O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

84 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Dizem as memorias do tempo que no seu coração não existiu nunca esse sentimento, que é o mais bello da existencia: o amor de uma mulher.

O seu olhar parece que cavava no coração o terror e a morte. Era um espirito duro e seco.

O Sr. João Franco é por tal forma amoravel e enternecido, que declarou em plena Camara que não quizera falar mais nos acontecimentos de 4 de maio para não ferir nem maguar o Sr. Hintze Ribeiro. Grandes amigos! Não o queria molestar, nem o queria offender. Veja V. Exa. que ternura de animo, que em nada se compara com Rosbespierre!

O Sr. João Franco é inteiramente piedoso para com o Sr. Hintze Ribeiro. Grandes e bons amigos! Robespierre decerto não procedia assim.

Saint-Just era inflexivel, grave, aprumado, de uma bella cabeça e de um bello rosto; o seu andar era tão solemne, que até d'elle se dizia que levava a cabeça sobre a sua gravata, como se fosse o Santissimo Sacramento. Saint-Just dizia a Robespierre que fosse calmo, porque a força pertence aos fleugmaticos.

Mas o Sr. João Franco, ainda se viu na ultima sessão, quando respondeu ao discurso do Digno Par Sr. José de Azevedo, o azedume, a violencia extraordinaria com que o fez. O Sr. João Franco não é nenhuma d'essas figuras, e para o definir iria antes buscar a figura caricatural de Barnave, trajando meio-corpo á moda dos fidalgos de Versailles, e a outra parte da figura à laia, de democrata.

O Sr. João Franco é como Barnave, meio cortezão, meio liberal, meio democrata, meio conservador, e não tenho senão que felicitar S. Exa., porque é já um grande progresso. Se eu quizesse voltar a referir-me ao tempo em que S. Exa. dotou o paiz com as leis que ainda hoje vigoram, então a sua figura seria a de Pina Manique, de rigida cabelleira e casaca de seda.

Hoje S. Exa. é um semi-liberal, e eu faço votos para que S. Exa. se torne n'um liberal inteiro.

Eu não sou seu correligionario, não posso ser servidor incondicional de ninguem, mas affirmo a S. Exa. que não só me encontra a seu lado, mas prompto a defendel-o sempre que S. Exa. pense defender as reivindicações sociaes e politicas.

Disse S. Exa. n'uma das sessões passadas, na outra casa do Parlamento, "que se alliava fosse a quem fosse, monarchico ou republicano, que o ajudasse na sua obra liberal, que tinha por base o respeito religioso pelas regalias do Parlamento".

Se as palavras de V. Exa. são sinceras tem-me a seu lado; por ora S. Exa. é apenas um semi-liberal, tanto nas leis que tem apresentado ao Parlamento como perante os acontecimentos do dia 4 de maio.

Vamos ás responsabilidades do Sr. Hintze Ribeiro, porque a verdade deve vir aqui nua e crua, e hoje, nos tempos que vão correndo, quem não diz a verdade fica perdido no conceito de todos. O Sr. Hintze Ribeiro deu ordens á policia, que eram conformes com a lei; não mandou assassinar o povo de Lisboa, disse o S. Exa. era phrase de grande orador, que S. Exa. é, pois, segundo a phrase romana, para ser um grande orador é indispensavel ser um homem de bem.

Pelo que o Sr. Hintze Ribeiro affirmou não temos a menor duvida que a triste realidade é esta: S. Exa. não mandou espadeirar o povo, mas devia ter suspendido as auctoridades que não cumpriram os seus deveres. Não o fez; limitou-se apenas a mandar fazer uma syndicancia pelo commandante da policia, que se tornou logo suspeito de querer favorecer os seus subordinados. O Sr. Hintze Ribeiro não procedeu com a firmeza e com a energia que o caso reclamava.

S. Exa. disse aqui, para attenuar a sua responsabilidade, a que tinha havido gritos subversivos de viva a republica", mas esses gritos teem de ser considerados conforme o logar e as circumstancias em que foram soltados. Se esses gritos de viva a republica foram soltados depois do povo ser acutilado, deviam ser considerados um desforço natural e de somenos importancia politica.

Mas admittindo mesmo que estes gritos eram subversivos, com que direito se acutilava o povo por uma forma sem precedentes?

Admittindo mesmo que tivesse havido abusos, a obrigação da policia era admoestar, prender, e só quando a policia tivesse de defender a sua vida ameaçada e em perigo, só então, é que se devia empregar a força e a violencia para a repressão.

Mas, Sr. Presidente, proceder tão violentamente contra crianças e mulheres que estavam muito longe de tomar parte nos acontecimentos, isso é que é uma verdadeira barbaridade, e que se não dá em paiz nenhum civilizado.

Sr. Presidente, vou dizer a V. Exa. e á Camara o que acontece nas paizes liberaes, o que acontece na Republica Franceza.

Permitta-me V. Exa. e a Camara que eu faça aqui uma observação, e é que se não imagine que eu adopto processos absolutamente radicaes.

Eu sou monarchico, não realista, monarchico de tradicções e principios, porque estou plenamente convencido de que a Monarchia ainda pode realizar o sonho de um publicista, eminente, isto é, fazer-se em Portugal uma verdadeira democracia real.

A grande e poderosa Inglaterra, á testa da qual está um Rei eminentemente constitucional, e que tem o maximo respeito pela democracia, deixa entrar no seu gabinete operarios, e deixa que no Parlamento estejam os filhos do povo combatendo pela reivindicação politica e social.

Sr. Presidente: eu sou tambem monarchico, permitta V. Exa. que eu o diga, por uma especie de fraqueza de coração, e entendo, como entende um escriptor francez, que a revolução é uma desordem muito grande, que pode encerrar muitos males, muitos perigos, muitos crimes, e que pode levar o povo a praticar actos execraveis, que só se deve fazer quando absolutamente exigida pela força fatal das circumstancias.

Mas, Sr. Presidente, note V. Exa. ainda que eu entendo que uma revolução deixa prever a possibilidade de uma contra-revolução, e uma contra-revolução é sempre peor que uma revolução.

Sr. Presidente: o nobre Presidente do Conselho, que ainda ha dois dias foi assistir a uma festa escolar, pronunciou esta grande phrase: "Os povos não pertencem aos Reis; mas os Reis é que pertencem aos povos".

Para que a Monarchia Portugueza se conserve e prospere, e attenda a todos os interesses publicos, é preciso que se attenda á phrase pronunciada no Parlamento. Britannico por um grande parlamentar, dizendo que mais vale a perda de uma familia inteira do que a ruina de todo o paiz.

O nobre Presidente do Conselho deu ás crianças e ao Principe Real uma bella lição que eu applaudo, mas não pelo modo eloquente e irónico como o fez o meu amigo o Sr. José de Azevedo.

O Sr. Presidente do Conselho não deu a lição inteira ao Principe Real. S. Exa. podia lembrar a esse Principe, que eu sei ser intelligentissimo, o que um fidalgo disse a Luiz XV quando este ainda não se sentava no throno e imperava a Regencia:

"Senhor, todo este povo vos pertence".

Luiz XV convenceu-se d'isso e fez a desgraça da França.

O Sr. Presidente do Conselho devia-o dizer ao Principe Real, que é intelligentissimo, e julgo que não tem ainda a sua educação completa. Commigo o julgam todos os que me escutam, porque nunca os Governos d'este paiz tiveram o cuidado de dar conta ao Parlamento da educação intellectual, moral e politica d'aquelle que um dia ha de ser o primeiro magistrado da