SESSÃO N.° 6 DE 17 DE OUTUBRO DE 1906 87
Reino, n'uma epoca em que se deram bastantes incidentes, nunca deixei de recommendar aos governadores civis e á policia que procedessem sempre com a maior prudencia e urbanidade. N'essa epoca, em que se realizaram os comicios promovidos peta colligação liberal, em que houve a suppressão dos concelhos, que poderia trazer perturbações á ordem publica, em que foram dissolvidas as associações, eu nunca deixei de dar instrucções bem terminantes para que se procedesse, não só com a maxima prudencia, mas com a maxima cautela e que a policia só usasse do armamento em defesa da sua propria vida.
O meu criterio, como se vê, não é de agora, é já antigo.
Entendo que a policia tem obrigação de intervir, mas só quando ha excessos.
Manifestações houve-as, contra mim proprio, Presidente do Conselho, algumas em circumstancias, não digo graves, mas em todo o caso fora do razoavel e do ordinario, e no entretanto sempre os agentes da auctoridade procederam por forma que se não deram violencias.
Quando, em seguida, se produziram factos de todos nós conhecidos, eu entendi que não podia continuar a permittir nas das de Lisboa manifestações que podiam provocar conflictos, e procedi por forma e maneira a evitar que elles se dessem entre o povo e a policia.
Já disse, repito, que não é de hoje que assim procedo, é de sempre.
Já em 1897, mercê de Deus e dos cuidados meus, quando se tratava da vida dos cidadãos portugueses, apesar d'essa epoca ser bem agitada, como foi a da suppressão dos concelhos, a questão da colligação liberal e a dissolução das associações, nunca foi preciso para fazer respeitar a ordem que se empregasse a força, nem houve derramamento da mais pequena gotta de sangue.
As auctoridades cumpriram sempre as ordens do Governo. Mas desde o momento em que eu procedesse por forma a auctorizar o emprego da força, nenhuma responsabilidade caberia aos agentes da auctoridade; todas ellas deviam ser para mim; a responsabilidade cabe a quem dá as ordens e as instrucções, e não a quem as executa.
Os jornaes republicanos abriram subscripções para promover processos contra os culpados dos acontecimentos da noite de 4 de maio. Homens distinctos, que os teem esse partido, advogados e jornalistas, offereciam-se com a sua palavra ou com a penna para defender os presos, mas a verdade é que 5 mezes vão volvidos e nem uma unica diligencia fizeram nesse sentido.
Os tumultos deram-se na estação do Rocio, na rampa que vae da estação do Rocio, no proprio Rocio e na calçada do Duque.
Como se pode saber a quem cabem as responsabilidades, se á policia, se aos populares?
Tem-se dito erradamente que os acontecimentos de 4 de maio ficaram sem punição e sem ter consequencias politicas e historicas, quando afinal foram esses acontecimentos que occasionaram a queda do Ministerio do Sr. Hintze Ribeiro, dando-se depois uma revolução na politica d'este paiz, que ninguem era capaz de esperar, dois ou ou tres mezes antes.
A cidade de Lisboa foi dada a maior de todas as satisfações.
O Sr. Hintze Ribeiro tinha pedido a El-Rei um adiamento de Côrtes, mas não banal, mas por motivos especiaes.
El Rei entendeu que não devia conceder esse adiamento, e que era chegado o momento da politica portugueza se orientar em sentido inteiramente opposto ao conservantivismo com que até ahi se tinha governado, para dar logar a um programma liberal, um programma administrativo, um programma de reformas como o paiz vinha pedindo e de que vinham fazendo inteira propaganda o Sr. José Maria de Alpoim, os republicanos e tantos outros elementos politicos do paiz.
E, assim, Sr. Presidente, tenho muita honra em dizer que fui chamado para cumprir o programma do meu partido; nem eu teria acceitado o poder senão nessas circumstancias. E subi ao poder com o auxilio dos meus amigos e com cinco annos de proscripção, em que conseguimos a confiança da opinião publica, visto que esse era o primeiro dos lemmas do nosso programma politico.
Por isso, tenho bem o direito de dizer que procedi em relação aos acontecimentos de 4 de maio, como deve proceder um homem para quem a justiça e a liberdade são dois principios a que resolveu sacrificar-se.
Ainda que o processo criminal aguarde quaesquer esclarecimentos, eu não tenho nenhuns a fornecer-lhe desde o momento em que a propria syndicancia mandada organizar pelo Sr. Hintze Ribeiro os não forneceu.
Eu o que tinha a fazer, e faço, é aguardar os resultados que podem ter os processos judiciaes, para proceder contra os agentes da policia pela forma que a lei impõe.
Diz o Digno Par que é preciso fazer mais luz sobre a questão e eu digo-lhe que a luz, sob o ponto de vista politico, que havia a fazer, está feita, se, sob o ponto de vista criminal, é aos tribunaes que compete.
Se ha quem não esteja satisfeito com a instauração do processo criminal, tem-no ainda aberto : requeira perante os tribunaes e faça julgar e condemnar quem o deva ser; se for agente da força policial, a sua situação na policia ha de soffrer a natural consequencia da sentença que o tribunal proferir.
Com respeito á proposta de inquerito parlamentar que o Digno Par annunciou, eu podia dizer que me reservava para, na outra Camara, onde a proposta será apresentada, emittir a minha opinião; mas, como o Digno Par largamente a fundamentou, por um acto de deferencia e attenção para com S. Exa., dir-lhe-hei que não precisava perguntar a esse respeito o meu juizo, porque, desde que eu não julgo preciso intervir ou inquirir do assumpto, não poderei julgar necessario um inquerito parlamentar. Pela Constituição é até absolutamente contestada, e muito legitimamente, a interferencia que o Parlamento ou o Governo podem ter em inqueritos ou questões d'esta natureza. (Apoiados}.
Pergunto se é ao poder legislativo que compete apurar da responsabilidade administrativa dos agentes policiaes ou averiguar as responsabilidades criminaes de quem quer que seja.
Sr. Presidente: isto é a confusão de todos os poderes.
É o poder legislativo invadindo as attribuições do poder judicial.
Ora, Sr. Presidente, por emquanto não estamos na Convenção.
Será muito bom fazer bellas tiradas rethoricas sobre o que se passou n'essa Convenção; mas, Sr. Presidente, a lei que nos rege, e que eu desejo que nos reja sempre, é a Carta Constitucional, e essa define quaes são os diversos poderes do Estado, e diz que a responsabilidade criminal está sujeita ao tribunal competente.
Para terminar, direi ao Digno Par que ha um ponto do seu discurso a que não poderei referir-me longamente, mas que tocarei de passagem.
O Digno Par disse que a luz, toda a luz era necessaria a este assumpto, para se fazer justiça e ser applicado o castigo a quem delinquiu; mas, Sr. Presidente, eu devo dizer que nada tem a Coroa com os acontecimentos de 4 de maio.
Se S. Exa. tem de dizer alguma cousa a este respeito, formule a sua accusação por uma forma concreta, positiva e decidida.
Se tem factos, apresente-os, porque outros factos hão de ser apresentados em contestação.
Do que se trata é das responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro e das minhas.