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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
6.ª SESSÃO
EM 11 DE JANEIRO DE 1907
SUMMARIO. - Lida a acta é approvada depois de uma reclamação do Sr. Affonao Costa. - Dá-se conta do expediente, e são lidas na mesa declarações de voto dos Srs. Deputados Moraes de Almeida, Domingues Peres, Pereira Cardoso, Lourenço Cayolla, Mello Breyner, Gomes Netto, Luis José Dias, Tavares Festas, Manoel Fratel, Conde de Penha Garcia, Moreira Júnior, Magalhães Ramalho, Francisco Sommer, Cisneiros Ferreira, Pereira de Lima, Alexandre Braga, Mazzioti, Costa e Silva, Ravasco, Oliveira Martins, Oliveira Mattos, João Franco de Mattos, Isidro dos Reis, Garcia de Moraes, Teixeira Machado, Arthur Brandão, Rocha e Mello, e Sousa Cavalheiro.- Os Srs. José Cabral e Oliveira Soares requerem, e a camara concede, que reunam durante a sessão as commissões de fazenda e de commercio. - O Sr. Presidente do Conselho (João Franco) manda para a mesa por parte do Sr. Ministro da Fazenda uma proposta para accumulação de funcções, e refere-se largamente aos acontecimentos de 1 de dezembro, no Porto. - A Camara, consultada sobre um requerimento do Sr. Dr. Affonso Costa para responder ao Sr. Presidente do Conselho (João Franco) rejeita. - Os Srs. Alexandre Braga e Affonso Costa enviam para a mesa avisos previos ao Sr. Presidente do Conselho, que são expedidos. - Os Srs. Mendes Almeida, Matheus Sampaio, e Ivens Ferraz requerem documentos.
Ordem do dia (capitulo 2.° do projecto de lei n.° 33, liberdade de imprensa). Usa da palavra o Sr. João de Menezes, que combate o projecto, respondendo-lhe o Sr. Alvaro Chagas. - O Sr. Pedro Gaivão requer, e a Camara approva, a prorogação da sessão até que se vote o projecto. Fala ainda contra o projecto o Sr. Manoel Fratel. É requerido pelo Sr. Antonio Cabral e approvado pela Camara, que se julgue a materia, discutida. Procede-se á votação, tendo o Sr. Dr. Teixeira de Abreu requerido e a Camara approvado, que as emendas apresentadas pelo Sr. Alvaro Chagas sejam enviadas á commissão.
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Presidencia do Exmo. Sr, Thomaz Pizarro de Mello Sampaio
Secretarios - os Exmos. Srs.:
Conde de Agueda
Julio Cesar Cau da Costa
Primeira chamada: - Ás 2 horas da tarde.
Presentes: - 23 Srs. Deputados.
Segunda chamada: - Ás 3 horas da tarde.
Presentes: - 84 Srs. Deputados.
São os seguintes: Adolpho da Fonseca Magalhães da Costa e Silva, Adriano Accacio de Madureira Beça, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Affonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alfredo Candido Garcia de Moraes, Alfredo Ferreira de Mattos, Alfredo Pereira, Annibal de Andrade Soares, Antonio Vaz de Macedo, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Carlos Coelho de Vasconcellos Porto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José de Almeida, Antonio José Gomes Netto, Antonio José Teixeira de Abreu, Antonio Luis Teixeira Machado, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maria de Oliveira Bello, Antonio Mendes de Almeida, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Aristides Moreira da Mota, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Patricio dos Prazeres, Augusto Pereira do Valle, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Adolpho Marques Leitão, Carlos Augusto Pereira, Carlos Augusto Pinto Garcia, Conde de Agueda, Conde da Arrochella, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Vale no Augusto Villaça, Fernando Augusto de Carvalho, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Carvalho Moraes de Almeida, Francisco Alberto Mendonça de Sommer, Francisco Augusto de Oliveira Feijão, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Miranda da Costa Lobo, Guilherme Ivens Ferraz, Guilherme de Sousa Machado, Henrique Maria Cisneiros Ferreira, Jayme Daniel Leotte do Rego, Jayme Julio de Sousa, João Baptista Ferreira, João Baptista Pinto Saraiva, João Carlos de Mello Barreto, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Franco Pereira de Mattos, João Ignacio de Araujo Lima, João Pinto Rodrigues dos Santos, João da Silva Carvalho Osorio, Joaquim Heliodoro da Veiga, José de Abreu do Couto de Amorim Novaes, José de Abreu Macedo Ortigão, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Domingues de Oliveira, José Francisco da Silva, José Joaquim de Castro, José Lages Perestrello de Vasconcellos, José Malheiro Reymão, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Matos, José Maria Pereira de Lima, José Oliveira Soares, José Simões de Oliveira Martins, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis da Gama, Luis José Dias, Luis O'Neill, Manoel Antonio Moreira Junior, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, Ruy de Andrade, Salvador Manoel Brum do Canto e Thomaz Pizarro de Mello Sampaio.
Entraram durante a sessão os Srs.: Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro da Silva Pinheiro Chagas, Antonio Centeno, Antonio Maria de Avellar, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Carlos Alberto Lopes de Almeida, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Castro e Solla, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lirio da Silva Junior, Ernesto Driesel Schrõter, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, João Duarte de Menezes, João Joaquim Isidro dos Reis, Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos, Joaquim Hilario Pereira Alves, José Augusto Moreira de Almeida, José da Cunha Rolla Pereira, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Teixeira Gomes, Julio de Carvalho Vasques, Luis Cypriano Coelho de Magalhães, Luis Pizarro da Cunha de Portocarrero (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manoel Duarte, Manoel Joaquim Fratel, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Thomaz de Almeida Manoel de Vilhena (D.) e Thomaz de Mello Breyner (D.).
Não compareceram a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Celso de Azevedo Campos, Alfredo Silva, Anselmo de Assis Andrade, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José da Silva Cabral, Antonio de Mello Vaz de Sampaio, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Soares Franco Junior, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Barão de S. Miguel, Carlos Fuzeta, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Eduardo Augusto Ribeiro Cabral, Francisco Cabral Metello, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Abreu de Lima, João Augusto Pereira, João Augusto Vieira de Araujo, João Correia Botelho Castello Branco, João Lucio Pousão Pereira, João Pereira de Magalhães, Joaquim Ornellas de Mattos, José de Figueiredo Zuzarte Mascarenhas, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Andrade, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Sebastião Cardoso de Menezes Pinheiro de Azevedo Bourbon, Libanio Antonio Fialho Gomes, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Mario Pinheiro Chagas, Matheus Teixeira de Azevedo, Vicente Rodrigues Monteiro e Visconde da Torre.
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ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde
Leu-se a acta.
O Sr. Affonso Costa: - Não vejo mencionado na acta que S. Exa. tivesse declarado que não havia numero, para ser consultada a Camara sobre se me permittia a palavra. V. Exa. verificou se effectivamente não havia numero?
O Sr. Presidente: - Verifiquei não haver numero.
O Sr. Affonso Costa: - Peço a V. Exa. que mande fazer esta declaração na acta.
O Sr. Presidente: - Será feita a declaração.
Foi approvada a acta.
EXPEDIENTE
Officios
Da Sociedade de Geographia de Lisboa, convidando o Exmo. Sr. Presidente da Camara e os Srs. Deputados da Nação para a sessão solemne que aquella Sociedade realiza no dia 14 do corrente, pelas 9 horas da noite, para a inauguração dos retratos de Salvador Correia e do Visconde de Santarém, a cujo acto Suas Majestades se dignam assistir.
Para a secretaria.
Do Ministerio da Guerra remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, uma relação nominal dos capitães de infantaria que em 11 de corrente mês faziam parte do estado maior da arma; e nota das vacaturas de capitães existentes na mesma data.
Para a secretaria.
Foram mandadas para a mesa as seguintes
Declarações de voto
Usando da faculdade que me confere o artigo 56.° do regimento, declaro que, se estivesse presente na sessão anterior, rejeitaria a moção do illustre Deputado o Exmo. Sr. Conde de Castro e Solla e votaria o primeiro capitulo do projecto da lei de imprensa. = O Deputado, Fernando de Carvalho Moraes de Almeida.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, teria rejeitado a moção apresentada pelo Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto de lei de imprensa. = O Deputado, Diogo Domingues Peres.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse hontem presente na Camara, na occasião em que foi votada a moção do Sr. Castro e Solla, a rejeitaria e votaria o capitulo 1.° da lei de imprensa. = O Deputado, Antonio Augusto Pereira Cardoso.
Para a acta.
Declaro que, se tivesse assistido á sessão de hontem, te na rejeitado a moção de ordem do Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto em discussão, desde que, essa votação se fez sem prejuizo dai emendas. = Lourenço Cayolla.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão anterior, teia rejeitado a moçc^o do Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto de lei de imprensa em discussão. = Thomaz de Mello Breyner.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, seria rejeitado a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e pprovaria o capitulo 1.° da lei de imprensa. = Gomes Netto.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, seria rejeitado a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo que fui hontem votado sobre o projecto em discussão. = O Deputado, Luiz José Dias.
Para a acta.
Declaro a V. Exa. que se estivesse presente á sessão lê hontem, teria rejeitado a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° da lei de imprensa. = Tavares Festas.
Para a acta.
Declaro que, se houvesse assistido á sessão de hontem, seria approvado a moção do Sr. Deputado Conde de Castro e Solla, e rejeitado todo o capitulo 1.° do projecto de lei sobre liberdade de imprensa. = Manoel Fratel.
Para a acta.
Mando para a mesa, nos termos do regimento, a declaração de que se hontem estivesse presente, quando se voou a moção do Sr. Conde de Castro e Solla, a teria rejeitado, e teria approvado o capitulo 1.° do projecto de lei n.° 33.= Conde de Penha Garcia.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, teria rejeitado a moção apresentada pelo Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto de lei n.° 33.= Manoel Antonio Moreira Junior.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse hontem presente quando foi posto á votação o capitulo 1.° do projecto de lei sobre liberdade de imprensa, votaria contra a approvação do referido capitulo. = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho.
Para a acta.
Usando da faculdade que me confere o artigo 56.° do regimento, declaro que, se estivesse presente á sessão anterior, votaria favoravelmente o capitulo 1.° do projecto de lei de imprensa. = O Deputado, Francisco Mendonça de Sommer.
Para a acta.
Usando da faculdade que me confere o artigo 56.° do regimento, declaro que, se estivesse presente ao final da sessão de 10 do corrente, teria approvado o capitulo 1.° do projecto de lei de liberdade de imprensa e rejeitado a moção do Deputado Conde de Castro e Solla. = O Deputado, Henrique Maria de Cisneiros Ferreira.
Para a acta.
Declaro que, se tivesse assistido á sessão de hontem, approvaria a moção do Sr. Deputado Conde de Castro e Solla, e teria rejeitado o capitulo 1.° do projecto do lei
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sobre liberdade de imprensa. = O Deputado, José Maria Pereira de Lima.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem á votação que recaiu sobre a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e primeiro capitulo da lei de imprensa, teria votado a favor da primeira e contra o segundo. = O Deputado, Alexandre Braga.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem teria approvado o capitulo 1.° do projecto em discussão. = Chaves Mazziotti.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem teria rejeitado a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto em discussão. = O Deputado, Adolpho da Costa e Silva.
Para a acta.
Não tendo assistido á sessão de hontem por motivo de doença, declaro que, se estivesse presente, teria approvado o capitulo 1.° do projecto da lei da imprensa, e te na rejeitado a moção do Sr. Deputado Conde de Castro e Solla. = Francisco Ravasco.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á parte final da sessão de hontem, teria rejeitado a moção do Sr. Deputado Conde de Castro e Solla e approvado o capitulo 1.° do projecto em discussão sobre liberdade de imprensa. = O Deputado, Oliveira Martins.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente a sessão de hontem quando se procedeu á votação nominal do capitulo 1.° do projecto sobre a lei de imprensa, teria votado a sua approvação e rejeitado a moção do Sr. Deputado Conde de Castro e Solla. = O Deputado, José Maria de Oliveira Mattos.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, rejeitaria a moção do Sr. Conde de Castro e Solla e approvaria o capitulo 1.° do projecto de lei sobre liberdade de imprensa. = O Deputado, João Franco de Mattos.
Para a acta.
Declaro que não me tem sido possivel comparecer ás sessões da Camara, e que se estivesse presente teria approvado o artigo 1.° do projecto de lei n.° 33, sobre liberdade de imprensa, e rejeitado a moção do Sr. Conde de Castro e Solla. = J. J. Izidro dos Reis.
Para a acta.
Declaro que se estivesse presente quando hontem foi votado o capitulo 1.° do projecto de lei da imprensa tê-lo-hia approvado. = Garcia de Moraes.
Para a acta.
Não tendo comparecido á sessão de hontem, 10, por motivo de serviço publico, declaro que se estivesse presente votaria contra a moção do illustre Deputado Exmo. Sr. Conde de Castro e Solla e votaria o capitulo 1.° do projecto de lei da imprensa. = Antonio Luis Teixeira Machado.
Para a acta.
Tenho a honra de declarar a V. Exa. e á Camara que se estivesse presente quando se votou o capitulo 1.° do projecto de lei da imprensa o havia approvado. = Arthur Brandão.
Para a acta.
Declaro que se estivesse presente á sessão de hontem teria votado o capitulo 1.° do projecto sobre a liberdade de imprensa, rejeitando a proposta do Sr. Conde de Castro e Solla. - José Bento da R. Mello.
Para a acta.
Declaro que, se estivesse presente á sessão de hontem, teria approvodo a moção do Sr. Conde d, Castro e Solla e rejeitado o primeiro capitulo do projecto era discussão. = O Deputado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro.
Para a acta.
O Sr. José Cabral: - Mando para a mesa e seguinte
Requerimento
Requeiro que a commissão de fazenda seja autorizada a reunir-se durante a sessão, para negocio urgente. = José Cabral.
Foi approvado.
O Sr. Oliveira Soares: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que a commissão de commercio reuna durante a sessão. = Oliveira Soares.
Foi approvado.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Sr. Presidente: antes de voltar ás considerações que me fizeram pedir de novo a palavra em continuação das que já hontem tive occasião de fazer nesta Camara, mando para a mesa, por parte do meu collega da pasta da Fazenda, uma proposta para accumulação de funcções de alguns Srs. Deputados.
Sr. Presidente: resumindo o que hontem me foi permittido e consentido dizer e expor sobre o assunto do aviso previo do Sr. Deputado Affonso Costa, ha de recordar-se a Camara que eu mostrei, com as proprias declarações do Sr. Deputado e com o mais que da Camara e de todo o país é conhecido, que o Governo e as suas autoridades no Porto procederam por forma a prevenirem, por todos os meios de aviso e até de publicidade de que era possivel lançar mão, os Deputados republicanos, os seus amigos e a população do Porto, de quaes eram as manifestações permittidas e quaes as que a autoridade, no uso das suas attribuições, não podia nem permittir nem consentir, com o fim de manter a ordem, o socego e a tranquillidade nas das e nas praças d'aquella cidade.
Mostrei mais, Sr. Presidente, como em harmonia com essas disposições, na gare de S. Bento, foi permittido manifestar sentimentos de opinião, e até de paixão politica, ás pessoas dedicadas áquelles Deputados ou aos seus correligionarios.
Mostrei mais, Sr. Presidente, como, era harmonia com as disposições adoptadas, a autoridade procurou por meio dos agentes policiaes e de um esquadrão de cavallaria da guarda municipal impedir, tanto quanto em si cabia, fora da gare de S. Bento e sitios mais proximos, a agglomeração de povo, tentando assim evitar qualquer manifestação em evidencia e para que em virtude das ordens e resoluções adoptadas, a repressão se pudesse fazer por forma a manter o socego e a tranquillidade publica.
Mostrei como não obstante a publicidade das disposições governativas e a prevenção feita aos Deputados republicanos das disposições policiaes adoptadas com o fim de evitar a formação de agrupamentos e porventura o risco da sua dispersão, sendo necessario; mostrei como,
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não obstante isto, em volta e no largo, em frente da gare, na Rua de D. Pedro e das circunvizinhas algumas pessoas infringiram as ordens da autoridade, fazendo manifestações aos Deputados republicanos; e, segundo informações officiaes, não só victoriando aquelles Deputados, mas até soltando gritos subversivos!
Foi então, Sr. Presidente, quando eu estava nesta altura da minha exposição, que o Sr. Deputado Affonso Costa me interrompeu pela primeira vez perguntando em que lei se tinham fundado as autoridades para prohibir manifestações nas praças e nas das publicas; acrescentando qual o motivo e a razão por que isso tinha sido permittido quando eu visitara o Porto, e qual a razão e o motivo por que não fora permittido agora. E depois d'isso, as interrupções, as intervenções de alguns Deputados d'aquelle lado da camara foram tão ameudadas e insistentes,, como V. Exa. viu, que não pude continuar na exposição que estava fazendo, o que agora vou fazer, tanto quanto souber, sobre os factos que ainda hontem eu pude expor.
Sr. Presidente: perguntou o Sr. Deputado Affonso Costa em que lei se fundaram as autoridades para permittir manifestações na gare e para as prohibir nas das e praças publicas. O meu primeiro dever é responder a esta pergunta do Sr. Deputado, e por uma forma que nenhuma duvida possa deixar no espirito dos que me dão a honra de ouvir-me. A autoridade procedeu no uso do seu direito e em harmonia com as prescrições legaes, e de forma alguma arbitraria ou despoticamente.
O artigo 251.° do Codigo Penal diz o seguinte: (Leu).
Como V. Exa. vê a disposição é absolutamente latitudinaria (Apoiados) no sentido de que ao chefe do districto compete dar, executar e fazer executar todas as providencias necessarias para manter a ordem e a liberdade publica, proteger as pessoas e a propriedade em todo o districto, como hontem tive occasião de expor á Camara, e como é conhecido de todos que pelas cousas publicas se interessam e com algum cuidado e attenção as teem acompanhado nos ultimos sete meses.
Factos extraordinarios se deram nesta cidade que levaram o Governo e as autoridades a tomar providencias, pois a segurança das pessoas e até da propriedade exigia que não continuassem a ser permittidas nas das e praças publicas, as manifestações que até ali se consentiam, por isso que tinham sido constantemente origem e motivo para perturbações da ordem ou, pelo menos, para manifestações contrarias ás que primeiro se fazem e que podiam dar logar a conflictos como os que se deram e até originar perturbações mais graves.
A unica cousa, portanto, que é legitimo discutir, são as razões que determinaram o governador civil do Porto a assim proceder e o Governo a assim o apoiar, ou a assim lh'o insinuar.
Essas razões foram hontem aqui largamente expendidas, são sobejamente conhecidas e, como V. Exa. vê, se tivessem sido observadas e mantidas no Porto, por todos aquelles a quem importava manter e observar as ordens recebidas, ainda hoje estaria vivo o infeliz operario que foi victima dos acontecimentos dessa noite, e é isso um facto bastante para demonstrar que effectivamente a segurança de pessoas demandava, urgente e necessariamente, que taes manifestações se não consentissem nem permittissem. (Apoiados).
Os factos que se tinham dado em Lisboa reproduziram-se infelizmente no Porto, mais graves porem, pelas consequencias desgraçadas que tiveram; o governador civil do Porto, portanto, procedendo como procedeu, não só estava dentro das attribuições que a lei lhe confere, mas cumprir absolutamente aquillo que na capital do reino já se tinha cumprido, porque os factos demonstraram a necessidade do cumprimento d'essa disposição e d'essa exigencia (Apoiados).
E nenhuma difficuldade haveria em ter mantido e feito observar essa disposição e essas instrucções, se por parte dos manifestantes, ou de quem os dirigia, tivesse havido a mesma boa vontade, a mesma cautela, a mesma previsão do que podia succeder e que houve por parte das autoridades, pois já hontem tive occasião de o dizer, e provam-no os acontecimentos succedidos horas depois nessa mesma cidade quando se realizava um comicio, em que baseou que o seu presidente, o Sr. Bernardino Machado, tomasse sobre si a responsabilidade pela ordem, para fazer etirar a força que ali se encontrava, para que realmente tudo corresse em ordem e para que os milhares de pes-oas que assistiram tivessem dispersado pela cidade sem L mais pequena manifestação, sem o mais pequeno facto que fosse abusivo ou de desobediencia ás prescrições da autoridade. (Apoiados).
Eu não procuro de forma alguma, em circunstancias d'esta natureza, e quando dirimo as minhas responsabilidades, contentar-me com palavras; procuro factos ou argumentos d'elles derivados, deixando aquelles que me dão a honra de me ouvir tirar d'elles as illações e consequencias legitimas, sem me preoccupar nem com as interrupções, nem com a vozearia, nem com qualquer forma de perturbar a livre e legitima discussão parlamentar que as minhas palavras, por serem as ultimas ouvidas, ou mais ouvidas pela intensidade da minha voz, possam provocar.
O que eu desejo é, como disse, levar ao espirito dos que me ouvem, por meio de factos ou argumentos, a convicção, que a serenidade, a reflexão, a nitidez d'esses argumentos e a clareza d'esses factos sejam capazes de produzir.
Fica assim respondida a pergunta que me dirigiu o ilustre Deputado que fez o aviso previo sobre os acontecimentos da noite de 1 de dezembro no Porto e demonstrado que é da faculdade do chefe do districto dar, adoptar e fazer executar todas as providencias que entender convenientes á segurança dos cidadãos e da propriedade, usando, para isso, dos meios policiaes ao seu alcance e requisitando as forças de que careça e que não lhe poderão; ser recusadas para tal effeito.
É latitudinaria a disposição? É.
Nem podia deixar de ser porque deriva do principio de que ao executivo compete manter a ordem.
Pode elle errar no exercicio das suas funcções? Decerto. E se, porventura, nas providencias que adoptar, infringir as leis do país ou for mais longe na compressão ou repressão do que as circunstancias demandem e os factos tornem urgente, as autoridades são responsaveis e responsavel é o Governo desde que avoque a si a responsabilidade dos seus subordinados.
Mas houve aqui alguma lei infringida?
Ha alguma disposição que permitia que cidadãos se possam manifestar nas das e nas praças publicas e realizar ahi quaesquer factos politicos da ordem d'aquelles que se realizaram?
Nenhuma. Se não ha lei que o prohiba não ha lei que o consinta, e se é assim e ao chefe do districto pareceu que, para segurança das pessoas e da propriedade, era necessario prohibir taes manifestações, a autoridade administrativa não infringiu lei alguma e manteve-se dentro dos termos que lhes confere o artigo 281.° do Codigo Administrativo.
Não eram, porventura, aconselhadas por factos e circunstancias bem conhecidas as providencias que para a manutenção da ordem adoptou o Sr. governador civil do Porto? Ninguem o pode desconhecer.
Tendo tido conhecimento do que tinha succedido em Lisboa e em breve iria succeder ao Porto houve o intuito de tolher a liberdade do partido republicano ou das expansões dos seus sentimentos acêrca dos Deputados republicanos que iam assistir ao comicio a realizar no dia seguinte? Procurou o Governo diminuir a importancia, ou
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o valor ou a significação que essa manifestação pudesse ter? Não. E a prova é que na gare de S. Bento deixou que tudo se passasse e realizasse como bem aprouve a quem se manifestava e a quem sentia essa manifestação.
A liberdade concedida pelo Governo não podia ser mais ampla nem mais evidente. Procurou-se na justa medida que tem sempre inspirado os actos do Governo e ha de inspirá-los emquanto for Governo, um perfeito espirito de tolerancia e de respeito pelas liberdades publicas e ao mesmo tempo a manutenção da ordem e a segurança das pessoas em harmonia- com o que as circunstancias indicavam.
Não é a mira, nem aos meus amigos, nem a nenhuns elementos de partidos monarchicos que se podem attribuir quaesquer factos, acontecimentos, ou successos por virtude dos quaes não possa ser mantida a tolerancia que o Governo logo que chegou ao poder mostrou para com todos os partidos, permittindo as manifestações politicas. (Apoiados).
O Governo concedeu a maior liberdade para se poderem fazer manifestações a qualquer individualidade do partido republicano ou de qualquer outro partido (Apoiados) e não fomos nos que nos apressámos a contrariar essas manifestações, porque isso seria contrario aos nossos sentimentos. (Apoiados).
A verdadeira liberdade, a unica que pode ser mantida e que eu estimo, a unica que eu considero e respeito é a que julga a liberdade dos outros irmã gemea da nossa, e não a que se lhe pretenda sobrepor. (Apoiados). Nos não podemos de forma alguma impor os nossos sentimentos, paixões, ideias e principios por mais nobres que sejam e por mais consentaneos que sejam aos interesses do país, á vontade dos nossos adversarios. (Muitos apoiados).
Ao chegar ao poder-consenti na livre propaganda entre todos os partidos politicos, sem querer saber da cor da sua bandeira, ou das instituições que desejavam defender. (Apoiados). Dei a todos os partidos inteira liberdade para a sua propaganda.
Portanto o Governo não pode ser accusado de pretender coarctar os meios de realizar essa propaganda, desde que todos se mantivessem dentro da ordem e respeito pelo chefe do Estado. (Apoiados). E esta obrigação impunha-se a todos, era absolutamente igual para todos. O que sem severidade se exigia para uns, exigia-se para com todos. (Apoiados).
Por isso o Governo deixa ao pais, que é quem julga e quem nos pode dar o apoio para vencer e triunfar, que entre os actos de cada um possa avaliar e julgar e dar o premio que elles merecem, ou a censura de que elles se tenham tornado absolutamente credores. (Muitos apoiados).
Não é a paixão de cada um, nem mesmo o sentimento exaltado de qualquer collectividade que hão de fazer, com que o país, entre as varias e oppostas propagandas que são feitas, em ordena a cativar o seu espirito e a sua vontade, se decida por ellas. (Apoiados). O que ha de cativar o país ha de ser a dedicação que cada um mostra pelos interesses jiacionaes, a absoluta necessidade com que cada um procure servi-lo, (Apoiados) e o absoluto respeito que se tenha para com qualquer individualidade. (Apoiados).
Mas, voltando aos acontecimentos do Porto: como disse, é um facto incontestavel que, era menosprezo das ordens da autoridade para que se não fizessem manifestações nas ruas, e isto em harmonia com a lei, alguns milhares de pessoas se reuniram em volta da estação de S. Bento, manifestações que se fizeram por milhares de pessoas em volta, e logo a saída da estação de S. Bento.
Já hontem disse, e hoje. repito porque nunca é de mais repetir este ponto do pensamento do Governo, para convencimento d'aquelles que porventura não estejam informados. Dada uma vez uma ordem, estabelecida uma disposição, e envolvido assim o prestigio da autoridade em qualquer facto, o Governo ha de manter essa prescrição e o prestigio da autoridade.
Mas, continuando. Immediatamente, em virtude da contravenção ás ordens dadas, e em harmonia com as instrucções recebidas, os agentes da autoridade e a força da guarda municipal intervieram para reprimir as manifestações que se faziam contra o que tinha sido ordenado; intervieram, mas não abusaram, e a maneira como deram as cargas de cavallaria, desde o principio até o fim, mostra que essas autoridades estavam consubstanciadas com o pensamento do Governo, e esse pensamento era o acommodado ás circunstancias, sem o menor sacrificio todavia para qualquer pessoa.
Foram dados immediatamente toques da ordenança, e antes que a força carregasse sobre o povo, o official que a commandava, fez os avisos verbaes.
Certamente houve da parte do Sr. Affonso Costa um equivoco, quando affirmou ter o official declarado que os toques não foram ouvidos. O que disse o official que commandava a força, é que os avisos verbaes só teriam sido ouvidos pelas pessoas que estavam proximas, o que não admira por terem sido feitos num sitio aberto, e no meio de vozearia, mas que os toques de clarim de certo foram ouvidos, e a prova de que o foram é que centenas de pessoas se retiraram. (Apoiados).
Depois de terem sido dados os avisos militares, a força carregou por não se terem dispersado os agrupamentos que se tinham formado.
Mas isso foi feito de tal forma que até hoje não consta que se tenha apresentado qualquer pessoa ferida como victima dessas cargas, e V. Exa., Sr. Presidente, comprehende que se a carga tivesse sido dada sem cautela é claro que muitas pessoas haviam de ter soffrido graves prejuizos. (Apoiados).
Isto mais prova que tanto as autoridades policiaes como a força militar procuraram fazer respeitar as ordens do chefe do districto, manter o principio da autoridade e impedir as manifestações nas das que tinham sido julgadas prejudiciaes para a segurança das pessoas; mas, procurando fazê-lo pela forma mais consentanea que é sempre imposta á força publica, de fazer o mal absolutamente indispensavel e na menor proporção.
Repito: houve repetidas e variadas cargas de cavallaria e até o presente não me consta, nem sequer vi nos jornaes, que qualquer pessoa se tenha apresentado ferida perante o tribunal judicial ou pelas espadas, ou em resultado das proprias cargas realizadas.
Foi a seguir a isto, na Rua de Santa Catharina, proximo do local onde tinham sido feitos os toques e os avisos verbaes, e onde se tinham realizado as cargas pela forma como estou dizendo á Camara - com o fim exclusivamente de dispersar a multidão e de impedir as manifestações - o que já representa uma manifesta desobediencia á autoridade, que não pode nem deve ser desacatada, e que, se tem a obrigação sagrada, nos meios a empregar para ser obedecida, de conter-se nos absolutamente indispensaveis, tem a obrigação, não menos sagrada, de se fazer obedecer; dizia eu, Sr. Presidente, foi na Rua de Santa Catarina que sobre a força da guarda, municipal começou a cair um chuveiro de pedras. E posso dizer assim, porque não se trata apenas de uma affirmação que só em palavras se possa estribar; trata-se de um facto porque muitos soldados saíram d'essa refrega feridos pelas pedradas; mais de um foi examinado no tribunal judicial a os ferimentos foram reconhecidos e com inteira impossibilidade de trabalhar durante alguns dias; até os arnezes dos cavallos apresentavam vestigios e sinaes das bastas pedras que sobre elles caíram. Não era então de admirar que a força publica já desacatada e assim aggredida tivesse carregado sobre o povo por uma forma menos cautelosa do que até ali o tinha feito, mas não o fez, conti-
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nuando a manter o mesmo cuidado que tinha empregado desde o principio.
A força, em logar de carregar violentamente e usar das espadas em defesa das proprias pessoas, tal não fez.
O commandante da força mandou disparar alguns tiros de revolver com pontarias altas, nenhuma duvida podendo haver de que assim se procedeu e realizou.
O Sr. Affonso Costa: - Isso não é exacto.
O Orador: - Para isso não preciso da affirmação do illustre Deputado nem da do commandante da força; se os tiros não tivessem sido disparados com pontarias altas, se não tivessem sido disparados para o ar, é evidente que teria havido muitos feridos. (Muitos apoiados).
O Sr. Affonso Costa: - V Exa. dá-me licença? V. Exa. deve basear a sua argumentação em factos. Quando se atiraram as pedradas já o operario estava ferido.
O Orador: - Hontem S. Exa. não fez senão interromper-me. Não me mostrei enfadado com isso, e só no uso do meu direito estranhei a falta de serenidade com que sou ouvido, quando eu não interrompo ninguem.
Da minha boca não saiu uma unica palavra que pudesse melindrar o illustre Deputado. (Muitos apoiados).
Respeito sempre em todos os casos os meus adversarios, e por isso tenho direito a ser respeitado. Nunca appello para a violencia; o país que julgue todos.
Oh! Sr. Affonso Costa, nos estamos tratando de um assunto que é conhecido por muitos milhares de pessoas no Porto, e por isso era absoluta e materialmente impossivel que se os tiros tivessem sido disparados sobre a multidão, não resultassem dezenas de ferimentos.
É portanto incontestavel que os tiros foram disparados para o ar. Não é preciso para o provar o testemunho, nem appellar para a dignidade de ninguem. Vê-se que se os tiros não fossem disparados para o ar devia haver dezenas de feridos. (Apoiados).
Diz-se no relatorio que foram disparados 20 tiros. O Sr. Affonso Costa estranhou o facto dizendo que só podiam ser disparados 18 ou 24 tiros, pois que o official tinha mandado fazer fogo só a 6 soldados.
Porque não poderão ser 20, 21 ou 22? Não sabe S. Exa. como isso se faz?
Nessa rua onde se passou isto estavam abertas trincheiras, os candieiros estavam apagados, as pedras choviam sobre os cavallos e sobre os soldados; se tivessem disparado maior numero de tiros, maior numero de desgraças se teriam dado. (Apoiados).
O que é preciso é conhecer o numero de tiros que se dispararam e comparar case numero com o das cargas que os revolveres podiam conter. (Apoiados). É evidente - e V. Exa. comprehende que assim é - que os factos analysados lançam uma convicção ao espirito dos que me ouvem.
O commandante da força declara que deu ordem a seis soldados para dispararem, mas é mais do que possivel é mesmo certo que nem todos pudessem disparar. Portanto, repito, o que é preciso é verificar as munições que os revolveres podiam conter. Mas, mesmo que fossem 18, 20 ou 24 tiros, é impossivel que elles não tivessem produzido um grande numero de desgraças se tivessem sido disparados sobre a multidão e numa rua, relativamente estreita, como é a de Santa Catarina. Não podia, pois, querer a responsabilidade do official que commandava a força publica, que já tinha carregado e continuou a carregar sobre a multidão, e de que nenhum mal resultou.
Como é, por consequencia, que um official que assim procede, que demonstra assim o sen perfeito tino, a sua grande cautela e cuidado, mandava dar tiros sobre o povo?
Mas mais do que isso.
Foi o proprio illustre Deputado que disse aqui que, em seguida a esses tiros, quando o official continuava carregando e se dirigiu para a rua onde está a casa em que S. Exa. se hospedou, elle lhe pedira supplicantemente. que convidasse o povo a retirar-se.
O Sr. Affonso Costa: - O que eu disse foi que elle pedia supplicantemente aos soldados que não disparassem mais tiros, e ao mesmo tempo a que convidasse eu o povo a não dar mais vivas.
Isto prova a indisciplina d'esses soldados.
O que eu peço a V. Exa. é que não altere os factos.
O Orador: - Eu não altero nada, porque nada preciso alterar.
Trocam-se ápartes.
Se é um argumento mau, o que o illustre Deputado pode desejar de mais valioso para si é que eu argumente mal, porque com isso só prejudico a minha causa.
O Sr. Deputado Affonso Costa, ouvindo serenamente e respondendo-me triumphante hoje ou amanhã, terá conseguido dois resultados:
Em primeiro logar mostrar que sabe ouvir e em segundo logar que lhe assiste a razão. (Apoiados).
A maioria tem demonstrado nesta questão a maior tolerancia. (Apoiados).
Mas continuo na mesma ordem de considerações em que estava.
Quer o Sr. Dr. Affonso Costa que o commandante da força fosse pedir aos soldados que não atirassem sobre o povo. Então elle não tem responsabilidade nenhuma; os soldados é que desobedeceram.
Mas a segunda não nega o illustre Deputado: que o official lhe pediu para que o ajudasse a manter a ordem.
Então um official que commanda 50 cavallos, com soldados armados e se dirige a quem está na janela a pedir auxilio, esse official mandou disparar sobre a multidão? {Muitos apoiados).
Não está demonstrado á saciedade, com os meios de persuasão de que elle usou para conseguir o seu resultado
O Sr. Affonso Costa: - É que elle via que o povo respondia aos tiros com pedras.
O Orador: - Como V. Exa. vê, nunca mais, nem no dia seguinte, nem de então para cá tornou o povo a proceder de maneira a infringir as ordens das autoridades, nem á provocar a intervenção da força armada.
Esse official procedeu, de maneira a demonstrar que queria cumprir as ordens e tambem que é um official eminentemente proprio para estar numa corporação que, pela sua propria natureza, se tem de encontrar muitas vezes em contacto com o povo; procedeu de forma a demonstrar que está muito bem onde está e soube executar as ordens recebidas, com energia e com firmeza, mas com todas as contemplações.
O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que daqui a 5 minutos se passa á ordem do dia.
O Orador: - Terrivel cousa!
Eu não quero terminar, sem desde já responder ao unico facto novo que o illustre Deputado trouxe a esta discussão, qual é o de que não ha duvida nenhuma de que o infeliz operario Oliveira Barros foi victimado pela guarda municipal ou pela policia, porque a bala que o feriu
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pertencia a um revolver Abbadie, que é dos que usam a guarda municipal e a policia.
Para em tudo ser infeliz o illustre Deputado, para era todo o seu discurso não ter trazido para esta discussão o mais pequeno argumento aproveitavel, nem isto é exacto. Recebi um telegramma do governador civil do Porto, que vou ler á Camara.
Tenho tido sempre neste assunto a maxima sinceridade. Pelo desejo que tenho de não furtar ao conhecimento das Camaras Legislativas a mais pequena informação official, que receba sobre o assunto, é que eu trouxe logo aqui o relatorio feito pelo governador civil do Porto, que, naturalmente, não era destinado a publicidade, visto os termos desataviados em que está feito.
Li immediatamente no Parlamento o auto que mandei levantar na guarda municipal, quando as primeiras affirmações do relatorio foram contestadas.
Vou fazer a leitura textual desse telegramma do governador civil do Porto e desejo que fique consignado no Summario das Sessões e depois na transcrição que se fizer no Diario das Sessões.
Telegramma
Exame bala constatou que ella é de 9 millimetros calibre, podendo ser de revolver Abbadie ou de revolver bull-dog. = Governador Civil, Pinto Mesquita.
O Sr. Affonso Costa: - O bull-dog pertence á policia do Porto!
(Sussurro}.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - Se estamos aqui simplesmente numa preoccupação pessoal e individual, vejo-me, com muita pena minha, obrigado a declarar a V. Exa. e á Camara, que desde o momento em que assim seja tratado, nunca mais discutirei; porque se tenho obrigação de respeitar, eu tenho o direito de ser respeitado muito mais, por maioria de razões. (Muitos apoiados).
V. Exa. sabe que ha mais de tres meses tenho assistido a todas as discussões, as quaes procuro esclarecer como sei e posso.
Não tenho receio de que qualquer acto do Governo possa ser possivel de uma accusação da parte do país; tenho tratado sempre os illustres Deputados com a consideração que merecem, mas tambem tenho o direito numa questão d'esta natureza, para esclarecer o país acêrca das minhas responsabilidades, de que os factos, por mim produzidos, sejam ouvidos com silencio, embora discutidos e analysados conforme o criterio do cada um. (Muitos apoiados).
"A bala é de revolver Abbadie ou de revólver bull-dog". Esta arma bull-dog é uma arma vulgar, que se encontra á venda em todo o país e de que fazem uso os particulares.
Sr. Presidente: a unica circunstancia pois, que como cousa nova, o Sr. Affonso Costa trouxe, demonstra assim, por uma informação resultante do exame da bala, que de forma alguma se prova de maneira incontestavel e irrecusavel, que a que feriu e victimou esse operario, saiu de um revolver da policia ou da guarda municipal.
Desde o principio se diz - não sei, a quem cumpre verificar não é a mim, é ao poder judicial - desde o principio, repito, se diz que houve tiros de revólver disparados por populares, na occasião da refrega, na Rua de Santa Catharina.
Porem, fosse como fosse, o que tenho a lamentar muito sinceramente é que o facto se houvesse dado.
Não ha duvida nenhuma, Sr. Presidente, que foi muito lamentavel e que para mim constitue um verdadeiro desgosto e uma profunda contrariedade.
Até hoje, como já tive occasião de dizer nesta Camara, podia lisonjear-me de tendo sido Ministro varias vezes, e numa d'ellas durante quatro annos, e tendo succedido mais de um acontecimento em que houve a intervenção da força publica e policial, sempre os factos se terem passado de forma a não produzir derramamento de sangue.
As circunstancias não consentiram que se desse agora um facto desta natureza; mas da mesma forma continua a ficar materialmente como duvidoso de que lado ou de que ponto partiu a bala que victimou esse operario.
Em segundo logar, o que fica bem demonstrado é que, é por parte da autoridade, se empregaram todos os meios de persuasão e prevenção para que taes factos se não dessem; que na repressão feita a força publica andou com consideração, com cautela e com cuidado como nunca em circunstancias iguaes foi excedida; em terceiro logar mais uma vez se provou e demonstrou que tudo se podia ter evitado se a mesma intervenção benefica, que no dia seguinte algumas horas volvidas, pode fazer com que o comicio se realizasse, e milhares de pessoas ali reunidas dispersassem sem intervenção da força, tivesse querido ou podido fazer na vespera, aquillo que soube fazer no dia seguinte, e que felizmente se tem repetido de então para cá em todos os pontos de reunião, em comicios que se teem realizado ou ainda em esperas que nas gares, se teem feito. (Apoiados).
De então para cá, as ordens e as instrucções do Governo teem sido acatadas e cumpridas.
Não digo isto para blasonar força nem alardear firmeza, porque não está no meu animo proferir qualquer palavra que possa parecer uma provocação, mas para constatar um facto. (Apoiados).
E ao terminar estas considerações uma só cousa desejo:, é que o facto desgraçado occorrido na cidade do Porto seja para nos lição amarga, para que de uma parte e outra se proceda sempre com o maior socego e prudencia; pensando e affirmando que muitas vezes, talvez sem querermos, dispomos, não já da liberdade, mas até da vida de outros, arriscando a em lances que nem servem para a nossa causa, nem de forma alguma á propaganda das nossas ideias. (Apoiados).
Continuemos todos serenamente, honestamente, livremente, a pleitear pelas nossas ideias, e a procurar fazer a propaganda aberta e livre dos nossos principios, mas procedendo de forma a que, nesta Camara, ou fora d'ella, o respeito que até hoje temos querido manter uns para com os outros não possa ser empanado ou embaciado por quaesquer factos, que já não digo deslustrem de forma alguma as nossas intenções, mas podem fazer carregar sobre a consciencia de quem quer que seja remorsos que á minha não cabe, porque quem proceder como eu procedi desde o dia em que cheguei ao poder pode dormir tranquillo, pois que se alguma desgraça succedeu no seu tempo, nem foi por sua culpa nem por sua vontade. (Apoiados).
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado e não reviu).
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Senhores. - Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara permissão para que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com a dos seus empregos ou commissões os Srs. Deputados:
Abel Pereira de Andrade, vogal supplente do Tribunal de Contas.
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Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, commissario regio dos fosforos;
Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, vogal effectivo da Junta do Credito Publico;
Jayme Julio de Sousa, 2.° tenente da armada, em serviço na Administração Geral das Alfandegas;
João Joaquim Isidro dos Reis, Chefe da Repartição do Gabinete do Ministerio da Fazenda;
José Cabral Correia do Amaral, delegado do Thesouro no districto de Lisboa;
Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, advogado consultor da Caixa Geral dos Depositos e Instituições de Previdencia;
Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, administrador da Caixa Geral dos Depositos e Instituições de Previdencia.
Ministerio dos Negocios da Fazenda, em 11 de janeiro de 1907. = Ernesto Driesel Schroter. Foi approvada.
O Sr. Presidente: - Deu a hora de passar-se á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.
O Sr. Affonso Costa: - Eu pedi a palavra para um requerimento.
O Sr. Presidente: - V. Exa. sabe que antes da ordem do dia não ha requerimentos que prefiram.
O Sr. Affonso Costa: - Faça V. Exa. o que quiser Eu cumpro com o meu dever moral. Desde que sou accusado quero defender-me.
O Sr. Presidente: - Em vista da insistencia do Sr. Affonso Costa vae ler-se o requerimento e vou pô-lo á votação.
Lê-se na mesa. É a seguinte:
Requerimento
Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se me consente que responda immediatamente ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros, para rectificar as suas inexactidões e para repellir as suas repetidas, insistentes e provocadoras accusações sem fundamento. = O Deputado, Affonso Costa.
Consultada a Camara é rejeitado.
O Sr. Affonso Costa: - Em vista da resolução da Camara peço ao Sr. Presidente do Conselho para estar presente amanhã antes da ordem do dia para que eu possa realizar um novo aviso previo sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Franco Castello Branco): - Estarei aqui tantas vezes quantas V. Exa. quiser, para se referir a esse assunto.
O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia. Convido novamente os Srs. Deputados que tiverem papeis a apresentar a enviámos para a mesa.
O Sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa o seguinte
Aviso previo
Declaro que desejo interrogar urgentemente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros sobre as declarações que fez a esta Camara nas sessões de hontem e hoje acêrca dos acontecimentos do Porto em 1 de dezembro preterito. = O Deputado, Affonso Costa.
Mandou-se expedir.
O Sr. Alexandre Braga: - Mando para a mesa o seguinte
Aviso previo
Desejo interrogar os Srs. Ministros do Reino e da Marinha sobre o facto de não ter sido mandado regressar ao reino o fiel do deposito da repartição das obras publicas de Dilly, em Timor, Joaquim Raymurido dos Santos, condemnado por anarchista em 16 de março de 1896, no 3.° districto criminal de Lisboa. = O Deputado, Alexandre Braga.
Mandou-se expedir.
O Sr. Mendes de Almeida: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Em harmonia com o regimento da camara requeiro que me sejam remettidos os documentos que solicitei na sessão legislativa finda, pedido que por esta forma renovo. = O Deputado, Antonio Mendes de Almeida.
Mandou-se expedir.
O Sr. Matheus de Sampaio: - Mando para a mesa a seguinte
Renovação de requerimento
Renovo o meu requerimento apresentado na sessão de. 18 de dezembro do anno de 1906, e insto pelos esclarecimentos pedidos de que preciso urgentemente. = O Deputado, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio.
Mandou-se expedir.
O Sr. Ivens Ferraz: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Em conformidade com as disposições regimentaes, renovo o meu pedido de documentos, que solicito me sejam remettidos. = O Deputado, Guilherme Ivens Ferraz.
Mandou-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do capitulo 2.° do projecto de lei n.° 33, relativo a liberdade de imprensa
O Sr. João de Menezes (sobre a ordem): - Começa por declarar, não o tendo feito quando se discutiu a acta, por não se achar presente, que se tivesse assistido á sessão de hontem teria votado contra o capitulo 1.° d'este projecto. Neste sentido mandará para a mesa a sua declaração.
Não assistiu á sessão de hontem, porque já na vespera havia declarado á mesa que não viria, porque o facto de não terem os membros da maioria feito numero na terça feira passada, não o obrigava a vir á Camara hontem, que era quinta feira, dia em que usualmente não ha sessão.
Aproveita a presença do Sr. Ministro da Justiça para, antes de começar propriamente a discutir o projecto, se referir a umas palavras por S. Exa. proferidas quando defendeu o projecto, lendo-lhe o texto de alguns artigos da Constituição de uns cantões da Suissa, para mostrar ao illustre Ministro que, ao contrario do que S. Exa. disse, nenhuma lei de imprensa nesses cantões admitte a caução nem a censura.
É esse o espirito que predomina naquelle país a respeito de liberdade de imprensa.
Entrando na apreciação do projecto que se discute, não quer absolutamente saber do que dizem as leis estrangeiras, nem do que dizem as portuguesas; quer apenas saber do regime dentro do qual vae viver. É isso que o interessa, como interessa a todos os cidadãos.
Porque foi esta pressa do Governo em trazer á discus-
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são uma lei de imprensa, quando outros projectos, muito mais importantes, relativos á economia do país, á instrucção publica e a outros assuntos, se encontram ainda sobre a mesa para serem discutidos? Foi para acabar com a censura previa? Essa censura previa não existe em Portugal, desde que se reformou a Carta Constitucional.
Foi para acabar com a apprehensão? A apprehensão, segundo o voto da Associação dos Advogados, não tem o Governo de exercê-la;
Para que se fez, pois, esta lei de imprensa? Fez-se, realmente, para impedir que os jornaes possam dizer tudo quanto possa ser dito.
É, porem, principalmente sob o ponto de vista moral que este projecto deve ser discutido, porque ha nelle disposições que são affrontosas da dignidade do homem que se preza, nas suas funcções de juiz.
Ignora o orador se foi essa a intenção de quem o redigiu, mas o que é certo é que o projecto que se discute tem, como unico resultado final, degradar e envilecer o director do jornal ou obrigá-lo a abandonar esse jornal para não ser envilecido.
Diz-se que é necessaria uma lei de imprensa energica; diz-se que é necessario reprimir os abusos de linguagem dessa imprensa, como se não houvesse mais nações do mundo senão a portuguesa, e como senão houvesse mais jornaes do mundo senão os que se publicam em Portugal.
Fala-se no desbragamento dos jornaes portugueses, como se pelas nossas fronteiras não entrassem diariamente jornaes estrangeiros, que são o melhor exemplo d'esse desbragamento de linguagem, nunca praticado em Portugal, contra Ministros te Chefe de Estado.
Para prová-lo, lê o orador á Camara trechos de artigos de jornaes franceses, em relação ao actual Ministro Clémenceau e aos Presidentes Loubet e Fallières, artigos esses publicados na Libre Parole, Autorité e Gaulois.
Lendo, porem, esses artigos, não quer o orador significar com isso ser apologista da linguagem injuriosa, diffamatoria e calumniosa nelles usada.
Não pensa assim, nem defende esses processos de imprensa, precisamente porque é um republicano, e, a seu ver, um republicano deve distinguir-se, em nome dos principios que professa, de todos os outros homens, pela delicadeza dos seus sentimentos e do seu procedimento.
Com a nova lei que se discute, a imprensa que vae ser perseguida e que vae soffrer será unica e exclusivamente a imprensa republicana. Essa perseguição á imprensa em Portugal tem-se feito de tal forma, tão violentamente, offendendo de tal maneira todos os principios da equidade que, em 1899, foi aprehendido no Porto um numero do jornal Voz Publica, o qual, da primeira á ultima linha, não continha senão transcrições do que os jornaes progressistas diziam; e foi apprehendido estando no poder um Governo progressista.
Para que servem as declarações de que não mais haverá apprehensão de jornaes, nem censura previa, se o Governo, amanhã, em nome da razão de Estado, ha de praticar essas violencias contra o que estabelece a Carta Constitucional, como as tem praticado sempre?
Não julgue a Camara que elle, orador, é defensor apaixonado, incondicional da imprensa e de tudo quanto nella se escreve; não; mas seja-lhe tambem permittido dizer que não comprehende ou, pelo menos, não se justifica o odio que, principalmente neste pais, costuma manifestar-se contra a imprensa.
No projecto que se discute encontra o orador um espirito inquisitorial e jesuitico, principalmente nos artigos 7.° e 10.° Tencionando falar ainda sobre o projecto, desde já previne que hoje muito pouco dirá acêrca das suas disposições, mas não pode deixar de salientar já que esses dois artigos o magoam profundamente com o seu aspecto, repete, inquisitorial e jesuitico.
Analysando esses dois artigos nota em seguida o orador que o cuidado com que este projecto foi elaborado foi principalmente para fazer ver os privilegios e immu-nidades do Rei; e como, depois d'elle ter declarado na abertura do Parlamento que era um mandatario do poder legislativo, o Governo teve o cuidado de tornar cada vez mais irresponsavel quem é o primeiro a vir dizer que não se considera nem irresponsavel, nem indiscutivel, nem sagrado, desde o momento em que se confessa mandatario.
Por sua parte o orador não acceita, nem vota qualquer lei de imprensa seja ella
qual for; rejeita todas as leis excepcionalmente feitas para a imprensa, sejam ellas as melhores; mas entende que o Codigo Penal, em materia de delictos de imprensa, deve obedecer á determinados principios:
1.° Um responsavel unico pelo que se escreve no jornal, ou seja o editor, ou o gerente, ou o director.
2.° Jury para todos os delictos de imprensa que se refiram a funccionarios publicos ou a representantes de qualquer poder do Estado.
3.° Que em offensas e crimes contra particulares o julgamento seja sem jury, em processo correccional.
São estes os principios que elle, orador, acceita em materia de lei de imprensa.
O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que está falando ha uma hora, tendo mais quinze minutos para concluir o seu discurso.
O Orador: - Quando vê esta nova lei de imprensa, e se recorda do discurso inflammado do Sr. Presidente do Conselho em defesa da liberdade, tem vontade de citar a doutrina de Luis Veuillot: á semelhança d'elle, tambem o Sr. Presidente do Conselho pedia liberdade quando não estava no poder, e hoje, que é forte, retira essa liberdade.
Terminando, o orador diz que o valor da liberdade do pensamento, de manifestação e de critica não se aprecia vindo citar muitas leis e fazer comparações entre a lei austriaca, francesa ou espanhola; avalia-se pelos factos. E quem quiser saber o que vale a liberdade de imprensa, e o que vale essa instituição, deve attentar no que se deu em França com o caso Dreyfus, em que ella passou por uma verdadeira revolução, devido unica e exclusivamente á liberdade de imprensa.
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Alvaro Pinheiro Chagas: - Sr. Presidente: começo por mandar para a mesa algumas emendas ao projecto em discussão.
As emendas são as seguintes:
(Leu).
Sr. Presidente: é a primeira vez que falo nesta Camara; e é tambem a primeira vez que nesta Camara, se estreia um defuncto.
Como V. Exa. sabe, eu tive a honra de fallecer hontem, dando-se o triste acontecimento immediatamente em seguida á declaração que fiz de que rejeitava a moção apresentada pelo Sr. Conde de Castro e Solla. Os representantes, nesta Camara, do sagrado tribunal que condemnou á morte todos aquelles que ousassem não considerar como abominavel este projecto de lei tomaram nota do meu nome e desde então deixei de existir, perdendo o direito ás amaveis felicitações de alguns dos meus illustres collegas, pelo meu anniversario natalicio, como perdi tambem o direito ao prazer de ser injuriado por outros, menos amaveis decerto, mas não menos illustres jornalistas. (Apoiados).
Não estranhe V. Exa. nem estranhe a Camara o facto de eu não fazer excepção alguma nesta classificação de
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illustres dada indistinctamente a todos os meus collegas na imprensa, nem se julgue que a classe jornalistica seja tão privilegiada que todos os seus membros, sem excepção, sejam illustres. Não, Sr. Presidente. Mas, segundo a affirmação d'aquelles que me condemnaram á morte, a imprensa tem passado o seu tempo a elevar mediocridades. Não fazendo pois excepção alguma nesta classificação de illustres, eu não faço mais do que proseguir no caminho seguido até agora pela imprensa, segundo a insuspeita opinião de muitos dos seus membros.
Eu não vou defender o projecto, porque por muito estranho que tal pareça ao publico o facto é que d'essa defesa se encarregaram os illustres Deputados da opposição e, com sinceridade o digo, desse encargo se teem desempenhado com extraordinario brilho e muito a nosso contento.
Nas suas discussões esses illustres Deputados, teem tratado de muitas cousas e apenas rapidamente se teem referido ao projecto em discussão e mesmo assim, quando a elle se referem, é apenas para lhe fazerem observações que no proprio projecto teem resposta e esclarecimento, como succedeu com o discurso do Sr. Alexandre Braga, ou para apresentar argumentos que, visando a atacá-lo, em sua defesa se transformam como succedeu com os discursos dos Srs. Moreira de Almeida e Mello Barreto. (Apoiados).
Não preciso pois de defender o projecto, mas não quero perder o ensejo de agradecer aos illustres Deputados, e nisto interpreto, por certo, os sentimentos da maioria e do Governo - a defesa que do projecto teem feito. E tanto maior motivo ha para o agradecimento, quanto, se não fossem esses discursos dos oradores da opposição, o publico ficaria desconhecendo a defesa do projecto, por terem resolvido os jornaes não publicar os discursos dos Deputados da maioria e dos membros do Governo.
Cumprido este dever de gratidão, eu vou passar a justificar as emendas que apresentei, explicando ao mesmo tempo por que motivos não considero nem deprimente, nem violenta, nem vexatoria para a imprensa, a responsabilidade do director do jornal, nos termos em que ella lhe é attribuida no artigo 7.° do projecto em discussão.
Effectivãmente, Sr. Presidente, a responsabilidade do director do jornal seria uma violencia, se lhe não fosse dada a liberdade de repudiar essa responsabilidade, quando em sua consciencia entenda que ella lhe não cabe.
O argumento que se tem apresentado é o de que o director não pode conhecer tudo que se publica no seu jornal e, portanto, não pode ter a responsabilidade do que não só não escreveu, como nem sequer leu antes de publicado.
Ora este argumento seria excellente se não houvesse a segunda parte do artigo 7.°
Eu sou director de um jornal, tenho a honra de dirigir o Diario Illustrado, que algumas vezes tem merecido aqui referencias amaveis e algumas tambem desagradaveis.
Muitas vezes apparecem nesse jornal locaes de que só tenho conhecimento depois de publicadas.
Se alguma d'essas locaes fosse querellada, estando em vigor a lei que se discute, eu entendo, em minha consciencia, que nem praticaria uma infamia, como disse o Sr. Mello Barreto, nem sequer uma incorrecção, como disse o Sr. João de Menezes, repudiando a responsabilidade d'ella, se no caso de a ter lido não tivesse autorizado a sua publicação.
E tambem não consideraria um sacrificio nem uma violencia o assumir, solidariamente com o autor, essa responsabilidade, quando a local fosse em termos que eu approvasse e aos quaes teria dado publicidade, mesmo que d'elles tivesse, tido conhecimento anterior.
Repudiando a responsabilidade do artigo que não teria consentido que fosse publicado, se antes o tivesse lido, eu pratico por acaso uma infamia como lhe chama o Sr. Mello Barreto?
É claro que não.
Procedo apenas com verdade e com lealdade, segundo a minha consciencia, e nem faço uma delação, nem mesmo tenho que dizer os motivos por que não publicaria a local.
Mas o que é mais curioso, Sr. Presidente, é que aquelles proprios que allegam contra este artigo 7.° do projecto o facto de não poder conhecer o director tudo quanto se publica no jornal, procedem ao mesmo tempo de maneira a demonstrar que é sua opinião que o director tem o poder de vigilancia necessario para evitar que no jornal se publique o que elle não queira publicar.
Refiro-me ao compromisso tomado, sob palavra de honra, pelos senhores directores de não consentirem nos seus jornaes, desde o artigo de fundo até os annuncios, qualquer referencia aos nomes ou actos d'aquelles que defendam esta lei de liberdade de imprensa.
Faço aos Srs. directores a justiça de acreditar que ellesa mais prezam o cumprimento de compromissos tem dados sob palavra de honra, do que o de deveres impostos pela lei, e por isso considero como contradição frisante, com os ataques que fazem ao artigo 7.° o compromisso que tomaram com respeito á pena de silencio.
Se os Srs. directores se consideram com o bastante poder de vigilancia no jornal para tomar esse compromisso, porque se não julgam tambem com o poder de vigilancia necessario para evitar que nos seus jornaes se injurie, se diffame, se calumnie, ou se commetta, emfim, qualquer abuso de liberdade de imprensa? E ainda mais, Sr. Presidente.
Esses Srs. directores quando por acaso no jornal se rompe esse famoso pacto do silencio, não hesitam em repudiar a responsabilidade da local em que se commetteu a falta, declarando no dia seguinte que a não teriam deixado publicar se a tivessem visto.
Porque hão de hesitar então em repudiar a responsabilidade nos casos previstos pela lei, e quando se dê tambem a circunstancia de não terem lido a local incriminada, e de não consentirem a sua publicação se a tivessem lido?
Seria meu desejo que se encontrasse um meio de conciliar as reclamações de parte da imprensa, neste ponto; embora as considere injustificadas, com o espirito e fins da lei em discussão, e desejava-o para ver assim satisfeitos desejos de collegas meus, entre os quaes muitos ha que estimo e considero. Não me parece porem que tal conciliação seja possivel, tanto mais que, sobre este assunto, são muito divergentes as opiniões dos proprios que protestam contra a lei.
Devo porem declarar que me opponho terminantemente a uma emenda, rejeitando-a e contra ella protestando com toda a energia: qualquer emenda que vise á continuação da entidade editor, tal como está na lei actualmente em vigor. E contra ella protesto por considerá-la deprimente e vergonhosa para a imprensa.
A responsabilidade do editor, e não a do director como pretende o Sr. João de Menezes, é que é uma verdadeira escola de mentira, pois que a primeira declaração que o editor faz sempre, é a de que não conhece o autor do escrito incriminado, quando aliás muito bem sabe quem elle é.
O unico argumento que se tem apresentado a favor do editor, responsavel é o do Sr. Dr. Pinto dos Santos, que justificou a responsabilidade do editor como uma defesa da imprensa contra os abusos de poderes mais fortes do que ella. Esse meio de defesa é até certo ponto desculpavel quando a imprensa, como na lei actual, está sujeita á influencia do poder executivo, de cujos abusos ella pode arrecear-se. Mas não é desculpavel quando, como na lei que se discute, a imprensa fica liberta da influencia do
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poder executivo, pela entrega de tudo o que lhe diga respeito, exclusivamente ao poder judicial.
Mas, Sr. Presidente, assim como não vejo violencia nem vexame no artigo 7.°, considero como injusto o artigo 8.° na parte que mantém ao director de jornal a responsabilidade civil, mesmo quando, pela declaração a que se refere o artigo 7.°, fique livre da responsabilidade criminal. Essa injustiça é flagrante e porque assim a considero é que apresentei a primeira emenda que nem preciso justificar.
A segunda emenda que eu apresentei é a relativa ao § 2.° do artigo 16.°, que diz respeito ás funcções do Ministerio Publico.
Não é razoavel que, prevalecendo em todas as circunstancias as deliberações da maioria dos deliberantes, se abra excepção para esta lei, e a opinião de um só delegado do Ministerio Publico vença a opinião de todos os outros, quando se trate de considerar como delicto de imprensa qualquer artigo ou local.
A terceira é relativa á substituição de redacção do artigo 15.° do projecto actual, pela do artigo 21.° da lei de 7 de julho de 1898. Por esse artigo do projecto actual, o jornalista estaria sendo constantemente vexado e incommodado por gente sem escrupulo, que não desgostaria de experimentar a possibilidade de alcançar indemnizações sem correr risco algum.
A quarta é para se eliminar no artigo 14.° as referencias á disposição do artigo 15.°.
A quinta é para substituir a palavra sob pela sobre. Simples erro de typographia.
Sr. Presidente: talvez por se tratar da minha estreia, tenho a impressão de que estou falando ha mais de uma hora e um quarto, apesar de só estar falando ha meia hora.
Mas, como entendo que todos se devem guiar pelas proprias impressões, termino, Sr. Presidente, para que me não fique a impressão de ter falado por mais tempo do que aquelle que me concede o regimento.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se as emendas mandadas para a mesa pelo Sr. Deputado que acaba de falar.
Propostas de emendas
Proponho as seguintes emendas ao projecto em discussão:
1.° Acrescentar ao § 1.° do artigo 8.° o seguinte: "mas d'elle fica isento o director ou redactor principal do jornal, se tiver repudiado a responsabilidade do impresso incriminado, nos termos da segunda parte do artigo anterior".
2.° Substituir a segunda parte do § 2.° do artigo 16.° pelo .seguinte: "mas o respectivo agente do Ministerio Publico só promoverá o competente processo crime, se a maioria dos delegados presentes votar nesse sentido".
3.º Substituir a redacção actual do artigo 15.° do projecto pela do artigo 21.° da lei, de 7 de julho de 1898.
4.° Eliminar no artigo 17.° as referencias á disposição do artigo 15.°
5.° No artigo 29.°susbtituir a palavra sobre pela palavra sob.
Acrescentar ás disposições geraes do projecto o preceito do artigo 15.° da lei de 7 de julho de 1898.
O Deputado, Alvaro Pinheiro Chagas.
São admitidas á discussão.
O Sr. Pedro Gaivão: - Manda para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que seja consultada a Camara sobre se deve ser prorogada a sessão até se votar o capitulo 2.° do projecto em discussão. = Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão.
Lido na mesa é approvado.
O Sr. Manuel Fratel: - É natural o requerimento que acaba de ser approvado; devia mesmo votar-se tudo, sendo approvado juntamente com este projecto, que é destinado, segundo diz o Governo, a assegurar a livre expressão do pensamento, a engrandecer a missão da imprensa, um outro projecto de lei de servidão. E se isso é necessario para o plano, tão nitidamente delineado pelo Chefe do Governo; se essas medidas são indispensaveis, para se tornar uma realidade o seu sonho de dominador absoluto d'esta nação, não haja, então, cerimonias porque a nação portuguesa está manifestamente nas melhores disposições de acceitar esse projecto.
Posto isto, seja lhe licito felicitar o Sr. Presidente do Conselho, pela facilidade com que; S. Exa. vae obtendo todos os seus triumphos governativos. O partido progressista está colligado, o commercio é lhe favoravel, o exercito e armada não são hostis, e quanto ao partido regenerador, esse pensou S. Exa. nos seus primeiros tempos de Governo annullá-lo, atacou-o vivamente nos seus jornaes, guerreou-o ferozmente nas eleições, feriu-o em muitos dos seus Correligionarios e tentou desacreditá-lo por todas as formas na opinião publica.
É verdade que isso foi no tempo em que franquistas e republicanos caçavam no mesmo terreno, e não agora.
O que resta? O grupo dos dissidentes progressistas, que é incontestavelmente uma poderosa força de combate na imprensa e no Parlamento, mas que manifestamente não lhe está em guerra aberta.
Restam tambem os republicanos.
Com esses vae travada a Juta, que já teve mais de um recontro, mas elles dispõem de muitos recursos, a ideia tem heroismos, abnegações, enthusiasmos e uma grande força de expansão.
O projecto em discussão é, dizem uns, para assegurar a livre expressão do pensamento e para nobilitar a imprensa, e de tal forma que o projecto diz - certamente por gracejo - que a maior liberdade não se comprehende, nem se sabe que possa haver em qualquer país civilizado.
Outros dizem que o projecto tem outro fim: o de assentar uma especie de espada de Damocles, para a questão dos adeantamentos. Será! Por sua parte, o orador apenas dirá que a mulher de Cesar não deve ser só honesta, deve tambem parecê-lo.
Na opinião d'elle, orador, esta lei que se discute, não só tem todas as medidas preventivas da lei anterior, mas tem tambem maior numero de medidas repressivas; e, depois de approvada, continuará a ter a apprehensão, tal como exactamente se encontrava na lei de 1898.
Os discursos que os illustres Deputados da maioria e o Sr. Ministro da Justiça proferiram, em defesa d'este projecto, e sobretudo do Sr. Martins de Carvalho, teem um lado comico. S. Exa. pegava numa lei regeneradora, por exemplo a de 1850; destacava d'ella uma das suas disposições; comparava-a com outra do projecto actual, e concluia que este era tanto ou mais liberal do que aquella lei. De outras vezes, tirava da lei dos anarchistas - uma lei de excepção - um qualquer artigo, comparava-o com outro da lei de imprensa, e concluia ser este mais liberal. E, assim, ficava demonstrado o caracter liberal do projecto.
Onde está, porem, esse caracter liberal?
Será quando no artigo 5.° incrimina um grande numero de factos que estão expurgados de muitas legislações modernas?
Será quando julga um crime, commettido por um estrangeiro, estabelecendo a penalidade de doze annos de expulsão do reino, se porventura não acreditar na infallibilidade do Papa?
Esta lei será liberal quando amplia ainda, mais a incriminação de certos factos, alem do que já estava na lei de 1898?
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SESSÃO N.° 6 DE 11 DE JANEIRO DE 1907 13
Será liberal quando, passando por cima do artigo 20.° da lei actual e do artigo 412.° do Codigo Penal, estabelece a disposição do § 3.° do artigo 5.°
Será liberal quando, no § 4.° do artigo 20.°, desprezando a doutrina dos artigos 22.° e 25.° do Codigo Penal sobre cumplices e impunidade d'elles, lança multas de 50$000 e 100$000 réis sobre os vendedores de jornaes?
Será liberal nas disposições dos artigos 7.° e 8.°, ou no § 5.°, quando tende a diminuir o mais possivel o funccionalismo do jury? Sê-lo-ha no artigo 11.°, acêrca da prescrição, que por esse artigo é elevada a dez annos, ao passo que até aqui era de um anno?
Será liberal o projecto quando impõe aos delegados do Ministerio Publico a obrigação de promover nos crimes de offensa contra Chefes de Estado e Governos de nações estrangeiras? Foi isso o que o Governo encontrou nos artigos 47.° e 60.° da lei de 1881? Ou encontrou mesmo na lei de 1866, segundo a qual, para o Ministerio Publico intervir, era necessario que houvesse uma reclamação e ainda mais, que houvesse qualquer reciprocidade?
É liberal quando sujeita o director do jornal, ou o autor de um artigo, ainda que elle diga não ter tido intuitoi dê offender alguem, ao martyrio que vem no artigo 18.° e que está em contraposição com o artigo 4.° da lei de 1898?
É liberal em todo o capitulo relativo ao processo, ou no artigo 37.°, que dá ao Governo a faculdade de apprehender os livros estrangeiros, e ao Ministro do Reino a faculdade de apprehender qualquer periodico?
Se nada d'isto é liberal, o que ha então de liberal em todo este projecto?
Diz-se que elle tem por fim nobilitar a imprensa. Entretanto o que se tem visto é que nenhum dos interessa dos o quer e todos os jornalistas contra elle protestam.
Analysando ainda detalhadamente outros artigos do projecto, comparando, as disposições nelle contidas com a lê de 1898, entende o orador que o valor da lei em discussão não se aquilata unicamente pelas medidas preventivas que nella se encontram, mas sobretudo pelas medidas repressivas nella incluidas, sendo para estranhar que, no anno de 1907, haja um Governo que apresente uma lei reaccionaria, retrograda, anti-civilizadora, como esta é, sobretudo nos seus artigos 5.° e 37.° É de estranhar que, nestas alturas, se faça uma lei com essas medidas inquisitoriaes, vexatorias e deprimentes para todos os jornalistas.
Embora não proponha emenda alguma, porque discorda absoluta e completamente de todo o projecto, desde o primeiro ao seu ultimo artigo, entretanto, se alguma alteração propusesse, seria para estabelecer o principio da reciprocidade, para que o Ministerio Publico só interviesse em casos de offensa a soberanos estrangeiros, quando houvesse reclamação, e quando estivesse estabelecido esse referido principio.
Antes de terminar, precisa o orador de ser esclarecido sobre um ponto.
Pelo projecto é prohibido censurar o Rei ou Regente do reino, por actos do Governo. Ora todos os actos do poder executivo são d& responsabilidade do Governo; e ha um grande numero de actos do poder moderador que hoje, pelos Actos Addicionaes de 1885 e 1896, são tambem da responsabilidade do Governo. Alguns ha, porem, que são privativos do Rei e que elle exerce sem responsabilidade dê especie alguma.
Nestas condições pergunta: se amanhã um jornalista escrever um artigo censurando o Rei sobre algumas d'essas attribuições por elle elle exercidas, pode cair sob a alçada d'esta lei?
E se o Rei negar a sancção a um projecto que lhe for apresentado, depois de approvado pelo poder legislativo, pode o jornalista escrever, censurando o Rei por negar a sancção? É isso que o orador não vê comprehendido nas disposições d'esta lei.
Concluindo, seja-lhe permittido accentuar mais uma nota do quanto este projecto é liberal, á maneira como o Sr. Presidente do Conselho entende a liberdade.
Refere-se á prescrição. Pela lei existente, combinada com o Codigo Penal, as contravenções prescrevem ao fim de um anno; agora, porem, por este projecto liberal estabelece-se o periodo de dois annos.
Nestas condições, o orador não felicita o illustre Deputado Sr. Teixeira de Abreu pela honra de ser relator d'este projecto, apesar de nelle se dizer que é um projecto da mais ampla liberdade; de tanta liberdade e que maior não se conhece que possa haver em países civilizados. Não felicita S. Exa. por isso, e só lhe deseja que, se alguma vez occupar as cadeiras do poder, não faça liberdades d'esta ordem.
(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).
O Sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se considera sufficientemente discutida a materia d'este capitulo do projecto em discussão. = O Deputado, Antonio Cabral.
Lê-se na mesa. Consultada a Camara, resolve affirmativamente.
Lê-se na mesa e é admittida a seguinte
Proposta de emenda
Proponho que no § 5.° do artigo 2.° do projecto n.° 33, entre as palavras "neste artigo" "prendendo e remettendo", se addite o seguinte: "e bem assim aquelles em que houver offensa a Chefes de Estado estrangeiro, quando estes se encontrem no reino".= O Deputado, Paulo Cancella.
O Sr. Presidente: - Tendo sido approvado o requerimento do Sr. Antonio Cabral, vae ler-se, para ser votada, a moção do Sr. Jayme de Sousa.
Moção
A Camara, reconhecendo que o projecto de lei em discussão representa apenas um expediente politico de occasião e mais uma mystificação do Governo, o qual, tendo promettido trazer ao Parlamento uma lei liberal, apresenta de facto uma lei liberticida e de coacção á imprensa; reconhecendo que, era deploravel contravenção de um principio geralmente adoptado, a classe jornalistica, por todos os titulos tão digna da mais elevada consideração, não foi consultada nem attendida na sua confecção, reenvia o projecto á commissão, a fim de ser estudado e refundido devidamente e em conformidade com as revindicações liberaes, sim, mas de todo o ponto sensatas e razoaveis d'essa classe, e passa á ordem do dia. = Jayme de Sousa.
Lida na mesa, é rejeitada.
É approvada a emenda do Sr. Paulo Cancella.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se, para serem votadas, as emendas mandadas para a mesa pelo Sr. Alvaro Chagras.
Lidas na mesa são approvadas.
O Sr. Teixeira de Abreu (relator): - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que as emendas sejam enviadas á commissão. = Teixeira de Abreu.
Lido na mesa, é approvado.
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O Sr. Presidente: - Annuncia que vae ler-se, para ser votado, o capitulo 2.°
Lê-se na mesa e é approvado.
O Sr. Presidente: - A proxima sessão é amanhã, 12, á hora regimental, sendo a ordem do dia a continuação da que vinha dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 7 horas e 5 minutos da noite.
Documentos enviados para a mesa nesta sessão
Da Associação Commercial e Industrial da Guarda, pedindo a extincção dos impostos do real de agua e do consumo.
Apresentada pelo Sr. Deputado Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos e enviada á commissão de administração publica.
Dos professores do Lyceu de Castello Branco, adherindo á representação dos seus collegas do Lyceu de Santarem para que seja posta em vigor a disposição do § 2.° do artigo 8.° do actual regime de instrucção secundaria.
Apresentada pelo Sr. Deputado Conde de Penha Garcia e enviada á commissão de fazenda.
Da commissão delegada de diversos representantes das associações do classe dos trabalhadores da imprensa, compositores e impressores typographicos, pedindo o descanso dominical obrigatorio para todos os trabalhadores da imprensa.
Foi enviada á commissão de legislação civil.
O REDACTOR = Arthur Brandão.