O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 217

SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do ex.mo sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs.

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 62 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, Alves Carneiro, Costa Simões, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Villaça, Falção de Mendonça, Silva e Cunha, Sousa de Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, Barão da Trovisqueira, B. F. Abranches, B. Francisco Costa, Caetano de Seixas e Vasconcellos, Carlos Bento, Cazimiro Antonio Ribeiro da Silva, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Palmeiro Pinto, Fernando de Mello, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Costa e Silva, Pinto Bessa, Barros Gomes, Noronha e Menezes, H. de Macedo, Vidigal, Baima de Bastos, Assis Pereira de Mello, Mendonça Cortez, Aragão Mascarenhas, Alves Matheus, Nogueira Soares, Cardoso, J. M. Maia, Galvão, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Infante Passanha, Dias Ferreira, Mello e Faro, Firmo Monteiro, Lemos e Napoles, Teixeira de Queiroz, José Maria Lobo d'Avila, José de Moraes, Oliveira Baptista, Nogueira, L. A. Pimentel, Camara Leme, Daun e Lorena, Affonseca, M. A. de Seixas, Fernandes Coelho, Penha Fortuna, Valadas, Paes Villas Boas, Mathias de Carvalho, Raymundo Venancio Rodrigues, Visconde de Guedes.

Entraram durante a sessão - os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Sá Nogueira, Veiga Barreira, Guerreiro Junior, A. J. De Seixas, Fontes, Falcão da Fonseca, Belchior Garcez, Corvo, Santos e Silva, J. Pinto de Magalhães, J. Thomás Lobo d'Avila, Sette, Holbeche, Rodrigues de Carvalho, S. de M. Gouveia, Levy, Espergueira, Calheiros, Thomás Lobo, Visconde de Bruges, Visconde dos Olivaes. Não compareceram - srs, Sá Brandão, A. J. Pinto de Magalhães, Antonio Pequito, Fortunato Frederico de Mello, Mártens Ferrão, José Luciano, Latino Coelho, J. M. dos Santos, Luiz de Campos.

Abertura: - Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MEZA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettem uma relação dos cidadãos residentes em Magdalena, julgados habeis para serem eleitos deputados.
Á secretaria.

2.° Do ministerio da guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento dos srs. João de Andrade Corvo e Manuel Affonso de Espergueira, uma relação nominal dos officiaes do estado maior, engenheria militar e estado maior de artilheria, em serviço n'aquelle ministerio.
Á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, declarando, em satisfação ao requerimento do sr. Mathias de Carvalho e Vasconcellos, que, estando em parte satisfeito aquelle requerimento com a remessa dos documentos pedidos pelo sr. Dias Ferreira, serão remettidos com brevidade os que faltarem.
Á secretaria.

4.° Do mesmo ministerio, declarando, em satisfação ao requerimento do sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, que se acha cm parte satisfeito aquelle requerimento com a publicação do projecto de emprestimo feito polo sr. Carlos Bento da Silva, e com os documentos publicados com o relatorio d'aquelle ministerio.

A secretaria.

Participação

Declaro que, por motivo de doença, não tenho comparecido ás sessões antecedentes, do que mandarei para a mesa attestado do facultativo.
Sala das sessões, 2 de junho de 1 869. Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Mello.

Inteirada.

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja enviada, com urgencia, a esta camara, uma nota dos fundos que do cofre de Macau têem sido mandados transferir para os cofres da metropole ou das outras provincias ultramarinas, compreendendo o estabelecimento de Timor; isto em todo o periodo que decorreu de l de Janeiro de 1860 até á data d'este requerimento.

Igual nota das despesas effectuadas na mesma provincia, e durante o mesmo periodo, com as embarcações de guerra que ali tenham aportado ou se tenham conservado estacionadas.

Um resumo da estatística de Macau e do Timor, no que respeita tão sómente ao estado actual da população.

Sala das sessões, 2 de junho de 1869. - O deputado, Joaquim José Gonçalves de Matos Correia.

Foi remettido ao governo.

Interpellações

1. Desejo interpellar o Sr. ministro da justiça sobre o facto de estarem, há muito tempo, muitos processos sem andamento no tribunal do comércio do Porto, por falta de juiz que d'elles tome conhecimento; e quaes as providencias que s. exa. tomou, ou tenciona tomar, a fim de remediar tão grave inconveniente.

Sala das sessões, 2 de Junho de 1869, = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.

2.ª Desejo interpellar o Sr. ministro das justiças, por não ter sido provido o logar de juiz da relação commercial, que está vago desde 18 de Dezembro do 1868, por morte do conselheiro Sequeira Pinto. Esta falta tem sido causa do estarem n'aquelle tribunal, há muito tempo, alguns processos sem andamento, como o respectivo presidente levou ao conhecimento do sr. ministro, em officio de 17 de março ultimo, requisitando-lhe com urgencia a nomeação d'aquelle juiz, e enviando-lhe até certidão d'aquelles processos.

Sala das sessões, 2 de junho de 1869. - O deputado, José Maria de Almeida, Teixeira de Queiroz.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDA LEITURA

Renovo a iniciativa do projecto de lei, que já na sessão de 14 de julho do anno panando renovou o sr. deputado M. J. Júlio Guerra, em que se mandava pagar ás filhas do fallecido brigadeiro José Pereira da Silva Leite do Barredo, o monte pio do tempo em que Réu pão esteve expatriado, por ser um dos regeneradores de 1820.

Sala das sessões 2 de junho de 1869. = O deputado, J. Bandeira C. De Mello.

Foi admittido e enviado á respectiva commissão.

O sr. J. A. Maia: - Mando para a mesa urna representação da classe pharmaceutica de Lisboa, contra o decreto de 3 de dezembro de 1868, que constituiu ajunta consultiva de saude, sendo então essa respectiva classe excluida de fazer parte da corporação de saude. São de maior peso e consideração as rasões apresentadas pelos pharmaceuticos, e se desde 1837 se attendeu sempre á illustração d'essa corporação, hoje devem por mais considerados, porque o numero de illustrações d'ella tem augmentado consideravelmente.

Página 218

218 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Alem d´isso entendo que o serviço não póde ser bem feito, assim organisado, porque ha assumptos que os pharmaceuticos estão mais habilitados a tratar do que os facultativos.

Apresentando esta representação, espero que a camara dos senhores deputados attenda ao pedido, dos signatarios, que a todos os respeitos são dignos da consideração publica.

O sr. Araqão Mascarenhas: - Desejando a commissão de fazenda occupar-se quanto antes do exame do orçamento, encarregou-me de pedir a v. exa. que tivesse a bondade de convidar as illustres commissões que costumam eleger seu delegado, para tomar parte n'esse exame, que o elejam quanto antes, a fim da commissão poder apresentar o mais breve possivel o seu parecer.

O sr. Presidente: - Á vista da declaração do illustre deputado, ficam convidadas as commissões para elegerem os seus delegados, a fim de juntamente com a commissão de fazenda tratarem do exame do orçamento.

O sr. Ferreira de Mello: - Mando para a mesa um requerimento do sr. Matinas Feerhewd, relativo a uma pretensão que está affecta á commissão do obras publicas.

Peço que este requerimento seja, mandado a mesma commissão.

O sr. Pinto Bessa: - Pedia a v. exa. o favor de me inscrever para tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. Teixeira de Queiroz ao sr. ministro da justiça, sobre a nomeação de um juiz para o tribunal commercial.

Mando para a mesa a respectiva nota.

O sr. M. R. Valladaz: - Mando para a mesa o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo n.º 98, ilha do Pico.

Peço a v. exa. o favor de o mandar á commissão de verificação de poderes, a fim de dar quanto antes o seu parecer e o illustre deputado eleito poder tomar assento.

O sr. José de Moraes: - Visto estar presente o sr. ministro da fazenda, desejo saber se s. exa. já está habilitado para responder a unia interpellação que ha dias annunciei. Se s. exa. já está habilitado para responder, verifica-la hei agora; e se não o esta, reservo-me para occasião opportuna.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): Estou habilitado para responder á interpellação do illustre deputado agora, ou quando v. exa. reconhecer que é occasião opportuna.

O sr. Affonseca: - Pedi a v. exa. a palavra para um negocio urgente, e talvez tivesse sido mais correcto se a tivesse pedido para um negocio urgentissimo.

Esta camara não póde ignorar, porque não ignora de certo na sua alta sabedoria qualquer cousa que prende com o progresso e com a existencia de uma nação que dignamente representa, digo, esta camara não póde ignorar que se trata no reino vizinho de uma transformarão económica, que vae affectar gravemente a situação do nosso paiz.

A Manchester de Hesspanha, Barcelona, que era a fortaleza dos direitos protectores, arreou bandeira, e hoje entra no livre raminho da liberdade de commercio. A pauta que se prepara hoje em Hespanha vae reduzir os direitos de importação de 20 por cento. O tabaco, que em Portugal paga 160 réis por kilogramma, vae pagar em Hespanha 300 réis.

Em presença de uma transformação ... ordem, já v. exa. e a camara vêem qual é a situação em que ficam as muito apregoadas alfandega de Portugal.

Quando os nossos ousados e atrevidos navegadores fizeram pedaços os grilhões de bronze que prendiam as portas do Oriento, abrindo-as do par em par ao commercio do mundo, espantado e admirado de tanta ousadia, arrancaram das mãos da rainha do Adriatico, da republica do Veneza o monopolio do commercio do mundo, e o transplantaram para um pequeno paiz, situado na parte mais occidental da Europa, chamado Portugal.

Lisboa foi então o interposto do commercio do mundo, e se acaso as nossas leis economicas fossem mais bem dirigidas e melhor reguladas, estou convencido de que Lisboa havia de ter, como teve em antigas eras, o monopólio do commercio do universo.

Não é possivel com 80, 90, 100, 200 por cento de protecção, em presença da transformação a que alludi, caminhar bem. Não ha senão dois systemas a seguir, ou igualar os direitos das pautas portuguezas aos direitos das pautas hespanholas, ou então, o que ainda é remedio mais radical, declarar Lisboa porto franco, fazer d´ella uma Hamburgo, um Gibraltar.

Eis-aqui a maneira de chamar o commercio do mundo a Portugal.

Portugal é um paiz com uma raia aberta completamente. Diz-se que ha fiscalisacão, mas qual é a fiscalisação que resisto ao contrabando quando tem diante de si um grande futuro? O contrabando é o poder moderador dos direitos excessivos. O contrabando ó uma lição permanente que os povos dão aos governos ineptos e absurdos. Eis-aqui o que e o contrabando, aquelle que vae dominar n'este paiz, se passar em Hespanha, como acredito, a nova transformação que vae ter logar.

Ha ainda outro ponto sobre que desejava dizer duas palavras. E sobre a hygiene publica.

Quando se diz que em algumas freguezias do Lisboa a mortalidade e superior aos nascimentos, quando se diz isto, tem-se dito tudo.

Os poderes publicos estão dormindo sobre isto, descansados como descansa sobretudo a preguiça musulmana.

Gastou-se milhares de contos com camaras luxuosas, em gabinetes e secretarias, para servirem de bondoir à des petites maîtresses. Eis-aqui um que se gastou alguns de contos, e não ha dinheiro pari melhorar a hygiene publica.

Por esta occasião não posso deixar de tributar os meus sinceros Agradecimentos aos eleitores do circulo do Funchal, que me honraram com uma cadeira n'esta camara, sem que por mim fosse solicitada nem provocada. Não tenho compromissos politicos, porque entendo que a politica tem sido a desgraça d'este paiz.

A politica, como a entendemos e praticamos, não é do que a deslocação de um individuo para collocar outro e infelizmente assim tem sido (apoiados).

Como está presente o sr. ministro da fazenda desejava perguntar por acaso a transformação a que alludi o que está prestes a effetuar-se em Hespanha, tiver logar, e tendo s. exa. pelo contrato que fez do empreestimo, dado o rendimento do tabaco, como garantia d'esse menino emprestimo; he acaso o rendimento d´este, artigo de grande concirno for neutralisado pelo contrabando, qual será a sua subestituição?

Ora, dando-se este acontecimento, e surgindo estas difficuldades, qual é a maneira com que o governo tenciona substituir esta importante verba?
A respeito da minha posição n´esta camara, declaro que não tenho compromissos com quem quer que seja. Se acaso o santo mais apreciado do Flos Sanctoum apresentar aqui um projecto de lei, que eu entenda que é obnoxio e mesmo improficuo ao paiz, peço licença a sua santidade e voto contra.

Se acaso o rei das regidos infernaes surgir do abysmo o apresentar uma lei que eu entenda que é boa, com a reluctancia de fiel christão hei de votar a favor. E a que, se reduz a minha politica.

Emquanto aos corrilhos e ás reuniões politicas, não as quero, não vou a ellas. A minha reunião política é o local e a epocha das sessões legislativas.

O sr. Ministro da Fazenda: - O nobre deputado treou n'uma questão muito grave, tal é a questão da reforma de pautas das alfandegas no paiz vizinho e da influencia, que podem ler nos direitos que pagam os artigos que entram nas alfandegas do continente do reino de Portugal.

A transformação economica que está imminente em Hes-

Página 219

219 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

panha tem merecido os meus estudos e cuidados desde o momento em que vi apresentar, pelo ministro da fazenda d'aquelle paiz, uma proposta altamente importante, e que cota actualmente affecta á discussão e apreciação do congresso.

N'essa occasião estava eu estudando as medidas que tencionava apresentar á camara dos senhores deputados, para procurar attenuar o deficit que pesa nobre o nosso orçamento, e estava tratando tambem da reforma das pautas das nossas alfandegas.

Foi então que chegou ao meu conhecimento o projecto d'aquelle ministro datado em Hespanha. Immediatamente procurei não só informar-me se aquella medida teria probabilidade de ser convertida em lei, ma mesmo de estudar o alcance que poderia ter na nossa economia particular.

Foi movido por essas circumstancias que introduzi na proposta que tive a honra de apresentar á camara um artigo transitorio, em que o governo póde auctorisado para modificar o direito das pauta?, quando no intervallo das sessões legislativas, e mediante certas garantias que se derem no bom andamento d'este trabalho, o governo julgar indispensavel. Aquelle artigo, que vem na minha proposta, não tem outra significação senão a que acabo de dizer ao nobre deputado. (O Sr. Affonseca: - Apoiados.), isto é, que devemos marchar cautelosamente n'este assumpto, por isso que o rendimento das alfandegas é uma questão importante, e não podemos caminhar sem ver o que se faz no outro paiz, sem ver se aquella medida é uma experiencia, se ella produz o resultado que se espere, se finalmente tem as consequencias que se julga.

Não devemos cortar a fim precipitadamente um dos ramos mais importantes da nova receita (apoiados), comtudo isto não quer dizer que fiquemos de braços cruzados presenciando o que acontece a dois passos de nós, e que não procuramos attenuar os effeitos que porventura d'ali possam resultar.

O nobre deputado perguntou: «Se se der essa hypothese, se nos virmos obrigados a fazer uma reforma importante no imposto do tabaco, e se esse imposto tiver de continuar a estar hypothexado ao pagamento da annuidade do emprestimo, se houver uma deficiencia no rendimento d'esta fonte de receita, qual é o modo de se prover a essa annuidade?»

O nobre deputado sabe muito bem que nem no contrato, nem na proposta apresentada, o governo ou a lei se compromette a manter invariavelmente o imposto de tabaco durante o pagamento d'aquella annuidade.

Se se der a hypothese de que aquelle rendimento venha a ser inferior á quantia necessaria para o pagamento da annuidade, já se vê que o paiz não está desobrigado de a pagar e de recorrer a outros meios.
Tenho a declarar á camara que eu não só tenho estudado este assumpto e o tenho em consideração, mas expedi instrucções particulares para Madrid, a fim de se observar o andamento do acontcimento a que nos referimos até resultado final.

O projecto apresentado pelo ministro da fazenda do reino vizinho não o posso apreciar devidamente, mas de certo há de ser apreciado pelas pessoas competentes do paiz, a quem interessa mais.

Observo que n'aquelle paiz existe um deficit importantantissimo, e desejo saber como essa deficit terá de ser supprido, porque por meio das outras propostas que foram apresentadas não vejo expediente para isso.

Não posso deixar de dizer que, apesar de não ser partidario dos direitos excessivamente protectores, porque não é essa a minha escola economica, não posso deixar de considerar que o rendimento das alfandegas é um objecto grave, não só no n osso paiz, como em Hespanha e em todos os paizes.

Portanto, emquanto não vir qual o meio que se adopta para substituir esta receita e supprir o deficit, não posso considerar aquelle projecto mais do que uma experiencia do ministro que o apresentou, e d'aqui á realidade vae uma grande distancia. Demais, o projecto apresentado não é para vigorar desde já, tem ainda uni lapso de tempo a decorrer, porque só começa a vigorar de julho de 1870 em diante.

Entretanto temos tempo para meditar sobre qual seja a reforma a fazer n'este importante ramo da receita.

Portanto parece-me que o assumpto não é tão urgente, que nós devamos desde já tomar uma resolução a seu respeito. O que affirmo ao nobre deputado é que eu, como governo e como cidadão d'este paiz empenhado nos seus interesses, tenho tomado em toda a consideração os factos que se passam no reino vizinho; porque elles são importantíssimos, tanto economica, como politicamente fallando.

S. exa. tambem alludiu á hygiene publica, e referiu factos, que aliás são conhecidos de todas, de que as condições hygienicas d'esta capital não são as melhores.

É proprio da posição do nobre deputado e da sua profissão, em que s. exa. é eminente, e distincto, o tratar principalmente d'este assumpto, e estou persuadido que a entrada do nobre deputado, n'esta camara, ha de ser profícua para quando se possam tomar algumas resoluções com referencia a essa grave questão; e desde já dou os parabens á camara, e aos eleitores do circulo da Madeira, que mandaram aqui um tão digno representante. Mas esse negocio, ainda que não é especialmente pela minha repartição que tem de ser tratado, posso asseverar a s. exa. que tambem não tem sido descurado peio governo, e no que me diz respeito, posso dizer tambem ao nobre deputado, que tenho tido já algumas conferencias com os illustres deputados eleitos por esta cidade, e que procurâmos os meios de poder dar á camara municipal os recursos necessarios para ella poder melhorar a hygiene publica n'esta cidade.

Portanto todos os pontos em que o illustre deputado tocou estão, parece-me respondidos, tanto quanto posso; mas já antes de s. exa. fazer estas reflexões á camara, estavam tomadas em consideração pelo governo.
O Sr. Affonseca: - Em politica não sei, mas em medicina temos o preceito de que é melhor prevenir do que curar; e eu desejaria fazer esta applicação também á politica do governo. É melhor prevenir do que curar.

S. exa. disse que o governo não descurava d'este assumpto, e que o governo segue passo a passo os acontecimentos do reino vizinho, com relação á transformação economica de que fallei aqui. Estou persuadido de que essa transformação há de ter logar, e não póde deixar de ter, porque é uma transformação de bom senso e de bom juízo governativo; de accordo com os altos preceitos da sciencia, estou convencido de que há de dar se necessariamente, e então o governo já se deve ir preparando para esse acontecimento, e devia dar as suas ordens para que nas alfandegas de Portugal, especialmente na de Lisboa, não se dêem os seguintes fatos.
Que para se despachar uma duzia de lenços seja preciso que ponham o seu nome dezanove empregados, e que um despachante perca umas poucas de horas, isto é altamente ridículo, fossil e miseravel.

Há poucos annos disse eu n'esta camara, tratando d'este objecto, que eram precisas vinte e cinco assignaturas para qualquer despacho, e era verdade então; hoje fez-se uma vasta reducção ficámos todos admirados d'este grande esforço economico; mas não são vinte e cinco, são dezenove! (Riso.)

Não é o riso que isto provoca, é, Sr. presidente, a compaixão.

A alfandega de Southa,mptou em Inglaterra faz mais despachos, tem mais commercio n'um dia do que a de Lisboa em um mez. E sabe v. exa. quantos empregados tem? Tem cincoenta ou sessenta.

A alfandega, em logar d'esta montanha luxuosa que ahi se vê, não é mais do que uma grande barraca com os empregados que acima apontei.

Chegam ali os vapores do Levante, trazem 300 ou 400

Página 220

220 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

passageiros, e em menos de uma hora ficam desembaraçadas as suas bagagens.

Aqui chegam 10 ou 15 passageiros, e só d'ahi a seis ou oito horas é que vão para suas casas. É necessario ver os bahus e espalhar a roupa pela casa. Com as senhoras acontecem cousas que não quero revelar á camara, porque são indecentes (apoiados).

Aqui tem v. exa. o que eu desejava, e que o sr. ministro da fazenda se fosse prevenindo, porque se continua este systema, nem commercio, nem industria podem prosperar.

Quanto a hygiene publica, estimo saber que s. exa. lhe dá o seu mais serio cuidado, e que o governo já tem combinado com os srs. deputados por Lisboa a maneira de melhorar este ramo de administração publica.
Como disse, a mortalidade em algumas freguezias é superior ao numero dos nascimentos. Isto é muitíssimo serio e deve merecer muita attenção da parte dos poderes publicos.

No Porto já não acontece outro tanto. A mortalidade é muitíssimo inferior aos nascimentos.

Agradeço as expressões benevolas com que v. exa. fez favor de me honrar; expressões que significam, não merecimentos que não tenho, mas uma delicadeza da parte de s. exa.

O sr. Aragão Mascarenhas: - Por parte da commissão de poderes mando para a mesa um parecer.

O sr. Diogo de Sá: - Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).
O sr. Custodio Joaquim Freire: - Participo a v. exa. e á camara que o sr. Filippe José Vieira não tem podido comparecer por incommodo de saude.
O sr. José de Moraes: - Ha dias annunciei uma interpellação ao sr. ministro da fazenda sobre o imposto de l por cento que se paga na alfandega do Porto em virtude da lei de 19 de junho de 1841. Por esta lei todos os objectos que entram n'aquella alfândega pagam um imposto que é applicado para as obras d'aquella praça e bolsa.

Desejava saber qual tem sido a applicação que se tem dado a este imposto que se tem cobrado d'este 1841 até 30 de abril d'este anno, subindo á quantia de 422:755$585 réis, segundo uma nota que tenho presente e mandada publicar no Diario da camara.

Desejava tambem saber se esta quantia tem mão applicada para estas obras; se estão acabadas, se faltam algumas para construir, e as que faltam; ha projectos e orçamentos feitos e em quanto importará já finalmente, e se a associação commercial do Porto tem dado conta conforme lhe prescreve a disposição da lei do 24 de julho de 1856, artigo 2.°, que diz: «A associação commercial do Porto dará annualmente conta ao governo da applicação que fizer do referido imposto nos termos do artigo antecedente».

A obra da praça e bolsa do Porto era necessaria e conveniente, o que ninguem póde negar; mas que n'uma obra d'estas se tenha gasto quantias tão avultadas, é que é para estranhar. Tem-se dito pela imprensa erradamente, que este imposto é unicamente pago pela cidade do Porto, norte, entrando o districto de Coimbra, pois que suo aquellas provincias que recebem as suas mercadorias do Porto, que são sobrecarregadas com este l por cento para aquella despeza.

Por consequencia quero saber se falta muito para acabar aquella obra, se o governo a tem fiscalisado, se a associação commercial tem dado contas como lhe cumpre, quaes são as obras que faltam, e finalmente que quantia é ainda precisa para isso. Eu não quero que o tributo acabe, mas queria que deixasse quanto antes de ser applicação para áquelle fim, pois o edificio da bolsa está custando ao paiz já a enorme somma, de 422:000$000 réis, o que indica ser uma obra de luxo pouco propria para o nosso estado. Quereria que acabasse depressa, e que este tributo fosse applicado para as obras da barra, para a alfandega, e mesmo para uma rua que se devo abrir para ligar o centro da cidade do Porto com a alfandega.
Espero pois que o sr. ministro me diga como entende este negocio, e que de uma vez para sempre faça com que aquella obra se acabe, a fiscalise, e obrigue a dar contas quem tem obrigação d'isso, porque não quero repetir agora o que se tem dito em letra redonda. Não quero mesmo acreditar, mas tem-se dito que á custa d'este tributo se fizeram despezas importantes, que não estavam auctorisadas por lei, e que se a minha memoria me não falha orçaram por uns quatorze contos e tanto as despezas feitas com uma festa na cidade do Porto. Entendo que os tributos não se devem desviar do fim para que se destinam, e que os que os administram devem responder por esses desvios, se se derem.

Espero a resposta do sr. ministro, e não posso deixar de o louvar por se apresentar promptamente a responder a esta interpellação, e não seguir o exemplo de outros que nunca ou raras vozes se apresentavam para responder a interpellações.

O sr. Ministro da Fazenda: - No decurso da interpellação do illustre deputado pareceu-me que ella não era dirigida a mim, mas sim ao meu collega das obras publicas, por isso que o illustre deputado por varios vezes referiu o seu nome; mas eu recebi esta nota de interpellação mandada pelo illustre deputado, e que me foi communicada por offício da mesa; e portanto habilitei-me para responder só dentro dos limites das attribuições do meu ministerio. Parece que a importancia que o nobre deputado diz que se tinha cobrado d´este imposto destinado para as obras da bolsa ou casa do commercio do Porto é exacta, porque mandando eu tirar uma conta d´essas sommas desde 1841 até 1868, e depois dos quatro mezes de janeiro a abril de 1869, acho que a importancia é de 422:765$565 réis. Como o illustre deputado disse que desejava que isto se publicasse no Diario da camara, se quizer que eu anteponha esta conta official á sua, não tenho n´isso a menor duvida, mandando-a para a mesa para esse fim. O illustre deputado sabe perfeitamente qual foi a origem d'este imposto.
Este imposto foi creado pela carta de lei de 19 de junho de 1841. Por esta carta de lei foi concedida á associação commercial do Porto a casa, que estava queimada, do extincto mosteiro de S. Francisco, para ali se fazer um edificio para o commercio da praça do Porto; e ao mesmo tempo designaram-se uns certos tributos, que haviam de ser pagos pelas mercadorias que entrassem na alfândega d'aquella cidade.

Determinava aquella lei que este imposto durasse apenas por espaço de dez annos, quer disser, que devia terminar em 1851.

Rendeu este imposto pouco mais ou menos, como se vê por essa nota, 4:000$000 a 5:000$000 réis annuaes, sendo porém pouco este rendimento para as obras que se projectavam, veiu depois a carta de lei de 16 de junho de 1848, que augmentou o tributo votado pela lei anterior, determinando que continuasse a ser cobrado pela associação commercial e applicado para o mesmo fim. Mas esta carta de lei não prorogou o praso, e portanto este devia terminar effectivamente em 1851. Vem porém o decreto díctatorial de 19 de junho de 1851 que prorogou indefinidamente o praso para a cobrança d'aquelle imposto, de maneira que hoje não está marcado o limite em que lia de acabar essa cobrança.

Pouco depois veiu tambem o decreto dictatorial de 23 de dezembro de 1852, pelo qual se determinou que da dotação destinada para as obras da bolsa se applicasse uma parto para o salva-vidas.

São sabidas as circumstancias que motivaram este decreto.

Tinha havido uma catastrophe terrivel que preoccupava extraordinariamente os animos, não só no Porto, mas em todo o paiz. Refiro-me ao naufragio do vapor Porto n'aquella barra, Em consequencia d'aquelle grande desastre

Página 221

221 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lembrou naturalmente a necessidade do estabelecimento de um meio de salvar os náufragos em occasiões similhantes. Estabeleceu-se pois o salva-vidas.

Por essa occasião tambem se instituiu no Porto uma sociedade a que se chamou humanitaria, com o fim de premiar aquelles que mais se distinguissem em actos de coragem e humanidade, salvando os nossos irmãos dos perigos imminentes.

Esta instituição do salva-vidas subsiste ainda, e o illustre deputado sabe perfeitamente como ella está organisada. E presidida pelo governador civil do districto do Porto, e outros membros da associação, uns são natos, outros nomeados pela associação commercial do Porto.

Mais tarde veiu uma outra lei, que eu não tenho aqui apontada, mas de moderna data, a qual determinou que das sommas destinadas para o salva-vidas fosse a quantia de 2:000$000 réis consignada para o estabelecimento humanitario denominado «asylo de mendicidade».
Portanto o nobre deputado ê, por esta exposição que eu acabo de fazer, que aquelle imposto, destinado primitivamente apenas para as obras da bolsa, hoje tem uma applicação mais extensa, porque uma parte e destinada para as obras da bolsa, outra parte destinada para o salva-vidas, e finalmente 2:000$000 réis são distraindos para o asylo de mendicidade.
É este o estado em que actualmente se acham as cousas.

Pergunta o nobre deputado = se a associação commercial tem cumprido a obrigação que lhe foi imposta pela carta de lei de 24 de julho de 1850, no artigo 2.º =, isto é, se deu conta do uso e do emprego que foz das sommas que tem cobrado para estes diversos e variados fim.

Respondo ao nobre deputado, que pelo ministerio a meu cargo não consta cousa alguma a similhante respeito.

Não me consta, que a associação commercial tenha dado conta em tempo algum ao ministerio da fazenda do uso que fez d'este tributo, (O sr. José de Moraes: - Peço a palavra.)

Demais, sr. presidente, se na secretaria da fazenda existem esclarecimentos a respeito d'este tributo, isto é, sobre a sua cobrança, provém esses esclarecimentos unicamente do zêlo, de que n'esta occasião tenho o prazer de dar um publico testemunho, que tem o digno director geral das contribuições indirectas, o qual, sem ter obrigação de saber qual e a cobrança que se faz d'este imposto, por isso que elle não entra nos cofres do estado, tem comtudo procurado informar-se devidamente do quaes são estas sommas, a fim do poder dizer a quanto ellas montam, e de poder habilitar-mo a responder a esta interpellação do illustre deputado, e a qualquer outra que porventura appareça.

Com relação porém ás contas, não existe na secretaria da fazenda prova alguma de que ellas tenham por ali sido dadas, e tambem me não consta que ellas tenham sido dadas pelo tribunal de contas.

Procurei informar-me extraofficialmente sobre se ellas tinham sido dadas pelo ministerio das obras publicas, por isso que sendo este objecto mais proprio d'aquelle ministerio do que do ministerio da fazenda, era possivel que por ali tivessem sido dadas; ao ministerio das obras publicas porém, tambem me consta extraofficialmente que não se deram.

Com referencia ás obras que se estão executando, isso é proprio do ministerio das obras publicas, porém tambem mo consta que não se fizeram officialmente orçamentos no ministerio respectivo, e que estas obras correm inteiramente a cargo da associação commercial do Porto.

Este é o estado das cousas, e, se o illustre deputado entende, como eu entendo, que se devem tornar algumas providencias a este respeito, não tenho a mais leve duvida em me comprometter a toma-las.

Quanto ás applicações que este imposto póde ter para outras obras que o illustre deputado indicou, c que na verdade são importantíssimas e devem ser tomadas em consideração, direi que me parece não ser agora a occasião mais opportuna para discutir esse ponto.

As obras da barra do Douro têem uma consideração especial; as da nova alfandega, como v. exa. sabe, têem sido feitas por conta do thesouro; têem-se votado creditos successivos, e têem sido pagas essas obras pelos cofres centraes do thesouro. A obra da rua, que ha de ligar a cidade com a nova alfandega, tem um caracter municipal, visto que está dentro da cidade.

Comtudo eu sou o primeiro a conhecer que, pela magnitude da obra, a camara municipal do Porto não estará muito habilitada para a poder fazer toda á sua custa; o portanto, absolutamente fallando, não acho mau que a este imposto se dê uma applicação talvez mais conveniente do que actualmente se dá.

Entretanto devo lembrar ao nobre deputado que, subsistindo os encargos que actualmente pesam sobre o imposto, não será possivel distrahir d'elle grandes sommas, e muito principalmente emquanto nós não soubermos qual será o custo das obras da bolsa, por isso que aquellas obras parecem ser urna causa indefinida. Protelam-se, demoram-se de uma maneira tal, fazem se com um tal luxo e um tal apparato, que eu não estou habilitado para poder dizer ao illustre deputado quando hão de acabar. Quando começaram sabemos nós, quando hão de acabar é impossível dize-lo.

Com estas reflexões parece-me que tenho respondido ás perguntas do nobre deputado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Costa e Almeida.

O sr. José de Moraes: - Devo dizer á mesa que eu tenho o direito de faltar primeiro que o sr. deputado, porque sou o interpellante.

O sr. Presidente: - O sr. deputado está equivocado. O deputado interpellante, segundo o regimento, tem tanto direito como aquelles que assignaram a interpellação, e não se altera para elle a ordem da inscripção.

O sr. Costa e Almeida: - Eu tinha pedido para tomar parte n'esta interpellação, e usando da palavra que v. exa. me concede, direi que, em vista das declarações do nobre ministro da fazenda, na sua resposta no digno deputado interpellante, e em vista mesmo da maneira como o illustre deputado redigiu a nota do interpellação, entendo que esta discussão não pude progredir com fructo sem que tenha sido communicada a interpellação ao nobre ministro das obras publicas, a cuja repartição mais directamente o negocio respeita.

A interpellação foi dirigida pelo sr. José do Moraes ao sr. ministro da fazenda; mas só por um lado ella diz respeito ao ministerio da fazenda, porque se trata de um imposto, por outro lado, tratando se mais particularmente da applicação do mesmo imposto, a interpellação respeita essencialmente ao ministerio das obras publicas, por onde corre este negocio; e não tendo sido annunciada ao respectivo ministro, naturalmente s. exa. não está, não se deve achar habilitado para responder a todos os pontos da mesma interpellação, relativos aos actos que respeitam ao seu ministerio.

Proponho pois, e n'esta proposta sou acompanhado pelo illustre deputado, o sr. Thomás Lobo, que requereu tambem ser inscripto para tomar parte na interpellação, que adiemos esta discussão para quando tenha sido communicada a nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, e s. exa. se declare habilitado para responder (apoiados); e que em consequencia se passe á ordem do dia (apoiados).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Propomos que esta interpellação seja adiada ato que o sr. ministro das obras publicas se declare habilitado para responder a ella, sendo lhe previamente communicada. = Costa e Almeida Thomás Lobo.

Foi admittida.

Página 222

222 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Ministro das Obras Publicas (Calheiros e Menezes) (sobre a ordem}: - Pedi a palavra para renovar a iniciativa de duas propostas de lei (leu).

Leu-se na mesa a Segunda

Proposta

Tenho a honra de renovar a iniciativa da proposta do lei, apresentada ao parlamento na sessão legislativa de 1866, para serem approvadas as condições ajuntadas pelo governo em 21 de abril d'aquelle anno, com o subdito francez Hubert Debrousse, para a conquista dos terrenos e construcção de caes na margem direita do Tejo, construcção e exploração de docas e armazens geraes, e de um caminho de ferro de Lisboa a Cintra.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 2 de janeiro de 1869. = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes.

Tenho a honra de renovar a iniciativa da proposta de lei n.° 18-H, da sessão extraordinaria de 1868, sobre o estabelecimento de uma linha telegraphica submarina, contratada com Thomás Rumball e Duarte Medlicot, de Falmouth ao Porto, aos Açores e á America.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 1 de junho de 1869. - Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes.

O sr. Presidente: - O sr. deputado Costa e Almeida concluiu, requerendo que se passasse á ordem do dia. Vou propor á camara o requerimento do sr. deputado.

O sr. José de Moraes (sobre o modo de propor): O que o illustre deputado mandou para a mesa não é um requerimento, é uma proposta de adiamento; e o que v. exa., permitta-me que lhe diga, tem a fazer, é perguntar se ha cinco Srs. deputados que apoiem o adiamento. Em havendo cinco cavalheiros que o apoiem, fica em discussão, e eu então peço a palavra sobre elle.

Esta é a pratica, é o que ensina o regimento, e é o que se deve agora fazer, a menos que não tenha havido alguma innocação no regimento. Se houve innocação, confesso que não tive conhecimento d'ella, e que estou completamente innocente a esse respeito.

O Sr. Presidente: - Não há innovação no regimento, trata-se de o cumprir rigorosamente. Eu peço attenção por um momento.

Effectivamente o Sr. Costa e Almeida propoz o adiamento (O Sr. José de Moraes: - Apoiados); e para elle ser admittido basta ser apoiados por cinco Srs. deputados. Mas o Sr. deputado concluiu por um requerimento, para se passar desde já á ordem do dia. Por conseguinte vou pôr á votação o requerimento.

Os Srs. deputados que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Presidente: - Peço attenção. São dias horas e meia, d'aquella que se acha marcada no regimento para nos occuparmos da segunda parte da ordem do dia. Os Srs. deputados sabem perfeitamente que os assumptos que se tratam na segunda parte da ordem do dia são do maior interesse para a causa publica. Effectivamente nós reunimo-nos mais tarde do que o regimento manda reunir, que é ás onze horas. Eu peço pois aos meus illustres collegas que me habilitem a cumprir rigorosamente as disposições do regimento (apoiados).

Se os Srs. deputados não estiverem presentes mais cedo, eu desde já declaro que em sendo uma hora, e lida a correspondencia, passo á segunda parte da ordem do dia, ficando pendente a resolução de qualquer questão.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto do lei n.° 9

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Montenegro.

O sr. Ministro da Fazenda: - Peço a palavra.

O sr. Montenegro: - Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem; entretanto como o sr. ministro da fazenda pediu a palavra, e s. exa. deseja responder desde já ao illustre deputado que fallou sobre este assumpto, eu não tenho duvida em prescindir da palavra, pedindo a v. exa. que m'a reserve para depois do nobre ministro.

O sr. Ministro da Fazenda: - Pareceria que eu não devia tomar desde já a palavra na quentão importante que occupa a attenção da camara, e reservar-me para usar d'ella mais adiante no decurso do debate, visto que se acham inscriptos para fallar sobre este assumpto muitos srs. deputados, e que provavelmente terão de apresentar objecções e considerações importantes sobre elle.

Comtudo o illustre deputado que abriu a discussão occupou a attenção da camara durante duas sessões, fallou tão proficientemente, como costuma, apresentou tantos argumentos e fez tão vastas e variadas considerações, quo eu julgo que a occasião não deixa de ser opportuna para usar desde já da palavra, tanto mais quanto, sendo o illustre deputado, como é peia sua posição, o chefe natural da opposição, eu considero que respondendo a s. exa. tenho em geral respondido a quaesquer objecções que se façam por parte dos meus contrarios.

E n'esta referencia de que o nobre deputado é chefe da opposição, não quero por fórma alguma que esta asserção seja tomada em menoscabo ou menos consideração para com os illustres deputados que fazem parte d'aquelle grupo politico, por isso que eu a todos considero igualmente, e avalio os seus dotes; porém, em geral, quando se vê brilhar o sol, as estrellas eclipsam-se, comquanto se não conclua d'isso que as estrellas não sejam maiores do que o proprio sol. Porém a verdade é que o brilhantismo do sol tem esta faculdade, tem este privilegio de eclipsar completamente todos os outros astros. É a rasão por que aproveito esta opportunidade para desde já dizer alguma cousa sobre a questão, reservando-me para n'outra qualquer occaisão dar outras explicações, se entender conveniente.

Foram tão variadas, tão complexas e tão importantes as reflexões e argumentos apresentados pelo nobre deputado, durante duas sessões, em que occupou a attenção da camara e que não duraram menos de cinco horas, que difficil senão impossivel é segui-lo em todas as suas considerações e responder a todos os argumentos. Demais, não tendo tomado apontamentos do que s. exa. disse, não poderei talvez segui-los todos na ordem que se apresentarem; porém direi aquillo que me for occorrendo, respondendo conforme souber ás judiciosas reflexões que s. exa. apresentou.

O nobre deputado aproveitou esta occasião para menos discutir o projecto que dá uma auctorisação ao governo, do que para discutir, envolvidas com o contrato que eu assignei, outras muitas questões sobre a administração geral do estado e sobre os seus actos, como ministro que tem sido differentes vezes e em diversas repartições.

S. exa. no seu brilhantissimo discurso disse que vinha unicamente varrer a sua lesiada, declarar qual era a sua posição, justificar os seus actos e fazer diversas e variadas considerações entre as differentes escolas que o nobre deputado imaginou e entre as diversas situações que temos tido.

Todos nós temos a nossa responsabilidade, e cada um deve responder pelos actos que praticou, por aquilo que tem feito, pelas opiniões que tenha exposto em qualquer occasião que seja; porém o que ninguem tem obrigação é de responder pelo que não tiver praticado. Não quero dizer que o nobre deputado, em tudo aquillo que disse, quizesse referir-se especialmente á minha pessoa. Modesta e humilde como é, parece-me que não deveria merecer, nem poderia merecer tão vastas considerações e tantas bellezas oratorias, como aquellas que a camara ouviu, e que de certo a deleitaram e lhe fizeram grande impressão; no entretanto é certo que durante toda a discussão referiu-se quasi constantemente a mim; e portanto algumas das suas reflexões foram feitas com respeito á minha gerencia ou á situação politica que represento.

Página 223

223 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Eu comecei n'essa, situação política ha muito menos tempo do que ella dura; o meu nascimento n'esta situação, isto é, na qualidade de ministro, data apenas do decreto da minha nomeação, e muitas das considerações que o nobre deputado apresentou referem-se principalmente a actos não só anteriores á minha entrada no ministerio, mas mesmo á entrada do gabinete de que faço parte, e cuja responsabilidade solidaria me pertence. Seja dito entre parenthesis, que o projecto de lei e mesmo o contrato desappareceram completamente da discussão na sessão de hontem; nada se disse com referencia ao assumpto que nos occupa; o que se discutiu foram considerações geraes.

Mas o illustre deputado quiz fazer a comparação entre a situação de que s. exa. fez parte, e de que foi uma das partes mais importantes, por assim dizer, foi a alma d'ella, e aquelle que; actualmente dirige os destinos do paiz.

Eu não reprovo este modo de argumentar, e muito principalmente quando o nobre deputado apresentou uma distincção entre política geral e política financeira, e quiz fazer o parallelo entre a sua política financeira, ou a política financeira da sua administração, e a do actual gabinete e por tanto a minha.

Reduzida a questão a estes termos, é natural que n'uma questão importante como esta em que se procura resolver a questão financeira, venham todas as considerações que o nobre deputado apresentou. Provavelmente, durante o meu discurso, terei de dizer alguma cousa com referencia á política da situação de s. exa. e á da situação de que faço parte; deixemos porém essas reflexões para mais adiante, vamos á questão da política financeira.

«A politica financeira, disse o illustre deputado, caracterisa-se perfeitamente entre aquella que eu tive e aquella que tem o ministro da fazenda. A minha política financeira era uma política de conciliação, a política financeira actual é uma politica de resistencia. Da política financeira do conciliação resultam o credito do paiz e uma grande vantagem para o mesmo paiz; da política de resistencia do actual ministerio resultam os maiores inconvenientes e o
estado deploravel em que nos achâmos.

Como é, que o illustre deputado fundamentou esta distincção entre as duas políticas financeiras? Serviu-se principalmente da questão do caminho de ferro de sueste. O nobre deputado disse que a sua política, com referencia ao assumpto, tinha sido puramente de conciliação, e que d'ahi resultaram as vantagens que s. exa. depois explicou; e que a politica do governo, sendo a política do resistencia, trouxe comsigo as consequencias actuaes.

Vamos a ver como é que a política de conciliação, com relação a este assumpto, foi seguida pelo nobre deputado e pelo ministerio de que s. exa. fez parte.

Houve o contrato de 14 de outubro de 1865, contrato que foi uma verdadeira operação financeira que o nobre deputado não occulta nem occultou, quando apresentou a esta camara o relatorio que precede o orçamento de 1866 a 1867. N'esse relatorio disse o illustre deputado que calculava o dificit para o exercício do anno economico futuro em 4.000:000$000 réis, que para fazer face a esses 4.600:000$000 réis esperava o resultado da operação do 14 de outubro, que andava por 2:900:000$000 réis, cerca de 3.000:000$000 réis, e que, alem d'isso, contava alcançar a differença que havia, entre estes 3.000:000$000 réis e os 4.600:00$000 réis, de uma operação de inversão sobre penhores, que esperava fazer com vantagem, podendo tirar d'essa operação uma receita que cobrisse este deficit.

Já se vê, sr. presidente, que a tal questão do caminho de ferro de sueste, em que se transformou um contrato n'outro contrato, não foi apresentada senão unica e exclusivamente por causa das urgencias do thesouro, pela necessidade de preencher o deficit e de tirar d'ahi uma receita que se calculava em 3.000:000$000 réis. N'esta occasião, sr. presidente, o nobre deputado olhava pouco para o futuro, importava-se pouco de quaes fossem os bonds que havia de ir dar para estes 3.000:000$000 réis, não lhe importava nada que alguns annos depois o paiz estivesse com encargos enormissimos (apoiados), tornando impossível toda a organisação financeira para unicamente n'aquella occasião receber a quantia de 3.000:000$000 réis. Então, sr. presidente, o nobre deputado não se importava de saber se acaso estes 3.000:000$000 réis ficavam a, 6, a 8, a 10, a 20, a 40, sabe Deus a quantos por cento!

Pois, sr. presidente, seria possivel ainda hoje, á face do parlamento, vir aqui sustentar os argumentos que serviram de base ao contrato de 14 de outubro? Seria possivel vir ainda hoje aqui dizer que o caminho de ferro, que estava em exploração e que se havia de prolongar, havia de render 3:6OO$000 réis por kilometro de rendimento bruto? De certo que não. E tanto que o nobre deputado, nos calculos que apresentou para mostrar que pouco mais dava o caminho de ferro do que nós actualmente lhe promettemos, partiu do principio de que o caminho de ferro não rendia mais de 50:000$000 ou 54:000$000 réis. Juntando estes 50:000$000 ou 54:000$000 réis aos encargos da exploração do caminho de ferro de sueste, em quanto póde isso importar? Nós calculámos em 140:000$000 réis, que, junto com os 50:000$000 réis são 190:000$000 réis. Vejam-se os kilometros do caminho do ferro que estão actualmente em exploração, divida-se essa somma por esse numero de kilometros, ver-se-ha qual é o rendimento bruto, e ha a attender que os kilometros que estão actualmente em exploração são effectivamente os melhores em toda a linha; portanto o rendimento que ha n'aquella linha não póde ser calculado na mesma proporção para a linha toda, se porventura ella se construir em toda a sua extensão.

N'esta occasião é que se fazia uma operação d'esta ordem e magnitude, offerecendo-se o paiz por cincoenta annos com um encargo importante, incalculavel, mas sempre grande, não se importando como ficavam os taes 3.000:000$000 réis, nem qual o juro que o paiz havia de pagar por elles! (Apoiados.) D'esta politica financeira e nefasta é que resultaram estes inconvenientes (apoiados). (O Sr. Fontes Pereira de Mello: - Peço da palavra.)

D'esta politica nefasta de ligar a questão do caminho de ferro a uma operação financeira, de vir transformar um contrato que estava subsistindo que não eram muito oneroso para o estado, em um outro contrato attentamente prejudical e inconveniente (apoiados) unicamente tendo em vista obter 3.000:000$000 réis; d'esta politica nefasta é que vieram todos os embaraços, prejuizos e difficuldades com que se tem lutado (apoiados). E para que era isto? Para que? Pois não podia o illustre deputado n'essa occasião apresentar as propostas de impsotos que mais tarde trouxe ao parlamento? (Apoiados.) Porque não as trouxe?
Porque? Lá o diz no seu relatorio. Porque precusava estudar ainda mais um anno para saber quaes haviam de ser as propostas que havia de apresentar. Pois a mim não se deu nem um anno, nem um dia, e digo isto porque entrando para o ministerio em 29 de novembro de 1868 já em 2 de janeiro de 1869 estava disposto a apresentar á camara essas mesmas propostas que estão sobre a mesa. Não as tinha organisado e redigido completamente, mas tinha-as esboçado.

O contrato de 14 de outubro trouxe um resultado gunesto, que foi a companhia não satisfazer as letras que tinha acceitado e que o illustre deputado tinha sacado sobre ellas como ministro da fazenda. A consequencia qual foi? Foi que o governo d'essa epocha, que não tinha sido previsente, e não tinha sido previdente porque não calculou essa eventualidade, viu-se em serias difficuldades e embaraços. E eu faço esta referencia porque é necessaria quando se diz hoje, por qualquer cousa que me succede, que é o resultado da minha imprevidencia, e se diz, como já o ouvi n'outra occasião, se houve letras protestadas em Londres e letras apontadas em Paris, foi porque o ministro da fazenda não tomou providencias para evitar este desastre.

Página 224

224 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pois eu fui previdente; pois que havia feito e assignado um contrato polo qual tinha os meios necessarios para pagar essas letras, e receiando que á ultima hora esse contrato tambem não fosse cumprido, procurei outros meios pelos quaes entendi que tinha salvado a situação; comtudo na occasião do tal contrato de 14 de outubro essas previdências não tinham tido logar. E qual foi o resultado? Foi a divida fluctuante, pesadíssima, onerosissima, com os encargos mais elevados.

Para isso não preciso mais do que referir as proprias palavras do illustre ministro..., digo, do illustre deputado. Estou tão habituado a considera-lo como ministro, que involuntariamente a minha phrase traduz o que se passa no meu espirito. E apesar de s. exa. haver dito hontem que não voltava a estas cadeiras, pelo menos tão cedo, eu estou persuadido do contrario. Depois do panegyrico que s. exa. fez da sua administração, que elevou até onde devia ser elevada, não vejo outra salvação para o paiz senão em voltar s. exa. ao poder, e muito breve (apoiados).

Mas, voltando ao assumpto de que tratava, as letras foram protestadas. E disse o illustre deputado: «Pois a mim vieram pedir-me e muito, que as reformasse, mas eu resisti, porque havia de cumprir o contrato, e não podia desviar-me d'elle nem uma linha». Aqui está a política financeira da resistencia.

Ao nobre deputado não importou saber quaes as circumstancias em que então se achavam as praças, que o juro na praça de Londres tinha subido a um preço exorbitante», e tal que talvez não houvesse memoria de juro era condições similhantee, e resistiu.

Foi protestada a primeira letra, em seguida protestaram-se todas as outras, e rompeu-se o contrato. Mm 23 de maio, quer dizer, apenas decorridos treze dias depois do dia fatal, em que as letras tinham sido protestadas, appareceu o decreto rescindindo o contrato.

Que se seguiu depois d'isto? Seguiu-se o recurso da companhia, que lhe era garantido tambem pelo contrato; e a sentença arbitrai de 10 de novembro. Continuou a política da resistencia.

Desde 10 de novembro até 4 de abril do anno seguinte não se disse cousa alguma. Seis mezes de silencio! Aqui temos nós, não a política da resistencia, mas a das duvidas, das tergiversações, das hesitações, das incertezas (apoiados). Nova política.

Depois, em 4 de abril, appareceu outra vez a política da resistencia. As linhas foram postas em praça.

Depois passou-se o tempo de duração da praça, que era de seis mezes, e como não houvesse quem licitasse, terminou a política da resistencia; e começou a política da conciliação.

Veja a camara as alterações que soffreu esta política! Primeiramente política de humilhação, a pedir dinheiro, e concedendo-se comtudo quanto se quizesse. Aqui está a primeira política. Segunda política, política de resistencia tenaz, tenacissima; depois política de hesitações, depois política de resistencia, e depois política de conciliação.

Aqui temos differentes políticas que seguiu o illustre deputado durante o largo espaço em que dirigiu os negocios da fazenda. Já se vê que s. exa. não estava muito firme na política que havia de seguir, porque se então tivesse adoptado a política de conciliação, como disse, tinha concedido a reforma das letras, ou depois de protestadas tinha feito logo uma transacção rasoavel e conveniente ao paiz.

Mas houve todas estas differentes peripecias n'este negocio.

Depois chegou-se á política de conciliação; e porque se chegou a essa política? O illustre deputado fez aqui uma revelação importantíssima, e mal sabe s. exa. a luz que lançou no meu espirito sobre todos estes assumptos essa revelação.

Essa revelação, repito, foi importantíssima, o serve completamente para explicar toda a historia d'este assumpto, e não deixa nem a mais leve duvida sobre os fundamentos, ou sobre as asserções que apresentei no meu relatorio. Eu já tinha alguma desconfiança d'isto; depois que ouvi o illustre deputado, fiquei convencidíssimo, e a camara tambem o ficou.
Disse s. exa.: «O governo declarou que ia dar a companhia do caminho de ferro de sueste a quantia de 2.376:000$000 réis, mas que os dava por equidade, que os dava interpretando os sentimentos generosos da nação; pois eu não voto uma tal quantia, não lhe dou nada por esta fórma, porque nunca reconheci direito á companhia; nunca considerei que se lhe devesse dar alguma cousa, se d'ahi se não auferissem vantagens para o thesouro. Portanto este systema reprovo-o completamente. Eu dava-lhe muito mais, mas era porque precisava de dinheiro, porque precisava de recorrer ás praças estrangeiras, e sabia que elles, emprezarios, me faziam crua guerra, em virtude da qual eu não podia lá ir. Por consequencia julguei que lhe devia dar uma somma maior, mas unicamente movido por estas circumstancias». Foram estas, pouco mais ou menos, as palavras de s. exa. Esta revelação é importante.

Eu, durante muito tempo, queixei-me amargamente da falta de confiança dos interessados da companhia, e não sabia se a rasão por que faziam esta guerra tenaz cru porque se queriam aproveitar dos nossos embaraços para se locupletarem, e por isso dizia-lhes - quando este paiz estiver arruinado financeiramente, é que vós haveis de estar bem? Elles diziam sempre que não, e durante muito tempo entendi que havia nisto um certo proposito, uma certa maldade; agora estou convencido de que só elles não tivessem feito o que fizeram, nunca receberiam nem um real. Portanto, que importava a elles que o paiz melhorasse ou não financeiramente, se as finanças particulares d'elles é que nunca haviam de melhorar? O unico modo do melhorarem era arruinando o paiz, ou antes projectando arruina-lo; e como o paiz havia de ter medo de se abysmar n'essa ruina, infallivelmente lhes havia de dar algumas sommas.

O nobre deputado, explicando a sua política financeira, é que lhes deu rasão; e hoje estou convencido de que elles andaram perfeitamente.
Esta revelação que s. exa. fez, de que se lhes não deve dar nada, sómente pelos princípios de equidade e generosidade do paiz; de que só lhes não devia dar nada pelo principio de que, tendo elles gasto uma somma avultada em melhorar as circumstancias economicas do paiz, em dar desenvolvimento á viação accelerada, em estabelecer um importante instrumento do civilisação e progresso, não seria justo que o paiz se locupletasse á custa d'elles, aproveitando-se das circumstancias difficeis em que elles estavam; de que se lhes não devia dar nada em virtude de nenhum d'estes princípios de justiça e equidade, mas unicamente pela dependencia em que o paiz estava d'elles, porque se assim não fosse, nunca se lhes havia de dar cousa alguma; esta revelação, digo eu, veiu explicar-me completamemte todos os actos posteriores. Todos elles ficaram sufficientemente explicados desde o momento em que se ouviu uma revelação d'esta ordem, feita por um homem competentissimo que era então ministro da fazenda, e que é inquestionavelmente um dos homens intelligentes que mais honra fazem a este paiz, e que mesmo a qualquer outro paiz faria muita honra.

O que é certo é que o governo d'essa epocha precisou do dinheiro, com o fim de pagar a divida fluctuante externa, e para isso teve a competente auctorisação. Foi feito um contrato do emprestimo, pelo qual se levantavam 4.700:000 libras. Era porém claro que este emprestimo não se contrahia scnfto com a certeza de que elle não havia de ter opposição, que havia de ser cotado e ter curso no mercado; e como para se conseguir isso (conforme s. exa. disse) era indispensavel dar á companhia a tal somma de réis 4.000:000$000, era evidente que uma cousa estava intimamente ligada com outra. Desde o momento em que o em-

Página 225

225 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

prestimo tivesse curso na praça de Londres, o governo, vista a condição tacita em que tinha assentado com os agentes da companhia, havia de necessariamente fazer accordo.

Aqui temos pois condições secretas, aqui temos umas certas finanças mysteriosas, de que eu aliás já aqui fui accusado. Eu fallo n'isto porque estou ferido. Posso levantar a minha voz e dizer bem alto que não quiz nunca finanças mysteriosas, nem as hei de querer, apesar de já ter sido accusado de as ter querido fazer.

Aqui temos pois, repito, finanças mysteriosas, visto que não só declarou essa condição no contrato, visto que o paiz o não sabia. E lembra-me agora dizer que ahi é que começaram as resistencias a esse recordo feito pelo illustre deputado, porque o paiz não sabia que isso era necessario; julgava-se que o governo dava á companhia um bonus de mão beijada, sem necessidade nenhuma, quando a verdade não era essa, pois que o illustre deputado disse da maneira mais clara e terminante, que dava aquella quantia á companhia para poder fazer a emissão do emprestimo, d'esse ou dos outros que porventura viessem.

Ora, desde que as cousas chegaram a este ponto, a consequencia necessaria era que o governo que succedesse ao illustre deputado estaria mettido entre a espada e a parede, não tendo já para, onde optar. Isto é, havia de infalivelmente cumprir aquelle contrato ou outro similhante. Aqui tem o nobre, deputado, que diz que eu vim collocar a camara entre a parede e a espada; como s. exa. collocou tambem os seus successores entre a capada e a parede (apoiados).

O que resultou d'ahi? O emprestimo emittiu-se na occasião em que s. exa. saiu do governo, por essa manifestação ou cousa similhante, que tanto tem merecido as apreciações de s. exa. e de, outros, mas manifestação que ha de explicar-se, e ha de ter a sua rasão de ser, que a tem de certo (apoiados), e as suas consequencias hão de durar mais tempo do que as palavras que o nobre deputado proferiu n'esta casa contra ella. Porém vamos ao facto.

O nobre deputado saiu do governo, e o emprestimo não estava cotado; o seu successor, que está presente, há de responder a isto perfeitamente; sei que s. exa. está inscripto, não quero adiantar as suas idéas, mas estou certo de que há de responder, porque as accusações foram mais contra s. exa. do que contra mim.

Repito, fez-se a emissão do emprestimo, mas não tinha cotação, e não tinha porque se via que o governo já não estava disposto a aceitar a tal condição secreta que foi estatuida pelo ministerio anterior, e a camara e o paiz inteiro sabem que foi necessario dar as seguranças competentes para Londres, de que o governo matinha a sua palavra.

Depois seguiu-se a eleição, veiu a camara e conheceu se que o governo já não estava então muito inclinado para o tal accordão, e o certo é que para Londres se expediram alguns telegrammas, em que se dizia que o governo não matinha aquelle contrato, e que portanto se não levava a effeito.

Ora, como a commissão do emprestimo se tinha feito sobre a promessa de que elle se havia de manter, era claro que o governo não tinha outra cousa que fazer senão ou prescindir da operação, e para isso não tinha meios, ou então cumprir a sua palavra.

Tenho aqui as notas que n'essa occasião se trocaram, e que não é preciso ler á camara.

A verdade é que o governo não sympathisou com o tal accordo, e tambem não sympathisou com a camara; e porque? Porque não julgava que este accordo fosse condição indispensavel para a tal emissão, e não se lembrando de que não tinha remedio senão approvar uma condição expressa e determinada n'uma clausula do contrato, rejeitou-o.

Se soubesse isto, se aqui estivesse o sr. Fontes e explicasse as cousas como as explicou, a camara não poderia, dizer que não. Era uma condição que tinha sido estatuída pelo governo, tinha produzido os seus effeitos, e portanto a camara não tinha mais que sanccionar.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - V. exa. permitte.

O Orador: - Peço perdão, mas v. exa. hontem não consentiu que eu o interrompesse.

(Nova internação do sr. Fontes.)

Perdão. Estou historiando as cousas como ellas se passaram. V. exa. póde pedir a palavra e explicar-se depois.

O certo é que mais tarde a camara rejeitou completara ente esse accordo, e o governo que sabia bem as condições em que se achava, entendeu fazer outro com a companhia e apresentou-o á camara. Esta rejeitou-o outra vez, e rejeitou-o de certo porque não conhecia estes preliminares, nem as circumstancias que se tinham dado; se as soubesse havia de querer honrar as deliberações do governo do seu paiz. Portanto o negocio caiu completamente, e como caiu, era necessario tomar uma resolução qualquer.
O governo não tinha ainda n'essa occasião definida a sua política financeira; quando entrei para o ministerio não a tinha ainda bem definida, nem sabia se ella seria de resistencia, se de conciliação. A minha política financeira seria aquella que eu julgava ser mais conducente aos interesses do paiz, e não outra; seria de resistencia ou de conciliação, segundo as circumstancias me aconselhassem.
O plano que eu havia formado na occasião dos acontecimentos que me trouxeram a este logar e muito simples.

A camara abriu-se em 2 de janeiro. Tinha tenção de apresentar um systema conforme a minha intelligencia podesse comportar, melhor ou peior; em fim, um systema da organização da fazenda. Confiava tambem nas medidas economicas que tinham seguido os meus collegas; vi que esse systema era abraçado pelo paiz; que era calorosamente applaudido por elle, e que havia naturalmente produzir resultados importantes.

Esperei, ainda hoje espero, que comprehendido como foi, executado como foi e continuado como deve ser, ha de produzir resultados tão importantes que nos hão de approximar da resolução d'esta questão. Porém nunca entrou na minha imaginação, nem na de ninguem, que depois das cousas terem chegado ao ponto em que estavam, nos podessemos dispensar de recorrer no contribuinte, pedindo mais sacrificios. O meu cargo de ministro da fazenda obrigava-me mais n tratar esta questão debaixo do ponto de vista da receita publica, que debaixo do ponto de vista das reducções, tanto mais que no ministerio a meu cargo as reducções que se podem fazer não são de grande monta; porque o que mais avulta não encargos de divida, encargos geraes e outras despezas que são conhecidas de todos, e que não dependem da vontade do ministro diminuir ou elevar em cousa alguma.
Considerava eu que, apresentando um systema regular de organisação de fazenda, reconhecendo-se por ella, e por outras medidas adequadas, que o orçamento do estado tendia para o seu equilíbrio, provavelmente o credito melhorava, a confiança restabelecia-se, e o governo mais desembaraçado e mais desassombrado poderia emprehender uma operação em grande; porque, nunca tambem póde deixar de entrar nos meus cálculos, ou de quem quer que fosse, que era indispensavel fazer uma operação de credito sufficiente para poder saldar a divida fluctuante que temos no estrangeiro, e que nos não dão lá maior credito.

Sendo indispensavel contrahir um emprestimo, indispensabilidade que o illustre deputado mesmo reconheceu, o modo mais conducente de chegar á elle seria pelo restabelecimento do credito (apoiados).

Infelizmente, porém, este meu proposito foi contrariado por circumstancias independentes completamente da minha vontade, e que produziram a crise política que se seguiu logo á abertura do parlamento.
Verificado o facto, e eu não lhe quero fazer agora commentarios, porque reconhecendo, como reconheço, que a camara que então existia, dando, como deu, um voto de des-

Página 226

226 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

confiança contra o governo, estava no uso das suas attribuições, podia comtudo dizer alguma cousa sobre a opportunidade de o dar, que me pareceu que não foi a mais conveniente e propria, mas abstenho-me d'isso.

Verificado porém o facto, que é que se seguiu? Seguiu-se a consequencia necessaria, visto que durante vinte dias se não póde formar ministerio, e o actual aceitou o encargo pesadíssimo de continuar. Seguiu-se a dissolução, e verificada ella é claro que este meu plano não podia ter execução alguma. Podia publica-lo em algum jornal, mas d'ahi a apresenta-lo officialmente vae uma differença consideravel, e eu não podia appellar para isso.

A necessidade que então havia de fazer a reforma eleitoral, e digo necessidade, porque isso fazia um ponto principal e fundamental do meu programma politico, e sem elle é que eu me não conservava aqui nem uma hora; o mesmo pensamento tinham os meus collegas, e só com essa condição é que aceitámos a continuação no poder.

Essa necessidade já se vê que trazia tambem um grave embaraço politico, que acrescia ao embaraço financeiro, e que havia necessariamente tornar muito angustiosa e difficil a gerencia dos negocios da fazenda durante aquelle interregno parlamentar.

Disse o illustre deputado que eu me queixei d'isso. É verdade; mas esse interregno parlamentar foi uma necessidade contra a vontade do governo, que estava prompto a apresentar-se aqui para responder por todas as suas medidas, tomadas no intervallo da sessão, e com auctorisação do poder legislativo; mas o parlamento não quiz ouvi-lo, porque n'uma votação secreta lhe deu um voto de censura. Não contesto o direito que tinha para o fazer, mas é um facto. Depois que este acontecimento se deu é que eu comecei a pensar sobre se a tal política financeira havia de ser de resistencia ou de conciliação.

Ora, as minhas tendencias naturaes são para a brandura; eu fui sempre inclinado ás conciliações; não tenho indisposição com pessoa alguma, nunca a tive nem a quero ter. Desejo a conciliação dos partidos e de todos os homens publicos d'esta ou da outra camara; desejo a união de todos os esforços para sairmos das difficuldades em que nos achâmos. Portanto inclinei-me tambem para esse negocio no sentido da conciliação.

Demais, para mim havia ainda outra rasão que ma aconselhava esta proceder. Antes de mim tinham-se já feito dois accordos sobre este negocio. É verdade que havia duas rejeições dadas pelo parlamento, e isto era importante. Mas havia dois accordos, a tambem uma promessa de accordo feita pelo meu illustre antecessor. Portanto este negocio estava exactamente em via de conciliação, e foi n'este sentido que eu o tratei e que os meus collegas me acompanharam. Havia effectivamente necessidade de occorrer ás despezas correntes e de pagar a divida fluctuante externa, que nos pesava horrivelmente, e pesa ainda boje. Era pois indispensavel fazer uma grande operação de credito; e como, para isto se conseguir, um dos meios mais convenientes era o da conciliação d'aquelle negocio, tratei a questão n'este terreno.

É preciso porém advertir que o governo estava prevenido para uma bypothese e para outra, porque o que o governo entendeu sempre foi que este negocio não podia estar mais tempo pendente, e que era preciso resolve-lo terminantemente.

N'este ponto o governo seguia uma política clara e definida. Emquanto ao mais, as circumstancias financeiras do paiz é que haviam de aconselhar qual o modo melhor de resolver este negocio.

Tambem o governo tinha assentado definitivamente cm que a resolução d'este negocio devia ser conforme aos brios e dignidade d'este paiz, e fazer mais ou menos concessões.

Uma prova de que o governo estava prevenido para ambas as hypotheses, é que o meu collega, o Sr. ministro das obras publicas, mandou fazer uma liquidação de todas as despezas que a companhia tinha feito com os prolongamentos da linha ferrea, bem como a liquidação geral de todas as sommas que a companhia tinha gasto a maior.

Mandou-se fazer esta liquidação em setembro ou outubro, e o fim d'isto era habilitar o governo a saber quanto valiam aquellas obras e quanto tinha a dar á companhia, se porventura, seguindo os princípios de uma justa equidade, se devesse dar alguma quantia acima das que já se haviam dado; isto, porém, não queria dizer que o governo não tentasse outro meio de conciliação.

Procurei, ou antes, procuraram elles entender-se commigo, com referencia a este negocio, e o resultado das conferencias que houve foi o de chegarmos a um meio accordo; confesso isto á camara.

O accordo não dependia senão de uma unica cousa, e era de se satisfazer por parte d'elles a uma compensação. Essa compensação era um emprestimo vantajoso para o paiz.

Effectivamente tentei este negocio n'estas bases, e cheguei a conceber todas as esperanças de o levar a um bom exito.

Foram elles mesmos que me indicaram esta casa, com quem a final fiz o contrato que ahi está, como a mais competente para poder realisar o emprestimo nas condições que me eram apresentadas, condições que, como já disse no meu relatorio, eram de tal maneira vantajosas para nós, que eu mesmo duvidei d'allas. Eram tão vantajosas, que o dinheiro ficava a menos de 6 por cento. Quando se apresentou o negocio debaixo d'esta fórma, eu e o governo não podíamos seguir senão o caminho d'esta conciliação, porém, mais tarde, quando viemos ao ajusto definitivo, appareceu aqui o sr. Goachen, como agente da casa, e apresentou as condições com que os banqueiros contratantes pretendiam levar a effeito este contrato de emprestimo.

Estas condições disparatavam completamente d'aquellas que antes se me tinham apresentado; eram excessivamente mais onerosas, eram essas que ahi estão.

Quando vi isto, procurei entender-me com os mesmos individuos da companhia do caminho de ferro, e disse-lhes que não era aquelle o nosso contrato; que o nosso contrato era fazerem-se certas concessões, que ainda assim eram mais favoraveis do que aquellas que vinham no accordo do sr. Fontes Pereira da Mello, a comtudo mais onerosas do que as que o governo espontaneamente lhe fazia, a disse-lhes que, não havendo compensação, eu precisava sómente dirigir-me aos banqueiros e saber se, dando o governo á companhia aquillo que ella julgasse que lhe devia dar em qualquer hypothese, quer o governo precisada, quer não precisasse de contrahir emprestimo; se dando-lhe, digo, essa quantia, elles se julgavam habilitados a fazerem o emprestimo, ou se, dando-lho uma quantia maior, elles diminuiriam as condições onerosas, tornando assim o emprestimo mais aceitavel.

A resposta foi que elles não tinham nada com o caminho da ferro; que a concessão que o governo projectava era bastante; e que, quer o governo desse essa quantia, quer desse outra maior, nem por isso eram menos onerosas as condições do emprestimo.

Desde o momento em que elles apresentavam a questão n'estes termos, não tínhamos mais que tergiversar. A política estava definida; não era a política da resistencia, nem a da conciliação; era uma política intermediaria; era aquillo que qualquer costuma fazer em sua casa, quando um empreiteiro infeliz ajusta uma obra por uma certa somma, e depois não a póde levar a effeito por essa mesma somma, e tem já despendido toda a quantia que se lhe havia de dar, que faz? vae ter com o proprietario, e compõe-se com elle para que lhe de uma indemnisação, a fim de não ficar arruinado. Foi exactamente este o pensamento do governo e nenhum outro (apoiados). E tanto mais o governo está justificado por fazer esta concessão, quanto era certo, pela

Página 227

227 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

maneira por que se me apresentou a questão e por que ainda hoje se me apresenta, que embora o governo fizesse concessões mais amplas não obtinha por isso obtinha por isso vantagens maiores para o estado.

D'aqui resultou o decreto de 10 de março de 1869, que effectivamente foi publicado espontaneamente, sem especie de coacção alguma, nem com segundas vistas; mas tendente unica e simplesmente a facilitar a abertura da praça de Londres e portanto a realisação do emprestimo; emprestimo que, como já disse, não se obtinha melhor com concessões mais amplas (apoiados).

Passou-se por consequencia a contratar o emprestimo, mas só veiu a concluir-se o contrato mais tarde, porque houve uns impedimentos que embaraçaram a sua conclusão desde logo; e o governo tanto não julgou bom este contrato que fazia, quer dizer, tanto não julgou que elle estava na proporção dos seus desejos, porque me parece que todos farão justiça ao governo de que elle queria obter as condições mais vantajosas possivel (apoiados); por isso mesmo que não ha ninguem que faça um contrato querendo faze-lo mau, e se não o faz melhor é porque não póde (apoiados); tanto o governo não gostou do contrato, que procurou fazer outro em Paris, e é esse a que se referiu hontem o meu illustre amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, quando disse que esse contrato não tinha assignaturas, e que n'elle se acharam umas condições, que, apesar do contrato não ter vigorado, s. exa. entendia que devia ter explicações.
Esse contrato não tem assignaturas por um acto de deferencia e delicadeza para com os contratantes. Desde que elle não foi aceito, desde que o governo julgou que elle era inconveniente para os interesses do paiz, parece-me que o governo devia manter esse acto de delicadeza para com os contratantes, não apresentando ahi publicamente os nomes que tinham figurado no contrato. O facto não tem outra explicação. Comtudo, isto não importa nada, porque o contrato não chegou a ser approvado; mas o que posso affirmar á camara é que os contratantes eram pessoas da maior respeitabilidade e confiança, (Vozes: - Muito bem.)

Esse contrato, disse o illustre deputado que, apesar de não ter vigorado, tinha comtudo um preliminar, pelo qual se concluia que eu me tinha obrigado a fazer uma concessão á companhia do caminho de ferro do norte, e que era necessario ver se se cumpria ou não cumpria essa concessão. Eu tenho a responder ao illustre deputado que esse contrato foi redigido em Paris sem nenhuma insinuação nem indicação minha, nem da parte do governo. Unicamente o que se disse para Paris foi que se procurasse obter um contrato melhor. Mandaram-se as condições do contrato que estava para se fazer, e disse-se, se se poder obter melhor do que isto é o que o governo quer, e n'esse caso aceita.

Se porém não se podér obter melhor, então é escusado cá mandar contrato nenhum. (Vozes: - Muito bem.)

Foi exactamente o que para lá mandei dizer. Responderam que era necessario fazer uma concessão á companhia do caminho de ferro do norte, sem o que o contrato não se podia realisar.

Então eu mandei dizer que, se os encargos d'essa concessão feita á companhia juntos com os encargos propriamente do emprestimo não fossem superiores nos encargos que resultavam do emprestimo que estava entabulado, n'esse caso preferia o contrato, apesar mesmo da concessão; e a rasão é clara.

Pois se eu, sem maiores encargos para o paiz, podia resolver de uma vez a questão do emprestimo, e a questão do caminho de ferro, qual havia de ser a rasão por que não havia de aproveitar o ensejo? Quem é que ignora as circumstancias deploraveis em que se acha a companhia do caminho de ferro do norte? Quem é que ignora que ella está quasi n'esse estado de fallencia? Que ella tem espalhado obrigações nos mercados estrangeiros, das quaes não póde solver nem o juro nem a amortisação, e que o rendimento liquido do caminho de ferro não lhe dá para a terça parte dos encargos? Quem duvida que ella se acha em circumstancias desfavoraveis, periclitante? E se ha uma empreza que toma sobre si uma obra d'aquella magnitude, cuja importancia ainda hontem aqui ouvi levantar ás nuvens, dizendo se que d'ahi é que resultava a prosperidade publica e a grandeza do paiz, e ella está em taes circumstancias, quem é que duvida dar-lhe mais alguma cousa do que aquillo que só lhe deu?

Se por acaso se podesse resolver esta questão, que o é e ha de ser, não por aquillo que eu fiz e disse, mas porque os factos o tem provado, e hão de continuar a provar; se ella, digo, podesse logo de uma vez resolver-se juntamente com o emprestimo debaixo das condições claras e terminantes que eu tinha imposto, isto é, he os encargos de uma e outra operação não fossem maiores do que estes que me vi obrigado a aceitar, entendi, e ainda hoje entendo, que fazia um grande serviço ao paiz. Comtudo promessa não tinha havido nenhuma.

Perguntou-se: qual é a rasão por que se inseriu aquelle preambulo? Quem inseriu o preambulo foi o negociador, por uma rasão de delicadeza para com o governo. Porque assim como o governo tinha tomado uma resolução previa com referencia ao caminho de ferro de sueste, antes de contratar qualquer emprestimo, julgou elle que seguindo esta mesma ordem de idéas era conveniente mie se dissesse n'esse preambulo que já estavam assentes e determinadas as bases para esse accordo. Foi um acto espontaneo d'elle, sem indicação da parte do governo, e pelo qual não respondo por fórma alguma, e tanto não respondo que o rejeito in limine.

Portanto não tinha nada que responder com relação a esse negocio.
V. exa. leu uma carta que tinha visto publicada n'um jornal. Não leio jornaes, não a tinha visto; mas entendo que nenhuma carta minha particular seria publicada sem minha auctorisação; comtudo n'essa carta de certo se não diz que haja nenhum contrato anterior a este. O que se póde dizer é que o governo deseja que em occasião opportuna se façam algumas concessões. Eu até disse no meu relatorio, muito terminantemente, que entendia que no estado actual em quo se achavam as finanças do paiz, não era occasião opportuna para attender a esta companhia. Isto não queria dizer que n'uma occasião em que o estado das finanças estivesse um pouco melhor se não devesse dar algum soccorro por alguma fórma a uma companhia que, bem ou mal, não entro agora n'essa questão, se o caminho foi bom ou mau, vem trazer a este paiz um grande instrumento de progresso e de civilisação, como se lhe chamou.

Há porém outros muitos modos, sem ser por meio de donativos especiaes, pelos quaes se póde chegar a dar um soccorro ou subsidio a esta companhia com vantagem ao paiz.

Eu tambem tinha as minhas idéas sobre vias ferreas, e de ha muitos annos, não de agora; ha dezesete ou dezoito annos, antes de existir o caminho de ferro do norte; já não sou creança, entrei aqui ha dezoito annos, e tinha então vinte e um; já então aqui se tratou da questão do caminho de ferro do norte, já então «e apresentou aqui por parte do sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães uma proposta n'esse sentido; eu fiz parte da commissão, e já expuz as minhas idéas. Ainda hoje as conservo, ainda hoje sigo as mesmas opiniões com relação a esse negocio que considero de grande importancia e magnitude para este paiz. Mas se por acaso tivesse tido influencia política, ou por qualquer maneira, para a sua resolução, não o teria resolvido da maneira como se resolveu. Não teria feito de certo os caminhos de ferro que se têem feito, porque entendi sempre, e n'essa occasião o disse, que o caminho internacional devia ser o mais curto possivel (apoiados). Ainda hoje é minha opinião que se o caminho de ferro internacional não tem produzido o resultado, nem realisado as esperanças que se conceberam, é pela pessima direcção que levou (apoiados), e que se porventura

Página 228

228 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

elle se tivesse feito por onde se devia fazer, e por onde se ha de fazer ainda, pelo centro da Beira (muitos apoiados), traria consequencias importantíssimas. Então é que seria um verdadeiro instrumento de civilisação, de progresso, uma verdadeira riqueza, quando actualmente não é senão instrumento de perda e prejuizo.

Sr. presidente, disse-se, e disse-se com entono, que ha duas escolas - uma que rejeita completamente todos os melhoramentos materiaes, outra que os quer. Mas esta propaga-os por todas as fórmas e maneiras, sem muitas vezes attender ao modo como se fazem, porque uma obra que é util, que é conveniente, se ella custa dez não presta, e se custa cinco é muito boa, pois custasse cinco, custasse dez, fazia-se sem mais escolha, sem reflexão. Isto é que tem sido o grande cancro d'este negocio de obras publicas; não se attender nem a custo, nem a importancia, nem a direcção, nem a cousa alguma (apoiados); mas unicamente a marchar á tôa - faça-se, custe o que custar, vá por onde for, o paiz cá está e pagará tudo (apoiados). Pois o governo actual, que se diz que é um governo retrogrado, estacionario, inimigo do progresso e da civilisação, que poz mão sacrilega sobre as obras publicas, que cortou os vôos á prosperidade e riqueza do paiz, é este mesmo governo que tem muito a peito este grave negocio. E o que era necessario quando se fazem estas asserções e accusações, era demonstrar que, apesar de se ter cortado a dotação das obras publicas, não se tinha feito tanto ou mais do que se fazia quando a dotação era maior.

O governo não tem descurado este assumpto, nem é capaz de o descurar, porque no passo que pede ao paiz impostos e sacrificios, não póde deixar de promover a sua prosperidade, a sua riqueza, e talvez que não tarde muito que o governo possa apresentar á camara uma proposta de lei a esse respeito. Por esses meios é que eu entendo que nós podemos subvencionar a companhia do caminho de ferro do norte; isto é pelo augmento de entradas e de caminhos de ferro, e fazendo-se mesmo o caminho de ferro principal e mais importante, que é aquelle que há de ir de Coimbra ou da Mealhada até Almeida (apoiados). Esta é que é a verdadeira subvenção para a commpanhia do caminho de ferro do norte, porque d'ella há de resultar o augmento do trafico, e por consequencia hão de melhorar muito as suas condições economicas; não é preciso estar a subvencionar a companhia para ella se conservar no estado estacionario em que se acha (apoiados).

Mas vamos ao negocio principal, que é a questão do emprestimo, e que eu tinha perdido de vista um pouco por estas considerações geraes que tenho apresentado.

Fez aqui grande impressão o não ter eu apresentado o contrato, que aliás confessava ter assignado conjunctamente com o meu relatorio, sendo necessario que os illustres deputados da opposição requeressem a sua apresentação; e era tal a sua impaciencia que os requerimentos seguiam-se uns aos outros.

Eu vou explicar á camara a rasão por que eu não apresentei logo o contrato.

Julgará alguem que eu não tinha vontade de o apresentar? Julgará alguem que eu tinha vontade de occultar qualquer dos meus actos, e não sigo qualquer dos meus actos como ministro, mas como homem publico, e até como homem particular? (Vozes: - Muito bem.) Pois até da minha vida privada não tenho necessiade de occultar cousa alguma; ao menos tenho esta consolação.

Os meus actos como ministro, sabia eu que tinha de dar conta d'elles ao parlamento, e longe de recear apresentalos, estimava muito que elles fossem apreciados. Não receei apresentar as portarias á junta do credito publico, nem nenhum outro documento, e se algum falta, requeiram, peçam, que eu mando tudo.

E a respeito da junta do credito publico direi duas palavras antes que me esqueçam.

O illustre deputado tornou hontem no seu discurso outra vez a alludir a estas celebres portarias, a estas interminaveis portarias, a estas criminosas portarias, e perguntou qual era a rasão por que se não tinha dado andamento a uma proposta sua com referencia a esse assumpto.
S. exa. disse mais: que = queria que esta questão fosse levada á commissão do bill de indemnidade =. Mas se essa commissão concluiu pela approvação dos actos do governo, e se effectivamente as taes portarias eram da natureza dos assumptos que a ella deviam ser remettidos, então já esse negocio está sanado. Se não eram da natureza dos negocios que deviam ir á commissão do bill de indemnidade, e tinham uma natureza especial, parece-me que era uma infracção de lei, e n'esse caso devia ir á commissão de infracções.

Ora, se o illustre deputado insiste n'este negocio, nada mais tem a fazer do que requerer que este assumpto seja tratado pela commissão de infracções; e assim como o nobre deputado, e meu amigo, foi tão benevolo para commigo, que me propoz sobre este assumpto a sua absolvição, qualquer outro nobre deputado póde propor a accusação, e então de qualquer d'estas maneiras tem este negocio de ser tratado pela commissão a que há pouco me referi.

A absolvição que s. exa. está disposto a dar-me, aceito-a, mas também se qualquer nobre deputado quizer propor a accusação, encontrar-me-há firme e direito no meu posto (apoiados).

Mas disse s. exa. que este negocio não estava sanado. Eu sigo ao nobre deputado que está perfeitamente enganado com relação a este ponto, porque estes desvios entram em ajustes de contas com a junta do credito publico, e alem d'isso as quantias que tinham sido desviadas, volveram pouco depois no cofre da junta. E note mais o nobre deputado que entraram n'uma occasião em que eu nem era ministro: estava n'uma posição intermediaria entre o individuo que é ministro e aquelle que não occupa esse logar. E sabe s. exa. porque assim procedi? Procedi assim única e exclusivamente porque suppoz que quem me havia de substituir seria o illustre deputado e não lhe queria deixar suspensos os pagamentos, nem uma brecha aberta no credito publico; não lhe queria deixar caminho para um bancarota, lembrando-me que quando s. exa. praticou a primeira, protestou logo que não faria segunda. S. exa. já foi cancariteiro: agora não é; porém é zeloso no que diz respeito a todas estas cousas, e censura asperamente os ministros que vão á junta e tocam n'aquella arca santa. Chega mesmo a ser terrivel e feroz, como disse há pouco um meu illustre amigo. Porém a verdade é que se este negocio emquanto á parte da legalidade tem de ser andamento, porque não foi comprehendido no bill de indemnidade, deve seguir o caminho que indiquei; emquanto á parte monetaria, essa está sanada pelo ajuste de contas que se fez com a junta do credito publico.
O nobre deputado sabe muito bem que há quantias que devendo ser pagas pela junta do credito publico, são pagas pelo thesouro, porque as fontes d'onde a junta de credito publico tem a auferir a sua dotação não dão as quantias sufficientes e indispensaveis para esse fim.

Com referencia ás alfandegas tem succedido effectivamente em outras epochas o que agora succede - que estando calculada uma somma que ellas hão de render, acontece que não tem tal rendimento, deixam de dar á junta toda a quantia que se acha consignada no orçamento, e por consequencia o thesouro é que tem de supprir essa falta. Consequentemente, o thesouro está ligado intimamente com a junta do credito publico, e não se póde separar d'ella n'estas questões de manter o credito.

Eu respeito muito a lei, mas apesar d'essa minha respeitabilidade para com ella, há uma rasão que muito actua no meu animo. O governo tem certamente tanto ou mais interesse do que a junta na manutenção do credito do paiz, porque qualquer acto que o compromettesse recaia indubitavelmente mais sobre o governo do que sobre a junta.

Página 229

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADO 229

Mas voltando á questão, o explicado como está o tal preambulo do contrato do Paris, vou agora dizer á camara quaes foram os reparos principaes que BC fizeram com referencia ás condições do contrato; e digo isto porque effectivamente ainda não expliquei a rasão por que rasão tinha trazido contrato á camara. Não o fiz, porque os banqueiros disseram-me que se desse demasiada publicidade áquelle contrato podia vir d´ahi algum inconveniente para a realisação do emprestimo; e portanto pediram-me que por modo algum o apresentasse no parlamento para lhe não dar publicidade demasiada, não aqui que pouco lhes importava, mas em Londres, devendo limitar-me a solicitar auctorisação do parlamento para depois ratificar o contrato e a apresentar as bases. Aqui está explicada a rasão por que não pedi a approvação pura e simples do contrato. Porém vendo eu e sendo os meus desejos apresentar o contrato á camara o mais breve possivel, para que toda a camara soubesse exactamente o que lá estava, e para que se não dissesse que eu tinha occultado um acto meu, praticado como ministro, e eu não quero nem pretendo occultar o mais pequeno acto que pratique; mas, como ia dizendo, vendo eu que a opposição desejava, como eu tambem, que esse contrato viesse á camara, necessariamente para o examinar e combater o mio o julgasse conveniente, não obstante have-lo já mostrado particularmente á commissão de fazenda, escrevi para Londres aos banqueiros contratadores perguntando-lhes se haveria inconveniente grave para a realisação do emprestimo em que se desse ao contrato toda a publicidade. Responderam-me que, se por acaso em julgava que era conveniente essa publicidade, podia dar-lh´a; porque elles tomavam da mesma fórma a responsabilidade do contrato, e portanto da realisação do emprestimo.

N'estes termos e por estes motivos apresentei o contrato. Mas eu o que não queria era collocar a camara na posição ou approvar ou rejeitar o contrato, queria mm collaca-la na pontão de auctorisar ou não auctorisar uma operacão n'aquellas condições.

Eu conheço que o contrato tem condições duras, e por isso eu como ministro aceitaria todas e quaesquer indicações; todas e quasequer alterações que me fingem apresentadas pela opposição ou por quem quer que fosse, uma vez que se provasse que eram realisaveis; e se, introduzidas ellas na auctorisação, eu não recciasse expor por seu respeito o credito do estado e os grandes interesses que estão ligados a esta gravissima questão. Acceitava todas e quaesquer modificações e alterações, já se vê na intelligencia de que ninguem as propunha senão para melhor; e acceitava-as porque não desejando eu outra cousa senão o bem do num paiz, pretendia que este contrato, fatalmente indispensavel, se fizesse nas condições mais vantajosas.

Estas questões de contratos são questões que não dependem sómente da nossa vontade. Nós não estamos aqui com a mesma liberdade, com que estariamos em outra qualquer discussão, na de uma proposta de lei de outra natureza, podendo modifica-la e melhora-la como entendessemos. Aqui é necessario não prescindir da outra parte contratante; o que nos convem, póde não lhe convir a ella; não lhe convindo, póde o negocio deixar de se realizar; e deixando de se realizar, não se consegue o fim que tinhamos em vista.

O que importa saber é se convem ou não conseguir-se o fim, e se, de se conseguir, provém ou não inconveniente.

Eu queria, pedindo a auctorisação, collocar a camara na posição de m'a dar ou não, sem comtudo approvar ou rejeitar o contrato, porque se algumas das condições d´elle não pudessem deixar de ter execução, haveria outras que não estariam no mesmo caso; mas a verdade é que, pela natureza do negocio, dado o caso da rejeição do projecto de lei, o contrato fica rejeitado.

Não quiz collocar a camara entre a espada e a parede, como se disse, mas deixa-la em plena liberdade para poder apreciar este negocio.
Não quiz collocar a camara entre a espada e a parede, como estão collocados os ministros da fazenda depois que se arvorou a politica financeira. Já esteve assim collocado o sr. Dias Ferreira; esteve-o tambem o sr. Carlos Bento; e eu estou cercado por todos os lados, pela frente, pela retaguarda e pelos flancos.

Foi esta a situação em que me encontrei quando assignei o contrato. Foi com bastante custo e com muito desgosto que consenti que se inserisse n'elle a tal condição de l por cento; mas não foi possivel fazer o contrato sem ella; e se na occasião em que elle se fez, não se fizesse, necessariamente vinha a bancarota.

O illustre deputado indicou-me hontem o caminho do paço n'aquella occasião.

Parcce-me que não posso ser alcunhado de muito ambicioso de occupar este logar. Nunca o pleiteei, não me julgava com capacidade sufficiente para o desempenhar bem; e nunca tive ambições de o occupar. Tanto isto é assim que, sendo membro do parlamento ha dezoito annos, rarissimas vezes vinha ás sessões, talvez faltando ao meu dever, para não me ver, por virtude das opiniões e doutrinas que sustentasse, ou em consequencia de opposição que fizesse a este ou áquelle ministerio, na necessidade de aceitar uma pasta.

Não foi pois o receio, nem agora, nem nunca, de deixar este logar que me fez não seguir o caminho que o illustre deputado me apontou; foram rasões ua mais alta consideração que n'essa occasião me desviaram do paço a mim e aos meus collegas.

Sr. presidente, eu tinha passado por uma experiência terrivel, porque durante vinte e tantos dias do mez de janeiro o ministerio esteve em internidade, com todos os encargos de ministerio effectivo e sem nenhumas vantagens d'esta posição; eu tinha visto muitas vezes os encargos pesando sobre mim sem ver o modo do lhe fazer frente, e então as condições financeiras ainda não eram tão graves. Em abril eram muito mais graves, porque tendo apenas oito ou dez dias diante de nós, tinhamos do realizar pagamentos importantes, e não podíamos n'aquella occasião abandonar o posto de honra, porque isso estaria abaixo de mim proprio e dos homens que se sentam nestas cadeiras. Tremia do seguir este caminho, porque sabia quo quando se dissesse o que era, d'ahi proviria uma larga crise ministerial, o alem n'esse tempo havia tambem outra politica que por todos os modos fazia guerra ao governo, ameaçando-se constantemento com as revoltas militares e com manifestações por todos os modos. O parlamento não estava reunido e o governo tinha uma alta rasão política para não entregar o poder senão na presença do parlamento (apoiados).
Portanto o que fazia eu, e o que faziam os meus collegas em não sair n'aquella occasião? Evitavamos um grande que estava imminente e que eu queria evitar por todas as fórmas e maneiras; evitavamos a bancarota, sacrificando-nos unicamente para entregar o credito e as finanças do paiz em circumstancias menos graves ao parlamento (apoiados). Nunca foi outro o nosso desejo, se não chegar a isto, apresentar-me diante da camara em que tenho a fortuna, graças a este systema liberal, que tanto prezo, graças á constituição do estado e graças aos princípios constitucionaes, de poder erguer a minha voz, e explicar e justificar os meus actos, tanto quanto for possivel.

Vozes: - Deu a hora.

O Orador: - Se v. exa. consente, eu ámanhã, em meia hora. concluo (apoiados).

(S. exa. não reviu o discurso.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã á a mesma que vinha para hoje, e na primeira parte o projecto n.º 10.

Está levantada a sessão. - Eram quatro horas da tarde.

RECTIFICAÇÕES

No requerimento do sr. deputado Antonio Augusto da Costa Simões, apresentado na sessão do 31 do maio, publicada no Diario da camara dos senhores deputados, pag. 213, col. 1.ª, lin. 49.ª, onde se

Página 230

230 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Lê = 745.000:000$000 réis = leia-se = 945.000:000$000 réis =: lin. 53.ª, onde se lê = 445.000:000$000 réis = leia-se = 645.000:000$000 réis; lin. 56.ª, onde se lê = 16,000:000$000 = leia-se = 16.920:000$000 réis = ; lin. 63.ª, onde se lê = 11:350$000 réis = leia-se = 11:550$000 réis =. Na tabella junta ao mesmo requerimento, pag. 214, co1. 1.ª, juro pago a maior no fim do 25.° semestre, onde se lê = 227:200$000 = leia-se = 277:200$000 =; no 30.° semestre, onde se lê = 834:960$000 = leia-se = 334:950$000 =.

1:205-IMPRENSA NACIONAL-1869

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×