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da, a correspondência que acompanhou a resolução das Cortes de 2 de Novembro de 1821, do encarregado dos negócios do Governo britânico, ácerca do decreto de 14 de Julho daquelle anno. O que V. Exca. legará ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 5 de Setembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.
Redactor - Velho.

SESSÃO DE 6 DE SETEMBRO.

Aberta a sessão, sob a presidência do Sr. Freire, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
O Sr. Secretario Felgueiras, dando conta do expediente, mencionou
1.° Um officio do Ministro dos negócios da justiça, remetendo uma representação da junta provisional da província do Piauhi em data de 26 de Abril. Passou á Commissão ecclesiastica de reforma.
2.° Outro officio do mesmo Ministro transmittindo às respostas dadas pelo cabido de S. Martinho de Sedofeita, e pelo prior da mesma freguezia aos quesitos Constantes da ordem das Cortes de 6 de Julho. Passou á Commissão ecclesiastica de reforma.
3.° Outro officio do mesmo Ministro, enviando todos os papeis que dizem respeito a supprir o consentimento do doutor Bernardino António Gomes, para sua filha casar com Joaquim José de Araújo. Passou á Commissão de justiça civil.
4.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo às relações circunstanciadas de cada um dos conventos, que ha na província e bispado do Maranhão, em parte de cumprimento da ordem das Cortes de 21 Fevereiro. Passou á Commissão ecclesiastica de reforma.
5.° Outro officio do mesmo Ministro, remettendo á consulta do conselho de Estado sobre a falta de concorrentes aos lugares de desembargadores das relações do Maranhão e Pernambuco. Passou á Commissão de justiça civil.
6.° Um officio do Ministro dos negócios da marinha, remettendo uma parte do registo da torre de Belem do dia 4 do corrente, de que as Cortes ficarão inteiradas.
7.° Um officio do Ministro dos negócios estrangeiros, remettendo cópias da correspondência com o encarregado dos negocios do Governo britannico em conformidade da ordem das Cortes, que se mandou remetter á competente Commissão especial.
8.° Uma carta do reitor de Coruche, enviando as suas felicitações, por se haver felizmente concluído o código constitucional da Nação portugueza, que foi ouvida com agrado.
9.° Uma carta do Sr. Deputado Costa Brandão participando a continuação da sua moléstia, e pedindo reforma de licença: forão-lhe concedididos vinte dias. Feita a chamada, achárão-se presentes 108 Deputados, faltando com licença os Srs. Moraes Pimentel, Moreira, Osório Cabral, Ribeiro da Costa Arcebispo da Bahia, Bernardo de Figueiredo, Sepulveda, Ledo, Feijó, Borges de barros, Lyra, Bettencourt, Trigoso, Jeronymo José Carneiro, Costa Brandão, Queiroga, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, Vicente da Silva, Annes de Carvalho, Belfort, Ferreira Borges, Gouvêa Osorio, Faria, Lino Coutinho, Sousa e Almeida, Martins Basto, Borges Carneiro, Sande e Castro, Zefyrino dos Santos, Vergueiro, Marcos Antonio, Araujo Lima, Basdeira: e sem causa reconhecida os Srs. Barada, Agostinho Gomes, Almeida e Castro, Rosa, Xavier de Araujo, Ribeiro teixeira, Isidoro dos Santos, Rebello, Franzini, Sousa Machado, Leal, Cirne.
Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão o seguinte parecer apresentado pela Commissão de Justiça civil em sessão de 26 de Agosto:
Forão presentes á Commissão de justiça civil duas representações remettidas pelo Governo a este soberano Congresso, e feitas pelo governador das armas da provincia da Extremadura, e pelo auditor interno corregedor de Elvas, nas quaes pedem resolução de quatro duvidas sobre a execução do decreto de 11 de Julho preterito, e vem a ser:
1.º Se o dito decreto, em quanto aboliu inteiramente o privilegio pessoal do foro competente aos militares nos crimes civis, comprehende ou não os réos já prezos nos regimentos antes da sua publicação por taes crimes: para serem, ou não serem remettidos com culpas aos juizes que lhas formárão, e os julgarem.
Parece á Commissão que deve cumprir-se com a dita remessa dos réos, e das culpas uma vez que não tenha havido sentença final em conselho de guerra regimental, na fórma do artigo 4.º e 7.º do mesmo decreto.
2.º No caso de serem os mesmos réos, quer de presente, quer de futuro, involvidos em crimes civis, e militares, qual deva ser o juiz de todos, para se evitar o gravame de dois livramentos em diversos juizos; ou se devão separar-se as culpas, e conhecer até final cada juiz das que forem da sua competencia, e quaes devem primeiro julgar-se.
Parece á Commissão que a prisão faz preventa a jurisdicção do juiz, a cuja ordem foi feita, quanto á pessoa para ficar debaixo da sua autoridade; e quando ás culpas, devem ser julgadas nos diversos juizos a que pertencem, conforme a sua capacidade, á primeira do que se praticava de preterito nos crimes exceptuados: não devendo com tudo executar-se uma sentença sem preceder a outra.
3.º Porque maneira hão de ser interrogados os réos, quando fôr preciso, estando prezos em terras distantes do juizo que julgar necessario esse interrogatorio.
Parece á Commissão que nesta parte he bem obvia a pratica das ordens, e officios, que a estes respeitos se costumão expedir.
4.º Porque maneira devem ser executadas as penas de diversa qualidade, em que os militares forem condemados nos diversos juizos.

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Parece á Commissão, que sendo imposta em algum juizo tal pena, que torne incompatível, e absorva a execução da outra, deve sómente executar-se a maior, qual a capital a par de outra qualquer, ou a de degredo perpetuo a par de outra menor.
Mas que nos outros casos devem ser cumpridas ambas, porque de outra sorte seria um só delicto purgado. Paço das Cortes 20 de Agosto de 1822. - Luiz Martins Basto; Pedro José Lopes de Almeida; Antonio Carlos de Andrade Machado e Silva; Antonio Ribeiro da Costa; Carlos Honorio de Gouvêa Durão.
Convenho em as três primeiras declarações da Commissão: porém não na quarta, em que opino, que sempre a pena maior, qualquer que fôr, absorva a menor, ao menos em quanto o novo código não proporcionar as penas aos delidos, e não modificar a sua severidade. - Manoel de Serpa Machado.
Lido o artigo 1.º, e proposto á votação, foi approvado como está.
Forão igualmumte approvados os artigos 2.°, e 3.°
Passando-se ao artigo 4., disse
O Sr. Serpa Machado: - Farei uma pequena observação, visto ter-me afastado do parecer da Commissão. Nos casos em que ha duas penas a satisfazer, não se deve executar senão a maior. Eu considero esta medida como muito necessária no estado actual, em que se ai ha o nosso código. Elle tem penas muito severas, e o código militar ainda muito mais. Parecia-me a mim que seria uma legislação barbara obrigar o réo a soffer duas penas que são muito severas; he por isso que se diz que a pena maior absorve a menor. Estes são os motivos que me obrigárão a afastar-me do parecer da Commissão; e a não poder adoptar-se este meu parecer, então quereria eu que os delictos differentes fossem julgados pelo mesmo juizo, para de alguma maneira adoçar o rigor do nosso código; isto he, que o delicto que não fosse militar, fosse tratado do mesmo foro militar, etc.
O Sr. Gouvêa Durão: - A pesar do que acaba de dizer o illustre Preopinante, e a pesar mesmo dessa apparencia de humanidade que póde deduzir-se do seu voto separado, eu confirmo agora o que votei na Commissão, porque não he por princípios de humanidade, inapplicaveis ao ponto de que se trata, mas por principios de justiça que se deve decidir este caso. Qualquer réo póde ser considerado como um devedor civil; quem commette um crime, constitue-se devedor de uma pena, e quem commette mais crimes, de mais penas se constitui devedor. Como pois no pagamento de uma divida se póde julgar incluído o pagamento de outra, não sendo o pagamento de ambas incompatível? Supponhamos que um individuo me deve 6:400 por um titulo, e mais 3:200 por outro titulo; diremos por ventura que por isso que em 6:400 ha 3:200, elle, pagando aquelles, me pagou tambem estes? A justiça não soffre a moderação deste voto separado, por que realizando-se elle, habilitariamos o perpetrador de um crime grave para commetter muitos outros menores do que aquelle, pois que com a pena do primeiro pagaria os subsequentes por mais numerosos que fosse, e em taes termos a lei não obteria os fins que na imposição dos castigos se propõe, isto he, emenda do criminoso, satisfação do offendido, e exemplo para desviar os outros cidadãos do delicto. Não deve por tanto adoptar-se o voto separado pelas consequencias pessimas que há de produzir; confirmemos, porque o devemos confirmar, o parecer da Commissão, como fundado nos mais santos principios de justiça.
O Sr. Peixoto: - ......
O Sr. Castello Branco Manoel: - Eu não posso deixar de apoiar a opinião da Commissão, porque mesmo á republica interessa que os delidos sejão punidos. Ora se acaso a pena menor ficar absolvida com a satisfação de pena maior, seguir-se-hia daqui um prejuízo gravissimo á republica, por quanto o delinquente ficava com a porta aberta para commetter quantos delictos quizesse, pois que tinha a certeza de que havia de soffrer sómente a pena do delicto maior: he por esta razão que approvo o parecer da Commissão.
O Sr. Brito: - Eu lembro um crime, pelo qual se vê que se não póde approvar o que diz o Sr. Serpa Machado, e he o do contrabando; porque os contrabandistas sabendo que se fizessem um contrabando de um conto de réis, não pagavão senão por esse, e não pelos de menor quantia, não deixarião de fazer ao mesmo tempo muitos outros contrabandos de 900$ réis.
O Sr. Serpa Machado: - respondendo á reflexão do illustre Preopinante, digo que eu falo tão sómente das penas aflictivas e não das pecuniarias.
O Sr. Camello Fortes: - Eu approvo o parecer da Comissão: a humanidade he a mesma que requer que se dê o castigo a quem o merece para se evitarem novos crimes.
O Sr. Segurado: - Parece que se trata das penas afflictivas, e não das pecuniárias. No systema actual sempre a pena maior absorve a menor; e parece que estando nós em um governo constitucional, seria agora uma cousa contra toda a ordem, se fossemos estabelecer penas maiores do que ha na legislação presente. Por tanto assento que deve preferir-se a opinião do Sr. Serpa Machado, excepto nas penas pecuniárias.
O Sr. Castello Branco: - Quando as penas são de natureza tal, que affectão a existência fysica do réo, ou a sua existência civil, como he a pena de morte, ou degredo perpetuo, está claro que nenhuma outra pena se póde impor ao réo: um homem que he condemnado a degredo perpetuo para Angola, está claro que não póde ser condemnado a outro degredo perpetuo para outra qualquer parte. Quanto ao que acaba de dizer o honrado Membro, que em regra as penas maiores absorvem as menores, dahi se seguirião grandes absurdos; he preciso que o legislador tenha sempre em vista que he melhor prevenir os delictos por meio das penas, do que deixar a porta aberta aos cidadãos para commettelos; e para isto he preciso que observemos qual he a pratica natural do homem. Todo o homem tem certa tendência a pôr em pratica as suas paixões criminosas todas as vezes

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o póde fazer impunemente; e isto he o que nós vamos promover, uma vez que sanccionemos que a pena maior absorve a pena menor; porque o homem que tivesse commettido um delicto a que correspondesse um degredo de dez annos, ficaria pronto para fazer tudo a que não competisse tal degredo. Eis-aqui o grande absurdo que se segue, e por consequencia elle basta para se rejeitar a doutrina do honrado Membro, e seguir-se o parecer da Commissão.
Declarada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente o artigo 4.º do parecer, e foi approvado, salva a melhor redacção, por 78 votos contra 18. Por esta votação ficou prejudicado o voto em separado do Sr. Serpa Machado.
Passou-se a discutir o seguinte

Projecto de lei complementar da lei sobre a liberdade da imprensa.

N.º 1.º

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes, etc. reconhecendo que no ambito da lei sobre o abuso da imprensa não se achão comprehendidos abusos mui
puniciosos á segurança do Estado; e querendo remediar esta falta, decretão:
1.º Abusa da liberdade da imprensa contra o Estado o livreiro, ou qualquer outra pessoa, que vender, publicar, ou espalhar escritos impressos em paizes estrangeiros, nos quaes se ataque o Estado por algum dos modos declarados no artigo 12.º
2.º As penas impostas no artigo 13.º ser-lhe-hão em tudo applicaveis.
3.º Abusa da liberdade da imprensa indirectamente contra o Estado o que infamar, e injurar por escrito em suas pessoas as autoridades soberanas dos paizes nossos alliados, e amigos.
4.º Aos que commetterem similhantes abusos serão applicadas as disposições do artigo 3.º reduzidas á ametade as penas de prisão, e pecuniarias em todos os gráos; e não havendo já mais lugar, o perdimento do cargo, sendo o delinquente leigo; nem a inhibição do exercicio de officio, e privação dos reditos dos beneficios, sendo o delinquente ecclesiastico.- Manoel de Serpa Machado; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada; Carlos Honorio de Gouvêa Durão; Luiz Martins Basto; Pedro José Lopes de Almeida; Joaquim Antonio Vieira Belford.

N.º 2.º

1.º O Promotor do juizo, estabelecido para conhecer dos delictos commettidos por abuso da liberdade da imprensa, será o mesmo que servir de promotor nas relações que haja, e de futuro houver; e servirá com o mesmo ordenado que já tem, e se assignar aos que se creassem com as novas relações.
2.º Nos conselhos de jurados, em que não houver relação, e houver imprensa, será o promotor nomeado na fórma do titulo 3.º do dito decreto, e servirá com o ordenado de 100$000 réis annuaes, raleiados por todos os concelhos, que constituirem e do jurado.
3.º O impressor de qualquer escrito remetterá dentro de vinte e quatro horas um exemplar delle ao promotor, e outro ao tribunal da protecção da liberdade da imprensa, se o impressor residir no mesmo lugar do promotor, e do tribunal: não residindo porém, fará a remessa pelo primeiro correio, cujo porte será gratuito.
4.º O impressor que fallar ao determinado no antecedente artigo, perdera a sua officina, e já mais poderá exercer tal officio. Paço das Cortes 2 de Maio de 1822.- Luiz Martins Basto; Antonio Caarlos Ribeiro de Andrada; Machado e Silva; Pedro José Lopes de Almeida; Carlos Honorio de Gouvêa Durão; Manoel de Serpa Machado.
Lido o artigo primeiro, disse
O Sr. Girão: - Como vejo que ninguem fala, direi sempre alguma cousa sobre este objecto. Eu não me opponho a este artigo, porém o que quero he que seja explicado por outras palavras, porque o termo escritos, comprehende todas as qualidades de livros; há um livro volumoso, o livreiro não póde estar a ler tudo, e como há de então ser responsavel? Por isso eu quizera que se dissesse: os periodicos até cincoenta paginas, contando de oitavo para cima; por este modo estava o artigo muito bom.
O Sr. Sarmento: - Parece-me, Sr. Presidente, que este artigo, se se vencer exige alguma restricção; porque na generalidade em que está concebido, póde resultar o inconveniente de ser algum cidadão victima do despotismo do Governo, attribuindo-lhe a culpa indicada neste artigo, se por acaso em seu poder se achar algum escrito da natureza dos referidos impresso em reino estrangeiro. Eu confesso que sou curioso de ler tudo o que eu posso, porque estou na persuasão, de que os elogiadores não são aquelles que as mais das vezes dizem verdades: estas infelizmente se achão mais na boca dos inimigos, posto que de mistura com as calumnias, e injurias. Eu falo tanto a favor da liberdade da imprensa, porque estou intimamente convencido da sua utillidade, quando ella he bem regulada; não falo para o fim de a lisongear, porque he bem constante como tenho sido tratado pela imprensa, porém contemplo o bem publico. No Governo antigo podião lêr-se os mesmos livros prohibidos precedendo licença do santo officio: não me parece justo, nem conforme com o systema constitucional, que se prohiba a leitura de livro algum, ou muito embora haja um santo officio politico, que a permitta, porque de outro modo poderia o Governo com facilidade estabelecer um tal bloqueio, que se não lesse cousa alguma impressa em reinos estrangeiros, todas as vezes que isso fosse desagradavel ao Governo. Parecia-me por tanto que se não comprehendesse no artigo aquellas pessoas que tem em seu poder similhantes escritos para sua instrucção, e uso da sua livraria particular.
O Sr. Serpa Machado: - A Commissão, quando lançou este artigo não fez cousa mais do que applicar a razão, e o espirito da lei a este caso especial. Diz-se no artigo 12 (leu): ora qual há de ser a razão porque havendo estas mesmas infracções nos papeis estrangeiros, não hão de ser delictos? Por tanto

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a Commissão não fez mais do que, onde havia a mesma razão, applicar a mesma legislação. Em quanto ao que disse o Sr. Girão, sobre os livros mais volumosos, qual ha de ser a razão porque sendo o delicto o mesmo nós lhe havemos de dar uma diferente gravidade? Se as penas são asperas, modifiquem-se; mas se o não são devem ser as mesmas para casos similhantes.
O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Quando aqui se falou da lei da liberdade da imprensa, disserão com muita razão alguns dos illustres Deputados, que a melhor lei da liberdade da imprensa era nenhuma lei. Poucos homens ha que lêem: a maior parte não lêem: pouco ou nada reflectem. Não he das opiniões escritas, que eu tenho mais medo, he sim daquellas insinuações, daquellas vozes que se dizem ao ouvido: estas são as que fazem mais impressão no coração, e o corrompem com mais promptidão. Porém como se assentou que era necessário fazer uma lei que contivesse os abusos da liberdade da imprensa esta se fez; mas eu não sei como agora se quer prohibir a um livreiro que negocia em livros, que delles não emende talvez nada, que os dá a vender a um homem que nem sabe ler; que estes homens digo sejão réos de uma pena tão grande como o escritor delle que quer assoalhar cousas que se oppõem é, felicidade da sociedade. Por isso ou eu lhe não poria pena alguma ou a pôr-lha seria muito modica. O homem que vende um livro, e não sabe o que elle contem, que pena póde ter? Ser castigado por abuso de que elle não está conscio? Seria necessário que me assegurassem que o livreiro conhecia o livro, e que o vendia para espalhar a má doutrina que elle encerrava para eu convir em que fosse castigado pela sua má tenção.
O Sr. Castello Branco: - Eu reconheço que espalhar escritos tendentes a desunir a sociedade, he um dos maiores crimes; mas porque eu adopto este principio, não se segue daqui que eu seja obrigado a querer que a lei contra este crime seja a lei da liberdade da imprensa. He manifesto que no codigo criminal ha de haver uma lei geral contra todos os que perturbarem a sociedade pelos diversos modos porque possa ser perturbada; e então nós temos acautelado por meio dessa lei aquillo que nós queremos agora acautelar por uma lei para este caso. A escrita he a substituição da palavra; por consequencia, uma lei que trata de combater os abusos que se podem fazer desta substituição da palavra, he restrictamente relativa áquelle que escreve: o autor do escrito he sem duvida aquelle contra quem se deve dirigir a lei; com tudo dirige-se lambem contra outro para não ficar illusoria a lei em quanto os impressores não designão quem he o autor porque estes tem obrigação de o conhecerem .... Quando se tratou desta materia, discutiu-se se os livreiros neste caso devião ser responsaveis, então se fez menção de todos os mates que podido subrevir da liberdade dos livreiros; apezar de uma longa discussão assentou-se o contrario, que os livreiros não podião ser responsaveis, e que era impossivel que elles se podessem dar ao exame dos livros que vendem. Entretanto não se segue que os livreiros não sejão culpados, quando se conhece que elles espalhão algum livro com tenção de perturbar a sociedade; e então he claro que não he pela lei da liberdade da imprensa que elles devem ser castigados, mas sim por aquella em que se trata dos que pretendem perturbar a ordem publica. Eiz-aqui a razão, porque eu julgo que este paragrafo he inutil. Na mesma legislatura em que se estabeleceu a liberdade da imprensa vamos fazer uma ferida mortal nesta liberdade. Eu bem vejo o interesse que todos tem na liberdade da imprensa, mas por outra parte vejo que ha uma contradicção cm quererem lançar pêas a essa mesma liberdade, sendo a causa desta contradicção o receio que cada um tem de que se perturbe o seu socego, ou se macule a sua reputação.... Rejeito por tanto o artigo, porque taes abusos estão na mesma classe dos outros que devem ser reprimidos pelas disposições do codigo criminal.
O Sr. Correia de Seabra: - Sr. Presidente, não posso approvar o 1.º artigo, e só o approvaria especificando-se mais o artigo 12, n.° 3 da lei da liberdade de imprensa. Este artigo 12 n.°3 diz (leu); as formas representativas de governo conhecidas hoje na Europa são muitas e mui variadas, e os escritores ainda lembrão outras mais; na generalidade em que he concebido este artigo, e o 12 a que se refere, todo o que falar de outra forma de governo differente da que está adoptada na nossa Constituição, é comparando uma com outra combater está que adoptamos, affirmando que he melhor a outra, tem abusado da liberdade da imprensa. Deste modo não teremos mais occasião de ler periodico, ou escrito algum que trate de opiniões de direito publico, e apenas ficaremos reduzidos á leitura daquelles que forem de opinião da mesma fórma de governo adoptado na Constituição; e só teremos liberdade de imprensa para aquillo que a não deveriamos ter, que he para a religião, para a moral, e para a reputação do cidadão. Aproveito esta occasião para notar que certo impresso desfigurou a seu geito a minha opinião sobre a censura previa: he verdade que a admitti, mas restricta unicamente ao dogma, á moral, e á reputação do cidadão; em tudo o mais votei pela liberdade inteira de imprensa, muito mais para impressos estrangeiros ou sejão em linguagem ou em qualquer outra lingua; porque o povo não os lê. Já em outra occasião aqui disse que a regencia de Portugal nada tinha conseguido com a prohibição de periódicos estrangeiros. Que lucrou o Governo de Fernando VII., e mesmo as Cortes de Hespanha, com a prohibição dos periodicos escritos em paiz estrangeiro em linguagem? Talvez se as Cortes de Hespanha em lugar de prohibirem os periodicos impressos em paiz estrangeiro, em linguagem, os lessem e meditassem, terião evitado muitas desgraçam. Concluo por tanto reprovando o artigo.
O Sr. Gouvêa Durão: - Sr. Previdente, quando neste Congresso soberano se pôz em discussão o artigo 40 da lei sobre a liberdade de imprensa, continha o dito artigo unicamente a regra ali estabelecida, sem excepção alguma; e pedindo eu a palavra, fiz ver que era de justiça rigorosa exceptuar a dita re-

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quando se tratasse de abuso contra particulares, aos quaes por difficultar este delicto, devia deixar-se o direito de accusarem o infamador ou no juizo do domicílio deste, ou no juizo do domicilio delles infamados; effectivamente assim se venceu, como prova o mencionado artigo; lembra-me, e este soberano Congresso estará lembrado, de que uma das razões que dei então para fundamentar aquelle voto foi a seguinte: que na permissão de liberdade de imprensa, não nos propunhamos, nem nós podíamos ter em vista soltar as mãos á calumnia, á impostura, e ás paixões; mas unicamente libertar os talentos de todo e qualquer obstáculo que se oppozesse á sua communicação; e facilitar á queixa os necessários meios para fazer publicas as violências e prevaricações dos empregados; e que para se obterem estes louváveis fins, e se removerem aquelles escandalosos e antisociaes excessos era indispensável combinar-se a maior facilidade de imprimir com o maior risco, e com a maior difficuldade de abusar. Este motivo pois, que auxiliado por outros então ponderados, determinou o vencimento da sobredita excepção, foi um dos que a Commissão de justiça civil teve presente, quando fez o parecer que boje se discute, parecer dado não de mote próprio, porém mandado dar por este soberano Congresso em consequência de duvidas que um dos secretários de Estado lhe havia proposto por escrito. Que o artigo 12 da lei de que se trata seja ou não seja sustentável em cada uma de suas partes, e que as penas ali decretadas estejão ou não em proporção com o delicto, são pontos que hoje não de vem questionar-se, porque já se decidirão, e porque não fizer ao parte das duvidas sobre as quaes foi mandada ouvir a Commissão: o que importa saber, he se sómente se abusa da liberdade de imprensa no próprio paiz, ou se também se abusa della no paiz estrangeiro, mandando lá imprimir escritos contra o Estado, e introduzidos espalhando-os depois em Portugal; e ninguém duvidará que também assim se abusa daquella liberdade, porque o ponto essencial está no fim a que taes escritos tendem, e não no lugar em que elles são impressos: se qualquer he ferido com uma espada, que influe para a imputação do ferimento, que a espada fosse fabricada neste, ou em qualquer outro paiz? Assim no escrito subversivo, não deve tratar-se do lugar em que elle foi impresso, mas da sua publicação, de seu fim: dos seus effeitos, e como este caso nem era lembrado no artigo 12 da lei, nem mesmo no artigo 7.° cuja excepção entendida do modo ordinário, sómente com prebende os libellos que tem por objecto os particulares, por isso pareceu á Commissão que para evitar todas as duvidas, se devia declarar como envolvido nesses dois artigos o caso de que se duvidava; e vistos os termos de que a Commissão usou, não tem lugar o receio do Sr. Sarmento a respeito do particular que conserva taes escritos em sua casa sem os communicar, nem he admissível a lembrança de vim Preopinante, que abrangeu sómente no citado pareceres escritos em idioma portuguez; não um lugar aquelle receio porque a Commissão sómente crimina quem manda imprimir, e depois publica, e defende esses impressos: e não he admissível esta lembrança porque a linguagem em que se escreveu he equiparável á fabrica e têmpera em que a espada se fez. O caso he se esta me feriu ou não, se o escrito he subversivo ou não; e quanto aos livreiros que alguns Srs. lembrárão, como estes não podem saber o que contêm os livros novos que mandão vir, parece claro, que em quanto não preceder uma intimação, ou por outro meio não conhecerem a doutrina de taes livros, se lhes não pode imputar a introducção e venda delles, nem esse foi o objecto da duvida proposta, e por tanto ratifico o parecer que assignei, e o approvo tal qual foi escrito pela Commissão. O Sr. Peixoto: - ....
O Sr. Guerreiro: - Disse o illustre Preopinante se bem lembro, que este artigo não era mais do que o já vencido. Eu não tive occasião de assistir á discussão do artigo 12 da lei da liberdade de imprensa, porque me achava doente; com tudo vi depois pelos diários o que por essa occasião aqui se passou, e também vi que se tinha proposto um artigo similhante a este, e que fora rejeitado: por conseguinte, tão longe está de ser esta doutrina analoga ao vencido, que até foi rejeitada quando se tratou desta lei. Finalmente direi que as penas que impõe este artigo não pertencem á lei da liberdade de imprensa, mas ás leis prohibitivas do commercio.
O Sr. Andrada: - O Sr. Guerreiro não reparou que a questão era mui diversa. Se acaso os livreiros forão livres da responsabilidade pela venda, e publicação de livros impressos no paiz, he porque a lei tinha prohibido os abusos, obrigando os seus autores a responderem por elles. A questão agora he mui diversa: trata-se de livros impressos em paiz estrangeiro, como propoz o ministro dos negócios estrangeiros, e feitos por pessoas que passavão á raia para se servirem disto, e atacarem o Governo, e o systema constitucional. Delegou-se isto á Commissão, e ella julgou que o que se achava decidido no artigo 7.º, podia entender-se também a respeito dos livros que continhão doutrinas subversivas, e ataques ao systema constitucional; e isto com muita razão. He verdade, e não se pode negar, que isto talvez tivesse melhor lugar no código criminal do que aqui, mas trata-se de esclarecer uma lei que precisa ser esclarecida. Disse um nobre Preopinante que era assas vago o pregar doutrinas subversivas, e que deste modo ninguém poderia escrever em direito publico na Europa sem que o seu livro fosse prohibido em Portugal. He preciso advertir que o nobre Preopinante não entendeu bem a questão: quando na lei se diz ataque ao Governo, ou ao systema Constitucional, entende-se ataque ao que forma a essência do governo representativo, e á soberania nacional exercida por seus Representantes: tudo o mais são pequenas modificações que todo o escritor póde discutir. He verdade que se diz que por este modo se impede que os livreiros posfão vender livros: não he assim porque verificando-se que o livreiro vende livros que atacão o governo representativo, e o faz por ignorância, não ha-de ser punido; porem ao contrario, se o ataca por malícia, então necessariamente hade ser rigorosamente punido. Por todas estas razões, eu voto a favor do

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artigo, bem que não posso negar, que seria melhor deixalo para o código criminal.
O Sr. Serpa Machado: - O objecto da doutrina do § 12 está vencido, e se nelle há alguma irregularidade, em outro tempo se fará a alteração necessaria: não se trata aqui de outra cousa senão de determinar, se são criminosos os livros que contiverem abuso, escritos em paiz estrangeiro. Um illustre Preopinante atacou isto, e disse ser melhor que ficasse para o codigo criminal; ainda que esta medida se podesse adoptar, com tudo, eu nunca poderia abraçar os principios em que ella se fundou. Deste modo he verdade que, se por um lado se não fazia uma lei subversiva da liberdade de imprensa, ía-se fazer uma lei que cohibia a liberdade portugueza, e a liberdade dos homens; e já se vê que confundir este abuso he improprio; tambem me não parece menos improprio, o querer sujeitar isto a uma lei de commercio, a uma lei que cohiba os contrabandos, pois que então já mais se alcançarião os fins desejados; porque estes homens não distribuem taes impressos como contrabandistas, mas sim como inimigos da boa ordem, e como desejosos de espalhar taes doutrinas anarquicas. Resumindo pois as minhas idéas, digo ser este o lugar proprio para se estabelecer isto, por quanto menhuma relação tem com o artigo 12, no qual a Commissão não boliu, porque já se acha approvado.
O Sr. Basilio Alberto: - No projecto original que eu propuz ao Congresso para se discutir, era o artigo 12 concebido mui diferentemente daquelle que hoje se acha vencido, pois dizia (leu). Este artigo foi impugnado, e por ultimo se lhe substituiu o actual artigo 12. Apresenta agora a Commissão um projecto que faz com que esta probibição se estenda também aos livros impressos em paizes estrangeiros: porém então foi atacada esta opinião, pela razão de que não sendo um livreiro homem instruído, não poderia entrar no conhecimento das matérias que os livros contém; eu convenci-me desta verdade, e consenti em que se retirasse o meu artigo: hoje ainda não mudei de opinião, e as razões que então se dérão, de que não se podião prohibir os livros estrangeiros, porque ficaríamos privados das suas luzes, são as mesmas porque eu me opponho á doutrina da Commissão, pois que ainda hoje militão aquellas razões; e não acho motivo algum para que agora se revogue o estabelecido no artigo 12.
O Sr. Soares Franco: - Eu de passagem digo que toda a lei da liberdade da imprensa precisa ser reformada. Pelo que pertence ao processo, isto he, á maneira de pôr em pratica as formalidades para o excellente juízo dos jurados também me parece que ella precisa de reforma; mas isto não vem para aqui. Eu fui um dos que impugnarão a doutrina deste artigo na generalidade em que se achava, porque he obvio que em uma partida mui grande do livros, he impossivel que o livreiro os possa ler todos: mas vamos tomar isto debaixo de outro ponto de vista; supponhamos que um folheto escrito em portuguez, não se imprime aqui, mas vai imprimir-se fóra, o talvez logo nas fronteiras; ora contendo este impresso doutrinas subversivas, pelas quaes seria castigado no paiz, não póde ser castigado, e cohibido este abuso senda fóra? Certamente que sim. Por conseguinte he muito necessario tomar alguma medida sobre isto, devendo estender-se a todos os folhetos ou periódicos que contenhão um certo numero de paginas, inda que sejão impressos em paizes estrangeiros.
O Sr. Macedo; - Eu adopto esta opinião, e sou de parecer que a doutrina deste artigo se restrinja aos folhetos, e periódicos. Um dos illustres redactores deste projecto disse, segundo eu entendi, que assim como se impõe penas aos abusos da liberdade da imprensa commettidos nos impressos que saem das officinas portuguesas, qualquer que seja a grandeza delles, igualmente se devem impor aos livreiros que venderem livros estrangeiros, nos quaes se contenhão esses abusos. Parece-me que a paridade não he exacta. Quando as obras são impressas em portugal, há sempre uma pessoa sobre quem recáia apenas justamente; em primeiro lugar sobre o autor, na falta deste sobre o editor, e na falta de ambos sobre o impressor. Digo que qualquer destes póde ser justamente punido, porque a nenhum delles se póde attribuir uma verdadeira ignorancia do que se contém no corpo da obra: não acontece porém isto mesmo a respeito dos livreiros, porque elles muito de boa fé podem vender livros que tenhão comprado na supposição de não serem perigosos, sem saberem que no meio das suas numerosas paginas contém passagens que incluem doutrinas erroneas, ou prejudiciaes: em consequencia disto assento, que não deve haver a mesma disposição contra uns, e outros. Sou pois de opinião que a responsabilidade dos livreiros se restrinja aos periodicos, e aos mais impressos de pequeno volume, os quaes elles facilmente podem ler, e por tanto não lhes deve approveitar a ignorancia do seu conteudo.
Declarada a matéria sufficientemente discutida, propoz-se á votação o artigo, e foi approvado salvas as emendas offerecidas na discussão. Por conseguinte propoz o Sr. Presidente se devia declarar-se que para ser lugar o abuso da liberdade da imprensa no caso do artigo, era preciso que houvesse malicia: venceu-se que não linha lugar esta declaração.
Propoz mais se devia declarar-se a seguinte clausula: quando se tenha primeiro feito intimação ao livreiro: venceu-se que não havia lugar a votar-se.
Propoz mais se se approvava a indicação do Sr. Sarmento, concebida nestes termos: não se entendendo que vende, publica e espalha taes escritos quem os tiver para seu uso, e collecção da sua livraria particular: foi approvada para se tomar em consideração na redacção.
Propoz ultimamente a indicação feita pelo Sr. Pessanha nestes termos: sendo estes escritos publicados em portuguez; porém sendo em qualquer lingua estrangeira, esta responsabilidade será restricta aos escritos que não excederem 6 folhas de impressão: foi approvada com alteração sómente em quanto ao numero das folhas, o qual depois de varias votações se fixou em sete.
O numero 2 foi approvado sem discussão.
Passando-se ao numero 3, disse

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O Sr. Bastos: - Eu não posso deixar de reprovar este parágrafo. A sua doutrina he tão contraria a todos os princípios, he tão extraordinária, e tão absurda, que mal merece a pena de refutar-se. Em que codigo adiou a Commissão uma lei similhante áquella que propõe se estabeleça? Se na Hespanha, na França, na Inglaterra, ou em outro qualquer paiz, que possa considerar-se nosso alliado, e amigo, não commette delicto algum publico quem injuria a autoridade soberana de Portugal; a que propósito quem injuriar as autoridades soberanas desses paizes ha de ser entre nós punido como criminoso de Estado?
O Sr. Pinto de Magalhães:- Opponhome a este artigo, 1.° como injusto, porque gradua o delicto commettido contra as pessoas soberanas aluadas do mesmo modo que os crimes contra o Estado. Nenhum cidadão perde o direito que tem á sua immunidade, senão quando elle atraiçoa a sociedade: ora não se póde affirmar que aquelle que escreve contra um potentado estrangeiro perde logo esse direito, porque ainda que He de alguma maneira possa perturbar a tranquillidade publica, não está obrigado por vincules alguns civis, a manterá ordem das outras sociedades: por conseguinte, o acto único por onde se póde olhar isto, he porque estes escritos podem concorrer de alguma maneira para relaxar os vínculos que nos unem com taes nações. Digo pois que he injusto graduar estes delidos como delictos de Estado. Devemos lambem lembrar-nos que em todos os paizes onde se tem prohibido estes escritos, limita-se a prohibição a delictos d'Estado que atacão os direitos da sociedade... Em Roma succedeu isto mesmo até ao tempo em que apparecerão os Tiberios e os Caligulas, em que o menor delicio era reputado crime contra o Estado. Vejamos os códigos penaes das outras nações, e a maneira que virmos um numero maior de crimes d'Estado , veremos que está ahi uma opprimida a liberdade civil. Não se deve pois approvar similhante doutrina porque, como mostrei, não he um ataque á sociedade, mas um delido commettido contra estrangeiros, com quem não está o cidadão ligado por vinculos sociaes , excepto por aquelles de humanidade que devem prender todos os mesmos em geral ha dizer que aquctle que ataca a pessoa soberana aluada, póde com uso mover uma guerra com aquella nação: mas isto he o que nunca se póde verificar: vejamos o que fazem os soberanos em taes casos, e o expediente que tomão ..... Quando no código estiver este abuso apontado como delicio, e sujeito a tuna pena, elles então lerão direito a pedir sómente que seja castigado o indivíduo segundo o disposto na lei, e mais nada. O primeiro vicio que eu acho neste parágrafo he capitular de delicio contra o Estado, o delicto que se commette contra as autoridades alliadas das outras nações, quando isto se não póde reputar outra cousa senão uma injuria, e como tal deve ter as penas correspondentes á injuria.
Digo em 1º. lugar que esta doutrina tambem ataca de alguma maneira a dignidade nacional, porque he fazer-nos bajular as outras nações; de sorte que o povo português vai agora figurar como um súbdito das outras nações, querendo conceder-lhes o que ellas nos não concedem anos. Este artigo classificando como delicio contra o Estado, o que não he mais que uma injuria feita a um estrangeiro, vem a fazer com que pela lei que cohibe os abusos da liberdade da imprensa , este delicio seja accusado pelo promotor publico, tornando-se em tal caso um delicio publico; e deste modo não se póde sustentar o parágrafo.
Em 3.° lugar digo que se a lê se não alcanção os fins que se desejão, pois que elle diz: o que injuriar em suas pessoas as autoridades soberanas dos outros poises, etc.; isto dá a entender que só as invectivas dirigidas a essas pessoas he que são perigosas, quando pelo contrario são ellas as que menos abalo podem faxer na segurança e consistência de governo de taes pessoas.... Assento pois que no artigo se deverião supprimir as palavras em suas pessoas; e desejava que se voltasse á Commissão para o redigir de maneira que isto não ficasse considerado como delicio de Estado, e que por maneira nenhuma se lhe pozessem penas são grandes.
O Sr. Soares Franco: - Eu podia renunciar a palavra porque o Sr. Pinto de Magalhães disse no seu discurso, com pouca differença, o que eu queria dizer; mas a sua conclusão diversifica alguma cousa daquella que eu quero tirar. Eu desejo que se supprima o artigo; reduzindo a injuria que se faz a qualquer soberano estrangeiro simplesmente a uma injuria particular; isto mesmo he o que acontece em Inglaterra nos casos ordinários. Ora, pergunto eu, se a nós nos não fazem mais do que isto, para que havemos de ser mais generosos com os outros? Olhemos para o que está succedendo actualmente com as gazetas estrangeiras; as de França tem vituperado, e dito o que tem querido do Governo de Portugal, e que satisfação nos tem dado? Nenhuma. Em consequência sou de voto, que não se dê providencia alguma lambem danosa parte a respeito das pessoas que estão á testa dos governos estrangeiros. E no estado actual das cousas, este artigo não póde passar, e deve ser supprimido, ficando este caso reputado como uma injuria, que as leis providenceião.
O Sr. Camello Fortes: - Eu sou precisamente da opinião, que se acaba de emittir, isto he, que este artigo 3.º deve supprimir-se por dois motivos. 1.º Este artigo está em contradicção com o artigo 1.º da lei da liberdade da imprensa, no qual sómente se prohibem os abusos da liberdade da imprensa contra o Estado, que forem directos, mas não os indireclos; e como o abuso, de que trata o artigo 1.º he indirecto, como elle mesmo reconhece, he visivel que este artigo he contrario á disposição do artigo 12 daquella lei; e eu não vejo razão alguma especial, e solida, pela qual se deva comprehender na prohição geral este meio indirecto com exclusão de iodos os outros. Se todos os publicistas, e criminalistas modernos reprovão altamente o systema das provocações indirectas ao delicto, por ser este o mais firme apoio do poder arbitrário, e despotismo, e o meio mais próprio para opprimir a innocencia. Sou por tanto de parecer que este artigo se supprima.
Sr. Sarmento: - Não existem presentemente os déspotas impressores das nações mais pequenas, os

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quaes, á similhança do que obrou Luiz IV, invadiu a Holanda para vingar a afronta que suppoz se lhe fez, quando o pensionario Van Beningen, cunhou a célebre medalha, que devia recordar os factos de um povo livre. Qualquer deliberação que o Congresso tomar a respeito do objecto do artigo em questão, exige como muito bem acaba de ponderar o illustre Deputado Sr. Magalhães, a maior circunspecção, a fim de que não se argumente que o receio, e a contemplação nos inspirou similhante arbitrio. Sempre a honra nacional antes de tudo. Convem por tanto seguir a regra que tem adoptado as nações livres, e escrupulosas na guarda da sua independencia. Não póde considerar ataque indirecto contra o Estado o infamar, e injuriar por escrito as autoridades soberanas dos paízes nossos alliados, e amigos; porém não deixa de ser uma violação da boa harmonia, e intelligencia o permittir taes irregularidades; e um governo civilizado, e justo nunca se há de oppôr ao castigo de similhantes factos. A pratica observada nas nações onde se procura combinar a dignidade nacional com a contemplação devida á paz, e harmonia com as nações amigas, consiste em não haver procedimento contra os escritores sem proceder requisitoria da parte dos ministros, e agentes diplomaticos. Muitas vezes os agentes diplomaticos. Muitas vezes os agentes diplomaticos por instruções dos seus governos dão pouca consideração a similhantes publicações, e mostrão o seu despreso, não lhes dando attenção. Em Inglaterra depois da curta paz de Amiens, aconteceu que o Governo de Buonaparte se queixou dos escritos de Mr. Peltier; a queixa do embaixador da França, que me parece era nesse tempo o general Andreosy, foi transmittida, segundo a lembrança que tenho, ao Attorney - General, para intentar a acção. O certo he que Mr. Peltier foi condemnado; porém tambem a abundancia de dinheiro, que há em Inglaterra e o odio a Buonaparte fizerão com que se abrisse uma subscripção para pagar a multa, e as custas, e se imprimiu todo o processo, cuja impressão senão podia prohibir, e nelle se encerravão os libellos famosos, vindo por tanto a inutilizar-se o procedimento contra Mr. Peltier da parte do governo de França. O mesmo governo, vendo que em Londres, e pelas imprensas inglezas não só os emigrados Francezes, mas as folhas inglezas fazião guerra ao governo francez, procurou estabelecer em París uma gazeta ingleza, e foi a folha, que tomou o titulo do Argus tão conhecida pelas suas investidas á Inglaterra. Sou por tanto de parecer que se rejeite o artigo em quanto se declara ataque indirecto contra o estado as calumnias, e injurias a autoridade soberanas, com quem estamos em paz, e amizade; porém que se facilite, e promova o castigo desses abusos, intentando o promotor da justiça a acção competente, todas as vezes que os ministros, e agentes diplomaticos das nações amigas o requererem.
O Sr. Ribeiro de Andrade: - O que disse o Sr. Pinto de Magalhães, foi o mesmo que a Commissão reconheceu, e diz no seu relatorio. A Commissão viu por outro lado que ainda que não se atacava indirectamente a Nação, directamente se atacava: repare-se bem que se fala de nações amigas, e alliadas. Não he injusto tambem, como disse o Sr. Magalhães, o impor-lhe a mesma pena; pois elle não reparou que são mui differentes; guardou-se a devida igualdade, e não se confundiu o ataque immediato ao Estado com o ataque contra a tranquilidade publica: por conseguinte não foi injusta a Commissão, antes parece que obrou com muito juizo, e muita prudencia. Em todos os paizes he isto reputado como um delicto publico, e em Inglaterra, como mostrou o Sr. Sarmento. Não me opponho porém a que se declare de facto que não pode intentar acção contra o violador das leis nesse caso, se não há reclamação do ministro estrangeiro: não he de nenhum modo abaternos diante das outras nações, dar-lhes um exemplo de lealdade, de amizade, e mórmente quando isso he geral em todas as partes. Nós não fazemos mais do que seguilas, e ainda que não sigamos, damos-lhe um bom exemplo, um exemplo de justiça, e que devia ser seguido pelas mais nações. Tambem não he exacto outro principio do Sr. pinto de magalhães, porque razão estando nós em paz, v. g. com o Gram Senhor, não está licito a um individuo discutir materiasde direito, e mostrar que aquelle governo não he fundado em bases justas etc.? Não será isto permittido? Certamente que o deve ser. O que não será licito fazer, he atacar o Grão Senhor em sua pessoa. A' vista disto sou obrigado a votar ainda pelo artigo.
O Sr. Serpa Machado: - Os illustres Preopinantes que tem combatido o artigo, não tem reparado bem na qualidade do delicto: aqui fala-se do delicto em que se infama a autoridade soberana; portanto, reparando bem na natureza deste delicto, ver-se-há que com isto não se concede bem algum ao cidadão, porque nenhum cidadão honrado tem interesse em calumniar outro, e em infamar. Demais, as razões que se tem dado a respeito deste artigo, são mais de redacção do que de doutrina; porque a ninguem he desconhecido ser isto um crime; pois que aquelle que dá occasião a que se perturbe a tranquillidade publica concorre para a má ordem do Estado; he verdade que não he como o anarquista, mas no entretanto tambem faz um mal muito grande. Portanto parece-me que o artigo não póde ser attacado debaixo deste ponto de vista. Muito embora se diga que as penas não correspondem aos delicto: fação-se sobre isso as reflexões que se julgarem necessarias, mas reflicta-se que a Commissão não só lhe não impoz metade das penas, porém impoz-lhe outras muito menores: a julgar-se porém que estas penas ainda são asperas, e graves, eu não me opponho a que se lhe fação algumas modificações.
O Sr. Guerreiro: - Este artigo vai dar um exemplo terrivel de se sanccionar, em uma lei criminal, attaque indirecto contra o Estado; admittida uma só vez esta legislação, não haverá crime algum, por mais pequeno que seja, que não se classifique em ataque indirecto contra o Estado: e queremos nós classificar estes attaques indirectos, como attaques ao Estado? Na lei da liberdade de imprensa se declara uma e mais vezes a palavra directo, a fim de evitar que se buscassem rodeios para fazer passar qualquer

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da imprensa por crime contra o Estado. Quando em 1815 o Governo de Portugal representou no governo de Hespanha, que alí se escrevião papeis contra elle, o governo de Hespanha respondeu que não lhe era permittido impor silencio aos seus escritores por tal motivo; porém ainda quando fosse verdade que as outras nações exercem essa contemplação para comnosco (o que de certo não acontece), todavia não era exempla que se devesse seguir: porque era injusto em si mesmo. Ora, nenhuma lei deve criar um crime, que antes da creação da mesma lei não esteja reputado como crime. Nunca se poderá achar por boa lógica que o calumniar um principe ou um estrangeiro qualquer, seja uma infracção dos deveres que ligão os membros de uma sociedade: e por conseguinte, não ha infracção; e a lei não póde fazer tal, sem commetter um crime. Digo pois, que quando pelo desvio dos verdadeiros principios resultão consequencias tão fataes á liberdade do cidadão, de certo que os governos que o adoptassem commetterião um crime contra o Estado. Eu não approvo que os escritores digão mal dos soberanos, e individuos das outras nações, porém o que eu quero he que esses chefes das nações estrangeiras, pela sua dignidade, não fação alterar as regas da justiça. No meu entender, quando se quebrantão estes deveres da justiça, ainda que seja para com um estrangeiro, aquelle que os quebrantou he responsavel para com o paiz contra quem os commeteu: e segundo os meus princípios que eu até agora tenho por verdadeiros, julgaria que isto estava comprehendido, não no artigo 12 da lei da liberdade de imprensa, mas sim no artigo 16: e assim como eu entendo que o portugez que passando á raia do reino visinho fosse ali commetter um homicidio, voltando para Portugal podia ser punido pelo crime que commetteu em paiz estrangeiro, da mesma sorte no caso presente, esse individuo póde responder no tribunal pelos abusos da liberdade de imprensa commettidos contra as nações estrangeiras. Portanto, eu quereria que se lhe posesse esta emenda (leu). Dizem que as penas que ali se achão postas são insignificantes, não sei se o são. O soberano Congresso que achou se devia fazer aquella lei, e lhe impoz estas penas, este mesmo Congresso não póde agora dizer que aquellas penas são insignificantes para punir taes crimes. Não se queira alterar a natureza deste abuso, nem classificar como crime de Estado aquillo que he um crime particular.
O Sr. Barreto Feio: - Depois que a luz da razão conduziu a Portugal o dia da liberdade, e afugentou dentre nós esses dois monstros hediondos, a inquisição, e a censura previa, não só a todo o cidadão portuguez, mas tambem a todo o estrangeiro, que á nossa sombra vier abrigar-se, he dado o escrever livremente, respondendo perante o tribunal dos jurados pelo abuso, que quer desta liberdade. A lei tem classificado os abusos, e designado a cada um delles a pena correspondente, segundo a sua gravidade, ella não estabelece senão quatro espécies de abusos; a saber: contra o Estado, contra a Religião, contra os bons costumes, e contra os particulares; e essa quinta especie de abusos contra os monarcas das nações estrangeiras, nem eu a encontro na lei, nem vejo que seja necessario estabelecela. Teme-se por ventura que esses monarcas nos venhão fazer guerra, para se vingarem dos escritos de um desgraçado periodista? Não ha temor mais destituido de fundamento, pois que por mais faltosos de razão que elles sejão, não pódem deixar do conhecer, que num paiz onde não ha censura previa a nação não póde ser responsável pelos escritos de particulares. Se esses despotas estivessem em circunstancias de nos fazerem guerra, não seria certamente pelo motivo de se vingarem de miseravel periodista, que elles havião de invadir o nosso território. E para que tanto espalha falo por tão pequena cousa? Se algum estiver escandalisado, e se quizer vingar, eu lhe aponto o meio de o conseguir sem tanto incommodo: admitia também nos seus estados a liberdade da imprensa; ou dê licença aos seus periodistas para que diga o de nós o que quizerem: e estão pagos na mesma moeda. Opponho-me por tanto ao parecer da Commissão. Senhor Presidente, se nós hoje admittimos uma restricção, á manhã admittimos outra, e no outro dia ficaremos sem liberdade de imprensa. Este parecer, tendo sido dado pela Commissão em consequência de uma representação do Ministro dos negócios estrangeiros, não posso deixar de dizer por esta occasião, que o tempo que este Ministro gasta em pedir alterações, e ampliações de leis seria muito melhor que elle o empregaste em as excutar como deve.
O Sr. Margiochi: - Essei oppressores do género humano prohibem nos seus estados que delles se diga mal; ora se nós também não permittirmos isso, ficará o genero humano privado de conhecer os males que elles tem feito. Ha outra cousa mais: os principios que se tem produzido sobre este objecto, são debaixo do fundamento de evitar a guerra: neste caso deveríamos tambem fazer uma lei, para que se não podesse falar neste Congresso; e para evitar as guerras, devemos estabelecer no nosso regulamento, que nenhum Deputado possa falar sobre cousas que ataquem qualquer Soberano do mundo! Por estes motivos que acabo de expender, voto contra o parecer da Commissão.
O Sr. Brito: - A mim parece-me, Sr. Presidente, que se labora em falsos suppostos. Suppõe-se que o infamar, e injuriar as autoridades soberanas, he o mesmo que revelar os crimes dos oppressores do genero humano. Não he assim. Quem injuria, e calumnia, não revela crimes, que se os revelasse, faria um bem ao genero humano; porém o artigo só trata daquelles que abusão da imprensa para calumniar e fazer mal. He tambem um falso supposto entender que este artigo tem por objecto os despotas oppressores da Europa; elle não fala desses, fala dos soberanos amigos e alliados; por consequencia, considerarmos todos os chefes dos governos estranhos, como tyrannos, e despotas, he sairmos fóra da hypothese considerada pela Commissão. Ha outro falso supposto, e he entender-se que por este modo se tolhe a liberdade da imprensa. De nenhuma sorte. Pelo contrario mais se favorece esta liberdade previnindo os seus abusos. A liberdade de imprensa consiste

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em communicar os pensamentos por via da imprensa, sem que haja censura previa, porém os abusos contrários u esta liberdade devem punir-se exactamente, para desta se tirarem as grandes vantagens que promette esta instituição, uma das quaes he cohibir os empregados publicos, patenteando suas prevaricações. Porém aquelle que usa da imprensa para infamar, e calumniar sómente os empregados publicos, faz perder todo o fructo da revelação das prevaricações, porque enrão os empregados honrados se acharão postos na mesma linha dos prevaricadores, e confundidos com elles: e em tal caso cessará a vergonha para os máos, e succederá o descontentamento dos bons, que são sempre homens sensiveis. Estes abandonarão o serviço da Pátria, e a poucos passos ficará esta entregue nos máos, que he a maior das desgraças que póde acontecer a um corpo politico. Eu não digo que o artigo seja approvavel em toda a sua extensão, porque classificar isto como crime de lesa Magestade, e de Estado, isso não, pois a sua natureza não he essa; mas deve classificar-se como de um calumniador que póde comprometter a paz da Nação, e como tal cumpre ser castigado com penas proporcionadas.
O Sr. Serpa Machado: - Os illustres Preopinantes que tem combatido o artigo, forão os mesmos quando se tratou dos artigos 12, e 13, que procurarão dar uma grande amplitude a estes crimes de Estado; e agora não querem admittir isto. Não se póde negar que infamar, e injuriar no particular, he um crime; e quer-se com tudo dizer que infamar, e injuriar uma nação, ou autoridade estrangeira não he um crime! Quando eu injurio um particular, não resulta dahi tanto mal á nação, como quando injurio uma nação, ou uma autoridade: e por conseguinte a pena deve ser differente. Quando as penas são insignificantes, o resultado he a impunidade: não digo que as penas que aqui se impõem sejão muito graves, mas também conheço que são mui modicas. Alguns illustres Preopinantes, que combaterão este principio, clamarão, dizendo que se dera a este delicto uma extincção mui grande. De qualquer escritor denunciar um abuso que uma autoridade fez, póde resultar muito mal, sem que dahi possa resultar illustração alguma para os povos: por tanto nenhuma injustiça há em que se lhe ponhão penas mais asperas.
O Sr. Xavier Monteiro: - Logo que li este artigo pareceu-me a sua letra, além de inexacta pouco uniforme com os nossos principios; por quanto as autoridades soberanas, pela letra do artigo, varião nos differentes paizes. Em Hespanha existe a soberania, como entre nós. Em outros paizes existe de facto a autoridade soberana em um homem; e nós reconhecendo como offensas á autoridade soberana aquellas commettidas contra um individuo, íamos reconhecer de direito aquillo que apenas toleramos de facto; o que manifestava vacillação dos principios politicos que temos sustentado. O motivo que tem sido exposto pelos Srs. da Commissão, para evitar que se não injurie a pessoa que tem a soberania nas outras nações, he fundado em que daqui se poderia seguir uma guerra. Olhem para todas as historias estrangeiras e verão que de tal origem nunca resultou a guerra; pois a injuria costuma ser uma consequencia, mas nunca um principio de hostilidade, que se derivão mais de ambição que de palavras. De mais, se esta razão procedesse, seria mais conveniente prohibir que se escrevesse contra os ministros de que contra os Reis; pois aquelles são de ordinario mais irritaveis, e quasi sempre mais poderosos do que estes, ainda mesmo nos governos absolutos. Voto portanto pela suppressão do artigo.
Declarada a matéria sufficientemente discutida, propoz o Sr. Presidente o paragrafo á votação, e não foi approvado. Propoz depois a sua suppressão, e por consequencia a do n.º 4.º, e foi approvada.
Passando-se ao n.° 1.° do artigo 2.° do mesmo projecto, disse
O Sr. Sarmento: - Eu dou toda a minha approvação á doutrina deste artigo, porque segundo ella, he que se estabelecem os verdadeiros fundamentos para haver verdadeira liberdade de imprensa. Como decididamente apaixonado da liberdade da imprensa he que eu approvo o artigo porque eu estou intimamente convencido de que o intento deste augusto Congresso nunca foi permittir a licença desenfreada, a fim de se commetter pela imprensa todo o insulto, e calumnia contra a autoridade publica, e se violar impunemente tudo aquillo que o interesse publico quer que seja sagrado, e respeitado. A liberdade da imprensa he similhante aquelles rios caudalosos, os quaes, indo bem encanados, resultão das suas aguas o beneficio da navegação, e do commercio, porém quando se alagão as campinas por onde elles passão, da estagnação das aguas se seguem podridões, doenças, e a morte. Este foi o caso acontecido com a França, quando o enthusiasmo, em vez de decretar a verdadeira liberdade de imprensa, permittiu a mais illimitada licença, a qual destruindo o mesmo governo, trouxe apôz de si a anarquia, e a final o despotismo. Vemos como a Inglaterra, seguindo outra vereda, estabeleceu instituições tão diversas para refrear a licença, como conservadoras da verdadeira liberdade da imprensa, a qual he hoje o principal esteio da liberdade civil, e de grande parte da liberdade publica deste celebre povo. Um dos meios de conter a torrente dos abusos da liberdade da imprensa, consiste sem duvida em encarregar a fiscalidade dos abusos a uma antoridade independente, como fazem os Inglezes, confiando ao seu Altorney General essas funcções tão árduas, e que exigem o maior denodo. Eu não duvido que pode haver homens dotados dessa coragem, sem todavia estarem revestidos da autoridade do governo. Sem apoio do governo seria mister que similhante emprego fosse incumbido a um homem dotado daquella constancia, como Horacio descreveu o justo, a quem nem as vociferações dos cidadãos, que querem cousas más, nem o semblante de tyrano, que o ameaça, são capazes de alterar a sua resolução. Porém a existencia de similhantes homens he a existencia do heroismo, e portanto achado tão raro, que nenhum legislador aconselharia fazer dependente dessa raridade uma magistratura tão importante, e necessaria. Além de que, a razão dita, que havendo meios ordinarios, a fim de se conseguir qualquer fim, não usemos de meios

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extraordinários. Nem sempre os homens de rigoroso procedimento, e exactidão são aquelles que captivão os votos da popularidade; elles pelo contrario são faceis em despresar o prazer efémero da mesma popularidade. Qual he pois o meio de haver um promotor, o qual sem receio, nem susto de desagradar ás paixões dos partidos, que sempre hão de existir em governos livres, porque partidos, e liberdade são termos synonimos em política, similhante a um rochedo, olhe com indiferença para o que se diz, e desprese a opinião do momento, porque a verdadeira opinião publica he o resultado rio tempo, e da reflexão, e não as vociferações da efferverencia das paixões, e muitas vezes excitadas por interesses particulares. Não existe outra cousa senão o apoio que o Governo deve prestar a um funccionario publico, o qual seguro de que da execução dos seus deveres não se lhe ha de seguir perda, se consultar comente os digamos da sua consciência, obrando na conformidade do verdadeiro desempenho do seu cargo, tem nisso maior satisfação, do que nos applausos populares que muitas vezes transtornão a ordem da justiça, e por consequência acausa da liberdade. Por estas razões voto que o emprego de promotor seja encarregado ao mesmo que promove os processos nos outros delidos, por ser emprego da nomeação do poder executivo, e menos sujeito quem o serve a contemplações, e parcialidades para com aquelles que injuriarem, calumniarem, e offenderem a ordem estabelecida na sociedade.
Propoz o Sr. Presidente azotos o numero 1.°, e foi approvado, como está.
O numero 2.º foi rejeitado, vencendo-se que se supprimisse.
Approvou-se o numero 3.º, supprimidas as palavras e outro ao tribunal da protecção da liberdade da imprensa, assim como a expressão, e do tribunal, salva a redacção: e propondo-se a emenda offerecida pelo Sr. Luiz Monteiro, nestes termos: Proponho, que as accusações do promotor sejão feitos dentro de tempo limitado, ficando aliás malas - se venceu que voltasse á redacção, assim como o numero 4.°
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia o projecto sobre o estabeleci mento de côngruas para o§ arcebispos e bispos de Portugal e Algarve; o projecto relata-o a favorecer a construcção de navios, e animar a marinha e commercio; e na hora da prolongação o parecer da Commissão de instrucção publica sobre a remessa de todos os impressos para a bibliotheca publica.
Levantou-se a sessão á uma hora da tarde. - Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretario.
Mandarão-se lançar na acta as seguintes declarações de anexo: 1.a (do Sr. Gyrão)
Declaro que na sessão de 6 do corrente mez fui de voto que o promotor do juízo estabelecido para conhecer dos abusos da liberdade da imprensa fosse de eleição popular. 2.ª (do Sr. Vasconcellos) Declaro que na sessão do dia 6 do corrente votei contra o artigo 4.° do projecto n.° 290; sendo a minha opinião, que um réo não soffre duas penas, mas que a pena maior absorva a menor,
O Sr. Secretario Felgueiras, dando conta do expediente mencionou os seguintes officios:
1.° Do Ministro dos negócios da marinha, remottendo outro de José Maria Monteiro, commandante da fragata Príncipe D. Pedro, em data de 20 de Agosto ultimo, participando as noticias, que havia recebido da Bahia; de que as Cortes ficarão inteiradas.
2.° Do Ministro da guerra, participando ter expedido as ordens necessárias para se verificar o offerecimento feito a beneficio do Estado pelo bacharel João sintonia Moutinho da Ameiga; de que as Cortes ficarão inteiradas.
3.º Do mesmo Ministro, participando ter praticado o mesmo relativo á offerta feita pelo coronel, officiaes, e mais praças do regimento de milícias fie Lamego, tendo liquidado as diferenças de sommas, e erros de calculo, que nella se encontra vão; de que as Cortes ficarão inteiradas.
Mandou-se fazer menção honrosa das seguintes felicitações:
1.ª Da camara do Torrão de Alemtejo, novamente organizada, segundo o decreto de 27 de Julho próximo passado.
2.ª Do tenente coronel governador da praça de Monsanto, em seu nome, e do estado maior, e corpo militar, que guarnece aquella praça.
3.ª De José Theodosio de Bettencourt Vasconcellos e Lemos, coronel aggregado, e commandante interino do regimento de milícias de Angra, em seu nome, e dos mais oficiaes do mesmo regimento, pelo motivo da descoberta da conspiração.
4.ª Em nome do povo do concelho de Rezende, pelo sobredito motivo,
5.ª Do coronel Joaquim Pedro Dias Azevedo, ha pouco chegado de Pernambuco.
6.ª De Fernando de Lara Ribeiro, 2.º tenente da armada, e commandante da escuna Artilheira proximamente chegado a este porto.
Concedérão-se ao Sr. Deputado Gouvêa Osório mais quinze dias de licença para tratar da sua saúde.
Passou á Commissão de Constituição uma representação dos portadores das copias das actas das eleições dos Deputados dá divisão eleitoral de Évora, sobre os inconvenientes de se proceder ao segundo escrutinio no dia marcado no decreto respectivo.
Mandou-se inserir na acta a seguinte declaração de voto do Sr. Macedo: Na sessão de ontem não approvei que os promotores das relações fossem ao mesmo tempo promotores do juizo dos crimes por abuso da liberdade da imprensa.
O Sr. Rodrigo Ferreira, por parte da Commissão de poderes, leu o seguinte

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