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Já não é a primeira vez que o governo tem sido accusado de ter violado a constituição politica do paiz, de ter assumido attribuições da exclusiva competencia do poder legislativo, exercendo-as em casos que não são os extraordinarios marcados nas leis do paiz; e aproveita-se a occasião da discussão da resposta ao discurso da corôa para se tomarem contas ao gabinete do seu procedimento.

O governo sem esperar pelas reclamações da assembléa, devia ter trazido immediatamente um relatorio documentado das medidas extraordinarias tomadas na ausencia do parlamento, e tanto mais que esta a expirar o praso dentro do qual o sr. ministro da fazenda deve apresentar á camara o orçamento do estado; e o assumpto, a que me refiro, como ligado com as questões orçamentaes, deve estar já preparado para ser presente á discussão parlamentar.

O governo ha de apresentar ainda n'esta semana o orçamento, porque esta a findar o praso de quinze dias depois de constituida a camara, e por consequencia tem já todos os elementos indispensaveis para nos poder esclarecer a respeito do objecto que se discute.

Aqui ha duas questões importantes que eu quero extremar bem claramente.

Uma d'ellas é o chamamento das reservas ás armas em ser nas circumstancias extraordinarias marcadas na lei; o que é um attentado contra a liberdade individual, que a constituição politica manda respeitar e que a lei do recrutamento cercou de certas garantias e solemnidades, para que nem o governo nem o parlamento podessem abusar d’ella á sua vontade; e a outra é o abrirem-se creditos extraordinarios para a compra de armamento, equipamento e material de guerra, na importancia de 600:000$000 réis.

E muito para notar a circumstancia á o governo tomar estas providencias era seguida ao encerramento das côrtes, quando não tinha tido a mais pequena demonstração de recusa da parte das maiorias parlamentares á approvação das suas propostas, não podendo invocar por isso pretexto algum, para se desculpar de não ter apresentado uma proposta ás côrtes para ser auctorisado a praticar actos que não podiam ser legitimados em circumstancias ordinarias.

Eu creio que na sessão passada o governo recebeu d'esta camara as provas da mais larga complacencia; e sirva-nos de exemplo o facto da auctorisação que ella lhe deu para levantar até á somma de 6.500:000$000 réis, 'pelos meios que julgasse mais convenientes, a rim de saldar as despezas correntes até o fim do junho de 1867, concedendo-lhe além d'isso ampla facilidade para emittir os titulos de divida necessario, a fim de garantir e reforçar os emprestimos anteriormente contrahidos.

Quer dizer, deu-se-lhe um voto de confiança amplissima e sem limites.

E note V. ex.ª que, estando o governo auctorisado para occorrer ás despezas ordinarias do estado, só até 31 de janeiro corrente, pelos recursos que esperava da novação do contrato de 14 de outubro e da consolidação da divida fluctuante com penhor, a camara foi tão benevola e tão complacente, que ampliou ao governo esses recursos até 30 de junho d'este anno.

Ha ainda uma circumstancia notavel, que prova a benevolencia do parlamento para com o governo, o vem a ser que tendo-nos promettido o gabinete, na discussão do contrato de 14 de outubro, que havia de apresentar com o orçamento as medidas accessorias e complementares, para fazer face durante algum tempo aos encargos, sem recorrer no imposto nem ao credito; a final apresentou o orçamento em janeiro sem essas medidas, e pediu tempo para reflectir e estudar; e quando veiu com a proposta para se lhe conceder auctorisação, a fim de levantar os 6 500:000$000 réis, já não disse que fôra por falta de tempo para estudar que deixara de apresentar algumas medida» de fazenda, mas pelo adiantamento em que estava a sessão. Foi d'este modo que o governo correspondeu á longanimidade do parlamento.

O gabinete pois não tem desculpa n'este ponto, até porque teve a camara aberta muito tempo, e as providencias do chamamento da reserva ás armas e de todas as outras despezas extraordinarias foram tomadas muito pouco tempo depois d'ella se fechar.

Por isso mais rigorosa era a obrigação do governo vir declarar á camara, sem esperar pelas reclamações da assembléa, a rasão do seu procedimento, assumindo attribuições que nos casos ordinarios lhe não pertenciam. Alem de que a camara occupou-se nos ultimos dias da sessão de assumptos de mui pequena importancia.

Pois não podia a camara habilitar o governo com estes meios extraordinarios emquanto esteve a votar pensões? Pois emquanto se discutiam projectos de pensões, projectos que traziam um grande augmento de despeza, e que não tinham rasão obrigatoria, não podiam discutir-se os pontos graves, agora sujeitos á nossa apreciação? Pois, se o governo entendia que havia circumstancias extraordinarias que faziam perigar a salvação interna ou externa do paiz, não podia vir pedir á camara o adiamento d'estes projectos que envolviam um grande augmento de despeza sem proveito da justiça e das conveniencias publicas, e pedir auctorisação para levantar os meios necessarios, a fim de occorrer ás despezas extraordinarias que [importasse a proximidade da perturbação da paz publica?

E que significa o procedimento do governo em contrario? Significa que o governo teve receio de não ser auctorisado para estas despezas de apparato, e contou mais com a benevolencia parlamentar depois do mal feito e talvez sem remedio, do que antes d'isso, para poder abrir estes creditos extraordinarios e para chamar as reservas ao serviço effectivo.

A verdade é que a lei só permitte o chamamento das reservas em circumstancias extraordinarias, que os publicistas definem aquellas em que a segurança interna e externa do paiz é ameaçada. Mas que a segurança interna e externa do paiz não era ameaçada provam-n'o as medidas que depois tomou o sr. ministro da guerra.

Pois quando é ameaçada a segurança interna e externa do paiz é que se deve tratar de estabelecer um campo de manobras? Pois este será o meio mais proprio para de prompto segurar a independencia e a tranquillidade do paiz contra as paixões do inimigo interno ou externo?

Demais, seria possivel que se desse a coincidencia singular de estar ameaçada a segurança do paiz, exactamente desde a epocha em que começou o campo de manobras até á ultima parada em Lisboa, que coincidisse o chamamento das reservas com a creação do campo de manobras? O que toda a gente viu claramente foi que as reservas tinham sido chamadas para se inaugurar o campo de manobras, e para assistirem a esse apparato dos festejos officiaes, que nos custaram muitos contos de réis.

Se com isso se não violasse a lei do paiz, e se não prejudicassem direitos adquiridos e os interesses do estado, não haveria grande inconveniente em desculpar o procedimento do sr. ministro da guerra. Mas esta violação e este prejuizo são evidentes, e nada póde legitimar o seu procedimento.

Alem d'esta questão constitucional, ha para mira uma outra questão importante é a da confiança politica no governo, a respeito do que direi muito poucas palavras.

Quando se organisou esta situação, veiu o gabinete aqui declarar que o estado da fazenda era grave, e que era indispensavel pôr ponto no augmento das despezas. Dizia o sr. ministro da fazenda, que = era preciso que todos os seus collegas o ajudassem fazendo economias nas suas" repartições = S. ex.ª disse isto. Mas accumulando com essa pasta a da guerra, parece-me que não deu muito bons exemplos aos seus collegas emquanto a economias que fizesse n'este ministerio.

Discutia se aqui a primeira medida financeira apresentada a esta camara do governo, que era a novação do contrato de 14 de outubro de 1865, e dizia o gabinete:

É necessario pôr ponto no augmento das despezas, e não recorrer agora ao credito nem a emissão das inscripções porque seria perigoso o recurso á emissão de titulos n'esta occasião. A approvação d'esta medida dispensa o ministerio de recorrer ao credito, emquanto se não melhora o estado da fazenda publicas. Comprometteu-se a apresentar com o orçamento medidas financeiras e complementares para a organisação da fazenda. Depois viu se Bem os recursos resultantes da medida da novação do contrato, e teve de appellar para esse meio perigoso da emissão; quer dizer, entrou no caminho perigoso. E qual foi o meio por que o governo atenuou os perigos em que se collocava com essa emissão? Foi fazer uma larga despeza com o campo de manobras; isto é, entendeu que não se podia continuar a appellar para o credito, que era perigoso o continuar n'esse caminho, que era preciso fazer economias; e, fechadas as côrtes, sem auctorisação alguma entra em despezas extraordinarias sem rasão que as justificasse!

Por consequencia qual é aposição do governo n'este caso? É uma posição sem rasão de ser. Unia das bases do seu systema financeiro era não propor augmentos de despeza, era fazer economias; doutrinas que o governo proclamava em todos os seus relatorios, e em todos os discursos pronunciados n'esta e na outra casa do parlamento pelo sr. ministro da fazenda.

O governo adiou a camara por dois mezes para, dizia elle, apresentar aqui as suas idéas e os, seus projectos em harmonia com essas idéas; e o resultado é que estamos ha dezesete mezes á espera d'essas idéas e d'esses projectos em harmonia ás taes idéas.

O governo dizia claramente n'esta casa: «Nós não queremos que nos julguem senão pelos nosso; actos; aguardem o nosso procedimento; nós somos filhos do parlamento, e portanto havemos de dar contas ao parlamento do todos os nossos actos; nós queremos saír d'este estado perigoso em que nos achâmos com relação á fazenda publica, empregando todos os meios para dispensar o recurso ao credito»; e o sr. ministro da fazenda chegou a dizer nos na discussão do contrato de 14 de outubro, que = não podia continuar a ser ministro da fazenda se o obrigassem a recorrer ao credito como meio de saldar as despezas ordinarias, meio que sempre condemnará pela convicção que tinha, de que elle era a ruina do paiz =. Era sob estes principios, e com este programma, que o ministerio gosava da confiança e do apoio do parlamento.

Teve o governo adiadas as camaras dois mezes logo na sua ascensão ao poder, e no fim d'elles aposenta-nos uma unica medida importante, que foi o codigo civil, em cujo exame não trabalharam de certo todos os illustres ministros.

Prometteu o governo na sessão de novembro de 1865 trazer á camara as medidas financeiras em janeiro de 1866, e n'essa occasião pediu nova espera para a sessão de 1867; e a camara, por uma larga complacencia, que não tem muitos exemplos nos annaes parlamentares, diz: «Pois bem, adie-se tudo; ahi tem o governo os meios necessarios para governar, e aguardemos para janeiro a apresentação dos grandiosos projectos do gabinete». E como respondeu o governo á confiança que n'elle depositaram as assembléas legislativas, a esses adiamentos successivos, a essas esperas continuadas? Augmentando a despeza publica sem utilidade nenhuma para o paiz!

São estas as circumstancias da situação, e são estas as circumstancias em que nos achâmos com relação ao gabinete.

O governo declarou no relatorio do contrato de 14 de outubro, que o recurso ao credito de dia para dia se tornava mais perigoso, pois que uma terça parte da nossa receita era já absorvida pelo juro que pagavamos; e se então

era já perigoso o estado da fazenda pelo constante recurso ao emprestimo, depois do uso e do abuso que o ministerio fez da auctorisação concedida na lei de 19 de junho de 1866, o estado das nossas finanças deve ser hoje angustioso e assustador. Nem póde deixar de ser, visto que depois d'aquella epocha já se têem emittido milhares de contos de réis, e o paiz tem direito de saber a verdade. E preciso que todos saibam qual é o verdadeiro estado da fazenda publica e o estado das emissões de titulos de divida publica desde 30 de junho de 1866. A opinião publica está anciosa por conhecer o uso que se fez do credito durante as ferias parlamentarei. A opinião do paiz não se agita por o governo mudar a nomenclatura dos funccionarios administrativos ou alterar alguma circumscripção territorial, mas esta impaciente por saber o estado da fazenda publica que se aggrava cada vez mais, porque o gabinete não tem apresentado n'estes dezesete mezes da sua gerencia uma unica medida importante que tenda a minorar os males da nossa situação financeira, antes tem concorrido para se aggravar o estado do thesouro publico.

Quando uma assembléa legislativa concede adiamentos tão grandes, e esperas tão longas e tão continuadas, para apresentarem as suas medidas a homens que têem grande experiencia dos negocios publicos, longa pratica parlamentar e grande intelligencia para os maiores commettimentos; que prasos e demoras ha de conceder a um homem que, sem pratica nenhuma dos negocios publicos e sem passado parlamentar e politico, se apresenta naquelles logares, e a quem ás vezes se pedem estreitas e rigorosas contas, quando nem tempo tem ainda para conhecer o mais pequeno negocio da sua secretaria?

As assembléas legislativas devem ter toda a contemplação com os governos, estes acham-se muitas vezes envolvidos em difficuldades que não crearam, e que o poder legislativo não deve aggravar. Porem a demasiada benignidade e condescendencia dos parlamentos para com os governos nem sempre lhes serve de favor. Parece-me que o gabinete, por isso mesmo que contava com o apoio das duas camaras, devia ter apresentado as suas medidas e propostas para se discutirem e avaliarem. Assim tem cansado as suas fôrças politicas sem apresentar uma unica medida ou melhoramento importante, d'aquelles que se podem considerar de reconhecida utilidade publica.

V. ex.ª sabe, sabe a camara e sabem todos, que o maior empenho, que a idéa que parecia dominar a todos quando os actuaes srs. ministros foram ao poder era a organisação das finanças; tinham todos a maior confiança em que o talento elevado do sr. ministro da fazenda e a sua larga experiencia dos negocios publicos o habilitariam a apresentar, não digo um remedio prompto e radical para as nossas finanças, que não ha um especifico theorico para curar de uma só vez o mau estado da fazenda, mas a preparar todas as medidas tendentes a regularisar numa epocha mais ou menos demorada o orçamento e as finanças do estado.

Pois o governo, que em 5 ou 6 de setembro nos dizia que a sua primeira idéa, que o seu maior empenho era fazer economias, esqueceu-se d'essa idéa, notavel cousa, durante treze mezes, e só em 8 de outubro de 1866 se lembrou de perguntar aos chefes das repartições dependentes do ministerio da fazenda se podiam fazer algumas economias nas repartições a seu cargo! É o que se vê de uma portaria publicada no Diario de Lisboa n'essa data.

Ora compare-se este zêlo do nobre ministro da fazenda pelas finanças do paiz com a actividade que desenvolveu com relação ao campo de manobra, o com os esforços e sacrificios pessoaes mesmo que fez para levar ao cabo esta medida.

Se o sr. ministro tivesse dedicado á questão de fazenda a sexta parte ao menos da actividade que desenvolveu no assumpto do campo de manobras, muito teriam ganho o thesouro publico e o paiz.

Eu não sou d'aquelles que combatem as despezas feitas com as representações theatraes. As vezes os objectos de luxo devem merecer consideração o até sacrificio. No entretanto eu continuo abraçado com o velho principio de que as despezas necessarias e uteis estão primeiro que as voluptuarias, e que sempre que seja possivel se deve reunir o agradavel ao util.

Despender porém 100:000$000 réis, sem peso nem medida, em despezas voluptuarias, quando não ha para o necessario, e cousa que se não comprehende em administração.

N'este caso pergunto se quem prestou ao governo o seu apoio, em vista do proposto por elle manifestado de fazer rigorosas economias, e de tratar com a precisa seriedade do estado da fazenda publica; póde hoje, sem o governo dar explicações claras e positivas, sem nos convencer de que estas medidas que tomou, longe de serem augmento de despeza, são economias, continuar a prestar-lhe o seu apoio? Talvez o governo nos possa mostrar que são medidas economicas as que tomou, porque eu já aqui ouvi apresentar como doutrina, fallando-se de economias, que a verdadeira economia consistia, não em gastar menos, não em poupar, mas era gastar mais e melhor.

Em vista pois da significação que já vi dar á significação da palavra economia, receio que todos os apparatos bellicos que presenciámos, e todos os gastos que se fizeram com o campo de manobras, venham a ser considerados como economias!

Não concordo pois nem posso approvar este paragrapho do projecto de resposta ao discurso da corôa: primeiro, porque ha uma violação da lei constitucional, e não vi ainda que o governo se defendesse, nem nos apresentassemos elementos precisos para podermos julgar o seu procedimento, e conceder-lhe, se fosse preciso, um bill de indemnidade j e em segundo logar, porque emquanto o governo se não