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SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1883

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conhecimento de um officio do ministerio da marinha, informando o requerimento de Venancio Vieira dos Santos, que pretende melhoria de reforma. - Tem segunda leitura o projecto de lei do sr. Santos Viegas, prorogando o praso para o registo dos anus reaes. - Justifica suas faltas ás sessões, o sr. Fonseca Coutinho, e as do sr. visconde de Balsemão o sr. conde do Sobral. - Declara-se constituida a commissão dos negocios ecclesiasticos.- O sr. Joaquim José Alves requer pelo ministerio de obras publicas um documento, e manda para a mesa uma representação dos primeiros e segundos aspirantes do quadro telegraphico. - O sr. Mouta e Vasconcellos apresenta um projecto de lei relativo á taxa de sêllo nas licenças parti uso de condecorações. - O sr. Silva e Matta um requerimento de interesse particular. - É mandada para a mesa pelo sr. Lopo Vaz uma representação da camara municipal de Gaya, pedindo prorogação de praso para o registo de anus reaes. - O sr. Manuel José Vieira refere-se á necessidade do mais prompto preenchimento dos logares de juizes de direito em S. Vicente, Santa Cruz e Madeira, e mostra a urgencia de se proceder á troca da moeda de cobre que ainda corre no Funchal.- O sr. Sousa Machado faz algumas considerações sobre o estabelecimento de um telegrapho submarino em Cabo Verde. Refere-se tambem á conveniencia de se saber que destino tiveram os prisioneiros de Buba, e n'este sentido requer esclarecimentos pelo ministerio da marinha e ultramar. - O sr. Antonio Maria de Carvalho, alludindo ao facto de ter sido já encerrada a discussão da sua interpellação, pretende saber por que foi preterido no uso da palavra pelo sr. visconde do Rio Sado. - Responde-lhe o sr. presidente. - Requerem esclarecimentos pelo ministerio do reino os srs. Antonio Maria de Carvalho e Pereira de Mello. - O sr. visconde da Ribeira Brava insta pela remessa do documentos que pediu pelo ministerio das obras publicas. - Responde-lhe o respectivo ministro.- Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 14, relativo ao allumiamento e balizagem dos portos e costas maritimas. - O sr. Fuschini, relator, apresenta uma rectificação a tabeliã annexa ao projecto. - Usam da palavra sobre elle, os srs. D. José de Saldanha, ministro das obras publicas, Wenceslau Pereira de Lima, José Elias Garcia, Fuschini, Carrilho e Mariano de Carvalho. - A requerimento do sr. Pereira de Mello julga-se a materia discutida na generalidade e especialidade. - O sr. Fuschini manda para a mesa um additamento, cuja apresentação é considerada extemporanea por alguns srs. deputados, movendo-se questão animada a esse respeito e sobre o (acto de ter sido julgado suficientemente discutido o projecto. - E retirada a proposta e votado o mesmo projecto. - O sr. ministro das obras publicas apresenta, em nome do seu collega do reino, uma proposta para o sr. Pinheiro Chagas poder accumular o serviço de deputado com o de lente do curso superior de letras. - O sr. Antonio Maria de Carvalho dá explicações ao sr. presidente.

Abertura - Ás tres horas da tarde. Presentes - 57 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão os srs.: - Lopes Vieira, Alberto Pimentel, Sarrea Prado, Sousa e Silva, Azevedo Castello Branco, A. J. d'Avila, A. M. de Carvalho, Santos Viegas, Sousa Pinto de Magalhães, Sieuve de Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Trajano, Zeferino Rodrigues, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Conde do Sobral, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Mouta e Vasconcellos, .Gomes Teixeira, Gomes. Barbosa, Palma, Rodrigues da Costa, Gualberto da Fonseca, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. J. Alves, Teixeira de Sampaio, Avellar Machado, Borges Pacheco, Elias Garcia, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Brandão de Mello, Figueiredo de Faria, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Pereira de Mello, Pinto Leite, Gonçalves de Freitas, Luiz de Bivar, Luiz da Camara (D.), Manuel de Arriaga, Silva e Matta, M. J. Vieira, Bacellar, Graça, Mariano de Carvalho, Miguel Candido, Pedro Diniz, Pedro Roberto, Pedro Martins, Barbosa Centeno, Visconde de Reguengos o Wenceslau Pereira Lima.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Lobo, Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Cunha Bellem, Pereira Carrilho, Potsch, Fuschini, Fonseca Coutinho, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Brito Corte Real, Emygdio Navarro, Hintze Ribeiro, Severim de Azevedo, Correia Arouca, Guilherme de Abreu, Illydio do Valle, Freitas Oliveira, Costa Pinto, Jeronymo Osorio, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Novaes, Sousa Monteiro, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde de Porto Formoso e Visconde da Ribeira Brava.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Gonçalves Crespo, Pereira Côrte Real, Ignacio da Fonseca, A. J. Teixeira, Mello Ganhado, Castilho, Castro e Solla, Conde da Foz, Custodio Borja, Diogo de Macedo, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino João Lopes, Fortunato das Neves, Francisco de Campos, Patricio, Wanzeller, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Ferreira Braga, João Ferrão, J. A. Gonçalves, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, José Bernardino, Dias Ferreira, Gonçalves dos Santos, Rosa Araujo, José Luciano, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, Vaz Monteiro, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Palmeirim, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Pedro Guedes, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Baracho, Visconde de Alentem, - Visconde de Balsemão e Visconde de Rio Sado.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, devolvendo, informado, o requerimento em que o operário do arsenal da marinha, Venancio Vieira dos Santos, pede melhoria de reforma.

A commissão de marinha.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Artigo 1.° É prorogado até 22 de março de 1885 o pra o fixado na lei de 17 de março de 1881 para o registo dos anus reaes do servidão, emphyteuse, subemphyteu-se, censo e quinhão.

Art. 2.° Esta lei começará a ter vigor no dia seguinte áquelle em que terminar o praso concedido pela lei anterior.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 9 de fevereiro de 1883. = O deputado, Santos Viegas.
Enviado á commissão de legislação civil.

Justificações de faltas

Declaro que faltei ás duas ultimas sessões d'esta camara por justificado motivo = O deputado, Fonseca Coutinho.

Declaro que o sr. visconde de Balsemão não tem comparecido ás ultimas sessões, e faltará a mais algumas, por motivo justificado = Conde do Sobral.

O sr. Santos Viegas: - Acha-se constituida a commissão ecclesiastica, tendo nomeado para presidente o sr. Silveira da Motta e a mim para secretario.

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Mando para a mesa esta

Participação

Participo a v. exa. e á camara, que a commissão dos negocios ecclesiasticos se acha installada, sendo seu presidente o sr. Silveira da Motta e eu secretario. = O deputado, Santos Viegas.

O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa um requerimento para ser satisfeito pelo ministerio das obras publicas.

(Leu.)

Peço este documento, porque desejava tornar parte na discussão do parecer a que me refiro, e sem elle é impossivel fazel-o.

Aproveito a occasião de mandar tambem para a mesa uma representação dos primeiros e segundos aspirantes do quadro dos telegraphos, que só julgam prejudicados com a classificação que th eram na organisação telegrapho-postal.
Espero que a commissão respectiva lhe prestará a devida consideração, e bem assim o illustre ministro, a quem especialmente recommendo este assumpto.

Requerimento

Requeiro que, polo ministério das obras publicas, seja remettida com urgencia a esta camara copia da representação ou requerimento feito no anão transacto por varios cavalheiros sobre assumpto relativo á construcção de casas baratas. = J. J. Alves, deputado por Lisboa. Mandou-se expedir.

Representação

Dos primeiros c segundos aspirantes do quadro de telegraphos, reclamando contra a classificação que tiveram na organisação telegrapho-postal com força de lei de 7 de julho de 1880.

Apresentada pelo sr. deputado J. J. Alves, e enviada á commissão de obras publicas.

O sr. Monta e Vasconcellos: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que tem por fim alterar a taxa do sêllo nas licenças para uso de condecorações estrangeiras. Peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido andamento, e confio que a illustre commmissão, que tem a dar o respectivo parecer, o tomará em consideração.

Leu-se na mesa e ficou para segunda leitura.

O sr. Silva e Mata: - Mando para a mesa um requerimento do sargento ajudante de artilheria n.º 2, Antonio Manuel Vellez, que se considera com direito a coutar-se-lhe mais antiguidade do que aos primeiros sargentos de artilheria n.° l, Migrei da Cruz Nunes e Francisco Gonçalves da Silva. A illustre commissão de guerra, a quem tem de ser presente esta pretensão, apreciará com a sua costumada imparcialidade as allegações do requerente, e resolverá como entender de justiça.

Pela minha parte, reservo-me para dizer opportunamente o que se me offereça sobre o assumpto.

O sr. Lopo Vaz: - Tenho a honra do mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Gaya, pedindo a prorogação do praso estabelecido no codigo civil para o registo dos onus reaes, constituídos antes da promulgação do mesmo codigo.

Chamo muito particularmente sobre este negocio, cuja importancia é manifesta, a attenção do governo, esperando ao mesmo tempo que a illustre commissão de legislação civil, á qual v. exa. de certo distribuirá esta representação, como o tem sido outros apresentadas sobre o mesmo assumpto, formulará um projecto de lei regalando este importante ponto de administração.

Representação

Da camara municipal de Villa Nova de Gaya, pedindo prorogação do praso para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse, subemphyteuse, censo e quinhão.
Apresentada pelo sr. deputado Lopo Vaz, e enviada á commissão de legislação civil.

O sr. M. J. Vieira: - Pedi a palavra para chamar a attenção do governo, e, em especial, dos srs. ministros da justiça e da fazenda, sobre dois pontos de administração publica que reputo importantes.

Diz respeito o primeiro â administração da justiça, em que desejo provocar toda a solicitude de s. exa. para a conveniencia, ou, direi melhor, para a urgente necessidade que ha de fazer prover de juizes as respectivas comarcas em ordem a obstar a que cilas permaneçam por muito tempo occupadas por juizes substitutos, permanecendo ausentes os magistrados cuja presença aliás é reclamada pelos geraes interesses dos povos e da própria justiça.

Refiro-me, em particular, ás ilhas adjacentes.

Em muitas d'essas comarcas, encontrámos, na maior parte do tempo, a servil-as os juizes substitutos, e só por excepção ahi veremos alguma vez, mas sempre por um tempo mui limitado, os juizes effectivos.

É este um mal summamente grave para a boa administração judicial em toda e qualquer comarca, mas torna-se ainda mais grave nas localidades onde os juizes substitutos são pessoas sem as habilitações precisas, como acontece em grande numero das comarcas ruraes.

Na ilha da Madeira duas comarcas, as de S. Vicente c Santa Cruz, ambas ha mais do ura anno estão sendo servidas por substitutos, e, durante este mesmo tempo, tem havido occasiões, e repetidas, de estarem também sem delegados.

Devo dizer que, por estas palavras, não pretendo referir-me a quaesquer abusos que se hajam praticado nas duas comarcas de que acabo de fallar. De nenhum tenho conhecimento.

O meu fim não é occupar-me de pessoas que devidamente considero, mas sim da instituição em si mesma, olhando particularmente ao modo por que na actualidade só acha organisado o pessoal d'ella, e procurando observar os seus defeitos nos seus resultados praticos.

Consta-me, pelo contrario, que, em differentes occasiões, por serem mais delicadas as questões de direito a resolver, têem-se aquelles juizes abstido da solução d'ellas aguardando a chegada dos respectivos magistrados para competentemente as decidirem. Mostram assim quanto desejam ser justos.

Isto, porém, não basta, e é de evidencia que o actual estado de cousas nào é o que póde e deve dar-se sempre que se trato do exercicio de funcções tão elevadas como suo as de julgar. A boa vontade do julgador não é sufficiente. As demoras no* julgamentos sobre a liberdade e a propriedade dos cidadãos trazem a natural consequencia de muitas perdas de tempo, de trabalho e de capital, quando não dão logar á liquidação do direito por outras formas mais summarias e violentas.
A justiça precisa de ser sempre illustrada e expedita; e pelos processos do posses por procuração, de immediatas e repetidas licenças ao cabo de tres ou seis mezes de effectividade, acrescentadas ainda pelas delongas no preenchimento dos logares, chegâmos necessariamente a resultados diametralmente oppostos.
Se as attribuições dos antigos juizes ordinarios foram extinctas, e a rasão principal que determinou essa extincção foi, em geral, a falta de capacidade de pessoas que eram chamadas aquelles cargos, como é que esses mesmos individuos, que, pelo menos, nas comarcas ruraes, são os substitutos possiveis dos juizes de primeira instruida: como é, repito, que elles, que nílo eram aptos para exercer as funcções de juizes ordinarios, o poderão ser agora para o exercicio de tão superiores attribuições como as que tem o juiz de direito?

E, todavia, é este o estado em que ordinariamente vivem muitas das comarcas de que fallo, na maior parte do tempo decorrido desde 1876, isto é, desde a ultima circumscripção e organisação de comarcas.

E este o resultado a que chegámos.

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A questão, para muitos, tem-se limitado a obter despacho. Obtido elle, quando, em conformidade com a lei, têem de iniciar as suas funcções, tomam posse, começam o exercicio, que prorogam, quando muito, por um trimestre ou semestre, e, passado aquelle periodo, vem as allegações de doença ou commodidades domesticas, que sempre procedem a final, sendo os povos as victimas de um systema que não é systema tal é a sua versatilidade e effeitos. Outras vezes nem os nomeados-se dignam ir às localidades; tomam posse por procuração até que chegue momento propicio para a transferencia, e tudo se resolve a seus aprazimentos.

Chamo, pois, a attenção do sr. ministro da justiça para com a maxima brevidade possivel fazer dar o expediente necessario para que as duas comarcas de que fallei sejam convenientemente providas, mas por fornia que as comarcas vejam os seus juizes.

Mas não limito aqui o meu pedido, e não é isto o que exprime o meu principal pensamento.

O remédio da nomeação immediata é transitorio, e nós de que precisamos urgentemente é de uma medida do caracter permanente, que obsto a que se reproduzam os mesmos factos, como hão de reproduzir-se emquanto não se attender e providenciar sobre as causas que os determinam.

Essa causa é, em regra, a limitação das comarcas e os poucos interesses d'ellas, alem da natural repugnancia pela travessia do mar. Olhe o governo ás despezas extraordinarias com essas nomeações ou transferencias successivas; faça reverter essa somma, ou a que for tida por sufficiente, em beneficio dos mesmos magistrados, o torne-se rigoroso e exigente no cumprimento dos deveres inherentes ao cargo em que cada um se acha investido.

Peço, portanto, ao illustre ministro que faça convergir a sua attenção para este assumpto, que todos reputarão importante, trazendo ao parlamento uma medida no sentido que indico, ou outra que melhor solução dê, pois se torna de todo o ponto urgente e inadiavel.

Outro objecto para que eu desejava tambem chamar a attenção do governo, era para a moeda de cobre existente no districto do Funchal.

Por effeito da lei de 2 de maio de 1879 foi extincto o curso da moeda fraca n'aquelle districto, unificando-a com a do continente. Ficou, porém, sendo permittido, por aquella mesma lei, o curso das moedas de cobre que já ali existiam, considerando-as como réis fortes.

Duas rasões determinaram esta ultima prescripção: a insignificante quantidade de moeda de cobre que ali existia, porque os dois systemas numerarios que ali havia, decimal e duodecimal, americano e inglez, dando-nos variadas moedas de prata entre os minimos e maximos de 40 e 50 réis e 500 e l$000 réis, facilitava-nos o ajustar qualquer fracção em réis sem auxilio do cobre, que era muito limitado, chegando por vezes a escassear; e, por outro lado, porque, tratando-se já activamente, em 1879, da substituição da antiga moeda de cobre e bronze por outra de liga,- peso e modulo mais conveniente, entendeu-se que assim se evitariam duas trocas successivas que mais iriam difficultar a epocha da transição n'aquelle districto.

Estas rasões, aliás procedentes, podem, porém, pela permanencia do seus effeitos dar logar a negocios de pouco valor é certo, mas nem por isso menos regulares e menos convenientes, saindo dos Açores a moeda de cobre que ali existe para ir gosar na Madeira o agio ou differença garantida por aquella disposição da lei do 1879.

Não creio que se tenham já dado os inconvenientes que aponto, mas basta a sua possibilidade para que devam ser prevenidos. Com tal especulação ganhariam duas ou tres pessoas, e, perderiam os Açores, porque lhe retrahiria da circulação parte da moeda precisa para o seu trafego commercial; perderia igualmente a Madeira, porque lhe pejaria o mercado de uma moeda subsidiaria em más condições do valor; perderia o estado, porque não podendo fazer a selecção entre a existente o a que de novo se introduzisse teria de, mais tarde, operar a troca sem poder estabelecer differenças de valores.

Uma circumstancia que farei ainda notar são as pessimas condições de uso em que n'aquelle districto se encontra uma grande parte da moeda de cobre, não sendo raras as duvidas que diariamente d'ahi se derivam, por cujo motivo varias medidas locaes têem sido tomadas em differentes tempos, nem sempre correctas e convenientes.

Chamo, portanto, a attenção do sr. ministro da fazenda, cuja illustração me dispensa de mais amplas considerações, e peço a s. exa. que, das primeiras moedas de 10 e 20 réis que se acharem promptas na casa da moeda para entrarem na nova circulação, seja expedida a quantidade sufficiente para o districto do Funchal, de preferencia a qualquer outro logar do continente, pelas rasões especiaes que ali se dão e que acabo de expor.

A fixação de um praso, dentro do qual deva ser effectuada a troca das moedas a que me refiro, será tambem o necessario complemento das providencias a tomar, praso o mais latitudinario possivel, mas do absoluta necessidade.
Ao sr. ministro das obras publicas, que vejo presente, rogo o obsequio de communicar aos seus collegas as considerações que tenho feito sobre estes dois assumptos que julgo importantes, e que merecem de certo a attenção do governo; agradecendo desde já a s. exa. a indicação que n'este momento me faz de que accederá a este meu pedido, e com a qual me satisfaço.

O sr. Sousa Machado: - Mando para a mesa uni requerimento pedindo esclarecimentos ao governo acerca do destino que tiveram os prisioneiros feitos em Buba no anno passado. Graves e sérias são as accusações feitas ao governador da Guiné a respeito do seu procedimento para com aquelles prisioneiros, attribuindo-lhe um crime infamante; não creio, porém, que um portuguez que veste a farda da nobilíssima corporação da armada ouse praticar o attentado que se attribue aquelle funccionario. Julgo que o governo deverá ter algum documento em sou poder que possa enviar á camara, a fim de que esta e o paiz saibam se foi ou não correcto o modo por que andou a auctoridade superior d'aquella provincia, com respeito aos selvagens que foram presos.

Sobre este ponto nada mais digo emquanto não vierem os documentos solicitados.
Permittam-me agora v. exa. e a camara, que eu apresente algumas considerações com referencia ás palavras proferidas pelo meu collega e amigo, Gomes Barbosa, quando em uma das sessões passadas pedia esclarecimentos acerca do estabelecimento de um cabo submarino que ligue a estação de S. Vicente com a ilha de S. Thiago. Se o governo poder conseguir que se estabeleça um cabo submarino, que ligue a estação do S. Vicente com ilha de S. Thiago, sem encargo algum para a provincia, estimal-o-ia muito, assim como estimava que elle podesse conseguir os mesmos resultados para as outras ilhas. Mas se não se, poder obter esse grande beneficio senão com sacrificio dos contribuintes, hei do oppôr-me com todas as minhas forças a que se de subsidio algum á empreza, por isso que sendo a provincia formada do muitas ilhas, e carecendo todas melhorar e sanear as suas povoações principaes de estradas que liguem os centros do producção com os portos de mar, de cães de desembarque, de illuminar as suas costas, igrejas, e edificios publicos, e de muitos outros melhoramentos materiaes de que todos os paizes civilisados carecem; não é justo que seja sobrecarregada com um pesado imposto, destinado a subsidiar uma estação telegraphica, que não presta serviços senão a dois ou tres negociantes. Alem de que ouvi dizer, que por parte dos habitantes de algumas ilhas, se representou a favor d'esta medida; mas digo a v. exa., que se taes representações existem, não podem significar a vontade e desejos dós habitantes Saquei-las ilhas, por isso que, faltando-lhes todos os melhoramen-

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tos de que nenhum paiz prescinde actualmente, não podiam assignar uma petição de que não lhes adviria beneficio algum, petição e assignaturas que nós todos sabemos como só fazem e alcançam.

Por ultimo, eu peço a v. exa. que tenha a bondade de inscrever-me para tomar parte na interpellação, annunciada pelo sr. Mariano de Carvalho, ao sr. ministro da marinha ácerca da pauta ultimamente decretada para Cabo Verde, porque este negocio é grave, affecta todos os consumidores d'aquella província, o parece-me que o governo não terá duvida de modificar aquelle diploma nos pontos em que se conhecer que não está em harmonia com os justos interesses de todos. Não basta attender simplesmente aos interesses de tres commerciantes da metropole, em detrimento de toda a população da província; é justo, é equitativo, e é de boa política manter-se um equilíbrio entre os diversos interesses que se debatem, acabando com monopolios odiosos e esterilisadores, e banindo-se algumas disposições que podem trazer na pratica prejuízos para o commercio, e ser origem de conflictos para o futuro.

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja remettida com urgencia, não havendo inconveniente, copia da correspondencia trocada entre o governo e o governador da Guiné, referente ao destino que tiveram 200 prisioneiros feitos em Buba no mez de setembro de 1882. = Sousa Machado.

Mandou-se expedir.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Sr. presidente, eu sei perfeitamente que a lealdade política obriga muitas vezes a camara a certas votações, e por isso não me surprehendeu que hontem entendesse do seu dever julgar discutida a materia da minha interpellação, visto a posição difficil em que se encontrava o sr. ministro do reino; mas como eu não contava com isso, nem estou disposto a perder o meu direito, peço a v. exa. que me dê uma explicação.

O sr. ministro do reino tinha pedido a palavra para responder-me, e respondeu-me effectivamente. Em seguida inscrevi-me eu contra, tendo-se antes inscripto a favor o sr. visconde do Rio Sado. Eu desejo, pois, saber em que se apoiou a presidencia para dar a palavra ao sr. visconde de Rio Sado em vez de a dar a mim. Não protestei n'esse momento contra o facto, porque não julgava que a camara resolvesse dar a materia por discutida, entendendo que devia levar até esse ponto a sua lealdade política, e impedindo-me de responder ao sr. ministro do reino.

Mas, dado este facto, que me servirá do advertencia para o futuro, eu peço a v. exa. que me esclareça declarando a rasão por que deu a palavra ao sr. visconde de Rio Sado, em vez de a dar a mim, que era quem estava inscripto contra o sr. ministro.

O sr. Presidente: - Não tendo eu conseguido que os primeiros srs. deputados inscriptos declarassem se pretendiam fallar a favor ou contra, entendi dever conceder a palavra ao sr. visconde de Rio Sado por ser o primeiro que se seguia na ordem da inscripção e que já se achava preterido pelo illustre deputado, a quem, por ser o interpellante, a tinha concedido segunda vez, quando a discussão ainda não se havia generalizado.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Mas v. exa. quando perguntava ao sr. Mariano de Carvalho se se inscrevia a favor ou contra, dizia do alto d'essa cadeira que o sr. visconde do Rio Sado declarára ter-se inscripto a favor.

O sr. Presidente: - Se o sr. deputado entende que este meu procedimento não foi regular, e deseja appellar para a camara, nenhuma duvida tenho em a consultar a este respeito.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Desisto d'isso. V. exa. imagina que eu ainda tenho a ingenuidade de appellar para a camara?!

O sr. Presidente: - O sr. deputado não póde continuar assim com a palavra.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Eu estou no uso da palavra. V. exa. intercallou a sua observação no que eu estava dizendo.

Posso usar da palavra todo o tempo que quizer, antes de se entrar na ordem do dia. Permitte-m'o o regimento.

Não appello para a deliberação da camara; registo o facto, para ter para o futuro mais cuidado em salvaguardar o meu direito em todas as surprezas que a maioria esteja disposta a fazer-me.

O sr. Manuel d'Assumpção: - Quem lhe fez surprezas? Ninguem as fez.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Diz o illustre deputado que ninguem fez surprezas! Eu estou habituado a ouvir dizer muita cousa. Mas a surpreza foi tanta que ainda hoje estive com deputados da maioria que me declararam que não só julgou a materia discutida, como se não resolvera tambem que se prorogasse a sessão.

O sr. Presidente: - O sr. deputado não póde continuar por essa fórma. Eu não posso permittir-lhe que esteja censurando assim, sem motivo justificado, a mesa e a camara. (Apoiados.)

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não censuro a mesa, nem a camara.
Comecei por declarar que reconhecia que a lealdade politica levava muitas vezes uma camara a proceder de uma fórma que podia parecer menos justa.

O que quiz foi fazer sentir, que, se accedi a que o sr. visconde do Rio Sado viesse intercallar-se na discussão travada entre mim e o sr. ministro do reino, foi na esperança de que a camara não abafasse a discussão emquanto eu não respondesse ao sr. ministro do reino.

Agora, como ninguem contesta o direito com que estou fallando, não tenho senão a dizer que por hoje limito a isto as minhas observações.

Mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido com urgencia a esta camara:

1.° Copia, por teor, da parta da acta da sessão do supremo tribunal administrativo, de 14 de dezembro de 1881, em que o tribunal apreciou o recurso n.° 4:029.

2.° Copia, por teor, do livro das actas do conselho de districto, na parte que se refere ao processo que originou o recurso acima referido, incluindo os requerimentos, que, pela camara municipal de Lisboa, foram apresentados em conselho, e as deliberações sobre elles havidas. = O deputado, Antonio Maria de Carvalho.

Mandou-se expedir.

O sr. Pereira de Mello: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviadas a esta camara as copias das representações, com todas as assignaturas e reconhecimentos, dirigidas por alguns habitantes do concelho de Cintra á junta geral do districto contra o orçamento da camara municipal do mesmo concelho para o corrente anno civil. - Julio Cesar Pereira de Mello.

Mandou-se expedir.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Desculpe-me v. exa. incommodal-o todos os dias, fazendo-lhe perguntas.

Pedia a v. exa. que me dissesse se já foram remettidos á camara os documentos que pedi com relação a obras publicas no Funchal.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): - Não, senhor.

O Orador: - Continuando a usar da palavra, e, como

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está presente o sr. ministro das obras publicas, eu appello para s. exa., instando para que, pelo ministerio a seu cargo, esses documentos sejam remettidos á camara com a maior urgencia.

Ha já bastante tempo que pedi por aquelle ministerio estes documentos, e se por acaso não me forem remettidos, ver-me-hei na dura necessidade de usar de copias que tenho, que não são documentos officiaes.

Vejo que não são attendidos, nem os representantes da nação, nem a mesa; não se
remettem para a camara os documentos de que nós precisamos para apreciar o procedimento de empregados publicos que não procedem, no desempenho das suas funcções, como devem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Numerosos requerimentos pedindo esclarecimentos o documentos têem sido dirigidos ao meu ministerio. Na secretaria a meu cargo dei ordem para que esses documentos fossem tão promptamente attendidos quanto comportassem as necessidades e conveniencias do expediente da secretaria. Por conseguinte não são só os documentos pedidos pelo illustre deputado, mas outros ha que têem sido pedidos, e que hão de ser remettidos ao parlamento tão depressa estejam concluidos.

É o que posso dizer ao illustre deputado; acrescentando, porém, que não tenho interesse algum em demorar a remessa de qualquer documento, porque assumo a responsabilidade do que fazem as auctoridades, ou os empregados que estão debaixo da minha direcção.

Não tenho interesse em demorar a remessa de documentos relativos a qualquer funccionario, na certeza de que em todo o tempo, em qualquer occasião, estou prompto a responder pelos actos que elles praticarem desde o momento em que esses empregados não incorrerem na minha censura.

O sr. Gomes Barbosa: - Pedi a palavra quando o meu collega e amigo, o sr. João de Sousa Machado, se referiu a umas considerações que apresentei n'uma das sessões passadas com relação a uma reclamação dos povos de Cabo Verde, pedindo que se ligasse telegraphicamente a ilha de S. Vicente com a ilha de S. Thiago, capital da provincia.

Disse por essa occasião que os povos que reclamavam, esse melhoramento tinham-se compromettido a fazer um sacrifício importante para realisar esse melhoramento; e disse que o grupo de ilhas de sotavento tinha feito essa representação, declarando em seu nome o município da capital da provincia que acceitava de boamente esse encargo, a fim de que esse melhoramento se realisasse.

Pareceu-me ouvir ao meu collega que punha em duvida que esses povos tivessem reclamado n'esse sentido. Não tenho mais nada a dizer do que o seguinte: recorra s. exa. á representação que se acha n'uma das commissões d'esta casa, e verá se é exacto o que então disse.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Estimei que v. exa. me concedesse a palavra para responder ao sr. ministro das obras publicas.

Eu não disse que s. exa. não respondia pelos actos dos seus funccionarios; sei que s. exa. está sempre prompto a responder pelos actos dos empregados que estão dependentes do seu ministerio, e que s. exa. não consente que pratiquem actos menos regulares; mas é possível que não chegassem ao conhecimento de s. exa. factos que eu conheço.

Eu não preciso copia dos documentos que pedi, podiam vir os documentos originaes para a mesa e serem examinados; já cá podiam estar ha muito tempo, porque os reclamei ha mez e meio.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Desejo unicamente assentar uma questão do principios.

Não nego os documentos na minha secretaria aos sr. deputados. Estão á disposição de s. exas. no parlamento as copias e na secretaria os originaes.

O que não posso, e não me parece que seja um bom precedente de administração, é mandar para a camara os documentos avulsos, originaes que estejam na secretaria a meu cargo, a não ser em casos muito excepcionaes.

Não tenho, portanto, duvida alguma em renovar as minhas ordens para que os documentos que o illustre deputado pediu sejam promptamente expedidos, mas por copia. Os originaes não posso mandal-os porque me parece, repito, não ser esse um bom principio de administração.

Creio que s. exa. não duvidava de que as copias remettidas ao parlamento sejam a expressão fiel dos documentos originaes; e quando alguma duvida tivesse a esse respeito, podia ir ao ministerio conferil-as.

O sr. Presidente: - Vae passar-se á

ORDEM DO DIA

É lido na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 14

Senhores. - As vossas commissões de fazenda, marinha e obras publicas reunidas examinaram escrupulosa e detidamente a proposta de lei n.° 10-G, referente á illuminação o balizagem das costas marítimas, portos do continente do reino e das ilhas adjacentes, e como resultado do seu trabalho têem a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o presente relatorio.

Engrandecer as vantagens da illuminação e da balizagem das nossas costas marítimas parece quasi desnecessario. Poucos melhoramentos, como este, têem sido indicados ha largos annos como indispensaveis. A opinião illustrada do paiz foi sempre unanime n'este ponto, e se muitos vacillaram, mais se devem attribuir as duvidas aos receios, sempre infundados nos grandes melhoramentos publicos, de um encargo importante para o thesouro, do que á ignorancia dos beneficos resultados humanitarios e das grandes vantagens commerciaes, que o presente projecto de lei é chamado a satisfazer e a secundar.

As sociedades modernas vão successiva o rapidamente transformando a sua intima essencia; apertadas nos estreitos limites dos odios de raça, dos interesses dynasticos, da hierarchia das classes, inquinadas de preconceitos, contrariadas por preceitos exclusivistas, illaqueadas por falsos princípios economicos o políticos, as velhas sociedades retrahiam-se no seu egoísmo nacional; dentro da propria nação o espirito de classe, de localidade e os falsos interesses de familia, aportavam as malhas da energica rede, que comprimia a humanidade.
Luctava apenas sereno e energico o espirito esclarecido do christianismo, e muito lhe devo o mundo moderno. As grandiosas revoluções do fim do seculo XVIII e do presente seculo, quebrando os moldes do antigo regimen, vieram coroar-lhe os seus esforços, e o granito das futuras sociedades formou-se pela concepção positiva e scientifica do amor da humanidade, para que convergiam o espirito caridoso das religiões e o altruísmo elevado dos philosophos. Arrostados por esta corrente de idéas, os povos modernos mais avançados trabalharam ousadamente na obra do progresso universal, scientificamente certos de que os benefícios que aos outros proporcionavam, para si revertiam em grande parte pela reciprocidade dos serviços e pela fraternidade da associação, onde o direito e o interesse individual se não perdem, antes se fortificam e satisfazem pelas forças combinadas e para o mesmo fim convergentes.

Cuidando n'esses milhões de homens de todos os paizes e de todas as raças, que dia a dia percorrem a vasta amplidão dos mares, calculando a enorme riqueza que elles conduzem e espalham em mil direcções differentes, satisfazendo aos interesses do movimento commercial dos seus portos facilitados por um seguro accesso, assegurando a sua navegação costeira, vehiculo facil e economico de uma parte importantíssima do seu commercio nacional; em uma

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palavra, ligando sabiamente os interesses humanitarios com os materiaes, têem as nações modernas creado, desenvolvido e aperfeiçoado a illuminação das suas costas e portos.

Avantajou-se a todas a Inglaterra, grande paiz e grande povo onde as virtudes e os defeitos, as, idéas e os preconceitos assumem sempre proporções colossaes. No fim do primeiro quarto d'este seculo quasi toda a costa marítima europêa, cujos recortes multiplicados lhe têem dado, e darão ainda por largos annos, a supremacia commercial sobre os outros continentes, contava rarissimos pharoes. A extensão consideravel das costas uteis europêas, representando cêrca de 31:000 kilometros, extensão apenas excedida pelas da Asia e da America do norte, estava, se exceptuarmos as da Inglaterra, em quasi completa escuridão. N'essa epocha, cerca do 1830, a França possuia 63 pharoes, a Hespanha 15, a Russia 18, Portugal 7, a Hollanda e a Italia pouquíssimos e a Turquia nenhum.

Em quarenta annos apenas as condições variaram prodigiosamente; em 1867 as principaes nações maritimas da Europa possuiam o numero de pharoes designados no seguinte mappa:

[Ver mapa na imagem].

Emquanto as nações marítimas europêas tinham, pois, consideravelmente augmentado a illuminação das suas costas, Portugal apenas construíra mais 4 pharoes no litoral oceanico, 2 nas ilhas adjacentes, sendo 1 em Ponta Delgada (S. Miguel), outro na fortaleza do Ilhéu (Madeira), e 7 pharolins ou luzes de direcção de barras e portos.

Precedidos por todos os povos da Europa, avantajando-nos apenas á Russia e á Turquia europêa, o nosso estado seria ainda assim soffrivel, se boas fossem as luzes existentes; não o eram, porém. No excellente relatorio elaborado pelo sr. Francisco Maria Pereira da Silva, em que este illustre engenheiro hydrographo descreve a inspecção por elle feita aos pharoes existentes em 1865, existem sobejas provas d'esta affirmação. Dos 14 pharoes continentaes existentes n'essa epocha o sabio engenheiro inspeccionou directamente 12, não mencionando o de Belem e o da Ericeira, pelo seu exiguo valor; os pharoes eram, na maioria, catoptricos (de reflexão), apenas 4, os do cabo de Santa Maria, do cabo Mondego, da torre de Outão e de S. Julião, eram dioptricos (de refracção), com apparelhos lenticulares de 2.ª 3.ª e 4.ª ordem. Acrescia ainda que o seu estado de conservação podia geralmente dizer-se mau.

Emquanto, porém, nós fazíamos timidos esforços para melhorar tão importante serviço, todos os povos do universo trabalhavam incessantemente para a illuminação das costas marítimas e por tal fórma que, se dados estatísticos d'esta ordem merecem muita confiança, existindo em 1830 no mundo apenas 514 pharoes conhecidos, e que tal nome merecessem, em 1870 dirigiam a navegação:

Na Europa 1:785 luzes
Na America 674 »
Na Ásia 162 »
Na Oceania 100 »
Na Africa 93 »
2:814 »

Que estes numeros não sejam precisamente exactos, é de crer; em todo o caso, porém, demonstram o cuidado, que mereceu a todas as nações a illuminação das costas marítimas o os grandes sacrifícios pecuniarios, que souberam impôr-se para conseguir o desejado fim.

Para o anno de 1873 um outro documento, que deve inspirar alguma confiança, fixa e descreve no orbe 3:418 pharoes.

Na impossibilidade de vos apresentar um quadro geral da illuminação existente, o que em vão se tentou, as vossas commissões citam-vos o exemplo de dois grandes paizes, que em questões d'esta ordem deverão sempre servir de modelo.

A França, que em 1867 possuia 291 luzes, em 1876, segundo o relatorio do director do pharoes e balizas 2, tinha o serviço de segurança das costas e portos, provido dos seguintes apparelhos:

Costa da França:

Pharoes de 1.ª ordem 45
Pharoes de 2.ª ordem 6
Pharoes de 3.ª ordem 27
Pharoes de 4.ª ordem 37
Pharoes de 5.ª ordem 236
Fogos fluctuantes 10 361

Algeria:

Pharoes de 1.ª ordem 6
Pharoes de 2.ª ordem 2
Pharoes de 3.ª ordem 2
Pharoes de 4.ª ordem 2
Pharoes de 5.ª ordem 30 42
403

Balizas de madeira ou ferro 1:206
Torres de alvenaria (signaes) 227
Boias ordinarias 721
Boias-sinos 36
Marcas marítimas 1:024

Sendo a extensão do litoral do continente da França de 3:806 kilometros, possuia ella, pois, em media um pharol por 10:542 metros de costa. Este limite, que já se póde suppor muito regular tem sido, todavia, muito ultrapassado até aos nossos dias.

Um documento recentissimo dá-nos, finalmente, a medida do que póde ser uma boa illuminação e balizagem de costas. Este exemplo parte da opulenta e civilisadissima republica federal norte-americana. O relatorio da commissão dos pharoes dos Estados Unidos diz-nos que em l de julho do 1881 existiam nas costas e rios da União os seguintes apparelhos de segurança para a navegação:

Pharoes 700
Barcos-pharoes 29
Signaes do nevoeiro (vapor e ar comprimido)59
Luzes nos rios occidentaes 864
Boias sibilantes automaticas 27
Boias-sinos 11
Differentes boias 3:284

É curioso, e util, ver como a grande republica cuida d'este importante ramo de serviço publico. Para o anno de 1881-1882 as despezas, do custeamento e reparação

1 A descripton and list of the light-houses of the world; London, m 1874.
2 État de l'éclairege et du balisage des côtes de France au ter janiver 1876.
3 Annual report of the ligh-house board to the Secretary of the Treasury for the fiscal year ending June 30, 1881.

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dos edificios e apparelhos existentes, são propostas pela commissão respectiva pela seguinte fórma:

Dollars Réis

Salarios dos pharoleiros 609:000 548:100$000
Despezas dos barcos-pharoes 250:000 225:000$000
Despezas de balizagem 325:000 292:500$000
Despezas de signaes do nevoeiro 60:000 54:000$000
Despezas com os pharoes 375:000 337:000$000
Inspecção das luzes 4:000 3:600$000
Illuminação e balizagem dos
Rios Mississipi, Missouri e Ohio 175:000 157:000$000
Despezas de marcas diurnas 40:000 36:000$000
Estudos para novos pharoes 10:000 9:000$000
Reparações do pharoes 400:000 360:000$000
2.243:000 2.023:200$000

Para a construcção do novos pharoes e de signaes de nevoeiro pediram-se 530:000 dollars ou 477:000$000 réis.

Convem observar que existiam em 1 de julho de 1881 1:015 pharoleiros pagos a 600 dollars por anno, ou cêrca de 540$000 réis, ordenado que entre nós se considera importante para outras classes mais illustradas, e todavia o cuidado por esses servidores do estado é tal, que a commissão não deixa de mencionar ter adquirido cincoenta livrarias especiaes para pharoleiros, que, juntas ás que existiam, perfizeram o numero de trezentas em serviço!

Eis como procede a grande e intelligente republica! Sabio exemplo de boa administração, que nós proporcionalmente deviamos imitar.

Os exemplos podiam multiplicar-se, inutil parece, todavia, accumulal-os. A questão está claramente posta: aquelles que se atrazaram n'esta ordem de melhoramentos carecem de os realisar rapidamente sob pena de lesarem os seus interesses, e alguem acrescentaria: de empanarem o bello nome de nação civilisada.

Nós temos actualmente 26 luzes, das quaes 22 no continente, 2 no archipelago dos Açores e 2 no da Madeira; no seguinte quadro vão estas luzes classificadas pela ordem dos annos, era que primeiro prestaram serviço, e designada a sua importancia.

[Ver tabela na imagem].

(a) Alumiado e costeado pelos pescadores.

N. B. - As letras R C e D designam rotação, catoptrico e dioptrico.

Possuimos, pois, 9 apparelhos lenticulares, ainda assim de menor potencia, oito apparelhos catoptricos e alguns pharolins, que constituem luzes de porto ou de direcção. Realmente a nossa costa continental, que se desenvolve n'um percurso de 741 kilometros, é apenas illuniinada por treze pharoes, que similhante nome mereçam, isto é, a distancia media entre as luzes ascende a 57 kilometros.

Tão tristemente eloquentes se manifestam estes numeros, que as vossas commissões podiam eximir-se de outros commentarios ou apresentação de dados.

Não o devem, porém, fazer. Questões d'esta magnitude merecem ser desenvolvidamente tratadas, a fim de que vós, que sobre ellas sois chamados a resolver, o façaes com pleno conhecimento de causa, e para que a opinião sensata e esclarecida do paiz sustente e avigore os governos, comprehendendo que os sacrificios, que ao povo se exigem, correspondem a grandes interesses e a grandes necessidades nacionaes.

Mal illuminada como actualmente está, não deixa, todavia, a costa continental do paiz do ser rica em portos oceanicos, fluviaes e em bons ancoradouros. Do norte para o sul classifical-os-hemos mais adiante, quando compararmos a nossa actual illuminação com a que provirá da realisação do plano, a que corresponde este projecto de lei.

Da singela comparação d'aquelles elementos resultará: que a illuminação actual da nossa costa, se não satisfaz, nem pela força, nem pelo numero dos apparelhos empregados, aos fins humanitarios de proteger e assegurar o movimento marítimo internacional, que tem de se approximar da nossa costa, menos ainda garante a navegação nacional e a estrangeira, que demanda os nossos portos, e o movimento costeiro, que constitue a pequena cabotagem, importante arteria de permuta commercial.

N'este ponto as vossas commissões reportam-se ao bello relatorio, que antecede a proposta ministerial. As considerações geraes que elle encerra, já em relação ás exigencias da navegação e do commercio continental, já à situação especial e vantajosa dos archipelagos dos Açores e Madei-

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ra; como pontos de escala e de abastecimento de importantes correntes do commercio intercontinental, são absolutamente verdadeiras e sabiamente previstas.

Para não citar senão um exemplo bastará dizer que no anno de 1881, e no porto de Lisboa, as entradas dos navios de escala, vapores de grande lotação na sua totalidade, se elevaram a 966, representando uma tonelagem liquida de 1.170:913 metros cubicos.

Ora esta cifra ha de engrossar successivamente, porque as circumstancias geographicas do porto de Lisboa, as suas boas e aproveitaveis condições physicas hão de, sem a menor duvida, tornal-o um centro de convergencia de muitas linhas commerciaes da Europa, que d'elle divergirão depois para variados pontos do universo.

Facilitar pois o accesso á nossa costa por um bom systema do illuminação e de balizagem é sem duvida alguma, mais ou menos directamente, resolver a importantíssima questão do transformar Lisboa em um porto de escala, de transito e de deposito.

É o prenuncio dos grandes melhoramentos da margem direita do Tejo.
Não menos importante e a protecção e a segurança da nova navegação costeira, não só a que faz economicamente a permuta de grandes valores commerciaes, mas ainda aquella pobre, arriscada e mal remunerada navegação dos pescadores, que occupa milhares de homens e que sustenta milhares de famílias. E não se pense que a pequena cabotagem é muito insignificante; no anno de 1881, representa ella nos dois principaes portos do continente:

[Ver tabela na imagem].

Ora um meio de permuta essencialmente economico, que offerece ao commercio das duas praças mais importantes do paiz uma capacidade liquida, totalmente aproveitavel, de 244:613 metros cubicos, deve transportar annualmente importantes valores de riqueza nacional. Seria interessante e utilíssimo determinar approximadamente esses valores; não pensam, porém, as vossas commissões que existam dados estatísticos, que se prestem a esta investigação.
Para fomentar, pois, a riqueza publica, para nos levantar ainda na hierarchia dos povos civilisados, foi que o governo submetteu á sancção da camara o presente projecto do lei. Approvado elle o projecto de illuminação e de balizagem, elaborado por uma commissão distinctissima, será realisado em cinco annos.

Para esclarecer a questão, evitando aos que succintamente a queiram conhecer o trabalho de uma investigação profunda, apresentam-se os seus topicos; para este effeito, condensando o estado da nossa illuminação actual, e comparando-a com a que ha de advir da realisação do projecto approvado pelo governo, foram elaborados os seguintes quadros synopticos da illuminação actual e da futura illuminação:

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Litoral do continente

[Ver tabela na imagem].

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Portos do continente

[Ver tabela na imagem].

(a) Os seis sinos que não vão descriptos serão collocados em pontos convenientes.

(b) N. B. As letras C, CR e D significam catoptrico, catoptrico de rotação e dioptico.

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[Ver tabela na imagem].

(a) Nos pharoes do archipelago onde forem julgados mais convenientes.

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Da inspecção d'estes quadros resalta immediatamente a pobreza da nossa actual illuminação, quer nas costas quer nos portos. Os nossos portos continentaes. apesar de numerosos, podem considerar-se em completa obscuridade, chegando n'alguns os pobres pescadores a accender e a custear luzes de direcção, indispensaveis para a segurança do seu arriscado trabalho; assim acontece no porto de Espozende, onde mantêem um pharolim, e n'outros ainda, como no de Buarcos, onde accendem luzes e fanaes em occasião de perigo e de grande labutação maritima.

Propõe-se, pois, o governo modificar este lastimoso estado de cousas, creando nas costas marítimas do continente e das ilhas adjacentes uma illuminação excellente e de primeira ordem, e deixando, ao mesmo tempo, todos os nossos portos continentaes e insulanos perfeitamente illuminados; para este fim será necessario proceder á construcção ou melhoramento dos seguintes apparelhos de segurança marítima:

[Ver tabela na imagem].

om estes dados, tendo em vista o relatorio do ministro, os documentos annexos ao projecto de lei e as duas pequenas cartas, que acompanham este relatorio, pensam as vossas commissões ter desbastado e esclarecido o assumpto conforme o dever, que lhes impozestes.

O orçamento d'estas obras decompõe-se nos seguintes elementos principaes:

[Ver tabela na imagem].

É esta innegavelmente uma face importante da questão, sobre a qual principalmente deve resolver o parlamento, deixando, por uma sabia divisão de trabalho e applicação de especialidades, as questões technicas ás diversas estações officiaes, creadas para as estudarem e resolverem com perfeito o scientifico conhecimento do assumpto.

Partindo do principio, em geral prudente na administração financeira de um paiz, de crear receita correspondente nos encargos provenientes dos grandes melhoramentos nacionaes, propõe o governo a elevação de 50 por cento nos actuaes direitos de tonelagem, cuja, media de dez annos se eleva a 96:600$000 réis. Admittido este processo a somma resultante seria no primeiro anno do réis 48:300$000.

Ao primeiro aspecto o plano seduz; convem, todavia, que seja maduramente estudado.

No estado actual do nosso credito, pelo qual circumstancia alguma prevista nos deve fazer receiar, antes pelo contrario nos é licito suppôr em crescente valor e firmeza, podemos obter capital com um encargo nunca superior a 6,5 por cento, talvez a 6 por cento, para juro e amortisação.

A annuidade necessaria para o melhoramento da illuminação e balizagem elevar-se-ha, pois, durante setenta a noventa annos, conforme o periodo da amortisação, a uma somma não excedente a 71:500$000 réis; como, porém, as obras devem ser realisadas em cinco annos teremos durante elles de levantar cinco series com os respectivos encargos:

[Ver tabela na imagem].

Assim, pelo addicional sobre a tonelagem, os encargos seriam cobertos até ao terceiro anno, mas a final o constante annuidade offereceria um excesso sobre o rendimento creado de cerca de 23:000$000 réis; por este lado, pois, os recursos são insufficientes, lauto mais quanto, estando calculado em media o custeamento das obras, depois de construídas, em 10 por cento do seu custo, realmente á differença de 23:000$000 réis acresce annualmente a somma de 110:000$000 réis. Certamente nos melhoramentos, que, como este, são factores da riqueza publica, seria absurdo pedir ao imposto o total dos encargos, que elles produzem nos primeiros annos: era isto desconhecer a essencia e o fim d'esses melhoramentos, porque pelo desenvolvimento da riqueza publica em breve elles compensam os seus transitorios encargos. Admittido, porém, o principio de exigir sempre ao contribuinte a annuidade do capital, que se deve transformar na obra, principio que póde offerecer excepções e mesmo inconvenientes como no caso presente, logico pareceria creal-a no seu inteiro valor.

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E não é tudo ainda. Os direitos de tonelagem podem ser contestados pela sua conveniencia e pela sua desigualdade. Inconvenientes podem ser, porque constituem uma especie de portagem n'essa grande via commercial que se denomina o mar; desiguaes podem manifestar-se, porque não ferem proporcionalmente o contribuinte nacional, que é a final quem paga o encargo. Aliás vejamos.
É sabido que a lei de 27 de dezembro de 1870, modificando a legislação anterior sobre direitos de tonelagem e ancoragem, estabeleceu a taxa fixa de 100 réis por metro cubico de lotação dos navios saídos dos portos do continente e ilhas adjacentes, enumerando as seguintes reducções e isenções:

[Ver tabela na imagem].

Isenções

Navios portuguezes ou estrangeiros entrados em lastro, por franquia ou arribada voluntaria ou forçada, não tendo relisado operação commercial alguma, tomado passageiros, ou saidos em lastro.

Navios portuguezes ou estrangeiros, fazendo escala por um porto, provado o pagamento dos direitos de tonelagem no porto inicial.
Navios portuguezes ou estrangeiros entrados em lastro e saídos com carregamento completo de sal.

Embarcações nacionaes ou estrangeiras empregadas nas pescarias da costa e alto
mar e munidas da competente licença.
Barcos de boca aberta nas ilhas adjacentes.
Navios do guerra nacionaes ou estrangeiros.

Assim resumidas as disposições d'esta lei, vejamos agora qual foi o movimento maritimo de saídas do porto de Lisboas e as sommas correspondentes que, em virtude do imposto de tonelagem, produziu para o thesouro nacional; para este effeito, as vossas commissões compendiaram dos dados estatísticos officiaes o seguinte mappa, que abrange um período de onze annos.

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Embarcações nacionaes e estrangeiras sadas do porto de Lisboa, e correspondente imposto de tonelagem e ancoragem

[Ver tabela na imagem].

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Da inspecção d'este mappa tiram-se algumas conclusões importantes, das quaes apenas serão apontadas as principaes:

1.ª O porto de Lisboa pagou, nos onze annos de 1871 a 1881, a media annual de cerca de 57:000$000 réis, ou seja 59 por cento dos direitos totaes do continente e ilhas, representados em media por 97:000$000 réis, e 67 porcento da media dos mesmos direitos no continente representada por 85:000$000 réis.

2.ª Os direitos de tonelagem no porto de Lisboa principalmente avultam pelos que recaem sobre a navegação estrangeira; effectivamente temos nos onze annos:

Direitos de tonelagem nacional 82:000$000
Direitos de tonelagem estrangeira 548:000$000

Isto é, uma relação de l para 6,7, ou, mais claramente, os direitos pagos pela navegação nacional constituem apenas 15 por cento dos da navegação estrangeira.
Estas conclusões estatísticas merecem serias considerações. Analysando o nosso movimento marítimo de navios de vela de longo curso no mappa anterior, observámos uma queda rapidíssima d'este ramo da nossa navegação; bastará advertir que o numero de saídas em 1881 é muito proximamente metade do accusado em 1871, differença igualmente accusada na respectiva tonelagem, o que torna o caso muito mais grave. Haveria porventura compensação na navegação a vapor de longo curso, isto é, transformação, que aliás seria benefica, de systema de motor? A inspecção da columna respectiva não nos póde deixar a menor esperança ou illusão sobre o assumpto; este ramo da nossa navegação, se não decresce, como parece principalmente de 1875 para o presente, pelo menos conserva-se estacionário. Não é mais florescente a nossa grande cabotagem, ou navegação colonial; o seu estado, se não peiora, conserva-se igualmente estacionario.

Vejamos por ultimo a pequena cabotagem, elemento importantíssimo da permuta nacional: a navegação de vela manifesta-se estacionaria pelo menos; na navegação a vapor, apesar das oscillações dos algarismos representativos, podem descortinar-se tendencias para diminuição. A causa d'este amortecimento é n'este ramo conhecida e, felizmente, compensada a diminuição. Todos babem que o desenvolvimento das vias terrestres, principalmente das acceleradas, ha de nos primeiros tempos actuar directa e profundamente sobre a pequena cabotagem; mas não roubam, transformam, e transformando, embaratecem, facilitam e asseguram as transacções; alguns elementos da riqueza publica deslocam-se, mas o capital nacional subsiste e engrandece-se. Eis tudo.

Pois se a nossa navegação de longo curso esmorece, e d'isto se queixam os armadores e para obviar a isto nomeou o governo uma commissão especial, que deve estudar o assumpto; pois se a nossa navegação colonial não floresce, embora por outros meios soja protegida talvez em excesso; pois se a nossa pequena cabotagem lucta com um terrível adversario, e merece e convem que viva, não será opportuno, certamente, oneral-as com um addicional, que recaindo principalmente sobre a de véla de longo curso a podia tornar ainda mais vacillante e incerta.
E convirá que a navegação estrangeira do porto de Lisboa seja onerada por esse addicional?

Tambem não. Seria uma pessima doutrina economica aquella que vendo apenas a superfície da questão não entrasse no seu amago. A navegação estrangeira não vale pelo que produz para o fisco, mas sim pelo que transporta repetida, rapida e economicamente. Habituar as grandes correntes commerciaes marítimas a tocar no nosso porto, para abastecimento, transporte de cartas, de mercadorias, de passageiros, de idéas e de riquezas emfim, em variadas direcções onde a nossa marinha jamais poderá chegar, deve ser o grande desideratum dos nossos governos, porque é o fim a que miram os paizes, que possuem portos do valor do nosso.
Comprehenda-se bem que um navio arribado produz para a riqueza publica, pelo consumo e abastecimento de que em geral carece, mais do que alguns, que por um augmento da taxa de tonelagem darão algumas centenas de mil réis para o fisco; não se estanque, pois, o manancial pelo corte das pequenas veias liquidas, que produzem a corrente.

Ora, o addicional sobre a taxa de tonelagem iria principalmente recair sobre a navegação estrangeira de véla, que em geral paga o maximo, e sobre os vapores paquetes-correios comprehendidos na segunda isenção, que pagam meia taxa.
Para transformar o porto de Lisboa em um porto commercial de primeira ordem suppõem muitos homens, versados nos estudos economicos e praticos dar, transacções commerciaes, que de futuro será indispensavel fazer desapparecer os direitos de exportação e reexportação, ou pelo menos transformal-os em um direito estatístico; sobre os direitos de tonelagem a mesma opinião se manifesta igualmente, diminuil-os ou eliminal-os eis o que mais acertado parece, e se alguns admittem a sua elevação, é quando exclusiva e especificadamente o seu producto reverta em beneficio de melhoramento do porto, que a soffrerá como compensado sacrificio.

Incontestavelmente o governo teve rasões ponderosas para lançar mão do addicional sobre os direitos de tonelagem; como as vossas commissões têem em mira principal, tanto quanto o podem fazer, esclarecer-vos o assumpto por fórma que sobre elle soberanamente delibereis como justo for, não se furtam ao trabalho de vol-as enumerar. Havia em primeiro logar a rasão do fim, para que foi creado o imposto de tonelagem, que vós sabeis ter sido o da illuminação das costas, e não pareça a alguem esta rasão de pequena importancia; a questão do nome, da existencia de um imposto, não contribuo pouco para a facilidade da sua cobrança ou augmento. Os inglezes, grandes mestres da governação constitucional, creando no fim do seculo passado um imposto excepcional de guerra, como lhes chamavam, o income tax (o imposto de renda) apesar de o terem apresentado como transitorio, ainda até hoje o conservam no seu systema tributario; salvo uma interrupção pequena, a taxa tem variado, ora consideravel, ora diminuta, consoante as necessidades do thesouro, mas sempre visível no orçamento. E sabeis vós por que o conservam? Porque é relativamente facil elevar a taxa de um imposto existente, e difficilimo assentar um novo imposto. Lá, como em toda a parte, o povo manifesta uma anomalia singular: todos querem melhoramentos, poucos os querem pagar.

Ora os estadistas inglezes, que, por necessidade de cargo e por tendencia de raça, são homens essencialmente praticos, e porque sabem que os governos governam com às virtudes e os defeitos do povo e, sobretudo, administram com dinheiro, têem recuado quasi todos ante a exigencia de eliminar o income tax; é certo que outras rasões militam para seguir esta resolução, mas a que apontâmos não é de somenos importancia.

Teve o governo ainda uma outra rasão não menos ponderosa, e é que, sendo o producto do addicional relativamente pequeno vista a exiguidade do principal, sobre que ia recair, a sua acção não alteraria sensivelmente as condições actuaes do nosso movimento maritimo. Este raciocínio póde julgar-se exacto logo que se perca de vista o futuro, mas por varias considerações as vossas commissões reunidas presumem que o incremento da navegação que se lhes antolha importante realisados certos e determinados melhoramentos no porto de Lisboa e construido o porto de Leixões, podia ser diminuído pela influencia de um addicional. Questão de opinião que apreciareis.

Levantava-se por ultimo uma rasão ponderosa para todos os governos, e que todos se vêem forçados a acatar.

Embora a nossa riqueza nacional tenha triplicado ou quadruplicado em cincoenta annos; embora o nosso orça-

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mento caminhe, lenta mas innegavelmente, para um justo equilíbrio das receitas e despezas ordinarias; embora o desenvolvimento evidente das commodidades e do bem estar do povo demonstre, visto que a economia nacional não tem diminuído, o crescimento dos seus haveres, e por isso do credito e da pujança do estado, que não é senão a resultante de todas as forças populares, convence-se muita gente que as nossas condições economicas e financeiras são difficeis e mesmo perigosas.

Os governos têem, pois, de apresentar timidamente os seus grandes projectos e qualquer que seja a difficuldade, e por vezes a injustiça, que elles reconhecem, vêem-se obrigados a crear para elles uma receita qualquer. Ora muitas vezes, em vez de arrancar ao capital nacional essa receita que elle reproduz em cada instante, é preferível esperar o desenvolvimento das fontes ordinarias do orçamento pela acção dos melhoramentos, que se intentam, ou pelo menos estudal-a para crear receita sem prejudicar as forças vivas do paiz.

Cabe n'este ponto um exemplo historico, que é util expor aos mais tímidos; quando no fim do seculo passado o grande ministro inglez, Pitt, chefe do partido tory, passando por sobre a opposição whig dirigida por homens aliás eminentes, como Fox, levou a Inglaterra a ser a alma e a bolsa da celebro liga continental contra a França napoleonica, os milhões esterlinos inglezes substituíram os exercitos, que o paiz não possuía. Com mão larga e energica o ministro inglez distribuiu os subsidos pecuniarios para a guerra ás potencias continentaes.

Dezenas de milhões se espalharam n'este intuito, depois da Inglaterra ter despendido incalculaveis sommas e feito esforços admiraveis para a creação e a conservação do seu prodigioso imperio colonial, de ter engolphado cêrca de 120 milhões esterlinos na guerra da successão da Austria e perto de 160 milhões na guerra dos Sete Annos: pois durante esse período muitos economistas inglezes, que João Sinclair, auctor da Historia do imposto, enumera até vinte e dois, vaticinaram-lhe a bancarota 1. O que valia aquella terrível prophecia sabem-n'o as gerações presentes, quando vêem hoje, em resultado dos seus titanicos esforços, a Inglaterra uma das primeiras potencias europeas, a primeira sem duvida pelo seu commercio, pela sua industria, pela sua marinha mercante e pelos seus poderosos capitães.

Exemplo é este de energia, que nos limites da nossa pequenez convem não perder de vista.

Não acceitando, portanto, o addicional sobre os direitos de tonelagem pelas rasões expendidas, entenderam as vossas commissões, que deviam estudar outras fontes de receita.

Em todos os estados, que se regem pelo systema da liberdade industrial e commercial, se encontra nos orçamentos uma verba de receita crescida, e, digamos em verdade, eminentemente elastica.

Provém ella de um imposto, que, possuindo todas as vantagens dos indirectos, não manifesta uma sequer das suas injustiças o das suas iniquidades; recáe sobre uma materia eminentemente collectavel, que hoje constitue uma necessidade para a vida, necessidade felizmente fundada sobre um vicio e não sobre uma exigencia da conservação individual. É o imposto sobre o tabaco. Uma objecção se póde elevar contra um augmento da sua percentagem taxativa; veremos mais tardo que foi julgada producente.

Desde a extincção do monopolio o rendimento do imposto sobre o tabaco tem sido o seguinte, por classes:

Dupont-White na introducção do Governo representativo de Stuart-Mil.

Direitos do tabaco nos annos abaixo designados

[Ver tabela na imagem].

D'estes dados estatísticos se conclue a grande progressão, que manifesta este imposto e, apesar do adiantamento produzido pela lei de 1879, que lançou um addicional de 20 por cento sobre o principal, é licito admittir que elle attingiu uma cifra de 3.000:000$000 réis no continente, com accentuadas tendencias para crescer 1.

Como igualmente é sabido, a lei de 1881 transformou a compensação da receita estabelecida para o archipelago dos Açores e da Madeira, que rendia 40:000$000 réis, n'um direito fixo do 160 réis por kilogramma de tabaco manipulado. A commissão do fazenda calculou, quando discutiu esta medida, que este direito fixo daria um rendimento igual ao que produzia a compensação pelos direitos do tabaco. São, pois, 3.000:000$000 réis sobre que podemos lançar um addicional, além do direito fixo dos archipelagos.
2,5 por cento sobre aquella quantia produziriam pois 75:000$000 réis, sem o menor encargo de percepção, sem 1 no anno de 1882 rendeu 3.030:500$000 réis,
o mais leve attrito dos legítimos interesses; e nem tanto seria preciso, porque, attendendo ao rapido incremento do principal, um addicional de 2 por cento dando cerca de 60:000$000 réis, seria mais do que sufficiente. Deve ainda observar-se que sendo os encargos da illuminação e balizagem crescentes em cinco annos, o addicional até ao terceiro anno podia apenas ser de 1 por cento.

Os impostos sobre o tabaco, exceptuando o charuto, que pouco produz, são:

Sobre a folha.............. 1$680 réis por kilogramma
Sobre o rôlo............... 1$440 réis por kilogramma

como a folha é que realmente origina a parcella importante do rendimento, o que se deduz do quadro acima transcripto, sobre este ponto concentraremos os nossos raciocínios. O valor medio do kilogramma da folha de tabaco posto na alfandega de Lisboa, ou n'outra qualquer, isento do direito, oscilla entre 300 a 400 réis, muito provavelmente approxima-se do limite inferior; tomemos, portanto, o valor de 350 réis.

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N'esta hypothese o direito representa 480 por cento do valor do producto.
Elevando, portanto, o direito de 1$680 a 1$720 réis, o de 1$440 a 1$480 réis, o que corresponde n um addicional de 2,5 por cento, e o direito fixo de 160 a 185 réis nas ilhas, o estado perceberia immediatamente cerca de 81:000$000 réis, quantia quo excedo a annuidade maxima dos encargos.

Este processo, que a primeira inspecção póde mostrar-se mais rasoavel, offerece todavia algumas duvidas.

A lei de 1879 produziu, como é sabido, uma verdadeira antecipação de direitos, para ter esta opinião basta comparar a somma dos direitos do tabaco no anno de 1880 com a dos annos antecedentes e consequentes; ora de então para cá não possuímos o numero necessario de termos ou rendimentos annuaes para uma rigorosa apreciação dos effeitos d'aquella lei. O raciocínio 4, portanto, simples; se o addicional lançado em 1879 contribuiu excessivamente para o augmento do contrabando, qualquer addicional lançado agora iria necessariamente engrossar aquella causa, aliás, se n'este sentido foi inoffensivo, não seria por certo um pequeno augmento actual, que faria avultar os ganhos, que convidam o commercio fraudulento. Resta esperar que os elementos estatísticos, os unicos seguros em questões d'esta ordem, possam indicar o que melhor convem seguir n'este sentido; julgam, pois, as vossas commissões este processo inferior ao proposto por inopportuno.

Restava ainda um meio, que as vossas commissões estudaram: um addicional sobre a importação. Offerece este, como todos, varios inconvenientes, e com elle não concorda o governo, que o reserva, como fonte de receita muito justa e fecunda, para fazer face ás grandes obras marítimas, que em breve se deverão tentar. São igualmente d'esta opinião as vossas commissões.

Em vista, pois, das rasões e das opiniões expostas, que aliás não contrariam as do governo, com que estamos em pleno accordo depois de madura e apurada discussão, julgam as vossas commissões reunidas que deve ser approvada a proposta governamental, salva uma ligeira modificação:

Considerando, pois, que o augmento sobre os direitos do tabaco pude soffrer serias objecções, que só o tempo, proporcionando seguros dados estatísticos, poderá resolver satisfactoriamente;

Considerando que um augmento dos direitos de importação deve ter um fim especial e de subida utilidade publica, como é o da construcção e melhoramentos dos portos nacionaes;

Considerando que o alvitre proposto pelo governo, com quanto seja o melhor de todos os estudados, não é isento de inconvenientes, como ficou provado;
Considerando que a despeza com a construcção das obras se manifesta gradual e successivamente em cinco annos e por parcellas relativamente pequenas, attingindo o maximo no fim d'aquelle período, sendo então occasião opportuna e favoravel para resolver as questões que ficam pendentes por carencia de elementos estatísticos seguros e indiscutiveis;

Considerando, finalmente, que é sempre prudente estudar a acção fertilisadora dos grandes melhoramentos materiaes sobre as fontes da receita publica, que directamente influenciam, podendo succeder que esta acção no caso presente se manifeste, como aliás é provavel, por um rapido crescimento das receitas provenientes dos diferentes impostos, que recaem sobre a navegação nacional e estrangeira:

São as vossas commissões reunidas de opinião que deve ser approvado o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a executar sucessivamente, e no período de cinco annos, as obras e melhoramentos constantes do plano, que forma parte integrante da presente lei para o allumiamento e balizagem dos portos e costas marítimas do continente de Portugal e das ilhas adjacentes.

§ 1.° O governo levantará, pelos meios que julgar mais convenientes e sem prejuízo para os interesses do thesouro, os fundos necessarios para a successiva execução do plano de alumiamento e balizagem, dando conta ao parlamento do uso que fizer d'esta auctorisação, e em tempo opportuno proverá á creação dos recursos, que façam face aos encargos totaes provenientes da completa realisação d'aquelle plano.

§ 2.° O governo inscreverá no orçamento geral do estado as sommas, que annualmente se reputarem necessarias para a realisação d'aquellas obras e melhoramentos e para o custeamento dos serviços respectivos, em harmonia com a auctorisação conferida por esta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões das commissões, 29 de janeiro de 1883. = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Caetano Pereira Sanches de Castro = João Eduardo Scarnichia = Luciano Cordeiro = Pedro Roberto Dias da Silva - Adolpho Pimentel = A. C. Ferreira do Mesquita - José Maria dos Santos = Manuel d'Assumpção = H. Gomes da Palma = J. P. Avellar Machado = Lourenço Malheiro = Antonio José d'Avila, == Angelo de Sarrea Prado = José Gonçalves Pereira dos Santos = Eugenio de Azevedo = Fontes Ganhado = Antonio Maria Pereira Carrilho (com declarações) = Tito Augusto de Carvalho = Augusto de Castilho - Sousa e Silva = Antonio Manuel da Cunha Bellem = Gomes Barbosa (com declarações) = Custodio de Borja = Filippe de Carvalho = Augusto Fuschini (relator).

O sr. Presidente: - Está em discussão tanto na generalidade, como na especialidade.

O sr. Fuschini (relator): - Pedi a palavra para esclarecer a camara sobre uma diabrura typographica que apresenta o mappa da pagina 10 do relatorio.
Na columna correspondente aos direitos de tonelagem e ancoragem dos navios nacionaes ha uma transposição; as ultimas quatro parcellas devera por sua ordem passar para o primeiro logar, isto é, para 1871, 1872, 1873 e 1874, seguindo-se as restantes tambem pela mesma ordem em que estão.

Na primeira conclusão da pagina 11 devem igualmente fazer-se algumas rectificações, a media annual computada em 63:000$000 réis, porque por engano a tomei sobre dez annos, quando a serie é de onze, devo descer a 57:000$000 réis, vindo a primeira percentagem a 59 por cento e a segunda a 67 por cento.

O mesmo erro se manifesta na segunda conclusão, onde será melhor ler-se direitos de tonelagem nacional, réis 82:000$000, e direitos de tonelagem estrangeira, réis 548:000$000, isto é, uma relação do l para 6, 7, ou, mais claramente, os direitos pagos pela navegação nacional constituem apenas 15 por cento dos da navegação estrangeira.»

Estas incorrecções, que aliás em nada alteram ou modificam as conclusões geraes do relatorio são explicaveis, e talvez desculpaveis, pela rapidez relativa com que se realisam os trabalhos d'esta ordem.

Ha tambem na designação dos pharoes da ilha Terceira um pequeno erro, que esse não é da minha responsabilidade, chama-se ponta de S. Jorge ao cabo, que nas cartas apparece sob a designação de ponta das Contendas.

Outras pequenas incorrecções typographicas offerece o relatorio, quo facil será rectificar; por isso peço a v. exa. que antes da sua publicação no Diario da camara mando proceder a este trabalho.

O sr. Presidente: - Será satisfeito o pedido do illustre deputado.

O sr. D. José de Saldanha (na tribuna}: - Sr. presidente, subi a este logar, não porque pretenda fazer ura longo discurso, mas para obedecer ao pedido que v. exa.

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tem feito aos meus collegas, a todos os membros d'esta casa, e que eu julgo ter em vista o poder o orador melhor ser ouvido pelos srs. tachygraphos, e tambem por todos os ouvintes.

Começo, pois, por mandar para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que sejam eliminadas, no artigo 1.°, as palavras = e no período de cinco annos. =»

Sr. presidente, quem ler o projecto de lei, que está em discussão, apresentado pelas commissões de fazenda, marinha e obras publicas, e o comparar com a proposta do governo, nota uma differença importante, pela qual louvo as commissões, e essa differença existe na parte que se refere á receita a crear para occorrer ás obras, a que dizem respeito um o outro documentos.

Sobre este ponto não apresentarei mais considerações, porque as commissões indicam no seu relatorio as rasões que as levaram a seguir caminho differente d'aquelle que tinha sido apontado pelo governo; e ou, como já o declarei, approvo o procedimento das commissões, mas em relação ao artigo 1.° do projecto de lei é que eu me julgo no dever de fazer algumas observações.

Segundo a redacção d'esse artigo o governo fica auctorisado a executar successivamente, e no período de cinco annos, as obras e melhoramentos constantes do projecto; mas é certo que as palavras «e no periodo de cinco annos» podem significar que o governo fica forçosamente obrigado a dar execução a essas obras e a completar as no decurso do periodo restricto de cinco annos; podendo, com tudo, entender-se uma outra cousa, que não está bem clara, isto é, que dentro do praso dos cinco annos, mas em menos ou muito menos de cinco annos, fica o governo auctorisado a emprehender e a completar essas obras.

Isto tudo é o que, segundo o meu modo de ver, não é bom, porque então não se harmonisa bem o que se diz no artigo 1.° com o que está exarado no § 1.°, quando n'este paragrapho se declara que o governo, para occorrer a taes encargos, recorrerá aos meios, que julgar mais convenientes, para levantar os fundos necessarios para fazer face ás obras projectadas.

Já tive occasião de dizer aqui, o anno passado, e commigo o affirmaram outros srs. deputados, que a nossa principal questão é a questão de fazenda, e creio que o governo, pondo de parte quaesquer questões politicas, deve tratar do resolver a questão de fazenda, tanto mais quanto é certo que, desde que ella fique resolvida, tudo o mais facilmente se resolverá pela força das circumstancias, e teremos, sem difficuldades, sem perigos pelo menos, todos os melhoramentos materiaes de que o paiz carece.

O paiz, sr. presidente, pela experiencia, pela pratica que eu tenho, requer, estou d'isso convencido, tres cousas: a primeira, boa administração da fazenda publica; a segunda, justiça prompta e barata, o que tambem não temos; a terceira, desenvolvimento intellectual e moral em todas as camadas sociaes.
Desde o momento em que a uma camara se apresenta um projecto de lei como este, que está em discussão, que traz um aggravamento tão grande para as circumstancias do thesouro publico, é para lamentar, sr. presidente, que se imponha o praso restricto de cinco annos para o governo executar taes obras; dando-se a esse governo, como a camara vê pelo mesmo projecto, auctorisação para recorrer a todos os meios, a fim de levantar o dinheiro, o capital, necessario para realisar dentro do praso de cinco annos as obras que constam do projecto de lei.

Eu sei que hoje não está, ou não parece estar, no espirito dos governos, quando sobem ás cadeiras do poder, apresentar grandes programmas, mas vou vendo que na pratica se segue um systema curioso: apresenta-se um trabalho, como este, que e para louvar pela maneira por que está feito, mas que no fim de contas é uma aspiração, um desejo, e não uma cousa pratica o exequível em harmonia com as nossas forças pecuniarias.

Sr. presidente, eu não entro na parte da questão que se refere ao assumpto technico, porque não estou habilitado para o fazer, mas chamo a attenção de todos para os encargos que este projecto de lei póde trazer, ha de trazer, para o thesouro publico, e sobre este ponto eu quero dar o meu contingente para fazer pensar os meus collegas, que têem de dar o seu voto, para os fazer meditar no alcanço que póde ter o dar uma auctorisação ampla ao governo para este realisar trabalhos tão dispendiosos dentro do praso de cinco annos.

Poderia alongar-me sobre este assumpto, porque sei que elle se presta a grandes considerações. Não o faço, mas devo fazer outra declaração: se forem apresentadas quaesquer observações em contrario da minha proposta, como não me será possivel comparecer n'esta casa na segunda feira, e provavelmente tambem na terça feira da semana seguinte, peço e espero que não só julgue a minha ausencia devida ao desejo de me eximir da discussão ou á falta de argumentos meus para rebater, segundo o meu modo de ver, quaesquer argumentos desfavoraveis á minha proposta, ou ainda a menos consideração e respeito da minha parte para com quem me atacar.

A minha proposta, sr. presidente, não tem por fim dirigir censuras a pessoa alguma; assim como tambem, sr. presidente, nunca emitto a minha opinião sobre qualquer assumpto d'esta ordem julgando que essa minha opinião não seja susceptível de discussão, de impugnação: não me considero com lição profunda e sabida em qualquer ramo dos conhecimentos humanos, e muito menos me inculco como grande financeiro, como magister n'esta materia; mas sou levado pelas minhas opiniões, pelas minhas convicções, a declarar, ainda mais uma vez, que a questão de fazenda e, para nós portuguezes, a questão mais importante.

Hontem foi aqui tocado, e muito bem, por um dos nossos collegas, um ponto essencial d'essa questão; ponto, a meu ver, da maxima importancia.

É necessario que se saiba, é necessario que se diga francamente, que, emquanto nós nos demorâmos, por circumstancias, devidas a indolencia natural ou talvez antes devidas ao machinismo, ao systema burocratico, que entre nós domina e predomina, e ao qual já me referi o anno passado; digo, emquanto nós nos demorâmos e deixâmos de tratar, com afinco, do estudo e da resolução de questões importantíssimas para o nosso regimen economico e financeiro, a nação vizinha vão tratando d'elles com o maximo cuidado, e eu desejaria que não viesse a succeder em relação a Portugal e por parte da Hespanha o que succedeu á França por parte da Allemanha, quando se declarou a guerra franco-prussiana, isto é, conhecerem os nossos vizinhos, com os quaes felizmente estamos em boas relações, as condições do nosso paiz melhor do que os proprios naturaes.

Em relação ao ponto, a que se referiu tão lucidamente, na sessão de hontem, o sr. Pinto de Magalhães, o tratado aduaneiro, tambem é possível que d'elle se não trate, e que mais tarde a Hespanha nos dê a entender que descurámos este assumpto. (Apoiados.)

Este ponto, e muitos outros, hão de provavelmente ser tratados, quando mais tarde se discutir o orçamento, e n'este occasião, se v. exa. m'o permittir e os meus collegas me quizerem ouvir, talvez eu procure dizer alguma cousa mais.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

roponho que sejam eliminadas, no artigo 1.° as palavras «e no periodo de cinco annos». = D. José da Saldanha.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro)

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(S. exca. não reviu as notas tachygraphicas): - Direi apenas algumas palavras em resposta ao illustre deputado o sr. D. José de Saldanha.

S. exa. apresentou uma proposta para que no artigo 1.°, não no artigo 2.°, se eliminassem as palavras «no periodo de cinco annos»; deixando, por conseguinte, de se fixar a época dentro da qual deveria estar levado a effeito o trabalho do plano de allumiação e balizagem das costas marítimas e portos de Portugal e ilhas adjacentes.

Não vejo inconveniente na manutenção d'estas palavras; é uma base que o governo tem, pela qual se póde dirigir na execução d'esse plano.

Por essa base, de accordo com as indicações que lhe forem suggeridas pelas estações competentes, o governo irá successivamente encaminhando os trabalhos da execução d'este plano, o propondo ao parlamento os meios necessarios para os executar.

Parece-me que estes dois princípios, longe de brigarem um com o outro, pelo contrario, perfeitamente se harmonisam.

E parece-me tambem, que a base que se adopta de cinco annos para, a execução d'estes trabalhos não é demasiadamente latitudinaria.

Parece-me, como se acha sufficientemente expendido no relatorio que precede o projecto, que o encargo que d'ahi resulta se vae gradualmente proporcionando, de fórma que, em virtude do § 2.°, póde o governo opportunamente propor os meios necessarios para lhe fazer face.

Concordo com o illustre deputado, em que é uma necessidade indeclinavel a resolução da questão de fazenda; mas permitta-me s. exa. que lhe diga, que nós não precisámos só da resolução da questão de fazenda ou de termos justiça em melhores condições, e gratuitamente até, se fosse possível, e, emfim, de obtermos outros melhoramentos a que s. exa. se referiu, taes como o melhoramento intellectual e a diffusão do instrucção no paiz. Para mim a questão de fazenda não póde ser encarada sob o ponto de vista restricto por que, me parece, a encarou o illustre deputado. A questão de fazenda é muito complexa; não consiste em lançar impostos e em levantar emprestimos, consiste em fomentar a riqueza publica, para que d'ahi provenha largo acrescimo no rendimento da nação; acrescimo que é mais importante e mais facil de obter quando devidamente se proporcionam os meios de acquisição, resultado este que se deseja obter sem os meios violentos de que o governo se vê muitas vezes obrigado a lançar mão.
Dadas estas explicações ao illustre deputado, parece-me, repito, que não haverá inconveniente em se manterem aquellas palavras a que s. exa. se referiu, como uma base que o governo terá na direcção dos trabalhos para a execução d'este plano.

E, uma vez que estou com a palavra, permitta-me v. exa. que, não em resposta ao illustre deputado que me precedeu, mas como esclarecimento para a camara, eu diga como entendo que se póde levar a execução este plano. Entendo que este importante melhoramento só póde ser levado á execução realisado por conta do estado. (Apoiados.)

A resolução d'este plano não póde nem deve entregar-se a uma companhia qualquer, por muito solido que seja o seu credito e os seus capitães. Aqui não ha sómente uma parte technica, d'estas que estão ao alcance de todos, que são triviaes na execução de obras aliás importantes para o paiz; aqui ha que attender a uma parto muito importante, e n'essa só o governo póde determinar-se, ouvindo a cada passo, e successivamente, a opinião das pessoas mais competentes para o elucidarem e aconselharem.

É claro que, pelo que toca á construcção technica dos pharoes, póde o governo emprehendel-a por meio de empreitadas parciaes ou tarefas; por estes meios, emfim, que estão previstos nos regulamentos de obras publicas; mas por outro lado não póde o governo prescindir da applicação de um principio que anda hoje na mente de todos, em que o concurso não póde ter logar, porque o verdadeiro concurso está na superioridade dos apparelhos de que o governo se deve munir para montar é estabelecer os pharoes. (Apoiados.)

Por conseguinte é evidente que, n'este assumpto, o governo não póde, a meu ver, deixar de realisar este plano por administração sua; inspirando-se, repito, a cada passo nas indicações das pessoas que scientificamente o possam aconselhar, para que, realisado este grande melhoramento, elle offereça todas as condições de estabilidade, solidez e utilidade pratica.

E uma vez encetados e dirigidos os trabalhos por esta fórma, com a boa vontade da parte do governo e a cooperação, sempre illustrada, da parte do parlamento, poderemos ter, dentro de uma epocha relativamente curta, o que actualmente não temos um systema completo de allumiamento e balizagem nas nossas costas, para que não continuemos na omissão gravíssima em que temos incorrido, deixando ter completamente ás escuras uma larga extensão de litoral, que nada aproveita á navegação e lhe póde até causar graves damnos.

Tenho dito.

O sr. Wenceslau de Lima: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de dispensar-me de subir á tribuna, visto serem muito poucas as considerações que tenho de apresentar á camara.

O sr. Presidente: - Não tenho duvida em acceder ao desejo do illustre deputado, mas lembrava a s. exa. que tivesse a bondade de approximar-se um pouco mais da mesa dos srs. tachygraphos, a fim de poder ser melhor ouvido o seu discurso.
O sr. Wenceslau de Lima: - Não era minha intenção tomar parte n'este debate; ruas desde que o sr. D. José de Saldanha consignou a opinião de que aos deputados como a obrigação de expenderem as suas idéas, de exararem no Diario das sessões qual o seu juizo ácerca dos projectos grandiosos do governo, entendi que não devia ficar silencioso.

Não posso conformar-me de modo algum com o pensar de s. exa., de que projectos grandiosos não devem ser trazidos á discussão nas circumstancias actuaes do thesouro; antes julgo muito louvavel que o nobre ministro das obras publicas tome sobre seus hombros emprehendimentos de largo alcance como este da illuminação das nossas costas marítimas, e todos quantos concorram abertamente para o desenvolvimento do nosso commercio e industrias.

Por certo que o actual projecto de lei, que se encontra tão intimamente ligado com outros, e francamente orientados n'esse intuito, nos dá a certeza de que o illustre ministro não descura a validação das nossas forças productivas tão depauperadas e carecidas de novo regimen economico, que felizmente me parece tem de ser iniciado. É com elle, é pela creação e desenvolvimento das fontes de receita, que o thesouro ha de prosperar, auferindo haveres com que solva os seus compromissos, e permitta ao estado emprehender novos commettimentos, que a civilisação e o progresso reclamam instantemente. Tudo quanto se dirija n'este sentido merece a minha approvação franca e sincera; e n'este caso está, segundo creio, o plano do digno ministro das obras publicas, de que eu, tomo como o meras parcellas, não só a proposta de lei hoje em discussão, mas tambem a que se refere ás marcas de fabrica, é outras de cujo titulo me não recordo agora, e que concorrerão com certeza para o desenvolvimento da nossa industria e commercio.
Felicito, por isso, s. exa., longe de o censurar; e já que tomei a palavra consinta-me a camara que ainda occupe por algum tempo a sua attenção, pedindo-lhe desde já me releve esta ousadia, que se escuda de um bom desejo - o de concorrer para o bem da minha patria, e para o lustre do partido regenerador, ainda que humilimamente, porque

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mais não posso, e n'isto me cabe tão sómente a honra de concitar mais de momento o muito saber do sr. Hintze Ribeiro para um assumpto, que eu julgo talhado de molde a exercitar a tenacidade e talento de que s. exa. sempre deu provas, já como deputado e ainda nos conselhos da corôa, mantendo intactas as tradições gloriosas de um partido que se preza de ter a peito o desenvolvimento material do paiz, e consigna no seu programma o progresso economico da nação portugueza.
Eu entendo, como facilmente se deprehende do que acabo de dizer, que é com amplas reformas sabiamente economicas, como esta que tem de ser encetada, que nós havemos de restaurar as nossas finanças. Sei que o estado d'ellas não é prospero; mas não é com poupanças mesquinhas, e sim com vastos planos economicos, que conseguiremos equilibrar a nossa receita e despeza.
A riqueza nacional é enorme, mas desgraçadamente morta, esteril, por assim dizer potencial, carecendo para se tornar effectiva e util da acção de homens de talento, que a organisem, que lhe insuflem vida e dêem vigor creando d'este a verdadeira riqueza publica.

Para se operar essa transformação é principalmente necessario organisar as industrias.

Sei que á gravosa pauta aduaneira de 1837 se attribue commummente um certo movimento de vitalidade que desde então até hoje se tem accentuado no nosso paiz; portanto pareceria que eu, tomando parte n'este debate para responder ao sr. D. José de Saldanha, e propugnar o levantamento do commercio e industria portugueza, viria tornar-me echo d'essa opinião, defendendo e apontando alvitres que se filiassem de um modo directo em doutrinas proteccionistas.
Não o faço, porque é outro o meu modo de apreciar a acção benefica da pauta de 1837.

Essa pauta alfandegaria exageradamente proteccionista actuou simplesmente como um estimulante no indolente caracter portuguez: não animou as nossas industrias, mas unicamente os portuguezes, vencendo-lhes a preguiça nativa, compellindo-os a tornarem-se industriaes e a entrarem na lucta, convencidos de que eram invulneraveis sob essa couraça de protecção. Creou-se, d'essa fórma, um certo numero de focos industriaes, que se multiplicaram pelo paiz; e que não nos trouxeram, segundo o meu modo de ver, um progresso real e apenas fictício. O progresso real e o premio do vencedor no combate, e não se póde considerar vencedor quem enfraquece o adversario, sangrando-o, onerando-o, para só então o deixar entrar na liça. Vencer em taes condições nem demonstra vigor e merecimentos, nem dá gloria; dá quando muito a lisonja que só póde agradar aos viciosos que ás corrupções e fraquezas do organismo physico juntam a corrupção e fraqueza do organismo moral, que se chama orgulho. Isto não são simplesmente palavras que eu venha aqui levantar sem um solido alicerce de factos: são palavras que synthetisam os acontecimentos dos ultimos quarenta o tantos annos, e sobre elles se apoiam. Á sombra da pauta aduaneira de 1837 nasceram e vegetaram algumas industrias, que arrastam ainda hoje uma vida estiolada á mingua de ar livre, e da intensa luz que inunda e banha o campo da lucta; industrias que conseguiram não supplantar, nem sequer igualar, as similares estrangeiras, logrando tão sómente locupletar as industrias que surgiram a coberto d'essa pauta que as armou para uma lucta ingloria, para uma lucta de fracos, onde alcançaram por unico premio a lisonja do lucro. É preciso terminar com este estado de cousas, é preciso avigorarmo-nos para entrarmos na lucta como fortes, e não andar sugando forças estranhas, que apenas nos permitte uma vida desleal e fallaz.

Não cuide agora tambem v. exa. sr. presidente, que ao dizer estas palavras me passa pela mente o utopismo seductor de um livre cambio pleno e o desejo de o ver florir no meu paiz. Não.

Eu sei bem que a evolução sociologica das nações, bem como a evolução geologica do solo em que assentam, não é synchronica para todos. Sei que as phases por que passam são identicas ou similhantes, mas diversa a sua duração e o momento em que n'ellas entram, e que Portugal ainda não caminhou toda a longa serie de periodos economicos que a humanidade registou nos fastos da sua historia.
Por isso eu entendo que na lucta economica não podemos ainda fiar da terrível lei da concorrencia; mas julgo tambem que não podemos furtar-nos constantemente á sua acção benefica e fecundante. Por isso iniciemos desde já medidas que nos estimulem o caracter, que nos obriguem a crear industrias, e depois de creadas entreguem-se lenta e discretamente á acção da concorrencia.

Taes me parecem os princípios sobre que deve basear-se a reforma economica de que carecemos, e taes me parecem na realidade os princípios a que se attendeu na reforma que eu me comprazo em julgar começada. Por isso repito as minhas felicitações ao illustre ministro que acaba de abrir caminho n'este sentido, o mais rapidamente conducente ao desenvolvimento das nossas industrias.

Pela minha parte desejaria que taes expedientes não nos fossem já necessarios, e que tudo dimanasse de uma espontanea iniciativa particular. V. exa. sabe, porém, perfeitamente, que em Portugal não se póde ter em grande conta uma iniciativa d'essa ordem. Espera-se tudo da acção do poder central, que por tal motivo não deve ainda deixar de mão a acção tutelar que póde exercer sobre as nossas industrias, devendo pelo contrario não abandonar uma unica arma que o auxilie n'esta peleja patriotica. Algumas vem de ser indicadas pelo nobre ministro das obras publicas em proposta contemporanea da que actualmente occupa a attenção da camara, e é a isenção de impostos concedida a certos minerios, como é o ferro, que vá alimentar a industria siderurgica, isenções de que eu entendo se deve usar mais largamente, estendendo-as, por exemplo, ao carvão, onde se talha a pedra angular de todo o edificio industrial. E, alem d'este, outros meios ha ainda de mais largo alcance a que o governo póde recorrer. Refiro-me ao ensino profissional, mas a um ensino profissional util, ensino que vá desde o aprendiz ao operario, desde o chefe de officina ao mais graduado de uma industria qualquer, e que termine de uma vez para sempre com o reinado do curioso; do curioso, não no sentido nobre e elevado da palavra, do homem que inquire o quer saber, mas no sentido baixo e verdadeiramente nacional do homem que esconde uns processos antiquados, que aprendeu n'uns alfarrabios velhos, e com que arruina as nossas industrias e ganha fóros de verdadeiro sabio, do mais genuíno representante da sciencia revelada na terra.

Taes são as rasões que me levam a pedir com toda a urgencia a v. exa., sr. presidente, que faça entrar em discussão, logo que se ultime a que diz respeito á proposta dos pharoes, todas quantas com ella directamente se relacionam: e aos srs. ministros das obras publicas e reino que attentem bem na necessidade de reformar o nosso ensino profissional, por fórma a que elle não seja um todo desconnexo e defeituoso, mas sim mais uma obra sua de que como portuguezes possamos ufanar-nos.

O ensino profissional creado n'estas condições ha de acabar com o estado de anarchia, profundamente lastimoso em que elle está hoje entre nós, e que me leva a dizer, sem grande receio de ser desmentido, que a não ser talvez na classe medica, não saem das nossas escolas profissionaes alumnos habilitados a exercerem o mister a que se destinam. E não é isso para admirar, porquanto a engenheria de minas, por exemplo, que entre nós seria utilíssima, attendendo á grande riqueza mineralogica que possuimos, é na nossa instrucção publica representada pela academia polytechnica, onde em meia duzia de lições no fim de um cursei de zoologia se dá toda a mineralogia, toda a

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geologia e toda a paleontogia, onde não ha uma só collecção regular de mineraes, rochas e fosseis que sirvam para o ensino, e d'onde conseguintemente os alumnos saem legalmente habilitados a ignorar a differença, que existe entre um calcareo e o granito, entre um feldspatho e o quartzo; e pela faculdade de philosophia, uma faculdade de sciencias puras, onde não existe uma unica cadeira de construcção, e na qual collocaram, por extrema irrisão, um curso de arte de minas no fim do programma de mineralogia e geologia, curso que o notavel professor, a cargo de quem está a regencia d'essa cadeira, nunca consegue dar, porque de todo falta o tempo, e de todo destoa da índole da referida faculdade.
N'estas condições de ignorancia não é para estranhar que deixemos por explorar as possantes minas que possuimos dos mais variados minerios, e que não tenhamos industria manufactureira ou mesmo agrícola com vida propria e desafogada.
Sei que é vulgar dizer-se entre nós que somos um povo essencialmente agricola; ouvi-o ha ainda bem pouco tempo de uma das vozes mais eloquentes que se ergue n'esta casa.

Mas, sr. presidente, nem o ser essencialmente agrícola é motivo para grandes felicitações e regosijos, nem nós o somos na realidade. A agricultura é a mais rudimentar das industrias extractivas, que occupam o ultimo logar na serie hierarchica das industrias humanas; e nós somos os ultimos dos agricultores. Temos um clima temperado e um solo onde brotam espontaneas as mais variadas essencias; mas isto que é bastante para entretecer os mais acrisolados louvores ao Creador ou á natureza, é insufficiente para merecermos o titulo de agricultores.

É-se agricultor na America do norte, é-se agricultor em toda a parte onde se aperfeiçoam os processos agrícolas; mas nós, que quasi nos limitâmos a recolher o que a natureza uberrima nos dá; a nós, que empregâmos ainda em nossos campos um arado, que para as demais nações civilisadas não passa de um fossil, glorioso revelador de civilisações de ha milhares de annos - nós não Somos agricultores.

E ahi está, tudo o que somos como industriaes.

Entendo, por isso, que é de toda a urgencia e necessidade a organisação do nosso ensino profissional, e que devemos animar todos os ministros da corôa que intentem largas reformas economicas tendentes a levantar a riqueza nacional, a tornal-a util e productora.

Antes de terminar, direi mais uma vez que não era minha tenção tomar parte n'este debate. Fil-o tão sómente para consignar a minha opinião, para cumprir o dever que o sr. D. José de Saldanha disse pertencer a todo o deputado.
Eu julgo, contrariamente á opinião de s. exa., que eu muito respeito, que o governo procede muitíssimo bem intentando reformas economicas grandiosas, e no sentido de fomentarem o desenvolvimento do nosso commercio e industria, como são as que apresentou o nobre ministro das obras publicas.

Consignada esta opinião, não canso mais a attenção com que a camara se dignou honrar-me.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Elias Garcia: - Eu voto este projecto, e voto-o com a alteração que lhe foi introduzida pela commissão, alteração com a qual creio que o governo está de accordo.

O sr. D. José de Saldanha propoz uma modificação ao artigo 1.°

Essa modificação reduz-se a isto: o artigo 1.° diz que «o governo fica auctorisado a executar successivamente, e no período de cinco annos, as obras é melhoramentos constantes do plano que fórma parte integrante da presente lei»; e o sr. D. José de Saldanha propõe que supprimamos as palavras «e no período de cinco annos».

Como eu voto o projecto, porque o considero um beneficio publico, e de uma grande vantagem para o nosso paiz, desejo que elle seja executado da maneira mais conveniente, mais prompta e mais economica que for possivel.

Deixaria, portanto, facilmente ao arbítrio da auctoridade superior, ao arbítrio da administração, que ella o fizesse ou n'um período de cinco annos, ou n'um periodo menor, se os recursos do thesouro lh'o permittissem; assim como, tambem, estou convencido de que não haveria camara alguma que deixasse de attender ás circumstancias especiaes em que se encontraria o governo se, por acaso, embora aqui ficasse consignado o principio das obras se executarem em cinco annos, elles relatando todos os annos o estado dos trabalhos, viesse dizer que era necessario alargar mais este praso.

Por consequencia, para mim é absolutamente indifferente que fiquem aqui estas palavras ou que não fiquem; o que eu desejo é que as obras se executem, (Apoiados.) porque são de uma grande utilidade. (Apoiados.)

Unica e simplesmente pedi a palavra para rogar á camara e á commissão, se por acaso assim o entenderem conveniente, que tenham a bondade de acceitar uma indicação que vou fazer, e que não destoa do pensamento geral do projecto; antes, segundo a minha opinião, o completa.

E, visto que estou com a palavra, rogarei á commissão, e principalmente ao sr. ministro das obras publicas, já que foi s. exa. que tomou a iniciativa d'este projecto, que tenham a bondade de o fazer acompanhar de outras obras indispensaveis para o completarem.

Sem essas obras entendo eu que o projecto fica incompleto.

O pensamento geral d'este projecto é executarem-se successivamente as obras, inscreverem-se annualmente no orçamento as verbas necessarias para essas obras, e dar-se conta ao parlamento do uso, feito pelo governo, da auctorisação para levantar os meios.

Eu pediria ao illustre ministro e á commissão, que permittissem que se inscrevesse no § 1.° o seguinte «dando conta annualmente ao parlamento, etc.»; para que nós soubessemos annualmente qual o uso feito da auctorisação, e qual o
andamento das obras.

D'este modo tudo se completava.

Fariam-se as obras, e annualmente o governo pedia os meios para executar essas obras, e annualmente dava conta de tudo ao parlamento.

Digo ainda que seria conveniente introduzir estas palavras no projecto para que tivessemos conhecimento do andamento das obras; porque é lastima que seja o nosso paiz o unico em que rarissimas vezes ao parlamento só apresenta um relatorio do estado das obras que estão a cargo do ministerio das obras publicas.

Em todos os paizes se publicam, e n'alguns todos os annos, relatorios extensissimos dos trabalhos de obras publicas; e em paizes quo estão n'um estado de adiantamento, porventura menor que o nosso, e é só no nosso paiz que não se está no habito de apresentar esses relatorios.

Ao menos desde que se offerece ensejo para que se relate o estado de certo numero de trabalhos, eu pedia ao illustre ministro das obras publicas que não se oppozesse a que fosse consignada a indicação que faço.

Isto não significa desconfiança para com o governo; não me parece, pois, que a camara possa ter duvida em acceitar esta indicação.

Outra indicação, que eu pedia ao illustre ministro tivesse a bondade de acceitar, foi-me suscitada pelas observações que s. exa. fez.

S. exa. disse-nos, embora muito resumidamente, que o methodo que lhe parecia mais conveniente para a execução d'essas obras era o de administração.
Sou exactamente da opinião de s. exa. E como sou da sua opinião, e s. exa. póde ámanhã deixar de ser ministro, já que a s. exa. occorreu o fazer esta declaração, pedia

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que fosse inserido no artigo 1.°, onde se diz «é o governo auctorisado a executar successivamente, etc.», o seguinte «por administração».

D'este modo não me parece que a opinião do illustre ministro seja contrariada, porque foi s. exa. o primeiro que a manifestou; e nós ficâmos completamente descansados ácerca dos receios justíssimos que s. exa. manifestou, se porventura as obras tivessem de ser executadas, não por este modo mas por outro.

É evidente, que, dizendo-se que as obras são executadas por administração, não se exclue o systema do pequenas empreitadas a que s. exa. se referiu.
Portanto, pedia a s. exa., que concordasse na conveniencia de inscrever no artigo 1.° o addicionamento que indiquei.

Se eu tivesse redigido o § 1.°, que foi redigido pela commissão, tiraria as ultimas palavras que são «e em tempo opportuno proverá á creação dos recursos, etc.»; porque estas palavras são completamente inuteis, porque, necessariamente quando não seja possivel deixar do attender de algum modo extraordinario a estes encargos, de certo que o illustre ministro ha de trazer aqui as propostas necessarias para satisfazer a esses encargos. Portanto, é escusado pôr na lei estas palavras, salvo o devido respeito ás opiniões de s. exa.

Pedirei ainda ao sr. ministro das obras publicas que coopere pela sua parte, e interceda com os seus collegas, para que esta obra de illuminação e balizagem das costas se complete com os melhoramentos indispenseveis.

Por occasião da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa, eu solicitei dos srs. ministros que attendessem ao estado do porto de Lisboa; e igual solicitação dirigi ao sr. relator do projecto que se discute hoje, para que me acompanhasse n'estes esforços.

E visto que me refiro ao sr. relator d'este projecto, permitta-me a camara que eu renda a s. exa. a homenagem devida pela excellencia da doutrina contida no seu parecer, e pela boa copia de elementos que effectivamente nos forneceu.
Isto não é um elogio, é a simples demonstração do preito de justiça que lhe é devida.

Effectivamente o porto do Lisboa carece de grandes melhoramentos; e desde que o sr. ministro das obras publicas reconhece que não devem continuar as nossas costas sem a precisa illuminação, apresentando um traço escuro desde Caminha até ao Cabo de S. Vicente; desde que s. exa. entende que é preciso que Portugal entre no convívio dos paizes civilisados, é preciso tambem preparar as cousas de modo que os estrangeiros, que possam de futuro entrar com facilidade nos nossos portos, encontrem dentro d'elles todos os confortos e commodidades que são indispensaveis em um bom porto. Portanto, eu peço ao governo que se empenhe por todos os modos para que o porto de Lisboa seja o que deve ser.

Ha um serviço no porto de Lisboa, cujo melhoramento não depende de um grande dispendio, refiro-me ao serviço sanitario. Ainda no anno passado aqui se alludiu ao estado deploravel em que se encontra a estação de saude de Belem, e nos disse o sr. ministro do reino que esse estado não podia continuar; mas a verdade é que continuou a subsistir com desdouro de todos nós. A estação de saude de Belem é verdadeiramente uma lastima.

Ha tres annos que todos os governos de todos os partidos dizem isto. Os estrangeiros que aqui entram, e que têem de ir áquella estacão, encontram ali a mais deploravel prova do modo como é feito o serviço sanitario no porto de Lisboa. Peço ao sr. ministros das obras publicas, que accede sempre do boa vontade a solicitações analogas, o favor de transmittir estas minhas observações ao seu collega do reino.

Sobre o outro ponto eu pediria tambem ao sr. ministro das obras publicas, que tivesse a bondade de transmittir os meus pedidos ao sr. ministro da marinha, que sinto não ver presente, e que felizmente é um cavalheiro por quem eu tenho toda a consideração, porque mo ligam a elle estreitas relações de amisade e respeito, e de cujo valor intellectual nós temos muito a esperar.

Eu desejaria que s. exa. cuidasse de melhorar o serviço de pilotagem como é necessario, e como é reclamado principalmente em dias de temporal.

Resumindo as minhas observações, felicito-me por que viesse á discussão este projecto, e que n'elle fossem adoptadas as indicações da commissão.
Folgarei que s. exa. acceite o alvitre de dar contas annualmente da maneira por que as obras vão sendo executadas, para ter mesmo o prazer de annunciar-nos como a nossa costa vae sendo illuminada; e bem assim que, por entender que as obras se façam por administração, concorde em que esse preceito fique na lei, porque s. exa. póde deixar de ser ministro.

E por ultimo rogava-lhe a fineza de transmittir aos seus collegas as observações que respeitam aos seus ministerios, e que têem por fim completar a sua obra.
Quem, dirigindo-se ao porto de Lisboa, vê a costa desprovida de pharoes e de balizas, não ha de admirar-se depois de entrar a barra se encontrar o desconforto.

Para admirar seria que nós, não nos esquecendo de illuminar as costas, não tratassemos dos melhoramentos do porto, e dos serviços que o tornam civilisado e convidativo.

Mando para a mesa as modificações que proponho.

Leu-se no mesa a seguinte:

Proposta

Artigo. 1.° É o governo auctorisado a executar por administração successivamente...

§ 1.°... dando conta annualmente... o que segue = José Elias Garcia.
O sr. Fuschini: - Sr. presidente, quando um homem de subido merito intellectual e de convicções políticas, como o sr. Elias Garcia, vem dizer perante o parlamento que vota um projecto de melhoramentos nacionaes apresentado por um governo monarchico e regenerador, ha motivo para nos congratularmos. (Apoiados.)
Eu não venho para aqui trocar phrases vãs nem elogios mutuos. As cousas são o que são. O sr. Elias Garcia, homem de valor e em posição especial pela sua voz auctorisada, imprime cunho e dá força moral aos projectos, que sustenta.

Se eu, como relator do projecto, não tivesse de expor a minha opinião ácerca de alguns additamentos propostos pelo illustre deputado seria completamente desnecessario responder-lhe, porque realmente não fez s. exa. senão a apologia do projecto, o seu elogio.

Quero, todavia, realçar um facto importante, e é, que felizmente na extrema esquerda da camara ha quem não tenha medo de despender, ha quem não tenha receio de melhorar, ha quem entenda que a realisação dos grandes factores da riqueza publica é o meio mais simples e seguro para se chegar ao equilíbrio orçamental; ha quem, finalmente, se não apavore em frente d'esse phantastico abismo, onde muitos suppõem que vamos ruir em breve, pelo desequilíbrio orçamental. Eu desejo que isto fique bem consignado: da extrema esquerda da camara levanta-se uma voz auctorisada e pede melhoramentos, transformações, sem receio e medo do nosso estado financeiro! Pois n'este ponto, n'este modo de ver, está perfeitamente de accordo o centro da camara, se eu o posso representar, com a extrema esquerda.

O sr. Elias Garcia foi ainda mais longe do que o projecto, não quer só a illuminação das costas, deseja ver realisados todos os melhoramentos correlativos a essa illuminação; quer o aperfeiçoamento do serviço sanitario; e, s. exa. não o disse, mas deseja, sem duvida, que se orga-

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nisem em pontos convenientes das costas postos de soccorros marítimos. É logico.
Eu devo affiramr a v. exa., que na mente do governo, representado pelo sr. ministro das obras publicas, está igualmente o desejo de completar o seu importante trabalho; e se não se introduziram no presente projecto as necessarias disposições e por que, correndo alguns dos serviços a crear e a melhorar por pastas differentes da sua, é mister aguardar que outros ministros apresentem ao parlamento as propostas respectivas. Assim, posso affirmar a v. exa. e á camara, ácerca dos postos de soccorros marítimos, que o sr. ministro das obras publicas não os incluiu n'este projecto por que entendeu, e bem, que por outra pasta devia ser apresentado um projecto de lei especial.

Conheça, portanto, s. exa., que o ministerio tem um plano completo e perfeito ácerca dos melhoramentos d'esta ordem, que deve gradual e sucessivamente apresentar á sancção do parlamento.

Assim se estabelece pleno accordo entre o illustre deputado o sr. Elias Garcia e a maioria, senão a totalidade, dos membros das commissões que estudaram o presente projecto de lei, maioria que suppõe que o desequibrio orçamental póde, em grande parte, estabelecer-se pelo crescimento natural, pela elasticidade dos impostos, proveniente dos grandes melhoramentos materiaes, que são, em regra, factores da riqueza publica, como actualmente está admittido dizer-se em phrase um pouco mathematica.

Outro assumpto frisou o sr. Elias Garcia, no qual estamos tambem do perfeita harmonia.

O porto de Lisboa é o complemento da illuminação da costa; todos o sabem, todos o reconhecem.

As commissões, quando discutiram o presente projecto, assim o julgaram igualmente. E n'este ponto cabe dizer que foi longa e detida esta discussão, da qual resultou em tudo pleno accordo entre as commissões e a ministro.

Não sonhe alguem desharmonias que jámais existiram. Era questões d'esta ordem, que envolvem grandes interesses nacionaes, não tem que ver a política, e a discussão deve correr serena e aberta na investigação dos melhores princípios de administração.

Foram estes os verdadeiros preceitos constitucionaes, que no seio das commissões seguiu, como sempre o tem praticado, o ministro das obras publicas.
A ninguem é dado proclamar questões políticas; definem-se ellas na sua intima essencia; e loucura seria transportal-as para assumptos de alto interesse publico.

Houve, pois, perfeito accordo entre o ministro e as commissões.

Nada se resolveu que não fosse discutido e votado, e as resoluções tomadas foram plenamente de accordo com o sr. ministro das obras publicas; e repito isto, porque entendo que esta concordancia, depois de aturada discussão, constitue um magnifico preceito constitucional; e oxalá que tão salutar exemplo seja muitas vezes seguido. (Apoiados.)

As questões do administração não são questões políticas; (Apoiados.) são questões de utilidade publica, para as quaes é necessario olhar com a maior cautela, concentrando um demorado estudo sobre os dados positivos e estatísticos mais seguros e irrefragaveis.

Seja isto dito como incidente.

As medidas parlamentares relativas aos melhoramentos do porto de Lisboa hão de ser apresentadas em breve, temos essa esperança. E no proprio relatorio se faz uma referencia n'este sentido.

A illuminação das nossas costas marítimas é o prenuncio das grandes obras no porto de Lisboa. Dil-o o relatorio.

Diz-se mais - que as commissões, de accordo com o sr. ministro, não acceitaram o alvitre do addicional sobre a importação, porque o governo o reserva como fonte de receita para fazer face ás grandes obras marítimas, que em breve se deverão tentar.

O sr. Elias Garcia, que n'esta parte é destemido como eu, que não se arreceia do abysmo orçamental, que não vê o paiz pobre, e felizmente quer melhoramentos encarando rasgada e energicamente o futuro d'onde temos muito a esperar, póde estar descansado que a situação regeneradora, se tiver uma longa vida política, e não carece de a ter muito longa, ha de apresentar proposta para o melhoramento do porto de Lisboa. Assim é licito esperar.

Creia a camara que é difficilimo estudar um assumpto d'esta ordem, que não é só uma questão technica, mas envolve graves problemas economicos e financeiros; ora desgraçadamente os dados estatísticos no nosso paiz não são tão numerosos e exactos que se possam tirar d'elles grandes probabilidades, senão com um trabalho de investigação rigoroso, profundo e longo.

O sr. Elias Garcia acha melhor não haver período para a construcção.
Não estou de accordo com s. exa. n'este ponto. Acho ato conveniente que se estabeleça o período de cinco annos, porque e exactamente o que se póde considerar o minimo.

É conveniente, é importante impor ao governo a obrigação de terminar o mais breve possível obras de tão grande utilidade. D'isto evidentemente advirão grandes vantagens, sem o menor inconveniente.

Obrigaremos apenas as estações technicas a maior trabalho, obtendo em compensação a utilidade da illuminação das costas mais cedo realisada, porque, em verdade, não diminuiria o seu encargo pelo alargamento do praso da construcção, antes pelo contrario. Tudo se reduz, emfim, a uma annuidade, que será tão grande d'aqui a seis ou sete annos, como d'aqui a cinco.
Eu desejaria mesmo encurtar o praso do projecto, só possível fosse; é preciso, todavia, que os trabalhos tenham um grande desenvolvimento, e sejam simultaneamente começados, para se conseguir que os pharoes estejam completamente construídos no período de cinco annos.

Para emprehender isto basta considerar que temos a construir cento e nove pharoes, que exigem na sua maioria edifícios novos, alguns de difficil construcção pela sua posição e grandeza.

Carecemos depois de cento e nove apparelhos, ou approximadamente, que nos não poderão ser fornecidos, ainda pelas maiores casas constructoras, em menos de dois ou tres annos.

Julgo, pois, o praso de cinco annos sufficiente para a realisação do projecto, e se menor não póde ser, pelo menos que não seja maior.
Desejo obrigar o governo a trabalhar, e a fazer trabalhar os seus engenheiros em beneficio do paiz.

Quanto a consignar-se no projecto que as obras devem ser feitas por administração, com isso estou perfeitamente de accordo; é util, todavia, esclarecer este assumpto, e appello para os engenheiros, que estão presentes e para aquelles que têem conhecimento d'estas obras, para que digam se seria possível admittir outro systema de construcção?

Os trabalhos que o projecto demanda são de duas ordens: consistem os primeiros na construcção das torres dos pharoes e dos seus annexos, que tem de ser realisados, segundo os preceitos legaes e regulamentares, por meio de empreitadas fiscalisadas pela administração do estado; ora, só para este effeito se organisasse uma companhia, o que não me parece aliás provavel, seria ella um concorrente á licitação como outro qualquer.

A adjudicação das construcções dependeria das vantagens das suas propostas.
Emquanto ao fornecimento dos apparelhos de illuminação e de signaes de nevoeiro, esse não pode, a meu ver, fazer-se por meio de licitação. É necessario entregal-o a casa constructora mais acreditada e competente para termos plena garantia da qualidade dos apparelhos.

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Ho isto é exacto, e ninguem o contesta, como se poderá affirmar a existencia de um syndicato (a palavra anda em voga) para a realisação de todo o plano? Será para o explorar depois? Eis o que parece singular.

A imaginação humana, todavia, é assas fertil para phantasiar novos systemas, ainda até hoje desconhecidos, de construcção de pharoes.

Declaro, portanto, que acceito, por parte das commissões, o additamento ao artigo 1.° da palavra administração, como o propoz, e no sentido em que o propoz, o sr. deputado Elias Garcia.

Deseja igualmente s. exa., que no projecto se consigne a obrigação do governo prestar contas ao parlamento sobre o uso que fizer da auctorisação, que lhe é concedida; ora, esta obrigação não só está expressamente determinada na lei, mas é por sua natureza um dos preceitos fundamentaes do regimen parlamentar.

Annualmente serão descriptas no orçamento as verbas necessarias para a construcção dos pharoes, as contas especiaes do ministerio darão a cifra exacta da que se gastou n'este serviço, e por outro lado os relatorios ministeriaes demonstrarão o seu desenvolvimento; em todo o caso a qualquer representante do paiz assiste o direito de exigir estes esclarecimentos, e ao ministro o dever do os prestar.

Não vejo, portanto, a menor vantagem em alterar n'este sentido o projecto de lei.

Ainda o sr. Elias Garcia aventou a opinião de que seria conveniente eliminar do § 1.° a indicação, que se faz ao governo, de que deverá em tempo opportuno crear no seu inteiro valor a annuidade correspondente aos encargos totaes da realisação do plano. Tambem n'este ponto não posso concordar com s. exa.
Em principio concordo na conveniencia de se crear receita para os encargos dos melhoramentos publicos, discordo apenas d'aquelles que se satisfazem com a exarar no orçamento por todas as formas e maneiras, sem attender aos graves inconvenientes da elevação de certos impostos, e sem querer estudar a acção benefica que os melhoramentos manifestam nas fontes de receita, sobre que directamente actuam.

Como a camara viu pelo relatorio, as commissões estudaram varias origens de receita. Houve divergencia sobre se seria conveniente um pequeno addicional sobre tabaco, por exemplo.

E sabe v. exa. por que não foi possível chegar a uma conclusão? Porque não havia elementos estatísticos. Se os houvesse, era possível que da sua inspecção o estudo se tivesse concluído a sua conveniencia. Mas o que não aconteceu hoje póde fazer-se em occasião opportuna. Com este systema entendo que se póde chegar á resolução de varios problemas financeiros sem inconveniente algum.
Eu, que acho indispensavel que os governos e os homens publicos estudem profundamente os assumptos da administração, gosto de lhes ver impor expressamente este dever.

Isto posto, não supponho que tenha a acrescentar cousa alguma sobre o assumpto; mas se no decorrer da discussão se levantar qualquer difficuldade, que tenha de resolver, pedirei novamente a palavra.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Carrilho: - Sr. presidente, são tão breves as considerações que tenho a fazer, e limitam-se ellas a justificar o voto que dei n'este parecer, que peço a v. exa. licença para fallar d'este logar.

Estou de accordo com a essencia do projecto, mas não posso estar de accordo com a redacção que se lhe deu. A auctorisação que se dá ao governo acho-a muito latitudinaria, e não posso nem devo conceder auctorisações d'esta ordem aos governos.

Diz-se no § 1.° - que o governo fica auctorisado a levantar pelos meios que julgar mais convenientes, e sem prejuízo para os interesses do thesouro, os fundos necessarios para a successiva execução d'este plano. Mas até que importancia? Não se diz cousa nenhuma a este respeito!

Sabemos pelo relatorio, que a realisação dos melhoramentos está orçada em 1.100:000$999 réis; e eu proponho a seguinte emenda ao § 1.°

(Leu.)

Quero mesmo mais alguma cousa; desejo que as obras comecem pelo departamento marítimo do centro, desejo ver o porto de Lisboa dotado com os melhoramentos que estão votados no orçamento desde 1377. (Apoiados.) Figura no orçamento uma verba de 80:000$000 réis, que foi votada n'essa data para esse fim, e não temos feito cousa alguma! (Apoiados.) Não quero que esta verba comece a ser applicada para outro serviço, e proponho que estes 30:000$000 réis sejam transferidos para os encargos geraes do orçamento.

Parece-me que é um bom precedente não alterarmos o orçamento ordinario do estado, porque sabemos que o governo o apresentou aqui, suppondo que teria de recorrer ao credito no proximo futuro anuo em 4.000:000$000 réis. N'esta questão não estão as sommas para este projecto; e nestes termos, entendemos que devemos crear recursos bastantes para que se possam levantar as sommas precisas por fórma a não desequilibrar o orçamento ordinario, como foi apresentado.
Limito aqui o que tenho a dizer, porque não quero responder ás largas considerações apresentadas pelo illustre relator. Disse s. exa. - que se não assusta nem horrorisa com os melhoramentos publicos. Eu tambem não me horroriso com elles, mas entendo que devem ser feitos com conta, peso e medida; porque o credito não está para se abusar d'elle, como muita gente suppõe. (Apoiados.)

Tenho dito.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que ao artigo, depois das palavras «cinco annos» se acrescente «começando pelo departamento marítimo do centro»; que o § 1.° depois das palavras para os interesses do thesouro, se acrescente «até á somma de réis 1.100:000$000 effectivos, com o encargo de juros e amortisação não excedentes a 7 por cento ao anno»; que o § 2.° seja assim concebido: «É transferida do orçamento do ministerio das obras publicas para o da fazenda a verba de 30:000$000 réis destinada a melhoramentos do porto de Lisboa, sendo essa somma desde já applicada aos encargos dos capitães levantados nos termos do § antecedente»: que se acrescente o seguinte: «§ 3.° O governo descreverá na proposta annual das despezas extraordinarias as sommas necessarias para a realisação das obras; e no orçamento ordinario as verbas indispensaveis para o pessoal e custeamento dos serviços respectivos em harmonia com a auctorisação concedida por esta lei». O § 2.° da proposta será eliminado. = Pereira Carrilho.

Foi admittida.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro) (S. exa. não reviu as notas tachygraphicas): - O illustre deputado, o sr. Carrilho, no louvavel zêlo de melhorar quanto possível o projecto que se acha em discussão, mandou para a mesa algumas propostas de emendas, que se lhe afiguraram conducentes a tornar este projecto mais exequível e mais perfeito; e digo, louvavel zêlo, porque de certo essas emendas foram propostas no convencimento, em que s. exa. está, de que são de utilidade publica.

Mas este projecto, como muito bem o illustre relator, o sr. Fuschini, acaba do declarar, não é um projecto político, é um projecto perfeitamente do doutrina, onde o nosso empenho não é outro senão esclarecer-nos mutuamente para chegarmos ao resultado que for mais pratico e mais viavel. Entretanto creio que, sem quebra da disciplina partidaria e de suspeitas de desintelligencia com qualquer membro da

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maioria, é licito que expresse a minha opinião a este respeito, ainda que não esteja inteiramente de accordo com a proposta que o illustre deputado apresentou.

O illustre deputado deseja, que n'este projecto de lei se designo a quantia precisa até á qual o governo fica auctorisado a despender para a execução d'este projecto, e que essa quantia seja de 1.100:000$000 réis, por ser essa a que no orçamento se acha prevista.

Parece-me que em um projecto d'esta natureza, e quando de todos os lados da camara vejo que se levantam vozes no sentido de proclamar quanto é realmente util e aproveitavel o pensamento que o dictou; parece-me, digo, menos bem cabida uma restricção, que a pratica póde até certo ponto tornar inconveniente no que diz respeito ao pensamento que todos temos em vista realisar.

É certo que o orçamento prevê a quantia de réis 1.100:000$000, necessaria para a execução do plano; e posso declarar ao illustre deputado, que essa quantia foi calculada com a possível exactidão; mas s. exa. sabe bem que nada ha infallivel n'este mundo, e muito menos um orçamento, e que, por conseguinte, póde acontecer, que quando tratarmos de levar á execução este plano, a despeza a realisar ou fique áquem ou vá mesmo alem d'aquillo que se propõe actualmente.
N'estas circumstancias, restringir a faculdade do governo para levar avante um pensamento que a todos se afigura bom, util e proveitoso, parece-me realmente menos bem cabido, e é por isso que desejava que o governo ficasse munido da auctorisação ampla que aqui pede, para executar as obras, taes quaes se encontram descriptas no projecto e no trabalho da commissão que o governo nomeou; tendo em conta, já se vê, a maior economia na execução d'esse plano, e sendo sempre acompanhado da fiscalisação do parlamento.

Pelo que toca á segunda proposta do illustre deputado, isto é, para que a verba que se encontra descripta no orçamento de 30:000$000 réis, com applicação a melhoramentos do porto de Lisboa, se applicasse já aos trabalhos de construcção de pharoes no departamento maritimo de Lisboa, devo dizer ao illustre deputado, que o governo effectivamente não apresentou este anno uma proposta de lei relativa ao melhoramento das condições maritimas do porto de Lisboa, mas que no entretanto póde bem suppor-se que isto está na mente do governo, e que tão depressa elle possa, já pelo estudo necessario, pelas informações technicas precisas, pelos trabalhos devidamente emprehendidos sob o ponto do vista dos traçados e planos a executar, não deixará de apresentar uma proposta tão reclamada pela opinião publica, e que em todos os parlamentos tem sido proclamada como uma necessidade, para se realisar um dos principaes melhoramentos de que carecemos.

Por conseguinte, se a proposta do illustre deputado se refere apenas ao anno que vem, então é excessiva, porque os encargos para a annuidade dos juros e amortisação do capital levantado para o primeiro anno da construcção dos pharoes ficam muito áquem dos 30:000$000 réis a que s. exa. allude; se é para ter uma execução não referente a este anno, mas aos annos futuros, então s. exa. vê bem que, desde que o governo apresente uma proposta para melhorar as condições do porto de Lisboa, não são réis 30:000$000 que são necessarios, mas muitos mais, e que essa verba immediatamente desapparece. (Apoiados.)

São estas as rasões pelas quaes não posso estar de accordo com as emendas do illustre deputado, comquanto me inspire tambem do pensamento que s. exa. tem da conveniencia de crear recursos para fazer face ás despezas que o governo toma perante si como um encargo; e tanto me inspiro n'esse sentimento, que foi essa a rasão pela qual no projecto que submetti á approvação do parlamento e das commissões, propunha a creação de um addicional de 50 por cento sobre a tonelagem.

Sempre os direitos de tonelagem foram considerados como tendo uma applicação exclusiva á construcção dos pharoes.

Foi em 1836 que esta applicação especial deixou de existir, e que o producto dos direitos de tonelagem passou a entrar na massa geral dos rendimentos do estado.
Mas o illustre deputado vê bem qual é o motivo; é por que, em relação á construcção dos pharoes, temos dois períodos distinctos, um de 1790 a 1841, e outro que vae de 184l até ao presente; o que quer dizer que, de 1790 a 1841, no período de cincoenta e um annos, nenhum pharol se construiu.

Portanto, desde o momento em que nós vemos a boa vontade de tratar d'estes melhoramentos, parece-me que convem, em primeiro logar, dar ao governo uma auctorisação tal como se acha expressa; em segundo logar, não se restringir á designação precisa de uma verba que traz o orçamento e que póde ficar muito áquem da realidade.

Em ultimo logar applicar momentaneamente uma verba de 30:000$000 réis, que tem applicação diversa no orçamento, que em relação ao primeiro anno é excessiva, e que em relação aos outros annos deve effectivamente ser augmentada para o effeito de ser dispendida com os melhoramentos das condições marítimas do porto de Lisboa, não me parece rasoavel.

Dito isto tenho exposto o meu modo de ver sobre o assumpto, sem desejo algum do contrariar o illustre deputado, e apenas com o intuito de que este projecto não fique, assente em bases taes que a sua execução não se possa tornar uma realidade. (Apoiados.)

O sr. Carrilho: - Não posso concordar com as explicações que o sr. ministro nos deu, relativamente á não inserção, n'esta lei, da verba maxima que o governo póde pedir ao credito para a execução das obras.

Não posso concordar com s. exa., porque não quero deixar ficar ao poder executivo a maxima latitude de obter por emprestimo toda a somma que quizer.
Peça-nos este anno 100:000$000 réis; e, se não chegar, venha depois pedir ao parlamento a somma necessaria para a continuação das obras; mas deixar ficar n'um projecto d'esta ordem uma auctorisação tão ampla ao governo, não me parece conveniente.

Todavia a camara, na sua alta sabedoria, resolverá como entender.

Uma auctorisação n'estes termos parece-me perigosa.

Era isto o que tinha a dizer.

O sr. Mariano de Carvalho: - Declarou acceitar a doutrina do projecto, ao qual elle e os seus amigos politicos se associavam, mas entende que devemos ser cautelosos no emprehendimento dos melhoramentos materiaes, não nos deixando enthusiasmar pelas prosperidades do thesouro, tantas vezes reduzidas a meras illusões.

Entende que, a par dos melhoramentos a emprehender, se devem crear os recursos precisos.

Não queria phantasiar terrores economicos, mas chamar a attenção do governo para a questão financeira.

O unico ponto em que divergia, portanto, era na falta de consignação de recursos.

Mostrou a conveniencia de se fixar a importancia a levantar para execução do projecto.

Não concorda com a restricção proposta pelo sr. Carrilho, de começar as obras pelo departamento maritimo do centro, por ser este o melhor relativamente quanto á illuminação de costas.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Pereira de Mello (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte
a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Foi approvado o requerimento.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Em primeiro
logar peço a v. exa. que me diga quem eram os oradores que ainda estavam inscriptos para tomar parte no debate;

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e em segundo logar se ha apenas esta discussão ou tambem na especialidade.

O sr. Presidente: - Estavam ainda inscriptos os srs. Fuschini, Gomes Barbosa, D. José de Saldanha, Antonio Maria do Carvalho e Manuel de Arriaga. A discussão versou sobre a generalidade e especialidade conforme declarei antes de se abrir o debate.

O sr. Fuschini (relator): - Mando para a mesa o seguinte additamento.

(Leu.}

Declaro por parte das commissões que acceito apenas a primeira emenda ou additamento apresentado pelo sr. Elias Garcia, lendo-se no artigo 1.°: «Por administração, e successivamente». Emquanto ás outras, as commissões não as acceitam.

É o seguinte:

Additamento

Ficando o governo auctorisado a despender no primeiro anno economico até á quantia de 250:000$000 réis. = Fuschini.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara. Pela approvação do requerimento do sr. Pereira de Mello, julgou a camara discutida a materia do projecto. Ficou, portanto, encerrada a discussão; mas agora foi enviada para a mesa pelo sr. relator uma proposta de additamento que não póde ser votada com o projecto, por isso que não esteve conjunctamente em discussão, nem foi ainda a ella admittida. Parece-me, pois, que, sem prejuízo da votação do projecto, se deve abrir inscripção sobre esta proposta, se for admittida á discussão.

O sr. Antonio Maria de Carvalho (para um requerimento): - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me dizer qual é a hora a que termina a sessão.

O sr. Presidente: - Segundo o regimento termina ás seis horas e meia.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E segundo a vontade de v. exa.?
(Susurro.)

Vozes: - Ordem, ordem.

O sr. Presidente: - Desde que o sr. deputado insiste em censurar o meu procedimento, accusando-me com frequencia de parcial na direcção dos trabalhos, eu não posso continuar n'esta cadeira emquanto a camara se não pronunciar a tal respeito. É necesserio que resolva se a accusação do sr. deputado é ou não justificada. (Muitos apoiados.}

(Grande agitação na assembléa.)

O sr. Presidente: - Convido o sr. vice presidente a vir occupar esta cadeira; não posso soffrer a cada momento censuras, que tenho por injustas. Não prescindo da resolução que solicitei da camara. (Muitos apoiados.}

O sr. Ribeiro dos Santos: - A manifestação da camara é tão geral e explicita, que desnecessario se torna consultal-a; e, portanto, pedimos a v. exa. que continue na direcção dos trabalhos.

O sr. Presidente: - Agradeço e respeito a manifestação da camara.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - V. exa. dá-me a palavra?

O sr. Presidente: - Agora não posso dar-lh'a.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Desejo dar uma explicação a v. exa.

O sr. Presidente: - Eu inscrevo o illustre deputado para explicações, que as poderá dar no fim da sessão.

O sr. Emygdio Navarro: - Foi apresentada agora uma proposta pelo illustre relator da commissão; e desde que a discussão sobre o projecto já se acha fechada, tem este de ser votado tal qual está, e a emenda apresentada deve ser considerada como um projecto novo. Se não estivesse fechada a discussão, então tinha logar votar sobre a proposta; mas desde que a maioria votou que a materia estava discutida, este additamento apresentado á ultima hora não se póde votar. Como póde a maioria, depois de ter encerrado a discussão, votar uma proposta que foi apresentada depois da materia discutida, e que tem de ser primeiro que tudo admittida á discussão?! Não póde ser.

O sr. Presidente: - Parece-me que tudo se póde conciliar pela seguinte fórma. Desde que o illustre relator classificou a sua proposta de artigo 3.°, e a mandou para a mesa depois de encerrado o debate, mas em todo o caso, antes da votação, não acho inconveniente, e os precedentes auctorisam, que votando-se o que já está discutido, se abra depois nova inscripção sobre a referida proposta, se for admittida á discussão.

O sr. Emygdio Navarro: - V. exa. disse que estava em discussão o projecto na generalidade e especialidade; depois que v. exa. disso isto, depois de se ter fechado a discussão, não ha especialidade: e o querer fazer-se agara o contrario, parece-me que não está em harmonia com a dignidade da camara.
A camara resolveu que estava fechada a discussão; mantenha, portanto, a sua resolução. Apresentar agora este artigo 3.° é inadmissivel.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro) (S. exa. não reviu as notas tachygraphicas}: - Como tenho a honra de fazer parte d'esta camara, v. exa. não me levará a mal que eu emitta tambem a minha opinião sobre o assumpto.

Não sou velho parlamentar, mas mais ou menos conheço as praticas d'esta camara.

A maioria resolveu que a discussão se devia fechar, e, por consequencia, julgou a materia discutida. Sempre se permittiu n'esta camara, quando está inscripto algum sr. deputado e a materia se julga discutida, se esse deputado tem a mandar para a mesa alguma proposta ou emenda; sempre se permittiu, digo, o podel-a apresentar, apesar de estar a materia discutida; com a differença de que sobre esta proposta não se abre nova discussão. É isto o que se tem praticado sempre.
Sobre o projecto estava inscripto o sr. Fuschini. V. exa. não lhe deu a palavra, porque a camara julgou a materia discutida, e elle por isso mandou a proposta para ser votada com as outras emendas que tinham sido apresentadas. Não constitue essa proposta um artigo novo; é um additamento a um dos paragraphos do artigo 1.°, e, portanto, não póde ter logar o haver discussão nova.
E, fallando ainda como membro d'esta camara, direi que, segundo as praxes que têem sido seguidas, parece-me que v. exa. não tem a fazer mais do que submetter á votação da camara o requerimento para se julgar discutida a materia, e propor á votação o artigo e as diferentes emendas, incluindo o additamento mandado pelo sr. Fuschini; e nada mais. Esta é que é a praxe. (Apoiados.)

O sr. Emygdio Navarro: - Começo por declarar, que ha manifesto desaccordo entre o que v. exa. disse e o que declarou o sr. ministro das obras publicas!

(Apoiados.)

V. exa. por um lado considera a proposta como artigo 3.°, e o sr. ministro por outro lado diz - que é uma emenda ou um additamento!...

O sr. Presidente: - Eu não quero considerar a proposta como artigo 3.°; o sr. relator é que assim a classificou.

O Orador: - Então e peior ainda! E permitta-me o sr. ministro dizer-lhe que esta não é a praxe.
Quando se discutiu o syndicato-Salamanca disse-se logo - que as emendas que tinham sido mandadas para a mesa seriam consideradas pela commissão, porque a commissão reservou-se dar parecer sobre essas emendas.

Mas não é este o caso. (Apoiados.)

Se o sr. relator tivesse apresentado na discussão a sua emenda, tinha procedido perfeitamente; mas essa proposta foi apresentada depois da camara declarar que o assumpto estava sufficientemente discutido, e então não podem ser

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apresentadas emendas nem additamentos; não se póde fazer senão votar o projecto.

(Apoiados.)

O sr. Avellar Machado: - Requeiro a v. exa. consulte a camara sobre se a proposta mandada para a mesa pelo sr. relator é um additamento ou um novo artigo do projecto.

O sr. Fuschini: - É uma deploravel questão do fórma, discutir se a minha proposta deve ser considerada como artigo ou additamento.

Eis o que eu escrevi: ficando o governo auctorisado a despender...

Ora, sr. presidente, começar um artigo por esta fórma seria original. Faça-se um bocadinho de justiça á minha grammatica.

É possivel que, escrevendo rapidamente o additamento, escrevesse artigo em vez de paragrapho; não me parece, porém, que periguem as instituições com tal erro, nem que elle seja motivo para tão acalorada discussão.

O additamento fóra proposto pelo sr. Mariano de Carvalho, e com elle concordei eu, redigia-o quando o projecto foi votado; realmente foi s. exa. que o apresentou e que o devia escrever. Por bem fazer mal haver. Seja.

Se perigam as formulas e as praxes, v. exa. resolverá como entender.

O sr. Mariano de Carvalho: - Desejava, não pelo caso presente, que vale muito pouco, mas para os casos futuros, pedir á maioria que não recorresse, ás vezes, a processos que dão logar a incidentes desagradaveis como este; e não póde deixar do ser reputado incidente desagradavel, desde que v. exa., que todos respeitAmos e a quem todos fazemos justiça, chegou a maguar-se (Apoiados.)
Realmente é desagradavel o que está succedendo, e que alem d'isso já resulta de uma inconveniencia.

Pois então póde admittir-se que, depois da materia de um projecto ser julgada discutida por uma votação da camara, se mande uma emenda sobre esse projecto, e se proponha ser admittida essa emenda á discussão, para o facto de não ser discutida?

Porventura tem isto senso commum?

Poderia admittir-se este facto, quando o projecto tivesse de voltar á commissão com essa emenda, a fim de ahi ser novamente considerado o assumpto: mas para se velar definitivamente o projecto, e passar para a outra casa do parlamento, não tem logar similhante precedente.

Admittir uma emenda á discussão, para o facto de não ser discutida!
Permitta-me a camara que lhe diga que isto repugna ao mais singelo bom senso.

E por que é tudo isto?

Por se ter abafado precipitadamente uma questão que não é questão política, e que discutíamos socegadamente, suggerindo cada um os alvitres que lhe pareciam mais uteis, para tornar mais exequivel o projecto do governo; por se ter abafado a questão, repito, com o intuito do que não fallassem sobre ella os srs. Antonio Maria de Carvalho e Manuel de Arriaga!!

A meu ver, o que melhor faria v. exa., para dignidade da camara, era, desde que essa emenda foi admittida á discussão, abrir discussão sobre ella.

E, sobretudo, pedia a v. exa. uma outra cousa e que se cumpram exactamente as prescripções do regimento, e as determinações da mesa, quanto á abertura o encerramento da sessão.

O regimento manda que as sessões se abram ás duas horas e se encerrem ás seis; e quer o sr. ministro do reino tenha vontade de fallar quer não, em dando a hora deve encerrar-se a sessão e não deve encerrar-se antes. O que não póde see é como antes de hontem, que ás cinco horas menos um quarto se fechou a sestro, como tendo dado a hora, por que o sr. ministro do reino não queria fallar; e
hoje, não sei por que motivo, se ha de fechar ás, seis horas e meia.

Sei que v. exa. faz isto na melhor boa fé, respeito muito o seu caracter, mas estas desigualdades nem todos os animos as podem encarar com o mesmo sangue frio, e d'ahi resultam incidentes desagradaveis sem que n'elles haja o mínimo intento de offender a v. exa., intento que ninguem tem nem deve ter, porque todos o respeitam e consideram. O que ha, repito, é um certo desagrado pelo que respeita á desigualdade, porque a desigualdade repugna a todos.

Tenho dito.

O sr. Fuschini: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que retire o meu additamento.

O sr. Presidente: - Como ainda não foi admittido á discussão o additamento do illustre deputado, não tenho que consultar a camara, e considera-se retirado.
Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. Elias Garcia, e que a commissão declarou acceitar.

(Leu-se.)

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Agora vae votar se o artigo.

(Leu-se.)

Foi approvado.

O sr. Carrilho (sobre o modo de propor): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire as minhas propostas.
Consultada a camara, foram retiradas.

O sr. Presidente: - Tinha pedido a palavra para antes de se fechar a sessão o sr. Antonio Maria de Carvalho, mas como a pediu tambem o sr. ministro das obras publicas, concedo primeiro a palavra ao sr. ministro.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa, por parte do meu collega o sr. ministro do reino, a seguinte

Proposta

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camara dos senhores deputados da nação portugueza a necessaria permissão para que o sr. deputado Manuel Pinheiro Chagas, professor do curso superior de letras, possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do referido emprego.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 10 de fevereiro de l883. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

Foi approvada.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não podia deixar de pedir a palavra para explicações, desde que v. exa. se mostrára maguado com algumas palavras por mim proferidas, o que, na minha opinião, nem mesmo os espíritos mais melindrosos podiam considerar como uma falta de respeito para com v. exa.

As minhas duvidas já o sr. Mariano de Carvalho traduziu, e este ponto está perfeitamente esclarecido por v. exa.

O que na verdade me surprehende é que seja necessario estar a recordar o muito respeito e consideração que professo para com v. exa.

Quer v. exa. que esse respeito e consideração vá até ao ponto de eu não poder perguntar o que é que a mesa delibera?

Se v. exa. considera offensiva esta phrase proferida por quem tem tido sempre para com v. exa. a maxima consideração tanto n'esta casa como nos tribunaes, onde tenho tido a honra de funccionar com v. exa., se considera isso uma offensa, peço licença para lhe dizer que é até certo ponto injusto para commigo
Esteja v. exa. certo que da minha parte, e creio queda parte dos meus collegas, não ha o minimo proposito de lhe sermos desagradaveis.

Mas não poderei ir até ao ponto de me queixar, como fiz no começo d'esta sessão com respeito ao procedimento da maioria?

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O sr. Presidente: - Agradeço muito a explicação do illustre deputado, mas permitta-me dizer-lhe que, por isso mesmo que estou costumado a receber do s. exa. muitas provas de respeito e estima, não podia deixar de maguar-me profundamente a accusação de arbitrario e parcial na direcção dos trabalhos, que v. exa. por vezes me tem dirigido.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Perdão; não accusei v. exa. de parcial.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

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