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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O que se tem estudado ácerca da influencia militar que póde ter a linha ferrea que vae de Beja ao Guadiana e que deve proseguir até a Andaluzia? Quaes são as condições estrategicas do entroncamento da linha ferrea do norte e leste? Qual é a influencia que póde ter na defeza do paiz a linha ferrea que conduz de Badajoz ao Crato, do Crato a Evora (quando esteja feita a secção de Extremoz ao Crato) e de Evora ao Barreiro, com relação á conservação da peninsula de Setubal e á occupação da margem direita do Tejo em frente de Lisboa?

Tem-se estudado detidamente estas questões? Não sei, mas creio que não. Pelo menos parece que os officiaes de engenheria não têem sido incumbidos pelo governo de as estudar, porque são os primeiros a dizer que não têem trabalho, e que por isso desejam occupar-se no serviço da engenheria civil.

V. ex.ª, sr. presidente, permitte-me que eu descanse um pouco?

O sr. Presidente: — Sim, senhor. Interrompo a sessão por um quarto de hora.

Eram tres horas e um quarto da tarde.

As tres horas e meia continuou a sessão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para continuar o seu discurso o sr. Carlos Ribeiro.

O sr. Carlos Ribeiro: — Proseguindo nas minhas precedentes observações a respeito da engenheria militar, direi que na minha humilde opinião esta arma tem altas funcções a desempenhar em todos os assumptos concernentes á defeza do paiz, e não póde de fórma alguma sobrar-lhe tempo para se entregar aos assumptos que respeitam á engenheria civil.

Entendo que a organisação da engenheria civil para o serviço do estado é uma medida altamente reclamada pelas necessidades publicas e da sua devida organisação dependerá muito, não só o desenvolvimento das obras publicas, mas a sua execução com a maxima economia possivel.

A idéa da creação de um corpo de engenheria civil é já antiga. Sem remontarmos ao periodo em que as obras publicas eram desempenhadas por paizanos, como Estevão Cabral o outros, vindo a uma epocha mais proxima, a extincta companhia de obras publicas entendeu dever crear um corpo technico de engenheria civil para o desempenho das obras de que se queria encarregar, o que teve logar de 1845 a 1846.

Quando se organisou o ministerio das obras publicas em 1852, todo o pessoal, quero dizer, todos ou quasi todos os engenheiros que tinham sido classificados na extincta companhia de obras publicas passaram para o serviço d'aquelle ministerio.

Em 1860 fez-se a primeira tentativa para organisar o serviço technico do ministerio das obras publicas, isto é, appareceu um regulamento publicado pelo sr. Thiago Horta, então ministro das obras publicas. Esse regulamento estabelecia uma verdadeira engenheria civil em toda a extensão da palavra; não teve porém execução, por muitas considerações, sendo uma d'ellas, e porventura a mais valiosa, o dizer-se que continha materia legislativa, e que por consequencia não podia ser objecto regulamentar; e, foi por isso que a creação da engenheria civil não póde n'essa occasião ir por diante.

Esqueceu-me dizer que, ainda antes de 1860, publicou-se em Lisboa uma brochura intitulada, O orçamento em Portugal, devida á pena do sr. Carlos Morato Roma, financeiro distincto que toda a camara conheceu, e cuja memoria é venerada.

Dizia o sr. Carlos Morato Roma no seu Orçamento em Portugal, o seguinte:

«Tratando de estradas, e caminhos de ferro e outras obras de viação, occorre immediatamente a quem tem bom senso a necessidade de um pessoal technico, para os estudos e projectos indispensaveis e sua execução. Bem caras se têem pago as experiencias; e bem caro se está pagando ainda o erro de intentar obras sem os necessarios trabalhos preparatorios, nem os homens habilitados, em diversos graus, para os fazerem com acerto. E, todavia, não ha este pessoal, nem se trata de que o haja.

«As obras de viação exigem um trabalho technico tão duro e violento, que só homens no vigor da idade e da saude, o podem prestar. Por importante que seja o que se faz no gabinete, o do campo é o essencial. De estudos, projectos, execução e fiscalisação, quasi tudo se faz no campo.

«Para este trabalho quem ha?... No corpo dos engenheiros militares encontram-se muitos officiaes dignissimos; direi que o são todos. Concederei ainda, e agora (seja dito sem animo de offender) não é conceder pouco, que todos são habeis para os trabalhos graphicos e os demais que exigem as obras de viação. Mas as suas patentes, a sua idade, o estado da sua saude, permittir-lhes-hão que se encarguem dos trabalhos activos do engenheiro, nas estradas, nos caminhos de ferro, nos rios, e nos portos, etc..? Alguns poderão ainda tomar este penoso encargo, porém a maior parte, seguramente não; e entre os que mais desejos tiverem de ser uteis, ha de haver quem reconheça que, para certos serviços, lhe falta a habilitação pratica.

«Alem dos officiaes do corpo de engenheiros, que estão no caso de servir nas obras, ha alguns officiaes do estado maior, e da artilheria que podem ser muito uteis, e alguns engenheiros civis, que estudaram em paiz estrangeiro. D’estes, os que não são militares acham-se n'uma situação desgraçadissima, não percebendo mais do que uma gratificação insignificante, sem posição, sem futuro, sem esperança. É barbaro, ou antes é estupido, querer que homens, que consagram muitos annos a estudos laboriosos e difficeis, consumam o melhor tempo da sua vida n'um trabalho improbo, sem terem diante de si, nem ao menos a esperança! Pois suo habilitações e trabalhos estes que em toda a parte se pagam por alto preço!...

«E no fim se juntarmos todas essas quantidades heterogeneas, que numero e qualidade haverá de homens para tão arduo e penoso serviço? E nada ou quasi nada para o que se carece. Faz pasmar que haja conveniencias que obstem á organisação de um corpo do engenheria civil, como é urgentemente exigido pela nossa situação. Lembro-me que houve tempo, em que homens politicos do importancia clamavam contra essas mesmas conveniencias, e sustentavam que, sem um corpo technico, não podia haver obras publicas; que se não deviam nem intentar; porque era um desperdicio, uma verdadeira dissipação dos dinheiros do estado. Causa lastima ver que hoje esses mesmos homens, podendo tanto, se calam, ou, quando muito, pedem que as funcções do engenheiro e as do gerente de fundos sejam separadas! Mas em vão; a força das cousas ha de vencer as taes conveniencias; ha de triumphar da resistencia de uns, e da inercia dos outros.»

«Do que fica dito, resulta, que se desperdiçará grande cabedal nas obras de viação, emquanto não houver quem faça os estudos e os projectos, e quem fiscalise e dirija a sua execução. Tudo quanto se dispenda com um bem ordenado serviço de engenheiros e conductores de trabalhos, será nada em relação aos resultados. Que os homens do dia vençam a sua fraqueza; fechem os olhos ás conveniencias; e dêem ao paiz um corpo benemerito do engenheria civil.»

Pelos periodos que acabei de ler, já a camara verá quaes eram as opiniões do sr. Carlos Morato Roma, o qual, comquanto não fosse engenheiro, era comtudo um financeiro e economista distincto, como disse, e um caracter respeitavel pelo seu talento e pelo seu patriotismo (apoiados).

Seis annos depois d'esta publicação é que appareceu o regulamento do sr. Thiago Horta, como já referi. As tentativas e diligencias empregadas para a creação da engenheria civil continuaram.