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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 18 DE JANEIRO DE 1867

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

José Maria Sieuve de Menezes

Fernando Affonso Geraldes Caldeira

Chamada — 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso de Castro, Annibal, Alves Carneiro, Diniz Vieira, Salgado, A. J. da Rocha, Seixas, Magalhães Aguiar, A. R. Sampaio, Barão de Almeirim, Barão de Magalhães, Barão do Valia do, Pereira Garcez, Cesario, Claudio Nunes, Delfim Ferreira, Achioli Coutinho, Pimentel e Mello, Fernando Caldeira, F. J. Vieira, Ignacio Lopes, F. L. Gomes, Sousa Brandão, F. M. da Rocha Peixoto, Cadabal, Gustavo de Almeida, Sant'Anna e Vasconcellos, Santos e Silva, J. A. de Sepulveda, J. A. de Sousa, Assis Pereira de Mello, ¦ Mello Soares, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Tavares de Almeida, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, Ribeiro da Silva, J. A. Maia, J. A. Gama, Infante Passanha, Figueiredo e Queiroz, Alves Chaves, J. M. da Costa, J. M. da Costa e Silva, Sieuve de Menezes, José de Moraes, Batalhoz, José Tiberio, Leandro da Costa, Alves do Rio, Sousa Junior, Leite Ribeiro, Pereira Dias, Lavado de Brito, Sousa Feio, Severo de Carvalho, P. M. Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, S. B. Lima e Visconde da Praia Grande de Macau.

Entraram durante a sessão — os srs. Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Ayres de Gouveia, Sá Nogueira, Camillo, A. Gonçalves de Freitas, Crespo, Fontes Pereira de Mello, A. Pequito, Barjona de Freitas, Barão de Mogadouro, Belchior Garcez, Carlos Bento, Pinto Coelho, D. de Barros, Eduardo Cabral, F. do Quental, F. F. de Mello, Namorado, Coelho do Amaral, Francisco Costa, Lampreia, Silveira da Mota, Corvo, Gomes de Castro, Vianna, Mártens Ferrão, Costa Xavier, Alcantara, João Chrysostomo, Torres e Almeida, Matos Correia, Proença Vieira, J. M. Osorio, J. Pinto de Magalhães, Sette, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Faria Pinho, Oliveira Pinto, Luciano de Castro, Lobo d'Avila, Toste, José Paulino, Nogueira, Barros e Lima, Vaz de Carvalho, Levy, Xavier do Amaral, Manuel Homem, Vicente Carlos e Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs. Abilio da Cunha, Fevereiro, Fonseca Moniz, Correia Caldeira, Quaresma, Brandão, Barros e Sá, A. Pinto de Magalhães, Faria Barbosa, Pinto Carneiro, Falcão da Fonseca, Barão de Santos, Bento de Freitas, Carolino Pessanha, Faustino da Gama, Fausto Guedes, Albuquerque Couto, F. Bivar, Barroso, Gavicho, F. M. da Costa, Bicudo Correia, Marques de Paiva, Paula e Figueiredo, Pereira de Carvalho de Abreu, Medeiros, Palma, Baima de Bastos, Reis Moraes, Albuquerque Caldeira, Joaquim Cabral, Lisboa, Coelho de Carvalho, Noutel, Faria Guimarães, Costa Lemos, Vieira de Castro, Freire Falcão, Garrido, Ferraz de Albuquerque, Rojão, Mendes Leal, Julio do Carvalhal, L. A. de Carvalho, L. Bivar, Freitas Branco, M. A. de Carvalho, M. B. da Rocha Peixoto, Coelho de Barbosa, Manuel Firmino, Tenreiro, Macedo Souto Maior, Julio Guerra, Paulo de Sousa, Marquez de Monfalim, Monteiro Castello Branco, Thomás Ribeiro e Visconde da Costa.

Abertura — A uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE a que se deu destino pela mesa OFFICIOS

1.° Do ministerio da guerra, communicando que por decreto de 20 de junho ultimo foi nomeado para o logar de juiz relator do supremo conselho de justiça militar o sr. deputado Antonio José de Barros e Sá.

Á commissão de verificação de poderes.

2.° Do ministro dos negocios estrangeiros, participando que esta prompto a responder, no dia que for indicado pela mesa, á interpellação de alguns srs. deputados, ácerca da differença de direitos impostos nas pautas de Portugal e Hespanha, sobre a entrada de gado suino em qualquer dos dois paizes. Á secretaria.

3.° Do director da alfandega municipal de Lisboa, enviando, para serem distribuidos na camara, exemplares da estatistica e do rendimento d'aquella alfandega do anno economico de 1865-1866. Mandaram-se distribuir.

4.° Do sr. deputado Augusto Cesar Falcão da Fonseca, participando que por justos motivos deixou de comparecer alguns dias durante a semana passada, e não poderá comparecer por mais alguns." Inteirada.

REPRESENTAÇÃO

De alguns possuidores de padrões de juros da camara municipal de Lisboa, pedindo uma nova lei que lhes conceda um novo praso para effectuarem a inversão dos padrões que possuem por inscripções de 3 por cento, á similhança do que foi permittido aos possuidores de padrões reaes.

A commissão de fazenda.

SEGUNDA LEITURAS

Proponho que a commissão de legislação apresente um projecto de lei contendo a interpretação authentica do artigo 2.° do acto addicional. = O deputado por Goa, C. F. Pereira Garcez.

A commissão de legislação.

O sr. José Tiberio: — Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes, que declara vago o logar do sr. deputado Antonio José de Barros e Sá. Peço a V. ex.ª que consulte a camara se quer dispensar o regimento, a fim d'este parecer entrar desde já em discussão, visto que não envolve duvida alguma.

Decidiu-se affirmativamente, e entrou em discussão o seguinte

PARECER

Senhores. — Sendo presente á vossa commissão de verificação de poderes o decreto de 20 de junho do anno findo, pelo qual foi nomeado juiz relator do supremo conselho de justiça militar o sr. deputado Antonio José de Barros e Sá;

Considerando que elle aceitou tal emprego, que é retribuido, e cuja nomeação dependia da livre escolha do governo;

E considerando que, segundo o disposto no artigo 2.° do acto addicional á carta constitucional, o dito deputado perdeu o seu logar; é por isso a commissão de parecer que elle o perdeu, e que conseguintemente deve ser declarado vago para os effeitos legaes.

Sala das sessões, 15 de janeiro de 1867. = Antonio Cabral de Sá Nogueira — João Antonio dos Santos e Silva = José Tiberio de Roboredo.

O sr. José de Moraes: — Mais um rapto parlamentar!

Pedi a palavra, não para estigmatisar mais este facto, porque elles são tantos que já cansam os pulmões de fallar contra elles; e mesmo, segundo diz a opinião publica, ainda não param aqui, muito breve teremos mais.

Ordinariamente eu tenho sido propheta n'esta casa, e parece-me que ainda hoje o sou, mas não posso deixar de aproveitar a occasião sentindo que não esteja presente o sr. ministro do reino, para lhe dizer que s. ex.ª não satisfez cabalmente ao requerimento que eu fiz em 5 d'este mez, pedindo uma relação nominal de todos os srs. deputados que tinham sido despachados ou agraciados, e que estavam comprehendidos nas disposições do artigo 2.° do acto addicional, porque s. ex.ª mandou um officio n'este mez (não me lembro o dia) dizendo que o unico que tinha sido despachado ou agraciado pelo ministerio do reino era o sr. Anselmo Braamcamp. Permitta-me s. ex.ª que lhe diga que se engana completamente, porque na sua secretaria tambem tinha sido condecorado com a commenda da Conceição este sr. deputado de que se trata agora; de maneira que elle teve duas graças, a primeira a de ajudante do procurador geral da corôa junto ao ministerio da guerra, e a segunda a commenda da Conceição; teve duas graças, sendo uma de 1:600$000 réis; mas como isto era pouco, era necessario enfeita-lo, e então trataram de lhe dar a commenda da Conceição, concessão que já vi publicada em todos os jornaes, e creio que tambem virá no Diario de Lisboa.

Eu não me importa que o illustre deputado fosse raptado ou não pela commenda da Conceição, mas o que eu queria era que os srs. ministros quando se lhes pedissem os documentos os mandassem, mas legalmente.

Entendo pois que s. ex.ª perdeu o logar de deputado, e quero que o paiz o saiba, não só por ter sido despachado ajudante do procurador geral da corôa junto ao ministerio da guerra, mas...

lima voz: — Aliás juiz relator do supremo conselho de justiça militar.

Aceito a emenda, porque hoje já "são tantos os nomes, que daqui a pouco não chegam para os empregos porque, como disse o sr. deputado, temos juizes relatores, ajudantes do procurador geral da corôa, jurisconsultos, e sabe Deus o que nós teremos para o futuro.

Não posso deixar de approvar o parecer apesar da camara não ter feito justiça, não ter olhado para esta questão com a gravidade que devia, porque ha de vir tempo em que haverá alguem do paiz que acima da camara obste á repetição d'estes factos.

Eu pedi a palavra para antes da ordem do dia, e peço a V. ex.ª que m'a conserve, porque é para um caso, analogo. _

Foi approvado o parecer.

O sr. Severo de Carvalho: — Ha dias o meu nobre collega, o sr. deputado Costa e Silva, pediu providencias ao governo, por causa de uma epidemia que tinha grassado em Gouveia; depois d'isso apresentou-se o sr. deputado Monteiro Castello Branco pedindo igualmente medidas ao sr. ministro do reino para outra epidemia de febres typhoides que ultimamente tem tido logar em Lagos e Meruje, no concelho de Oliveira do Hospital.

Sinto não ver presente o sr. ministro do reino, porque desejava perguntar a s. ex.ª se nas medidas concernentes á saude publica, que s. ex.ª tenciona apresentar á camara, vem uma medida importante, reclamada por todos nós, que é a instituição de postos medicos (apoiados).

Reservo me para quando o sr. ministro estiver presente, e peço a V. ex.ª que me dê a palavra se s. ex.ª vier hoje á camara antes da ordem do dia.

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O sr. Caetano Garcez: — É para mandar para a mesa dois projectos de lei que vou ler (leu).

Mando estes dois projectos para a mesa, e aproveito a occasião para pedir a V. ex.ª que se sirva usar da sua influencia para que a commissão de fazenda devolva á do ultramar um projecto de lei que eu apresentei na sessão passada.

Tenho esgotado todos os meios de supplica e rogos; tenho pedido a diversos membros da illustre commissão de fazenda, mas ainda não me foi possivel obter que o meu projecto fosse á commissão do ultramar.

Permitta-me V. ex.ª que eu faça ainda algumas observações.

Ha uma resolução da camara, que manda remetter á commissão de fazenda todos os projectos de lei que tratem de augmento de despeza; mas não ha resolução nenhuma que auctorise a commissão de fazenda a conservar no seu archivo eternamente os projectos que lhe são apresentados.

Para a commissão de fazenda vão todos os projectos que envolvem augmento de despezas, porque ella é a competente e a conhecedora especial d'este assumpto, e só ella póde dizer se essas despezas estão em harmonia com o orçamento geral do estado, se são compativeis com o nosso estado financeiro, ou se será preciso crear uma despeza nova. Mas isto é relativamente ás despezas do continente e ilhas.

Quanto aos projectos que se apresentam do ultramar, a commissão nada tem a fazer, porque não tem nenhum conhecimento especial do ultramar.

A commissão de fazenda, em relação ao ultramar, esta na propria commissão do ultramar, porque ali é que estão os homens competentes e que podem ser ouvidos sobre a materia. Assim como se não manda para a commissão de guerra um negocio relativo ao ultramar, não sei para que ha de ir á commissão de fazenda; não serve senão para demorar e para matar de algum modo a iniciativa dos representantes das nossas possessões.

Em relação ás provincias ultramarinas que têem deficit e que são subsidiadas pela metropole, isso sim, senhor; mas com relação a uma provincia que não tem deficit, que não pede nada e que tem sobras, não sei para que possa servir senão para demorar, e para demorar não é que se fez a lei. A lei fez-se para facilitar os trabalhos e não para lhe pôr estorvos.

Peço portanto a V. ex.ª que considere n'este sentido a resolução da camara, que me parece não póde ser outro.

O sr. Gustavo de Almeida: — Sr. presidente, fui encarregado por alguns empregados da direcção das obras publicas do districto de Leiria para fazer lembrado n'esta camara um requerimento que dirigiram á mesma, em abril do anno passado, em que pediam augmento nos seus vencimentos, assim como já tinham requerido, pela maior parte, os empregados das differentes direcções de obras publicas do reino em 1863.

O fundamento, sr. presidente, que estes pretendentes tomaram para o seu pedido foi a carestia a que subiram os generos alimenticios, bem como as rendas das casas; e, sendo certo que por estas mesmas causas se têem augmentado os vencimentos a quasi todos os empregados do estado, nenhuma rasão de ser haverá para os empregados nas direcções de obras publicas serem desattendidos, porque as mesmas causas devem produzir os mesmos effeitos.

Dizem-me, sr. presidente, estes empregados que seus requerimentos foram mandados para as commissões de obras publicas e de fazenda; sendo assim, eu peço aos illustres cavalheiros, que compõem as mesmas commissões, que se sirvam dar o seu parecer logo que lhes seja possivel, attendendo áquelle justo pedido, como é proprio da imparcialidade, rectidão e justiça com que sempre costumam resolver as questões que lhes são submettidas..

Sr. presidente, a minha residencia de quatro annos quasi constantemente em Leiria dá-me motivo bastante para poder dizer a V. ex.ª e á camara que, se aos empregados das differentes direcções de obras publicas do reino assiste bastante justiça no que pedem nos requerimentos a que alludo, aos empregados na direcção das obras publicas do districto de Leiria sobejam as rasões por que devem ser muito particularmente attendidos, principalmente o amanuense e pagador; porque, tendo-se addicionado á direcção das obras publicas de Leiria a direcção das obras publicas do districto de Santarem, é incontestavel que deve augmentar a escripturação, bem como o trabalho do pagador, porque tem de ir de Leiria a Rio Maior fazer pagamentos; de Leiria ao caminho de ferro americano, desde a Vieira até S. Martinho, que tambem se addicionou áquella direcção; de Leiria a Lavos, proximo da Figueira, onde andam trabalhos; e finalmente de Leiria ao 5.° grupo de obras publicas, desde Pombal a Ancião e Pedrogão Grande.

Peço pois em nome d'aquelles pretendentes ao nobre ministro das obras publicas se digne tambem ser favoravel aos seus justos pedidos.

Sr. presidente, se estivera presente o nobre ministro das obras publicas eu aproveitaria a occasião para renovar a minha iniciativa, ácerca da absoluta necessidade de uma estrada viável de Pombal a Ancião, e seguidamente até ao Pedrogão Grande. As rasões de conveniencia publica na abertura daquelle caminho (porque não ha nenhum), têem sido por mim demonstradas todas as vezes que tenho levantado minha debil voz n'esta camara. Agora congratulo-me, sr. presidente, com os meus constituintes do circulo de Pombal ao ver que o nobre ministro das obras publicas tanto se convenceu das vantagens que hão de resultar para os povos dos concelhos de Pombal, Ancião, Chão de Couce, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande e outros intermedios, como eu tantas vezes aqui tenho descripto, que finalmente s. ex.ª já mandou começar as rectificações na directriz da alludida estrada que já se achava estudada; e, segundo sou informado, lisonjeio-me em poder dizer n'esta camara, para assim chegar tambem ao conhecimento do nobre ministro, que aquelles empregados se tornam dignos de louvor pelo zêlo e actividade com que fazem progredir os trabalhos.

Mas, sr. presidente, como o nobre ministro não esta presente, reservo-me para quando o esteja, para pedir a s. ex.ª em nome dos meus constituintes que em seguida á rectificação d'aquella directriz comecem os trabalhos de construcção.

O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa uma proposta concebida nos termos seguintes (leu).

Peço a V. ex.ª que a mande para a commissão de verificação de poderes.

Sinto que o nobre ministro da guerra não tivesse satisfeito ao meu requerimento de 5 d'este mez, porque o officio que se acabou de ler na mesa declarava que só tinha sido despachado o sr. Barros e Sá, e não incluia outro sr. deputado, o sr. Antonio José da Cunha Salgado. N'este caso eu junto as ordens do exercito n.ºs 27 e 31, pelas quaes se vê que este illustre deputado recebeu do governo graça que lhe não pertencia nem por antiguidade nem por escala, conforme determina o acto addicional, artigo 2.°

Eu, coherente com os principios que tenho sustentado n'esta casa, e que heide continuar a sustentar, mando esta proposta para a mesa, declarando desde já a minha opinião de que este cavalheiro perdeu o logar de deputado á vista da lei e das ordens do dia que tenho presentes, n.ºs 27 e 31, e que junto para irem á commissão de verificação de poderes, visto que o sr. ministro não mandou estes documentos que deveria mandar.

Espero que a illustre commissão de verificação de poderes dê o seu parecer quanto antes. Para mim é indifferente que a illustre commissão diga que aquelle cavalheiro perdeu ou não perdeu o logar de deputado, porque respeito as opiniões dos outros, assim como quero que respeitem as minhas.

A minha opinião é que o logar daquelle illustre deputado esta vago, porque pela ordem do dia n.° 27 se mostra que elle foi nomeado para uma commissão, e por outra ordem do dia, n.° 31, se mostra que esta commissão lhe trouxe a gratificação de 2$500 réis diarios.

Por consequencia mando esta proposta para a mesa, e como ella ha de ámanhã ter segunda leitura, se alguem a quizer impugnar n'essa occasião eu tratarei de a sustentar conforme poder. -

Acima da minha opinião, e da d'aquelles que a impugnarem, esta a opinião publica.

O sr. Severo de Carvalho: — Como vejo presente o sr. ministro do reino renovo o que ha pouco tinha dito a V. ex.ª

Ha dias, tanto o sr. deputado por Gouveia como o sr. deputado por Oliveira do Hospital, chamaram a attenção do governo para as epidemias ali existentes, e tive a satisfação de ouvir n'aquella occasião o sr..'ministro do reino, que declarou que o governo tinha prestado todos os soccorros possiveis áquellas localidades; e ainda mais, s. ex.ª comprometteu-se a mandar indagar de novo se era preciso que o governo estabelecesse em um ou outro ponto hospitaes; e que finalmente o governo continuaria solicito a favor d'aquelles povos que se veem a braços com a terrivel epidemia das febres typhoides.

Quando s. ex.ª fallou sobre este assumpto disse-nos que brevemente traria á camara um projecto concernente a melhorar o serviço de saude publica.

Folgo de ver que s. ex.ª não se esqueceu, durante a sua administração, d'este importante assumpto.

A camara sabe perfeitamente que sou facultativo, e tenho obrigação de pugnar pelas cousas de saude. Encho-me de jubilo todas as vezes que vejo que a classe medica, a que tenho a honra de pertencer, é tratada pelo corpo legislativo como o foi em uma das sessões passadas, em que o sr. Monteiro Castello Branco, digno lente da universidade de Coimbra, disse que os facultativos de Oliveira do Hospital, não só aquelles que eram filhos de Coimbra, mas os filhos da escola medico-cirurgica, tinham tido durante a epidemia um comportamento exemplar; mas o meu ponto é outro, e vou pedir ao sr. ministro do reino que nos traga com a maior brevidade possivel a reforma do serviço de saude, porque é preciso obviar a que os administradores dos concelhos continuem, como até aqui, a ser delegados do conselho de saude publica do reino.

Os administradores de concelhos não são technicos em materia de medicina, e por consequencia estão completa mente inhabilitados a entrar nas questões de salubridade.

Quando o anno passado se discutiu na camara o orçamento, eu tive a honra, conjunctamente com um nobre deputado que é secretario do conselho de saude, de expor á camara o lastimoso estado em que nos achâmos pelo que toca a leis da repartição de saude; n'essa occasião, se a memoria me não falha, enumerei á camara não só a inconveniencia que havia de entregar as delegacias de saude a homens completamente leigos n'esta materia, mas ainda fiz notar a insignificante remuneração que se dá aos poucos empregados de saude que temos, e que tão exemplares têem sido no cumprimento dos seus deveres: é este o unico ramo de serviço publico onde ainda não chegou a reforma; a sua organisação data de 1833; e já vê a camara que a importante repartição de saude publica tem feito mais, e muito mais, do que outras repartições do estado, onde o numero de empregados e a sua retribuição é extraordinario em comparação d'esta.

Sr. presidente, não sou eu que peço ao sr. ministro, somos nós todos, são aquelles que representâmos aqui, que exigem dos poderes publicos serias e importantes medidas sobre um tal assumpto.

Como poderemos exigir bom serviço de um delegado de saude, que tem 100$000 réis de ordenado com arduas obrigações a cumprir?

Uma voz: — E até menos.

E verdade, não sei d'onde veiu o áparte, mas é verdade, porque ha um ou dois delegados que tem 80$000 réis.

Eu sei, sr. presidente, a grande illustração e boa vontade do nobre ministro do reino; peço-lhe, em nome de nós todos, que se demore o menos possivel em dotar o paiz com as leis precisas a dar desenvolvimento ás questões de salubridade.

Eu não desejára terminar sem ainda fazer um pedido ao nobre ministro, e é—que nas medidas que s. ex.ª apresentar venham consignados os postos medicos nas duas primeiras cidades, isto é, em Lisboa e Porto, e mesmo ainda em outras se tanto for possivel.

Hoje a questão do dia são os postos medicos, todos reconhecem a necessidade que os facultativos têem de repousar das fadigas do dia, mas tambem todos conhecem a necessidade de serem encontrados a toda a hora, em logar certo e determinado, os soccorros de que dispõe a medicina.

Escuso de relatar o que se tem dado entre nós; a camara reconhece os factos que têem sido por mais de uma vez relatados pela imprensa.

Por tudo que deixo dito, e pela confiança que me merece

O sr. ministro do reino, sei que havemos de ter em breve a satisfação de approvar medidas importantes sobre saude publica, ha muito promettidas por muitos governos, e nunca realisadas até hoje. -

O sr. Ministro do Reino (Mártens Ferrão): — Ouvi as reflexões que apresentou o sr. deputado ácerca do serviço sanitario no paiz.

Eu entendo que quasi todos os serviços de administração carecem ser reformados. O desenvolvimento que a sociedade vae tendo exige o cuidado dos poderes publicos.

Em relação ao serviço sanitario é preciso organisado convenientemente, não só nas cidades de Lisboa e Porto, mas em todo o paiz, ligando-o com o serviço dos partidos das camaras municipaes, e podendo juntar-lhe tambem a commissão de delegação de saude.

A commissão de delegação de saude esta ligada com o systema de retribuição, e não posso n'este momento estar a desenvolver as bases do trabalho que ha de resolver essa questão do modo que me parece mais proficuo.

Devo porém dizer em relação á administração que, se os empregados administrativos não devem ser os delegados de saude, devem superintender em todos os serviços administrativos.

Debaixo d'este ponto de vista a auctoridade administrativa tem a superintendencia superior ás auctoridades sanitarias.

A remuneração dos partidos das camaras municipaes e delegados de saude é exigua, mas com um systema bem organisado de partidos medicos nas camaras municipaes, creio que se póde conseguir um serviço de saude muito mais perfeito e com bastante economia.

O illustre deputado referiu-se tambem á organisação de postos medicos na cidade de Lisboa. Isto é na minha opinião o complemento do systema de policia. Eu creio que é indispensavel haver nos differentes pontos mais importantes da cidade postos aonde a toda a hora e em todas as circumstancias se encontrem facultativos que prestem soccorros. Encontram-se em todas as cidades populosas, em Lisboa não póde deixar de se estabelecer o mesmo.

A maneira de resolver este problema não a julgo difficil se nós ligarmos este serviço com o serviço dos delegados de saude. Creio que d'este modo será possivel, sem exageração de despeza, organisar de maneira conveniente o serviço a que o illustre deputado se refere.

Conto em muito pouco tempo apresentar á camara esse trabalho, podia mesmo até marcar o praso se não houvesse uma circumstancia, que é a da escola medico-cirurgica de Lisboa se ter occupado d'este importante assumpto, na consulta que esta elaborando para ser presente ao governo em relação á reforma dos estudos superiores; e eu desejava não apresentar trabalho á camara sobre este objecto sem ter presente a consulta definitiva d'aquelle corpo scientifico, e igualmente da universidade de Coimbra, que tambem foi consultada sobre a reforma da instrucção superior na parte que lhe corresponde.

Sei que estas corporações se têem occupado d'este serviço activamente; até mesmo conheço as indicações dos projectos que tem elaborado, porque tem feito o favor de m'as mandar, e são trabalhos que lhe fazem honra, mas não tem a sancção que lhe ha de provir da approvação das faculdades.

Por consequencia aguardo a apresentação d'esses trabalhos, que se não podem demorar muitos dias, para depois d'elles poder completar as propostas que devo apresentar á camara.

São estas as explicações que tenho a dar ao illustre deputado.

O sr. Severo de Carvalho: — Agradeço a s. ex.ª as explicações que acaba de dar-me, e folgo de ver que é a s ex.ª o sr. ministro do reino que vae caber a honra da reforma do serviço de saude.

O sr. Alves Carneiro: — Vou usar da palavra que V. ex.ª me concede, e que havia pedido para quando estivesse, presente o nobre ministro do reino, e prometto não abusar da bondade de V. ex.ª e da camara.

O assumpto, sobre que tenho a honra de chamar a attenção do nobre ministro, é da mais alta importancia e maximo interesse publico, porque importa um dos mais sagrados direitos consignados na lei fundamental do estado, qual é o direito de propriedade.

O illustre ministro sabe, melhor que ninguem, que pelo

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codigo administrativo já as funcções dos administradores de concelho são variadissimas e de difficil execução; mas depois da lei de 1 de julho de 1863 e regulamento de 4 de agosto de 1864, que estabeleceu o registo predial e hypothecario e regulou o modo como tem de fazer-se, são talvez impossiveis para aquelles administradores que forem leigos e estranhos absolutamente á sciencia do direito.

Sr. presidente, a lei de 1 de julho de 1863 creou, como V. ex.ª sabe, duas ordens de conservadores; conservadores privativos e de 1.ª ordem nas comarcas de Lisboa e Porto, e conservadores de 2.ª ordem, que são os administradores de concelho nas mais comarcas do reino; e determinou que os primeiros só podessem ser providos pelo ministerio da justiça, como bachareis formados em direito, por meio de concurso na fórma e termos designados em um decreto especial, que depois se publicou em data de 31 de dezembro de 1863; e quanto aos segundos nenhumas habilitações lhes exige, e contentou-se que tivessem o seu diploma de administradores de concelho.

Lamento que a lei não creasse conservadores privativos para todas as comarcas do reino. (O sr. João de Mello: — Apoiado, apoiado.); mas é de esperar que, quando se conheça a importancia d'estas funcções e a conveniencia de prevenir males da maior gravidade, se estabeleçam, sem distincção, conservatorias privativas em todo o paiz, para serem desde logo providas em bachareis habilitados em concurso e provas publicas, porque a lei deve ser igual para todos, como iguaes são os interesses de todos os proprietarios, quer tenham a sua propriedade em Lisboa e Porto, quer a tenham na mais obscura aldeia do paiz (apoiados).

Sendo pois os conservadores de segunda ordem administradores de concelho, e sendo muitos d'estes leigos e sem habilitações algumas, é muito de presumir, ou antes é certo, que na confecção dos registos commettam por ignorancia omissões e erros de que resultem graves prejuizos á propriedade. Quero conceder que sejam muito bons administradores, mas nunca podem ser bons conservadores, e nenhuma confiança podem inspirar a quem precisa registar, na fórma da lei, os titulos do seu dominio, porque do registo e do modo como tem de fazer-se depende a acquisição ou a perda de importantes direitos civis.

Basta ler com alguma attenção o titulo 2.° da citada lei de 1 de julho, e titulo 14.° do seu regulamento, pára se fazer idéa das difficuldades em que se vão achar os administradores que forem bachareis formados em direito, quanto mais os que o não forem!

Póde dizer-se que dois annos depois de se dar principio á execução da lei, e nas localidades em que os emolumentos das conservatorias forem superiores a 400$000 réis, poderá o governo ir creando conservatorias privativas, como lh'o permitte o artigo 2.° da citada lei, e que no entretanto os administradores, como conservadores de segunda ordem, prestam uma fiança para indemnisação dos prejuizos a que derem causa.

Ora, sr. presidente, a faculdade que a lei concede ao governo não destroe a possibilidade de graves prejuizos, que por ignorancia podem dar-se no espaço de dois annos, possibilidade tanto mais provavel quanto é certo que a maior difficuldade da execução da lei ha de ser no seu principio, e se para se registar com segurança se ha de esperar que o governo conheça o resultado dos emolumentos das conservatorias no fim de dois annos, ou mesmo que se preencha o praso obrigatorio de cinco annos para o registo dos titulos de dominio ou propriedade, na fórma da lei de 30 de junho de 1864, então paralisam-se muitas transacções que podiam effectuar-se se aquelles logares estivessem providos em funccionarios competentemente habilitados.

Quanto á fiança, no valor de 300$000 réis, a que são obrigados pela lei os conservadores de segunda ordem, é ella tal, pela sua exiguidade, que se torna irrisoria; póde dizer-se o mesmo da que se exige para os conservadores privativos de Lisboa e Porto, porque effectivamente a quantia de 1:000$000 réis pouco garante; mas esses offerecem uma fiança mais solida em um grande capital de intelligencia e habilitações de que deram provas em rigorosíssimo concurso, e esta é a verdadeira e real garantia, e a unica que póde inspirar confiança a quem tem de registar a sua propriedade.

Alem d'isto, sr. presidente, a fiança dos conservadores de segunda ordem póde tornar-se muito precaria e até impossivel, porque póde muito bem ser que alguns administradores, não tendo bens proprios e não achando quem lh'os preste, se vejam na necessidade de provar a impossibilidade em que se acham de prestar a fiança legal, segundo o disposto no artigo 27.° do citado regulamento, e hão de substitui-la com a entrega, até ao dia 5 de cada mez, por deposito nas recebedorias ou em algum banco auctorisado pelo governo, da quarta parte dos emolumentos que lhes tiver pertencido no mez antecedente, como lhe é permittido pelo artigo 29.° do citado regulamento, até perfazerem a fiança que se lhes exige; mas como as funcções de conservadores andam annexas e são inherentes ás dos administradores, e a historia contemporanea nos mostra que a politica não respeita taes magistrados, principalmente quando os districtos são governados por homens analphabetos e intolerantes, ha de acontecer que por conveniencias politicas muitos administradores serão demittidos, deixarão por esse facto de ser conservadores, e o resultado é deixar de existir 'o meio de completarem essa fiança com a unica garantia que offereciam na percepção dos seus emolumentos.

N'estas circumstancias pois, e n'esta occasião em que, diz-se, vae principiar a executar-se aquella lei e regulamento, parecia-me muito conveniente e necessario que o nobre ministro do reino concorresse pela sua parte para a sua fiel execução, principiando tambem a executar o disposto na portaria de 15 de dezembro de 1856, que determina que para os logares de administradores do concelho devem ser, com preferencia, despachados os bachareis formados, especialmente sendo de fóra do concelho.

O Sr. Ministro do Reino: — Tem-se seguido esse principio.

O Orador:. — Ouço dizer ao nobre ministro que se tem seguido este principio, mas posso tambem assegurar a s. ex.ª que não esta generalisado; vejo ainda a administração de muitos concelhos, cuja propriedade é importantissima, confiada a homens leigos que não podem dar garantia alguma de bom registo d'essa propriedade.

Chamo por consequencia a attenção do sr. ministro do reino sobre este ponto, e peço a s. ex.ª que tenha a bondade de me dizer se entende que será conveniente confiar a taes conservadores o registo predial e hypothecario, tendo a seu cargo trabalhos tão importantes e difficeis como aquelles que se acham estabelecidos na lei de 1863 e no respectivo regulamento de 1864.

Na minha opinião será isso uma calamidade, a respeito da qual s. ex.ª deve providenciar de prompto, a fim de que a propriedade de cada um não fique sujeita á contingencia de homens perfeitamente ignorantes n'este ramo de serviço publico.

O sr. Ministro do Reino: — Direi unicamente duas palavras sobre o assumpto que o illustre deputado tratou, que esta providenciado na lei.

A lei manda que os administradores de concelho sejam os officiaes do registo hypothecario. A lei ha de cumprir-se, os administradores de concelho hão de desempenhar as funcções que lhes são inherentes, e se não tiverem capaci dade para as desempenhar, se não o poderem fazer, hão de ser substituidos por outros, e empregados n'esses logares homens com as habilitações sufficientes para preencher este serviço.

Quanto á conveniencia de que os logares de administração sejam providos em homens com habilitações, é essa a minha convicção desde muito tempo; e posso assegurar a s. ex.ª que constantemente, nas nomeações que têem sido feitas durante esta administração, se tem seguido este prin cipio, tendo sido nomeados homens com habilitações superiores.

O que posso dizer ao illustre deputado é que o governo tem toda a esperança, tem mesmo a certeza, de que a lei ha de ser executada. As difficuldades que se encontram quando uma lei se generalisa a todo o paiz, e desce a todas as camadas, são aquellas que se têem dado a respeito d'esta lei, mas essas difficuldades estão vencidas na sua maxima generalidade, o que resta são pequenos embaraços que o tempo ha de destruir. Na actualidade não me parece que o governo devesse vir propor á camara a suspensão de uma lei, que esta tão adiantada, para ensaiar outro systema de registo. O que posso dizer ao illustre deputado é que estão tomadas todas as providencias para que a lei seja executada, que ha, de ser executada conforme esta nas suas prescripções, e que não creio que as difficuldades que hoje se apresentam á generalisação do systema do registo predial sejam difficuldades que possam embaraçar por muito tempo nem consideravelmente a acção governativa (apoiados).

O sr. Alves Carneiro: — É para agradecer ao nobre ministro a resposta que acaba de me dar; mas peço licença para observar a s. ex.ª, que eu não pedi a suspensão da lei do registo predial e hypothecario; eu o que pedi unicamente, e peço ainda, é uma garantia da sua boa execução com a nomeação de homens que tenham as habilitações competentes para esse ramo de serviço publico. E devo di zer, que não tenho a fé que s. ex.ª tem da boa execução da lei quando for executada por administradores de concelho leigos. Eu entendo que mesmo os administradores de concelho, que têem habilitações scientificas, hão de achar difficuldades, quanto mais aquelles que não tiverem essas habilitações!

Não desejo pois que se suspenda a lei do registo, antes pelo contrario quero a sua execução quanto antes, mas desejo que ella se execute com segurança. E o que peço a s. ex.ª confiando pela sua parte essa execução a empregados habilitados.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem algum requerimento, proposta ou representação a mandar para a mesa podem faze-lo. Agora cumpre-me observar uma cousa. Estão affectos ás commissões diversos assumptos para ellas examinarem e resolverem: peço-lhes que com toda a brevidade possivel hajam de apresentar os seus pareceres (apoiados).

O sr. J. M. da Costa: — Mando para a mesa diversos requerimentos, sendo um d'estes a renovação de outros que já fiz na sessão passada, e que se acham publicados em diversos Diarios de Lisboa. Os documentos que peço são documentos de que careço para poder satisfazer ao encargo que tenho n'esta camara, por isso espero que V. ex.ª se sirva pedir ao governo a maior urgencia possivel pelo que diz respeito á remessa que solicito.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO DE RESPOSTA AO DISCURSO DA CORÔA

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Talvez pareça desnecessidade, ou demasia, que eu tome a palavra n'este logar, aproveitando a que havia pedido no momento em que um illustre deputado, que sinto não ver presente, em phrase, a meu ver, mais pitoresca do que exacta, e tomando nas mãos as pandectas e os canones, em vez da espada, e dos instrumentos de engenheiro, que tão habil é em manejar, procurou definir os graus de parentesco que existem entre as nações, ao mesmo passo que não

sei por qual arrojo de imaginação, cujo sentido não pude bem penetrar, collocava o capacete victorioso na fronte de V. ex.ª; n'essa fronte onde me parece, e creio que a todos nós, que melhor assenta o gorro adornado, symbolisando o amor ao estudo e ao trabalho (apoiados), essa insignia da sciencia que nós todos, os filhos da universidade, não podemos ver sem commoção, nem mirar sem nos recordarmos dos bons tempos que ali passámos, e do muito que devemos áquella magnifica instituição do ensino. (Vozes: — Muito bem).

Mas sr. presidente, visto que naquella occasião pedi a palavra pareceria talvez estranho que cedesse d'ella, não porque tenha de responder a impugnações, ou ataques, que se hajam feito á politica externa do gabinete; antes ao contrario, tenho só a agradecer aos illustres deputados benevolencias e cortesias; porquanto, convem que exponha em muito rapidos e singellos traços essa politica, ainda que por mais de uma vez tenha sido exposta e creio, se me não engano, comprehendida pelo paiz.

Politica é esta, sr. presidente, que póde sem inconveniente, sem ferir direitos, sem aggravar interesses, affirmar-se e propalar-se, definir-se e delimitar-se, porque é politica que se funda no sentimento nacional, politica que tem por norma para com os outros o restricto cumprimento do dever, para comnosco o respeito da propria dignidade.

O gabinete não pertendeu, nem pertende desconhecer que um paiz de 100 kilometros quadrados, e de 4.000$000 de habitantes, não é chamado a exercer um quinhão importante de influencia na solução das grandes e geraes questões. Não é essa politica immodesta que o governo assenta nem defende. Digo mais, se a tal politica não devemos aspirar pelos nossos interesses, tambem não podemos aspirar, tambem não é conveniente que aspiremos a uma politica de propaganda e de expansão, porque atrás da politica de propaganda e de expansão, é preciso que esteja alguma cousa, é necessario, quando se entra n'esse Caminho, que se possuam os meios de a apoiar pela força das armas. Se alguma vez taes meios de propaganda armada podem dar resultados proficuos para a civilisação geral, não o discutirei agora, nem discutir preciso desde que é claro a todas as luzes que a nossa posição na Europa nos arreda de tão largas ambições.

Mas tambem devemos acautelar nos do excesso opposto. Se nos não cumpre pela nossa posição uma politica de influencia, uma politica de expansão, ou mesmo de propaganda, igualmente seria perigosa, a meu ver, uma politica de isolamento, uma politica em que nos segregassemos, uma politica que por assim dizer, nos fizesse sumir e desapparecer aos olhos do mundo.

Demasiada é já a tendencia do seculo para esquecer e preterir os direitos menos apoiados na força. Despojado d'esta condição, o direito que se esconder e envergonhar de si corre tanto risco, como o que em condições similhantes transpozer os naturaes limites.

Não se vive hoje isolado. Não se isolam os homens na sociedade nacional; não se isolam as nações na sociedade geral. Não se isolando, mas desempenhando cada uma o papel que lhe incumbe na grande tarefa do progresso universal, respeitando-se a si proprias, e respeitando escrupulosamente os direitos das outras, as nações pequenas, creio eu, contestam do melhor modo e cabalmente theorias que têem sido propagadas, espalhadas, acreditadas, que têem fautores, que têem orgãos conhecidos, theorias que não cumpre agora avaliar, mas que cumpre, na parte em que nos, toca, combater por todos os modos.

E por este modo, sr. presidente, que eu entendo que os governos contestam essas theorias, e contestando-as, diminuem as forças que teriam a combater, afastam dos fanaticos que podem ser poucos, os incautos que podem ser muitos e que muitas vezes se deixam seduzir por phrases mais brilhantes que solidas, por doutrinas que podem fallar á imaginação, mas que levadas á pratica, seriam a ruina e a desgraça dos povos.

E as theorias existem, conhecem-se, propagam-se, e com pena as vi até certo ponto animadas em um documento official a que o illustre deputado se referiu, e ao qual eu mesmo me referirei, sem por modo algum lhe ligar a significação que o illustre deputado lhe ligou.

Começo por dizer francamente que ha n'aquelle documento periodos que não me agradam, que não aceito, que não adopto (apoiados); mas não posso de modo algum ver n'elle uma theoria absoluta de illimitadas applicações; e sobretudo recuso-me formalmente a ver n'elle uma ameaça, e uma ameaça directa; porque para a ver era preciso que desconhecesse outros documentos emanados na mesma nação, de origem superior, de um soberano illustre, que tem conquistado a opinião pela largueza das suas vistas e pela moderação dos seus actos. E estes documentos afastam toda a idéa de uma theoria absoluta, e mais ainda de uma ameaça directa. Por estes, que são tambem conhecidos, é preciso interpretar os outros.

Ainda ha pouco eu tive a satisfação de ver no jornal official, que se publica em Paris, apreciando o discurso do throno a que n'este momento se responde, franca e abertamente constatado como geralmente aceito no paiz o pensamento dominante da politica externa que seguimos. Era ali apreciado e applaudido sem reserva este pensamento. Não trato agora, e mais tarde me occuparei das reservas postas por outro jornal, cuja opinião foi tambem já adduzida na discussão.

Mas se esta é, e creio que não póde ser outra, nem deve ser outra a politica externa de Portugal em relação a todas as nações, ha ou não ha alguma rasão, alguns motivos plausiveis e inferiores que nos obriguem nas nossas relações externas a alguma especialidade para com a nação vizinha? Diz-se e é facil de dizer — para com a Hespanha ami-

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gos e neutraes como para com todas—. De accordo. Mas ha alguma cousa de particular, de especial que se não supprime, porque se não supprime a historia, não se supprimem os factos sociaes, não se supprime a geographia.

Sem pretender de modo algum fazer perante a camara, que a conhece tão bem, ou melhor do que eu, a historia d'estes dois paizes, não posso deixar de procurar n'ella ensino, nem prescindir de pôr de relevo certos factos entre os muitos que em epochas diversas demonstram as consequencias das politicas differentes que tambem tem dominado em varias epochas na peninsula.

Não se deve desconhecer que dois povos nobres ao mesmo tempo, por, assim dizer, se formaram, expulsando ambos da patria commum os sarracenos, e creando desde logo duas nacionalidades quasi completas ao nascer, e tão vivaz a nossa, que resistiu sempre á fusão que se operou entre as outras que formam hoje a Hespanha. Não tendo já quasi sarracenos a combater, voltam um contra o outro, estes dois povos, a sua actividade guerreira; e dois reis do mesmo nome, e ambos no nome primeiros, D. João de Castella e D. João de Portugal, lutam, um pela absorção, o outro pela independencia. Vence o do mais pequeno reino contra o do maior. O principio da independencia venceu, porque era principio providencial.

Afastada a tentativa de absorpção, comprehenderam estes dois povos e os seus governos, que não era nas ambições reciprocas da denominação que estava o seu futuro e | grandeza. Olharam para outro lado, olharam para os mares, que eram immensos, viram n'elles a origem de engrandecimento, de glorias largas como o Oceano. (Vozes: — Muito bem.) Lançaram uns e outros as suas esquadras, procurando e fundando, uns na India outros na America, novo e larguissimo mundo. E esta a epocha mais gloriosa de um e outro paiz; foram ambos grandes, ambos victoriosos, e lavraram as mais bellas paginas da sua historia. Izabel em Hespanha, D. Manuel em Portugal realisam essas famosas epopeias, que tem por heroes o Colombo e o Gama. E quando mais tarde, esquecida esta nobilissima politica, de novo um Filippe II voltou á politica de absorpção, que aconteceu? A desgraça de Portugal, a ruina de Hespanha! As colonias perdidas, as riquezas esterilisadas, por toda a parte a decadencia, da qual, só passados seculos acorda um e outro povo, justamente quando se trata de repellir a invasão estrangeira, e de se mostrarem heroes os que já não eram florescentes. (Vozes: — Muito bem.)

Estes factos, que succintamente enumero á camara, não se supprimem; são factos que contém grande ensinamento para quem saiba ver e pensar; e se para espiritos superficiaes podem passar despercebidos, não o devem passar para nós, pois que estão dizendo no passado o que devemos fazer no futuro.

Mas se a historia se supprimisse, como se poderiam supprimir duas linguas que nasceram tambem das mesmas origens, que se formaram distinctas, que dois grandes escriptores, Cervantes por um lado, Camões por outro, por assim dizer, fixaram, duas linguas que na litteratura obtiveram glorias grandes, que se conservaram e conservam ainda separadas bastante para formarem idiomas á parte, proximas bastante para be comprehenderem uma á outra sem previo estudo?

E suppondo por absurdo a suppressão da historia e da indole das linguas, como haviamos de supprimir a geographia? Que é a nossa fronteira?... O mar e a Hespanha.)

Em vista d'isto, em vista da historia, em vista dos factos sociaes existentes, em vista da geographia, poderemos dizer porventura, que não ha, que não é preciso haver, que não tem de haver alguma cousa de especial nas nossas relações com o reino vizinho? Impossivel! Os factos actuam imperiosamente; os factos determinam uma -especialidade na nossa politica. Quem o desconhece não tem olhos para ver, ou lança ao Vento palavras sem sentido pratico.

Como será porém caracterisada para com o reino vizinho a politica que os factos de outras eras, os de agora, e os de sempre, tornam inevitavelmente especialissima! Não conheço senão quatro formulas fundamentaes definidas—politica de fusão, politica de desconfiança e isolamento, politica de alliança de partidos, politica de alliança de nações.

Que rejeito a primeira, di-lo a historia, di-lo o sentimento unanime de todos. Os que a promovessem dentro ou fóra da peninsula, seriam os unicos inimigos com quem não poderiamos transigir (apoiados), os unicos inimigos com quem temos a combater pela propaganda da palavra, para lhes diminuir as fôrças, para lhes tirar a possibilidade de nos obrigar a combate-los nos campos da batalha. E nem por isso podemos ou devemos descurar o que nenhum paiz póde descurar, a organisação da força publica, auxiliar e garantia da politica nacional. Que a politica, a politica de fusão, não póde ser a nossa é evidente (apoiados).

Convirá seguir antes a politica de isolamento e desconfiança? Mas como manteria esta politica com o reino vizinho, quando pelo reino vizinho sómente nós estamos ligados com toda a Europa? Isolarmo-nos da Hespanha seria isolarmo-nos. do mundo inteiro; seria ficarmos apenas com o mar por fronteira. Mas seria mais: seria desconhecer uma grande verdade que o illustre deputado, que fallou em ultimo logar, proferiu com grande bom senso, entre gracejos, quando disse que = estes dois povos, quanto mais se approximarem, quanto mais se conhecerem, mais se compenetrarão, por um lado, dos pontos de contacto que entre elles ha; por outro lado, dos pontos de differença que existem entre uns e outros, e que os levam fatal, imperiosa e necessariamente a viver vida separada =.

Seria a terceira politica, a da alliança de partidos analogos.

A primeira objecção que se me apresenta é se as denominações dos partidos em um ou outro paiz se correspondem, e se a pompa dos nomes significam sempre o culto fiel das doutrinas. Mas quando assim fosse, o que não creio, onde nos poderia levar uma politica tal?

Um nobre general, um respeitavel caracter, o sr. marquez de Sá da Bandeira, presta-me n'este momento o grande auxilio da sua auctoridade; em uma recente publicação que fez, reprova elle, com os exemplos da historia contemporanea, as consequencias que podia trazer essa politica. E que a condemna um defeito radical. E que na politica de alliança de partidos entre Portugal e Hespanha haveria, como forçada consequencia, a ingerencia mutua e reciproca de um paiz no outro. Se o governo de Portugal não podesse estar bem com um governo de Hespanha, com tendencias diversas das suas quanto á governação interna, vinha natural o desejo de que caísse aquelle governo, e atrás do desejo a 'intriga, a interferencia directa, que seria uma loucura, ou a indirecta, que seria uma traição villã. E depois a represalia; o governo de Hespanha, discordando das tendencias do governo portuguez, precisaria faze-lo substituir para restabelecer a harmonia. Como se comprehende em condições taes a independencia, como a dignidade dos dois paizes? A rasão, o bom senso, a experiencia, o sentimento, tudo esta reprovando politica tão perigosa e inconveniente.

Que resta pois senão a politica que o governo proclama: alliança de paiz a paiz, alliança de nação a nação, com respeito completo do modo de ser de cada um, não se intromettendo uns no modo interno de governar dos outros?

Ha muitos e grandes interesses communs que podem attender-se sem que se pretenda nem dar lições, nem apresentar modelos, nem fazer imitações, porque as imitações são difficeis e quasi sempre defeituosas.

Sr. presidente, o governo proclamou francamente esta politica, e eu posso expo-la na linguagem familiar em que a assentava e tratava de explicar ha pouco, com um estadista do reino vizinho e com pleno assenso d'elle. Dizia eu pois que estes dois povos são como dois irmãos maiores que fizeram ha muito inventario e partilha. Quando ha inventario feito e partilha entre irmãos, raras vezes se levantam questões de interesses.

Quanto ás questões exteriores á peninsula não creio que haja antinomicos interesses com os do paiz vizinho. Não vae ahi o perigo de collisão; no que devemos ter bastante attenção pelas conveniencias mutuas é em soffrer demasias de temperamento. Poderiamos ter questões de temperamento, porque os nossos temperamentos são diversos; e tambem como irmãos de diversos genios podem viver bem entre si, se têem juizo e boa educação; assim entendo que podem viver bem estes povos, evitando discussões tão inuteis como inconvenientes.

N'estas poucas palavras esta dito o modo por que o governo entende a politica que nos deve levar a estreitar as relações com o reino vizinho. E já fica evidente que não posso aceitar as reservas de um jornal estrangeiro, a que um illustre deputado, meu amigo, alludiu no seu brilhantissimo discurso; e não posso aceita-las por uma simples rasão. O governo de Portugal não approva nem desaprova o procedimento do governo de Madrid quanto á sua politica interna, e não desaprova nem approva, porque não tem direito de a julgar. O governo, procedendo assim, não fez mais do que cumprir o seu dever.

E sem de modo algum desconhecer a maior largueza que têem aquelles sobre quem pesa responsabilidade menor, como o deputado que se levanta a fallar no parlamento, o jornalista que escreve na imprensa, sem desconhecer a differença das situações de cada um, seja-me permittido pedir em nome do amor do paiz, que todos igualmente partilhamos, que se evitem quanto possivel, já nas discussões parlamentares, já nas da imprensa, apreciações, porventura menos opportunas, que podem, mesmo a despeito das melhores idéas e das melhores intenções, ser apaixonadas, e de alguma maneira comprometter, desviar do seu natural curso esta politica, que é a politica do governo, se se entende que esta é a boa politica (apoiados).

N'este pedido não faço censura a ninguem, não desconheço em ninguem as intenções, aliás generosas, que dictam certas expressões, certas phrases que não desejo de' modo algum aqui levantar.

Parece-me que valia a pena de em nome de um grande interesse, em nome de uma politica que até agora não tem sido condemnada, e que julgo que difficilmente o poderá ser, sacrificar certas exuberancias de estylo, o que aliás seria facil a talentos experimentados.

Por este pedido concluo.

Não me resta mais que dizer.

Agradeço novamente, no que me é pessoal, a benevolencia com que fui tratado por todos os oradores que me precederam.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Cabe-me a palavra tarde e em circumstancias desfavoraveis, porque o assumpto esta esgotado, e porque me sigo a fallar a um dos mais experimentados e mais talentosos vultos da tribuna parlamentar.

Como porém me acho inscripto, vou fazer algumas observações sobre o documento em discussão.

Sr. presidente, o que significa esta voz que V. ex.ª e a camara estão ouvindo? Que principios representa? Que intuitos proclama? Quaes são as suas aspirações? Quaes os seus designios?

Será uma sentinella avançada do partido conservador? D'esse partido suspeitoso e taciturno; seita refractária á civilisação; religião anachronica, cujo ídolo é a inercia, cujo apostolado é a immobilidade; escola politica valetudinaria que, para precaver-se da sombra fugitiva de um progresso, se agarra convulsiva ao ferro em brasa do despotismo?

Será um veterano do glorioso e patriotico partido setembrista, um antiquário intratável e melancolico, curvado ao peso dos seus escrupulos varatojanos, e emprehendendo salvar esta sociedade materialista com o cordão sanitario da sua politica isoladora e exclusiva?

Será um innovador epicurista, filho predilecto da primeira regeneração, a quem seduzem mais as excellencias da vida positiva do que as substancias doutrinaes de uma philosophia especulativa e nebulosa?

Será um missionário disfarçado do grupo da unha negra, seita perniciosa e condemnada, que pretendia subverter a igreja e o imperio, e que ameaçava contaminar com o seu pestilento sopro as phalanges incautas e desprevenidas dos seus ingenuos correligionarios?

Será um progressista conservador ou um conservador progressista, neologismo para uso das consciencias peregrinas, e que, se não representava um pensamento fecundo e uma convicção forte, teve ao menos o merecimento de quebrar por alguns dias a semsaboria chronica de uma situação inimitável?

Será um enthusiasta das fusões politicas, especie de preparado obtido pela trituração de substancias heterogeneas, legionário sem legião) apostolo sem doutrina, partidario sem partido?

Não, sr. presidente, eu não sou nada d'isto. A reacção irrita-me, a virtude severa assoberma-me, o sybaritismo deslumbra-me, a heresia assusta-me, a dança na corda bamba entontece-me, a pharmacia nauseia-me.

Houve um homem n'esta terra que teve um dia o pensamento de formar um partido novo; esse homem, hoje cadaver, chama-se José Estevão; eu pertenço ao partido de José Estevão, pertenço ao partido de um cadaver.

Mas, perguntar-me-ha V. ex.ª, que vida, que iniciativa, que impulso póde imprimir a um partido um corpo regelado e inerte?.

Ergue-se solitario no meio do valle um roble magestoso; á sombra protectora dos seus frondentes ramos medra a flor delicada, corre mansamente o limpido regato, e descansa das fadigas de penosa jornada o viandante extenuado. Todos procuram o carvalho secular: o ancião curvado ao peso dos annos, o infante desprevenido e innocente, o namorado zeloso, a donzella gentil e maliciosa, e a arvore louçã, conforto e alegria do povoado, a todos concede refrigério e abrigo, Um dia, no meio das galas da mais soberba vegetação, sobrevivem a morte; as folhas murcham-se, os ramos seccam-se e mirram-se, o tronco desaba esfarellado e carcomido no chão! Onde estavam os braços do gigante, com as suas fórmas irregulares e phantasticas, ficou o espaço livre, o espaço immenso e infinito! Mas a morte não é o fim ultimo d'esta pomposa illiada da creação; a natureza apodera-se pois novamente das moléculas daquelle corpo, falas passar pelo crisol de uma mysteriosa alchimia, e arrojando-as aos ares fórma aqui um rochedo, acolá uma flor, além uma nuvem, mais longe outra arvore imponente e viçosa» (Vozes: — Muito bem.)

Assim acontece ao homem de genio. O seu destino não póde encerrar-se dentro de um tumulo; as explosões sublimes da sua intelligencia não póde abafa-las a morte; a palavra gelou-se-lhe nos labios, os olhos não lhe projectam raios de luz, o calor fugiu-lhe do corpo; mas a humanidade, legatária da sua alma, assimilou-a pensamento por pensamento, e assim revive aquelle grande espirito em cada lição proficua que transmittiu, em cada generosa idéa que apostolou.

Não, José Estevão, tu não acabaste; tu não morreste, porque o teu patriotismo, o teu amor da liberdade, a vastidão dos teus designios, a largueza das tuas aspirações, apparecera redivivas no coração de todos os obreiros sinceros e devotados da civilisação. Não acabaste, e tambem não morreu a idéa fecunda que concebeste; porque não morre o que é nobre, porque não morro o que é grande, porque não morre a consciencia publica, porque não morre o sentimento nacional. Sentimento nacional! eis a divisa, o orago, a invocação do grande partido a que hoje em diante pertenço.

Mas qual é a minha posição em presença do governo? O paiz, a camara, os srs. ministros, têem direito a perguntar-mo.

Vivia-se n'uma quadra felizmente excepcional! As escolas escondiam cautelosamente os seus programmas; os pontifices politicos, receiosos de um scisma devastador nas christandades da sua jurisdicção, ousavam apenas soltar uma ou outra palavra sibyllina; os soldados, outr'ora"subordinados e fieis, declaravam-se em permanente rebellião; os chefes tinham perdido de vista os subalternos, e os subalternos os chefes; as parcerias pareciam mais um disparate do acaso do que o producto natural da homogeneidade das doutrinas. No meio d'esta debandada, á vista d'esta bancarota geral de responsabilidades, de obrigações e de deveres, o apparecimento do governo, tal qual se acha constituido, foi, na minha opinião, a consagração de uma grande necessidade publica.

Podem objectar-me que os srs. ministro, não são os genuinos representantes de uma certa e determinada politica, e que por esse simples facto se lhes deve fazer opposição. Eu, sr. presidente, encarei a questão por outra fórma, e reservando-me toda a liberdade de apreciação, pelo que diz respeito aos principios fundamentaes da minha escola politica, julguei mais conveniente, no estado em que se achava o paiz, auxiliar francamente o governo, e acompanha-lo no caminho das reformas e dos commettimentos civilisadores.

Sr. presidente, apraz ao meu coração (o estylo é magestatico, mas n'esta quadra de violentos attentados contra as constituições ha effectivamente uma certa magestade no exercicio desassombrado e independente da palavra parlamentar); apraz-me, como actividade livre e pensante, ver

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o governo do meu paiz laureado pelo talento, e nobilitado pelo trabalho e pelo estudo. Ha muito que era esse o meu ideal, e o objecto permanente das minhas preces e orações. Deus, que é grande e misericordioso, ouviu os meus rogos, recebeu as minhas oblações, compadeceu-se do paiz, e deu-lhe ministros intelligentes e capazes de o administrar.

A prova d'isto esta n'este documento que estamos discutindo, documento que se refere a um plano de administração, que póde ser mais ou menos rasoavelmente combatido, mas que revela esclarecida iniciativa, estudo serio e pensamento governativo.

Permitta-me a camara algumas observações rapidas sobre o discurso da corôa. A repartição que n'elle figura em primeiro logar é a dos estrangeiros, á frente da qual se acha o meu particular e antigo amigo, o sr. Casal Ribeiro; o que equivale a dizer que os negocios internacionaes, cuja importancia já ninguem hoje põe em duvida, são geridos com reconhecida dignidade e provada illustração, porque eu não conheço, e perdôe-me o meu amigo se offendo a sua modestia, quem mais que s. ex.ª reuna a um tão culto espirito um tão elevado e tão generoso caracter.

O' illustre ministro entrou no caminho dos tratados de commercio. Póde discutir-se em these se é esta a mais acertada maneira de resolver as questões economicas entre as diversas nações; e eu, por exemplo, que, longe de acreditar que a importação em si é funesta, penso que ella é a prova real da riqueza de um paiz, em logar de inquietar-me com a legislação dos outros povos, procuraria antes modificar a nossa no sentido dos nossos interesses, facilitaria as permutações a todos os nossos concidadãos, e confiaria na influencia benefica do exemplo e nos progressos do espirito humano.

Supponhamos que as pautas inglezas prejudicam as nossas vendas. É mau, muito mau. Segue se porém d'ahi que devemos conservar taes quaes estão os direitos sobre as mercadorias vindas de Inglaterra, prejudicando por esta fórma as nossas compras? Não seria isto querer curar um mal com outro mal? Pois se não temos remedio para o primeiro, não estará na nossa mão remediar o segundo? Não podendo livrar-nos de ambos os inconvenientes, não será de boa logica evitar um delles?

Como quer que seja, sr. presidente, é certo que hoje são moda na Europa os tratados de commercio, e como a moda é tyrannica, e nós somos levados a segui-la, ninguem esta mais habilitado, do que o nobre ministro dos negocios estrangeiros, para tirar d'ella todo o partido possivel.

Comprar no mercado mais barato, e vender no mais caro, eis a proposição conceituosa em que um dos mais notaveis estadistas inglezes, sir Robert Peei. apoiou as suas grandes reformas. Livre troca, doutrina tão simples como fecunda em resultados praticos, doutrina que a mão de Deus parece estar ensinando a todos, dando a cada clima os seus productos especiaes. Trocar, sr. presidente, trocar sempre. As sociedades não teriam dado um passo no caminho dos progressos moraes e materiaes se as tivessem condemnado ao isolamento; trocar os productos pelos productos, as idéas pelas idéas, os sentimentos pelos sentimentos; e até trocar, se fosse possivel, os sentimentos e as idéas pelos productos. Quanto não lucrariam os nossos vizinhos hespanhoes, digo vizinhos para fugir á questão de parentesco que se levantou hontem aqui, se nós trocássemos a nossa liberdade pelo seu chocolate! Excellente chocolate, sr. presidente; mas que, se o meu paladar me não atraiçoa, não vale a nossa querida, a nossa adorada liberdade!

E já que fallei na Hespanha, permitta-me uma breve reflexão. Eu não discuto o direito que cada paiz tem de se governar como entender; mas reputo funesto, funestíssimo, tudo o que possa tender a quebrar a solidariedade entre os diversos partidos liberaes; solidariedade eterna, solidariedade immorredoura, porque a liberdade é de todos os climas; porque a liberdade é cosmopolita; porque a liberdade é a mais séria, a mais nobre, a mais philosophica, a mais generosa aspiração da humanidade!

Segue se no discurso da corôa o ministerio do reino, cujos negocios estão confiados á reconhecida intelligencia do meu predilecto amigo, o sr. Mártens Ferrão.

A inepcia alvar e irresponsavel de alguns, e a indole malevola de outros que distillam sem esforço, mas nas trevas, o veneno que lhes deprava o coração, têem querido classificar de reaccionario o caracter do illustre ministro do reino. A este respeito permitta-me a camara que lhe conte uma historia.

Ha tempos ainda o sr. Mártens Ferrão não fazia parte do actual gabinete, tive entre mãos emprestado um livro de s. ex.ª Este livro tratava largamente de alguns pontos administrativos, e desenvolvia com amplidão diversas questões de liberdade..Comecei a ler o livro, e *'logo nas primeiras paginas vi que elle estava annotado pela letra de seu dono. Levado pela curiosidade fui ler as notas e vi que ellas eram escriptas no sentido de um livre pensador. Continuei a ler o livro, li-o até o fim, e sempre as mesmas notas repassadas do mesmo espirito e das mesmas convicções liberaes. De maneira que no fim da leitura fiz o seguinte dilemma: «Ou este sr. Mártens Ferrão, que me emprestou este livro, não é o sr. Mártens Ferrão que alguns alcunham de reaccionario; ou é, e n'este caso, para ganhar com mais facilidade o reino do céu, esta s. ex.ª fornecendo ao futuro santo officio, que elle ha de concorrer para crear, os documentos que hão de servir de base á sua sentença condemnatoria».

Lembra-me que por essa occasião fallei com o meu particular e antigo amigo, o sr. Santos e Silva sobre este facto, e que lhe notei a injustiça de certas apreciações, que felizmente o tempo se encarrega de condemnar ás suas dimensões verdadeiras.

O discurso da corôa não nos diz quaes são as medidas que tenciona apresentar o sr. ministro; mas eu creio que essas medidas versam sobre a reforma administrativa, a reforma da instrucção, a beneficencia publica, e a creação de uma policia rural e das cidades. Creio que estas são as medidas; e, se me não engano, supponho que todas ellas são inspiradas pelo mesmo pensamento liberal que presidiu á feitura das notas de que fallei.

Ahi esta pois o reaccionario; como ardente enthusiasta da liberdade, como obreiro humilde mas dedicado da civilisação, desejo ao meu paiz dois milhões de reaccionarios como o sr. Mártens Ferrão. As medidas de s. ex.ª brevemente vão ser apresentadas; e o paiz e a camara, que já respeitam o seu alto caracter e o seu incontestavel merecimento, terão brevemente occasião de apreciar mais uma prova do seu zêlo pelos negocios publicos.

Relativamente ao ministerio da justiça, diz-nos o discurso da corôa que serão submettidos ao nosso exame o projecto de codigo penal, propostas para a reforma do systema das prisões, organisação do ministerio publico, dotação do culto e clero, e outros assumptos de igual interesse publico. Estas medidas são importantes, mas a abolição da pena de morte, que me consta vae ser apresentada, é a que acima de todas honra o nome do illustre ministro, e o inscreve em letras de oiro na historia do seu paiz. Parabens a s. ex.ª pelo pensamento altamente humanitario e philosophico que dictou esta resolução; parabens ao governo, porque a adoptou; parabens á nação inteira, porque um paiz onde se póde realisar uma reforma d'este alcance moral, é um paiz cujo povo é abençoado por Deus.

Agora permitta-me V. ex.ª, sr. presidente, que o convide a fazermos juntos uma digressão; trata-se de um passeio ao campo, o que é sempre hygienico e muito recommendado de tempos a tempos a quem, como V. ex.ª, pela posição que occupa, é obrigado a uma vida sedentária. V. ex.ª nunca foi a Tancos? Não foi; tambem eu não; pois vamos hoje. Confesso que depois que acabaram as manobras estou com immensa vontade de ver Tancos. Tancos o inconstitucional; Tancos o insalubre; Tancos o libertino; Tancos o perdulário! Muito mal se tem dito de Tancos, tanto mal, que por um d'estes caprichos, não raros na natureza, estou ancioso por encontrar um pretexto para dizer bem.

De todos os generos de coragem o mais serio, e o que eu reputo menos vulgar, é o que se patenteia contra o proprio partido a que se pertence; pois, sr. presidente, e o meu partido estivesse organisado e forte, e se no apogeu da sua fôrça me quizesse impor uma opinião que eu julgasse infesta aos interesses do meu paiz, parece-me que havia de ter sufficiente energia para combater essa opinião. Quando o homem publico tem a consciencia da pureza das suas intenções, nenhuma consideração pessoal, nenhum prurido de popularidade deve tolher a manifestação das suas opiniões.

Uma das accusações que a proposito do campo de manobras se tem feito ao governo é a veleidade da formação de um partido militar. Eu confesso que não acredito em similhante intenção da parte do governo. Partido militar com que intuito? Partido militar para que fim? Para dar o predominio á empada? Para cercear as liberdades publicas? Para favorecer um golpe de estado? Oh! sr. presidente, a verdade antes de tudo; e a verdade é que a existencia do exercito, o seu esplendor, os seus interesses e a sua gloria estão intimamente ligados com a integridade das instituições constitucionaes e com a manutenção das liberdades publicas, que elle mesmo ajudou a implantar no paiz. O sr. Fontes nunca teve similhantes idéas; e demais, nem os Bismarks medram n'estes climas, nem aqui se atreveria pessoa alguma a ler á camara o regulamento dos creados de servir.

S. ex.ª respondeu á questão da reserva, e creio que respondeu cabalmente. Faz-se porém uma outra accusação ao governo, é a da inconstitucionalidade. O governo devia esperar a abertura do parlamento, propor a medida e pedir as competentes auctorisações. E se o governo, na presença do estado da Europa, em vista das circulares caprichosas de que nos fallou hontem o sr. Belchior Garcez, e na previsão de acontecimentos que, attenta a nossa posição geographica, podiam mais ou menos directamente interessar-nos, entendesse em sua consciencia que era do seu dever preparar o paiz para essas eventualidades? E se informado da possibilidade de proximas convulsões julgasse da sua obrigação apparelhar os instrumentos de defeza? Entender-se-ha porventura que n'estas circumstancias devia cruzar os braços e deitar-se a dormir para acordar manietado? Eu entendo, sr. presidente, e digo-o sem rebuço, porque julgo cumprir um dever; entendo que, se póde caber censura ao governo, é por ter feito menos do que devia fazer; entendo que deve crear-se uma guarda nacional; entendo que o paiz deve estar apercebido e alerta para, dadas certas occorrencias, poder tratar de igual a igual, e para não ser obrigado a curvar a cabeça ás condições que lhe forem impostas.

Quanto ao systema seguido pouco ou nada posso dizer, e por justos motivos; eu entendo tanto de cousas militares como aquelles que mais as discutiram, faça V. ex.ª idéa.

Sei, porque o sabem todos, quero exercito carecia de instrucção; se essa instrucção devia principiar pelos regimentos, pelas brigadas ou pelas divisões; se os aprendizes careciam mais d'ella do>que os mestres, ou os mestres mais do que os aprendizes; se os resultados corresponderam, aos sacrificios, outros que o decidam, que eu declaro-me incompetente. O que é certo é que o sr. ministro ida guerra, intelligente como é, não podia ver com bons olhos o desbaratamento de perto de 4.000:000$000 réis annuaes, porque o desbaratamento era a despeza improductiva que se fazia com o exercito.

Entendo portanto que os intuitos do sr. ministro da guerra aforam patrioticos, e que os nossos desejos devem, ser que s. ex.ª acertasse nos meios de os realisar.

Á questão de fazenda exige dos poderes publicos a mais perseverante solicitude e o mais desvelado estudo.

Diz-nos o discurso da corôa que serão submettidas á nossa deliberação varias propostas de lei, no intuito de sustentar o credito publico, de continuar os melhoramentos moraes e materiaes do paiz, e de occorrer a todos os encargos do thesouro.

Tres são os meios mais geralmente preconisados para regularisar as finanças de um paiz—o imposto, o credito e a reducção de despezas. O discurso da corôa não nos diz qual d'estes meios o governo tenciona seguir, mas eu creio não enganar-me dizendo que o sr. ministro está disposto a combinar todos estes recursos, isto é, a reduzir o que for possivel reduzir, a pedir ao imposto o que for compativel com as forças dos contribuintes, e a appellar para o credito para preencher o que ainda faltar.

Eu não reputo que seja esta a occasião opportuna para examinar devidamente as questões de fazenda; mas seja-me licito dizer, e n'isto creio que vou de accordo com o governo, que não ha reforma de fazenda possivel entre nós sem uma profunda modificação na vida economica do paiz por meio de uma larga dotação das obras publicas; e a este respeito não posso deixar de fazer o devido elogio ao sr. ministro da fazenda, porque, tendo eu em diversas epochas combatido a s. ex.ª, notei sempre a perseverante tenacidade, a grande energia, e o incontestavel talento com que s. ex.ª, lutando muitas vezes com grandes difficuldades, defendeu constantemente esta mesma idéa.

Mas se o systema da desenvolução das forças vivas do paiz, por meio do fomento, admittisse controversia séria, e carecesse de apoiar-se n'uma auctoridade competentissima, eu leria á camara um trecho de um documento official, que prova o alto merecimento e grande alcance do seu auctor. Refiro-me ao relatorio das medidas de fazenda, apresentado em 1860 pelo sr. Casal Ribeiro, então ministro da fazenda, relatorio que por si só faz a reputação de um consummado estadista.

Dizia o sr. Casal Ribeiro: «Seria ocioso, senhores, insistir nas vantagens que promette ao nosso paiz a applicação, dentro em poucos annos, de fortes capitaes á construcção das nossas principaes linhas ferreas, e das estradas destinadas a completar um bom systema de viação. A convicção de similhantes vantagens tem já penetrado profundamente no animo publico; e a opinião repelliria de certo, e com sobejo fundamento, todo o systema de governo que tendesse a adiar a satisfação de uma necessidade tão geralmente reconhecida», etc.

Felizmente as palavras que lemos no discurso da corôa, relativamente ao ministerio das obras publicas, e a illustração proverbial do cavalheiro que gere aquella pasta, dão-nos garantias sufficientes, a meu ver, do empenho emprehendido do governo e dos intuitos progressivos que o animam.

Eu vou concluir, sr. presidente. É clara e definida a posição que occupo; apoio examinando, mas examino sem prevenção. De resto, sr. presidente, eu tenho para mim que me ha de infelizmente sobrar tempo para fazer opposição. Os srs. ministros não têem, supponho eu, a pretensão de ser eternos; um dia ha de toldar-se de nuvens o firmamento ministerial, e então Deus sabe a que mãos será confiado o leme da governação publica.

Para esse dia, eu, o mais humilde dos cidadãos, convoco os comicios do partido novo! E é provavel que não respondam á chamada nem os chefes encantados e invisíveis, nem os ministros da providencia, nem os progressistas conservadores, nem os fusionistas ad odium, nem muitas outras espectaculosas entidades que o almanach do sr. Valdez teima em commemorar, mas que a inconstancia da opinião já não corteja.

Em compensação porém hão de comparecer muitos homens de boa vontade, muitas vocações uteis, muita capacidade desaproveitada. Ha de comparecer o povo, ha de comparecer o contribuinte, ha de comparecer a mocidade com as suas paixões ardentes, mas nobres e elevadas. Eu peço um logar de honra para a mocidade e para as suas paixões. N'esta quadra de profundo lethargo politico, de summa indifferença pelos negocios do paiz; nomeio d'esta perigosa e deploravel atonia do espirito publico, todos os estimulos fortes se devem aproveitar, todas as aspirações generosas devem ser attendidas!

Esta é que é a vida constitucional; é essa a indole do systema representativo, que não póde medrar á sombra das confidencias timidas, nem dos biocos de reposteiro.

Querem uns a reforma da camara dos pares, que reputam uma 'instituição anachronica e pouco consentanea com as exigencias da opinião, e com a constituição intima da nossa sociedade. Ouçam-nos, que talvez haja um grande fundo de verdade nas idéas que proclamam!

Pedem outros tenacidade, e coragem para executar a legislação patria, firmeza e decisão para repellir as invasões da curia. Escutem as suas reclamações que podem ser justas e sensatas!

Desejam outros a organisação sisuda e forte de uma guarda nacional, que seja ao mesmo tempo uma garantia de: ordem interna e a verdadeira defeza da integridade politicando paiz. Attendam«nos, que a sua aspiração é nobre e perfeitamente realisavel!

Não desprezem nenhuma idéa. Ouçam a todos, e discutam tudo. Onde, havia um preconceito levante-se uma doutrina; onde existia, um rancor surja um affecto; as sociedades não medram, não se desenvolvem, não se regeneram com odios pequeninos,; só a fé nos principios, as eleva, as depura, as robustece e as nobilita!

E o governo, sr. presidente, o governo tem responsabilidades grandes e obrigações serias. Essa benevolencia inerte que o rodeia, mais parecida com a indifferença do que com o apoio, deve servir-lhe de estimulo em vez de calmante.

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O poder é pouco habil quando ostenta pretensões maiores do que os seus recursos; mas os ministros actuaes têem mais que a necessaria intelligencia para dar á administração publica, nos seus variados ramos, impulso vigoroso e fecundo. Quando no regimen constitucional os governos se collocam á frente do progresso politico, dão por esse simples facto uma prova irrecusavel da sua força e uma garantia da sua duração.

Lembrem-se de José Estevão, d'esse vulto eminente da nossa historia contemporanea; estudem as diversas phases d'aquella brilhante carreira, e vejam se a irregularidade apparente dos seus actos tinha a menor influencia na acção constante do seu genio.

O paiz carece de um governo previdente e forte; os srs. ministros acham-se na altura das necessidades publicas! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Tenho dito.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Sá Nogueira: — Pouco direi. Oradores eminentes já se occuparam das questões principaes, e eu quasi que me limitarei a mandar para a mesa um additamento, a que se póde tambem chamar substituição, á parte da resposta ao discurso da corôa, relativa ás possessões ultramarinas. Persuado-me que o objecto d'este additamento esta na mente, esta nas idéas da camara, e que não carece por isso de ser sustentado.

A commissão diz (leu).

Eu adopto o pensamento da commissão, mas amplio-o n'este sentido (leu).

Já disse que julgava desnecessario sustentar este additamento, é uma questão muito conhecida, e ha de certamente merecer toda a attenção* da camara o modo de a resolver e a maneira por que esta doutrina se ha de levar a effeito.

Agora aproveitarei a occasião para dizer que as explicações que o sr. ministro da guerra deu em relação aos factos de que foi arguido, não me satisfizeram completamente. Tratou-se de demonstrar a conveniencia do campo de manobras; mas a questão não era essa, a questão era se o governo estava ou não auctorisado a despender sommas exorbitantes com aquelle campo. De certo que não estava, de certo que exorbitou e não poderá ter uma escusa plausivel, por isso que sendo instado n'esta o na outra camara, por differentes vezes, para prover á defeza do paiz, recusou-se a isso, dizendo que não existiam circumstancias que exigissem que o governo tomasse medidas para esse fim; e passados poucos dias, de repente, muda de opinião, e toma sobre si a responsabilidade que não tinha querido tomar perante as camaras, quando estas ainda havia poucos dias se tinham encerrado, e quando grande numero de deputados ainda estavam em Lisboa não muito afastados da capital, e o governo os podia convocar e reunir em dois ou tres dias. Portanto, parece-me que s. ex.ª não respondeu satisfactoriamente ás arguições que lhe fizeram dois primeiros oradores, e sobretudo aos argumentos do illustre deputado que fallou em segundo logar.

Agora aproveito a occasião para explicar o apoiado que, com muita satisfação, dei. ao sr. ministro da fazenda quando fallava ha poucos dias n'esta casa.

Dizia s. ex.ª: «A tempestade passou, a nuvem dissipou-se, mas quando se esta debaixo da influencia dos acontecimentos as cousas tornam outro aspecto, e a prudencia aconselha a que se tomem medidas previdentes». Apoiei a s. ex.ª n'este ponto, pois via que s. ex.ª tinha entrado no bom caminho, porque quando foi da revolta de Braga s. ex.ª pensava de outro modo. Dei o apoiado de todo o meu coração (riso).

Eu approvo a resposta ao discurso do throno, os termos em que ella esta concebida são inoffensivos. Ninguem póde deixar de a approvar. Diz-se «nós veremos, nós examinaremos». Ora esta é a nossa obrigação. A nossa obrigação é examinar e considerar as propostas que o governo aqui trouxer, e approva-las ou rejeita-las segundo entendermos serem uteis ou prejudiciaes ao paiz. Prometti dizer poucas palavras, é o que faço. Tinha muitas observações a apresentar, sobretudo em relação á parte do projecto de resposta em discussão, que diz respeito ao ministerio do reino, em que a commissão andou habilmente por evitar uma questão que muito naturalmente cabia aqui tratar. A commissão evitou a questão da liberdade do ensino. No discurso do throno promette o sr. ministro do reino que ha de dominar o espirito de liberdade na proposta de reforma da administração civil e da instrucção publica, que ha de apresentar a esta camara. Aqui vinha a questão da liberdade do ensino. Tinha desejo de ver como votam os srs. deputados, que já votaram n'esta casa contra ou a favor da liberdade do ensino. A votação ha de mostrar a sua firmeza de principios n'uma questão tão importante, e que ella não foi abalada pelos principios adoptados (se os houve) para a organisação da chamada fusão, que não sei se foi uma organisação politica ou uma desorganisação de partidos. Eu sempre reputei a fusão um erro politico. A fusão tal qual se disse que foi organisada não existe. O que existe é o partido chamado da regeneração. Vejo a governar os mesmos homens, e seguir quasi o mesmo systema. Não vejo outra cousa. Mas não quero trazer agora para aqui questões que podem fazer demorar a discussão; ellas hão de vir a seu tempo, e a camara ha de ter occasião de se pronunciar sobre ellas.

Não desejo demorar a attenção da camara. A materia esta discutida.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA DE ADDITAMENTO

Additamento á parte do projecto em discussão, relativa aos dominios portuguezes.

As propostas do governo tendentes ao desenvolvimento moral, commercial e economico dos dominios portuguezes,

especialmente as que tiverem por objecto a prompta e completa abolição da escravidão, serão examinadas pela camara com a solicitude exigida pela transcendencia do assumpto. = O deputado pelo circulo eleitoral de Cantanhede, Antonio Cabral de Sá Nogueira. Admittida.

O sr. Caetano Garcez: — Sr. presidente, como o illustre deputado e meu amigo, o sr. Sant'Anna, tambem eu folgo de ver a intelligencia e o talento naquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros). E reconheço que estão ahi representados os dotes do saber, facto que tambem se dava na epocha da primeira regeneração, com a differença de que o gabinete d'esse tempo era presidido por um vulto respeitavel, a quem dediquei sempre a mais profunda veneração, o nobre duque de Saldanha, e de estar hoje á frente da administração outro vulto não menos venerando, e que muito respeito, o sr. Joaquim Antonio de Aguiar.

Mas, sr. presidente, a nossa missão não é contemplarmos extasiados o merito dos srs. ministros; é outro o dever dos representantes do povo. Quando o talento juvenil se eleva aos bancos do poder, podem as esperanças da camara saudar com enthusiasmo esse facto lisonjeiro. Quando porém homens talentosos e conhecidos pelos seus precedentes sobem a essas regiões, fazem largas promessas e pedem tempo para as cumprir; a missão da camara, decorrido esse tempo, é examinar os seus actos, e aprecia los com a mais severa imparcialidade. ¦

Podéra pois, sr. presidente, imitando exemplos de sabios mestres, e no uso do meu direito, apreciar minuciosamente n'esta occasião, em que nos occupâmos da resposta ao discurso da corôa, os actos dos srs. ministros. Não o farei todavia senão tocando mui de leve em alguns pontos, até porque estava na intenção de votar pura e simplesmente a resposta como um acto de cortezia para com o augusto chefe do estado; proposito que quebrei por uma circumstancia, a que logo hei de referir-me.

Sr. presidente, quando vejo que o nobre ministro da guerra chamou a reserva ás armas por se considerar o juiz da existencia de circumstancias extraordinarias, que se não davam e que ninguem viu; de circumstancias extraordinarias, sr. presidente, que se não decretam nem se julgam, mas que se reconhecem quando se apresentam, porque se determinam pelo proprio facto;

Quando vejo que o nobre ministro, estando, como esta, auctorisado por um direito preexistente a todas as leis, a acudir aos estragos de um terramoto; podéra tambem, por similhante logica, impressionado pelo rugido de um trovão subterrâneo que ouvisse, ou que se lhe afigurasse ouvir, decretar o terramoto, despender desde logo avultadas sommas, e vir a esta camara justificar as despezas feitas com os suppostos damnos de um cataclysmo que Deus afaste de nós;

Quando vejo, sr. presidente, que o nobre ministro armou a reserva para dominar a revolta dos emigrados de Hespanha, declarando á face do parlamento, do paiz e da Europa, que o bravo exercito portuguez não tinha a fôrça necessaria para conter em respeito seiscentos ou oitocentos hespanhoes desarmadas e dispersos por differentes pontos do reino;

Quando vejo, sr. presidente, que o nobre ministro chamou a reserva para fazer a guerra aos emigrados hespanhoes, e aos sargentos de Bragança que com elles conspiravam para o mesmo fim! Mas que fim era então esse? Seria a união iberica pela conquista de Hespanha, o unico fim que podia levar a essa combinação valentes militares portuguezes com aquelles emigrados?

Quando vejo, sr. presidente, que o nobre ministro, depois de extinctas as circumstancias extraordinarias, aproveitou a reserva para fazer a guerra de Tancos; quando vejo, digo, que o sr. ministro, pelo facto de ter chamado a reserva, quiz aproveitar o ensejo que achou opportuno e apropriado para armar de novas espingardas, vestir e organisar o exercito, e instrui-lo tambem, creando o campo de manobras na charneca de Tancos, para onde mandou vir louças, vidros e crystaes de París, a fim de que o luxo do acampamento militar correspondesse á opulencia das nossas circumstancias financeiras;

Quando vejo, sr. presidente, que se as circumstancias da Europa levaram o sr. ministro a fazer illegalmente tão avultadas despezas, as mesmas circumstancias, e muito mais temerosas, existiam já quando estava aberto o parlamento, não podendo portanto esses mesmos motivos, que já então eram conhecidos, auctorisa-lo a esperar que se fechassem as camaras para recorrer ao arbitrio, com quebra da lei e desacato das prerogativas parlamentares;

Quando vejo, sr. presidente, que o nobre ministro, em vista do deploravel estado do thesouro nacional, que descrevia com as mais negras côres, repelliu a proposta do nobre marquez de Sá, que instava pela applicação de uma terça parte da somma já votada pelo parlamento para pôr Lisboa ao abrigo de qualquer eventualidade; e que depois da declaração solemne de que os nossos apuros financeiros não admittiam quaesquer despezas extraordinarias nos encargos do serviço militar, despendeu com o exercito sommas muito mais consideraveis sem a auctorisação parlamentar;

Quando vejo, sr. presidente, que o nobre ministro pretende justificar as despezas de Tancos com a legislação militar, que indica a necessidade de campos de manobras, esquecendo se que para effectuar essas despezas faltava-lhe o essencial, que era o voto do parlamento;

Quando vejo, sr. presidente, que os homens que se sentam naquellas cadeiras subiram ao poder para nos salvarem da bancarrota que nos ameaçava, apresentando aos nossos olhos aterrados a bôca do abysmo prestes a devorar-nos, e promettendo fecha-lo mediante o emprego da mais severa economia; e que, desmentindo o seu programma e as suas promessas, têem aggravado consideravelmente as' nossas difficuldades financeiras;

Quando vejo, sr. presidente, que o governo, proseguindo no mesmo caminho, e desconsiderando a opinião geral do paiz, nos veiu apresentar um novo e grande augmento de despeza, pela proposta da creação luxuosa da repartição do ministerio dos negocios estrangeiros, como se nas nossas circumstancias actuaes, em que só teremos de fazer, quando muito, algum tratado de commercio ou alguma convenção litteraria, não fosse sufficiente essa mesma repartição, com a qual em tempos felizes, em que tanta influencia tinhamos nos conselhos da Europa, fizemos tão grandes cousas;

Quando vejo, sr. presidente, que se pretende convencer a camara que tão avultada e tão inutil despeza ficará coberta com a receita eventual dos emolumentos, a qual até é calculada com tamanha exactidão e tal certeza que ha de dar exactamente, sem a differença de um só real, a mesma somma a que se elevará a despeza do novo encargo, ao passo que n'um periodico semi official se desmentem da maneira a mais positiva os calculos e as affirmativas ministeriaes;

Quando vejo, sr. presidente, que os mesmos homens que o anno passado, recuando em presença da attitude da camara, deixaram morrer na illustre commissão de fazenda um projecto de lei da iniciativa do nobre ministro da marinha, em que se propunha o pequeno augmento de réis 4:000$000 para a organisação do corpo dos officiaes da armada, assumpto mui grave e mui digno da solicitude dos poderes publicos; porque uma nação como a nossa, que tem colonias, e precisa de as ter, mal póde dispensar uma marinha de guerra, convenientemente organisada; quando vejo, digo, que os mesmos homens que ainda o anno passado recearam aggravar o thesouro com tão pequena despeza, destinada aliás para tão uteis fins, não duvidam hoje propor desnecessariamente um tão consideravel augmento de encargos, que terão de pesar sobre o povo; e note-se que a nossa marinha anda tão esquecida, que até foi eliminada da resposta ao discurso da corôa;

Quando vejo, sr. presidente, que ja estão annunciados os despachos dos novos empregos que se vão crear na nova secretaria, como se póde ver dos periodicos que tenho aqui (tinha na mão dois jornaes); o que se não procede, de certo, de promessas dimanadas do nobre ministro dos negocios estrangeiros, que seria incapaz de as fazer, é todavia um facto extremamente deploravel; porque quando a imprensa faz tal conceito do estado do paiz, que admitte a possibilidade de se crearem logares publicos para serem occupados por certas e determinadas pessoas, é preciso confessar que chegâmos já a um ponto d'onde se não póde ir mais longe;

Quando vejo, sr. presidente, que em pomposas portarias se dá ao publico a grata noticia de que, por amor das economias, se não preenchem as vacaturas de alguns logares de amanuense, na previsão da hypothese da ficarem extinctos os mesmos logares, ao passo que se despacham juizes para uma relação, que se tem a certeza de extinguir, com a circumstancia atenuante de não provirem os despachos de necessidades immediatas do serviço, não ficando os despachados desde logo fóra do quadro da magistratura, com o vencimento por inteiro;

Quando vejo, sr. presidente, que se proclamava bem alto a idéa do cabimento para as reformas dos officiaes do exercito, e que se afiançava da maneira a mais solemne que nenhuma reforma seria decretada sendo em caso de absoluta impossibilidade; e que estas promessas, feitas tambem por amor das economias, foram igualmente desmentidas, sendo até reformado um official superior, lente de uma escola publica, não por incapacidade de desempenhar o cargo que exercia, mas para continuar no mesmo serviço;

Quando vejo, sr. presidente, tudo isso, e lembrando me de factos recentes, eu tenho o direito de exclamar — oh! senhores historicos, que triste desengano! E podia pedir-lhes que me dissessem, com a mão na consciencia, se estão contentes da sua obra; se é isto o que esperavam; se foi para isto que ergueram sobre os seus escudos o partido a quem entregaram o poder; se era isto que temiam do ministerio Sá-Avila; de um ministro da fazenda, como o nobre conde d'Avila, essencialmente economico, não por palavras e promessas, mas por obras e factos incontestaveis; e de um ministro da guerra como o illustre general, marquez de Sá, essencialmente respeitador das prerogativas parlamentares.

E tinha tambem, sr. presidente, diante de mim vasto campo para discorrer largamente, porque tinha assumptos, muitos assumptos, variadissimos assumptos, para fallar tres dias e tres noites, se a tanto me ajudasse o engenho e arte, e se houvesse alguem com a paciencia de ouvir-me. Não o farei porém, reservando-me para tratar as questões, na sua especialidade, quando vierem á téla da discussão.

Não tencionava mesmo pedir a palavra n'esta occasião, como declarei no principio do meu discurso; e se o fiz foi porque ouvi certas idéas, apresentadas pelo illustre relator da commissão, que não me pareceram aceitaveis, quando disse, ou pelo menos pareceu-me ouvir-lhe, que no systema actual era desnecessaria a existencia dos partidos e das opposições parlamentares. *

Admirei-me, sr. presidente, que tal idéa partisse de um homem politico, que deve a influencia que tem nos destinos publicos ás suas ligações partidarias; e entendi que devia levantar a minha humilde voz para combater similhante doutrina.

Se os partidos se organisassem para fins ambiciosos e Interesseiros, para repartirem entre si com as delicias do poder, todos os cargos do estado, todos os proventos sociaes, que devem ser de todos e para todos, segundo o mereci

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mento de cada um, a organisação dos partidos seria a quebra do santo dogma da igualdade, base fundamental em que assenta o regimen liberal; e então era preciso chorar perpetuamente sobre as cinzas dos martyres que deram inutilmente o sangue e a vida pelo triumpho da causa da liberdade. E se as opposições, a que o illustre deputado se referiu, são as que aggridem por acinte todos os actos do poder, essas nenhum homem serio as aceita, e só os facciosos as podem admittir.

Mas, sr. presidente, a existencia de partidos e de mais de um pelo menos, organisados para traduzirem em factos as suas idéas no interesse da causa publica, combatendo incessantemente nos tribunaes da imprensa e do parlamento, e esforçando-se cada um pelo triumpho dos seus principios; a existencia de partidos, digo, formados' sobre estas bases, é uma necessidade impreterivel do systema representativo. Sem isso, faltando os elementos essenciaes da vida constitucional e da actividade politica, tal systema seria um sophisma permanente.

Não posso pois admittir, ou não posso comprehender, as idéas do illustre deputado; mas se ellas exprimem o pensamento de que todos nós devemos concorrer para que a nau do estado prosiga no rumo que vae seguindo, sem que uma voz ao menos se levante para combater os actos do governo; similhante acontecimento, no estado de descrença geral e de indifferentismo em que se acha o corpo social, marasmatico o quasi sem vida, fôra uma grande calamidade. Teriamos, em tal caso, de levantar mãos supplicantes para o céu e pedir misericordia para esta terra portugueza, para este pobre paiz, para este velho Portugal, que vae á véla, e sabe Deus para onde vae!.

Agora, antes de concluir, permitta-me V. ex.ª que eu diga ao meu illustre amigo, o sr. ministro da marinha, que aguardo anciosamente pelas providencias que s. ex.ª promette em relação ás provincias ultramarinas, que tão desaproveitadas têem sido, que tão dignas são da solicitude do governo, e de que tantas vantagens podem vir á metropole. Espero pois por essas medidas, e afianço ao nobre ministro que hei de aprecia-las com toda a imparcialidade e com o maior desejo de poder approva-las.

E concluo, sr. presidente, como comecei, declarando que voto a resposta ao discurso da corôa como um comprimento de respeito ao augusto chefe do estado.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda e interino da Guerra (Fontes Pereira de Mello): — Ainda bem que, no meio do cataclysmo que se prepara, se levanta uma voz generosa e forte no centro do parlamento, para impedir que a patria se despenhe no abysmo que tem diante de si!

Ainda bem que, para evitar as desgraças que se antolham ao illustre deputado, elle póde erguer a sua voz auctorisada e valente, no seio d'esta casa, para condemnar a politica do gabinete, e para encaminhar a nau do estado em mares mais bonançosos do que aquelles em que actualmente navega!

E bom que haja sempre no meio das desgraças publicas quem possa servir de guia e levantar o pendão, atrás do qual o paiz deve caminhar, para a sua redempção economica e politica!

E bom que no meio d'esta descrença geral, no meio desta inacção dos partidos novos e velhos, appareça quem nutra e expresse as suas sympathias pelo passado, e quem condemne o presente pela divergencia das opiniões que tem sustentado ha muito tempo!

Pela minha parte estimo e vejo sempre com satisfação e prazer que um illustre deputado se 'levanta e procura, pela sua auctoridade e pelos meios de que dispõe, encaminhar o governo em sentido mais conveniente á causa publica do que aquelle que, na opinião de s. ex.ª, vae seguindo ou tem seguido.

Produziu o illustre deputado varias asserções, que eu não posso deixar passar sem resposta, e que, se fossem exactas, eram a condemnação, não só da politica dos ministros que se sentam n'estas cadeiras (as do ministerio), mas muito especialmente das promessas e compromissos solemnes que eu mais de uma vez tenho tomado n'esta casa, no banco dos ministros e fóra d'elle.

Se fosse exacto que o governo caminha n'uma vereda por onde se hão de sumir as receitas publicas, no meio de desperdicios insustentaveis, o illustre deputado tinha rasão; nós não podiamos continuar decorosamente a gerir os negocios publicos.

Mas se as economias proscrevem todos os melhoramentos publicos e todas as despezas que são necessarias para desenvolver a riqueza do paiz; se condemnam todas as idéas de segurança, ordem, tranquillidade publica e independencia nacional; se são um obstaculo e uma difficuldade em logar de serem um auxilio é uma força, eu, sr. presidente, renego de tudo quanto tenho dito até agora a favor das economias nos negocios publicos, e torno-me o mais perdulário de todos os homens!

Nunca se entendeu neste paiz, nem em parte alguma, que se podessem condemnar todas as despezas que se fazem no sentido de melhorar o serviço publico, no sentido de desenvolver a riqueza nacional, de manter a integridade do estado e de sustentar a sua independencia. Nunca se consideraram como desperdicios as despezas que se fazem n'esta ordem de negocios; estava reservado ao illustre deputado condemnar as sommas que o governo porventura tem gasto em satisfazer a uma das imprescriptiveis necessidades do paiz, a da organisação da sua fôrça publica, armamento, disciplina e instrucção, a de collocar o exercito nas circumstancias de poder manter a ordem dentro do paiz, e sobretudo a independencia nacional, quando fosse necessario.

Quando se trata de negocios d'esta importancia, quando se trata dos sentimentos mais elevados do nosso paiz, não póde haver um portuguez só que se levante n'esta casa e que diga — condemnemos esta despeza, porque era inutil, porque era desnecessaria e illegal; e porque o governo n'um certo dia disse aqui que ía gastar réis 100:000$000 ou 200:000$000 nas fortificações, deixou passar alguns dias, e quando as circumstancias da Europa lh'o aconselharam foi despender algumas sommas em preparar os elementos de defeza como julgou preciso.

Eu fallo á camara muito claro, e como fallo sempre diante do meu paiz com toda a franqueza do meu caracter, franqueza que, se algumas vezes me tem acarretado dissabores, não posso comtudo eximir-me a ella. Eu não sou ministro da guerra senão com a condição de fazer com que o exercita esteja nas circumstancias de poder preencher o seu fim. Sem esta condição, desde já declaro á camara que vote toda contra mim.

Nós' gastámos 3.600:000$000 réis com o exercito; se continuarmos a ter o exercito immovel, falto da instrucção superior, que não se adquire senão nos campos de batalha ou nos campos de instrucção, se nós continuarmos este systema, fazemos exactamente o mesmo que se pegássemos nesses 3.600:000$000 réis, e os deitássemos no fundo do Tejo; com a differença, de que se não gastava este dinheiro, que se não fariam os recrutamentos, que se não tirariam muitos braços á agricultura, e não se incommodariam muitas familias e muitos cidadãos!

Eu comprehendo aquelles que condemnam todos os exercitos permanentes; comprehendo-os perfeitamente, mas não os sigo, nem os segue ninguem. Agora o que não posso comprehender é como se entende que póde haver um exercito permanente sem se gastar com elle as sommas que são necessarias, porque a não ser assim é tão util como se não existisse. Isto não comprehendo, e para seguir este caminho, declaro francamente á camara que não estou resolvido.

Eu sei perfeitamente que não é com 20:000 ou 30:000 homens que se defende o paiz, quando for necessario defende-lo; mas sei tambem que o exercito permanente, e organisado em bases seguras e economicas, mas em bases apoiadas nos fios d'esta grande instituição, é um nucleo de defeza que provoca e sustenta o enthusiasmo popular, quando for preciso acudir pela independencia da patria. Mas se nós, sem armas, sem munições, sem artilheria, sem homens e sem organisação, confiarmos demasiadamente nos sentimentos do patriotismo, havemos de nos achar diante do perigo, ajudados de muita dedicação heroica, mas dedicação a que ha de acontecer o mesmo que aconteceu no principio d'este seculo, quando homens, que valiam tanto como nós, se viram atacados com vantagem por exercitos aguerridos, porque lhes faltavam a instrucção, a disciplina e o armamento.

N'esta situação é que eu não quero que estejamos. Graças a Deus que estamos em paz com todas as nações do mundo. Graças a Deus que não temos no momento actual rasão alguma que possa perturbar essas boas relações de amisade, que nos liga politicamente ás diversas nações constituidas na Europa. Mas não é na occasião do perigo que o exercito deve ser organisado; não é no momento em que é necessario usar d'elle para defender o paiz, que se trata da sua organisação (apoiados). É preciso que isso se faça no tempo do remanso da paz, quando ninguem pensa em guerra, mas quando o governo vigilante deve preparar os elementos necessarios para tirar d'esta grande instituição todos os proveitos que d'ella tem a esperar o paiz inteiro.

O governo chamou a reserva ás armas, e chamou-a porque estava no seu direito de chama-la.

Sustento isto cem vezes. A camara não tem direito de accusar o governo, mas sim direito a censura-lo; e essa censura aceito-a como ministro constitucional que tenho a honra de ser, se acaso a camara entende que a merece o governo de que faço parte.

Desde que a lei diz que ao governo compete chamar a reserva ás armas, em circumstancias extraordinarias, repito o que já em outra vez disse n'este logar, que a lei o constitue juiz d'essa mesma circumstancia, e ninguem tem direito de lhe tirar essa faculdade.

O governo póde ter errado, póde não ter apreciado bem essas circumstancias extraordinarias que referi, póde ter interpretado mal a lei na sua applicação, mas esta interpretação errada não é senão effeito do seu entendimento e não a infracção de principios de lei.

Desde o momento em que a lei dá faculdades ao governo, faculdades sem restricções, faculdades de que o governo usou, entendendo em sua consciencia que as circumstancias extraordinarias da Europa aconselhavam e justificavam essas medidas, a camara o que podia fazer, e estava no direito de o fazer, era dizer—não posso dar o meu apoio a um governo que entende tão mal as leis, que comprehende tão mal o que são circumstancias extraordinarias.

De accordo. Isso é censura, mas da censura á accusação vae um espaço infinito, e essa é que eu não aceito; porque estou convencido de que o governo estava perfeita e plenamente no seu direito.

Tambem quero fazer n'esta occasião uma rectificação.

Não sei se em alguns jornaes e mesmo no Diario de Lisboa, referindo-se ao discurso que tive a honra de fazer n'esta casa e que não revi, como todos os cavalheiros que me conhecem sabem, porque não costumo rever os meus discursos, se disse que eu, mencionando uma tentativa revolucionaria que estava a pontos de rebentar em Bragança, dissera que era de accordo com a revolução hespanhola.

O sr. Caetano Garcez: — Vem no Diario.

O Orador: — Se vem, eu não o disse. Eu não podia dizer que era de accordo com a revolução de Hespanha, quando não tinha documento que o provasse.

O que eu disse é que era uma notavel coincidencia, o estar preparada a revolução de Bragança para rebentar no mesmo dia que a de Hespanha. E bastava essa coincidencia para fazer com que o governo pensasse seriamente sobre a responsabilidade em que incorria se não tomasse providencias. Isto é que eu disse e não desejo que passe no publico que proferi outras palavras.

Esta coincidencia é exacta. Este negocio não é um improviso meu, nem do gabinete; esse negocio esta consignado em um processo pendente do tribunal competente. Oxalá que sejam innocentes todos aquelles que são accusados, porque o governo não tem desejo de achar culpados. Mas o que o governo não podia fazer, porque isso excedia as suas faculdades, obrigava-o a faltar ao seu dever, era, desde que este negocio estava levado ao conhecimento das auctoridades, e de ser entregue ao conselho de investigação, que pronunciou todos os sargentos implicados, abafar o processo e fazer com que não seguisse. Se assim procedesse, os illustres deputados tinham grande rasão e direito de accusar o governo e faze-lo responsavel d'esse acto.

D'aqui para diante o negocio não pertence ao governo, é estranho completamente ao gabinete, e são os tribunaes competentes que hão de resolver sobre elle.

Portanto julguei dever fazer esta rectificação, para que não pareça que eu proferi uma opinião a que não estava auctorisado por documentos officiaes, e ainda por outra rasão— é porque eu não costumo attribuir aos outros aquillo que não sei se tenho direito de lhes attribuir; e a quem esta n'uma posição desgraçada, como estão os sargentos sujeitos ao exame de um conselho de guerra, ainda muito menos eu podia attribuir qualquer opinião ou idéa que de uma ou outra maneira os podesse prejudicar. Respeito muito o direito dos outros e sobretudo o direito dos infelizes.

Agora emquanto ao acampamento de Tancos, ou antes emquanto á guerra de Tancos, como lhe chamou muito espirituosamente no seu elegante discurso o illustre deputado que acabou de fallar, direi que essa foi uma guerra de paz como têem muitas outras nações que sabem reger-se tão bem ou melhor do que nós. '

Sirva de exemplo a Belgica; e cito a Belgica por ser um paiz pequeno, por ser um paiz de uma população proximamente igual a nossa, por ser um paiz de um territorio ainda mais pequeno do que o nosso; n'uma palavra por ser um paiz que esta vizinho tambem de grandes potencias e de grandes nações, e que, se seguisse a opinião que existe entre nós, deveria repousar sob o principio do equilibrio europeu para manter a sua independencia, mas que em logar d'isso mantem um exercito de 60:000 homens sempre prompto a entrar em Campanhã e como os primeiros da Europa.

Digo eu pois que me parece que nós não temos seguido mau exemplo fazendo o mesmo que faz a Belgica, nação que não passa por ser mal administrada, em que o principio da liberdade tem sinceros e devotados cultores, e cujo governo é um dos mais respeitados da Europa.

Esta nação tambem tem um campo de instrucção, tambem tem um campo permanente de manobras. Não se faz lá a guerra de Tancos, mas faz-se a guerra de Beverloo. Faz-se essa guerra, que ali não reputam nem um desperdicio ou um inconveniente, nem um perigo para a liberdade.

Ora, o governo não fez mais do que imitar exemplos tão auctorisados como estes, ou antes não fez mais do que pôr em pratica as prescripções existentes na legislação vigente do paiz desde muitos annos.

Censurar o governo por este facto, ataca-lo ou condemna-lo, parece-me que é uma injustiça, e parece-me sobretudo não dar logar a isso a falta de legalidade no seu procedimento. Condemnar a despeza que se fez, contando para essa despeza quantos copos se compraram, e para não rebaixar o discurso não quero vir a outros pormenores; contando n'uma palavra o que foi necessario comprar para formar a mobilia dos officiaes generaes, dos officiaes subalternos, dos officiaes inferiores e dos soldados da divisão acampada, parece-me pouco proprio da altura do parlamento e da elevação em que devemos pôr as questões que devem ser tratadas n'esta casa.

Por esta rasão não desço a taes pormenores, e direi sómente que, organisado o campo de Tancos, era necessario satisfazer a todas as indicações que são indispensaveis em tal objecto. O governo ou não havia de pôr em pratica esta instituição, ou havia, de fazer com ella todas as despezas que eram absolutamente indispensaveis.

Quem foi a Tancos, e foram muitos milhares de pessoas de todo o paiz independentemente dos militares que, lá se achavam, reconheceu que não havia ali nenhuma especie de luxo, e antes pelo contrario só a simples e devida commodidade a que os militares, que tantas occasiões têem de soffrer privações e difficuldades, tinham direito.

Portanto a despeza era inevitavel, o direito com que o governo reuniu as tropas em Tancos é incontestavel, e o direito com que o governo chamou as reservas ás armas não póde ser posto em duvida; mas se os illustres deputados, apesar d'isso, entenderem que o procedimento do ministerio é digno de censura por ter avaliado mal as circumstancias extraordinarias do paiz ou por ter de qualquer modo faltado ao cumprimento dos seus deveres, nós aceitâmos de boa vontade o veredictum da camara, porque primeiro que tudo somos ministros constitucionaes, e aguardámos a resolução do parlamento com a consciencia de que temos cumprido perfeitamente o nosso dever.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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