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N.° 1)
SESSÃO DE 14 DE ABRIL DE 1860
presidência do sr. RART110LOMEU dos martyres dias e sousa
(José de Mello Gouveia
SECRETÁRIOS OS SRS.
(João Cardoso Ferraz de Miranda
Chamada—presentes 79 srs. deputados.
Entraram durante a sessão — os srs. Balduino, Coutinho e Vasconcellos, Correia Caldeira, Antonio Feio, Barros c Sá, Couto Monteiro, Rodrigues Sampaio, Sousa Azevedo, -Xavier da Silva, Garcez, Ferrcri, Cláudio José Nunes, conde da Torre, Faustino da Gama, Mousinho de Albuquerque, Bivar, F. J. da Costa c Silva, Bicudo Correia, Posser, Magalhães Lacerda, Pereira dc Carvalho c Abreu, Gomes dc Castro, Ferraz dc Miranda, Sousa Machado, Mamede, Pinto dc Magalhães, Lobo d'Avila, Silva Cabral, José llorla, Teixeira de Sampaio Júnior, Rocha Peixoto, Azevedo Pinto, Monteiro Castello Branco, Moraes Soares, Thomas de Carvalho c Blanc (Viriato.)
Não compareceram — os srs. Braamcamp, Lacerda ("Antonio), Azevedo c Cunha, Dias dc Azevedo, Dias da Silva, Secco, Arrobas, Pequito, Pinlo de Albuquerque, Lopes Branco, Antonio dc Serpa, Carlos Bento, Pinlo Coelho, Silva Cunha, Barroso, Paiva Pinto, Gavieho, Soares Franco, Blanc (Hermenegildo), Mello c Minas, Sousa Pinto Baslo, Guilherme Pacheco, Figueiredo dc Faria, ,1. M. dc Abreu, Casal Ribeiro, Lacerda (D. José), Rojão, Silveira c Menezes, Rebello da Silva, Almeida Júnior, marquez dc Sousa Holslein, Plácido dc Abreu, Silveira Moniz e Ferrer.
Abertura—aos tres quartos de hora da tarde. Acta — approvada.
CORRESPONDÊNCIA
OFFICIOS
1,°—Da camara dos dignos pares, acompanhando uma proposla de lei, applicando as disposições da carta de lei de 17 de julho de 1853 aos officiaes do exercito e da armada que estiveram homisiados, degradados presos ou deportados desde o 1.° de março de 1828 alé 31 de maio de 1834.
Foi á commissão de guerra
2."—Do ministério da marinha, remetlcndo a copia do officio de 15 de março ultimo, acompanhado dos documentos juntos, em que o governador geral da provincia de Cabo Verde dá conla das occorreneias que liveram logar por occasião da eleição de um deputado pelo circulo de Sotavento.
Ficaram sobre a mesa para poderem ser examinados.
REPRESENTAÇÕES
1." — Da camara municipal de Mondim dc Basto, pedindo que se approve a eslrada de Braga a Chaves com a directriz que se acba contratada.
Foi á commissão de obras publicas. Vol. Hl—Abbil—1860.
2." — Da camara municipal e habitantes de Campo Maior, pedindo a approvação do caminho dc ferro de lesle conforme o traçado que foi contratado.
Foi à mesma commissão,
3.' — De Agostinho José Gonçalves, pedindo que se lhe mande pagar os vencimentos que sc lhe devem. Foi á commissão de petições.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
REQUERIMENTOS
1." — Requeiro que, pelo ministério das obras publicas, se mc declare, sc já estão feitos os estudos sobre a eslrada de Arouca a Oliveira de Azeméis; no caso afiirmalivo, se elles estão feitos com as condições de por elles se fazer obra, ou se é necessário proceder-sc a novos estudos, e finalmente qual é a somma despendida com bs estudos feitos. =- Telles dc Vasconcellos.
2.°—Requeiro ser informado, pelo ministério das obras publicas, sobre o estado em que estão os trabalhos na estrada de Lamego a Vizeu, e as circumstancias que sc têem dado para que esta estrada não lenha tido o desenvolvimento que as relações cnlre as duas cidades reclamam. = 7Ví/m de Vasconcellos.
3."— Requeiro que a commissão de petições tenha em consideração as petições e representações dirigidas á camara pelos porteiros dos lyceus, e que devem estar archivadasna secretaria, nas quaes pedem o augmenlo de ordenado. = Telles de Vasconcellos.
Foram remettidos ao governo.
NOTA DE INTERPELLAÇÃO
Requeiro para ser inscriplo, a fim de lomar parte na interpellação annunciada ao sr. minislro das obras publicas pelo sr. Furtado c mais alguns srs. deputados, acerca da directriz da estrada de Coimbra á Foz do Ceira.—O deputado por Arganil, J. Dias Ferreira.
Mandou-se faser a communicação.
SEGUNDAS LEITURAS
PROJECTO DE LEI
Senhores: — Se os povos têem em si os elementos para poder constituir-se em municipio, se a vida d'aquelles a quem se acham ligados não é alterada com a sua desannexação, se
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essa separarão é aconselhada pela cuuimodidade dos povos e pela maior facilidade na sua adminislração, c se alem d'islo a natureza se oppõe á sua união separando-os por uma distancia de qualro, cinco e sele léguas, onde grossas serranias, cau-delosas ribeiras c escabroso raminho, tornam a communicação difficilima, c mesmo impossivei u'alguus mezes do anno, a lei que decretou o seu desligamento será alem de equitativa um acto de benéfica humanidade. N'estes termos venho propor-vos, senhores, a reconstrucção do exlincto concelho de Aljegur, que actualmente faz parlo do concelho dc Lagos; e por que os povos da freguezia da Bordeira sc acham muito mais próximos da villa de Aljegur c nas mesmas condições de inconveniência a respeilo de Lagos que as d'esta villa têem encontrado na sua annexação, cu nào posso deixar de propor-vos lambem que a freguezia da Bordeira fique fazendo parle do concelho dc Aljegur.
0 concelho de Lagos, ainda mesmo approvada a pi oposta que submelto á vossa illustrada apreciação, continuará sendo sem duvida um dos mais importantes concelhos do Algarve, pela população c riqueza de produclos de oito bellas freguezias que o licam constituindo, uma parte das quaes, e propriamente que devem considerar-se como celleiro d'aquella pitloresca provincia, era pertença do exlincto concelho da villa do Bispo, e lhe assegura uma vida sempre livre c independente.
Honrado com o mandato d'aquellcs povos, e vivendo ha annos entre elles, tenho podido estudar as suas necessidades e avaliar os tropeços que sc encontram em prover á sua administração e bem estar com a actual divisão administrativa; faltaria portanto ao meu dever se por estas e outras rasões que a vossa elevada inlelligencia supprirá, me não pcrmillisse a honra dc submetter á vossa approvação a seguinte proposla dc lei.
Artigo 1.° O exlincto concelho de Aljegur que actualmente faz parte do concelho de Lagos fica reconstruído.
Art. 2.* A freguezia da Bordeira que actualmente faz parle do concelho de Lagos fica pertencendo ao concelho dc Aljegur.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala das sessões da camara dos deputados, 13 de abril de 1860.¦=Joaquim José Coelho de Carvalho.
Foi admiltido e enviado á commissão dc estatística.
REQUERIMENTOS
1 ."--Requeiro que o governo lenha em considerarão a necessidade que ha de. se abrir unia estrada entre Penafiel c S. Pedro do Sul, entroncando na eslrada principiada cnlre Lamego c Vizeu, cortando o rio Paiva, c pondo em communicação os povos das margens do Paiva c Douro, situados entre estes tres pontos importantes___Telles dc Vasroncrllos.
2."— Requeiro que o governo tenha em consideração ,1 proposla feita por mim c pelo sr. ministro das obras publicas, no lempo em que era ministro o sr. Carlos Bento, para sc proceder a estudos para a conlimiação da estrada cnlre Arouca e Castro Daire. = Telles de Vasconcellos.
O sr. Presidente: — Chamo a allenção da camara sobre estes dois requerimentos. Devo prevenira camara de que estes requerimentos, Segundo as praticas seguidas c uma resolução da camara, não costumam ser expedidos sem primeiro serem admillidos, discutidos e approvados pela camara; e já sc entende que qualquer que seja a redacção que os srs. deputados lhe dêem sempre se faz a remessa para o governo, para os lomar na devida consideração, a fim dc evitar qualquer desaire que d'ahi possa provir; porlanlo fica entendido que sempre que sejam apresentados, a remessa ha de sc fazer pela mesa n'esles lermos. Mas antes dc tudo vou consultar a camara sobre se os admitte á discussão.
Foram admillidos.
O sr. Alves Martins: — Resulta da explicação que v. ex.' deu, que a resolução da camara a respeito rios requerimentos fica sem effeito; e c por isso que eu tenho sempre votado contra as rccomífiendáçõès do corpo legislativo ao governo.\A ca-
mara fica sempre n'uma situação desairosa recommendando ao governo que faço uma cousa que elle não pôde, ou não quer fazer; por conseguinte parece-me mais conveniente c curial que laes recommendações se nao façam. Todos os srs. deputados podem fazer requerimentos para o governo os lomar na consideração que. merecerem, isso enlendo eu; mas para isso bastava remette-los ao governo, mas intermediar entre a remessa da mesa ao governo uma approvação da camara, ou ella tem um effeito o não nos devemos desviar d'clla, ou não ler nenhum : se é só a remessa lá está a mesa, e a approvação da camara fica nulla. Ora a approvação da camara envolve um pedido ou uma ordem ao governo; e não é airosa para o governo nem para a camara haver essas ordens, nem a camara é eslação para mandar carias de recommendação ao governo.
A vista d'esla explicação qne v. ex.' deu e quecuappro-vo, parece-me conveniente que os requerimentos sejam remettidos ao governo, mas sem a approvação pela camara, c o governo os tomará na consideração que merecerem. Parece-me islo, a camara fará o que entender.
O sr. Mello Soares: — Sr. presidente, eu tenho sustentado n'esla casa que, em regra, as recommendações feitas pela camara ao governo cm assumptos da competência rio governo, dão em resultado uma de duas inconveniências: ou um pedido da camara desallendido, ou, o que não pôde ser, uma ordem, porque a camara não lem direilo dc dar ordens ao governo em materia da sua competência.
Mas esle negocio, sr. presidente, muda inteiramente de figura depois da explicarão que v. ex.' deu. O objecto proposto pelo meu nobre amigo o sr. Telles dc Vasconcellos é de summa imporlancia, e é de utilidade; e a camara, sanc-cionando a remessa dVsles requerimentos, não conipromelle a sua dignidade, porque fica dependendo do governo dar-lhes a altenção que merecerem, segundo a imporlancia do assumpto. Por conseguinte não ha inconveniente no que v. cx." judiciosamente propoz, para que sejam remettidos debaixo da deliberação da camara ao governo. Por consequência entendo que se podem approvar os requerimentos do illustre deputado c eu n'este sentido os approvo.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Sr. presidente, a queslão c dc regimento, e eu cslou com muito medo d'estas questões; entretanto permilla-mc o meu nobre amigo o sr. Alves Martins que cu lhe diga só uma cousa, e é que estes requerimentos sc lêem feito aqui muitas vezes, que a camara os tem votado e ninguem os tem impugnado. A intenção com queo fiz é como uma simples lembrança ao governo, que a tomará na consideração que entender; porlanlo c justo o sentido com que fiz estes requerimentos. S. ex." entendeu que era necessário para a boa direcção dos trabalhos que esles requerimentos fossem submettidos á deliberação da camara; islo não altera o sentido, e a camara resolva como quizer.
O sr. Presidente: — Então vou-os pôr á votação da assembléa, c fica esla resolução da camara servindo de norma para os casos idênticos que dc futuro se apresentem. Eu chamo a attenção da camara para o que vou dizer.
Ha uma disposição entre as disposições regimerilaes, que diz assim. (Leu.) ;
Em consequência d'islo eu fiz o meu dever, sujeitando primeiramente esles requerimentos á votarão da câmara; agora vejo que não é contrariada; fica-se entendendo que requerimentos d'esla ordem serão expedidos n'esles termos: para o governo os tomar na consideração que lhe merecerem, apesar dos lermos de redacção que os srs. deputados dêem aos seus requerimentos.
Assim se resolveu.
O sr. Freitas Branco: — Mando para a mesa dois projectos de lei para lerem segunda leitura.
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iriam, e successivamente algumas cartas particulares, cm que sc conlêem iguaes, sé não mais graves aceusações; contra o juiz de direilo de Arganil, nas quaes se pinla com cores bem tristes ò eslado desgraçado da administração da jusliça cm Arganil, e so reclamam medidas enérgicas e promplas para pôr um dique íí torrente dos males que assolam a comarca; instando-mc ao mesirio tempo para chamar a attenção do governo e da represenlacão nacional para o procedimento do juiz de direito d'aquella comarca; Respondi a estas exigências, mostrando a difficuldade da minha posição com relação áquélle funecionario, que n'csla qualidade me fez guerra crua nas eleições, guerra esta que me impunha o dever do silencio, para mc não arriscar a que a minha voz no parlamento fosse qualificada, anles como o desafogo de um despeito eleiloral, do que como a defeza de uma causa justa. Todavia as insistências porfiadas de meus constituintes obri-garam-"me a cortar por melindres c considerações pessoaes, para cumprir devidamente as obrigações imprescriptiveis de representante do povo. É debaixo da impressão mais desagradável, é com a maior repugnância qne fallo n'esta maleria. Se a tempo medisse bem a distancia quo vae do socego c recolhimento da vida lilteraria aos bulícios e inquietações da vida politica, circumslancia nenhuma me moveria a interromper o curso dos estudos académicos para vir desempenhar X) mandato popular, mui principalmente se me passasse péla lembrança a idéa de que a minha estreia parlamentar havia dc ter logar na aceusação dc um empregado quo, com esta posição, empregou lodos os meios, poucos mezes anles, para mc serem fechadas as portas da representação nacional.
Para satisfazer a um dever de consciência e aos impulsos do meu coração, declaro-me suspeito c juro a:suspeiç.ão nas apreciações que fizer das qualidades d'estc empregado; pedindo á camara que avalie simplesmente em si os poucos factos que voii narrar; e que tiverem alguma referencia aos enunciados na queixa, e desacompanha-los-hei de qualquer commento.
Sr. presidente, começo por censurar a linguagem inconveniente e maneira desabrida porque o queixoso chama assas-sirio ao sr. juiz de direito. Qucin se queixa, expõe uma desgraça e pede remédio, mas não insulta. Quero suppor que eslas allusões desfavoráveis á reputação moral d'aquelle empregado são mal cabidas, porque sigo a regra, que qualquer sc presume justo cmquanlo se não provar o contrario, c não me consta quese lavrasse em juizo algum sentença judicial coodemnatoria conlra o juiz de direito de Arganil por crime de homicídio, e ainda que assim fosse, nem a jusliça moral, nem a social fecha as portas ao arrependimento, podendo cm consequência ter sido uin malvado aquelle juiz, e hoje um bom funecionario. ;
É porém certo o facto da fuga do queixoso da terra da da sua! naturalidade, cóm o susto de ser corporalmente offen-dido pelo juiz de direito, que indisposto com quasi todos os advogados do auditório, travou luta na imprensa com al-guliS; em cujo numero entrou sempre cotn vantagem o queixoso. Alfim o calor da discussão azedou o espirito do juiz a ponto de qfie o queixoso, achando que corria risco a sua existência,'ausentou-se para as visinhanças de Coimbra; para onde me escreveu nos fins dc janeiro, perguntando-me se as noticias que linha de Arganil annunciavam um eslado de segurança n'aquella localidade que elle para lá podesse regressar sem receiar pela sua vida. P>espondi-lhe que tendo faltado n'aquelle mesmo dia com o sr. governador civil de Coimbra, este me dissera que la mandar uni destacamento para Arganil, porque o governo ordenara a concentração da tropa espalhada pelos differentes concelhos da Beira, nos dois mais ccnlraes, Oliveira do Hospital e Arganil, e aconselhei-lheque poderia recolher a Arganil onde ia poslar-so um destacamento, mas que consultasse primeiro o administrador do concelho de Arganil, que é>um empregado digníssimo, e por certo havia de prestar-lhe todo o apoio e segurança. Não sei o mais que se passou, nem se o queixoso dirigiu n'esle sentido algum requerimento ao administrador do concelho ou ao sr. minislro dà justiça.
Sr. presidente, o juiz é aceusado dc darprolecção aos Brandões, c com referencia a esle faclo farei algumas curtas reflexões a que mc obriga a minha posição especial com relação a esta questão, visto que este faclo já entreteve n'outra occasião a allenção do parlamento, e aquelle juiz quiz lançar sobre o sr. minislro da jusliça a responsabilidade que lhe cabia de proleger aquelles malfeitores. Até se disse que em Arganil já sc havia assassinado um juiz de direito, c aproveito esta occasião de reivindicar a honra d'aquclles povos; que não são assassinos; e mesmo o honiicidio do ferreiro de Várzea, que foi praticado nYste concelho, lem por andores os Brandões de Midões, que pertencem á comarca de Tábua. (Apoiados:) A influencia dos Brandões engrossou c medrou á sombra das auctoridades, e assim que esla protecção lhes foi retirada, perderam a força quasi completamente ; (Apoiados.) e tanto que desde 1854, cm que assassinaram o ferreiro de Várzea, e quo Icem sido constantemente perseguidos, ainda se lhes não allribuiu um crime de morte, e a estatística criminal da Beira não é assustadora. Porém para completar a grande obra do resgate da província da Beira, para ali desarmar completamente o dominio do trabuco e do punhal, o firmar o reinado da moralidade e da lei, é indispensável a escolha escrupulosa dc auctoridades enérgicas, e que revelem boas intenções e decidida vontade dc perseguir os criminosos, (Muilos apoiados.) sem o qne não podemos esperar o concurso dos povos na perseguição d'elles; e sem este auxilio havemos de desenganar-nos dc que nunca serão capturados. (Apoiados.) ¦
' O governo tomou o expediente de mandar para alguns ponlos da Beira força armada, mas este rrmedio é muito secundário, porque como um destacamento se não move com a mesma facilidade e com o mesmo segredo que qualquer individuo, o resultado é qne, apenas os commandanlcs annun-ciam aos soldados a ordem de marchar, um ou mais postilhões saem em demanda de João Brandão para o avisar.
O accordão da relação do Porto que depronunciou alguns implicados no honiicidio do ferreiro dc Várzea, incluindo dois irmãos do João Brandão, produziu grande desalento nos povos da Beira, que julgaram aquell» decisão uma protecção decidida (Muitos apoiados.) a Ião perigosos malfeitores. (Apoiados.) Longe de mim o pensamento de censurar o julgamento da relação; nem vi o processo, nem mc julgo competente para substituir a minha opinião á de um tribunal tão respeitável. Trago apenas o facto para mostrar as suas consequências.'
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crá muila duvida em a conceder a esle, (Apoiados.) que eslá nas mesmas, se não em mais favoráveis circumslancias? Demais, o juiz dc direito pronunciou um destacamento que estava em Arganil por ler disparado dois tiros sobre um individuo que perseguia na supposição dc que era o João Brandão. ..
O sr. Barros e Sá:—Apoiado, ajudei a julgar esse processo.
O Orador:—O sr. Barros e Sá é testemunha d'este facto, e de alguns que tenho apontado e continuarei a declarar; tenho testemunhas na camara c nas galerias.
Sr. presidente, enlendo que c um crime atirar a um individuo seja ou não criminoso, e que deve ser gravemente punido, porque só no caso de resistência c que se pôde empregar a força contra os criminosos, e aquelle individuo fugia, e não resistia. Porém as penas, bem como os delidos, são pessoaes, e por isso o juiz de direito de Arganil só podia pronunciar os dois soldados que dispararam os tiros, e quando muilo o commandanle da escolta, mas elle pronunciou alé o tambor, que era uma crença de quatorze ou dezesseis annos!(Riso.) Este facto serviu dc lhema aos criminosos para alardearem a sua influencia peranle o juiz de direito, e produziu esfriamento na vontade que nutre a força armada de os perseguir. Alem d'isto excluiu da lista dos substitutos um cavalheiro illuslrado da localidade, que está hoje presidindo á municipalidade d'aquelle concelho, e que arriscou a sua existência para perseguir uma quadrilha de malfeitores que infestava o concelho de Coja e que chegou quasi a extirpar. Esle procedimento do juiz de direilo não significa uma decidida protecção aquella caterva de malvados? (Muitos apoiados.) De-clarei-me suspeito, mas decida-o a camara e o paiz.
Aproveito esla occasião para perguntar ao sr. minislro da justiça o molivo porque a comarca de Tábua está ha mais de qualro mezes sem juiz de direilo, quando n'aquella comarca está situada a residência dos Brandões, e é mister um cuidado vigilante da parte da aucloridade com relação aquelles criminosos.
Sc presidente, o queixoso aceusa tambem o juiz de direito de proteger o Boi de Coja. Esta entidade Boi é para assim dizer uma ramificação dc Brandões, (Riso.) c o substituto do juiz de direilo dc Arganil, que deu fiança n'um crime de morte a um co-réu de João Brandão, fez um favor mais relevante ao Boi de Coja, despronunciando-lhe um filho indiciado n'um crime dc morte, sem este se apresentar na cadeia. Veiu o réu para Arganil, onde esteve escondido em casa de um amigo', alé que sc tirou ura instrumento de aggravo e foi despronunciado, e depois partiu são e salvo para casa do pae.
Tenho tanlo a peito o restabelecimento do império da lei na minha comarca que, até já particularmente, lembrei ao sr. ministro da jusliça o despacho para ali de dois empregados intelligenlcs e probos, cujos nomes, em homenagem ao mérito, devo apontar ao paiz, que são os actuaes delegado de Coimbra e juiz de direito de ldanha, os srs. Albergaria e Seco, não porque não haja muitos empregados igualmente dignos, mas porque estes dois cavalheiros já n'aquella comarca prestaram relevantes serviços á causa da liberdade e da lei, e por isso estão mais habilitados para conhecer e perseguir o crime n'aquella localidade.
O queixoso aceusa lambem o juiz de direito de Arganil de ler commellido erros de officio. A este respeilo apontarei simplesmente um facto que consta de documentos. Houve em 1857 umas eleições municipaes cm Goes muito disputadas, em que se debateram com excessivo calor duas parcialidades politicas, que ali sc disputam o terreno da governança municipal, chegando a promover processos crimes para se vingarem reciprocamente. O juiz de direito de Arganil inlro-melteu-se directamente n'essa queslão, instruindo elle mesmo o processo por crimes eleitoraes praticados fóra do julgado cabeça de comarca, fez applicaeão aquelles crimes das disposições penaes'do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, que só lem referencia ás eleições de deputados, (Apoiados.) pois que só a parle respectiva ao recenceamento é que tem applicaeão a todas as eleições, na minha humilde opinião, na
i de alguns mestres meus, e de tribunaes superiores do nosso | paiz, e pronunciou assim sem fiança perlo de vinte cidadãos! Porém, o que é mais, não os mandou recolher á cadeia depois de presos; foram para sua casa viver descançados pelo favor do juiz de direito, até que uns foram despronuncia-dos pelo relação do Porto, e outros absolvidos em Arganil n'uma audiência geral pouco regular. A camara decidirá sc estes exemplos dc despreso e escarneo pela observância da lei, produzem ou não a desmoralisaçãodos povos. (Apoiados.)
Aponta mais o queixoso o facto de alguns habitantes da comarca lerem abandonado a sua residência com o susto d'a-quelle juiz de direito. Sei apenas de um cavalheiro que d'ali fugiu por este molivo, que é o sr. Dionizio, de Folques que elle juiz ali pronunciou não sei com que pretexto (dizia-sc que era por elle ter votado nas eleições contra uma parcialidade que o juiz lem sustentado constantemente), mas o que me consla é que a relação não só o despronunciou, mas re-prehendeu o juiz pelo "facto da pronuncia. Ainda ha pouco tempo me disse esle cavalheiro que antes queria sujeitar-sc aos prejuízos que lhe causava o abandono de sua casa, do que submetter-se á jurisdicção do actual juiz de direito dc Arganil.
Pretende o queixoso que o juiz seja suspenso, mas pela circumstancia de mc não ligarem a elle as affeições pessoaes requeiro unicamente uma syndicancia, mas muito rigorosa, (Apoiados.) nos lermos do regulamento de 25 de setembro de 1844, e, como condição indispensável para esta syndicancia nos termos da legislação vigente, a previa transferencia do juiz. ,
Sr. presidente, ponho agora de parte a questão do juiz de direito de Arganil para fazer uma pergunta muito simples ao sr. ministro dajusliça. Qual é a rasão por que s. ex.*, a exemplo dos seus antecessores, lem volado ao esquecimento o cumprimento do artigo 89.°, § único da novíssima reforma judiciaria, que manda proceder ás syndicancias, por occasião da transferencia dos juizes de direilo, para se receberem quaesquer papeis ou queixas conlra elles, afim do governo providenciar? Se a lei tivesse sido observada, talvez se tivesse poupado á camara este incidente, para mim tão desagradável. Se tivessem havido algumas syndicancias, não se acobertariam alguns membros do poder judicial (ainda que poucos felizmente) com o manto da independência, que elles traduzem por irresponsabilidade, mas que o não é, (Muitos apoiados.),' porque n'um governo constitucional só o monarcha é irresponsável, para saírem fóra da orbita das suas allribuições; pelo menos ter-se-ía conhecido o mal que affecla esta classe. Não pôde haver maior desgraça para um individuo ou para a sociedade do que a ignorância da moléstia que affecla qualquer de seus membros, porque pôde aggravar-se e ir minando surdamente a ruina do corpo de que o membro affe-clado faz parte; quanlo mais que as moléstias de moralidade, pela sua qualidade predominante de contagiosas, são muito perigosas.
Qual é a rasão por que depois do estabelecimento da mo-narchia representativa em Portugal, ainda por crimes civis, não experimentou os soffrimentos de uma prisão nenhum membro dos corpos co-Iegislativos, nenhum membro do poder judicial, nenhum alto funecionario publico, nenhum titular do reino? Será porque na elevada sociedade portugueza não ha criminosos? Não pôde ser, porque nas sociedades mais adiantadas na carreira da civilisação, especialmente na Inglaterra onde se immola o homem cm holocausto ao idolo da lei, muitas pessoas de elevada representação social vão fazer visitas forçadas ás cellas penitenciarias do seu paiz. (Apoiados.) Será porque encontram protecção directa e immediata nas auctoridades? Tambem não quero suppo-lo; mas éo desleixo e negligencia de muilas d'ellas na perseguição d'csses criminosos.
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luadas as classes elevadas da sociedade porlugueza á impunidade, que quando uma aucloridade mostrar zelo por punir algum dc seus membros, altribucm-no a despeito ou vingança.
Entendo que na publica administração ha dois problemas muito ligados, posto que dislinctos por sua natureza, cuja solução e effeclividade pratica são condições essenciacs para o melhoramento c prosperidade nacional: é a questão das cifras c a questão da moralidade. Não basta enriquecer o paiz c dotar as províncias com importantes melhoramentos materiaes; c mister olhar com seriedade e altenção para a regeneração moral do nosso povo. (Apoiados.) Os estrangeiros eslão-nos alcunhando todos os dias de bárbaros c despresa-dores das leis; c eu estou convencido de que é a impunidade dos fúnecionarios públicos c das classes mais elevadas da sociedade a causa de tanta immoralidade e corrupção que lavra pelo paiz. O sr. ministro da jusliça já declarou n'esta camara que havia um duello de morle entre s. ex.* e os moedeiros falsos, e espero que esse duello se estenda a todos os altos criminosos do paiz. É sobre esla queslão que desejo que o sr. minislro ponha a sua pasta, porque o minislro que sc empenhar seriamente na queslão da moralidade publica ha de prestar relevantes serviços ao seu paiz, e ha de cobrir-se dc gloria por advogar uma grande causa nacional. (Vozes: — Muilo bem.)
O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.
O sr. Minislro da Justiça (Mártens Ferrão):—São graves as arguições que fez o illuslre deputado que acaba de fallar, relativamente á administração de jusliça e relativamente ao procedimento dc um juiz de direito. S. ex." c a camara com-preheudem que não posso chamar outra vez á discussão o procedimento especial de um magistrado a que o illustre deputado se referiu. Caberia uma grave responsabilidade ao governo, se tivessem sido apresentadas queixas, de que a justiça não livesse sido administrada de uma maneira conveniente, e o governo se tivesse conservado surdo a essas queixas; entretanto esle faclo não succedeu. Não sei se são ou não cxaclos os faclos que o illuslre depulado apresentou, mas sem os garantir completamente. É uma queslão de processo, a respeilo da qual não posso emittir a minha opinião. (Apoiados.) O que posso dizer a s. ex." é que no ministério da jusliça foi apresentada uma queixa no senlido pouco mais ou menos d'aquillo que apresentou o illuslre depulado, o que foi mandada immediatamenlc ao procurador geral da coroa, que, como chefe do ministério publico, é quem devia mandar intentar o procedimento que entendesse convcnienle e que resultasse dos factos que elle podesse averiguar. Éa maneira por que se costuma proceder em matérias d'esta ordem. Quando ha uma arguição conlra um magistrado, o governo manda-a ao ministério publico para que elle, tomando conhecimento dos faclos e dos documentos, faça a sua obrigação c seguir no cumprimento da lei; foi o que o governo fez e não ha já pouco tempo. Qual será o resultado ou o procedimento que o ministério publico lem de intentar ou seguir, não o posso dizer; não posso mesmo emitlir opinião a esse respeilo nem sobre os factos apresentados pelo illustre deputado, porque alé cerlo ponto seria uma tal ou qual prevenção de julgamento. Por consequência lenho rigorosa obrigação de conservar a maior abstenção possivel a esse respeito; o que só devo declarar á camara é que não ha a omissão que pareceu notar o nobre depulado, e que indica a representação que mandou para a mesa, porque p procedimento do governo antecedeu muilo a apresentação d'esse documento n'esla casa. A circumslancia de mandar abrir uma syndicancia em relação ao juiz, isso é tudo procedimento que tem de resultar dos actos c declarações do ministério publico. Desde que uma questão d'csla ordem é entregue ao ministério publico para elle proceder conforme entender conveniente, o governo tem de aguardar as requisições e os pedidos ou o procedimento mesmo que o ministério publico intentar, porque o ministério publico ha dc seguir os tramites marcados nas leis. Por consequência, debaixo d'este ponto de vista, está satisfeito quanlo pôde ser, denlro da orbita da lei, aquillo que o governo linha a fazer.
Não é possivel a suspensão do juiz. As transferencias dos juizes eslão estabelecidas na lei; a camara sabe que não estão nas altribuições do poder executivo, e mesmo que o estivessem, o poder executivo não devia praticar actos similhantes sem estar cabal c devidamente informado, sc o juiz, apesar de não ter findado o seu quadriennio em qualquer vara de jurisdicção, durante esse quadriennio praticou algum facto que obrigue a sua transferencia; c o governo não o eslá. A suspensão dc juiz regularmente resulta sempre da pronuncia. Se o juiz é aceusado e os factos allegados são procedentes, o juiz é pronunciado, e a pronuncia traz comsigo immedia-tamenle a suspensão; fora d'isso ha a garantia da lei, c nós, não tendo oulra lei, não temos meio algum de intentar oulro procedimento, a não ser o fazer a transferencia sob consulta do conselho de estado, o que é muito mais moroso, porque esles processos para transferir um juiz de uma comarca para outra anles de lempo lega], têem de ser vistos por todos os conselheiros, o que é muito mais moroso. Portanto é melhor deixar que o ministério publico proceda como entender, c ao governo não cabe senão aguardar o resultado d'esse procedimento.
Ainda bem que o illustre depulado confessou que da parte do governo, não d'este, mas de todos os governos que têem antecedido esta administração, se lêem empregado os meios necessários e convenientes para reprimir os crimes, estabele-cendo-se alé força armada nas localidades para dar força ás auctoridades, a fim d'estas poderem perseguir c capturar os criminosos e julga-los segundo os delidos que tiverem commellido. Portanto lambem debaixo d'estc ponto de visla não deve arguir-se o governo actual nem as administrações anteriores.
O illustre deputado fallou em relação aos substitutos do juizo de direito. Sobre esta matéria direi ao illustre deputado que lenho representações no ministério da justiça, e que foi mandado ouvir o presidente da relação do Porlo, para que informasse sobre a procedência d'essas representações, a fim de poder ser ou não confirmada a proposta feita para os juizes substitutos da camara a que o illustre deputado se referiu. Já se vê pois que o governo mandando informar esle objeclo, o tomou em consideração. A informação pedida ainda não veiu, e logo que chegue o governo ha de resolver conforme as informações officiaes que chegarem ao conhecimento do mesmo governo. O illuslre deputado lambem se referiu ao eslado da administração da justiça na comarca de Tábua, dizendo, que esla comarca estava sem juiz de direito ha tres ou quatro mezes. Ora eu peço licença ao illuslre deputado para dizer, que a comarca de Tábua tem juiz de direito. Em outubro do anno próximo passado foi tranferido para a comarca de Tábua um juiz de direito do continente do reino. No fim da epocha a que era obrigado pela lei a tomar posse, esse juiz adoeceu gravemente, e por consequência não pôde trans-porlar-se para aquella localidade; c o 'governo não podia coagi-lo a ir, estando n'aquellc eslado. Alé agora ainda aquelle juiz não foi para a comarca por não estar restabelecido, mas espero que lome posse da comarca logo que o seu eslado de saude o permitia; e não tendo esse juiz transferido para aquella comarca pedido até agora a sua transferencia para outra comarca, o governo não pôde transferir para a comarca de Tábua outro juiz, porque a comarca não eslá vaga, tem juiz. Portanto n'esta parte o governo está completamente a coberto de toda e qualquer arguição n'este senlido.
Perguntou o illustre depulado por que se não faziam as syndicancias regularmente marcadas na reforma judiciaria? Isto é um ponle grave de administração, e tão grave que entendi dever apresentar á camara uma proposta de lei, regulando as syndicancias ordinárias cm períodos certos e determinados. Essa proposta está commctlida ao exame da commissão dc legislação que sobre ella dará o seu parecer c o seu volo.
As syndicancias marcadas na reforma judiciaria, que lêem mesmo um cerlo formulario^não^tèem sido feitas regularmente, em epocha alguma, pela falta de pessoal.
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blico no fim de cada quadricnnio ordinário, ir fazer a syndicancia nas comarcas do reino, sc o ministério publico superior apenas tem um ajudante c um secretario na procuradoria regia junto a cada relação? É impossível. (Apoiados, j Não ha pessoal sufficiente, o esse lem sido o motivo porque as syndicancias ordinárias se não tèem feito; mas têem-sc feito syndicancias extraordinárias, quando uma circumslancia excepcional provoca um procedimento extraordinário. No meu tempo mesmo já lenho mandado proceder a syndicancias extraordinárias, e a algumas comarcas tambem. As syndicancias regulares no fim de cada quadricnnio legal não ha pessoal para os fazer. Este mal convém acabar, c para isso.entendi que devia apresentar, como apresentei, uma proposla de lciá camara, proposla pela qual é creado o pessoal sufficieu te para estabelecer as syndicancias regulares em períodos certos c determinados. Em quanto porém essa proposta, ou outra similhanlc, sc não achar convertida ein lei, o governo continua na mesma impossibilidade dc mandar proceder ás syndicancias regularmente, porque não ha pessoal para isso; mas islo não priva que o governo mande fazer, como já tem mandado fazer, syndicancias extraordinárias quando circumslancias excepcionaes as possam exigir.
Sr. presidente, o illustre depulado pareceu sentir que quando nos outros paizes eram punidos os poderosos e os ricos, na nossa terra elles passciassem impunes. Não mc consta, sr. presidente, que haja poderosos que tenham commeltido crimes que não lenham sido punidos. Não sei se n'oulras epochas das nossas vicissitudes politicas sc deram esses factos que deram molivo á censura do illustre depulado ; não o sei, não o posso asseverar; mas o que posso dizer a v. ex." e á camara, é que durante a adminislração actual c as anteriores não houve, não mc consta que houvesse, pelo menos desde que tenho mais immedialo traio q conhecimento dos negócios públicos, um crime que ficasse impune; todos os que lêem sido commeltidos lêem sido castigados, seja homem poderoso ou homem insignificante que os lenha pralicado. A lei tem sido igual para todos; a lei tem sido executada de, uma maneira conveniente, e pela minha parle declaro a v. ex." c á camara que lenho a satisfação de annunciar, que as auctoridades, geralmente, tèem feito o seu dever c empregado a maior solicitude no cumprimento d'e?sc mesmo dever.
Limito-me a estas pequenas reflexões; não posso entrarem debate largo a este respeito, porque talvez podesse julgar-sc que isso seria mesmo inconveniente n'esta occasião. (Apoiados.)
Tenho explicado a marcha do governo, a maneira como sc tem conduzido n'esla importante queslão; e posso assegurar á camara que continuarei a ser solicito para que esse mau estado de administração cesse, se acaso elle effeclivamente existe.
O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Pilando para a mesa uma representarão, assignada pelas principaes pessoas do concelho dc Terras do Bouro, pedindo a creação de urna comarca n'aque)le concelho. Pareccm-me de toda a consideração as rasões que ellas apresentam n'csla representação, e peço que seja remettida á commissão competente.
O sr. Bias Ferreira:—Requeiro que-se consulte a camara sc dá licença que cu diga duas palavras em resposta ao sr. ministro da jusliça.
O sr. Presidente: — O nobre depulado que primeiro fallou sobre esle assumpto requer que a camara se consulte, sobre se lhe concede a palavra para fazer algumas observações em resposta ao sr. minislro. Ha outro sr. deputado que tambem pediu a palavra sobre esle incidente; mas inscrevi-o no seu logar.
A camara resolveu que sc desse a palavra ao sr. Dias Ferreira.
O sr. Mello Soares (sobre a ordem): — A minha proposla é para que se dè a palavra a todos que a pedirem sobre esle assumpto.
O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara, mas primeiro consulta-la-hei se permitlc que falle o sr. Dias Ferreira.
O sr, D. Rodrigo (sobre a ordem):—Peço a v. cx." que divida a votação; primeiro se ha de fallar osr. Dias Ferreira, o depois sc ha dc dar a palavra aos que a pedirem, porque voto pela primeira parte e conlra a segunda.
O sr. Mello Soares:—Insto pelo meu requerimento.
O sr. José Estevão: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: —Sobre esles requerimentos não ha discussão. (Apoiados.)
Resolveu se que se desse a palavra aos srs. deputados que a pedirem sobre esle incidente.
O sr. Dias Ferreira: — Satisfazem-me todas as explicações do nobre ministro, e só não concordo com s. ex." emquanlo entende que, entregue q juiz aos tribunaes, nada pôde inuo-var, nem jnlromelter-se cm negócios que vão influir no processo. Fallo com bastante receio sobre esta queslão, essen-cialmenle ligada com a divisão dos poderes políticos, malerja muito espinhosa.
E certo que o legislador, estabelecendo a regra geral de que os juizes não podessem sor transferidos senão depois, dc completo o quadricnnio legal, quiz garantir a divisão dos poderes políticos c manter illcsa a independecia do poder judicial. Porém deixou ao governo o direito de os transferir em casos excepcionaes, antes de completo o quadricnnio legal; c apenas deixou restricto esse direito a certas formulas, que são oulras lanlas garantias da independência do poder judicial; ora o caso de que sc trata é um d'esses excepcionaes em que as conveniências publicas reclamam a tranferencia do juiz de direito dc Arganil, porque estando cllc processado perante a relação e tendo dc se ir colher as provas a Arganil, elle affronta ali com a sua influencia a acção da justiça.
Demais, é indispensável que s. cx.' mande proceder a uma syndicancia, porque um juiz depois de vergar debaixo dc aceusações tão graves, já não pódc inspirar confiança ás parles na adminislração da justiça, nas localidades onde sc praticaram os factos, base das aceusações. Enlendo mais que o ministro da justiça, não só lem direilo, mas até obrigação, de mandar proceder á syndicancia para o esclarecimento c bom andamento do processo judicial.
Sr. presidente, ainda ha uma rasão grave que aconselha a transferencia d'aquelle juiz, que vem a ser o conflicto c guerra aberta, entre elle e muitos habitantes da comarca a quem o juiz altribue as numerosas correspondências que conlra cllc se tem escripto nos jornaes; quanto mais que elle sc tem tornado visionário, (Riso.) allribuindo a certas c determinadas pessoas a paternidade de correspondências cm que ellas não tiveram o menor quinhão. Pede pois ao sr. minislro da justiça, em nome da rasão e da lei que transfira o juiz de direilo do Arganil c mande syndicar d'clle com todo o rigor.
O sr. Mello Soares (sobre a ordem):—Sr. presidente, a representação que o nobre depulado mandou para a mesa surtiu o seu effeito; o sr. ministro da justiça leve a bondade de dar explicações, c digo a bondade porque era uma interpellação, c s. ex." podia escusar-sc de lhe responder n'esta occasião; mas parece-me que não ficou completo o fim da representação. Esse cidadão queixa-se, creio que com rasão, e parece-me que o modo conveniente e rasoavel para sc levar a cabo o andamento da jusliça, é preciso que a represnlação seja remettida ao governo para a tomar na consideração que merece. Nós lemos usado do nosso officio, c o sr. minislro pôde com esse papel perseguir o crime onde elle se achar. Porlanlo requeiro que v. cx." proponha á camara se quer que essa representação seja remettida ao governo, epara esse fim mando para a mesa a seguinte
PROPOSTA
Proponho que a representação enviada para a mesa pelo sr. deputado Ferreira seja remettida ao governo para a considerar como for justo.=Mcllo Soares.
Foi logo approvada.
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que os desejos dos signatários das representações fossem satisfeitos c prevenidos pela volação que teve logar sobre esta lei, comtudo não posso deixar de enviar para a mesa estas duas representações para lerem o destino conveniente, embora fossem remettidas já cm occasião inopportuna.
Aproveito esta occasião para dizer que eu não approvei a lei; rcjeilei-a, por sc não admittir a substituição do sr. Affonso Botelho para se limitar o praso da importação, não porque não entendesse conveniente a diminuição que se fez emquanto aos direitos; ma» pertencendo a um districto onde o vinho que ha c lodo applicado á dislillação, cnlcndi que se devia limitar o praso da entrada da aguardente.
O sr. Presidente:—Ha um sr. deputado que pediu a palavra sobre o incidente que ha pouco teve logar; mas assentei que depois da resolução da camara, de se remetter ao governo essa representação, não devia continuar este incidente; c esta foi a rasão por que não dei a palavra aos nobres deputados que a pediram, e ao sr. José Alaria da Costa e Silva; mas como insla por cila vou consultar a camara se quer que continue a dar a palavra sobre o incidente.
Jtesolveu-se afirmativamente.
O sr. Costa e Silva:—...........................
O sr. José Estevão: — Sr. presidente, impressionado pelo nobre c caloroso desinteresse com que o illuslre deputado que acabou de fallar saiu a campo em defeza da sua classe, que ninguém atacava, eu, louvando o seu generoso procedimento, peço licença para lhe observar que, sc elle sc cumprir em principio,, o governo é um impossível, a aucloridade uma illusão e a governação publica um cabos. Eu não creio que o illuslre depulado fosse aceusado, aggredido ou insinuado, c cu não sei com que aucloridade elle assume para si uma responsabilidade que não lhe pertence, e subsliluc a um individuo, qualquer que elle seja, a cujos aclos a camara eslava fazendo o seu exame, o prestigio, o poder, a influencia e a virtude dc uma classe inteira, que é forçosamente respeitada na sua totalidade; porque nós seriamos um paiz bárbaro, se o nosso poder judicial, na sua maior parte, não fosse composto de juizes rectos e incorruptos. (Apoiados.—Vozes: —Muito bem.) O nosso estado, o nosso viver social, com as imperfeições quo elle tem, é um testemunho a favor d'aquclla magistratura, na sua maioria; porque o illustre depulado deve conceder que não ha sociedade alguma que resista á corrupção, a injustiça systcmalica encarnada nos tribunaes que têem dc decidir da vida e da propriedade, dos cidadãos.
Sr. presidenle, é funestíssimo exemplo, e não mc atrevo a dizer que é criminoso, mas é altamente anarchico este habito que temos todos dc cobrir com uma classe um individuo, dc substituir uma corporação a uma só pessoa, a uma só aucloridade, ede difficultar com isto a acção da censura publica e a arção da justiça. (Apoiados.) Detesto similhante habilo c coslumc. (Apoiados.! Proleslo conlra elle, e se não é uma corrupção moral, é uma corrupção de espirito; e d'isto arguo lodos os homens públicos, quaesquer que sejam, que tomam por habilo como injustiças á sua corporação as offensas que sc podem fazer ao individuo que pôde participar da censura que a um certo e determinado individuo possa pertencer. Sr. presidente, julgo-o assim inexoravelmente a respeilo dos militares, dos juizes e de todos os ramos de serviço publico. Não posso admittir esla feição, esta parcialidade c converter n'um embaraço a acção da justiça, a censura publica e o andamento do governo; converter os instrumentos d'esse mesmo governo em obstáculos sistemáticos cm toda a acção administrativa. Isto é funestíssimo. (Apoiados.) Declaro que ha no exercito officiaes incapazes de cingir uma banda. (Apoiados.) Vote a camara as leis as mais rigorosas, declarando mesmo taes e taes nomes, ainda que essas mesmas leis sejam inexoráveis contra elles, porque é minha opinião que a respeito d'esles não deve haver nenhuma complacência. Islo não é possivel. Ê um triste e deplorável habilo cm que nós estamos, porque não é possivel alçar a voz contra qualquer criminoso sem sc saber a progénie administrativa a que pertence, sem que Ioda a familia se levante, e dar-se por offendida, quando ella é a negação das
próprias condições más que se altribuetn ao individuo. O illustre depulado c os homens públicos pensam que islo é um habito de generosidade, quando não é senão uma conspiração a favor da impunidade! É isto, c ó preciso fulmina-lo. Nós militares lambem cá somos atreitos a isso. Mas digamos a verdade, essa trisle vaidade, esse espirilo mal entendido e parcial dc classe foi banido já ha muilo lempo pela rasão publica, c hoje a classe militar não sc apresenta com aquellas pretensões de aspecto, de arrogância e de solidariedade com as fraquezas que a contaminavam n'esse tempo; hoje os militares fizeram-se cordeiros, e os juizes ainda estão leões: e eu não quero que haja leões no syslema rcprcsenlalivo, porque os não ha cá em sentido algum. Sr. presidenle, nós não podemos conhecer dos aclos judiciaes dos juizes, isso é verdade, nem cu quero, porque não me elegeram para juiz, a minha procuração não lem essa forra, nem eslava disposto a aceilrf-la com similhantes condições. Não os posso julgar, não estou habilitado para fazer censuras jurídicas aos aclos d'csses juizes; mas lenho obrigação, lenho direilo dc syndi-car e vigiar se lodos os poderes se conteem nas orbitas legaes, e se as leis são acatadas em lodos os ramos do serviço publico, cm todas as espheras do systema constitucional. (Apoiados.) Isto é um dever, uma rasão da minha existência politica a que não posso renunciar. Hei de sempre, cm lodos os casos e em todas as circumstancias, cumprir esse dever com severidade, não só nas espheras inferiores, mas nas superiores. (Apoiados.) Porlanlo, sr. presidente, o juiz etc direilo não é corrupio. (Apoiados.) Muito bem; isso é outro sophisma; mas a corrupção é de diversos modos c de diflieilima classificação; ha corrupção dc dinheiro e corrupção dc peita c peculato; e a corrupção é tão variável como são variáveis os capítulos da arte de furtar. (P,iso.) E entre as differentes espécies de corrupção, a corrupção politica é altamente perniciosa ao andamento da causa publica. Corrupção politica é a do juiz que no seu tribunal defende os partidos; é a do juiz que intervém nas lides politicas com abuso da aucloridade de juiz, que esqneccndo-se da santidade dos seus deveres se faz chefe do seu partido; (Apoiados.) é o juiz, em cujo coração se ficam conservando depois da resolução d'essas lutas, os ódios c as vindirlas, resultado do mau exilo que teve n'aquellas mesmas lulas, e depois com a vara da justiça vinga-sc dos desaguisados d'cssas lutas! Talvez sejam assim muitos juizes; c cslc de Arganil podia-se ler mellido em eleições: vá, porque o juiz é cidadão, mas devia fazc-lo com decoro, c sem rebaixar nem a sua situação, nem a sua dignidade. (Apoiados.) Pois que é um juiz depois de se mellcr em uma eleição e de sc sair mal d'ella, fazer a pronuncia pelas descargas dos eleitores que se encontram nos processos eleiloraes; chamar á sua presença os eleitores que suppoz votaram de uma certa maneira c manda-los pronunciar?!... Isto é terrível, é iníquo, c o mais offensivo das direilos, porque um juiz ladrão mais tarde ou mais cedo cas-tiga-se. (Apoiados.) Ah! elles podem continuar a diverlir-se, mas alguma vez lhe cáe o raio cm casa ; mas csfoulra posição não é assim, porque com a corrupção politica ha mais complacência.
Tenho concluído. Não entro na queslão da moeda falsa, mas talvez tenhamos de entrar n'ella, porque no estado em que estão as cousas é necessário dar golpes decisivos, (Apoiados.! c fazer jusliça ás calumnias ou verdades que podem estar contidas n'esla correspondência, e o paiz lem direilo a conhecer primeiro se a camara tem para fazer de todas as justiças, a justiça dos bons principios.
Dizendo isto, permitla-me a camara que acabe cumprimentando desde já o illuslre depulado que acabou de fallar, era cuja estreia deu provas das suas faculdades inlellcctuacs, de que já tinham dada honroso testemunho os seus mcslrcs, e em que deu provas de um alto caracter e de uma alta coragem. (Apoiados.)
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precedeu, porque concordo era parte no que disse, c discordo quanlo á censura que fez em geral.
Quando' o illustre depulado o sr. Costa c Silva disse que não tínhamos direito de conhecer dos actos da magistalura, não pude ouvir sem emoção esta proposição; (Muitos apoiados.) porque temos plcnissimo direito dc indagar dos actos dos funecionarios públicos, se não para ir conhecer d'ellcs, para pedir contas ao governo, a quem as podemos pedir. Porlanto não posso concordar com a doutrina do illustre depulado n'estc ponto. Não temos direilo para nos ingerirmos nos actos judiciaes, mas lemos direito de indagar dos actos judiciaes e administrativos de lodos e quaesquer empregados, para, sc assim o entendermos, pedirmos contas ao governo.
Quanlo ao que disse o sr. José Estevão que c mau costume, ou menos boa pratica invocar as classes para responder com ellas ás faltas que pódc commetter qualquer dos seus membros, concordo porque era assas inconveniente que sc fosse buscar a magistratura para sc conhecer se abusou algum magistrado; mas o illustre depulado foi provocado; elle viu que se fez uma allusão á magistratura em geral, que se lhe attribuiram faltas, e não sei se alé crimes, e estando elle presente, tinha obrigação de se defender: «Elle disse, c disse bem: «Eu aqui estou, a minha beca é pobre, mas élivre de nódoas. »
Tendo porlanlo um cavalheiro feilo eslas aceusações, elle obraria muito mal, e não consultaria a própria dignidade, se se não apresentasse como apresentou. 1
Sr. presidente, a questão tem sido tratada como convinha, e não tendo mais nada a dizer sobre isto, concluo cora o que acabo de dizer.
O sr. Costa e Silva: —...........................
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente:—A ordem do dia devia começar pelo projecto n.* 18, sobre o caminho dc ferro do sul; mas como não está presente o sr. ministro das obras publicas, passa-se á segunda parle, que é a interpellação do sr. D. Rodrigo. Esla interpellação já sc tratou na sessão passada, c agora vae continuar.
O sr. Aragão: — Peço a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Aragão:—Eu creio que v. cx.' c a camara quererá que sc entre hoje na discussão do projecto de lei do caminho dc ferro do sul, visto que eslá presente o governo. É-rac penoso ter dc fazer este requerimento...
O sr. Presidente:—Sc é requerimento, não o pôde fundamentar.
O sr. Aragão:—Então peço a v. cx.' que consulte a camara, se cu posso fundamentar este requerimento.
O sr. Presidente:—Eu já declarei que se ía continuar na interpellação, por não estar presente o ministro respectivo, c por conseguinte é d'islo que se vae tratar, e tem a palavra o sr. D. Rodrigo.
O sr. Aragão:—Mas acham-sc presentes dois srs. ministros.
O sr. Presidente: — O sr. depulado não tem a palavra. Eu declarei que não se podia entrar na primeira parte, no projecto n.° 18, por não se achar presente o sr. minislro das obras publicas, c que por consequência se entrava na segunda parle, e dava a palavra ao illustre deputado que a tem.
O sr. Aragão: — Mas eu faço um requerimento muito singelo.
O sr. José Estevão:—Depois de um nosso collega já estar na tribuna para fallar!
O sr. Aragão: — Eu vejo que está um dos meus collegas na tribuna, c basta isto para desistir do meu requerimento.
O sr. Presidente:— Pôde o sr. D. Rodrigo usar da palavra.
O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, ainda que pareça puerilidade subir á tribuna para um objecto que alguém julgará insignificante, mas que eu considero importan-
| tissimo; creio que sigo n'islo a opinião dc algumas illustra-das pessoas que enlcndem que a tribuna é o melhor logar para serem ouvidos c allendidos os homens pequenos c pobres de espirito. Não ha duvida, sr. presidente, c o melhor logar para serem ouvidos os homens pequenos c pobres de espirito; e nVslc caso não podia cu recusa-la. Vim a ella, c direi cm poucas c mal alinhavadas palavras o que tenho a referir cm resposta ao nobre minislro do reino. Nem sei qual a bitola por onde sc medem os homens grandes. Para mim ficará d'aqui por diante sendo tribuna o instrumento por onde sc medem os homens pequenos.
Sr. presidente, pedirei desculpa ao nobre minislro de ler no oulro dia interrompido a s. cx.', ao que parecia, mas a minha interrupção não foi ao que s. cx.' dizia, foi a algumas palavras soltas que ouvi quando s. cx.' fallava, e a um acompanhamento forçado dc apoiados, que não estava cm harmonia com o que cu estava pensando, c enlão desapoici.
Eu respeilo como qualquer dos nobres deputados o direito de propriedade, mas entendo que quem o possuc não lem o direito dc deixar morrer á fome o desvalido que não pôde trabalhar, c o orphão que não lem quem o ampare.
O direilo do trabalho não o admillo cu, porque esse conduz ao communismo; mas conheço nos srs. ministros, como representantes do paiz, rigorosa obrigação dc empregar soccorros, dc pôr cm pratica todos os meios de ajudar aquelles que não tèem meio nenhum de sc ajudarem a si, c a carta constitucional o estabelece cxpressamenlc quando garante a instrucção primaria c os soccorros públicos; c cila é a nossa mestra n'esle caso, quando nós não tivéssemos uma cousa superiora tudo, queéo direito natural da existência, da vida.
Sr. presidente, a politica é como a religião na idade media, sobrepuja ludo; c a final lodos pensam, cada um como quer; mas deixem pensar os oulros como elles entenderem.
Sr. presidente, o meu nobre amigo o sr. Moraes Carvalho disse que não era exacto o que eu aqui referi, dc haver um processo no governo civil, para sc concederem as esmolas ás viuvas e orphãos da febre amarella, quero dizer, que não era exaclo que os empregados d'aquella repartição recebessem emolumentos por esse serviço.
Eu não o contesto, mas devo declarar que não está nas minhas intenções prejudicar ninguem, c sc adiantei similhante proposição foi porque a tinha ouvido, c porque, tendo-a já dito n'esla casa em outra occasião, não me lembro dc que alguém a refutasse então.
Mas seja como for, eu rendo testemunho de consideração a essa repartição que não recebeu os emolumentos, que creio lhe são devidos pela tabeliã do código administrativo; e sobretudo o que cu quero declarar muito alto c que não tive em menle offender o nobre cavalheiro que enlão era governador civil, meu amigo da infância e meu parente, cavalheiro que lodos respeitam em todos os partidos—o sr. conde do Sobral: nem a cllc nem a ninguem d'aquclla repartição.; c do que cu disse á calumnia vae uma distancia immensa.
Eu respeito a liberdade dc imprensa, sr. presidente, porque é a salvaguarda do systema constitucional, mas é necessário que a imprensa, quer louve, quer censure os deputados, nunca os injurie, porque a injuria reflecte sobre quem a emprega; (O sr. Ministro do Iteino: — Apoiado.) e muilo menos enlrc homens que sc devem presar e respeitar.
Sr. presidente, a resposta do illustre ministro não me satisfez. O meu nobre amigo não tem que se admirar d'isto porque muilas vezes n'esta casa os mais íntimos amigos estão cm desaccordo aqui e fóra d'aqui, e cu já mais de uma vez o lenho estado com s. cx." sem que d'ahi resulte inimisade alguma pessoal. Iloje estou em desaccordo, mais tarde poderemos cslar dc accordo. Nem todos podemos ter o mesmo modo de pensar a respeilo de Iodas as cousas, e d'cslc combale dc opiniões é que se lira o resullado que sc deseja, a discussão e o esclarecimento dos negócios.
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O sr. Minislro do Reino (Fontes Pereira de Mello): — Eslá enganado, não fui eu.
O sr. Moraes Carvalho: — Fui cu, e lomo arcsponsabi-dadc do dito.
O Orador: — Eu não sei como eu podesse ler sido exagerado quando a casa pia diz o seguinte
(Leu um annuncio da casa pia publicado no Diário de Lisboa de 7 de abril corrente.)
(Continuando) Parecc-me que foi lambem o que eu disse, c por consequência que não fui exagerado. Mas se o fui o nobre ministro e v. cx." mesmo concordaram cm que esse estabelecimento se achava n'aquellc eslado, c fizera um quadro próximo ao que cu fiz, com pouca differanca, c s. ex.* levou-o a ponlo dc julgar indispensável a desaccumulação d'aquella casa.
Eis a minha queslão. Pois sc o estabelecimento está cm eslado de não poder dar vantagens, c de ser preciso desaecu-mular, providencia que cu não approvo, porque c mau asylar as creanças para as malar, não o será menos faze-las sair dc lá para as deixar em complclo abandono, que c uma morte mais lenta talvez; porque c que o sr. ministro para lá manda dois legados pios tão avultados, devendo assim admittir m,fis creanças, onde sc diz que c preciso dcsacciimiilar?!
Sc é preciso tirar d'ali alguns indivíduos, reformar aquella casa, fazer um novo edifício, porque é que o^nobre ministro destinou para ali esses dois legados, o dc Manuel Pinlo da Fonseca e o das esmolas da febre amarella, com a obrigação de receber novas ercanças? Pois sc não ha lá modos de ac-commodar mais creanças, será systema de governo mandar para ali essas sommas, que em outra parle poderia produzir .um resultado vantajoso, o resultado dc sc asylarem mais in -dividuos desvalidos? Não posso comprehender, c n'esla parle não me satisfez s. ex.'
Ora, sr. presidente, se cm Lisboa não ha um edificio capaz de receber as creanças, pelo mesmo principio da desaccumulação da casa pia, existem edifícios em outra parte, cm Thomar, por exemplo, ha o edificio do convento de Christo, quese está arruinando e perdendo; em Santarém ha outros, e hoje com o caminho de ferro, que passa por ali, era muito vantajoso que ali estivesse um estabelecimento, onde os lavradores podessem ir buscar quem trabalhasse. E o que 6 facto é que em Lisboa, no fim de muitos mezes, apparecem qualorze mestres a ir buscar qualorze alumnos da casa pia, para lhes ensinarem os seus officios, e por fim tornam a res-lilui-los por não os acharem capazes ou reprehensiveis. Não mc quero alongar cm mais considerações por uma rasão muito simples, o estabelecimento não tem meios e o governo não lh'os pôde dar, porque sc assusta de exceder as verbas do orçamento, apesar dc que ss. ex." não lêem lido suslo em as exceder para outras cousas, e não lhes faço censura por isso; se as excederam foi porque tiveram precisão d'isso, mas é cerlo que o tèem feilo.
Pediram esmolas no Brazil, lambem não censuro o governo por isso, o indigente e o pobre tem pátria commum em lodo o mnndo, c não é muilo que o governo recorresse aos nossos irmãos do Brazil para um fim Ião juslo, quando ali se tem ido buscar esmolas para jardins, para passeios c oulras cousas.
Emquanlo ao legado pio do sr. Manuel Pinto da Fonseca, em parle concordo com o que s. ex." disse, é preciso empregar este legado, e não só esle, mas lodos os que existem, porque a aucloridade administrativa, segundo o código administrativo c mesmo segundo a ordenação do reino, tem obrigarão de denlro de ura anno fazer applicar lodos os legados pios que eslão nas mãos dos testamenteiros, e quando digo islo, não quero lambem fazer a menor censura ao meu amigo, porque sei que os testamenteiros tèem lido muitas difficuldades e embaraços para cumprirem n'esta parte a vontade do teslador; mas se nos agarrarmos e embaraçarmos com todas as difficuldades, nunca sc chega a um resultado; ha sele annos que esle legado existe, c por este modo pôde durar outros sete annos sem destino algum, o que não pódc ser. Chamo portanto sobre isto a attenção do governo para que procure remover as difficuldades que aquelles cavalheiros lêem I
lido, facililando-lhes um edificio, aonde elles possam accom-modar as creanças abandonadas, porque é effeclivamente o fim para que é destinado o legado, assim como o producto da, subscripção da febre amarella é só para os orphãos filhos dos que foram victimas d'esse mal.
Não terminarei sem dar ainda nm testemunho pnblico á verdade, para tudo é preciso ser feliz n'esla terra.
O sr. Joaquim Anlonio de Aguiar tomou posse da misericórdia de Lisboa no mesmo estado cm que eslá hoje a casa pia, c ss. cx." sabem como elle lem feito ali obras muilo importantes; não obras de luxo, não destruindo o que existe, mas melhorando, c era isto o que se precisava fazer na casa pia. Quem vè hoje a misericórdia dc Lisboa vê um estabelecimento modelo iVaquelle género, (Apoiados.) e o sr. Aguiar não é tratado ali como provedor, mas como pae, cu vi já as creanças cm roda d'elle sem medo nenhum, tratando-o como pae, que lhes procura o conforto e o agasalho. Eis-aqui um grande modelo de administração que eu hei dc sempre louvar, ainda que não louvo que laes estabelecimentos estejam dentro dc Lisboa.
Concluo pedindo ao sr. ministro que faça o que entender, que de certo ha de ser o mais conveniente, mas que não con-summa na casa pia os dois legados, uma vez que têem uma applicação determinada; uma vez que a casa pia está perdida c necessário applicar esses meios para um outro estabelecimento onde elles possam ler a applicação que lhes foi determinada.
Eu não tenho podido prestar a ss. cx." um apoio cego, não sou d'aquelles que unicamente vêem no ministério uma administração tão perfeita, tão incapaz dc errar, que o consideram quasi como uma vestal cm que se não pôde locar, sem lhe causar damno e mancha; hei dc apoia-los em tudo, em tudo aquillo em que a minha consciência mc disser que elles vão bem, mas hei de incommoda-los sempre que mc parecer que não seguem o melhor caminho.
O meu apoio éleal, consciencioso e desinteressado. Conto importunar a s. ex.' d'aqui por diante lanlo quanlo o tenho feilo até aqui. É assim que eu penso.
O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, se hoje consultasse unicamente o meu estado dc saude teria ficado em casa, mas a honra mc chamava a esle logar, e por consequência hei de cumprir, até onde chegarem as minhas forças, com o meu dever.
Sr. presidente, na qualidade de interpellantc cu tinha direito a pedir a palavra para declarar se me dava ou não por satisfeito com as explicações do sr. ministro do reino, mas as expressões de s. cx." collocaram-mc na obrigação de a pedir para remover algumas insinuações contra as administrações anteriores da casa pia, e algumas aceusações fortes contra os testamenteiros de Manuel Pinto da Fonseca, uma das quaes podia produzir no publico... não quero proseguir ... só direi que uma d'ellas feriu a minha honra e é preciso que me desaggrave.
Sr. presidente, quando no primeiro dia qne se tratou d'esta inlerpellaçao cu fiz algumas considerações, disse muito positivamente, que me afastava da senda seguida pelo sr. D. Rodrigo, porque de forma nenhuma a minha interpellação versava sobre a casa pia, nem sobre a sua aclual administração, c a camara estará certa de que eu não disse uma só palavra a esse respeito. Fallei na casa pia, nas suas péssimas condições hygienicas, nas moléstias que ali grassavam na accumulação que havia e nas medidas do sr. minislro a tal respeito, não censurando-as, mas para mostrar que era impossível- reunir ali os dois estabelecimentos, o dos orphãos que ficaram das viclimas da febre amarella, e o dos meninos e meninas abandonadas.
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tcriores, e dizendo que eu tambem tinha tomado parte em uma d'essas administrações. É Yerdadc, dois annos estive á frente da administrarão d'aquelia casa, juntamente com o sr. marquez dc Loulé, e s. ex * o sr. ministro do reino, que estava então lambem no minislerio, mas cm differenle pasta, talvez saiba que foram grandes as instancias do sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães para que eu aceitasse aquelle cargo, c talvez esteja presente n'esta camara algum cavalheiro que interpozessc a sua amisade para esse fim, (O sr. Sampaio:— Apoiado.) porque a minha repugnância era grande; achava-me a muita distancia do estabelecimento, e não me sentia com forças.bastantes para poder remediar os males que me diziam ali existirem. Mas condescendi com os meus amigos c lá estive dois annos; c peço licença para dizer que se a inlelligencia não era grande, foi grande o zelo, c alem do zelo houve tambem o desinteresse. Eu louvo os cavalheiros que actualmente se acham á frente da administração d'aquella casa pela sua abnegação, declarando que nunca receberiam ordenado algum por tal mester; mas acharam lá o exemplo, exemplo que não consta de documento algum senão negativamente das folhas dos empregados do estabelecimento.
Fallou-nos o sr. ministro das providencias que tem tomado, c cu não posso deixar de lhe render louvores e de o acompanhar no empenho em ques. ex.' se acha de melhorar as condições d'aquclla casa pia: permitta-me no entretanto s. ex.* que lhe diga que talvez a iniciativa a respeilo das providencias que actualmente se hão tomado fosse já mais antiga.
S, ex." fallou em desaccumulação. E para se fazer a desaccumulação que providencias lem empregado ou diz que ha de empregar? Diz s. ex." que uma d'ellas é a reconstrucção completa do edifício; um,? oulra que a actual administração do estabelecimento já tem rmpregado, é pôr em officios fóra da casa alguns dos orphãos que ali se acham, pôr na rua aquelles qne lá existem e que tèem excedido a idade da lei, e vedar a entrada de mais. Este ullimo é para assim dizer a mais forte alavanca para a desaccumulação.
Sr. presidente, quando cu tive a honra dc enlrar n'aquella casa uma das primeiras cousas que fiz e osr. marquez de Loulé foi chamarmos ali alguns dos homens mais conspícuos e mais inlelligentes para nos guiarem com os seus conselhos no que devíamos fazer. Houve uma commissão composta nao só dos facultativos da casa, mas do sr. conselheiro Santos Cruz, que então era presidente do conselho de saude, e dos srs, doutores Barral, Bernardino, Beirão e. Bizarro; e devo dar um testemunho publico de que aquelles cavalheiros tiveram um trabalho immenso em examinar a casa pia e Iodas as suas condições', c lá se acham consignados nos archivos d'aquelle estabelecimento os conselhos que elles deram, um dos quaes foi a desaccumulação. A desaccumulação não é idéa nova, e constantemente se dizia.que ella era indispensável n'aquclla casa: quando n'oulro dia fallei na desaccumulação foi para provar as inconsequencias do decreto de 12 de outubro, mas não a censurei, não a censuro nem a podia censurar..
Sr. presidente, s. cx." o sr. ministro fallou em novas con-strneções. A administração dc que fiz parte não emprehen-deu uma reconstrucção completa, porque lhe falleciam para isso os meios, c nem para outras obras mais modestas os pôde alcançar; mas tralou de fazer novas construcções ; eu mesmo tive a honra defme dirigir a s. ex.", que então era minislro das obras publicas, pedindo-lhe que mc concedesse um ar-chilccto para levantar uma planta. Foi levantada a planta, e lá existe, e já existia lambem a idéa de que o novo edificio fosse feito no terreno das Mercieiras. Se esse plano se não realisou, a rasão é porque faltavam os meios, assim como hão de fallar para a reconstrucção completa do edificio. Agora o governo dá alguns meios á casa pia, e n'aquelle tempo o go+ verno de que s. cx." lambem fazia parte não os dava : longe de os dar relirou-lhe parle dó que lhe pertencia das loterias, qne s. ex." agora diz que restituiu á casa pia, e não sei se restituiu ludo quanto recebia o lhealro de D. Maria II. Digo islo porque, se bem me recordo, e não o assevero, lodos os estabelecimentos de caridade linham sido legados n'esse passo dado pelo sr. ministro do reino de então, quando deu lote-
rias áquelletheatro; porque não era sóa casa pia a interessada n'cllas, os estabelecimentos dc caridade interessados nas loterias eram a casa pia, a misericórdia c o asylo dc mendicidade. Não sei sc cífeclivamenle agora a restituição foi feita repartindo-se com igualdade por todos estes estabelecimentos o que recebia aquelle lhealro, ou se fui feita somente á casa pia; não posso por consequência dizer sc a medida foi justa ou injusta, o que sei é que não posso deixar de louvar a S. cx." por tirar ao lhealro aquillo que sc lho linha dado á custa dos estabelecimentos de caridade.
Sr. presidente: «É precisodesaccumular a população da casa pia pondo os orphãos em; ofiicios.» Dc accordo. «Mandaram-se pôr alguns a ofiicios, mas lodos foram rejeitados.» Felizmente no meu tempo não era tanto assim. Eu tenho aqui dados eslatisticos dos quaes se vèqne enlão achavam-se quarenta e lanlos em officios fóra da casa ; por consequência linha-se empregado esse meio; c tinha-se procurado tanto quanto era possivel pôr fóra do estabelecimento aquelles que excediam a idade legal; logo tratarei d'cste objecto, que é bastante ponderoso.
Passarei agora a outro meio de desaccumulação, que é vedar a entrada dc mais orphãos. Já disse ao sr. ministro do reino que não o tinha censurado por esle passo que s. cx." deu, o que censurei foi a contradicção das disposições que s ex." promulgou, c tanto não o podia censurar por esse passo, que se s. ex." compulsar os documenlos que devem existir na secretaria do reino a respeito da casa pia, lá ha dc achar uma representação do 14 de fevereiro de 1854, cuja copia lenho aqui, que pela administração da casa pia n'a-quella epocha foi dirigida ao governo, para que sustasse a admissão de novos orphãos: era uma medida talvez dura mas necessária; n'aquella epocha pedimo-la, c o governo como nos deferiu? Mandando enlrar mais orphãos; nós não tínhamos o veto para nos oppormos a essas novas entradas; os orphãos eram mandados entrar pelo governo, e a admissão ía-se verificando.
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tabelecimenlos d'csta natureza em França, segundo as informações que me foram dada pelo sr. dr. Pulido regulam na proporção de ura por oito, c ainda por menos. Quer dizer, esla mortalidade anda por mais de 12 e 13 por cento; c segundo o mappa que aqui lenho, a mortalidade nos orphãos da casa pia apenas no anno de 1818 chegou a 12, nos varões e a 6 nas raparigas; c cm todos os oulros annos anda por 7, 6, 5, 4, 3, 2 e menos dc 2 por ccnlo. E diz-se que ha uma mortalidade espantosa n'este estabelecimento!.. .
Sr. presidente, não serei eu que diga que as condições hygienicas d'aquclle estabelecimento são boas: são más, lêem influído na saude, mas não lêem influído na mortalidade de maneira que sc possa apresentar um quadro tão negro como apresentou s. cx.* o sr. minislro do reino.
No que diz respeito ás oíficinas, devo dizer que a questão c sc convirá conserva-las ou supprimi-las, c julgo mesmo que nos paizes estrangeiros em muitos d'cstes estabelecimentos existem com proveito. Mas para justificação da casa pia edas administrações anteriores direi que Iodas estas officinas sc acham determinadas no regulamento de 9 de maio de 1835. Se hoje se quer dar ao estabelecimento differenlc organisacão, se se querem fazer novas reformas, estimarei que ellas produzam o resultado que lêem em vista os cavalheiros que se acham á frente d'aquelle estabelecimento, porque dc cerlo não têem oulro desejo que não seja o desenvolvimento c prosperidade do mesmo.
Sr. presidente, vamos a tratar dos alumnos que ali se acham cm idade avançada, lanlo do sexo masculino como do feminino. Pelo que respeita aos do sexo masculino, eram apenas os mestres das oíficinas ou os cegos que formavam uma banda dc musica e que tinham cegado denlro do estabelecimento, os quaes foram agora postos na rua c talvez cm pouco tempo os vejamos pedindo esmola; e emquanto ás mulheres, eram as mestras, as regentes dos collegios, as empregadas na rouparia, na lavandaria, na costura e muilos outros mesteres, como ludo se pôde ver de um mappa que tenho presente. Disse o sr. ministro que na casa pia se achavam mulheres que tendo entrado para aquelle estabelecimento creanças, hoje contavam cincoenta e sessenta annos, e que se visse se, isto podia ser um bom syslema!
N'isto ha uma especie dc censura ás administrações passadas e aos governos anteriores, porque os ministros do reino iam ali c examinavam o estabelecimento. Ê exacto que militas mulheres ali existiam alem da idade de vinte annos; no meu tempo subia o numero a cento c Ires, mas conviria que essas orphãs quando chegassem a esta idade não tendo a maioria d'ellas parentes, nem familia, como ludo consta do mesmo mappa, fossem postas na rua, para irem encetar a estrada de vicio c da prostituição? Esle principio de moral foi tão respeitado pelo decreto de 9 de maio de 1835 que lá mesmo sc diz que as orphãs, que chegando a esta idade fatal, não tiverem parentes a quem sejam entregues, conservar-se-hão na casa pia. Ora quem quizer examinar o mencionado mappa verá que a maior parte d'es,las orphãs, ou quasi Iodas, tèem a nola dc que não tèem ninguém por si. Mas não era só esta a rasão: ha outra muito especial, e é, que eram indispensáveis para o serviço da casa pia: eram as mulheres empregadas nas diversas oceupações, que não podiam ser exercidas por creanças de poucas forças, portanto não se pense que nenhuma dVssas orphãs que existiam n'aqucllo estabelecimento em idade avançada estavam ociosas ou contra a lei. Se hoje se seguir o syslema de extinguir as oíficinas é possivel lança-las fora, de outra maneira não.
Sr. presidente, se tudo isto prova que ha muita população n'aquelle estabelecimento c que não pôde continuar d'aquella maneira, que é necessário proceder á desaccumulação, então como se quer mandar para lá os orphãos da febre amarella c os meninos e meninas abandonadas? Se 5. ex." diz que por haver ali muita população resolvera não fazer novas admissões! Se s. ex." acha que o pessoal ali existente já é demais, como quer mandar para lá os orphãos da febre amarella? Como quer mandar para lá os meninos e meninas abandonadas? Não se comprehende a coherencia de laes medidas.
O sr. minislro do reino fallando dos orphãos da febre amarella disse que linha em seu poder cenlo sessenta c quatro requerimentos pedindo a admissão na casa pia,'c que d'esses só ouxo é que sc diziam filhos das victimas d'aquelle ílagello; mas o que não disse é se esses onze fizeram excepção á portaria de 30 dc janeiro, sc contra a disposição d'ella mandara abrir as porias do cslabeleciuicpto para elles entrarem, ouse não entraram; c se não entraram não sei qual seja o deslino que lhe queira dar, alem de que ha uma causa para não ap-parecerem mais requerentes. .
Quando tive a honra de oceupar o logar dc governador civil de Lisboa recebi uma portaria cm que se dizia:
«Manda Sua Mageslade que o governador civil dc Lisboa, procedendo ás necessárias averiguações, faça, sem perda dc tempo, relacionar os orphãos de um c oulro sexo, que ficaram dos fallecidos da febre amarella, que por suas circumstancias e falia dc meios das pessoas a cargo de quem estão, devam ser admitlidos no estabelecimento pio que se dosi-r gnar; c remelta logo a este ministério essas relações, com informação sua, a fim de que, satisfeitas as formalidades que forem prescriptas no respectivo regulamento, possam, sem detença, ser recolhidos no estabelecimento pio, os orphãos que estiverem no caso dc se aproveitarem d'aquellc beneficio.».
Foi cumprida esta portaria. Os administradores dos bairros chamaram todas as viuvas ou parentes dos orphãos que eslavam n'aquellas circumslancias, e a relação foi confeccionada c remellida ao ministério; e se a memoria me não falha foram duzentos sessenta eseis os que se apuraram, e que estão á espera do competente aviso para entrarem no asylo; mas o asylo não eslá organisado, nem pôde para a casa pia entrar um só orphão, porque estão fechadas as parlas d'aquel-le estabelecimento.
A respeito do asylo, segundo as disposições do commendador Manuel Pinto da Fonseca, s. ex." quiz fundamentar o | seu procedimento no voto dos próprios tcslamentciros; e acrescentando que o meu nome se achava ali assignado, leve a bondade de ler um trecho á camara. Eu peço que se mc permitia ler oulro da mesma resposta, que é o seguinte:
« Para nos convencermos, de qual foi a intenção do testador, bastam as claras palavras- o se aoiempo da minha morle já existir cm Lisboa algum estabelecimento d'essa natureza, ele — , palavras demonstrativas, dc que fallava dc um estabelecimento ainda então não existente; e não de um estancie-, cimento de orphãos; porque elle sabia a existência da casa pia, a qual também foi contemplada nas suas caritativas disposições.»
Isto prova, sr. presidente, que nós estamos convencidos, dc que a casa pia não podia ser de forma nenhuma o local onde se devera estabelecer o asylo.
Concluímos, dizendo:
«Todavia os abaixo assignados persuadem-se que as vistas humanitárias do governo bem podem harmonisar-se com as intenções caritativas do testador, c pela sua parle não duvidam combinar com a idéa de juneção dc fundos para um novo estabelecimento de caridade ou augmenlo de um já existente, debaixo dis condições seguintes, ele.:
Disse-se de um já existente, e não de um dos já existentes, c a rasão foi porque depois da morle do testador um illuslre cavalheiro que esteve na administração do governo ci\il leve a lembrança feliz de estabelecer um asylo de meninas abandonadas, debaixo da invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Ora supponhamos que so indicava, o que não é exacto que se fizesse, a união á casa pia, haveria a possibilidade de se verificar essa união? iicsponda a portaria de 30 de janeiro.
Sr. presidente, o sr. ministro do reino fallou nas condições apontadas pelos testamenteiros e tratou com pouca consideração algumas d'ellas. Rcferiu-se á labolcla preta com letras brancas onde se inscrevesse o nome do testador, á collocação do busto, e á missa annual, cuja condição considerou excessiva das altribuições dos testamenteiros.
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com algum desprezo, devja declarar as rasões cm que se fundavam, c que lá se achavam bem expressas. Nào foram as condições lembrança originariamente minha, nem do oulro cavalheiro que existe em Lisboa, foram lembrança do sr. Lousada, lembrança que nós adoptámos, c da qual tomámos toda a responsabilidade. E quaes foram essas rasões? Existem nas mesmas condições, que são as seguintes.
«5." Que estes pensionistas para despertarem a lembrança do seu instituidor, c excitarem a caridade de novos bemfeito-res, lerão um pequeno dislinclivo no uniforme geral da casa.
«6.* Que o busto cm mármore do finado testador seja collocado, quando os seus herdeiros o queiram ceder, na sala dos bemfeitores, onde será cullocada igualmente uma la-boa preta com a designação em letras brancas ou doiradas das quantias que forem sendo deixadas ao estabelecimento, e por quem.
«7.* Que todos os annos no dia 20 dc agosto, anniversa-rio da morte do eommendador Manuel Pinto da 1'onscca, sc diga por sua alma uma missa, á qual assistirão lodos os pensionistas da casa.»
(Não sc mencionam as oulras condições que não vem para o caso.)
Não era o letreiro restriclo a Manuel Pinlo da Fonseca, era extensivo a lodos os bemfeilorcs; e é islo o que.se costuma praticar em quasi todos os estabelecimentos d'esla natureza para excitar a piedade de oulros, que, dotados dc sentimentos religiosos e caritativos, se levam muilo d'cstas considerações; assim como muitos sc levam de considerações profanas e menos proveitosas para a sociedade.
A 3.a condição, que respeitava a dizer-sc uma missa por alma do fallccido no dia anniversario da sua morte, foi a que mereceu fortes censuras da parte do sr. minislro, consi-derando-a como um excesso dos pqderes testamentários.
Não ha motivo para se dizer que os testamenteiros tinham excedido os seus poderes, c não c possivel de forma alguma sustentar que elles não estavam auclorisados para determinar similhante cousa.
Sr. presidente, se o sr. minislro do reino considerava que effectivamenle havia uma condição illegal, contraria ás leis, c que corno tal não se devia aceitar, não sei como disse que a aceitava; ura minislro não aceita condições contrarias á lei.
Os teslamenteiros persnadiram-sc (c note bem a camara que são testamenteiros ad hoc, são unicamente para dar começo a este estabelecimento dc piedade, e para nada mais), persuadem-se que quando se tratasse dos empregados do estabelecimento se lhes haviam designar as obrigações, que entre aquelles devia haver um capellão para dizer missa lodos os domingos e dias santos, e que a este podiam impor-lhe a condição de dizer annualmentc uma missa por alma dc um bemfeitor dc tal magnitude. Pois, sr. presidente, isloéacrc-mente censurado aos denominados testamenteiros, c pergun-la-sc se elles leriam direito para o determinar.
Eu n'oulro dia não preslei toda a altenção á leitura queo sr. minislro fez das disposições do testador; no entretanto sempre direi que a camara sabe quaes ellas são para conhecer se com effeito houve ou não excesso da parle dos testamenteiros, e seja-mc licito dizer que ellas contem estas significativas palavras =para darem (os nomeados) o devido cumprimento a esta minha disposição da maneira que melhor entenderem-.—.
Entendemos talvez mal; mas o sr. ministro quer que o estabelecimento seja organisado da maneira por que s. ex.* entende, o não da maneira por quc.nós entendemos.
Ora, sr. presidente, se n'isto aos testamenteiros cabe alguma censura, cu peço ao sr. ministro, que lanlos bills de indemnidade tem vindo pedir a esta camara, e que faz parte presentemente de um gabinete que tem apresentado tantas propostas, nas quaes sc exigem bills de indemnidade para o facto do desvio de grandes quantias applicadas por lei para fins certos e determinados, conceda tambem um bill de indemnidade aos testamenteiros que tiveram a lembrança de desviar não centenares de contos de reis, mas quando muilo
um cruzado novo para suffragar a alma de um bemfeitor que deixara 140:000^000 para um estabelecimento de piedade.
Eu peço desculpa á camara do desalinhavado das minhas reflexões; o eslado da minha saude não é hoje o mais propicio.
O sr. ministro do reino censurou os testamenteiros denão haverem respondido á communicação que se lhe fez do decreto de 12 dc outubro de 1859, e disse == que não linham direito dc não responderem =. Não queremos arrogar-nos tal direito. Eu comprehendo que s. ex.* queira dizer que nós tiníramos obrigação de responder, o que é cousa diversa ; entretanto nós entendemos o contrario. E quando eu disse que s. cx." lá tinha a resposta, não era á primeira communicação era á segunda, que sc fez na véspera da interpellação, pois, quanlo aquella, nem o dever, nem a civilidade, obrigavam a responder, e a rasão c obvia. A communicação foi-me feita n'esles lermos:
«A fim de que v. ex.*, pondo-se de accordo com o oulro testamenteiro residente em Lisboa, possa tomar as medidas convenientes para que se levem quanlo antes a effeito as disposições philanlrhopicas do testador.»
Determinando o decreto no artigo 3." que ficava ludo a cargo da administração da casa pia, c que ella devia fazer os regulamentos (quando nós não declinávamos a intervenção que devíamos ter n'csle negocio em virtude das disposições do leslador, que havia poslo cm nós toda a confiança para o cumprimento do fim que tivera em vista) e mandando entregar o dinheiro a essa adminislração, era ella que nos devia chamar a nós c não nós que a devíamos chamar a ella; era ella que devia communicar ao governo a execução do decreto oir os obstáculos a essa execução e os testamenteiros nada tinham a responder, ao menos assim o entenderam, mass. cx." se entendia que com effeilo nós tínhamos um rigoroso dever de responder, tendo cu a honra c a fortuna n'essa epocha de merecer as simpalhias c amisade de s cx.*, o que infelizmente desappareceu com a entrada do faial anno bissexto, não era muito que lendo tantas conversas com s. ex." sobre este objeclo, mc dissesse —que era preciso responder aquella communicação = praticando s. ex." assim um acto de mutua reciprocidade a que julgo linha direito, pois a communicação foi-mc feita em 14 dc outubro, c cu poucos dias depois disse a s. ex." que tinha havido uma omissão da sua parte, porque igual communicação não tinha ido ao outro testamenteiro, e effeclivamente s. ex." no dia 31 a enviou reparando essa omissão. Se s. ex." me dissesse = falta essa resposta = nós a daríamos, c declaro a s. ex.* que não foi nem propósito de faltar aos nossos deveres, nem intenção de faltará civilidade.
Sr, presidente, passo á ultima parte das minhas considerações, em que entro com bastante repugnância. Eu terminei a minha interpellação, recommendando a s. ex." que fizesse tudo quanlo estivesse da sua parle para que se levasse avante e á execução a disposição do fallccido, organisando-se sem demora o asylo para receber os meninos e meninas abandonadas, e que havia de achar toda a coadjuvarão da parle dos tesUmenleiros; mas como terminou s. ex.'? Com uma ameaça formal aos testamenteiros; as suas palavras que sc lêem no Diário dc Lisboa foram as seguintes: «Hei de seguir os tramites que as leis aconselham para compellir os testamenteiros a cumprirem os seus deveres, entregando ao estabelecimento, que o eslado mandou instituir as sommas que estão em seu poder para esse effeilo.»
Sr. presidente, esla ultima asserção contém uma aceusação aos testamenteiros, que. posso assegurar á face da camara que é menos verdadeira.
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do os tribunaes o decidirem, havemos de respeitar as seus decisões; mas, sr. presidente, devo dizer a s. ex." que c tal a posição dos testamenteiros, que nem o poder executivo com toda a sua força, nem o poder judicial com a sua aucloridade podem fazer com que os testamenteiros entreguem as sommas legadas, e a rasão disto é fácil de comprehender. Disse s. ex." (referindo-se a mim e ao sr. Oliveira) que o legado existia na mão dos testamenteiros; devo dizer a s. cx." c ao publico que não é exacto, esta asserção é menos verdadeira, nunca existiu na nossa mão o legado, dosr. Manuel Pinlo da Fonseca, nem um só real; o sr. Manuel Pinto da Fonseca nomeou-nos testamenteiros privativos adhoc, isto é, para intervir na fundação e organisacão do asylo; mas nomeou testamenteiros definitivos da sua herança, que são outros c muito differentes; saiba isto a camara c o publico, para que se não possam formar com laes insinuações juizos temerários. Mas cu em abono da verdade lambem devo dizer, visto que fallei nos testamenteiros do finado, que são homens honradíssimos, e que esse dinheiro está rendendo não para elles, mas para o mesmo asylo, saiba isto o publico.
Sr. presidenle, as palavras do nobre ministro no fim do seu discurso, dizendo no parlamento que havia de obrigar os testamenteiros a entregar as sommas que estavam nas suas mãos, lançaram um descrédito na minha honra, c era preciso vir desaffronlar-me no parlamento.
Eu peço á camara que desculpe, porque um homem... Sr. presidente, nada direi, senão que a honra é superiora tudo, e a minha honra nuuca soffreu o menor labéu. A camara desculpará as minhas reflexões, e quanto ao sr. ministro, se disse alguma palavra que o offendesse, eu a retiro.
O sr. Ministro do Reino (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, sinto que a discussão dc um assumpto dc lanlo interesse publico, que por todos os lados que sc considere, tanto deve excitar a allenção da camara, mas de um assumpto, que por isso mesmo devia ser tratado desapaixonadamente á luz da rasão, dos principios e da conveniência publica, lenha oceupado esla assembléa por maneira, para a qual eu pela minha parte não contribui, e que desejo evitar por interesse da ordem e por interesse do debate parlamentar.
Custa-me, sr. presidente, a mira qpc faço diligencias para comprehender os principios fundamcnlaes do systema representativo, os meus deveres e os meus direilos n'esla casa, e o respeilo e a consideração que devo a todos, e sobretudo á verdade e ao meu paiz, digo eu, sr. presidente, que me custa a mim, que faço estas diligencias, de me ver obrigado, chamado pelo illuslre deputado que acaba de fallar, a discutir não com um depulado da nação porlugueza, mas com o testamenteiro do sr. Manuel Pinto da Fonseca! Eu, minislro da coroa e membro do poder executivo, lendo a palavra e respondendo ás interpellaeões que se me fazem, não vejo aqui testamenteiros, vejo os deputados da nação portugueza.
Ainda ha pouco um illustre deputado, dirigindo-se ao governo disse: «Porque não cumpris as disposições do legado, quando tendes meio de as fazer executar á custado eslado?» Sendo eu inlerpellado por esla forma, não por um testamenteiro do fallecido, mas pelo illuslre depulado que primeiro fallou, e eu respondendo que linha empregado todos os esforços para esse fim, creio que não podia offendernemo caracter, nem a dignidade, nem a honra do illuslre depulado, que para mim é muito valiosa, c da qual nunca me recusei a dar testemunho, e que estava acima de quaesquer insinuações que sc podessem fazer, e que não fiz nunca. Trato as questões á luz dos factos, mas não discuto as pessoas, respei-lo-as todas, mas não entendo que o parlamento seja o logar, nem de desaffronlas, nem de quaesquer desinlelligencias que possam existir dc qualquer maneira entre dois homens públicos.
Sr. presidente, eu não disse que o legado do sr. Manuel Pinlo da Fonseca eslava nas mãos dos testamenteiros d'ellc.
O sr. Moraes Carvalho: — Di-lo o Diário.
O Orador:—O illustre depulado responde por tudo quanto se lem dito em seu nome no Diário do Governo?
Osr. Moraes Carvalho:—Não, senhor.
O Orador:—Então como quer que responda eu!
O sr. Moraes Carvalho:-—Se s. ex." retira essas expressões cu retiro o que disse a esle respeilo.
O Orador:—Eu digo o que disse; e não retiro palavra nenhuma porque não offendi ninguém. Tenho ha muilo lempo uma norma invariável de principios. Sei offender quando quero, c tenho coragem para isso, não para offender o nobre depulado, mas para offender quem mc quizer offender. Mas quando eu não lenho intenção de offender ninguém, quando alguma palavra sác da minha boca que alguém pôde reputar uma offensa, estou prompto a dar toda a satisfação e pedir desculpa da phrase. Mas repito, não live intenção de offender o nobre deputado.
Disse eu que o legado de Manuel Pinlo da Fonseca estava em poder dos testamenteiros; islo não quer dizer que estava nas mãos dos testamenteiros, nas suas caixas ou nas suas burras: quer dizer que está á ordem dos testamenteiros. (Apoiados.) Esta é a verdade, e não pôde negar-se que o legado de Manuel Pinlo da Fonseca está á ordem dos testamenteiros. Mas não se podia tradulir esla phrase como a traduziu o nobre deputado; nem pelo pensamento me podia passar que o legado dc Manuel Pinto da Fonseca estava na sua mão, na sua burra ou na sua caixa, dando a entender que eu linha feilo uma insinuação pouco airosa aos testamenteiros de Manuel Pinto da Fonseca, como se cu esquecesse que o nobre deputado era aquelle cavalheiro que lodo o mundo conhece por homem de bem, como se eu quizesse insinuar que elle estava usofruindo o produclo d'aquclla quanlia, que nunca lhe passou pela mão, nem podia passar pela de ninguém.
Eu disse que o legado eslava á ordem dos testamenteiros, c que os testamenteiros encarregados de dar cumprimento aquella disposição do testador haviam de regular-se conformo a sua vontade e pelas leis do paiz; e qualquer que seja a respeitabilidade e posição do testamenteiro (e sou o primeiro a dar testemunho da honradez e probidade do nobre deputado), mas acima de todas as probidades individuaes, acima dc todas as respeitabilidades, acima de ludo isso eslá a lei da sociedade, e a obrigação em que todos os governos se acham dc fazer cumprir as disposições das leis. E se acaso o governo não pôde obrigar pelos meios legaes qualquer testamenteiro, em geral, a que entregue os legados que foi da vontade do testador tivessem tal ou tal applicação, e que elles cumo depositários ou executores da vontade do testador tèem obrigação de cnlregar, digo cu, se acaso o governo não livesse meios de os compcllir ao cumprimento do legado, seria o mesmo que collocar os testamenteiros acima das leis e de ludo.
E note a camara: ainda ha pouco um illuslre depulado indicava ao governo que fizesse cumprir as leis não só a respeito d'este mas de outros testadores, fazendo entrar nos cofres competentes c dando a applicação que linha sido encarregada pelos lestadores aos legados que elles tinham deixado a alguns estabelecimentos. Eu não sou jurisconsulto, mas não posso comprehender que um testamenteiro esteja acima de todas as leis e de tudo, como me pareceu ouvir ao nobre deputado; e que não haja governo nem tribunaes que possam obriga-lo a cumprir os seus deveres.
Vozes:—Tribunaes ha.
O Orador:—Tribunaes... Ora os nobres depulados parece que não me entenderam. Eu lenho costume de fallar alto c bem claramente; agora estou dando provas d'isso. Eu disse que o governo havia de usar dos meios administrativos, e se esses não bastassem havia dc compellir os testamenteiros por meio dos tribunaes competentes. Isto foi o que eu disse.
(Interrupção que não foi percebida.)
Pois cu não saberei que aos tribunaes competentes pertence fazer cumprir aos cidadãos certos deveres a que são obrigados pelas leis? Portanto não lenho de relirar palavra alguma, porque o que eu disse não era offensivo a ninguém; porque está cm harmonia com as leis do paiz, que eu como membro do governo lenho obrigação de fazer cumprir. Hei de satisfazer a este dever.
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objecto, que não achava fundamento para me arguirem de ter mandado crear junto da casa pia um estabelecimento para o qual o sr. Manuel Pinto da Fonseca lenha deixado um legado importante, c disse isto apoiado n'cssa occasião pela leitura que fiz dc uma parle da resposta que deram os testamenteiros dosr; Manuel Pinlo da Fonseca sobre este mesmo assumpto: O nobre deputado qtic acabou dc descer da tribuna leu outra parte da mesma representação, mas que não altera de forma alguma a verdade das minhas as-erções. Eu lenho presente a mesma representação de que o nobre deputado leu uma parte, c éu tinha lido a parle a qué me refiro, que trata d'estc legado; porquanto Manuel Pinlo sabia bem que existia a casa pia a favor da qual fez alé uma disposição especial c dislincla, que podia deixar dc o fazer. Mas o próprio nobre depulado reconheceu que ficando o estabelecimento a que diz respeilo o legado annexo á casa pia, c não confuudido com ella, não havia inconveniente em entregar as sommas á sua disposição para se crear o mesmo estabelecimento. Ora debaixo d'estc pensamento foi publicado o decreto de 12 de outubro, que tanlo maravilhou agora o nobre deputado. Diziam os cavalheiros que assignaram esta representação. (Leu. I
Sr. presidente, sc o governo não fez mais do que seguir a inspiração e conselho dos testamenteiros n'este ponto que eu acabei de ler, e vem junto a outro do conselhogcral de beneficência, que é assignado por muitos cavalheiros distinclos, muitos homens intclligentes, por isso mesmo que eram competentíssimos pela lei é pelas circumstancias especiaes para dar conselho sobre este objeclo; creio que se não fez mais do qué seguir o seu parecer, c eu não deveria merecer as iras do nobre deputado;
Se existisso alguma duvida sobre a sinceridade cora que o governo andou publicando o decreto dc 12 dc outubro, esla duvida tinha sido desvanecida com o que disse o nobre deputado ; com verdade qúe ha poucos dias linha dirigido a sua resposta categórica ao miiiisterio do reino; masd'esta mesma resposta1 sc deriva o bom direito com qne sustento a publicação do decreto de 12 dc outubro dc 1859. Aqui tenho presente a resposta qúe dão aquelles cavalheiros, testamenteiros de Manuel Pinto da Fonseca, a respeito do referido decreto. Esla resposta é dc dala mui recenle, é de 10 de abril de 1860. Eu a \e\o^(Leu.)
E concluem pedindo a revogação do decreto de 12 de ou-tnbro de 1859. Qncr dizer, que os teslamenteiros depois de declararem ao governo que o decreto de 12 de outubro de 1859 não contraria as intenções do testador, pedem a revogação do mesmo decreto!..
O Sr. Mortxcs Carvalho:—-Porque é dc impossivei execução.
O Oradora—Porque é de impossivei execução! diz o illustre deputado; e eu digo qúe o considero de fácil e possível execução:
¦ Sr. presidente se os testamenteiros, quaesquer que sejam as considerações qne'façam, por mais absurdas que sejam (c isto por hypothese e sem applicaeão ao caso presente) para deixarem de entregar úm legado, digo eu, se tem esse direito; se o governo não lem que intervir para isso em cousa alguma com a sua opinião c com o seu voto; se o governo fica á parte; se é ao governo que pertence a auctoridade suprema ênl relação a lodos os estabelecimentos de caridade; se é ao governo a quem cumpre fazer ou auctorisar estas instituições,- porque ninguém pôde fazer uma instiluição_qualquer de caridade bastando a sua própria vontade tí auctoridade, sem necessidade do beneplácito do governo; que é quem tem de auctorisar tacs instituições, approvação de seus estatutos, condições com que são-estabelecidos, em fim todas as mais cousas que São indispensáveis para se poderem crear e promover estabelecimentos d'esla natureza, fc não se podendo fazer ludo islo sema intervenção por parte da auctoridade publica'j se procedessem as rasões dos testamenteiros, não haveria mais.nada que a vontade dos testamenteiros. (Apoiados.!
Mas o decreto de 12 de outubro de 1859 não contraria a intenção do testador, E o que dizem os testamenteiros? Di-
zem: «Nós testamenteiros, acima da vontade do testador queremos que se faça o que for da nossa vontade; nãò queremos o decreto, porque com quanlo elle não contrarie a intenção do testador contraria a nossa vontade.»
Pôde isto admiltir-se? Eu não sou jurisconsulto,'mas pa-recc-me que posso dizer afoitamente, que se não pôde admitlir. (Apoiados.} Entretanto peço aos illustrcs jurisconsultos que cslão n'esta casa que me esclareçam a este respeilo, c que me digam Se estou em engano. (Vozes:—Não está.) Ora isto c uma hypothese; mas esla hypothese pódc lor-nar-se uma these, c veja-se bem onde nos leva esta doutrina ! O decreto não contraria a intenção do testador, mas contraria a nossa vontade, dizem os testamenteiros; nós é que queremos, segundo ella, crear a instituição; o governo fique á parte; o governo não lem opinião sobre este assumplo. Isto poderá alguém sustentar c admitlir, mas o governo, mas os poderes públicos é que o não podem sustentar nem admitlir. (Apoiados.) Sr. presidente, a verba testamentária que ha pouco foi lida pelo illustre deputado diz o seguinte. (Leu. S
Ora foi n'esta phrase =±da maneira que enlenderem= que o illuslre depulado que me precedeu fundou toda a sua argumentação, para moslrar que elle, ou para melhor dizer, os testamenteiros, podiam exigir taes c taes alterações, modificações, declarações ou como melhor nome tiver em direito, para cumprirem o teslamcnlo. Eu enlendo que esla dis-posiçãonunca pôde, pormodo algum, aficclar o cumprimento exacto da-vonlade do testador. Esta disposição não pôde senão ser emquanto á forma, mas não emquanto ao fundo da queslão. (Apoiados.) Ora, se em um testamento se diz: « Deixo tal legado por tal fim e os teslamenteiros cumpram-no do melhor modoique entenderem; c islo significar que é para que elles façam; a respeilo d'csse legado, tudo o que entenderem, enlão os'testamenteiros por esla phrase podem ir até ao estabelecimento de encargos onerosos, de encargos novos que não foi da vontade do testador instituir nem crear.(Apoiados.) Aonde pararia este direilo? Não sei, ninguem o sabe. (Apoiados.) Porlanlo esla disposição não pôde ser senão na forma, não pôde ser no fundo da queslão. (Apoiados.) E a questão que se Irala não é de forma.
Eu, sr. presidente, disse na primeira sessão em que se tratou d'este objeclo, qúe algumas das disposições que se achavam mencionadas nas condições apresentadas pelos cavalheiros que assignaram.a representação, que linha tenção dc as consignar no regulamento que fizesse, quando se instituísse òu formasse o estabelecimento para que fóra deixado o legado. Porlanto já se vê que não contrariei, nem rejeitei, nem impugnei essas diversas condições a que o illuslre deputado recorreu ha pouco, parecendo querer indicar á camara, ao menos afigurou-se-mc que quiz indicar á camará que eu tinha tratado essas condições com desconsideração e despreso. Não as tratei com desconsideração c despreso. Para mim são sempre respeitáveis os objectos que prendem mais ou menos propriamente e approxiniadamente com estes assumptos importantes de caridade publica.
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principio qoc estabeleci, de que não podemos ir alraz d'esta idéa ou de outra idêntica, a ponlo de se permiltir que nos legados os testamenteiros possam estabelecer encargos Ião onerosos, e lanlos que desviem o legado da sua applicação lega], porque no caso presente, assim como se pódc impor a condição de uma'missa-, não poderiam os testamenteiros impor tantas que contrariassem á vontade do leslador pela diminuição dó Valor do Segado para a sua devida applicação? (Apoiados.) O governo não quer contrariar que se diga a missa, mas não pôde deixar dc sustentar o principio de senão dever gastar em applicação diversa o legado que foi feilo para um determinado fim;
Disse, e repilo, que respeitei crespeito esle objeclo, que o tratei c Iralo com a devida consideração; c jiortanlo não mc parece que o illustre deputado lenha rasão em querer indicar á camara que eu linha tratado com despreso c desconsideração um objecto que diz respeito a um assumpto que é real-menlo altendivel, grave c importante. (Apoiados.)
Sr. presidente, emquanlo á difficuldade que o illustre depulado encontra em conciliar as disposições do decreto de 12 de outubro de 1859 com a portaria de 10 de janeiro de 1860. pela qual se tomou uma medida relativamente á desaecumu-lação dos orphãos que existem na casa pia, o illustre depulado entendeu que líavia desharmonia entre esses dois documenlos, e da qual sc serviu para mostrar a impossibilidade na execução d'cslas medidas. Permitta-me porém que lhe diga que eslou ainda hoje nas mesmas idéas em que estava quando promulguei aquelles decretos. Mas diz o nobre deputado: «Eu fui o primeiro que disse que na casa pia havia grande accumulação, e que era preciso acabar com ella.» Ora eu, reconhecendo isto, não declarei que linha tomado a iniciativo sobre este assumpto. Não discuti, nem estou discutindo a iniciativa de pensamento; pela minha parte despenso-a; dou a iniciativa a toda a gente, mas dêem-ine os faclos.
Todos pensaram n'islo, mas o facto é que só de certa epocha para cá é que começou a execução d'csse pensamento, e essa execução é dc moderna data, é de agora. E dizendo isto não censurei nem censuro as administrações que tèem dirigido aquelle estabelecimento, nem governo algum. Se censurasse os governos anteriores censurava-me a mim próprio, porque eu já fui membro da administração n'outro lempo, e ainda que não dirigia a pasta do reino, não declino a responsabilidade que me caiba. Essa pasta era enlão gerida por um homem, de quem fui sempre amigo, de quem sempre mc lembro com saudade c a quem a pátria muilo deve, (Apoiados.) e que infelizmente já não existe; e por isso agora muilo menos declinaria a responsabilidade que me pertence. Do modo pois por que encaminhei a discussão não foi por censurar, nem por aceusar individuo, corporação, administração ou governo algum.
Sr. presidenle, pela doutrina do illustre depulado as reformas são impossíveis. Todo o homem publico deve guardar c ter uma cerla gravidade e corlezia para com os oulros homens públicos. Eu pela minha parte não costumo nunca fallar a deveres de corlezia e cavalheirismo. Mas desde o momento que eu propozer uma reforma é preciso dizer que o estabelecimento que pretendo reformar está mau; é preciso dizer que está mau, aliás a reforma não tinha rasão de ser; reformar o que está bom é uma cousa que se não faz. Eu disse, e repilo, que o estabelecimento está mau, que precisa de ser reformado, e dizendo isto, não irrogo censura a ninguém. Porém se sc entende que dizer que um estabelecimento qualquer está mau, que precisa de reforma é fazer censura a quem tenha dirigido esse estabelecimento, é faltar aos deveres dc corlezia, enlão d'esla maneira o governo atarracado entre os deveres de corlezia e a necessidade de reformar o estabelecimento, vê-sc na necessidade de não fazer a reforma; o governo vè-se obrigado a cruzar os braços e a deixar ficar todas as cousas como estavam, isto é, a não fazer a reforma. Mas isso não pôde ser aceito nem pelo governo, nem pela camara.
É a exageração de uma idéa, que naturalmente é muito louvável da parte dos illustres deputados, mas que não posso
aceilar, porque d'ess'a maneira nãq sc poderia propor a reforma de cousa alguma.
Sr. presidenle, eu não irroguei censura a ninguém, antes pelo contrario fiz elogios aos dignos cavalheiros que tèem estado ã lesta d'quelle estabelecimento, e até citei os nomes dc alguns e enlre «'lies o do illuslre deputado, ejá \è queo anno bissexto não me leva tão longe que faltasse á verdade, dando um testemunho publico pelo zelo e dedicação dc s. cx!* pelo serviço publico. Disse que a administração d'aque11è estabelecimento que antecedeu aactual feZ da suaparte ludo quanlo podia para o melhorar, mas isto não quer dizer que tudo está óptimo, excellénle e bem organisado; e o facto é que existia a accumulação de creanças, c qiie a desaccumulação era uma necessidade, e a que sc está provendo dc remédio.
O illuslre depulado fez algumas considerações para concluir d'cllas que a mortalidade não é grande. Mas uma de duas, ou é exacla a asserção que eu fiz, de que á mortalidade é grande, c então prevalece o meu argumento da necessidade da desacumulação, ou é exacto que a mortalidade é muilo insignificante e então podem ir para ali tis meninos abandonados. O meu argunienlo hão é de que não está nem óptimo nem péssimo, e a verdade nem sempre está nas extremidades e n'este caso está no meio.
O testamento do sr. Manuel Pinlo da Fonseca não diz qué esses 100:000^000 e os oulros a que me tenho referido sejam para usofructo d'esse estabelecimento;. o legado diz que deixa 100:000^000 e mais 40:000^000 que depois se hão de addicionar para dar principio a um estabelecimento de caridade. Agora pergunto, se acaso sc entende que sc pôde mandar construir um edificio desde os alicerces ou se pôde aforar ou arrendar um já existente, e.se isto é assim não será mais util mandar reparar um já existente para alise recolherem as creanças abandonadas? (Apoiados.) Veja bem a camara a situação em que eslamos, podemos mandar fazer um edifício novo, e não podemos arrendar ou aforar um que existe, nem melhorar um já existente; islo parece uma cousa que não se pôde comprehender. (Apoiados.)
O sr. Siro Cabral:—Já deu a hora.
O Orador:—Bem sei que deu a hora, c não prendo o illustre depulado nem o posso prender, nem quero; mas não me parece muilo regular que sobre uma interpellação fique com a palavra reservada.
Osr. Silva Cabral: — Apoiado.
O Orador:—Mas eu vou concluir com Ires ou qualro argumentos, que não sei se serão argumentos ou phrases, mas cu creio que serão argumentos, c a camara os apreciará como entender.
Digo cu, sr. presidente, que alem d'esses 100:000^000 ha o juro d'csse dinheiro; note v. ex." e a camara, que lendo fallecido em agoslo de 1855 o sr. Manuel Pinlo da Fonseca, os juros d'esses 100:000^000 andam por 15:000^000 em dinheiro, e pretendendo-se que o legado seja applicado para dar começo a um estabelecimento pio, não podia o governo applicar esles 13:000^000 ao melhoramento, por exemplo, de um repartimento da casa pia, a fim de ali se collocarem os orphãos das viclimas da febre amarella, e as ercanças abandonadas, nos termos que o testador queria que fossem recolhidos? (Apoiados.)
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Sr. presidenle, qual é então a desharmonia que existe entre o decreto de 12 dc outubro com a portaria de 30 dc janeiro? Eu espero que os illustres cavalheiros encarregados de levar á execução a vontade do testador, na parle de instituir um asylo para as creanças abandonadas, elles que são homens de piedade e de caridade se compenetrem do que tenho expendido á camara, da vontade que anima o governo para attender á posição d'essas ercanças, c ajudem o mesmo governo para valer aos orphãos. O governo não pede nada para si, pede para.as desventuradas ercanças; desejo que se não esteja por mais tempo, e já não é pouco cinco annos, sem atlender a este objecto, deixando que continuem vagando pelas ruas tantas creanças abandonadas. (Apoiados.) O governo não pede meios para desviar para oulra applicação, pede meios que o auxiliem a valer á orphandade desvalida, porque o governo não tem todos os meios dc que carece para isso, pede a todos que o auxiliem para isso, quaesquer que sejam as suas posições politicas, que não vem nada para o caso. Deus nos livre fazer politica com a caridade e beneficência publica! Eu não estou fazendo politica, estou respondendo a uma interpellação, c quem responde não faz politica; mas lambem não quero dizer que os illuslres deputados fazendo essa interpellação tivessem cm visla quererem fazer politica, mas quem responde a uma pergunta dc certo a não faz. Repito, auxilic-se o governo n'esla empreza importante, porque o fim é justo, é nobre c caridoso. (Apoiados.) Cumpra-se a vontade do testador, satisfaça-se a sua in-
tenção, adoplc-se o que não for conlra ella, e melhore-se a sorte de tantos infelizes, que tanlo precisam de abrigo e de conforto. (Apoiados.)
Sr. presidente, n'esles lermos tinha muito mais que dizer, mas a hora já deu, a camara deve estar fatigada, assim como cu também o estou, portanto vou terminar. Parece-me que este assumpto pela minha parte eslá elucidado lanlo quanlo cabia nas minhas pequenas forças, e acima dc tudo, como já disse ha pouco, está o juizo da camara e o do publico, a quem me submelto voluntariamente n'csta occasião. (Apoiados.)
Osr. Presidenle:—A hora já deu, e a camara provavelmente não quer continuar. Eslava dada para ordem do dia sessão secreta, para approvação do parecer sobre o tratado com os reis de Sião; mas pela disposição em que vejo a camara, parece-me que seria inopporluno tratar-se agora d'este negocio; fica por consequência para segunda feira, e desde já previno a camara que talvez lenha de interromper a ses-para são esse fim. Agora vou dar a ordem do dia para segunda feira, que será, alem do projecto n.° 18, que tinha já sido designado para ordem do dia, o projecto n.° 21, que substituo o imposlo de transmissão e as sizas, por uma contribuição de registo, eon.°22, que regula a contribuição predial. E declaro que a ordem da discussão ha de ser, primeiramente pelo projeclo n.* 21, c depois o n.° 18. — Está levantada a sessão.
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Discurso que devia ler-se a pag. 113, cbl. 1.*, lin. 22, da sessão n.° 9; de 14 de abril
O sr. Costa e Silva: — Sr. presidente, já que a camara foi tão benévola para comigo concedcndo-me que fallasse n'esle incidente, não serei eu que vá abusar da sua benevolência por muito tempo, e lerei de resumir as minhas observações; nem eu poderia seguir o discurso do illuslre deputado que não ouvia da minha cadeira, e quando me approximei do orador notei que elle estigmalisava umas pronuncias proferidas pelo juiz dc direilo de Arganil: entretanto, sr. presidente, tem-se repetido aqui com tanta frequência as aceusações contra os juizes de direito que me pareceu dever protestar conlra similhantes inconveniências, a fim de que o silencio da nossa parle não seja mal interpretado. Nas mais classes reina a virtude, e só a togada éimmoral c corrupta; tenham pois os meus nobres collegas a satisfação de que em todas as mais repartições o serviço publico corre com a devida regularidade, e designadamente no magistério os professores instruem proficuamenle e os discípulos decoram bem as lições. Congralulo-me portanto com elles, e felicito o paiz por poder annunciar a verdade; pois do contrario essas atalaias da moralidade que lem descoberto o vicio na magistratura, se o o vissem nas outras repartições, Ic-lo-íam vindo denunciar igualmente ao parlamento, ponderando a necessidade de se tomarem as providencias adequadas.
Sr. presidente, não entrarei na defeza do juiz de direilo de Arganil acerca do qual teria sido mais extenso, scn'outra occasião me tivesse chegado a palavra; mas hoje depois que se disse aqui que elle estava em processo, ludo quanto se possa dizer pro ou conlra é intempestivo, e tende a prevenir o juizo; tenho ainda uma oulra rasão, e vem a ser que devendo a defeza seguir a aceusação, esla foi aqui feita incom-
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o futuro sc não continue a dizer o mesmo que até agora se tem dito, não sei com que fundamento. Pela minha parle digo mais que exhibo de boa vontade a minha beca não só a s. ex.* e seus agentes, mas aos curiosos que a quizerem examinar; acha-la-hão pobre, porque apesar do que dizem dos juizes, nós não podemos ter togas roçagantes dc setim e bordaduras, mas não hão de acha-la suja, e não serão necessárias altas e dispendiosas averiguações para lhe descobrir as maculas, estas apparecerão á primeira intuição, porque não tem craxás nem fitas que as encubram. Sr. presidente, concluindo, direi que não tive cm visla defender os aclos do juiz de direito, mas protestar contra a sua deslocada aceusação aqui; c repito que seja qual for o resultado da syndicancia e processo, a final não ha de apparecer um juiz venal e corrupto...
O sr. Dias Ferreira; — Desejava que entrasse na defeza do juiz de direilo de Arganil.
O Orador: — Já disse a rasão por que o não faço, c tinha tanto direito como o que assistiu á aceusação c talvez maior motivo. (Interrupção.) E não me provoque o illustre depulado, nem me obrigue a personalisar e dizer cousas que dc propósito lenho calado para não faltar á prometida brevidade c á dignidade devida a esta camara, á qual sempre farei notar, que todo este azedume, segundo sou bem informado,
provém das ultimas lides eleitoraes, que deram cm resultado a eleição do sr. depulado. (Interrupção.) Ora agora se o juiz devia ou não pronunciar, se o fez ou deixou de fazer com fundamcnlo ou sem elle, não pertence ao nobre depulado decidir, porque é suspeito, e digo mais, nem á camara, que não é competente para isso, mas tão somente os tribunaes superiores; do contrario sc os juizes não forem independentes quando instauram um processo c sentenceiam os autos, a que ficaria reduzida a independência e divisão dos poderes do eslado? E tirada esta que ficaria sendo a caria constitucional? Se á camara se conceder o direito dc ingerir-se nas altribuições dos juizes e avaliar os seus aclos puramente judiciaes, com o mesmo direito poderiam esles apreciar os actos legislativos c os motivos do volo de cada um dos representantes.
Sr. presidenle, aproveitarei ainda esla occasião para dizer uma oulra verdade que v, ex.* e a camara hão de reconhecer, e é que poderá haver, por excepção, algum membro corrupto na classe da magistratura, vislo que é composta de homens, mas no geral existe n'ella muita probidade, independência c rectidão, c muilo saber adquirido por aturados estudos confirmados na longa pratica dos negócios. (Apoiados.) Isto é um faclo, c quem o negar lambem pódc negar a luz do sol ao meio dia. (Apoiados. Vozes:—Muilo bem.,
Discurso que devia ler-se a pag. 114, col. 1.*, lin. 31, da sessão n.° 9, de 14 de abril
O sr. Costa e Silva:—Sr. presidente, eu lisonjeio-me com o que acaba de dizer o meu nobre collega e amigo. Nunca foi minha intenção negar a qualquer illustre membro d'esla casa o direito de vir denunciar ou referir ao parlamento algum facto que possa ser criminoso; agora o que eu contesto é a competência para o declarar averiguado, criminoso e determinado o seu auctor; e o mesmo digo das faltas ou omissões. Aqui apresentou-sc uma representação contra um juiz arguindo-o de criminoso, e o sr. depulado entre outras cousas declarou injustas certas pronuncias que fulminou a ex cathedra, deu-se aquella representação o destino que devia dar-se-lhe, e seguiu-se outro sr. deputado que, seguindo a mesma vereda, esteve discutindo a pessoa e actos do juiz, la-xando-o de réu de graves crimes e isto não podendo elle res-ponder-lhe n'esta casa!!
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disparado dois tiros sobre um individuo que perseguia na supposição dc que era o João Brandão. .. O sr