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SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmo. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Lida a acta trocam-se explicações entre o sr. Fuschini e o sr. presidente com respeito a um ponto da mesma acta, que é em seguida approvada. - Dá-se conhecimento de dois officios do ministerio da fazenda. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. presidente e Abreu Castello Branco. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. João Arroyo e Avellar Machado.- Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. D. Jorge de Mello, Madeira Pinto e Avellar Machado. - Justificação de faltas do sr. Antonio Joaquim da Fonseca. - O sr. Consiglieri reserva-se usar da palavra quando esteja presente o governo. - Renovam a iniciativa de projectos de lei os srs. Urbano de Castro e Avellar Machado. - por se acharem já presentes alguns srs. ministros continua o incidente sobre a moção do sr. Dias Ferreira e usa da palavra o sr. Consiglieri Pedroso. Responde-lhe o sr. ministro da justiça. Sustenta a moção o sr. Arroyo, que termina mandando para a mesa um requerimento. - Lê-se na mesa um officio do ministerio da justiça, pedindo auctorisação para serem inquiridos como testemunhas perante um conselho de investigação os srs. deputados Rodrigues dos Santos. Pedro Victor, Luiz José Dias e Antonio Castello Branco. Foi concedida a licença. - Combate a moção do sr. Dias Ferreira o sr. Antonio Maria de Carvalho, que fica com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada 74 srs. deputados. São os seguintes:- Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio da Fonseca, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Bernardo Machado, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Pires villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Sousa Machado, Correia Leal, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Valle, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Dantas Baracho, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Albano de Mello, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Jalles, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Lobo d'Avilla, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Oliveira Martins,
Jorge O'Neill, Alves de Moura, José Castello Branco, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Alpoim, Abreu e Sousa, Vieira Lisboa, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Diniz, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo de Oliveira, Campos Valdez, Mazziotti, Conde de Castello de Paiva, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Scarnichia, Vieira de Castro, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, José de Napoles, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas e Mancellos Ferraz.

Leu-se a acta da sessão antecedente.

O sr. Fuschini (sobre a acta):- Não é facil, no logar em que estou, ouvir-se claramente a leitura da acta. Por isso, com respeito ao requerimento que hontem fiz no fim da sessão, não percebi bem o que n'ella se acha consignado. O que me pareceu ouvir foi que eu tinha requerido prorogação da sessão até se votar o incidente, quando é certo que eu pedi unicamente para continuar a discussão, visto que ainda estavam inscriptos diversos srs. deputados.
O sr. Presidente: - Não se póde prorogar a sessão sem que se declare expressamente o fim da prorogação, para assim se determinar o limite d'ella, e na mesa entendeu-se que o sr. deputado requereu a prorogação até se votar a proposta em discussão.
O Orador: - Permitta-me v. exa. uma explicação. Foi por ignorancia minha do regimento, n'essa parte, que eu requeri nos termos em que o fiz.
Como estavam ainda inscriptos cinco ou seis oradores, entendi que a sessão poderia ser prorogada para se continuar na discussão, mas não até se votar a proposta.
Foi approvada a acta.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, remettendo 20 exemplares do orçamento geral e propostas de lei das receitas e das despezas ordinarias do estado na metropole para o exercicio de 1887-1888.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo os quatro seguintes autographos dos decretos das côrtes geraes, em virtude dos quaes se passaram as respectivas cartas de lei:
Concedendo á associação denominada educadora do sexo feminino, em Angra do Heroismo todo o edificio do convento de S. Gonçalo d'aquella cidade;
Reduzindo a importancia do rendimento e a da contribuição industrial ou bancaria, fixadas como condições de categoria nas categorias 19.ª e 20.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878;
Determinando que a importação das mercadorias descriptas na tabella a que se refere, fique sujeita aos direitos que constam da mesma tabella;

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Alterando as tabellas do imposto do sêllo annexas ao regulamento de 14 de novembro de 1878 e á lei de 22 de junho de 1880.
Mandaram-se archivar.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da companhia previdente, pedindo que seja modificada a pauta em projecto, na parte que estabelece o direito sobre a industria da serração de madeiras.
Apresentada pelo sr. presidente da camara e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Da junta geral do districto de Angra do Heroismo, pedindo a substituição de toda a moeda que gira nos Açores com curso forçado ou tolerado por moeda portugueza, conservando-se o agio de 25 por cento.
Apresentada pelo sr. deputado Abreu Castello Branco e enviada às commissões de administração publica e de fazenda.

3.ª Da mesma junta geral, pedindo uma providencia legislativa que auctorise a acquisição, por parte do governo, do predio da Graça, onde ficaria convenientemente estabelecido o lyceu nacional, podendo aproveitar-se o pavimento baixo para o laboratorio chimico da 12.ª circumscripção agricola e os terrenos adjacentes para experiencias de culturas.
Apresentada pelo sr. deputado Abreu Castello Branco e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada com toda a urgencia a esta camara, copia do relatorio do official de marinha Lopes Banhos, sobre a prisão do sr. deputado da nação José Bento Ferreira de Almeida. = João Arroyo.

2.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, me seja enviada com urgencia uma nota das sociedades anonymas que têem satisfeito ao determinado nos artigos 36.° e 39.° da lei de 22 de junho de 1867. - Avellar Machado, deputado por Abrantes.

3.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara, com a maior urgencia, a copia da acta da sessão da camara municipal de Santarem, celebrada em 19 de março vitimo. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da justiça, seja enviado a esta camara o original ou a copia da representação dirigida a Sua Magestade El-Rei, pela camara municipal do concelho de Porto Moniz (comarca de S. Vicente, da ilha da Madeira) em 28 de abril ultimo, pedindo uma syndicancia ou um inquerito aos actos que aponta como praticados pelo juiz de direito d'aquella comarca, Abilio Adriano do Sá, e bem assim a copia do despacho que tal representação obteve. = Avellar Machado, deputado por Abrantes.
Mandaram-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° Do primeiro official da administração militar, com a graduação de major, Antonio Henriques Perdigão, pedindo lhe seja levada em conta, para os effeitos da reforma, a data da sua primeira graduação a official.
Apresentado pelo sr. deputado D. Jorge de Mello e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

2.° Do official aposentado da direcção geral dos correios, Augusto Carlos Eugenio Rola, pedindo o pagamento de 770$833 réis, de meios vencimentos atrazados, desde 11 de abril de 1875 até 12 de maio de 1878.
Apresentado pelo sr. deputado Madeira Pinto e enviado á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.

3.° Dos officios de engenheria, Antonio Bello de Almeida, Augusto Cesar Supico, Domingos Alberto da Cunha, Alfredo Augusto de Vasconcellos, manifestando-se contra a organisação dos serviços technicos de obras publicas, commercio e industria.
Apresentados pelo sr. deputado Avellar Machado e enviados á commissão de obras publicas.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Tenho a honra de participar a v. exa. que faltei às duas ultimas sessões, por incommodo de saude. = Antonio Joaquim da Fonseca, deputado por S. Thomé.
Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Participo á camara que me foi entregue uma representação da companhia previdente, contra a reforma da pauta na parte que diz respeito ao augmento de direitos, na industria de serração de madeiras. Vae ser enviada á commissão de fazenda.
Teve o destino indicado a pag. 528.
O sr. Consiglieri Pedroso: - O incidente cuja discussão vae continuar hoje constituirá, segundo me parece, a ordem do dia; mas como n'ella intervieram os srs. ministros é a elles que tenho de me dirigir, e em especial ao discurso do sr. presidente do conselho. Comprehende portanto a camara a situação em que estou collocado, não vendo n'aquellas cadeiras nenhum dos membros do ministerio.
N'estas circumstancias, parecia-me perfeitamente rasoavel que v. exa. ou suspendesse a sessão, até estarem presentes os srs. ministros, ou fosse dando a palavra aos srs. deputados, que a pediram, até que esteja presente o ministerio.
O sr. Urbano de Castro: - Mando para a mesa a renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 36-B de 1886, relativo á aposentação do actor Antonio Pedro.
Este projecto, que tambem foi assignado pelo sr. deputado Antonio Candido, chegou a obter parecer favoravel da commissão de fazenda, em que apparece a assignatura de outro distincto membro da actual maioria, o sr. Carlos Lobo d'Avilla.
Bem vê, portanto, a camara que não póde haver qualquer intenção politica na renovação de iniciativa d'este projecto, e eu espero por isso que a camara o verá com bons olhos.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Abreu Castello Branco: - Mando para a mesa uma representação da junta geral de Angra do Heroismo, pedindo providencias contra a crise monetaria d'aquelle districto.
Já existe n'esta camara outra representação no mesmo sentido; dispenso-me por isso de fazer quaesquer considerações a este respeito, tendo-me além d'isso já asseverado o sr. ministro da fazenda que em breve procederá em ordem a que venha a ser resolvido de um modo rasoavel.
Mando tambem para a mesa outra representação, em que a mesma junta geral pede a compra de um edificio para o lyceu, que actualmente funcciona no mesmo edificio em que está estabelecido o seminario diocesano. Existem estes dois estabelecimentos no extincto convento de S. Francisco, no qual não podem estar por mais tempo juntos.
O lyceu está ali muito mal e o seminario em condições tão más, que o director se vê na necessidade de alugar uma

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casa na cidade para n´elle residirem alguns dos alumnos que frequentam o seminario, e que são considerados como internos; isto alem de se darem incessantemente com actos com os alumnos do lyceu e os do seminario.

A junta geral propõe, e muito bem, que o estado faça acquisição de uma casa que esteja nas condições de servir para o lyceu, e assim fique o edificio do extincto convento de S. Francisco para o seminario.

Peço que vá á commissão respectiva para dar o seu parecer a este respeito, porquanto, muito brevemente, em outubro proximo, hão de reabrir os trabalhos, e é de toda a urgencia que antes d'esse tempo se providencie sobre este assumpto.

As representações tiveram o destino indicado a pag. 528.

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa mais quatro requerimentos de districtos officiaes de engenheria, pedindo que não seja sanccionada a reforma dos serviços techincos do ministerio de obras publicas approvadas por decreto de 24 de julho ultimo.

Mando tambem tres requerimentos, pedindo diversos documentos, pelos ministerios das obras publicas, do reino e da justiça.

É visto estar com a palavra, aproveito a occasião para renovar a iniciativa do projecto de lei de 1884, alterando a fórma da venda de fóros, censos e pensões, feita pela fazenda nacional.

Os requerimentos tiveram o destino indicado a pag.528.

A renovação ficou para segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Como já se acham presentes alguns dos srs. Ministros, vae continuar a discussão sobre a moção do sr. Dias Ferreira.

Tem a palavra o Sr. Consiglieri Pedroso.

O Sr. Consiglieri Pedroso: - Recorda- se V. exa. e recorda- se a camara, que na sessão de quarta feira eu pedi a palavra, quando o sr. Ministro do reino na sua resposta ao sr. José Dias Ferreira, se dirigia directa e insistentemente a mim estranhando em tom vehemente a minha interferencia no debate a proposito das immunidades parlamentares.

Se o sr. Ministro do reino não tivesse insitido tanto na sua referencia, eu deixaria passar a allusão, e reservaria a replica para occasião mais opportuna sem tomar tempo agora á camara.

Como porém o debate se generalisou, e como n´este debate, tanto por parte dos srs. Ministros, como por parte dos illustre deputados da maioria, que tomaram a palacra, se fizeram varias affirmações, que eu considero sobre maneira temerarias e infundadas, entendi que era um dever mostrar a s. exa., não só quanto as minhas considerações ácerca da immunidade parlamentar eram correntes em direito publico, mas ainda lembrar á illustre maoiria d´esta casa que não lhe era licito acolher por uma fórma tão benevola as asserções do sr. Presidente do conselho ( Apoiados)

Sr. Presidente, sem querer de fórma nenhuma discutir no momento actual o que se tem passado n´este camara ha quasi uma semana, eu direi no entanto a v. exa., com toda a serenidade de animo, mas com a profunda tristeza, que em mim tem deixado este debate desde o seu começo eu direi a v. exa. que não atino como explicar a mim proprio as asserções erroneas, as theorias extraordinarias, as inexactidões de facto, que tenho ouvido proferiri por parte aliás de talentos oradores, sem que um protesto unanime da camara haja procurado declinar do parlamento a grave responsabilidade de algumas d´estas asserções! (apoiados).

Quando um simples deputado se levanta n´esta casa, para atcar ou defender uma certa ordem de idéas, as palavras por elle pronunciadas não têem outro valor ou outro peso, senão o que lhe advem do seu caracter, do seu talento, ou do seu saber; mas quando esse deputado é o presdiente do conselho de ministros, que é ao mesmo tempo o chefe de um partido do governo tudo quanto elle profere n´este casa tem um cunho de alta siginificação politica, principalmente se a maioria da camara cobre as suas palavras de geraes applausos.

Por isso eu entendo ser mais do que um direito , ser um dever indeclinavel o protesto contra as extraordinarias theorias de direito publico, apresentadas com tão singular entono na sessão de quarta feira pelo sr. Presidente do conselho.

endo porém de responder a varios oradores, começarei pelo principios, não só para a ordem chronologica dos argumentos adduzidos, mas ainda pela maior responsabilidade do cavalheiro que primeiramente fallou, visto ser elle quem preside ao gabinete.

Não me detereia examinar as particularidades, minucias e incidentes do discurso do sr. presidente do conselho, que seria difficil evocar em todos os seus promenores perante a camara, visto já se haverem passado sobre esse discurso qaurenta e oito horas, e não ser facil ter presentes á memoria, sem o auxilio de notas escriptas, que não costumo tomar, tudo quanto s. exa. disse.

Assim, uma parte do discurso do sr. josé Luciano de Castro fica por esta rasão sem replica.

Ha, porém, no discurso a que alludo, dois pontos capitaes sobre que eu não posso deixar de insistir, porque um d´elles significa, a meu vêr grave erro de doutrina, que passou sem o protesto devido n´esta casa do parlamento, e o outro refere- se directamente á questão que ha dias aqui se tem debatido mas ainda não foi por parte de nenhum dos srs. Ministros, que fallaram, esclarecido bastante, e por isso continúa envolto no mesmo mysterio! ( Apoiados)

Vamos ao primeiro ponto.

Estranhou o Sr. Presidente do conselho, que eu, sendo democrata, viesse aqui defender o que s. exa. chama privilegios, pois taes privilegios são, acrescentou s. exa., incompativeis com a verdadeira democracia e com a verdadeira igualdade.

Eu ouvi, sr. Presidente, esta singular theoria, e, confesso a v. exa. e á camara que julguei estar sonhando ou ser victima de alguma allucinação.

Em que tratadista de direito publico, em que publicista viu o sr. Presidente do conselho similhante doutrina? (Apoiados) Esta doutrina já seria extraordianria se fosse perfilhada pelo membro mais modesto d´esta camara; mas chega a ser incomprechensivel, tão estupenda ella é, do momento em que é apresentada por um cavalheiro como s. exa. chefe de um partido que ainda se diz liberal.(apoiados)

Então as immunudades parlamentares são um privilegio ou são uma garantia? (Apoiados)

O nobre presidente do conselho, na sua jurisprudencia, acaso não distingue o privilegio, que repugna ao sentimento da democracia moderna, da garantia, que é condição essencial para que a liberdade se possa manifestar com toda a segurança? (Muitos apoiados.)

Privilegio as immunidades parlamentares?! Não são privilegio! São a garantia que todos temos o dever restricto de defender, de trincheira em trincheira, até ao ultimo assalto do poder executivo! (Apoiados.)

Garantia é o complexo de condições indispensaveis para assegurar o exercício do um direito; emquanto que privilegio é a vantagem concedida a um só individuo ou a muitos, e de que esse ou esses individuos gosam com exclusão de todos os outros contra o direito commum! (Apoiados)

E ha aqui ainda um ponto, que se tem deixado ficar no escuro, mas que é indispensavel que appareça bem evidente, para que as doutrinas ministeriaes não passem como aresto attentatorio das nossas liberdades!

Eu já disse que a immunidade parlamentar não é um privilegio, é uma garantia.
(Apoiados)

Mas não é só isso! Nem sequer é uma garantia para cobrir um individuo; é uma garantia para salvaguardar os interesses dos eleitores que mandaram aqui qualquer de nós! ( Apoiados)

E a garantia que a constituição dá aos eleitores, de que

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nenhuma fracção do paiz ha de estar sem voz n'esta casa, - a menos que se dê o caso previsto no artigo 26.° da carta; (Apoiados.) de que nunca haverá solução de continuidade na sua representação! (Apoiados.)
Esta é que é a doutrina, que tinha obrigação de advogar o sr. presidente do conselho; (Apoiados.) e, quando s. exa. se esquecesse disso, que tinha obrigação de não esquecer a maioria que cobriu de applausos as estranhas theorias do sr. Luciano de Castro! (Apoiados.)
Mas deixemos este ponto, em que não quero insistir mais, porque seria isso fazer offensa aos meus collegas, que a tal respeito já estão perfeitamente elucidados.
Que respondeu o sr. presidente do conselho às perguntas insistentes d'este lado da camara? (Apoiados.) Cousa alguma! (Muitos apoiados.)
A moção do sr. Dias Ferreira é illegal e inconstitucional, disse-o aqui o sr. Eduardo José Coelho, e por isso o governo não podia acceital-a; alem de que já tinha entregado o sr. Ferreira de Almeida ao poder judicial.
Vejamos o valor d'esta dupla resposta.
Em primeiro logar, permitta-me o sr. Eduardo José Coelho e a maioria que eu ache sobremodo curiosa a doutrina seguinte, que é a perfilhada por esse lado da camara.
Apresenta-se uma moção, que, embora não traduza os sentimentos e as idéas da maioria, está no entanto rigorosamente nos termos do nosso regimento, e não é admittida sequer á discussão, nem se lhe reconhece a urgencia, como aconteceu com a proposta do sr. Arroyo. Trata-se, porém, de uma proposta ou moção, que maioria e governo declaram una voce inconstitucional e illegal e a maioria, não só declara a urgencia d'essa proposta, mas por unanimidade admitte-a á discussão e discute-a largamente! (Apoiados.)
É caso unico nos annaes parlamentares! (Apoiados.) Recordo-me de um facto succedido commigo mesmo, creio que o unico até que se deu nas sessões da camara constituinte de 1884 a 1885, o qual póde bem servir de commentario ao procedimento da actual maioria.
Quando entrou em discussão o projecto das reformas politicas n'esta casa, eu apresentei uma moção de ordem que, segundo o modo de ver da maioria de então, continha palavras que a tornavam inconstitucional. Pois quer v. exa. saber como essa maioria procedeu? Procedeu erradamente no meu pensar, mas procedeu logicamente. Quer a camara saber como procedeu o fallecido estadista Fontes? Procedeu erradamente tambem, conforme ainda hoje creio, mas procedeu com logica. A maioria recusou-se a admittir á discussão a proposta, que julgára inconstitucional, e o sr. Fontes, apesar das intimações que lhe dirigi para que tomasse a palavra, nada me respondeu. Isto ao menos era logico. (Apoiados.)
Se uma moção é inconstitucional e por consequencia está fóra dos termos do regimento, não se admitte á discussão; mas esta maioria declara as moções illegaes e depois admitte-as á discussão e discute-as largamente. Santa coherencia! (Apoiados.)
Occupemo-nos agora da resposta dada pelo governo a respeito do tribunal a que está entregue o deputado preso.
O sr. presidente do conselho, ás perguntas insistentes d'este lado da camara, sobre qual era o poder ás ordens de quem se achava retido o sr. Ferreira de Almeida, umas vezes respondeu que o nosso collega estava entregue ao poder judicial, outras vezes, e como variante, que estava entregue ao tribunal competente.
O sr. deputado Laranjo, interrogado tambem a respeito do mesmo assumpto, declarou que o preso estava entregue... mas quando quiz continuar, foi-lhe difficil concluir a phrase. Estava entregue... estava entregue... e não disse a final a quem. (Riso.- Apoiados.)
Ora, eu pergunto mais uma vez ao sr. presidente do conselho e desejo sobre este ponto uma resposta em termos tão claramente formulados, que todos possam comprehender.
Qual é o poder a que está entregue o sr. Ferreira de Almeida? (Apoiados.) É necessario que saibamos isto; é necessario que saibamos como se está organisando esse monstruoso processo; (Apoiados.) é necessario que se saiba tudo, porque não sabemos nada! (Muitos apoiados.)
O sr. Ferreira de Almeida é e continua a ser para este lado da camara um deputado e não um official de marinha! (Muitos apoiados.)
Eu li nos jornaes de hoje que o sr. Ferreira de Almeida já compareceu ou vae comparecer perante um conselho de investigação; mas acaso o conselho de investigação é o tal tribunal competente de que nos fallou o sr. presidente do conselho? O conselho de investigação representa na marinha o que no civil representa o commissario de policia, quando investiga ou levanta autos. Nem mais nem menos. (Muitos apoiados.)
Ora o commissario de policia nunca foi tribunal, nem representante da justiça! É um mero delegado do poder executivo, representado pelo sr. ministro do reino, assim como o conselho de investigação é uma mera delegação do mesmo poder executivo, representado pelo sr. ministro da marinha! (Apoiados.)
E note v. exa. sr. presidente, que esta minha insistencia traduz exactamente a incerteza em que todos estamos, depois das respostas vagas e obscuras dadas pelo governo, desde o primeiro dia em que se levantou este desgraçadissimo incidente.
Ha n'esta casa jurisconsultos muito distinctos, que sabem a este respeito tanto como eu sei; e que estão na mesma incerteza, e na mesma perplexidade em que eu me encontro, ignorando qual é a corporação, o tribunal ou o magistrado, a que está entregue o sr. Ferreira de Almeida!
O conselho de investigação, repito, não é tribunal judicial.
Por conseguinte, ninguem dirá que um preso, que está entregue a esse conselho, o qual, conforme já disse, não tem mais attribuições para o caso do que o commissario de policia para as primeiras averiguações, esteja entregue ao tribunal competente! (Apoiados.)
É este um ponto que se torna indispensavel averiguar!
Deixem os srs. ministros de ladear a questão. É absolutamente necessario, visto que v. exa. tiveram a coragem de praticar o acto, que tenham agora a coragem tambem de explicar á camara e ao paiz quaes são os tramites legaes ou illegaes por que vae passando esta desgraçadissima questão! (Apoiados). É necessario que o sr. presidente do conselho, ou o sr. ministro da justiça, declarem terminantemente onde é que está o preso, onde é que está o nosso collega o sr. Ferreira de Almeida! (Apoiados.)
É necessario que se saiba, por categorica declaração do sr. presidente do conselho, se realmente o deputado preso está entregue ao poder judicial, que poder judicial é esse! (Apoiados.)
E por esta occasião permitta-me v. exa. e permitta-me a camara, que eu lamente da maneira a mais profunda e a mais sincera, porque se trata de um amigo meu pessoal, permitta-me v. exa. e permitta-me a camara, digo, que eu lamente o modo incomprehensivel, singularissimo, sem justificação nem desculpa, por que está procedendo o sr. ministro da justiça em toda esta triste questão. (Apoiados.)
O sr. ministro da justiça, a quem competia, por dever de officio, repor o debate no seu verdadeiro pé; o sr. ministro da justiça a quem pela sua posição especial, competia corrigir tantas heresias parlamentares e juridicas que n'esta camara se têem repetido sobre a questão que nos occupa, s. exa., que na opposição tinha sempre a palavra tão desembaraçada e tão prompta, conserva-se agora mudo, silencioso, e deixa com o seu silencio, isto é, com a sua tacita acquiescencia, que tenham fóros de arestos e recebam a consagração do parlamento, certas doutrinas expendidas por esse lado da camara, que nem podem ser acceitas por ninguem que se preze de liberal.

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É necessario que o sr. ministro da justiça tenha tambem coragem da sua posição. É necessario que tenha essa coragem e a exacta noção da responsabilidade que lhe incumbe!
Se alguma vez a alta magistratura que s. exa. desempenha representou uma funcção augusta, é indubitavelmente n'esta occasião. (Apoiados.)
É necessario, portanto, que o sr. ministro da justiça ou o sr. presidente do conselho, como chefe do gabinete, esclareçam o ponto a que me refiro, que é grave!
Esta intimação é terminante.
S. exas. não me respondem a mim, respondem ao paiz!
Mas deixem se dessas evasivas e d'essas meias palavras, que até hoje têem constituido toda a sua defeza e que nada elucidam, porque adrede são proferidas para occultar o verdadeiro estado da questão. (Apoiados.)
D'esta vez parece-me que o appello aos srs. ministros não ha de ser em vão; mas, se o for, estou certo que os meus collegas que seguem no uso da palavra não deixarão de insistir sobre o mesmo assumpto, até que por parte do ministerio haja uma resposta condigna. (Apoiados.}
Estes são os dois pontos principaes, sr. presidente, para que tinha pedido a palavra. Mas, já que estou com ella, e como não desejo constantemente cansar a paciencia da camara, ainda que v. exa. comprehende que por dever do meu cargo, sou forçado a esta intervenção importuna, de certo para a maioria, aproveito o ensejo para me referir, muito brevemente, ao que foi dito por alguns dos oradores que me precederam.
Eu estou com muito receio, taes são as estranhas proposições que n'este incidente tenho ouvido sustentar, que, se esta discussão continua, o parlamento em Portugal fique exautorado de vez!
Sem querer trazer para aqui, sr. presidente, conversas particulares, apesar de que o cavalheiro a que vou referir-me tem a hombridade bastante para repetir alto a phrase que passo a citar aos meus collegas, direi que um dos mais formosos talentos desta casa me declarou na quarta feira, ao saír d'essa sessão tão festejada pelos srs. ministros, como a sua melhor defeza, que se em qualquer parlamento do mundo, a não ser em Portugal, se tivesse dito o que n'esse dia aqui se disse entre os phreneticos applausos da maioria, teria isso provocado, não uma, mas cem tempestades! (Apoiados.)
O sr. Barbosa Collen: - Cem tempestades!...
O Orador: - Sim! Cem tempestades!
Pois não teria provocado cem tempestades em qualquer parlamento conscio da sua dignidade, o levantar-se um illustre deputado da maioria, que não vejo n'este momento presente, cuja palavra cheia de calor foi saudada como brilhante revelação de esperançoso neophito por aquelle lado da camara, e dizer com todo o aplomb de quem está afirmando uma incontestada verdade, que a camara dos deputados é um ramo secundario do poder legislativo?!... (Apoiados.)
A maioria ouviu isto e não protestou, antes cobriu de applausos tão monstruosa heresia constitucional!...
Pois não levantaria cem tempestades em qualquer parlamento, conscio da sua dignidade, ter o mesmo cavalheiro a que me estou referindo, rectificando, ou antes explicando a sua primeira asserção, dito que a camara não passava de um ramo secundario do poder legislativo, porque o Rei era a chave d'esse poder!...
E a maioria ainda não protestou!...
Se fosse eu, sr. presidente, que sou um dissidente da carta, quem dissesse taes heresias, ainda isso se explicava; mas que aquelles que têem o dever de zelar no espirito e na letra stricta o codigo, que é a nossa lei constitucional, digam d'estas barbaridades, e que não se proteste logo contra uma doutrina que é insultuosa para as instituições parlamentares, e que não se comprehende!... (Apoiados.}
Então não levantariam similhantes palavras em qualquer parte cem tempestades?!... (Apoiados.)
Disse-se mais que nós não temos o direito de interpretar as leis!...
Pois quem é que tem o direito de interpretar as lei senão quem as faz (Apoiados.)
A maioria não protestou contra esta doutrina; e, não só não protestou, mas acercou-se de tal maneira pressurosa do sr. deputado que acabava de fallar, que parecia temer que lhe fugisse a parte da responsabilidade que lhe cabia em tão singulares theorias!
Disse-se mais ainda.
O sr. Laranjo, professor de direito publico na universidade, affirmou solemnemente, com o ar grave das grandes convicções, que as raças latinas do que precisavam era de mais ordem e de menos liberdade. (Riso.)
E quando affirmou s. exa. isto, sr. presidente, quando?
Quando exactamente o governo acabava de encarcerar n'um navio de guerra um representante da nação, sem duvida para começar na pratica a realisar as aspirações do illustre deputado, tão enamorado á ultima hora dos processos auctoritarios! (Apoiados.)
Na verdade, não podia ser mais opportuno o ensejo para fazer a apologia da ordem, e para declamar contra a liberdade!
A isto chegámos!
Sinto profundamente não ver presente o illustre deputado que me precedeu no uso da palavra; mas, como sou o orador que a s. exa. se seguia no debate, apesar da sua ausencia, vejo-me obrigado a referir-me ainda a um ou dois pontos do seu discurso.
Affiançou terminantemente o sr. Barbosa Magalhães e depois confirmou-o n'um áparte do sr. Franco Castello Branco, que ignorava qual a legislação applicavel ao delicto do sr. Ferreira de Almeida!
Mas então onde estamos nós e o que significa tudo isto, sr. presidente?
Que quer dizer levantar se um deputado da maioria e affirmar uma cousa; levantar-se o deputado que se lhe segue e affirmar outra: levantarem-se os ministros e affirmarem o contrario; levantar-se por ultimo o sr. presidente do conselho e affirmar cousa totalmente diversa do que affirmaram todos os oradores ministeriaes? (Apoiados.)
Disse o illustre deputado, a que me estou referindo: «não sei qual a legislação que ha de applicar-se ao caso que se discute».
Mas o governo sabia-o, e a prova é que applicou a legislação dos artigos de guerra, e a maioria sabia-o tambem, porque absolveu o governo com o seu voto de confiança, isto é, porque acceitou como boa a interpretação que o ministerio deu á referida lei! (Muitos apoiados.)
Como é pois que vem agora um deputado da maioria que approvou a moção de confiança ao gabinete, declarar, que pela sua parte não sabe nem precisa saber qual a legislação applicavel ao delicto do sr. Ferreira de Almeida? (Muitos apoiados.)
Confesso muito ingenuamente que não percebo!
Tal defeza, sr. presidente, está abaixo do talento do cavalheiro que d'ella lançou mão!
Eu, que tambem preciso, pela minha inexperiencia, de toda a benevolencia da camara, sempre que fallo, comprehendo perfeitamente e jamais censurarei a incerteza e a pouca precisão de phrase que possa haver nas palavras de quem pela primeira vez se estreia n'esta assembléa, fazendo além d'isso o seu debute n'uma questão tão ingrata como esta. O meu reparo não é, portanto, uma censura ao novel orador que pronunciou tal affirmação, mas á maioria d'esta camara, que cobriu de applausos similhante asserção, que em ultima analyse significa que a mesma maioria tinha approvado uma moção sem a consciencia do que approvava! (Apoiados.)
De maneira que, ha alguns dias, uma simples phrase

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mal comprehendida do sr. Frederico Arouca, que é um parlamentar sempre tão convicto e tão primoroso nos seus discursos, fez com que s. exa. levantassem uma tempestade de tal modo violenta que a sessão teve de ser interrompida. (Apoiados.)
Hoje a maioria curva a cabeça e ninguem d'esse lado protesta contra a pungente accusação do sr. Barbosa de Magalhães!
É notavel?
Mas, sr. presidente, para que hei de eu estar a tomar tempo á camara, continuando a responder aos oradores ministeriaes que me precederam?
Vozes: - Falle, falle!
O Orador: - Então direi que ainda ha mais.
Na ultima sessão o sr. Laranjo levantou-se terrivelmente indignado contra toda a opposição.
Porque? Qual era o nosso delicto?
A camara vae já sabel-o.
O nosso delicto era estarmos a fazer sentimentalismo em uma questão, que deve ser tratada com methodo, e á luz das theorias positivas!
Mas porque é que nós fazemos sentimentalismo, sr. presidente? Porque? Porque dissemos, que esta questão tal como estava posta, podia ser de vida ou de morte para o sr. Ferreira de Almeida. O sr. Laranjo levantou se, iracundo e justiceiro, e queria sem piedade arrancar-nos essa sympathica auréola de defensores da vida do nosso illustre collega, que ainda para nós continua a ser legitimo representante da nação. (Apoiados.)
E não podendo supportar no animo que nos quizesse-mos adornar com glorias, que por titulo nenhum nos pertencia, fulminou-nos o sr. Laranjo com a seguinte apostrophe credulissima: «Questão de vida ou de morte! Não levem a discussão para esse lado, porque não se trata da vida ou da morte de ninguem! Abatam o seu enthusiasmo, porque a questão não é para tanto!» Isso sabemos nós, deste lado da camara. (Apoiados.)
Mas s. exa. é que sustentaram e ainda hoje sustentam o contrario! (Muitos apoiados.)
O governo é que leviana e criminosamente levou a questão exactamente para esse lado. (Apoiados.) Se não se trata de uma questão de vida ou de morte, o artigo 26.° da carta, nem mesmo interpretado como s. exa. o interpretam, com respeito ao flagrante delicto, póde ser applicado ao caso que se discute! (Muitos apoiados.)
Não devia tratar-se com effeito, de uma questão de vida ou de morte, porque o delicto do nosso collega não está nem póde estar sujeito a essa pena em caso algum. Mas foi o ministerio que, para cohonestar o seu procedimento, não teve duvida em collocar a questão n'este pé, sacrificando não sei a que sentimento ou a que proposito o seu valente correligionario! (Apoiados.)
Vou concluir, sr. presidente, mas não sem ainda dirigir ao governo uma ultima pergunta, porque é preciso que o ponto a que vou referir-me fique perfeitamente esclarecido!
O sr. ministro da justiça ha de levantar-se, se não já, logo ou amanhã, e ha de responder categoricamente á minha interrogação.
O direito e a liberdade individual, não só dos representantes do paiz, mas de qualquer cidadão, não podem ficar á mercê de uma interpretação mais ou menos elegante, mas mais ou menos cerebrina e casuistica, do primeiro orador, que n'esta casa se levante para defender o governo! (Apoiados.)
Disse o sr. Barbosa de Magalhães que o artigo 145.° no seu respectivo paragrapho, quando preceitua que ninguem póde estar preso mais de quarenta e oito horas, sem nota de culpa, nem mais de oito dias sem ser pronunciado, se refere ao caso de estar o réu entregue ao poder judicial e não ao poder administrativo; porque, estando entregue ao poder administrativo, póde estar preso mais tempo, a fim de se proceder ás necessarias inquirições. É necessario que o sr. ministro da justiça declare, se o sr. deputado, neste ponto, tem ou não rasão (Muitos apoiados.) e se esta é a interpretação que tambem o governo dá ao artigo citado. (Muitos apoiados.)
E dirijo- me ao sr. ministro da justiça, para que falle em nome do governo, porque s. exa. comprehende bem a gravidade da affirmação a que me estou referindo. O sr. Barbosa de Magalhães, na sessão de sabbado, affiançou, e affiançou com applauso da maioria, que, para averiguações, qualquer individuo póde estar preso á ordem do poder administrativo, mais do que o tempo preceituado na carta. Pergunto eu ao sr. ministro da justiça: quanto tempo póde estar um individuo entregue ao commissario de policia para averiguações? Qual é a lei que determina isso? Qual foi a lei que acrescentou ou que modificou de qualquer modo o artigo 145.° da carta? É necessario que o sr. ministro da justiça se pronuncie clara e categoricamente sobre este gravissimo assumpto! (Apoiados.)
Não invoque s. exa. os abusos, que se praticam todos os dias, porque esses abusos não fazem senão confirmar a regra e não provam outra cousa!
Alem do que a questão dos abusos praticados pelo actual governo, no que diz respeito às garantias dos cidadãos, está ainda pendente da camara, e em tempo opportuno a liquidaremos. (Apoiados.)
Sr. presidente, vou já terminar, conforme prometto; mas antes preciso ainda referir-me a uma palavra pronunciada impensadamente, quero crêl-o, pelo illustre deputado que ante hontem fallou em ultimo logar. Como s. exa. não está presente, eu formúlo apenas o meu protesto contra a injustiça e imprudente asserção, que se encontra no extracto official do seu discurso. Com effeito, lê se n'esse extracto o seguinte, sobre o qual chamo a attenção da minoria desta casa:
«Os srs. deputados, que têem fallado, hão tratado a questão apenas pelo lado do sentimentalismo. Individualisaram a questão e trataram-n'a não tanto como do deputado que estava privado de exercer os seus direitos, mas do individuo que lhes fazia conta ter a seu lado.»
O sr. Franco Castello Branco: - Quem disse isso?!
O Orador: - Foi o sr. Barbosa de Magalhães.
Sr. presidente, em meu nome, e creio que em nome de toda a minoria, (Muitos apoiados da minoria ) protesto contra esta asserção! Que diria a maioria, tão susceptivel como é, se deste lado da camara alguem dissesse que o governo prendera o sr. Ferreira de Almeida porque tinha medo d'elle? (Muitos apoiados.) A maioria do certo protestava, e tinha rasão, porque a ninguem é licito fazer insinuações d'esta ordem sem provas. Pois o illustre deputado, que a maioria tanto applaudiu, dirigiu-nos a todos nós da minoria a injusta e imprudente insinuação que se lê no extracto official do seu discurso. Em nome de toda a minoria mais uma vez protesto contra similhante asserção! (Apoiados da minoria.) D'aqui ninguem se levantou a defender o sr. Ferreira de Almeida porque lhe fizesse conta ter a seu lado aquelle cavalheiro, aliás tão distincto e tão brioso; tanto mais que elle não se sentava deste lado da camara; era da maioria, não era da minoria.
Se estamos a defender as garantias do nosso collega, representando o papel, que a maioria devia representar, é porque a maioria se negou a cumprir com o seu dever! Se avocámos a nós a questão, é porque ella a abandonou!
Por isso e só por isso, estamos aqui contra ella, pugnando pelos seus proprios direitos, e pelas suas proprias garantias, que são neste caso os direitos e as garantias da liberdade! (Muitos apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

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O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - O illustre deputado, e meu amigo, o sr. Consiglieri Pedroso accusou me - talvez não seja esta a palavra mais apropriada - allegou que eu, no tempo em que era opposição, fallava de mais, e agora, que sou ministro, fallo de menos. Ora, opposição ou governo, proponho-me sempre dizer só aquillo que for preciso. A minha palavra tem muito pouca auctoridade, a minha eloquencia, que nenhuma é, não tem attractivo algum, por isso fujo o mais possivel de cansar a attenção da camara; e como opposição, ou como membro da maioria, que já tive a honra de ser, ou como ministro da corôa, que hoje sou, fallo quando o entendo necessario, e quando preciso responder ás arguições que me fazem. (Apoiados.)

Tenho estado aqui desde que se abriram as côrtes. Todas as vezes que o serviço publico não exige que eu esteja n'outro logar, tenho vindo á camara prompto a responder a qualquer accusação, a qualquer pergunta, e até a qualquer allegacão, que os srs. deputados, quer da maioria, quer da minoria, me façam a honra de me dirigir. Não se me têem dirigido, por isso não tive ainda occasião de fallar.
Levantou-se esta questão, entendi do meu dever tomar parte n'ella, para expor a parte propriamente jurídica, e por isso fallei na passada segunda feira. D'esse dia em diante julguei não haver chegado, de novo a occasião de fallar, e digo a occasião, não digo a vontade, que essa já me sobrou, e por isso não fallei. Mas agora que o illustre deputado me provoca directamente, fallo, e fallo só por extrema consideração para com s. exa., consideração aliás igual á que tenho para com todos os membros d'esta camara; e, digo, fallo só por extrema consideração com s. exa. para lhe dar o prazer de me ouvir fallar, se é licito dizel-o, pois, me pareceu, querer ter esse prazer, porque em tudo que s. exa. disse não havia motivo senão para eu me conservar no mais rigoroso, e no mais completo, silencio. (Apoiados.)

O que é que se discute? Do que é que a camara se occupa? Está escripto. A camara discute n'este momento a moção que é concebida n'estes termos:

(Leu)

Pergunto á camara, se, no brilhante discurso que o sr. Consiglieri Pedroso acaba de fazer, appareceu um unico argumento para sustentar esta moção? (Apoiados.)
Pergunto a todos que ouviram as palavras de s. exa., e das quaes como que ainda resta o echo, se s. exa. trouxe algum argumento novo á discussão? Nenhum. (Apoiados.) Portanto eu não estava moralmente obrigado a responder a s. exa., por isso que nada trouxe de novo á discussão. Não obstante isto, a consideração que tenho por s. exa. é tal, que aqui estou para dizer alguma cousa a respeito do que o illustre deputado, vagamente, e sem a minima relação com a questão adduziu.

É extraordinario, seja dito á boa paz, como até certo periodo, da parte da illustre opposição parlamentar, se accusava o governo de fallar de mais e a maioria de fallar de menos... Desde, porém, que a maioria entra nos debates, accusam a maioria de fallar e o governo de estar silencioso! Pedia a s. exas. que no tocante a este ponto se puzessem de accordo.

Mas dizia o illustre deputados que eu devia fallar, porque a minha posição de ministro da justiça, exercendo uma alta magistratura social, é singularissima n'esta questão! Ora que é esta questão? Um processo. De maneira que o illustre deputado admitte que ha processos em que o ministro da justiça tem posição singularissima! Não ha nenhum, absolutamente nenhum. A posição do ministro da justiça, perante o poder judicial, é sempre a mesma; o poder judicial é um poder independente. Não tenho por isso, perante elle, posição singular, e muito menos singularissima! Não tenho posição alguma n'este processo, não intervenho n'elle, nem posso intervir; se o fizesse, commettia um abuso de auctoridade, pelo qual seria responsavel. Estes são os principios. Portanto não invoque s. exa. posição alguma singular, e muito menos singularissima, para me obrigar a fallar. S. exa. podia dirigir-se ás nossas relações de amisade, mas não a qualquer posição singular, que não admitto, e que não tenho de modo algum (Muitos apoiados.)

Disse s. exa. que eu devia ter a coragem da minha posição! Por mais modesta que seja a minha personalidade, não sou absolutamente novo na politica do meu paiz; tenho estado na opposição e na maioria; nunca tenho faltado áquillo que entendo que é o meu dever, e tenho dito sempre a coragem das minhas opiniões. (Apoiados.)

Não é, pois, também por esse fundamento que tenho de responder a s. exa. Tenho a coragem da minha posição; sei bem o que aqui represento.

Portanto, não é um qualquer das considerações que o illustre deputado fez, que devia procurar fundamentar a sua intimativa para eu lhe responder.

Mas, dito isto, perguntou s. exa. - e foi talvez em tom de pergunta a unica cousa que no seu discurso se relacionou com o objecto em discussão - se o illustre deputado o sr. Ferreira de Almeida já estava entregue ao poder judicial?!

Sr. Presidente, para que preciso responder ao illustre deputado, se esta resposta já tinha sido dada pelo sr. Presidente do conselho, e, antes de ser dada pelo sr. Presidente do conselho, já estava dada pela lei?

S. exa. sabe como as cousas se têem passado. Apesar d'isso, porém, parece que é necessario descer ás municuas juridicas e explicar os mais simples termos legaes. Eu já tenho medo de fallar de jurisprudencia; pois, se tal se faz, accusam-nos de fazer cazuistica juridica. E, no fim de tudo, a questão não é senão juridica e legal; trata-se da applicação da lei, e quando tratamos de firmar este ponto e dizer como a lei deve ser cumprida, accusam-nos de fazer cazuistica juridica!

Mas quando o sr. Dias Ferreira, ornamento do fôro portuguez, professor de direito na universidade, vem, como que estranhar, que o sr. Ferreira de Almeida, se não ache entregue ao poder judicial, e recommendar ao governo que o ponha immediatamente á disposição de um juiz do respectivo districto criminal, não há mais remedio do que descer á exposição de minucias juridicas, e explicar o que aliás todos devem saber. (Apoiados.)

Pois os illustres deputados imaginam, ou podem imaginar que exercem só funcções judiciaes os magistrados puramente judiciaes? Imaginam acaso s. exas. que o poder judicial é limitado aos juizes de direito, aos juizes da relação e aos conselheiros do supremo tribunal de justiçs? Pois não sabem que o poder judicial se ramifica, que tem os seus representantes em outras organisações? Não sabe o illustre deputado que no fôro militar o poder judicial é representado pelos respectvos tribunaes militares? Não sabe o illustre deputado, e tem junto de si quem lh'o póde dizer, que até no contencioso fiscal o poder judicial lá está representado pelo tribunal do contecioso fiscal?

E depois de se achar entregue o sr. Ferreira de Almeida ao juizo competente, pergunta - se já está entregue ao poder judicial?

Queria s. exa. uma resposta precisa e clara, pois ahi a tem - está entregue ao poder judicial.

Disse-se, mais, que o sr. Ferreira de Almeida está ainda sujeito a um conselho de investigação. É verdade.

Pois ignora se, acaso, que no processo criminal ha o processo preparatorio, e depois é que ha o processo de accusação e julgamento?

Primeiramente procede-se ao corpo de delicto, ao summario e a todas as investigações, e só depois se entra no processo ordinario.

Quer o illustre deputado saber o que fórma nos tribunaes militares de marinha o processo preparatorio? É exactamente o conselho de investigação a que se está procedendo? Tenho diante de mim os textos em que podia ba-

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sear esta asserção. Podia lel-os á camara: vou lel-os... mas não, seria offender a sua illustração! Adiante.

E, agora, já que estou com a palavra, permitta-me a camara que eu diga tambem da minha justiça.

Todos têem direito a defender-se, e eu, que na quarta feira tive tanta - e tanta! - vontade de fallar, mas que não o devia fazer, porque, primeiro, estava o sr. presidente do conselho, achando-me agora com a palavra, aproveitar-me-hei d'ella, e cansarei, um pouco, a attenção da camara, para levantar de sobre mim o peso das contradicções e do remorso de haver esquecido memorias da familia.

Não está presente o sr. Dias Ferreira, a quem vou, mais particularmente, dirigir-me, mas como s. exa. não disse cousa que me offendesse, nem é o seu costume, e como o mesmo me proponho fazer, posso, desde já, perante a camara defender-me das accusações que me foram feitas.

Foi, s. exa., com a paciencia do um verdadeiro benedictino, exhumar dos registos parlamentares tudo em que podesse encontrar, não só o meu nome, mas tambem o de minha familia, para fazer vergar-me ao peso das contradicções em que este deplorabilissimo acontecimento me fez incorrer.

E comtudo ... sinto-me perfeitamente á vontade. (Apoiados.)
Antes de s. exa. ter, com gesto de orador eloquente, procurado o seu effeito e tirado uns papeis da sua carteira, já eu tinha prophetisado aos collegas que se sentam a meu lado, o que s. exa. ia dizer, e até dias antes, já o tinha dito em conversa, alludindo ao facto da prisão de um deputado. Nem admira, é facto bem conhecido. (Apoiados.)

Foi o illustre deputado invocar uma memoria, para mim sagrada, e que vive sempre nas recordaçõs do meu espirito e nas saudades do meu coração. (Vozes: - Muito bem.)

Fez bem o illustre deputado. E sabem porque? Porque no proprio momento em que eu praticava o acto de que sou accusado. quando subscrevia com os meus collegas a ordem de prisão, eu, que nunca esqueço essa memoria, tive-a presente, e por isso posso dizer, bem alto, n'este momento, em nome ainda, d'essa memoria: Tal dia cumpri o meu dever! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Fez s. exa. bem em invocar essa memoria, repito. Não é com ella que me condemna. (Apoiados.) Mas deixemos estas memorias de familias, estas reliquias sacrosantas que todos guardamos respeitosamente e occupemo-nos só do facto.

Sim, senhores. Houve um deputado que foi preso. Esse deputado chamava-se Caetano Beirão. Foi mettido a bordo de uma fragata e officiou ao presidente da camara, solicitando d'esta, como primeira e natural defensora dos seus membros, que, tomando em consideração o insolito procedimento com elle havido, resolvesse como mais justo lhe parecesse.

Mas de que se tratava? Para que o parallelo fosse verdadeiro, era necessario que o governo allegasse então ter esse deputado sido preso em flagrante delicto de pena capital, (Apoiados.) e que a opposição o contestasse. Foi esse o caso que se deu? Não.

Eu não queria cansar a camara, mas não posso deixar de discutir o invocado precedente.

u tenho aqui mesmo o relatorio do governo de então que diz respeito á prisão do deputado Beirão. Creio até que tenho, perante mim, todos os documentos que tinha o sr. Dias Ferreira.

Querem v. exas. saber por que foi capturado este deputado ? Por medida de prevenção!

Tinha o governo obtido poderes extraordinarios, e discricionarios, e em nome d'esses poderes discricionarios entendeu que podia arrancar da representação nacional dois deputados: esse, e um outro, e metteu um d'elles a bordo de uma, fragata.

Questionou-se, n'essa occasião, se nas faculdades concedidas ao governos se achavam comprehendidas as immunidades parlamentares. Foi a questão que se levantou. (Apoiados.)

E de que crime era suspeito esse deputado?

Era na occasião da revolta de Torres Novas. Por haver conhecimento de que o referido deputado cooperava com muitos dos membros da associação eleitoral, de que era socio, para a revolta. Foi então preso. Na mesma lista de prescripção figuravam os nomes dos meus particulares amigos visconde de Sotto Maior, hoje ministro em Compenhague o Antonio Maria Holtremann, e alem de outros mais, Leonel Tavares, cuja viuva acaba de fallecer, segundo dizem os jornaes. A testa da revolta estavam Cesar de Vasconcellos, José Estevão outros membros do partido progressista d'esse tempo.

Pergunto: ha aqui algum parallelo com a questão de que se trata? (Muitos apoiados.)

E o caso Pinto Bessa? E o relatorio da commissão de legislação criminal, prova provada da minha flagrante contradição?

É verdade. Fui relator n'esse parecer, tive essa desgraça, porque considero sempre uma desgraça ser relator, tenho para mim muito trabalho e canso a camara de me ouvir.

O caso do sr. Pinto Bessa era muito simples.

O sr. Pinto Bessa era accusado de ter offendido corporalmente o, então, governador civil do Porto. Discutiu-se se bem me lembro, este se achava ou não no exercicio das suas funcções. Não trato agora disso. O sr. Pinto Bessa era accusado d'esse facto, esteve preso, correu o processo preparatorio e quando chegou o despacho de pronuncia veiu á camara, foi á commissão de legislação criminal, de que eu fazia parte, e era relator. Estava já organisado o processo preparatorio. Tendo examinado o processo, entendi, pelas circumstancias que se davam n'esse crime, que o caso não era d'aquelles em que o deputado devia ser suspenso do exercicio das suas funcções e seguir o processo.

Mas o que o sr. Dias Ferreira não disse foi o resto, - e agora respondo tambem a algumas considerações feitas pelo sr. Consiglieri Pedroso, - e foi que eu, interpellado pelos meus illustres adversarios d'essa epocha, sobre se entendia que a negação da licença importava o cancellamento do processo, e o deputado de que se tratava não mais podia ser processado, respondi em meu nome individualmente, por entender que nem a camara nem a commissão tinham competencia para o declarar, que o processo devia continuar, logo que as camaras fossem encerradas. Era então essa a minha opinião, que foi confirmada pelo novo acto addicional. Fiz mais: manifestei a minha opinião contra o privilegio do fôro dos deputados.

Voltando agora ao sr. Consiglieri Pedroso, que não podendo sustentar a moção do sr. Dias Ferreira, - e digo não podendo sustentar, porque s. exa., que tantos recursos tem nem uma só palavra disse em defesa da moção, - entendeu que devia estabelecer aqui uma especie de associação de advogados. E a este respeito, tambem, outro dia, fui accusado de discutir aqui como se estivesse n'essa associação. Pois, acaso, o direito n'esta casa é differente do que lá se professa?

(Interrupção do sr. Consiglieri Pedroso.)

Não é a s. exa. que me estou referindo n'este ponto. De mais, podem considerar-me como advogado que não me offendem.

Na sala da associação dos advogados ha uma inscripção que diz «A lei». Pois não é essa a mesma que aqui se applica? Que quer pois dizer distinguir entre applicação da lei, ali ou aqui?

Como ia dizendo, o sr. Conseglieri Pedroso, não achando argumentos em favor da proposta do sr. Dias Ferreira, entendeu que devia estabelecer uma especie de associação de advogados e dirigir ao governo uma consulta juridica. Declaro a s. exa. á boa paz, que estou prompto a responder por todo e qualquer acto que praticar como ministro,

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mas não a responder, porque não é minha obrigação, a consultas doutrinarias. (Apoiados.) Póde s. exa. perguntar qual é a minha opinião a respeito de um ou outro caso, em these, mas eu não posso considerar-me obrigado a responder-lhe.

Quando s. exa. vir que á ordem do ministro da justiça está preso qualquer cidadão mais do que o tempo que a lei preceitua, póde accusar-me por esse facto; perguntar-me, porém, de antemão, qual é a minha opinião a respeito de um facto que póde dar-se?! Realmente, salvo o respeito, parece-me não ter competencia para isso!

A pergunta, porém, é tão simples, que vou responder-lhe. Está s. exa. perfeitamente equivocado: confunde dois casos completamente distinctos - a prisão administrativa e a prisão judicial. E afinal iremos caír, dada a resposta, precisamente na materia em questão.

Diz o artigo 145.° da carta, § 7.°

(Leu.)

E diz s. exa. e já o tinha dito, creio, o sr. Dias Ferreira: «como é que o sr. Ferreira de Almeida póde estar preso tanto tempo - ainda não chega a oito dias - sem se lhe dar nota de culpa formada e sem se cumprir rigorosamente a carta?»

Esta é a pergunta!

Ora, se s. exas. tivessem, lido attentamente o que se segue no mesmo artigo da carta, tinham achado logo a resposta.

Diz mais o § 9.°, in fine:

(Leu.)

Portanto já vê s. exa. que tudo quanto está disposto a respeito da prisão sem culpa formada, não comprehende as ordenanças estabelecidas como necessarias á disciplina do exercito e por isso não se póde applicar de modo algum á hypothese que estamos discutindo. (Apoiados.)

S. exa. alem d'isso, repito, confundiu duas cousas muito differentes, a prisão feita pela auctoridade judicial, e a feita pela auctoridade administrativa.

N'um caso está estabelecido que ninguem possa ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na lei, e que n'esses dentro de vinte e quatro horas, - ou em praso rasoavel, se a prisão não for proxima ao logar da residencia do juiz, este dê nota ao réu do motivo da prisão.

N'outro caso, nos crimes em que póde ter logar a prisão antes da culpa formada, é permittido á auctoridade administrativa mandar prender o culpado, pondo-o immediatamente, á disposição do juiz competente. Ora como aquelle tem de formar auto de investigação, e embora o deva fazer no tempo strictamente necessario, é claro que este immediatamente se ha de cumprir em termos habeis, o mais depressa que for possivel! (Apoiados.)

Já vê s. exa. que confundiu duas cousas completamente differentes, isto é, prisão administrativa com prisão judicial, e em seguida deu-nos um argumento para dizer que nada disto é applicavel ao sr. Ferreira de Almeida. (Apoiados.)

Ora aqui estão as perguntas que s. exa. me dirigiu; não posso porém deixar de dizer poucas palavras a respeito da proposta, já que estou com a palavra.

Quer o sr. Dias Ferreira que se ponha um preso militar, não tratemos de quem é, um preso da armada, á disposição do juiz do respectivo districto criminal!

Fiquei maravilhado com este desejo de s. exa.! (Apoiados.) Do contrario é que eu estava convencido!

Quando um individuo militar é capturado por ordem da auctoridade judicial, o que a auctoridade faz é participal-o ás auctoridades militares; agora o contrario, pol-o á disposição do juiz criminal?! Isso e que nunca vi. (Apoiados.)

O contrario repito é que eu sei.

Mas queria-se mais! Queria-se fiança.

Oh! sr. presidente, fiança para um preso militar?! Fiança a um official da armada?!

Onde se encontra essa theoria?

Pois para o militar não ha uma cousa que vale muito mais do que a fiança?

Não se sabe que um militar não precisa de fiador, que basta a sua palavra, o que o que se lhe dá, é homenagem, e essa homenagem é garantida pela sua palavra, que se tem sempre como honrada e que não precisa de um fiador como qualquer malfeitor?!

E vem dizer-se porque se não deu fiança ao sr. Ferreira de Almeida?

Oh! sr. presidente. Mas ha mais, se fosse preciso precedentes creio poder affirmar a v. exa. que já os ha.

Tem havido officiaes militares que têem ido requerer fiança e até, me parece, homenagem aos tribunaes civis, e elles tem-se julgado incompetentes para lha concederem.

Por ultimo tambem o sr. Dias Ferreira, e não o sr. Consiglieri Pedroso, porque não fallou na moção, voltou ainda á legislação de 1799 que accusou de obsoleta.

Por mais convencido que estivesse de que esta legislação é applicavel ao caso sujeito, quasi que cheguei a duvidar de mim e fui por isso, para me certificar, buscar uns documentos entre os quaes encontrei, e tenho aqui presente, nada menos do que a sentença de um conselho da armada, isto é, do poder judicial da armada, applicando a um militar da armada accusado de um crime de e insubordinação, o que?

Os artigos de guerra de 1799.

E que artigo?

O proprio artigo 1.°! O exordio, como lhe chamava o sr. Lopo Vaz. (Riso.)

Peço desculpa á camara de ter cansado a sua attenção. E tanto mais o devo fazer, quanto realmente quasi não fallei senão para corresponder ao convite, do sr. Consiglieri Pedroso. Nada mais.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - O sr. Avellar Machado inscreveu-se a favor ou contra?

O sr. Avellar Machado: - Era apenas para levantar uma expressão proferida pelo sr. Laranjo; mas, para não interromper o debate, reservarei o que tinha a dizer para occasião mais opportuna.

O sr. Arroyo: - Antes de entrar na analyse da moção apresentada pelo sr. conselheiro Dias Ferreira e das considerações feitas contra essa moção, pelos illustres oradores que fallaram tanto por parte do governo como por parte da maioria, consinta v. exa. que mande para a mesa um requerimento que julgo indispensavel para a continuação do debate ácerca da prisão do sr. Ferreira de Almeida, e no qual peço que seja enviado com toda a urgencia a esta camara copia do relatorio do sr. official da armada, Lopes Banhos, sobro a prisão do sr. deputado José Bento Ferreira de Almeida.

Sr. presidente, a conjunctura é perfeitamente extraordinaria; accumulam-se os motivos que fazem com que ao tomar a palavra encontre diante de mim assumptos de discussão, que são superiores ás minhas forças.

A primeira e grande difficuldade que vejo em qualquer debate ácerca do acto praticado pelo governo no sabbado ultimo, vem a ser que, na minha opinião, só a opposição se encontra no seu logar dentro d'esta casa. (Apoiados.)

No que vou dizer não vae a mais pequena offensa nem a v. exa., nem ao governo, nem á maioria; mas nem a mesa presidencial, nem o governo progressista, nem a maioria têem, parece, consciencia das graves responsabilidades que assumiram perante este accontecimento extraordinario. (Apoiados.)

A presidencia d'esta camara cumpria primeiro que a ninguem pôr em relevo os preceitos da carta constitucional attacados e invadidos, (Apoiados.) reivindicar para o seu presidente as attribuições policiaes que dentro da camara dos deputados só por v. exa. podem ser exercidas, (Apoiados.) e affirmar bem perante o governo que v. exa., investido da magestade das mais elevadas funcções que um portuguez

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Póde exercer, só v. exa. e mais ninguem póde ordenar uma prisão dentro d'esta casa do parlamento. (Apoiados.)

O governo por sua vez invadiu as attribuições do poder legislativo, (Apoiados.) e quando pensávamos que, aberto o parlamento, chegaria o momento de elle entrar no exercicio e só no exercicio das funcções do poder executivo, vemol-o fazer dictadura com o parlamento aberto. (Muitos apoiados.)

E á maioria, que conta entre os seus membros talentos valiosissimos e palavras inspiradas, cumpria primeiro que a ninguem o dever de não consentir que se travasse uma discussão, sem que a camara estivesse completa, sem que um deputado que foi roubado aos trabalhos legislativos fosse de novo restituido a esses trabalhos. (Apoiados.)

Era um dever de camaradagem e de dever até, para a maioria, de coherencia partidaria, que não faria senão augmentar o prestigio d'esta casa e o bem nome da maioria actual da camara dos deputados. (Apoiados.)

É por isso que, em minha opinião, ninguem dentro d'esta casa do parlamento portuguez está no seu logar, senão a opposição. (Apoiados.) E ella combate legitima e legalmente dentro dos limites de phrase e pensamento, que estão inscriptos no regimento d'esta camara, o facto inaudito, (Apoiados.) o verdadeiro crime, (Apoiados.) o abuso do poder praticado pelo governo. A opposição nada mais faz do que vigiar pela inteireza dos direitos parlamentares. (Apoiados.)

Acresce, para que se torne difficil o uso da palavra n'este debate, que rarissimas vezes terá a opinião publica correspondido tão depressa ao appelo da opposição. (Apoiados.) Lavra por todo o paiz um movimento de geral censura e incriminação ao acto do governo; (Muitos apoiados) e v. exa. comprehende como o deputado opposicionista, ao tomar a palavra para discutir esta questão tem sobre tudo de harmonisar e ligar a desaffronta das garantias parlamentares com a cordura, com a serenidade e com a prudencia, que foi e há de ser a demonstração da nossa força. (Muitos apoiados.)

Acresce ainda que o governo, caminhando de dia para dia em manifestações de progressivo desrespeito e desconsideração pelas assembleás legislativas, já inclusivamente nos manda dizer pelos seus orgãos mais preclaros e assignalados, que se não nos submettermos a ser mera chancella dos seus actos, póde talvez d'aqui a poucos dias pesar sobre nós uma nova dissolução. (Apoiados.)

Se o governo calcar aos pés mais uma vez os nossos direitos, as regalias parlamentares, se nos fizer sair d'aqui para fóra, há de se arrepender mais tarde, porque o paiz não póde supportar por mais tempo a pratica continua e injustificada de um regimen de despotismo. (Apoiados.)

A isto acresce ainda que a camara, na sessão ultima, assistiu á inacreditavel resolução de se não admittir á discussão a minha proposta de inquerito parlamentar, pela qual se haviam de apurar contradições flagrantes sobre questões de facto. Era preciso que a assembléa legislativa esclarecesse antecipadamente o seu voto para poder conceder ou negar a licença que dentro de pouco lhe será pedida para que o processo Ferreira de Almeida possa ser julgado pela camara dos pares, e todavia a maioria recusou-se a esclarecer os fatos; (Apoiados) a maioria não quis que se conhecese a verdade sobre os acontecimentos. (Apoiados.) quando estavamos á espera de que se lançasse luz sobre o assumpto, rejeitou-se o inquerito; essa luz não se fez, nem se fará. Isto não contribue para o prestigio da maioria nem do parlamento. (Apoiados.)

Mas, Sr. presidente, a discussão a que temos assistido é a mais extraordinaria que tem havido n'esta casa. Têem os illustres oradores governamentaes despendido tanta somma de talento, como se têem pronunciado de verdadeiras barbaridades constitucionaes. Julgo impossivel poder ser-se mais inteligente e mais heretico.

Começou o Sr. presidente do conselho, (e vejo-me obrigado a seguir passo a passo os oradores governamentaes, porque parece que todos porfiaram sobre qual d'elles avançaria mais singulares affirmações juridicas e considerações politicas), e, quando o Sr. Dias Ferreira dizia que mandassem entregar o preso á justiça ordinaria, sabe v. exa. o que respondia e Sr. José Leciona? Que o não soltava. (Apoiados.)

Mas quem lhe pediu isso? (Apoiados.) Quem lhe pedia que soltasse o Sr. Ferreira de Almeida?

O que se lhe pedia, e pediu-o o Sr. Dias Ferreira, era que o entregassem á justiça ordinaria, única compativel com a sua qualidade de representante da nação, como mais tarde demonstrarei. (Apoiados.)

Depois d'esta singular pertinacia em dizer que não queria soltar um homem, que ninguem lhe pedia que soltasse, s. exa. avançava estas duas affirmações que, por certo, não podem servir de fundamento á grande fama de jurisconsulto que tão merecidamente cerca o nome de s. exa.; disse s. exa. em primeiro logar, que a votação da moção de confiança equivalia á concessão da licença para que o processo fosse julgado na camara dos pares; e em seguida, observou que a votação da moção de confiança equivalia á approvação do procedimento do governo, de maneira a demonstrar que o parlamento portuguez entendia que a lei não havia sido intringida.

Oh! Sr. presidente, podem porventura ouvir-se a sangue frio asseverações d'esta ordem, sobretudo quando partem das cadeiras ministeriaes? (Apoiados.)

Pois então não se há de proceder ao corpo de delicto, não se há de fazer o summario do processo, e não é só depois de o Sr. Ferreira de Almeida estar pronunciado que a camara há de decidir sobre a concessão da licença? (Apoiados.)

E julgam s. exa. o Sr. presidente do conselho e a maioria progressista que a opposição póde deixar passar sem protesto a declaração de que a approvação da moção de confiança politica equivale a lavar o governo da grande nodoa que lançou no regimen constitucional? Estão perfeitamente enganados. (Muitos apoiados.)

A moção não fez mais do que permittir a continuação da existencia do ministerio; não fez mais do que permittir a conservação dos Srs. ministros nas suas cadeiras, graças á benignidade d'esta maioria.

S. exas. entendem que a infracção ás immunidades parlamentares desapparece com a moção de confiança? Pois enganam-se; (Muitos apoiados.) é preciso que seja votado o respeito bill de indemnidade, ou fazer com que mais esta violação da carta se acrescente á proposta de bill que já foi apresentada; e é de esperar que a amioria da camara, tão generosa e benevolente, não duvide ainda absolver o governo da gravissima responsabilidade em que incorreu com o seu ultimo acto dictatorial. (Apoiados.)

O Sr. presidente do conselho affirmava na penultima sessão que a questão politica estava morta.

Há uma cousa que esta morta, há, Sr. presidente, mas não é a questão que se
debate, é a carta. (Muitos apoiados.)

A questão não póde estar morta emquanto o paiz não estiver convencido e satisfeito; emquanto isso assim não succeder, s. exa. póde dizer que a questão está morta; ella há de resuscitar todos os dias e há de ficar constantemente de pé. (Muitos apoiados.)

Depois dizia o Sr. Luciano de Castro, e repetia o há pouco o Sr. Veiga Beirão; como é que o governo hade remetter o processo para as justiças ordinarias, se o processo já está entregue ao poder judicial?

É necessario que se faça luz sobre o assumpto; é preciso que s. exas. não pretendam vencer nos na discussão com que o argumento de que o conselho de investigação corresponde ao processo preparatorio. Esse argumento cae pela base logo que se reflicta um pouco n'elle. (apoiados.)

As relações que existem entre o poder executivo e os

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tribunaes judiciarios são muito differentes das que existem entre o poder
executivo e o conselho de investigação.

São muito diversas, profundamente diversas. O poder judicial é independente e julga com completa autonomia.

Se o delegado do ministerio publico promove a accusação, não ha nenhuma auctoridade administrativa que se possa intrometter nas questões judiciaes. (Apoiados.)

Mas quem é o juiz no caso presente? Por mais que façamos esta pergunta não nos respondem, e não nos dão resposta porque não a pedia dar. (Apoiados.)

É o commandante geral da armada? Mas elle não fez do que obedecer a uma ordem do governo. (Apoiados.) É o conselho de investigação? Mas em que relações está o commandante geral da armada com o conselho de investigação?

O conselho de investigação só se reune e constitue mediante o previo officio do commandante geral da armada, que por sua vez exerce uma commissão dependente da administração...

O Sr. A. M. de Carvalho: - Estamos de accordo. Isso já se sabe.

O Orador: - S. exa. hade concordar em que não fallo só para s. exa.; fallo para toda a camara e em particular para os oradores que me precederam e aos quaes estou respondendo. (Riso - Apoiados.)

Ora, se o conselho de investigação recebe immediatas ordens do commandante geral da armada, como querem s. exas. comparal-o com o tribunal judicial ordinario, inteiramente autonomo?

S. exas. o que deviam dizer era que os actos do conselho de investigação, pela sua natureza perfeitamente especial, por isso que tanto tem o dever de esclarecer a justiça como o de manter a disciplina da hierarchia administrativa, eram absolutamente differentes dos processos preparatorios no fôro ordinario. (Apoiados.)

S. exas. o que deviam dizer era que o preceito da carta constitucional que prohibe que qualquer auctoridade avo que a si os processos affectos aos tribunaes judiciaes, não podia ser aplicado aos conselhos de investigação, porque elles não são senão delegacias collectivas do poder executivo.
(Apoiados.)

A doutrina é boa? A doutrina é má?

Não discuto esse ponto n'este momento. O que digo é que a lei é esta, e que dentro da lei existente s. exas. não deviam, quando aliás não há ninguem que não conheça os processos de justiça ordinaria, argumentar com comparações entre os processos preparatorios que correm no fôro ordinario e os processos que correm perante os conselhos de investigação. (Apoiados.)

Continuando, disse o Sr.,. presidente do conselho: a primeira obrigação do cidadão é respeitar a lei e os seus representantes.

Isto posto em vulgar quer dizer o seguinte: a primeira obrigação do cidadão é respeitar o governo progressista. (Muitos apoiados.) Se assim me exprimo é porque a lei, como se está vendo, reside em s. exas. (Apoiados.)

E se s. exas. se substituem á lei, o que fica sendo a representação nacional? Fica sendo unicamente uma chancella que lança a vergonha sobre esta phrase do constitucionalismo portuguez, perante o qual s. exas. assumiram a responsabilidade mais tremenda, com que ainda nenhum governo teve a louca ousadia de arrostar! (Muitos apoiados.)

Depois ouvimos uma declaração curiosa do Sr. Laranjo.

S. exa. sabe muito bem quão profunda é a consideração que voto ao seu caracter e aos seus talentos, não podendo por isso ver s. exa. nas observações que vou fazer mais do que uma demonstração do meu respeito por esses predicados.

O Sr. Laranjo disse que tinha havido mais do que liberdade, que tinha havido
licença.

É curioso, Sr. presidente, notar como, quando qualquer deputado da maioria falla á vontade, não faz senão ferir, e ferir profundamente, o proprio governo que defende. (Muitos apoiados.)

Tem s. exa. rasão.

Tem havido mais do que liberdade, tem havido licença, mas parte d'aquelles bancos, (Apoiados.) d'aquelles bancos, porque, desde que se fechou a camara transacta, os que os occupam não tem feito mais do que calcar aos pés as leis, que deviam respeitar. (Apoiados.)

Pelo que respeita á opposição, poderá dizer-se que tem havido licença, quando não fazemos senão zelar e defender os direitos parlamentares não desaffrontados (apoiados.) porque ainda não podémos conseguir que o governo restituisse á camara um dos seus membros que indevidamente e injustamente prendeu?! ... (Apoiados.)

Foi pura figura de rhetorica tal affirmação, há de s. exa. confessal-o.

Mas s. exa. observava que em França havia um tal movimento de desorganisação partidaria, que ali as indicações parlamentares evidenciavam por tal fórma um fraccionamento progressivo e inevitavel dos grandes gremios partidarios, que lá era impossivel constituir-se uma situação parlamentar que sustentasse duradoura e prolongadamente um governo qualquer.

Concordo com s. exa.

A desorganisação partidaria não se manifesta só na França; é um signal clarissimo da decadencia do regimen parlamentar que apparece mais ou menos em quasi todas as nações da Europa.

Apparece na Inglaterra por exemplo, onde só há muito pouco tempo se assiste á desmembração dos terys e dos chigs.

Todavia, o que nunca houve em França, porque creia s. exa., se levantariam até as pedras das ruas, foi um governo que lançasse a mão á legislação franceza e a refundisse dictatorialmente, (Apoiados.) foi um governo que se atrevesse a prender um deputado, porque então a maioria, minoria, esquerda, direita, vermelhos e reaccionarios, todos se uniriam para pedir ao governo uma satisfação completa e categorica aos direitos e immunidades parlamentares, (Muitos apoiados.) quer o membro da assembléa legislativa offendido nas suas garantias fosse militar, quer o não fosse! (Apoiados.)

A referencia á qualidade de militar, chama naturalmente o meu espirito para o exame da situação em que se encontra o actual ministro da guerra perante os seus collegas e perante o parlamento.

V. exa., Sr. presidente, deve lembrar se de que a minoria parlamentar teve na sessão de segunda feira occasião de pantentear ao nobre ministro da guerra o profundo acatamento que vota ás insuperaveis qualidades do seu caracter e aos distinctos predicados da sua intelligencia. A causa d'esta manifestação foi a seguinte:

O Sr. visconde de S. Januario, n'uma breve explicação dada ao Sr. Pinheiro Chagas, com a fraqneuza, lealdade e brio que se impõem ao nosso respeito, (Apoiados.) encarregou se de desfazer absoluta, completa e integralmente a affirmação do governo.

Ao passo que o Sr. José Leciona de Castro affirmava que od eputado arguido fugira d'esta sala depois da scena lamentavel, o Sr. visconde de S. Januario declarava simplesmente que o Sr. Ferreira de Almeida se retirára, e procedia nobilissimamente porque um official de marinha portugueza não foge, nem mesmo de um perigo! (Apoiados.)

Ao passo que o Sr. presidente do conselho dirigia a sua argumentação por fórma a provar que o governo tinha tomado immediatamente as providencias necessarias para prender o Sr. Ferreira de Almeida, o Sr. ministro da guerra dizia que tinha tido duvidas sobre qual a auctoridade que devia prendel-o e até suppozera que só o presidente da camara o poderia fazer. Isto prova que entre a deliberação

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ministerial e o facto occorrido, houve um periodo medio de hesitações, de duvidas, de mudanças de opinião, e que a idéa primeira de s. exa. o sr. ministro da guerra foi salvar a lei que respeita, mas que a final se resolveu a rasgar juntamente com os seus collegas. (Muitos apoiados.)

Isto prova que quando toda a opposição demonstrava que a prisão não se tinha verificado em flagrante delicto, o sr. visconde de S. Januario n'essa occasião collocava-se ao nosso lado e o sr. presidente do conselho era desmentido pelo sr. ministro da guerra.

Em que posição ficou o sr. presidente do conselho, e como explicar a permanencia no poder do sr. ministro da guerra? (Muitos apoiados.)

S. exas. devem uma explicação completa e categorica ao parlamento. (Apoiados.)
Ainda mais. O sr. ministro da guerra pediu na segunda feira a palavra antes do sr. Carlos Lobo d'Avila, palavra que não lhe foi dada immediatamente, segundo a preferencia marcada no regimento. (Apoiados.)

Qual foi o motivo porque não tendo s. exa. desistido da palavra, não usou todavia d'ella?

Porque rasão não fallou s. exa., ou para desfazer um equivoco de expressão, ou para accentuar a narrativa exacta e fidedigna dos acontecimentos de sabbado ultimo?

A situação acha-se definida com toda a clareza: de um lado está o sr. ministro da guerra a affirmar francamente, lealmente, a verdade dos acontecimentos; do outro, a versão sophistica e habilidosa do sr. José Luciano.

Qual das duas prevalece, pergunto eu? (Apoiados.}

Na terça feira foi distribuido o extracto official da sessão de segunda feira, e n'esse extracto nem uma só linha, nem uma só palavra se encontra que nos dê conta das declarações do sr. ministro da guerra.

Isto é muito grave. (Apoiados.) Dentro d'esta casa faz-se politica, mas não é admissivel fazel-o, e num sentido muito apertado em que geralmente é tomada essa expressão, por meio dos extractos das sessões.

(Interrupção do sr. Antonio Candido.)

Nós fazemos politica como s. exas. a fazem. Mais de uma vez tenho affirmado perante o parlamento, que era politica tudo quanto se dizia que o não era. Nada mais politico do que as questões internacionaes, do que as questões administrativas, ou do que as finanças. Isso é que é verdadeira politica. A politica não deve ser comprehendida como geralmente o é, e não veja o illustre deputado n'esta minha asseveração a menor censura ao procedimento da opposição parlamentar. (Apoiados.)

Mais dizia eu, sr. presidente, n'este extracto não se lê uma unica palavra sobre as declarações do sr. ministro da guerra. Porque é que s. exa. não protestou a tempo? (Apoiados.)

O sr. ministro da guerra, perdeu, infelizmente, pela sua ausencia á sessão de terça feira, e pela sua quasi completa ausencia á sessão de quarta feira, em não ouvir o sr. José Luciano affirmar o que s. exa. havia desmentido na sessão de segunda feira.

Se s. exa. tivesse vindo a esta casa, havia de ter ouvido ao sr. José Luciano de Castro a repetição de todos os acontecimentos e factos, contra os quaes s. exa. franca e lealmente, se pronunciou na segunda feira.

É por isso que a questão está posta em termos muito simples. O sr. ministro da guerra, e o sr. presidente do conselho resolvem-se ou não a explicar perante o parlamento as contradicções das suas declarações?

Se não se resolvem a explicar essas contradicções, em que posição ficam s. exas.? (Apoiados.) Digam s. exas. se nós não temos direito de todos os dias mostrar que o sr. presidente do conselho affirmou exactamente o contrario do que affirmou o sr. ministro da guerra?

No caso affirmativo, qual de s. exas. sáe do ministerio? (Apoiados.)

É preciso decidir: ou um ou outro. (Muitos apoiados.)

Ha mais ainda, sr. presidente.

Todos os jornaes progressistas publicaram as declarações do sr. ministro da guerra; e esses jornaes, ao mesmo tempo que prestavam a devida homenagem e a devida consideração ás palavras de s. exa., continuavam a inserir nos artigos de fundo, nos boletins parlamentares, nas correspondencias para a provincia, uma phrase, contra a pronunciação da qual se manifestou o sr. ministro da guerra. S. exa. negou aqui que tivesse proferito, na occasião do lamentavel conflicto, a phrase - prendam esse homem. E é, sobre tudo n'esta phrase, que os jornaes ministeriaes se fundam para demonstrar a coherencia do procedimento do governo! (Apoiados.)

É necessario tambem que o sr. ministro da guerra, na occasião em que se levantar para dar completas explicações ao parlamento, diga mais uma vez se soltou ou não essa phrase, que impensada e levianamente lhe é attribuida nos jornaes governamentaes. (Apoiados.)

Tem, portanto, s. exa. de explicar qual o motivo por que não usou da palavra, tendo-a s. exa. pedido, e não havendo desistido d'ella; tem de explicar qual o motivo por que se conserva n'aquelle logar, havendo desmentido o sr. ministro do reino, e necessitando portanto o publico de ser esclarecido sobre qual das duas opiniões prevalece no ministerio. Tem s. exa. de explicar ainda qual o motivo por que não protestou contra o extracto da sessão de segunda feira, e porque não veiu dizer á camara, que queria que se inserissem no extracto as affirmações que s. exa. tão nitidamente, e tão briosamente (Apoiados) fez na sessão de segunda feira; e tem ainda s. exa. de declarar se na realidade pronunciou ou não a phrase, prendam esse homem, de que os jornaes governamentaes persistem em servir-se para salvaguardar, perante a lei, o procedimento do governo, e sobretudo as explicações do sr. ministro do reino.

Falta ainda referir-me a uma outra phrase do sr. Laranjo.

Disse o illustre deputado que as raças latinas têem liberdade de mais e ordem de menos. Ora, francamente, se nós, que estamos sujeitos á mais ominosa dictadura, que jamais se praticou n'este paiz, temos liberdade de mais; se nós, povo portuguez, que temos presenceado, sem a mais pequena manifestação desordeira, este ataque constante, pertinaz e systematico às garantias individuaes e aos preceitos de constituição, se nós temos ordem de menos, creia o illustre deputado que, se a nossa liberdade é a liberdade latina, a justiça da critica de s. exa. é justiça de mouro. (Apoiados - Riso.)

Depois fallou o illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho, e começou a discursar demoradamente sobre o assumpto da moção votada na sessão de segunda feira, sem ser chamado á ordem por v. exa.; quando é certissimo que se fosse eu quem dissesse o que disse o sr. Eduardo José Coelho, v. exa. ter-me-ía chamado logo á ordem e talvez, se não accedesse immediatamente ao seu desejo, retirado a palavra. (Apoiados.)

S. exa. começou por discutir larguissimamente aquillo tudo que s. exa. mesmo declarava haver-se discutido e liquidado na sessão de segunda feira. E fez s. exa. muito bem, porque a infracção da lei não ficou resalvada pela moção de confiança politica, nem o censuro por isso; mas o que eu quero é o mesmo direito para a opposição parlamentar. (Apoiados.)

S. exa. affirmou categoricamente, a respeito da dictadura, que, quando essa questão vier á discussão, nos demonstrará que ella tinha sido provocada por variados antecedentes, que cabiam á responsabilidade do partido regenerador.

É possivel que s. exa. tenha artes de demonstrar essa proposição; tambem outro dia ouvi demonstrar pelo sr. Marianno de Carvalho que a celebre declaração ministerial, pela qual s. exa. entendeu poder substituir o voto do par-

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lamento, resultara de haver escapado n'uma proposta de s. exa. um erro de impressão.

Um erro de impressão, sr. presidente! Quando toda a camara sabe como o illustre ministro é perito em rever provas de imprensa, mesmo em francez... (Riso.)

Só tenho a dizer ao sr. Eduardo José Coelho que, se os precedentes immediatamente anteriores á dictadura sito a sua rasão justificativa, acredite s. exa. que o que se está passando é o melhor de todos os precedentes para futuros actos dictatoriaes, (Apoiados.) porque agora, com o parlamento aberto, em pleno trabalho da propria assembléa legislativa, não hesita o governo em prender um deputado, exorbitando das faculdades concedidas ao poder executivo pela carta constitucional. (Apoiados.)

O precedente, portanto, e magnifico. Mas s. exa., não contente com a defeza, vendo que as difficuldades da questão o atraiçoam, apesar de toda a sua intelligencia, eloquencia e erudição, a que presto a mais sincera homenagem, soltou esta phrase:

«Agora, e só agora, é que o governo entrou na constituição!»

Pois era tempo. (Riso.) Mas para se fazer o que se tem feito, era melhor que se tivesse conservado fóra d'ella. (Apoiados. - Riso.)

Seguiu-se o sr. Barbosa de Magalhães. S. exa. não está presente; todavia, o que tenho a dizer, accusa tão claramente o meu respeito pelos dotes do seu espirito e da sua palavra, que s. exa. de fórma alguma se póde maguar com as minhas observações.

O sr. Barbosa de Magalhães, na sua estreia, manifestou uma intelligencia arguta, revelou sangue frio, fluencia de phrase; motivos por que não posso deixar de felicitar a maioria e o parlamento em geral pelo novo combatente que entrou na arena politica. (Apoiados.)

Mas s. exa. resentiu-se muito de ser o discurso, a que me venho referindo, a sua estreia parlamentar, e proferiu algumas phrases que classificarei de impensadas, para não as attribuir, como não devo attribuir, a um defeito de concepção intellectual.

S. exa. disse, se bem me recordo, que no poder legislativo a camara dos deputados tem um logar secundario. Concordo inteiramente, mas só para a hypothese de estar ali aquelle governo. (Apoiados.)

S. exa. disse que a ordem de prisão dada pelo governo correspondia ao arbitrio da policia. O que se tornava necessario era que o arbitrio fosse castigado devidamente. (Apoiados.)

S. exa. disse mais que a ordem do governo correspondia ao grito de acendam, ao grito de Aqui d'El-Rei. Não é positivamente exacto; o governo não bradou acendam, mas accudam-me, que vamos fazer disparate! (Riso.) E quem gritava «aqui d'El-Rei» não era o governo, era o paiz, (Muitos apoiados.} era o paiz que de ha muito assim clama contra isso que ahi está, (apontando para o ministerio) que é um ultrage vivo á constituição, ás leis e ás immunidades parlamentares, sem nunca se lembrar do respeito que deve á maioria que o defende e ao partido que representa no poder! (Muitos apoiados.)

Permitta-me o sr. Consiglieri Pedroso lhe observe que não concordo com uma arguição de s. exa. á maioria, pelo facto d'ella haver recusado admittir á discussão a proposta de inquerito parlamentar, e de haver discutido a moção do sr. Dias Ferreira, declarada inconstitucional pela propria maioria. Creio que está tudo perfeitamente bem. Se o governo não vive senão de dictadura, a maioria não póde discutir senão inconstitucionalidades. (Riso. - Apoiados.) Emquanto que discute assumptos constitucionaes, é como peixe fóra de agua. (Riso.)

Permitta-me, pois, s. exa. lhe affirme, que se equivocou n'este particular.
Depois do sr. Consiglieri Pedroso fallou o sr. Beirão, começando por declarar que só fallava por extrema consideração para com o illustre deputado republicano.

S. exa. está completamente enganado. Fallou porque tinha dever do fallar, e a nós competia-nos a obrigação de o fazer fallar. (Apoiados.) S. exa. fallou porque, havendo exposto na sessão de segunda feira a mais exotica theoria de flagrante delicto e de applicação da pena capital, cumpria á opposição fazel-o sair á barra em defeza da sua jurisprudencia, e ajustar de vez as suas contas com o nobre ministro da justiça. (Apoiados.)

Já que toco n'este ponto, demorar-me-hei um pouco sobre o flagrante delicto e sobre a applicação da pena capital. A respeito de flagrante delicto, o governo entreteve-se a provar, pela voz dos nobres ministros do reino e da justiça, que, se entre a pratica de um acto considerado criminoso e a prisão do delinquente, decorre o tempo sufficiente para que o ministro da guerra entenda que não é o governo que deve dar a ordem de prisão, para que mude de opinião depois das instancias dos collegas, para que se reuna o conselho de ministros e resolva transmittir a ordem de prisão ao commissario geral de policia e ao commandante geral da armada, e para que, passadas horas, seja visto o delinquente passear livremente numa das praças publicas do centro da cidade, está o flagrante delicto completamente demonstrado! (Apoiados.)

Consintam s. exas. que lhes faça uma pergunta: se quatro ou seis horas depois de praticado o attentado constitucional, fosse demittido o gabinete, concordariam os senhores ministros em que haviam sido exonerados dos seus cargos em flagrante delicto de abuso do poder? Pelo contrario, a sua rasão dir-lhes-ia que tinha havido demasiada tardança no castigo! (Riso.)

Vejamos a questão da pena capital.

Esta questão tem de ser encarada á face dos artigos 60.°, 61.° e 62.° dos artigos de guerra de 15 de outubro de 1799, completados pelo artigo 1.º Se o governo os ler despido completamente de paixão partidaria e com o espirito critico profundamente imparcial, apurará, o seguinte: que no artigo 1.° se fixa uma serie de penas para o caso da insubordinação, que não é o presente, maiores ou menores segundo as circumstancias.

Ora, quem conhece um pouco de direito penal, sabe que não é licito confundir os elementos constitutivos do crime com as circumstancias aggravantes ou attenuantes, que só no julgamento se liquidam. Assim s. exas., considerando applicavel a pena capital do artigo 1.° ao crime de que é arguido o sr. Ferreira de Almeida, commetteram um duplo erro jurídico. (Apoiados.)

Se s. exas. lerem os artigos de guerra n.ºs 60.°, 6l.° e 62.° verão, que se estabelece uma hierarchia entre a gravidade de penas que podem recair, por infracção de disciplina, ferimentos, assassinato, etc., nos soldados e pessoas de marinhagem, nos officiaes inferiores e nos officiaes de patente. Nunca concordei com esta doutrina, mas o facto é que, segundo estes artigos, a gravidade da pena está na rasão inversa da graduação militar, e que aos officiaes de patente a pena de morte não é applicada, mas só a militares de graduação inferior e por crimes de muito maior gravidade do que a d'aquelle de que o governo accusa o sr. Ferreira de Almeida. (Apoiados.) Esta é a lei actual.
E como é que s. exas. podem fazer acreditar que no caso presente é applicavel a pena capital?!

Os oradores governamentaes são de tal modo ferozes, como por exemplo o sr. Laranjo que, para desaffronta da disciplina, e em direito constituendo, parece que ainda acham diminuta a pena maxima! Provavelmente a aspiração do sr. Laranjo seria poder applicar n'este caso a pena de morte... por trinta dias (Riso.)

Chegado a este ponto do meu discurso, vou apresentar á camara uns artigos de guerra, para uso do ministerio progressista, os quaes se deduzem das resposta dos srs.

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ministros e dos discursos dos oradores da maioria. Dizem assim:

Artigo 1.º Existe flagrante delicto, ainda quando entre o crime e a prisão do delinquente medeia o tempo necessario para que a auctoridade discuta e resolva se póde ou não prender o mesmo delinquente.

Este é do Sr. Beirão e tem voto do sr. José Leciona. O sr. Beirão fará a favor de dizer se tal doutrina é só para o sr. Ferreira de Almeida ou se entende que deve ser applicada a todos os delinquentes... (Apoiados.)

S. exa. comprehende que os delegados do ministerio publico necessitam de o saber, porque até ao presente regiam-se por outro catechismo. (Apoiados.)

O artigo 2.º é tambem do sr. ministro da justiça:

Artigo 2.ª Á offensa corporal do inferior para com o superior é sempre applicada a pena capital.

Accrescenta o sr. Laranjo:

§ unico. Ao deputado preso não é applicavel a pena de morte, e por isso está bem entregue aos tribunaes.

(Interrupção do sr. Laranjo que não se percebeu na mesa dos tachygraphos.)

O illustre deputado, o sr. Barbosa Collen, ri-se de mim ou do que disse o sr. Laranjo?

(Interrupção.)

S. exa. comprehende que um riso sem motivo, acarreta sobre a intelligencia de quem se ri uma supposição que não lhe deve ser muito lisonjeira.... (Riso.)

Diz o artigo 3.º

Artigo 3.ª Violada uma garantia de deputado por acto do governo, basta uma moção de confiança votada pela camara dos deputados para confirmar e legalisar o facto.

Este é do sr. presidente do conselho. (riso.)

Diz mais o sr. Laranjo:

Artigo 4.º Os povos da raça latina têem liberdade de mais, e por isso, e conveniente prender de vez em quando algum deputado a fim de corrigir as liberdades exaggeradamente concedidas. (Riso.)

Acrescenta o sr. Barbosa de Magalhães:

Artigo 5.º Um deputado póde estar preso para investigações por tempo indeterminado á ordem do governo progresissta. (Riso.)

E eu addiciono o artigo final:

Artigo 6.º Ficam revogados os ministros da guerra em contrario. (Riso prolongado. - Vozes: - Muito bem, muito bem!)

Tendo respondido como sei e como pude aos oradores que me precederam, vou entrar na justificação da moção de ordem apresentada pelo sr. Dias Ferreira.

V. exa. vê que tenho seguido uma ordem logica, primeiro, respondendo a quem me precedeu; segundo, expondo á camara as rasões em que me baseio para adherir á moção do sr. Dias Ferreira, o que vou tentar fazer.

Diz o sr. Dias Ferreira na sua moção:

«A camara, reconhecendo que o sr. deputado Ferreira de Almeida não póde estar preso á ordem do poder executivo, nem ser privado por esse facto do exercicio das suas funcções legislativas, recommenda ao governo que ponha immediatamente o preso á disposição do juiz do respectivo districto criminal de Lisboa, a quem por lei competir a instrucção do processo preparatorio, e passa á ordem do dia.»

Ora, demonstrado como está, que não se póde applicar á hypothese do conselho investigação o preceito da carta onde se preceitua que o governo não póde evocar processos pendentes dos tribunaes judiciaes, e que portanto não tem rasão alguma de ser a desculpa allegada pelo sr. José Luciano de Castro e pelo sr. Beirão, segue se naturalmente Dias Ferreira.

Ella fundamenta-se no raciocinio seguinte: nenhum deputado póde ser accusado ou pronunciado senão perante as justiças ordinarias, por isso que a prepoderancia da qualidade de deputado sobre a da classes social a que esse membro pertence, torna inapplicavel a qualquer hypothese o fôro especial privativo d'essa classe. (Apoiados.)

Tal é a base logica da moção do sr. Dias Ferreira, e vou proceder á sua justificação immediatamente, procurando encaral-a sob os variados pontos de vista que se offerecem ao nosso exame.

Os illustres deputadas chegaram á conclusão de que o deputado só o é emquanto está aberta a sessão, e que, depois de fechada, o deputado deixa de ter essa qualidade.

V. exa. comprehende a que absurdo nos conduz esta conclusão: (Apoiados.) se o acontecimento que se verificou dentro d'esta sala no sabbado ultimo depois da sessão fechada, se tivesse verificado com a sessão aberta, apurar-se-ía que a pena seria muitissimo menor, não obstante se dever considerar o crime por todos os motivos muito mais grave. (Apoiados.)

Pergunto a v. exa. qual dos fatos deveria ser considerado mais perigoso para a disciplina, e de maior desprestigio para as instituições; o facto de o deputado erguer a mão para o ministro da corôa, quando está já fechada a sessão, ou de o fazer em plena sessão do parlamento, quando as galerias nos escutam e a camara se acha no exercicio das suas funcções? (Muitos apoiados.)

A conclusão, o absurdo está em que, admittida a doutrina de que os deputados só são deputados durante a sessão e de que a pena applicavel ao acto praticado pelos r. Fereira de Almeida é a pena capital, poderia ser o deputado fusilado, se a pratica do acto se realisasse com a sessão fechada, e se estivesse aberta poderia soffrer unicamente prisão correccional até um anno e multa correspondente, como dispõe o codigo penal! (Apoiados.)

Isto não póde ser, nem é licito defender uma opinião juridica que condiz a absurdos d'esta natureza.

Mas continuemos na argumentação e demonstração da these que, como disse, fundamenta a moção do sr. Dias Ferreira.

Vamos ao artigo 4.º da lei de 24 de julho de 1885.

Este artigo preceitua que, se algum deputado ou para for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, para ella decidir se o deputado deve ser suspenso das suas funcções e se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado pronunciado, isto é, terminada a legislatura.

Isto o que demonstra? Demonstra que a constituição, pelo artigo que citei, completado pelo artigo 3.º do mesmo acto addicional, preceitua clarissimamente que o deputado é sempre deputado, desde que está eleito, e proclamado na respectiva assembléa de apuramento até ao fim da legislatura; (Apoiados) e que só por deliberação da camara é que as suas funcções de deputado se podem interromper no intervallo de uma sessão annual para outra sessão annual. (Apoiados.) Emquanto a camara não tome esta deliberação, o deputado é sempre deputado e só deixa de o ser quando termina a legislatura. (Apoiados.)

Tratemos agora de ver a questão á face dos artigos 31.º e 33.º da carta constitucional, interpretados pelo artigo 3.º do acto addicional de 1852.
Diz o artigo 31.º:

«O exercito de qualquer emprego, á excepção dos de conselheiro d'estado e ministro d'estado, cessa interinamente, emquanto durarem as funcções de par ou deputado.»

Diz o artigo 33.º:

«Se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do estado, for indispensavel que algum deputado sáia para outra commissão, a respectiva camara o poderá determinar.»

E acrescenta o artigo 3.º do acto addicional de 1852:

«Em caso de urgente necessidade de serviço publico poderá cada uma das camaras, a pedido do governo, permittir aos seus membros, cujo emprego se exerce na capital,

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SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1887 541

que accumulem o exercicio d'elle com o das funcções legislativas.»

Quer isto dizer: primeiro, que pelo facto da eleição a deputado deixa de exercer as funcções que exercia anteriormente, e assume unicamente a qualidade do representante da nação; e segundo, que só mediante previa deliberação da camara é que o representante da nação poderá juntar ao exercicio das funcções legislativas o exercicio do funcções da commissão de serviço ou de emprego exercido na capital. (apoiados.)

E n'esta altura do debate vem a pello lembrar uma proposta do sr. Henrique de Macedo, apresentada na sessão de 20 de abril. Tanto o sr. ministro da marinha entendia que o sr. José Bento Ferreira de Almeida ficava, e só podia ficar, depois do proclamado representante da nação, sendo exclusivamente considerado deputado que essa proposta, relativa á accumulação das funcções legislativas com
a de empregos publicos, não contém, como não podia conter, o nome do sr. Ferreira do Almeida, visto que a commissão de serviço de s. exa. é exercida fóra de Lisboa.

Esta omissão, perfeitamente legal e regular, comprova a doutrina do citado artigo do acto addicional do 1852, mostrando que, fóra dos casos prevenidos no artigo referido, nem mesmo com permissão da camara seria possível o exercicio de uma commissão incompativel com o exercicio das funcções legislativas, e comprova a doutrina sustentada pela opposição de que a qualidade que predominava na pessoa do sr. Ferreira de Almeida era a de representante da nação. (Apoiados)

Por ultimo leia o governo o artigo 32.° da carta onde se diz:

«No intervallo das sessões não poderá o Rei empregar um deputado fóra do reino, nem mesmo irá exercer o seu emprego, quando isso o impossibilite para se reunir no tempo da convocação das côrtes geraes ordinarias ou extraordinarias.»

Continua o mesmo respeito inquebrantavel, tenaz e intransigente pelas qualidades dos representantes do paiz. Nem mesmo no intervallo das sessões, só do exercicio de uma funcção publica resultar impossibilidade para o deputado de comparecer ao tempo da nova convocação, não póde exercer essa funcção, porque a qualidade que prevalece e predomina é a de deputado, e só essa. (Apoiados.)

Mas ha mais ainda. Se o sr. Ferreira de Almeida não era deputado quando levantou a mão contra o sr. ministro da marinha, para que é que o governo veiu defender-se, procurando demonstrar que não havia atacado as immunidades parlamentares? Se o sr. Ferreira de Almeida não era representante do paiz, para que é que o sr. José Luciano de Castro e os seus collegas, tentaram defender-se, procurando demonstrar que não havia atacado as immunidades parlamentares? Se o sr. Ferreira de Almeida não era representante do paiz, para que é que o sr. José Leciona de Castro e os seus collegas, tentaram defender-se da accusação de haver infringido as immunidades parlamentares? (Apoiados)

Se não era deputado, não tinham s. exas. que se justificar do facto de haverem mandado prender um deputado. (apoiados.)

Se elle era simplesmente um official da armada, qual foi tambem a rasão por que todo o ministerio assignou a ordem de prisão, e porque não foi só o sr. ministro da marinha? (Muitos apoiados.)

Porque o sr. commandante geral da armada se recusou a prender o deputado sem a ordem escripta de todo o governo; porque s. exa. comprehendendo a gravissima responsabilidade que lhe podia competir se prendesse o sr. Ferreira de Almeida como official da armada, exigiu que o governo assumisse a responsabilidade d'esse acto violento n'um documento em que ordenasse a prisão. (Apoiados.)

Sabe v. exa. qual é a conclusão que se tira da doutrina de que os deputados só o
são perante a assembléa legislativa?

Vou explical-o á camara.

V. exa. comprehende que as scenas de sabbado, ou similhante, são naturalmente originadas em fatos occorridos na propria sessão.

V. exa. sabe muito bem que o acontecimento lamentavel e lamentado, occorrido na sessão de sabbado, não foi senão o resultado de troca de expressões entre o sr. ministro da marinha de então e o sr. deputado Ferreira de Almeida.

O que se não comprehende é a posição em que ficam n'esta casa os officiaes do exercito ou da armada que são deputados da nação.

Não temerão elles levantar o mais pequeno debate que possa porventura, ao terminar a sessão, provocar uma reacção similhante á de sabbado, e não hesitarão em discutir livremente os actos do ministro da guerra ou do ministro da marinha?
(Muitos apoiados.)

Em que posição ficam também os funccionarios publicos que são deputados?
Não impenderá sobre esses funccionarios a pena de demissão, quando se dê com elles qualquer acontecimento desgraçado como que occorreu depois de encerrada a sessão de sabbado, originado em fatos occorridos na propria sessão?

Não terão justamente receio de arguir o respectivo ministro por defeitos ou erros da administração? (Apoiados.)

Podem os Srs. ministros responder que não é decoroso para a disciplina do exercito, que não se concilia com o bom regimen da machina administrativa, que os officiaes do exercito de terra e da armada por um lado, e os funccionarios publicos por outro, venham aqui insurgir-se contra os actos dos respectivos ministros. (Apoiados.)

Não discuto esse ponto n'este momento. Desde que o facto de ser empregado publico, ou official do exercito de terra ou da armada, não é causa de inelegibilidade para deputado, e emquanto o não é, esses individuos devem ter por todas as fórmas assegurado a sua liberdade de apreciação e de critica sobre os actos do governo. (Apoiados.)

Prosigâmos na argumentação.

Quando se commette a primeira falta de senso commum, permitta-me v. exa. a expressão, os dislates succedem-se, e não têem fim.

Se o sr. Ferreira de Almeida deixou de ser deputado pelo facto de se ter já fechado a sessão, por que é que o sr. Henrique de Macedo não deixou também de ser ministro em consequencia do mesmo facto? (apoiados.)

Pois se o sr. Ferreira de Almeida deixa de ser deputado por não estar em exercicio das suas funcções, porque é que o sr. ministro não deixou de ser ministro visto que não estava também no exercicio das suas funcções? (Apoiados.)

Se o exercicio das funcções respectivas é indispensavel para caracterisar a entidade de representante de um poder publico n'um individuo de qualquer posição social, por que é que o sr. Ferreira de Almeida perde essa qualidade quando não está no exercicio das suas funcções, e o sr. ministro continua a ser ministro, embora se não ache no exercicio das suas funcções ministeriaes? (Apoiados.)
Uma de duas: ou a contenda se suppõe travada entre o sr. ministro da corôa, Henrique de Macedo e o sr. deputado da nação, Ferreira de Almeida, e n'esse caso o governo commetteu uma violencia inqualicavel, julgando applicavel a pena capital ao acto praticado por este deputado, ou se há de suppor travada entre o primeiro tenente da armada, Ferreira de Almeida e o sr. Henrique de Macedo, lente da escola polytechnica. (Muitos apoiados.)

Em qualquer das circumstancias, qualquer que seja a hypothese que se estabeleça, fica solemnissimamente estabelecido que a lei applicavel, era a lei penal ordinaria, e que, segundo ella, a pena maxima seria a de prisão até um anno e multa correspondente, sendo portanto certo que o ultrage feito por v. exas. ás immunidades parlamentares é inaudito, inaqualificavel e felizmente até hoje nunca ingualado. (Apoiados.)

Mas há mais.

Página 542

542 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Este assumpto necessita de ser tratado largamente, para nos apercebermos da multidão de incoherencias e difficuldades produzidas pelo procedimento do governo; no caminho dos desatinos é impossível parar a meio do pendor.

Como hade o fôro naval praticar os actos necessarios para que o official da armada seja pronunciado?

Ha de consideral-o como deputado, abstrahindo da qualidade militar?

Evidentemente n'esse caso o fôro naval não é competente, porque só póde julgar individuos da classe militar. (Apoiados.)

Ha de consideral-o como militar, abstrahindo da qualidade de deputado?

Não, porque a carta constitucional, os actos addicionaes e todos os argumentos por mim adduzidos provam á evidencia que a qualidade que predomina no sr. Ferreira de Almeida é a de deputado e não a de militar. (Apoiados.)

Como ha de consideral-o então? Como militar, não abstrahindo da qualidade de deputado?

Mas v. exa. sabe, porque é muito conhecedor das praxes do fôro militar, que o despacho de pronuncia ou o termo; que lhe corresponde na legislação militar deve citar o texto ou textos de lei á face dos quaes é pronunciado o arguido.

Ora, pergunto eu, qual é a lei que ha de applicar-se no fôro naval? a ordinaria ou a militar? Nenhuma, porque a militar não póde ser applicada aos deputados, e a ordinaria não póde ser applicada no fôro militar. (Muitos apoiados.)

Provado que a qualidade que subsiste é a de deputado; provado que as circumstancias tanto para o deputado da nação como para o ministro da corôa são iguaes, que o fôro naval não póde proceder por fórma alguma e que vae lançar-se em difficuldades insoluveis na organisação d'este processo, conclúo a analyse da moção do sr. José Dias Ferreira dizendo:

1.° Que o governo não prendeu um primeiro tenente da armada, mas um deputado da nação. (Apoiados.)

2.° Que o fôro naval não póde ser applicado ao caso, porque na hypothese que se está discutindo, a qualidade que predomina é a de deputado da nação e não de official da armada. (Apoiados.)

3.° Que o incidente aeploravel de sabbado ultimo entra na categoria geral dos desforços por via de facto contra um ministro da corôa. (Apoiados.)

4.° Que por esta fórma o governo praticou uma violencia inqualificavel, vendo a possibilidade do se applicar a pena capital, quando só podia ser applicada a pena de prisão até um anno e multa correspondente. (Apoiados.)

Por ultimo, como á camara dos dignos pares não compete jurisdicção judiciaria até que o processo esteja em estado de pronuncia, deve este, á falta de fôro especial que possa conhecer do pleito, ser enviado para a justiça criminal ordinaria. (Apoiados.)

Antes de terminar, algumas palavras ainda.

Como disse, no principio do meu discurso, a situação é perfeitamente extraordinaria. Os direitos individuaes são atropellados e offendidos. O ministerio parece não querer parar no caminho de insania em que se lançou; e mal diria eu quando na sessão de 16 de abril me referi ao facto do governo ter destinado o Africa para os gatunos de Lisboa e o India para os operarios do Porto, e perguntava ao governo qual era o vaso de guerra destinado á opposição
parlamentar, mal diria eu, sr. presidente, que essa pergunta continha uma prophecia! (Apoiados.)

N'essa occasião, alguns deputados opposicionistas observaram que o vaso que o governo nos destinava era o vapor Algarve, transformado, afidalgado em canhoneira Açor.

Não saíu exacto; attendendo á nossa elevada qualidade de representantes do paiz, o barco que nos foi destinado, é o primeiro vaso de guerra da marinha portugueza. (Riso.) O vapor Algarve fica como symbolo da embarcação ministerial.
(Riso.)

Vão muito bem. Mas reparem s. exas. em que o verdadeiro timoneiro d'essa embarcação dirige o leme com uma insistencia rara para nordeste.. . (Riso. - Apoiados.)

Reparem s. exas. em que o lastro é feito de programmas da Granja, rasgados em pedaços e de Cartas calcadas aos pés. (Apoiados.)

Reparem em que a carga é formada de tabaco de Xabregas... (Riso. - Apoiados.) e o pavilhão é negro, como é proprio de um governo que, avocando a si as attribuições dos outros poderes do estado, vive do que não é seu. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio do ministerio da justiça, que acaba de chegar á mesa.

É o seguinte

Officio

Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça. - Illmo. exmo. sr. - Tendo sido communicado pelo presidente do conselho de investigação a que foi mandado responder o primeiro tenente da armada, José Bento Ferreira de Almeida, que o sr. conselheiro ministro e secretario d'estado honorario Henrique de Macedo Pereira Coutinho dera para testemunhas do facto occorrido no dia 7 do corrente, pelas seis horas da tarde, na sala das sessões d'essa camara os srs. deputados da nação João Pinto Rodrigues dos Santos, Pedro Victor da Costa Sequeira, Luiz José Dias e Antonio de Azevedo Castello Branco, solicita o referido presidente do conselho de investigação que, a instancias d'este ministerio, seja concedida pela camara, de que v. exa. é digno presidente, a necessaria licença para que os mencionados srs. deputados possam ser citados, a fim de comparecerem para deporem como testemunhas perante aquelle conselho, o qual se reunirá na sala das sessões do quartel do corpo de marinheiros no dia 14 do mez corrente, pelas dez horas da manhã.

Satisfazendo a este pedido, tenho a honra de assim o communicar a v. exa.
Deus guarde a v. exa. Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 13 de maio de 1887.- Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. = Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Foi concedida a licença.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - (O discurso será publicado na integra, quando s. exa. o restituir).

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, continuando antes da ordem do dia a discussão da proposta do sr. Dias Ferreira.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = S. Rego.

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