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missão de Misericordias, eu declaro que é cousa de que não entendo nada, absolutamente nada; não entendo, não sei de misericordia, senão quando dou alguma esmola, quando tenho com que a dar; não tenho pois os conhecimentos proprios e sufficientes para tractar destes objectos pertencentes ás Misericordias; portanto eu pedia a V. Exa., vista a humildade em que confesso a minha insufficiencia, consultasse a Camara sobre se me dispensa de pertencer a essa Commissão.

O Sr. Presidente: - Se o illustre Deputado reparasse bem, veria que não foi eleito pela Camara para a Commissão de Misericordias, foi sim nomeado pela Mesa, depois approvado pela Camara, para a Commissão de Penitenciarias, Commissão importante, (apoiados) umas das mais importantes que deve chamar a attenção desta Camara (apoiados, apoiados) e que pelos Cavalheiros escolhidos para essa Commissão mostrou a Mesa dar toda a importancia a essa Commissão (apoiados). A Mesa satissendo ao que lhe foi encarregado pela Camara, ou nomeando o illustre Deputado e outros, teve em vista não deixar fora das Commissões nenhum dos Srs. Deputados que não tinham sido eleitos para fazer parte d'alguma Commissão; porque a Mesa entendeu, que deviam distribuir-se por todos os Deputados os trabalhos da mesma Camara (apoiados). Se alguns se não consideraram nessas Commissões, foi porque foram pedidos pelo Governo para exercerem funcções fora da Camara, e 3 não foram nomeados por constar á Mesa, que não vinham occupar os seus logares na presente Sessão; todos os mais foram contemplados (apoiados).

Agora vai passar-se á outra parte da Ordem do Dia, que é a continuação da discussão sobre as Propostas do Sr. Deputado Assis de Carvalho. (Vozes: - Não póde ser, o Ministro tem de se retirar).

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu estou ás ordens da Camara, se a Camara quer que continue a discussão. (Vozes: - Nada, nada).

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. está habilitado e se quer entrar já na discussão, discutem-se as Propostas; no caso contrario, suspende-se a discussão. (apoiados). (Vozes: - É melhor).

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu não tenho a menor duvida em entrar já na discussão, mas declaro á Camara, que estou inscripto na outra Casa do Parlamento para fallar sobre o objecto que alli se discute; eu dei ordem ao meu correio, para que logo que a discussão lá comece me dê disso conhecimento... Agora neste instante recebo aviso de que começou alli a discussão, portanto tenho de me retirar.

O Sr. Presidente: - A discussão destas Propostas ainda que tenha demora de mais alguns dias, não se prejudica, e o serviço publico não soffre por isso prejuizo (apoiados). A discussão d'outro objecto gravissimo chama o Sr. Ministro da Fazenda á outra Casa do Parlamento; as Propostas pois ficam para a primeira Sessão em que S. Exa. possa assistir á discussão dellas (apoiados). Não havendo outros objectos a tractar na Sessão de hoje, a Camara vai trabalhar em Commissões, continuando a mesma Ordem do Dia. Está levantada a Sessão. - Eram quasi duas horas da tarde.

O REDACTOR,

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

N.º 16. Sessão em 19 de Janeiro 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 51 Srs. Deputados.

Abertura - Á uma hora da tarde.

Acta - Approvada.

CORRESPONDENCIA .

OFFICIO. - Do Sr. Deputado Silva Vieira, participando que por incommodo de saude não póde comparecer na Sessão de hoje, e talvez em mais algumas. - Inteirada,

O Sr. Lopes de Lima: - Sr. Presidente, visto estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, eu desejava, antes de entrarmos na grande discussão da Resposta ao Discurso do Throno, que S. Exa., no caso de já estar habilitado, respondesse á Interpellação que lhe annunciei ha dias. Pedia pois a V. Exa. consultasse a Camara para que esta Interpellação, no caso do Sr. Ministro estar habilitado, tivesse logar na primeira parte da Ordem do Dia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Fazenda ouviu o Requerimento do Sr. Deputado, e responderá se está habilitado para já satisfazer a elle, no caso de dispensa do Regimento.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Pelas informações que podem existir no Ministerio da Fazenda, responderei ao illustre Deputado, mas o que não sei é se estas informações o poderão satisfazer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a dispensa do Regimento para poder já verificar a Interpellação que tinha annunciado. O Sr. Ministro declara que está habilitado para responder á vista dos esclarecimentos que tem na Secretaria, mas que não sabe se poderá satisfazer cabalmente aos desejos do Sr. Deputado. Nestes termos vou consultar a Camara se dispensa o Regimento para este fim.

Foi dispensado.

O Sr. Cunha Sotto Maior: - Sr. Presidente, o Sr. Ministro acaba de declarar que não sabe se poderá responder cabalmente á Interpellação do Sr. Deputado; e o que se segue daqui, é que se S. Exa. não responder cabalmente, a Interpellação tem de se verificar n'outra occasião, e que tudo quanto se disser agora, é perdido. Ora, parece-me que no estado em que se acha a Camara, nós não podemos estar a desperdiçar muito tempo. Faço estas reflexões, e V. Exa. e a Camara farão o que entenderem; das parece-me que quando um Sr. Ministro declara que não está habilitado para responder cabalmente a uma pergunta, não deve esta ter logar.

O Sr. Presidente: - A Camara acabou de conceder que o Sr. Deputado fizesse a sua Interpellação: o Sr. Deputado interpellante, e o Sr. Ministro in-

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terpellado farão uso, convenientemente, do direito que lhes foi desde já conferido (apoiados.)

O Sr. Lopes de Lima: - Póde ser que a duvida em que está S. Exa. de não poder responder ao objecto da minha Interpellação, provenha de não saber o desenvolvimento della. Esta Interpellação não significa accusação nem mesmo censura ao Sr. Ministro, como acontece com muitas que aqui tem logar; esta Interpellação versa sobre um abuso antigo, que vem de muito longe, mas que se tem tornado cada vez mais insupportavel, e a que é necessario pôr termo; e eu vejo-me obrigado de alguma maneira a faze-la, porque estou de certo modo commissionado pelos meus camaradas para fazer sentir a razão da sua supplica, e aproveito tambem esta occasião para rectificar o que me consta, que ha dias foi escripto em uma folha desta Capital, que eu nunca leio, porque não tenho tempo para isso, e a que não respondo, talvez porque não sei escrever, a qual escrevendo um facto o alterou essencialmente. Permitta-me V. Exa. esta pequena digressão, que tem relação com o objecto da Interpellação. Consta-me que nessa folha se disse que os Officiaes da Armada em serviço tinham elegido um Official para fazer subir á presença do Ministerio a sua supplica, para serem contemplados com mais igualdade com os seus camaradas do Exercito, mas que eu não tinha entrado nesse numero, porque estava pago em dia. O facto é verdadeiro, mas o Official escolhido pelos Commandantes dos navios em serviço fui eu, visto que sou o Official mais antigo, e que tenho uma cadeira nesta Casa, e foi isto que deu logar a annunciar esta Interpellação. Quanto a estar pago em dia, desde já convido o auctor do artigo para me rebater a 95 por cento o meu recibo do mez de Abril que tenho em casa, e não direi sobre isto mais nada, não responderei a muitas outras cousas que se dizem nessa folha, que só tem por habito calumniar ou mentir; não lhe respondo, porque talvez eu não saiba escrever.

Voltando pois á Interpellação, e tendo dado os motivos porque a fiz, direi agora - Ha uma Lei, que ha muito tempo, não é de agora, ha muitos annos não está cumprida; e não o está, não direi por culpa deste ou daquelle, mas por culpa de quasi todos os Governos, e de quasi todos os Parlamentos; pelo desamor e pouca consideração que a desgraçada Marinha Portugueza tem sempre encontrado em uma Nação que devia olhar para a sua Marinha, como para um dos seus mais importantes baluartes!..... É para pasmar, Sr. Presidente, que uma Nação, que se tem ainda alguma consideração na Europa, é por ser ainda a segunda Nação Colonial do Mundo, pois que, se por desgraça perdesse as suas Colonias, podia representar.... eu sei?.... Pouco mais que a Republica de S. Marino; que esta Nação tenha sempre olhado a sua Marinha com tanto abandono, e tão pouca consideração como póde faze-lo o Cantão de Berne, ou a mesma Republica de S.

Marino!..... A Marinha só lembra como Santa Barbara, quando troveja (não digo quando trovôa.) Quando nos paizes estrangeiros os Portuguezes são assassinados e maltratados, grita-se aqui - "Mande-se um navio de guerra para que a Bandeira Portugueza se faça respeitar nesse paiz, e proteja os nossos concidadãos:" - quando um povo barbaro de uma Nação remota mata traiçoeiramente um Governador Portuguez, diz-se - "Mande-se lá uma esquadra!..." - Aonde está ella? Apromptam-se de repente navios, marinheiros, Officiaes? .... É objecto que esteja n'uma gaveta? (Uma voz: - Para que serve o Arsenal?) O Orador: - O Arsenal!.. . É muito bom de dizer. Tambem eu perguntaria - para que serve a quem não tem marinha um Arsenal, cujo pessoal immenso se compõe ametade de inválidos, e a terça parte do resto talvez de sinecuristas? E consomem-se todas as semanas com este pessoal perto de 3 contos de réis, e aos marinheiros não se paga, andam rôtos e nús, deve-se a alguns delles 2 annos. Os Officiaes principalmente aquelles que teem familia, veem-se obrigados a empenhar as dragonas para acudir a essas familias. Os navios estão velhos, e quando se quer apromptar alguma e virar de querena, não ha dinheiro para a compra do cobre, e para se comprar é necessario augmentar mais a divida. Quiz-se mandar uma náo ao Brasil, ficou-se devendo tudo: uma fragata para a India, tudo em divida; o ultimo Ministerio viveu deste modo a pedir tudo fiado; foi o que ultimamente aconteceu; e o Ministerio que entrou, achou tudo empenhado, e se lhe fosse preciso apromptar agora um navio para sair de repente, não tendo meios para isso, os fornecedores de certo l'hos não fiavam; porque

O carrancudo tendeiro,

Cançado de gastar giz,

Já não dá pão sem dinheiro.

Esta é a herança que herdou o actual Ministerio; por isso não lho lanço em culpa, porque desgraçadamente as circumstancias tem continuado, e as prestações para pagamentos da Armada, e fornecedores cada vez se atrasam mais. Eis-aqui como tem sido tractada a Marinha em presença de uma lei que se fez para a equiparar ao Exercito de terra; pois creio que neste caso ella merecia bem ser tractada como fazendo parte do Exercito de mar e terra; parece-me que se lhe não faria favor.

A lei de 16 de Março de 1836 diz assim (leu).

- "Os soldos dos Officiaes da Armada, e Brigada da Marinha, que compoem o quadro effectivo destes dous Corpos, serão regulados permanentemente pelas mesmas tarifas, e pagos nas mesmas épocas, que os Officiaes do Exercito em iguaes circunstancias. -"

Esta lei, Sr. Presidente, ha muito tempo que se poz em desuso; separou-se inteiramente a Marinha da consideração que se dá ao Exercito; isto vem de longe, mas este mal tem-se ido aggravando pelo atraso successivo dos pagamentos; quando todas as classes, andavam com pouca differença do Exercito, esse mal soffria-se, e a pobre Marinha calava-se; mas hoje esse mal é gravissimo. A lei manda que quando se pagar um mez ao Exercito, se pague um mez á Marinha, isto pelo menos á parte empregada, e que regula com os arregimentados; mas nem uns, nem outros; e isto tem-se ido atrazando de maneira que hoje os Officiaes em effectivo serviço estão, pelo menos; atrasados tres mezes mais que o Exercito. Muito de proposito quando annunciei a minha Interpellação, fallei na desigualdade que havia nas épocas dos pagamentos entre os Officiaes da Armada e os dos outros Corpos do Exercito de mar e terra, porque chega a tanto a injustiça desta desigualdade

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que até se estabeleceu com aquelle Corpo que tem de servir com os Officiaes da Armada: fallo do Batalhão Naval, que substituiu a antiga Brigada, e que é feito para servir debaixo das ordens dos Officiaes da Armada. Este Corpo está equiparado ao Exercito, recebe quando recebe a primeira Divisão Militar, e os Officiaes da Armada, que tem de commandar as praças deste Corpo no mar, estão atrasados, como disse, tres mezes. Accresce outra circunstancia que é a que excitou mais a necessidade deste clamor. O Governo (honra lhe seja por isso) pude alcançar o formar uma companhia, a qual tomou a seu cargo rebater os soldos dos Officiaes do Exercito, e hoje tambem do Batalhão Naval, a 10 por cento de Dezembro em diante. E ainda bem, Sr. Presidente! Já que não é possível que o valente e leal Exercito Portugues esteja em dia, ainda bem que se lhe minorou o seu mal; eu desejaria muito que em logar de elle achar quem lhe rebate-se a 10 por cento, tivesse quem lhe rebatesse a 1 por cento, já que não é possível estar em dia; porem pergunta-se, e os Officiaes da Armada que servem com a mesma lealdade, e que quando chegam as occasiões são precisos, os Officiaes da Armada, que como eu já aqui disse, estão quasi todos com as dragonas empenhadas, aquelles que teem familias para sustentar, não mereciam ser tidos na mesma contemplação, sendo aliás a importancia dos seus soldos tão pequena cada mez, porque a Marinha está muito diminuta, e particularmente a Marinha activa? Em quanto os Officiaes do Exercito acham quem lhes rebata a 10 por cento, os Officiaes da Armada não acham hoje quem lhes rebata a 50! Esta desigualdade e que motiva o queixume da Marinha, e a supplica a que ella se julga com direito perante o Ministerio, e este Parlamento, para ser considerada em igualdade com os seus camaradas do Exercito.

Em consequencia disto, e á vista da clara e terminante disposição da lei de 16 de Março de 1836, eu tenho a dirigir ao Sr. Ministro da Fazenda (que segundo tudo o que nos teem annunciado, está tractando de organisar, de montar de novo um systema mais regular de pagamentos que até aqui tem havido) duas perguntas. Primeira - Se S. Exa. considera como vigente, como em vigor esta lei de 16 de Março de 1836, ou se Julga que ella caducou, porque então vou-me servir da minha iniciativa como Deputado para a renovar. Segunda - Se entende que á vista das razões expostas os Officiaes da Armada em serviço poderão merecer o serem contemplados pelo Governo a par dos seus camaradas do Exercito, para poderem ser tambem os seus recibos admittidos por essa companhia de descontos, que rebate aos Officiaes do Exercito, com o rebate ao menos de 10 por cento, ou de 12 que fosse.

Depois de S. Exa. responder a estas duas perguntas, eu então pedirei de novo a palavra.

Direi agora tambem - S. Exa. estranhou que eu dirigisse esta Interpellação pelo Ministerio da Fazenda, e não pelo da Marinha. Eu entendi que era pelo Ministerio da Fazenda que devia dirigi-la, por isso que no Ministerio da Fazenda é que se faz a distribuição dos fundos: o Sr. Ministro da Marinha recebe os fundos que lhe dão para os applicar, e quando lh'os não dão, não os recebe, e não os applica, como succede muitas vezes, porque; eu sou até testemunha disso; apezar das suas diligencias muitas vezes diz-se: não ha, e então não os póde applicar. E' portanto ao Sr. Ministro da Fazenda que eu me dirijo, porque é no Ministerio da Fazenda que se podem resolver estas duas questões: primeira - se a lei de 16 de Março de 1836 está em vigor, e se S. Exa., e se o Governo teem tenção de lhe dar execução: segunda - se acaso o Governo está disposto a admittir os Officiaes da Armada no mesmo favor, se é que se chama favor, que estão recebendo os Officiaes do Exercito, quanto ao desconto dos seus recibos.

Espero a resposta de S. Exa.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Sr. Presidente, eu notei efectivamente que esta Interpellação fosse dirigida ao Ministro da Fazenda, e não ao da Marinha, porque me pareceu que as informações que eu poderia dar pelo Ministerio da Fazenda, não satisfariam; mas felizmente o Sr. Ministro da Marinha acaba de chegar, e talvez S. Exa., ainda que ou não o preveni de que esta Interpellação me tinha sido dirigida, esteja no caso de responder áquillo a que eu não puder satisfazer nas minhas respostas. Porque deverei dizer, que as informações são muito em contrario das considerações que me tem dirigido o Sr. Deputado; e acreditando em que S. Exa. estava bem informado, mostro por este facto tambem que realmente não era pelo Ministerio da Fazenda que devia interpellar.

S. Exa. citou uma lei, que eu aqui trago, e que muito bem adduzida foi para o caso, é a lei de 16 de Março de 1836, a qual ordenou expressamente que os soldos dos Officiaes da Armada e Brigada de Marinha, que compõem o quadro effectivo destes dois Corpos, regulassem pelas mesmas tarifas, porque recebem os Officiaes do Exercito em iguaes circumstancias: é o que posso asseverar a S. Exa. que se fez pelo Ministerio da Fazenda. Sr. Presidente, durante o tempo em que a actual Administração tem gerido os negocios publicos, não teve a fortuna de poder pagar com regularidade (quero dizer pontualidade; com regularidade pagou) os vencimentos correspondentes ao tempo em que administrou, por isso mesmo que o Governo não póde pagar um mez em cada mez a todas as classes de Empregados e Pensionistas do Estado; mas na occasião em que tendo-se fechado o Parlamento, nós vimos quaes eram os meios de que podiamos dispor, sem comprometter o futuro deste Paiz, eu ganhei a convicção de que não era possível nos 6 mezes do semestre que acabou, pagar mais de 4, e regulei os pagamentos por tal maneira, que o illustre Deputado sabe que se pagou effectivamente um mez de 45 em 45 dias. Convenho em que o Ministerio náo fez tudo o que devia, mas fez talvez mais do que podia, porque o Ministerio que achou as cousas no estado em que as achou, se não fizesse o que fez, vêr-se-ía obrigado a fazer áquillo que se imputou a esta Administração, que queria fazer, apesar das terminantes e cathegoricas explicações que nós demos nas duas Casas do Parlamento, isto é, o Ponto. Ora o illustre Deputado sabe que os vencimentos, os soldos dos Officiaes arregimentados estavam pagos com 2 mezes de adiantamento, a respeito dos outros Officiaes do Exercito; e o Ministerio conservou esse intervallo: havia outra cousa - os Officiaes da Armada, que eram considerados a par dos arregimentados, e estes são os Officiaes do Batalhão Naval, e Batalhão Movei, estavam igualmente com dois mezes de adiantamento a respeito dos ou-

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iros Officiaes da Armada, e o Ministerio conservou este intervallo nos fundos postos pelo Ministerio da Fazenda á disposição do Sr. Ministro da Marinha. E peço perdão ao illustre Deputado, para lhe dizer, que o Ministerio da Fazenda não e quem paga tão absolutamente como S. Exa. indicou. Nos fundos que o Ministerio da Fazenda tem posto á disposição do Sr. Ministro da Marinha, segundo as requisições feitas por S. Exa., a desigualdade se manteve, porque essa desigualdade existia. Por consequencia, quanto á primeira pergunta, eis-aqui o que posso dizer ao illustre Deputado, como Ministro da Fazenda, isto é, que o Ministerio considera vigente a lei de 16 de Março de 1836, e que se mais não pagou á Armada, e porque mais não pôde, e mais não pagou ao Exercito de terra, unica prescripção que lhe tinha sido imposta pela lei de 16 de Março.

Quanto á segunda pergunta, direi ao illustre Deputado: que o Governo effectivamente póde conseguir que o desconto aos Officiaes arregimentados fosse reduzido a 90 por cento, o Governo não entendeu que este desconto fosse ainda chegado á cifra que devia, porque não desconhece que um desconto a 90 por cento é muito pesado; (apoiados) mas deu este passo como meio de melhorar a sorte dos Officiaes arregimentados, e dar uma esperança de melhoramento a todas as outras classes de Servidores do Estado, e não podendo estender este beneficio a todas, começou por uma classe: mas o Governo ha de empregar todos os meios para que se torne geral, porque a nossa primeira regra é de não governar por excepção, mas esta regra applicou-se aos Officiaes arregimentados do Exercito de terra, e effectivamente se applicou áquellas classes da Armada que eram pagas com os Officiaes arregimentados do Exercito de terra: posso asseverar isto ao illustre Deputado.

O Sr. Lopes de Lima: - Isso sei eu. Mas os Officiaes da Armada?

O Orador: - Não sei; eu como Ministro da Fazenda não posso dizer mais nada; aquellas classes da Armada que constava no Ministerio da Fazenda que eram pagas com os Officiaes arregimentados do Exercito de terra, estas estão comprehendidas no desconto. É esta a informação que posso dar ao illustre Deputado.

Ora emfim para esgotar tudo o que posso dizer, como Ministro da Fazendo, direi, que o Governo achou estabelecida a practica que manteve; porque se o Governo effectivamente podesse no principio de cada mez pagar o mez antecedente, havia de acabar com as tabellas de pagamento, mas não o pôde fazer, por consequencia manteve a practica que achou estabelecida: e a unica differença, por conseguinte, que ha entre os Officiaes da Marinha não considerados com os arregimentados do Exercito, e os que são considerados a par delles, é que uns são pagos mais tarde do que outros, mas dentro do mesmo intervallo que havia antes deste desconto que se estabeleceu, sempre o mesmo intervallo, quero dizer, não se começava um mez para uma classe sem estar completo o mez para todas. O que posso dizer ao illustre Deputado e que o ultimo mez pago a todas as classes (isto é informação da Thesouraria) da Marinha foi o Março ultimo, que acabou de se pagar a todas em geral, e abriu-se o seguinte, o Abril, que ha de ir indo segundo a ordem dos pagamentos; ordem em que todavia não se comprehendeu nem os soldos dos Officiaes do Batalhão Naval, nem do Batalhão Movel, que por serem corpos arregimentados receberam já o mez de Junho por excepção.

O Sr. Lopes de Lima: - Sr. Presidente, tudo quanto o Sr. Ministro acaba de dizer confirmou exactamente o que eu disse. S. Exa. estará lembrado, e V. Exa. tambem, que eu logo no principio disse que esta Interpellação não tinha por fim, nem accusar, nem mesmo censurar o Ministerio actual, porque versa sobre um abuso antigo, e como muito bem disse o Sr. Ministro da Fazenda, continuou elle as cousas no estado em que se achavam, isto é, continuou o atraso tal qual estava, e permitta-me dizer, continuou essa infracção de lei que já existia. Mas o meu objecto não era pedir contas do passado, o meu objecto era vêr se alcançava ter cousa melhor para o futuro, isto e, se para o futuro se póde remediar este mal, e pôr em vigor a lei como ella foi feita, e do modo porque ella foi feita. A lei quando disse - Que os soldos dos Officiaes da Armada haviam de ser pagos nas mesmas épocas que os dos Officiaes do Exercito em iguaes circumstancias, entendeu que quando se pagasse Junho ao Exercito, se havia de pagar Junho á Armada; entretanto segundo S. Exa. acaba de informar a Camara, se vê que estando pago Junho ao Exercito, á Armada ainda não se pagou Abril.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Aos arregimentados do Exercito, e aos arregimentados da Marinha pagou-se o mesmo mez de Junho.

O Orador: - Mas perguntarei agora por outro lado a S. Exa, - O Corpo dos Officiaes Engenheiros em serviço não recebe com os arregimentados?

O Sr. Ministro da Fazenda: - Pergunte ao Sr. Ministro da Guerra.

O Orador: - Creio que sim.

O Sr. Pinheiro Furtado: - Não, Senhor, é só o Batalhão de Sapadores.

O Orador: - Bem: não sabia; não admira, porque não sou da Arma; mas entendo que em geral todos os Officiaes que estão em serviço activo devem receber com os arregimentados, porque o serviço activo é tanto para os arregimentados como para aquelles que o não são, mas que estão servindo effectivamente. Isto é que eu entendo que ora a execução das leis, e quanto á Armada, esta é muito expressa; porque falla do quadro effectivo da Armada, e diz que devem receber efectivamente com os do quadro effectivo dos outros Corpos.

Pelo que pertence á segunda pergunta, vejo que S. Exa. não me deu esperança nenhuma a respeito de fazer contemplar tambem nesse contracto com a companhia dos descontos os Officiaes da Armada; e era esse o objecto principal da minha Interpellação; porque já disse, em quanto os Officiaes do Exercito arregimentados teem quem lhes rebata os seus soldos a 10 por cento (e ainda é bem pesado tal desconto!) os Officiaes da Marinha não acham quem de pelos seus recibos talvez 50 porcento. Era por tanto a este ponto que eu desejava fazer chegar a questão. Em quanto ao vigorar a lei de 16 de Março de 1836, o Governo reconhece que ella é vigente, e então tractaremos disso quando se tractar do Orçamento; mas em quanto á outra questão de acharem os Officiaes da Armada quem lhes rebata os seus recibos por um preço mais modico, é que eu queria que S. Exa. desse alguma esperança que podesse, de al-

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gum modo, animar esta classe, que tanto está soffrendo.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Eu insisto, Sr. Presidente, em que esta interpellação não póde ser dirigida ao Ministro da Fazenda: o Ministro da Fazenda distribue os fundos que estão votados para os differentes Ministerios; não entra no detalhe destes fundos. Eu não sei os Officiaes da Armada que recebem com os arregimentados, nem os que deixam de receber, porque não me pertence isso; tenho muitos negocios graves na minha Repartição de que me occupar, não posso saber o que se passa nas outras. Por consequencia sinto, que o illustre Deputado insista ainda em que sou eu que devo responder á sua Interpellaçao, quando já lhe fiz ver que não sou o competente para isso: declaro a minha completa ignorancia a este respeito. Eu achei a pratica estabelecida de se pagar aos Officiaes arregimentados 2 mezes adiantados, continuei por este mesmo modo satisfazendo ás requisições do Sr. Ministro da Guerra; fiz o mesmo a respeito das exigencias do Sr. Ministro da Marinha, e nada mais; achei esta pratica, e mantive-a. Em quanto aos descontos fiz o mesmo; pude arranjar o desconto de 10 por cento para os Officiaes arregimentados, entende-se que e para todos aquelles que estão neste caso. Não posso dizer mais nada.

O Sr. Ministro da Marinha: - Não vinha preparado para entrar nesta questão; senão apresentaria hoje mesmo as razões deste caso.... (O Sr. Cunha: - V. Exa. não tem a palavra).

O Sr. Presidente: - Permitta-me V. Exa. que lhe faça uma observação. Tem direito a tomar parte na Interpellação, se a Camara lho conceder, por isso que um artigo do Regimento assim o determina. Se V. Exa. está habilitado para responder já, e quer fallar, eu consulto a Camara se permitte que lhe dê já a palavra; e senão está habilitado, responderá n'outra qualquer occasião.

O Sr. Ministro da Marinha: - Pois sim, Senhor, reservo-me para responder n'outra occasião.

O Sr. Palmeirim: - A Commissão de Marinha está constituída, e nomeou para seu Presidente o Sr. Barão de Ourem, para Secretario o Sr. José Maria Marques, e para Relator Palmeirim.

O Sr. Pereira da Reis: - Peço ser inscripto para apresentar um Projecto de Lei.

O Sr. Corrêa Caldeira: - A Commissão de Administração Publica constituiu-se, tendo nomeado para Presidente o Sr. Silva Cabral, Relator ordinario o Sr. Emilio Brandão, e Secretario Corrêa Caldeira. A Commissão nomeará Relatores especiaes, quando a necessidade do trabalho assim o exigir.

O Sr. Assis de Carvalho: - Mando para a Mesa uma Representação do Compromisso Maritimo de Castro Marim, em que se pede o mesmo que pediram os de Villa Real de Santo Antonio, e de Tavira.

O Sr. Antunes Pinto: - Mando para a Mesa uma Representação de 49 Emphyteutas da Corôa que pedem providencias para ser prorogado o praso estabelecido para a remissão dos foros. Elles apresentam considerações muito attendiveis, e entre ellas, principalmente o impedimento que houve no espaço dos dois annos que foi concedido para as remissões, o qual correu em grande parte, quando durou a ultima guerra civil. Esta consideração de certo hade fazer muito peso na Commissão respectiva, a quem fôr commettido este negocio, para que dê occasião a apresentar um Projecto de Lei sobre este objecto.

O Sr. Fonseca Castello Branco: - A Commissão de Misericordias acha-se constituída tendo nomeado para seu Presidente o Sr. Bispo Eleito de Castello Branco, Relator o Sr. Antunes Pinto, e Secretario Fonseca Castello Branco.

O Sr. Pereira Crespo: - Participo a V. Exa. que se constituiu a Commissão de Saude Publica nomeando para seu Presidente o Sr. Lourenço José Moniz, Relator o Sr. J. José de Mello, e Secretario Pereira Crespo.

O Sr. Presidente: - Passa-se á

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Discussão das Propostas do Sr. Assis de Carvalho. (Vid. Sessão de 16 deste mez).

O Sr. D. Prior de Guimarães: - (Sobre a ordem). Sr. presidente, posto que sejam muito importantes as Propostas do Sr. Deputado Assis de Carvalho, todavia persuado-me que a Camara, e o mesmo illustre Deputado convirão em que se entre já na Ordem do Dia principal, que e a Resposta ao Discurso da Corôa. O Throno e o Paiz estão á espera desta Resposta; é preciso definir a politica da Camara e do Governo, é necessario vermos o estado em que nos achamos. Parece-me pois que faço um serviço com este Requerimento, e que o illustre Deputado hade convir em que as suas Propostas entrem em discussão immediatamente depois de votada a Resposta ao Discurso da Corôa.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra os Srs. Assis de Carvalho, Cunha Soto Maior, e Xavier da Silva; mas é preciso que a Camara decida primeiro este Requerimento.

O Sr. Assis de Carvalho: - Sr. Presidente, a discussão das Propostas que eu mandei para a Mesa, foi suspensa até que estivesse presente o Sr. Ministro da Fazenda. O Sr. Ministro appareceu, entraram em discussão, fallaram sobre ellas 2 Srs. Deputados, respondeu o Sr. Ministro, e tornou-se a adiar a questão, porque o Sr. Ministro tinha de ir para a outra Camara. Os 2 illustres Deputados que fallaram sobre estas Propostas poseram-me debaixo das seguintes impressões - um, que as Propostas significavam hostilidade ao Governo; e o outro, que as Propostas significavam uma tendencia de hostilidade contra uma classe de Empregados Publicos. - Isto não teve resposta, está impresso e foi para as Províncias, e eu ainda não pude responder. Portanto insisto não pela natureza da cousa, mas pela ordem que tomou, por que fallaram 2 Deputados da Maioria, e eu não respondi, por ficar suspensa a discussão até que estivesse aqui presente o Sr. Ministro da Fazenda, cuja presença era então necessaria na outra Camara; insisto torno a dizer, não pela natureza da cousa, mas pela ordem que tornou em que é preciso decidir-se esta questão. E qualquer que seja a resolução que a Camara adopte, não sendo neste sentido, eu hei-de apresentar tantas Propostas quantas bastem para fazer com que a Camara venha á discussão. Por consequencia decida a Camara como entender, que o meu proposito está formado.

O Sr. Presidente: - O Sr. D. Prior de Guimarães pediu que se passasse á Ordem do Dia, preterindo-se a ordem que estava dada, isto é, que fiquem

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as propostas do Sr. Assis de Carvalho para depois de votado o Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.

Ponho portanto á votação este Requerimento.

O Sr. D. Prior de Guimarães: - Eu assentei que faria um serviço a esta Camara, que correspondia assim á espectativa geral; assentei que cumpriamos assim um dever respondendo ao Throno, e á Nação. Mas o illustre Deputado tambem me fez muito peso com as suas observações: eu tenho consciencia, e teria escrupulo se por amor de mim o illustre Deputado deixasse de se explicar. Cedo do meu Requerimento.

O Sr. Cunha Sotto Maior: - Faço eu o Requerimento. Sr. Presidente, eu não pertenço aqui na Camara a nenhuma fracção lá de fóra; não estou ligado a nenhum partido, tenho a minha opinião, e hei de segui-la. O illustre Deputado fez um Requerimento, e cedeu depois delle, estava no seu direito; eu tenho outra opinião, e estou tambem no meu direito sustentando-a. Senão tenho independencia de fortuna, tenho independencia de caracter, que entendo que nestas occasiões e mais nobre que a independencia de fortuna. Requeiro que se passe já á discussão da Resposta ao Discurso do Throno.

O Sr. Presidente: - Mas peço ao Sr. Deputado que declare primeiro só usou da palavra facção ou fracção.

O Sr. Cunha Sotto Maior: - Fracção é de que eu usei; só me não exprimi bem, e porque tenho alguma difficuldade em pronunciar o - r - (riso.)

E pondo-se á votação o

Requerimento do Sr. Cunha - foi approvado.

O Sr. Presidente: - Esta approvado por 37 contra 20 que se passe á Discussão da Resposta ao Discurso da Corôa. - Peço attenção: vai lêr-se o Projecto de Resposta (leu-se.)

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Discussão do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa.

É o seguinte

N.° 3. - SENHORA: A Camara dos Deputados da Nação Portugueza aprecia devidamente o verdadeiro contentamento, que Vossa Magestade Se Dignou manifestar-lhe, ao Ver reunidos em redor do Throno Constitucional os Representantes da Nação; e com Vossa Magestade só congratula de que a publica tranquillidade, para cuja consolidação a Camara contribuiu e sempre contribuirá franca e lealmente, não fosse alterada desde o encerramento da ultima Sessão Legislativa.

A Camara acompanha a Vossa Magestade no piedoso acto de render graças ao Altissimo, pelo incomparavel beneficio do ter arredado destes Reinos as calamidades que muito teem affligido outros paizes; e não cessa de lhe fazer os mais fervorosos votos, para que continue a derramar sua protecção Divina sobre o Povo Portuguez.

Ouviu com muito prazer a Camara, que as relações de amizade, que subsistem entre o Governo de Vossa Magestade e os das Potencias Estrangeiras, se vão estreitando cada vez mais; e confia em que, em virtude de tão boas disposições, o Governo do Vossa Magestade nos ajustes, que celebrou com os Governos da Dinamarca e Russia, a bem da industria, commercio e navegação portuguesa, havia de considerar as regras da mais completa reciprocidade, e as conveniencias publicas.

No uso que, relativamente ás Bandeiras sueca, neerlandeza e belga, se fez da auctorisação conferida pela lei de 20 de Junho ultimo, fia a Camara do Governo de Vossa Magestade, que seriam igualmente attendidos os interesses nacionaes em harmonia com as disposições beneficas da citada lei.

É para a Camara muito satisfactoria a communicação, de que as Províncias Ultramarinas se conservam em estado de tranquillidade; e bem assim de que o Estabelecimento de Portuguezes vindos do Brasil, recentemente formado em Mossamedes, offerece as mais bem fundadas esperanças de prosperidade, cuja realisação a Camara ardentemente deseja.

Como Vossa Magestade, deplora a Camara profundamente os dois graves attentados que no Estabelecimento de Macáo se commetteram! Mitiga, comtudo, a sua pungente dôr a consideração e confiança de que o Governo de Vossa Magestade, usando do direito inquestionavel de Portugal, e fortissimamente apoiado na justiça da sua Causa, ha deter acudido com todas as providencias opportunas e necessarias, não só para assegurar a integridade daquelle Estabelecimento - a Soberania da Corôa de Vossa Magestade - e a dignidade e decoro da Nação Portugueza, que tambem para obter prompta e inteira reparação, segundo o Direito das Gentes.

A Camara examinará, com a devida consideração, o uso que o Governo de Vossa Magestade fez das differentes auctorisações, que pelo Poder Legislativo lhe foram concedidas - as operações que o Governo realisou para melhorar o credito e occorrer ás despezas publicas - e o Orçamento da Receita e Despeza do Estado, bem como as Propostas que lhe apresentar. Neste vasto e difficil exame, e na indispensavel e definitiva organisação da Fazenda Publica, a Camara apreciará, como lhe cumpre, a situação do Paiz; e de accôrdo com o Governo de Vossa Magestade adoptará, a bem da Nação, as providencias que exigir o conhecimento das necessidades publicas.

SENHORA: A Camara dos Deputados presta nesta occasião solemne ao Throno Constitucional e á Dynastia de Vossa Magestade, symbolo de gloria e illustração, e penhor da ordem e liberdade, a sincera e respeitosa homenagem de invariavel acatamento e fidelidade.

Sala da Commissão, 11 de Janeiro de 1850. - João Rebello da Costa Cabral (Presidente), Marcos, D. Prior de Guimarães, D. José de Lacerda, Joaquim José Pereira de Mello, José Marcellino de Sá Pargos, Antonio Corrêa Caldeira (Relator), João de Deos Antunes Pinto (Secretario).

Pedindo muitos Srs. Deputados a palavra, e alguns logo pela segunda vez, disse

O Sr. Corrêa Caldeira: - Peço a V. Exa. haja de notar que isto e um abuso; estão uns poucos de Srs. Deputados pedindo a palavra segunda vez, tirando assim aos Deputados da outra parte a possibilidade de fallarem: pedem a palavra segunda vez, sem saberem quem lhes ha de responder. Requeiro a V. Exa. que ninguem seja inscripto segunda vez sem ter fallado primeira. Fallem primeira vez, e depois tornem a pedir a palavra; mas assim não podo ser. Parece desejo de não querer que se lhes responda. O Sr. Pinheiro Furtado: - (Sobre a Ordem).

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Pela economia de tempo, e pelos precedentes de uns poucos de annos, vou mandar para a Mesa a seguinte

PROPOSTA. - "Proponho que na Proposta ao Discurso da Corôa haja sómente uma discussão na generalidade, sendo com tudo permittido aos Oradores, que tomarem parte no debate, a faculdade de descer ás especialidades." - Pinheiro Furtado.

Foi admittida, e logo approvada.

O Sr. Carlos Bento: - (Sobre a ordem). Uma reflexão feita pelo illustre Deputado o Sr. Corrêa Caldeira mereceu-me muito peso, porque importa uma cousa muito differente do meu sentido, e da minha vontade. Disse S. Exa. que o pedir-se a palavra segunda vez importa, não sei se disse o desejo, se a vontade de que os outros Senhores não possam responder: esta questão e bastante seria, e eu digo ao illustre Deputado que será a Maioria quem prohiba aos Deputados o poderem fallar, e não um ou dois Deputados da Opposição: não são aquelles que estão em minoria que podem tirar a palavra aos Srs. Deputados. Eu não pedi a palavra segunda vez por ter vontade que os outros Senhores me não respondam; pedia-a, porque esta e uma questão em que os Srs. Ministros tomam a palavra quando querem; e como para SS. Exas. não ha ordem possível, é preciso que estejamos preparados para lhes podermos responder no caso de sermos aggredidos por SS. Exas. (apoiados). Este foi o motivo que me levou a pedir a palavra pela segunda vez, e nunca o desejo de tirar a palavra nos Srs. Deputados; porque se assim fosse, era mostrar-me inimigo da discussão, e a discussão não tem amigo mais sincero do que eu.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra sobre a ordem, mas não fallou sobre a ordem: nem mesmo deu seguimento algum ao incidente que tocou o Sr. Corrêa Caldeira, porque não fez Proposta alguma em fórma de lhe dar andamento.

O Sr. Corrêa Caldeira: - (Sobre a ordem). Depois do que V. Exa. acaba de dizer, accrescentarei sómente que o illustre Deputado disse cousas inteiramente impertinentes.

O Sr. Cunha Sotto Maior: - O Sr. Deputado está fóra da ordem.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Corrêa Caldeira pedindo a palavra sobre a ordem, e declarando que estava prevenido pela Mesa no que tinha a dizer, não esteve fóra da ordem.

O Sr. Cunha Sotto Maior: - O Sr. Deputado fallou fóra da ordem.

Vozes da Direita: - Ordem, ordem.

Vozes da Esquerda: - Na Camara não ha privilegios.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tracta com privilegio qualquer Sr. Deputado, administra justiça a todos (apoiados), mas por isso mesmo que ella administra justiça, e o Sr. Deputado esteve fora da ordem, por esse motivo a Mesa disse ao Sr. Deputado que viesse á ordem.

O Sr. Carlos Bento: - (Sobre a ordem.) Sr. Presidente, lamento sinceramente que nós estejamos desta maneira preparados para tomarmos parte n'um debate tão serio como aquelle de que o Camara tem de se occupar: e lamento porque sou verdadeiro amigo do Systema Representativo, porque acredito que elle, apezar dos defeitos que o podem acompanhar em muitas occasiões, dá taes garantias, affiança taes direitos, que apezar destes defeitos, a liberdade, a ordem e a prosperidade de um Paiz, ganha sempre com este systema (apoiados.) Nestas circumstancias não serei eu que vá desde já contribuir, para que esta discussão tome logo ao principio um caracter que póde ser prejudicial a nós todos os Deputados desta Camara, seja qualquer que for o logar em que nos sentemos, seja qualquer que for a opinião que seguirmos; póde ser fatal para todos, porque somos parte da Representação Nacional, somos a Camara de Deputados, temos por consequencia graves obrigações a preencher. E pergunto eu, na occassão mais seria do desempenho destas obrigações, quando um Deputado, que lá fóra e Auctoridade, mas que dentro da Camara e um Deputado como outro qualquer, se levanta e faz reflexões que importam uma accusação a outro Deputado, de poder haver desejo de tolher a discussão, quando aliás usava de um direito pedindo a palavra pela segunda vez, por isso que V. Exa. no cumprimento dos seus deveres, não hesitou em inscrever-me; pergunto eu, não era do meu dever mostrar que da minha parte não havia a menor intenção, ou desejo de tolher a liberdade da discussão? (apoiados.) Eu pedindo a palavra pela segunda vez, não queria senão armar-me do direito de responder a razões, que é provavel e mesmo natural, sejam produzidas pelos nobres Ministros, os quaes podem entrar na discussão quando querem, por isso que para elles não ha ordem na inscripção (apoiados.) Por consequencia nesta occasião solemne em que todos devemos sacrificar os nossos caprichos, e as nossas paixões, mas nenhum dever e nenhum direito, (apoiados) eu peço perdão á Camara se acaso a offendi pedindo a palavra pela segunda vez, declarando que não foi minha intenção offende-la; e principio assim, porque estou disposto a não ceder nem uma pollegada de tudo aquillo que entender que e um dever meu nesta Camara (apoiados.) Portanto para que todos possamos entrar com seriedade num debate em que se tractarão questões importantes, que necessariamente devem produzir hostilidade de parte a parte, não me parece conveniente que comecemos desde já com animo hostil nesta polemica; e declaro que, parecendo-me ter sido eu o offendido neste incidente, não tive a menor intenção de offender alguem.

O Sr. Lopes de Lima: - (Sobre a ordem.) Requeiro que se passe immeditamente á Ordem do Dia (apoiados.)

O Sr. Presidente: - É isto o que se decidiu ha pouco, e o que está annunciado pela Mesa.

O Sr. Barão d'Ourem: - Sr. Presidente, senão estivesse em circumstancias muito especiaes na presente Sessão Legislativa, eu ter-me-ia limitado a ouvir em silencio a discussão do Projecto da Resposta ao Discurso da Corôa, dando depois o meu voto sobre a sua materia segundo a minha consciencia: mas tendo eu feito parte da Administração transacta, cujos actos e muito provavel que sejam avaliados na presente Sessão, entendi dever pedir a palavra, e dar a esta Camara e aos meus committentes uma explicação clara, de qual a linha inalteravel que pretendo seguir. Declaro alto e bom som que não sou da Opposição, e, qualquer que seja o gráo de confiança que mereça ao actual Gabinete, que não pretendo augmentar nem diminuir este gráo de confiança, pois não acho que isto faça objecto de grande monta nas

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minhas circumstancias como Deputado da Nação Portugueza. Declaro; que não pertenço á Opposição, porque honro-me de pertencer ao Partido Cartista, e porque julgo Cartista o actual Gabinete. Não alongarei o meu discurso para provar que me honro de pertencerão Partido Cartista; o Exercito Portuguez inteiro, e todos que me conhecem dirão, que entre o soldado do Campo do Chão da Feira, e de Torres Vedras, e o Partido Setembrista, não ha nada de commum, são entidades que mutuamente se repellem (apoiados.) Disse tambem que julgava Cartista o actual Gabinete, com, tudo devo declarar que poderei no desempenho dos meus deveres parlamentares, dissentir da opinião de um ou outro Ministro, sobre objectos de pura administração, ou mesmo sobre medidas que já tenham tomado, ou que de futuro venham apresentar; mas sobre as grandes questões políticas podem SS. Exas. contar com o meu, voto, e com o meu, ainda que fraco, apoio. Dizendo porem que me honro de pertencer ao Partido Cartista, e que tenho por Cartista o actual Gabinete, não se entenda por isso que julgo identificada a existencia do Partido Cartista, com a conservação, dos Ministros que actualmente se sentam naquellas cadeiras: antes tenho a convicção que o actual Presidente de Ministros, faria serviços muito mais relevantes ao seu Paiz, e á causa que defende, fóra do Poder, do que aquelles que já lhes poderá fazer na alta, mas mortificante, posição em que está collocado (apoiados.)

Todavia o que acabo de dizer é opinião minha pessoal, a qual póde, ser errada. Mas o que tenho por principio inconcusso é, que a vontade do Augusto Chefe do Estado, e as maiorias parlamentares, fazem e conservam os Ministros: e em taes circumstancias devo declarar, que não pertendo contrariar a vontade do primeiro, nem subverter as tendencias que as segundas por ventura possam ter: o meu fim é sómente mostrar que o Partido Cartista não morrerá, se um ou todos os illustres Cavalheiros que occupam aquellas cadeiras, saírem da sua actual posição. O Partido. Cartista é um Partido dos mantenedores da Lei Fundamental da Monarchia; e nestas circumstancias tem por seu Chefe natural o Augusto Chefe do Estado, e por seus Membros todos os homens amantes do Paiz, e da honra nacional: e por isso o Partido Cartista não póde deixar de ser muito numeroso: além de que está Nação briosa é fiel aos seus Reis e ás Instituições que a regem, e abandona os anarchistas e as suas doutrinas (apoiados.)

Portanto tendo dito qual a posição, que pertendo occupar nesta Camara, termino votando a favor do Projecto que está em discussão.

O Sr. Presidente: - Antes de continuar a dar a palavra aos Srs. Deputados inscriptos, permitta-me a Camara que lhe observe, que aqui não se fazem nem podem fazer allusões a Augustas Pessoas, que não podem ser chamadas á discussão, nem servir de auctoridade para ella, nem se devem tocar objectos impertinentes (apoiados).

Eu não faço nisto censura a algum Sr. Deputado, antes sinto nesta occasião ter de fazer esta advertencia. Agora tem a palavra o Sr. Assis de Carvalho.

O Sr. Assis de Carvalho: - Sr. Presidente, não tinha tenção de tomar parte na discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, tinha tenção unicamente de pedir a palavra sobre a ordem, e de mandar para a Mesa um Additamento, e se elle fosse rejeitado, de votar contra a Resposta ao Discurso da Corôa. Mas depois do que se passou a respeito das Propostas que mandei para a Mesa, e as quaes já se principiaram a discutir, julguei conveniente pedir a palavra logo no principio desta discussão, para que só não podesse dizer que eu não queria a discussão das minhas Propostas: mas visto que me resolvi a pedir a palavra na Resposta ao Discurso da Corôa, direi mais alguma cousa do que o que queria dizer na discussão das mesmas Propostas.

Sr. Presidente, parece-me que farei toda a diligencia para considerar debaixo de todas as relações de conveniencia publica esta discussão; esta diligencia é necessaria na presente occasião, porque fóra della era desnecessaria. Ha dois grandes vicios nas discussões políticas dos quaes me parece necessario fazer menção nesta occasião. Quando se discutem negocios de interesse publico, encarnam-se e coadunam-se logo em negocios de interesse pessoal, ou em discussões pessoaes; e quando se discutem pessoas, encarnam-se e coadunam-se logo em interesse publico: isto é o que se vê nesta Casa, e mesmo até fóra desta Casa. O que se passou na discussão das minhas Propostas para as Commissões d'Inquerito, mostra bem a verdade da primeira proposição: isto é, quando as minhas Propostas por sua essencia representavam interesses publicos, foram logo encarnadas em interesse pessoal; porque os que as impugnaram, cuidaram sómente de discutir pessoas em relação a conveniencias pessoaes. Observa-se a verdade da segunda proposição, quando se discutem pessoas, porque se coadunam logo em interesse publico, para salvar a discussão pessoal.

Eu, Sr. Presidente, evitarei caminhar por algum destes dois extremos, nem quando tractar dos interesses publicos heide encarnal-os em interesses pessoaes, nem quando tractar de interesses pessoaes heide encarnal-os em interesse publico.

Sr. Presidente, quando se disser, que o estado da Administração da Fazenda Publica e deploravel, quando se disser que o estado da Administração da Fazenda Publica e desgraçado, não póde deixar de se subentender que quem administra, anda mal; isto é claro. Pois a Fazenda Publica administra-se abstractamente? Já se vê por tanto, que se subentende a pezar de toda a cortezia com que possam ser expressas as palavras, que quem administra é que anda mal; isto é muito claro.

A maxima questão portugueza, é a questão da Fazenda Publica: a maxima questão, é a questão das finanças; sem organisar previamente as finanças, todas as questões são inuteis. Se nos queixarmos de que não temos instrucção publica conveniente, a primeira resposta que nos podem dar é, - que a dotação para a instrucção publica e muito pequena. - Se nos queixarmos de que não temos segurança publica, de que não temos segurança individual, de que não temos um exercito conveniente, uma armada conveniente, a resposta que nos dão e simples - é porque não ha meios. - Se se perguntar porque não desaggravamos a honra e independencia nacional nos desgraçados acontecimentos de Macáo, porque, não seguramos a independencia de Moçambique ameaçada pelos ultimos acontecimentos, a resposta e clara - é porque não temos um navio que,

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se se fôr a examinar, não esteja pôdre, e para se concertar precisa-se dinheiro. - Logo a maxima questão portugueza é sem duvida a questão das finanças; e é do primeiro dever desta Camara por todos os meios directos e indirectos tractar de restabelecer a Fazenda Publica ao seu verdadeiro estado, isto por todos os modos directos e indirectos.

Estamos, Sr. Presidente, na terceira Sessão desta Legislatura; temos instado com os Srs. Ministros para nos dar contas da sua gerencia; estas contas que são muito simplices, porque não são as de exercicio, não tem sido apresentadas: não será logo do nosso dever e obrigação ir directamente examinar estas contas, visto que os Governos anteriores não teem cuidado dellas, nem nos dizem o estado em que se acha a fiscalisação e contabilidade da Fazenda Publica?...

Se a Camara dos Deputados não quer degenerar da sua essencia, é preciso que o vá fazer directamente. Pois estamos na terceira Sessão Legislativa, tendo eu por tres vezes pedido as contas de gerencia ao Governo, e só o Governo as não der, não tem esta Camara o direito e obrigação de approvar um Requerimento em que se pede que esta Camara vá examinar o estado da administração da Fazenda, para sabermos porque não se dão as contas, e para regularmos essa administração? Parece-me que a Camara não póde sair airosamente desta discussão não querendo approvar os meus Requerimentos senão adiando-os, e parece-me que muito bem andaram os Srs. Deputados da maioria, porque recciando rejeitar a Commissão d'Inquerito que eu propuz, propuseram o adiamento desta questão para não ofenderem os princípios mais essenciaes do Governo Representativo.

Agora antes de entrar na materia especial, e em geral, seja-me permittido fazer algumas considerações a respeito das maiorias dos partidos.

Sr. Presidente, os partidos andam melhor, as maiorias andam dignamente, quando se entender que os chefes das maiorias dos partidos devem respeitar essas maiorias, que devem discutir com ellas, e que devem entender-se, e systematizar as relações de suas conveniencias debaixo de certos e determinados princípios para conservarem a sua respeitabilidade: os partidos políticos não devem organisar-se militarmente por maior que seja a confiança que tenham em seus directores. Andar um corpo collectivo atraz de um sim, e um não, de um seu director (e fallo em geral sem applicação) sem ao menos systematisar este sim e não, porque muitas vezes são até entre si contradictorios; sem que os seus directores considerem a respeitabilidade dos corpos a que presidem, para não degenerarem da sua essencia approvando ou reprovando princípios, que offendem ou constituem a sua propria natureza política, andar um corpo collectivo sem direcção e sem princípios, é um absurdo tal que ha de por certo trazer sempre a anniquilação desse corpo collectivo. Parece-me que um Ministerio, um chefe, um presidente de um corpo collectivo deve querer antes - que esse corpo collectivo, para conservar a dignidade do chefe e a sua propria essencia, lhe offereça resistencia discutindo e não obedecendo cegamente; deve querer purificar o partido pessoalmente, e deve com iodas as suas forças concorrer para conservar a moralidade política desse partido.

Eu, Sr. Presidente, sou affecto a estes corpos políticos, e a todos aquelles que se parecem com academias; sou muito amante da discussão: um dia de sabbatina na Universidade de Coimbra era para mim um dia de festa. Parece-me mais, que a maioria desta Camara e todos nós, alem de discutirmos, temos obrigação de dar conselhos uns aos outros. Se portanto a maioria desta Camara tem consideração pela sua respeitabilidade, como estou persuadido que tem, deve estabelecer as regras de conveniencia e relação entre os seus directores: a maioria deve querer que os chefes consultem as suas opiniões, e que seja chamada á discussão em todos os objectos de interesse publico. Não irei mais adiante, porque não quererei ir fóra de algumas formulas. Mas reduzindo estas observações geraes, digo que a camara ganha mais em permittir antes maior latitude á discussão, do que em a supprimir.

Passando á materia em que principiei a fallar, disse eu - que o estado da Fazenda Publica era deploravel; que a maxima questão portugueza era a organisação da Fazenda Publica, porque todas as questões políticas, sociaes e até domesticas dependem da organisação da Fazenda Publica: é necessario organisar a Fazenda Publica porque a moralidade de um povo depende da organisação da Fazenda Publica; porque a educação de uma geração depende da organisação da Fazenda Publica. Mas se o estado da Fazenda Publica é deploravel qual e a vossa obrigação? É melhora-lo e tornal-o feliz, e por isso direi que é preciso ter muita esperteza para não saber governar (algum susurro.) Sim, Senhores, para não saber governar; porque é necessario muita esperteza para que uma Nação (já o anno passado o disse) que tem em si elementos de prosperidade publica, para que uma Nação que tem nas suas Províncias Ultramarinas tantos thesouros de riqueza, esteja pelo Thezouro Publico tão miseravel. Eu já o anno passado disse nesta Casa que a propriedade rustica não paga 2 por cento dos seus lucros liquidos (apoiado); por isso torno a repetir que é preciso ter muita esperteza para não saber governar, para conservar esta falta de equilibrio entre o Thezouro Publico e a Nação Portugueza.

Mas quer V. Exca. saber em que estado deploravel se acha Já Fazenda Publica, que é uma das proposições que pertendo demonstrar!... Não recorrerei senão aos dados officiaes; não preciso tomar informações de origem impura - todas as minhas informações são tomadas no meu gabinete; fecho as portas e consulto todos os dados publicos officiaes e digo que não é necessario muita esperteza para tirar todas as consequencias naturaes desses factos. Para o que e preciso muita esperteza e para modificar e inverter as consequencias naturaes desses factos; mas basta um pouco de senso commum, para tirar todas as consequencias naturaes de quaesquer informações que um Deputado póde receber no seu gabinete. Quando eu quiz obter essas informações, principiei a tiral-as do Diario do Governo de Julho de 1849 a Dezembro de todas as peças officiaes assignadas pelo Sr. Ministro da Fazenda, de todas as peças officiaes assignadas pelo Tribunal do Thezouro Publico, e de todas as assignadas pelo Tribunal de Contas, onde se confessa o estado deploravel da nossa Fazenda Publica; mas ainda não tinha chegado ao mez de Setembro, já havia enchido duas folhas de papel, com

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a synopse desses documentos officiaes, e parei, porque não queria cançar a Camara, lendo-lhe quatro ou mais folhas de papel com a synopse dos documentos, onde em todos elles se confessava o estado deploravel da Fazenda Publica, porque comprehendia todas as Portarias e Decretos que o Sr. Ministro da Fazenda tem publicado desde Julho do anno passado, e em todos esses documentos apparece a confissão desse estado deploravel da Fazenda Publica; uns suspendendo e demittindo empregados, outros mandando-os metter em processo, outros creando commissões de exame e de administração, outros mandando observar regulamentos vigentes que não se observavam, outros dando nova fórma a esses regulamentos, etc.

Mas quer ainda V. Exca. saber qual é o estado deploravel da Fazenda Publica? É que n'uma Repartição consideravel onde entram de direitos para cima de 700 contos de réis, estava um recebedor desviando a somma de 11 contos de réis desses direitos! E que tal era o conceito que esse empregado fazia do estado da Fazenda Publica, e das contas que se lhe haviam de tomar que nem apenas tinha cuidado de não deixar nos livros os documentos da sua delapidação! Sr. Presidenta, os menos rectos e mais espertos costumam ter ordinariamente os seus livros organisados apparentemente, mas aqui a incurialidade chegou a tal ponto que o corpo de delicto estava nos seus livros e na perda de outros.

Quer V. Exca. saber mais como está a administração da Fazenda Publica? Observe a serie de Portarias do Tribunal do Thezouro Publico e Tribunal de Contas, dirigidas aos Governadores Civis, em todas as quaes por uma fórmula certa se queixam os mesmos Tribunaes da falta de cumprimento das suas ordens primeira, segunda, e até terceira vez, nas quaes se diz: "Não se tendo dado até hoje cumprimento á Portaria de tantos de tal, em que se mandava, etc. - pede-se por favor - que se remetia com toda a brevidade... N'outras dizia-se: "Achando-se por cumprir a Portaria de tantos de tal, que o Governador Civil de tal Districto deveria ter cumprido etc. - pede-se o favor de mandar outra vez intimar a parte... Ora este é o estado da Fazenda Publica por estas peças officiaes. Agora, Sr. Presidente, quer V. Exca. saber por outros documentos officiaes qual é o estado da Fazenda Publica? Por uma tabella official publicada pelo Thezouro Publico em 23 de Agosto de 1849 se verá que os documentos de cobrança não realisada até Junho de 1818 importavam em 3$900 contos de réis (O Sr. Ministro da Fazenda: - 3$700) e só ao Districto de Lisboa pertencem 1$200 contos de réis, e os mais em proporção tinham documentos de receita não realisada no dobro do valor do lançamento da decima de um anno. Quer V. Exca. saber qual o estado da Fazenda Publica por outro documento official já apresentado á Camara este anno pelo Sr. Ministro da Fazenda, é o seguinte - no Orçamento apresentado por S. Exca. se diz que o deficit real e effectivo é de 700 e tantos contos de réis, e já na discussão do Orçamento do anno passado, eu disse que deveria ser pouco mais ou menos o mesmo. Já na discussão do anno passado mostrei que se a Fazenda Publica fosse bem administrado, não era necessario o Sr. Ministro ser auctorisado a levantar 1:500 contos de réis.

Mas considerando mesmo que a receita não é senão, termo medio, o que o Sr. Ministro diz, que recebeu effectivamente, attenda a Camara a que para haver o déficit de 700 contos de réis entram na despeza 500 contos para as classes inactivas que quasi nunca se pagam senão pela quarta parte o maximo; que 200 contos para estradas são nominaes; que nos differentes Ministerios ha augmento de despezas que o não eram no Orçamento anterior; e que a receita muito longe de diminuir tem augmentado de facto. Postas estas considerações que ainda podiam ser aperfeiçoadas com mais algumas verbas de despeza que não se pagam por inteiro, e com algumas de receita que produziram mais que a quantia designada na lei de Meios, perguntarei ao Sr. Ministro da Fazenda, o que fez S. Exa. a um terço de 4:000 contos, que recebeu das receitas que lhe foram votadas? Pela conta seguinte pagou por inteiro um anno os juros de divida fundada na quantia de 2.739:750$000; pagou tambem por inteiro prets, massas do Exercito, e Guarda Municipal, operarios a estabelecimentos de beneficencia e mais alguma verba miuda, o que tudo não excede a 3$200 contos, que com 2.739:750$000 de juros somma 5.939:750$000 réis, e sendo a receita real e effectiva como o Sr. Ministro confessa 10.260:000$000 restam 4.320:250$000 réis, com os quaes não pagou senão dois terços da despeza, ou por outras palavras, pagou somente dois terços desses 4.320:250$000; e tenho eu razão para perguntar em que estado está a Fazenda Publica, que se não póde conhecer que applicação tiveram 1.440:008$333 réis.

Se por tanto tudo isto é assim, é tambem muito moral e muito filosófico que esta Camara tendo feito todas as diligencias para que os Srs. Ministros das differentes Repartições venham dar coutas a esta Camara do que recebem e do que pagam, e não para que apresentem as contas de exercício que tambem deviam apresentar, mas que por boas razões teem deixado de o fazer; e não tendo até hoje vindo estas contas, é muito moral é muito filosófico, digo, que nós uzemos de todos os meios possíveis directos e indiretos que estão ao nosso alcance, para tomar conhecimento deste estado da Fazenda Publica.

Sr. Presidente, ha um circulo vicioso em política - os Governos dizem ordinariamente - nós não podemos fazer tudo, vós povos fazei tambem alguma cousa para a prosperidade publica - e esta Camara que é a Representante do Povo a quem o Governo por formulas geraes recommenda que faça alguma cousa, e a quem pela lei política pertence fazer muito, nem segue o conselho dos Governos, nem as prescripções da lei; e quando algum Deputado lhe lembra os deveres que tem a cumprir, abdica os seus direitos, e entrega tudo ao Governo indeterminada e indiscretamente: este é o circulo vicioso de que precisamos sair; eu quero estabelecidas as relações convenientes de respeitabilidade entre a Camara e o Ministerio, para que ambos façam alguma cousa: por deixarem de existir todas as relações de respeitabilidade de parte a parte, o que se segue é, que nem o Ministerio nem a Camara farão cousa alguma, ou o que se fizer, se fará menos convenientemente. Quando eu apresentei os meus Requerimentos, para a nomeação das Commissões d'Inquerito, tive em vista este fim, porque entendi, e entendo, que a acção desta Camara é independente de toda a acção que o Governo póde ter na fiscalização administrativa:

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eu já disse alguma cousa a respeito deste objecto em uma das Sessões passadas, já disse, que a fiscalisação se faz por tres modos, judicialmente pelo Tribunal de Contas, administrativamente pelo Governo, e parlamentarmente pela Camara dos Deputados; o exercício destas tres especies de fiscalização póde verificar-se independentemente um do outro.

Tambem devo notar á Camara, que a discussão dos meus Requerimentos, ou Propostas, não importa a discussão dos actos do Governo, das medidas que tomou, e das nomeações que fez; nem a discussão da pessoa do guarda mór d'alfandega do Porto ou de Lisboa, nem dos guardas barreiras que era melhor escolher; não era a discussão da commissão inspectora das Sete Casas, e nem se tal ou tal pessoa deve ficar ou ser demittida; a questão é toda de principios aos quaes esta Camara não póde nem deve renunciar, a questão ora para saber se a Camara tem direito de nomear commissões d'Inquerito, e se a época e hypotheses para que se pediam, exigiam essa nomeação e esse exame: é certo que nem a Camara ha de negar que tem direito de nomear essas Commissões, nem a Camara ha de negar que a época e hypotheses exigem essa nomeação e exame; pois se estão a apparecer por toda a parte aonde se faz o mais pequeno exame, provas do desvio e subtracção da Fazenda Publica; se o estado da sua administração e tão deploravel como o descrevi na primeira parte do meu discurso; se a maxima questão social e economica é a organisação da Fazenda, não tem a Camara direito de nomear essas Commissões? Não terá mesmo rigorosa obrigação de o fazer? Esse exame não é para ir investigar factos conhecidos, que dizem respeito á alfandega das Sete Casas, á do Porto, e ao fundo especial de amortisação, e que podem ter relação com outros desconhecidos? A Camara considerando na sua dignidade e respeitabilidade póde dizer - não se proceda a esses exames?... O exame que eu peço, não é para ir examinar ai contas do Empregado A, ou do Empregado B, é para ir examinar o estado da administração em pontos geraes; não é para ir demittir, nem nomear pessoa alguma; e tudo o que os Srs. Deputados disseram, sobre as minhas propostas, prova a minha doutrina; é para conhecer se o estado é máo, e porque: se o Governo entende que o estado dessas casas fiscaes é máo, vá a Camara ver, pelo meio que eu proponho, o que o Governo fez, e se o que elle fez, é máo tambem: esse é que é o exame, era ir examinar o estado em que se acham estas grandes casas fiscaes, estas grandes casas de receita publica; se este grande fundo na importancia de 6:000 contos de divida nacional que ha de pagar-se, está completa e competentemente fiscalisado: parece-me que não era possível sair airosamente deste exame senão adiando a discussão dos meus Requerimentos ou Propostas.

Mas vamos ao estado dessa casa fiscal, a do Porto, e guiar-me-hei por informações de origem pura, além das informações officiaes, e além das confidenciaes que não estou auctorisado para dizer nesta Casa, e de que não farei uso. Sr. Presidente, é constante, que a maior parte dos generos e mercadorias de Nações estrangeiras, no Porto se vendem por preços mais baratos do que se vendem em Lisboa; eu já ouvi considerar o Porto como a Gibraltar Portuguesa; este é o facto, e ninguem mo pode explicar de outro modo a não ser porque essas fazendas importadas pagam menos direitos, ou não pagaram alguns: acceito qualquer explicação, porque a cidade do Porto, em todos os respeitos, não é mais commoda, nem mais barata que a cidade de Lisboa.

Mas, Sr. Presidente, passo á especie que foi apresentada, á especie - vinho - cuja explicação me não satisfez pulas razões que vou dar. No tempo que a Companhia dos Vinhos do Alto Douro tinha o exclusivo, despachava-se para consumo, e não para exportação, 18$000 pipas, termo medio, além de 4$000 pipas, tambem termo medio, que eram admittidas para consumo dos lavradores e proprietarios que não pagaram direitos, concedia-se-lhes a entrada de certa porção de vinhos que podiam servir para seu consumo particular; se juntarmos pois esta somma das 4$000 pipas á das 18$000 que eram para consumo de que se pagavam direitos, acharemos que o consumo regular então era de 22$000 pipas de vinho. Ora consulte-se o Orçamento apresentado este anno, e ver-se-ha quanto é o consumo agora; pela conta da receita respectiva ao consumo dos vinhos no Porto, vê-se que o direito do vinho consumido dá a receita animal de 86:000$000 réis que divididos por 6$300 réis que tanto paga de direito cada pipa, mostra que consomem 13$650 pipas que comparadas com 22$ que já se consumiram, e que se devem consumir por que o Porto não tem decahido nem em população nem em riqueza, dá uma differença contra a Fazenda de 58:450$000 réis, que tanto importam os direitos de 8$350 pipas que entram sem pagar direitos, considerando os direitos accessorios a 6$300 que fazem a somma de 7$000 por cada pipa. Mas disse-se aqui, e dizem-no os Jornaes do Porto - que ultimamente se em consumido, nos tres ultimos meses mais 3$000 pipas de vinho, e, a este respeito, ouvi uma explicação que não pude bem attender. Parece-me que os Senhores que deram uma explicação, se bem comprehendi, confundiram o vinho que paga direitos de consumo, com o vinho que paga direitos de exportação; a exportação tem realmente augmentado, e os lavradores do Douro já não pedem providencias á Camara, querem antes que os deixem negociar como até aqui debaixo dos termos das leis vigentes. Mas o mal é ainda maior considerado debaixo de outro ponto de vista; não e só o prejuizo que resulta para a Fazenda Publica deste estado de cousas; mas e o grande mal que vem para o commercio dos vinhos: por não poder o negociante de boa fé, que paga direitos, competir com o que os não paga, resulta que não só o negociante de boa fé não póde competir no mercado com o de má fé, mas tambem que o negociante de boa fé se vê tentado a ser negociante de má fé, e não pagar os respectivos direitos. Já se vê pois quanto são funestas as consequencias que daqui podem resultar, considerada a cousa debaixo do ponto de vista commercial; e neste caso, pergunto eu, se a Camara quer consentir este estado? Se o Governo nos não disse até agora se tem dado providencias para remediar este mal, senão apresentou ainda os seus Relatorios, se das medidas por elle tornadas não teem vindo todos os bens que se esperavam, qual é pois a posição da Camara? É a de tomar o seu logar, é a de não querer ver destruída a dignidade portugueza, a nossa independencia, e a nossa subsistencia, porque tudo isto está dependente da organisação da Fazenda Publica,

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se a isto senão attender, não caminharemos somente para a escravidão economica, mas tambem para a escravidão nacional. Portanto parece-me que, debaixo destas considerações, a primeira cousa, antes da Resposta ao Discurso do Throno de cuja discussão a Nação nada espera, a Camara devia ser prestes em proceder a este exame para organisar as Finanças.

Mas passemos a discussão da outra hypothese para que eu tambem peço a Commissão de Inquerito: refiro-me ao Fundo Especial de Amortisação.

Sr. Presidente, na Sessão passada pedi eu muito ao Governo que vigiasse efficazmente sobre a legalidade dos Titulos que se passaram sobre o Fundo Especial de Amortisação; não era porque eu duvidasse da integridade, pureza e probidade não só dos directores nomeados pelo Governo, como de todos os mais, senão porque eu entendia que, estando as cousas reguladas tão inconvenientemente, esses directores podiam facilmente ser illudidos em objecto tão importante como era legalizar uma divida nacional, pela qual já estavam passados titulos de credito na importancia do perto de 6.000:000$000 réis: o Sr. Ministro da Fazenda nesse tempo deu a seguinte resposta: - Que os titulos todos eram passados legalmente, que era impossível haver fraude, que na probidade dos directores por parte do Governo, e dos que havia por parte do Banco de Portugal, estava a principal garantia da legalidade dos seus actos; mas ao mesmo tempo observa-se, que por parte do Governo só havia um só director ao tempo que existiam os tres por parte do Banco; sabe-se muito bem o choque de interesses que existia neste objecto, e sem querer lançar censura alguma, é claro que a parte que dizia respeito aos interesses do Banco de Portugal, ficaria sempre de melhor condição do que a parte que dizia respeito aos interesses do Governo e da Nação, porque estes interesses eram representados por um só director aliás de summa probidade e inteireza (todos conhecem o Sr. Luiz José Ribeiro, e eu estimo muito ter occasião de dar testimunho da sua probidade), quando os interesses do Banco eram representados por tres directores.

Aconteceu que pela simplicidade com que este processo se faz, e pela facilidade que havia em defraudar a Fazenda, um Empregado no Ministerio da Fazenda tinha passado sobre o Fundo Especial de Amortisação illegalmente 60 contos de Tilulos, e isto com a mesma facilidade com que se passariam 60 contos de Letras sobre uma Casa Commercial. Dizia-se - sobre o Fundo Especial de Amortisação a pessoa A e credora da quantia de tanto, por documentos que deixou neste Ministerio; - e os documentos não existiam. De maneira, que a fiscalisação estava tão abandonada, e o meio de falsificar era tão simples, que um Empregado Publico sacava Letras sobre o Fundo Especial de Amortisação! Dizia - o Fundo Especial de Amortisação deve por este Titulo a quantia de tanto, cujos documentos ficam em meu poder! - Ora não direi no estado lastimoso em que se acha a Nação Portugueza; mas no estado de falta de pagamentos em que se teem constituído os Empregados Publicos, queriam os Governos que um Empregado que passava Letras sobre o Fundo Especial de Amortisação, que as podia descontar no mercado, tendo a certeza de que ninguem lhe tomava contas do que fazia; devendo passar Letras na importancia de 100 contos, deixasse de as passar no valor de 200? Admiro eu até, Sr. Presidente, como esse Empregado resolvendo-se a distrair 60 contos, não fez maior falsificação. Se por tanto isto era tão facil, se o modo de augmentar a divida sobre o Fundo Especial de Amortisação dependia da vontade de um individuo; se isto se conheceu pelo Ministerio da Fazenda, se o Sr. Ministro da Fazenda officiou a todos os Ministerios dizendo-lhes: como isto se fez pelo Ministerio da Fazenda, e conhece-se a facilidade com que se podia fazer pelos outros Ministerios, peço aos Srs. Ministros examinem, se com a mesma facilidade se fez por lá alguma cousa. Os Srs. Ministros mandaram naturalmente proceder a esse exame, mas nem a Camara, nem o Publico sabe ainda o resultado; e neste estado não temos nós obrigação de proceder a elle? Se os Srs. Ministros não responderam ao Sr. Ministro da Fazenda - Se sim ou não se passaram por lá Titlulos illegaes sobre o Fundo de Amortisação - havemos de estar com os braços cruzados, e não havemos de saber se com a mesma facilidade, pelo menos se distrahiu em cada Ministerio 60 contos? Não digo do facto, mas da possibilidade. Isto é pelo que respeita ao Fundo Especial de Amortisação.

Agora direi pelo que diz respeito ás Sete Casas, Sr. Presidente, que e uma caverna sem dizer de que, é um abysmo cuja profundidade e sinuosidades é necessario examinar: isso principia Sr. Presidente por contas anteriores a 1833; isso principia por um celebre Livro de Restos donde devia constar muita cousa contra muitos a favor da Fazenda, o qual não apparece; isso principia por se venderem logo os armarios porque eram de vinhatico; por desapparecerem muitos livros de contas anteriores a 1833; por se venderem os objectos pertencentes a uma Capella. E sem receber informações impuras se tem visto das Partes Officiaes do Sr. Ministro da Fazenda, onde regular e periodicamente nos diz que todos os mezes se desviavam, termo medio, 2, 3, 4 contos, o mais pequeno foi o ultimo de 700 e tantos mil réis, o que por este calculo vem a dar uma somma de desvios para a Fazenda Publica, para cima de 200 contos!

Eu tenho sympathia pelo Sr. Ministro da Fazenda, não direi amizade, porque essa amizade suppõe reciprocidade, e não sei se o Sr. Ministro da Fazenda quer ser meu amigo (riso); mas tenho sympathia por S. Exa. por ser franco; é uma qualidade de espirito por mim infinitamente apreciada (O Sr. Cunha Sotto Maior: - As vezes tambem engana): e o que estou observando não se deve considerar como censura a S. Exa., porque muito bom serviço tem feito á Nação nestes exames; mas fallando com a minha franqueza habitual, perguntarei ao Sr. Ministro - se era possível que um Empregado cujo modo de proceder menos recto tinha decorrido desde 34 até 49, com a facilidade de se lhe conhecer essa menos rectidão pela simples inspecção diaria de dois Livros, que, como mandam os Regulamentos da Casa, eram obrigados a fazer Empregados Superiores; digo se era possível que isto se fizesse sem que o Empregado fosse interessado com mais alguem? E nem pela imaginação me passa o nome de pessoa alguma que entrasse neste negocio; mas digo se é possível que isto se faça desde 34 até 49, havendo dois Livros que combinados diariamente como o Regulamento mandava, mostravam o menor defeito do Empregado; se era possível que isto se fizesse sem que o Empre-

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gado confiasse em que ninguem iria vêr esses Livros? Pois estas são as consequencias naturaes, Sr. Presidente, são as consequencias naturaes dos factos officiaes que se nos apresentam. Diz-se - é preciso ter muita esperteza para tirar estas consequencias. - Basta ter senso commum, fechar-se no seu Gabinete, e vêr os Diarios do Governo para ou rir, ou chorar sobre elles.

Pois este é o estado, Sr. Presidente, em que se achavam estes tres principaes Estabelecimentos das rendas do Estado, sobre os quaes não tem os Governos até agora dado as providencias, principiando o Governo actual a dar algumas, que ainda que muito proveitosas, e que mostram o zêlo do Sr. Ministro, não me parecem sufficientes; e ainda quando me parecessem, não queria abdicar o direito e obrigação que tenho como Deputado de chamar a attenção da camara sobre esses erros, porque entendo eu, disse-o ao Sr. Ministro da Fazenda quando fallei nesta discussão, que a arção do Governo é mansa, e o Sr. Ministro disse-me que não; pois a mansidão, Sr. Presidente... (Eu não quererei fazer no meio das minhas insistencias perjuizo a alguem): está provada na resposta que S. Exa. deu, porque com a sua franqueza habitual veiu logo dar armas aos seus contrarios pela sua argumentação, porque veiu descrever horrivelmente documentos a que chamou torpissimos, que passavam da mão do chefe da Mesa A ao da B, que tambem os auctorisou torpissirmamente, e que passavam da Mesa B para a Mesa C, que tambem os deixou passar torpissimamente, e que da Mesa C passavam para o Fiel dos Armazena que tambem lhes deu sahida torpissimamente, e todos estes homens torpes, como se deprehende das palavras de S. Exa. e não quero fazer desgraçada a sua sorte, todos estes homens a quem S. Exa. chamou torpes, quero dizer, que procediam torpissimamente, todos estes homens conservam ainda os seus logares, supponho eu! E não será isto ser manso? E eu não quero que elles sejam demittidos, Sr. Presidente, porque não sei ainda se foram torpissimos, acredito nas palavras do Sr. Ministro da Fazenda, mas apezar de toda a minha inclinação para não fazer mal, Sr. Presidente, eu não deixava no mesmo logar um indivíduo que tivesse deixado passar um documento torpissimo, e fizesse obra por elle.

Passando a tractar de outra materia em que não tinha tenção de fallar, como não sei se me chegará a palavra pela segunda vez, para não me vêr comprimido na minha elasticidade de espirito, e preciso dizer alguma cousa.

Sr. Presidente, o methodo que seguirei na discussão da Resposta ao Discurso da Corôa, será o exame da Administração passada; não tomarei por thema a discussão de pessoas, nem a discussão de factos pequenos no meu modo de entender; vou examinar os actos da Administração, vou descobrir cousas, e parece-me que é um methodo mais filosófico, e mais proveitoso para uma discussão de Resposta ao Discurso da Corôa, que muitas vezes é um simples cumprimento. Já se vê que para que isto fosse lógico deveria proceder a apresentação dos Relatorios dos Srs. Ministros a esta Camara; mas a apresentação dos Relatorios consta de duas partes, é uma synopse dos factos praticados e a razão delles, e uma outra dos Projectos de Lei que tem a apresentar a esta Camara, o a razão delles; por outras palavras é a historia do que fizeram e do que tom tenção de fazer. Como eu não sei quaes são as intenções dos Srs. Ministros no que teem de fazer, porque os seus Relatorios não foram ainda presentes, tractarei daquillo que teem feito ou deixado de fazer; e já se vê que não venho aqui ler de omni re scibili; mas tocarei per summa capita alguns capitulos geraes da Administração, e principiarei pelo Ministerio do Reino, porque o da Fazenda está quasi discutido.

O Ministerio do Reino, Sr. Presidente, é um complexo de Repartições tão importantes ao estado social, que se a Nação Portuguesa não fôra tão pequena, eu proporia que para algumas das suas Repartições houvesse Ministros especiaes; mas como a Nação Portugueza é comprehensivel, é muito limitada, entendo que não ha necessidade para o Ministerio do Reino de mais de um Ministro. Mas perguntarei ao Sr. Ministro do Reino actual, como perguntei aos seus antecessores, porque eu nunca mudo de posição pelas mudanças Ministeriaes; não posso quasi nunca ser Ministerial, porque não tenho geito para andar arregimentado: se me der licença qualquer partido para discutir com elle, póde ser que viva com elle, se os seus princípios forem conservadores e em algum sentido retrógrados, e eu já aqui o disse na Sessão passada: não porque queira ser retrogrado, mas entendo que muitas vezes andar para traz, e andar muito velozmente para diante; a questão é só de nome, conforme a comprehensão do espirito de cada um.

Perguntarei pois ao Sr. Ministro do Reino o que tem feito a respeito da Instrucção Publica; a respeito da Agricultura; a respeito da Segurança Publica? O que tem feito a respeito de Estradas e Obras Publicas, isso escuso de lhe perguntar; o que tem feito a respeito de Estabelecimentos de Beneficencia, etc.? Perguntarei especialmente ao Sr. Ministro do Reino, o que tem feito a respeito de Instrucção Publica? Qual e a razão da demora na approvação de uns Regulamentos especiaes que o Conselho Superior de Instrucção Publica remetteu para o Ministerio do Reino, e que não tiveram resolução? Se o Sr. Ministro entende que elles não são bons, resolve nesse sentido, e manda fazer outros; mas se algum que existe no Ministerio do Reino é sufficiente ou bom, parece-me que é desleixo, e pecca por ommissão em não o approvar, porque muito concorrem os Regulamentos para regular a Instrucção Publica. Mas pergunto mais ao Sr. Ministro do Reino, cuja attenção tem sido desgraçadamente distrahida destes negocios publicos por questões miseraveis; pergunto, se já considerou em dois pontos principaes pelo que diz respeito á Instrucção Publica, que vem a ser, na melhor distribuição dos differentes ramos de Instrucção Publica actuaes, e na occasião daquelles que faltam? Porque o Sr. Ministro do Reino, Litterato como è, deve ter visto que temos em Portugal tres Escolas de Medicina; que temos tres Conselhos de Saude, um Militar, outro Maritimo, e outro Civil, e que não temos uma aula de Agricultura, que não temos um Conselho de Agricultura, que não temos uma aula de Theologia senão na Universidade de Coimbra; que não temos Seminarios, que não temos aquellas aulas que hoje fazem a prosperidade das Nações industriaes, que são as aulas de Instrucção e Estudos Superiores applicados ás Artes e á Industria; que não temos aulas de Chimica applicada ás Artes,

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que não temos aula de Geometria, de Mechanica e de Fisica applicada ás Artes, nem uma só aula de Engenharia civil, etc.; que não temos nenhuma destas Escolas, quando e certo que por toda a parte as Camaras e os Povos estão mostrando tendencia para se instruirem e aperfeiçoarem.

Perguntarei ainda ao Sr. Ministro, se a respeito de Instrucção Publica já considerou que o numero das aulas de Instrucção Primaria que deve existir por lei, são sufficientes para a Instrucção do Povo, e se já mesmo considerou em mandar provêr as aulas de Instrucção Primaria que por lei estão creadas, das quaes talvez um terço esteja por provêr.

Sr. Presidente, a cidade de Faro, aonde nasci, não tem uma aula de Instrucção Primaria ha dois annos, porque o Professor foi suspenso por opiniões políticas, e ainda o Governo não resolveu se ha de ser este Professor que ha de ensinar, ou se ha de ser outro em logar delle. Já houve consulta da Junta Geral do Districto de Faro em 1849, pedindo que o Governo resolvesse isto, porque falta este Professor de Instrucção Primaria na Cidade de Faro. Pelo que respeita á Agricultura, perguntarei ao Sr. Ministro do Reino, se S. Exa. estará já habilitado para dar a sua opinião sobre um Projecto de Lei que apresentei a Sessão passada, approvado pela Commissão de Instrucção Publica, que está em termos de vir á discussão? Porque póde ser que S. Exa. não tenha tido tempo ainda de o vêr, e eu desejava que quando viesse á discussão, não houvesse algum adiamento, dizendo o Sr. Ministro que ainda o não tinha podido examinar; porque eu desejo por esse Projecto de Lei fazer da Escola Veterinaria uma Escola de Agricultura e Medicina Veterinaria, mesmo para que S. Exa. tenha nesta Escola um Conselho de Agricultura; porque o Sr. Ministro na Secretaria do Reino não tem uma pessoa a quem consulte sobre estes negocios, e manda tudo para o Procurador da Corôa, e Procurador da Fazenda, que é a marcha. Mas a respeito do Procurador da Corôa, e do Procurador da Fazenda; (e isto é relativo a todos os Ministros) perguntarei a todos os Srs. Ministros, se já consideraram que accumulados todos os negocios, ainda os de minima importancia, no Procurador da Corôa, ou da Fazenda, se entendem que o serviço publico póde andar regularmente? Sr. Presidente, tirar hoje do Procurador da Corôa, ou da Fazenda, uma resposta sobre qualquer objecto que lhe tenha sido enviado para informar, é uma campanha, é uma victoria; e é da natureza da cousa, porque o Procurador Geral da Corôa, e da Fazenda manda-se ouvir até para a approvação de uns Estatutos de uma Irmandade de Santo Antonio!... Ou para examinar algum negocio que muitas vezes não vale para a Fazenda 800 réis (riso e apoiados.) Pois não e mais natural que o Procurador da Corôa, e Procurador da Fazenda sejam ouvidos sómente em objectos importantes? Pois não ha tantos Bachareis nessas Secretarias. (O Sr. Presidente da Conselho: - Não ha.) O Orador: - Eu acho-os em quasi todas.... Pois não e menos inconveniente, que havendo esses Bachareis, respondam elles sobre estes objectos? Isto traz duas conveniencias comsigo; a primeira é a brevidade da resposta, e a segunda e o poder ser mais conveniente e legal, porque não entendo que os Procuradores da Corôa, e Fazenda sejam omniscientes. Um Bacharel póde responder sobre objectos de Instrucção Publica especialmente, quando estudarem sobre Instrucção Publica especialmente, porque estudou sobre Instrucção Publica; outro que estudou sobre objectos de Marinha, póde responder sobre esse ponto, sendo consultado; mais conveniente e exactamente o que estudou sobre objectos de Fazenda, o mesmo, etc. E tudo isto sem mais gravame para a Fazenda Publica, porque os ha nas Secretarias de Estado? E se os não ha, criem-se, porque é isso um bem para o serviço publico.

Passarei a outro ponto: ao de Segurança Publica. Que se nos apresenta por outro lado? Sr. Presidente, a condição dos Povos e tal, que elles mesmos estão ensinando o que se deve fazer. Não ha Instrucção, não ha Seminarios, mas o Patriarcha cria aulas de Instrucção Ecclesiastica, e as Camaras aulas de Instrucção Primaria. Não ha Segurança Publica, mas os Povos quando apprehendem algum réo de crime maior, assassinam-o, fazem justiça por suas mãos; o que e um gravissimo mal, mas o que isto mostra, é a tendencia dos Povos em quererem que se punam os crimes. Sr. Presidente, o estado de Segurança Publica tem chegado a ponto, que e preciso que cada um de nós se estabeleça em um estado de sitio, para não levar algum empurrão no meio da rua. Por isso é que eu digo que é necessario sairmos deste estado selvagem; porque todos os dias é preciso andarmos em estado de barricadas (riso.)

É forçoso dizer, neste sentido não se respeitam as leis: nas Províncias cada um que tem alguma cousa e preciso estudar o methodo de se defender da aggressão; porque se o não fizer, ou não tiver em casa uma multidão de famulos que seja superior aos aggressores, o indivíduo e victima. Isto é pelo que pertence ao estado de Segurança Publica; agora pelo que diz respeito á Administração Civil, pergunto eu a S. Exa. o Sr. Ministro do Reino, se entende que estamos bem, e não precisa usar da auctorisação que tem ha annos para reformar a Administração Civil? Se S. Exa. entende que os 17 Governos Civis devem continuar a existir? Se entende que a divisão dos Concelhos está bem feita, e que o numero dos fogos seja inferior a 2:000? Se entende que não devem haver habilitações para os Governadores Civis? Porque alguns teem havido, que não sabem nem quantas legoas quadradas tem o seu Districto, nem que producções se lançaram á terra, nem quanto renderam depois de produzirem.

Entende S. Exa. que deve haver Governadores Civis que não deem cumprimento ás ordens sobre negocios de Saude Publica, e pouca attenção aos de Instrucção Publica? Parece-me que não deve entender assim: eu estou persuadido que o Sr. Ministro tem vontade de proceder nesta reforma, mas quando e Ha não seja feita com rapidez, traz ordinariamente uma somma de embaraços taes, como aquelles dos quaes S. Exa. senão póde desprender: entendo que para esta reforma ser bem feita, é necessario ter valor, e é tambem necessario que ella seja feita com rapidez: depois de feita venham então as representações.

Entendo, Sr. Presidente, que os melhoramentos materiaes que andam inherentes a quasi todas as Repartições do Ministerio do Reino, não devem merecer a attenção do Sr. Ministro só aqui em Lisboa, mas as deve considerar e applicar a todos os Districtos (apoiados.) Realmente a tendencia dos Povos e para se aperfeiçoarem: as Camaras Municipaes es-

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tão todas com vontade de terem uma illuminação que se assemelhe quanto puder ser á de Lisboa....

O Sr. Cunha Sotto Maior: - Illuminação a gaz? (riso.)

O Orador: - A gaz, não; quando se diz - illuminação de Lisboa - ainda se não entende illuminação a gaz; por ora está em estado de transição (riso); não sei se a somma dos candieiros a gaz e superior á somma dos candieiros de azeite. O facto é que o Sr. Ministro do Reino tem tido differentes representações de Camaras Municipaes em que lhe pedem os candieiros que foram substituídos pelos candieiros a gaz, e dos quaes a Camara Municipal de Lisboa póde hoje dispor. Eu apresentei a S. Exa. uma representação da Camara Municipal de Lagos em que pedia 30 candieiros, e não obstante a Camara de Lisboa ter informado a favor, o Sr. Ministro ainda não resolveu cousa alguma. Deixarei pois o Ministerio do Reino em paz, e passarei para o Ministerio da Justiça.

Sr. Presidente, eu louvo e approvo muito a rectidão com que o Sr. Ministro das Justiças procedeu nas nomeações das pessoas para differentes cargos respectivos ao seu Ministerio: consolou-me a reparação que fez de uma injustiça feita a um Parodio do Alemtejo. Tambem fiquei satisfeito vendo o modo como S. Exa. procedeu a respeito do logar de Guarda Mór da Relação de Lisboa. As nomeações que o Sr. Ministro tem feito, tem o cunho de rectidão e acerto; mas perguntarei eu, o que tem S. Exa. feito de proveitoso para a Igreja Lusitana? Perguntarei, se já passou pela idéa de S. Exa. o estado religioso do Povo Portuguez? Eu dou muita importancia a isto, embora me chamem fanatico: entendo que e muito util para a sociedade, a conservação e o respeito aos costumes religiosos (apoiados.) O Governo Inglez não se envergonhou de formar conselho presidido pela Rainha, para redigir uma oração para dar graças a Deos pelo desapparecimento da cholera, e outra para que a cholera cessasse.

A Nação Ingleza tão fanatica pelos interesses commerciaes, não pôde ainda fazer com que os Empregados do Correio funccionem nos Domingos; o Paquete Inglez n'um Domingo não sáe, e a Repartição do Correio não se abre: na alta sociedade Ingleza é delicado não fallar nos Domingos em divertimentos publicos: isto que á primeira vista parece insignificante, tem aliás muita importancia comparado com o nosso estado brutal; parece-me que ha povo que ha uma somma de annos não vê um Parocho diante de si..... N'um facto de mínima importancia que vou citar á Camara, se vê a tendencia do Governo a este respeito, O Administrador da Imprensa Nacional tem mostrado a differentes Governos o interesse que para aquelle Estabelecimento resultaria da impressão de Missaes; tem typos e vinhetas muito ricas para esta impressão; n'uma palavra tem tudo combinado e preparado, e só espera ordem de qualquer Governo que mande imprimir estes Missaes; havendo até já boas encommendas do Brasil. E sabe V. Exa. a resposta que o Administrador da Imprensa tem recebido dos differentes Ministerios? É a seguinte - "Ora Missaes!" - pois saiba V. Exa. que abstrahindo mesmo da palavra - Missaes - são livros que produzem bom interesse para a Imprensa Nacional.

Sr. Presidente, o Povo Portuguez sempre foi essencialmente religioso, tem uma tendencia ainda para se restabelecer neste estado, e é preciso uma inteira compressão dos Governos todos para o não deixar restabelecer, estou persuadido até que se o deixassem entregue a si mesmo, já tinha Seminarios, Igrejas, e outros Monumentos do Culto Divino, teria tido o cuidado até de conservar aquelles que são Monumentos historicos da Nação Portugueza; e o que temos nós feito a respeito destes?... Nem mesmo nos esforçamos para os conservar. Eu não posso deixar de ser affeiçoado ao illustre Deputado por Traz-os-Montes que ainda não compareceu nesta Sessão, que na Sessão anterior fallava constantemente nestes objectos, pelo zelo que mostrou por estas cousas ecclesiasticas, merece muitos louvores pela insistencia que mostrou sempre nesta Camara para restabelecer a Igreja Portugueza ao seu devido estado.

Sr. Presidente, todos nós sabemos que a maior parte do povo não se desvia do crime senão pelo fôro interno, quando nos falta a educação religiosa, somos uma sociedade de tigres, e a especie humana livre desta prisão é ainda mais feroz que os proprios tigres; porque tem em si os meios de desenvolver suas faculdades intellectuaes para a sua propria destruição; e o estado de guerra, o estado natural da especie humana, quando não é educada em princípios religiosos.

Mas passo á administração geral da justiça. Sr. Presidente, disse eu ha pouco, que desejava vêr, por algum modo restabelecido o systema muito aproximado ao de Juizes de Fóra (apoiados). Pessoas competentes poderiam converter por uma nova reforma os Delegados do Procurador Régio em Magistrados que acumulassem as antigas funcções dos Juizes de Fóra, excepto as de julgar que ficariam pertencendo aos Juizes, os quaes não deveriam ter acção alguma na administração da justiça que não fosse simplesmente a de julgar (apoiados).

Pergunto mais ao Sr. Ministro da Justiça se tem vigiado efficazmente para que as audiencias geracs sejam religiosamente praticadas nos tempos competentes?... Em que estado está a Relação dos Açôres, que esteve sem funccionar por muito tempo accumulando feitos que não podem ser resolvidos regularmente por causa dessa mesma accumulação, resultando daqui graves prejuízos ás partes e offensa á justiça?...

Passarei ao exame do Ministerio da Marinha. Sr. Presidente, o Orçamento dá para o Ministerio da Marinha a verba, supponho eu, de perto de 800 contos, e diz-se, que estes 800 contos são para a conservação de taes e taes vasos de guerra. Segundo o calculo de pessoa competente na materia, e que me foi communicado, consta-me que a quantia destinada no Orçamento para o Ministerio da Marinha era sufficiente para todos os annos termos uma fragata, uma corveta, e dois brigues novos; ora pergunto eu ao Sr. Ministro da Marinha, que applicação teem estos 300 contos destinados ao seu Ministerio?... Eu faço esta pergunta, porque vejo que quando o Sr. Ministro da Marinha quer uma pequena escuna para ir a uma diligencia, não a acha em estado de navegar (riso). Ainda ha pouco o illustre Deputado que se senta no banco inferior, foi nomeado para uma Commissão Ultramarina, e consta-me que não tem podido seguir viagem porque o brigue Mondego que lhe foi destinado, estava podre. Eu pergunto ao Sr. Ministro

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da Marinha, que é um dos Ministerios mais importantes, se já se lembrou de perguntar, que extensão de terra tem em Moçambique, em Angola, na Costa Oriental e Occidental d'Africa, por ultimo em todas as nossas Possessões Ultramarinas? O domínio da Corôa Portugueza até onde chega nestas Possessões?.... Não me póde responder, nem os seus Delegados me podem tambem responder.

Pergunto ao Sr. Ministro da Marinha se entende, que as differentes Repartições, ou divisões destas, do seu Ministerio, estão filosoficamente collocadas para o melhor serviço publico? Se entende que é indifferente que n'uma Repartição se tractem promiscuamente de todos os negocios que disem respeito a uma Província Ultramarina, ou que cada especie de negocio de todas as Províncias sejam accumulados em uma Repartição distincta? Pergunto mais ao Sr. Ministro se tem tenção de chamar para a sua Secretaria com preferencia os Naturalistas, que são entidades muito importantes e necessarias no seu Ministerio? (Vozes: - Deu a hora).

Sr. Presidente, como deu a hora, eu peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a Sessão seguinte.

O Sr. Presidente: - Ao Sr. Deputado fica a palavra reservada. A Ordem do Dia para segunda feira e a mesma de hoje; e está levantada a Sessão. - Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR,

J. B. GASTÃO.

N.° 17. Sessão em 21 de Janeiro 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 48 Srs. Deputados.

Abertura - Pouco antes da uma hora.

Acta - Approvada sem discussão.

EXPEDIENTE.

OFFICIOS: - 1.º Do Sr. Deputado Albano Caldeira accusando a recepção do officio desta Camara, em que se lhe communicava fora approvada uma Proposta do Sr. Presidente do Conselho, para poder estar ausente da Camara durante a presente Sessão, para continuar a exercer o cargo de Governador Civil do Districto de Castello Branco. - Inteirada.

2.° Do Sr. Deputado Lopes de Vasconcellos accusando a recepção de igual officio, para o fim de poder continuar a exercer o cargo de Governador Civil do Porto. - Inteirada.

3.º Do Ministerio da Fazenda, participando que só pelo Ministerio do Reino, por ser aquelle a quem pertence, se poderão prestar os esclarecimentos pedidos pelo Sr. J. J. de Mello ácerca de quanto se exige na Alfandega Grande de Lisboa, pela revista de cada passaporte. - Inteirada.

4.º Do Ministerio da Justiça remettendo o authografo do Decreto das Côrtes Geraes de 14 de Junho de 1849. - Para o Archivo.

REPRESENTAÇÕES. - 1.ª Apresentada pelo Sr. Deputado Assis de Carvalho, do Juiz, Escrivão e Thesoureiro do Compromisso maritimo da Villa de Castro Marim, pedindo medidas legislativas para que a isempção no art. 17.° n.° 8 do Decreto de 9 de Julho de 1842 se amplie a todos os individuos matriculados, e que fizerem profissão habitual da vida do mar; o imposto do pescado se redusa a 4 por cento tirado do producto liquido; e que o peixe salgado não pague direito, algum. - A' Commissão de Pescarias, ouvida a de Legislação sendo necessario.

2.° Outra apresentada pelo Sr. Antunes Pinto, de 59 Sub-Emphiteutas do Concelho d'Alvaiazere, hoje foreiros a Fazenda Nacional, pedindo declaração da lei de 22 de Junho de 1816, e prorogação do praso para a remissão dos foros a favor dos Sub-Emphiteutas. - À Commissão de Legislação.

O Sr. Passos Pimentel: - Corre em alguns periodicos desta Capital uma correspondencia assignada de Vianna do Castello; esta correspondencia com quanto seja verdadeira, não diz tudo que se deve saber. Na Sessão do anno passado approvou-se nesta Casa um projecto de lei sobre o encanamento do rio Lima; porém infelizmente não passou na outra Casa. O projecto de lei dizia assim (leu).

Sr. Presidente, já sevo que não tendo passado este projecto de lei na outra Casa, o Governo ficou absolutamente privado de poder dar desenvolvimento a esta importante obra, tão desejada por aquelles povos, e pelo interesse do proprio paiz; com tudo, Sr. Presidente, eu chamo a attenção da Camara, para que saiba, que o Governo apesar de não ficar habilitado para cumprir assim a vontade daquelles povos, com tudo deu um desenvolvimento tão acertado e tão feliz, que aquelles Concelhos se acham hoje de posse d'uma fortuna que á tanto tempo desejavam. O Governo, Sr. Presidente, convencido do bem que resultava ao paiz desta obra, mandou pelo Engenheiro Delegado das obras publicas, estacionado no Porto, Placido Antonio da Cunha Abreu, que não ha expressão que seja capaz de louvar o zêlo e probidade deste empregado, fosse ao Concelho da Villa da Barca para se fazer o orçamento desta obra, e saber, o que era preciso para a pôr immediatamente em andamento.

Sr. Presidente, este empregado que em poucas palavras lhe fiz um elogio, que não era bastante para elle, chegou á Villa da Barca, e vendo naquelles povos, e nos proprietarios o desejo que havia para se fazer concluir aquella obra, convidou a Camara dos Arcos e da Barca á uma Sessão plena de ambos os Concelhos; assim aconteceu, e o resultado foi, que não só se abriu um donativo que excedeu o orçamento feito por este Engenheiro; mas, Sr. Presidente, os proprietarios ali concorrentes, os mais abastados d'aquelles Concelhos, offereceram os seus açudes e pesqueiras para serem demolidas, para assim facilitar o encanamento do rio.

Isto julgo que se deve saber, e não se deve tambem ignorar, que o Governo pela Repartição compe-

VOL. 1.º - JANEIRO - 1850. 17

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