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SESSÃO DE 21 JANEIRO DE 1884 103

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. Srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

A pedido do tribunal de commercio de Lisboa, concedeu-se licença para que o sr. deputado Ferreira de Mesquita fosse depor como testemunha n´aquelle tribunal, na acção que a direcção do banco do povo propoz a J. E. Garcia, e M. J. Ribeiro. - Apresenta-se uma representação da misericordia de Penafiel, pedindo uma lei que isente as misericordias do pagamento da contribuição de registo, pelas heranças, legados ou doações que lhes sejam feitas, para satisfação de legados pios e obras de caridade. - Requer o sr. Francisco José Patricio, que pelo ministerio da fazenda, lhe seja enviada copia do officio enviado a este ministerio pela direcção geral da junta do credito publico, com relação ao deposito feito na secção portuense da caixa dos depositos por D. Carlota da Conceição Sousa Villar; e bem assim uma nota ácerca da resolução que se tinha tomado sobre a perda d´este negocio. - Alguns srs. deputados justificam as suas faltas.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.º 107, reformas politicas, concluindo o sr. Luciano de Castro o seu discurso principiado na sessão anterior, e, tomando seguidamente a palavra o sr. presidente do conselho, fallou até ao dar da hora.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes - 61 srs. deputados.

São os seguintes : - Abilio Lobo, Sousa Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Sarrea Prado, Sousa e Silva, A. J. d´Ávila, Pereira Carrilho, Santos Viegas, Sieuve de Seguier, Fonseca Coutinho, Neves Carneiro, Trajano, Zeferino Rodrigues, Castro e Solla, Sanches de Castro, Conde de Thomar, Custodio Borja, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, Firmino João Lopes, Fortunato das Neves, Mouta e Vasconcellos, Patricio, Palma, Jeronymo Osorio, Franco Frazão, J. A. Pinto, Brandão e Albuquerque, Gualberto da Fonseca, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Teixeira de Sampaio, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas,, José Luciano, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Vaz Monteiro, Julio de Vilhena, Pinto Leite, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Gonçalves de Freitas, Luiz Palmeirim, Luiz de Bivar, Luiz da Camara (D.), Manuel de Arriaga, Manuel d´Assumpção, Rocha Peixoto, M. J. Vieira, Pedro Guedes, Bacellar, Miguel Tudella, Pedro Roberto, Baracho, Visconde de Porto Formoso, Visconde de Reguengos, Visconde da Ribeira Brava e Wenceslau Pereira Lima.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alberto Pimentel, A. J. Teixeira, Cunha Bellem, A. M. de Carvalho, Fontes Ganhado, Sousa Pinto de Magalhães, Ferreira de Mesquita, Potsch, Fuschini, Pereira Leite, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Hintze Ribeiro, Francisco de Campos, Gomes Barbosa, Correia Arouca, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Freitas Oliveira, Rodrigues da Costa, Scarnichia, Ferreira Braga, João Ferrão, Sousa Machado, J. A. Gonçalves, J. A. Neves, Avellar Machado, Borges Pacheco, Dias Ferreira, Elias Garcia, Gonçalves dos Santos, Rosa Araujo, Brandão de Mello, Teixeira de Queiroz, Pereira de Mello, Silva e Matta, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Miguel Candido, Pedro Correia, Pedro Diniz, Pedro Martins, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Azevedo Castello Branco, Pereira Côrte Real, A.I. da Fonseca, Castilho, Barão de Ramalho, Brito Côrte Real, Conde da Foz, Conde do Sobral, Diogo de Macedo, Sousa Pinto Bastos, Estevão de Oliveira, Severim de Azevedo, Filippe de Carvalho, Gomes Teixeira, Wanzeller, Illidio do Valle, Costa Pinto, Novaes, José Bernardino, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro, Lourenço Malheiro, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Graça, Guimarães Camões, Pedro Franco, Barbosa Centeno, Visconde de Alentem e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Da presidencia do tribunal de commercio de Lisboa, solicitando licença para que o sr. conselheiro Ferreira de Mesquita possa depor como testemunha n´aquelle tribunal, no dia 25 do corrente, pelo meio dia, na acção que a direcção do banco do povo propoz a J. E. Garcia e M. J. Ribeiro.

Concedida.

REPRESENTAÇÃO

Da santa casa da misericordia da cidade de Penafiel, pedindo uma lei que isente as misericordias do pagamento de contribuições de registo pelas heranças, legados ou doações que lhes sejam deixados para satisfação de legados pios e obras de caridade.

Apresentada pelo sr. deputado M. P. Guedes, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada uma copia do officio enviado a este ministerio pela direcção geral da junta do credito publico com relação ao deposito feito na secção portuense da caixa dos depositos por D. Carlota da Conceição Sousa Villar.

Requeiro igualmente uma nota ácerca da resolução que se tenha tomado sobre a perda d´este deposito. = O deputado, Francisco José Patricio.

Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro não ter comparecido á sessão de 19 do corrente por motivo justificado. = Visconde de Porto Formoso.

2.ª Declaro que, por motivo bem justificado, faltei as sessões anteriores da camara. = O deputado pelo circulo dos Arcos, Rocha Peixoto.

3.ª Declaro a v. exa., sr. presidente, e á camara dos senhores deputados, que tenho faltado às sessões com motivo justificado. = Franco Frazão.

Mandadas lançar na acta.

O sr. Presidente: - Os srs. deputados que permittem que o sr. Ferreira de Mesquita vá depor como testemunha n´um tribunal judicial, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada a permissão

O sr. Emygdio Navarro: - Sr. presidente, quando

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pedi a palavra para quando o sr. presidente do conselho occupasse o seu logar, não era meu intuito forçar s. exa. a interromper qualquer assumpto de que se estivesse occupando.

Sr. presidente, n'uma das sessões passadas perguntei eu se havia alguma reclamação diplomatica da Inglaterra a respeito da occupação do Cacongo, ou sobre qualquer assumpto referente á chamada questão do Zaire.

O sr. ministro da marinha, na ausencia do sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarou poder asseverar, com o maior prazer, que não havia reclamação alguma da Inglaterra ou de qualquer outra potencia. Ora, com grande desprazer para mim, e creio que para todos, veiu hontem no correio um jornal de Manchester, no qual vem a transcripção de documentos officiaes, e um d'elles é um officio do ministro dos negocios estrangeiros de Inglaterra, que parece desmentir a declaração do sr. ministro da marinha, eu vou ler esse documento.

(Leu.)

Portanto, se este documento é official, houve reclamação do governo inglez, e o nosso governo respondeu que a occupação era meramente provisoria. Esta resposta, como v. exa. vê, está em contradição com a declaração categorica e peremptoria do sr. ministro da marinha. Quando eu perguntava se havia reclamação, não queria dizer se havia uma nota diplomatica; disseram-mo que não havia reclamação alguma. Ora por este documento eu vejo que houve uma reclamação e que o governo portuguez respondeu que a occupação do Cacongo era meramente provisoria.

Ha forçosamente um equivoco, e vejo que estamos aqui laborando n'um erro, como aquelle que se deu a respeito da faculdade do governo poder mandar uma esquadra ao Zaire. O sr. presidente do conselho de certo está informado d'este assumpto, e parece-me conveniente que desse á camara esclarecimentos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, ainda que eu não tenho a honra de ser ministro dos negocios estrangeiros, não ignoro o que se tom passado a este respeito, e posso assegurar a v. exa. que por parte da Inglaterra não se fez reclamação ácerca da occupação do Cacongo.

Quando digo que não se fez reclamação alguma, não quero dizer que entre o ministro inglez e o sr. ministro dos negocios estrangeiros do Portugal se não tenham trocado algumas conversações sobre o assumpto; mas reclamação da parte do governo inglez ácerca da occupação do Cacongo posso assegurar que não tem havido.

O governo não póde ser responsavel pelo que se diz nos jornaes, embora se referisse um d'elles a palavras emanadas do Foreign Office.

Não vi jornal algum, nem mesmo que o visse podia responder pelo que lá está escripto.

O que posso affirmar e que o sr. ministro da marinha disse a verdade á camara.

Creio ter respondido ao illustre deputado por parte do governo e não tenho mais que dizer.

O sr. Patricio: - Mando para a mesa um requerimento para me serem enviados, pelo ministerio da fazenda, uns documentos com relação a um extravio de um deposito feito na caixa geral de depositos na secção do Porto.

Peço a v. exa. que dê o competente destino a este requerimento.

O sr. Manuel Pedro Guedes: - Mando para a mesa uma representação da santa casa da misericordia da cidade de Penafiel, pedindo uma lei para isentar as misericordias do pagamento de contribuição de registo pelas heranças, legados ou doações que lhes sejam deixados para satisfação de legados pios e obras de caridade.

Peco a v. exa. que consulte a camara se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Concedeu-se a publicação no Diario do governo.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Continua em discussão o projecto n.° 107.

Tem a palavra o sr. Luciano de Castro a qual lhe ficou reservada da sessão passada.

O sr. Luciano de Castro: - Continuando o discurso começado na sessão anterior, como que recapitulando o que dissera, affirma que, deduzindo a sua apreciação dos artigos 142.° e 143.° da carta, e de outros relativos á organisação do poder legislativo, que a reforma deve ser feita pela camara com poderes constituintes, sem o concurso da camara dos pares, nem carecendo da sancção real.

Que o legislador, visto que se trata de um ponto tão importante como é o alterar o pacto fundamental, quiz que se conferissem poderes especiaes, poderes que só a nação póde conferir, porque, nos termos do artigo 12.°, a nação é soberana.

Mas a quem havia a nação conferir esses poderes? Pergunta o orador.

Aos seus representantes.

Mas quem são os seus representantes?

Segundo a carta, o Rei e as duas camaras.

Mas nem o Rei, nem a camara dos pares são eleitos.

Logo, são os unicos que não podem receber esses poderes especiaes da nação; logo só á camara dos deputados s podem conferir, e só ella os póde exercer.

Que tambem entendia que o poder moderador tinha direito de dissolução estabelecido no § 4.° do artigo 74. da carta, quando a assembléa eleita exorbitasse, e se carecesse desse remedio extremo, porque nem o poder moderador estava suspenso, nem a camara dos deputados deixava de ser camara por accumular funcções extraordinarias.

Respondendo ao sr. Antonio Maria de Carvalho, que, firmando-se nos artigos 140.° a 143.° da carta constitucional quer que as camaras ordinarias, resolvendo sobre a necessidade da reforma, façam logo a proposta da reforma do artigos da carta, e que a camara constituinte venha só para approvar ou rejeitar a proposta que fosse feita, disse que, firmando-se n'esses mesmos artigos, era opinião sua que a camara ordinaria, pelo artigo 140.°, não trata de reformar, trata só de reclamar a necessidade de reforma que no artigo 143.°, fallando-se da materia proposta, não póde esta ser senão a materia da reforma, logo a materia da reforma só póde ser discutida pela camara munida de poderes especiaes.

Que as palavras do artigo 143.°- e o gue se vencer - são tão amplas, que repellem a interpretação limitada do sr. Antonio Maria de Carvalho.

Referindo-se á idéa de uma lei interpretativa, ou alvita de se inserir na lei um artigo em que se declare que a camara dos pares deve intervir na reforma constitucional votada pela camara constituinte, disse que, se os artigos sobre que deve caír a reforma são constitucionaes, era evidente que elles só podem ser interpretados, modificados ou reformados pela mesma camara que tem poderes especiaes para fazer a reforma constitucional.

Que esses artigos, não só são constitucionaes, são constitucionalissimos; e que, portanto, não podem ser interpretados pelas côrtes ordinarias. Interpretal-os seria um attentado contra a constituição.

Concluiu, perguntando ao governo se não lhe parece mais conveniente, antes de emprehender uma reforma come esta, procurar por todos os meios trazer as opiniões divergentes a um accordo? Se não havia assumptos graves de que a camara se occupasse emquanto se não chegara a essa conciliação, e se entre elles o mais grave, o mais instante, não era o da reforma eleitoral?

Por ultimo declarou que votava a generalidade do projecto, apenas como affirmação da necessidade da reforma

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constitucional; mas, desejando que o governo acceite os additamentos que propoz á camara, ou, pelo menos, alguns, para que a obra de reforma constitucional saía tão perfeita quanto possivel. E fez votos para que os interesses de futuro se pozessem acima das conveniencias de momento, e para que a comprehensão dos deveres se anteponha ás pequenas paixões politicas e partidarias, a fim de que a reforma saia com a approvação de todos, e demos mais um passo no caminho das concessões liberaes, abrindo portas francas e largas ao espirito moderno, e não deixando á democracia o encargo de reformar as nossas leis constitucionaes.

(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando for restituido.}

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Folguei de ouvir o illustre deputado. Folgo quando na tribuna se apresenta um espirito esclarecido, um talento provado, a discutir os assumptos que estão sujeitos á tela do debate. Não é o mesmo homem, não é o mesmo discurso; são dois tomòs truncados da mesma obra, são duas peças desconjuntadas da mesma machina! No sabbado era todo ardor, era todo fogo; hoje discute serena e pausadamente os artigos 141.°, 142.º e 143.° da carta constitucional, assumpto importante que prende a attenção da camara. Folguei, pois, de o ouvir.

Já tenho dito mais de uma vez que, desde que o illustre deputado, depois de algumas horas de repouso, e de pensar sobre o caso, como se costuma dizer, volta ao debate, é sempre moderado no modo de apresentar as suas opiniões ao parlamento. O que é preciso é evitar o primeiro rompante. (Riso.)

Quando chega á tribuna, e não está amadurecido pela reflexão que succede a um dia de discussão parlamentar, vem sempre acalorado, e é ás vezes injusto.

Vou começar pelo fim, porque é, este o meu costume antigo; porque são as ultimas palavras as que estão mais presentes na memoria; e porque não é uma replica preparada que eu vinha apresentar á camara; mas aquillo que nasce espontaneamente das observações do s. exa. sobre o assumpto especial que nos occupa.

E sobre a materia constitucional, sobre o direito d'esta camara, sobre o direito das côrtes, que se compõem das duas casas do parlamento, sobre o direito da camara que ha de ser eleita com poderes especiaes; e sobre estes assumptos que eu desejo dizer algumas palavras para justificar, não só a proposta do governo, mas as opiniões que já têem sido expendidas no relatorio que acompanha a primitiva proposta, no parecer da commissão especial, e nos discursos dos illustres - oradores que por parte da maioria têem tomado parte no debate.

Poderia dispensar-me d'isto. Foram tão lucidos os argumentos apresentados pelo meu illustre amigo o sr. relator da commissão e pelos dois illustres deputados que por parte da maioria discutiram este assumpto, que eu poderia talvez escudar-me numa certa incompetencia, que muita gente poderá attribuir a um homem que não tem a honra de ser jurisconsulto para discutir theorias d'esta natureza.

Mas trata se de um assumpto de direito publico constitucional, que todos temos obrigação de saber, melhor ou peior, para justificar as nossas opiniões no seio da representação nacional. Trata-se de uma questão de alta importancia para o governo, para a governação do estado e de alta importancia politica para o paiz, e eu entendi que, sem faltar, ao que devo, não podia deixar, não só de emittir a minha opinião, já consignada, mas de a justificar com alguns argumentos dos quaes a camara fará o juízo que na sua sabedoria lhe aprouver fazer.

Creio que todas as nossas duvidas resultam de um ponto de partida que me parece falso, e é julgar a camara, que ha de ser eleita com poderes especiaes, uma camara constituinte.

Se a camara que ha de ser eleita com esses poderes fosse rigorosamente faltando uma camara constituinte, que reunisse em si todos os poderes como o congresso constituinte de 1822 e como a camara de 1838, creio que os illustres deputados poderiam ter rasão no modo como argumentam, querendo entregar unica e simplesmente a essa camara a decisão suprema e absoluta da questão que se debate, sem cooperação alguma dos outros corpos do estado.

Mas a camara que ha de ser eleita com poderes especiaes não é uma camara constituinte, é uma camara que tem uma parcella de constituinte. Usâmos muitas vezes d'esta locução para abreviar porque é mais prompta e mais facil do que se dissessemos - camará com poderes especiaes em conformidade com os artigos da carta.

Se estivessemos estabelecendo direito, tratando de jure cortitituendo, e não de jure constituto; se nós estivessemos discutindo o modo de lazer uma constituição, aquelles que pensam que devia ser a um congresso especial munido de poderes especiaes que competia a discussão e exame da constituição do estado e a sua interpretação, podiam ter rasão debaixo do seu ponto de vista; mas nós tratamos de entender uma lei que é o pacto fundamental outorgado pela corôa e acceito pela nação.

Nós precisamos examinar qual é o espirito que predomina em todo esse codigo politico, para ver se este espirito está de accordo com a opinião d'aquelles que entendem que deve ser unicamente á camara dos deputados futura, sem a cooperação da camara dos pares e sem a sancção do Rei, que compete resolver sobre a reforma.

Mas nós não estamos fazendo uma lei constitucional; nós temos lei escripta e precisâmos ver qual o modo de a interpretar. Creio que é principio de hermeneutica juridica não interpretar as leis de modo que resulte absurdo, e resultava absurdo desde que se interpretasse de modo que não estivesse de accordo com os princípios fundamentaes em que assenta todo este codigo.

Sr. presidente, nós temos que examinar os artigos 140.°, 141.°, 142.° e 143.° da carta, porque são estes os artigos da constituição que regulam para o caso de que se trata, porque são elles que tratam do modo porque deve ser feita a revisão de alguns artigos da carta.

Emquanto aos artigos 141.° e 142.° não se offerecem duvidas porque todos concordam que devem ser as côrtes ordinarias, que, no uso das suas faculdades legaes, façam a lei em que se reconheça a necessidade da reforma e se convoquem os collegios eleitoraes.

E logo direi que estou de accordo com o illustre deputado que acaba de fallar e não com outros que fallaram antes, e que pretendiam entender a carta de outra maneira querendo que se discutissem já n'esta camara as reformas de que se trata.

Logo entrarei mais largamente n'esta discussão, para mostrar que não ha contradicção entre o meu procedimento de hoje e o meu procedimento de 1872.

E não havendo duvidas sobre o modo de interpretar os artigos 141.° e 142.°, porque é isto regular, e não havendo duvida sobre a nossa competencia para resolver, embora deva haver divergencia sobre os artigos que devem ser incluidos n'esta lei, temos a discutir sómente como se deve entender o artigo 143.º

O artigo 143.° diz ... e este ponto já tem sido tratado, mas não ha remedio senão repetir o que se tem dito, embora de uma maneira menos lucida e brilhante do que tem sido feito.

Mas o artigo 143.° diz:

"Na seguinte legislatura e na primeira sessão será a materia proposta e discutida, e o que se vencer prevalecerá para a mudança ou addição á lei fundamental, e juntando-se á constituição, será solemnemente promulgada."

O primeiro assumpto que se offerece ao exame dos que querem interpretar é saber o que é legislatura; mas a carta encarrega-se de dizer o que é legislatura.

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Na carta diz-se que as côrtes são comportas da camara dos deputados e da camara dos pares, que a legislatura durará quatro annos, e as sessões tres mezes; e diz-se n'outra parte que não póde haver sessão numa camara sem haver sessão na outra, a não ser nos casos que a lei determina e que se referem ao caso em que a camara dos pares se converte em tribunal de justiça.

Já temos exemplo d'isso na nossa historia constitucional; esse ponto está já consignado em precedentes estabelecidos e reconhecidos.

Não sendo, portanto, possivel que uma camara funccione sem funcionar a outra, devendo a sessão durar tres mezes, e a legislatura quatro annos; sendo a legislatura, como muito bem disse o meu illustre amigo e antigo collega, o sr. relator da commissão, não um praso de tempo, mas uma palavra que representa a cooperação dos dois corpos politicos e camara dos deputados e camara dos pares, com a sancção do Rei, é evidente que as palavras do artigo 143.°, seguinte legislatura, não podem significar senão a camara que se seguir a esta, reunida com a camara dos pares e funccionando ambas em conformidade com a carta constitucional da monarchia. (Apoiados.) Não póde ser outra cousa.

É claro que quando o artigo 143.° da carta diz na seguinte legislatura e na primeira sessão, sessão que, como eu disse ha pouco, não póde existir sem que as duas camaras cooperem, está resolvida uma parte da questão que discutimos, no sentido em que a propõe o governo e sustentam os seus amigos.

Será a materia proposta e discutida, e o que se vencer prevalecerá para a mudança ou addição da lei fundamental e juntando-se á constituição será solemnemente promulgado.

"O que se vencer" como? Porque é que se quer concluir d'estas palavras que devo ser uma camara só que discuta, que approve, que resolva sobre o assumpto que está commissão ao seu exame? Tanto póde ser uma camara como podem ser duas, e tanto as duas camaras podem cooperar, que eu logo mostrarei com os nossos proprios exemplos que tem cooperado, sem receio de conflictos, para os quaes entretanto ha a commissão mixta prevista na carta constitucional.

Portanto as palavras e o que se vencer não importam de modo algum a sentença final de que só a uma camara e não ás duas pertence a resolução d'este negocio.

O que quer dizer, será solemnemente promulgado? Quer-se concluir d'estas palavras, que não estão no artigo anterior onde se falla das côrtes ordinarias, que deve ser um modo especial aquelle que a carta quis no artigo 143.° que se seguisse n'este assumpto. Mas eu entendo que n'este caso a solenmidade do promulgação aqui apenas consiste na intervenção de todo o governo, na referenda da lei que saír das côrtes, como se prova com o acto addicional, que não tem outra differença das outras leis senão em ter a referendo de todos os ministros.

Ora, se acaso houvesse a intenção lixa e determinada de que fosse por outra fórma que se devesse fazer a reforma da carta, era preciso que a carta o prescrevesse. Pois então o legislador não podia, não devia mesmo dizel-o, se tinha se pensamento, declarar na carta que seria só a camara dos deputados que tivesse poderes especiaes para resolver sobre este assumpto? Pois havemos nós por um acto de interpretação doutrinal a que se referiu o sr. Luciano de Castro, tirar a um dos ramos do poder legislativo a intervenção directa e legal n'um assumpto tão importante como é a reforma da carta? Havemos de tirar á corôa a intervenção directa e immediata da sua sancção, sem que a carta o diga em parte alguma? (Apoiados.)

Como é que e em assumpto d'esta natureza nós podemos proceder por inducções? Podemos nós calcular o modo, o valor da disposições consignadas no artigo 143.° e deduzir d'ahi, não um processo ordinario, não uma conclusão simples e ordinaria introduzida n'uma lei do estado, mas a suppressão de um ramo do poder legislativo, e a de um poder importante, como é o poder moderador?

De modo algum. São talvez as deducções, conclusões a que levam os argumentos apresentados pelo illustre deputado, mas não são as que se acham consignadas, nem as que se contêem em ponto algum da carta.

E agora pergunto eu, se acaso as leis, a carta, ou quaesquer documentos que dimanan de uma auctoridade, se devem interpretar pela natureza d'ellas, pelas disposições que ellas contêem, ou pelas idéas que a ellas presidiram; se isto assim é, não póde admittir-se que o auctor da carta quizesse abdicar, no fim de quatro annos, nas mãos de uma camara com poderes especiaes, não só o seu direito do cooperar para fazer leis, mas o direito de cooperar para alterar os principios fundamentaes das que já se achavam votadas.

Isto é essencialmente absurdo; seja isto dito sem offensa de ninguem.

Como posso eu interpretar a carta assim?

Esta carta, esta constituição, não nasceu, como a constituição de 1822, de uma revolução triumphante; nós não podemos apreciar e interpretar os artigos da carta pelo modo por que se podem apreciar e interpretar os artigos da constituição de 1822, a qual nasceu unicamente do voto popular.

Essa constituição fez-se, promulgou-se; as côrtes que se reuniram decretaram os principies fundamentaes sobre que havia de assentar a constituição do estado, e esses principios foram promulgados pela regencia sem fórma de acceitação, sem forma de sancção de especie alguma; as côrtes foram o poder soberano.

As côrtes de 1837 e 1838 decretaram a constituição do estado, alteraram a carta constitucional, era emfim uma camara constituinte, e assim mesmo já não se seguiu o que se fez em 1832, porque, já apesar da camara de 1838 ser o resultado da revolução de 1836, já se não seguiu, repito, o mesmo processo, porque em 1838 diz-se: "as côrtes da nação portugueza decretaram e eu acceito!"

Já não é a mesma formula da constituição de 1822. Acceitar, quer dizer, que podia deixar de acceitar. Não tem a fórma da sancção da carta, porque ella não existia então, mas tem outra que explica a annuencia do poder real á constituição que se fez.

Ora se n'uma constituição feita pela camara constituinte munida de poderes importantes, uma camara que tinha puderes soberanos, se n'essa constituição o poder real não foi estranho á sua promulgação e acceitação, como querem agora que n'uma carta outorgada, que proveiu do poder absoluto, porque este é que é o caso, porque nós não estamos discutindo o modo de fazer uma constituição, estamos apreciando como é que a carta se póde interpretar mais em harmonia com o pensamento do legislador, como querem, digo, que ella se altera sem o concurso da segunda camara, e sem o auxilio do Rei ? O legislador disse, ou podia dizer:

Eu outorgo esta carta pelo meu poder soberano e por minha livre vontade, outorgo-a á nação portugueza para constituir as suas liberdades.

Dizendo isto, podia elle acrescentar: mas desde o momento em que a outhorgo por minha livre e espontânea vontade e por acto do meu poder soberano, abdico, e d'aqui a quatro annos a camara que se reunir faça o que quizer que eu sou estranho a tudo. Podia dizer isto?

É um absurdo tirar esta conclusão das permissas contidas nas disposições da carta (Apoiados.)

Mas digo eu:

Será ainda este acto de promulgação differente em vista de algum artigo que esteja estabelecido na carta e que possa justificar o modo de interpretar dos illustres deputados? Digo que não.

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Qual é o modo de promulgar as leis?

Não ha senão um, eco que dispõe o artigo 61.°, que diz:

"D. F... por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves etc. Fazemos saber a todos os nossos subditos que as côrtes geraes decretaram e nós queremos a lei seguinte (a integra da lei nas suas disposições sómente). Mandâmos, portanto, a todos as auctoridades, etc."

O sr. Luciano de Castro: - O que é promulgação solemne?

O Orador: - É a promulgação de um documento referendado pelo ministro competente, acceito pelo governo e de que elle tem a responsabilidade. Não ha outra distincção.

Onde está explicada a differença entre promulgação solemne e promulgação não solemne?

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - É a differença entre o artigo 142.° e o artigo 143.°

O Orador: - Isso é uma petição de principio, é o que nós estamos a provar.

Como é que vem argumentar com aquillo que eu pretendo provar?

O argumento tem apenas este defeito.

Não ha senão uma formula de promulgação, que é a do artigo 61.° Não podemos, inventar. Não estamos aqui a fazer uma constituição, e este ponto é capital, note bem a camara.

Não quero affirmar, mas talvez que só se estivesse fazendo uma constituição eu concordasse em alguns pontos com os illustres deputados que têem opiniões contrarias á minha.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Se houvesse conveniencia.

O Orador: - De certo. Pois eu havia de querer uma cousa inconveniente ?

Certamente que não. (Apoiados.)

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - V. exa. sabe qual é a conveniencia a que me refiro.

O Orador (com vehemencia): - Sei que é a do paia, sei que é a da nação, que estamos aqui defendendo. (Muitas apoiados.)

Não ha aqui outra conveniencia. Faço tanta justiça ao illustre deputado, como s. exa. me deve fazer. (Apoiados.)

Tratâmos de interpretar o nosso codigo politico, e esse codigo não se póde interpretar de outro modo. Mas discutamos socegada e serenamente. (Apoiados.)

Esta questão não é nova; tem precedentes dentro e fóra do paiz; tem sido resolvida já em Portugal e em outras nações.

Para que havemos de querer provocar uma interpretação cerebrina que se não póde encontrar na constituição e que nunca foi admittida por ninguem?

Peço licença para citar uma auctoridade cuja respeitabilidade é reconhecida por todos, e que é insuspeita por isso mesmo que tinha opiniões contrarias; isto é, não entendia necessario que os eleitores conferissem especial faculdade aos deputados para fazerem quaesquer reformas nas leis constitucionaes. Esta auctoridade é o distincto publicista Silvestre Pinheiro Ferreira.

Tratando da interpretação dos artigos 142.° e 143.° da carta, que diz elle nos seus commentarios ? Diz o seguinte:

"Não será, inutil o reflectir que os redactores da carta, bem como os publicistas cuja opinião elles seguiram, incorreram em uma inconsequencia, que admira não lhes ter occorrido, tanto ella é obvia e palpavel; a proposta reforma, bem como qualquer outra lei, não ha de sómente ser feita pela camara dos deputados, mas tambem e concorrentemente pela camara dos pares e o Rei. Com que fundamento pois se qualifica de restricto o mandato da camara dos deputados, e se considera como illimitado e do Rei e o da camara dos pares?"

Aqui está o que dizia o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira, examinando e compulsando a carta constitucional, e tendo aliás idéas contrarias.

Quando um homem d'esta respeitabilidade e d'esta capacidade tem esta opinião escripta, parece-me que vale a pena cital-a; não para que nos curvemos cegamente diante de uma opinião qualquer, mas porque nos deve merecer toda a considerado a auctoridade de quem pasmou a sua vida a examinar os negocios publicos, e a competencia de um publicista como o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira.

Esta é a opinião d'elle sobre o que a carta diz, e não sobre o que ella devia dizer: porque o que a carta devia dizer é outra questão.

Mas não é só o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira. Nós temos tambem o exemplo de 1852; este exemplo de 1852, a que ou muito de proposito quero referir-mo para provar á camara, e espero que o hei de provar, que elle é perfeitamente adequado ás circumstancias actuaes, e que não se póde dizer que não seja applicavel ao caso premente o que então se fez por ter nascido de uma revolução o decreto de 25 de maio de 1851.

O que aconteceu em 1851?

Houve uma revolta, na qual eu aliás não tomei parte, tomando só parte no governo que se formou pouco depois dessa revolta saír triumphante e ser acceita pela Rainha e pela nação, em virtude da qual se proclamou a necessidade da reforma da carta.

Não era a primeira vez que se fazia isto, porque, a dizer a verdade, como a carta é obra dos homens e como as obras, dos homens não podem ser perfeitas, antes ao contrario são sempre mais ou menos imperfeitas, é claro que ninguem podia dizer em absoluto, em these: não admitto que se altere, que se modifique ou que se addicione cousa alguma á constituição.

Isto seria absurdo.

Póde não ser opportuna uma reforma qualquer na carta; mas estabelecer o principio da immobilidade em relação ao codigo fundamental da monarchia, em nome da perfeição d'elle, é absurdo.

Por consequencia tem-se proclamado por differentes vezes a necessidade da reforma da carta constitucional.

Em 1842 publicou-se um decreto a este respeito, o decreto de 10 de fevereiro.

O que fez o decreto de 10 de fevereiro de 1842?

Quando havia uma revolução que queria a reforma da carta, o decreto de 10 de fevereiro vem ao encontro d'essa revolução e disse: sejam convocadas côrtes constituintes para reformarem a constituição.

Veiu depois 1848, e propoz-se n'esta camara, a reforma da carta. Creio que foi o sr. Lopes Branco que a propoz.

Veiu depois 1848, quando a nação se tinha pronunciado mais ou menos.

Isto de pronunciar-se a nação é difficil de apreciar-se, mas todos os factos, todos os symptomas denotavam por parte dos homens que se occupavam da politica a vontade de fazerem a reforma da carta porque julgavam necessario fazel-a.

Publicou-se, pois, o decreto de 25 de maio de 1851, decreto que não defendo, porque não tenho a responsabilidade d'esse acontecimento, o decreto que foi o resultado de uma revolução triumphante n'este anno.

Esse decreto o que determinou? Determinou que se fizesse exactamente o que nós estamos fazendo agora, isto é, que se convocassem os collegios eleitoraes para que, munidos de poderes extraordinarios, na conformidade do que dispunha a carta, viessem as côrtes futuras examinar a mesma carta, fazendo n'ella as modificações e alterações que a experiencia tivesse mostrado necessarias. E n'essa occasião não se fixaram os artigos que deviam ser reformados, disse-se que se devia reformar a carta em todos os artigos que a experiencia julgasse necessario á reforma.

Esta foi a sentença do decreto de 20 de maio.

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O que fez o decreto de 25 de maio? Suspendeu e substituiu o artigo 142.° da carta; nada mais, por que era um acto revolucionario.

O que fez o decreto de 25 de maio, alem d'isto ? Fez a lei, praticou em um acto de dictadura o que corresponde á lei que nós estamos discutindo.

Pergunto eu, tem-se levantado por parte de qualquer illustre deputado alguma duvida sobre o direito com que nós fazemos esta lei ? Tem-se levantado alguma duvida sobre a rasão constitucional, sobre o valor constitucional d'esta lei que estamos discutindo ? Certamente que não.

O decreto de 25 de maio não fez nem mais nem menos do que o que se faz por esta lei, e que então foi feito em dictadura. É claro que a expressão do artigo 143.° ficou fóra do decreto de 25 de maio. E tudo o que fizeram as constituintes, a respeito da interpretação do artigo 143.°, não tem nada absolutamente com o decreto de 25 de maio.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

Foi mais alguma cousa; foi consignado no preambulo do acto addicional. Isso é uma rasão mais que eu tenho para provar que a camara de 1852 não se esqueceu do artigo, porque vem no preambulo da lei, onde se diz: "na conformidade com o que determina o artigo 143.° da carta constitucional", etc.

Já vê v. exa. que o decreto de 25 de maio tinha collocado a questão exactamente no terreno em que a estamos collocando. Nada mais, nada menos. Veiu a camara de 1852: que fez esta camara? Porventura a camara de 1852 arvorou-se num congresso soberano e absoluto? A camara de 1852 emancipou-se da cooperação da camara dos pares? Emancipou-se da cooperação da corôa na sancção da lei que fazia? Não. Nada disso absolutamente. A camara de 1852 discutiu essa questão; foi discutida assegurando os homens mais competentes e respeitaveis, e os jurisconsultos mais distinctos d'aquella epocha, que a camara dos pares tinha tanto direito a intervir na formação do acto addicional como a camara dos deputados. Era relator da commissão um dos homens mais competentes sobre materia de direito publico constitucional, o sr. Vicente Ferrar Netto de Paiva. E que fizeram esses homens. Uma lei com a camara dos pares e com o Rei; e fizeram-na em virtude dos poderes extraordinarios que traziam nas suas procurações. Mas porventura passou desapercebido na camara de 1852 este assumpto? Não foi levantada aqui a questão se a camara dos pares podia ou não intervir na resolução d'aquella lei?

E resolveu a camara depois d'esta discussão que a camara dos pares fosse estranha ao acto addicional? Não, senhores. Pelo contrario. Aconteceu mais. Foi que a camara dos pares affirmou a sua intervenção, fazendo uma emenda ao acto addicional.

A camara dos pares podia ter feito essa emenda e a camara dos deputados não lha reconhecer; mas não succedeu assim, porque os homens mais importantes da camara dos deputados, como eram os srs. Ferrer, Leonel Tavares, José Maria Grande, Derramado, José Estevão e outros, disseram expressa, clara e terminantemente que a camara dos pares tinha tanto direito para intervir no acto addicional como a camara dos deputados, e que não podiam recusar, sob pena de um conflicto, a approvação da emenda do que se trata.

E pensa a camara... isto e um modo de dizer, porque a camara sabe-o melhor do que eu, mas pensa a camara que a camara dos pares fez uma emenda sobre um assumpto insignificante, sobre um assumpto de pura redacção, ou cousa que se pareça com isso? Não, senhores. Foi nada monos do que acrescentar um artigo que abolia a pena de morte nos crimes politicos.

Não era porque se não quizesse a abolição, todos a queriam, todos concordavam n'ella, mas era porque tinha havido uma questão que tinha vindo á camara dos deputados, em virtude da qual se entendia que se consignasse na carta aquelle artigo, emquanto que a commissão da mesma camara entendia que se devia fazer uma lei especial que regulasse este assumpto.

Esta questão tinha uma grande importancia, permitta-se-me a phrase, na lithurgia constitucional, não porque o caso em si assumisse proporções extraordinarias, mas porque o governo, de que eu fazia parte, foi vencido, por isso que nós queriamos, como a commissão, que se fizesse uma lei especial, e a opposição queria que esta disposição se consignasse na carta.

Já se vê quanto é importante ter a camara dos deputados de approvar uma emenda feita na camara dos pares sobre um artigo cujas bases, cujo fundo tinha sido rejeitado pela camara electiva.

Pois assim mesmo a camara dos deputados, na sua alta sabedoria, na sua comprehensão pelas conveniencias do paiz, aconselhada pelos seus maiores talentos, pelos seus jurisconsultos mais illustrados, approvou a emenda feita na camara alta.

Pois quereis uma interpretação mais completa, mais absoluta do que esta da parte de uma camara, deixando intervir a camara dos pares, e approvando uma emenda que ella antes tinha rejeitado?

Esta questão é grave: mas por isso mesmo que o é, nem é insoluvel, nem podemos inventar soluções que não estejam dentro dos limites fixados pela constituição do estado.

E se é preciso corroborar os exemplos de casa com os exemplos estranhos, eu podia ainda soccorrer-me ao que se passou no Brazil, apesar de que a questão do Brazil não auxilia, tanto quanto eu desejaria, a opinião que sustento...

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Mas combate-a.

O Orador: - Eu logo explicarei que não combato inteiramente, porque sou o primeiro a dizer que não auxilia a opinião que sustento.

O Brazil tinha feito a sua revolução e em 7 de abril de 1831 tinha abdicado o imperador. Dessa revolução nasceu uma, camara que fez a lei.

Todos sabem que a constituição brazileira é a fonte proxima da nossa carta, assim como suo fontes um pouco remotas a carta franceza de 1814 e as doutrinas de Benjamin Constant, e por consequencia não podemos ir buscar uma só fonte, devemos procurar todas as outras d'onde se derivou a letra da carta e auctorisam esta resolução.

A constituição de Portugal não é copia da constituição do Brazil, como já aqui se disse, porque a do Brazil tem 179 artigos e a nossa 145, mas é evidente que na questão de que se trata tem as mesmas disposições.

E o que fez o Brazil? Fez uma lei que nos foi citada pelo illustre deputado e meu velho amigo o sr. Antonio Maria de Carvalho, e deputado da maioria...

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Manifestamente deputado da maioria, apesar da opinião do illustre relator da commissão.

O Orador: - Manifestação com que muito syimpathiso e que applaudo.

Mas, como dizia, o sr. Antonio Maria de Carvalho citou uma disposição da lei brazileira, em virtude da qual se fixavam uns certos artigos e não se fixavam outros. Por tanto, aquella lei não podia ser invocada, nem mesmo o illustre deputado a desenvolveu.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - O que era capital, desenvolvi, e deixei de desenvolver o que era regulamentar.

O Orador: - O que é regulamentar não precisa lei.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Para que desenvolveu v. exa. no acto adicional tanta cousa regulamentar?

O Orador: - N'aquella epocha, os deputados que trouxeram para aqui os seus poderes trouxeram-nos para re-

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formar todos os artigos da carta, e não certos e determinados artigos.

Entre o decreto de 25 de maio e a actual lei ha uma grande differença. Então a disposição era completa e amplissima, e os deputados tinham poderes para reformar todos os artigos da carta, constitucionaes e regulamentares.

Por consequência aquella lei não póde ser trazida para exemplo.

Dizia eu ha pouco que o Brazil estava em revolução, e estava tanto em revolução, que no mesmo anno em que a constituição foi promulgada, a regencia vinha dizer que duas provincias estavam revoltadas e que não tinha ainda cessado a revolução de 1831. Pois n'esse mesmo anno a camara dos deputados fazia uma lei proscrevendo o Imperador, não como Imperador, mas como homem, não lhe permittindo entrar mais no territorio brazileiro.

Quando a revolução estava triumphante em diversos pontos d'aquelle imperio, quando duas provincias, nada menos que o Pará e o Rio Grande do Sul, estavam revolucionadas, póde argumentar se com a constituição do Brazil, com a reforma que se fez em 1834 para a reforma que fazemos agora, em plena paz, com accordo dos partidos?

A dizer a verdade, nós estamos em paz, os espíritos não se sobresaltam senão aqui; ainda que as discussões sejam aqui mais agitadas, quando saímos estas portas para fóra ficâmos todos muito amigos. (Riso. Apoiados.} E estas agitações são necessidade da discussão. Por exemplo: eu agora estou tão irritado como qualquer dos srs. deputados que estão assentados nas cadeiras da opposição, porque não me sei fazer comprehender bem senão por este modo, com intimativa, com calor, mas sem insultar ninguem, sem atacar ninguem, sem beliscar ao menos o melindre de ninguem (Muitos apoiados.)

Ainda havia outras circumstancias que, permitta-me a camara que lhe diga, podiam não ter um valor legal (comprehenda-se bem o que eu quero dizer), mas que têem de certo um grande valor moral.

Quem era o Imperador do Brazil? Era uma creança de sete annos, que tinha um tutor, que era mudado frequentemente por acto da assembléa, e que tinha uma regencia.

Qual era a camara que havia de cooperar com a camara dos deputados para fazer as reformas constitucionaes? Era o senado.

Como é organisado o senado no imperio do Brazil? O senado tem a mesma fonte que tem a camara dos deputados ; é electivo com a escolha do Imperador. A escolha não lhe tira a natureza, a qualidade que elle tem na sua origem, e ao mesmo tempo torna impossivel que se lhe consignem mais direitos do que aquelles que tem.

Como havia, por consequencia, a lei de fazer cooperar o senado que não tinha mandato para isso? O senado brazileiro é eleito em lista triplice, na qual o Imperador escolhe um senador, e não podia ser novamente eleito, a menos que não houvesse uma revolução completa dentro da constituição.

Mas dir-me-hão: como é que intervem a camara dos pares?

E qual é o mandato da camara dos pares? O mandato da camara dos pares e outro, porque a Sua origem é differente da da camara dos deputados. Por consequencia, não póde dar-se o que se dá com a camara dos deputados.

E porque tem a camara dos pares as faculdades constituintes? Porque lhes vem do Rei, porque lhes vem da soberania, por isso que o Rei intervem em todas as leis do estado, e dá á camara dos pares uma parte das faculdades para fazer leis, tanto as constitucionaes, como as que o não são.

A prova disto é a interpretação do sr. Silvestre Ferreira; a prova, são as côrtes de 1852, e a prova é o facto que se passou em França em 1831.

Em 1830, todos sabem que houve em França uma revolução que mudou a dynastia.

Carlos X caíu do throno e foi substituido por Luiz Filippe. Mas a dynastia em França estava consignada na carta constitucional de 1814, como está entre nós a dynastia de Bragança.

Era preciso, por consequencia, alterar a carta, para que a nova dynastia podesse governar constitucionalmente em França.

O que se fez então? Alterou-se a constituição por meio de uma lei.

E, note-se bem, que n'essa occasião uma parte da má vontade que se manifestava, era contra a camara dos pares.

Os aggravos resultaram, certamente, das repetidas fornadas, e do modo por que a camara tinha intervindos na governação do estado.

Pois, apesar d'isso, a camara dos pares não foi excluida; foi ouvida sobre a constituição, discutiu e deliberou.

A constituição foi promulgada por Luiz Filippe Rei dos francezes, sobre um decreto das duas camaras.

Já vê a camara, que na França o exemplo é exactamente no sentido das idéas que eu advogo.

Mas, ainda mais. A reforma da carta franceza em 1831 não foi completa. O artigo 23.°, que dizia respeito á camara dos pares, exactamente para alterar a natureza d'aquella camara, ficou para ser decidido no anno seguinte.

No anno seguinte, reuniram-se as duas camaras: a dos deputados e a dos pares; discutiram; e Cazimiro Pérrier teve a fortuna de fazer passar a lei de 29 de dezembro de 1831, onde vinha estabelecido o principio da abolição da hereditariedade, substituindo-o por pares vitalicios.

Esta reforma é perfeitamente similhante á que nós pretendemos fazer.

Nós não queremos que a camara dos pares seja substítuida por uma camara vitalicia, mas pretendemos que seja abolida a hereditariedade dos pares, e que entre n'aquella camara uma parte da eleição popular.

O principio é o mesmo. Aqui ha a abolição da hereditariedade dos pares, como em França, e a introducção de elementos populares.

E foi, porventura, a camara dos pares em França estranha á discussão e votação da lei constitucional, que alterava a essencia da mesma camara? Não foi, tomou parte n'ellas.

E não houve conflicto, porque o governo, para evitar esses conflictos, como hão de fazer todos os governos que tiverem pulso forte e consciencia do seu dever, receiando que a camara dos pares não approvasse a lei, e embora fosso opposto ás fornadas, nomeou mais trinta e seis pares, antes de ter de se occupar do assumpto. Mantiveram-se todos os direitos adquiridos e a camara foi reforçada com mais trinta e seis pares, para que a lei podesse ser votada.

Ora, quando ha estes exemplos, como se póde negar, dentro dos limites da carta, a intervenção da camara dos pares, na feitura da lei constitucional, e a intervenção do Rei na sancção da mesma lei?

Nem a disposição dos artigos, nem a sua letra, nem o espirito que domina em toda a carta, nem os exemplos de casa, nem os exemplos do fóra, justificam a interpretação que lhes queiram dar os illustres deputados.

Todos estes artigos são concordes para provar que a carta quer a intervenção dos dois ramos do poder legislativo e a sancção do Rei na reforma dá mesma carta.

Mas, disse o illustre deputado que havia necessidade de uma lei interpretativa, que fixasse os poderes de que deviam ser revestidas as assembléas que resolvessem sobre a reforma constitucional; e eu declaro que não a julgo necessaria. Os argumentos que tirei dos artigos que citei e dos precedentes, nacionaes e estrangeiros, auctorisam-me a dizer que o pensamento da carta é o que eu sustento.

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A minha palavra, porém, a minha rasão, a minha intelligencia, não são nem a palavra, nem a rasão, nem a intelligencia dos outros. Ha muito que tenho duvidas, e para que se possa desfazer qualquer escrupulo, creio que não ha inconveniente algum, e, pelo contrario, ha vantagem, em que a camara, quando fizer esta lei, affirme qual a maneira por que entende que se devem reformar os artigos n'ella consignados.

Não é interpretação authentica, é interpretação doutrinal, que todos podem dar.

Pois esta camara não póde expor num principio legislativo qual o modo por que entende a carta, quando se trata de dar poderes aos deputados ? Pois os collegios eleitoraes não são obrigados a obedecer á lei feita pelas côrtes ordinarias ? Pois se lhes derem a sua procuração n'estes termos, como é que a camara, que depois vem, póde insurgir-se contra o seu mandato e falseal-o? Se o fizer, é revolucionaria.

Se me dizem que, não estando consignadas nas procurações nenhumas disposições especiaes a este respeito, a camara que vier póde interpretar de outra maneira a constituição, digo: para que estamos nós aqui senão para discutir e explicar a lei?

Mas não se póde negar a esta camara que expresse numa lei ordinaria o modo como entende a carta.

De mais a mais, se a camara consignasse uma disposição que fosse alem dos seus direitos, uma disposição cerebrina, que não dimanasse do ventre dos autos, como dizem os jurisconsultos, então podia haver rasão para a impugnar; mas desde que está de accordo com todos os precedentes nacionaes e estrangeiros, é claro que não faz mal: é uma garantia para os espiritos mais ou menos timoratos, mais ou menos apaixonados, mais ou menos receiosos de que uma camara que venha depois d'esta possa fazer reformar todos os artigos constitucionaes da carta de um modo diverso d'aquelle por que nós entendemos que podem e devem ser reformados.

Ouvi com muita attenção o illustre deputado o sr. Antonio Maria do Carvalho, quando apresentou uma moção que tem por objecto determinar que n'esta lei se consignem todos os preceitos que hão de fazer parte da reforma constitucional que as outras camaras são chamadas a fazer.

O illustre deputado argumentou com o meu proprio exemplo, com as minhas proprias palavras e com os meus proprios factos para formular a sua proposta, e quiz encontrar em mim uma contradicção.

N'este ponto não tenho contradicções, mas não me penalisaria se as tivesse.

N'este ponto responderei tambem a um illustre deputado que se senta nos bancos superiores, e que na sessão immediata se referiu ás minhas contradicções; e, cousa notavel, foi citar um facto praticado por sir Robert Peel, muitas vezes apontado em ambas as casas do parlamento, e muito conhecido de toda a gente, não para defender e justificar as contradicções pela auctoridade desse homem respeitabilissimo e notavel de Inglaterra, talvez o mais notavel dos tempos modernos sob o ponto de vista da politica interna, mas para as condemnar, porque não ha ninguém mais contradictorio do que elle, elle, um dos homens mais notaveis e brilhantes da velha Inglaterra, mas contradictorio na defeza dos mais caros interesses da sua patria.

Se sir Robert Peel passou á posteridade, se tem um logar brilhante na historia e para sempre, é devida a essa memoravel contradicção que fez com que elle á frente de um partido forte de que era chefe, partido que tinha muitas vezes combatido a incapacidade civil e politica que pesava sobre os catholicos, convencido da utilidade e vantagem da sua emancipação, desse por um lado áquelle paiz a garantia da liberdade do consciencia, e fizesse por outro lado, como disse no ultimo discurso que proferiu, que quando os filhos dos pobres habitantes das aldeias comessem o pão, esse pão não fosse regado com lagrimas. (Apoiados.)

Quando um homem tem d'estas contradicções e passa A posteridade, citar sir Robert Peel, o mais bello exemplo das contradicções felizes, para lançar sobre os adversarios o stigma da contradicção, é na verdade uma cousa como nunca ouvi proferir nas duas casas do parlamento. (Apoiados.)

Tenho ouvido defender, com o exemplo de sir Robert Peel, os homens que se contradizem, mas condemnal-os com esse exemplo, é caso novo. (Apoiados.)

Todos sabem que os partidos avançados preparam a reforma. Isto é conhecido de todos.

Os homens que têem lido a historia contemporanea e a antiga de todos os paizes, a historia constitucional, sabem que os partidos avançados preparam as reformas e que são os partidos menos avançados, ou mais conservadores como lhe queiram chamar, os que as realisam. Todos têem a sua missão, a sua parte, missão importantissima n'esta obra constitucional, n'esta obra da governação publica, em que intervem todas as intelligencias e todas as opiniões, e que do embate dessas intelligencias e d'essas opiniões é que deve saír a verdade.

Cada vim que tome pois o seu papel.

Oh! Sr. presidente, que de contradicções! E diz-se que ha uma bandeira roubada ao partido progressista. Uma bandeira !

Quando é que o partido progressista apresentou a sua reforma? Foi, se não me engano, em 24 de janeiro de 1872. Quando apresentou a sua o partido regenerador?

No dia 15 de janeiro, tendo-se referido a ella no discurso da corôa em 2 de janeiro.. .

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Era a bandeira do partido reformista.

O Orador: - Isso é outra cousa. Não confundimos. A reforma do partido reformista essa nem foi admittida á discussão quando foi apresentada n'esta casa.
(Apoiados.) E notem os illustres deputados que me fazem muito favor com essas interrupções.

O partido reformista em agosto de 1871... Ah!... Hoje chama-se progressista; mas naquelle tempo chamava-se historico. Pois esse partido respeitavel, porque eu nunca amesquinho os partidos, não é isso proprio do meu caracter, nem da minha intelligencia, esse partido respeitavel veiu ás côrtes e disse: "Regeito a admissão d'essa reforma á discussão". Mas poucos mezes depois fazia sua a reforma e apresentava-a! Quem é que muda de opinião? Quem é contradictorio ?
Somos nós todos.

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.)

Tenho aqui este livro e conheço-o. Sou contemporaneo de todas estas reformas: e apesar da minha memoria se ir gastando ainda n'ella ha alguma cousa. E já que me interrompem, qual foi a rasão que se deu para se não admittir aquella reforma?
Uns diziam que era inopportuna, outros diziam que era em termos muito vagos!

Dizia-se então, que era sempre opportuno tratar primeiro que tudo da reforma politica do pacto fundamental da monarchia; mas passado tempo houve outra idéa: julgou-se que era administração, que eram as finanças, que eram outros diversos melhoramentos que necessitavam primeiro que tudo da attenção dos poderes publicos.

Então dizia o partido historico pela bôca auctorisada do illustre deputado: "Não acho opportuna a reforma; porque ainda que é sempre opportuno tratar de reformas politicas, não acho esta em termos que possa ser apreciada pela camara".
Pergunto com que redacção a querem?

Pois não estaria aquella reforma em termos de se discutir? Não tinha então a honra de ser membro d'esta camara, já estava na camara dos pares, por consequencia não pude intervir n'essa discussão e fui estranho ao que se decidiu. Mas estavam cá os meus amigos e não renego a parte que tomaram n'essa votação.

(Interrupção do sr. Luciano de Castro.}

V. exa. disse que eram seis titulos da carta!

A carta, como todos sabem, tem oito titulos, e o illustre

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deputado dizia que a reformei apresentada pelo sr. Francisco Mendes comprehendia seis titulos d'esse codigo fundamental.

Mas qual foi o resultado?

Foi que mezes depois o illustre deputado apresentou uma proposta de reforma da carta abrangendo seis titulos tambem! (Riso.)

E vem citar-se contradicções!

O sr. Luciano de Castro: - Não ha contradicção da minha parte.

Sustento o que disse.

O Orador: - Só eu é que me encontroam contradicções.

Sou o unico que me contradigo; todos os mais são coherentes. (Riso.)

Estes são os factos.

Os documentos estão publicados nos annaes parlamentares.

Se ha contradicção, não sei, a camara julgará. (Apoiados.)

O sr. Luciano de Castro: - Sustento o que disse então.

O Orador: - Contradictorio sou só eu, que não intervim n'este negocio, que não votei, e que apresentei a reforma da carta primeiro que o illustre deputado apresentasse a sua.

Mas vejamos qual é o teor da reforma por mim apresentada em 1872.

Não ha duvida alguma que ha dois methodos de reformar a carta, dois modos de entender as disposições do artigo 142.°

Um adoptado pelo illustre deputado, adoptado pelo governo a que tenho a honra de presidir, pela illustre commissão especial que deu parecer sobre este assumpto, e pelo illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, na proposta que por parte do partido constituinte apresentou á camara.

Quer dizer que, nesta parte, os partidos constituinte, progressista e regenerador estão de accordo.

Ha outro methodo que é o apresentado na proposta do sr. Antonio Maria de Carvalho, em que s. exa. diz que, invocando até certo ponto o precedente do governo a que tinha a honra de presidir, de 1872, quer que se discutam desde já as differentes reformas.

Se me pergunta, se e necessario, se é conveniente, se é mesmo indispensavel que a camara dos deputados, que tem de auctorisar a reforma de alguns artigos da carta, saiba o pensamento do governo, perfeitamente de accordo.

Seria absurdo pretender que uma camara que tem de resolver sobre assumpto tão grave, estivesse completamente ás escuras a respeito do pensamento do governo na reforma desses artigos.

Tem s. exa. rasão.

Mas d'aqui a consignar esse pensamento n'uma lei que passe por diversos tramites, que seja approvada de uma maneira preceptiva nas duas casas do parlamento, sanccionada pelo Rei, e promulgada como uma lei ordinaária, vae uma grande distancia.

A opinião do governo, o modo como elle, quando apresentou o anno passado as reformas politicas, entendia que ellas deviam ser feitas, consta do relatorio apresentado em 1882, relatorio que eu li, mas que não escrevi, e do qual tomo a responsabilidade.

O modo como ha de ser feita a reforma consta do parecer da commissão que todos temos presente, onde vem enumeradas as diversas deposições que hão de ser introduzidas nos artigos da carta que hão de ser reformados.

Mas a verdade é que a proposta não está incluída no texto da lei. Confesso o meu peccado, e se é erro, crime de certo não é, não me arrependo por ora de ter commettido esse erro.

Eu sou naturalmente tolerante e transigente n'isto de transacções quando não affectam, nem os principios, nem a minha dignidade, nem os interesses do meu paiz. A transacção neste caso parece que é util ao interesse da causa publica, e como eu entendo que as reformas constitucionaes não devem ser obra de um partido exclusivo, tudo o que se fizer no sentido de tornar mais, facil e proficua a discussão d'esta reforma e uma cousa que deve seriem acceita pela nação.

Em 1872 tive que transigir sobre este ponto, porque digamos a verdade, o sr. duque d'Avila e da Bolama, cujo caracter todos respeitámos, (Apoiados.) e cuja memoria me é summamente cara, entendia que não era constitucional nem conveniente que se fizesse a reforma da carta sem se introduzirem na lei todas essas disposiçõrs.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Tanto eu quero que se ouça que o estou dizendo á camara, e em voz bem audivel. (Riso.)

N'essa occasião julguei conveniente transigir com a opinião de s. exa. e apresentei ás côrtes um projecto de reforma.

Vamos a ver em que esse projecto diverge do que está affecto ao exame da camara, para só verem as minhas contradicções.

O projecto de 1872 continha dezesete artigos, desses dezesete artigos dezeseis comprehendiam todos os pontos para os quaes o governo chamou a attenção do poder legislativo, e o artigo 17.° é exactamente, mutatis mutantis, o mesmo que apresentámos hoje, pelo qual nenhuma camara póde ficar obrigada a acceitar, sem discutir, o artigo 17.º

Eu torno mais clara a minha idéa.

O projecto de lei apresentado ás côrtes em 1872 começa assim:

"Artigo 1.° A camara dos pares é composta de membros vitalicios, nomeados pelo Rei, e sem numero fixo.

"Art. 2.° Ninguem poderá no futuro fazer parte da camara dos pares por direito hereditario."

(Interrompendo a leitura.)

Seguem-se as disposições até ao artigo 16.°, inclusive e depois diz o seguinte no artigo 17.°:

"Artigo 17.° A camara dos deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura será eleita com poderes para reformar os artigos 26.°, 27.°, 39.°, 40.º, 54.°, 64.°, §§ 4.° e 7.° do artigo 74.°, § 3.° do artigo 145.° da carta constitucional, e artigos correspondentes do acto addicianal á carta."

Porventura diz: "nos termos dos artigos antecedentes?" Não diz, nem podia dizel-o, porque se o dissesse seria impor um mandato á camara dos deputados da nação portugueza, a uma camara extraordinaria com parecella constituinte, o que uma camara ordinaria não poderia fazer.

O que fez aquella proposta de lei? O mesmo que a commissão especial fez no seu relatorio, indicou qual era fórma que julgava necessaria, mas deixou completamente á camara constituinte o direito de alterar, de modificar os artigos mencionados no projecto. A formula pois é differente.

Á vista disto onde está a contradicção? Em parte nenhuma. O pensamento do governo exprimiu-se n'esses artigos de modo que não serviam senão para indicar o pensamento da camara, mas não para obrigar a camara constituinte; exprimiu-se como me exprimo agora no relatorio que precede o projecto. É a mesma ideia dominante, a de deixar á camara que vem o direito de resolver o que entender em sua sabedoria.

Como havemos nós coarctar essa liberdade á camara constituinte? Pois nós, que estamos aqui com poderes ordinarios que não podem ir alem das disposições do artigo 142.° da carta, havemos de impor a uma camara constituinte o modo por que ella ha de fazer a reforma? Que era então essa camara constituinte! Era o crê ou morre do Alcorão? Onde ficava então - o que se vencer - que vem no

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112 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

artigo 143.°? Pois não se ha de vencer depois de discussões? Pois o que se vencer ha de sair só das pontas de um dilemma inexoravel e inalteravel, de onde se não possa saír? Pois a camara constituinte não ha de ter a faculdade de modificar essas idéas de accordo com as idéas do governo, ou de accordo com as suas proprias idéas? De certo que deve ter; e nós não podemos ainda que queiramos, n'uma lei ordinaria, restringir os poderes de uma camara constituinte. (Apoiados geraes.}

Ainda bem me todos me apoiam, porque isto prova que nós estamos de accordo em muita cousa, mesmo alem do accordo que fizemos, porque esse está-se vendo... (Riso.)

Estamos de accordo, por exemplo, no direito que tem a corôa de, dissolver a camara constituinte.

(Áparte do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

O sr. José Luciano de Castro: - Está-se a ver?

O que quer v. exa. dizer com isso!

Peço-lhe que não deixe reticencias.

O Orador: - Está-se a ver de certo. Eu não faço reticencias. O nobre deputado que é um excellente homem, e creio que até meu amigo, não perde nunca occasião de me ferir pelo lado que s. exa. julga mais vulneravel em mim.

Hoje não, porque, sabem é sempre assim quando fica com a palavra reservada para o outro dia.

No primeiro dia é aggressivo, violento mesmo: mas no outro é benevolo, contemporisador, o homem emfim que eu conheço e que eu estimo. Portanto, não tem nada de se queixar de mim.

Mas emquanto ao accordo, se é preciso que eu diga pela decima vez, porque creio que já o disse novo vexes, que esse accordo foi de grande vantagem publica, eu repito-o pela decima vez. Eu digo que esse accordo foi de grande vantagem publica. (Apoiados.}

Não é merecimento que eu queira attribuir a mim, nem aos meus collegas, nem á situação actual, é um merecimento que só deve attribuir a todos, porque todos entraram lealmente n'esse accordo, e porque todos se convenceram de que uma lei d'esta importancia devia ser feita pelo concurso de todos os partidos, não podendo um só ficar do fóra, sem que isso produzisse terriveis perturbações, ou, como dizia um escriptor antigo, sem que a não estivesse ameaçada de tempestade e sem que o terreno tremesse e fugisse debaixo dos pés.

Essa é a grande vantagem do accordo que fizemos, esse é o grande merecimento d'esse accordo. E sei que elle ha de ser lealmente cumprido por ambas as partes, porque sei que os cavalheiros com quem trato são homens de bem que estão verdadeiramente compenetrados dos interesses publicos, e que os antepõem a quaesquer interesses mesquinhos, que ou elles ou nós possamos ter no seio dos partidos a que pertencemos.

Sei que nem todos os homens publicos, nem todos aquelles que estão alistados nos partidos politicos militantes, applaudem o acto que praticámos; sei que não o applaudem; mas apesar de tudo, apesar de ter uma grande consideração por todos aquelles que me honravam com o seu apoio, e não fallo dos que estão dentro d'esta casa, porque n'esta camara não conheço differenças, mas póde-as haver lá fóra, porque não se apoia só dentro da camara, apoia-se em toda a parte; mas, repito, apesar de todas as considerações, e de todo o respeito que professo por todos, tenho mais respeito e mais consideração pelos sagrados interesses do meu paiz, o ponho esses interesses acima de todas as considerações. (Apoiados.)

Applaude-me, por consequencia, desse accordo e espero e confio, e sei de certo que elle ha de ser leal e fielmente cumprido nos termos em que o fizemos. (Apoiados.)

Já vê, pois, o illustre deputado, que não ha aqui reticencias nenhumas; ha um bocado de oratoria coxa, que ás vezes emprego como argumento para ligar as idéas entre si, e uns periodos com outros; mas que não serve para mais nada, (Riso.)

Mas, dizia eu, que tambem estamos de accordo, por exemplo, no direito que tem a corôa de dissolver a camara constituinte, o que é realmente uma felicidade e uma fortuna, porque isto não estava no accordo! (Riso.)

Tenho pensado muito nisso, e digo commigo mesmo: mas porque é que o partido progressista, que muito respeito, num assumpto que não estava no accordo feito, pensa por esta fórma? Porque será que o partido progressista defende o direito da corôa na dissolução da camara, quando não defende o direito da corôa na promulgação da lei, e quando, realmente, depois de attribuir á assembléa constituinte umas faculdades soberanas, permitte que outro soberano vá dissolvel-a?!

Tenho pensado muito nisto, e não percebo bem.

Pois eu estou de accordo com os nobres deputados n'este ponto, mas é porque não reconheço soberana essa camara, reconheço-a unicamente como uma camara revisora, e desde que a reconheço revisora, entendo que ella póde ser dissolvida como qualquer outra camara, se acaso o poder moderador, na sua alta intelligencia, julgar isso vantajoso aos interesses publicos.

Mas porque será que dão outra qualidade, outra natureza a esta camara, e lhe attribuem outras faculdades soberanas, concedendo ao mesmo tempo que ella póde ser dissolvida?

Emfim, ha tantas hypotheses e ellas variam tanto, os accidentes politicos são tão variados, tão importantes, tão extraordinarios, que podem fazer mudar a face das cousas.

Não quero aqui fazer reticencias, nem quero offender ninguem.

Quem sabe quem é que presidirá aos conselhos da nação n'essa epocha, quando funccionar essa camara eleita durante o consulado, como se costuma dizer, dos homens que actualmente estão no governo?

A posição é embaraçosa, e eu nem quero dizer mais nada. (Riso.)

Eu não sei qual é a rasão por que, reconhecendo-se o principio da soberania absoluta d'essa camara, se reconhece á corôa igualmente o direito de a dissolver.

E, reconhecendo-se á corôa o direito do dissolver essa camara, não sei porque é que não se lhe reconhecer tambem o direito de cooperar com ella. (Apoiados.)

Quero dizer, a corôa não póde cooperar com a camara dos deputados, mas póde mandal-a para casa! (Riso.) Não comprehendo. (Apoiados.)

Nunca na minha vida publica prolonguei os meus discursos unicamente para obter o gosto esteril, que podia lisonjear a minha vaidade e nada mais, de ser o ultimo a fallar.

Não faço isso nunca, e não o farei hoje.

Gosto mesmo de ouvir os meus adversarios, porque da discussão e que provém a verdade, porque da contradicção das idéas é que nasce a luz.

Portanto eu, que não tenho nenhum pensamento reservado n'este ponto; eu, que o que desejo unicamente é contribuir com o tributo da minha cooperação, no que esteja dentro das minhas faculdades, para se fazer uma lei que assegure a felicidade publica, que possa ser acceita por todos os partidos, e que possa resolver uma questão tão importante como esta, vou já terminar.

Pouco falta aliás para dar a hora, mas ainda que falta-se muito mais, eu terminaria do mesmo modo.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E a liberdade de ensino?

O Orador: - Ah! A liberdade de ensino. Peço perdão ao illustre deputado pelo meu esquecimento.

Devo dizer ao illustre deputado que não acceito absolutamente nada alem do que está escripto na proposta do governo. (Apoiados.)

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SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1884 113

Não acceito absolutamente nada alem do que está escripto na proposta do governo, mas quero dar a rasão do meu dito, porque isto nem é filho de um capricho, nem tem falta de fundamento.

O illustre deputado perguntou-me mais ainda, do que eu agora perfeitamente me lembro.

O illustre deputado fez-me perguntas sobre o modo de se constituir a camara dos pares, sobre o modo de se resolver qualquer conflicto, quando elle se dê, e, como agora disse, sobre a liberdade de ensino.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E de cultos.

O Orador: - E de cultos, é verdade.

Começarei pela liberdade de cultos, porque hei de começar por alguma parte.

Eu não julgo absolutamente necessario, nem á tranquillidade de consciencia de quem quer que seja, nem ao respeito que devemos á dignidade humana, que alteremos o artigo 6.° da carta.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E o sr. Silveira da Motta?

O Orador: - O sr. Silveira da Motta! Eu penso de uma maneira e o sr. Silveira da Motta de outra, e o que se segue?

Eu respeito muito, como não podia deixar de respeitar, o sr. Silveira da Motta e a sua opinião, a qual aliás é partilhada por muitas mais pessoas, mas eu tenho outro modo de pensar.

Eu não julgo que seja de vantagem publica reformarmos o artigo 6.° da carta.

Poderiamos fazer a reforma do artigo 6.° da carta sem que a paz publica perigasse, sem que soffressem os principies da religião catholica, que é a religião dominante; mas estou persuadido de que não valia a pena obter a pequena, a pequenissima vantagem que para os espiritos esclarecidos podia resultar de uma modificação d'aquelle artigo num sentido que fosse mais consentaneo com a liberdade de consciencia, á custa dos perigos de discussões apaixonadas e de resistencias que n'uma parte ou noutra se podiam levantar no paiz. (Apoiados.)

Póde ser que me engane, mas eu creio que nós não introduzindo o artigo 6.º na reforma do que tratamos, fazemos um bom serviço.

E não somos só nós que o fazemos, creio que na reforma apresentada pelo partido progressista está a mesma doutrina.

O sr. Luciano de Castro : - Nós na reforma que apresentámos faziamos alteração no artigo 6.°, mas unicamente em relação á palavra "estrangeiros".

O Orador: - Eu desde o momento em que propozesse a reforma do artigo 6.°, entendia, como os illustres deputados, que a camara seguinte tinha a faculdade de alterar esse artigo, mas não quero deixar entregue ás incertezas da discussão um assumpto que prende com um dos sentimentos mais radicados no paiz. (Apoiados.)

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - É por isso que eu quero que se vote já.

O Orador: - O illustre deputado perguntou-me o que era que eu pensava a respeito da liberdade de ensino.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho)

O illustre deputado o sr. Silveira da Motta fez o seu discurso; elle ha de ficar nos annaes parlamentares, e a camara ha de resolver como entender e for de justiça. Nem o illustre deputado, o sr. Silveira da Motta, se escandalisou por eu não ter a mesma opinião, nem podia fazer disso uma questão politica.

Eu digo ao illustre deputado que, se nós podessemos estabelecer todas as liberdades, tínhamos dado um grande passo, e não havia nada a receiar: o que não póde é haver liberdades de torneira, (Apoiados) não póde haver umas liberdades sem haver as outras; isso é que não póde ser.

Estabelecido o principio de liberdade de ensino debaixo da inspecção do governo, sujeita aos limites de liberdade de cada um, não se vae ferir a liberdade dos outros, mas isso é muito difficil.

Se isso se podesse fazer, acompanharia o illustre deputado; mas liberdade de ensino que póde ferir as instituições, com essa não me conformo.

E estabelecida essa liberdade de ensino, tinhamos que estabelecer outras, como a de associação, e nós não queremos que haja frades, nem freiras, nem irmãs da caridade. (Apoiados.)

Em Inglaterra e nos Estados Unidos póde ser, porque a igreja catholica vive ao lado da igreja protestante, fortifica-se com ella.

Entre nós, aonde a igreja catholica e a igreja do estado, não póde ser, e era prejudicial.

Nós precisâmos admittir as liberdades que estão consignadas na carta, que estão interpretadas, e regidas pelo acto addicional, e que o vão ser por esta lei; admittir outras seria inconveniente.

Tambem o illustre deputado quer saber como o governo entende que se deve compor a camara dos pares.

O governo não póde estar apresentando agora a lei que ha de apresentar d'aqui a poucos mezes; isso era inopportuno, a não ser que seguisse as idéas do illustre deputado que entende que deve ser agora e não mais tarde. O governo não segue essa idéa; seria antecipar a questão se tratasse de apresentar a proposta de lei que ha de submetter ás côrtes extraordinarias, quando ellas forem convocadas, mas póde dizer o seu pensamento em geral, e esse foi dito no seio da commissão.

O governo entendo que a camara dos pares deve ser constituida por dois elementos, o elemento regio e o elemento popular.

A camara dos pares não póde ser constituida de numero fixo, desde que tenha unicamente origem real, aliás seria uma oligarchia impossivel.

O illustre deputado, o sr. José Luciano, citou-me o exemplo da Inglaterra com relação á camara dos lords.

Ainda ultimamente, por occasião da discussão do land-bill, ouvi eu na camara dos lords um brilhantissimo discurso proferido por um homem notavel, e que já não existe, lord Beasconfield, e sei que a camara dos lords teve de sujeitar-se ás decisões reiteradas da camara dos communs.

Eu sei que este exemplo tem sido repetido mais de uma vez em Inglaterra, e sei tambem que o bom senso póde mais.

Se nós executarmos as leis pela interpretação que ella mim lhes dá, esse systema póde trazer resultados funestos. É preciso portanto que haja um elemento que não está escripto em lei nenhuma, elemento que não se póde desenvolver, que é o bom senso de quem executa as leis, o esse bom senso, apesar de tudo quanto disse o illustre deputado e meu amigo, que se senta nos bancos superiores, não tem faltado á camara dos pares.

Por consequencia, é injusto attribuir á camara dos pares o pretender prejudicar o andamento dos negocios publicos.

Disse o illustre deputado: mas nós caímos na camara dos pares, e a camara dos pares deve ser uma camara collocada em esphera superior, discutindo as questões na altura dos principios e não uma camara para fazer caír ministerios.

Mas quem obrigou o illustre deputado a saír do ministerio? Porque não resistiu á camara dos pares, se essas são as idéas de s. exa.?

Quando em 1883 a camara dos lords estava na Inglaterra em opposição com o espirito da nação inteira, o que fez o reinante ? Dissolveu a camara dos communs, apesar da grande maioria que havia n'aquella camara.

Mas diga-se a verdade; o illustre deputado quando estava no ministerio, não governou dois annos ou quasi dois annos com a camara dos pares?

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Não disse o illustre deputado na sessão antecedente, que não tinha maioria na camara, dos pares, e que apesar de fazer duas fornadas de, proximamente, quarenta pares, ainda assim ficou sem maioria?

Ora, se s. exa., apesar de não ter maioria, governou dois annos, isto mostra que a camara dos pares soube comprehender a sua missão, e que se collocou acima da resistencia, para fazer prevalecer a sua opinião á favor dos destinos do paiz.

Quizesse a camara dos pares fazer o que lhe attribue o illustre deputado, que de certo não teria s. exa. governado dois dias, quanto mais dois annos.

O procedimento da camara dos pares mostra que ella teve a comprehensão dos seus deveres para concordar, embora não tivesse maioria para dar ao ministerio, e que apesar disso governasse perto de dois annos.

E, permitta-me o illustre deputado que lhe diga, se o governo de que o illustre deputado fazia parte saíu nessa occasião foi porque quiz. Eu se fizesse parte do governo de então não tinha dado á votação da camara dos pares a significação que esse governo lhe deu.

Mas a hora está adiantada.

Tenho exposto francamente á camara as opiniões do governo, e as rasões e principies em que ellas se fundam.

Declarei o que acceito, e o que não acceito, e espero que a camara compenetrando-se da sua alta missão, e os partidos comprehendendo que este é o momento solemne de attender ao bem do paiz, hão de cooperar de accordo com o governo na obra do reforma constitucional, do modo que seja mais conveniente aos interesses da nação. (Muitos apoiados.)

Vozes : - Muito bem, muito bem.

(S. exa. nunca revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para quarta feira é a mesma que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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