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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

trio liberalmente nos foi concedida. Uma condição todavia e essa imprescritivel, e é que os senhores da governança sejam os barberini. E sabe a camara o que foram os barberini? Sabe o que é que resume e representa este nome na historia dos pontifices romanos? Pois eu vou folhear um pouco essa historia, no seculo XVII, e contar apenas um facto, tão somente um facto, para mostrar que os barberini de agora não têem muito com que orgulhar-se do epitheto patronímico que escolheram.

Ver-se-ha então que a não muito opulenta erudição do sr. ministro do reino de nada serviu a elle e aos seus consocios e amigos, comquanto para muito sirva, a fim de os apresentar quaes são perante o paiz, e em confronto comnosco, alistando-se de um lado os barbaros, enfileirando-se do outro os barberini.

No seculo XVII vivem um pontífice romano chamado Urbano VIH, que antes de ser elevado ao solio havia o nome de Maffco Barberini. Este pontifico tinha uma numerosa familia tão desherdada de bens de fortuna, quanto era cupida e sedenta d'elles. Por isso mal o pontífice poz na cabeça a thiara, desencadearam-se as ambições da parentella e não houve extorsão, depredação e malversação, veniaga e nepotismo que ella não commettesse, a fim de encher as vazias arcas. Mais vorazes do que as sete vaccas magras de que falla a escriptura, caíram sobre os romanos e toda a christandade, e não curaram se não de enriquecer-se á custa do suor do povo, os honestos sobrinhos e mais parentes do pontífice, o qual, seja dito de passagem, era um hellenista profundo e elegante a ponto de merecer dos seus contemporaneos o cognome de Abellia Attica.

O certo é que os sobrinhos, emquanto o tio construía os hexametros dóricos, construiam magnificos palacios e aquellas vivendas realengas, aquellas villas italianas, repletas de obras primas, ao passo que cada um arranjava como patrimonio um ducado.

A tal ponto chegou o cumulo de impudencia, que se foram com mão sacrilega ás velhas ruinas do Colyseu, e arrancaram as pedras, talvez ainda retintas, do sangue dos martyres da religião-catholica, para com essas pedras erguerem outro palacio, onde mostrassem o muito que podiam, o muito que vahara, o muito que possuiam, ou antes o muito que tinham roubado (apoiados),

Sr. presidente, quando essas mãos, verdadeiramente barbaras, foram tocar nas pedras do Colyseu, como que se levantou o brado das gerações extintas que ali tinham inscripto o seu enorme poema; como que se ergueram aquellas mesmas pedras a protestar contra a barbarie dos Barberini; e então appareceu na estatua de Paschino aquella celebre sentença, aquelle dito, a que o illustre ministro do reino se referiu, e que tomou como moto da bandeira ministerial (muitos apoiados). — Vozes: — Muito bem.)

A affronta estava vingada e os barberini passaram á historia com um eterno e indelevel labéu.

Sr. presidente, quer o governo para si a doutrina ex-pressa por essa formula? Quer o governo acabar com todas as recordações das velhas idades, com todas as glorias, com todos os thesouros do passado? Parece que sim, pela confissão do illustre ministro do reino, porque s. ex.ª diz que só respeita as velhas e gloriosas tradições das freguezias. Parece que sim, e por isso toma, como lemma da bandeira ministerial, a sentença condemnatoria dos barberini (apoiados).

Dizem: «A opposição é composta de barbaros, que nada fizeram». Compete, pois, aos illustres ministros fazer tudo. O contrario mostram-no os factos. Os barbaros têem andado embevecidos em sentimentos de respeito e amor pela causa publica; os barberini andam ao invez. Os barbaros querem alliar as tradições do passado com as necessidades do presente e as aspirações do futuro; os barberini não querem nada d'isso e desprezam o passado, não olham ao futuro, só tratam de sustentar-se no presente (apoiados). Os barbaros respeitam mais alguma cousa que as gloriosas tradições das freguezias; os barbaros não vem sacrilegamente allegar perante a assembléa nacional que o municipio é uma ficção; os barberini dizem que o municipio, essa entidade filha das Jutas mais gloriosas, esse facto prodigioso que resultou dos mais profiosos combates que deram em terra com o feudalismo, é uma ficção, uma simples creação accidental. Os barbaros entendem que o municipio é o palladio das liberdades publicas, o fundamento unico que o povo póde encontrar para estabelecer de vez e de um modo perduravel a esphera da sua iniciativa e energia individual. Os barberini, que mofara de tudo e zombeteiam cora tudo, vão, como os seus avoengos de Roma, ao Colyseu arrancar as pedras para crigirem a albergaria, mas as pedras indignadas de tal contacto, hão de cair-lhes sobre as cabeças (apoiados). Os barbaros são avaros dos dinheiros do povo, zelam os interesses da nação, querem acrescentadas todas as liberdades, não dão auctorisações de qualidade alguma, respeitam o mandato popular e pedem discussão franca. Os barbaros não esvasiam o erario para sumptuosidades e fartas pretendas. Os barbaros fizeram quantiosas economias e querem que outras ainda sejam feitas. Os barberini estão exactamente no pelo opposto e sentem ao revez de tudo isto, porque, cortezãos da opulencia, entendem que o povo nasceu para soffrer, trabalhar e pagar.

Sr. presidente, que mais e mais profunda differenças entre nos os barbaros e elles, os barberini f Que mais negro e insondavel abysmo entre as duas parcerias, que se digladiam?

Nos somos, pois, barbaros, o ainda quando a este nome queiram dar a peior acepção, aceito-a. Os barbaros podem ter grandes virtudes a par de grandes vicios. Completamente de accordo. Comprehendo a grandeza d'Attila, d'esse flagello do Deus, d'esse martello do universo; comprehendo tambem as ásperas e selvagens virtudes de um Odoacro, de uní Theodorico, e até de um Chorões, de um Gengis-Khan, ou de um Tamerlan. Foram elles que, á frente de hordas innumeras, impellidas pelo sopro da Providencia, vieram destruir as infandas corrupções do passado, e serviram como instrumento da idéa do progresso e da civilisação. Comprehendo a grandeza d'esses homens a par de grandes defeitos. Com a espada sangrenta, com a lança e com o montante dobraram a cerviz aos velhos despotas do mundo romano, e limparam a superficie da térra. Mas o que ninguem é capaz de comprehender são a grandeza e as virtudes dos barberini. Esses são apenas uns corruptos e corruptores de baixa esphera.

Portanto a opposição aceita a classificação de barbaros, ¦ mas approva tambem a de barberini para o governo o para a sua maioria (muitos apoiados Vozes: — Muito bem).

E serão estes os característicos verdadeiros dos actuaes barberini? Não sei. Praza a Deus que não, e eu assim o espero. Em todo o caso lembrarei ainda outro facto. Quando Urbano VIII morreu, o povo romano, farto de tantas tyrannias e de tantas impudicias, expulsou a seita dos barberini, que passaram os Alpes, e por fim vieram buscar guarida e protecção debaixo da purpura omnipotente do cardeal Mazarino. Talvez venha a acontecer a mesma cousa aos actuaes (apoiados).

E comtudo não o desejo, não o desejo era nome da felicidade publica, em nome dos grandiosos principios liberaes que nos estamos aqui para defender; quero antes crer que por um excesso de erudição fatal, por um desregramento de sapiencia, por uma orgia intellectual (riso), o sr. ministro do reino tomou para si e para os seus a designação de barberini, sem se lembrar da idéa que andava ligada a esta palavra. Não podia acreditar de modo algum que no governo, cuja entidade é composta de pessoas, que alias muito respeito, houvesse quem quizesse para si essa classificação, sabendo o que ella vale, o que ella póde e os encargos com que sobrecarrega a quem a aceita; mas, ainda assim, ha muitas vezes uma fatalidade superior á propria vontade, que impelle o homem a lavrar a sentença conde-