O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

177

Discurso que devia ser transcripto a pag. 106, col. 1.ª, lin. 80.ª no Diario de Lisboa, na sessão de 12 de janeiro

O sr. Mártens Ferrão: — Sr. presidente, não me levanto para impugnar o projecto na sua totalidade. Estou convencido da necessidade que ha de fazer, uma lei regulamentar d'esta materia, de maneira que haja um plano certo e determinado de estradas municipaes, e uma exacta fiscalisação dos trabalhos; mas pedi a palavra porque, havendo na lei disposições que eu aceito, com as quaes concordo e julgo muito uteis, ha outras, ou ha na sua economia alguns principios que creio inconvenientes e inadmissíveis. O ponto fundamental n'uma materia d'esta ordem, que é o respeito pela autonomia municipal sempre que se trata de regular attribuições que lhe pertencem, vejo eu que é ferido por este projecto de lei (apoiados). A emenda ou a reforma porém n'esta parte será facil, e é a este fim que eu me proponho.

Eu vejo que este projecto foi elaborado sobre a lei franceza de 21 de maio de 1836, e que é em grande parte copia textual das suas disposições; não o digo como censura; é aquella uma lei que tem dado em França uteis resultados, parte das suas disposições por isso podem ser utilmente aproveitadas entre nós, porque tem a seu favor a experiencia e a pratica de um grande paiz. Mas o projecto que se discute, se em grande parte das suas disposições organicas é uma copia d'aquella lei, em outras afasta se d'ella respeitando menos do que ali se faz a autonomia municipal, porque passa para a mão do poder central o que entre nós, e ainda mesmo em França, é attribuição municipal, e ligado com a vida da municipalidade. A direcção, a disposição e a execução em toda a materia de estradas municipaes passa para uma commissão delegada do governo e a elle completamente subordinada. E este o principal inconveniente da lei, emendado este teremos uma boa lei. É certo que n'esta materia se podem seguir differentes systemas; pôde seguir-se como systema respeitar a individualidade municipal; e pôde seguir se um systema mixto, como, por exemplo, é o francez, em que se não pôde dizer que seja tudo entregue ao municipio; e pôde seguir-se o systema hespanhol, que centralisou completamente no governo as attribuições municipaes a este respeito. Este systema não o julgo conveniente. Entendo que a municipalidade é um elemento summamente importante, que convem desenvolver e não afrouxar. E certo que está entre nós eivado com erros que é necessario destruir, mas destruir conservando á municipalidade a sua autonomia (apoiados).

O elemento municipal foi em outro tempo a salvaguarda da liberdade e ha de continuar a sê-lo, se lhe reconhecerem os seus fóros, se respeitarem a sua vida e a sua independencia de seculos! (Apoiados.) Este resultado ha de conseguir-se, se em todos os passos da administração se tiver este fim em vista, e em vez de commetter invasões n'este antigo baluarte da liberdade dos povos, successivamente se forem libertando os seus fóros, fazendo figurar o municipio no grande desenvolvimento que a administração tem successivamente por toda a parte.

Este projecto, que em grande parte das suas disposições é util e ha de dar bons resultados, tem todavia os inconvenientes que acabo de apontar e que é necessario eliminar d'elle. Na legislação franceza, que o projecto teve em vista, fez-se a divisão das estradas municipaes em estradas municipaes de grande e de pequena communicação, o que corresponde á classificação do projecto em estradas municipaes de 1.ª classe e estradas municipaes de 2.ª classe. São estradas municipaes de 1.ª classe as que ligam concelhos a concelhos, que passam mesmo de concelho a concelho, ou que são as arterias do seu maior commercio e communicação. As de 2.ª classe ou de pequena communicação são os restantes.

Foi só para estes que aquella lei legislou. As outras estradas municipaes de 2.ª classe, estradas meramente internas do concelho, ficaram sujeitas á legislação anteriormente estabelecida; mas este projecto de lei, que toma por base a legislação franceza, generalisa ás estradas de 2.ª classe tudo quanto ali se encontra em relação ás de 1.ª classe. Isto é inconveniente, porque eu creio que conviria fazer e seguir aquella mesma ordem, e estabelecer distincção entre umas e outras. O principal inconveniente porém que eu noto está na organisação da commissão de viação municipal, para a qual passam as mais principaes attribuições deliberativas e executivas da municipalidade em relação á viação. Aquellas commissões são meras delegações do poder central ou do governo. É o que diz o artigo 3.° do projecto: «Organisar-se-ha em cada districto administrativo uma commissão que se denominará de viação municipal, composta do governador civil, presidente, do director das obras publicas, do inspector e de mais dois membros eleitos de dois em dois annos pela junta geral de districto». É para esta commissão que passam todas as attribuições municipaes mais importantes sobre este ramo de serviço municipal. Fica-lhe pretencendo a classificação das estradas municipaes de ambas as classes; a inspecção e fiscalisação de todas as obras de viação executadas por administração ou por empreitada; a approvação de todos os projectos de obras respectivas á viação; a determinação annual em vista dos orçamentos e recursos das camaras municipaes e do estado das estradas, das obras a fazer no seguinte anno, e propor as providencias que julgar convenientes a bem d'este serviço.

Em tudo isto as camaras municipaes só são ouvidas para poderem reclamar para o governo! Ha mais. Quando o governo julgue conveniente classificar como estrada municipal alguma das estradas reaes ou de 1.ª ordem já existentes, ouvirá as camaras municipaes interessadas e a respectiva commissão de viação, ficando definitiva a classificação que o governo decretar. Quando se trata das empreitadas tambem as attribuições camararias passam para a commissão central, ficando sujeitas as condições do contrato e a fórma da licitação e concurso á approvação da commissão.

Por outra parte a classificação provisoria tambem é tirada ás camaras municipaes, e passa para o governador civil com o auxilio do pessoal technico das obras publicas. E o artigo 2.° do projecto. O governador civil com o referido pessoal procederá á formação provisoria do plano geral de estradas municipaes, e á sua classificação. N'esse plano provisorio deverá designar-se a directriz, as larguras, a extensão approximada e a designação dos municipios que devem concorrer para a feitura e conservação de cada uma d'ellas. As camaras são simplesmente ouvidas.

Do que fica extractado vê-se que tudo quanto respeita á viação municipal, ou seja como trabalho preparatorio, ou como definitiva deliberação, passa para as mãos do governo, e isto em ambas as classes de estradas, ficando as municipalidades privadas d'este elemento indispensavel para a sua autonomia (apoiados).

A commissão de viação municipal, para a qual passam todas as attribuições já referidas, não é outra cousa mais do que uma commissão do governo central composta na sua maioria, como é, de commissionados do governo, amoviveis em tudo e por tudo, tendo ali as localidades representação propria apenas por dois vogaes eleitos pela junta geral de districto, o que é uma verdadeira minoria. E ainda assim todos os negocios podem subir ao governo em recurso. E ainda o governo quem, quando quizer, pôde passar para cargo das municipalidades as estradas reaes que entender. A autonomia municipal desapparece assim d'este vacuo importante das suas antigas attribuições. Eu concordo em que se estabeleça a interferencia do pessoal technico; em que se exerça uma severa e illustrada fiscalisação; em que os planos sejam approvados por engenheiros; mas não desejo que a titulos d'estas necessarias reformas se vão tirar ás municipalidades as suas attribuições de administração local e livre. Reformar não é centralisar ou aniquilar. Na legislação franceza, que o projecto teve em vista, seguiu-se um caminho differente, a municipalidade foi ali respeitada. Dentre as estradas municipaes já classificadas como taes pelas communas, a designação das que são de grande communicação pertence ali ao conselho geral de departamento, pelo decreto do chefe do departamento, isto é, do prefeito, e sabem todos que ali os concelhos departamentaes correspondem, pouco mais ou menos, ás nossas juntas geraes de districto, que, n'este projecto, não são aqui mandadas ouvir; ali entra uma parte imposta da acção do poder central, para homologar a divisão do concelho geral, é o decreto do prefeito, como entra em outros ramos de administração, porque na França a tendencia é centralisadora, tem-se descentralisado, mas é para os delegados da administração central, mas não é para a descentralisação do decreto de 1852. E hoje a opinião dos homens que se têem dado ao estudo illustrado da administração tende toda para se dar mais autonomia ás municipalidades (apoiados), pelas grandes vantagens que d'ahi resultam, não só á administração, mas ainda para a verdadeira politica que deve interessar o paiz (apoiados); mas ainda ali se vê, que toda a administração das estradas de 2.ª classe é confiada ás municipalidades; no projecto porém, pelo artigo 3.°, passam todas essas attribuições directamente para as mãos do governo, porque passam para a commissão que é uma verdadeira dependencia do poder central. Isto é um defeito grave no projecto, mas defeito que pôde ser emendado, e é a esse fim que tendem as minhas observações, porque desejo que este projecto se converta em lei convenientemente melhorado, para assim termos uma boa lei de viação municipal.

Approvo o projecto na generalidade, combato a sua diversão centralisadora em prejuizo das municipalidades, porque combato sempre quanto tender a tirar importancia ao municipio, e a centralisar nas mãos do governo a administração que, n'um bem combinado systema de administração publica, deva ser local.

Sou partidario do governo do paiz pelo paiz, estou persuadido que todas as tendencias da legislação devem ser nesta direcção; e por isso hei de sempre combater as disposições que a contrariem (apoiados). Não dou um voto que tenda a ferir ou aniquilar a autonomia local (apoiados). E aquella disposição do projecto, ligada com outras que se acham consignadas no projecto de administração publica que foi apresentado n'esta casa pelo governo, tira toda a força a esta entidade respeitavel (apoiados). Este cerceamento continuo e progressivo das attribuições locaes conduz a acabar com a importancia do municipio; e uma instituição sem importancia é uma instituição morta. É o que eu não quero que succeda entre nós á municipalidade. Eu vejo n'este projecto uma lei de imposto municipal, não me opponho a isso, maior imposto estão pagando os municipios em não terem meios de communicação que os liguem com as grandes arterias da viação do paiz. Não sei faltar á verdade que devo aos povos. Sem meios os municipios não podem occorrer de prompto ás necessidades da sua viação; mas não se pôde contestar que por este projecto, o imposto