

nacional, substituindo, tanto quanto possível, fontes fósseis ou poluentes de energia;

d) Melhorar a eficiência energética em toda a cadeia do valor da energia, desde a produção ao consumo,

reconhecendo o princípio de que a eficiência energética é um elemento prioritário para um fornecimento de

energia mais sustentável e de menor custo;

e) Desenvolver e reforçar os atuais sumidouros e demais serviços de sequestro de carbono;

f) Reforçar a resiliência e as capacidades nacionais de adaptação às alterações climáticas, promovendo a

segurança climática;

g) Assegurar uma participação empenhada, ambiciosa e liderante nas negociações internacionais e na

cooperação internacional em matérias do clima;

h) Estimular a inovação, a investigação e o desenvolvimento de conhecimento e tecnologias que

contribuam para estes fins, assim como a adoção e difusão das mesmas;

i) Garantir uma transição justa que não deixe para trás os mais vulneráveis e desfavorecidos,

designadamente combatendo a pobreza energética;

j) Fomentar a prosperidade e o crescimento verde, gerando mais riqueza e emprego;

k) Proteger e dinamizar a regeneração da biodiversidade, dos ecossistemas e dos seus serviços que

contribuam para a adaptabilidade e resiliência às alterações climáticas, promovendo medidas para a sua

gestão integrada numa perspetiva de desenvolvimento sustentável;

l) Dinamizar o financiamento sustentável e a informação relativa aos riscos climáticos por parte dos

agentes económicos e financeiros; e

m) Reiterar a diplomacia climática como um eixo prioritário da política externa portuguesa, em especial no

contexto da participação portuguesa na União Europeia, nas Nações Unidas e noutras organizações

multilaterais, incluindo no desenvolvimento de programas de apoio à descarbonização destinados a países em

desenvolvimento.

Artigo 3.º

Princípios da política do clima

As políticas públicas do clima estão subordinadas, nomeadamente, aos seguintes princípios:

a) Do desenvolvimento sustentável, designadamente o dever de solidariedade e respeito pelas gerações

futuras e pelas demais espécies que coabitam no planeta;

b) Da transversalidade e da integração, garantindo que as exigências de mitigação e adaptação às

alterações climáticas sejam consideradas na definição e execução das demais políticas globais e setoriais, de

modo a contribuir ou, pelo menos, não prejudicar a descarbonização;

c) Da cooperação internacional, tendo em vista as mais-valias tanto para o desenvolvimento de práticas e

tecnologias como para a conjugação necessária de esforços para a descarbonização global;

d) Da valorização do conhecimento e da ciência, assentando sempre nestas a tomada de decisões e

promovendo a difusão e respeito por elas;

e) Da participação das regiões e das autarquias nos processos de planeamento, tomada de decisão e

avaliação das políticas públicas, assegurando uma administração multinível integrada e eficiente;

f) Da informação e da participação dos cidadãos nos processos de planeamento, tomada de decisão e

avaliação das políticas públicas, impondo ao decisor público uma cultura de transparência e responsabilidade;

g) Da prestação de contas, através da divulgação pública e facilmente acessível dos indicadores e da

monitorização da evolução dos mesmos;

h) Da responsabilidade intra e intergeracional, que obriga à utilização e ao aproveitamento dos recursos

naturais e humanos de uma forma racional e equilibrada, a fim de garantir a sua preservação para a presente e

futuras gerações;

i) Da prevenção e da precaução, que obrigam à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de

obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactos adversos no clima, com origem natural ou humana,

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tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira

como podem estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que

alegue a ausência de perigos ou riscos.

CAPÍTULO II

DIREITOS E DEVERES CLIMÁTICOS

Artigo 4.º

Direito ao equilíbrio climático

1 – Todos têm direito ao equilíbrio climático, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos.

2 – O direito ao equilíbrio ecológico consiste no direito de defesa contra os impactos das alterações

climáticas, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das

obrigações, em matéria climática, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito.

3 – A prossecução do equilíbrio ecológico deve assegurar a equidade intergeracional.

Artigo 5.º

Direitos procedimentais e processuais em matéria climática

1 – Todos gozam dos direitos de intervenção e de participação nos procedimentos administrativos relativos

à política climática, nos termos legalmente estabelecidos.

2 – Em especial, os referidos direitos procedimentais incluem, nomeadamente:

a) O direito de participação dos cidadãos, das associações não-governamentais e dos demais agentes

interessados na definição de instrumentos estratégicos e na adoção das decisões relativas a procedimentos de

autorização ou referentes a atividades que possam ter impactes significativos no clima, devendo o Estado, as

regiões autónomas e as autarquias locais promover a participação ativa dos cidadãos e das suas organizações

na conceção, execução, avaliação e revisão dos instrumentos de política climática de âmbito nacional, regional

ou local.

b) O direito de acesso à informação ambiental com relevo em matéria climática detida por entidades

públicas, as quais têm o dever de a divulgar e disponibilizar ao público através de mecanismos adequados,

incluindo a utilização de tecnologias telemáticas ou eletrónicas e, em especial, de acesso aos documentos

administrativos relacionados com processos de decisão que gerem um acréscimo de emissões de gases de

efeito de estufa, nos termos da lei e das convenções internacionais que vinculam o Estado português.

3 – A todos é reconhecido o direito à tutela plena e efetiva dos seus direitos e interesses legalmente

protegidos em matéria climática.

4 – Em especial, os referidos direitos processuais incluem, nomeadamente:

a) O direito de ação para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, assim como

para o exercício do direito de ação pública e de ação popular;

b) O direito a promover a prevenção, a cessação e a reparação de riscos para o equilíbrio climático da

forma mais célere possível;

c) O direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao equilíbrio climático.

Artigo 6.º

Deveres em matéria de equilíbrio climático

1 – Todos têm o dever de proteger, preservar e respeitar o equilíbrio climático, contribuindo através dos

seus comportamentos e decisões para mitigar as alterações climáticas, e de forma a assegurar a sua

salvaguarda a longo prazo, nomeadamente para as gerações futuras.

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2 – A cidadania climática consiste no dever de contribuir para a criação de condições que assegurem o

equilíbrio climático, cabe ao Estado promover, nos planos político, cultural, educativo, económico e jurídico, o

respeito pelo dever para com o equilíbrio climático.

3 – As ações e omissões danosas que acelerem as alterações climáticas são geradoras de

responsabilidade, nos termos da lei.

CAPÍTULO III

GOVERNAÇÃO DA POLÍTICA DO CLIMA

Artigo 7.º

Coordenação de políticas

1 – A mitigação e adaptação das alterações climáticas devem ser consideradas, articuladas e integradas no

planeamento, execução e avaliação das diversas políticas setoriais e no desenvolvimento das atividades

económicas, sociais e políticas, assegurando a sua coerência e complementaridade.

2 – O Governo promove a coordenação interministerial da política climática, bem como a sua articulação e

coordenação a nível europeu e internacional.

Artigo 8.º

Unidade Técnica para a Estratégia Climática

1 – É criado, no âmbito do Conselho Nacional para o Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, um órgão

independente, a Unidade Técnica para a Estratégia Climática (UTEC), à qual compete pronunciar-se sobre o

planeamento, a execução e a avaliação da política em matéria de alterações climáticas, bem como contribuir

para qualificar a discussão pública sobre a condução desta política e o fenómeno em causa, tendo em conta

as experiências internacionais.

2 – A UTEC deve integrar personalidades de reconhecido mérito, com conhecimento técnico e experiência

nas áreas das alterações climáticas, ambiente, gestão de risco ou políticas públicas, e, pelo menos, um

cidadão jovem, com idade até aos 30 anos, residente em Portugal, de reconhecido mérito no combate às

alterações climáticas.

3 – Sem prejuízo do disposto na presente lei, a composição, as competências, a organização e o

funcionamento da UTEC, bem como o estatuto dos respetivos membros, são definidos em diploma próprio.

4 – Sem prejuízo das demais competências estabelecidas na presente lei, e em articulação com as demais

estruturas do Estado, compete à UTEC:

a) Apresentar bienalmente cenários de descarbonização da economia, de acordo com os indicadores de

custo e de desenvolvimento da tecnologia mais recentes, e opções de política de apoio à conversão dos

setores e agentes económicos envolvidos;

b) Identificar as tecnologias e inovações mais custo-eficazes e de maior valor acrescentado e que menos

expõem a economia ao risco climático, para a obtenção das metas setoriais referidas na presente lei, utilizando

para este efeito os indicadores mais recentes disponíveis assim como a avaliação de investimentos já

efetuados em inovação e desenvolvimento nas áreas de energia e clima;

c) Apresentar bienalmente recomendações sobre o desenvolvimento das infraestruturas de energia e

transportes, tendo em conta os cenários desenvolvidos nos termos da alínea a) e o resultado da análise

referida na alínea b); e

d) Pronunciar-se em consultas solicitadas pelo Governo, pela Assembleia da República, pelas regiões

autónomas e, caso se justifique, pelas autarquias locais sobre a elaboração, discussão e aprovação de atos

legislativos ou do planeamento de políticas públicas que visem a prossecução das metas inscritas no presente

diploma.

5 – Para efeitos da alínea b) do número anterior, as entidades responsáveis pelo planeamento das redes de

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distribuição e transporte de eletricidade e gás, das redes de abastecimento de água, de saneamento e

tratamento de águas residuais, das redes rodoviárias e ferroviárias nacionais, das infraestruturas de

transportes aéreos e marítimos e dos sistemas de transportes públicos das autoridades metropolitanas e das

comunidades intermunicipais devem colaborar no desenvolvimento destes cenários e considerar, como

pressupostos no desenvolvimento dos seus cenários, as recomendações da UTEC.

6 – A aplicação de recursos públicos em inovação, investigação e desenvolvimento em áreas relacionadas

com o combate às alterações climáticas deve ter em conta as recomendações da UTEC.

7 – Os resultados da alínea b) do n.º 4 são utilizados como pressupostos para a elaboração da estratégia

industrial verde prevista na presente lei.

Artigo 9.º

Políticas regionais e locais para o clima

1 – As regiões autónomas e as autarquias locais programam e executam políticas climáticas no âmbito das

suas atribuições e competências, assegurando a sua coerência com os instrumentos de gestão territorial.

2 – As comissões de coordenação de desenvolvimento regional, as comunidades intermunicipais e as áreas

metropolitanas definem políticas climáticas comuns para os respetivos territórios.

3 – As entidades referidas nos números anteriores cooperam, designadamente, para assegurar a

complementaridade das políticas e dos investimentos para a mitigação e a adaptação às alterações climáticas.

4 – O Estado assegura os meios necessários para garantir o desenvolvimento das políticas regionais e

locais em matéria climática.

5 – As empresas do setor empresarial do Estado têm um especial dever de cooperação na concretização

das políticas em matéria climática no território onde se inserem e desenvolvem a sua atividade.

6 – As entidades referidas no presente artigo são objeto de uma avaliação de desempenho das respetivas

políticas públicas em matéria climática, em termos a definir em diploma próprio.

Artigo 10.º

Política externa climática

1 – O Governo adota uma visão global e integrada da prossecução dos objetivos climáticos, assente numa

conceção de justiça climática, respeitando o limite do uso sustentável dos recursos naturais do planeta e os

percursos de desenvolvimento de cada país, defendendo ativamente em matéria de política externa

relacionada com o clima:

a) O reforço das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, suficiente para não

ultrapassar 1,5ºC de aquecimento global;

b) Os compromissos internacionais que digam respeito ao clima e à preservação do ambiente;

c) O aprofundamento da tutela penal internacional do ambiente;

d) A definição do conceito de refugiado climático.

2 – A política externa deve promover o combate à fuga de carbono e ao dumping climático,

designadamente através da convergência internacional das normas ambientais em acordos comerciais e a

abrangência dos preços de carbono, designadamente assegurando a sua repercussão nas importações.

3 – A República Portuguesa promove a adoção e implementação de normas de sustentabilidade nos

acordos internacionais, em particular nos acordos comerciais.

4 – A República Portuguesa tem em conta os riscos climáticos como fontes e multiplicadores de

instabilidade global, designadamente na sua política de vizinhança.

Artigo 11.º

Segurança climática e defesa nacional

1 – Compete ao Governo, no quadro das suas competências em matéria climática, de segurança interna,

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de proteção civil e de defesa nacional, promover a segurança climática, devendo para isso identificar os riscos

e agir para prevenir e mitigar as consequências das alterações climáticas na ordem, segurança e tranquilidade

públicas, na integridade de pessoas e bens e no regular exercício dos direitos, liberdades e garantias

fundamentais dos cidadãos.

2 – Integra-se, ainda, na conceção de segurança climática a proteção da segurança energética e da

segurança alimentar e nutricional.

3 – Os recursos do Estado devem ser organizados com vista a reforçar a resiliência nacional face aos

impactos das alterações climáticas, quer em território nacional, quer junto das diásporas e das missões

internacionais que Portugal integra, é essencial à garantia de uma capacidade nacional de defesa dos

interesses nacionais.

4 – A segurança climática desenvolve-se em todo o espaço sujeito aos poderes de jurisdição portuguesa,

devendo ainda a República Portuguesa cooperar com organizações internacionais e outros Estados na adoção

e implementação de medidas de segurança climática comuns, fora deste espaço.

5 – A reflexão estratégica relativa às prioridades de segurança e defesa nacional deve:

a) Integrar os impactos das alterações climáticas nas regiões vizinhas de Portugal e da Europa, incluindo

nos países com quem Portugal coopera em matérias de segurança e defesa.

b) Estudar os efeitos políticos sobre a segurança e a defesa internacional, através do levantamento de

cenários a curto, médio e longo prazo e acautelar o respetivo planeamento no exterior onde se encontrem

missões e nacionais em grande número, em articulação com os demais agentes do Estado.

6 – As Forças Armadas devem incorporar no seu planeamento estratégico e operacional os riscos inerentes

às alterações climáticas, assim como as medidas no âmbito da chamada defesa verde, para que seja possível

reduzir o impacto ambiental das atividades de segurança e defesa.

7 – O planeamento estratégico de defesa nacional e o desenvolvimento de capacidades, nomeadamente no

âmbito da Lei de Programação Militar, da participação nacional da Cooperação Estruturada Permanente da

União Europeia em matéria de defesa e do desenvolvimento da Base Tecnológica e Industrial de Defesa, deve

integrar as alterações climáticas como premissa fundamental e global no plano interno e externo.

8 – Os cidadãos, as empresas e demais entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar na

prossecução dos fins de segurança climática, nos mesmos termos que fazem para fins de segurança interna,

proteção civil e defesa nacional.

9 – A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira,

para enquadrar a política de segurança climática e fiscalizar a sua execução.

10 – A Assembleia da República aprecia, para esse efeito, um relatório, a apresentar pelo Governo até 31

de março de cada biénio, sobre a situação do País em matéria de segurança climática, bem como a atividade

desenvolvida no biénio anterior para a salvaguardar.

11 – O relatório definido no número anterior deverá ser acompanhado de parecer da UTEC.

CAPÍTULO IV

INSTRUMENTOS DE PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO

Secção I

Princípios Gerais

Artigo 12.º

Neutralidade carbónica

A República Portuguesa está comprometida em alcançar a neutralidade carbónica até ao ano de 2050, o

que se traduz num balanço neutro entre emissões de gases de efeito de estufa e o sequestro destes gases

pelos diversos sumidouros.

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Artigo 13.º

Princípios de planeamento da política climática

1 – A política climática é desenvolvida tendo em atenção as perspetivas de alterações climáticas no curto,

médio e longo prazo, bem como o seu impacto na vida dos cidadãos, nas atividades económicas, sociais e

culturais e no meio ambiente.

2 – A política climática assenta numa avaliação rigorosa e prudente das perspetivas e dos impactos

referidos no número anterior, devendo basear-se na ciência e no conhecimento.

3 – A política climática concretiza-se através de iniciativas do Estado, do seu setor empresarial, das regiões

autónomas e das autarquias locais, direta ou indiretamente, pela promoção e adoção de iniciativas e pela

alteração de comportamentos por parte dos cidadãos, das entidades públicas e privadas.

4 – A política climática deve ser executada tendo em vista a obtenção de resultados de mitigação e

adaptação das alterações climáticas tanto no curto como nos médio e longo prazos.

5 – A política climática é planeada tendo em conta as circunstâncias tecnológicas, políticas, económicas,

fiscais, sociais, energéticas, regionais, europeias e internacionais no momento da sua definição.

6 – A política climática é construída com os cidadãos e conduzida no interesse geral destes, devendo incluir

participação pública, ser escrutinada na Assembleia da República e avaliada com independência pela UTEC.

Secção II

Políticas de Mitigação

Artigo 14.º

Metas nacionais de mitigação

1 – A República Portuguesa adota e assume as seguintes metas de redução face a 2005 de emissões de

gases de efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:

a) Até ao ano de 2030, uma redução de pelo menos 55%;

b) Até ao ano de 2040, uma redução de entre 65 a 75%;

c) Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 90%.

2 – São ainda adotadas como metas para o sumidouro líquido de CO2 equivalente do setor do uso do solo e

das florestas, em média, entre 2045 e 2050, pelo menos, 13 megatoneladas.

3 – O Estado submete estas metas no âmbito das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do

Acordo de Paris ou de convenção internacional que o substitua, assegurando a adequação entre os

compromissos nacionais e internacionais de redução das emissões de gases de efeito de estufa.

4 – As metas estabelecidas na presente lei podem ser revistas a cada 5 anos, após avaliação da matéria,

com vista a aumentar o seu grau de ambição, nomeadamente tendo em conta os resultados já obtidos em

matéria de descarbonização e o novo conhecimento científico e tecnológico.

Artigo 15.º

Instrumentos de planeamento para a mitigação

1 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República os seguintes instrumentos de planeamento

com vista à consecução dos objetivos climáticos em matéria de mitigação:

a) Estratégia de longo prazo;

b) Orçamentos de carbono; e

c) Plano Nacional de Energia e Clima.

2 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou apresentar cada

um dos instrumentos de planeamento ou o seu projeto ou anteprojeto, sendo este publicado em simultâneo

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com a sua apresentação à Assembleia da República.

3 – O Governo submete a consulta pública um projeto de cada um dos instrumentos de planeamento

previstos no presente artigo, acompanhado pelo respetivo parecer da UTEC, devendo assegurar a audição de:

a) As regiões autónomas;

b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) A Associação Nacional de Freguesias;

d) O Conselho Económico e Social; e

e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

4 – O Governo pode, se necessário, atualizar os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo

de cinco em cinco anos, devendo apresentar essas revisões à Assembleia da República, e assegurar também

o cumprimento do disposto no n.º 2 e no n.º 7 do presente artigo.

5 – A estratégia de longo prazo estabelece os objetivos e as linhas gerais de condução da política climática,

com uma perspetiva de 30 anos.

6 – Os orçamentos de carbono estabelecem um plafond total de emissões de gases de efeito de estufa

para cada período de cinco anos, e com uma antecedência de pelo menos doze anos face ao período em

referência, fazendo a prospetiva de política climática para assegurar o cumprimento deste plafond.

7 – O Plano Nacional de Energia e Clima adota a estratégia nacional de política climática para o período de

dez anos subsequente à sua aprovação.

8 – Os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo são consistentes com as metas previstas

na presente lei e coerentes entre si.

Artigo 16.º

Metas setoriais de mitigação

1 – A República Portuguesa adota e assume as seguintes metas de redução face a 2005 de emissões de

gases com efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:

a) Para o sistema electroprodutor:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 90 e 95%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução de pelo menos 98%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 99%.

b) Para o setor dos transportes e mobilidade, incluindo aviação e marítimos internacionais:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 43 e 46%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 84 e 85%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 98%.

c) Para o setor da indústria:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 48 e 52%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 59 e 60%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução entre 72 e -73%.

d) Para o setor dos edifícios:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 48 e 51%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 82 e 83%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 98%.

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e) Para o setor da agricultura, solos com agricultura e pastagens:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 36 e 39%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 37 e 49%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução entre 38 e 60%.

f) Para o setor dos resíduos e das águas residuais:

i. Até ao ano de 2030, uma redução entre 57 e 58%;

ii. Até ao ano de 2040, uma redução entre 69 e 71%; e

iii. Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 80%.

2 – As metas estabelecidas na presente lei podem ser revistas a cada 5 anos para aumentar o seu grau de

ambição, nomeadamente tendo em conta os resultados já obtidos em matéria de descarbonização e o novo

conhecimento científico e tecnológico.

Artigo 17.º

Planos setoriais de mitigação

1 – Tendo em vista a consecução das metas previstas no artigo anterior, de dez em dez anos, o Governo

desenvolve e aprova, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, planos setoriais de

mitigação das alterações climáticas a vigorar por um período de 10 anos.

2 – Os planos setoriais de mitigação das alterações climáticas adotam a estratégia setorial para o período

em referência.

3 – Os planos setoriais de mitigação das alterações climáticas são consistentes com as metas previstas na

presente lei, bem como com os instrumentos de planeamento previstos nos artigos anteriores.

4 – Na elaboração dos planos setoriais de mitigação das alterações climáticas, o Governo obtém e toma em

consideração o parecer da UTEC a publicar em simultâneo com as apresentações dos referidos planos.

Artigo 18.º

Transparência da monitorização das metas

O Governo cria e disponibiliza uma ferramenta digital acessível através da internet para, seguindo o

princípio da transparência, permitir ao cidadão acompanhar e monitorizar o progresso das metas referidas na

presente secção.

Secção III

Adaptação

Artigo 19.º

Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas

1 – Até 1 de janeiro de 2029 e de dez em dez anos a partir dessa data, o Governo elabora e apresenta na

Assembleia da República uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas a vigorar por um

período de 10 anos, a partir de 1 de janeiro de 2031.

2 – As Estratégias Nacionais de Adaptação às Alterações Climáticas adotam a estratégia nacional para o

período em referência no que concerne à adaptação do território, das comunidades e das atividades

económicas e sociais às alterações climáticas, aos seus riscos e aos seus impactos.

3 – A prospetiva de riscos referida no número anterior deve considerar vários cenários, entre os quais de

políticas invariantes, sendo as medidas a adotar baseadas no cenário mais provável ou num cenário mais

prudente.

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4 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou apresentar uma

Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas ou o seu projeto ou anteprojeto, a publicar em

simultâneo com a apresentação da Estratégia.

5 – Até 1 de janeiro de 2028, e de dez em dez anos a partir dessa data, o Governo elabora e apresenta um

projeto da próxima Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas.

6 – O Governo submete a consulta pública o projeto da Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações

Climáticas, acompanhado de parecer da UTEC, devendo assegurar a audição de:

a) As Regiões Autónomas;

b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) A Associação Nacional de Freguesias;

d) O Conselho Económico e Social; e

e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

7 – Até 30 de junho de 2024 e, posteriormente, até 1 de janeiro de 2034, e de dez em dez anos após essa

data, o Governo elabora e apresenta na Assembleia da República uma atualização da última Estratégia

Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas, a qual deve ter sido submetida ao escrutínio previsto nos n.os

4 e 6 do presente artigo.

8 – A Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas e as suas atualizações são discutidas e

votadas no prazo de 90 dias após a data da sua admissão pela Assembleia da República.

Artigo 20.º

Planos Setoriais de Adaptação às Alterações Climáticas

1 – De dez em dez anos, o Governo desenvolve e aprova, em diálogo com as estruturas representativas de

cada setor, planos setoriais de adaptação às alterações climáticas a vigorar por um período de 10 anos.

2 – Os planos setoriais de adaptação às alterações climáticas adotam a estratégia setorial para o período

em referência nas seguintes áreas:

a) Adaptação do território, da geografia e do meio natural;

b) Adaptação das infraestruturas, dos equipamentos e do meio construído; e

c) Adaptação das atividades económicas, sociais e culturais.

3 – Os planos setoriais de adaptação das alterações climáticas são consistentes com as metas previstas na

presente lei, bem como com os instrumentos de planeamento previstos nos artigos anteriores.

4 – O Governo obtém e toma em consideração o parecer da UTEC antes de elaborar ou aprovar um plano

setorial de adaptação às alterações climáticas, a publicar em simultâneo com a sua apresentação pelo

Governo.

Secção IV

Instrumentos de Avaliação

Artigo 21.º

Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito de Estufa

1 – O Estado garante a elaboração do Inventário Nacional de Emissões Antropogénicas por Fontes e

Remoção por Sumidouros de Poluentes Atmosféricos (INERPA), de acordo com os requisitos e as diretrizes

europeias e internacionais, e assegura a coerência, a comparabilidade e o rigor das estimativas efetuadas.

2 – Até 31 de julho de cada ano, o Estado divulga e comunica à Comissão Europeia o inventário

aproximado de gases de efeito de estufa para o ano transato.

3 – A partir de 2023, o Estado divulga e comunica à Comissão Europeia os dados preliminares deste

inventário até 15 de janeiro e os dados finais do mesmo até 15 de março.

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Artigo 22.º

Avaliação contínua independente

1 – A UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um relatório anual sobre o

estado de execução dos instrumentos de planeamento.

2 – De dois em dois anos, a UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um

relatório sobre as políticas e medidas em matéria de gases de efeito de estufa, bem como as projeções

nacionais de emissões antropogénicas de gases de efeito de estufa por fontes e remoções por sumidouros.

3 – De dois em dois anos, a UTEC elabora e apresenta ao Governo e à Assembleia da República um

relatório sobre as ações de adaptação às alterações climáticas.

4 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República um relatório anual, acompanhado de

parecer da UTEC, sobre a utilização de receitas geradas através do leilão de licenças de emissão.

5 – O Governo elabora e apresenta à Assembleia da República um relatório anual, acompanhado de

parecer da UTEC, sobre o apoio prestado em matéria climática a países em desenvolvimento.

5 – A UTEC obtém e toma em consideração o parecer do Governo antes de elaborar ou apresentar um dos

relatórios previstos nos n.os 1 a 3 ou os seus projetos, a publicar em simultâneo com a sua apresentação.

6 – A UTEC submete a consulta pública um projeto dos relatórios previstos nos n.os 1 a 3, acompanhado de

parecer do Governo, devendo assegurar a audição:

a) Das regiões autónomas;

b) Da Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) Da Associação Nacional de Freguesias;

d) Do Conselho Económico e Social; e

e) Do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

7 – O Governo submete a consulta pública um projeto dos relatórios previstos nos n.os 5 e 6, acompanhado

de parecer da UTEC, devendo assegurar a audição:

a) Das regiões autónomas;

b) Da Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) Da Associação Nacional de Freguesias;

d) Do Conselho Económico e Social; e

e) Do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

8 – Os relatórios referidos no presente artigo são disponibilizados ao público.

Artigo 23.º

Avaliação intermédia

Até um ano antes do prazo para essa atualização, a UTEC elabora e divulga uma avaliação intermédia do

estado de execução do instrumento de planeamento, tendo em vista informar e orientar a sua atualização nos

termos da lei.

Artigo 24.º

Avaliação ex post

1 – Até um ano após o final do período de referência de cada instrumento de planeamento, a UTEC elabora

e divulga um relatório final de avaliação.

2 – Sem prejuízo para a sua independência e autonomia, a UTEC e o Governo colaboram para a

elaboração do relatório final de avaliação, devendo para isso:

a) A UTEC ouvir o Governo sobre a execução dos objetivos, metas, políticas, medidas e investimentos

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planeados;

b) O Governo prestar toda a informação, acesso e auxílio necessários à elaboração do relatório;

c) A UTEC apresentar um anteprojeto do relatório ao Governo; e

d) O Governo elaborar uma resposta ao anteprojeto do relatório.

3 – A UTEC submete a consulta pública um projeto do relatório final de avaliação, acompanhado da

resposta do Governo, devendo assegurar a audição de:

a) As regiões autónomas;

b) A Associação Nacional de Municípios Portugueses;

c) A Associação Nacional de Freguesias;

d) O Conselho Económico e Social; e

e) O Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Artigo 25.º

Avaliação climática de impacto legislativo

De forma a assegurar a harmonização da ordem jurídica nacional com as metas e instrumentos climáticos

definidos na presente lei, o procedimento legislativo deve ter em conta o impacto das iniciativas no equilíbrio

climático, devendo os órgãos com competência legislativa promover a disponibilização de uma avaliação de

impacto no momento de apreciação das mesmas, nos termos das respetivas disposições regimentais e de

funcionamento interno.

CAPÍTULO V

INSTRUMENTOS ECONÓMICOS E FINANCEIROS

Secção I

Processo Orçamental e Fiscalidade Verde

Artigo 26.º

Princípios orçamentais e fiscais verdes

As políticas orçamentais e fiscais devem respeitar os seguintes princípios orientadores em matéria

climática:

a) O financiamento ou tributação das atividades que contribuam, mitiguem ou adaptem o território e a

sociedade às alterações climáticas devem respeitar os princípios da transparência orçamental e da

especificação;

b) Os subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou através de benefícios fiscais, dos combustíveis

fósseis ou da sua utilização devem ser progressivamente eliminados até ao ano de 2030;

c) O esforço, em matéria de tributação e de dotação orçamental, deve ser justo e progressivo, tanto quanto

à capacidade contributiva como quanto ao comportamento sujeito a tributação;

d) A fiscalidade deve tornar-se num instrumento da transição para a neutralidade, reforçando a aplicação da

taxa de carbono e promovendo uma maior tributação sobre o uso dos recursos; e

e) As receitas da fiscalidade verde devem ser consignadas para a descarbonização, a transição justa e o

aumento da resiliência e capacidade de adaptação às alterações climáticas.

Artigo 27.º

Programação orçamental

1 – Sem prejuízo da sua inscrição em diversos programas orçamentais setoriais, em respeito pelo princípio

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da transparência orçamental, a dotação orçamental para fins de política climática deve ser consolidada numa

conta do Orçamento Climático.

2 – O Governo assegura a integração dos cenários climáticos nos modelos que subjazem as previsões e

cenários macroeconómicos que sustentam o Orçamento do Estado, devendo incluir explicitamente uma

previsão das emissões de gases de efeito de estufa para o ano económico a que respeita, devendo estas estar

alinhadas com o cumprimento das metas e dos instrumentos de planeamento previstos na presente lei.

3 – O Orçamento do Estado deve, no relatório que o acompanha, e em referência ao ano económico a que

respeita, e com base nos instrumentos de planeamento em vigor:

a) Identificar as medidas a adotar pelo Governo em matéria de política climática;

b) Indicar a dotação orçamental consolidada a disponibilizar para a sua execução nos vários programas

orçamentais; e

c) Apresentar uma estimativa do contributo das medidas inscritas para a obtenção das metas previstas na

presente lei.

4 – A Conta Geral do Estado deve, no relatório que a acompanha, e em referência ao ano económico a que

respeita, e em consonância com a avaliação contínua independente prevista na presente lei:

a) Identificar as medidas executadas pelo Governo em matéria de política climática;

b) Indicar a execução orçamental consolidada das iniciativas de ação climática dos vários programas

orçamentais; e

c) Apresentar uma estimativa da redução obtida ou prevista de gases de efeito de estufa para cada uma

das medidas.

5 – A UTEC emite parecer sobre o Orçamento do Estado e sobre a Conta Geral do Estado,

designadamente sobre o cumprimento do disposto no presente artigo.

Artigo 28.º

Despesa fiscal

1 – Na apresentação de relatórios sobre benefícios fiscais ou despesa fiscal, o Governo especifica os

benefícios ou a despesa que contribua, mitigue ou adapte o território e a sociedade às alterações climáticas.

2 – Em respeito pelo previsto na alínea b) do artigo 26.º, os benefícios fiscais e despesa fiscal que

contribuam para as alterações climáticas fixados por legislação nacional são, progressivamente, eliminados.

Artigo 29.º

Taxa de carbono

1 – Sem prejuízo de legislação especial, os produtos petrolíferos e energéticos estão sujeitos a uma taxa de

carbono, aplicada adicionalmente ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, de acordo com

fatores de adicionamento tendencialmente correspondentes às emissões totais de gases de efeito de estufa na

produção e consumo desse produto energético.

2 – A taxa de carbono aplicada a produtos petrolíferos e energéticos não sujeitos ao Comércio Europeu de

Licenças de Emissão não pode ser inferior a uma média recente do preço resultante dos leilões de licenças de

emissão de gases de efeito de estufa, realizados no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão.

3 – Pode ser fixado por diploma próprio um valor mínimo, atualizado periodicamente, para a tonelada de

CO2 equivalente, aplicável:

a) Aos produtos não sujeitos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão, através de uma taxa de

carbono correspondente ao valor mínimo; e

b) Aos produtos sujeitos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão, através de uma taxa adicional ao

valor da licença de emissão.

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Artigo 30.º

Instrumentos financeiros

1 – Deve ser criado na dependência do membro do Governo responsável pela área das alterações

climáticas, um instrumento financeiro que tem por finalidade apoiar políticas climáticas, contribuindo para o

cumprimento dos objetivos e compromissos nacionais e internacionais.

2 – Sem prejuízo para a definição por lei de outras receitas, constituem receitas do instrumento financeiro:

a) O montante das receitas nacionais de leilões relativos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão

(CELE);

b) O montante das receitas de leilões para o setor da aviação; e

c) O montante das receitas da taxa de carbono prevista no artigo anterior.

3 – Enquanto acionista em instituições financeiras, e sem prejuízo da autonomia de gestão do órgão de

administração e da legislação especificamente aplicável a estas entidades, o Estado adota linhas de

orientação que promovam a adequação da política de crédito e investimento e da sua carteira de ativos à

prossecução das metas climáticas e ao desenvolvimento de atividades ambientalmente sustentáveis, evitando

progressivamente a exposição a atividades vulneráveis a risco climático.

Secção II

Financiamento Sustentável

Artigo 31.º

Princípios de financiamento sustentável

As políticas financeiras, de gestão financeira, de apoio à capitalização e de apoio à contração de

empréstimos, tanto do Estado como de entes privados, devem promover os seguintes princípios orientadores

em matéria climática:

a) O princípio da identificação, assegurando o conhecimento sobre o impacto climático decorrente dessas

ações, nomeadamente como esse impacte afeta os ativos ou passivos económicos e financeiros do País e da

organização recetora;

b) O princípio da transparência, promovendo a divulgação de informação relativa ao impacte climático nas

decisões de gestão e investimento por parte de gestores, investidores e consumidores, seguindo as

recomendações europeias de reporte não financeiro e climático e as melhores práticas internacionais;

c) O princípio da responsabilização e prudência, visando a incorporação dos riscos climáticos na avaliação

dos ativos e dos passivos;

d) O princípio do desinvestimento, procurando que fundos públicos progressivamente deixem de participar

de ativos que não correspondam a atividades ambientalmente sustentáveis e que sejam aplicados progressiva

e preferencialmente em ativos que o sejam.

Artigo 32.º

Sistema financeiro

1 – Os agentes e as instituições públicas e privadas, nas suas decisões de financiamento, devem ter em

conta o risco climático e o impacto climático.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se:

a) Risco climático, as consequências previsíveis das alterações climáticas nos investimentos de cada

agente económico;

b) Impacto climático, o impacto dos investimentos de cada agente económico nas alterações climáticas.

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3 – A não consideração do risco e impacte climáticos no curto, médio e longo prazo é considerada uma

quebra do dever fiduciário.

4 – A falta de transparência ou não partilha de informação, em violação do disposto no número anterior, é

considerada uma venda inadequada, nos termos da regulação de mercados de instrumentos financeiros.

5 – A análise de risco, designadamente, na intermediação financeira deve considerar o risco e impacte

climáticos das atividades que procuram por financiamento.

6 – A informação sobre a relação entre investimentos e as alterações climáticas deve respeitar a taxonomia

sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia sobre atividades ambientalmente

sustentáveis.

7 – As entidades reguladoras e de fiscalização apresentam um relatório anual sobre a exposição do risco

climático dos seus respetivos setores e, em particular, o risco climático do setor financeiro e segurador.

Artigo 33.º

Património público

1 – O Estado garante que, progressivamente e até 2030, não existe património público que não esteja

alinhado com os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, em

particular, para as atividades assentes ou conexas à exploração, transformação e comercialização de

combustíveis fósseis e os seus sucedâneos.

2 – O Estado assegura, progressivamente e até 2030, o desinvestimento de participações em sociedades

ou atividades que não estejam alinhados com os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente

sustentáveis da União Europeia, em particular, para as atividades assentes ou conexas à exploração,

transformação e comercialização de combustíveis fósseis e os seus sucedâneos devem dispor de um plano de

descarbonização própria, compatível com os princípios do desinvestimento anteriormente referidos.

3 – Excetua-se do disposto nos números anteriores o património, investimentos ou participações que sejam

considerados de interesse estratégico nacional, mediante parecer vinculativo da UTEC.

4 – A administração central, regional e local deve preferencialmente financiar projetos, contratar serviços ou

concessionar serviços públicos, de forma exclusiva ou parcial, que cumpram com os princípios da Taxonomia

sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia.

Artigo 34.º

Risco climático no governo das sociedades

1 – As sociedades devem considerar no seu governo as alterações climáticas, designadamente

incorporando, na sua tomada de decisão, uma análise do risco climático.

2 – Os deveres de cuidado, lealdade e de relatar a gestão e apresentar contas prescritos aos gestores ou

administradores e titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem incluir uma consideração

prudente e uma partilha de informação transparente sobre o risco que as alterações climáticas colocam ao

modelo de negócio, estrutura de capital e ativos das sociedades, seguindo as recomendações e boas práticas

de divulgação de informação climática.

3 – As sociedades devem ainda avaliar, em relação a cada exercício anual, as dimensões económica,

ambiental e social e a exposição às alterações climáticas do impacto carbónico da sua atividade e

funcionamento, integrando esta análise no seu relatório de gestão, e podem definir um orçamento de carbono,

estabelecendo um plafond total de emissões de gases de efeito de estufa que considere as metas previstas na

presente lei.

4 – As sociedades e as entidades do setor empresarial do Estado integram, no âmbito das obrigações

informacionais, designadamente as previstas no Código dos Valores Mobiliários, um capítulo que reporta, de

forma transparente e abrangente, os riscos climáticos por estas enfrentadas, seguindo as recomendações e

boas práticas de divulgação de informação climática.

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CAPÍTULO VI

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA SETORIAL DO CLIMA

Secção I

Transição Energética

Artigo 35.º

Enquadramento do mercado energético

1 – O mercado energético em Portugal enquadra-se dentro da União Europeia de Energia.

2 – Portugal participa no Mercado Ibérico de Eletricidade e no Mercado Ibérico do Gás.

Artigo 36.º

Princípios da política energética

1 – A política energética subordina-se aos seguintes princípios:

a) Descarbonização da produção de eletricidade, apostando nos recursos endógenos renováveis;

b) Descarbonização no setor residencial, privilegiando a reabilitação urbana e o aumento da eficiência

energética nos edifícios, reduzindo os índices de pobreza energética e melhorando o conforto térmico;

c) Reforço muito significativo da eficiência energética em todos os setores da economia, apostando na

incorporação de fontes de energia renováveis endógenas nos consumos finais de energia;

d) Eletrificação do consumo de energia, eliminando até 2040 o papel do gás fóssil no sistema energético

nacional;

e) Progressiva descentralização e democratização da produção de energia;

f) Combate à pobreza energética;

g) Descarbonização da mobilidade, privilegiando o sistema de mobilidade em transporte coletivo, bem como

a mobilidade elétrica e outras tecnologias de zero emissões, a par da redução da intensidade carbónica dos

transportes marítimos e aéreos;

h) Promoção da transição energética nos diferentes setores da atividade económica e, em particular, na

indústria;

i) Melhoria dos índices de qualidade do ar.

Artigo 37.º

Sistema electroprodutor

1 – O Estado promove a descarbonização do sistema electroprodutor, assegurando que:

a) É promovida a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis;

b) A utilização do carvão para a produção de energia elétrica é proibida a partir de 2023;

c) A utilização do gás natural de origem fóssil para a produção de energia elétrica é proibida a partir de

2040; e

d) A produção de energia elétrica a partir de biomassa deve, de forma progressiva, ser assegurada

exclusivamente através de biomassa residual, devendo até 2025 incorporar maioritariamente este tipo de

biomassa.

2 – O Estado desenvolve uma política de desenvolvimento da produção elétrica a partir de fontes

renováveis, através:

a) Da promoção de uma produção descentralizada e democrática de eletricidade, designadamente a

microgeração e autoconsumo de energia renovável;

b) Do incentivo à investigação e desenvolvimento tecnológico;

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c) Do incentivo ao teste e amadurecimento de novas soluções de baixo carbono;

d) Do desenvolvimento de critérios para a concessão de certificados verdes que atestem a fonte renovável

da eletricidade e de gases;

e) Da certificação da origem de biomassa florestal residual e a regular fiscalização da natureza da biomassa

utilizada para a produção elétrica; e

f) Da potenciação do mar como espaço privilegiado de aproveitamento de energias de fontes renováveis

para produção elétrica.

3 – O Estado promove o desenvolvimento e a implementação de tecnologias que permitam o

armazenamento de energia elétrica.

4 – A República Portuguesa coopera com o Reino de Espanha na instalação das interligações elétricas

necessárias para assegurar o bom funcionamento do Mercado Ibérico de Eletricidade e o desenvolvimento

pleno do potencial de produção elétrica a partir de fontes renováveis.

5 – Os instrumentos de gestão territorial no espaço marítimo e no espaço terrestre devem ser revistos para

ter em conta a concretização do desenvolvimento do potencial energético nacional, em particular das fontes de

energia renovável.

Artigo 38.º

Armazenamento de energia

O Estado promove o desenvolvimento e a implementação de tecnologias que garantem o armazenamento

de energia, tendo em vista:

a) A possibilidade de diferenciar a atividade de produção e armazenamento de energia;

b) Promover a valorização do conhecimento em áreas que permitam desenvolver os modelos de

armazenamento, valorizando o processo tecnológico desenvolvido em Portugal; e

c) Introduzir mecanismos de monitorização em tempo real da oferta e da procura.

Artigo 39.º

Redes de transporte e de distribuição energética

1 – O Estado assegura o desenvolvimento das redes de transporte e de distribuição elétrica, nas suas

várias modalidades de tensão elétrica, tendo em vista:

a) O cumprimento das metas climáticas inscritas na presente lei;

b) A promoção de uma rede inteligente e eficiente, capaz de integrar uma produção de eletricidade a partir

de fontes crescentemente renováveis e soluções de armazenamento e de gestão da procura sem degradar a

qualidade ou colocar em causa a ininterruptibilidade do serviço;

c) A racionalização dos custos de acesso às redes; e

d) A disponibilização racional da capacidade de injeção na rede elétrica de produção de eletricidade a partir

de fontes renováveis.

2 – O Estado regula o desenvolvimento da rede de transporte e distribuição de outros produtos energéticos,

tendo em vista:

a) Assegurar o abastecimento dos produtos energéticos de forma segura, custo-eficiente e socialmente

justa;

b) Promover um funcionamento adequado dos mercados energéticos, designadamente minimizando as

discrepâncias regionais de preço; e

c) Promover a transição para produtos energéticos e métodos de distribuição consistentes com os objetivos

de descarbonização da República.

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Artigo 40.º

Eficiência energética

1 – O Estado promove a eficiência energética nos edifícios, privilegiando na sua política de habitação e

urbanismo a reabilitação urbana por forma a reduzir a pobreza energética e garantir o conforto térmico dos

cidadãos.

2 – O Estado promove a eficiência energética dos serviços e infraestruturas públicas ou de interesse

público e do seu setor empresarial, podendo para isso desenvolver planos e programas de investimento, bem

como criar mecanismos de transparência e incentivo à eficiência energética.

Artigo 41.º

Política de combustíveis e gases

1 – O Estado promove a substituição de combustíveis, em particular dos combustíveis fósseis, como fonte

de energia por fornecimento elétrico ou gases renováveis, designadamente:

a) Nos edifícios, para aquecimento e arrefecimento;

b) Nos equipamentos de aquecimento de água;

c) Nos demais equipamentos domésticos;

d) Nos veículos, ligeiros e pesados, de passageiros e mercadorias, e

e) Na indústria e demais setores da atividade económica.

2 – O Estado regulamenta a utilização de combustíveis que evidenciem uma adaptação à redução de gases

de efeito de estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o dióxido de nitrogénio (NO2).

3 – O Estado promove a incorporação de fontes renováveis nos combustíveis, designadamente o

incremento da componente renovável dos biocombustíveis e dos gases de alto rendimento.

4 – O Estado fomenta a produção, distribuição e utilização de gases renováveis, entre os quais o

hidrogénio, designadamente através:

a) Da conceção e implementação de certificados de origem;

b) Da elaboração de um plano de conversão do sistema de transportes de mercadorias e passageiros;

c) Do desenvolvimento de incentivos para a reconversão do parque automóvel para a utilização de gases

renováveis;

d) Do desenvolvimento de uma rede de postos de abastecimento de gases renováveis e de uma rede de

distribuição de gases renováveis; e

e) Do fomento da utilização de gases renováveis na indústria.

Artigo 42.º

Prospeção e exploração de hidrocarbonetos

É proibido em Portugal a prospeção ou exploração de hidrocarbonetos com recurso à fratura hidráulica.

Secção II

Transportes

Artigo 43.º

Transportes públicos

1 – Com o intuito de reduzir as emissões do setor dos transportes, assegurar aos cidadãos um acesso à

mobilidade sustentável e reduzir o congestionamento nas cidades, o Estado desenvolve, nos termos da lei,

uma rede adequada de transportes públicos.

2 – O Estado assegura no âmbito do desenvolvimento da rede de transportes públicos a promoção de

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serviços de mobilidade integrados e multimodais.

3 – O Estado assegura que a rede de transportes públicos integra tendencialmente veículos de emissões

reduzidas ou sem emissões, designadamente veículos híbridos, veículos elétricos e veículos movidos a gases.

4 – O Estado regulamenta o ecossistema de mobilidade partilhada, assegurando a sua tendencial

descarbonização e o incremento de uma visão de economia circular.

5 – As regiões autónomas e as autarquias locais desenvolvem planos de mobilidade urbana sustentável

que planeiem o desenvolvimento dos serviços de mobilidade no âmbito dos seus territórios.

Artigo 44.º

Parque e circulação automóvel

1 – O Estado incentiva a aquisição e a utilização de veículos elétricos, híbridos ou movidos a gases

renováveis.

2 – Para cumprimento do disposto no número anterior, o Estado promove o desenvolvimento de uma rede

pública de carregamento de veículos elétricos, podendo, para esse efeito, cooperar com os setores privado,

social e cooperativo.

3 – O Estado, as regiões autónomas ou as autarquias locais podem instituir limites à circulação de veículos

automóveis em determinadas vias ou zonas, em razão dos impactos climáticos, do ruído ou da qualidade do

ar.

4 – A partir de 2035 não podem ser comercializados em Portugal veículos ligeiros movidos exclusivamente

a combustíveis fósseis, nos termos a definir na lei.

Artigo 45.º

Transporte de mercadorias

1 – O Estado incentiva a descarbonização do transporte de mercadorias nas suas diversas modalidades,

designadamente rodoviária, ferroviária, marítima e aérea, através de:

a) Descarbonização da base energética da frota de transportes de mercadorias, com a utilização de

eletricidade, gases renováveis ou combustíveis mais eficientes;

b) Promoção do aumento de veículos com carregamento dinâmico;

c) Adaptação tecnológica dos sistemas de transporte de mercadorias para tecnologias mais eficientes e

menos emissivas;

d) Adoção de estratégias de planeamento e regras de planeamento urbano que facilitem e potenciem a

utilização da mobilidade suave e o aproveitamento de economias de aglomeração em modelos de cargas e

descargas; e

e) Cooperação entre transportadoras para assegurar uma otimização da carga dos transportes de

mercadorias, designadamente evitando viagens de regresso com carga vazia.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias

desenvolvem políticas que assegurem o provisionamento de serviços de transportes de mercadorias em tempo

útil no conjunto do território nacional.

Secção III

Política de Materiais e Consumo

Artigo 46.º

Economia circular

1 – O Estado promove a economia circular como eixo fundamental da descarbonização, designadamente

nas seguintes áreas:

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a) Mobilidade;

b) Agroalimentar;

c) Fileira florestal;

d) Construção;

e) Resíduos; e

f) Ciclo da água.

2 – No âmbito da política de fomento da economia circular e integrada numa política de mobilidade e

transportes públicos, o Estado promove o desenvolvimento de sistemas de mobilidade partilhada e fomenta a

sua utilização pelos cidadãos.

3 – O desenho dos produtos, das embalagens, das infraestruturas e dos edifícios deve ser otimizado para a

lógica do design ecológico (ecodesign), minimizando o consumo de recursos e a carga emissiva da sua

produção e maximizando o seu ciclo de vida ou a sua reciclagem.

4 – O Estado promove as formas mais eficiente em termos técnicos, climáticos e económicos de aproveitar

os resíduos da fileira florestal, designadamente a biomassa florestal residual.

5 – As autarquias promovem, no âmbito dos instrumentos de gestão territorial, a transformação dos

espaços urbanos e do edificado no âmbito dos serviços em espaços multifuncionais.

6 – O Estado promove, no âmbito dos serviços públicos e também na economia privada, a

desmaterialização e a digitalização, assegurando sempre que possível a utilização dos serviços em suporte

digital.

7 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais fomentam a economia da manutenção e o

comércio de produtos em segunda mão, tendo em vista o prolongamento do ciclo de vida útil dos produtos,

designadamente através do abastecimento de peças sobresselentes.

Artigo 47.º

Água e resíduos

1 – O Estado promove o uso eficiente da água e a valorização dos sistemas de tratamento de águas

residuais, designadamente através de:

a) Execução do planeamento e da gestão hídrica, no sentido de garantir a segurança hídrica para pessoas,

proteção da biodiversidade e as atividades socioeconómicas, de acordo com um uso justo, reduzindo a

exposição e a vulnerabilidade e aumentando a resiliência às alterações climáticas;

b) Da definição de um sistema de monitorização dos grandes consumos de água em Portugal, nos seus

vários fins, incluindo o consumo humano, ao nível autárquico, consumo nos perímetros hidroagrícolas

nacionais, e consumos industriais, no sentido de analisar as ações de eficiência hídrica em cada um dos

setores;

c) Da requalificação dos sistemas de tratamento e distribuição de águas residuais, tornando-os aptos a

produzir água residual com qualidade, por forma a ser utilizada em diferentes usos e fins;

d) Da garantia uma política de informação constante junto do consumidor, com vista ao aumento da

perceção do recurso escasso que é a água, e da necessidade de redução de consumos;

e) Da implementação um sistema de benefícios fiscais ou financeiros para quem consiga demonstrar

poupança no consumo de água.

2 – O Estado deve adotar uma estratégia nacional para a redução de perdas nas redes de distribuição em

alta e em baixa.

3 – O Estado promove uma gestão sustentável dos resíduos, assente na prevenção da produção de

resíduos, no incremento das taxas de reciclagem e na redução muito significativa da deposição de resíduos

em aterro, designadamente assegurando:

a) Desenvolvimento de sinergias nos sistemas de recolha e valorização das diferentes matérias que são

objeto de reutilização;

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b) Adaptação de novas tenologias que tornem mais eficiente cada uma das áreas, nomeadamente:

i) Reforço da recolha seletiva em Portugal, através da implementação de metodologias de recolha que

privilegiem o princípio do poluidor-pagador; e

ii) Maior incorporação dos resíduos na reciclagem e promoção de incentivos ao Biodesign;

c) Aprofundamento do enquadramento legal para a promoção do ecodesign e da consciencialização do

consumidor nas decisões de consumo e nas atitudes no tratamento dos resíduos;

d) Prestação de sistemas de recolha de resíduos Industriais, resíduos da Construção e da Demolição,

resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) e resíduos urbanos perigosos de forma segura e

controlada, por forma a evitar a criação de passivos ambientais;

e) Implementação de um modelo de recolha e valorização de biorresíduos; e

f) Implementação até 2025 de sistemas de incentivo e de tara retornável de resíduos de embalagens de

modo a recuperar eficazmente as embalagens de plástico dos resíduos urbanos.

Artigo 48.º

Informação de impacte climático

O Estado apoia a tomada de decisões informadas e conscientes por parte do consumidor, promovendo a

transparência sobre a pegada ecológica ou carbónica dos bens e serviços através de um sistema de

certificação a ser implementado em articulação com os diferentes setores económicos.

Secção IV

Cadeia Agroalimentar

Artigo 49.º

Agricultura de baixo carbono

1 – O Estado promove uma agricultura sustentável e resiliente, combatendo a desertificação e

prosseguindo os objetivos da neutralidade carbónica, da coesão territorial e da proteção da biodiversidade.

2 – A descarbonização do setor da agricultura é desenvolvida através de políticas que, designadamente:

a) Acelerem uma transição para sistemas produtivos e culturas mais sustentáveis e resilientes;

b) Melhorem a alimentação animal e tenham uma abordagem holística da pecuária, designadamente

através do recurso a tecnologias que reduzam a emissão de gases de efeito de estufa;

c) Promovam o aumento do teor de matéria orgânica no solo, designadamente através de pastagens

permanentes melhoradas e da aplicação de compostos orgânicos;

d) Melhorem os sistemas de gestão dos efluentes pecuários;

e) Fomentem o uso mais eficiente de fertilizantes, de energia e de água;

f) Promovam a substituição de fertilizantes químicos sintéticos por orgânicos;

g) Expandam significativamente a agricultura biológica, de conservação e de precisão;

h) Estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor agrícola;

i) Promovam a agroecologia.

Artigo 50.º

Pesca e aquicultura

1 – O Estado promove atividades de pesca e aquicultura ambientalmente sustentáveis e eficientes,

prosseguindo os objetivos da neutralidade carbónica e da proteção da biodiversidade.

2 – A descarbonização dos setores da pesca e aquicultura é desenvolvida através de políticas que,

designadamente:

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a) Promovam a utilização de tecnologias e combustíveis verdes e/ou renováveis nas atividades de pesca e

aquicultura;

b) Promovam a implementação de sistemas de aquicultura multitrófica integrada (IMTA), de forma a

potenciar a produção de baixo carbono, melhorando a qualidade de água e reduzindo a carga poluente;

c) Estimulem o desenvolvimento tecnológico dos setores da pesca e aquicultura.

Artigo 51.º

Alimentação

1 – O Estado promove hábitos alimentares sustentáveis e saudáveis, designadamente através de:

a) Tributos e incentivos que alinhem o preço dos bens e serviços alimentares com a totalidade dos seus

custos, incluindo os custos ambientais;

b) Regulação sobre os produtos alimentares, a sua embalagem e rotulagem;

c) Sensibilização e informação sobre os produtos alimentares;

d) Educação sobre hábitos, práticas e dietas mais sustentáveis e saudáveis;

e) Política comercial que promova a sustentabilidade dos produtos alimentares; e

f) Inclusão de produtos alimentares mais sustentáveis e saudáveis nas ementas servidas nos refeitórios sob

gestão do Estado, seu setor empresarial e autarquias locais.

2 – O Estado desenvolve, ainda, uma política de salvaguarda da segurança alimentar, designadamente

através de:

a) Um planeamento dos riscos que as alterações climáticas colocam para o abastecimento alimentar;

b) Uma programação da adaptação do sistema alimentar em função desses riscos; e

c) Uma estratégia para reduzir o desperdício alimentar, designadamente recorrendo a tecnologias como big

data para informar e apoiar um comércio e um consumo inteligente.

Secção V

Estratégias de Sequestro

Artigo 52.º

Florestas e espaços verdes

1 – O Estado promove uma floresta sustentável, tendo em vista o aumento da capacidade de sequestro de

carbono da floresta e a redução do risco de incêndio rural, designadamente através:

a) Da reflorestação, em especial das áreas ardidas;

b) Do ordenamento do território florestal, assegurando a atualização do cadastro da propriedade rural;

c) Do aumento do investimento e do conhecimento sobre a gestão dos povoamentos florestais e da sua

cadeia de valor;

d) Da promoção de culturas florestais mais sustentáveis e resilientes, designadamente as autóctones, as

quercíneas e as folhosas;

e) Da prevenção e combate aos incêndios rurais;

f) Da valorização dos serviços de ecossistemas; e

g) De ações de reconversão da floresta e transformação da paisagem.

2 – O Estado, em parceria com as regiões autónomas e as autarquias locais, promove o desenvolvimento

de espaços verdes, tendo como objetivo o aumento da cobertura verde e a atenuação do efeito «ilha de calor»

dos centros urbanos.

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Artigo 53.º

Oceano e reservatórios de carbono

O Estado desenvolve uma política para o mar que protege o bom estado do ambiente marinho e costeiro e

desenvolve uma economia azul sustentável, designadamente através:

a) Da gestão sustentável dos ecossistemas marinhos, designadamente das populações das espécies

consumidas por humanos com valor comercial;

b) Da gestão sustentável das intervenções humanas no sistema Oceano, nomeadamente as atividades de

pesca e aquicultura sustentáveis;

c) Do estímulo à produção elétrica através de energias oceânicas e offshore;

d) Da avaliação de necessidades e consequente implementação de ações de restauro ecológico e

desenvolvimento sustentável de ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo sapais, pradarias de ervas

marinhas, recifes e florestas de algas;

e) Da designação de áreas marinhas protegidas para proteção de ecossistemas vulneráveis e essenciais ao

bom estado das águas marinhas.

Artigo 54.º

Tecnologias de captura de carbono

1 – O Estado analisa, acompanha e apoia o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento

de carbono.

2 – O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais promovem projetos piloto de implementação de

tecnologias de captura de carbono em zonas do território nacional com maior carga emissiva.

Secção VI

Educação Climática

Artigo 55.º

Política de educação climática

1 – O Estado incorpora nos currículos do ensino básico e secundário a educação em matéria climática.

2 – Em respeito pela autonomia das instituições de ensino superior, o Estado promove o desenvolvimento

de conteúdos letivos sobre as alterações climáticas no ensino superior.

Secção VII

Investigação e Desenvolvimento

Artigo 56.º

Promoção de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas

1 – O Estado promove, nos termos da lei, a investigação e desenvolvimento em matéria de alterações

climáticas, utilizando para este efeito, a título consultivo, as recomendações da UTEC, designadamente em

sede de:

a) Energias renováveis oceânicas e offshore;

b) Adaptação às alterações climáticas;

c) Biodiversidade;

d) Cidades sustentáveis;

e) Utilização do solo e descarbonização do complexo agroalimentar;

f) Descarbonização da construção e do meio construído;

g) Bioeconomia circular;

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h) Indústria de baixo carbono, designadamente a siderurgia;

i) Baterias e armazenamento de energia;

j) Hidrogénio verde; e

k) Captura e sequestro de gases de efeito de estufa.

2 – O Estado participa na cooperação científica internacional, em particular no quadro da União Europeia.

3 – O Estado promove a cooperação científica internacional no eixo atlântico, designadamente através da

existência de um centro de investigação com base em Portugal que promova investigação científica e

desenvolvimento tecnológico sobre as alterações climáticas.

Secção VIII

Cooperação Internacional

Artigo 57.º

Programas, projetos e ações de cooperação internacional relacionadas com as alterações climáticas

1 – O Estado promove a execução e implementação de programas, projetos e ações de cooperação

internacional no âmbito das alterações climáticas, nomeadamente as que conduzam à mitigação, adaptação e

resiliência às alterações climáticas.

2 – São considerados programas, projetos e ações de cooperação internacional os projetos de:

a) Desenvolvimento de capacidades para as alterações climáticas;

b) Transferência e desenvolvimento de tecnologia e partilha e dados que permitam a mitigação ou

adaptação às alterações climáticas; e

c) Ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas.

Secção IX

Economia Verde e Transição Justa

Artigo 58.º

Princípios de economia verde

As políticas económicas e sociais estão subordinadas aos seguintes princípios em matéria de equilíbrio

climático:

a) Definição de políticas energéticas e climáticas centradas nos cidadãos e no seu bem-estar;

b) Criação e fruição de um conceito de prosperidade partilhada e sustentável, tendo como função o bem-

estar;

c) Promoção da equidade entre gerações e dentro de cada geração, assegurando uma economia inclusiva

em que as oportunidades e rendimentos são distribuídas de forma equitativa;

d) Promoção do crescimento económico dentro dos limites do planeta, reconhecendo e investindo no valor

funcional, cultural e ecológico da natureza;

e) Promoção da sustentabilidade na produção e no consumo, promovendo uma economia circular que

conserve os recursos e ativos;

f) Alinhamento dos preços, líquidos de subsídios, impostos e outros incentivos com os verdadeiros custos

da produção e consumo dos bens e serviços, designadamente os custos em matéria climática;

g) Garantia da justiça social da transição climática, apoiando a requalificação de trabalhadores e a

reestruturação económica e social de regiões afetadas; e

h) Elaborada, tomada de decisão, execução e avaliação da política económica e social com a participação

de todos e adotando uma perspetiva de longo prazo.

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Artigo 59.º

Estratégia industrial sustentável

O Estado articula a agenda de inovação e desenvolvimento no combate às alterações climáticas com a

estratégia industrial verde.

Artigo 60.º

Transição justa

1 – O Estado promove uma transição justa para uma economia neutra em carbono, designadamente

através:

a) Da promoção de uma agenda de crescimento verde para a economia portuguesa, promovendo a

transição para uma economia zero emissões, de alto valor acrescentado e de base inovadora;

b) Do combate à pobreza energética, apoiando os setores mais vulneráveis na sua capacidade de

adotarem medidas de eficiência energética que permitam aquecer e arrefecer os seus lares e locais de estudo

ou trabalho;

c) Da requalificação dos trabalhadores cujos empregos sejam eliminados ou significativamente

transformados pela descarbonização, designadamente promovendo o acesso a programas de formação;

d) Da redução dos impactos das alterações climáticas na saúde pública, na biodiversidade e nos

ecossistemas;

e) Da reestruturação económica e social das regiões cujas atividades económicas sejam encerradas,

reduzidas ou significativamente transformadas pela descarbonização, designadamente através de programas

de apoio e incentivo ao investimento;

f) Da salvaguarda e a proteção das pessoas e das regiões mais vulneráveis aos impactos das alterações

climáticas, promovendo a adaptação dos territórios, das suas atividades, equipamentos e infraestruturas; e

g) O restauro e recuperação dos territórios, bem como das atividades, equipamentos e infraestruturas

afetadas pelos impactos das alterações climáticas.

Artigo 61.º

Publicidade

Apenas se podem considerar tecnologias limpas ou que contribuam para o combate às alterações

climáticas aquelas que respeitem as regras da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da

União Europeia.

CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS

Artigo 62.º

Outras medidas

Os instrumentos estratégicos e normativos referidos na presente lei não excluem os demais instrumentos,

nomeadamente os que decorrem da Lei de Bases do Ambiente.

Artigo 63.º

Mitigação do impacto carbónico no Parlamento

1 – A Assembleia da República tem como meta atingir a neutralidade carbónica até 2025.

2 – A Assembleia da República elabora e divulga, no primeiro ano de cada legislatura, relativamente à

legislatura anterior, um relatório de avaliação do impacto carbónico da sua atividade e funcionamento,

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identificando as medidas tomadas e definindo medidas a tomar para mitigar estes impactos.

Artigo 64.º

Aprovação de instrumentos de planeamento

1 – Os instrumentos de planeamento previstos no artigo 15.º são discutidos e votados no prazo de 90 dias

após a data da sua admissão pela Assembleia da República.

2 – Estabelece-se o objetivo da aprovação até ao final do ano de 2021 de planos setoriais de mitigação das

alterações climáticas referidos no artigo 17.º para os seguintes setores prioritários:

a) Sistema electroprodutor;

b) Edifícios e construção;

c) Transportes e mobilidade, incluindo aviação, transportes marítimos e respetivas infraestruturas;

d) Indústria;

e) Sistema alimentar e agricultura; e

f) Resíduos e águas residuais.

3 – Estabelece-se o objetivo da aprovação até ao final do ano de 2021 de planos setoriais de adaptação às

alterações climáticas referidos no artigo 20.º para os seguintes setores prioritários:

a) Recursos hídricos;

b) Florestas;

c) Agricultura;

d) Oceano e defesa costeira;

e) Biodiversidade

f) Cidades;

g) Proteção Civil; e

h) Saúde.

Artigo 65.º

Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050

O Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º

107/2019, é adotado como estratégia de longo prazo, para o disposto no artigo 15.º do Regulamento (UE)

2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da

União da Energia e da Ação Climática.

Artigo 66.º

Avaliação de impacto climático inicial

Até 31 de março de 2022, o Governo apresenta um relatório à Assembleia da República com os diplomas

com potencial de desalinhamento com as metas e instrumentos climáticos do presente diploma, devendo para

este efeito ser analisados designadamente:

a) Normas jurídicas que conferem o direito à execução de projetos que na sua cadeia de valor contribuam

de forma líquida para a emissão de gases de efeito de estufa a nível nacional ou internacional;

b) Normas jurídicas que enquadrem o investimento em infraestruturas cujos impactos não foram

considerados no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050; e

c) O Código dos Contratos Públicos.

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Artigo 67.º

Levantamento de benefícios fiscais

Em respeito pelo princípio da transparência orçamental, e para cumprimento dos princípios da sua

progressiva eliminação, o Governo elabora e apresenta à Assembleia da República, no prazo de um ano após

a entrada em vigor da presente lei, um relatório que faz o levantamento dos benefícios fiscais que contribuam,

mitiguem ou adaptem o território e a sociedade às alterações climáticas.

Artigo 68.º

Risco e impacto climático

No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo regulamenta a partilha de

informação sobre como o impacte e o risco climáticos estão incorporados na construção dos ativos financeiros.

Artigo 69.º

Relatório sobre património público, investimento, participações ou subsídios

O ministro responsável pela área das finanças elabora e divulga, até 31 de dezembro de 2021, um relatório

sobre o património público, os investimentos, participações ou subsídios económicos ou financeiros em causa

referidos no artigo 33.º.

Artigo 70.º

Revisão do regime jurídico de governo das sociedades

1 – As entidades reguladoras e de fiscalização identificam, no prazo de um ano após a publicação da

presente lei, as alterações legislativas e procedem às alterações regulamentares necessárias para que as

sociedades integrem no seu governo a sua exposição aos cenários climáticos e os seus potenciais impactos

financeiros, seguindo as recomendações da Diretiva de informação não financeira e a taxonomia sobre

atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, bem como as recomendações e boas práticas

internacionais.

2 – No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo apresenta à Assembleia da

República um relatório sobre as revisões necessárias para harmonizar o disposto na presente lei, no Código

das Sociedades Comerciais e demais legislação.

Artigo 71.º

Revisão do regime jurídico dos hidrocarbonetos

Até 31 de dezembro de 2022, o Governo elabora e apresenta na Assembleia da República uma revisão das

normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos em Portugal, devendo

ser reavaliadas periodicamente consoante as metas e objetivos climáticos.

Artigo 72.º

Estratégia industrial

O Governo apresenta, até ao dia 31 de dezembro de 2022, uma estratégia industrial compatível com as

metas e objetivos fixados na presente lei, utilizando, a título consultivo, as recomendações da UTEC.

Artigo 73.º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 93/2001, de 20 de agosto.

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78

Artigo 74.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 27 de outubro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do PS: Ana Catarina Mendonça Mendes — Miguel Matos — Hugo Pires —

Ricardo Pinheiro — Alexandre Quintanilha — Pedro Delgado Alves — Hugo Oliveira — Paulo Porto — Joana

Sá Pereira — Bruno Aragão — Lúcia Araújo Silva — Palmira Maciel — Fernando Paulo Ferreira — Ana

Passos — Clarisse Campos — Vera Braz — Alexandra Tavares de Moura — Maria Joaquina Matos — Cristina

Sousa — Marta Freitas — Anabela Rodrigues — Telma Guerreiro — Rita Borges Madeira — Ana Maria Silva

— Sofia Araújo — Norberto Patinho — Francisco Rocha — João Miguel Nicolau — José Manuel Carpinteira —

Cristina Mendes da Silva — Susana Correia — João Azevedo Castro — Olavo Câmara — Pedro Sousa —

Paulo Porto — Lara Martinho — Nuno Fazenda.

———

PROJETO DE LEI N.º 578/XIV/2.ª LEI DE BASES DO CLIMA

Exposição de motivos

A presente lei de bases do clima estipula metas de redução de GEE no curto e médio prazo e procura

antecipar a data para atingir a neutralidade climática. Prevê ainda as medidas essenciais para atingir essas

metas, nomeadamente a criação de um orçamento de carbono, de um plano nacional de adaptação e políticas

estruturais e setoriais. A crise climática foi criada por um modelo que, pelos mesmos mecanismos, criou

desigualdade social. A resposta será de justiça social e climática.

A estabilidade climática do planeta tem sido a norma e não a exceção nos últimos milénios. O fim da última

glaciação, há cerca de 11 700 anos, determinou a era climática moderna, permitindo temperaturas constantes,

fluxos biogeoquímicos regulares e água doce disponível em vastas regiões do planeta. Foi a estabilidade das

condições climáticas que permitiu o desenvolvimento agrícola, demográfico e tecnológico. Foi a estabilidade

climática que permitiu a civilização humana.

Atualmente, a estabilidade climática do planeta está comprometida. Tal deve-se a um aumento rápido e

abrupto da concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera que tem ocorrido nas últimas

décadas. O aumento da concentração de dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, entre outros GEE na

atmosfera, deve-se principalmente a atividades antrópicas e não tem precedentes na história da humanidade.

Foi o modelo socioeconómico vigente que provocou a crise climática. É por isso o capitalismo que coloca

em risco a qualidade de vida das populações, a sociedade, a biodiversidade e a sustentabilidade do planeta. A

definição da produção, o desenvolvimento da tecnologia e a extração de recursos naturais foram definidos por

critérios de acumulação de capital e não para a satisfação das necessidades reais das populações.

Entre os principais fatores que contribuíram, e continuam a contribuir, para o rápido aumento e para a

magnitude da concentração de GEE na atmosfera estão as atividades humanas de queima intensiva de

petróleo, gás natural e carvão, como é o caso da produção de eletricidade, dos transportes, da construção de

infraestruturas, da produção de resíduos e de inúmeros processos industriais.

De igual forma, a destruição e a alteração dos sumidouros naturais de carbono, como as florestas, os solos

e o oceano, tem sido responsável pela emissão de elevadas quantidades de GEE e pela diminuição da sua

remoção da atmosfera. Para esta destruição muito têm contribuído as práticas agropecuárias intensivas que

desgastam rapidamente os solos e os recursos hídricos e que em muitas zonas do globo são precedidas da

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destruição de vastas áreas de floresta e de outros ecossistemas onde abunda a biodiversidade.

No oceano, o cenário não é mais animador. Os ecossistemas marinhos e costeiros com grande capacidade

de retenção e sequestro de carbono, como as pradarias marinhas, as zonas de sapal, ou as florestas de

macroalgas, têm visto a sua área global diminuir a cada ano que passa.

O atual modelo socioeconómico é responsável pela depredação dos ecossistemas e da sua biodiversidade,

bem como pelo uso desenfreado e desigual de energia fóssil. Foi também o modelo socioeconómico vigente

que criou desigualdades sociais e desigualdades no acesso aos recursos do planeta e aos bens comuns. Ao

mesmo tempo, e pelos mesmos processos, criou também desigualdades climáticas. Quem menos contribui

para a crise climática é quem mais sofre os seus efeitos.

De acordo com a Oxfam International, que usa dados do Centro Internacional de Investigação Climática e

Ambiental de Oslo, a metade mais pobre da população mundial – cerca de 3,5 mil milhões de pessoas – é

responsável por apenas 10% das emissões mundiais associadas ao consumo. E cerca de 50% destas

emissões são da responsabilidade dos 10% mais ricos do planeta, os quais têm uma pegada carbónica 60

vezes superior aos 10% mais pobres. A grande maioria da população que menos contribuiu para a crise

climática é também a que vive em países mais vulneráveis a essa mesma crise.

As mulheres, em particular as do Sul global, são quem mais depende diretamente dos recursos naturais e

são igualmente mais afetadas pela crise climática. Desde logo, das 1,3 mil milhões de pessoas que vivem em

pobreza, 70% são mulheres. E apesar do contributo das mulheres para a produção de alimentos ser

desproporcionalmente maior (50% a 80%), possuem menos de 10% da terra. Nestas comunidades

empobrecidas, as mulheres assumem a maior parte das responsabilidades relativas ao abastecimento de

água, de energia, de aquecimento, de confeção de alimentos e de segurança alimentar da casa e da família. O

aumento da frequência e intensidade de fenómenos climáticos extremos agravam estas desigualdades. Assim,

em geral, as mulheres nestes locais tendem a gastar mais tempo a garantir os meios de subsistência

domésticos, tendo menos tempo para aceder à educação e a rendimentos. Em todo o globo, a desigualdade

de género agrava também os riscos para as mulheres perante a crise climática. Esta é uma desigualdade que

deve ser assumida e tida em conta na política climática, com a necessidade de garantir a justiça climática e a

efetiva participação das mulheres.

Neste contexto, a descarbonização da economia e a justiça climática devem ser objetivos inseparáveis. A

escala da resposta necessária, assim como o reconhecimento de responsabilidades históricas e da

irrepetibilidade do atual modelo socioeconómico, colocam a solidariedade internacional no centro da resposta.

Esta terá de acautelar o respeito pelo conjunto de direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,

através da qual é garantida a participação das populações na resposta climática e a definição do uso

sustentável dos recursos naturais e dos bens comuns. Em suma, a resposta climática terá de instigar uma

sociedade mais igualitária, participativa e justa.

Os efeitos da crise climática

Os efeitos negativos da crise climática são já hoje notórios. De acordo com o Painel Intergovernamental

para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) das Nações Unidas, a elevada concentração de GEE na

atmosfera já resultou no aumento da temperatura média do planeta em cerca de 1 grau Celsius acima dos

níveis pré-industriais. Num planeta mais quente, a frequência e a intensidade das tempestades, cheias, secas

e ondas de calor são mais elevadas. São estas novas dinâmicas climáticas que estão a pôr em perigo os

sistemas de proteção civil, de saúde pública, de saúde ambiental, de emprego, de produção agrícola, e as

condições de habitabilidade um pouco por todo o mundo.

Em Portugal, a subida do nível médio do mar, aliada à erosão costeira, faz a linha de costa regredir a cada

ano que passa. Num planeta mais quente é acelerado o degelo das calotas polares e a expansão térmica das

moléculas de água, causando o aumento do nível médio do mar. Com a regressão da linha de costa

portuguesa, desaparecerão núcleos populacionais, áreas agrícolas, e zonas de elevado valor ecológico, com

potencial de mitigação das alterações climáticas, para a proteção costeira e de ecossistemas sumidouro de

carbono.

Até 2100, a precipitação deverá diminuir entre 20% a 40% provocando períodos de seca extrema que

aumentarão a área de desertificação do País. Esta tendência causará graves efeitos na produção agrícola e

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até nas condições de habitabilidade de vastas regiões do território, afetando principalmente os grupos sociais

mais vulneráveis.

As ondas de calor afetam igualmente porções do oceano, aumentando a mortalidade da fauna e da flora,

criando zonas pobres em biodiversidade e afetando os modos de vida e a segurança alimentar das

comunidades costeiras.

É neste contexto de crise climática que 195 Estados, incluindo Portugal, ratificaram o Acordo de Paris com

o intuito de desenvolverem uma ação global concertada contra a crise climática. O acordo visa mitigar as

emissões de GEE e estabelece como um dos seus objetivos de longo prazo limitar o aumento da temperatura

média global a níveis bem abaixo dos 2ºC face aos níveis pré-industriais e prosseguir esforços para limitar o

aumento da temperatura a 1,5ºC, reconhecendo que isso reduzirá significativamente os riscos e impactos das

alterações climáticas. No entanto, o acordo não define quando é que as emissões dos países devem diminuir,

considerando apenas que as emissões globais terão de atingir o seu pico «o mais rápido possível».

Outro dos principais objetivos do Acordo de Paris é o de aumentar a capacidade de adaptação à crise

climática dos Estados, de forma a proteger as populações dos impactes negativos do clima. É neste âmbito

que o acordo reconhece a necessidade de a comunidade internacional auxiliar os Estados mais pobres para

que as suas populações possam adaptar-se em consonância com a severidade da crise climática. O acordo

reconhece também a importância da cooperação internacional para serem minimizadas as perdas e danos

associados aos efeitos adversos da crise climática.

No panorama nacional, o Governo português aprovou em 2019 um roteiro para a neutralidade carbónica da

economia portuguesa em 2050. Nele, o Governo propõe «reduções substanciais das emissões e/ou aumentos

dos sumidouros nacionais, que deverão materializar-se entre o presente e 2050». O roteiro não considera os

sistemas costeiros vegetados nacionais (e.g., pradarias marinhas e sapais) mas que, pela sua importância,

devem ser incluídos e ser alvo de proteção específica como sumidouros de carbono e prestadores de serviços

de ecossistema.

Tendo em conta a gravidade da crise climática e a urgência do seu combate, a meta estipulada pelo

Governo de atingir a neutralidade carbónica da economia apenas em 2050 é manifestamente tardia. Aliás,

outros Estados comprometeram-se com metas muito mais ambiciosas, como foi o caso da Noruega (2030), da

Finlândia (2035), da Islândia (2040), ou da Suécia (2045).

No Relatório Especial do IPCC sobre o Aquecimento Global de 1,5ºC, aprovado por 195 Governos de

Estados-Membros das Nações Unidas, incluindo Portugal, é referido que as emissões globais líquidas de

dióxido de carbono causadas pelas atividades humanas têm de diminuir cerca de 45% face aos níveis de

2010, até 2030, de maneira a limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC. O Relatório, desenvolvido por 91

autores através de mais de 6000 referências científicas e contributos de milhares de especialistas, refere que

para que a meta de 1,5ºC possa ser atingida são necessárias transições «rápidas e de longo alcance» nos

setores da energia, indústria, construção e transportes, bem como nas cidades e nos usos do solo.

O Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030, que é parte integrante do Quadro

Estratégico para a Política Climática do Governo, centra-se em políticas de mitigação de GEE e inclui todos os

setores da economia. O programa tem como principais objetivos promover a transição para uma economia de

baixo carbono e reduzir as emissões de GEE entre 18% e 23% em 2020, e entre 30% e 40% em 2030, em

relação às emissões nacionais de 2005. Em 2018, o ano para o qual a Agência Portuguesa do Ambiente

disponibiliza dados mais atuais, as emissões de GEE foram estimadas em 67,4 milhões de toneladas de CO2.

Este valor representa um aumento de cerca de 15% relativamente a 1990, um decréscimo de 21,3% face a

2005 (o ano de pico de emissões de GEE em Portugal) e de 4,6% face a 2017. Estas estimativas excluem as

emissões decorrentes das alterações ao uso do solo. Em anos de grandes incêndios no País e elevada área

ardida, as emissões associadas ao uso do solo podem ter um contributo determinante.

Na década de 2007-2017, as emissões médias anuais de GEE de Portugal equivaleram a 69 milhões de

toneladas de CO2, tendo os sumidouros, como as florestas, absorvido cerca de 9 milhões de toneladas de CO2

da atmosfera. O total líquido de emissões de GEE de Portugal equivalerá, portanto, a cerca de 60 milhões de

toneladas de CO2.

É urgente priorizar a proteção, preservação e recuperação dos grandes sumidouros de carbono, isto é,

florestas, ecossistemas costeiros e solos. Devido aos fogos rurais de grandes proporções que assolam

periodicamente Portugal, as florestas – que em ano de grandes incêndios passam de sumidouros a emissores

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de GEE – devem merecer particular atenção da parte do Estado.

Por outro lado, é muito importante a transição energética e ecológica em Portugal de modo a diminuir o

elevado nível de emissões de GEE do País. Para isso, os setores mais poluentes de carbono, como são o

caso de produção de energia, dos transportes, da indústria, dos resíduos e da agropecuária, terão de ser

reconvertidos rapidamente e de forma justa para todas e todos que neles trabalham.

A redução do horário de trabalho deve ser um dos objetivos e instrumentos do caminho para a neutralidade

climática. É necessário um novo modelo de produção, que garanta maior qualidade de vida e mais tempo para

a viver. Um modelo que não esteja assente na exploração da força de trabalho e na produção desligada do

imperativo de satisfazer as necessidades sociais.

A 4 de março de 2020 a Comissão Europeia apresentou a sua proposta de Lei Europeia do Clima que

estipula a neutralidade climática até 2050. No entanto, a proposta não dispõe das medidas necessárias para

atingir essa meta nem de reduções de emissões nos curto e médio prazos em linha com um aumento da

temperatura até 1,5ºC. A proposta não prevê o importante papel dos ecossistemas costeiros e marinhos no

sequestro de carbono. A proposta falha ainda ao não abordar as causas que nos levaram à crise climática,

nomeadamente o capitalismo fóssil e a primazia do mercado.

O mercado é incapaz de resolver o problema que criou

Apesar do reconhecimento da urgência do combate à crise climática, as emissões globais de GEE

continuam a aumentar no planeta. No período 2010-2018, de acordo com um estudo da Agência Internacional

de Energia – que opera no quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)

– os principais responsáveis foram a produção de energia [aumento de 1405 milhões de toneladas (Mt) de

CO2], a substituição do parque automóvel por veículos utilitários desportivos (SUV) (544 Mt), a indústria

pesada (365 Mt), a camionagem (311 Mt), a aviação (233 Mt) e os navios (80 Mt).

O aumento das emissões nestes setores revela que, mesmo com o desenvolvimento tecnológico, o modelo

de organização económico e social das nossas vidas continua a provocar o aumento de emissões de GEE. É

assim importante que a resposta – e a presente Lei de Bases – enquadre e procure soluções para debelar as

emissões nestes setores.

O caso dos SUV é elucidativo e o seu efeito global nas emissões desproporcionado. No período em

referência, os SUV duplicaram a sua quota de mercado global, passando de 17% para 39%. Na Europa, esse

número é de 33%. A mesma necessidade social – e analisando apenas no quadro da mobilidade individual – é

suprimida agora à custa de mais emissões, já que os SUV, quando comparados com o automóvel médio, são

centenas de quilos mais pesados e menos eficientes sob o ponto de vista aerodinâmico, tendo de consumir

muito mais combustível e por isso emitir mais GEE.

Também no setor do transporte marítimo as emissões de GEE são elevadas, nomeadamente entre os

navios de comércio e de cruzeiro. Comparando as emissões dos navios de comércio que navegam com

destino e partida da Europa com as emissões dos países da União Europeia, verifica-se que o setor do

transporte marítimo ocupa o oitavo lugar dos maiores emissores de GEE, logo a seguir à Holanda.

Os navios de comércio emitiram mais de 139 milhões de toneladas de GEE em Portugal no ano de 2018.

No mesmo ano, os navios de comércio que atracaram em portos nacionais produziram mais emissões de GEE

do que todo o tráfego rodoviário das oito cidades do País com mais automóveis registados, isto é, Lisboa,

Sintra, Cascais, Loures, Porto, Gaia, Matosinhos e Braga. Portugal é ainda o quinto País da União Europeia

com maior percentagem de emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%).

Apesar de a magnitude das emissões do setor do transporte marítimo, os gases com efeito de estufa emitidos

pelos navios de comércio e de cruzeiro não fazem parte das metas de redução de emissões definidas pelo

Acordo de Paris.

A legislação comunitária isenta o setor do transporte marítimo do pagamento de impostos sobre o

combustível, o que constitui uma subsidiação pública ao setor no valor de 24 mil milhões de euros por ano. A

subsidiação é também um incentivo para que o setor mantenha a insustentabilidade da situação atual e não

invista na transição energética da sua frota para combustíveis menos poluentes.

De forma a mitigar as emissões de GEE, as políticas comunitárias e nacionais têm incentivado o comércio

de carbono e outros mecanismos de financeirização. Estes mercados de carbono têm falhado rotundamente

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como meio de redução das emissões de GEE. Constituem mercados especulativos e não permitem à

sociedade a definição das necessidades sociais prioritárias e a verdadeira alocação das emissões. Os maiores

poluidores receberam à cabeça, e sem esforço, direitos de emissões pelo seu histórico poluente de carbono,

ou seja, foi-lhes atribuído um bem transacionável que vale dinheiro apenas porque eram poluidores. Acresce

que quando estes poluidores reduzem as suas emissões substancialmente podem vender esses direitos de

emissões garantindo que essa melhoria substantiva não tem reflexo no planeta, mas sim que essas emissões

sejam produzidas por outra entidade. De facto, com a expansão mundial dos mercados de carbono, as

emissões globais de GEE não têm diminuído como previsto pelos mercados, mas, pelo contrário, têm

aumentado, designadamente desde a década de 1990, a década na qual foram criados os primeiros mercados

de carbono. Em 2019, as emissões globais de GEE atingiram o seu máximo histórico.

A sociedade deve poder definir áreas prioritárias para a redução de emissões GEE e a definição de

políticas concretas para essa redução e sequestro de carbono. É essa a proposta da presente Lei de Bases do

Clima. Nela prevê-se a criação de um Orçamento do Carbono e de um Plano Nacional para a Adaptação à

Crise Climática, articulados entre si.

Neutralidade climática, pico de emissões e curto-prazo

A presente Lei de Bases considera essencial o desenvolvimento e aplicação de políticas públicas para a

antecipação da data da meta para alcançar a neutralidade climática. Prevê ainda que a cada ano as emissões

de GEE sejam estruturalmente inferiores às emissões do ano anterior. Reconhece a urgência da redução

significativa das emissões de GEE até 2030 e no curto prazo.

Orçamento do Carbono e medidas de mitigação

O Orçamento do Carbono estabelece, a cada cinco anos, o valor anual do balanço entre as emissões e o

sequestro de GEE, estipuladas por cada área económica, enquanto promove a criação de emprego. Em

simultâneo, são estabelecidas metas de sequestro de carbono para o setor agroflorestal.

As medidas de mitigação incluem o abandono da produção energética a carvão, a aposta nos transportes

públicos coletivos e na mobilidade ativa, o combate à obsolescência programada, a promoção de circuitos de

produção-consumo de proximidade, a redução de bens descartáveis e a criação de um programa para a

redução de resíduos.

É ainda criada a Inspeção-Geral das Emissões Industriais com o objetivo de reduzir as emissões da

indústria pesada, como a produção de energia, cimento e celulose, e que pode ser alargada a outras

atividades. Por fim, interdita-se a prospeção, pesquisa e exploração de hidrocarbonetos no período de

transição energética.

O sucesso da redução de emissões de GEE deve estar afeto à antecipação da data da neutralidade

climática, ao invés da transação, para que os Estados mais pobres que menos contribuíram para a crise

climática tenham prazos mais alargados de redução de emissões de GEE até completarem a transição

energética e ecológica.

A presente Lei de Bases prevê uma transição energética e ecológica assente em critérios de justiça social e

climática, e, por conseguinte, a erradicação da pobreza energética.

O edificado público e privado terá de ser neutro em GEE. Os programas de eficiência energética são por

isso fundamentais para a transição. A eficiência energética das habitações, conseguida, por exemplo, através

de programas de instalação de painéis fotovoltaicos no edificado e a garantia de isolamento térmico, deve ter

como prioridade as residências das pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica. A presente

Lei de Bases promove e incentiva as comunidades energéticas para a produção localizada e descentralizada

de energia renovável e pretende dinamizar o autoconsumo de energia solar.

Ainda no domínio dos edifícios e habitação, é dada prioridade à reabilitação e a formas de construção

menos dispendiosas de recursos naturais e protetoras do ambiente. É ainda dada primazia a técnicas de

arquitetura e construção que permitam diminuir a pegada ecológica das habitações.

A Lei de Bases preconiza uma transição energética na qual a energia nuclear não é uma alternativa

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desejável, as técnicas de fraturação hidráulica estão interditas, a importação de hidrocarbonetos extraídos a

partir de areias betuminosas não é permitida, os biocombustíveis passam a ser produzidos apenas a partir de

óleos alimentares usados para os quais deve ser implementado um sistema abrangente de recolha.

É dada prioridade na contratação pública a opções neutras em carbono e de ciclos de produção-consumo

de proximidade.

O Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática

Este plano é revisto a cada cinco anos e estabelece a resposta climática no planeamento e ordenamento do

território, na gestão das áreas marinhas, no ordenamento florestal e agrícola, na sustentabilidade dos recursos

hídricos, na saúde pública, na saúde ambiental e na proteção civil.

Ainda que se atinjam as metas nacionais de mitigação de GEE, os efeitos negativos da crise climática

prolongar-se-ão durante séculos, sendo por isso necessárias políticas públicas de adaptação que

salvaguardem as populações dos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos, como

serão as cheias, secas e ondas de calor, bem como da subida do nível médio do mar.

Neste âmbito, o território nacional não se encontra preparado para a severidade dos efeitos negativos da

crise climática, como se verifica com os efeitos recentes dos fogos rurais, das ondas de calor ou da regressão

acentuada da linha de costa. É por isso essencial um plano nacional que estruture, defina e coordene as

prioridades das respostas de mitigação e adaptação à crise climática.

A presente Lei de Bases inclui medidas para o ordenamento florestal e agrícola e para a reformulação da

política agrícola comum no sentido de ser mais justa para os pequenos agricultores e garantir a transição

agroflorestal ecológica.

A Lei de Bases contempla ainda medidas para a adaptação dos espaços urbanos à crise climática. Nela se

incluem medidas de redução de riscos, de preparação face a eventos climáticos extremos, e de planeamento

urbano para que a estrutura urbana possa também contribuir para o sequestro de carbono. Estão também

plasmadas na presente Lei de Bases medidas para a preservação dos recursos hídricos.

A crise climática coloca em risco as áreas litorais de baixa cota que necessitam de medidas de proteção

como a recarga com sedimentos e estruturas de proteção. Ainda assim, estas áreas vulneráveis à erosão

costeira precisam de soluções adequadas que assegurem a estabilidade e os direitos das populações. O

projeto snmportugal.pt, para os cenários de subida do nível médio do mar para Portugal continental, estima em

60 mil o número de edifícios e em 146 mil as pessoas vulneráveis à subida do nível médio do mar até 2050.

Na maior parte dos casos impõem-se complexos processos sociais de deslocação de comunidades, que

devem ser profundamente participados e mediados em conjunto com as populações, devendo citar-se o caso

das demolições nas ilhas barreira do Algarve como exemplo do que não deve ser feito: falta de transparência,

falta de diálogo e repressão social. É por isso que a presente lei estabelece a proteção das populações

perante perdas e danos em resultado da crise climática. Garante ainda que as condições e procedimentos de

deslocalização inerentes sejam obrigatoriamente participados e mediados pela própria comunidade. Garante

ainda financiamento público adequado à deslocalização.

Para a proteção da costa é realçada a importância da manutenção e restauro das barreiras naturais que

reduzem os riscos dos fenómenos climáticos extremos e da erosão costeira.

São também contemplados e avaliados os riscos para a saúde ambiental e saúde pública originados pelos

eventos climáticos extremos, entre eles o surgimento de epidemias e patologias potenciadas pela crise

climática ou a incidência de doenças entre as populações mais vulneráveis sob o ponto de vista social e

económico.

Por fim, as políticas públicas de redução e mitigação de riscos, adaptação e preparação frente a eventos

climáticos extremos são delineadas pelos princípios orientadores, prioridades de ação e metas estabelecidas

no Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030.

Cooperação e solidariedade internacional

A procura de soluções num quadro internacional multilateral e a participação nas conferências das Nações

Unidas são peças essenciais na resposta climática. Nesse âmbito, o Estado português deve promover

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compromissos para a justiça climática e para metas vinculativas e mais ambiciosas para a descarbonização da

economia.

É ainda dever do Estado português o de participar, no quadro das suas relações internacionais, nos

mecanismos de auxílio a países assolados por fenómenos climáticos extremos. É também seu dever participar

no financiamento global de programas de resposta à crise climática, nomeadamente no que se refere a perdas

e danos, e de participar e desenvolver projetos de transferência de conhecimento. O reconhecimento do

estatuto de refugiado climático é parte integrante de uma resposta climática justa, solidária e humanista.

A presente Lei de Bases reconhece o crime de ecocídio, inclui a sua definição e promove medidas para a

sua inclusão na legislação nacional e internacional. O conceito de ecocídio foi utilizado pela primeira vez para

designar as atrocidades ambientais cometidas na Guerra do Vietname com o uso do agente laranja por parte

das forças dos Estados Unidos da América. A destruição de ecossistemas é um dos principais problemas do

nosso tempo e vários movimentos ambientalistas têm exigido o reconhecimento do crime.

No quadro internacional, o Estado português opõe-se à financeirização dos instrumentos de resposta

climática e à constituição de direitos a poluir. É ainda garantida a informação pública, atempada e de fácil

acesso sobre as metas, compromissos e projetos internacionais a que o País está vinculado.

Conhecimento

O conhecimento científico e as tecnologias relativas à crise climática, aos seus riscos, medidas de

mitigação e adaptação, e a sua integração no sistema de ensino público e divulgação são peças importantes

na resposta societal a este problema mundial.

A política de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e respetivos programas de financiamento,

são enquadrados nas necessidades inerentes aos objetivos relativos à crise climática.

A educação ambiental é outro dos elementos essenciais para a efetivação da Lei de Bases do Clima.

Desde logo, pelas campanhas de sensibilização e pelo alargamento da rede de professores a coordenar

projetos com organizações não governamentais de ambiente ou em equipamentos de apoio à educação

ambiental.

A educação ambiental deve responder aos novos desafios, identificando e debatendo o recuo de decisores

políticos em matérias climáticas, a oposição à informação científica disponível e a inação na resposta à crise

climática.

A educação ambiental deve, como aliás preconiza a Recomendação n.º 1/2020, do Conselho Nacional da

Educação, «admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as

articulações entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico (…) e de

exploração/desigualdade».

Fiscalidade verde e poluidor-pagador

A ideia de fiscalidade verde tem sido apresentada como uma forma de mudar comportamentos e de

substituir impostos sobre o trabalho. Mas, da parte dos seus proponentes, tem sido parca a concretização de

medidas de justiça social e a efetiva criação de alternativas e capacidade de escolha aos «comportamentos»

prejudiciais ao ambiente e ao clima.

Ao mesmo tempo, e pelos mesmos argumentos, tem-se instituído o princípio do poluidor-pagador como o

alfa e ómega das políticas ambientais e climáticas. Aliás, a alteração à Lei de Bases do Ambiente em 2014

eliminou o artigo «proibição de poluir», tendo desencadeado toda uma nova geração de políticas ambientais

centradas ou no direito a poluir mediante compensação, ou em taxas sobre a poluição.

É necessário nortear a fiscalidade verde. Na sua globalidade, esta tem sido centrada em taxas ao consumo

pagas pelo consumidor. Corresponde à concretização de uma ideia falaciosa: a de que a crise climática é

apenas fruto do conjunto de comportamentos individuais. Desresponsabiliza-se, assim, o próprio modelo

socioeconómico vigente, nunca questionando a razão estrutural da crise climática. Segundo estes

pressupostos, não é dada a devida importância ao facto de apenas 100 empresas serem responsáveis por

71% das emissões globais de GEE. São, aliás, estas mesmas empresas que determinam, em grande medida,

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os bens de consumo e as condições em que estes são produzidos, transportados e consumidos.

Da mesma ideia central nasce a convicção de que as soluções para resolver a crise climática são

individuais e que os cidadãos, pela suposta escolha livre do que compram, forçam as empresas a vender

produtos mais sustentáveis. Esta suposição cria desigualdade no acesso à democracia, já que o poder dos

cidadãos de definir regras essenciais para a nossa sociedade estaria dependente dos seus rendimentos e

capacidade financeira. Mas a ideia contrasta ainda com a realidade. Por exemplo, uma grande empresa de

bebidas – a maior poluidora de plástico do planeta – já anunciou não estar disponível para acabar com as

garrafas descartáveis de plástico, mesmo quando existe pressão social para o efeito. É ainda preciso ter em

consideração que as camadas mais empobrecidas da população não podem ser excluídas do consumo de

bens essenciais à sua vida pelo encarecimento desses bens.

Assim, desde logo é necessário colocar a justiça social e climática no centro da ideia de qualquer

fiscalidade e concretamente na fiscalidade verde. Deve ser objetivo da fiscalidade verde a diminuição das

desigualdades, bem como das emissões de GEE e a adaptação da estrutura da produção e do consumo. É

necessário compreender que não existe solução climática para o modelo socioeconómico vigente, sendo por

isso necessárias transformações profundas do sistema de produção e consumo.

Há ainda uma componente de fiscalidade verde que é necessário aprofundar: a eliminação de incentivos,

isenções e benefícios perversos a grandes poluidores. A par, é necessária a criação de alternativas

ecologicamente sustentáveis de produção e consumo, por exemplo com regras para a diminuição de

embalagens que não se centram apenas na sua taxação. E ainda levar as empresas responsáveis por

produtos com elevadas emissões de GEE à responsabilização e à redução de emissões.

Devem ser criadas alternativas às ligações aéreas e este setor deve deixar de ter os benefícios fiscais de

que dispõe, salvaguardando sempre o caso específico e sem alternativas das ligações envolvendo as regiões

autónomas.

A emergência climática necessita de financiamento solidário e transparente e deve ser aplicado na proteção

das populações; na conservação da natureza e preservação da biodiversidade; na redução das emissões de

GEE; no aumento da captura natural de carbono e na proteção, preservação e recuperação de ecossistemas.

Participação e democracia

É constituído o direito de participação das populações nas políticas climáticas e são criados mecanismos

para proteção de ativistas climáticos e ambientais alvo de ações judiciais estratégicas contra a participação

pública.

São implementadas normas para excluir instrumentos de direito internacional privado que permitam aos

investidores exigir indemnizações derivadas de políticas climáticas que estes consideram contrários aos seus

interesses. Este tipo de mecanismo, como os investor-state dispute settlement, constituem direitos especiais

às maiores empresas globais que não estão ao alcance de cidadãos e outras empresas. Acresce que estes

mecanismos são um entrave à democracia pois colocam-se do lado da defesa dos lucros futuros das

megaempresas ao invés das políticas democráticas essenciais para combater a crise climática e promover a

sustentabilidade da vida no planeta.

Fiscalização

A presente Lei de Bases do Clima cria os mecanismos para a sua fiscalização, nomeadamente a

apresentação, discussão e aprovação pela Assembleia da República do Orçamento do Carbono, do Plano

Nacional para a Adaptação à Emergência Climática, entre outros elementos essenciais à política climática.

Cria ainda uma Comissão Técnica Independente para a Crise Climática para avaliar e monitorizar o

cumprimento da presente Lei de Bases e dos seus instrumentos.

Responder à crise sanitária, económica e social de COVID-19 e à crise climática

A presente pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e a COVID-19 vitimou já centenas de milhares de

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pessoas no globo, acentuou as desigualdades sociais e teve como consequência a destruição de empregos e

a degradação de vastos setores da economia. Aprendemos com a crise de 2008 que as respostas assentes

em políticas de austeridade são erradas pois agravam os efeitos das crises e as condições de vida da

população.

A presente crise levou à redução das emissões de GEE, tal como aconteceu com a crise financeira de

2008, no caso no norte global. No entanto, no período pós-crise financeira, ocorreu um rápido crescimento das

emissões que compensou em grande medida a redução anterior. Ou seja, manter o modelo económico

inalterado, após interregnos pontuais de aumento de emissões, faz com que persistam precisamente os

mesmos problemas que trouxeram a crise climática. São assim necessárias medidas estruturais que evitem o

regresso à normalidade de emissões.

A resposta à presente crise económica e social resultante da pandemia deve ser uma transição ecológica

que crie emprego para a transformação necessária a responder à crise climática.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS E OBJETIVOS

Artigo 1.º

Âmbito

A presente lei define as bases da política do clima, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da

Constituição da República Portuguesa.

Artigo 2.º

Objeto

Constitui objeto da presente lei o estabelecimento das bases para atingir a neutralidade climática, para a

descarbonização da economia, para a mitigação e adaptação aos efeitos da crise climática, para a resposta a

perdas e danos, para a transição energética e ecológica, para a solidariedade internacional, para a justiça

social e climática e para o financiamento das políticas climáticas.

Artigo 3.º

Objetivos

São objetivos da presente lei:

a) A definição dos princípios e objetivos para a política climática, no quadro do desenvolvimento

sustentável, da preservação dos recursos do planeta e do interesse coletivo da humanidade;

b) A justiça climática, almejando que a resposta climática tenha em consideração as responsabilidades

históricas, a proteção das comunidades mais vulneráveis à crise climática, o respeito dos direitos humanos, as

políticas de igualdade e os direitos coletivos sobre os bens comuns;

c) A garantia da proteção da população face aos impactes negativos da crise climática, avaliando e

mitigando riscos específicos associados às comunidades social e economicamente vulneráveis, e às

desigualdades de género;

d) A definição do direito e do dever fundamental do Estado e da sociedade em garantir e defender uma

política climática compatível com a qualidade de vida das populações, com a preservação da biodiversidade e

dos ecossistemas e com a sustentabilidade dos recursos do planeta;

e) O desenvolvimento de políticas públicas com vista à antecipação da data da meta para a neutralidade

climática;

f) O reconhecimento de que as emissões anuais de gases com efeitos de estufa, adiante designados de

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GEE, devem ter uma redução contínua, sendo sempre inferiores às do ano ou conjunto de anos anteriores,

garantindo a ponderação em caso de efeitos de eventos climáticos extremos ou eventos inesperados

independentes da decisão humana;

g) O reconhecimento da urgência da implementação de políticas públicas que permitam a redução

significativa das emissões de GEE até 2030 e no curto prazo;

h) O desenvolvimento de políticas de redução do horário de trabalho de toda a população respondendo à

necessidade de pleno emprego, de maior tempo livre para o trabalhador, de um novo modelo de produção,

atendendo igualmente à automatização e fazendo-o no quadro de uma repartição mais justa da riqueza

produzida;

i) O desenvolvimento da necessária adaptação do território nacional aos efeitos da crise climática e a

respetiva mitigação de riscos de forma a garantir a proteção e a segurança das populações;

j) A garantia de participação de Portugal em fóruns internacionais multilaterais para a persecução e

concretização de políticas climáticas e a definição de um quadro de solidariedade internacional para a resposta

à crise climática;

k) A definição de um quadro orientador da política climática para a descarbonização da economia, para a

transição energética e ecológica, assim como dos instrumentos que a concretizam;

l) A criação de um sistema de Orçamento do Carbono e a definição de metas para a redução de emissões

de GEE para o País e para os diferentes setores de atividade económica;

m) A criação de um Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática;

n) O reconhecimento da política climática enquanto política multissetorial e transversal aos diferentes

ministérios e áreas de atividade humana;

o) A articulação com a Lei de Bases do Ambiente no sentido de prevenir e mitigar riscos ambientais

conexos;

p) A aplicação do princípio da precaução.

Artigo 4.º

Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:

a) «Adaptação», o conjunto de ações que visam a prevenção, antecipação e minimização dos efeitos

adversos da crise climática e dos danos por esta causados;

b) «Alterações climáticas», as mudanças no clima que persistem por um período extenso em resultado da

atividade antropogénica e adicionais à variabilidade natural do clima;

c) «Crise climática» ou «emergência climática», o atual estado de riscos, impactes, perdas e danos

causados pelas alterações climáticas;

d) «Ecocídio», o dano extensivo, destruição ou perda de ecossistemas de um determinado território,

derivado da ação humana com dolo, em tal extensão que o usufruto pelos habitantes sobre tal território tenha

sido ou venha a ser severamente diminuído;

e) «Emissão de gases com efeito de estufa», a libertação, com origem antropogénica, de gases com efeito

estufa para a atmosfera;

f) «Gases com efeito de estufa», as substâncias gasosas que absorvem radiação infravermelha e que

contribuem para o aumento da temperatura, para a ocorrência de anomalias térmicas e para a permanência de

alterações climáticas;

g) «Justiça climática», o respeito pelo conjunto dos direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,

através da qual se garante a participação das populações na resposta climática, a definição do uso sustentável

dos recursos naturais e dos bens comuns, o reconhecimento de responsabilidades históricas, e uma resposta

climática que vise uma sociedade mais igualitária e justa;

h) «Mitigação», o conjunto de ações que visam reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa;

i) «Neutralidade climática», o balanço líquido, igual a zero, entre as emissões dos gases com efeito de

estufa regulados pela legislação nacional e a remoção desses gases da atmosfera, por fenómenos naturais;

j) «Perdas e danos», os impactes negativos não reversíveis, que resultam da crise climática;

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k) «Princípio da precaução», princípio sob o qual a falta de certeza científica não pode ser alegada como

razão suficiente para não adotar medidas preventivas e eficazes nas atividades que podem ter impactes

negativos relevantes no ambiente e na saúde humana;

l) «Resposta climática», o conjunto de políticas com vista à mitigação e adaptação à crise climática.

Artigo 5.º

Princípio da transversalidade

A política climática é transversal e abrange todas as áreas da atividade humana e as respetivas políticas

públicas sendo que, para tal, a presente lei de bases e os seus objetivos devem estar em permanente e

adequada articulação com as diferentes leis, instrumentos em vigor e a criar e, como tal, contar com a

participação de todos os ministérios do Governo.

Artigo 6.º

Política climática

As políticas climáticas são constituídas por um plano que inclui o Orçamento do Carbono e o Plano

Nacional para a Adaptação à Crise Climática, elaborados de forma articulada e complementar aos demais

mecanismos, instrumentos e legislação afeta à ação climática e aos seus impactes.

Artigo 7.º

Neutralidade climática

1 – O Estado português dirige a sua política para atingir a neutralidade climática, estabelecendo que o

balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses gases têm como objetivo atingir a sua

neutralidade o mais cedo possível.

2 – O Governo dirige a sua política no sentido da contínua melhoria da resposta climática, nomeadamente

através da revisão da data para atingir a neutralidade climática para garantir a sua antecipação.

Artigo 8.º

Pico de emissões

1 – As emissões de GEE têm redução contínua ao longo do tempo.

2 – O valor anual de emissões de GEE deve ser sempre inferior ao registado no ano ou conjunto de anos

anteriores.

3 – O estipulado no número anterior tem a ponderação de eventos climáticos extremos ou eventos

inesperados independentes da decisão humana, como cheias, secas, ondas de calor ou frio, pandemias, entre

outros.

CAPÍTULO II

MITIGAÇÃO

Artigo 9.º

Orçamento do Carbono

1 – É constituída a Comissão Interministerial da Ação Climática, composta pelos ministérios com a tutela da

ação climática e áreas governativas conexas, para elaborar, a cada cinco anos, um Orçamento do Carbono

para Portugal que explicita e detalha o balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses

gases, com o intuito de:

a) atingir a neutralidade climática e a sua preservação, o mais cedo possível;

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b) introduzir políticas públicas que garantam a redução de emissões de GEE e o aumento do sequestro

desses gases por fenómenos naturais no sentido de antecipar a data de neutralidade climática;

c) reduzir efetivamente em pelo menos 60% as emissões de GEE do País até 2030, face às emissões de

2005, excluindo dos cálculos de redução de emissões o sequestro de carbono;

d) detalhar, por área de atividade económica, as metas de emissões de GEE para cada ano;

e) incluir as políticas setoriais a implementar pela Administração Pública e por todos os agentes

económicos para atingir a redução de emissões de GEE;

f) incluir políticas de redução do horário de trabalho nos moldes estipulados nos objetivos da presente lei;

g) garantir a preservação e a saúde do ambiente, nomeadamente a preservação e a recuperação dos

sumidouros de carbono;

h) respeitar o princípio da precaução;

i) garantir a justiça climática.

2 – Todos os ministérios do Governo têm a responsabilidade de, nas áreas que tutelam, perseguir os

objetivos expostos na presente lei e contribuírem para a neutralidade climática, nomeadamente de participar

para a elaboração do Orçamento do Carbono e garantir o seu cumprimento.

3 – Respeitando a autonomia e as competências próprias do Governo Regional dos Açores, do Governo

Regional da Madeira e das autarquias, o Governo pode – em parceria e com a concordância destes –

inscrever no Orçamento do Carbono objetivos, políticas e financiamento de ações a desenvolver pelos

referidos órgãos no âmbito das suas competências.

4 – O Orçamento do Carbono requer a aprovação da Assembleia da República.

5 – O Orçamento do Carbono é revisto em caso de necessidade de reajustamento das suas metas e

políticas setoriais, mantendo ou reduzindo a sua meta global.

Artigo 10.º

Sequestro de carbono

1 – A comissão interministerial referida no artigo anterior estabelece, a cada cinco anos, para o setor da

produção florestal, agrícola, pecuária e aquícola, as metas anuais de sequestro de carbono.

2 – É elaborada e periodicamente atualizada uma lista dos ecossistemas terrestres, fluviais, costeiros e

marinhos com capacidade relevante de sequestro de carbono; nessa lista são mapeadas e detalhadas as

coordenadas da localização dos ecossistemas, indicada a capacidade efetiva de sequestro de carbono e

identificados, avaliados e quantificados, sob o ponto de vista biofísico, os restantes serviços que esses

ecossistemas prestam de regulação climática e outros benefícios ambientais.

3 – São estabelecidas políticas para a proteção, preservação e restauro dos ecossistemas referidos no

número anterior e definidos planos de ação e de financiamento para implementar as respetivas políticas.

Artigo 11.º

Antecipação da meta da neutralidade climática

1 – As políticas afetas à resposta climática têm como um dos objetivos primordiais a antecipação da meta

para atingir a neutralidade climática.

2 – As emissões de GEE são reduzidas em pelo menos 60% até 2030, face às emissões de 2005,

excluindo dos cálculos de redução de emissões o sequestro de carbono.

3 – A neutralidade climática é atingida até à data da meta definida pelo Governo, tendo a presente Lei por

objetivo criar as políticas tendentes à antecipação dessa meta.

4 – A data da meta para a neutralidade climática do País não é passível de ser adiada.

5 – A cada cinco anos é feita uma avaliação da meta para atingir a neutralidade climática, tendo em vista a

sua antecipação.

6 – A redução das emissões de GEE acima do previsto no Orçamento do Carbono e/ou no aumento de

sequestro de carbono devem ser primordialmente utilizadas para antecipar a data prevista para atingir a meta

da neutralidade climática.

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Artigo 12.º

Sumidouros de carbono aquáticos

1 – É implementado um plano de proteção, preservação e monitorização dos ecossistemas de elevada

capacidade de sequestro de carbono, nomeadamente os sapais, as pradarias marinhas e as florestas de

macroalgas.

2 – São implementados planos de restauro e de ampliação de áreas de distribuição histórica dos

ecossistemas referidos no número anterior.

Artigo 13.º

Sistemas de produção agrícola, florestal e pecuária extensivos

1 – Os sistemas de produção agrícola, florestal e pecuária extensivos, como o montado de sobro, o olival

tradicional ou o sistema agro-silvo-pastoril do Barroso, são apoiados pelo Estado de modo a garantir a

preservação e restauro destes agrossistemas fundamentais no sequestro de carbono, na resiliência do

território aos incêndios, na fixação de população, na proteção e preservação do solo e da biodiversidade, na

mitigação dos efeitos da crise climática e na regulação dos ciclos da água e dos nutrientes.

2 – São implementadas medidas tendo em vista a ampliação da área de sistemas de produção agrícola,

florestal e pecuária extensivos nas zonas territoriais adequadas e onde possam contribuir para a proteção e a

preservação do território, dos solos e da biodiversidade.

Artigo 14.º

Transição energética

1 – A substituição de energias fósseis por energias renováveis é priorizada nas políticas de transição

energética e está sujeita a critérios de justiça social e climática.

2 – A transição energética obedece a critérios de saúde pública e de saúde ambiental, nomeadamente no

que se refere a partículas finas, a exposição a campos eletromagnéticos e a outros riscos para a saúde.

3 – É criado um setor público para as energias renováveis e para a criação de emprego.

Artigo 15.º

Erradicação da pobreza energética

O combate à pobreza energética e a sua erradicação é central nas políticas para a transição energética.

Artigo 16.º

Energia elétrica com recurso a carvão

1 – A produção de energia elétrica a partir da queima de carvão é abandonada no território nacional até

2023, sendo para tal:

a) A Central Termoelétrica do Pego encerrada ou reconvertida durante o ano de 2021;

b) A Central Termoelétrica de Sines encerrada ou reconvertida durante o ano de 2021.

2 – As ações previstas no número anterior garantem a substituição da produção dessas fontes de energia

no mix energético nacional por fontes renováveis e sustentáveis.

3 – Os trabalhadores e as trabalhadoras, contratados diretamente ou subcontratados, afetos às entidades

referidas no n.º 1 do presente artigo, mantêm o emprego e os respetivos direitos laborais, recebem formação

sem custos para os próprios e são reafetados a funções de produção energética renovável, de transição

energética e/ou de programas de eficiência energética ou outros similares.

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Artigo 17.º

Exploração de reservas de combustíveis fósseis

1 – No período de transição energética necessário para abandonar o recurso a combustíveis fósseis, como

o petróleo, derivados, carvão e gás natural, o Estado português define como política manter todas as reservas

de combustíveis fósseis inexploradas, quer seja em meio terrestre ou marinho, incluindo as zonas marítimas

sob soberania e/ou jurisdição portuguesa, bem como em todas as áreas constantes da proposta de extensão

da plataforma continental entregue para apreciação nas Nações Unidas.

2 – O disposto no número anterior aplica-se ao território nacional e à posição do Estado português a nível

internacional, nomeadamente no que se refere à exploração de combustíveis fósseis em áreas de degelo e

águas internacionais.

Artigo 18.º

Mineração

1 – A extração de recursos minerais é interdita em áreas classificadas ao abrigo do direito nacional e

internacional, em zonas da rede nacional de áreas protegidas, em zonas da Rede Natura 2000 e outras áreas

sensíveis, terrestres ou marinhas.

2 – Nos projetos de mineração de grande área cumulativa garante-se:

a) A avaliação ambiental estratégica;

b) A transferência de riqueza entre atividades económicas existentes eventualmente incompatíveis com a

nova atividade de mineração;

c) O balanço entre a perda de capacidade de sequestro de carbono provocada pela destruição de

ecossistemas e habitats por ação de atividades de mineração e a eventual contribuição do projeto mineiro para

a redução das emissões de GEE.

3 – O Estado garante o conhecimento do território nacional e dos seus recursos através das universidades,

institutos e outras entidades públicas.

4 – O Estado português, no plano internacional, toma a posição contrária à mineração em áreas

classificadas, terrestres ou marinhas, ao abrigo do direito internacional.

Artigo 19.º

Mineração em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição nacional

1 – É aplicada uma moratória de 20 anos à mineração em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição

nacional.

2 – No final da moratória definida no número anterior é reavaliado o prolongamento da moratória face aos

conhecimentos científicos à data sobre os impactes associados à prospeção, pesquisa e exploração mineira

em zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição nacional.

Artigo 20.º

Mix energético

O Governo traça metas de penetração de eletricidade renovável no mix energético, mediante

procedimentos que reduzam custos para os utentes.

Artigo 21.º

Eletricidade renovável

Aumento de 50% da capacidade instalada de produção de energia solar e eólica até 2030, mediante

procedimentos que reduzam custos para os utentes, com prioridade para o aumento da capacidade instalada

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de produção de energia solar de âmbito local e em regime de autoconsumo.

Artigo 22.º

Produção hidroelétrica de energia

1 – Na avaliação do balanço climático da produção hidroelétrica são estimadas e consideradas as emissões

de GEE, nomeadamente metano, emitidas pelas albufeiras correspondentes.

2 – É garantida a monitorização adequada da qualidade da água das albufeiras de barragens e

implementadas medidas para a sua melhoria.

Artigo 23.º

Biocombustíveis

1 – É abandonado, de forma faseada, o recurso a biocombustíveis produzidos a partir de material vegetal

cultivado propositadamente para este efeito.

2 – É interdita a importação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma a partir de 2022.

3 – É implementado um sistema abrangente de recolha de óleos alimentares usados e da sua

transformação em biocombustíveis.

Artigo 24.º

Biomassa

1 – São promovidos ecossistemas e sistemas agroflorestais resilientes nos quais a biomassa florestal

residual é preferencialmente incorporada ou mantida nos solos, por forma a preservar o papel que a matéria

orgânica residual desempenha na manutenção da integridade ecológica e na provisão de serviços de

ecossistema como a fixação de carbono, a formação de habitats ou a prevenção da erosão hídrica.

2 – São criados protocolos técnicos, de base científica, nos quais são definidos critérios rigorosos que

permitem a remoção de biomassa florestal residual dos ecossistemas e dos sistemas agroflorestais de origem

sem pôr em causa a integridade ecológica e a provisão de serviços de ecossistema.

3 – É adaptada a capacidade instalada das unidades de produção de energia a biomassa à disponibilidade

de biomassa florestal residual do País e às necessidades energéticas regionais e locais.

4 – O abastecimento das unidades de produção de energia a biomassa é limitado a biomassa florestal

residual, certificada, rastreável e proveniente de circuitos curtos.

5 – É interdito o recurso a madeira de qualidade, biomassa de «culturas energéticas» e biomassa residual

procedente de territórios longínquos para a produção de energia a partir de biomassa.

6 – São privilegiados pequenos projetos locais de aproveitamento térmico sobre grandes projetos de

produção elétrica a partir de biomassa florestal residual.

7 – A utilização de biomassa florestal residual para fins energéticos é articulada com os instrumentos de

prevenção de incêndios rurais e de gestão territorial, nomeadamente com o Sistema de Gestão Integrada de

Fogos Rurais e com os planos regionais de ordenamento florestal.

Artigo 25.º

Fraturação hidráulica

1 – As técnicas de fraturação hidráulica são interditas no território nacional.

2 – É interdita a importação para o território nacional de hidrocarbonetos extraídos a partir de técnicas de

fraturação hidráulica.

Artigo 26.º

Areias betuminosas

É interdita a importação para o território nacional de hidrocarbonetos extraídos a partir de areias

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betuminosas.

Artigo 27.º

Energia nuclear

1 – A energia nuclear não é uma alternativa limpa às energias fósseis, atendendo aos seus riscos,

nomeadamente de acidentes, de contaminação durante os seus processos de produção, de armazenamento

de resíduos e das necessidades duradouras após o encerramento das centrais nucleares.

2 – O Estado português não permite a produção de energia nuclear no seu território.

3 – O Estado português, no plano das relações transfronteiriças, toma a posição de exigência de

encerramento de centrais nucleares junto à fronteira portuguesa e/ou que acarretem riscos para o território

nacional.

4 – O Estado português, no plano internacional, toma a posição contrária à produção de energia nuclear.

Artigo 28.º

Eficiência energética

1 – A eficiência energética é um objetivo primordial para a redução das emissões de GEE, de gasto

energético, do seu custo e para o combate à pobreza energética.

2 – São criados indicadores objetivos e mensuráveis que permitam avaliar os ganhos em eficiência

energética resultantes das políticas e instrumentos preconizados na presente lei de bases.

Artigo 29.º

Eficiência energética do edificado público

1 – O edificado habitacional do Estado e dos municípios é alvo de intervenção com vista ao aumento da sua

eficiência energética e da sua neutralidade climática.

2 – O edificado afeto aos serviços públicos é alvo de intervenção com vista ao aumento da sua eficiência

energética e da sua neutralidade climática.

3 – É dada prioridade a programas de eficiência energética no edificado habitacional público destinado a

pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica.

Artigo 30.º

Eficiência energética das habitações

1 – A eficiência energética das habitações é um fator essencial no combate à crise climática e à promoção

da justiça climática.

2 – É dada prioridade aos programas de eficiência energética das habitações das pessoas em situação de

vulnerabilidade social e/ou económica.

Artigo 31.º

Transição energética do edificado

1 – A neutralidade de emissões de GEE e a produção de energia nas habitações é um objetivo da presente

lei.

2 – São implementados programas de instalação de painéis solares e aplicadas outras medidas de

produção local de energia, priorizando-se edifícios da propriedade do Estado e edifícios de residência de

pessoas em situação de vulnerabilidade social e/ou económica.

Artigo 32.º

Neutralidade climática na Assembleia da República e no Governo

1 – Os edifícios centrais da Assembleia da República e dos ministérios atingem a neutralidade climática até

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2028, através da redução efetiva das emissões de GEE que lhes estão associadas, não recorrendo para o

efeito a mecanismos de compensação de emissões.

2 – Os edifícios referidos no número anterior tornam-se autossustentáveis, sob o ponto de vista energético,

até 2028, recorrendo para o efeito a fontes de energia renovável.

Artigo 33.º

Edifícios com reduzida pegada ecológica

1 – É dada prioridade à reabilitação de edifícios e a formas de construção menos dispendiosas de recursos

naturais e protetoras do ambiente.

2 – São aplicadas e desenvolvidas técnicas de arquitetura e de construção que permitam diminuir a pegada

ecológica dos edifícios e das habitações.

Artigo 34.º

Comunidades energéticas

1 – São criados apoios de incentivo à criação de comunidades energéticas com base em produção

localizada de energias renováveis.

2 – São criados apoios de incentivo à criação de cooperativas comercializadoras de eletricidade, pela

definição de garantias bancárias em função da energia que servem, impedindo barreiras à entrada destes

novos comercializadores.

Artigo 35.º

Autoconsumo de energia solar

Criação de um plano para produção de energia solar fotovoltaica para autoconsumo com o objetivo de

aumentar a capacidade instalada em 2 GW até 2030, metade dos quais até 2025, sob dois eixos:

a) Lançamento de concursos regionais para a instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios públicos,

com o objetivo de atingir uma potência instalada de 500 MW;

b) Financiamento de sistemas de autoconsumo comunitários, sendo o investimento público amortizado num

prazo de sete anos pela absorção de parte das poupanças realizadas pelos utilizadores.

Artigo 36.º

Transportes

1 – É dada prioridade ao investimento na mobilidade coletiva pública, à sua descarbonização e à garantia

de acesso dos cidadãos e cidadãs a esses meios de transporte.

2 – É dada prioridade ao alargamento da ferrovia no País, à sua modernização e eletrificação e à sua

interligação com o Estado espanhol, assente num Plano Ferroviário Nacional.

3 – São promovidos os modos ativos de mobilidade, como a deslocação a pé e de bicicleta.

4 – No plano europeu, o Estado português defende o fim da produção de novos automóveis movidos a

motor de combustão interna de hidrocarbonetos, até 2030.

5 – É realizada uma avaliação dos veículos com mais emissões de GEE e implementadas medidas com

vista à redução das suas emissões.

6 – É realizada uma avaliação do impacte dos veículos desportivos utilitários (SUV) nas emissões de GEE e

implementadas medidas com vista à redução das emissões causadas pelo aumento do peso e aerodinâmica

destes veículos.

Artigo 37.º

Transportes públicos coletivos

1 – As tarifas dos transportes públicos coletivos urbanos são progressivamente reduzidas de forma a atingir

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a sua gratuitidade.

2 – É garantido o pleno acesso à rede de transportes públicos coletivos a cidadãos e cidadãs com

mobilidade reduzida.

3 – São estudadas e implementadas soluções de redes de transportes públicos rodoviários, movidos a

energias renováveis, nomeadamente para locais com menor densidade populacional.

4 – São criadas ligações ferroviárias eletrificadas entre todas as capitais de distrito.

5 – São modernizadas e eletrificadas todas as linhas e ramais de âmbito nacional e regional e construídas

novas ligações de modo a criar uma rede ferroviária que promova a coesão territorial.

6 – São criadas ligações funcionais e eletrificadas entre as principais cadeias logísticas aeroportuárias,

portuárias, de mercadorias e transfronteiriças ibéricas.

7 – É alargada a cobertura territorial das redes de metropolitano nos grandes centros urbanos e

modernizadas as infraestruturas com necessidade de requalificação.

Artigo 38.º

Modos ativos de mobilidade

1 – É criado um programa de apoio às deslocações pendulares em bicicleta.

2 – É promovida a intermodalidade dos transportes públicos coletivos e dos modos ativos de mobilidade.

3 – É garantida a gratuitidade dos sistemas públicos de bicicletas partilhadas.

4 – É incentivado o uso de bicicletas de carga nos sistemas de logística urbana.

5 – É criado um plano de financiamento adequado às autarquias locais, e em articulação com estas, para a

implementação das medidas de incentivo aos modos ativos de mobilidade.

6 – É implementada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030 e são antecipadas as

metas nela definidas, tal como as medidas para as alcançar.

7 – É criada e implementada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal 2020-2030.

Artigo 39.º

Aviação e voos domésticos no território nacional continental

1 – As ligações aéreas internas entre os aeroportos do Porto, Lisboa e Faro são progressivamente

substituídas até 2030 por ligações ferroviárias reforçadas, rápidas e de preço acessível.

2 – No quadro internacional, o Estado português defende a eliminação dos incentivos, isenções e

benefícios ao setor da aviação devido ao elevado contributo do setor para as emissões globais de GEE.

Artigo 40.º

Transporte marítimo

1 – São definidas metas no Plano Nacional de Energia e Clima 2021-2030 para a redução das emissões de

GEE provenientes do setor do transporte marítimo, designadamente dos navios de comércio e de cruzeiro que

navegam nas zonas marítimas sob soberania e/ou jurisdição portuguesa.

2 – As metas referidas no número anterior são definidas em função das indicações da estratégia para a

redução de GEE da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas.

3 – São implementadas medidas para o uso de combustíveis menos poluentes nos navios, privilegiando a

transição do setor do transporte marítimo para fontes de energia renovável.

4 – É promovida e implementada uma Área de Controlo de Emissões em articulação com os países do

Mediterrâneo, na área marítima entre o Mar Mediterrâneo (inclusive) e a Área de Controlo de Emissões já

existente do Canal da Mancha.

5 – São criadas condições infraestruturais nos portos do território nacional, no sentido de fornecer

eletricidade, produzida a partir de fontes de energia renovável, às embarcações que utilizam os portos

portugueses (cold ironing).

6 – No quadro internacional, o Estado português defende junto das entidades competentes a eliminação de

incentivos, isenções e benefícios sobre os combustíveis fósseis concedidos ao setor do transporte marítimo,

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designadamente aos navios de comércio e de cruzeiro.

Artigo 41.º

Indústria pesada

1 – É criada a Inspeção-Geral das Emissões Industriais, com as seguintes incumbências:

a) Análise e inspeção regular das maiores unidades industriais do País no que respeita às emissões de

GEE, nomeadamente nas áreas da energia, do cimento e da celulose, podendo a sua atividade ser alargada a

outros setores;

b) Promover a redução, para metade, do conjunto das emissões da indústria pesada através da

eletrificação, aumento de eficiência ou outras opções técnicas.

2 – Após se atingir a redução de emissões de GEE das unidades industriais, a Inspeção-Geral das

Emissões Industriais é extinta e os seus quadros são integrados na Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do

Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).

3 – É promovida a reconversão da indústria cimenteira através da integração de produtos mais ecológicos e

sustentáveis nos seus processos industriais, como a incorporação de resíduos de construção e demolição,

reduzindo as emissões de GEE e a necessidade extrativa.

Artigo 42.º

Obsolescência programada

1 – É criado um programa de combate à obsolescência programada, garantindo uma maior durabilidade,

possibilidade de substituição de peças e de conserto de equipamentos.

2 – É promovida a durabilidade dos produtos, em particular eletrónicos, por alargamento dos períodos de

garantia e por comparticipação dos custos de reparação.

Artigo 43.º

Circuitos de produção-consumo de proximidade

1 – É promovido o consumo de produtos provenientes de circuitos curtos e com menor pegada ecológica.

2 – É promovida a produção e o consumo de bens alimentares de proximidade e de agriculturas

sustentáveis.

Artigo 44.º

Redução de bens descartáveis

A redução de bens descartáveis é alcançada através de medidas legislativas que promovam:

a) A sustentabilidade de um sistema de economia circular;

b) A redução de bens de uso único, nomeadamente de plástico;

c) A criação de um plano de redução de embalagens e de combate à sobreembalagem;

d) A criação de sistemas de tara recuperável como meio de reutilização de embalagens;

e) A implementação de programas de substituição do uso do plástico em embalagens descartáveis por

materiais biodegradáveis.

Artigo 45.º

Resíduos

1 – É criado um programa para a redução de resíduos, implementando mecanismos e instrumentos que

permitam a sua redução através da reutilização.

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2 – É implementado um programa de reciclagem que permita aumentar a taxa de recolha e tratamento de

resíduos passíveis de serem reciclados.

3 – São criados programas de recolha seletiva de resíduos porta-a-porta.

4 – Para a manutenção da atividade das empresas gestoras de resíduos é fator imperativo o cumprimento

das metas estipuladas nos seus contratos.

5 – A deposição em aterro é uma solução de final de linha que deve ser desincentivada, pelo planeamento

anterior de produção e consumo e pelos custos estipulados às entidades gestoras para essa deposição.

6 – É garantida a redução, conducente à supressão, do movimento transfronteiriço de resíduos para

eliminação e deposição em aterro, de e para o território nacional, de forma a respeitar e cumprir o princípio da

autossuficiência e da proximidade.

Artigo 46.º

Pecuária

1 – São avaliadas e contabilizadas as emissões de GEE da produção pecuária intensiva e, quando

aplicável, da destruição e degradação de floresta ou de outros ecossistemas para essa atividade.

2 – São instituídas medidas para garantir a redução das emissões de GEE da produção pecuária.

3 – São reforçados os mecanismos e políticas públicas para garantir que a pecuária intensiva não afeta,

através de poluição, a sustentabilidade dos recursos hídricos e o bom estado ambiental dos cursos de água e

dos solos.

4 – É promovida a transição da pecuária intensiva para regimes de pecuária com menores emissões

associadas de GEE, como os sistemas de produção pecuária extensiva.

Artigo 47.º

Contratação pública

A contratação de bens e serviços por parte do Estado, dos seus organismos, das autarquias e de empresas

públicas majora positivamente as opções neutras em GEE e de ciclos de produção-consumo de proximidade.

CAPÍTULO III

ADAPTAÇÃO

Artigo 48.º

Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática

1 – É elaborado um plano nacional para a adaptação à crise climática, revisto a cada cinco anos, que prevê

os instrumentos e os mecanismos nesse domínio, nomeadamente para o planeamento e ordenamento do

território, para a gestão das áreas marinhas, para o ordenamento florestal e agrícola, para a sustentabilidade

dos recursos hídricos, para a saúde pública e ambiental e para a proteção civil.

2 – O Plano Nacional para a Adaptação à Crise Climática inclui políticas de criação de emprego para a

persecução dos objetivos constantes do mesmo.

3 – O referido plano nacional está sujeito ao princípio da precaução e à justiça climática.

4 – O Governo elabora um relatório anual relativo ao cumprimento do Plano Nacional para a Adaptação à

Crise Climática.

Artigo 49.º

Ordenamento do território

1 – É elaborada uma cartografia de risco e estratégias de adaptação a fenómenos climáticos extremos que

podem causar ondas de calor, secas, inundações, tempestades marítimas e terrestres, entre outros.

2 – São elaborados programas de defesa e mitigação dos efeitos da erosão costeira, nomeadamente

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através da recarga natural de sedimentos, sempre que possível, e da proibição de construção de nova

edificação em áreas de risco.

3 – Para áreas litorais de baixa cota, mais vulneráveis, são criadas soluções adequadas, privilegiando as

soluções de engenharia natural, de manutenção e de restauro das barreiras naturais, e de soluções que

assegurem a sua estabilidade e os direitos das populações.

4 – É garantida a participação das populações nos processos de adaptação aos efeitos da crise climática,

nomeadamente na tomada de decisões políticas e enquanto agentes ativos na proteção do território, na

preservação das barreiras naturais e dos sumidouros de carbono.

5 – O disposto no presente artigo é articulado com os instrumentos de ordenamento do território, planos de

ação, planos de risco e planos de gestão.

Artigo 50.º

Espaço urbano

1 – A adaptação do espaço urbano aos efeitos da crise climática é apoiada pelo Estado, tendo como

objetivo a criação de corredores ecológicos e a conservação da biodiversidade em meio urbano, impedindo a

excessiva impermeabilização dos solos e o efeito de ilha urbana de calor.

2 – O espaço urbano é gerido e intervencionado com vista à redução dos riscos da crise climática,

nomeadamente através da redução dos riscos de cheia, de ondas de calor e frio, de incêndios, entre outros.

3 – O espaço urbano é organizado de forma a garantir infraestruturas naturais para a melhoria da qualidade

do ar, sombreamento, regulação hídrica e sequestro natural de carbono, nomeadamente através de parques

arbóreos de dimensão e tipologia adequadas.

4 – A preservação e a intervenção no parque arbóreo urbano são efetuadas por técnicos especializados em

arboricultura e sujeitas a um regulamento geral a criar, validado cientificamente.

5 – O desenho do tecido urbano tem em conta a redução das necessidades de deslocação e a importância

da existência de uma rede pública de transportes coletivos descarbonizada, acessível e eficiente.

6 – A intervenção no edificado urbano orienta-se pelo princípio da neutralidade climática dos edifícios

através de ganhos de eficiência energética e de produção de energia renovável, priorizando-se as

intervenções no edificado do Estado e nos edifícios de habitação das pessoas em situação de vulnerabilidade

social e/ou económica.

7 – A requalificação do edificado é preferível à construção de novos edifícios.

Artigo 51.º

Ordenamento agroflorestal

1 – É promovida a transição ecológica agroflorestal, abandonando a monocultura intensiva e superintensiva

e apostando num modelo mais diverso, resiliente e que tira proveito dos processos ecológicos, com menos

consumo de fatores de produção, nomeadamente adubos e produtos fitofarmacêuticos, com mais resiliência

aos incêndios e à seca e com menos emissões de GEE.

2 – São elaboradas políticas com a finalidade de promover a descontinuidade florestal e a gestão da

matéria combustível, combater a proliferação de plantas invasoras com a plantação de espécies autóctones,

reduzir o número de ignições de fogos rurais e para debelar a sua intensidade.

3 – É garantida a capacitação do sistema de proteção civil de forma a dar resposta aos incêndios rurais,

nomeadamente através da prevenção, do salvamento e auxílio às populações.

4 – São promovidos processos de transformação de matérias-primas e de consumo de bens agroflorestais

em circuitos de produção-consumo de proximidade.

5 – O disposto no presente artigo é articulado com a Lei de Bases da Política Florestal, os planos regionais

de ordenamento florestal, o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais e outros instrumentos de

ordenamento do território.

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Artigo 52.º

Reformulação da política agrícola comum

1 – O Estado português defende no plano europeu a reformulação da política agrícola comum (PAC) no

sentido de a distribuição dos seus fundos ser mais justa, nomeadamente para os pequenos agricultores e para

meios de produção mais sustentáveis.

2 – A reformulação da PAC deve privilegiar a transição ecológica agroflorestal como resposta à crise

climática e terminar o financiamento público aos sistemas de produção em monocultura intensiva e

superintensiva.

Artigo 53.º

Sustentabilidade dos recursos hídricos

1 – É reconhecido o direito humano à água.

2 – São elaboradas políticas para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos e de proteção perante

inundações e períodos de seca.

Artigo 54.º

Ciclo da água

1 – São previstas medidas para aumentar a eficiência dos usos e do ciclo da água, nomeadamente:

a) Uma rede de separação e reutilização das águas pluviais;

b) A reutilização nas habitações das águas residuais aí criadas;

c) O tratamento das águas residuais para reutilização;

d) A criação de um programa de rega dos campos de golfe exclusivamente a partir de águas residuais

tratadas.

2 – O disposto no presente artigo e no anterior é articulado com a Lei da Água, o Plano Nacional da Água e

outra legislação relevante.

Artigo 55.º

Saúde pública e saúde ambiental

São avaliados os riscos e elaborados planos de atuação perante fenómenos climáticos extremos,

surgimento de novas doenças ou agravamento da incidência de doenças em resultado da crise climática,

dando destaque e reforçando as áreas de intervenção em saúde pública e em saúde ambiental.

Artigo 56.º

Proteção civil

É garantida uma proteção civil capacitada para responder às populações e ao território no quadro dos

riscos da crise climática.

Artigo 57.º

Preparação frente a eventos climáticos extremos

1 – Os riscos e a vulnerabilidade da população face a eventos climáticos extremos são mitigados através de

políticas públicas delineadas pelos princípios orientadores, prioridades de ação e metas estabelecidas no

Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030 ou outros instrumentos que se adotem

na sua aplicação. Concretamente, as políticas públicas a desenvolver para a preparação frente a eventos

climáticos extremos terão como objetivos:

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a) A redução da mortalidade provocada por catástrofes naturais;

b) A redução do número de pessoas afetadas por catástrofes naturais, priorizando as pessoas em situação

de vulnerabilidade social e/ou económica;

c) A diminuição dos danos causados nas infraestruturas essenciais à prestação de serviços públicos,

património cultural e setores de atividade económica;

d) A diminuição dos danos causados nos ecossistemas através de medidas de conservação e restauro

adequadas que permitem aumentar a sua resiliência;

e) A definição de estratégias de redução de riscos de catástrofes naturais a nível nacional, regional e local;

f) O reforço da cooperação e da solidariedade internacional com os países do Sul Global, prestando apoio

adequado à implementação das medidas previstas no Quadro de Sendai;

g) A introdução da perspetiva de género em todas as ações relativas à mitigação e redução de riscos face a

eventos climáticos extremos, tais como medidas de prevenção, reação e compensação.

2 – As políticas públicas de adaptação à crise climática quando vertidas em instrumentos de planeamento

são orientadas pelas medidas, indicadores e planos de contingência estabelecidos no Quadro de Sendai.

Artigo 58.º

Deslocalização de populações devido a perdas e danos

1 – As populações devem ser protegidas de perdas e danos resultantes da crise climática, nomeadamente

em zonas vulneráveis à subida do nível médio do mar.

2 – As condições e procedimentos para a deslocalização de populações no sentido de as proteger de

perdas e danos causados pelos efeitos da crise climática climáticas são obrigatoriamente participados e

mediados pela própria comunidade.

3 – São identificadas as principais zonas populacionais do território nacional vulneráveis à subida do nível

médio do mar.

4 – São elaborados planos de preparação de deslocalização de populações em zonas críticas, de modo a

preparar adequada e atempadamente eventuais necessidades de deslocalização.

5 – É garantido financiamento público adequado e suficiente para a deslocalização de populações quando

esta seja inevitável.

CAPÍTULO IV

COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL

Artigo 59.º

Princípio da participação internacional

O Estado português integra a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

Artigo 60.º

Política externa na área do clima

1 – No quadro das suas relações externas e na sua participação em organizações e conferências

internacionais, o Estado português participa e promove ativamente na criação de compromissos para:

a) O reforço, antecipação e cumprimento das metas para a redução de emissões de GEE e para atingir a

neutralidade climática;

b) Objetivos comuns, vinculativos e efetivos de resposta à crise climática e à preservação do ambiente e da

biodiversidade;

c) A adaptação da produção tendendo à preservação dos recursos naturais e do bom estado ecológico do

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planeta;

d) A justiça climática.

2 – O Estado português cumpre os seus compromissos internacionais na área da solidariedade e

cooperação climática, nomeadamente de financiamento.

Artigo 61.º

Fenómenos climáticos extremos no exterior

O Estado português colabora e participa, no quadro das suas relações internacionais, em mecanismos de

auxílio a países assolados por fenómenos climáticos extremos e pelas suas consequências.

Artigo 62.º

Perdas e danos no exterior

1 – O Estado português participa solidariamente no financiamento global de programas de resposta às

perdas e danos causados pela crise climática, nomeadamente através das obrigações por si assumidas na

Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

2 – O Estado português desenvolve ações de cooperação para dar resposta a perdas e danos no âmbito

das relações internacionais com países de língua oficial portuguesa.

Artigo 63.º

Ecocídio

1 – É reconhecido o crime de ecocídio e o mesmo é incluído e tipificado no ordenamento jurídico português.

2 – O Estado português apresenta e apoia propostas a nível internacional no sentido de incluir o ecocídio

na lista de crimes que afetam a comunidade internacional no seu conjunto.

Artigo 64.º

Refugiados climáticos

1 – O Estado português reconhece o estatuto de refugiado climático a pessoas que se vejam forçadas a

sair do seu território de origem devido a ameaças à resiliência e à segurança desse território em resultado de

uma situação da emergência climática.

2 – Portugal declara-se País de acolhimento de refugiados climáticos.

Artigo 65.º

Projetos internacionais

O Estado português participa e desenvolve projetos de cooperação internacional na área climática tendo

em vista a transferência de conhecimento e tecnologia, de capacitação e de projetos de mitigação e/ou

adaptação aos efeitos da crise climática.

Artigo 66.º

Financeirização da resposta climática

No quadro das suas relações internacionais, o Estado português opõe-se à financeirização dos

instrumentos de resposta climática e a mecanismos de constituição do direito a poluir, opondo-se

nomeadamente:

a) Ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão;

b) À criação de um mercado global de emissões;

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c) À criação de um mercado para o capital natural.

Artigo 67.º

Informação da política internacional climática

Na área da política climática, é publicado no Portal do Governo:

a) As metas e compromissos internacionais a que o Estado português está vinculado;

b) A listagem de projetos de cooperação internacional em que o Estado português está envolvido com a

respetiva descrição, objetivos, organizações envolvidas, financiamento e resultados.

CAPÍTULO V

CONHECIMENTO

Artigo 68.º

Investigação e desenvolvimento

1 – A política de investigação científica e desenvolvimento tecnológico é enquadrada nas necessidades

inerentes ao cumprimento do Orçamento do Carbono e do Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática, da

redução das emissões de GEE, da preservação e restauro de sumidouros de carbono, da conservação e

preservação da natureza, da avaliação dos riscos e impactes da crise climática e da proteção das populações.

2 – O Estado português e as suas instituições participam ativamente em equipas internacionais de

investigação científica e desenvolvimento tecnológico no âmbito da crise climática planetária.

3 – O Estado português deve garantir o financiamento ou cofinanciamento adequado e suficiente para a

execução dos projetos referidos nos números anteriores deste artigo.

Artigo 69.º

Educação

1 – O sistema de ensino integra conteúdos relativos à crise climática.

2 – Quando adequado, são disponibilizadas ferramentas de conhecimento na área das alterações

climáticas a museus, centros de ciência, bibliotecas e a meios de comunicação e divulgação.

3 – É dada formação e capacitação neste domínio a adultos, em particular os que tenham profissões ou

atividades diretamente relacionadas com as alterações climáticas e com o impacto direto nos objetivos

preconizados na presente lei de bases, de forma a assegurar a participação informada de todos os cidadãos e

cidadãs em matérias relativas à crise climática.

Artigo 70.º

Educação ambiental

1 – A rede de professores com competências técnico-pedagógicas para a coordenação e dinamização de

projetos desenvolvidos em articulação com instituições públicas, nomeadamente com o serviço de saúde

pública e em especial com a área da saúde ambiental, com organizações não governamentais de ambiente

(ONGA) ou ancorados em equipamentos de apoio à educação ambiental é um elemento importante da Lei de

Bases do Clima e deve ser reforçada.

2 – São promovidas campanhas de sensibilização para a prevenção e para os riscos inerentes à crise

climática.

3 – A educação ambiental tem como desígnios:

a) Cultivar a «educação ambiental permanente», ao longo da vida, a integrar em espaços de educação

formal e não formal, reconhecendo a importância da dimensão da transformação social exigida no presente

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momento e que requer uma profunda mudança comportamental, de políticas e de práticas, a todos os níveis

societais (do governo às empresas e escolas);

b) Capacitar para a transformação social, através do envolvimento democrático dos cidadãos e cidadãs –

crianças, jovens e adultos de diferentes idades – em iniciativas individuais e coletivas de resolução dos

problemas que afetam a sua vida, as comunidades onde vivem e a sociedade;

c) Admitir a inevitabilidade de uma dimensão política da educação ambiental, reconhecendo as articulações

entre os problemas ambientais e as lógicas de crescimento económico e de exploração/desigualdade.

CAPÍTULO VI

FISCALIDADE E FINANCIAMENTO

Artigo 71.º

Fiscalidade verde

1 – A fiscalidade com incidência na área climática enquadra-se nos princípios de progressividade e de

justiça fiscal e visa:

a) Diminuir as desigualdades;

b) Reduzir as emissões de GEE;

c) Adaptar a estrutura da produção e de consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento

ambiental e climático;

d) Promover a justiça social e a justiça climática.

2 – São criadas alternativas na produção e no consumo que permitam a escolha e posterior substituição

para métodos com melhor balanço climático, privilegiando os métodos neutros em emissões de GEE.

3 – São eliminados os incentivos, isenções e benefícios perversos a setores de atividade económica com

grande contributo para as emissões de GEE.

4 – A fiscalidade não confere o direito a poluir ou a emitir GEE.

Artigo 72.º

Aviação e navegação internacionais

No quadro internacional, o Estado português defende a eliminação de incentivos, isenções e benefícios a

setores de atividade económica com grande contributo para as emissões globais de GEE, nomeadamente a

aviação e a navegação marítima de transporte de mercadorias.

Artigo 73.º

Ligações aéreas nas regiões autónomas

1 – As ligações aéreas com partida ou destino na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da

Madeira são consideradas políticas essenciais de coesão do território e de ligação a regiões ultraperiféricas.

2 – As ligações aéreas definidas no número anterior podem ter disposições especiais, nomeadamente ao

nível do preço ao utente e outros benefícios.

Artigo 74.º

Financiamento da resposta climática

1 – A alocação do financiamento das ações de mitigação, adaptação e resposta a perdas e danos no

âmbito da política climática cumprem os seguintes critérios:

a) Proteção das populações;

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b) Conservação da natureza e preservação da biodiversidade;

c) Redução das emissões de GEE;

d) Aumento da captura natural de carbono;

e) Proteção, preservação e restauro de ecossistemas.

2 – O financiamento da resposta climática é alocado de acordo com as políticas e prioridades constantes do

Orçamento do Carbono, Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática e as necessárias para fazer face a

perdas e danos.

3 – É dada prioridade ao financiamento de projetos e objetivos que demonstrem maior custo-eficácia e

promovam a justiça climática.

4 – O Estado português recorre a fundos europeus e internacionais na resposta climática.

5 – O financiamento global da resposta climática e das suas ações são publicadas no Portal do Governo.

CAPÍTULO VII

PARTICIPAÇÃO E DEMOCRACIA

Artigo 75.º

Participação

É constituído o direito de participação das populações nas políticas climáticas.

Artigo 76.º

Proteção de ativistas climáticos e ambientais

São criados mecanismos de proteção, nomeadamente apoio judicial, a cidadãos e cidadãs que promovam

ações em prol da defesa do clima e do ambiente.

Artigo 77.º

Proteção da democracia

1 – O bem comum das políticas climáticas é de importância nacional e internacional.

2 – O Estado português não integra acordos que prevejam instrumentos de direito internacional privado que

atribuam a investidores os direitos especiais de, por essa via, exigirem compensações derivadas de políticas

climáticas que estes consideram contrários aos seus interesses.

CAPÍTULO VIII

FISCALIZAÇÃO

Artigo 78.º

Fiscalização

1 – Incumbe à Assembleia da República a avaliação e fiscalização da presente lei, promovendo para tal o

conjunto de iniciativas que considere necessárias.

2 – A Assembleia da República organiza a apresentação e discussão anual:

a) Do Orçamento do Carbono;

b) Do relatório do Governo sobre o cumprimento do Orçamento do Carbono e os riscos para Portugal

inerentes ao atual e previsível impacto da crise climática;

c) Do Plano Nacional de Adaptação à Crise Climática e respetivo relatório;

d) Do relatório da Comissão Técnica Independente para a Crise Climática;

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e) Da informação enviada pela Inspeção-Geral das Emissões Industriais;

f) Da informação enviada no âmbito dos planos de saúde pública relacionados com a política climática;

g) De outros elementos que considera relevantes.

Artigo 79.º

Comissão Técnica Independente para a Crise Climática

1 – É criada a Comissão Técnica Independente para a Crise Climática, adiante abreviadamente designada

Comissão, cuja missão consiste na avaliação e monitorização do cumprimento da Lei de Bases do Clima, das

suas metas e dos seus objetivos.

2 – A Comissão é composta por catorze técnicos especialistas de reconhecido mérito, nacionais e

internacionais, com competências no âmbito das ciências climáticas, ordenamento do território, ambiente e/ou

energia.

3 – Os membros da Comissão são designados para um mandato de cinco anos do seguinte modo:

a) Seis peritos designados pelo Presidente da Assembleia da República, ouvidos os grupos parlamentares;

b) Seis peritos indicados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e designados pelo

Presidente da Assembleia da República, um dos quais é o presidente;

c) Dois peritos indicados por organizações não governamentais ambientais e designados pelo Presidente

da Assembleia da República.

4 – Os membros da Comissão:

a) atuam de forma independente no desempenho das funções que lhes estão cometidas pela presente lei,

não podendo solicitar nem receber instruções da Assembleia da República, do Governo ou de quaisquer

outras entidades públicas ou privadas, incluindo as entidades que participam nos processos relativos à Lei de

Bases do Clima;

b) não poderão desempenhar outras funções públicas ou privadas que possam objetivamente ser

geradoras de conflitos de interesse com as suas funções na Comissão.

5 – A Comissão tem acesso a toda a informação necessária ao cumprimento da sua missão, encontrando-

se obrigadas todas as entidades públicas e privadas ao fornecimento atempado de tal informação, e aos

esclarecimentos adicionais que lhes forem solicitados, obedecendo esta disposição às regras previstas na lei

em matéria de segredo de Estado e de segredo de justiça.

6 – Anualmente, a Comissão apresenta um relatório à Assembleia da República, e procede à divulgação do

mesmo no seu sítio eletrónico.

7 – O referido relatório é composto por dados relativos à atividade desenvolvida no âmbito do cumprimento

da Lei de Bases do Clima e por recomendações para a persecução das suas metas e objetivos.

8 – Os membros da Comissão não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais

ou no seu emprego permanente por virtude do desempenho do seu mandato.

9 – O apoio administrativo, logístico e financeiro da Comissão é assegurado pelos serviços a disponibilizar

pela Assembleia da República, incluindo a remuneração dos respetivos membros, e é definido a cada cinco

anos.

CAPÍTULO IX

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 80.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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Assembleia da República, 28 de outubro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Nelson Peralta — Pedro Filipe Soares — Mariana

Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires —

Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro —

Luís Monteiro — Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina

Martins.

———

PROJETO DE LEI N.º 598/XIV/2.ª LEI DE BASES DO CLIMA

Exposição de motivos

A política climática é, nas suas diferentes e múltiplas vertentes, um instrumento indispensável ao

desenvolvimento de uma economia sustentável, à preservação da natureza, à construção de uma sociedade

mais justa e, ainda, ao aumento da qualidade de vida dos cidadãos.

A confirmação da gravidade e rápida evolução das alterações climáticas e dos respetivos impactos

negativos para a biodiversidade, a sustentabilidade ambiental, a qualidade de vida e, no limite, para as

próprias condições de existência de vida na Terra, convocou a comunidade internacional para a celebração de

mecanismos de colaboração, traduzidos em sucessivos acordos internacionais – desde a Convenção Quadro

das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, assinada no Rio de Janeiro no ano de 1992, aos respetivos

instrumentos de aplicação, com destaque para o Protocolo de Quioto de 1997 e para o Acordo de Paris de

2015 –, bem como para a adoção de medidas com relevância estrutural na economia e na sociedade, as

quais, num processo de inovação permanente, estão em curso a nível global e, com particular destaque, na

União Europeia (UE), que elegeu o combate às alterações climáticas como um dos objetivos prioritários da sua

atuação, em conformidade com o artigo 191.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e com

reflexo na recente iniciativa da Comissão Europeia de submissão da primeira Lei Europeia do Clima, cujos

objetivos foram entretanto revistos para incluir uma redução de 55% de emissão de GEE até 2030, como base

para atingir a neutralidade carbónica em 2050.

A UE assumiu o papel de principal impulsionadora da resposta internacional à crise climática, através,

designadamente, da aprovação do Pacto Ecológico Europeu («Green Deal»), que prevê um plano de ação

para (i) impulsionar a utilização eficiente dos recursos através da transição para uma economia circular e (ii)

restaurar a biodiversidade e reduzir a poluição, apontando para o objetivo da Europa ser o primeiro continente

climaticamente neutro em 2050.

Portugal é um dos países da UE que será mais afetado pelos efeitos das alterações climáticas, com

impactos, designadamente, na erosão costeira, no risco da subida do nível das águas do mar, na perda de

qualidade e quantidade de disponibilidades hídricas, na desertificação, nos incêndios florestais e nos eventos

hidrológicos extremos, importando que se implementem políticas públicas eficazes e transversais, destinadas a

fazer face a estas ameaças. É já claro que Portugal enfrenta, nos dias que correm, uma emergência climática

à qual todas as instituições, empresas e cidadãos estão convocados para agir em conformidade.

A Lei de Bases do Ambiente em vigor (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril) contempla as alterações climáticas

como componente associado aos comportamentos humanos objeto da política do ambiente. Contudo, em face

da centralidade que a política climática tem assumido a nível glocal e, em particular, no espaço social,

económico e geográfico em que Portugal se insere – a União Europeia –, afigura-se incontornável destacar a

sua importância no quadro legislativo nacional, através da aprovação do presente projeto de lei de bases do

clima.

Neste contexto, deve ser aprovada pela Assembleia da República uma lei de bases do clima, enquanto

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instrumento jurídico de enquadramento das principais opções para fazer face aos desafios decorrentes das

alterações climáticas, quer em termos de mitigação, quer de adaptação.

A magnitude da tarefa assim assumida, não dispensa, para além da responsabilidade inalienável dos

poderes públicos, a participação da generalidade da sociedade civil – cidadãos, empresas, organizações não

governamentais e centros e grupos de investigação e reflexão – na consecução deste objetivo nacional, razão

pela qual é premente investir na formação e capacitação climática dos cidadãos e na previsão de mecanismos

de incentivo à melhoria do comportamento climáticos dos cidadãos e das empresas. Também nesta linha,

afigura-se essencial adotar uma política fiscal indutora de padrões de consumo mais saudáveis e sustentáveis

e para a internalização de externalidades negativas, como constituiu exemplo as medidas aprovadas no âmbito

da reforma da fiscalidade verde, aprovada pelo Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, tendo presente que a

aceitação social das medidas ambientais na área fiscal depende, em larga medida, da perceção clara dos seus

objetivos e da promoção do princípio da justa repartição dos encargos. Por outro lado, no que respeita ao

investimento público, devem seguir-se critérios de eficiência, promotores de um crescimento verde inclusivo,

tendo em vista os objetivos da descarbonização, da economia circular, da coesão territorial e da mitigação e

adaptação às alterações climáticas.

Com a presente iniciativa pretende-se, assim, estabelecer um quadro jurídico de base da política do clima,

que preveja mecanismos e instrumentos de resposta urgente e eficaz às alterações climáticas, seja no plano

da adaptação, seja da mitigação, por forma a estabelecer uma política do clima eficaz, clara, coerente e

ordenada, nos diferentes níveis de atuação, articulada com a política do ambiente, bem como com cada um

dos setores conexos, que garanta a distribuição equitativa dos custos e dos benefícios que decorram da

aplicação das soluções deste projeto.

Entre esses instrumentos e principais medidas previstos no presente projeto de lei, destacam-se, entre

outros, (i) a previsão da obrigação de fixação, por ato legislativo, de metas nacionais vinculativas de redução

de emissões de gases com efeito de estufa, bem como da respetiva remoção através de sumidouros de

carbono; (ii) a clarificação e o reforço do papel a desempenhar neste domínio por cada um dos sujeitos da

ação climática, procurando envolver os diferentes agentes, seja públicos, seja privados; (iii) a previsão da

criação de uma entidade independente – o Conselho para a Ação Climática (CAC) –, não sujeita a direção,

superintendência ou tutela governamental, composta por especialistas, dedicada à análise e avaliação das

alterações climáticas e da política do clima e sujeita a obrigações de reporte perante a Assembleia da

República, bem como de um portal da ação climática abrangente, destinado a promover a transparência,

divulgação de informação e de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios; (iv) o

desenvolvimento e a concretização da política do clima através de instrumentos especiais como os planos

(nacionais e municipais) e programas setoriais de ação climática e (v) a consideração do comportamento

climático dos agentes económicos, seja para efeitos da eliminação progressiva da subsidiação pública de

atividades económicas contrárias aos objetivos do presente projeto, seja como fator relevante de atribuição de

subsídios, outros apoios públicos às empresas e financiamento de projetos.

Pelo importante papel que o Estado e demais entes públicos assumem enquanto agentes e motores da

ação climática, deu-se também especial destaque aos programas de descarbonização no âmbito da

Administração Pública.

O presente projeto de lei reconhece ainda a necessidade de assegurar a transversalidade da política do

clima, impondo a sua consideração em todos os setores da vida económica, social e cultural e a sua

articulação e integração com as demais políticas setoriais – passando também a exigir-se que todas as

políticas nacionais avaliem o respetivo impacto climático –, bem como com a política fiscal, que deve,

nomeadamente, promover e incentivar a transição para a neutralidade carbónica e contribuir para o

financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e

para o incremento da capacitação climática dos cidadãos, bem como para reduzir os impostos sobre o

rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal.

Procurou-se, por fim, estabelecer um quadro de reforço da transparência, de prestação de contas e da

efetivação da política do clima, bem como o aumento da eficiência dos sistemas de informação, de reporte e

da monitorização, incumbindo, em especial, à Assembleia da República e ao CAC a avaliação permanente

desta política e da eficácia da sua execução.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo

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assinados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentam o seguinte projeto de lei:

TÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece as bases da política do clima.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Acordo de Paris», o acordo adotado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, no âmbito da Convenção

Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas;

b) «Adaptação às alterações climáticas», as medidas e ajustes de sistemas humanos e naturais, como

resposta a estímulos climáticos projetados ou reais, ou aos seus efeitos, que podem limitar os danos ou tirar

proveito de seus aspetos positivos;

c) «Alteração climática», uma modificação no clima atribuível, direta ou indiretamente, à atividade humana

que altera a composição da atmosfera global e que, conjugada com as variações climáticas naturais, é

observada durante períodos de tempo comparáveis;

d) «Emissões», a libertação de gases com efeito de estufa e ou seus precursores na atmosfera sobre uma

área específica e durante certo período;

e) «Gases com efeito de estufa (GEE)», os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como

antropogénicos, que absorvem e reemitem a radiação solar;

f) «Mitigação das alterações climáticas», as ações e processos que conduzem à redução de emissões

antropogénicas de GEE para a atmosfera, nomeadamente, através do aumento da capacidade de absorção e

dos sumidouros que acumulam e armazenam estes gases;

g) «Neutralidade carbónica», o balanço neutro entre emissões de GEE e o sequestro de carbono

equivalente pelo uso do solo, das florestas, do oceano, das pradarias marinhas, dos sapais e das florestas de

algas;

h) «Neutralidade fiscal», o balanço neutro da carga fiscal global;

i) «Sistema climático», o conjunto da atmosfera, hidrosfera, biosfera e litosfera e suas interações;

j) «Sumidouro», qualquer processo, atividade ou mecanismo que remove da atmosfera um gás com efeito

de estufa, ou um seu percursor, ou um aerossol.

Artigo 3.º

Direito Internacional e da União Europeia

A política nacional do clima deve respeitar o Direito Internacional, incluindo as convenções internacionais e

compromissos assumidos pelo Estado português, bem como o Direito da União Europeia.

TÍTULO II

Objetivos, princípios e metas

Artigo 4.º

Objetivos

São objetivos da política do clima, designadamente:

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a) A mitigação das alterações climáticas, através de ações que contribuam para a redução de emissões de

GEE e, desta forma, para o cumprimento das metas definidas;

b) A adaptação às alterações climáticas;

c) A transição para uma economia competitiva e sustentável, neutra em emissões de carbono e promotora

do crescimento verde inclusivo;

d) A contribuição da política do clima para o desenvolvimento sustentável e a coesão social e territorial;

e) A integração dos objetivos climáticos nos domínios sectoriais;

f) O fomento da cooperação internacional na área das alterações climáticas;

g) A capacitação e a consciencialização dos cidadãos em matéria climática;

h) O reforço da participação dos setores público e privado e dos cidadãos na implementação e consecução

da ação climática;

i) A promoção da investigação científica e da inovação em matéria climática;

j) A transição para uma economia circular;

k) O aumento da eficácia dos sistemas de informação, reporte e monitorização;

l) O reforço da transparência, da acessibilidade e da clareza da informação e do quadro jurídico relativos à

matéria das alterações climáticas;

m) A consciencialização da importância da redução do consumo e da produção de resíduos e a alteração

do padrão de consumo com vista à promoção da reutilização e reciclagem;

n) O reforço da utilização de fontes renováveis de energia e aumento da eficiência e suficiência energéticas

e hídricas, a promoção da mobilidade suave e a transição para a mobilidade elétrica.

Artigo 5.º

Princípios

Para além dos princípios consagrados na Lei de Bases do Ambiente e no Código do Procedimento

Administrativo, a política do clima deve especialmente observar os seguintes princípios:

a) Do desenvolvimento sustentável;

b) Da responsabilidade intra e intergeracional;

c) Da transversalidade e da integração;

d) Da justiça climática;

e) Da precaução;

f) Do melhor conhecimento científico disponível;

g) Da transparência;

h) Da responsabilidade;

i) Da neutralidade fiscal;

j) Do poluidor-pagador;

k) Do utilizador-pagador;

l) Da cooperação internacional, designadamente, com os países de língua oficial portuguesa, bem como

entre entidades administrativas.

Artigo 6.º

Metas

1 – Em cumprimento do Acordo de Paris e dos restantes compromissos internacionais do Estado

português, dos mecanismos de cooperação europeia para o reforço das interligações energéticas, bem como

das metas estabelecidas no âmbito da União Europeia, Portugal deve alcançar a neutralidade carbónica, o

mais tardar, até 2050.

2 – As metas nacionais de redução de emissões de GEE, bem como as metas da respetiva remoção

através de sumidouros de carbono, são fixadas por ato legislativo, a cada cinco anos, no respeito pelos

compromissos europeus e internacionais do Estado português.

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Artigo 7.º

Economia circular

1 – A economia circular assenta no princípio da sociedade da partilha, na promoção da melhoria da

eficiência dos recursos, da reutilização e da reciclagem dos materiais, com o objetivo de redução do consumo

de matérias-primas virgens e de recursos energéticos, das emissões poluentes decorrentes das atividades

extrativas e transformadoras, assim como da produção de resíduos.

2 – A transição para a economia circular depende do desenvolvimento de modelos de negócio e produção,

de bioeconomia, de ecodesign, arquitetura, urbanismo e reabilitação sustentáveis, de estratégias colaborativas

e de produtos e serviços centrados no uso eficiente de recursos e novas dinâmicas de inovação, que

beneficiem os produtos, materiais e soluções mais duráveis e passíveis de reparação, reutilização e

remanufactura.

3 – No âmbito da política de resíduos, a prossecução do objetivo da economia circular é garantido,

designadamente, através da instalação de sistemas de triagem de resíduos urbanos e de recolha e valorização

de biorresíduos, do reprocessamento dos resíduos produzidos, da criação de centros de reuso e de

recuperação de equipamentos de iniciativa municipal e de apoio à reconversão dos setores da indústria de

descartáveis e de valorização de subprodutos e processos de simbiose industrial, com vista ao aproveitamento

do valor socioeconómico dos resíduos e à promoção do fecho do ciclo de vida dos materiais.

4 – O Governo assegura a criação e manutenção de bases de informação sobre os fluxos específicos de

resíduos que permitam a articulação e implementação de programas de simbiose industrial e o

acompanhamento do progresso e evolução das metas instituídas.

TÍTULO III

Sujeitos da ação climática

CAPÍTULO I

Sujeitos da ação climática

Artigo 8.º

Sujeitos

São sujeitos da ação climática:

a) O Estado;

b) Os institutos públicos;

c) As empresas públicas;

d) As regiões autónomas;

e) As autarquias locais e respetivas associações públicas;

f) O Conselho para a Ação Climática, nos termos a definir em diploma próprio;

g) As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica;

h) As organizações não governamentais de ambiente (ONGA) e centros e grupos de investigação e

reflexão e outras organizações não governamentais, associações ou entidades da sociedade civil;

i) Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado.

Artigo 9.º

Estado, institutos públicos e empresas públicas

Compete ao Governo a definição da política do clima, no respeito pela presente lei e da respetiva legislação

de desenvolvimento, bem como a sua execução e coordenação através dos órgãos e serviços da

administração direta e indireta, designadamente a Agência Portuguesa do Ambiente, IP (APA) e, enquanto

órgão consultivo do Governo, o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).

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Artigo 10.º

Regiões autónomas

No âmbito das suas competências, os órgãos de governo próprios das regiões autónomas definem e

executam política do clima complementar à política nacional, atendendo às especificidades das respetivas

regiões autónomas.

Artigo 11.º

Autarquias locaise respetivas associações públicas

1 – As autarquias locais e respetivas associações públicas colaboram na definição da política do clima e, no

âmbito das suas atribuições, contribuem para a sua execução no âmbito local e regional.

2 – No âmbito das suas atribuições, os municípios e respetivas associações públicas definem e executam

medidas de política do clima complementares à política nacional, atendendo às especificidades dos respetivos

territórios e populações.

Artigo 12.º

Entidades administrativas independentes

1 – As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica,

designadamente nas áreas da banca, seguros e fundos de pensões e valores mobiliários, exercem, nos termos

da legislação de desenvolvimento da presente lei, competências que assegurem a consideração, prevenção e

monitorização dos riscos climáticos na atividade dos agentes económicos regulados e o cumprimento de

obrigações de reporte por parte destes em matéria climática.

2 – As entidades referidas no número anterior apresentam ao Conselho para a Ação Climática, nos termos

da legislação de desenvolvimento da presente lei, um relatório anual sobre a evolução do impacto das

alterações climáticas nos mercados e setores objeto de regulação, que contemple, designadamente, propostas

de medidas preventivas ou corretivas dos riscos ou impactos climáticos identificados.

3 – As entidades referidas no presente artigo cooperam com o Conselho para a Ação Climática,

designadamente, prestando a informação e colaboração técnica que lhes seja solicitada, com vista à

articulação da atividade de regulação económica setorial com a política do clima, bem como prestam aos

agentes económicos a informação relevante para a monitorização da evolução e impacto das alterações

climáticas nos setores regulados.

Artigo 13.º

Organizações não governamentais de ambiente

As ONGA têm o direito de participar na definição da política do clima, na definição de opções de atuação,

na sua avaliação e implementação e, posteriormente, na aferição do respetivo impacto, bem como de zelar

pelo seu cumprimento por parte da administração pública e dos operadores económicos, através do exercício

dos direitos de informação, de participação, de ação e de outros, nos termos da legislação aplicável.

Artigo 14.º

Cidadãos, empresas privadas e outras entidades de direito privado

1 – Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado, enquanto sujeitos da ação

climática, são titulares dos direitos de informação e participação procedimentais, de acesso aos documentos

administrativos, de ação popular, em matéria de clima, nos termos da legislação aplicável, bem como estão

adstritos aos deveres que resultem da legislação e respetiva regulamentação que concretiza a política do

clima.

2 – Nos termos da legislação de desenvolvimento da presente lei, são definidas obrigações de reporte de

informação não financeira das empresas relativamente à avaliação do respetivo comportamento climático.

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CAPÍTULO II

Conselho para a Ação Climática

Artigo 15.º

Conselho para a Ação Climática

1 – O Conselho para a Ação Climática (CAC) é criado por diploma próprio que define o seu regime,

atribuições, composição, orgânica e funcionamento, observando os seguintes parâmetros:

a) A missão de analisar a evolução e o impacto das alterações climáticas, avaliar a eficácia das medidas

de política do clima e a sua implementação, efetuar recomendações e propor medidas de melhoria com vista à

transição para uma economia competitiva e sustentável de neutralidade carbónica, aconselhar na elaboração

de diplomas e emitir opiniões e pareceres em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às

alterações climáticas;

b) A independência do CAC, que não pode ser sujeito a direção, a superintendência ou a tutela

governamental;

c) A sua composição por sete especialistas de reconhecido mérito em matéria de clima, de ambiente,

gestão e de economia, bem como de áreas conexas, e respetiva forma de eleição;

d) A eleição dos membros pela Assembleia da República para um mandato com a duração de cinco anos;

e) Fixação de obrigações de reporte anual perante a Assembleia da República.

2 – Incumbe, designadamente, ao CAC colaborar com a Assembleia da República e com o Governo na

formulação das políticas e dos diplomas em matéria de clima, em especial de mitigação e adaptação às

alterações climáticas, nos termos a definir no diploma referido no n.º 1.

Artigo 16.º

Portal da ação climática

O diploma referido no artigo anterior prevê a criação de um portal da ação climática, a funcionar junto do

CAC, para a divulgação e participação do cidadão e dos diferentes sujeitos da ação climática de informação

sobre o clima, os impactos deste sobre o tecido económico-social do país, de medidas de mitigação e de

adaptação às alterações climáticas, de projetos de cooperação, investigação e inovação nestes domínios.

TÍTULO IV

Política do Clima

CAPÍTULO I

Política do clima

Artigo 17.º

Política do clima

1 – A política do clima é desenvolvida através de legislação própria, em conformidade com a legislação

europeia e internacional, tendo em vista a materialização dos objetivos e dos princípios enunciados na

presente lei.

2 – Em concretização da legislação referida no número anterior, são instrumentos especiais da política do

clima os planos e os programas sectoriais de ação climática, sem prejuízo de outros instrumentos avulsos

previstos em legislação da União Europeia ou nacional.

3 – Constitui também instrumento da política do clima o regime de comércio de licenças e emissão de GEE.

4 – A política do clima articula-se em especial com a política de ambiente.

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Artigo 18.º

Transversalidade e integração

1 – A transversalidade da política do clima impõe a sua consideração em todos os sectores da vida

económica, social e cultural, e determina a sua articulação e integração com as demais políticas sectoriais,

com vista à promoção de relações de coerência e de complementaridade.

2 – Todas as políticas nacionais e respetiva concretização normativa devem avaliar o seu impacto climático

e considerar os objetivos, princípios e metas conducentes à neutralidade carbónica.

CAPÍTULO II

Instrumentos

SECÇÃO I

Plano e programas sectoriais de ação climática

Artigo 19.º

Plano de ação climática

1 – O Governo reavalia e aprova, a cada cinco anos, o plano de ação climática, em matéria de mitigação e

adaptação às alterações climáticas, assente nos eixos da proteção dos recursos naturais, da promoção da

qualidade de vida e do desenvolvimento económico sustentável.

2 – O plano a que se refere o número anterior prevê, designadamente, as medidas de impacto global, o

faseamento e as metas setoriais de redução de emissões de GEE, tendo em vista alcançar as metas previstas

no ato legislativo a que se refere o artigo 6.º, bem como as medidas de adaptação às alterações climáticas.

Artigo 20.º

Programas sectoriais

1 – No desenvolvimento do plano de ação climática, o Governo aprova programas sectoriais, que

contemplam as medidas específicas e vinculativas de mitigação e ou de adaptação às alterações climáticas

nos setores relevantes, designadamente os seguintes:

a) Energia;

b) Indústria;

c) Edifícios;

d) Mobilidade e transportes;

e) Agricultura e florestas;

f) Oceano e zonas costeiras;

g) Recursos hídricos;

h) Economia circular e resíduos;

i) Ordenamento do território e urbanismo;

j) Saúde e alimentação;

k) Educação.

2 – Os programas referidos no número anterior podem ser individuais, se dedicados a um setor, ou

conjuntos, se relativos a vários setores combinados.

3 – Os programas sectoriais devem considerar, quando aplicável, o potencial impacto que a aprovação de

medidas de mitigação para vigorar em território nacional pode produzir em termos de aumento de emissões de

GEE em Estados terceiros não comprometidos com os objetivos da neutralidade carbónica.

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Artigo 21.º

Planos municipais de ação climática

Com vista ao desenvolvimento e complementação do plano de ação climática e dos programas setoriais, os

municípios, em articulação com as respetivas associações públicas, aprovam, no âmbito das suas atribuições,

planos de ação climática que atendem às especificidades das respetivas populações, empresas e territórios.

Artigo 22.º

Programas de descarbonização da Administração Pública

1 – Para além do cumprimento, na parte que lhes seja aplicável, dos programas setoriais referidos no artigo

20.º, as entidades e os serviços da administração pública contribuem ativamente para a consecução dos

objetivos da presente lei, designadamente adotando práticas e comportamentos, com reflexo na sua

organização e funcionamento, incluindo no âmbito da contratação pública, investimento público e contabilidade

pública, com vista à descarbonização da sua atividade.

2 – Com vista ao cumprimento do disposto no número anterior, o Governo aprova um programa de

descarbonização da administração pública.

3 – Os órgãos de gestão dos serviços da administração direta e indireta do Estado, das entidades

administrativas independentes, bem como os órgãos executivos das autarquias locais e das associações

públicas, aprovam programas de descarbonização específicos dos respetivos serviços e instituições.

Artigo 23.º

Licenças e emissão de GEE

O regime aplicável ao comércio de licenças e emissão de GEE é objeto de diploma próprio.

SECÇÃO II

Promoção da investigação, educação e capacitação climática

Artigo 24.º

Investigação e inovação

O Estado incentiva e financia projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação

climática, em colaboração com as instituições do ensino superior, os centros de investigação científica, as

empresas e outras entidades vocacionadas para o desenvolvimento de projetos nesta área.

Artigo 25.º

Educação e capacitação climática

1 – O sistema educativo nacional promove o envolvimento e a consciencialização da sociedade para os

temas da ação climática, bem como a capacitação para uma atuação neutra em carbono, responsável e

resiliente face às alterações climáticas, nomeadamente através de pontos focais de ação para a capacitação

climática.

2 – O Estado incentiva e financia programas com vista à capacitação climática dos cidadãos, das empresas

e dos serviços e entidades da administração pública.

CAPÍTULO III

Fiscalidade verde

Artigo 26.º

Objetivos

1 – Para a consecução dos objetivos da presente lei, o Estado adota uma política fiscal que promova e

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incentive a transição para a neutralidade carbónica.

2 – A política fiscal deve contribuir para a eficiência na utilização dos recursos, a redução da utilização de

combustíveis fósseis em linha com as metas de descarbonização estabelecidas através da correção de

incentivos perversos, a proteção da biodiversidade, a utilização sustentável do solo, do território e dos espaços

urbanos, a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, bem como para fomentar o

empreendedorismo e a inovação tecnológica, a criação de emprego e o desenvolvimento económico

sustentável.

3 – A política fiscal deve permitir a internalização das externalidades negativas para o clima num contexto

de neutralidade fiscal de modo a promover a competitividade económica, a sustentabilidade e a coesão social

e territorial e a fomentar a harmonização dos instrumentos económicos e financeiros da política do clima.

4 – A afetação da receita proveniente da fiscalidade verde deve permitir reduzir os impostos sobre o

rendimento e sobre o trabalho de acordo com o princípio da neutralidade fiscal, bem como contribuir para o

financiamento de projetos de investigação científica e inovação tecnológica no domínio da ação climática e

para o incremento da capacitação climática dos cidadãos.

Artigo 27.º

Medidas

1 – As medidas de fiscalidade verde contribuem para a diversificação das fontes de receita e para a

simplificação fiscal e o alargamento da base tributável ambiental, numa perspetiva de uma repartição equitativa

de encargos e uma transição justa e inclusiva, tendo em vista promover comportamentos sustentáveis e a

responsabilização das atividades com impacto no clima.

2 – As medidas de fiscalidade verde devem ser precedidas de uma análise de impacto económico-

financeiro, social e ambiental e ser objeto de uma avaliação permanente da respetiva execução.

CAPÍTULO IV

Financiamento

Artigo 28.º

Financiamento da política do clima

1 – A realização da política do clima será considerada na elaboração do Plano e do Orçamento do Estado

como uma das prioridades nacionais.

2 – A política do clima é financiada com recurso, entre outros, às receitas provenientes das medidas fiscais,

nos termos do capítulo anterior, e ao aproveitamento de instrumentos de financiamento europeus e

internacionais e da progressiva eliminação da subsidiação pública de atividades económicas contrárias à

prossecução dos objetivos do presente diploma.

3 – O Governo assegura a articulação entre as diferentes fontes de financiamento da política do clima, com

vista a garantir a sua utilização racional, eficiente e eficaz.

4 – O Governo informa o CAC dos meios financeiros disponíveis em cada ano para a realização da política

do clima, com vista à sua disponibilização pública no portal da ação climática.

Artigo 29.º

Financiamento público de agentes económicos

1 – As entidades, órgãos e agentes da administração pública, bem como o Banco Português de Fomento,

SA, consideram como fator relevante de atribuição de subsídios, outros apoios públicos às empresas e

financiamento de projetos, o respetivo contributo para a prossecução dos objetivos da presente lei, nos termos

a desenvolver em diploma próprio, que fixará, designadamente, os requisitos e fatores de avaliação do

comportamento climático dos agentes económicos e dos projetos e investimentos que pretendam realizar.

2 – O diploma referido no número anterior tem especialmente em conta o regime europeu para a promoção

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do investimento sustentável.

CAPÍTULO V

Avaliação

Artigo 30.º

Avaliação

1 – O Governo avalia o cumprimento das metas e das medidas constantes dos instrumentos da política do

clima e monitoriza a eficácia da respetiva execução e implementação.

2 – Na sequência da avaliação referida no número anterior, o Governo elabora anualmente, após um

período de discussão pública com a duração mínima de 1 mês e com um aviso prévio de 15 dias relativamente

à data do seu início, um relatório sobre o estado do clima e da execução da política do clima, mitigação e

adaptação às alterações climáticas, incluindo, designadamente, informação sobre a evolução das emissões de

GEE globais e em cada setor e sobre a implementação e o cumprimento das medidas, planos e programas

previstos na presente lei e na respetiva legislação de desenvolvimento.

3 – Incumbe à Assembleia da República, bem como ao CAC, nos termos do artigo 15.º, a avaliação

permanente da política do clima e da eficácia da sua execução.

Artigo 31.º

Medidas de compensação

O Governo prevê medidas de compensação a adotar em caso de incumprimento das metas de redução de

emissões e inscreve-as no plano de ação climática e nos programas sectoriais.

TÍTULO V

Controlo e fiscalização

Artigo 32.º

Obrigações de reporte

1 – O Governo apresenta anualmente à Assembleia da República o relatório referido no n.º 2 do artigo 30.º,

com vista ao desenvolvimento da sua competência de fiscalização da atividade do Governo e de avaliação da

política do clima.

2 – O Governo dá conhecimento ao CAC do relatório referido no número anterior, com vista à sua

publicação no portal da ação climática e à prossecução das suas atribuições de avaliação da política do clima.

3 – A apresentação do relatório referido no n.º 1 deve anteceder a submissão da proposta de lei do

Orçamento do Estado na Assembleia da República, em período não inferior a 30 dias, tendo em vista permitir

que as opções de política do clima com impacto orçamental sejam refletidas naquela proposta.

Artigo 33.º

Fiscalização e inspeção

O Estado exerce o controlo das atuações suscetíveis de ter impacto no clima, acompanhando a sua

execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente, assegurar o

cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos da política do clima e prevenir ilícitos

em matéria de clima.

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Artigo 34.º

Quadro sancionatório

1 – O regime sancionatório aplicável às contraordenações em matéria de clima é objeto de diploma próprio.

2 – Constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à

violação de disposições legais e regulamentares relativas ao clima que consagre direitos ou imponham

deveres, para o qual se comine uma coima, nos termos do diploma referido no número anterior.

TÍTULO VI

Disposições Finais

Artigo 35.º

Legislação complementar

Os diplomas referidos no n.º 2 do artigo 6.º, no artigo 12.º, no n.º 2 do artigo 14.º, no n.º 1 do artigo 15.º e

no artigo 29.º devem ser aprovados no prazo de seis meses após a data de entrada em vigor da presente lei.

Artigo 36.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da data da sua publicação.

Lisboa, 22 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PSD: Adão Silva — Afonso Oliveira — Alberto Fonseca — Alberto Machado — Alexandre

Poço — Álvaro Almeida — Ana Miguel dos Santos — André Coelho Lima — André Neves — António Cunha —

António Lima Costa — António Maló de Abreu — António Topa — António Ventura — Artur Soveral Andrade —

Bruno Coimbra — Carla Barros — Carla Borges — Carla Madureira — Carlos Alberto Gonçalves — Carlos

Eduardo Reis — Carlos Peixoto — Carlos Silva — Catarina Rocha Ferreira — Clara Marques Mendes —

Cláudia André — Cláudia Bento — Cristóvão Norte — Duarte Marques — Duarte Pacheco — Eduardo Teixeira

— Emídio Guerreiro — Emília Cerqueira — Fernanda Velez — Fernando Negrão — Fernando Ruas — Filipa

Roseta — Firmino Marques — Helga Correia — Hugo Carneiro — Hugo Martins de Carvalho — Hugo Patrício

Oliveira — Isabel Lopes — Isabel Meireles — Isaura Morais — João Gomes Marques — João Moura — Jorge

Paulo Oliveira — José Cancela Moura — José Cesário — José Silvano — Lina Lopes — Luís Leite Ramos —

Luís Marques Guedes — Márcia Passos — Margarida Balseiro Lopes — Maria Gabriela Fonseca — Maria

Germana Rocha — Mónica Quintela — Nuno Miguel Carvalho — Ofélia Ramos — Olga Silvestre — Paulo

Leitão — Paulo Moniz — Paulo Neves — Paulo Rios de Oliveira — Pedro Alves — Pedro Pinto — Pedro

Rodrigues — Pedro Roque — Ricardo Baptista Leite — Rui Cristina — Rui Rio — Rui Silva — Sandra Pereira

— Sara Madruga da Costa — Sérgio Marques — Sofia Matos.

———

PROJETO DE LEI N.º 605/XIV/2.ª DEFINE AS BASES DA POLÍTICA CLIMÁTICA

Exposição de motivos

É um dado aceite pela comunidade científica que o clima global se encontra a sofrer alterações a um ritmo

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sem precedentes. As mais recentes evidências demonstram que, no último século, a temperatura média global

terá aumentado entre 0,3 e 0,6°C. Este aumento da temperatura encontra-se associado a um aumento das

emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) resultantes da atividade humana, tendo a desflorestação e

queima de combustíveis fósseis sido as principais responsáveis.

Desde o início da industrialização que a concentração de carbono na atmosfera aumentou de 270 para 410

ppm, revelando uma tendência para aumentar entre 525 a 750 ppm até ao final do século XXI, de acordo com

as mais recentes previsões dos modelos socioeconómicos.5

Segundo o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC), o

aumento do aquecimento global acima de 2°C terá impactos drásticos ao nível dos ecossistemas e na

biodiversidade do nosso planeta, além da nossa saúde e dos sistemas alimentares.6

Assim, para restringir o aumento da temperatura média global em 1,5°C, limite considerado seguro pelo

IPCC, é imprescindível que a nível global se atinjam emissões líquidas nulas de CO2 até 2050. Para tal, é

necessário não só adotar medidas para a redução das emissões antropogénicas como aumentar a remoção

dos GEE da atmosfera através de sumidouros naturais. Segundo o relatório do PIAC, os ecossistemas

marinhos e terrestres que funcionam como sumidouros essenciais para as emissões antropogénicas de

carbono, têm uma absorção bruta de cerca de 60% das emissões mundiais por ano, o que demonstra que as

soluções baseadas na natureza podem reduzir em 37% os impactos das alterações climáticas até 2030.

Com a continuação do aumento das emissões dos GEE para a atmosfera e consequente aumento da

temperatura global, esperam-se alterações ao clima que aumentarão a probabilidade de eventos

meteorológicos extremos tais como redução da precipitação no Inverno; aumento dos períodos de seca;

fenómenos extremos de vento e ondas de calor, bem como outras consequências como o aumento do nível do

mar; acidificação dos oceanos e perda de biodiversidade.

As atuais previsões demonstram a importância de evitar alterações irreversíveis ao clima e justificam a

urgente tomada de decisões a nível mundial para reduzir as emissões de GEE e evitar, assim, o aumento da

temperatura global acima do 1,5°C.

Face a este cenário, o Parlamento Europeu definiu, através da Resolução de 14 de março de 2019, sobre

alterações climáticas, o objetivo de atingir as emissões líquidas nulas de GEE até 2050, tendo, igualmente,

com a Resolução do Parlamento Europeu de 28 de novembro de 2019, declarado uma emergência climática e

ambiental.

Perante as mais recentes resoluções do Parlamento Europeu, foi aprovada a 8 de outubro de 2020, a

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que «estabelece o quadro para alcançar a

neutralidade climática e que altera o Regulamento (UE) 2018/1999 (Lei Europeia do Clima)», definindo

orientações e trajetórias em concordância com as conclusões científicas do PIAC, a Agenda 2030 das Nações

Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),

nomeadamente o ODS 3, «Saúde e Bem-Estar Mundial», assim como contribuir para a aplicação do Acordo de

Paris, assinado por 195 países.

No seguimento das orientações internacionais, Portugal desenvolveu um Quadro Estratégico para a Política

Climática (QEPiC), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de julho, de onde

surgiram os seguintes instrumentos de política nacional para a mitigação e adaptação às alterações climáticas:

– Programa Nacional para as Alterações Climáticas 2020/2030 (PNAC 2020/2030) que congrega um

conjunto de políticas e medidas de aplicação sectorial através das quais se visa o cumprimento do Protocolo

de Quioto;

– Roteiro Nacional de Baixo Carbono (RNBC), elaborado em 2012, onde se estabelece as políticas a

prosseguir e as metas nacionais a alcançar em termos de emissões de GEE.

– Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050), elaborado em 2019, onde se constitui a

Estratégia de Longo Prazo de Portugal face ao assumido em 2016 relativamente à descarbonização da

economia nacional, contribuindo para os objetivos do Acordo de Paris;

– Plano Nacional integrado Energia Clima 2030 (PNEC 2030), que determina os contributos nacionais e

5 https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/AR5_SYR_FINAL_SPM.pdf 6 IPCC; 2018, Global Warming of 1,5°C. An IPCC Special Report on the impacts of global warming of 1,5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty

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linhas de atuação planeadas para cumprir os objetivos do Regulamento (UE) n.º 2018/1999, de 11 de

dezembro de 2018, relativos à redução de emissões de GEE, energias renováveis, eficiência energética e

interligações, sendo um dos principais instrumentos de política energética e climática para a década 2021-

2030;

– Sistema Nacional para Políticas e Medidas (SPeM), constituído em 2013, que tem por objetivo avaliar o

progresso das políticas climáticas nacionais, como cumprimento das obrigações da Convenção-Quadro das

Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC) e comunitárias.

– Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), aprovada em 2015, onde são

definidas as prioridades para implementar medidas de adaptação e promover a sua integração em políticas

sectoriais;

– Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC), aprovado em 2019, que tem por

objetivo promover ações de adaptação, uma a curto prazo (até 2020) e outra a médio prazo (até 2030).

Não obstante o compromisso que os diversos Governos têm demonstrado na elaboração das mais diversas

estratégias, planos e programas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, não existem, ainda,

políticas intersectoriais ambiciosas, verificando-se a inexistência de uma interligação entre os vários

instrumentos e sectores económicos.

A prioridade das políticas de mitigação tem passado, principalmente, pela redução das emissões dos GEE,

não tendo sido dada a mesma relevância à remoção da atmosfera como modo de compensação dos sectores

onde é mais complicada a descarbonização. Para tal, devem ser determinadas medidas e ações concretas

para a conservação e aumento dos sumidouros naturais, tais como as florestas, solos, terras agrícolas e zonas

húmidas.

É notória a falha na avaliação dos impactos de diversas políticas socioeconómicas para o cumprimento dos

objetivos de mitigação e adaptação às alterações climáticas. A título de exemplo, no projeto de Melhoria das

Acessibilidades Marítimas ao Porto de Setúbal, inserido na Estratégia para o Aumento da Competitividade da

Rede de Portos Comerciais do Continente, não foi contabilizado o impacto negativo da obra nas pradarias

marinhas, e consequentemente, na capacidade das mesmas de remover carbono atmosférico.

É também evidente a falta de direção na política agrícola nacional face às metas de adaptação e mitigação

às alterações climáticas, uma vez que se continua a privilegiar culturas agrícolas intensivas em áreas com

solos empobrecidos e em risco de desertificação, onde a redução da precipitação anual e o aumento dos

períodos de seca serão cada vez mais uma realidade devido às alterações climáticas.

Os esforços empregues para a redução das emissões dos GEE não são de se desvalorizar. Contudo, é

essencial a implementação de medidas e ações mais ambiciosas no que diz respeito à capacidade de

resiliência, prevenção e preparação do ambiente, cidadãos e economia às alterações climáticas.

Com este projeto, pretende-se, assim, complementar as políticas existentes, definindo metas mais

ambiciosas para a redução das emissões antropogénicas de GEE, aumento da captura em sumidouros

naturais e medidas de adaptação do território às alterações climáticas mais abrangentes e transversais aos

vários sectores socioeconómicos.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues

apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define as bases da política do Clima, aplicável às emissões antropogénicas e à remoção dos

gases com efeito de estufa através de sumidouros naturais, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º

da Constituição da República Portuguesa.

Artigo 2.º

Objetivos

São objetivos da Lei de Bases do Clima:

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a) Definir objetivos e metas nacionais e sectoriais para a redução e regulação das emissões de gases com

efeito de estufa, de acordo com as metas nacionais e internacionais;

b) Definir objetivos, orientação e princípios para a política climática;

c) Fornecer uma resposta estratégica para a mudança climática através da elaboração de planos de ação,

de adaptação e compromissos de redução de emissões;

d) Incentivar a transição energética de todos os sectores económicos para um sistema energético

sustentável, acessível e seguro, resultante de sistemas de produção de energia renovável compatível com o

combate e adaptação às alterações climáticas;

e) Promover ações de participação pública com o sentido de capacitar a sociedade para o combate e

adaptação às alterações climáticas;

f) Reduzir os impactos de catástrofes naturais resultantes de fenómenos meteorológicos extremos, na

sociedade civil e ecossistemas, através da capacitação da proteção civil com os meios humanos e materiais

necessários para implementar medidas de prevenção e combate;

g) Desenvolver e implementar medidas conexas às várias políticas e legislação ambiental, de modo a

fomentar a adaptação do território às alterações climáticas, abrangendo os vários sectores económicos com

vista a aumentar a capacidade de adaptação, resiliência da população aos impactos das alterações climáticas;

h) Integrar os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento

económico nacional e sectorial;

i) Integrar os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento

económico nacional e sectorial.

Artigo 3.º

Princípios

A atuação pública está subordinada, para além dos princípios previstos na Lei de Bases do Ambiente, aos

seguintes princípios:

«Princípio de tomada de decisão informada», qualquer decisão, política, programa ou processo deve ser

baseada na análise das melhores práticas disponíveis e informações sobre os impactos potenciais de

alteração climática relevantes para o ato em causa, assim como deve ser deve tomado em consideração a

potencial contribuição para emissões de gases com efeito de estufa.

«Princípio da tomada de decisão integrada», qualquer decisão, política, programa ou processo deve

integrar uma análise de longo e médio prazo relativo às componente ambientais, económicas e de saúde, por

forma a garantir que há um exame adequado de todas as questões que são relevantes para as alterações

climáticas e assegurar que quaisquer medidas adotadas como resultado de decisão, política, programa ou

processo são eficazes e proporcionais às eventuais consequências provocadas pelas alterações climáticas.

«Princípio da gestão de risco», qualquer decisão, política, programa ou processo deve ser baseada:

a) Na avaliação cuidadosa das melhores práticas, informações disponíveis sobre os potenciais impactos

das mudanças climáticas;

b) Na avaliação das consequências de cada das opções na tomada de decisão tendo em conta os riscos

de cada uma dessas opções.

«Princípio da Equidade», devem ser criadas oportunidades pela geração atual para aumentar as

capacidades dentro dessa geração e das gerações futuras para se adaptar às alterações climáticas e, em

particular, dos mais vulneráveis; a geração atual deve garantir que a saúde, diversidade e produtividade do

ambiente é mantida ou melhorada para benefício das gerações futuras devendo procurar sempre evitar

impactos adversos para as gerações futuras.

«Princípio da transparência e participação», prevê o envolvimento da comunidade nas decisões, políticas,

programas ou processos relacionados com as alterações climáticas, pelo que implica fornecer informações

adequadas à comunidade; garantir oportunidades para a comunidade participar na decisão, política, programa

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ou processo; bem como, garantir informações adequadas e consulta pública à comunidade.

«Princípio de compatibilidade», a tomada de decisões deve procurar promover um quadro político coerente

dentro do Estado, assim como deve procurar alcançar a coesão das políticas, programas, iniciativas, ou

compromissos relacionados com as alterações climáticas de outros Estados ou organismos e organizações

internacionais.

«Princípio da responsabilidade ambiental», qualquer pessoa que realize ações ou atividades que afetam ou

podem afetar o meio ambiente, devem prevenir, minimizar, mitigar, reparar, restaurar e, em última instância,

indenizar os danos.

Artigo 4.º

Adaptação

A política nacional de adaptação às mudanças climáticas deve basear-se na análise, planeamento,

medição, monitorização, relatório, verificação e avaliação de instrumentos, e deve perseguir os seguintes

objetivos:

a) Reduzir a vulnerabilidade da sociedade e dos ecossistemas aos efeitos das alterações climáticas;

b) Fortalecer a resiliência e resistência dos sistemas naturais e humanos;

c) Minimizar riscos e danos, considerando o clima atual e futuro;

d) Identificar a vulnerabilidade e capacidade de adaptação e transformação de sistemas ecológicos, físicos

e sociais, e aproveitar as oportunidades geradas por novas condições climáticas;

e) Estabelecer mecanismos de resposta imediata às áreas impactadas pelos efeitos das alterações

climáticas – como uma componente de planos e ações de proteção civil; e

f) Facilitar e promover a segurança alimentar e a preservação dos ecossistemas e recursos naturais.

Artigo 5.º

Política climática municipal

As autarquias locais, na medida das suas competências próprias, devem incluir ações de adaptação na

formulação de políticas públicas, nas seguintes áreas:

a) Gestão de risco abrangente;

b) Recursos hídricos;

c) Agricultura e silvicultura;

d) Ecossistemas e biodiversidade, especialmente em regiões costeiras, marinhas, altas montanhas, zonas

áridas e semiáridas, recursos florestais e solos;

e) Energia, indústria e serviços;

f) Infraestrutura de transporte e comunicação;

g) Planeamento ecológico do uso da terra do território e desenvolvimento urbano;

h) Saúde geral e infraestrutura de saúde pública; e

i) Todos os outros considerados prioritários pelas autoridades.

Artigo 6.º

Mitigação

1. A política nacional de mitigação das mudanças climáticas deve incluir o diagnóstico, planeamento,

medição, monitorização, reporte, verificação e avaliação das emissões nacionais.

2. Esta política deve estabelecer planos, programas, ações e políticas económicas, assim como

instrumentos regulatórios para alcançar gradualmente metas de redução para emissões por sector e atividade,

tendo em conta os compromissos internacionais a que Portugal está sujeito.

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Artigo 7.º

Objetivos de mitigação

São objetivos das políticas públicas de mitigação:

a) Promover a proteção ambiental e o direito a um meio ambiente saudável;

b) Reduzir as emissões nacionais por meio de políticas e programas que promovam a transição para uma

economia sustentável, competitiva e de baixa emissão de carbono, incluindo instrumentos de mercado,

incentivos e outras alternativas que melhorem a relação custo-eficácia da medida de mitigação específica,

reduzindo seus custos económicos e promoção da competitividade, transferência de tecnologia e

desenvolvimento tecnológico;

c) Promover a substituição gradual do uso e consumo de combustíveis fósseis com fontes renováveis de

energia, bem como a geração de eletricidade por meio do uso de energia renovável;

d) Promover práticas de eficiência energética, o desenvolvimento e uso de fontes renováveis de energia e

transferência e desenvolvimento de tecnologia de baixo carbono, particularmente no edificado público;

e) Promover a investigação e implementação de tecnologias de mitigação cuja emissão de gases com

efeitos de estufa e compostos têm baixo teor de carbono ao longo de seu ciclo de vida;

f) Promover o alinhamento e coerência dos programas, orçamentos, políticas e ações da competência de

governo, de forma a conter a degradação dos ecossistemas florestais;

g) Medir, analisar e reportar as emissões relativas à emissão de gases com efeito de estufa;

h) Promover o desenvolvimento do transporte coletivo de massa com elevados padrões de eficiência,

favorecendo a substituição de combustíveis fósseis e o desenvolvimento de sistemas de transporte urbano e

suburbano sustentáveis;

i) Desenvolver incentivos económicos e fiscais para promover o desenvolvimento e consolidação de

indústrias e empresas socialmente responsáveis com o ambiente;

j) Promover a participação dos sectores social, público e privado na conceção, desenvolvimento e

implementação de políticas nacionais de mitigação.

Artigo 8.º

Plano de Ação para a Prevenção de Catástrofes Naturais

No âmbito da adaptação às alterações climáticas o Governo deve assegurar o desenvolvimento de um

Plano de Ação para a Prevenção de Catástrofes Naturais, onde deve:

a) Elaborar cartografia de risco a catástrofes naturais à escala nacional e disponibilizar numa plataforma

online partilhada com todos os intervenientes nacionais e sectoriais interessados;

b) Determinar ações e medidas de prevenção e mitigação do risco regionalmente;

c) Reforçar os sistemas de monitorização e alerta a riscos para integrar fenómenos meteorológicos

extremos;

d) Dotar as entidades regionais e nacionais de proteção civil de meios humanos e materiais para a

implementação do plano.

Artigo 9.º

Comissão Interministerial sobre Mudança do Clima

1 – É constituída a Comissão Interministerial para as Alterações Climáticas para assegurar a integração dos

objetivos para a neutralidade climática nas políticas, medidas e planos de investimento dos diversos sectores

económicos.

2 – A Comissão terá caráter permanente e será presidida pelo Primeiro-Ministro, que poderá delegar essa

função no Ministro competente pela área do Ambiente e Alterações Climáticas.

3 – Esta comissão será constituída por membros dos vários ministérios e será apoiada por técnicos dos

departamentos envolvidos.

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4 – Qualquer política, plano ou investimento terá de ser submetida a avaliação da Comissão Interministerial

para as Alterações Climáticas e obter parecer positivo, para a sua concretização.

Artigo 10.º

Competências da Comissão Interministerial

A Comissão terá as seguintes atribuições:

a) Promover a coordenação das ações entre os órgãos e entidades da administração pública, na área de

mudanças climáticas.

b) Desenvolver e implementar políticas nacionais de mitigação das mudanças climáticas e adaptação, e

incorporá-los aos programas sectoriais e ações correspondentes;

c) Elaborar critérios para que as políticas públicas de mudanças climáticas sejam transversais e

abrangentes, para que possam ser aplicados pelas entidades públicas;

d) Propor e apoiar estudos e projetos de inovação tecnológica, pesquisa, desenvolvimento e transferência

de tecnologia, em relação às alterações climáticas e publicar seus resultados;

e) Promover as ações necessárias para cumprir os objetivos e compromissos internacionais;

f) Divulgar seu trabalho e resultados, bem como publicar um relatório anual de atividades;

g) Entre outras que considere pertinentes com vista a atingir os fins previstos no presente diploma.

Artigo 11.º

Instrumentos Económicos

1 – O Governo deve projetar, desenvolver e aplicar instrumentos económicos que incentivem o

cumprimento dos objetivos da política nacional de combate às alterações climáticas.

2 – Sob nenhuma circunstância estes os instrumentos devem ser estabelecidos apenas para fins de

obtenção de receita tributária.

3 – Os direitos e interesses derivados de instrumentos económicos baseados no mercado devem ser

transferíveis, não tributáveis e sujeitos ao interesse público.

Artigo 12.º

Observatório Técnico Independente para as Alterações Climáticas

1 – É criado o Observatório Técnico Independente para as Alterações Climáticas, que procede à análise,

avaliação e acompanhamento da política nacional de combate às alterações climáticas em território nacional.

2 – O Observatório previsto no n.º 1 do presente diploma deve prestar apoio técnico às comissões

parlamentares bem como propor, conforme considerar apropriado, emendas totais ou parciais, acréscimos ou

redireccionamentos.

3 – Com base nos resultados das avaliações, o Observatório pode emitir sugestões e recomendações à

Comissão Interministerial, devendo tornar essas recomendações públicas.

Artigo 13.º

Legislação aplicável

No que diz respeito às atribuições, vigência, composição, estatuto dos membros e do observatório, aplica-

se mutatis mutandis o disposto na Lei n.º 56/2018, de 20 de agosto de 2018.

Artigo 14.º

Transparência e acesso à informação

Deve ser assegurado pelas entidades públicas o acesso à informação relativa à aplicação e monitorização

do disposto no presente diploma, devendo as informações ser prestadas aos cidadãos que as solicitarem nos

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termos da legislação aplicável.

Artigo 15.º

Relatório e Livro Branco sobre o estado do ambiente e das alterações climáticas

1. O Relatório e livro branco do estado do ambiente previsto na Lei de Bases do Ambiente deve passar a

incidir especialmente também sobre os efeitos das alterações climáticas, medidas adotadas e avaliação de

eficácia das mesmas.

2. O referido relatório deve ser apresentado pelo Governo à Assembleia da República, anualmente,

referente ao ano anterior.

3. O livro branco, previsto no n.º 1 do presente diploma, deve ser apresentado pelo Governo à Assembleia

da República, de cinco em cinco anos.

Artigo 16.º

Controlo, fiscalização e inspeção

O Estado exerce o controlo das atividades suscetíveis de ter um impacte negativo no ambiente,

acompanhando a sua execução através da monitorização, fiscalização e inspeção, visando, nomeadamente,

assegurar o cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos e normativos ambientais e prevenir

ilícitos ambientais.

Artigo 17.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 11 de dezembro de 2020.

A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

———

PROJETO DE LEI N.º 609/XIV/2.ª LEI DE BASES DA POLÍTICA CLIMÁTICA

Fundamentação

É hoje consensual que vivemos a era do Antropoceno, um jargão científico que caiu no uso comum e que

designa a época marcada pela espécie homo sapiens e de que forma esta influenciou irreversivelmente os

ecossistemas, os habitats, a biodiversidade – todo o planeta. O planeta tem cerca de 4,5 biliões de anos e num

intervalo de 200 mil anos a espécie humana moderna alterou física, química e biologicamente a Terra. Em

particular, de forma mais intensa, nos últimos 60 anos, os humanos foram responsáveis pelo aquecimento

global, pela acidificação dos oceanos, pela destruição de habitats, por extinções em massa, a sobreextração

de riquezas naturais, exploração do que deveriam ser os bens comuns e por um aumento exponencial das

emissões de dióxido de carbono.

A nível mundial, as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) têm vindo a aumentar continuamente

até 2019, o que é incompatível com o objetivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de

2ºC, e preferencialmente abaixo de 1,5ºC, em relação à época pré-industrial. De acordo com o Relatório

Especial sobre os Impactos do Aquecimento Global de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, publicado em

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2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, um aumento da temperatura global média

superior a 1,5ºC está associado a maiores riscos da ocorrência de ondas de calor, de secas severas, de mega

incêndios florestais, de tempestades e inundações diluvianas e do aumento do nível do mar, constituindo uma

ameaça à biodiversidade e aos ecossistemas terrestres e marítimos.7

Acresce que o Relatório de Avaliação Global sobre os Serviços da Biodiversidade e dos Ecossistemas do

IPBES, publicado em 2019, demonstrou ainda que a Natureza tem sido modificada de forma significativa pela

intervenção humana, provocando um declínio da grande maioria dos indicadores de ecossistemas e

biodiversidade e ameaçando mais espécies da extinção global do que alguma vez no passado. Esta perda de

diversidade representa um sério risco no que diz respeito à segurança alimentar. Igualmente a alteração da

utilização dos solos e a exploração dos ecossistemas marinhos tem um efeito negativo sobre a Natureza que é

agravado pelas alterações climáticas, enquanto os incentivos económicos à atividade humana têm beneficiado

as atividades nocivas em detrimento da conservação, regeneração e reparação daqueles ecossistemas.8

Devido às medidas relacionadas com a pandemia da COVID-19, prevê-se uma redução das emissões de

GEE de 7% em 2020, em comparação com o ano anterior. No entanto, as políticas de retoma económica

deixam prever um novo aumento das emissões, em vez da manutenção de uma trajetória decrescente (que

deveria situar-se na ordem de 7,6% por ano),9 se essas políticas não tiverem um forte compromisso com a

redução da emissão de GEE. As contribuições determinadas a nível nacional (NDC na sigla inglesa) até agora

assumidas de forma incondicional ou mesmo condicional são insuficientes e acabam por ser consistentes com

um aquecimento global de pelo menos 3ºC.

Os regulamentos e políticas atuais também não enfrentam, de forma adequada, o aumento das emissões

de GEE provenientes do transporte marítimo e da aviação internacionais que, nas suas trajetórias atuais,

atingirão uma quota de 60% a 220% em relação ao orçamento de carbono disponível a nível mundial em 2050.

Mudanças do estilo de vida baseado no consumo são imprescindíveis para conseguir reduzir a lacuna de

emissões decorrente das políticas atuais e das necessidades para atingir o objetivo do Acordo de Paris,

nomeadamente em relação ao 1% mais rico da população mundial, que por si só é responsável por 50% das

emissões.10

Considerando a distribuição dos orçamentos de carbono remanescentes para cumprir o Acordo de Paris

pelos diversos países, será preciso observar princípios básicos de justiça e equidade, tanto no que diz respeito

a futuras emissões como às emissões já acumuladas desde a revolução industrial pelos diferentes países.11

Esse tipo de abordagem pode levar a orçamentos negativos muito elevados nos países industriais, impossíveis

de cumprir, mas terá de ter em conta uma partilha de esforço entre países, com reduções mais acentuadas

nos países do Norte Global e aumentos passageiros nos países do Sul Global, para permitir atingir níveis de

desenvolvimento adequados, de acordo com o proposto pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano e

Antropoceno, para atingir uma transformação justa na forma como vivemos, trabalhamos e cooperamos sem

exceder os limites biofísicos do planeta.12

O ponto de partida para combater a emergência climática em curso é também o reconhecimento de que

neoliberalismo está na base da «prosperidade» do Ocidente, moldando hoje a sua (in)capacidade de

responder à crise climática. A ideia de que podemos simplesmente mudar de uma economia movida a

combustíveis fósseis para outra movida a energias renováveis não é uma opção realista, porque o modelo

extrativista é o mesmo. É este modelo, o grande responsável pela destruição do planeta, e sobretudo do Sul

Global, que sofre os maiores impactes mesmo não sendo o principal responsável. Efetivamente, quem dispõe

de menores recursos económicos e já sente os efeitos da desigualdade social na sua vida quotidiana é quem

também é desproporcionalmente afetado/a pelos riscos ambientais. Neste sentido, justiça climática é justiça

social, porque é sabido que a crise climática é produto da desigualdade e de um sistema económico obcecado

pelo crescimento contínuo.

Assim, o princípio orientador deste projeto de lei será o primado da justiça climática que assenta na

distribuição justa do esforço necessário para atingir o objetivo de manter o planeta habitável para a espécie

7 https://www.ipcc.ch/sr15/ 8 https://ipbes.net/global-assessment 9 https://www.unenvironment.org/news-and-stories/press-release/cut-global-emissions-76-percent-every-year-next-decade-meet-15degc 10 https://www.unep.org/emissions-gap-report-2020 11 N.J. van den Berg. et al., «Implications of various effort-sharing approaches for national carbon budgets and emission pathways», in Climatic Change 162 (2020), pp. 1805–1822. https://doi.org/10.1007/s10584-019-02368-y 12 http://hdr.undp.org/en/2020-report.

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humana. Este princípio orientador assentará em três pilares: a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.

O pilar da sustentabilidade visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a

neutralidade carbónica e garantir formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais, pôr

em prática a política dos 6R – recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois,

reciclar, apostar nos transportes públicos e na mobilidade ativa, fomentar práticas de troca e autoconsumo,

numa lógica de reequilíbrio e redução da produção e do consumo de bens, nomeadamente do Norte global e

das elites do Sul global.

O pilar da resiliência procura tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do

aquecimento global, tanto a nível humano como técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco

para as zonas costeiras, as secas prolongadas acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais.

Por fim, o pilar da reparação, pois regenerar requer medidas proativas de reparação dos ecossistemas e

habitats naturais para aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

Rejeitando a forma antropocêntrica, que também é violenta, de como nos relacionamos com a natureza,

este projeto de lei tornará ainda obrigatório que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de

maior envergadura a realizar no futuro sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para

cumprir os pressupostos enunciados, promovendo a redução do consumo de matérias-primas não-renováveis

e seus derivados, a redução das emissões de gases de efeitos de estufa e outros poluentes e a regeneração

da biodiversidade, reduzindo assim a pegada ecológica nacional.

Para tanto prevê igualmente uma mudança de paradigma, uma relação com a Terra que seja recíproca e

não extractivista e implique também o respeito pelas demais espécies – animais e vegetais – que connosco

coabitam o planeta.

Neste sentido, nos termos do artigo 167.º da Constituição da República e do artigo 119.º do Regimento da

Assembleia da República, a Deputada não inscrita abaixo assinada apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

Define as Bases da Política do Clima, em cumprimento do disposto nas alíneas d) e e) do artigo 9.º e

igualmente do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de atingir a neutralidade

climática, através da promoção da sustentabilidade, da resiliência e da reparação dos efeitos da emergência

climática em curso.

Artigo 2.º

Objetivos

1 – A definição dos princípios orientadores, objetivos e metas da política climática nacional, no quadro de

um desenvolvimento sustentável e pós-extrativista, de proteção, preservação e restauro das riquezas naturais,

ecossistemas e biodiversidade e dos direitos coletivos sobre os bens comuns do planeta, em prol do interesse

coletivo e das futuras gerações, numa perspetiva intergeracional, e tendo sempre presente o Princípio da

Precaução.

2 – A persecução da justiça climática como forma integrada de enfrentar os desafios causados pelo sistema

e cujos pilares são a sustentabilidade, a resiliência e a reparação.

3 – A adaptação e resiliência do território nacional aos efeitos da crise climática e a proteção das

populações, garantindo a sua qualidade de vida e o respeito pelas demais espécies, animais e vegetais, que

coabitam o planeta.

4 – A criação de um Plano Estratégico Nacional para a Crise Climática, transversal a diferentes ministérios

e áreas de atividade humana, que preveja a cooperação e o diálogo internacional.

5 – A criação deuma Comissão Interministerial para a Crise Climática, que promova a coordenação e o acompanhamento das políticas setoriais.

6 – A definição de um quadro orientador da política climática, para a descarbonização da economia e para a

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transição energética e ecológica, assim como dos instrumentos que a concretizem.

7 – O compromisso de que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura

sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para cumprir os pressupostos enunciados,

integrando os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e investimento

económico nacional e setorial.

8 – A articulação com a Lei de Bases do Ambiente e restante legislação ambiental no sentido de prevenir e

mitigar riscos ambientais conexos.

9 – O estímulo, através de investimento público, à investigação, à inovação e ao conhecimento científico e

tecnológico, adequando-o às metas ambientais, e ao emprego verde.

10 – A garantia da informação pública e acessível aos cidadãos e da participação dos mesmos na definição

das políticas climáticas.

CAPÍTULO I

PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 3.º

Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por:

a) «Adaptação», ações que visam a prevenção, antecipação e minimização dos efeitos adversos da crise

climática e dos danos por esta causados;

b) «Alterações climáticas», as mudanças no clima que persistem por um período extenso em resultado da

atividade antropogénica e adicionais à variabilidade natural do clima;

c) «Crise climática» ou «emergência climática», o atual estado de riscos, impactes, perdas e danos

causados pelas alterações climáticas;

d) «Ecocídio», a destruição massiva ou perda total de ecossistemas de um determinado território, derivado

da ação humana com dolo, que o usufruto pelos habitantes tenha sido ou venha a ser severamente diminuído;

e) «Extrativismo», relação não recíproca com a Terra não, baseada no domínio; uma relação que única e

exclusivamente tira que é o oposto de gestão ambiental, que implica tirar, mas zela para que a regeneração e

a vida futura continuem. É a redução da vida a objeto para terceiros, não lhes conferindo qualquer integridade

ou valor próprio, transformando ecossistemas vivos complexos em «recursos naturais» em vez de bens

comuns;

f) «Gases com efeitos de estufa», as substâncias gasosas que absorvem radiação infravermelha e que

contribuem para o aumento da temperatura e para a ocorrência de anomalias térmicas e, nesta medida, para a

permanência de alterações climáticas;

g) «Justiça climática», o respeito pelo conjunto dos direitos humanos e sociais no âmbito da crise climática,

através da qual se garante a participação das populações na resposta climática, a definição do uso sustentável

dos recursos naturais e dos bens comuns, o reconhecimento de responsabilidades históricas, e uma resposta

climática que vise uma sociedade mais igualitária e justa;

h) «Neutralidade Climática», o balanço líquido, igual a zero, entre as emissões dos gases com efeito de

estufa regulados pela legislação nacional e a remoção desses gases da atmosfera, por fenómenos naturais;

i) «Princípio da precaução», princípio sob o qual a falta de certeza científica não pode ser alegada como

razão suficiente para não adotar medidas preventivas e eficazes nas atividades que podem ter impactes

negativos relevantes no ambiente e na saúde humana;

j) «Refugiado climático», qualquer pessoa que se veja forçada a sair do seu território de origem em

resultado de uma situação da emergência climática;

l) «Reparação», políticas e ações com vista ao restauro de ecossistemas, habitats e biodiversidade para

aumentar a sua biodiversidade e garantir a segurança alimentar;

m) «Resiliência», políticas e ações de mitigação e adaptação à crise climática, procurando tornar a

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sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento global, tanto a nível humano como

técnico, nomeadamente o aumento do nível do mar e o risco para as zonas costeiras, as secas prolongadas

acompanhadas de ondas de calor e o risco de fogos florestais;

n) «Sustentabilidade», as políticas para o equilíbrio ambiental do planeta, que visa adequar todas as

atividades sociais e económicas à compatibilidade com a neutralidade carbónica e garantir formas de energia

não baseadas em carbono ou em metais e minerais.

Artigo 4.º

Pilares da política climática

As políticas públicas do clima estão subordinadas a três pilares:

1 – Sustentabilidade, que visa adequar todas as atividades sociais e económicas à compatibilidade com a

neutralidade carbónica, garantindo formas de energia não baseadas em carbono ou em metais e minerais.

2 – Resiliência, que visa tornar a sociedade capaz de lidar com os efeitos atuais e futuros do aquecimento

global, tanto a nível humano como técnico.

3 – Reparação, que visa a regeneração dos ecossistemas e habitats naturais para aumentar a sua

biodiversidade e garantir a segurança alimentar.

Artigo 5.º

Plano Estratégico para a Crise Climática

1 – A política e ação climáticas são constituídas pelo Plano Estratégico para a Crise Climática, que inclui o

Orçamento do Carbono que, por sua vez, institui as metas sectoriais de sequestro de carbono.

2 – O referido plano nacional está sujeito ao princípio da precaução e à justiça climática.

3 – O Plano previsto no n.º 1 do presente artigo é elaborado até 30 de junho de 2022 e sujeito a consulta

pública, vigorando depois por um período de 10 anos, findo o qual o Governo apresenta uma versão

atualizada.

4 – O Governo elabora um relatório anual relativo ao cumprimento do Plano Nacional para a Adaptação à

Crise Climática, apresentando-o à Assembleia da República no primeiro trimestre do ano seguinte ao que diz

respeito.

Artigo 6.º

Comissão Interministerial para a Crise Climática

É criada a Comissão Interministerial para a Crise Climática, que promove a coordenação e o

acompanhamento das políticas setoriais, assegurando os princípios da transversalidade e complementaridade

nos sectores económicos, sociais e culturais, e nas respetivas políticas públicas.

Artigo 7.º

Neutralidade climática

1 – O Estado português dirige a sua política para atingir a neutralidade climática, estabelecendo que o

balanço entre as emissões de GEE e as remoções da atmosfera desses gases tem como objetivo atingir, ou

mesmo antecipar, as suas metas ou seja 100% até 2050.

2 – As emissões de GEE têm redução contínua ao longo do tempo e o seu valor anual de emissões deve

ser sempre inferior ao registado no ano anterior.

3 – A data para a neutralidade climática do País não é passível de adiamento.

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CAPÍTULO II

SUSTENTABILIDADE, RESILIÊNCIA e REPARAÇÂO

Artigo 8.º

Sustentabilidade

1 – A política e ação para a sustentabilidade têm como objetivo a mitigação da crise climática, cabendo ao

Estado definir objetivos e metas nacionais e sectoriais, devidamente calendarizadas e baseadas nos

compromissos internacionais, e cumpri-las, nomeadamente:

a) Promover a proteção ambiental e o direito a um meio ambiente saudável;

b) Reduzir as emissões de gases estufa por meio de políticas e programas que promovam a transição para

uma economia sustentável e de baixa emissão de carbono;

c) Promover a transição energética através da substituição do uso e consumo de combustíveis fósseis por

fontes renováveis de energia, nomeadamente solar e eólica;

d) Manter todas as reservas de combustíveis fósseis inexploradas, tanto em meio terrestre como em meio

marinho, incluindo as áreas constantes da proposta de extensão da plataforma continental;

e) Interditar a extração de recursos minerais em áreas classificadas ao abrigo do direito nacional e

internacional, em REN, em RAN, em zonas da Rede Natura 2000 e outras áreas sensíveis, terrestres ou

marinhas;

f) Sujeitar impreterivelmente os projetos de mineração, em terra ou mar, a avaliação ambiental estratégica,

que inclua todas as externalidades;

g) Criar um programa de incentivos à mineração urbana;

h) Interditar os biocombustíveis produzidos a partir de material vegetal cultivado propositadamente para

este efeito, bem como a importação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma;

i) Limitar o abastecimento das centrais de biomassa, a biomassa florestal residual, certificada, rastreável e

proveniente de circuitos curtos;

j) Proibir a fracturação hidráulica no território nacional;

l) Promover aeficiência energética, particularmente no edificado público, sendo dada prioridade à reabilitação de edifícios e a formas de construção menos dispendiosas e mais amigas do ambiente;

k) Priorizar o transporte público coletivo e a sua descarbonização, garantindo o acesso dos cidadãos,

incluindo aqueles com mobilidade reduzida, e instituir medidas para assegurar a sua progressiva gratuitidade;

m) Promover os modos ativos de mobilidade, como a deslocação a pé e de bicicleta, e criar um programa

de apoio às deslocações pendulares em bicicleta;

n) Priorizar a Ferrovia, a sua modernização e a sua interligação a Espanha, criando ligações eletrificadas

entre todas as capitais de distrito;

o) Substituir as ligações aéreas internas entre os aeroportos nacionais do continente por ligações

ferroviárias a preço acessível e eliminar os incentivos, isenções e benefícios ao setor da aviação;

p) Analisar e inspecionar periodicamente as grandes unidades industriais no que respeita às emissões de

GEE, nomeadamente nas áreas do cimento e da celulose;

q) Criar programa de combate à obsolescência programada, garantindo uma maior durabilidade,

nomeadamente do conserto de equipamentos e/ou substituição de peças, apoiando cooperativas de

reparação;

r) Reduzir os bens descartáveis e de uso único através de medidas legislativas;

s) Melhor a gestão dos resíduos com vista à sua a redução e reutilização, aplicando a política dos 6R –

recusar, reduzir, reparar, «rot» (compostar), reutilizar e, só então depois, reciclar;

t) Promover uma política sustentável para o mar, designadamente através da gestão das intervenções

humanas e da instituição de áreas marinhas protegidas;

u) Reduzir drasticamente o uso de herbicidas e pesticidas.

2 – O disposto no presente artigo é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de

ação, planos de risco e planos de gestão.

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Artigo 9.º

Resiliência

1 – No âmbito das ações para a promoção da resiliência à crise climática e minimização dos riscos e danos

a nível nacional, regional e local, o Estado define objetivos nacionais e sectoriais e a sua calendarização, e

cumpre-os, nomeadamente:

a) Reforça a capacidade científica, que sustenta o planeamento das políticas e ações;

b) Identifica a vulnerabilidade e capacidade de adaptação e transformação de sistemas ecológicos, físicos e

sociais;

c) Elabora um Atlas do Risco, que inclua estratégias de adaptação a fenómenos climáticos extremos que

causam ondas de calor, secas, inundações, tempestades marítimas e terrestres, entre outros;

d) Estabelece mecanismos de resposta imediata às áreas impactadas pelos efeitos da crise climática,

reforçando e capacitando a Proteção Civil para enfrentar eventos climáticos extremos;

e) Protege as populações de perdas e danos resultantes da crise climática, nomeadamente em zonas

vulneráveis à subida do nível médio do mar, estabelecendo procedimentos para a sua deslocalização se

necessário for;

f) Elabora um programa de defesa e mitigação dos efeitos da erosão costeira privilegiando soluções de

engenharia natural e de restauro das barreiras naturais;

g) Promove o abandono de áreas de risco, proibindo nova construção;

h) Promove políticas de adaptação do espaço urbano aos efeitos da crise climática, nomeadamente através

de corredores ecológicos e de conservação da biodiversidade em meio urbano, impedindo a

impermeabilização dos solos e o efeito de ilha urbana de calor;

i) Preserva espaços verdes e árvores adultas, assegurando que a intervenção no arvoredo urbano é

efetuada por técnicos especializados em arboricultura e sujeita a um regulamento geral a criar em sede

própria, validado cientificamente e em constante atualização;

j) Garante a sustentabilidade dos recursos hídricos, reutilizando as águas pluviais;

l) Promove a agroecologia, sustentável e resiliente, para combater a desertificação e prosseguir objetivos

da neutralidade carbónica e a proteção da biodiversidade;

m) Promove uma alimentação sustentável e saudável e implementa uma estratégia para reduzir o

desperdício alimentar;

n) Promove a produção-consumo de proximidade e de agriculturas sustentáveis.

2 – O disposto no número anterior é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de

ação, planos de risco e planos de gestão.

Artigo 10.º

Reparação

1 – O Estado promove a contenção da degradação dos ecossistemas, habitats e biodiversidade e concorre

para a sua reparação, através da instituição de medidas de restauro adequadas que permitem aumentar a sua

resiliência, nomeadamente:

a) Sumidouros de carbono terrestres e aquáticos: proteção, preservação, monitorização, ampliação e

restauro dos ecossistemas de elevada capacidade de sequestro de carbono, nomeadamente as florestas

autóctones, os sapais, as pradarias marinhas e as florestas de algas e recifes;

b) Preservação e restauro do montado de sobro e do olival tradicional como agrossistemas fundamentais no

sequestro de carbono, na resiliência do território aos incêndios, na fixação de população, na proteção da

biodiversidade, e na regulação dos ciclos da água e do solo;

c) Promoção e restauro da floresta autóctone, designadamente através de culturas florestais mais

sustentáveis e resilientes e a reflorestação das áreas ardidas, abandonando progressivamente a monocultura

do eucalipto;

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e) Promoção da agroecologia, um modelo agrícola mais diverso, resiliente e que tira proveito dos processos

ecológicos, com recurso reduzido a adubos, mais resiliente aos incêndios e à seca e com menos emissões de

GEE;

f) Reformulação da Política Agrícola Comum por forma a apoiar os pequenos agricultores e meios de

produção mais sustentáveis, nomeadamente a agricultura biológica, em detrimento dos sistemas de produção

de monocultura intensiva e superintensiva.

2 – O disposto no n.º 1 é articulado com os instrumentos de ordenamento de território, planos de ação,

planos de risco e planos de gestão.

CAPÍTULO III

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E JUSTIÇA CLIMÁTICA

Artigo 11.º

Cooperação internacional

1 – O Estado português participa ativamente na elaboração de acordos, protocolos ou convenções

internacionais respeitantes à crise climática e fomenta a cooperação através da troca de informação,

conhecimento científico e tecnologia.

2 – Cumpre igualmente os seus compromissos internacionais, colaborando e participa em mecanismos de

auxílio a países terceiros assolados por fenómenos climáticos extremos.

Artigo 12.º

Financeirização da resposta à crise climática

No quadro das suas relações internacionais, o Estado Português opõe-se à financeirização dos

instrumentos de resposta climática e a mecanismos de constituição do direito a poluir, nomeadamente ao

Comércio Europeu de Licenças de Emissão ou a um mercado global de emissões ou ainda à criação de um

mercado para o capital natural.

Artigo 13.º

Ecocídio

É reconhecido e tipificado no ordenamento jurídico português o crime de ecocídio.

Artigo 14.º

Refugiados climáticos

O Estado português reconhece o estatuto de refugiado climático a pessoas que sejam forçadas a sair do

seu território de origem em resultado de uma situação da emergência climática.

CAPÍTULO IV

INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

Artigo 15.º

Informação e monitorização

O Estado garante, ao público, uma base de informação atualizada sobre a Crise Climática em curso,

nomeadamente as emissões de GEE e os setores que mais contribuem para essas emissões.

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Artigo 16.º

Investigação e desenvolvimento

1 – A política de investigação científica é enquadrada no cumprimento do Plano Estratégico para Crise

Climática e do Orçamento do Carbono, da redução das emissões de GEE, da preservação e restauro de

sumidouros de carbono, da conservação, preservação e reparação da natureza, da avaliação dos riscos e

impactes da crise climática e da proteção das populações.

2 – O Estado português e as suas instituições participam ativamente em equipas internacionais de

investigação científica e desenvolvimento tecnológico no âmbito da crise climática planetária.

3 – É garantido o financiamento adequado para a execução dos projetos referidos nos números anteriores,

bem como a sua divulgação generalizada.

Artigo 17.º

Empregos para o Clima

O Governo fomenta os empregos para o clima através de planos sectoriais de reconversão e formação.

Artigo 18.º

Educação ambiental

1 – O Estado promove a educação ambiental permanente em espaços de educação formal e informal,

reconhecendo a relação entre a crise climática e as lógicas de crescimento económico contínuo e as lógicas

de exploração e de promoção das desigualdades.

2 – São promovidas campanhas de sensibilização para a prevenção e para os riscos inerentes à crise

climática.

CAPÍTULO V

FISCALIDADE E FINANCIAMENTO

Artigo 19.º

Financiamento da resposta climática

1 – O Estado promove o investimento público adequado à concretização das medidas de mitigação,

resiliência e reparação às alterações climáticas.

2 – Para o efeito previsto no número anterior, o Governo remete à Assembleia da República anualmente,

juntamente com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado, um relatório-síntese.

3 – O Governo, no âmbito do financiamento de projetos e atividades para combater as alterações

climáticas, torna público, de forma acessível, os meios de financiamento disponíveis, bem como as formas de

acesso ao respetivo financiamento, divulgando, igualmente, os projetos a que foram atribuídos financiamentos

públicos.

Artigo 20.º

Fiscalidade Verde

São eliminados os incentivos, isenções e benefícios a setores de atividade económica com grande

contributo para as emissões de GEE, nomeadamente a aviação nacional e internacional e o transporte de

mercadorias por via marítima.

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CAPÍTULO VI

PARTICIPAÇÃO E PROTECÇÃO CIDADÃ

Artigo 21.º

Participação

É garantida a participação das populações nas políticas climáticas, nomeadamente na tomada de decisões

políticas e enquanto agentes ativos na proteção do território.

Artigo 22.º

Proteção

São criados mecanismos de proteção, nomeadamente apoio judicial, a cidadãos e cidadãs que promovam

ações em prol da defesa do clima e do ambiente.

Artigo 23.º

Apoio a associações ambientais

O Estado apoia as associações que se dedicam à defesa do ambiente e ao combate à crise climática.

CAPÍTULO VII

AVALIAÇÃO E FISCALIZAÇÃO

Artigo 24.º

Avaliação Estratégica

Todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura são avaliados

estrategicamente em relação ao seu contributo para o cumprimento dos pressupostos enunciados,

nomeadamente a redução do consumo de matérias-primas não-renováveis e seus derivados, as emissões de

gases de efeitos de estufa e outros poluentes, a reparação de ecossistemas e habitats e a regeneração da

biodiversidade.

Artigo 25.º

Comissão Técnica Independente para a Crise Climática

É criada uma Comissão Técnica Independente para a Crise Climática cuja missão consiste na avaliação,

fiscalização e monitorização, de forma independente, do cumprimento da Lei de Bases do Clima, composta por

especialistas, representantes dos partidos e de ONG, produzindo um relatório anual.

CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 26.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 6 de janeiro de 2021.

A Deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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REGIMENTO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Artigo 140.º

Discussão pública

1 — Em razão da especial relevância da matéria, a comissão parlamentar competente pode propor ao

Presidente a discussão pública de projetos ou propostas de lei, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 134.º.

2 — O disposto nos números anteriores não prejudica as iniciativas que as comissões parlamentares

competentes em razão da matéria entendam desenvolver de modo a recolher os contributos dos interessados,

designadamente através de audições parlamentares ou do sítio da Assembleia da República na Internet.

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