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5 DE FEVEREIRO DE 1999 1621

parcial, vê-se que como bom cidadão gosa d'esses mesmos elogios que faz à autoridade, mas também se vê que os sabe suspender no ponto em que eles já não foram senão a expressão deshonrada e deshonradora da baixeza e da adulação, se alguma acção do governo merece censura, faz-me s>m imparcialmente, mas da maneira que o faz um interessado pela salvação do estado, e não pela ruína das pessoas que o administram Vede o outro, quando censura ou quando louva ou satyrisia, insulta, e murmura atrabiliariamente, ou lisonjeia, incensa, adula servilmente, não segundo a acção foi boa ou má, mas segundo a pessoa que a pratica, e ou não do seu partido, cliente ou patrono seu Quem não estremará no discorrer d'estes dois homens o espirito público do espirito de partido? Quem não verá n'um, a expressão da opinião pública, n'outro, a da privada opinião dos interesses pessoais? ( ) o que é necessário para ser bom deputado? ( ) Amor desinteressado da causa publica.
Palavras nas quais podemos e devemos ainda hoje meditar.
Do mesmo modo, são muito actuais, e sê-lo-ão sempre em regime democrático, aquelas outras palavras «Os homens são iguais porque são livres, e são livres porque são eguaes ( ) a natureza que nos doou estes dois preciosos bens, que os ligou intimamente com a nossa essência, que lhes deu uma tal correlação, uma afinidade e união tão reciproca, que um sem outro não podem existir, que um sem outro não podem cabalmente demonstrar-se.
Permito-me discordar apenas do entendimento de que a igualdade e a liberdade nos foram doadas Pelo contrário, foram, são, todos os dias, uma conquista de todos e de cada um de nos
São imensos os desafios que hoje se nos colocam As batalhas por um projecto de sociedade que se quer cada vez mais livre, justa e solidaria e por um modelo de desenvolvimento que não exclua ninguém, que não deixe de fora os fundamentais valores da dignidade da pessoa humana e da vontade popular
Como disse Garrett «Temos estorvos grandes que remover obstáculos imensos que superar, grandes e perplexas e quase inextricáveis dificuldades que debandar e desembaraçar».
Mas, como prosseguiu Garrett, «Não tremamos diante delas não recuemos de cobardes - avante, que já não é decente nem honrado nem possível recuar avante, mas não invistamos em carreiras de cego, arquemos com o inimigo, mas de olhos abertos, de peito a peito Venceremos mas não sem trabalho Havemos de triunfar, mas não sem sacrifício».
Os inimigos hoje serão outros são a injustiça social, a pobreza a exclusão, a fome, o trabalho infantil, o racismo a egoísta divisão dos recursos, a poluição, a destruição de bens e valores património da humanidade Mas são-no ainda infelizmente, o «obscurantismo» e a «tirania», contra os quais Almeida Garrett se bateu.

Aplausos gerais.

O Sr Presidente - Em representação do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luisa Mesquita

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP) - Sr Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs Deputados, Sr.ªs Convidadas, Srs Convidados João Baptista da Silva Leitão, que mais tarde acrescentara ao seu nome os apelidos de Almeida Garrett pelos quais é hoje conhecido, nasce no término de um século que pretende assumir-se como eterno fazedor de certezas intangíveis, aquelas que só moldam homens indistintos e quietos.
O universo que o jovem Garrett conhece é intemporal, silencia as contradições e está ainda muito longe da revolução liberal, dos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade
Em seu redor, há um mundo de receios, mas nele e com ele o jovem apreende o sentir do ser e do estar, descobre a interpelação e o vassalo dialoga com o tirano em Sonho Profético, perguntando «O supremo poder aos reis proveio/Seus direitos/E Deus, se lhes outorga/Nenhuma obrigação lhe impôs com eles/Aos desgraçados, miserandos povos/Que aos ferros condenou e à desventura,/C'oa eterna obrigação do sofrimento Nenhum direito deu/Altos decretos/Do Eterno examinar, vos é vedado ...»
Mas do saber decretado pelo verbo partirá Garrett para o entendimento entre o passado sem resposta e um futuro grávido de promessas.
E é então que a palavra garrettiana se transmita em acção.
Texto e revolução conjugam-se na procura de um mundo novo que o soldado liberal ajuda a construir e o escritor relata E é neste processo de transformação que se transforma também o homem A sua consciência, vinculada sem reservas ao que se passa fora dela, é causa e efeito de uma sociedade em inquieta e perturbadora mutação É este o jovem que, com menos de 20 anos, reflecte, com uma generalidade universalista, sobre a cultura, a arte e se envolve sem preconceitos na actividade política no meio do povo, numa época de feroz instabilidade e a quem só a compreensão da realidade incomoda Trilha caminhos onde os aplausos são silêncios, entrega-se à aventura revolucionária, embriaga-se na descoberta dos fenómenos sociais e na incerteza das respostas do homem novo
E é esta consciência que leva Garrett, provavelmente, a afirmar na sessão de 9 de Outubro, a propósito da formação da segunda Câmara das Cortes e da posição do homem público, do homem chamado a pronunciar-se sobre questões importantes que a «( ) Mais fácil é seguramente a daquele que levado da torrente de opiniões e cuidando dirigir as turbas, quando não é senão empurrado por elas, imaginando-se forte só porque se pôs do lado de fora, vai com o poder que reina, está pela potencía que impera os aplausos estão em roda d'ela, as recompensas lhe chovem em cima, e coroado há-de ser com certeza».
Garrett excedia o seu próprio tempo e por isso se condena, como afirmou José Gomes Ferreira, «À sua imensa, à sua terrível solidão de homem de génio »
A compreensão e o estudo da produção garrettiana é hoje, mais que ontem, porque também hoje, mais que ontem, Portugal está menos distante deste amante da liberdade, uma permanente fonte de elementos novos que relatam as contradições económicas, políticas, ideológicas e culturais de um momento histórico fundamental para a compreensão de quem fomos, de quem somos e de quem pretendemos ser.
Ler Garrett é, ainda hoje, um trajecto de experiências sempre novas, de constante questionarão de todas as cadeias que coarctam a liberdade do ser humano O escritor gritará contra os tiranos, desafiará todos os poderes e perguntará «Não morre o homem quando vive o escravo?»
Do discurso político ao discurso literário, do discurso do amor ao discurso jornalístico, a palavra desvenda-se e