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pouco tempo, e ninguem de certo quererá para aqui o que se fez na Polonia (apoiados). Nós queremos que se faça justiça igual a todos; e tanto deve importar ao legislador que se trate do mais elevado como do miserrimo dos cidadãos.

Justiça a todos! Na policia correccional ou no jury, mas justiça igual para todos! (Apoiados.)

O illustre escriptor tambem se não lembrou de que a injuria ou diffamação verbal feita ao funccionario publico podia ter os mesmos intuitos e os mesmos fins que a jornalistica, e se viu, como não podia deixar de ver, a paridade não se lembrou de a consignar.

Pois esta paridade achou justiça nos redactores do nosso codigo penal apesar de elle não ser um monumento de liberdade.

Continua o argumento: Quando o poder publico é aggredido pela imprensa, está do lado d'ella a sociedade. O illustre escriptor confunde a imprensa com o jornal, e o jornalista com a sociedade (apoiados). Eu não comprehendo; e na profundidade da minha cegueira chego a acreditar que ninguem entendeu.

Hontem o sr. ministro da justiça, hoje o sr. Sant'Anna, referiram-se ao que succedera com Washington, que tendo sido esmagado pela imprensa de um paiz, determinou ir descansar de trabalhos e ingratidões, no remanso do seu lar e da sua familia. A sua viagem foi um triumpho esplendido e a mais eloquente resposta a uma imprensa ingrata e facciosa. Tirae-me a conclusão logica d'este facto. Se Washington n'essa occasião chamasse a juizo os jornalistas que o tinham coberto de aleives, que representavam esses jornalistas? A sociedade? Mas a sociedade abria os braços á victima, coroava a de flores, tapetava-lhe o chão com os seus mantos. Por fim de contas havia ainda quem dissesse que aquella imprensa era echo da opinião publica, e que, uma vez no banco dos réus aquelles jornalistas, era justo que a sociedade interviesse em seu favor?

Ora diga-se em boa verdade: Pois nós precisâmos, para chegarmos aos nossos intuitos, ás consequencias que queremos tirar da manutenção da liberdade de imprensa; precisâmos, digo, de soccorrer-nos para esse fim a estes exageros? a estes subterfugios... Eu ía a dar-lhe um epitheto que não é bem parlamentar.

Respeito muito Laboulaye, e realmente elle estaria a estas horas a sorrir-se se podesse ver uma insignificancia como eu desfiando o seu argumento; mas creia v. ex.ª que se elle estivesse presente, eu com a mesma constancia com que o faço perante os illustres deputados que o adoptaram, o faria perante elle.

Uma voz: — Não é só elle, outros publicistas dizem o mesmo.

O Orador: — Pois eu irei tambem aos outros.

Se a sociedade estivesse representada nos jornalistas, sabe v. ex.ª as consequencias a que chegavamos? Chegavamos, por exemplo: a que as idéas revolucionarias, as idéas mais avançadas de 1790 tinham morrido todas com a execução de Saint Just e de Robespierre, e ellas sobreviveram-lhes e continuaram, se é que ainda não continuam, a agitar a França; chegavamos á consequencia de que as idéas liberaes moderadas d'esse tempo tinham caminhado para a guilhotina no carro dos girondinos, e ellas tiveram depois a sua epocha de triumphos; chegavamos á consequencia de que as glorias da republica e do imperio tinham sido julgadas e fuziladas com o principe de Moskowa, e ellas foram depois acompanhar o proscripto até aos rochedos de Santa Helena, e ainda hoje sobredoiram as modernas glorias da França.

Ser julgada, morrer assim uma nação na pessoa de um homem; amesquinhar-se o que é tão grande até á entidade de um jornalista, per maior que elle seja, não é possivel! (Vozes: — Muito bem.)

Sabe v. ex.ª mais o que tinhamos de acreditar? É que a liberdade tinha morrido entre nós com o seu primeiro representante, que foi Gomes Freire; era de acreditar que ella morrêra enforcada em 1817 ao pé da Torre de S. Julião da Barra.

O sr. Santos e Silva: — Resuscitou depois.

O Orador: — Se formos seguir a opinião do meu illustre amigo havemos de achar muitos Lazaros, havemos de fazer muitos milagres dos que só Christo fazia; por fim de contas matâmos para resuscitar, e n'este caso é melhor não termos o repellente e cruente espectaculo da morte (Vozes: — Muito bem.)

Mas, mr. Collard dizia ainda mais, dizia-nos que = com o réu estava sentada no tribunal a liberdade; e que a sentença que nos parecia insignificante, imposta ao réu, era muitas vezes a pena capital imposta á liberdade! = Mas, sr. presidente, o réu póde estar criminoso; se o é, como apropriar-lhe a liberdade? Como imaginou este homem liberal, e os liberaes que lançam mão do seu argumento, que a liberdade póde estar sentada no banco dos réus? N'este caso é preciso fazer a liberdade complice com o criminoso! Era o mesmo que dizermos que a religião e não o fanatismo tinha produzido a noite de S. Bartholomeu em França; e que Jesus Christo em pessoa tinha soprado as fogueiras do santo officio.

A liberdade é como a Divindade. Póde ter sacerdotes ignobeis e simoniacos, mas ella não se rebaixa ao crime (apoiados), a liberdade é sempre immaculada; sejam quaes forem os desvios dos seus ministros. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.) Nem ella deve descer, nem desce os degraus do seu altar. (Vozes: — Muito bem.)

Mas se a sociedade se senta nos bancos dos réus, porque se quer então que o jury seja o seu juiz? Sabe v. ex.ª por que? É Fiévè quem responde: «Porque n'este caso o jury representa não a opinião publica, mas a propria sociedade que vem intervir no julgamento!!!» Como se constitue este tribunal?.. Nós temos de um lado o auctor, e temos de outro lado o réu, mas o réu é juiz ao mesmo tempo!! (Vozes: — Muito bem.) Que garantia temos nós de justiça, pois que a sociedade está no banco dos réus e na cadeira de juiz?.. Aonde se viu isto?

Sr. presidente, veja-se a que absurdo chegámos. Eu quero o jury não o considerando senão como o juiz competente que vae julgar um réu, e não a sociedade que vae julgar-se a si mesma (apoiados); quero o jury, porque é um destacamento da sociedade, e a sociedade é a mais directamente interessada em que justiça se faça, e não em que se absolva ou condemne o réu (apoiados).

«Não basta que haja juizes para haver julgamentos», diz mr. de Vilelle; é verdade, mas tambem não basta que haja jury, é preciso que o tribunal de qualquer fórma constituido faça justiça.

«Se o juiz julgasse entre os poderes publicos e a imprensa, considerava-mo-l'o superior ao estado e á sociedade», diz Laboulaye.

Sr. presidente, quem entre nós sustentasse esta doutrina, desconheceria a constituição dos poderes do estado. O juiz no tribunal não o conhece, nem o estado no auctor, nem a sociedade no réu; afóra as denominações «auctor e réu», não conhece outros nomes, nem outras entidades; da mesma fórma que a um medico basta saber que tem ao pé de si um doente. O juiz portanto na hypothese em questão não é superior ao estado nem á sociedade; mas sentado na sua cadeira, tambem não é inferior nem ao estado nem á sociedade. É uma entidade independente, estranha ás categorias ou ás miserias que o cercam; interprete da lei, e sacerdote da lei, que é só o que conhece superior a si.

Eu sinto que o meu illustre amigo o sr. Santos e Silva, fallasse com ar de tanto susto na tyrannia do tribunal commercial...

(Interrupção que não se ouviu.)

A idéa foi esta; as palavras estas tambem, pouco mais ou menos. Quiz mesmo mostrar que o juiz não era por tal fórma independente que podesse dar todas as garantias que a justiça requer...

(Interrupção do sr. Santos e Silva.)

Deixemo-nos d'essas desconfianças, porque nós não podemos, nem devemos, fazer obra sobre desconfianças.

Ao contrario, à base das leis não póde deixar de ser de um lado a justiça e do outro a confiança nos poderes constituidos. Dêmos força de opinião aos poderes publicos em vez de lh'a tirar; fazemos com isso mais serviços á liberdade.

V. ex.ª e a camara sabem, que a historia de todos os paizes tem consagrado em letras de oiro os serviços de toda a ordem que devem á firmeza da magistratura judicial.

O proprio Laboulaye, fallando da magistratura franceza, diz que na occasião em que todos os poderes e auctoridades se curvavam ao mando irresistivel do rei, a unica corporação que se apresentava sempre firme e digna, longe das bajulações do paço, era a magistratura judicial.

Mas escusâmos de appellar para a historia estrangeira, porque tambem a temos nossa e muito honrosa (apoiados).

O que vemos nós quando o despotismo se prepara para esmagar a liberdade, ou quando a licença desenfreada quer nos seus furores sanguinarios esmagar a paz, a ordem, a ventura, a propria liberdade que reage contra os seus excessos? Soccorrem-se ao tribunal regular, á justiça constituida? Não! arvoram-se então os tremendos tribunaes militares, levantam-se os tribunaes de sangue!

Já v. ex.ª vê que não ha tanto a temer da influencia do poder sobre os juizes como muita gente finge.

Eu sei que se me póde responder, que a influencia do nosso poder judicial é differente da que se dá n'outros paizes, e da que se deu, por exemplo, em França com o parlamento. Que a inamovibilidade dos nossos juizes não é a mesma que a dos juizes de outros paizes. Sei que ha as transferencias, e tambem conheço os argumentos que d'ahi se podem deduzir; mas lembra-me a proposito o dito de Napoleão III, no tempo em que ainda não era Napoleão III, mas simplesmente Luiz Napoleão. Tentou elle, como unico meio de entrar em França, promover revoluções, e todos sabem que elle passou muitos annos a conspirar. Na ultima revolta é preso, julgado e sentenciado. E sabe v. ex.ª a que? A prisão perpetua. No momento em que se acabava de ler a sentença, Luiz Napoleão levanta-se e pergunta a um dos espectadores: «Tem a bondade de me dizer quantos annos dura a perpetuidade em França?» (Riso.)

Ora eu adoptando o dito d'este grande homem, pergunto a v. ex.ª, e pergunto á camara, quanto tempo duram os ministerios em Portugal? (Apoiados.) Sabe v. ex.ª onde quero chegar? É a que o juiz que hoje não fizer a vontade á politica dominante tem quasi a certeza de que ámanhã ou depois os seus amigos estão no poder. Levada a questão ás conveniencias individuaes dos juizes, digo a v. ex.ª que a estrategia mais segura de o juiz conseguir os seus fins é deixar de obedecer aos ministros de hoje para lhe ficarem amigos os ministros de ámanhã. Por consequencia não sei que medo possa haver de influencia do poder sobre os juizes. Pela minha parte conheço muitos dos illustres membros do corpo judiciario, e não tenho a menor duvida de entregar á consciencia d'elles a minha pessoa, a minha honra, a minha propriedade (apoiados). Esta é a verdade, e apraz-me fazer esta declaração sincera como testemunho insuspeito da consideração que tributo ao poder judiciario.

«Quem julgar a imprensa, diz Camillo Jourdain, possui-la-ha». Mas o que é a imprensa? A imprensa, tenho ouvido dizer, é a opinião, e a opinião reage contra todas as peias que se lhe queiram impor. (Interrupções que não se perceberam.)

Primeiro que tudo não comprehendo que a opinião possa ser possuida por ninguem. Este acto possessivo não sei como Camillo Jourdain o escogitou.

Apesar de Napoleão I ter na sua mão todos os fios da governação publica, e, por consequencia, o julgamento da imprensa, sabe v. ex.ª o que aconteceu quando elle teve de fugir da Russia acossado pelas tempestades do céu e da desdita? Quiz acoutar-se sob um tecto hospitaleiro e buscou o da opinião da França; achou a porta fechada. D'ali a Fontainebleau foi um passo, e de Fontainebleau ao destino foi outro.

Mas a opinião, dizem, é a luz, e a luz é imponderavel! Que physico ou chimico lhe conseguiu já roubar de dia alguns raios para seu uso nocturno?

A opinião, dizem ainda, é a verdade; mas a verdade que força a algemou jámais? Dizei-me se a prenderam nos labios condemnados de Galileu! Dizei-me se a verdade do christianismo expirou com os martyres diante do poder dos seus juizes, ou se ella não sobreviveu á cruenta execução do calvario!

Sr. presidente, tenho mostrado, creio, que as doutrinas sobre que os illustres impugnadores do projecto assentam, conclusões, que eu aliás aceito, são destituidas de verdade; o que prova que, para chegar ás mais liberaes illações, não precisâmos de encarecer e exagerar as premissas, nem de deprimir instituições que por mais de um titulo se recommendam ao nosso respeito.

N'esta questão disse eu, e repito ainda, os principios liberaes bem proclamados e bem apontados são mais do que a propria lei. Cerquemo-la d'este cortejo liberal; expliquemos bem os seus intuitos; e como a discussão é fonte de interpretação, não hajamos receio de que a vão entender no fôro, no sentido tyrannico.

Como se tratava de consignação de principios, entendi que era do meu dever deixar consignados os meus. Ahi ficam.

Eu aceito o jury para todos os delictos da imprensa, mas queria tambem o jury para todos os delictos identicos commettidos por particulares.

Não ha motivo para conceder um privilegio a favor da imprensa.

Venha o jury para todos, e aceito-o. O que não aceito é a excepção a favor de ninguem.

A questão da imprensa é grande, é vastissima, e eu sinto que ella não seja tratada na maxima extensão que lhe compete. Andar em torno de um ou outro artigo da lei, deixando-se a complexidade das questões que a da imprensa envolve, parece-me que é amesquinha-la.

O sr. Mendes Leal: — Apoiado.

O Orador: — A questão da imprensa, diz Jules Simon, é a questão fundamental, a liberdade das liberdades, a garantia das garantias, e eu sinto, repito-o, que nós a consideremos simplesmente em dois ou tres pontos secundarios, e não concedamos maior latitude áquillo que a está esperando e pedindo.

Tomo poucas vezes a palavra, tomo-a só quando a minha obrigação m'o impõe, e v. ex.ª póde dar o testemunho d'isto. Não quero pois deixar passar esta occasião sem dizer que na complexidade d'esta questão entra essencialmente a questão da instrucção publica, especialmente a da instrucção primaria, e peço aos nobres ministros e peço á camara dos senhores deputados que olhe por ella.

Um escriptor, Alexis de Tocqueville, disse um dia que a melhor maneira de obstar aos desvairamentos da imprensa era o alargamento da imprensa; referiu o que acontecia nos Estados Unidos, aonde a imprensa tinha um grande desenvolvimento, attribuindo este progresso á legislação liberrima que lhe regulava o exercicio.

Tocqueville disse a verdade, mas não disse senão uma verdade; faltou-lhe dizer que ali se gastam muitos milhões com a instrucção publica e especialmente com a instrucção primaria. A legislação liberal faz jornaes, a instrucção primaria faz leitores. Se não se abraçarem ambas, qualquer dos esforços é de per si só incompleto.

É ainda no programma do partido liberal, se não me engano, que se diz: Na comparação entre o que se gasta com os exercitos e o que se gasta com a educação, a liberdade que é toda pela instrucção, que lavrou a sentença de morte de direito aos exercitos, tem de cobrir a cara de vergonha.

Comprehendo que estamos n'uma epocha em que não podemos prescindir da força publica, existe pois a força publica e os exercitos; mas não os quero mais considerados do que a instrucção.

A instrucção publica é irmã congenita da liberdade; os exercitos existem em todos os paizes liberaes, mas são um morgado; um privilegio, uma necessidade emfim de tempos anormaes em paizes livres, isto é, que não fazem da força, mas da opinião, o seu elemento de vida.

Desejo pois que os poderes publicos cortem por essa despeza, que um dia será improductiva; cortem quanto podérem, a exemplo do que se está fazendo em outros paizes, e dêem mais consideração e alento á escola.

Os exercitos são o passado, a escola é o futuro. Julgue entre elles o progresso.

Eu desejava fazer bem mais largas considerações a este respeito, mas temo offender algumas susceptibilidades, e reparei que no principio do meu discurso algumas phrases que soltei foram tomadas á conta de aggressão. O meu caracter e os meus habitos parece-me serem bastante conhecidos dos meus collegas, para acreditarem que ainda quando podesse haver exageração nas palavras, não a havia nas intenções (muitos apoiados).

O sr. ministro da justiça já explicou qual foi a idéa do governo na apresentação d'esta proposta, e eu julgo ter explicado os principios em que assentou o parecer da commissão.

O nosso intuito resume-se n'isto: a imprensa é luz?