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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

27.ª SESSÃO

SUMMARIO. - Lida a acta, o Sr. Presidente communica ter sido procurado pelo Sr. Ministro da Inglaterra na nossa Côrte, que apresentou os seus agradecimentos á Camara e aos oradores que tomaram parte na commemoração em memoria de Eduardo VII; depois, referindo-se á perda, que a França acaba de soffrer, do navio Pluviose, que victimou alguns marinheiros e officiaes, propõe um voto de sentimento pela morte d'essas victimas do dever; e, aproveitando o ensejo de estar no uso da palavra, propõe um voto de congratulação pelas festas do centenario da Republica Argentina. Os Srs. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão) em nome, do Governo, Antonio Cabral em nome da maioria, Conde de Paçô-Vieira, em nome dos seus amigos politicos, Pereira de Lima em nome do partido regenerador, Moreira de Almeida em nome dos dissidentes, Archer e Silva em nome dos Deputados independentes, Almeida de Eça como official de armada, José Tavares em nome do partido regenerador-liberal, João de Menezes em nome dos Deputados republicanos e Pinheiro Torres pelo partido nacionalista, associam-se aos votos propostos pelo Sr. Presidente, o qual, em vista da manifestação da Camara, os considera approvados por acclamação. O Sr. Presidente communica ainda o fallecimento, occorrido durante o intervallo parlamentar, do Sr. Deputado Abilio Beca e dos antigos Deputados Srs. Conde de Macedo e Peixoto Correia, propondo votos de sentimento, proposta á qual se associam em nome do Governo o Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão), pela maioria o Sr. Antonio Cabral, pelos seus amigos políticos o Sr. Conde de Paçô-Vieira, pelo partido regenerador o Sr. Pereira de Lima, pelos dissidentes o Sr. Egas Moniz, pela minoria republicana o Sr. Affonso Costa, pelos regeneradores liberaes o Sr. José Tavares, pelos nacionalistas o Sr. Pinheiro Torres, em seu nome os Srs. Charula Pessanha e Colide de Azevedo, e pelos Deputados independentes o Sr. Fernando de Vasconcellos. - É lido o expediente. - Os Srs. Egas Moniz, Visconde de Coruche, Sergio de Castro e Visconde de Villa Moura requerem documentos. - O Sr. Feio Terenas manda para a mesa uma pergunta ao Sr. Ministro da Fazenda ácerca do Montepio Official. - O Sr. Motta Veiga apresenta um projecto de lei, criando um imposto especial sobre todas as mercadorias não isentas, que transitarem pelas delegações aduaneiras e seus respectivos postos fiscaes estabelecidos no districto de Faro. Fica para segunda leitura.

Na ordem do dia (declarações do Sr. Presidente do Conselho relativas á recomposição ministerial) usa da palavra o Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão). - O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Júnior) lê e manda para a mesa dez propostas de lei, que são admittidas e enviadas ás commissões de administração publica, de legislação civil e de fazenda. Consultada a Camara, é approvado que sobre as declarações relativas á recomposição ministerial se abra inscrição especial, usando da palavra os Srs. Pereira de Lima, Presidente do. Conselho de Ministros (Veiga Beirão), Egas Moniz e o Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Júnior). Tendo-se levantado tumulto, é interrompida a sessão e reaberta decorrida meia hora, continuando no uso da palavra este ultimo orador, que não conclue, em razão de novo tumulto que se levanta e sobre o qual é encerrada a sessão.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Conde de Penha Garcia

Secretarios - os Exmos. Srs.

João José Sinel de Gordos
Visconde de Villa Moura

Primeira chamada: - As 2 horas e meia da tarde.

Presentes: - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - As 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 78 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Pinheiro Torres, Alfredo Carlos Le Cocq, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio de Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Pereira do Valle, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Christiano José de Senna Barcellos, Conde da Arrochella, Conde de Azevedo, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ra vasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Henrique de Mello Archer e Silva, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Neto, João José Sinel de Cordes, João Soares Branco, João de Sousa Tavares, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, José Antonio da Rocha Lousa, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Bento da Rocha e Mello José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis da Gama, Manuel Antonio Moreira Junior, Mariano José da Silva Prezado, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alvaro Augusto Froes Possolio de Sousa, Anselmo Augusto Vieira, Antonio José de Almeida, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Ribeiro, Conde Castro e Solla, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Carlos de Mello Barreto, João Henrique Ulrich, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Heliodoro da Veiga, Jorge Vieira, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria de Queiroz Vellosd, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Telles de Vasconcellos, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso Pequito, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Braga, Alfredo Pereira, Antonio Centeno, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Mangualde, Eduardo Burnay, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Xavier Correia Mendes, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Ignacio de Araujo Lima, João Pereira de Magalhães, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Pedro Martins, José Caetano Rebello, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Paulo Monteiro Cancella, Luis Filippe de Castro (D.), Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Thomás de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 27 DE 6 DE JUNHO DE 1910 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta. - Approvada.

O Sr. Presidente: - Tenho a communicar á Camara que, ao encerrar-se a ultima sessão, fui procurado pelo Sr. Ministro da Inglaterra, que me pediu para expressar á Camara e a cada um dos Srs. Deputados que tomaram parte na commemoração do passamento do Rei Eduardo VII a significação do seu agradecimento.

Igualmente tenho que communicar á Camara que, tendo a França passado recentemente por um grande desastre, a perda do submarino Pluviose, no qual foram victimados numero marinheiros e officiaes, esse facto, que enlutou a armada francesa, foi repercutido, como era natural, em todo o mundo, dando-se um movimento de enternecido sentimento por essas corajosas victimas das necessidades da guerra moderna.

Parece-me, pois, que naturalmente interpreto os sentimentos da Camara propondo que seja enviado á Camara Francesa o nosso sentimento por essa perda. (Apoiados).

Aproveito o ensejo d'esta communicação á Camara para lhe lembrar o que naturalmente está no espirito de toda ella: que nos associemos ás festas que a Republica Argentina realiza, para festejar a sua independencia.

É um país que por muitos titulos se impõe á consideração do mundo. Tem elle sabido, por uma sensata orientação e administração, onde ha muito que aprender, tem sabido dizia, eu, collocar-se em situação de, sendo relativamente um país moderno, servir, em mais de um assunto, de modelo aos velhos países da Europa.

Comprehendem V. Exas. o que significará, para esse pais, a celebração do centenario da sua independencia.

Associando-nos, pois, á alegria que neste momento todos os argentinos sentem, e dirigindo a nossa saudação ao Congresso Argentino, creio que teremos cumprido o nosso dever e feito uma manifestação, que será muito sensivel a esse país amigo. (Apoiados geraes).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Pedi a palavra para me associar, em nome do Governo, ao acto que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor, como manifestação de sentimento pelo desgraçado acontecimento que vem de enlutar a França. E igualmente o Governo se associa á manifestação que se vae prestar á Republica Argentina, pela celebração que, neste momento, ella está fazendo, da sua independencia.

O Sr. Antonio Cabral: - Em nome. da maioria progressista, associo-me.ao voto de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor.

A marinha de guerra francesa tem sido experimentada por um sem numero de desastres, dos quaes o ultimo foi é que succedeu ao submarino Pluvioae, no mar da Mancha.

Ainda ha poucos annos, outro submarino, Farjadet foi a pique, perecendo a tripulação, Depois d'esse, outro submarino foi tambem a pique, morrendo a tripulação. Alem d'isso, um navio de guerra, d'aquella nação nossa amiga, foi victima de um naufragio, occasionando perda de vidas.

Portanto, em nome da maioria progressista, associo-me ao voto de sentimento, que V. Exa. propôs pelo acontecimento de que foi victima a marinha de guerra francesa.

Tambem me associo ao voto, que V. Exa. acaba de propor, de congratulação com a Republica Argentina, pelo seu centenario.

Gostosamente o parlamento português se deve associar a esse voto, por isso que todas as razões o justificam.

A Republica Argentina, merece, por todos os motivos, o respeito e a consideração de Portugal e, portanto, do Parlamento Português.

Associo-me, pois, em nome da maioria progressista, ao voto por V Exa. proposto. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Paço Vieira: - Em meu nome e no dos meus amigos politicos, associo-me aos votos por V. Exa., Sr. Presidente, propostos.

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: em nome do partido regenerador, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pela perda infausta dos heroicos marinheiros franceses, tripulantes do submarino Pluviose.

Já quando foi da perda dos marinheiros que tripulavam o barco Lutin, tive a honra de ser o primeiro a propor o voto de condolencia á nação enlutada por tão formidavel catastrophe.

A catastrophe do Pluviose deu-nos a prova, mais uma vez, do quanto são arriscados aquelles inventos scientificos.

Todos nós devemos respeito aquelles que heroicamente sacrificam as suas vidas não só pela sua pátria, mas em prol da sciencia.

Associo-me portanto, em nome do partido regenerador, sentida e commovidamente, ao voto de condolencia proposto por V. Exa.

Com relação ao voto de congratulação pelos festejos do centenario da independencia da Republica Argentina, tambem o partido regenerador se associa gostosa e devidamente, pela minha humilde pessoa, porque todos nós devemos não só admirar e respeitar todas aquellas nações que se elevam a um grande nivel, mas todas as nações que se desenvolvem com uma economia social de tal maneira ampla, como a Republica Argentina, remodelando as finanças e desenvolvendo o fomento agricola, demonstrando assim o quanto pode a actividade e a energia de uma raça.

Não basta só citar como exemplo os altos progressos da raça anglo-saxonica, ou dos Estados Unidos da America, porque o Brasil e a Republica Argentina estão demonstrando que a hegemonia da raça é digna da familia latina.

Por isso congratulo-me immensamente com as prosperidades dessa nação, nossa irmã pelos laços ethnicos e pelos exemplos que nos póde dar.

(O orador não reviu).

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: em nome da minoria dissidente, venho trazer o nosso voto á manifestação de sentimento d'esta casa do Parlamento pela perda dos marinheiros do submarino francês Pluviose.

Esses marinheiros Froubados assim abruptamente á vida, foram martyres da sciencia e da patria. Por este duplo motivo devemos honrar-lhes a memoria com todo a nossa piedade, tanto méis viva quanto e certo que todos os partidos em Portugal teem pela França, nação amiga e sincera, o maior respeito e consideração, pelas amigaveis relações que nos unem áquella nação.

Tambem em nome da minoria dissidente me associo em alegria e enthusiasmo á homenagem prestada á Republica Argentina, nação prospera e florescente, que dia a dia vae affirmando altas qualidades ;de trabalho e que, mercê do seu grande esforço, será digna de figurar entre as grandes potencias do mundo.

A Republica Argentina merece a sympathia e apreço de todas as nações, e é com viva alegria e com o maior prazer que, por parte do partido a que tenho a honra

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de pertencer, me associo ao voto de, congratulação que V. Exa. dirigiu a esse grande povo. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Archer da Silva: - Sr. Presidente : em nome dos Deputados independentes de que faço parte, permitta-se-me que me associe ao voto de congratulação que V. Exa. propôs pelo centenario da independencia da Republica Argentina.

A Camara dos Deputados, associando-se aos festejos da Republica Argentina, presta rendida homenagem a essa nação, que tanto esforço tem despendido para occupar um distincto logar entre os primeiros países.

A Argentina é hoje um dos países mais florescentes e bom seria que os nossos homens publicos n'ella aprendessem alguma cousa do muito que ella lhes podia ensinar. E portanto com o maior prazer que me associo á commemoração por V. Exa. proposta, fazendo votos ao mesmo tempo para que aquellas nuvens que por vezes apparecem no horizonte d'aquella Republica desappareçam por completo e que a breve trecho a sua ligação com o Brasil seja uma verdadeira entente cordeale.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Almeida d'Eça: - Sr. Presidente: dois episodios verdadeiramente sensacionaes se deram com o caso da perda do submarino francês.

Segundo contam os jornaes, o exercicio desse dia estava findo, mas o seu commandante, ha pouco nomeado, quis mostrar alguma cousa mais do que tinha feito e demorou-se mais do que o tempo razoavel debaixo de agua, e porque se demorou ficou no fundo, do mar. Outro episodio e notavel coincidencia foi que o vapor que metteu no fundo o submarino costumava atrasar a sua marcha, e só n'aquelle dia, de luto para a marinha francesa, andava a hora certa. Como desses circunstancias meramente fortuitas resultou uma horrorosa desgraça!

A camara manifestou já o seu sentimento perante tão grande desgraça e eu, como marinheiro já retirado ha muito do serviço, mas amando ainda a marinha, não podia deixar de em meu nome, e sem nome dos Deputados que represento, exprimir quanto aquella perda foi sensivel para nós, e quanto deve affligir todos aquelles que se interessam pelos serviços navaes.

(O orador não reviu).

O Sr. José Tavares: - Sr. Presidente: Em nome do partido regenerador liberal associo-me, não só aos votos de sentimento por V. Exa. propostos pelo desastre ultimamente occorrido na marinha de guerra francesa, mas também, e com o maior enthusiasmo, ás saudações que V. Exa. fez em homenagem á Republica Argentina pelas festas do seu centenario.

O Sr. João de Menezes: - Os Deputados republicanos associam-se ás propostas da Presidencia desta Camara.

O Sr. Pinheiro Torres: - É só para dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que, fazendo minhas as justissimas palavras que V. Exa. dirigiu ás Republicas Francesa e Argentina, que tanta sympathia merecem, me associo aos votos por V. Exa. propostos.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, considero approvadas por acclamação as minhas propostas.

Agora, cabe-me communicar á Camara que, durante o intervallo parlamentar, falleceram tres nossos collogas: dois antigos Deputados, e um membro d'esta Camara.

O primeiro a que me referi é Abilio Beça.

A sua memoria está presente no espirito de todos nós.

Abilio Beça tinha, pelas qualidades do seu caracter e pela delicadeza do seu trato, em cada um de nós um amigo.

As circunstancias verdadeiramente dolorosas, desastrosas, que revestiram a sua morte causaram em todos nós profundo abalo. Por mim avalio o que em V. Exas. se passou.

Lembro-me de que no dia em que tive conhecimento do desastre encontrei o nosso collega o Sr. Charula, que me disse que ia assistir ao funeral, e que se encontrava em estado de verdadeira consternação. Encarreguei-o então de representar esta Camara no funeral, ao que S. Exa. muito gentilmente se prestou.

Julguei tambem interpretrar os sentimentos da Camara, dirigindo um telegramma de condolencias á viuva. (Apoiados).

Interpretando ainda os sentimentos da Camara, proponho que na acta desta sessão se lance um voto de sentimento pela perda d'este nosso collega.

Os dois antigos Deputados foram: o Conde de Macedo, figura de alto relevo no país, quer na sciencia, quer na politica; era sufficientemente conhecido para que eu necessite pôr em destaque a sua figura, que foi primacial; e o Sr. Peixoto Correia, de quem toda a Camara com certeza se lembra, porque ainda ha pouco foi nosso collega; era um advogado notavel, um homem de bem ás direitas, que deixou amigos em todos que o conheciam.

Proponho que pelo fallecimento de ambos se lance um voto de sentimento na acta da sessão e se façam as devidas communicações.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - E para me associar, em nome do Governo, ao voto de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor pelo fallecimento de tres antigos membros d'esta Camara, o Sr. Abilio Beça, o Sr. Peixoto Correia e o Sr. Conde de Macedo.

Não me demorarei a fazer o elogio de cada um d'elles, porque V. Exa. já lhes prestou a devida homenagem.

O Sr. Antonio Cabral: - Em nome da maioria progressista, associo-me aos votos de sentimento que V. Exa., Sr. Presidente, acaba de propor pelo fallecimento de collegas nossos, que desappareceram no intervallo parlamentar.

Abilio Beça ainda ha poucos dias se assentava aqui, no meio de nós, e era estimado e respeitado por todos, não só pela affabilidade do seu trato, como pela inteireza do seu caracter.

Tive a honra de conhecer Abilio Beça e desde então me habituei a apreciar as suas altas qualidades. Se porventura o Conselheiro Abilio Beça não tomava nos trabalhos parlamentares aquella parte quedo seu talento havia a esperar, nem por isso elle deixava de intervir nesses debates com as luzes do seu merecimento (Apoiados), quer trabalhando em commissões, quer procurando melhoramentos para o seu districto.

Muitas vezes se assinalou como representante da nação, e é para lastimar que aquelle melhoramento, o caminho de ferro de Bragança, pelo qual elle tanto trabalhou, fosse justamente esse que lhe deu a morte tão desastrosa.

Portanto, associo-me commovido ao voto de sentimento que V. Exa acaba de propor á Camara pela perda desse nosso collega.

Ainda poucos dias antes do adiamento dos nossos trabalhos vim para a Camara em companhia de Abilio Beça e mal pensava eu que poucos dias depois tivéssemos de prantear a sua morte.

Sr. Presidente: não proponho á Camara que se encerrem os trabalhos parlamentares por hoje para que não se

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diga que a maioria progressista pretende protelar a discussão, mas, se porventura alguem propuser que a sessão se encerre em sinal de sentimento pelo fallecimento d'esse nosso illustre collega, desde já declaro que a maioria progressista gostosamente votará essa proposta.

Associo-me tambem ao voto de sentimento que V. Exa. propôs pelo fallecimento do Conde de Macedo.

Tive a honra de o conhecer pessoalmente. Era encantador no seu trato (Apoiados), distincto nas suas maneiras. O país deve-lhe relevantissimos serviços, não só como Ministro, mas tambem como nosso representante na Corte de Madrid, onde desempenhou, com aquella distincção que lhe era peculiar, as funcções d'esse alto cargo.

O Sr. Conde de Macedo pertenceu ao partido progressista, no qual foi uma figura de relevo. Geriu a pasta da Marinha numa epoca difficil e numa occasião das mais accidentadas.

Foi victima de ataques violentos na imprensa, que lhe foram dirigidos por quem realmente não lhos devia fazer, mas o Conde de Macedo soube com a altivez do seu caracter passar incolume através de todos os ataques.

Ainda bem que hoje se lhe faz justiça e que ao caracter do illutsre extincto se dirigem as palavras que lhe são devidas e a todos os que servem o seu país.

Associo-me tambem ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo fallecimento de Peixoto Correia. Tive a honra de ser collega de Peixoto Correia nesta casa do Parlamento, onde elle entrou em varias discussões, sempre com a sua palavra facil e a sua educação, que era distincta.

Era advogado notavel em Cezimbra, onde residia, tendo por sua morte o commercio fechado as suas portas como prova de sentimento.

Era um bom cidadão estimado por todos, e eu tive a honra de ser seu amigo.

Associo-me, pois, em nome do partido progressista ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Paçô-Vieira: - Sr. Presidente associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. propôs pela morte do Conde de Macedo.

O Sr. Conde de Macedo, como professor, como politico, e como diplomata, foi um constante trabalhador, deixando o seu nome ligado a obras de alto valor. Desempenhou tambem com distincção diversas commissões.

Por todos estes motivos lamento sinceramente a sua morte.

O illustre extincto prestou importantes serviços ao partido progressista, como muito bem disse o illustre leader da maioria.

Com relação a Peixoto Correia, fui collega do illustre morto, que era advogado distincto e com quem mantive as melhores relações, associando-me portanto ao voto de sentimento pela sua morte.

Associo-me tambem ao voto de sentimento pela morte de Abilio Beça, de quem fui amigo, tendo tido occasião de apreciar as suas altas qualidades.

Amava muito a sua terra, que lhe deve bastantes serviços.

Era um espirito de eleição, um bom caracter, e portanto, não só eu, como toda a Camara decerto, lamentamos a sua morte.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira de Lima: - Sr. Presidente: em nome da minoria regeneradora, associo-me aos votos de condolencia pelo fallecimento do antigo Deputado, e ultimamente Par do Reino, o Sr. Conde de Macedo, do antigo Deputado o Sr. Peixoto Correia, e do Deputado em exercicio o Sr. Conselheiro Abilio Beça.

Sr. Presidente: não sou muito dado a elogios funebres nesta casa. Que me recorde é esta a quarta vez que falo sobre tal assunto.

A primeira oração que fiz nesta Camara sobre semelhante assunto foi pela perda do grande jornalista Emygdio Navarro.

Agora, ainda mesmo que não tivesse de representar a minoria regeneradora, decerto pediria a palavra para com frases modestas e desalinhavadas commemorar o passamento de um amigo dos saudosos tempos de Coimbra.

Quando frequentava o terceiro anno de direito, para ganhar laboriosamente a minha vida e poder prover a minha formatura, tive de leccionar. Era professor de geographia e historia e foi meu discipulo o Sr. Madureira Beça. A diiferença entre o professor e o discipulo era de dois ou tres annos. Não ha via. portanto nem mestre nem discipulo; eram dois estudantes.

O Sr. Madureira Beça já nesse tempo apresentava o Caracter tão bondoso e de tal maneira altivo que desenhava a silhouette que havia deter na nossa vida social, onde tantas sympathias conquistou.

Madureira Beça não foi, é certo, um orador moderno, mas foi um cumpridor dos seus deveres, e quando talava pugnava pelos interesses da patria.

Merecia-lhe attenção tudo quanto importava ao movimento económico da sua provincia de Trás os Montes.

Ininterruptamente, com uma persistencia que não parecia muito moldada ao seu modo de ser plácido e trio, poude conseguir da inercia de alguns dos Ministros que teem presidido ao Governo do país arrancar pouco a pouco a concessão e depois a exploração do caminho de ferro, eme era para elle o ideal, na sua villa natal. Bem via elle a grande importancia que teria, para uma provincia que tinha sido até então abandonada de melhoramentos uteis, a abertura duma linha ferrea que a pusesse em communicação rápida com o resto do pais, e com a qual a riqueza daquella admiravel provincia viria a ter um devéloppement para os mercados externos.

S. Exa. trabalhou para que esse caminho de ferro fosse uma realidade; tanto que dispôs de parte dos seus haveres, ao mesmo tempo que solicitava dos seus amigos que concorressem tambem com dinheiro para as empreitadas, visto que as obras eram dispendiosas, e os orçamentos inferiores ao que ellas custavam.

Todos estes sacrificios realizou, para que o caminho de ferro chegasse até ali. E foi nesse caminho de ferro que, como muito bem disse o Sr. António Cabral, elle encontrou o seu tumulo.

Foi nesse caminho de ferro que, por um desastre que todos lamentamos, morreu o homem que, sem subserviencia a nenhuma entidade, soube collocar-se altamente, sem louvaminhas para ninguém, mas simplesmente com a sua vida acertada e regrada, com uma vida em que. a modéstia transparecia por todos os poros, foi assim que pode chegar a conquistar o logar de chefe politico do seu partido, na provincia; que póde chegar a governador civil, Deputado, professor do lyceu e advogado distinctissnno, pois era o primeiro advogado daquella comarca.
Esse homem era um emerito trabalhador, merecendo o respeito e affecto de todos os seus concidadãos.

O Dr. Abilio Beça, perante os seus amigos, perante mesmo aquelles que não foram seus amigos, mas que o conheceram como uma creatura digna, ha de ser lembrado por todos os que, em vida, o admiraram como sendo o verdadeiro prototypo da honradez e da modestia.

A Camara perdoa-me, certamente, neste momento, em que eu, em nome do meu partido e no meu, tive de dizer duas frases talvez um pouco mais longas do que devesse ser nesta casa, visto que nem é logar para producções academicas, em momentos como este.

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOBES DEPUTADOS

Por parte da minoria regeneradora, pois, apresento sinceros sentimentos pela perda de tão distincto correligionario, conservando da sua memoria tudo quanto pode haver de maior sympathia pelo extincto.

Não propomos o levantamento da sessão por dois motivos.

Em primeiro logar, porque, se foi. praxe desta casa, essa praxe quebrou-se, quando foi do fallecimento de dois Deputados que pertenceram á actual sessão legislativa: os Srs. Mendes Pereira e Penalva de Alva.

A praxe, portanto, tem uma solução de continuidade.

Em segundo logar, porque nesta altura da sessão, com adiamentos periodicos e comtudo o mais que se tem passado, representaria um crime, já não digo de lesa-patria, quando tanto trabalho util se tem perdido, mas seria um crime, se se levantasse a sessão.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

O Sr. Egas Moniz: - Pedi a palavra, Sr. Presidente para em nome da dissidencia progressista prestar homenagem á memoria de alguns illustres membros desta Camara.

São elles, se bem me recordo, Peixoto Correia, Conde de Macedo e Abilio Beça. Permitta-me. V. Exa. que eu, por uma circunstancia especial, destaque o nome deste ultimo. Nosso companheiro de ha pouco, succumbiu essas trosamente aquelle que foi um grande amigo que sempre estimei e apreciei e, ao mesmo tempo, Deputado pelo districto de Bragança, que eu tambem tenho a honra de representar n'esta casa do Parlamento.

Uma profunda saudade me deixou a morte tragica d'esse querido companheiro, e por isso, Sr. Presidente, é com o mais profundo sentimento que lhe presto homenagem.

Ha ainda outro nome que eu desejo destacar: é o de Peixoto Correia.

Era meu adversario politico. Eu estou na extrema esquerda radical da monarchia e elle militava na extrema completamente opposta á minha. Elle pertencia ao partido nacionalista e as nossas ideias divergiam muito.

Pois, Sr. Presidente, nem mesmo essa divergencia de ideias impediu que nós fossemos amigos dedicados.

Foi meu companheiro nos tempos impetuosos da minha mocidade e por isso é tambem com a mais profunda saudade que me associo ao voto desentimento que V. Exa. propôs.

(O orador não reviu).

O S. Affonso Costa: - Associo-me, Sr. Presidente, em nome da minorja republicana, ao voto de sentimento por V. Exa. proposto, pela morte de varios collegas nossos.

Entre elles destaco Abilio Beça, nosso collega de ha pouco e já meu collega na Camara de 1900.

Posso dizê-lo desassombradamente e, em toda a extensão da palavra, que foi um grande homem de bem.

Na advocacia foi elle um nobre representante da sua classe. E, numa recente visita que fiz a Bragança, tive occasiao de ver quanto Abilio Beça era estimado por toda a população, desde os mais humildes aos mais elevados. Todos lhe prestavam a sua homenagem.

Em meu nome pessoal, pois, e em nome da minoria republicana representada nesta casa, associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. propôs.

(O orador não reviu).

O Sr. José Tavares: - Sr. Presidente: é com o mais profundo sentimento que me associo ao voto de sentimento por V. Exa. proposto pela morte dos nossos collegas Peixoto Correia, Conde de Macedo e Abilio Beça.

Embora eu não mantivesse com este ultimo relações pessoaes de intima amizade, posso no entanto dizer, de consciencia livre, que a minoria regeneradora perdeu nelle una dos mais grandiosos elementos que constituiam o seu partido, o que sinto com pesar.

Tambem declaro que me associo a todas as palavras dos nossos collegas, e especialmente ás do Sr. Pereira de Lima, que foram dirigidas á memoria do Sr. Abilio Beça.

(O orador não reviu).

O Sr. Pinheiro Torres: - Tambem, em nome do partido que tenho a honra de representar n'esta casa, desejo associar-me ao voto de sentimento que V. Exa. propôs pelo fallecimento do Conselheiro Abilio Beca, victima de uma desgraça que a todos emocionou, e nomeadamente aquelles que de perto tiveram occasião de apreciar os primores de caracter e espirito que n'elle havia.

Não é sem uma grande amargura, creia V. Exa., que eu lamento a perda do grande collega, eminente, honrado e intelligente companheiro de trabalhos, que nunca esqueceu.

Essa tremenda desgraça enlutou a sua considerada familia, e enlutou a cidade de Bragança que o apreciava e estremecia como aquelles que elle representava com affecto e interesse.

Era uma boa alma que não se pode ver perdida sem grande amargura, e, visto que de boas almas se trata, deixe-me V. Exa. que eu destaque tambem e patenteie o meu profundo sentimento pela morte do meu querido e eminente correligionario Sr. Peixoto Correia, que ha poucos dias ainda expirou na sua amada Cezimbra.

As lagrimas com que os povos de Cezimbra cercaram o seu athaude, mostram evidentemente, a mais profunda das consagrações.

Associo-me ainda ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo fallecimento do grande parlamentar e homem de Estado, Conde de, Macedo, que tão brilhantemente representou Portugal na conferencia de Haya em 1899.

Disse.

(O orador não reviu).

O Sr. Charulla Pessanha: - Pedi a palavra para tambem me associar aos votos de sentimento propostos pelo Sr. Presidente, e acompanhar de um modo generico todas as sentidas commemorações feitas por um e outro lado da Camara.

Seja-me concedido destacar o meu velho amigo e illustre conterraneo o Sr. Abilio Beça.

Mal iria á minha consciencia de bom amigo e aos meus sentimentos de fraternidade, se, tratando-se de um velho amigo, de um companheiro devotado das lides partidarias e um propugnador incansavel das regalias da sua terra, não testemunhasse por uma forma inequivoca e publica a grande magna que me fez o seu tragico passamento.

E foi n'esta, orientação, e dominado por esta ordem de ideias, que uie determinei a usar da palavra n'esta tristissima hora de justiça em que mais uma vez relembrei a tragedia emocionante que victimou tão infeliz como benemerito cidadão.

(O orador não reviu).

O Sr. Conde de Azevedo: - Pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento em homenagem aos illustres Deputados que falleceram.

A minha homenagem não é politica. Em nome do partido progressista já falou o meu amigo e illustre leader o Sr. Conselheiro Antonio Cabral. Apenas desejo dizer que me foi particularmente sensivel o desapparecimento do meu collega Conselheiro Madureira Beça. A noticia da sua morte, por desastre tão lamentavel, surprehendeu-me, tanto mais que o abraçara no Porto ao tomar o comboio correio para o Douro. Alem da admiração que me despertavam as suas qualidades de homem e de politico, honrava-me com

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a sua amizade, e senti o seu passamento ainda porque o Conselheiro Madureira Beça era um collaborador da obra do repovoamento dos rios na provincia a que pertencia.

Por tudo isto, presto tambem homenagem de saudade ao illustre morto.

(O orador não reviu).

O sr. Fernando de Vasconcellos: - Em nome dos Deputados independentes, a que me acho ligado, e em meu nome, associo-me ao voto de sentimento pela morte dos Srs. Dr. Abilio Beça, nosso companheiro de trabalho, Peixoto Correia e Conde de Macedo; este ultimo professor notabilissimo, Deputado e illustre diplomata.

O Conde de Macedo, nomeado, por concurso, lente substituto de mathematica, honrou a Escola, de que foi brilhante ornamento, ao lado de professores como José Estevão, Antonio de Serpa Pimentel, Antonio Augusto de Aguiar, Barbosa du Bocage, Marianno de Carvalho, Motta Pegado e outros, que marcaram uma epoca extraordinaria no nosso ensino superior.

Filiado no partido progressista, Deputado em varias legislaturas e Par do Reino, em breve conquistou, pelos seus incontestaveis serviços, uma situação primacial no seu partido, que o elevou aos Conselhos da Coroa. Mais tarde, afastando-se da politica, o Conde de Macedo dedicou-se á diplomacia. Nesse campo foi notavel como Ministro em Madrid, onde honrou sobremaneira o nosso país.

Já então, a doença que o afastara da vida publica não deixava gozar um descanso bem merecido a quem soube honrar o país a que pertencia.

A memoria, pois, do Conde de Macedo e dos membros da Camara, fallecidos no interregno parlamentar, presto a .homenagem do meu respeito e saudade.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara parece-me que posso considerar approvado o voto de sentimento, communicando esse voto ás respectivas familias. (Apoiados geraes).

Vae ler-se o expediente.

Lê-se na mesa.

O Sr. Presidente: - Faltam apenas tres minutos para se entrar na ordem do dia. Portanto, os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa queiram faze-lo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Durante o periodo em que as Côrtes estiveram adiadas deram-se, na Companhia Geral do Credito Predial, as occorrencias que são hoje de notoriedade publica.

O Sr. Conselheiro Arthur Montenegro entendeu que, por ter pertencido aos corpos gerentes d'aquella companhia, na qualidade de supplente ao conselho de administração, devia ter melindres em continuar a exercer o cargo de Ministro da Justiça.

Nessas circunstancias, S. Exa. pediu e obteve a exoneração do cargo, que tão distinctamente exerceu, e Sua Majestade El-Rei houve por bem encarregar-me da gerencia da pasta que S. Exa. deixara vaga.

Era esta communicação que eu queria fazer á Camara, dando as razões que levaram o Sr. Conselheiro Montenegro á saida dos Conselhos da Coroa.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Mando para a mesa algumas propostas sobre fomento agricola.

Constam ellas do seguinte:

(Leu).

O Sr. Pereira Lima: - Peço a palavra para um requerimento.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Pereira Lima para um requerimento.

O Sr. Pereira Lima: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, sobre as declarações do Sr. Presidente do Conselho relativas á recomposição ministerial, se abra inscrição especial, e se prosiga na discussão do dito incidente, como materia de ordem. = J. M. Pereira de Lima.

Consultada a Camara, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Em vista da resolução da Camara vou abrir uma inscrição especial. Varios Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sr. Pereira Lima: - Sr. Presidente: a Camara ouviu a lacónica declaração do Sr. Presidente do Conselho sobre a resolução que entendeu dever dar, e deu, á crise ministerial levantada pelo pedido de demissão do Sr. Conselheiro Montenegro.

Nós d'este lado da Camara julgavamos que o Sr. Beirão, o antigo tribuno que sempre aqui pugnou pelas praxes parlamentares, o antigo purista do constitucionalismo, o antigo Catão que verberava com frases de grande eloquencia, com as palavras mais acerbas, aquelles que não cumpriam o seu dever em face d'aquillo que se chamam as praxes constitucionaes, não daria aqui o triste exemplo e não faria a triste representação de ligar tão pouca importancia á Camara e ao Parlamento, (Apoiados), já depois da primeira vez em que aqui se apresentou e em que não quis explicar a maneira como se formou o seu Ministerio e a maneira como se resolveu a crise anterior que deu logar a esse Ministerio.

Agora, de uma maneira lacónica de spartano, em que revela tão pouca consideração para aquelles que o atacam, S. Exa. vem dizer cruamente que o Sr. Conselheiro Montenegro saiu porque entendia que estava incompativel, pelo logar que occupava na Companhia de Credito Predial, com a situação a que S. Exa. preside.

Quem começa, portanto, a levantar aqui a questão do Credito Predial é o Sr. Presidente do Conselho (Apoiados) com esta simples, nua e crua declaração, sem ter por esta Camara o respeito devido para explicar os motivos por que o Sr. Montenegro entendeu que havia incompatibilidade entre o logar no Banco do Credito Predial e o logar de Ministro. (Apoiados).

Lei de incompatibilidades, não a temos. (Apoiados).

Qual a incompatibilidade em que se fundou S. Exa. para apresentar o seu pedido de demissão?

Só incompatibilidades de ordem moral, que são de tal maneira fortes que é necessario que o Sr. Presidente do Conselho tenha a hombridade de vir á Camara dar as explicações que deve dar. (Apoiados).

O Sr. Beirão mudou completam ente de processos e de theorias e para mim o Sr. Presidente do Conselho já não é o antigo Sr. Beirão. Deu-se em S. Exa. um phenomeno especial.

Deu-se esse phenomeno que o grande espirito de Theophilo Gautier consubstanciou nas paginas de uma bella obra, mostrando que um individuo pode transfundir-se para outro, fazendo uma metamorphose em vida.

O Sr. Beirão já não é o antigo Sr. Beirão.

E uma sombra do seu espirito, que fez d'elle, do antigo defensor das praxes parlamentares, como que um homem,

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que se encosta a uma parede, diz duas frases, dizendo aqui está o que posso dizer.

Onde está o antigo orador que d'este lado da Camara queria que lhe dessem todas as explicações que entendia que lhe deviam dar? (Apoiados).

S. Exa. nem depois de um adiamento, que nem sequer explica, que dizia sempre a todos que os Ministros não deviam nunca Usar desse meio, que tinham obrigação de responder pelos seus actos sem se encostarem ao subterfugio do adiamento, S. Ex.a, repito, depois de ter usado do segundo adiamento e de ter feitouma recomposição num estado de espirito tão inquieto, vem aqui laconicamente dizer: isto foi feito.

São estas as explicações que S. Exa. tinha que dar?

Porque adiou o Sr. Veiga Beirão as Camaras?

Foi para cobrir com a retirada daquellas cadeiras a questão Hinton, ou para comprometter as instituições, que S. Exa. diz defender?

Então o Governo desertou e não teve sequer a coragem de, pela voz aliás eloquente e erudita do Sr. Presidente do Conselho, vir para aqui discutir, salvando a meudo a honra, porque .quando se fica vencido, mas a honra se salva, a derrota vale tanto como a victoria?!

Então, por se ter dito que havia documentos que atacavam as instituições, os Ministros desertaram?

São estas as ideias liberaes do Sr. Presidente do Conselho?

São estas as reformas liberaes que S. Exa. defendia nos tempos em que usava a gravatinha encarnada, alcançando quasi as ideias socialistas?

Sr. Presidente, desejaria muito e desejo, no campo pessoal, ser agradavel ao Sr. Veiga Beirão, mas aqui não se trata do Sr. Beirão, que já não existe.

Quando o país atravessa uma crise económica e financeira para a qual ainda não vi sair das bancadas do Governo qualquer remédio, que o possa salvar, quando o país atravessa uma tão grande crise, cria-se ainda á ultima hora, no nosso horizonte politico, uma verdadeira crise moral.

Essa crise moral deve-se, principalmente, á teimosia do Sr. Presidente do Conselho, que, perfeitamente adstricto ao poder, agarrado com tenacidade á sua manutenção nos Conselhos da Coroa, não sabe comprehender que os momentos de agitações politicas da sua lavra, forma e feitio já passaram, e que, necessariamente, S. Exa., que tem, ou devia ter, aquelles momentos lucidos do antigo Conselheiro Veiga Beirão, devia ver que não podia continuar por mais tempo no poder e que devia ter seguido o caminho que indicou ao Sr. Montenegro.

Pois, então, o Sr. conselheiro Montenegro, entendendo que havia motivos sufficientes para a sua não conservação nos Conselhos da Coroa, julgou dever sair, e esse procedimento não se estendeu- a todo o Governo que devia ter a solidariedade ministerial, que não é só material e perfeitamente juridica, mas, tambem, moral?!

Sr. Presidente: eu fico-me perfeitamente com a minha maneira de falar, e estou acostumado a falar só por mim, com responsabilidades pessoaes e com aquellas que de mo mento me possam advir.

Como, n'esta occasião, por motivos de doença, tenho de substituir mal e muito mal o illustre leader regenerador, o qual, com a sua palavra eloquente, deveria melhor representar o meu partido n'esta occasião, cumpre-me, em grande parte, o dever, como já tem acontecido algumas vezes, de dizer alguma cousa.

O Sr. Conselheiro Veiga Beirão apresenta no seu activo ministerial, alem dos adiamentos e de uma crise injustificada, porque só se justificava a queda do Gabinete (Apoiados), o dizer-se e desdizer-se &obre a questão politica.

O maior dos boatos inventados era o de uma hypothe-tica intervenção que se não deu, e o vir aqui entre nós protestar, não em nome dos interesses da Madeira, mas em prol de um negociante, o vir aqui dizer que não que na o inquerito, para, por ultimo, ser acceite pela hombridade do Sr. Ministro das Obras Publicas e, por fim, pelo Governo. (Apoiados).

Ora, sobre este activo, que eu chamo activo para não chamar passivo, e que denominarei activo negativo, S. Exa. entendeu que era sufficiente para cimentar a columna em que estadeia o poder.

O Sr. Veiga Beirão, alem de académico e jurisconsulto, era tambem um literato, e quando atacava fazia sempre bonita literatura, literatura parlamentar, e de tal maneira, que nós ficavamos sempre em duvida se seria o académico que estava falando ou se seria o parlamentar.

Mas, a par disso, tinha tia sua argumentação os ditos mais acerados, as ironias mais acerbas e os argumentos mais contundentes, usando sempre de luvas.

S. Exa., com a sua alta eloquencia de rhetorico, verberava em certo momento o Governo que então estava no poder e de tal forma o fez, taes ironias empregou no seu discurso, taes cousas disse contra o Gabinete, que eu vou ler uma parte desse discurso, para conhecimento da Camara.

O que então o Sr. Veiga Beirão disse é bem cabido no momento actual, e eu, no meu ataque ao Governo, não tenho mais do que reproduzi-lo.

Vae a Camara ver:

(Leu).

Não pode ser melhor. É o proprio Sr. Beirão que a si proprio se condemna.

Sr. Presidente: quem pôs a questão do Credito Predial na tela da discussão foi a declaração do Sr. Presidente do Conselho. (Apoiados da esquerda).

Não fomos nós que a levantámos, nem temos que a levantar; quem a levantou - torno a dize-lo - foi o Sr. Beirão. (Apoiados).

Mas cumpriria o Governo o seu dever em face do crime do Credito Predial?

Não.

Todos sabem que as instituições de credito predial, alem de terem as suas crises periódicas, que são conjugadas com a diminuição ou com o aumento do valor da propriedade, alem dessas crises periódicas, outras ha perfeitamente extraordinarias que teem sido debelladas e teem sido tratadas em differentes países por modos diversos.

Refiro-me á crise, por exemplo, que ha seis annos teve o Banco Hypotbecario de Berlim j em que estavam envolvidas até pessoas altamente collocadas; refiro-me á crise que teve ha mais de uma duzia de annos o Banco do Credito Predial do Rio de Janeiro; refiro-me á crise que teve o Banco de Credito Predial da Hungria.

Se, porem, o Sr. Francisco Beirão tivesse o cuidado, por si e pelos seus Ministros, de examinar e estudar quaes as medidas de alcance economico e financeiro que nesses países se teem entendido legislar e se teem entendido providenciar a bem d'essas instituições é a bem dos accionistas, dos obrigacionistas e de todos que nellas estão interessados- com certeza que o Sr. Francisco Beirão não deixaria enveredar os seus collegas pelo campo de providencias que entenderam por bem adoptar.

Talvez, se houvesse necessidade de fazer o panico do Credito Predial, as providencias de S. Exa. teriam certamente concorrido poderosamente para isso.
Não tenho vagar para discutir uma portaria dessas, mas o teor dessas portarias com toda a certeza que devia ser defendido pelo Sr. Beirão.

Mas achou S. Exa. alguma cousa consentanea para prover de remédio á economia da Companhia de Credito Predial?

Creio que não.

Uma crise do Credito Predial tem dois aspectos: o aspecto em que se obriga o Governo a fazer todos os esforços possiveis para attender á economia desse estabeleci-

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mento de credito, para salvar tanto quanto puder os interesses dos que lá teem capitães, e, outro, em que, no campo legalista, se ha de cumprir a lei.

Não haveria mais providencias a tomar, urgentes e rápidas?

Não seria conveniente que quando S. Exa. aqui se apresentasse a declarar por que se deu a saida do Sr. Ministro da Justiça que dissesse tambem que o Governo, tendo estudado o assunto, vinha apresentar á Camara, como resultado desse estudo, as medidas a, b e c?

Como se pode encarar, portanto, este trop de zele, que só se explica para inglês ver, comparado á incuria de nada fazer, senão para apparentar perante o país que se curava da economia do Credito Predial!

Entendo que neste assunto, á parte o rigor da paixão politica, que tem neste momento toda a justificação, era necessario que o Governo, capacitando-se da sua missão, procedesse de modo differente do que procedeu.

Da forma negativa como se apresenta, julga o Sr. Beirão ter direito a continuar a ser Presidente de uma situação que nada fez e nada faz?

Não sei, nem com frases acerbas, que mais possa dizer ao Sr. Presidente do. Conselho para lhe mostrar que S. Exa. está neste ponto, em relação ao seu passado, completamente em desacordo.

Era preciso que se capacitasse de tudo isto, de que, não tendo cumprido com o seu dever perante a nação, não podia e não devia estar nesse logar.

No estrangeiro, quando um Governo entende que a opinião publica não está ao seu lado, que as suas provas de coragem civica são inuteis, não faz outra cousa senão retirar se.

Já comparei aqui um dia o Sr. Veiga Beirão ao Presidente do Conselho de Itália, Sonino, e estimaria muito que esta comparação se realizasse totalmente em S. Exa., que S. Exa. visse n'elle um exemplo a seguir.

Sonino, quando se tratou das convenções maritimas, sómente porque houve uma pequena divergencia na Camara, e porque o seu ataque era procedente, apresentou immediatamente a sua demissão.

O Sr. Beirão tem, por seu lado, de ser recebido na ponta das espadas, porque tudo quanto tem feito é contrario aos interesses do país; apesar d'isso, teima em continuar no Governo.

Não digo ao Sr. Beirão o que desejaria dizer se cumprisse o seu dever. O Sr. Beirão for e ver deve ser traduzido de outra maneira.

Faça S. Exa. conforme quiser e entender.

Responda, se assim julgar conveniente, com a rhetorica fallida, más S. Exa. na sua vida politica ministerial já ha muito tempo devia ter deixado essas armas em casa.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Não responderei ao illustre Deputado Sr. Pereira de Lima, nem com tropos inflammados, nem com palavras vehementes; vou responder a S. Exa. simplesmente com sinceridade e com a maior clareza.

É preciso que neste momento esteja convencido da minha innocencia perante as accusações do illustre Deputado para ter a coragem de me levantar e responder ás acerbas declarações que S. Exa. me fez.

Eu sou réu dos maiores crimes; eu sou contraditorio commigo mesmo; rasguei todas as paginas do meu passado (Apoiados da esquerda); eu já não existo (Apoiados da esquerda); o que eu devia fazer era retirar-me d'este logar (Apoiados da esquerda), e entregá-lo aos meus adversarios politicos. Agora é que eu espero os apoiados de S. Exas.

Estou neste logar porque tenho todos os elementos constitucionaes para governar. (Apoiados).

Todos sabem neste pais, em que todos nos conhecemos uns aos outros, que estou n'este logar para cumprir com o meu dever, e hei de cumpri-lo até ao fim emquanto tiver os elementos constitucionaes.

Porque sou réu de tamanho crime? Porque sou flagellado pelas palavras acerbas e vehementes do illustre deputado? Porque o meu illustre amigo o Sr. Montenegro entendeu, por melindre pessoal, que devia deixar as cadeiras do poder.

O Sr. Egas Moniz: - E S. Exas. deviam-no acompanhar.

O Orador: - Não o acompanhámos porque não tinha-mos as mesmas razões de S. Exa. (Apoiados).

É isto simplesmente e nada mais.

Mas, Sr. Presidente, eu faltei a todas as regras constitucionaes porque simplesmente disse o que tinha a dizer logo que a Camara teve um momento, livre das tristes e dolorosas commemorações. Levantei me para dizer simplesmente á Camara que dos Conselhos da Coroa tinha saido o Sr. Ministro da Justiça e que tinha sido substituido pelo Presidente do Conselho.

Disse a razão por que o meu illustre cellega tinha abandonado os Conselhos da Coroa e não tinha mais nada a dizer.

O Sr. Egas Moniz: - Então o adiamento?

O Orador: - Disse o que tinha a dizer. O illustre Deputado quis dar-lhe a feição de uma crise ministerial, como se effectivamente a simples saida de um Ministro tivesse representado uma crise.

Mas praticámos mais outros delictos.

Mais outro crime: faltámos a uma sessão, fugimos da Camara (Muitos apoiados).

Vozes: - Fugiram, fugiram. (Apoiados).

O Orador: - Francamente eu não esperava ter tantos apoiados.

(Risos).

Mas vou continuar serenamente. "Fugimos da Camara numa sessão celebre". Tambem já vou explicar este facto. A explicação é muito facil e faz-se em poucas palavras: Tinham-se levantado nesta Camara, na ultima, sessão, incidentes mais ou menos agitados, como muitas vezes se levantam nas assembleias populares, e em virtude d'essas occorrencias o Governo entendeu que devia appellar para o poder constitucional superior, porque assim precisava regular a sua situação, em frente desses acontecimentos. Isto aconteceu na quarta feira.

O Sr. Egas Moniz: - Os poderes do Estado são todos iguaes.

O Orador: - O Governo entendeu que devia recorrer ao poder competente, o que fez no sabbado; logo na sexta feira ainda tinha a solução dependente d'esse poder, e como é da tradição não podia apresentar-se ás Camarás. (Apoiados).

O Sr. Egas Moniz: - A maioria, que então condemnava o procedimento do Governo, apoia-o agora.

O Orador: - Nous avons changé tout cela. O Governo tem os applausos da opposição e as censuras da maioria. (Riso.).

Diz-se tambem que o Governo devia ter vindo a essa sessão, porque estava annunciada a exhibição de uns documentos.

Ora eu devo dizer que não houve nesta Camara, em

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nenhuma sessão, nenhum aviso ou convite pedindo ao Governo para se apresentar nesta Camara. (Apoiados). Portanto, o Governo, que tem tambem os seus principies, entendeu que não devia vir aqui só porque esse annuncio vinha nos jornaes.

O Sr. Egas Moniz: - Mas mandou a maioria.

O Orador: - Eu não mando em maioria nenhuma. (Trocam-se ápartes).

O Sr. Eduardo Schvalbach: - É uma desculpa de creança. Ou se trata com sinceridade ou isto não passa de uma mangação.

O Orador: - Aqui está explicada muito serenamente a razão por, que o Governo não póde comparecer na Camara na sessão de quarta feira.

Mas ha ainda, uma outra accusação que me fez o illustre Deputado, foi a do segundo adiamento. Ora o Governo sempre teve, mau grado o que S. Exa. disse - e isto sem quebra de respeito para com o illustre Deputado - vontade decidida de viver com o Parlamento.

O Sr. Egas Moniz: - Voltando-nos as costas.

O Orador: - Essa palavra que V. Exa. acaba de proferir poderá ser applicada a outros; a mim não, porque não me pesa na consciencia acto algum de ditadura, e não tenho mostrado senão todo o desejo de ver se se chegava a um entendimento, com todas as opposições, principal mente nas questões que a todos interessam. E estou aqui, ainda hoje, na esperança e convicção de que devo continuar a viver, mais ou menos agitadamente, como é proprio de todas as assembleias populares; mas é meu desejo viver com a Camara. E faço a justiça, a toda a minoria e maioria, de que é esse o desejo de todos, no momento grave que estamos atravessando, para que possamos fazer alguma cousa de util para o país.

É isto o que o Governo deseja.

(Trocam-se ápartes).

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - Ainda como capitulo de accusação, é o Governo arguido de ter trazido a questão do Credito Predial. E os illustres Deputados da opposição explicaram o que o Governo teve com essa questão.

Ora eu não trouxe questão nenhuma. Disse apenas, sinceramente, a razão por que o Sr. Ministro da Justiça tinha querido sair.

Quaes foram as occorrencias?

Algum pode ignorar as occorrencias que se deram ultimamente na Companhia Geral de Credito Predial?

Sendo conhecidas de todos, o referir-me a ellas é levantar a questão?

Não a levantei, nem o Governo a levantou, nem quer levantá-la. A esta Camara é que pertence o direito de a levantar.

Portanto, o illustre Deputado não pode dizer que eu vim aqui levantar essa questão.

Quando se quiser, a propósito dessas occorrencias interpellar o Governo e saber, o que elle fez e o que deixou de fazer; se houver algum acto pelo qual se possa accu-sar o Governo, creia S. Exa. que aqui estaremos para dar todos os esclarecimentos.

O Sr. Egas Moniz: - Tem muito que responder. (Apoiados da esquerda).

O Orador: - Falou S. Exa. em crise, sobre se se julga ou não se julga que o Governo está em crise n'este momento. E digo a S. Exa. que nós tomamos todas as nossas responsabilidades. (Muitos apoiados da direita).

(Ápartes na esquerda). Vozes: - Ordem! Ordem!

O Orador: - Eu desejo fazer sobresair a tudo a voz serena da justiça...

O Sr. Affonso Costa (interrompendo): - Pois applique-se a justiça!

(Sussurros, trocas de ápartes que se confundem).

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador. Vozes da maioria: - Ouçam! Ouçam!

O Orador: - Tenho estado a discutir serenamente e neste proposito vou acabar de responder á interpellação do Sr. Pereira de Lima.

Diz S. Exa. que chegou a minha hora.

Eu não o entendo assim. E, emquanto dever ficar, fico! (Apoiados da direita).
(O orador não reviu).

O Sr. Affonso Costa: - É sol de pouca dura! Não dura nada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Egas Moniz.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: por mais estranho que pareça, ainda ali está aquelle Governo que nos trouxe aqui uma questão solidaria com todos os seus membros - a questão Hinton pela palavra do Sr. Moreira Junior, havendo razões superiores ás razões nacionaes propriamente ditas.

(Protestos da maioria).

(Sussurros na sala). Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Eu sei, Sr. Presidente, o que faz tudo isto: é o rei na barriga!
O Sr. Presidente do Conselho mostrou aqui que o Rei estava no Palacio dos Navegantes. Era pois de absoluta justiça que a sua maioria me interrompesse, no prenuncio de uma proxima dissolução, que se diz que ha de vir por todos os cantos da Camara.

Mas, Sr. Presidente, acima do Rei está a Camara! (Apoiados da esquerda). Acima do Rei e dos Governos, está a justiça! Ella sobresae a todos os poderes por mais altos que estejam e ha de fazer-se sempre e fez-se ainda não há muito tempo. A justiça fez-se sempre na hora mais amarga e mais solemne!

(O Sr. Presidente apita a campainha).

Sr. Presidente, escusa V. Exa. de me chamar á ordem...

O Sr. Presidente: - Eu não ouço nada do que V. Exa. diz e duvido muito da forma das palavrascomo ellas aqui me chegaram.

V. Exa. quer fazer a apologia da arte?

O Orador: - Eu fiz a apologia da justiça!

Vozes da opposição: - Muito bem, muito bem.

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O Orador: - Eu, Sr. Presidente, fiz a apologia da justiça, mas não como V. Exa. a interpretou.

O Sr. Presidente: - Por isso eu disse a V. Exa. que duvidava das palavras de V. Exa., como ellas aqui me chegaram...

O Orador: - Eu falei da justiça! Queria eu dizer que seria capaz de attingir a propria Monarchia! E já disse qual a minha intervenção no movimento revolucionario de 28 de janeiro.

Digo apenas, que a justiça se faz sempre.

É esta a these que eu defendo e que é necessario que esteja no cerebro de todos os homens publicos, clara e nitidamente.

Aquelles que estão no Governo, a representar o partido progressista, obedecendo cegamente ao seu chefe, governador do Credito Predial, onde tantos roubos se praticaram. deixando, na miseria, muitos milhares de portadores de acções e obrigações, devem compenetrar-se - assim é necessario - desta frase que eu disse. É necessario que se compenetre o Sr. Beirão - que veio annunciar, bem publicamente, e esses que necessitam de uma discussão immediata; é necessario que se compenetrem maioria, de que estas minhas palavras são de legitima defesa dós interesses sagrados da minha patria.

Tudo isto veio incidentalmente, a proposito do borborinho que começou a criar-se, quando iniciava o meu despretencioso discurso, declarando que aquelle Governo, que praticou esses actos tremendos, a que já se referiu o orador que me precedeu, pertencente a este lado da Camara, - ainda se mantém no poder.

Os portugueses teem fraca memoria, sendo preciso recordar-lhes, mesmo os factos mais recentes, para que elles os vejam bem, sob todos os aspectos.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Obras Publicas trouxe a esta Camara a questão Hinton e nos declarou, claramente - por boas palavras, é certo - ser indispensavel que essa questão se resolvesse. E, voltando-se para o brilhante parlamentar Dr. Affonso Costa, disse-lhe:

"Se V. Exa. estivesse nas minhas condições, teria de trazer aqui este projecto".

Portanto, esse projecto liga-se á vida de S. Exa., á vida do Ministerio, que a elle fica preso.

S. Exa. levantou-se aqui para dizer que todos os Ministros eram solidarios nessa questão.

E é o Sr. Presidente do Conselho que ha annos - dois ou tres para cá - deixou de ser o velho liberal Beirão, para ser uma outra individualidade; é S. Exa. que vem aqui annunciar que tem toda a força constitucional na mão, para abusar da sua soberania e do poder!

Podia suppor-se que talvez houvesse uma razão de ordem internacional ; mas os factos desmentem isso e eram razões economicas da Madeira.

Portanto, tinha razão o Sr. Ministro das Obras Publicas, quando pretendia esclarecer que eram razões de ordem interna as que determinaram o trazer á Camara um projecto n'aquellas condições, que não podia, de forma alguma, ser modificado.

Esse projecto caiu, e essa obra patriotica deve-se a essa cousa do que para ahi se moteja e ri - o obstrucionismo parlamentar.

Honroso obstrucionismo é esse, que arreda, com a ponta da bota, os projectos infames para a nossa economia nacional, e que afastou esse projecto infamado das maiores.

E nem a Madeira soffreu, nem as condições d'aquelle archipelago se modificaram na menor cousa.

E é um Governo d'esses que se deixa assim, vence selas razões que tinha a maioria; é um Governo desses que ainda se arrasta nas cadeiras do poder, é um Governo que tem o Sr. Beirão como Presidente do Conselho quer vem aqui annunciar: "ou o Credito Predial triumphante, ou então todos para a rua!"

Pois fique-se com o poder e com o Rei, que quer estar a seu lado; fique-se com a dissolução.

E tambem com a tropa, se estiver a seu lado. Fique com todos os elementos de força, mas o Sr. Beirão ha de cair e ha de cair por aquillo que disse ha pouco, porque a justiça e a honestidade triumpham sempre. (Apoiados). Sr. Presidente, este Governo foi vencido por nós e este Governo ficou. (Apoiados).

Houve um dia em que o Sr. Deputado Affonso Costa, num discurso notavel, trouxe aqui o annuncio de documen-os que feriam as instituições e os nossos Governos, sobretudo as instituições, que os Governos conservadores põem acima do país. Eu não ponho, e por isso o digo.

S. Exa. trouxe aqui a affirmação que tinha documentos precisos que iam cornprometter palacianos e talvez a menoria dos que morreram.

Que fez o Governo perante esta accusação tremenda e categorica?

Fugiu, e nesse dia o Sr. Affonso Costa, num discurso admiravel que ha de ficar lembrado nos annaes d'esta Camara, disse que fugiram por cobardia, já se sabe, refiro-me a cobardia politica, mas a frase foi perfeita e exacta e a unica que se podia applicar. (Apoiados). Fugiu o Governo, mas ficou a maioria.

Mas o que é mais desagradavel para mim é que o Sr. Beirão viesse dizer uma inexactidão para defender o Governo, viesse dizer que não tivera communicação official.

Se aqui se pudesse dizer essa frase, eu usaria d'ella para dizer que o Sr. Beirão mentia, e di-lo-hia porque enhopara confirmação da verdade as palavras de V. Exa., Sr. Presidente, que declarou que tinha communicado telephonicamente ao Sr. Beirão que era aqui requisitada a sua presença.

O Sr. Beirão fugiu e vem declarar que não tinha communicação official.

Como é triste a mentira, principalmente quando vem dos lábios de um Presidente do Conselho.

Eu não quero dizer as palavras de V. Exa., Sr. Presidente, digo só a sumraula, mas ellas veem nas paginas do Summario das Sessões.

São estes os processos do Governo. Infelizmente são estes processos de Governo, são estas mentiras constantes, que, a continuarem, hão de fazer desta pátria, outr'ora tão altiva, uma manta de farrapos.

E contra estes processos de Governar, contra estas systematicas mentiras, que eu protesto mais uma vez.

Sr. Presidente: nós fizemos inutilizar o que era um prejuizo para o mais bello archipelago que temos, e fizemos inutilizar com o nosso esforço e com esse obstrucionismo que anda tão ultrajado fora desta casa.

Mas quem é este Ministerio, de onde saiu? Quem o dirige? Quem o guia? Quem o aconselha? Quem o junta ao Rei, e quem o afasta do Rei nos momentos em que elle merece tanta sympathia?

Quem? O governador do Credito Predial (Apoiados), esse homem nefasto da politica portuguesa que se chama José Luciano de Castro, esse homem a quem se pode tambem applicar um pouco d'aquella tragedia que corre mundo: A morte civil.

Sr. Presidente: a questão do credito predial, disse o meu collega Sr. Pereira de Lima, foi aqui trazida pelo Sr. Beirão. Por certo, não podia deixar de ser trazida por elle, porque houve um homem de bem, sentado nas cadeiras do poder, que ao mesmo tempo occupava um logar num estabelecimento dependente do Estado, no qual se commetteram graves faltas e apesar das solicitações

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que lhe fizeram, porque é moda agora solicitar dos Ministros para ficarem, desde cima a baixo, fugindo-se o mais possivel ás responsabilidades d'aquelles que deviam estar fora das pugnas politicas, não houve solicitações de ninguem, assente-se isto bem, que fizessem com que o Sr. Montenegro ficasse n'aquellas cadeiras. Diz-se que deu como razão o ser supplente dos corpos dirigentes do Credito Predial. Estou convencido que tem lá dentro, no fundo da sua consciencia, a razão superior: foi ser amigo é partidário do governador desse estabelecimento de credito.

Faço-lhe esta justiça, conheço-o ha muito. Ainda ha pouco tempo o ataquei e severamente a proposito do caso do Bispo de Beja.

Acho que S. Exa. podia bem ter caminhado para a esquerda, onde um logar brilhante o esperava, mas não quis e fez exactamente o contrario. Hoje não retirarei nem acrescentarei uma palavra mais da apreciação que então fiz.

S. Exa., Sr. Presidente, deve estar lembrado, como decerto toda a Camara estará.

O Sr. Montenegro havia enganado a minha espectativa, muitos outros que ainda ali estão sentados a illudiram tambem e por completo.

Nunca esperei que depois de se ter dado o que se deu no Credito Predial, ainda aqui viessem e viessem para defenderem uma questão onde ha homens que commetteram roubos a salvo e onde ha um país inteiro a pedir justiça.

E isto, não porque eu os considere deshonestos, mas porque seria melhor para nos e sobretudo para o país que este Governo já ali não estivesse, porque a sua presença nesta casa só pode trazer ao debate uma questão profundamente desagradavel e evidentemente serão tratados da mesma forma como se accusam réus, tendo nos de pedirmos a responsabilidade do Governo como se a pedissemos ao Ministerio Publico.

Ia eu dizendo que não sabia se tinha sido o Sr. Beirão que tinha levantado a questão do credito predial, julgo que sim, porque trouxe a questão Montenegro, que a ella está ligada; mas suppunhamos mesmo que assim não era, levantava-a eu pelas razões que vou dizer.

Dizem os estatutos dessa Companhia de Credito Predial que o governador é eleito pela assembleia geral, mas que tem de ser confirmada a sua eleição pelo poder executivo, pelo Governo, para que essa eleição tenha effeito. Já vê V. Exa., Sr. Presidente, como está ligada intimamente por este facto a vida ministerial á vida do Credito Predial.

Por um lado a eleição do governador, que representa à vontade dos accionistas, por outro lado a intervenção do Governo, que mostra claramente a intima ligação que existe entre as entidades que se chamam Companhia de Credito Predial e Governo.

Alem d'isso todos sabem que essa companhia ou banco tem a concessão de emittir obrigações, que são titulos fiduciarios, obrigações que são muito aproximadas das notas que circulam emittidas pelo Banco de Portugal.

E, tambem, essas obrigações ou titulos fiduciários podem ser bens dotaes, de orfãos, de companhias de seguros, ou outros, onde o Governo pode ter solido valor e em que o publico possa acreditar.

Não quero lembrar mais razões que justifiquem o meu procedimento, neste momento, para abordar e tratar deste importante assunto, e quero dizer apenas o que fez este Governo a favor do Credito Predial, depois que se levantou a questão, isto é: o que é que este Ministerio já apresentou em publico, ou mesmo o que é que fez privadamente.

Já hoje apresentei um requerimento para que me sejam enviadas copias de documentos pelo Ministerio das Obras Publicas e pelo Ministerio da Fazenda, a fim de ser feita toda a luz nesta grave e momentosa questão do Credito Predial.

O Sr. Soares Branco, Ministro da Fazenda, supponho que commissionou junto da companhia o professor Augusto Patricio dos Prazeres, para lhe mandar dizer alguma cousa do que se passou nessa companhia ou nesse banco.

Supponho até - e se por acaso assim não é peço a S. Exa. que me desminta - que o professor Prazeres já deu conta do seu trabalho, e por esse facto já requeri a copia do relatorio, que deve estar nas mãos de S. Exa. ha muitos dias.

É preciso notar que essa commissão delegada no professor Prazeres pelo Sr. Ministro da Fazenda não foi de iniciativa propria.

Ha ainda mais esta aggravante.

S. Exa., como todo b Governo, quando viu o Credito Predial abalado, quando viu sobretudo o Sr. José Luciano de Castro periclitante a dentro desse banco, com as responsabilidades enormes do governador, que pelos estatutos tudo pode, o Ministério, principalmente o Sr. Ministro da Fazenda, mandou, antes de mais nada, antes mesmo de saber o que se passava portas a dentro d'aquelle banco, chamar. os banqueiros da praça de Lisboa, para salvar esse banco ou essa companhia e para ,querer salvar primeiro que tudo o Sr. José Luciano de Castro! (Apoiados na esquerda).

O Sr. Affonso Costa (áparte): - Era uma forma de encobrir!

O Orador: - Não ha duvida. Era uma forma de encobrir!

O Sr. Affonso Costa (áparte): - E que eu provarei em face do Codigo Penal!

O Orador: - No primeiro acto que o Governo praticou, pois, por certo foi solidario todo o Gabinete, faço essa justiça ao Sr. Ministro da Fazenda, como tambem a fiz ao Sr. Ministro das Obras Publicas a proposito do projecto Hinton.

A carga para cima de todos, para que todos tomem as responsabilidades que lhes competem.

Se me referi ao Sr. Ministro da Fazenda foi porque S. Exa. reuniu no seu gabinete os representantes dos Bancos para lhes pedir que salvassem o Credito Predial e o seu querido chefe.

Mas o que foi que S. Exa. ouviu da boca d'esses banqueiros? Deve estar lembrado disso o Sr. Ministro da Fazenda, a quem estou a citar factos passados dentro das quatro paredes do seu gabinete, mas que haviam necessariamente de transpirar cá fora e terem eco nesta Camara. A proposta do Governo foi pedir a esses banqueiros que o salvassem, mas estes responderam ao Sr. Ministro da Fazenda que não estavam pelos ajustes da sua proposta, comprehendendo assim melhor a sua missão de patriotas de que os Ministros, não estavam ali para salvar o Governo, mas a economia nacional, e declararam ao Sr. Ministro da Fazenda que antes de tudo e para se ver como se poderia salvar essa Questão do Credito Predial era indispensavel saber-se o que lá dentro havia. Foi então, e só depois de ser assim aguçada a curiosidade do Sr. Ministro da Fazenda sobre tão importante assunto, pelos banqueiros da praça de Lisboa, que S. Exa. delegou no professor Prazeres o averiguar o que havia no que respeitava a essa parte do Credito Predial que os banqueiros declararam que talvez fosse a unica que se pudesse salvar, a das obrigações, porque das acções nem pensavam nisso. O Sr. Ministro da Fazenda nada sabia; nada sabia o governador do Banco Hypothecario, chefe politico do Sr. Ministro da Fazenda, com quem S. Exa. tantas vezes conferenceia.

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Não foi, portanto, este acto da iniciativa do Sr. Ministro da Fazenda, mas por indicação dos banqueiros que assim procedeu.

O Sr. Prazeres apresentou já o seu relatorio no que respeita ás obrigações, expondo o que ha nesse chãos de fraudes e de roubos.

Não ha palavras que possam exprimir condignamente tudo quanto se teem passado dentro do Credito Predial; e quando pronuncio palavras destas é porque tenho no meu dossier elementos para fazer essa affirmação, pois nunca faço accusações sem provas.

Esse relatorio chegou ás mãos do Sr.- Soares Branco ha muito tempo, mas S. Exa. nunca mais se lembrou de convocar a assembleia dos banqueiros para lhes dizer o que havia lá dentro, como elles lhe disseram que era necessario saber. Antes de o saber, o Ministro convocava-os para ver se podia tapar o que lá havia dentro, se se poderia passar uma esponja por cima de tudo.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Obras Publicas quis, porem, sair um pouco da orientação do Sr. Soares Branco, o Sr. Ministro das Obras Publicas quis fazer alguma cousa, mandou uma conimissão composta de tres illustres funccionarios, de tres illustres professores, a fim de examinar a escrita da Companhia de Credito Predial, e ao mesmo tempo lançou, ou pretendeu lançar, uma poeirada nos olhos de toda a gente com uma remessa de uma portaria que S. Exa. não quis nem desejou publicar.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Peço a palavra.

O Orador: - Diz-se que essa portaria era para inutilizar uma outra que por S. Exa. foi publicada com a data de 31 de dezembro no. Diario do Governo de 4 de janeiro de 1910, em que S. Exa. dizia o seguinte:

(Leu).

Sr. Presidente: o Sr. Moreira Junior, confiando na declaração de um officio do governador da companhia, fez uma portaria para a emissão de 10:000 obrigações.

O Sr. Moreira Junior não queria que essa portaria fosse executada depois de saber a verdade do que se passava. Em virtude disso, expediu uma outra portaria, cujos fundamentos ignoramos, e que não foi publicada, quando é certo que essa portaria interessava a muitos e ainda mais do que a que se publicou em 4 de janeiro. (Apoiados).

Pergunto: quaes as razões justificativas da não publicação dessa portaria e sobretudo os seus fundamentos, que hão de ser por certo as declarações que foram enviadas pelos peritos que nomeou para o exame da escrita da companhia?

Essa portaria não foi publicada, mas alem d'isso foi uma poeirada lançada aos olhos de toda a gente e vou demonstrar ao Sr. Ministro das Obras Publicas a razão da minha affirmativa.

O que dizia n'essa portaria o Sr. Ministro das Obras Publicas?

Dizia simplesmente que não autorizava o que se autorizara em dezembro., e no resumo publicado pelo Sr. Luciano de Castro refere-se a ella nos seguintes termos:

(Leu).

Vejam lá o martyrologio do Sr. José Luciano de Castro!

É preciso não conhecermos os assuntos, não os estudarmos para não os ver.

Pergunto sinceramente a V. Exa. se ha alguém que seja "a paz, só se estiver dementado, de vir pedir um empréstimo nestas condições á Companhia de Credito Predial, sabendo que tem a certeza de ser espoliado em mais de 20 por cento?

Quem vae, nestas condições, fazer um emprestimo á companhia?

Portanto, para que serve a portaria de 31 do Sr. Ministro das Obras Publicas?

Estafem sido a acção do Governo em toda a questão do Credito Predial.

A dentro da Companhia de Credito Predial teem-se ultimamente descoberto as maiores responsabilidades, os maiores crimes e as maiores provas dos mais complicados roubos, como todos sabem, roubos que teem sido feitos por todas as formas, na caixa indirectamente com subterfugios, e directamente na escrita, pondo receitas que não existem, trocando receitas por despesas, fazendo, emfim, uma embrulhada diabolica, por certo conhecida por aquelles que dirigiam o banco.

Sr. Presidente: não julgue V. Exa. que eu venho aqui atacar um homem só; por maiores que fossem os motivos que eu tivesse para me queixar desse homem, era incapaz de o atacar aqui, no Parlamento.

O que eu venho atacar são aquelles que pelos estatutos d'aquella companhia mais responsabilidades teem e pedir justiça para os outros corpos administrativos e dirigentes d'aquelle estabelecimento. (Apoiados).

A acção severa da justiça, por mais que o Governo pretenda solidariazar-se com o seu chefe, ha de vir, queiram ou não S. Exas.

E certo que o actual Ministro da Justiça, o Sr. Veiga Beirão, tem cruzado os braços deante das accusações tremendas de roubos e fraudes praticadas nesse estabelecimento, que devia ser o nosso primeiro estabelecimento de credito.

S. Exa. não tem dado indicação nenhuma aos seus subalternos para procederem como era de justiça.

Dentro do Credito Predial deram-se ultimamente acontecimentos gravissimos, conhecidos de todos nós.

Alguns, porem, não teem tido ainda, a meu ver, na opinião publica, aquella importancia, que a grande massa costuma dar aos grandes acontecimentos.

Isto é uma affaire que ha de passar á historia, como passaram muitos outros factos, com um nome ignominioso. O titulo das "ladroeiras do Credito Predial" ha de passar de geração em geração, quando se conhecer, nas suas minucias, tudo o que se praticou n'aquelle estabelecimento, em que houve um guarda-livros que roubou directamente.

Digo isto, com esta affirmativa, porque o Sr. José Luciano de Castro teve a habilidade de o chamar a sua casa, mandando-lhe enviados especiaes, dizendo-lhe que tudo se remediaria, mas já acompanhado pela policia para elle ser preso immediatamente. (Apoiados da esquerda).

Teve a habilidade de chamá-lo a sua casa, por embuste, unicamente para lhe caçar uma declaração, por elle escrita, e para immediatamente o prender; pois foi seguido até sua propria casa, para ser preso e mettido na cadeia.

Quintella, segundo a declaração do Sr. José Luciano de Castro, assinada por elle, ou - melhor - a declaração de Quintella, ditada, pelo Sr. José Luciano de Castro; talvez seja mais conforme com a verdade, mas representa a mesma cousa; a declaração copiada por Quintella - foi o Sr. Eduardo Burnay quem o disse - foi feita pelo Sr. José Luciano de Castro; e foi esse desgraçado que elle chamou a sua casa, para o prender immediatamente.

Foi isso que elle mandou para servir de prova no Juiz de Instrucção Criminal.

Não quero apreciar o acto do Sr. José Luciano de Castro, porque me repugna; nem com elle tenho nada.

Todos me farão justiça no que acabo de dizer, dando-lhe o apodo, que esse governador do Credito Predial merece. Apenas digo que a declaração, que está no Juizo de Instrucção Criminal, foi escrita pelo Sr. José Luciano de Castro e copiada por Quintella, dizendo que roubara até 60 contos de réis.

A minha convicção, porem, aquella que eu tenho intimamente, por vários rumores que chegam a este lado da opposição, sempre que se trata de um caso escandaloso como este, é de que o roubo excede muitas vezes 60 contos, e de que ha de ser superior até talvez a 200 contos de réis.

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E de ha muito tempo toda a gente affirmava que o Sr. José Luciano de Castro, como governador do banco, podia e devia sabe-lo, por varias circunstancias que elle não ignorava e que deviam pô-lo, immediatamente, de sobreaviso.

Pouco tempo depois era detido o thesoureiro d'aquelle banco, que tivera a infelicidade de possuir um attestado de bom comportamento passado pelo Sr. José Luciano de Castro, como tendo praticado um alcance grande.

A respeito d'este empregado nada sei, porque, neste ponto, pouco interessam as fraudes que elle praticasse.

E que, na declaração do thesoureiro, ha uma cousa de eminentemente grave para os politicos portugueses.

Diz-se, e não foi desmentido, pelos jornaes progressistas, que o Sr. Talone affirmara, nos seus documentos de defesa, que tinha recebido ordem do Sr. José Luciano para enviar uns dinheiros para a eleição de Azambuja.

Isto é muito mais grave do que o roubo (desse homem, se acaso elle o praticou. (Muitos apoiados).

Então já os homens publicos se mettem a dentro dos bancos para roubarem em proveito da sua clientela politica (Muitos apoiados}; então já o chefe verdadeiro deste Governo, o chefe de cada um dos Ministros que ali estão sentados, manda entregar dinheiro que lhe não pertencia, que era de um banco, de uma sociedade anonyma e particular para as eleições?!...

Sr. Presidente: este facto é extremamente grave, mas ha outros ainda que se lhe podem igualar, apesar da sua gravidade.

Não sei se V. Exa. viu o que veio affirmado, em todos os jornaes, num já documento historico, o celebre discurso do Sr. Burnay, em que S. Exa. procurou o mais possivel defender o Sr. José Luciano por certo como vice-governador, como amigo querido desde os tempos dos tabacos.

Estes factos graves que se podem deprehender das de clarações do Sr. Talone e cuja veracidade não se affirma, mas cuja contestação não veio nos jornaes affectos ao Sr. José Luciano...

O Sr. Affonso Costa: - Nem no relatorio.

O Orador: - Seria curioso saber se O que continham umas certas cartas de que falava hoje o Mundo, jornal que tem estado muito bem informado neste assunto (Apoiados), e, portanto, de uma certa veracidade nas suas affir mações, que diz, terem existido no cofre particular do Sr. Quintella onde por acaso foram encontradas 500 obriga coes Já sorteadas, provavelmente para virem para o mercado (Apoiados), para roubarem os incautos, aquelles que, julgando capitalizar, eram apenas roubados com papel que nada valia.

Sr. Presidente: essas cartas diz-se que foram remettidas aos seus proprietarios.

E esta a doutrina que a respeito das cartas aqui apresentadas pelo Sr. Dr. Affonso Costa, a maioria progressista como os seus alliados, teem defendido nos jornaes da sua grei.

Comtudo, quando o Sr. Dr. Affonso Costa trouxe esses documentos, a maioria gritou em altos berros que essas cartas fossem lidas.

Essas cartas devem ficar. Era necessario que se soubesse o que o Sr. José Luciano de Castro, ou alguem de sua casa, mandava pedir ao Sr. Quintella.

Dizem, a este respeito, que as cartas foram restituidas aos seus donos, embora acompanhadas de um officio, segundo se diz. também, enviado ao Sr. Rodrigues.

O facto é que não ficaram d'ellas rasto bastante, a não ser na memoria dos que as leram, para elucidar, alguma cousa de mais grave no procedimento do governador do Credito Predial.

Deixemos, porem, esses assuntos. Fica averiguado já o bastante para pedir responsabilidades gravissimas ao chefe dos Ministros, que hoje estão no poder, ao amigo dedicado de todos elles, que a todos faz Ministros e leva para o poder.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, quaes são, concretamente, esses factos? Em primeiro logar, a confissão de conservarem se, em circulação, as obrigações emittidas, quando já não representavam propriedade, e que são, segundo disse o Sr. Eduardo Burnay, no valor de 1:950 contos de réis, a que ha ainda á juntar mais 700 e tantos contos de réis; total, 2:000 e tantos contos de réis.

Ha tambem a falsificação da escrita - que não podia, de forma alguma, ser ignorada pelo governador - no que diz respeito, por exemplo, ao lançamento de um credito do Banco de Portugal, em que elle se apresentava como devedor, quando é certo que elle apenas dera margem para o Credito Predial poder ser devedor.

São essas falsificações que não podiam ser ignoradas pelo governador, que fiscalizava a companhia.

Ha mais, ainda, 148 contos de réis, caucionados no Banco de Portugal, com obrigações sorteadas, que nada valem, só se for a peso, em alguma mercearia, por aquillo que algum merceeiro queira dar por ellas.

No Banco Commercial; segundo affirmava um jornal de hontem - supponho que o Seculo, que anda muito bem informado sobre o assunto - existem obrigações do mesmo jaez, inteiramente perdidas, amortizadas, dando caução a um emprestimo de 90 contos de réis.

Estes factos é que são da responsabilidade do governador, do Chefe do Governo, do chefe de cada um dos seus membros.

Viu V. Exa., Sr. Presidente, quantos são os factos e qual é a sua gravidade.

V. Exa. viu, pela exposição nitida e clara que eu fiz, o procedimento do Governo até á hora presente; viu que, pelo menos pelo Ministerio da Fazenda, foram empregados todos os esforços para salvar o Credito Predial, sem que tal acto se fizesse de maneira a pôr em boas condições aquelle estabelecimento de credito, para elle poder seguir desafogadamente a sua vida.

E não se diga que não podia proceder immediatamente.

Eu pergunto: é, ou não, exacto, que o Governo - e só o Governo - pode annullar a eleição do governador? E porque razão deixou de tomar conhecimento dos factos graves, alguns dos quaes foram denunciados na assembleia e outros publicados nos jornaes, como, por exemplo, a distribuição de dividendos ficticios, verdadeiro roubo aos accionistas, praticado pelos corpos administrativos?

Eu pergunto se não será uma boa medida a praticar, obrigando o governador do Credito Predial a ficar sem a caução de 12 contos de réis, independente de ulterior procedimento, se acaso se averiguar - como supponho que se averiguará - que se praticaram roubos ou fraudes, e elle ser devidamente processado.

Muito mais não terá elle em seu nome.

Nada d'isso fez o Governo. O Sr. Ministro das Obras Publicas publicou uma portaria que não tem valor nenhum. É como se nada tivesse feito.

Depois dito, na sessão de hoje, vem o Sr. Beirão dizer que tem todas as forças constitucionaes.

Não sei se tem.

Nos diremos que esse Governo, que tem por chefe o Governador do Banco de Credito Predial, que é amigo particular e intimo de todos os senhores, com quem os senhores almoçam e jantam e conferenciara, que esse Governo do Sr. José Luciano não continuará (Apoiados) porque nos não queremos, e assim, como afastámos o projecto Hinton assim lhe faremos.

Disse o Sr. Presidente do Conselho, com voz sonante, que tinha toda a força. Sabemos o que isso quer dizer quando vem da boca de um Presidente de Conselho. É uma affirmação de que tem a dissolução da Camara para nos vencer.

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Que venha essa dissolução.

(Ápartes).

(Sussurro).

O Sr. Presidente do Conselho entendeu dever fazer essa affirmação. Está no seu direito.

Tem a confiança do seu Rei e diz que está ao lado das instituições para as salvar.

O Rei de Portugal, se quiser, que faça isso.

Que tire dos seus hombros o manto e que cubra com elle o actual Ministério, 5 Sr. José Luciano, os corpos gerentes do Credito Predial, o guarda-livros, o Sr. Talone e quantos, quantos quiser.

(Cruzam-se os ápartes).

(Sussurro).

O Sr. Presidente: - Peço o favor ao illustre Deputado de não fazer referencias á pessoa do Rei pois que o nosso regimento não o permitte.

(Sussurro).

O Orador: - Não fiz referencias ao Rei.

(Ápartes).

Tenho dito. - (Vozes: Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado e não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas, Cominèr do e Industria (Manuel Moreira Junior): - Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Conselho ao levantar-se ainda ha pouco e ao proferir o seu discurso eloquente em que ouvimos dizer que tinha todas as forças constitucionaes para governar disse alguma cousa que era de justiça. (Apoiados).

Disse-o porque seria uma indignidade para qualquer de nos mantermo-nos nestas cadeiras se não tivéssemos todas as forças para governar. (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho não ameaçou pessoa alguma com qualquer acto de violencia, (Apoiados).

Disse claramente, e accentuou-o, que queria viver com a Camara e collaborar com ella, e preciso é que collabore.

Não ameaçou com a dissolução os illustres Deputados da opposiçãp é que tudo querem ver em palavras que nada disso traduziam.

O illustre Presidente do Conselho não disse, nem fez transluzir os poderes que a opposição lhe attribue, assim como os seus labios não estavam frementes.

O illustre Presidente do Conselho nunca mentiu; disse a verdade.

O Ministerio vivia dependente de uma resolução da Coroa perante a qual tinha posto a questão que entre o Governo e o Parlamento se tinha dado e esperava essa resolução.

Attendeu os principios, e em nome desses principios, não em virtude de qualquer temor, entendeu que, sem ter a solução que á Coroa pedira, não devia apresentar-se ao Parlamento.

Foi isto pura e singelamente o que se passou.

O illustre Presidente do Conselho não mentia é isso consta dos Annaes parlamentares, e assim:

(Leu).

O Sr. Egas Moniz (interrompendo): - Não é bem isso... O Sr. Beirão disse que não tinha vindo á Camara por várias razões e entre, ellas que não tinha tido communicação official do que se ia tratar; eu por este facto disse que S. Exa. mentia porquanto tinha tido communicação official que lhe dirigiu o Sr. Presidente da Camara.

O Orador: - O Sr. Presidente ao. Conselho, se não estou equivocado, disse que não recebera aviso nem qualquer revelação sobre o assunto das cartas; por seu turno pelo telephone, o Sr. Presidente da Camara...

(Áparte que não se ouviu).

O Orador: - V. Exa. illude-se, não é preciso ter essa dignidade...

(Trocam-se ápartes).

(Sussurro).

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, ao levantar-me agora e ao ter de responder ao illustre Deputado que me antecedeu, ha alguma cousa que não posso deixar de frisar immediatamente, é que eu repudio com toda a minha dignidade offendida as palavras pronunciadas por S. Exa. ácerca do projecto madeirense, quando lhe chamou projecto infame.

Repillo e devolvo por completo e absolutamente uma tal qualificação. (Muitos apoiados).

Um projecto infame!

Trouxemos esse projecto á Camara convictos de que prestariamos um alto e valioso serviço ao país.

Trouxemo-lo aqui depois de grandes esforços, de negociações longas e attribuladas, nas varias concessões que haviam sido feitas. Trouxemo-lo aqui numa das fases mais agudas que essa questão atravessava, e que a colheita da cana estava constantemente a impôr-nos. (Apoiados).

Era uma solução da questão madeirense esse projecto que trouxemos ao estudo e apreciação da Camara, e que foi qualificado pelo Sr. Dr. Egas Moniz de projecto infame e infamado!

Então esse projecto que é apresentado a Camara, para o approvar ou rejeitar, é um projecto infame e infamado?

Estou profundamente crente que S. Exa. soltou essas palavras, no seu discurso, simplesmente por que se deixou arrastar pelo facciosismo politico, que tanto o perturba e domina. (Apoiados).

O illustre Deputado Sr. Egas Moniz procurou tambem por todas as formas lançar uma nota menos justa - e não quero dizer profundamente desagradável - ácerca da forma como o actual Governo tem intervindo na questão do Credito Predial.

Sr. Presidente: nesta questão do Credito Predial podemos levantar a fronte, e havemos de levantá-la sempre (Muitos apoiados na direita) quaesquer que sejam os accidentes que em torno dessa questão se desenrolem, as peripecias que corram e as responsabilidades que se apurem. (Muitos apoiados). Havemos de cumprir rigorosamente e religiosamente o nosso dever, sem olharmos ás personalidades, sejam ellas quem forem, é apenas encarando deante de nos uma companhia á qual estão ligados interesses enormes e alguns d'elles sagrados. (Muitos apoiados).

Não nos preoccuparemos com qualquer individualidade mesquinhamente collocada no nosso meio social, ou altamente collocada n'esse meio. (Apoiados). Não nos preoccuparemos, ainda, com a parcialidade politica a que essas personalidades pertençam. É-nos absolutamente indifferente. (Apoiados).

Como poder executivo, que somos, havemos de recta e estrictamente cumprir o nosso dever. (Muitos apoiados).

Ora é precisamente no cumprimento do nosso dever e analysando aquillo que a lei nos impõe que nos temos já tomado as mais largas resoluções, que V. Exas. muito

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bem conhecem, e a que havemos mais detalhadamente de nos referir para que se acompanhe em todo o conjunto e significação da questão do Credito Predial.

Ha questões de ordem criminal e estas já estão affectas ao Juizo de Instrucção Criminal, e ha questões de ordem civil, estas a dirimir entre OB accionistas e os corpos gerentes.

(Interrupções que não foram percebidas).

V. Exas. dão licença que continue?

Ha responsabilidades de varias ordens; não só aquellas que se prendem entre o Credito Predial e o Governo; ha responsabilidades criminaes a dirimir entre OB obrigacionistas e os corpos gerentes, e...

O Sr. Egas Moniz: - Ha responsabilidades criminaes desde o governador a alguns empregados.

O Orador: - E nos corpos gerentes figuram entidades de varias cores politicas.

Vozes: - Vá o Governo para a frente; nada tem com a politica dos administradores. Isso é fazer retaliações!

Outra voz: - Comece por demittir o governador. É esse o seu dever.

(Levanta-se grande tumulto).

O Sr. Presidente: - Nos termos do regimento interrompo a sessão por meia hora.

Eram 6 horas e 15 minutos da tarde.

Reabertura da sessão ás 6 horas e 45 minutos da tarde.

O Sr. Presidente: - Tendo-se levantado barulho, que não permittia ouvir o orador, nem me permittia manter a liberdade que é essencial no uso da palavra, tive de interromper a sessão. Reabrindo-a, peço a todos os meus collegas que me auxiliem e manter essa liberdade.

Pôde ao Sr. Ministro das Obras Publicas continuar o seu discurso.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Antes de recomeçar, desejava pedir a V. Exa. uma fineza, era dizer-me qual foi a palavra ou frase que meus labios houvessem pronunciado e que se tornasse motivo da agitação que na Camara houve.

Dirijo-me a V. Exa., porque eu nunca pronunciei nesta Garoara uma palavra qualquer que fosse de natureza a melindrar collectivamente qualquer grupo representado n'esta Camara, ou melindrar individualmente qualquer da seus membros.

Agora, recordando-me da marcha do meu discurso, não me pesa na consciencia ter dito a mais insignificante palavra que pudesse representar o mais insignificante aggravo para ninguem.

O Sr. Presidente: - Eu não ouvi que S. Exa. pronunciasse qualquer palavra que pudesse melindrar alguem, mesmo porque, sempre que a mesa ouve qualquer palavra que possa considerar-se offensiva, nos termos do regimento chamo para ella a attenção de orador, a fim de que a explique.

O Orador: - ... e continuo precisamente no ponto em que estava, affirmando que a attitude do Governo ha de ser absolutamente imparcial.

O Sr. Egas Moniz: - Mas não tem sido.

O Orador: - No conflicto aberto, em que ha responsabilidades de varias ordens, de que o poder judicial se apossou, e outras que se hão de dirimir entre os interessados e porventura os corpos gerentes, nos quaes ha individualidades pertencentes a varias parcialidades politicas, mas para que os partidos não collaboraram porque não os elegeram...

Vozes da esquerda: - Então porque não destituiu ainda o Sr. José Luciano do governo do Credito Predial?

O Sr. Egas Moniz (interrompendo): - O governador do Credito Predial foi confirmado por decreto regio. Porque não o destituo V. Exa.? Se este Governo não é do Sr. José Luciano, porque não annulla V. Exa. o decreto que confirmou n'aquelle logar o seu chefe politico? (Apoiados da esquerda).

O Orador: - V. Exa. sabe que o Governo ha de ser completa e absolutamente estranho...

(Levanta-se tumulto).

Vozes da esquerda: - Não pode ser. Seja destituido o governador! Seja revogado o decreto! Sem o fazer o Governo não continuará no Parlamento! Venha a dissolução!

(Continua a agitação).

O Sr. Presidente: - Não podendo continuar por esta forma os trabalhos, a proxima sessão é no dia 8, á hora regimental, e a ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Propostas de lei apresentadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas

Proposta de lei n.° 12-D

Senhores. - O conjunto de propostas que tenho a honra de submetter ao Parlamento, não traduz em plano completo de fomento economico, embora, tenha obedecido a esse proposito; a escassez de tempo e a complexidade e multiplicidade dos negocios a tratar não me permittiram dar-lhe uma forma concreta, organizá-lo, como o havia concebido. Versam comtudo estas propostas os problemas que mais momentosos se me afiguram nos differentes ramos de serviço a que superintende o Ministério das Obras Publicas, Commercio e Industria.

Para a agricultura, fonte principal da riqueza do nosso país, chamo especialmente a vossa attenção. O producto bruto agricola tem sido calculado em 200:000 contos; exercem profissão agricola no continente 1.406:004 trabalhadores, e da agricultura vivem directamente 3.092:730 individuos, respectivamente 61,47 por cento da classe trabalhadora, e 61,65 por cento da população total (censo de 1900).

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A área productiva é de 7.000:000 de hectares, dos quaes são cultivados apenas 3.000:000 (Direcção da Carta Agricola).

Estes simples numeros dão a verdadeira medida da importancia deste ramo do fomento. Apesar do impulso que lhe foi dado pelo actual regime cerealifero e pelas pautas proteccionistas, a verdade é que o déficit cerealifero se mantém, embora reduzido, e que o saldo a favor da exportação dos generos alimenticios de origem vegetal decresce. A situação não é comtudo desesperada, felizmente; bem peor era a situação da França em 1884 em que o déficit de subsistencias se elevava a 441 milhões de francos e graças ao proteccionismo, a partir de 1900, as estatisticas accusam um saldo a favor das exportações que, em 1904, attingiu 124 milhões Em vinte annos a França passou de devedora que era ao estrangeiro, por 441 milhões, a credora, por 124 milhões, o que representa um acrescimo de riquesa publica annual de 565 milhões. "Voilá le bas de laine de l'agriculture devant le quel tous les ministres des finances devraient être à genoux; car sans lui leurs budgets ne seraient jamais sortis du déficit". (Jules Méline).

Alem do proteccionismo, de outras medidas de fomento carece a nossa agricultura, para elevar a producção na medida que o permittem as condições naturaes do solo e do clima, convenientemente modificadas pela sciencia, o que se conseguirá - reduzindo os incultos, intensificando a cultura e procurando adaptá-la aos terrenos, em vista do melhor aproveitamento destes, desenvolvendo a instrucção technica e proporcionando á agricultura o capital que d'ella tem andado tão alheado. Tal é o nosso desideratum ao apresentarmos as propostas de lei de fomento agricola, que comprehendem: O problema florestal, Colonização, Cultura do arroz, Subsidios á navegação com intuito de desenvolver o commercio externo de vários productos agricolas, Restricção do plantio das vinhas, Museu agricola e escola de pomicultura e horticultura, Credito agricola e Caixas ruraes e Ministerio da Agricultura.

Sobre irrigações temos em elaboração uma proposta de lei que será presente ao Parlamento nesta ou na proxima sessão, bem como sobre o desenvolvimento pecuario.

Não menos digna de attençao é a industria. A industria fabril só por si proporciona trabalho e recursos respectivamente a.405:292 e 1.034:000 individuos (censo de 1900). O seu rendimento annual é computado em 43.000:000$000 réis (Antonio Mariade Oliveira Bello). Mais de 50 por cento da totalidade da importação para consumo, é representada por matérias primas e instrumentos de trabalho. A importancia que este ramo da actividade nacional attingiu, mercê da pauta proteccionista, não tem tido a benéfica influencia que era de esperar na balança do commercio, pois que, ao passo que a exportação de productos manufacturados se mantém sensivelmente constante, a importação cresce todos os annos. Industrias ha que carecem, e são susceptiveis de grande desenvolvimento,- aquellas que utilizam as riquesas naturaes do solo patrio - taes como: a industria extractiva, estacionaria por falta de meios fáceis de transporte, as industrias hydro-electricas, a dos adubos chimicos, das conservas, da cortiça. Outras industrias ha que urge regular como são a do açucar e do alcool da Madeira e a da panificação em Lisboa.

O commercio, por seu turno, com o desenvolvimento da rede ferro-viaria e da navegação maritima e fluvial, terá o fomento que pelo Ministerio das Obras Publicas, Com mercio e Industria se pode proporcionar-lhe. Os estudos dos rios Tejo e Douro e dos melhoramentos a introduzir nos portos de Lisboa e Leixões, confiados a duas commissões, de que muito ha a esperar pela grande competencia de seus presidentes e dos vogaes que as constituem, servirão de base a propostas de lei que opportunamente vos serão presentes, no sentido do aproveitamento dos dois principaes rios da peninsula e de seus portos.

A criação de subsidios a carreiras de navegação para portos da Europa Central muito concorrerá para o desenvolvimento do commercio de frutas e legumes frescos ao mesmo tempo que fomentará as culturas horticula e pomicula.

De outro capitulo do fomento me resta tratar; para elle chamo a vossa esclarecida attenção, pela importancia social ei humanitaria que reveste. Refiro-me ao trabalho nacional; pela proposta de lei, sobre accidentes de trabalho procuro melhorar a situação do operariado, classe tão merecedora dos cuidados que lhes dedicara todos os países civilizados.

A variedade e complexidade dos ramos de serviço dependentes do actual Ministerio das Obras Publicas Commercio e Industria e a importancia sempre crescente de cada um d'elles, exigindo dos titulares d'esta pasta uma somma de trabalho, por vexes incompativel com o rápido andamento dos negocios em que teem interferencia e que raros podem ser preteridos sem grave prejuizo do interesse publico, levaram-me a propor-vos a criação do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria destacando do actual Ministerio os serviços que dizem respeito áquelles ramos da actividade. A gerencia da pasta das Obras Publicas Commercio e Industria, n'esta situação Ministerial, mais avigorou essa minha antiga convicção já traduzida pela proposta de 22 de agosto de 1908 renovada em 12 de março de 1909. O futuro demonstrará a enorme vantagem que para o desenvolvimento da agricultura nacional de tal providencia advirá.

Nos serviços publicos, como nas industrias, nas artes e na sciencia, a divisão do trabalho ou a especialização é sempre o mais seguro meio de alcançar a maxima productividade e perfeição.

A medida que se desenvolve a actividade humana, produz-se parallelamente o desdobramento successivo das artes, das industrias e das sciencias, e os serviços officiaes, que mais se relacionam com esses ramos de actividade, não podem progredir sem que n'elles se opere tambem, com a conveniente opportunidade, a mais consentanea e harmonica divisão ou especialização.

Foi seguindo este criterio que em 1802 se desdobrou o Ministério, do Reino, separando-se d'elle os serviços relativos á industria agricola e fabril, ao commercio e ás obras publicas, para com elles constituir o novo Ministério, então criado, das Obras Publicas, Commercio e Industria, como mostram os seguintes trechos do relatorio que precede o decreto com força de lei de 28 de agosto de 1852:

"A nova situação economica criada ás nações modernas pelo immenso desenvolvimento industrial, que caracteriza este século, trouxe a necessidade de subdividir os departamentos da governação publica incumbidos de superintender e dirigir, em nome dos interesses geraes, os grandes grupos de interesses particulares. Foi por isso que noutros países se criaram Ministerios differentes para a Agricultura, para as Obras Publicas e para a Instrucção Publica.

"Em Portugal, posto que as industrias se não tenham desenvolvido tanto, teem todavia experimentado bastante incremento, e urge promove-las por todos os modos acer tados; um grande impulso economico lhe pode provir da acção illustrada do Governo.

"Este tão urgente impulso mal se poderá porem realizar, de um modo proficuo, emquanto o ramo especial da administração, de que depende, estiver emmaranhado e tolhido nas vastas e complicadas attribuições do Ministe-

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rio do Reino; O exercicio de tantas attribuições, alem de não caber no tempo, exige conhecimentos tão variados, que é muito difficil, senão impossivel, encontrar um homem que as possa desempenhar todas com a máxima vantagem publica.

"A necessidade instante de subdividir o Ministerio do Reino é, pois, autorizada pela experiencia de outros povos, reclamada pela natureza dos factos de proclama a pela opinião geral.

"A producção e consumo, com a relação que liga estes dois termos, traduzida em meios de transporte, resume em si todo o lavor economico das sociedades. Qs ramos da administração publica que mais connexão teem entre si, é com os elementos deste viver positivo, são aquelles que devem grupar se á parte, para melhor actuarem sobre elles, excitando e promovendo a sua avisada e proveitosa actividade".

Ha quasi cincoenta e oito annos que esse relatorio foi assinado por. todos os membros de um dos Ministerios que no seculo XIX mais se dedicaram ao fomento nacional, e ainda hoje o criterio, então seguido é o bom e verdadeiro; mas é já preciso mais do que então se propunha e outorgava; o que era n'essa epoca um melhoramento para este ramo da administração publica, é hoje, em virtude dos mesmos principios, insuficiente para continuar a propulsionar todos os elementos desse ramo do serviço official incutindo-lhe e mantendo-lhe o regular e conveniente desenvolvimento.

Criou-se, pois, a meio do seculo passado um Ministerio, que ao mesmo tempo era das obras publicas, do commercio, e da industria agricola e fabril; não se pode, porem, deixar de reconhecer que esse Ministerio de fomento tem sido, principalmente, um verdadeiro Ministerio de obras publicas ou de viação.

Com effeito, n'esses cincoenta annos de fomento nacional e de prosperidade, a energia que o Estado transmittiu a todas as industrias e ao commercio foi ministrada por intermedio das obras publicas e particularmente pelo desenvolvimento e melhoria da viação nacional.

A rede geral das linhas ferreas e das estradas ordinarias, assim como o aperfeiçoamento dos correios e telegraphos, aquella facilitando e barateando os transportes dos agentes do commercio e da industria, bem como das respectivas mercadorias e productos, e os serviços telegrapho-postaes abreviando e simplificando a correspondencia, intensificaram certamente as forças vivas dopais, acordando muitas energias latentes; mas se estes serviços, pelo desenvolvimento que attingiram e que importa não descurar, teem importancia mais que sufficiente para no seu conjunto ficarem constituindo um Ministerio especial, o das Obras Publicas, Correios e Telegraphos, por sua vez, a importancia que já teem os serviços agricolas, da industria e do commercio, e a que deve ter, para o equilibrio e desenvolvimento financeiro e economico dá nação, o fomento constante e attento da nossa economia agricola, industrial e commercial, synthese das forças vivas do pais, mais uma vez o digo, impõem a criação do Ministerio que venho submetter á vossa approvação na presente proposta de lei, certo de que, mediante a vossa illustrada e criteriosa cooperação, esta tentativa será convertida em uma providencia verdadeiramente util para o país.

Como vereis pela contextura da proposta de lei, achando-se já criados os serviços agricolas, da industria e do commercio, trata-se simplesmente de operar uma scisão no actual Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, com o fim de entregar aquelles serviços, que principalmente interessam ao fomento economico do país, a uma entidade especial, que, alliviada dos multiplices assuntos e despachos dos serviços das obras publicas, correios e telegraphos, possa dedicar-lhes todo a seu saber, estudo, tempo e actividade.

Peio capitulo VI da parte III do decreto organico dos serviços agricolas, de 24 de dezembro de 1901, os serviços de hydraulica agricola, estão já incluidos n'aquelles, continuando, porem, a cargo das direcções dos serviços fluviaes e maritimos, na parte inferior das bacias dos rios principaes, que deve ser delimitada, os serviços de obras de defesa e sua conservação. Entretanto, o decreto de 24 de outubro do mesmo anno tinha conservado, como fazendo parte dos serviços de obras publicas, uma direcção de hydraulica agricola, á qual, alem dos serviços competentes da especialidade, incumbia a classificação das bacias hydrographicas do país. Esta duplicação é que não tinha razão de ser, e desde que se crie um Ministerio da Agricultura, é a este que, sem duvida alguma, devem pertencer todos os serviços da hydraulica agricola.

E por este motivo que o § unico do artigo 1.° da proposta de lei determina a transferencia da actual Direcção da Hydraulica Agricola para a dependencia da Direcção Geral da Agricultura, vendo-se pelo § 2.° da base I que d'essa transferencia não resulta augmento de despesa ou de pessoal.

Nenhuma nova Direcção Geral se torna necessario criar no novo Ministerio, bastando para a Direcção Superior dos Serviços de Agricultura, Commercio e Industria, as duas a cujo cargo estão hoje os mesmos serviços; assim se determina na base III da proposta.

A complexidade dos serviços,, principalmente na parte que respeita á agricultura, tornaria difficil e moroso o systema de centralização; comprehende-se que não possa um homem só distribuir utilmente em cada dia a sua attenção, os seus cuidados e o seu tempo por cincoenta ou sessenta direcções de serviço, por maiores que sejam a sua competencia e as suas faculdades de trabalho e de expediente; é por esse motivo que me parece conveniente o alvitre que me foi apresentado pelo erudito e criterioso director geral da agricultura, de que fosse adoptado o systema de descentralização, subordinado á conveniente fiscalização e responsabilidade dos funccionarios, nos respectivos cargos, como se dispõe na base II. É n'este sentido que a base IV determina tambem que os serviços externos dependentes, de cada uma das direcções geraes, quando as circunstancias o aconselharem, sejam divididos por grupos de especialidades congéneres, ficando cada grupo ou divisão a cargo de um technico do quadro competente, o que poderá ser effectuado sem aumento de despesa global, e até com alguma reducçao no serviço interno, no qual será possivel diminuir o numero de repartições.

Ainda, para evitar maiores despesas e os inconvenientes que a experiencia tem mostrado haver no arrendamento de propriedades particulares para installação de repartições ou estabelecimentos officiaes, determina-se na base V que essas estações officiaes sejam de preferencia estabelecidas em edificios ou terrenos do Estado, ou por este adrede adquiridos, mediante autorização legislativa. Desta forma as bemfeitorias de que necessitem taes propriedades serão feitas a beneficio do serviço e do Estado, em vez de irem habilitar o senhorio a exigir maior renda quando houvesse de renovar-se o arrendamento.

Taes são, senhores, as disposições fundamentaes insertas na organização do novo Ministerio, e os topicos da contextura da presente proposta de lei, que certamente será melhorada pelo vosso estudo e discussão, se vos dignardes apreciá-la.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

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Proposta de lei relativa á criação do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria

Artigo 1.° E criado o Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, ao qual ficarão pertencendo os serviços internos e externos que actualmente correspondera á Direcção Geral da Agricultura e á Direcção Geral do Commercio e Industria.

§ unico. Passa a fazer parte dos serviços agricolas na dependencia da Direcção Geral da Agricultura a actual Direcção de Hydraulica Agricola.

Art. 2.° Ao Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, que passará a denominar se "Ministerio das Obras Publicas, Correios e Telegraphos", continuarão a pertencer os serviços internos e externos, que actualmente lhe correspondem, com excepção d'aquelles a que se refere o artigo 1.°, e conservará a sua actual organização em tudo que não for notificado por effeito da presente lei.

Art. 3.° O Governo organizará o Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria e respectiva Secretaria de Estado sem acrescimo de encargos para o Thesouro Publico e em harmonia com o disposto n'esta lei e nas bases que d'ella fazem parte integrante.

§ unico. O saldo de que trata o artigo 65.° do decreto de I de outubro de 1908, alem da applicação consignada no mesmo artigo, será tambem destinado, até a quantia de 7:000$000 réis, a satisfazer qualquer nova despesa proveniente da execução desta lei, que não possa ser compensada pela annullação ou reducção de outras despesas.

Art. 4.° Funccionarão junto da Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Industria sob a presidencia do respectivo Ministro os Conselhos Superiores da Agricultura, e do Commercio e Industria.

Art. 5.° A contabilidade geral dos serviços dependentes do Ministerio das Obras Publicas, Correios e Telegraphos e do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria continuarão a cargo da actual 9.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Publica.

§ unico. Uma nova repartição de contabilidade privativa do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria só poderá ser criada pelo Governo quando qualquer dos dois Ministerios haja de ser transferido para outro edifi 3Io, mas sem aumento de encargo para o Thesouro, nos termos do artigo 3.° e seu § unico.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere o artigo 3.° da proposta de lei

Base I

Os quadros do pessoal dos serviços, quer internos, quer externos, do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, serão organizados com o pessoal para elle transferido, por effeito desta lei, do actual Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, com excepção do que pertencer aos quadros technicos de obras publicas e minas, ao exercito ou á armada.

§ 1.° O pessoal: dos quadros technicos de obras publicas e minas e officiaes do exercito e da armada que já servem na situação de destacados na Direcção Geral da Agricultura e na Direcção Geral do Commercio e Industria, e bem assim aquelles que porventura hajam de os substituir, continuarão a servir na referida situação, no Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, emquanto não regressem aos respectivos Ministerios.

§ 2.° O pessoal dos quadros de obras publicas e minas, que serve ou vier a servir na Direcção da Hydraulica Agricola, transferida para o Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, continuará na situação de actividade dentro dos respectivos quadros, emquanto permanecer no serviço da referida direcção.

§ 3.° O Governo fixará os quadros do pessoal,privativo de secretaria e do pessoal menor de cada uma dás Secretarias de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Industria e das Obras Publicas, Correios e Telegraphos, por forma que o numero total de empregados dos quadros de cada especie nas duas secretarias não exceda o numero de empregados do quadro correspondente da actual Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria.

Base II

A organização dos serviços do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria obedecerá ao principio da descentralização subordinada á conveniente fiscalização e responsabilidade dos funccionarios nos respectivos cargos.

Base III

Nenhuma nova Direcção Geral será criada no Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria por effeito desta lei; mas, para a direcção superior de todos os serviços agricolas e a de todos os do commerçio e industria, continuarão a existir as duas respectivas Direcções Geraes, transferidas para o mesmo Ministerio nos termos do artigo 1.°, sendo:

1.° A Direcção Geral da Agricultura;

2.° A Direcção Geral do Commercio e Industria.

Base IV

Os serviços externos dependentes de cada uma das Direcções Geraes ai que se refere a base precedente, poderão, quando as circunstancias o aconselharem, ser divididos por grupos de especialidades congeneres, ficando cada grupo ou divisão a cargo de um technico do quadro competente, que será o respectivo chefe da divisão.

Base V

As estações ou estabelecimentos officiaes, dependentes do Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, serão de preferencia installados em edificios ou terrenos do Estado, ou por este adrede adquiridos, mediante autorização legislativa, por meio de compra ou de expropriação por utilidade publica. Em regra não se arrendarão, nem se acceitarão, para tal fim, propriedades particulares, salvo caso de doação, ou de serem destinadas a serviços de duração temporaria, muito restricta, que não exijam bemfeitorias.

Base VI

Os serviços geraes da Secretarias de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Industria ficarão a cargo de uma secção especial, sob a superintendencia do secretario geral, que será o director geral mais antigo.

Base VII

Aos empregados do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, que passam á servir no Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, são garantidos os vencimentos, categorias, vantagens e regalias que actualmente lhes pertencem no Ministerio de onde procedem, como se n'elle continuassem a servir.

Base VIII

Os Conselhos Superiores da Agricultura e do Commercio e Industria serão opportunamente reorganizados pelo Governo, de forma que, pela sua constituição e attribuições, satisfaçam completamente aos seus fins e se harmonizem com a organização do novo Ministerio e dos respectivos serviços.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Proposta, de lei n.° 12-E

Senhores - Pela carta de lei de 18 de setembro de 1908, artigo 49.°, foi o Governo autorizado; a contratar com o Banco de Portugal a criação de um serviço especial, no mesmo banco, destinado a operações de credito agricola, podendo para esse effeito elevar-se de 72:000 a 77:000 contos de réis a importancia de notas em circulação, sendo o aumento de õ:000 contos exclusivamente destinado ás referidas operações e não podendo o juro dos respectivos empréstimos ir alem de 5 por cento.

No § 5.° do citado artigo é o Governo autorizado a fixar, de acordo com o Banco de Portugal, a importancia compensadora para este das despesas que lhe advirão pelo exercicio destas novas funcções e a decretar, ouvidas as estações competentes, a forma, e condições em que se devem fazer e regulamentar as operações de credito agricola, para sua efficaz diffusão e segurança, tendo em vista particularmente o auxilio a dar ao pequeno agricultor.

A escolha do Banco de Portugal para administrar o fundo destinado ao credito agricola é certamente a roais vantajosa, pelo grande conhecimento de operações financeiras e austeridade de processos da sua administração, bem como por se evitar com ella a installação e avultada despesa que importaria a installação e custeio de um estabelecimento especialmente criado para tal fim.

O credito agricola carece de ser feito a juro modico, para o que se torna indispensavel reduzir quanto possivel as despesas do seu serviço e assegurar que a circulação do fundo nas suas multiplices e successivas mutuações se faça com a maxima segurança.

O Governo, munido com a autorização que lhe é conferida pela lei de 18 de setembro de 1908, podia desde já pôr esta em execução. Pareceu-me, porem, preferivel trazer ao Parlamento uma proposta de lei sobre o mecanismo que mais convém adoptar para o seu funccionamento, tanto mais que foi da minha iniciativa, como Deputado, a parte da dita lei que se refere ao credito agricola, sendo assim para mim de justificado melindre ter de interpretar livremente a autorização que a lei dá.

Por isso venho pedir a vossa valiosa e judiciosa collaboração, mas tratando-se agora da pratica realização do credito agricola não poderia esquecer neste logar o justo registo da solicita actividade já antes empenhada por um dos meus illustres antecessores, D. Luis Filippe de Castro, espirito culto e devotado propugnador do nosso fomento agricola, a quem a lavoura já deve muitos serviços.

O credito agricola é considerado em todos os países civilizados como o meio mais poderoso de promover o desenvolvimento da producção e o barateamento dos productos, mim a que fundamentalmente tem de visar toda a tentativa de fomento agricola.

O lavrador, cuja terra está ainda submettida a um systema de cultura imperfeito, aquelle cujo solo não produz ainda senão uma fracção do producto bruto, de que seria susceptivel quando beneficiado com todos os recursos que o capital, a sciencia e a mecanica industrial põem hoje á disposição do agricultor, só pode aperfeiçoar o seu systema cultural e aumentar a sua producção ampliando o seu capital fixo e circulante, isto é, dotando a sua exploração de instrumentos de lavoura de toda a ordem, mais mumerosos e perfeitos, de melhores installações e, sobre tudo, dispondo do cabedal indispensavel para pagar trabalhos culturaes mais ferteis e repetidos e uma melhor e mais completa adubação das terras, como exige uma cultura intensiva.

Antes de desbravar e cultivar mais terra deve o lavrador melhorar a cultura e desenvolver a producção da que já explora: mas para isso carece de capital e capital barato. Poucos são os emprehendimentos agricolas que possam realizar-se vantajosamente utilizando capitães fornecidos com usura. Os resultados das explorações agricolas estão sujeitos a contratempos e vicissitudes, a que escapam geralmente as industrias e dependem de muitos elementos que o homem não pode dirigir nem dominar. Os trabalhos culturaes teem épocas fixas para se realizarem e é necessario que as estações corram regularmente, e o tempo seja favoravel nas épocas dos grandes trabalhos da lavoura, como são as sementeiras, aliás perde-se o lucro da lavoura e a renda da terra.

Daqui resulta que o lavrador prudente não pode pagar caro o credito, e que o capitalista, receando todos as contingencias possiveis, que os annos maus podem acarretar, não se anima a mutuar-lhe o seu capital, senão a troco de um prémio elevado, que compense o risco.

É o que succede principalmente com o pequeno lavrador e com os rendeiros, que para se sustentarem e ás suas familias, ainda que parcamente, podem ver-se, apos um ou mais annos de más colheitas, na necessidade de consumirem os proprios capitães emprestados, e parte, se não é todo, dos seus limitados haveres. O capitalista não deixa nunca de ter em linha de conta essas circunstancias.

Ha, sem duvida, applicacões de capital na agricultura fundamentalmente remuneradoras, como são as que se fazem com os adubos. Mas, sem embargo, ha annos bons e annos maus, e os verdadeiros lucros do lavrador não são o rendimento liquido da cultura de um anno, mas a media de um periodo de muitos annos, em que, por vezes, os maus são mais numerosos que os bons.

Esta circunstancia, que ao mesmo tempo atemoriza o lavrador e o capitalista, no que respeita ao credito agricola, é, comtudo, mais uma razão da necessidade que ha de o criar e de o vulgarizar. Effectivamente, por isso mesmo que a lavoura está mais sujeita a reveses e contratempos, que qualquer outra industria, carece ella, mais ainda, de credito a juro modico.

O lavrador que, no todo ou em parte, se viu privado das colheitas de um anno, aquelle que não pode rehaver da sua exploração, no anno mau, todo o seu capital circulante, perdeu. Mas a sua perda é ainda muito maior, se, por falta de credito, se vê na terrivel extremidade de não poder realizar convenientemente todos os trabalhos e adubações indispensaveis á sua exploração.

E de alto interesse desenvolver a producção agricola, e baratear o custo da producção dos generos. Mas para consegui-lo de modo seguro, indispensavel é, como se vê, criar o credito agricola local, em que o devedor e o credor, ou pelo menos o seu intermediario ou agente, teem de viver, por assim dizer, paredes meias, conhecendo-se e avaliando se mutuamente com absoluta segurança e profundeza, porque a base d'esse credito, pela sua natureza está mais no conhecimento intimo das qualidades moraes e das faculdades de trabalho do devedor e da sua familia, do que na sua propria fortuna.

O credor encontra melhor garantia no devedor, que reconhece como honesto e bem governado, ainda que apenas possuidor de uma pequena fortuna, que n'aquelle de quem só possa apreciar a fortuna, quando mesmo ella exceda a do primeiro.

Alem disso, quando o credor e o devedor são vizinhos, aquelle pode exercer uma certa vigilancia sobre este, aconselhá-lo e preveni-lo, e tambem retrahir a tempo o seu credito, se o vê desviar do caminho mais prudente.

Por sua parte, o devedor, sentindo-se observado e fiscalizado pelo credor e pelos proprios vizinhos, que são medianeiros e auxiliares de ambos, reconhece se na necessidade de moderar as suas despesas ao indispensavel. O credor, n'estas condições, aifastado assim o maior risco de insolvabilidades e emergentes despesas judiciaes, pode satisfazer-se com um juro modico.

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SESSÃO N.º 27 DE 6 DE JUNHO DE 1910 21

É por este motivo que as caixas de credito mutuo para pequenas circunscrições territoriaes, onde todos se conhecem e avaliam, teem dado tão bons resultados na Allemanha e na Italia. Fundadas sobre o interesse mutuo, confundindo-se nellas o credor e o devedor, são realmente o meio mais valioso de obter capitaes baratos para os pequenos e médios lavradores.

A caixa de credito mutuo leva ao campo o habito da economia, o ensino do aproveitamento dos capitães circulantes nas suas épocas de pousio, isto é, no periodo em que, segundo a expressiva locução popular, existem no pé de, meia; o incitamento a alargar e exclusivamente applicar o credito a tudo o que seja vantajoso para a exploração rural; emfim a fecunda lição do auxilio mutuo e a da apreciação das operações da lavoura sob o ponto de vista do seu valor verdadeiramente util, isto é, num ponto de vista realmente industrial e commercial.

Eis a razão por que na presente proposta de lei se adoptam as caixas ruraes de credito mutuo, como os mais convenientes intermediarios para o serviço do credito agricola.

A responsabilidade solidaria e illimitada dos socios nas caixas ruraes de credito mutuo e outras associações de credito agricola é a caracteristica primacial e mais commum d'essas instituições. Esse principio, verdadeira base do credito agricola mutuo, resume-se nestes breves termos:

"Cada socio reconhece como sua a divida da sua associação e garante-a com toda a sua fortuna".

Este principio tornou, na realidade o credito agricola mutuo o mais solido de todos os créditos (talvez com a unica exclusão do hypothecario), desde que seja exercido por intermedio das caixas locaes, correspondendo a pequenas circunscrições.

A fortuna principal, do lavrador, a sua propriedade, os seus gados, estão patentes a todos os vizinhos e conterraneos.

Outro tanto não succede com a maior ,parte das industrias e dos ramos do commercio, em que muito mais fácil se torna succeder que a fortuna não corresponda ao credito, porque, na realidade, os haveres do industrial e do negociante não se revelam com aquella completa evidencia da fortuna agricola.

Succede, porem, que os estabelecimentos de credito e os capitalistas se encontram como que exclusivamente nos grandes centros de população e nos grandes emporios commerciaes.

Foi para attrahir ás pequenas mas numerosas localidades agricolas ou, digamos, ás freguesias ruraes, tão afastadas e tão ignotas dos bancos e dos capitalistas dos grandes centros, o capital, que lhes faltava, e de que estes dispunham em abundancia, que desde 1867 (lei prussiana de 27 de março de 1867) se teem fundado na Allemanha as associações de credito mutuo, baseadas na mais rigida solidariedade dos participantes.

Pela lei prussiana de 1867, os credores não só tinham o direito de accionar todos os socios da sociedade devedora, mas até o de accionar um só, em substituição da respectiva sociedade ou de todos os outros, no caso d'aquella não se desempenhar dos seus compromissos. E claro que, desde que houvesse um socio com fortuna sufficiente para responder pela divida, o credor tinha toda a vantagem em simplificar o processo.

Nos Estados Germanicos do Sul foi permittido adoptar para estas associações uma responsabilidade de certo modo limitada. Na Baviera, por exemplo, a lei de 29 de abril de 1869 permittia associações de responsabilidade limitada, e outras de responsabilidade illimitada, e, na Saxonia a lei de 15 de junho de 1868 permittia que a associação determinasse no seu estatuto a forma ou limite da sua responsabilidade. Entretanto, uma e outra foram derogadas e substituidas pela lei da Confederação do Norte, de 1868.

Finalmente, ha cerca de vinte annos, foi promulgada na Allemanha uma lei, que já permitte uma certajimitação de responsabilidade solidaria: o capital accumulado nunca pode ser garantia unica, mas pode-se fixar, a mais desse capital, um máximo, de garantia, alem do qual os socios não são responsaveis para com os credores, nem para com a associação.

Nas leis que regera as sociedades nos outros países, considerados de um modo geral, não se, encontra verdadeira analogia com a lei allemã, sendo ordinariamente permittida a organização de sociedades de credito de responsabilidade, tanto limitada, como illimitada, que deve ser declaradanos respectivos estatutos. Pelo Codigo do Commercio belga, de 18 de maio de 1873, se o estatuto nada disser, entender-se-ha que a responsabilidade é solidaria e illimitada.

Pelo nosso Codigo Commercial as sociedades de credito mutuo, devendo constituir sociedades cooperativas, podem adoptar qualquer das formas das sociedades commerciaes, designadas no artigo 105.° do mesmo Codigo, isto é: a de sociedade em nome collectivo, ou de responsabilidade solidaria e illimitada; a de sociedade anonyma, ou de responsabilidade limitada; e a de sociedade em commandita, de responsabilidade illimitada para um ou mais socios e responsabilidade limitada para outros.

É obvio que o systema mais seguro seria o da responsabilidade solidaria e illimitada, tal como principalmente vigora na Allemanha. E é muito para notar que este pais, onde foi inaugurado e se tem conservado o systema, é justamente aquelle em que as sociedades de credito mais se teem desenvolvido, em numero e em importancia, e mais modelares são pela sua boa organização e funccionamento;

É, pois, para a reproducção fiel desses bons modelos que se deve tender.

O credito não se justifica senão para o bom uso de quem faça tambem boa restituição, e quem esteja nestas condições não receará dar garantias ou tomar responsabilidades.

Raiffeisen, o maior e melhor propagandista do credito mutuo, mostrou-se sempre contrario á solidariedade parcial, porque, pensava elle, é necessario não favorecer demasiado a mutuação e o credito, para que a população local se não individe, em vez de fazer um uso prudente e moderado das caixas de credito.

Todo o credito que vae alem do justo e indispensavel torna-se perigoso e prejudicial para quem o dá e para quem o recebe. Era por isso que Raiffeisen não queria que nestas instituições as operações, bancarias se tornassem o fim principal, e recomendava a responsabilidade illimitada como o melhor freio para evitar esse desmando. Schulze-Delitzsch considerava tambem a solidariedade illimitada como a mais solida base em que as associações podiam fundar o seu credito, e pensava que uma sociedade do credito mutuo sem essa condição era comparavel a uma faca sem fio.

O receio que a responsabilidade solidaria e illimitada incute nos socios é justamente a sua melhor qualidade. E esse receio que, segundo uma locução vulgar, traz os socios com o credo na boca, é o melhor fiscal da administração e dos mutuarios, nas caixas de credito mutuo. Todos se fiscalizam mutuamente, e conjuntamente fiscalizam a direcção.

Entretanto o systema não é facilmente adaptavel nos nossos habitos, e de recear é que, por algum tempo ainda possa, isso embargar o estabelecimento d'estas uteis instituições.

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É por este motivo que se não impõe na proposta de lei, como condição obrigatoria, a responsabilidade solidaria e illimitada, e se permitte que esta se restrinja ao capital social, ou seja ampliada, pela forma que nos estatutos das caixas se determine.

Por outra parte, é claro que as caixas que conseguirem estabelecer-se com a base da solidariedade illimitada poderão mais tarde, quando tiverem desenvolvido sufficientemente o seu capital social, substitui-la pela de responsabilidade limitada.

Quando a caixa rural tenha educado o pequeno lavrador nas operações do credito mutuo, o credito agricola geral tornar-se-ha mais facil, porque haverá clientes para elle. Hoje, effectivamente, a maior parte dos pequenos lavradores teem receio dos bancos, desconhecem a funcção da letra e teem até acanhamento e mesmo vergonha de a acceitar. E preciso que o credito agricola comece como que em familia, na freguesia rural, para se estender depois ao concelho e ao districto, aproveitando a intervenção das agencias dos bancos nas sedes d'essas circunscrições ou os proprios bancos agricolas, que ahi virão a estabelecer-se, logo que possam contar com uma clientela numerosa e segura e o cabedal do usurario, banido do campo pela caixa de credito mutuo, se veja obrigado a ser mais modesto e a concorrer á acquisição dos titulos bancarios, ao deposito e ao desconto da letra.

Será então occasião de criar as caixas centraes de credito agricola, mutuo também, mas tendo já maior esfera de acção, e constituindo como que federações das caixas locaes comprehendidas nas respectivas circunscrições, pois que serão seus socios os socios destas, individual e collectivamente.

No systema Raiffeisen, tão modelar, cada caixa local não pode abranger uma circunscrição de mais de 2:000 habitantes, e um grupo de caixas proximas entre si, ou de regiões limitrophes, pode congregar-se para constituir syndi-catos geraes, destinados á defesa dos interesses das caixas associadas, e caixas centraes, com missão especial ou principal de cuidarem dos negocios bancarios, que interessem ás caixas locaes, como são os empréstimos e a collocação de fundos accumulados, para os quaes não haja sufficiente mutuação nas respectivas circunscrições. Por esta forma as caixas locaes, cujos fundos superabundem, podem vir a auxiliar aquellas que ainda careçam de recorrer ao credito, servindo-lhes de intermediario a caixa central.

Actualmente, no pais, a taxa de 4 a 5 por canto é certamente considerada a de um juro modico. Mas é de esperar que o bom funccionamento do credito agricola que se pretende organizar, venha a proporcionar o meio de, em um futuro mais ou menos proximo, as caixas de credito mutuo poderem reduzir ainda mais o juro, á medida que for crescendo o seu capital proprio.

Effectivamente, organizadas as caixas, pela forma mais humanitaria ou mesmo mais christã, até hoje conhecida, a do systema Raiffeisen, a despesa da sua administração, ou do seu serviço, não sobrecarrega o capital nem o juro, porque não sae do capital, devendo fazer-lhe face o producto das quotas pagas pelos socios. O saldo destas, se o ha, é que vae accrescer ainda ao capital, beneficiando o portanto. Por outro lado, o capital não pertence nunca aos socios, porque é indivisivel, nunca pode deixar de .ser reservado em globo para auxilio aos socios actuaes ou futuros, por meio de empréstimos a juro modico, e o saldo do juro, pago o encargo dos emprestimos feitos á caixa, accresce sempre ao mesmo capital. Ora, como entre o juro pago e o juro recebido ha uma differença de 1 por cento, posto que esta pareça pequena, a sua constancia torna-a importante, e, desde que o capital esteja sempre em actividade, a sua accumulação desenvolve-se á razão de juro composto. Assim, cada conto de réis, que ande mutuado pela caixa (pagando ella 4 por cento ao banco e recebendo dos mutuarios 5 por cento), deixando-lhe de interesse annual 10$000 réis, que se vão accumulando e mutuando a 5 por cento, criar-lhe-ha um acréscimo de capital social, que será:

No fim de 10 annos .... 132$060
No fim de 20 annos .... 347$190
No fim de 30 annos .... 697$600
No fim de 36 annos .... 1:006$280
No fim de 40 annos .... 1:268$390
No fim de 50 annos .... 2:198$150

D'esta forma, uma caixa de crédito mutuo bem administrada, que precisasse para satisfazer a necessidade de credito dos seus associados tomar de empréstimo ao banco e trazer constantemente em giro 10 contos de réis, teria criado, ao fim de 36 annos, um capital social de 10:062$800 réis, sufficiente para as necessidades dos socios, e não precisaria mais de levantar emprestimos no banco.

Como o rendimento d'esse capital social seria só a beneficio da caixa, poderia esta desde esse momento reduzir á taxa do juro quanto quizesse, e, não o fazendo, o seu fundo continuaria a crescer por forma identica, mas em proporção quintupla.

Como, porem, o capital tem de soffrer occasionalmente estagnação em caixa, suppondo que não havia outras fontes de crescimento o calculo supra careceria de correcção. Mas quando mesmo dessa correcção resultasse 2 por cento a menos no rendimento do capital accumulado, rendendo este portanto apenas 3 por cento era todo o anno, a caixa teria conseguido amontoar um capital de 10:340$800 réis no fim de 47 annos, isto é; tinha servido os seus socios com capitaes a 5 por cento durante um periodo de 47 annos, e d'ahi por deante achava-se habilitada a fornecer-lhos até gratuitamente, mercê do systema da sua constituição e do lucro de 1 por cento que lhe é concedido na proposta de lei.

No artigo 6.° da proposta de lei, e seus paragraphos, são estatuidas as bases em que deve assentar a organização das caixas de credito agricola mutuo, bem como as suas faculdades ou attribuições.

Chamarei especialmente a vossa attenção para as applicações a que os lavradores associados poderão destinar os emprestimos levantados nas respectivas caixas.
Sendo uma das condições mais importantes de credito agricola que o mutuo tenha o devido destino e não seja desviado para fins estranhos, que não hajam de produzir os devidos beneficios, é indispensavel que se determine na lei e nos estatutos quaes os fins que podem servir de motivo ou base aos contratos de mutuo das caixas de credito agricola para evitar, quanto possivel, todo e qualquer abuso.

Adoptada a distincção mais usual e clássica do capital agricola em fundiario e de exploração, e distinguindo ainda neste ultimo o fixo e o circulante, é facil determinar as applicações que podem ter os emprestimos de credito agricola, visto que, estando assente que os do credito hypothecario ou predial se devem destinar a melhoramentos fundiarios, isto é, áquelles que teem por fim ou consequencia o aumento do capital fundiario, é logico que os de credito agricola sejam consignados a applicações proprias do capital de explorarão, quer fixo, quer circulante, como são, segundo as classificações de Guido Krafft, professor da Escola Imperial de Agricultura e de Silvicul-

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tura de Vienna, os seguintes: o material agricola, os gados de producção e de trabalho, as arvores e arbustos de producção, exemplificando os capitães fixos; e as substancias fertilizantes, os trabalhos agrarios, os melhoramentos culturaes, as provisões e productos agricolas, horticolas, zootechnicos e as industrias agricolas, as reservas de materiaes para reparações de edificios, de vedações e de alfaias-agricolas, os abastecimentos de materias primas para industrias agricolas, de viveres para o pessoal, de forragens para os gados, de combustivel e finalmente o numerario para o custeio, exemplificando os capitaes circulantes.

Conforme se vê pelo artigo 8.° da proposta de lei, a todas estas especies de capital de exploração podem, nas operações de credito agricola das caixas, ser consignados os mutuos.

A industria agricola não só está sujeita a contingencias mui diversas, que de ordinario não affectam as demais industrias, como já frisei, mas alem d'isso tem de empregar processos,- meios, instrumentos e materias primas tambem mui differentes e mais numerosos que os empregados pel maior parte das industrias. Basta citar: os diversos adubos organicos e chimicos; os fungicidas e insecticidas para tratamento das doenças das plantas; as sementes; as variadas operações culturaes; os differentes instrumentos que teem de ser empregados e especializados para cada lavor cultural ou cada operação de fabrico nas artes agricolas ,os gados de varia especie e raça, que hão de valorizar as forragens, produzindo carne, leite, crias, lã e trabalho Pode o lavrador ser attento e diligente, fazer com opportunidade e perfeição todos os seus trabalhos culturaes. Mas bastam as irregularidades do tempo, para que todo o seu trabalho seja perdido e ás vezes até os seus gados para que as sementes não nasçam, ou as plantas não cresçam, não floresçam ou não frutifiquem, ou os seus frutos não sazonem; ou ainda para que escasseim as forragens e até a agua para o gado. Quando menos espera, a cheia, a tempestade, a estiagem e a inundação destroem-lhe a culturas e vê se sem semente para nova sementeira, se esta é ainda possivel, e sem reserva de numerario para pagar os respectivos trabalhos. O seu unico recurso, então, é o emprestimo, e só o credito agricola bem organizado o poderá, desde esse momento, proteger contra aquelle outro perigo que já o ameaça-a usura.

Todas estas circumstancias e outras, como as que se representam nas grandes calamidades agricolas, que des troem culturas, gados e as proprias terras, intensamente concorrem para fundamente accentuar os caracteres do credito agricola, para a sua maior exigencia de responsabilidade solidaria, de fianças é penhores e de limitação local ou regional nas sociedades de credito mutuo. De uma forma parabolica, poder-se-hia dizer que o credito agricola não vê ao longe e só e franco ao pé da porta.

Contratar com o Banco de Portugal o serviço do credito agricola, e regulamentar este sem tornar obrigatoria a interferencia das caixas, embora exigindo ao mutuario a qualidade de agricultor e a rigorosa indicação e limitação dos fins a que poderiam ser applicados os créditos, seria dispersar immediata e largamente os 5:000 contos de réis autorizados pela lei mas com prejuizo de uma criação tão altamente vantajosa para o pequeno agricultor em todos os seus aspectos materiaes e moraes.

Tudo este conjunto de circumstancias me levou a pensar na decidida conveniencia de adoptar as caixas de credito agricola mutuo como a melhor e mais segura solução do problema. Mas, por um lado o receio da morosidade no seu estabelecimento, sendo exigida em absoluto a solidariedade illimitada, por outro, o temor de restringir demasiado a garantia e segurança nos emprestimos, tornando portanto mais difficil ou mais receosa a confiança do banco para com as caixas que limitem a responsabilidade dos seus socios, levaram-me a julgar que a decisão n'este assunto excedia as faculdades de um simples regulamento e impuseram-me outra orientação: a de submetter ao vosso esclarecido criterio a resolução final do problema.

Era harmonia com o juizo que deixo exposto, ácerca da conveniencia das caixas ruraes de credito mutuo, dispõe o artigo 1.° da proposta de lei, que as operações de credito agricola, permittidas pela carta de lei de 18 de setembro de 1908, mediante o serviço a criar no Banco de Portugal, serão apenas realizadas com as caixas de credito mutuo.

Alem da garantia, que resulta da organização das caixas de credito, mormente se, como é para desejar, ellas se constituirem á feição d§ modelo Raiffeisen, sob a clausula da responsabilidade solidaria illimitada, o que lhes facilitará o credito, advém desse systema uma grande facilidade na distribuição do credito, porque o Banco de Portugal só carace, assim, de saber qual a capacidade financeira e administrativa de cada caixa, encarada no seu conjunto social, sem carecer de inquirir da capacidade economica e moral de cada socio, que haja de propor á caixa qualquer operação de credito, em seu favor, e isto principalmente quando a sociedade se haja organizado em nome collectivo.

Não só para o Estado, tambem para o Banco e para as caixas de credito mutuo são precisas as garantias de facilidade na execução e de segurança no regime do credito agricola, como igualmente indispensavel é que a inteira seriedade da organização se imponha á consideração dos interessados e do publico em geral, como portador que é d'aquella parte da circulação fiduciaria criada para base das operações do credito agricola.

A tudo isto obedece a proposta de lei presente e assim julguei de vantagem, para dar á agricultura todos os elementos de defesa na realização do credito agricola, a criação de uma commissão delegada do Conselho Superior de Agricultura, da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, e das caixas de credito agricola mutuo, funccionando consultiva e fiscalmente junto do respectivo Ministro. Mais ainda, obedecendo ao mesmo criterio, haverá recurso para o Governo, quando o Banco não conceda o credito requerido, consultando aquelle, para final resolução, a commissão referida. A esta compete tambem elaborar annualmente um relatorio circunstanciado das operações, para habilitar o Governo a informar as Cortes ácerca do serviço do credito agricola.

Da austeridade das intenções governativas e do intuito levantado que nos move numa questão, que tão fundamentalmente importa á prosperidade da agricultura nacional e em que importantes interesses financeiros e economicos estão era jogo, cremos dar prova no nosso procedimento. Ao Parlamento vimos, pois, com encarecimento, pedir a sua cooperação, dedicada e esclarecida, para a efficaz implantação do mecanismo a que se deve subordinar o credito agricola, que tanto convém organizar, e que preciso é se inicie e desenvolva rapidamente, para que o supplemento de circulação fiduciaria posto pelo Estado ao seu serviço possa transmittir a sua virtual energia á lavoura nacional, animando a, levantando-a do seu abatimento, tornando-a deveras prospera para si e para o país. Taes são, Senhores, as aspirações do Governo.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moretra Junior.

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Proposta de lei sobre a organização do Credito Agricola e criação das Caixas de Credito Agricola Mutuo

CAPITULO I

Da organização geral dos serviços do credito agricola

Artigo 1.° Nos termos do artigo 49.° da carta de lei de 18 de setembro de 1908, o serviço geral do credito agricola, ali instituido, fica a cargo do Banco de Portugal, mediante contrato a celebrar nos termos da presente lei e dos estatutos do Banco, o qual o desempenhará por intermedio das Caixas de Credito Agricola Mutuo nesta mesma lei criadas.

Este regime especial, porém, será inicialmente posto em vigor só para o continente do reino.

§ unico. Em todos os actos concernentes a credito agricola, em que o Banco de Portugal intervenha, fá-lo-ha em representação do Estado.

Art. 2.° Junto do Ministerio a que pertençam os serviços agricolas funccionará uma commissão consultiva e fiscal, constituida por cinco membros, tres delegados do Conselho Superior de Agricultura, sendo um destes representante da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, e dois delegados das caixas ruraes.

CAPITULO II

Do serviço do Banco de Portugal

Art. 3.° As operações de credito agricola em que, nos termos da presente lei, intervém o Banco de Portugal, serão por este realizadas exclusivamente com as Caixas de Credito Agricola Mutuo, ficando o Estado inteira e directamente responsavel para com o Banco pelas referidas operações, ás quaes servirão de garantia os titulos de divida interna, a que se refere o § 2.° do artigo 49.° da lei dei 18 de setembro de 1908, lei, com a margem estatutaria do Banco.

Art. 4.° A circulação supplementar de 5:000 contos de réis destinada ao credito agricola, embora com uniformidade de notas terá escrituração e contabilidade proprias o far-se-ha independentemente das vigentes obrigações contratuaes respeitantes á emissão geral das notas do Banco de Portugal.

Art. 5.° Os lucros das operações do Banco com as Caixas de Credito Agricola Mutuo pertencem ao Estado. Mas são encargo d'este, pelo qual em todos os casos elle é responsavel para com o mesmo Banco:

1.° Os prejuizos nas operações;

2.° A verba proporcional nas despesas geraes de estampagem de notas e nas provenientes de falsificação destas;

3.° A despesa com pessoal e material privativos do serviço do credito agricola;

4.° A despesa com prémios de seguro de valores;

5.° A commbsão de 1/4 por cento sobre as operações de credito agricola realizadas pelo Banco, como indemnização de gerencia e serviço.

Art. 6.° De qualquer denegação de credito por parte do Banco, ha recurso para o Governo.

Art. 7.° O Banco, de acordo com o Governo, poderá organizar commissões locaes de informação, concelhias ou parochiaes.

Art. 8.° O Governo ouvirá o Banco ácerca dos regulamentos, instrucções e concessões que. haja de promulgar ou effectuar.

Art. 9.° A fiscalização do regime do credito agricola, no que respeita á applicação dos emprestimos feitos pelas Caixas aos seus associados, pertencerá exclusivamente ao Governo. O Banco poder-lhe-ha, porem, requerer que lhe sejam fornecidas informações e se averiguem quaesquer factos, o que será attendido nos termos do § 3.° do artigo 36.° d'esta lei.

Art. 10.° O primeiro contrato do Estado com o Banco será limitado á-duração de cinco annos.

CAPITULO III

Caixas de Credito Agricola Mutuo

Art. 11.° As Caixas de Credito Agricola Mutuo, a que se refere a presente lei, terão a natureza e indole de sociedades cooperativas, sendo illimitado o numero de socios, que serão agricultores ou associações de agricultores, que explorem a terra na respectiva circunscrição, e a sua responsabilidade solidaria é limitada ao capital social, ou ampliada alem deste, conforme os respectivos estatutos estabelecerem.

Art. 12.° Os fins das Caixas de Credito Agricola Mutuo são:

1.° Emprestar aos socios, para fins exclusivamente agricolas e obedecendo aos preceitos desta lei, os capitães de que necessitem e que a caixa obtiver pela forma nesta lei definida.

2.° Receber dinheiro em deposito, a prazo ou á ordem, tanto dos associados, como dos estranhos á sociedade, pagando-lhes os juros convencionados e nunca superiores a 3 por cento ao anno.

Art. 13.° As Caixas terão caracter local, limitando-se as suas circunscrições a uma, ou quando muito a tres freguesias contiguas, de um mesmo concelho, sendo todavia permittidas, com previa autorização do Governo, federações de caixas do mesmo concelho.

Art. 14.° A approvação dos estatutos é condição indispensavel para o funccionamento de qualquer caixa.

a) Sobre elles emittirá sempre parecer a commissão consultiva e fiscal;

b) A sua remessa pelo correio é gratuita, bem como a das suas alterações;

c) Os estatutos, sua approvação e alterações ficam isentos de qualquer imposto.

Art. 15.° Em regulamentação especial se determinarão as condições de admissão e exclusão dos socios das Caixas, os seus direitos e obrigações, a organização dos corpos gerentes, assembleias geraes, meios de funccionamento e attribuições respectivas.

Art. 16.° Será regulada a forma de rateio entre as Caixas e entre os associados de cada caixa, estabelecendo-se sempre preferencia para os pequenos agricultores.

Art. 17.° As quotas dos associados serão relacionadas ora o valor das propriedades, possuidas ou arrendadas, amanhadas por cada associado dentro da respectiva circunscrição.

Art. 18.° As funcções da corpos gerentes serão gratuitas, com excepção apenas do thesoureiro e do guarda-livros, ou quem desempenhe as suas funcções, que poderão ser remunerados.

Art. 19.° Os fundos sociaes das Caixas de Credito Agricola Mutuo serão constituidos:

1.° Pelas quotas dos socios;

2.° Pelos lucros obtidos nos empréstimos feitos aos seus associados;

3.° Pelos lucros obtidos dos depositos a que se refere o n.° 2.° do artigo 11.°;

4.° Por quaesquer heranças, doações, legados ou subsidios que recebam a titulo gratuito.

Art. 20.° As Caixas não poderão emittir acções nem obrigações, e, quando o capital social exceda as necessidades de credito solicitado pelos socios, poderão empregar esse excedente em titulos de divida interna fundada.

Art. 21.° Nenhum socio poderá levantar emprestimos superiores a 50 por cento do valor das suas propriedades quando as offereça, como hypotheca, ou a 50 por cento do valor do penhor, ou, finalmente, a 25 por cento do valor das propriedades allodiaes e livres de hypotheca, suas e do seu fiador, conjuntamente, quando dê fiança sem

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hypotheca. O regulamento determinará a forma mais simples e garantida de se documentar esses emprestimos.

Art. 22.° Ás Caixas de Credito Agricola Mutuo fiscalizarão rigorosamente o emprego que os seus associados façam dos fundos que lhes tenham sido fornecidos, a fim de não serem desviados da sua justa applicação.

Art. 23.° Sem embargo das sancções penaes prescritas na lei geral para os delictos communs, serão estabelecidas penalidades especiaes, no regulamento, para os associados que illudam ou tentem illudir, em emprestimos pedidos ou alcançados, os fins a que estes se destinem, ou pratiquem ou tentem qualquer outra forma de sophismar os preceitos do credito agricola.

Art. 24.° Em tudo em que se torne necessaria a intervenção judicial, nos negocios dos socios com as respectivas caixas, ficarão aquelles e estas sujeitos á acção do tribunal commercial, pela mesma forma e nas condições em que se encontram os individuos e entidades commerciaes e industriaes.

CAPITULO IV

Das operações de credito agricola

Art. 25.° As operações de credito agricola, constantes da presente lei, iniciar-se-hão logo que estejam constituidas pelo menos dez Caixas de Credito Agricola Mutuo e se tenha realizado o contrato com o Banco de Portugal, em harmonia com os seus estatutos e a carta de lei de 18 de setembro de 1908.

Art. 26.° O juro das operações feitas pelo Banco de Portugal com as Caixas não excederá 4 por cento e o distas com os seus associados 5 por cento.

Art. 27.° As letras e mais titulos de natureza identica, com a clausula á ordem, a prazos determinados não excedentes a um anno, subscritos pelas Caixas de Credito Agricola Mutuo, são considerados, para todos os effeitos, como representativas de operações commerciaes.

Art. 28.° A forma de todas as operações e liquidações será estabelecida no regulamento, de acordo entre o Governo e o Banco.

Art. 29.° As concessões de credito do Banco ás Caixas de responsabilidade limitada serão restrictas ao duplo do seu fundo social realizado, e ás Caixas de responsabilidade solidaria e illimitada, a 25 por cento do valor das propriedades rusticas ou urbanas, isentas de hypothecas e allodiaes, de todos os seus socios, sendo esse valor calculado em vinte vezes o rendimento collectavel dos mesmos prédios nas matrizes prediaes do concelho.

Art. 30.° Todos os emprestimos mutuados pelas Caixas com os respectivos socios serão garantidos por fiança, penhor, consignação de rendimentos ou hypothecas, e o seu prazo não excederá um anno.

Art. 31.° As operações de credito agricola permittidas ás Caixas, só serão feitas com quem effectiva e directamente explore a terra, e comprehenderão, com exclusão de outras, as seguintes applicações:

1.° Compras de sementes, plantas, insecticidas, fungicidas, adubos e correctivos, gados, forragens, utensilios, machinas, alfaias e material de transportes;

2.° Pagamentos de jornaes, soldadas e mais vencimentos de pessoal agricola, bem como de rendas, alugueres e mais encargos de exploração.

Art. 32.° Os pedidos de concessão de credito indicarão precisamente os fins a que este se destina, a época aproximada do anno em que será necessaria cada verba das indicadas, o titulo de fruição das terras, a que a exploração agricola respeita, com indicação da area cultural e mais condições necessarias para se poder formar juizo da productividade do emprehendimento e segurança da operação.

Art. 33.° Os emprestimos feitos pelas Caixas com garantia de hypotheca não podem, em cada anno, exceder o valor de um quinto da importancia total dos fundos, que no mesmo anno tenham disponiveis para as operações de credito agricola.

Art. 34.° Para tornar effectivo, com, segurança, o credito mobiliario privilegiado, sem deslocação do penhor, poderá constituir-se o devedor fiel depositario do mesmo penhor.

Art. 35.° As transferencias de fundos operadas pelo Banco de Portugal ou pelas respectivas agencias serão gratuitas assim como todas as transferencias de fundos representativos de operações de credito agricola que se realizarem pelo correio.

CAPITULO V

Da Commissão consultiva e fiscal

Art. 36.° A Commissão consultiva e fiscal pertence:

1.° Dar parecer sobre todos os assuntos relativos ao credito agricola, ácerca dos quaes o Governo a queira ouvir;

2.° Dirigir superiormente a fiscalização das Caixas de Credito Agricola Mutuo e da applicação dos emprestimos feitos aos socios das mesmas Caixas, como delegada do Governo.

3.° Elaborar annualmente um relatorio circunstanciado ácerca do movimento e criação das Caixas, a tempo de habilitar o Governo a informar as Cortes sobre este assunto.

§ 1.° Esta commissão será remunerada por intermédio do Banco, não excedendo, porem, 300$000 réis annuaes a remuneração de cada um dos seus membros.

§ 2.° A commissão terá uma sessão ordinaria semanal, e as extraordinarias que forem precisas.

§ 3.° O Governo, pelas estações officiaes competentes, prestará auxilio á Commissão e ao Banco na apreciação e fiscalização necessarias para se averiguar as circunstancias dos prestamistas, condições do credito por elles pedido e applicação dos capitaes, que lhes sejam concedidos.

Art. 37.° O Governo fará os regulamentos necessarios para a execução desta lei.

Art. 38.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n. 12-F

Senhores. - As inundações calamitosas ultimamente havidas, que enlutam e empobrecem a nação, já pelos importantes prejuizos causados á riqueza particular, já pelas extraordinarias despesas que o Estado tem de fazer, para reparar os estragos occasionados pela violencia e quantidade de agua caida nas bacias de recepção dos nossos rios e ribeiros, fazem convergir as attenções para o problema florestal, pois a regularização dos cursos de agua que a industria e a agricultura reclamam, a desobstrucção dos portos e o rebaixamento do leito, dos rios que a navegação e o commercio imploram, só podem ser obtidos pelo ordenamento racional das montanhas e por uma sufficiente arborização das planicies, assuntos de que a opinião publica se tem desinteressado.

Num país, como o nosso, de estiagens prolongadissimas, preciso é que a agua pluvial quando chegue ao solo se divida, se retenha, se armazene e não venha em catadupas precipitar-se pelas encostas abruptas e incultas, arrastando tudo o que encontrar na sua passagem, levando, em vez de vida e felicidade, a morte e a miseria atrás de si.

Não tendo nos geleiras e lagos, que era outros países formam grandes reservatorios de agua, depende das precipitações atmosphericas a prosperidade da agricultura e não só a sua quantidade como a sua frequencia decidem da sorte e constancia das colheitas.

Os principaes factores que concorrem parada producção de cheias são as chuvas de intensidade excepcional, a

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constituição geologica do solo e a disposição topographica do terreno sobre que se precipitam.

O homem é impotente para evitar phenomenos meteorologicos, mas pode attenuar as stias consequencias, protegendo o solo contra a corrosão, diminuindo os materiaes carreados pelas aguas, que vão entulhar as barras e levantar o leito dos rios e procurando reter parte das que devem alimentar as fontes e regular o caudal dos cursos de agua.

Só chamando em seu soccorro os milhares de seres vivos que são as arvores, os arbustos, as ervas, os musgos e os innumeros organismos inferiores, cujo conjunto constitue a floresta, o homem poderá vencer as grandes forças da natureza, lutando pela agua e ao mesmo tempo contra a agua.

Os beneficios indirectos que produz a arborização são evidentes e universalmente admittidos, sendo de todos conhecida a benéfica influencia que a floresta exerce sobre as inundações.

Geralmente quando se tenta realizar um emprehendi mento na montanha, que despeja torrencialmente as suas aguas nos valles, os habitantes d'estes desinteressam-se d'elle sem pensarem que, apesar de estarem muitas e muitas leguas distantes da serra, d'ella dependem os seus haveres e felicidade.

Por seu turno, os montanheses não consideram os melhoramentos realizados na sua região senão pelo beneficio immediato, ou contrariedade que lhes pode occasionar a regulamentação de um uso, preferindo um abuso a beneficiar os ribeirinhos ou a collectividade.

O ordenamento das montanhas trata do aproveitamento destas no interesse geral e implica a ideia de harmonia entre o interesse dos habitantes da planicie e o dos serranos. Para aquelles é a arborização, remedio efficaz para manter as terra e regularizar o regime das aguas, e para os ultimos o enrelvamento e melhoramento das pastagens é o mais conveniente, visto ser o gado que ellas sustentam a principal riqueza.

Apesar de apparente divergencia, o problema florestal attende todos os interesses, pois as arvores e a erva devem ser collocadas nos seus verdadeiros locaes; aquellas nas encostas de grande declive e esta nos valles de fraca inclinação e nos planaltos.

Os montanheses assim o devem entender pois que destruindo as arvores que consideram prejudiciaes á erva, fazem diminuir as fontes que fertilizam as pastagens, favorecera a seca, que facilita o arranco da erva pelo gado e a mobilização da terra, que a primeira trovoada arrasta para bem longe e esquecem se do que a brecha praticada no relvado aumenta com cada chuvada e transforma rapidamente uma pastagem fertil num rochedo esteril.

Não é só a nefasta influencia da desnudação das montanhas, relativa ao regime dos cursos de agua, que deve preoccupar-nos, mas tambem a sua influencia sob o ponto de vista economico.

Quando a invenção e o aperfeiçoamento das machinas a vapor pôs á disposição da actividade humana essa nova fonte de energia, pareceu durante algum tempo que as industrias podiam desinteressar-se da potencia e da regularidade do caudal dos rios e ribeiros, mas hoje a luta pela agua torna-se mais ardente do que nunca.

A agricultura reclama para as suas irrigações quantidades de agua cada vez maiores e a industria electrica procura por toda a parte quedas potentes.

Num país em que falta a hulha e que importa annual-mente (raappa n.° 1) combustivel no valor de 4.422:559$000 réis, ha necessidade de aumentar as forças hydraulicas e, já que temos pouca hulha branca, ha que obter a hulha verde, favorecendo assim a agricultura, a industria e o progresso da nação.

Quanta vida não insufflaria nas nossas industrias a utilização das forças hvdrauliças, que a electricidade permitte transportar a grandes distancias, e quantas industrias se poderiam ainda criar com vantagem do melhor aproveitamento do solo!

Para de tal se aquilatar, basta lembrar que não temos jazigos de elementos nobres para a cultura intensiva dos campos e que importamos adubos para a agricultura em

[Ver tabela na imagem]

ou seja, em media, 78:592 toneladas que obrigam á exportação annual de 947:000$000 réis.

Descobertas modernas permittem a fabricação de nitratos artificiaes utilizando as quedas de agua que produzem força barata; e nos, que temos cal em abundancia, quanta cal azotada não poderiamos obter e que influencia não teria este adubo na producção de subsistencias alimenticias e principalmente na do trigo, cujo déficit nos drena tanto ouro para o estrangeiro?

Não resta duvida que urge aproveitar estes elementos de progresso, mas, para que possa haver forças hydraulicas, visto não termos geleiras, é preciso que a agua pluvial se retenha o mais possivel e não venha, sem ser utilizada, perder-se no mar.

A nossa insufficiencia flurestal é notoria e será no futuro mais caracterizada. A importação de productos florestaes e seus derivados eleva-se, em media, no periodo de 1904-1908 (mappa n.° 2), a 2.682:000$000 réis, e embora a exportação media dos mesmos annos fosse de 5.012:000$000 réis, succede que estamos esgotando as madeiras de maiores dimensões e as de applicações especiaes ás industrias.

Já hoje é diificil obter as travessas necessarias á nossa rede de caminhos de ferro e não vem longe o dia em que teremos de aumentar a importação com madeiras para este fim.

Embora a producção florestal já concorra para attenuar o desiquilibrio do movimento commercial, devemos considerar que o consumo mundial de productos lenhosos cresce consideravelmente todos os annos e é superior á producção normal das florestas accessiveis, sendo o deficit de producção satisfeito pelas reservas existentes na Suecia, na Finlandia e no Canadá que se exgotarão em breves annos, déficit annual que Schlich calculou, em 1006, em 2.620:000 toneladas inglesas e que annualmente aumenta era 600:000 toneladas.

D'ahi o dever de todas as nações se preoccuparem com os assuntos florestaes e a attenção que lhes deve merecer a boa utilização do solo; dever que Portugal não pode descurar pois que a sua prosperidade depende do maior e melhor aproveitamento da terra que forma o seu patrimonio e da valorização dos productos que ella pode e deve fornecer.

Segundo o reconhecimento geral realizado em 1900, o solo continental tinha o seguinte aproveitamento:

[Ver tabela na imagem]

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Na superficie inculta está comprehendida a area social que geralmente é computada em 3,5 por cento da area total, o que reduz a area dos baldios e cumeadas a 3.511:795 hectares, numero desolador, pois, sendo o continente tão pequeno, custa a admittir que tenhamos dentro d'elle uma area inculta maior que a superficie da Belgica, com manifesto detrimento da situação economica.

A valorização dos incultos tem grande interesse para a prosperidade publica e, sendo na sua maior parte de fraco valor agricola, deduz-se que a sua utilização tem de fazer-se pela cultura florestal, tanto mais que as maiores areas se encontram nas zonas de vegetação que lhe são proprias. Fazer lavoura em incultos ali situados é quasi impossivel, visto as colheitas não compensarem as despesas de mobilização da terra e de acquisição e transporte de adubos, mas, se não são susceptiveis de cultura agricola, podem dar importantes producções de madeira e erva, satisfazendo assim a duas necessidades essenciaes da vida rural.

Dos 3.511:795 hectares de baldios e encostas julgadas improductivas, 1.102:127 hectares teem de ser utilizados pela cultura florestal e, por representarem as encostas e cumeadas das serras, terão de ser quasi todos volorizados com o auxilio do Estado, a quem tambem está confiada a utilização dos areaes moveis que, por geralmente não darem cultura lucrativa no primeiro século, deverão ser fixados sob a sua acção.

Como se vê, a importancia do problema florestal é muito grande, assim como vasto é o seu campo de acção, devendo todos associar-se a esta grande obra, possuindo cada um a sua floresta capitalizadora que a si atrae os raios do sol, a agua das chuvas, os mineraes do solo e da atmosphera, e que, combinando-os nos seus tecidos e transformando-os gratuitamente, pode fazer a riqueza e o bem estar da nação.

Julgamos que no interesse do país, cumpre ao Estado, por meios directos e indirectos, cuidar do aumento da area arborizada, da conservação da existente e do melhoramento das pastagens, aumentando o seu dominio florestal, promovendo a cooperação das collectividades, orientando-os capitães para a arborização, favorecendo a regeneração das explorações abusivas e propagando a plantação e p respeito .pela arvore, a fim de que aumente a riqueza publica, se utilizem os milhões de hectares incultos e se aufiram os beneficios indirectos que os massiçps florestaes facultam.

Aumento da area arborizada

Do dominio florestal

O Estado tem de nacionalizar grande parte dos terrenos incultos das montanhas e das dunas, terrenos cuja conservação é indispensavel á segurança publica e que, por deverem ser utilizados na formação de matas de protecção, teem de ser explorados: attendendo mais ao fim de utilidade da sua criação, do que ao interesse immediato que devem produzir. Estas propriedades não podem estar senão debaixo da acção de entidades de existencia illimitada, que sacrifiquem o maior juro de capital e tenham continuidade de administração.

A lei florestal existente assim o preve determinando, no capitulo IV, que se submetiam ao regime florestal os terrenos e matas cuja arborização seja de utilidade publica e conveniente ou necessaria para o bom regime das aguas e defesa das varzeas, para a valorização das planices aridas e beneficio do clima, ou para a fixação e conservação do solo nas montanhas e das areias do litoral.

Não data da lei de 24 ,de dezembro de 1901, que por progressiva e sabia tanto tem sido apreciada no estrangeiro, tendo sido imitada pela Espanha e estando para o ser em França e Italia, a faculdade de aumentar e promover a arborização, pois grande e copiosa é a legislação portuguesa referente a taes assuntos, e muitas foram as propostas apresentadas a esta Camara, tendentes a dar solução ao problema florestal.

Como se pode julgar pelo regimento do Monteiro Mor de 20 de março de 1605, numerosas e vastas eram nos seculos passados as matas e coutadas que constituiam os bens da Coroa. Devido, porem, a uma funesta administração, o dominio florestal foi-se reduzindo até que por alvará de 24 de julho de 1824, se creou, a Administração Geral das Matas do Reino, sendo representado em

Hectares
1824 por .... 14:464,31
1886 por .... 18:278,37
1903 por .... 33:303,55
1905 por .... 35:083,00
1909 por .... 36:188,38

Ato 1886 os serviços florestaes quasi se reduziam á exploração de algumas propriedades que faziam parte da antiga Administração Geral. Desta data até 1890 tomou incremento a arborização das dunas e inaugurou-se a rearborização das serras, trabalhos que a crise financeira fez paralyzar até 1902-1903, anno em que, devido á administração especial que então começaram a ter os Serviços Florestaes e Aquicolas, se desenvolveram, com o acrescimo da receita que foi empregada em valorização e aumento da area arborizada, como se detalha nos mappas n.ºs 3, 4 e 5.

Apesar do incremento havido nos ultimos annos a superficie florestal do Estado é insignificante e não vae alem de 3 por cento da area reconhecida como affecta especialmente a esta cultura, mostrando o mappa n.° 6 que Portugal é das nações da Europa que menos solo nacionalizado tem. só a Inglaterra accusa menor proporção, mas esta nação pela sua situação lhe facultar um clima regular e humido, pela sua topographia ser representada por grandes planuras e collinas de fraca elevação, por no subsolo ter importantes reservas de hulha e nas colonias possuir muitas arvores de valor, que a sua numerosa marinha mercante transporta facilmente para o reino, não tem a necessidade de arborização que se verifica em Portugal, país mais montanhoso e onde falta quasi tudo que n'aquelle país abunda.

Ainda assim, o problema florestal não deixa de ali interessar a opinião publica e, por proposta de uma commissão nomeada em 31 de março de 1908, pensa-se em valorizar 2.400:000 hectares de terrenos pouco productivos, arborizando annualmente 30:000 hectares.

Com a realização d'este emprehendimento, orçado em 270:000 contos de réis, occupar-se-hão 60:000 operario sem trabalho e, meio seculo depois, obter-se-ha um rendimento annual de 44:640 contos de réis.

No continente portugues os areaes moveis occupavam em 1896, 40:591 hectares e as encostas e cumeadas das serras são representadas por 1.142:100 hectares, não podendo os serviços florestaes do Estado, fixar e arborizar, daquelle anno até 1909, mais do que 2:121 hectares nas dunas e 1:935 hectares nas serras.

Não admira, pois, que o solo das nossas montanhas se desagregue e as inundações se repitam, que as dunas avancem sobre os campos limitrophes e desorganizem os cursos de agua e que, continuando as charnecas desguarnecidas de arvores, o clima seja cada vez mais irregular e importemos madeiras.

As madeiras de construcção levando perto de um seculo a criar-se, e não podendo por isso ser obtidas, de uma forma regular e continua, senão por proprietarios de existencia moral illimitada, que executam as suas explorações no interesse da communidade, e sendo considera-

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das pelos seus empregos e usos industriaes, como elemento dos mais essenciaes para o desenvolvimento economico das nações, é indispensavel que o Estado intrevenha para manter o equilibrio preciso.

O principal obstaculo é a falta de meios de execução e em especial de meios financeiros, tornando-se necessario aumentar a dotação dos serviços florestaes a fim de que trabalhem na utilização de terrenos incultos com vantagem geral e em especial do proprio Estado, pois a sua riqueza aumentará com a capitalização florestal.

Em meio seculo os capitães collocados em criar novos povoamentos, em boas condições, serão elevados ao duplo do valor, pois o material lenhoso trabalha a juros de crescimento superiores aos dos capitães financeiros, o seu valor cresce com a idade e maiores dimensões e o preço da madeira tende a aumentar visto o esgotamento mundial das reservas florestaes.

Não podendo o desequilibrio do Orçamento Geral do Estado comportar o aumento de dotação necessario, ha que obter os meios financeiros precisos para este emprehendimento, por meio de impostos especiaes que não prejudiquem a economia da nação e antes a fomentem e valorizem.

Imposto predial sobre incultos

O imposto predial incide sobre o rendimento cottectavel, resultando haver perto de 40 por cento da superficie do país que pouco ou nada paga, pois os seus proprietarios, ou porque não querem ou porque não teem elementos de producção, conservam inculta essa enorme area, com manifesto prejuizo da nação, que não produz as subsistencias necessarias para sustentar os seus habitantes. Se a existencia do imposto se impõe pela necessidade que ha de prover ás despesas da collectividade e ás da soberania da nação, porque não devem concorrer para ellas todos os proprietarios e se deve premiar os que não produzem?

Segundo a lei atual, o imposto, embora tenha por base a posse da terra, não convida ao trabalho e ao aproveitamento dos incultos e, por isso, julgamos como o illustre ex-Ministro Mattoso Santos, que sobre elles deve incidir um imposto, a fim de promover o seu aproveitamento e de obrigar os proprietarios, sem agentes de producção, a alienarem parte dos seus incultos, obtendo assim capital de exploração necessario á cultura intensiva da propriedade que lhes restar.

A este imposto ficarão sujeitos todos os terrenos incultos, incluindo os terrenos pantanosos, emquanto noutra lei se lhes não determine differente tributação e destino, como é intenção nossa.

Como os corpos administrativos teem grandes extensões incultas e alguns ha .que terão difficuldade em satisfazer o imposto respectivo, propomos que lhes seja permittido substitui-lo por um imposto de prestação de trabalho applicado na valorização dos seus baldios. Desta forma se vae procurar a cooperação de entidades que teem, como o Estado, vida illimitada e deveres e obrigações identicas e a quem cumpre ser previdente, cuidando da prosperidade das gerações que se succedem no seu territorio.

Existindo quarenta concelhos situados nas zonas florestaes, que teem mais de 300 freguesias, muito ha a esperar da boa applicaçao do imposto de trabalho que annual-mente incidirá em mais de mil hectares, criando massicos florestaes ou melhorando pastagens que darão rendimentos garantidos e constantes, facultando no futuro trabalho e actividade industrial aos habitantes de regiões hoje inhospitas e beneficiando, alem disso, o país pelas modificações climatericas e pela regularização do regime dos cursos de agua.

Meios de acção

Adoptados os meios financeiros propostos, os serviços florestaes teem que tomar um maior desenvolvimento, sendo indispensavel aumentar o pessoal florestal technico é de policia proporcionalmente aos trabalhos realizados. O pessoal florestal do actual quadro é deficiente para os serviços que tem a seu cargo, pois em 1887, que só tinha a gerir 18:912 hectares de matas, havia para o serviço externo 7 silvicultores e 11 regentes; em 1889 o numero de silvicultores foi aumentado a 9 e o dos regentes a 19 e actualmente que existem submettidos ao regime florestal:

Hectares
Total .... 36:188,38
Parcial .... 27:911,96
Simples policia .... 54:061,28
118:161,82

o numero de silvicultores, para o serviço externo, está reduzido a 6 e o dos regentes florestaes a 13.

A mesma deficiencia se dá com o pessoal de policia que se não tem podido aumentar, como a lei determina, com a arborização feita em 500. hectares na planice e 300 nas montanhas. Em 1887 o quadro do pessoal de policia compunha-se de 94 mestres e guardas e hoje é de 106, o que corresponde ao aumento de 12 empregados de policia para 17:276 hectares de differenca de dominio florestal do Estado.

As receitas das matas elevam-se a 80 contos de réis, sendo esta importancia gasta na conservação e valorização das matas constituidas, na fixação de dunas, arborização de montanhas e despesas de fomento e regime florestal.

Com dotação tão pequena não é possivel alargar o dominio florestal em mais de 900 hectares em cada anno e nem em mil annos se revestirão as dunas, encostas e cumeadas que reclamam esse importante trabalho!

Reforçando-se a dotação com o minimo de 200 contos de réis arborizar-se-ha, em media, annualmente 9:000 hectares e em meio seculo teriamos nacionalizado 450:000 hectares. Embora não seja tanto quanto é para desejar, já se fixariam os areaes moveis do litoral, já se teria attendido á correcção dos principaes rios e ribeiros e a nação tinha a sua capitalização florestal accrescida em mais de 45:000 contos de réis, favorecendo-se o desenvolvimento economico do país, alem dos beneficios indirectos que resultariam de um emprehendimento de tal alcance. Se a capitalização indicada não é muito maior é porque se trabalha em matas de protecção de difficil e custosa criação.

Quando o rendimento de impostos especiaes não produza o reforço de dotação que julgamos conveniente adoptar, poderá recorrer-se á realização de empréstimos feitos com approvação legislativa.

Os adeantamentos fornecidos serão reembolsados por annuidades comprehendendo juro e amortização a longo prazo, diminuindo, assim, os sacrificios immediatos e retardando o pagamento da maior parte da despesa, para quando ella for compensada pelos productos criados.

Orientação dos capitães particulares para a arborização

Não sendo possivel ao Estade realizar, só por si, a valorização da area inculta, ha que facilitar e interessar n'ella todas as entidades, pois só assim poderá resolver-se o problema.

Sociedades mutuas

A capitalização florestal convém ás sociedades mutuas, que possuem importantes reservas e particularmente ás companhias de seguros.

Estando provada a utilidade publica da arborização e a insufficiencia da propriedade florestal, e sabendo-se que, por meio de novos povoamentos florestaes se obtém uma capitalização muito superior á de qualquer outra caixa fi-

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nanceira, que o valor do metro cubico lenhoso cresce , com a idade das arvores e que o seu preço tende a aumentar pelo esgotamento de reservas, desenvolvimento do consumo e dos meios de communicação, porque não deve permittir-se ás companhias de seguros o emprego de parte dos seus capitães na arborização!

Tendo estas companhias um grande capital não devemos fazer o possivel para que parte d'elle seja empregado em melhorar a economia da nação, garantindo os segurados e favorecendo os seus lucros?

Começando a tomar desenvolvimento o ramo de seguros de vida, que representa uma capitalização a longo prazo, e adaptando-se perfeitamente a capitalização florestal a operações d'esta naturesa, pois uma matta é um accumulador de economias vegetaes que crescem de anno para anno em volume e valor, não deveremos facultar esta applicação?

Julgamos que sim, e que lhes deve ser permittido empregar na capitalização florestal até um quinto dos fundos, de reserva.

O successo da criação de novos povoamentos está subordinado ao preço da acquisição do terreno, ás condições que podem influir na vegetação florestal e ás circunstancias economicas dos locaes escolhidos, dependendo em maior escala da boa direcção dos trabalhos ou da administração da propriedade adquirida.

A falta de pessoal technico dirigente podia ser um obstáculo, mas, como para garantia e facilidade da direcção e exploração, os terrenos e matas devem ficar sujeitos ao regime florestal parcial, o Estado auxilia as sociedades fornecendo pessoal competente para a realização do emprehendimento.

As caixas de aposentação e de velhice adaptam-se tambem perfeitamente á capitalização florestal, que poderá fazer-se directamente em terrenos legados ou adquiridos para esse fim, intervindo o Estado com a submissão ao regime florestal parcial, para, por meio do seu pessoal technico, lhes prestar auxilio e garantia á operação.

Nas caixas de aposentação nem todo o capital deve ser repartido havendo uma parte a capitalizar. Neste intuito ainda o Estado poderia auxiliá-las fazendo ou promovendo emprestimos, que evitariam no futuro subvenções.

Desta forma se promoveria, a capitalização lenta das economias que devem formar a aposentação do invalido e o concorrente teria o prazer de ver a terra desandada e inculta transformar-se em verdes prados e frondosas mattas que lhe deverão garantir o amparo na velhice.

Associações e syndicatos particulares

A cultura florestal é, no geral, de difficil applicação para os particulares pouco versados na sciencia silvicola.

As suas matas não teem, entre nós, extensão que permitta remunerar a administração de um silvicultor, embora a direcção competente e um bom ordenamento das riquezas criadas muito concorressem para a conservação e aumento da area arborizada.

Como a união faz a força, parece-nos que havia grande vantagem na formação de associações ou syndicatos florestaes que convinha se organizassem para arborizar ou administrar propriedades suas ou adquiridas, e representariam economias ou fortunas não sujeitas ao risco de uma realização intempestiva ou de uma venda forçada, pela divisão de herança.

O capital florestal, representado por quinhões ou acções, seria facilmente realizavel entre as mãos de cada co-proprietario sem que a matta soffresse.

A Espanha na sua ultima lei florestal, facilita e subvenciona a formação, entre particulares, entre corporações administrativas e entre particulares e corporações, de syndicatos sobre os quaes nutre grandes esperanças para a valorização dos terrenos incultos.

Não ha duvida que existe vantagem na adopção medidas identicas, pois a propriedade inculta está principalmente na posse de corpos e corporações administrativas e a arborizada nas mãos de particulares.

Justo é dizer se que são os particulares quem mais tem trabalhado na valorização de charnecas e que existe, entre os mais illustrados, uma corrente favoravel á arborização, como o prova a boa acceitação que tem o regime florestal, havendo já submettidos a esse regime 71:527 hectares e aumentado as suas sementeiras, pois, só os serviços florestaes vendem, annualmente aos proprietarios, semente de pinheiro bravo para a arborização de mais de mil hectares.

A capitalização florestal, em charnecas e terrenos de fraca productividade, representa uma grande riqueza a criar estando naturalmente indicados para a realisarem os proprietarios e syndicatos que d'ella tirarão grande resultado.

Sociedades escolares florestaes

Devido á iniciativa de M. Audiffred, deputado francês, iniciou-se em 1901 a organização das sociedades escolares, mutuas que estabelecem a ligação entre a vida vegetal e a vida humana.

Os seus jovens membros, alumnos da escola primaria, dão por semana dez centimos para a caixa destinada a protege-los na velhice.

Cada uma das sociedades promove a acquisição de um inculto de seis hectares, que no geral é cedido pelas corporações administrativas, e n'elle plantam as crianças, por suas mãos, as arvores apropriadas que criaram nos seus viveiros, dando assim um interessante exemplo de educação popular e de desenvolvimento das ideias de mutualidade e de previdencia.

A plantação feita, gratuitamente e em terrenos cedidos ou obtidos por subvenções do Estado, permitte aos felizes participantes de repartir, sessenta annos depois, um capital formado que nunca é inferior a 400$000 réis por hectare, alem do producto obtido pelos desbastes successivos realizados e que vae aumentar o fundo da caixa de pensões.

Se cada escola primaria utilizasse 2 hectares por anno, pode calcular-se o resultado economico que se obteria e o que ha a esperar do laço de fraternidade estabelecido entre a associação de crianças e esta associação de vegetaes que se chama a floresta.

São numerosas as .associações mutuas escolares estabelecidas pôr toda a França, sendo importantes os trabalhos feitos, pois já plantam annualmente mais de um milhão de arvores que vão embellezar e enriquecer o país.

Do exposto resalta a importancia da floresta como maravilhoso instrumento de capitalização e de economia e qual a influencia benéfica das diversas sociedades que esta proposta auxilia e fomenta.

Conservação e valorização da superficie arborizada

Se indispensavel é criar arvoredos, util se torna promover a conservação e melhoramento dos existentes, corrigindo as explorações abusivas, favorecendo o seu melhoramento com subsidios, prémios e uma propaganda activa.

Explorações abusivas

Uma grande parte da riqueza florestal particular está sendo abusivamente explorada, cortando-se muitos pinhaes rasos para exportação de esteios de minas, transformando-

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se assim arvores em rolos, de ouro que prontamente se gastam sem attender á reconstituição da floresta salvadora que os produziu.

Não é um mal a exportação de madeiras, mas indispensavel é promover que a superficie arborizada do país não diminua e se regenerem as areas exploradas, gerindo os proprietarios as suas matas como entenderem, mas deforma a não comprometterem o interesse publico.

Os problemas são sempre intrincados desde que haja de conciliar-se o interesse privado com o publico, mas julgamos que conveniente áquelle é que as florestas se reconstituam, embora não situadas nas zonas de protecção, onde ha que impor o regime florestal obrigatorio. Em todos os países a propriedade privada é submettida a certas servidões e a destruição de matas é prohibida por uma forma mais ou menos severa.

Devemos nós seguir esse caminho introduzindo na legislação especial disposições repressivas e coercivas?

Parece-nos que não, e que preferivel é promover a submissão ao regime florestal das superficies desarborizadas e auxiliar os proprietarios com o fornecimento gratuito de sementes e plantas destinadas á reconstituição das suas matas.

Os cortes rasos são, no geral, feitos para o fornecimento de madeira em bruto destinado a exportação, que regula (mappa n.° 7) por 200:000 toneladas annuaes.

Segundo a pauta da alfandega esta mercadoria paga somente 1,5 por cento ad valorem, succedendo ser calculado o seu valor em 2$000 réis a tonelada, o que está muito longe da verdade.

Julgamos que não deve difficultar-se a exportação que concorre para o equilibrio da nossa balança commercial e valoriza os pinhaes, promovendo a sua cultura, mas que ella deve ser tributada por unidade e pagar o que pode para as despesas de reconstituição das matas exploradas e propaganda florestal.

N'esta ordem de ideias propomos que cada tonelada exportada pague 100 réis. O producto deste imposto irá reforçar o fundo dos serviços florestaes e permittir que se mantenham os viveiros e sequeiros necessarios ao repovoamento florestal e se occorra ás despesas de fomento da arborização.

Propaganda florestal

Os jovens de hoje, os homens do futuro, é que principalmente convém crientar e por isso, com o fim de vulgarizar as boas doutrinas e praticas florestaes, devem organizar-se conferencias nas escolas normaes e nos centros em que a cultura arborea ou a existencia de incultos, aconselhar a sua realização.

As conferencias florestaes são de grande vantagem nas cidades ou villas que possuam na sua vizinhança matas onde o ensino pode facilmente tomar uma forma tangivel.

Uma duzia de lições de silvicultura por anno não constituirá para os alumnos das escolas normaes uma sobrecarga sensivel, principalmente se algumas puderem ser feitas ao ar livre, em passeios, ou forem seguidas de projecções luminosas que as tornem mais instructivas, praticas e interessantes.

Os technicos encarregados das conferencias devem expor de uma maneira muito simples as noções indispensaveis para levar o auditorio a comprehender o papel das florestas, os recursos que podem fornecer e os principios sobre os quaes repousa o seu tratamento racional.

Desta forma se preparariam os professores de instrucção primaria para os assuntos silvo-pastoris, transformando-os em propagandistas de maior valor.

Escolas primarias

Nas escolas elementares os professores devem chamar attenção das crianças para a solidariedade que existe entre a agua que faz brotar a herva e a floresta que assegura a permanencia da agua nas estações em que ella é mais necessaria e assim, alem dos elementos de agricultura que n'ellas ministram, devem fazer ler e explicar a cartilha florestal que for approvada.

Com o fim de impressionar a imaginação dos jovens alumnos convém se organizem quadros muraes, representando regiões typicas quando povoadas de arvoredos e depois de desarborizadas, e onde se vejam as principaes arvores florestaes com as suas utilidades, parasitas que as destroem e meios de os combater.

Os professores devem suscitar a criação de sociedades florestaes silvo-pastoris, devendo os esforços que fizerem neste sentido entrar em linha de conta na apreciação dos serviços prestados ás obras complementares da escola, e ser premiados os professores que mais trabalharem pela causa da arborização ou do aproveitamento de incultos.

Jardins alpestres

Para que se executem melhoramentos de pastagens nas montanhas e se coadjuvem as sociedades escolares silvo-pastoris é necessaria a criação de jardins e campos de ensaios, estabelecimentos da maior vantagem, pois, alem de ensinamento e estimulo, concorrerão para aumentar a reduzida flora alpestre. É preciso aclimatar as especies das zonas inferiores e isso só se conseguirá com a sua cultura em jardins de ensaios, cultura que successivamente se vae transferindo para campos de altitude superior. Como não existe o commercio de sementes alpestres, e estas se modificam de região para região, parece-nos que os jardins e campos de ensaios teem papel importante e que só o Estado os deve estabelecer seguindo o exemplo de outras nações.

Expostas, nos seus traços geraes, as medidas que podem concorrer para a solução do problema florestal, que tanto preoccupa todas as nações, temos a honra de submetter á vossa apreciação uma proposta de lei tendente á valorização dos terrenos incultos e aumento da arborização.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei sobre valorização dos terrenos incultos e desenvolvimento da arborização

CAPITULO I

Do aumento das receitas dos Serviços Florestaes e Aquicolas e da sua applicação
Artigo 1.° Os terrenos incultos serão tributados na razão de 100 réis por hectare, sendo o rendimento do imposto exclusivamente destinado á arborização e a reforçar o fundo especial dos Serviços Florestaes e Aquicolas.

§ 1.° Proceder-se-ha á medição e classificação dos terrenos incultos considerando-se, para os effeitos d'esta lei, como terreno inculto, a superficie sem cultura ha mais de quatro annos.

§ 2.° É permittido aos corpos administrativos substituir o pagamento do imposto annual, a que se refere este artigo, por um de prestação de trabalho, realizado em conformidade com o disposto no artigo 72.° e seus paragraphos do Codigo Administrativo, sendo o seu rendimento integralmente applicado na arborização dos seus baldios.

§ 3.° Feita a medição fixar-se-ha a importancia do con-

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tingente da contribuição especial de incultos a cobrar era cada districto e concelho, sendo a sua repartição feita por forma análoga á disposta no decreto regulamentar da contribuição predial de 25 de agosto de 1881.

Emquanto se não terminar a medição dos terrenos incultos existentes em cada concelho, adoptar-se ha, provisoriamente, como base do lançamento deste imposto, a avaliação que consta da tabella junta a esta lei.

§ 4.° Os proprietarios que arrotearem terrenos, deverão participar este facto ao respectivo escrivão de fazenda, consoante o disposto no artigo 3.° do citado decreto, para os fins n'elle indicados e o da diminuição de tributação de incultos.

Art. 2.° As madeiras em bruto exportadas pagarão por unidade de peso e serão tributadas á razão de 100 réis a tonelada.

§ 1.° Emquanto vigorar a actual convenção com Espanha, as madeiras em bruto exportadas por via terrestre e fluvial ficam excluidas da applicação desta lei.

§ 2.° O excesso de rendimento que deste imposto advenha, em relação á media dos rendimentos annuaes dos ultimos tres annos, destina-se especialmente ao fomento da arborização e reconstituição das explorações abusivas realizadas nas matas particulares.

Art. 3.° As receitas cobradas, em virtude do disposto nos artigos anteriores, darão entrada na Caixa Geral dos Depositos e serão ali arrecadadas em conta do fundo especial dos serviços florestaes e aquicolas.

Art. 4.° O Estado aumentará o seu dominio florestal segundo as forças das receitas do fundo especial dos serviços florestaes e aquicolas e, quando haja possibilidade de alargar annualmente a cultura florestal bastante mais do que o permittam as suas receitas, poderá recorrer a empréstimos successivos garantidos por aquelle fundo. Para estes emprestimos, que serão effectuados por autorização legislativa, será sempre excluida da garantia, a verba calculada para as despesas de conservação e exploração dos arvoredos criados.

Art. 5.° Para occorrer ao desenvolvimento dos serviços provenientes d'esta lei, contratará o Governo, precedendo concurso e nos termos da legislação vigente, pessoal technico e de policia proporcionalmente á area submettida ao regime florestal, na razão de:

1 silvicultor por 10:000 hectares de terreno ou matas encorporadas no regime florestal total ou parcial e por 30:000 hectares de terrenos ou matas submettidas ao regime de simples policia;

1 regente silvicola por 5:000 hectares, submettido ao regime total ou parcial e por 15:000 hectares ao de simples policia;

1 guarda florestal por 500 ou 300 hectares, nos termos do artigo 252.° do regulamento de 24 dezembro de 1903.

§ 1.° Serão desde já contratados dois silvicultores e dois regentes silvicolas para se executar o disposto no capitulo II do referido regulamento e iniciar os estudos dos perimetros de restauração a estabelecer na bacia hydrographica do no Tejo.

§ 2.° Os vencimentos, ajudas de custo, transportes e subsidios de marcha do pessoal contratado, serão equiparados aos que competem á 3.ª classe dos respectivos quadros e serão pagos pelo fundo especial dos serviços florestaes e aquicolas.

§ 3.° Logo que esta lei esteja em execução poderá o Governo enviar ao estrangeiro, subsidiados pelo fundo especial dos serviços florestaes e aquicolas e mediante concurso documental, até tres individuos com as habilitações necessarias para a admissão á escola florestal a que forem destinados.

CAPITULO II

Fomento da arborização e utilização dos terrenos incultos

Art. 6.° Aos corpos administrativos que emprehenderem trabalhos de arborização pela forma preceituada no § 2.° do artigo 1.°, quando mesmo os seus baldios se não encontrem nas condições previstas pelo artigo 25.° do decreto com força de lei de 24 de dezembro de 1901, o Estado concederá gratuitamente, plantas, sementes e pessoal technico para dirigir os trabalhos.

Art. 7.° É permittido ás sociedades mutuas, de seguros e ás caixas de aposentação, legalmente constituidas, adquirirem a titulo gratuito ou oneroso, matas e terrenos a arborizar e empregarem até 1/5 dos seus fundos de reserva na capitalização florestal, sendo, porem, obrigatoria a submissão ao regime florestal parcial dessas propriedades.

Art. 8.° As corporações e corpos administrativos, quando limitrophes, poderão coligar-se para realizarem a arborização de terrenos incultos, melhoramentos de pastagens e administração de matas.

Art. 9.° O proprietario ou proprietarios associados, que tiverem terrenos incultos encravados nos perimetros de restauração, com a area minima de 100 hectares, podem, para evitar a expropriação quando não possuam meios para a sua immediata arborização, entregar aos Serviços Florestaes esses terrenos, recebendo, emquando se realizar a arborização, como renda do capital representativo do solo, 3 por cento do valor médio em que os mesmos predios estiverem inscritos nas matrizes prediaes no quinquénio anterior á promulgação d'esta lei. Terminada a arborização podem as sociedades reintegrar-se da riqueza criada pagando as despesas feitas, com exclusão de juro e da importancia gasta com pessoal technico auxiliar e de policia.

§ 1.° Se o proprietario ou proprietarios associados não poderem reembolsar o Estado do capital dispendido, este continuará na posse da propriedade até se indemnizar das despesas feitas, consolidando-se só então o dominio util em favor do proprietario ou da sociedade.

§ 2.° Se os referidos proprietarios preferirem ceder a propriedade ao Estado, este pagar-lhes-ha o capital que representa o valor do solo, segundo a avaliação que se verificou ter na matriz.

Art. 10.° Nas escolas normaes, sempre que seja possivel, realizar-se-hão conferencias florestaes, devendo organizar-se quadros muraes destinados ás escolas primarias, onde se representem regiões typicas quando povoadas de arvoredos e depois de desarborizadas e onde se vejam as principaes arvores florestaes com as suas utilidades.

Art. 11.° Inscrever-se-ha annualmente no orçamento dos serviços florestaes e aquicolas uma verba para prémios aos professores de ensino primario, que mais trabalhem pela causa da arborização, valorização de incultos e criação de sociedades escolares silvo-pastoris.

§ 1.° As sociedades silvo-pastoris serão auxiliadas pelo Estado com o fornecimento gratuito de sementes e plantas.

§ 2.° O campo de acção destas sociedades poderá ser obtido por offerta ou legado de particulares ou concessão feita pelo Estado ou corporações e corpos administrativos.

Art. 12.° Para os effeitos do melhoramento das pastagens nas. serras os serviços florestaes e aquicolas estabelecerão jardins e campos de aclimação e ensaios, destinados a enriquecer a flora alpestre.

Art. 13.° O Governo fará os regulamentos precisos para a execução desta lei e distribuirá o pessoal dos serviços externos por forma a attender ao desenvolvimento dos trabalhos florestaes.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 junho de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior

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Tabella a que se refere o § 3.° do artigo 1.°

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MAPPA N.º 1

Combustivel importado para consumo nos annos 1899 a 1908

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MAPPA N.° 2

Movimento commercial dos productos florestaes e dentados que em Portugal se podem produzir e produzem

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MAPPA N.º 3

Receita e despesa dos Serviços Florestaes e Aquicolas

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MAPPA N.º 4

Sementeiras annuaes feitas em dunas

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MAPPA N.º 5

Sementeiras e plantações executadas pelos Serviços Florestaes de 1902 a 1909

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MAPPA N.° 6

Estatistica das riquezas florestaes de diversos países

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(a) Não incluindo os mantados e corrigida a superficie desconhecida.
(b) Não incluindo os mantados e pastagens.

MAPPA N.º 7

Exportação de madeira em bruto

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MA-

Reconhecimento geral do continente re-

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em 1900 pela Direcção da Carta Agricola

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Proposta de lei n-º 12-G

Senhores. - A situação dos grandes grupos vegetaes em que se baseia a nossa agricultura é tão precaria para quasi todos e tão contradictoria e contraproducente a tendencia do desenvolvimento de alguns, que o seu estudo naturalmente me conduziu a procurar influir na constituição da saa economia e na orientação do seu movimento alternativo de retração e expansão.

Não penso, é bem evidente, em formular uma nova constituição da flora cultivada do continente português.

A nossa flora cultural constituiu-se, como a de todos os países, sob a influencia da acção complexa de diversos factores naturaes, tradicionaes e economicos que não é possivel fazer cessar de um momento para o outro. É possivel, porem, alterar-lhe a intensidade da acção e mudar a incidencia e direcção da sua influencia.

Tudo está em que uma analyse sincera do problema descubra com exactidão os pontos em que se pode intervir com efficacia e os processos para o conseguir.

O estudo da agricultura portuguesa no continente mostra nos que a exploração dos nossos solos e climas se faz, principalmente, por intermédio das plantas herbaceas, cuja cultura, na linguagem da especialidade, toma o nome de "arvense".

Salvo numa, relativamente estreita, facha litoral e em algumas restrictas regiões do interior do país adjacentes das montanhas, em toda a maior parte da superficie do país, a cultura arvense é fortemente contrariada pela secura do clima e pela pobreza do solo. Nenhuma das plantas que compõem esse, grande grupo cultural, com excepção da aveia e da batata, poderia economicamente produzir-se sem a elevada protecção pautai que as cobre, encarecendo singularmente a vida portuguesa.

Cereaes, legumes, forragens, e a consequente exploração pecuaria, são todavia, desde os tempos primitivos da civilização peninsular em que a economia da época obrigava os povos a produzir a sua alimentação e o motor de que dispunham, o animal - as peças fundamentaes da estructura agricola em Portugal.

A tradição mantém energicamente a cultura que essa economia antiga determinou e ainda hoje o trigo e o mi lho se espandem, por algumas regiões do país, era bem adversas condições de vegetação, graças á elevação dos direitos pautaes que aquellas culturas precisam para se sustentarem, permittindo-lhes a elevação dos preços que se tornam mais elevados que em qualquer outro país.

Ao contrario as plantas lenhosas, com excepção da vinha, as quaes precisamente nas condições climatericas e agrologicas, que deprimem a cultura arvense, poderiam produzir prosperamente, ter mercado largo em Portugal, e aspirar á expansão internacional, só muito lentamente se desenvolvem.

As florestas, actualmente tão reduzidas, mas que out'rora cobriam o territorio onde os povos primitivos abriram o logar das suas povoações e o campo da sua actividade, teern, entretanto, uma larga area de terra ainda inculta e barata onde expandir-se, offerecendo ao explorador um alto coeficiente de capitalização; não obstante isso, é hesitante e timido o movimento da sua reconstituição. A alta e accidental valorização da cortiça fez a reconstituição dos montados de sobro, a larga exportação dos toros" de pinheiros desperta um pouco o movimento de expansão dos pinhaes.

Os olivaes, tambem em outros tempos devastados, começam apenas a reconstituir-se, tendo mercado remunerador no país e no estrangeiro.

A vinha, a mais expansiva das culturas portuguesas e tambem tradicional, por motivos differentes esgotou a capacidade economica de que o país e o commercio dispu nham para lhe valorizar a producção, desencaminhou-se no movimento da sua expansão, e renova a sua contenda secular com o trigo.

A pomicultura, para a qual o país dispõe de uma vantajosa situação geographica e commercial, é talvez a mais precaria das nossas explorações agricolas.

A manutenção insistente, pode dizer-se, de culturas em discordancia com a climatologia e a agrologia, não é só uma velha teima da nossa agricultura; é tambem um defeito, seu e uma permanente causa da sua contingencia, que convirá corrigir.

Não me propuz faze-lo apenas na presente proposta de lei, em que somente desejo resolver uma parte do problema que se me impõe.

Pela cultura do arroz, attentas as regras a que pretendo submette-la, julgo que promoverei o desenvolvimento, até com beneficio para a hygiene publica, de uma das mais lucrativas plantas regadas de entro as adaptaveis ao país e que pela influencia da sua economia determinará a melhoria da producção forraginosa pela cultura alterna.

Por seu turno criando as condições economicas que incitem o desenvolvimento da pomicultura e da horticultura, diligenceio assegurar o exito de um dos ramos mais interessantes da cultura arvense e implantar,, assim, a de um dos grandes grupos de vegetaes lenhosos, que o país largamente pode produzir. Com isto, se conjuga o estabelecimento de uma instituição especializada, exclusivamente destinada ao estudo e aperfeiçoamento da nossa flora agricola, definhada pela ausencia quasi completa de criterio technico.

Tal é o pensamento geral a que obedece a presente proposta de lei, cujas bases passo a justificar.

A primeira base refere-se á cultura do arroz.

Não é nova a ideia de promover o desenvolvimento da cultura do arroz em Portugal, nem me pertence a iniciativa de medidas legislativas visando esse desideratum. Dois Ilustres Ministros da Fazenda, os Srs. Teixeira de Sousa Mattoso Santos, e um dos meus illustres antecessores no Ministerio das Obras Publicas, o Sr. D. Luis de Castro, tiveram essa iniciativa.

É, porem, diverso do que aquelles Ministros proposeram, o processo que alvitro.

Não julgo, como alguns dos meus antecessores, que o arroz deva ser considerado como uma fonte de receita maior do que a proveniente da importação d'aquelle cereal. Penso, todavia, que a diminuição da receita que o desenvolvimento da cultura provoque pode por esta ser paga, attento o aumento annualmente excedente do consumo do arroz, sem nocivamente impedir a respectiva cultura, ficando ainda margem de lucros para os capitães empregados e industrias correlativas, como a do descasque.

A alternancia a que se obriga a cultura alguma cousa a encarece. Mas esta obrigação, aliás já muitas vezes adoptada entre nos e legalmente imposta em Espanha e Italia, é condição indispensavel á melhor hygiene das regiões orizicolas e abre logar a outras culturas, especialmente ás forraginosas, que a irrigação tornará prosperas e seguras. Milhos, sorghos, leguminosas diversas, que tanto escasseiam no país, encontrarão nos intervallos das searas successivas de arroz, logar onde produzir abundantemente, triumpnando da adversa aridez do clima.

Calcula-se em 36:500 toneladas o consumo do arroz descascado e branqueado no pais, sendo 6:500 toneladas de producção nacional e 30:000 de importação.
A producção media do arroz em casca, por hectare, é avaliada para o país em 35 hectolitros. Pesando o hectolitro desse arroz 53 kilogrammas e dando 35 kilogrammas de arroz branqueado, necessita o país ter annualmente em

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cultura, para a producção do arroz que actualmente consome, 30:000 hectares em numeros redondos.

Devendo a area total dos arrozaes do país ser aproximadamente e grosso modo de 5:500 hectares, são precisos mais 24:500 hectares para a producção do arroz que actualmente se consome.

Sendo a cultura alterna do arrozal a mais conveniente sob qualquer dos aspectos por que seja considerada - hygienico, economico e cultural - e convindo que o arroz não volte ao mesmo terreno senão, e pelo menos, de tres em tres annos, precisa a area destinada a arrozal ser tripla d'aquella, ou de 90:000 hectares, nas desfavoraveis condições de producção, ou de 35 hectolitros por hectare.

Nove decimos do solo destinados actualmente no país á cultura dos arrozaes pertencem aos districtos de Santarém e Lisboa. Não dispomos de elementos para determinar a superficie irrigavel do pais; mas1 sabemos, por estudos ultimamente feitos, que só na bacia do Sorraia e para juzante do Furadoiro, ha terrenos irrigaveis cuja area foi calculada em 44:400 hectares, proximamente metade da que indicámos como precisa para a cultura do arroz.

O Estado recebe annualmente de direitos do arroz importado a quantia de 1.170:000$000 réis.

O aumento medio de importação annual nos ultimos tempos foi de cerca de 1.500:000 kilogrammas, de que o Estado deve receber mais 58:500$000 réis em cada anno.

O Estado prescindindo para fomento da cultura do arroz no pais, do presumivel accrescimo annual nos direitos de importação, ou da quantia de 58:500$000 réis, pode fixar desde já, como base de contribuição a receber annualmente do arroz, a quantia de 1.170:000$000 réis.

Suppondo que se mantém o consumo actual de 36:500 toneladas e que o país as pode produzir, a contribuição de 1.170:000$000 réis corresponderá a pouco mais de 32 réis por kilogramma.

Se o consumo aumentar em vinte annos e o país produzir mais 30:000 toneladas, a quantia de 1.170:000$000 réis, incidindo sobre 66:500 toneladas, corresponderá a um imposto de menos de 17 réis por kilogramma.

O Estado determinará, pois, annualmente a differença entre os direitos recebidos pela importação de arroz e a quantia de 1.170:000$000 réis, estabelecida como base, distribuindo essa differença como imposto de producção, pelas areas cultivadas de arroz no respectivo anno.

Não parece incomportavel este imposto, visto como o arroz occupa um alto logar sob o ponto de vista da producção que pode ir até no hectolitros por hectare, o que depende da natureza do terreno, da sua irrigação, dos adubos empregados, dos cuidados culturaes, da duração do arrozal e das condições metereologicas.

No país pode considerar-se como media a producção de 35 hectolitros por hectare ou 1:885 kilogrammas de arroz encascado, na agricultura tradicional e pelo apuramento feito de 1854 a 1858. N'esse periodo houve zonas do país em que attingiu mais de 88 hectolitros por hectare. Comprehende-se pois que com os modernos processos culturaes se intencifique a producção. Admittindo, porem, a media referida, a tributação por hectare seria de cerca de 20$000 réis, e restariam ainda mais de 23$000 réis de producto liquido por hectare. De resto não é obrigatoria a cultura do arroz; obrigatoria é apenas a transformação do pantano em terra productiva; a outras culturas, pois, se poderiam adaptar os terrenos pantanosos transformados, se a do arroz, contra a expectativa, não desse apreciavel lucro.

Sob o ponto de vista sanitario a extinção dos pantanos impõe-se e quando essa extincção possa fazer-se pela sua valorização economica mais completo é o exito obtido.

As velhas ideias de que o arrozal era nocivo á saude vão cedendo o logar á affirmação contraria.

Não é o arrozal, realizado segundo os modernos principios culturaes, que prejudica o estado sanitario. Ao inverso, o pantano que se cultiva para produzir arroz deixa de ser um foco de impaludismo.

A proposta de lei valorizando os terrenos pantanosos sob o ponto de vista agricola torna-se valiosa medida prophylatica.

Não visa esta proposta de lei apenas ao incremento da orizicultura. Tem ella em vista tambem desenvolver largamente a producção e commercio de frutas, hortaliças, legumes e flores, mercê de facilidades e rapidez de transporte, conveniente acondicionamento e conservação.

Estes productos delicados, cujo alto valor reside tão somente no estado de frescura e perfeição em que são apresentados aos consumidores, exigem grandes cuidados na colheita, acondicionamento, transporte e conservação, para o que se teein criado depositos, vagons e vapores frigorificos, que permittem prolongar-lhes a duração normal.

Em 1906, apparecerem Lisboa o representante de uma empresa estrangeira, que se propunha estabelecer entre Portugal e Inglaterra uma carreira semanal de vapores para transporte de frutos e legumes, e que ainda chegou a expor, numa reunião effectuada no Mercado Central de Productos Agricolas, o plano dessa empresa, que, contando com a larguissima percentagem de legumes que entra na alimentação do operariado inglês e com a precocidade dos nossos productos, precisava que lhe garantissem semanalmente um carregamento de 400 toneladas d'aquelles productos.

O compromisso de alguns dos nossos agricultores então consultados, ficava, todavia, muito aquém deste numero, reconhecendo-se que o entendimento entre os productores e a empresa de, navegação seria impossivel sem a intervenção do Estado.

Computando-se em 5$000 réis o preço do transporte de cada tonelada entre Lisboa e Londres, as 20:800 toneladas annuaes, exigidas firmes pela empresa estrangeira, custariam 104:000$000 réis.

E com este intuito que foi formulada a base 2.ª e se criou a receita respectiva a que se refere a base 4.a, a qual provem, principalmente, de um aumento de direito de importação sobre géneros de identica natureza, que concorrem com os nossos, e justo é que contribuam para facilitar o commercio dos productos nacionaes.

A incidencia do aumento nos direitos de importação pode trazer comsigo diminuição d'esta e aumento da producção no país dos mesmos generos, o que será uma vantagem.

Como, uma vez estabelecido o serviço rápido da navegação entre Portugal e a Europa Central, tudo leva a acreditar no rápido incremento que terá o commercio dos productos agricolas a que elle visa e, por seu turno, será lenta a influenciado aumento dos impostos de importação, reduzindo-a, não é para temer a diminuição prevista da receita.

A fazer o calculo pela importação effectuada nos ultimos annos, no que toca aos géneros sobre que esta se faz sentir, deve ella produzir uma quantia oscillante entre 90:000$000 e 100:000$000 réis

Finalmente, sendo como é de primordial importancia o estudo das plantas e das sementes a empregar, das condições da cultura, dos cuidados a dispensar-lhe, assim como da conservação e preparação commercial dos fructos e seu acondicionamento para transporte, impõe-se a criação de uma estação experimental, exclusivamente destinada a este fim. Tal é o intuito da base 3.ª

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Nestes termos, confia o Governo que o Parlamento dará a sua approvação á presente proposta de lei.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei relativa á cultura do arroz

Artigo 1.° Todo o possuidor, por dominio directo ou util, de terrenos pantanosos fica obrigado á successiva transformação desses terrenos em area cultivavel, na proporção minima de 1:20 da respectiva superficie, annualmente, qualquer que seja a cultura livre a que os applique.

§ 1.° Os terrenos de que trata este artigo, desde que comecem a ser transformados como se prescreve, ficarão isentos, durante vinte annos, da contribuição predial e municipal, devendo, porem, para esse fim ser feitas as competentes declarações nas respectivas repartições de fazenda.

§ 2.° Os possuidores dos terrenos pantanosos, que deixarem de os transformar, na proporção minima determinada neste artigo, pagarão o imposto annual de 200 réis por hectare de terreno pantanoso.

Art. 2.° Fica permittida no país a cultura do arroz, nos termos definidos nas bases annexas a esta lei e que d'ella fazem parte integrante.

Art. 3.° A differença para menos entre a receita aduaneira do anno corrente, proveniente da importação de arroz para consumo, e a que em cada um dos annos seguintes for recolhida, será rateada pelos productores do mesmo cereal, na proporção da area cultivada de arrozal por cada um, a fim de ser por elles paga como imposto de producção, que entrará nas receitas geraes do Estado.

Art. 4.° Cessa o imposto do real de agua sobre o arroz, incidindo porem annualmente sobre este cereal produzido no pais, como tributo, quantia igual á receita advinda d'aquelle imposto, no ultimo anno, a qual deverá ser rateada entre os productores de arroz, segundo a area cultivada.

Art. 5.° Poderão ser subsidiadas empresas de navegação, com o fim de facilitar o transporte rápido de frutas, hortaliças, flores e outros géneros entre Portugal e os paises do centro e norte da Europa, nos termos da base 2. annexa a esta lei.

Art. 6.° Será criada, nos termos da base 3.ª annexa a esta lei, uma estação, experimental de agricultura, especialmente destinada ao aperfeiçoamento das plantas cultivadas e em particular das horticolas e pomicolas, e bem assim da floricultura.

Art. 7.° O Governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocias das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere a proposta de lei

Base I

É permittida, no continente do reino, a cultura alterna do arroz e prohibida a cultura continua da mesma graminea.

§ 1.° As pessoas, proprietarios, rendeiros ou parceiros que pretenderem continuar a explorar arrozaes ou estabelece-los de novo, solicitarão licença na Administração do respectivo concelho, a qual lhe será concedida logo que o impetrante assine termo de responsabilidade obrigando-se ao cumprimento das clausulas seguintes:

1.ª A adoptar uma rotação de culturas que não permitta a repetição da cultura do arroz no mesmo terreno em intervallo de tempo inferior a dois annos, durante os quaes deverá ser substituido por outras plantas;

2.ª Sujeitar-se ás prescrições regulamentares que forem estabelecidas, as quaes determinarão a distancia do arrozal, ao povoado mais proximo, a quantidade de agua a empregar, a velocidade da mesma nos alagamentos, o horario dos trabalhos a effectuar no arrozal, as condições de alimentação e habitação a garantir aos operarios no caso do explorador do arrozal se obrigar a alimentar e alojar o seu pessoal, e a quantidade de quinino a fornecer gratuitamente aos mesmos operarios.

§ 2.° Aos exploradores de arrozaes que o requisitem, o Estado fornecerá, a preço do custo, os saes de quinino que forem indispensaveis.

§ 3.° O Governo mandará proceder á delimitação e cadastro dos terrenos pantanosos no continente do reino.

§ 4.° Aos exploradores de arrozaes que deixarem de cumprir qualquer das clausulas a que se refere o § 1.° d'esta base, será imposta multa variavel até 20$000 réis por hectare, conforme no regulamento se estabelecer, tendo em attenção especialmente a gravidade da transgressão e a reincidencia.

§ 5.° A fiscalização dos arrozaes sob o ponto de vista do cabal cumprimento do disposto nesta lei e nos regulamentos que d'ella dimanarem será confiada ás Direcções Geraes de Sanidade Publica e da Agricultura.

Base II

O Governo poderá subsidiar, sob a forma de garantia de carga, uma ou mais empresas de navegação, que, em concurso publico na base de menor frete, se obriguem ao transporte rápido de frutas, hortaliças, flores e outros géneros nas melhores condições de conservação, entre Portugal e os países do centro e norte da Europa, ou, pelo menos, entre Portugal e Inglaterra.

§ unico. O Governo poderá despender, com subsidio á navegação a que esta base se. refere, até 90:000$000 réis, annualmente.

Base III

A Estação Experimental de Agricultura, creada por esta lei, cumpre especialmente o seguinte:

1.° Classificação e selecção das plantas cultivadas nacionaes;

2.° Importação e adaptação de variedades exoticas, ou criação de outras obtidas por selecção e cruzamento artificial;

3.° Producção de sementes e de plantas para fornecer aos agricultores;

4.° Conservação e preparação commercial de frutas frescas e secas, e de flores;

5.° Acondicionamento, para transporte, de frutas, hortaliças e flores.

§ 1.° A estação experimental de que trata esta base é comprehendida no numero das indicadas no artigo 15.° da carta de lei de 18 de setembro de 1908, devendo ser contudo instaJlada em seguida á publicação d'esta lei, sem embargo do disposto n'aquelle diploma com relação á estação experimental destinada á região duriense.

§ 2.° A Estação Experimental de Agricultura terá a sua sede a pouca distancia da capital, e poderá manter campos de ensaios e de selecção, e viveiros em locaes dispersos no districto de Lisboa.

Base IV

É criada uma receita annual destinada a fazer face aos encargos provenientes da. base II, e que, com este fim especial, fará parte do fundo do fomento agricola. Esta receita será constituida:

1.° Pelo producto do aumento nos direitos de importação, por kilogramma, de 5 réis nas favas, de 3 réis nas

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hortaliças, e de 10 réis nas frutas frescas e sêcas não especificadas;

2.° Pelo producto do imposto sobre terrenos pantanosos, na hypothese prevista no § 2.° do artigo 1.° da proposta de lei;

3.° Pelo producto das multas a que se refere o § 4.º da base I.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior

Proposta de lei n.° 12-H

Senhores. - Desde que se pronunciou a crise que vem assoberbando, ha annos, a viticultura, tem-se reconhecido a necessidade de suspender a faculdade de plantar vinhas e a muitos se tem até afigurado conveniente restringir as vinhas existentes.

Tambem está já acceito, como verdade incontroversa, o facto de mais soffrerem da crise as vinhas de encosta e dos altos, as que dão os melhores vinhos, e mais caras ficam na plantação e no custeio, que as de planicie e varzea, tão fáceis de plantar e de manter. Aquellas, mais geralmente estabelecidas em terras conquistadas ao mato, por penosos trabalhos de desbravamento e surriba, realizados a peso de ouro, teem, porem, mais direito á sua conservação, que as ultimas, as quaes, com prejuizo da subsistencia publica e da balança commercial, se vão apossando das boas e regulares terras francas de pão, roubando-as á cultura cerealifera.

D'ahi o ter-se entendido como mais justo e conveniente, que a restricção do plantio devia iniciar-se pelas terras baixas, de planicie e de varzea, menos proprias para a producção de bom vinho, e mais adequadas para as de pão e de carne.

Foi por isso que o decreto ditatorial de 2 de dezembro de 1907 suspendia durante tres annos a faculdade de plantar vinhas nos terrenos situados abaixo da cota de 50 metros de altitude, e comprehendidos nas bacias hydrographicas do Minho, Lima, Cavado, Ave, Douro, Vouga, Mondego, Lis, Sizandro, Tejo, Sado, Mira e Guadiana.

Em 1908, porem, as Côrtes Geraes não julgaram sufficiente essa medida e decretaram outra, confirmada na carta de lei de 18 de setembro do mesmo anno, de caracter mais geral, pois que suspendia a faculdade de plantar vinhas em todo o país, excepto na região de vinhos verdes, e mandava proceder ao inquerito viticola, que havia de servir de base a uma medida definitiva sobre o assunto. Comtudo, como determinava que, se no prazo de um anno não fosse approvada essa medida, ficaria restabelecida a liberdade da plantação de vinha, e essa medida não foi outorgada e nem sequer estudada, caducou aquella segunda providencia, dando ensejo á continuação do plantio, que n'algumas localidades, justamente das menos proprias para tal cultura, vae tendo um incremento seriamente ameaçador; mas, apesar disso, ou antes por isso mesmo, as encostas do Douro, onde outr'ora floresciam e frutificavam as vinhas productoras do mais fino vinho do Porto depois destruidas pela phylloxera, continuam escalvadas ou já revestidas de mato esteril, e outro tanto succede em diversas regiões de afamados vinhos finos, de pasto ou licorosos, regiões onde mais necessaria e bem adaptada seria a cultura da vinha, se não fora a concorrencia menos leal do vinho do campo, que, sem competencia possivel, em qualidade, com o destas regiões, o prejudica, com tudo, enormemente, pelo descalabro que produz nos preços e no commercio geral dos vinhos nacionaes e a que só elle pode resistir.

É sabido tambem que, em algumas regiões do país, o gosto arraigado do consumidor pelo vinho regional concorre para manter ahi um preço relativamente elevado para esse vinho, sem embargo da concorrencia que já lhe faz o vinho barato do campo. Nessas regiões ainda a plantação de novas vinhas pode justificar-se, sendo remuneradora para o proprietario, como benefica para a população local pela mão de obra consideravel que proporciona aos operarios ruraes.

Pelos trabalhos que chegou a realizar a commissão viticola, nomeada em virtude das disposições da carta de lei de 18 de setembro de 1908, e cujas conclusões vos foram communicadas pelo meu illustre antecessor, juntamente com a proposta de lei para a prorogação do prazo da suspensão do plantio de vinha, se vê que a par dos districtos administrativos, que já accusam um excesso de producção vinicola, outros ha em que esta é ainda insufficiente para o seu consumo, e não parece justo que nessas condições, e não obstante a preferencia que as respectivas populações dão aos seus vinhos regionaes, se prohiba ahi, por completo, a plantação, em vez de apenas a submetter a um cauteloso regime fiscal, tendente a evitar os abusos tão prejudiciaes, principalmente para a propria viticultura.

Em harmonia com as precedentes considerações, pareceu-me conveniente seguir o criterio adoptado na presente proposta de lei, o qual se resume em permittir o plantio tão somente nas regiões de vinhos finos, quer generosos quer de pasto, mais adequadas á cultura da vinha, e que, pela natureza do seu solo e clima, são menos proprias para as culturas arvenses, ou ainda nas localidades de qualquer outra região, nas quaes, por identicas circunstancias, não seja proficua outra cultura, impondo-se porem a condição de que n'aquellas regiões sejam plantadas exclusivamente as castas mais apropriadas á producção dos respectivos vinhos typicos, para a estes serem mantidas e garantidas as suas boas qualidades e justa fama.

Não seria porem razoavel que, prohibindo-se o plantio de vinha, a não ser nas condições justificaveis se permittisse a plantação de viveiros e a circulação das plantas respectivas, sobretudo attenta a difficuldade que ha sempre em fiscalizar as plantações em quasi nove milhões, de hectares com um pessoal extremamente restricto. Por isso me pareceu conveniente regular tambem a questão dos viveiros e venda de plantas, por forma a evitar quanto possivel os abusos.

E, porem, permittido aos viticultores estabelecerem e manterem os viveiros de videiras americanas que sejam indispensaveis para as suas replantacões e retanchas, bem como para as suas novas plantações que lhes sejam autorizadas, com a condição, porem, de não as cederem a outrem, salvo o caso de existirem nas regiões de excepção.

Excepto no caso de reincidencias, as penalidades applicaveis ás transgressões limitam-se ás que, nos termos do artigo 486.° do Codigo Penal, podem ser comminadas em regulamentos administrativos e de policia geral ou municipal, ou rural, ou nas posturas das camaras municipaes, independentemente de autorização legislativa, as quaes me parecem sufficientes para evitar as contravenções.
Não vejo, porem, necessidade alguma de marcar prazo f para a duração da lei que vos proponho; as Cortes Geraes reunem todos os annos e assim, logo que se reconheça a necessidade ou conveniencia de modificar ou annullar todas ou algumas das disposições d'essa lei, conforme a experiencia aconselhar, fácil será realizá-lo ao passo que a fixação de um prazo traria provavelmente os inconvenientes que já se deram com o determinado na carta de lei de 18 de setembro de 1908.

Taes são, senhores, os motivos em que se funda a proposta de lei, que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, esperando que vos digneis apprová-la.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

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Proposta de lei relativa à restricção do plantio das vinhas

Artigo 1.° É prohibida, no continente do reino, a plantação de videiras, salvas as seguintes excepções:

1.ª A plantação de videiras exclusivamente das castas apropriadas para producção de vinho generoso do Porto, nos terrenos já socalcados das encostas da região duriense, limitada no § 2.° do artigo 1.° do decreto de 1 de outubro de 1908, onde haja existido vinha que tenha sido destruida ou arrancada posteriormente á invasão phylloxerica;

2.ª A plantação de videiras das variedades da casta denominada moscatel, para producção de vinho generoso designado moscatel de Setubal, nas terras de encosta da respectiva região, limitada conforme determina a parte final do citado paragrapho do mesmo artigo e decreto;

3.ª A plantação de videiras das variedades adequadas á producção de vinho generoso de Carcavellos, na respectiva região, limitada como determina o referido decreto no citado paragrapho;

4.ª A plantação de videiras, das castas apropriadas para a producção de vinhos de pasto dos typos regionaes de Coliares e Bucellas, em cada uma das respectivas regiões, limitadas nos termos dos artigos 15.° e 16.° do mencionado decreto;

5.ª As plantações de videiras de castas proprias para a producção de uvas de mesa ou de passa, e que sejam unicamente destinadas e utilizadas para este fim;

6.ª As plantações de videiras em terrenos, que, pela sua constituição, ou pelas condições climatericas da respectiva região, não sejam susceptiveis de outra cultura lucrativa.

§ 1.° É prohibida a circulação de barbados, enxertados ou não, bacellos, estacas e garfos de videiras de qualquer especie ou variedade, quando não sejam acompanhados de guia passada pela Direcção Geral da Agricultura ou pelos agronomos districtaes, indicando origem, destino e motivo legal, nos termos que o regulamento prescrever.

§ 2.° É prohibida a plantação de viveiros de videiras americanas ou seus hybridos e respectivos enxertos, salvo nas condições do § 3.° do artigo 7.° e nas regiões, a que se referem os n.ºs 1.° a 4.° deste artigo e nas propriedades em que, nos termos dos n.ºs 5.° e 6.° do mesmo artigo, for permittido plantar videiras, devendo, entretanto, em qualquer destes casos de excepção, ser requerida autorização superior por intermédio dos agronomos districtaes.

§ 3.° Os viveiros de videiras actualmente existentes e os que venham a ser criados nos termos do paragrapho precedente ficam sujeitos á fiscalização do Governo, a qual será exercida pelos agronomos districtaes respectivos e seus auxiliares, nos termos seguintes:

1.° Os agronomos e os seus auxiliares poderão verificar as plantas existentes ou produzidas nos viveiros;

2.° Os viveiristas remetterão mensalmente aos agronomos districtaes notas das plantas existentes nos seus viveiros, das fornecidas a outrem e seu destino, e das des- truidas, notas que serão exaradas era mappas impressos, conforme o modelo regulamentar, facultados gratuitamente pelo Estado por intermédio dos mesmos agronomos;

3.° As plantas não poderão sair dos respectivos viveiros sem serem acompanhadas das guias a que se refere o § 1.° d'este artigo.

§ 4.° São auxiliares dos agronomos districtaes, para os effeitos d'esta lei:

1.° Os agronomos e os regentes agricolas, que, por ordem superior, sirvam como seus subordinados;

2.° As autoridades administrativas, nos respectivos concelhos e freguesias;

3.° As autoridades fiscaes dependentes do Ministerio da Fazenda, por intermédio da guarda fiscal, especialmente no que respeita á circulação das plantas.

§ 5.° As prohibições expressas neste artigo e seus paragraphos começarão a produzir os seus effeitos desde a data da publicação d'esta lei.

§ 6.° Das transgressões do disposto neste artigo e seus paragraphos será levantado e remettido para juizo o competente auto, e aos transgressores serão applicaveis, até o maximo, as penalidades determinadas e limitadas no artigo 486.° e seu § unico do Codigo Penal. Nas reincidencias, porem, a multa poderá elevar-se até o decuplo e a prisão até o triplo. A pena de prisão será remivel á razão de 5$000 réis por dia.

Art. 2.° As pessoas que pretenderem plantar videiras, nos casos em que esta plantação é permittida pelo artigo anterior, terão de requerer licença ao Governo, por intermédio da Direcção Geral da Agricultura.

§ 1.° Quando a plantação, que se pretender effectuar, for destinada á producção de uva de mesa ou á de passa, o requerente assinará termo de responsabilidade pela obrigação contrahida de não applicar as uvas á producção de mostos, glucose e vinho ou seus derivados, mas tão somente áquelles fins, e n'elle declarará que dá como caução o proprio terreno que destinar á plantação. Se porem o requerente for apenas usufrutuario, rendeiro, parceiro, emphyteuta, ou sub-emphyteuta do terreno, o respectivo senhorio, directo senhorio, ou emphyteuta, terá de assinar o referido termo de responsabilidade ou qualquer outra formula legal de autorização ou acordo, para que a caução seja effectiva e segura;

§ 2.° Quando a plantação tenha por fundamento o disposto no n.° 6.° do artigo 1.°, o requerente fará a prova da impossibilidade de exploração lucrativa do terreno por meio de outras culturas.

§ 3.° A autorização para plantar videiras, nos casos previstos no artigo 1.° e seus paragraphos, será concedida em portaria, ouvido o Conselho Superior da Agricultura. Os requerimentos dos interessados serão enviados á Direcção da Agricultura, por intermedio dos agronomos districtaes respectivos, e por estes informados.

Art. 3.° Quando se der alguma contravenção ao disposto no artigo 1.° e nos seus § 2.° e 3.°, o transgressor, sem prejuizo da penalidade que lhe competir, nos termos do § 6.° do mesmo artigo, será intimado, em conformidade do disposto no § 1.° do artigo 5.°, a arrancar no prazo de dez dias a plantação que illegalmente tiver feito; não cumprindo será autuado novamente por desobediencia, competindo-lhe ainda as penalidades comminadas no § 6.° do artigo 1.°, e o agronomo districtal respectivo mandará proceder ao arranque por conta do transgressor e processará a competente folha de despesa, que, depois de visada pelo Director Geral da Agricultura, será cobrada executivamente como divida á Fazenda Nacional.

§ unico. Nos casos de reincidencia na plantação illegal de videiras ou dos respectivos viveiros, a multa designada na parte final do § 6.° do artigo 1.° será substituida pela de 100 réis por cada videira plantada em vinha definitiva, ou 10 réis por cada planta (barbado ou estaca) de viveiro. Esta multa será cobrada pelo processo indicado n'este artigo.

Art. 4.° As transgressões do disposto nesta lei serão julgadas em policia correccional, ainda quando, por motivo de reincidencia, a pena de prisão .possa exceder um mês e a de multa 20$000 réis.

§ unico. O producto liquido resultante da applicação das penalidades constantes d'esta lei reverterá em favor do Fundo do Fomento Agricola criado por decreto de 14 de janeiro de 1905, para o que dará entrada na Caixa Geral de Depositos.

Art. 5.° A superintendencia dos serviços de fiscalização e de execução do disposto nesta lei compete á Direcção Geral da Agricultura.

§ 1.° Os autos por contravenção, levantados em cada districto, serão enviados á commissão executiva do respec-

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tivo conselho districtal de agricultura, que, julgando-os em ordem e bem fundamentados, intimará aos trangressores as ordens que tiver por legaes e convenientes, e enviará os mesmos autos ao juizo competente para os demais effeitos da lei.

§ 2.° Os autos serão levantados pela autoridade administrativa de motu proprio, ou a requisição dos agronomos ou seus auxiliares, depois da conveniente investigação ou inspecção directa, conforme o caso de delicto.

§ 3.° Das resoluções das commissões executivas dos conselhos districtaes de agricultura haverá recurso para o Conselho Superior da Agricultura, não só por parte dos transgressores, mas ainda dos agronomos districtaes, das autoridades administrativas que hajam levantado os autos e das entidades por cuja requisição ou intervenção os contraventores tenham sido autuados.

Art. 6.° Os individuos que dentro do prazo de um anno, contado da data da publicação da carta de lei de 18 de setembro de 1908, tiverem plantado vinha, contra o disposto no artigo 22.° da mesma lei e não a houverem ainda arrancado, quer tenham ou não sido intimados para esse effeito, continuam na obrigação de o fazer e sujeitos ao disposto no artigo 30.° e seu § unico do decreto de 1 de outubro do mesmo anno.

Art. 7.° Nas vinhas legalmente existentes, na actualidade, e n'aquellas que se estabelecerem nos termos desta lei, será permettida, em todo o tempo, a retancha e a replantação, quer salteada, quer a eito.

§ 1.° Exceptuam-se do disposto n'este artigo:

1.° As vinhas cuja cultura tenha sido já suspensa ou abandonada por mais de um anno, salvo achando-se comprehendida em algum dos casos previstos no artigo 1.°; 2.° As vinhas, situadas nas varzeas ou veigas e lezirias da parte inferior das bacias hydrographicas, a uma quota de nivel não superior a 50 metros, onde o terreno seja mais adequado para a cultura dos cereaes e outras plantas arvenses, salvo, na região dos vinhos verdes, para a vinha alta.

§ 2.° As duvidas que possam levantar-se na execução do disposto neste artigo e no paragrapho precedente, serão resolvidas pelo Governo em decreto, ouvido o Conselho Superior da Agricultura, cujas consultas, sobre o assunto, serão publicados no Diario do Governo.

§ 3.° Os viticultores poderão manter viveiros de videiras americanas e seus hybridos para se abastecerem da quantidade de planta restrictamente necessaria para a retancha e replantacão das suas vinhas, nos termos deste artigo. Não lhes é, porem, permittido ceder, por qualquer forma, as plantas produzidas nos seus viveiros, sob pena de incorrerem nas comminações do § 6.° do artigo 1.° e no artigo 3.° e seu paragrapho unico d'esta lei.

Art. 8.° O Governo publicará o regulamento e instrucções que forem necessarios para a completa execução d'esta lei.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 12-I

Senhores. - A proposta de lei que tenho a honra de apresentar-vos, obedece a um duplo intuito: dotar os serviços publicos com duas instituições que me parecem indispensaveis á efficaz acção do Estado no desenvolvimento da agricultura, e ensaiar um novo processo de execução d'aquelles serviços, já seguido com bom exito em outros países, mas ainda não tentado em Portugal.

Um museu agricola existiu já em Lisboa, mas foi extincto num momento de irreflectida economia.

Por toda a parte se instituem museus com os mais vá riados intuitos, de arte, de sciencia pura e applicada, historicos, industriaes ou commerciaes, no proposito de educar e instruir o publico no conhecimento indispensavel do desenvolvimento da civilização e dos objectos e processos uteis a vida de toda a gente, ou apenas num campo restricto de actividade, o que pode interessar aos profissionaes e aproveitar aos consumidores.

Não se trata agora de estabelecer um desses grandes museus geraes, já, celebres ha muito tempo, como o de Londres, de Philadelphia, de Berlim ou de Paris.

Procuro apenas reunir em um museu restricto e especializado, o que na caracterização agricola do país e no exercicio do trabalho nacional, pode interessar ao publico geral, culto ou meramente curioso, aos profissionaes e aos que dos productos agricolas fazem objecto do seu commercio ou do seu consumo.

Desejo, portanto, uma instituição de estudo da mais vasta applicação da actividade nacional e que ao mesmo tempo seja um foco vivo de informação, sempre em dia, que sirva a todos que utilizam a agricultura ou são os seus fornecedores de materias primas ou de instrumentos de transformação.

Por seu turno a escola pratica de pomicultura e horticultura vem, em meu sentir, preencher uma lamentavel lacuna do nosso ensino especial.

A pomicultura, como já foi indicado, no relatorio de uma outra proposta minha, é um dos ramos agricolas que melhores recursos naturaes encontra no pais. E, todavia, um dos mais atrasados nos processos culturaes á falta de pessoal operario convenientemente educado.

O mesmo acontece na horticultura, que é a forma mais intensiva que a agricultura de um país pode attingir e onde mais completa e profundamente se pode intervir pelos processos culturaes, mas que entre nos permanece sob o dominio dos processos mais primitivos.

Quer na pomicultura, quer na horticultura, o abastardamento das variedades cultivadas, o atraso da cultura, o mau aproveitamento dos productos, são manifestos; mas, em qualquer pais, é precisamente nesses dois ramos da agricultura que maior alcance pode ter uma technica intelligente, pelo grande rendimento destas culturas, extremamente intensivas.

A floricultura também, até agora, não entrou no ensino pratico official, apesar de constituir já hoje, mesmo em Portugal, um ramo de industria importante, que alimenta um commercio avultado e crescente.

A floricultura deixou ha muito de ser uma occupação meramente recreativa de amadores curiosos, para se tornar uma vasta industria prospera, que occupa numerosos braços, applica avultadissimo capital, fornece a materia prima da industria rica e elegante da perfumaria e faz objecto de um trafego commercial importantissimo.

A jardinagem, sobre ser um exercicio salutar, um valioso elemento de educação, uma applicação pouco vulgarizada de agronomia decorativa, é tambem uma valiosissima forma de exploração economica.

Pomicultura, horticultura e floricultura são ramos agricolas que entre nos, contando com um largo e crescente consumo interno, podem aspirar a ser importantes instrumentos de expansão commercial.

Em diversas regiões do país é possivel obter não só abundantes producções, com qualidade elevada e formas originaes, mas ainda, graças ao clima de algumas localidades, colheitas precoces ou tardias, o que muito concorrerá para uma valorização excepcional dos generos especiaes d'aquelles ramos agricolas.

Nada d'isto, porem, se pode conseguir sem um operariado habil e intelligente, que a simples rotina não pode educar.

Decerto nas nossas escolas agricolas este ensino se en-

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contra. Mas é professado no intuito de formar pessoal dirigente e não de educar operarios, aliás indispensaveis á execução da technica, especial e delicada, que os referidos ramos da agricultura hoje exigem para poderem marcar logar nos grandes mercados do mundo.

Outro aspecto da presente proposta de lei, que convém accentuar e explicar, é a faculdade concedida ao Governo de incumbir a realização do museu e da escola, cuja necessidade acabo de mostrar, á Real Associação Central da Agricultura Portuguesa.

Outros países incluiram já este processo de procurar a collaboração das sociedades particulares, para realização dos serviços officiaes, entre as formas de intervenção do Estado, que se julgou util e opportuno empregar e, entre nos, já o decreto organico dos serviços agricolas, de 24 de dezembro de 1901, permittio a intervenção das sociedades agricolas no ensino profissional dos operarios ruraes, e em o concurso ou auxilio do Estado.

Mais economico, porque aproveita o esforço da iniciativa particular gratuita, afigura-se ao mesmo tempo este systema mais efficaz, por entregar a realização dos serviços aos proprios interessados que, alem de comprehenderem, nos seus minimos pormenores, todas as exigencias da execução de taes serviços, sentem elles proprios a sua necessidade e a sua vantagem no mais vivo dos seus interesses. Serão, portanto, os proprios agricultores, prevê-se, pelo menos, que desejam, os melhores executores que o Estado possa desejar para os seus serviços agricolas, quando possa contar-se com uma segura competencia e com sinceros propositos de collaboração.

A pratica de um tal processo para determinados serviços, em outros países, mostra o fundado da previsão.

A Dinamarca, cujo rápido desenvolvimento agricola assombra os economistas absortos na clássica preoccupação de que só a industria é um poderoso propulsor da economia de um povo, dá-nos o mais frizante exemplo deste género de collaboração do Governo com os particulares, que me proponho adoptar.

A Sociedade Real de Agricultura da Dinamarca, com uma organização semelhante á da nossa Real Associação de Agricultura e com recursos equivalentes, recebe do Governo um subsidio annual de 67:000$000 réis. Mais de 200:000$000 réis são annualmente concedidos pelo Governo dinamarques ás grandes sociedades agricolas d'aquelle país e mais de 400:000$000 réis ás pequenas sociedades locaes.

Uma tal largueza de subsidio, ha tanto tempo conservada, depõe singularmente a favor do processo, que preconizo.

Entre os numerosos serviços que o Governo confiou á Sociedade Real de Agricultura da Dinamarca figura o ensino pratico da agricutura.

É por aqui que julgo tambem dever começar, por me parecer que bem saberá dirigir a educação do pessoal operario, nos termos de um efficaz ensino, quem tem que utilizar e remunerar o trabalho desse pessoal.

A escola terá ainda um poderoso auxiliar no museu que á mesma associação poderá ficar entregue e será um vulgarizador dos resultados obtidos no ensino.

A Real Associação Central de Agricultura, interessada tambem no exito commercial da industria agricola, saberá comprehender todo o alcance e tirar todo o partido do museu, com a indole e os intuitos que lhe dou, para a valorização de todas as producções e especialmente para as pomicolas, horticolas ou floricolas.

No museu, por meio dos concursos periodicos, que lhe imponho, se poderá tambem julgar de todos os aperfeiçoamentos da alfaia rural, que tanto dispendio escusado tem custado ao país á mingua da informação previa, que habilita a presumir das suas condições de applicação e das vantagens que pode dar.

Para compensar, sem encargo algum para o Thesouro Publico, a despesa resultante da criação do museu e da escola, a qual se resume tão somente na restricta verba de 10:000|000 réis a conceder annualmente, á Real Associação da Agricultura Portuguesa, é estabelecido o pequeno imposto de um decimo de real por kilogramma de qualquer adubo mineral, que seja importado ou fabricado no país.

Taes são, Senhores, os motivos e os fins que justificam a presente proposta de lei, que venho submetter á vossa criteriosa apreciação, confiado em que reconhecereis commigo a vantagem de attrahir e utilizar a iniciativa e o esforço das sociedades agricolas, para o fomento e progresso da agricultura nacional, e lhe concedereis a vossa approvação.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei relativa á criação de uma escola pratica de agricultura e de um museu agricola

Artigo 1.° Serão estabelecidos um museu agricola e uma escola pratica de agricultura, nos termos das bases annexas e que d'esta lei fazem parte integrante.

Art. 2.° Para fazer face aos encargos resultantes desta lei, serão tributados com um decimo de real por kilogramma os adubos mineraes importados e fabricados em Portugal.

Art. 3.° O Governo fará os regulamentos indispensaveis á execução do que fica determinado nos artigos anteriores.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere a proposta de lei

Base I

E o Governo autorizado a estabelecer em Lisboa um museu agricola destinado a colligir e expor todos os objectos indispensaveis á caracterização regional da agricultura portuguesa, e á representação commerciàl da sua producção e do que lhe seja util adquirir.

§ 1.° Competirão ainda ao museu os seguintes serviços:

1.° Concursos periodicos de productos pomicolas e horticolas, de plantas decorativas, de flores, e de alfaias especiaes:

2.° Uma secção de informação commercial, que forneça aos agricultores e visitantes todos os esclarecimentos indispensaveis para se apreciar o custo de acquisição dos productos vendaveis expostos e conhecer os locaes, estabelecimentos e firmas que as produzam e vendam;

3.° Uma consulta diaria sobre doenças de plantas, e de animaes, diagnose e tratamento, sendo este serviço remunerado segundo tabella approvada pela Direcção Geral de Agricultura e organizada por forma que não prejudique o serviço clinico veterinario particular.

§ 2.° O museu terá a sua sede em sitio central da cidade de Lisboa e será gratuitamente accessivel ao publico, segundo horario approvado pelo Governo.

Base II

E o Governo igualmente autorizado a estabelecer uma escola pratica de pomicultura, de horticultura e jardina-

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gem nos arredores da capital destinada a educar operarios nas tres especialidades que constituem o seu objectivo.

§ 1.° A escola terá numero limitado de aluamos, em harmonia com a sua capacidade, e para admissão á matricula será documento indispensavel a certidão de exame de instrucção primaria elementar.

§ 2.° A sede da escola será nas quintas annexas ao Parque de Queluz, as quaes passam á posse da Direcção Geral da Agricultura.

Base III

O Governo poderá entregar á Real Associação Central de Agricultura Portuguesa a direcção e administração do museu e da escola a que se referem as bases anteriores, com a indole, funcções e obrigações expressas nas mesmas bases.

§ 1.° Para installação, custeio e mais encargos dos estabelecimentos que lhe são entregues, o Governo dará á Real Associação Central de Agricultura Portuguesa o subsidio animal não excedente a 10:000$000 réis, pela receita criada por esta lei.

§ 2.° Logo que a Real Associação de Agricultura se occupe de assuntos estranhos aos seus estatutos devidamente approvados, ou se verifique que as instituições e serviços que lhe são confiados não estão em harmonia com o subsidio concedido, ou não satisfazem aos fins para que foram criados, o museu com todos os seus mostruarios e mobiliario respectivo, a escola e as quintas em que fica estabelecida e os utensilios de cultura e ensino, voltam á posse do Estado sem preito a qualquer compensação, nem para; a Real Associação, nem para o pessoal empregado n'aquelles estabelecimentos.

Do mesmo modo se procederá no caso de dissolução da Real Associação, qualquer que seja o motivo da dissolução.

§ 3.° O Governo fará inspeccionar os estabelecimentos e serviços entregues á Real Associação, a fim de averiguar como são installados e executados e de verificar o inventario do museu e da escola o qual a mesma Associação fica obrigada a enviar annualmente ao Governo.

§ 4.° A Real Associação fica isenta das respectivas contribuições, pelo edificio em que estiver installado o museu, e pelas quintas annexas ao parque de Queluz, onde será estabelecida a escola.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 12-J

Senhores. - Quando se faz o estudo comparado da distribuição dos terrenos cultivados e incultos do país com a distribuição, por freguesias, concelhos e districtos da população do reino, immediatamente se verifica a confirmação desta verdade, quasi axiomatica: que a densidade da população está na razão directa da intensidade da cultura.

O seguinte quadro põe em evidencia esse facto:

[Ver quadro na imagem]

Mostra-nos effectivamente este quadro que nos districtos onde a area cultivada attinge uma percentagem maior, como são os do Porto, Braga, Aveiro e Coimbra, a população especifica é tambem maior, sendo ali respectivamente 259, 133, no e 85 os habitantes por 100 hectares ou kilometro quadrado, o que representa uma população das mais densas da Europa, e se todo o país pudesse povoar-se na proporção da media desses numeros, alcançaria uma população de cerca de 13.000:000 de almas; mas vemos, por outro lado, que nos districtos menos cultivados a população encontra-se muitissimo mais rarefeita, como succede nos de Beja, Evora, Portalegre, Bragança e Castello Branco, onde a população especifica é, respectivamente, apenas !de 16, 17, 20, 28 e 32 habitantes por kilouietro quadrado.

Existem uns certos correctivos para esta regra, em verdade, como é a costa maritima no Algarve e no districto de Lisboa, concorrendo para aumentar a população, tanto pela industria da pesca como pelo commercio e navegação, ou ainda a existencia da capital no districto de Lisboa; porque, sem estes correctivos o districto de Lisboa e o de Faro, que ainda teem areas incultas assaz elevadas, teriam as suas populações especificas mais reduzidas que as actuaes, de 89 e 51 habitantes por kilometro quadrado, respectivamente.

Mas ha ainda um facto muito notavel, sob o ponto de vista que mais interessa ao fim deste relatorio, e que é a desproporção apparente entre a terra cultivada e a população, em certos districtos do reino; essa desproporção, porem, desapparece, ou explica-se, desde que se toma em consideração o systema de cultura geralmente adoptado, ou preponderante em cada districto: comparando, por

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exemplo, o districto de Vianna do Castello com o de de Évora, em que as relações da terra cultivada para a terra inculta são quasi iguaes, vemos o seguinte:

[Ver tabela na imagem]

O districto de Evora, apesar de ter uma percentagem relativa de terra inculta um pouco inferior á do districto de Vianna do Castello, tem um população especifica ainda inferior à um quinto da deste ultimo. A unica e bastante explicação deste facto, é que no districto de Vianna do Castello, como em todo o Minho, predomina a cultura intensiva e a pequena e media propriedade, emquanto que no disitricto de Évora, como em todo o Alemtejo, prevalece a cultura extensiva e o latifundio.

O mesmo resultado obteriamos e a mesma razão o explicaria se comparássemos os districtos de Viseu e Portalegre, bem como alguns outros.

Esse mappa e as observações que elle nos suggere levam-nos, pois, á convicção de que ha toda a vantagem em transformar, quanto possivel progressivamente, a grande propriedade em mediana e pequena propriedade e a cultura extensiva em cultura intensiva, que geralmente é a peculiar da pequena propriedade, sobretudo desde que esta seja habitada pelo cultivador.

Mas, alem d'isso mostra-nos ainda esse quadro, que ha no país cerca de 3.822:000 hectares de superficie não cultivada, na qual precisamos de distinguir cerca de 300:000 hectares de superficie social (comprehendendo as povoações e estradas) e de superficie occupada pelas aguas interiores, restando-nos, portanto, 3.522:000 hectares de terras constituidas por cumeadas, charnecas e baldios e por alguns pousios apenas semeados de muitos em muitos annos.

Estes 3.522:000 hectares de terras incultas são, na quasi generalidade, susceptiveis de melhor utilização, quer pela cultura florestal, nas areias do litoral e nas cumeadas e encostas agrestes das montanhas, quer pelas culturas arvenses, arbustivas, arboreas e pastagens, nas restantes.

Para promover a mais rápida utilização da parte da area inculta mais adequada á silvicultura, apresento-vos hoje uma proposta de lei de fomento florestal, que espero merecerá tambem a vossa attenção. Não nos merece menos cuidados aquella outra parte da superficie inculta, que se reputa susceptivel de lavoura, e que pode concorrer para o incremento das nossas subsistencias e da população do pais, e a ella visa a presente proposta de lei.

Para melhor utilizar a terra inculta, mas cultivavel, não ha mais efficaz meio que o da colonização effectiva, entendendo como tal, não o simples parcellamento dos baldios, tal como o teem realizado algumas camaras municipaes, mas a distribuição methodica dos lotes a verdadeiras familias de cultivadores, que n'elles se implantem e radiquem.

Precisa-se colonizar de uma forma verdadeiramente efficaz, que attinja simultaneamente os dois fins essenciaes, que se não devera perder de vista, criar riqueza e criar população; porque cada um d'elles, quando bem utilizado, deve ser funcção reciproca do outro.

Criar população sem riqueza que a abasteça, é aumentar probreza; mas criar riqueza sem aumento de população, que lhe corresponda, é preparar um excesso de rendimento sobre o indispensavel para uma vida regrada, e desafiar e promover o luxo, que antecede o definhamento da população e a dissolução dos costumes.

Geralmente as fortunas pequenas e medianas, as que não dispensam a solicitude attenta ou o trabalho do dono, são as que mais produzem e melhor se conservam as que crescem, por circunstancias excepcionaes, alem do regular e tornam 9 dono millionario, dissipam-se e extinguem-se breve; raro acompanham a segunda ou terceira geração.

Por isso convém promover o parcellamento das terras incultas e dos latifundios mal cultivados, ou mal utilizados, de preferencia para estabelecimento de familias fecundas, estaveis, trabalhadoras e productivas; o que só se pode conseguir, dando-lhes o dominio pleno, ou pelo menos o dominio util das suas parcellas, e offerecendo-lhes os ineios de terem garantida a conservação in-integram da sua fazenda, pela applicação do principio da indivisibilidade, tão necessaria para evitar a pulverização da pequena propriedade rustica, a pela instituição dos casaes de familia, não hypothecaveis nem penhoraveis.

A familia é na realidade o elemento fundamentai do organismo social, ou da sociedade. E, pois, da familia que mais urge cuidar, posto que a moderna legislação mais pareça, por vezes, esquece-la para só cuidar do individuo, facilitando e promovendo, o egoismo, tão prejudicial á sociedade.

E preciso que a familia do colono encontre, na lei e no seu casal, todas as condições de vida e segurança, para que ali possa prosperar, tornando-se util á pátria, de quem recebe protecção, quer concorrendo para o desenvolvimento da riqueza publica, quer criando novos braços para a colonização no continente e no ultramar, para o trabalho e para a defesa nacional. Visa mais longe a presente proposta de lei dar á familia do pequeno cultivador a estabilidade e segurança pelo futuro que a ha de tornar verdadeiramente productora e fecunda. Para isso é indispensavel que o seu casal, que é ao mestno tempo o principal instrumento da sua industria, o seu abrigo, a garantia do seu sustento, da sua vida, sejam perante a lei considerados tão integral e substancialmente ligados á familia, como a concha ao molusco: assim se estatue, que o chefe da familia poderá declarar a constituição da sua fazenda, da sua parcela, do seu lote - onde vive e labuta com todos os seus - em casal de familia, não hypotheca-velj nem penhoravel, nem divisivel.

E, de alguma forma, a applicação ás familias dos nossos colonos-cultivadores. do humanitario principio do Homestead americano, do Hoeferolle allemão, ou do Bien de famille da França e da Suissa.

O que se pretende com a presente proposta de lei é, ao mesmo tempo, dar um passo no caminho da restricção da extrema divisão da propriedade, e outro no da restricção tambem da sua extrema accumulação; dois males oppostos mas igualmente prejudiciaes.

Toda a propriedade rustica, que não tem superficie sufficiente para o trabalho e a sustentação de uma familia de cultivador, não tem condições de existencia e exploração economica; assim como não a tem aquella que, por extensão demasiada, obriga o seu possuidor a seguir um systema de cultura extensiva e depauperante, occupando poucos braços e embaraçando o desenvolvimento da população, contra os interesses mais vitaes do país.

Eis os motivos por que, na presente proposta de lei, se cuida muito especialmente de promover não só o parcellamento e colonização dos terrenos incultos, mas ainda o dos extensos latifundios, que tanto abundam nas provin-

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das menos povoadas e impedem a distribuição equitativa do solo e da riqueza, assim como o bem-estar e o desenvolvimento da população rural.

A presente proposta de lei tem ainda em vista utilizar, para o seu fim, o mais possivel, as iniciativas particulares, quer individuaes, quer associativas, e as dos corpos e corporações administrativas, intervindo o Estado apenas quando faltem essas iniciativas.

A assistencia aos colonos exercida por forma economica, mas não gratuita, considero-a uma das partes mais importantes do systema apresentado na proposta de lei, porque entendo que não basta, para conseguir com segurança e efficacia o fim em mira, distribuir terras aos colonos, abandonando-os depois á sua sorte, quando, sem gravame e antes com beneficio para a empresa, se lhes pode proporcionar varios auxilios, como vereis e podereis apreciar na proposta junta.

Eis o espirito geral da providencia economica e humanitaria, que vos proponho; a promenorização com que se encontram redigidas as bases que d'ella fazem parte integrante, dispensa-me de cansar a vossa attenção com a sua minuciosa justificação, crendo que, perante o vosso esclarecido criterio, ellas pleitearão em sua propria defesa pelo sentimento de progresso, justiça e equidade que as dieta.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei relativa ao regime de povoamento agricola ou colonização interna do país

Artigo 1.° É declarado de utilidade publica e nacional o regime de povoamento e colonização interna do país, instituido n'esta lei.

Art. 2.° O Governo, pejo Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, promoverá o parcellamento e colonização effectiva dos terrenos incultos e dos latifundios do país pela forma determinada nesta lei e nas bases annexas, que d'ella fazem parte integrante.

§ 1.° Para os effeitos desta lei, considerar-se-hão terrenos incultos não só os que forem completam ente baldios, mas ainda aquelles que permanecerem periodicamente de pousio por mais de quatro annos consecutivos; e latifundios, todas as propriedades que, tendo superficies superiores a 500 hectares, sejam exploradas em cultura extensiva pelos proprietarios, rendeiros ou outros usufruidores.

§ 2.° São excluidos do disposto neste artigo os terrenos incultos e latifundios que, nos termos da legislação vigente, estejam ou hajam de ser submettidos ao regime florestal, total ou parcial.

Art. 3.° Cada parcella de terreno, que seja destinada a ser vendida, aforada ou arrendada a um colono, por effeito e nos termos desta lei, terá, como limite de superficie, a que, attentas as condições locaes, for reputada indispensavel para a occupaçcão e sustentação de uma familia de cultivador.

§ 1.° Os lotes ou parcellas de terreno, a que se refere este artigo,, serão, para todos os effeitos, indivisiveis, e, quando pertençam, por dominio pleno ou util, aos respectivos colonos, poderão ser declarados e constituidos em caseies de familia, nos termos desta lei, desde que n'elles residam os mesmos colonos com suas familias,

§ 2.° A declaração e constituição dos casaes de familia será feita nas respectivas conservatorias, procedendo-se ahi ao competente registo especial, em harmonia com o disposto nesta lei e seu regulamento.

§ 3.° Para os effeitos deste artigo, entender-se-ha por cultivador todo o pequeno agricultor ou lavrador que como operario rural, empregue, na exploração das suas terras, os seus proprios braços e os das pessoas validas da sua familia.

Art. 4.° Os casaes de familia constituidos nos termos desta lei não serão hypothecaveis nem penhoraveis.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere o artigo 2.° da proposta de lei d'esta data

Base 1.ª

Pela Direcção Geral da Agricultura, serviços agronomicos, da carta agricola e florestaes, proceder-se-ha ao reconhecimento geral e arrolamento dos terrenos incultos e dos latifundios do país, elaborando-se as respectivas cartas nas condições seguintes:

1.ª O arrolamento e o reconhecimento geral, a que se refere esta base, serão feitos por districtos e concelhos, sendo este ultimo projectado sobre cartas chorographicas na escala de 1:100000, nas quaes se terão demarcado os limites dos concelhos;

2.ª No arrolamento e nas cartas do reconhecimento geral distinguir-se-hão:

a) Os terrenos incultos que pertençam ao Estado;

b) Os que pertençam ás camaras municipaes;

c) Os das juntas de parochia;

d) Os de corporações de mão morta;

e) Os de sociedades ou companhias;

f) Os de particulares;

g) Os latifundios de cultura extensiva, classificados pela forma indicada nas alineas precedentes;

h) Os terrenos incultos e latifundios, que devam ser submettidos ao regime florestal;

3.ª Em memorias descritivas succintas, referidas ás cartas do reconhecimento geral, relatar-se-ha: a qualidade agrologica dos terrenos, a sua superficie, a espécie de vegetação que naturalmente os reveste, as culturas a que periodicamente são applicados os de pousio, os systemas culturaes ou de exploração adoptados nos latifundios, finalmente, as culturas e systemas de exploração, incluindo a zootechnica, que poderão ser adoptados pelos colonos na parte colonizavel.

Base 2.ª

Á medida que se for effectuaudo o arrolamento e o reconhecimento geral dos terrenos incultos e dos latifundios colonizaveis, nos diversos districtos administrativos, o Governo, pelo Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, ouvida a secção agronomica do Conselho Superior de Agricultura, decretará a ordem a seguir no estudo dos ante-projectos dos planos de colonização adaptaveis a cada districto administrativo, grupos de concelhos, ou concelhos singulares.

§ 1.° Os planos de colonização interna serão feitos por perimetros, que poderão abranger os terrenos colonizaveis de um ou mais concelhos administrativos, contanto que estes sejam limitrophes, e que haja entre os diversos tratos dos mesmos terrenos a suificiente contiguidade ou proximidade, a fim de se facilitar o serviço de estabelecimento e o de assistencia de cada colonia.

§ 2.° Á proporção que se realizem os ante-projectos e verificando-se que ha meios e ensejo de se proceder ao parcelamento e colonização de um novo perimetro, a secção agronomica do Conselho Superior de Agricultura proporá qual deva ser, e o Ministro da Agricultura, Commercio e Industria ordenará a remessa da copia do respectivo ante-projecto ao competente governador civil, para os fins determinados nos paragraphos 3.° a 5.° d'este artigo.

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§ 3.° Precederá sempre todo e qualquer decreto de submissão dos terrenos de um determinado perimetro ao regime de colonização interna o inquerito local, a fim de serem conhecidas e poderem ser attendidas as justas conveniencias dos povos.

§ 4.° O inquerito será realizado por forma analoga á estabelecida no regime florestal, a qual será determinada no regulamento.

§ 5.° Terminado o inquerito, e ouvida novamente a secção agronomica do Conselho Superior de Agricultura sobre a utilidade publica da submissão dos terrenos do perimetro ao regime da colonização interna e acêrca dos usos, costumes e servidões a attender e reservar no respectivo plano definitivo, o Governo decretará, pelo Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria, a referida submissão.

Base 3.ª

Decretada a submissão dos terrenos de qualquer perimetro ao regime de colonização interna, esta poderá ser realizada:

1.° Pelo Estado nos terrenos que lhe pertençam ou hajam de pertencer pelos proprios effeitos d'esta lei.

2.° Pelos corpos e corporações administrativas e pelas de mão-morta, nos terrenos que lhes estejam affectos.

3.° Pelos syndicatos, companhias, sociedades e outras empresas agricolas de colonização, nos terrenos que lhes possam pertencer ou estar affectos nos termos d'esta lei.

4.° Pelos particulares donos dos terrenos.

§ 1.° O proprietario ou possuidor legal de qualquer terreno comprehendido em um perimetro de colonização interna tem preferencia legal para levar a effeito o parcellamento e colonização do seu terreno, desde que se subordine ao plano gerai superiormente approvado, ou decretado.

§ 2.° Quando o possuidor legal do terreno não possa ou não queira levar a effeito o parcellamento e colonização dos seus terrenos comprehendidos no perimetro serão estes expropriados por utilidade publica, para serem colonizados pelo Estado ou nos termos do paragrapho seguinte.

§ 3.° O Governo poderá ceder, por venda a pronto pagamento ou a credito, ás entidades a que se refere o n.° 3.°, da base 3.a, quando offereçam as convenientes e sufficientes garantias de capacidades e de solvabilidade, ouvida a secção agronomica do Conselho Superior de Agricultura e demais estacões competentes, os terrenos que lhe pertencerem dentro de qualquer perimetro de colonização interna, a fim de serem devidamente submettidos ao parcellamento e colonização, nos termos do respectivo plano.

§ 4.° Os terrenos pertencentes ao Estado, comprehendidos nos perimetros de colonização interna, quando não sejam cedidos nos termos do paragrapho precedente, serão colonizados pelo Estado por conta do fundo de fomento agricola.

§ 5.° Para os effeitos do paragrapho precedente o Ministerio da Agricultura, Commercio e Industria organizará, com pessoal dos respectivos quadros technicos, um serviço de colonização interna abrangendo os dois seguintes ramos.

1.° Serviço de execução;

2.° Serviço de assistencia.

Base 4.ª

A compra ou expropriação, pelo Estado, dos terrenos comprehendidos nos perimetros de colonização, por effeito do disposto no § 2.°, da base 3.ª, será custeada pelo fundo de fomento agricola; e, consequentemente, todo o producto da venda ou da cedencia dos mesmos terrenos aos colonos ou ás entidades colonizadoras, a que se refere o n.° 3.°, da mesma base, dará entrada na Caixa Geral de Depositos em conta do mesmo fundo, do qual farão parte.

§ unico. Igualmente acrescerão ao fundo de fomento agricola, devendo para esse effeito dar entrada na Caixa Geral de Depositos, toda e qualquer receita ou lucro proveniente da colonização interna, tal como renda, foro, annuidade de amortização, valor de productos vendidos, ou de adubos, instrumentos e outros generos fornecidos, ou de serviços prestados aos colonos, e o producto de multas.

Base 5.ª

É facultado ao emphyteuta de qualquer prédio rustico de superficie superior a 50 hectares, o direito de dividi-lo, no todo ou em parte, em lotes para colonização, nos termos desta lei, sendo-lhe para esse effeito permittido:

1.° O sub-emprazamento dos referidos lotes; ou

2.° A remissão do foro na parte correspondente aos lotes feitos.

§ 1.° A remissão do foro será feita mediante o pagamento do valor do dominio directo e mais 20 por cento d'esse valor.

§ 2.° Se o directo senhorio for o Estado, qualquer corpo ou corporação administrativa, ou estabelecimento de utilidade ou beneficencia publica sujeito á tutela administrativa, a remissão poderá realizar-se sem aumento da percentagem estabelecida no paragrapho precedente.

Base 6.ª

Será isenta de contribuição de registo e de imposto do sêllo a acquisição de terrenos para colonização interna, bem como a sua venda, arrendamento por qualquer prazo ou aforamento aos colonos, salvo o caso de transmissão de primeira a segunda mão de colono, quando não haja outro motivo de isenção.

§ unico. Os terrenos dos perimetros de colonização, que já estiverem sujeitos á contribuição predial, ficarão isentos dessa contribuição durante cinco annos, desde que estejam na posse dos colonos, e aos que não paguem ainda essa contribuição, só lhes será imposta a contar do sexto anno de exploração pelos respectivos colonos.

Base 7.ª

O parcellamento e a colonização effectiva dos terrenos, incultos e dos latifundios, terão principalmente em vista o desenvolvimento da população, pelo povoamento das regiões mais ermas do pais, e o da producção agricola e da riqueza publica, pela melhor utilização e valorização das terras, nas mesmas regiões; nesse sentido deverão obedecer aos seguintes preceitos:

1.° Os lotes de terreno serão, tanto quanto possivel, talhados por forma que se prestem á constituição de casaes ou fazendas para industria agricola e residencia permanente dos respectivos colonos e suas familias, considerando estas compostas em media de quatro pessoas.

2.° A superficie das parcellas deverá variar conforme a natureza agrologica, do solo e as circunstancias locaes ou regionaes, para que satisfaça ao disposto no numero precedente.

Base 8.ª

Quer a colonização effectiva dos perimetros, que forem decretados, seja feita pelo Estado, pelos corpos ou corporações administrativas, por syndicatos agricolas, companhias e outras empresas colonizadoras, ou por particulares, os lotes ou parcellas de terra poderão sempre ser cedidos aos colonos por meio de venda, aforamento, arrendamento a longo prazo e arrendamento a curto prazo.

§ 1.° A preferencia nos processos de cedencia é a da ordem por que vão indicados na parte final desta base;

§ 2.° A venda poderá ser feita a pronto pagamento, ou a credito, com pagamento em annuidades, havendo fiador idoneo.

§ 3.° Nas condições do aforamento e do arrendamento incluir-se-ha a do colono poder adquirir o seu lote de

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terra, quando lhe convenha, nos termos do paragrapho precedente.

Base 9.ª

Nos serviços de execução, comprehender-se-hão os de arrolamento, demarcação e vedação das parcellas pôr meio de paredes, vallados ou sebes, enxugo de pantanos, drenagem, pesquisa e canalização de aguas para abastecimento dos casaes, ou para irrigação, boustrucção de habitações para os colonos e para os gados, caminhos de serviço das colonias, e outros trabalhos preparatorios.

Base 10.ª

Nos serviços de assistencia, corupreherider-se-hão os do abastecimento, aos colonos, de sementes, adubos, alfaias, instrumentos e gados, a credito ou pronto pagamento, e bem assim o credito e o seguro agricolas, os soccorros medicos, a instrucção rural primaria, a venda e expedição dos seus productos, e outros auxilios, todos prestados sem usura.

Base 11.ª

Em cada colonia ou perimetro de colonização interna, criada nos termos desta lei, deverá haver uma fazenda com uma superficie de cerca de 50 a 100 hectares de terras cultivaveis, a qual será destinada ao colono chefe, e se denominará fazenda central ou centro colonial de ..., que se completará com a designação da localidade ou da colonia respectiva.

§ 1.° Esta fazenda central será cedida por qualquer forma de contrato, inclusive gratuitamente,, em alguns casos, mas por prazo determinado, ao agronomo, agricultor, regente agricola ou lavrador, nacional ou estrangeiro, que se comprometia a servir como chefe da colonia e offereça as cabaes garantias de bom desempenho dos seus deveres.

§ 2.° Nas colonias mais importantes pela extensão, qualidade e valor dos terrenos e pelo numero de colonos, os centros coloniaes poderão ser custeados pelo fundo de fomento agricola e dirigidos por um agronomo ou regente agricola dos respectivos quadros. Neste caso as receitas provenientes da venda dos productos e dos serviços do centro colonial acrescerão ao referido fundo, dando para esse effeito entrada na Caixa Geral dos Depositos.

Base 12.ª

As fazendas centraes ou centros coloniaes deverão, pelas suas culturas e explorações, adaptar-se perfeitamente á feição cultural, que devam ter as respectivas colonias de forma a poderem servir-lhes de modelo e de auxilar. Poderão neste sentido ter as officinas technologicas indispensaveis para o fabrico dos productos agricolas manufac turados, proprios da natureza cultural das colonias, taes como lagares para vinificação e oleificação, distillaria, leitaria, para manteiga ou queijo, fecularia, debulha de cereaes, moagem, ou qualquor outra que mais convenha.

§ 1.° Os colonos poderão, para a fabricação dos productos manufacturados, para a debulha dos cereaes e empacotamento de palha, etc., soccorrer-se das fazendas centraes por qualquer das seguintes formas:

1.° Pagando ao centro colonial, em dinheiro ou percentagens dos productos manufacturados, o justo premio do serviço recebido;

2.° Associando-se cooperativa ou fructuariamente com o centro colonial para a producção de um ou mais productos, como vinho, azeite, lacticinios, alcool, etc.;

3.° Retribuindo em trabalho braçal, em geiras, ou em generos diversos, o serviço recebido, para o que o centro colonial lhes deverá abrir as respectivas contas correntes.

§ 2.0 Os centros coloniaes poderão servir de intermediarios para com os colonos, encommendando por conta d'estes, ou fornecendo-lhes, a pronto pagamento ou a credito, os adubos, correctivos, sementes, plantas, instrumentos, machinas, apparelhos, materiaes de construcção e generos alimenticios e de vestuario, pelos preços do commercio, apenas acrescidos das despesas de transporte.

§ 3.° Nos fornecimentos a que se refere o paragrapho precedente, os centros coloniaes apenas poderão remunerar-se por este serviço com a commissão ou desconto que lhes for feito pelas casas fornecedoras, com 5 por cento ao anno nos fornecimentos feitos a credito, com as differenças de preço para mais que os géneros possam ter adquirido, quando em deposito, e com 1 por cento de indemnização para quebras, desfalques e falhas.

Base 13.ª

Os centros coloniaes poderão servir de intermediarios para a collocação ou venda dos productos dos colonos por qualquer das seguintes formas:

1.° Quando a colonia, ou parte dos colonos, associados ao centro colonial, constituirem fructuaria ou cooperativa, e se vendam conjuntamente os respectivos productos para serem rateadas as importancias correlativas na proporção da entrada de cada uma abatidas as despesas de fabricação, de expedição ou de venda;

2.° Negociando e vendendo qnaesquer generos por conta dos colonos, mediante apenas a respectiva commissão usual e o pagamento de quaesquer despesas, que não sejam a cargo do comprador;

3.° Recebendo os generos dos colonos, aos preços das vendas por grosso, em pagamento dos fornecimentos feitos aos colonos, ou dos saldos, em divida, das suas contas correntes;

4.° Comprando generos aos colonos por conta de terceiro, ou por conta propria.

Base 14.ª

As colonias, em cujas explorações se mantenha gado de criação, poderão requisitar á Direcção Geral da Agricultura o estabelecimento de postos de cobrição, os quaes serão installados no centro colonial, na epoca propria, que tirando-se os colonos para proverem ao sustento dos respectivos animaes reproductores.

§ 1.° Quando os colonos queiram conservar os touros, carneiros sementaes e varrascos, que lhes possam ser concedidos como reproductores, deverão obrigar-se a sustentá-los no centro colonial, ou nas suas fazendas, podendo fazê-lo pelo systema barrosão, alojando os mesmos animaes, neste caso, successiva e temporariamente na fazenda de cada um, e fiscalizando o colono chefe a maneira como os reproductores são tratados pelos colonos.

Base 15.ª

Quando os colonos se utilizarem das ofiicinas das fazendas centraes, nos termos do § 1.° da base 12.ª, terão preferencia para a posse dos residuos de fabricação, como bagaços, polpas, leite desnatado, soro de leite, etc., quer os possam receber gratuitamente, quer comprando-os, segundo as condições em que tiverem conduzido ou fornecido aos mesmos centros as materias primas de que resultem esses residuos.

Base 16.ª

O Governo promoverá e auxiliará a criação de caixas de credito mutuo nas freguesias ou concelhos onde forem estabelecidas colonias agricolas, removendo quanto possivel quaesquer obstáculos ou difficuldades, que se opponham á sua realização, quer resolvendo por si, quando esteja na sua alçada, quer propondo ao parlamento as medidas que, nesse sentido, julgue convenientes e opportunas.

Base 17.ª

Cada centro colonial poderá constituir-se como celleiro commum, como deposito de adubos, ou como armazem geral agricola, quando, mediante requerimento do competente colono chefe e de dois terços dos colonos respecti-

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vos, for autorizado pelo Governo, ouvido o conselho districtal de agricultura.

§ unico. O colono chefe prestará neste caso a fiança ou caução, que for de lei, ou que, na falta de determinação legal ou regulamentar, lhe seja determinada pelo Governo, conforme a importancia, que possam ter taes instituições, no caso especial de cada colonia.

Base 18.ª

Em cada colonia, poderá haver um colono, nacional ou estrangeiro, contractado para servir como monitor pratico, sendo as suas habilitações e competencia adequadas ás condições culturaes e technologico-ruraes da mesma colonia.

§ 1.° O monitor pratico deverá explorar a sua fazenda por forma a poder servir de modelo aos demais colonos, aos quaes ensinará os processos de cultura, de poda, de enxertia, de tratamento das doenças das plantas, de irrigação e praticultura, ou ainda os processos mais adequados de fabrico dos productos manufacturados, conforme as especialidades da situação regional da colonia.

§ 2.° O monitor pratico não pagará foro ou renda pelos terrenos, que lhe forem concedidos, os quaes, contudo, possuirá como rendeiro, durante vinte annos, podendo ser despedido, se faltar renitentemente aos seus deveres, mas sendo indemnizado pelas bemfeitorias e aumento de: valor que houver dado á respectiva fazenda.

§ 3.° O monitor pratico, que tiver servido durante vinte annos consecutivos em uma colonia, entrará, findo este prazo, na posse definitiva da sua fazenda, passando-se-lhe o competente titulo de propriedade.

§ 4.° O monitor pratico gozará dos mesmos beneficios, que forem concedidos aos demais colonos, salvas as restricções d'esta lei.

§ 5.° O monitor pratico permittirá, aos demais colonos, a entrada na sua fazenda, para observarem os seus processos culturaes e technologicos, e o estado das suas culturas, e marcará dois a três serões por semana, e dois domingos por mês para, na sua fazenda ou no centro colonial, dar as demonstrações e explicações das praticas culturaes e technologicas mais convenientes.

- § 6.° Reciprocamente, os demais colonos permittirão ao monitor pratico a visita das suas propriedades, para ouvirem os seus conselhos e instrucções, em presença das proprias culturas e installações. Estas visitas poderão ser feitas nos dias de trabalho de que o monitor possa dispor, mas serão de obrigação em um domingo ou dia santo de cada mês.

§ 7.° Quando se repute insufficiente remuneração para o monitor pratico a concessão gratuita do terreno e mais vantagens como colono, poder-lhe-ha ser arbitrada uma remuneração de ensino pratico, nunca excedente a 15$000 réis em cada mês, paga em folha de jornaes ou de tarefas e sem descontos de qualquer natureza, salvo por faltas de serviço. Esta remuneração será funcção dos exercicios e demonstrações praticas, a que se referem os pa-graphos precedentes, nos termos que o regulamento prescrever.

§ 8.° O ajuste dos monitores praticos será feito mediante contrato escrito e na forma legal.

§ 9.° Os monitores praticos, quando estrangeiros, devem provir de regiões identicas áquellas onde tenham de servir. Terão, por exemplo, preferencia para as terras quentes e temperadas os toscanos, e para as terras frias os lombardos e os piemontezes. Os primeiros deverão ter principalmente habilitações como cultivadores de oliveiras, vinha, arvores frutiferas e culturas horticolas e arvenses; os segundos como praticultores, irrigadores, viticultores e productores de lacticinios. Uns e outros devem estar aptos para ensinar e executar os melhores processos de cultura e de irrigação em planicie, e encosta ou colina.

§ 10.° Os transportes dos monitores praticos estrangeiros, tanto na ida, como no regresso, se tiverem de retirar, serão pagos pelo Estado em 3.ª classe, quer façam a viagem em caminho de ferro, quer por mar.

Base 19.ª

Passados dez a vinte annos de colonização effectiva, terão preferencia para servirem como monitores praticos contratados, se porventura se tornarem ainda necessarios, os individuos habilitados nas escolas praticas de agricultura ou nas estações de fomento agricola, e entre estes os filhos dos colonos, inclusive dos monitores praticos estrangeiros. A admissão será feita mediante concurso, nos termos que o regulamento prescrever.

Base 20.ª

Na falta de nacionaes, poderão ainda ser acceitos como colonos ordinarios os estrangeiros angariados pelos monitores praticos, pelos chefes das colonias agricolas, ou pelos particulares e empresas fundadoras de colonias, quando os mesmos estrangeiros se apresentem munidos de attestado de bom comportamento moral, civil e religioso, visados e sellados pelo respectivo consul português, e satisfaçam ás demais condições desta lei e respectivo regulamento.

Base 21.ª

O Governo fará ainda aos colonos, que se estabelecerem, quer nas suas propriedades, quer em quaesquer outras, nos termos d'esta lei, as concessões seguintes, conforme o decreto de 20 de dezembro de 1893:

1.° Os colonos terão sempre preferencia para os trabalhos das obras publicas proximas das colonias;

2.° Os individuos adultos das familias dos colonos terão preferencia para o cargo de guarda das linhas ferreas do Estado, e para a colonização, trabalhos e serviços nos perimetros do respectivo regime;

3.° Os colonos gozarão de transporte gratuito nos caminhos de ferro do Estado, durante cinco annos, quando saiam temporariamente das respectivas colonias em busca de trabalho, ou a ellas regressem, bem como para as machinas, apparelhos e instrumentos de lavoura, sementes e plantas, que lhes sejam destinados;

4.° Será criada uma escola de instrucção primaria agricola em cada colonia, que possa concorrer, pelo menos, com vinte alumnos dos dois sexos. Ao respectivo professor será concedido o usufruto de uma parcella de terreno, emquanto servir na mesma escola, e permittido o fazer se colono nos termos geraes desta lei, se tiver familia constituida por individuos validos para os serviços de lavoura;

5.° Licença gratuita para porte de armas de fogo.

Base 22.ª

Quando as empresas de colonias agricolas estejam em condições de poderem utilizar aguas e obras de hrydraulica agricola, gozarão das vantagens concedidas por decreto de 30 de setembro de 1892, ás empresas, sociedades e agricultores que emprehendam essas obras.

§ unico. O disposto nesta base é applicavel ás sociedades cooperativas constituidas pelos colonos para obras de irrigação e abastecimento de agua.

Base 23.ª

Quando as colonias agricolas se constituam em sociedades cooperativas para a fabricação de qualquer producto agricola manufacturado, gozarão do beneficio de importação livre de direitos, durante cinco annos, de materiaes de construcção, machinas, apparelhos e instrumentos.

Base 24.ª

Os colonos e seus descendentes em duas gerações, serão isentos do serviço militar, excepto em caso de guerra.

Serão, porem, recenseados, fazendo apenas os exercicios de recruta e outros para que não tenham de ausentar-se dos respectivos districtos.

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Base 25.ª

É permittido aos colonos, ainda que não estejam formalmente constituidos em cooperativas de producção, fabricarem em commum os seus vinhos, respectivos derivados, azeites e outros productos manufacturados, quer associando-se só, entre si, os colonos ordinarios em contratos ou ajuste mutuo, quer associando-se tambem ao colono chefe, quando na colonia exista um centro colonial.

§ unico. Aos colonos, associados pela forma indicada nesta base, serão applicaveis as disposições do artigo 1.º do decreto de 14 de junho de 1901, relativo ao fomento vinicola.

Base 26.ª

Os colonos ordinarios e os colonos chefes poderão, para ampliar ou melhorar os typos das suas producções vinarias, adquirir fora da colonia uvas, mostos, ou vinhos e aguardente para lotações, sem que por esse facto sejam obrigados a fazer declarações, para manifesto por deposito; nas repartições de fazenda, das quantidades compradas d'esses generos, ou das quantidades de vinhos e aguardente ou alcool em deposito, nem tão pouco tenham de pagar o respectivo real de agua, elles ou os respectivos vendedores.

§ 1.° Quando os colonos sejam rendeiros, ou foreiros, ou tenham contrato de parceria com os proprietarios do terreno e por estes motivos paguem em vinho aos proprietarios, directos senhorios, ou empresas colonizadoras, ou por qualquer forma lhes cedam ou vendam as suas uvas, mostos, vinhos, aguardente ou álcool, serão isentos do real de agua e da obrigação de declaração á repartição de fazenda, assim como os referidos proprietarios, directos senhorios, ou empresas.

§ 2.° Os colonos, os colonos chefes, bem como suas associações ou cooperativas, e os respectivos proprietarios, directos senhorios, e empresas colonizadorás, não poderão vender os mostos, vinhos e seus derivados, que produzirem, ou houverem adquirido, senão a negociantes, armazens e estabelecimentos habilitados legalmente para a compra e venda avulso d'esses generos.

Base 27.ª

Os capitães pertencentes a estrangeiros e invertidos em colonias agricolas, arroteamento de terrenos incultos, dessecamento de pantanos, irrigações, allnviamento ou colmatagem, drenagem, levantamento e represamento de aguas, ficam, sob a salvaguarda do Estado, ao abrigo de represalias, confiscos e embargos, em caso de guerra.

Base 28.ª

Os colonos, monitores práticos e colonos chefes estrangeiros terão toda a possivel protecção das autoridades e tribunaes, como for de justiça e equidade, e os seus haveres ser-lhes-hão garantidos contra qualquer depredação criminosa, sendo indemnizados pelos causadores de qualquer damno, ou, em ultimo caso, pelo Estado. A justiça, tanto nas causas eiveis como nas causas crimes, em que sejam autores, ser-lhes-ha feita gratuitamente.

Base 29.ª

Á parte final da base precedente, relativa á justiça, é applicavel aos colonos nacionaes.

Base 30.ª

Só poderão ser colonos nos termos e para as vantagens d'esta lei os individuos que offereçam as seguintes condições:

1.ª Serem robustos e bem comportados, de idade superior a vinte e quatro annos e inferior a quarenta annos, casados com mulher valida e tendo um ou mais filhos do sexo masculino ou feminino, quando tenham mais de trinta annos de idade e três ou mais de casados;

2.ª Comprometterem-se, quando solteiros e de idade inferior a quarenta annos e superior a vinte e quatro, a casarem, no prazo de dois annos, com mulher valida, de idade inferior a trinta annos;

3.ª Quando, sendo casados ou viuvos e de idade não superior a quarenta e cinco annos, tiverem dois ou mais filhos, sendo dois de idade não inferior a dezeseis annos, e uni, destes, pelo menos, do sexo masculino;

4.ª Quando, sendo casados ou viuvos, de idade não superior a quarenta e cinco annos, e não possuindo filhos legitimos, os tenham legitimados e nos termos da condição 3.ª;

5.ª Quando, não tendo mais de quarenta e cinco annos, e sendo casados com mulher valida, de quem não tenham filhos, hajam recolhido irmãos, sobrinhos ou primos orfãos, ou criado e adoptado crianças engeitadas, a quem tratem familiarmente como filhos, contando-se em qualquer distes, casos, pelo menos, dois adolescentes de idade não inferior a dezeseis annos e sendo um ao menos de sexo masculino;

6.ª Deverão ter pratica de lavoura, e das culturas proprias da colonia, sendo preferidos os que apresentem attestados de instrucção, tirocinio ou pratica ministrados em qualquer estação de fomento agricola ou escola pratica de agricultura.

§ unico. Em qualquer dos casos enumerados neste artigo, é indispensavel que os colonos e as suas consortes sejam pessoas robustas e morigeradas, assim como as demais pessoas de familia. O jogo e a embriaguez serão considerados entre os maus costumes, que constituem qualidades negativas para a admissão na colonia.

Base 31.ª

Cada lote ou parcella de terreno distribuido a um colono, nos termos do artigo 3.° d'esta lei, será inscrito no registo predial da conservatoria com a declaração de indivisivel, e no mesmo registo e occasião será feito averbamento do contrato de compra, aforamento, ou arrendamento, por effeito do qual o colono estiver de posse do seu lote.

§ 1.° No contrato, depois de feito o averbamento, será lançada pelo conservador a nota de "averbado", datando-a e autenticando-a com a sua rubrica e sêllo branco da conservatoria, o que será garantia de validade do mesmo contrato.

§ 2.° A medida que forem feitos nas conservatorias as inscrições e averbamentes dos lotes de terra indivisiveis, os conservadores enviarão ás competentes repartições de fazenda as respectivas relações, com todas as indicações indispensaveis para que na matriz predial se façam as convenientes annotações ou registos, em harmonia com as referidas inscrições das conservatorias.

Base 32.ª

A indivisibilidade dos lotes de terra para colonização, nos termos d'esta lei, é perpetua, salvo os casos seguintes:

1.° A expropriação por utilidade publica;

2.° Quando os lotes de terra se tornem necessarios para alargamentos urbanos, para casas de habitação ou estabelecimentos industriaes, e outras obras de vantagem para a colonia.

Base 33.ª

Os lotes indivisiveis, quer tenham ou não sido declaramos casaes de familia, serão sempre transmittidos integralmente, seja qual for a forma ou titulo da transmissão, salvo os casos previstos na base precedente.

Base 34.ª

O proprietario de um lote de terra indivisivel pode dispor d'elle a favor de qualquer successor, como tiver por melhor, ficando aos outros co-herdeiros ou interessados, que não poderão exigir a divisão do lote ou predio, é direito ás tornas, que lhes possam competir.

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§ 1.° O regulamento prescreverá o processo a seguir, quando o proprietario fallecer ab intestato, para que a successão ou encabeçamento do lote de terra se faça sem prejuizo da sua indivisibilidade.

§ 2.° O n.° 10.° do artigo 3.° do regulamento de 23 de dezembro de 1899 não será applicavel á transmissão dos lotes de terra indivisivel, por successão legitima ou testamentaria, se o adquirente for herdeiro legitimario do autor da herança.

Base 35.ª

Os lotes de terra indivisiveis só poderão ser aforados, ou arrendados por periodos de dez annos ou mais, na sua totalidade.

§ unico. Poderão, porem, ser arrendados em parcellas de qualquer extensão por periodos inferiores a dez annos.

Base 36.ª

O casal de familia, depois de registado devida e definitivamente, presume-se perpetuo, salvo o caso previsto no § 2.° d'esta base, a renuncia do herdeiro, ou adquirente, ou a de ambos os cônjuges possuidores, e prova plena em contrario.

§ 1.° Os casaes de familia serão explorados e habitados pelas familias a quem pertencerem, por dominio util ou pleno, e só assim manterão aquella qualidade e privilégios inherentes.

§ 2.° Quando um casal de familia deixe de ser habitado, ou habitado e cultivado por dois annos, pela respectiva familia a quem pertença, perderá essa qualidade, e poderá ser penhorado ou hypothecado, sem contudo perder a sua qualidade de indivisivel!

§ 3.° Tornando o casal a ser habitado e explorado pelo respectivo dono e sua familia, poderá passado um anno, ser novamente declarado casal de familia, nos termos desta lei.

§ 4.° A declaração a que se refere o paragrapho precedente e os §§ 1.° e 2.° do artigo 3.° d'esta lei deverá ser feita pelo possuidor do lote indivisivel, que constitue o casal, ou por quem o represente como chefe da familia.

§ 5.° Entender-se-ha por chefe da familia, para os effeitos d'esta lei, o homem casado, o viuvo ou a viuva com filhos, ou o administrador de sociedade familiar.

Base 37.ª

O regulamento determinará os casos em que o casal de familia poderá ser habitado e explorado por sociedade familiar e os preceitos a seguir nesta hypothese.

Base 38.ª

O proprietario ou chefe de familia do casal ou lote de terra indivisivel, para o constituir em casal de familia, terá de apresentar na conservatoria respectiva, documentos autenticos ou autenticados, que provem o seu dominio pleno ou util no prédio e dos quaes conste ainda com exactidão: o seu nome, estado, profissão e residencia, que com sua familia habita e explora o mesmo predio, o numero e descrição d'este na matriz e registo predial, e quaesquer outras declarações exigidas no regulamento.

§ 1.° O conservador fará primeiro o registo provisorio, se julgar que tudo está nos termos legaes e tornará publico esse registo por meio de edital rã sua conservatoria e de editos de trinta dias no Diario do Governo. Satisfeitos estes preceitos e quaesquer outros que forem exigidos no regulamento, o conservador, verificando que não incide sobre o casal, hypotheca ou penhora, ou qualquer obstáculo ou embargo legal, fará o registo definitivo, desde que hajam volvido quinze dias sobre á5data da ultima publicação no Diario do Governo,

§ 2.° As publicações dos avisos no Diario do Governo, para os fins do paragrapho precedente, serão gratuitas. § 3.° Peito o registo definitivo, o casal de familia gozará da garantia de bem dotal, em todos os casos analogos que não se encontrem previstos nesta lei.

§ 4.° Não poderá a mesma familia possuir mais de um casal de familia, salvo o caso de se encontrarem os conjuges em regime de separação de pessoa e bens, cada um vivendo com parte dos filhos ou outras pessoas de familia no respectivo casal.

§ 5.° O casal de familia considera-se hypothecado pelo seu possuidor á propria familia, quer o possua por dominio pleno ou só util, e não poderá ser hypothecado a outrem, nem penhorado, nem tão pouco o respectivo capital mobiliario empregado na sua exploração pelo mesmo possuidor ou chefe de familia, salvo o disposto no seguinte paragrapho.

§ 6.° No casal de familia só poderá ser penhorado o gado de exploração, na parte que seja considerada producto d'essa. exploração destinado á venda, e os demais productos do casal, ou frutos pendentes, que possam ser destinados á venda, exceptuando-se, portanto, todos os que devam ser applicados ou consumidos pela familia ou na exploração do casal, taes como as sementes para as culturas, os adubos, os géneros indispensaveis ao sustento da familia e dos criados de lavoura, e as forragens de diversa especie, destinadas ao sustento dos gados.

§ 7.° Na casa de habitação nunca se fará penhora alguma nem arresto, sendo d"elles completamente isentos a mobilia domestica, e o vestuario e as roupas da familia, quer estejam na mesma casa, quer fora d'ella.

Base 39.ª

O disposto nesta lei, em favor dos colonos, chefes de familia, permittindo-lhes que, mediante a sua declaração, os casaes por elles possuidos, habitados e explorados seriam constituidos e inscritos no registo predial como casaes de familia, indivisiveis, não hypothecaveis e impenhoraveis, é applicavel a qualquer outro chefe de familia, cultivador, nas condições do § 3.° do artigo 3.° d'esta lei, que possua, por dominio pleno ou util, habite e explore com sua familia um casal que satisfaça as condições de superficie determinadas no mesmo artigo e nos n.ºs 1.° e 2.° da base 7.ª

§ unico. O registo só poderá ser feito nas condições da base 38. a e mediante informação favoravel do agronomo do districto e parecer do conselho districtal de agricultura, havendo recurso para o Conselho Superior de Agricultura.

Base 40.ª

O Governo promulgará o regulamento e as instrucções que forem necessarias, para que, a execução d'esta lei corra com a maior exactidão, regularidade e facilidade, e as estações officiaes, a que competir, empenhem todo o seu zelo para o rapido progredimento da colonização interna e da instituição dos casaes de familia agricolas.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = Manual Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 12-K

Senhores. - O grande desenvolvimento que noutros países teem tomado as industrias hydro-electricas e a afluencia de pedidos de licença para a exploração de quedas de agua no nosso país, levaram o meu illustre antecessor no Ministerio das Obras Publicas Commercio e Industria, a occupar-se do assunto, mandando fazer um rapido reconhecimento das quedas de agua utilisaveis, particularmente na parte montanhosa do país, ao mesmo tempo que um projecto de proposta de lei era organizado, a seu pedido, pelo muito distincto engenheiro João da Costa Couraça, sobre concessão de licenças para derivação e aproveitamento das aguas publicas e communs para força motriz.

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E sobre este trabalho - resultado de um grande e criterioso estudo da legislação estrangeira e da sua adaptação ao nosso país, e com a cooperação valiosa e reflectida do distincto engenheiro Severiano Monteiro, a quem a longa pratica dos serviços publicos da accentuada competencia no assunto, que elaborei a presente proposta de lei, convicto de que ella corresponde a uma necessidade real e inadiavel: facilitar o aproveitamento immediato das energias hydraulicas sem comprometer o futuro do patrimonio commum, conciliando os interesses geraes do país com os direitos preexistentes e as necessidades da industria.

O Congresso de Grenoble realizado em 1902, brilhante parada dos emprehendimentos levados a cabo, ou em via de execução, pelo aproveitamento da energia accumulada nos cursos de agua e pela sua transformação era energia electrica, dá-nos a medida do caminho percorrido, a marchas forçadas, pela industria no sentido da utilização das forças naturaes, ha menos de trinta annos ainda perdidas ou incompletamente aproveitadas. A resolução do problema da utilização pratica das quedas de grande altura realizada por Bergès, as experiencias de Mareei Desprez, em 1883, de transporte da energia entre Vizille e Grenoble, distantes 17 kilometros, e as descobertas de Moissan, abriram ás industrias hydro-electricas, electro-chimicas e electro-metallurgicas um horizonte vastissimo cujos limites, apezar dos grandes progressos realizados, não é ainda hoje possivel prever.

Por meio da electricidade a energia facilmente se transporta e se subdivide, permittindo levar as forças e a luz aos domicilios o que é, alem de tudo, de um alcance social indiscutivel. A industria dos transportes, que tanto importa fomentar, pelo seu desenvolvimento muito facilitará a exploração de algumas riquezas, particularmente dos jazigos mineraes como o de ferro de Moncorvo e o de marmore e alabastro de Vimioso, em grande parte desvalorizados pela falta de transportes baratos.

O nosso pais, não possuindo, como os Alpes ou os Pyrineos, grandes jazigos de hulha branca - as geleiras - tem em compensação a hulha verde, que muito convem aproveitar na criação de novas industrias ou na exploração das existentes, em substituição da hulha negra pela qual somos tributarios do estrangeiro por milhares de contos de réis annuaes.

Não possuimos ainda um inventario das quedas de agua utilizaveis; o magnifico estudo feito pelo major Durão limitou-se a um rapido reconhecimento dos cursos de agua que tem origem no massiço da Serra da Estrella. Ainda assim o relato da sua primeira campanha é valioso repositorio de informações.

Mostra elle que a hulha branca e a hulha verde, sem serem completamente desaproveitadas, pois a ellas se devem alguns centros industriaes importantes como o da Covilhã, de Manteigas e outros, estão ainda muito longe de fornecer a energia que representam e com a continuidade que a industria reclama.

A escassez da agua nos meses de estiagem, aggravada com o consumo que d'ella se faz nos mesmos meses na irrigações, obriga a recorrer a, outras fontes de energia, o que muito onera a industria.

Este mal é devido em grande parte á falta de arborização, como se torna bem patente na vertente da Serra da Estrella, correspondente a Gouveia, por comparação com a vertente correspondente a Manteigas, onde a arborização tem tomado consideravel desenvolvimento.

O aproveitamento de quedas de agua em ribeiras, cujo caudal varia entre limites muito afastados, obriga a adopção de barragens por vezes muito dispendiosas; mas a natureza, fertil em recursos, dotou as serras, e principalmente a nossa Serra da Estrella, de grandes reservatorios naturaes, as lagoas e os covões, em que por meio de pequenas barragens se armazenariam grandes massas de agua, que poderiam ser derivadas na medida das necessidades, por um simples jogo de torneiras.

Não são só as grandes quedas, como as que se podem utilizar na Serra da Estrella, algumas de 1:000 metros, que podem fornecer as grandes potencias e que chamam a attenção dos industriaes; são no tambem os grandes caudaes de rápido declive, como os que podem fornecer alguns dos nossos rios, nomeadamente o Douro, o Tejo e o Guadiana, que tambem tem sido objecto de pedidos de concessão.

Um recenseamento provisorio de forças hydraulicas, na região dos Alpes, emprehendido, pelo engenheiro R. de Ia Brosae, em quatro departamentos, abrangendo uma area de dois e meio milhões de hectares, deu na estiagem um milhão de cavallos e em aguas medias 2.300:000 cavallos. Para a França uma primeira avaliação deu, na estiagem, milhões de cavallos e, em aguas medias, 9 a 10 milhões. Estudos posteriores, e mais precisos, permittem reconhecer que estes numeros são muito inferiores á realidade.

Em Espanha, o engenheiro D. Horacio Bentabol calculou grosso modo a potencia global bruta das forças hydraulicas, pelas precipitações hydro-meteoricas e pelas zonas de altitude, em cerca de cinco e meio milhões do cavallos.

Para a parte montanhosa do nosso pais, a que fica ao norte do Tejo, admittindo que cada kilometro quadrado pode fornecer permanentemente 5 litros de agua (o minimo obtido por numerosas observações feitas na região dos Alpes), o que corresponde a uma capa de agua de altura de 155 millimetros e que a queda disponivel é de 220 metros (metade da altitude media d'aquella parte do pais) chegamos ao numero redondo de 750:000 cavallos. Não julgamos muito, avaliar para todo o pais, em um milhão de cavallos a força hydraulica utilizavel, sobretudo se attenderrnos a que a parte da bacia hydrografica dos nossos principaes rios - Douro, Tejo e Guadiana - comprehendida em territorio espanhol, é de cerca de 180:000 kilometros quadrados, proximamente o dobro da area total do pais.

Se, para não sermos taxados de exageração, fizermos o calculo do valor da hulha precisa para a producção de metade só d'aquella energia, vemos, que é de cêrca de 18:000 contos de réis o valor da riqueza que todos os annos se perde no mar, com a energia desaproveitada, não contando com outras riquezas que com ella seguem o mesmo destino, empobrecendo o solo e levando a desolação e a miseria a regiões que uma sabia previdencia poderia tornar prospera.

A arborização das nossas montanhas, o grande jazigo da hulha verde, já foi objecto de uma proposta de lei, visando ao rápido e intensivo revestimento florestal da parte montanhosa do pais.

Um dos maiores entraves á utilização das quedas de agua é levantado pelos proprietarios ribeirinhos, por vezes em grande numero, o que torna difficil o entendimento amigavel. Pela presente proposta de lei, declaradas as concessões de utilidade publica, o concessionario tem o direito de expropriação, no maior interesse da agricultura, da industria ou dos serviços publicos, quando este seja reconhecido pelo inquerito a que tem de se proceder, e sem o qual nenhuma concessão poderá ser outorgada.

O regime preferido para a outorga da concessão é o concurso publico, adoptado com exito na adjudicação de obras publicas, como sendo o que melhor garante os interesses geraes do Estado, sem coarctar a precisa liberdade

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e segurança que a industria reclama para o seu desenvolvimento. O prazo de concessão de cincoenta annos, podendo elevar-se a setenta e cinco, e mesmo noventa e cinco annos, dá á industria larga margem e estimulo para se exercitar no sentido do aproveitamento da energia das quedas de agua.

A renda annual exigida aos concessionario, é perfeitamente justificada pelo direito que se lhes confere da utilização da agua nossos navegaveis e fluctuaveis, que são do dominio rpublico, e da expropriação, por utilidade publica, dos direitos dos proprietarios ribeirinhos no uso das aguas communs, (o que é justificado pela grande vantagem advinda á industria e á agricultura) e ainda por outras garantias e servidões que pela presente proposta de lei se estabelecem em favor dos concessionarios, mediante previa e justa indemnização.

Sem todas estas garantias o concessionario ficaria á mercê de qualquer proprietario menos acomodaticio.

É tambem para considerar que será relativamente valiosa a receita a colher.

Julgamos não exagerar calculando em 100:000$000 réis a renda annual (perfeitamente realizavel ao fim de alguns annos) correspondente a 200:000 cavallos vapor.

O systema adoptado de concessão por concurso, tendo por base um minimo de renda annual, garante, pelos preceitos que na lei se conteem, a melhor utilização de riquezas que são do domiuio publico.

A criação de um fundo especial, alimentado pelo rendimento das concessões, destinado ao estudo e classificação dos cursos de agua, confecção do cadastro das quedas de agua e ao estudo e obras de irrigação dá á receita criada por esta proposta de lei a applicação mais conducente á extincção do déficit das subsistencias e ao barateamento destas, problemas que instantemente importa solucionar.

Taes são, senhores, as bases da proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa esclarecida e patriotica apreciação.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

PROPOSTA DE LEI

Utilização das forças hydraulicas

CAPITULO I

Da concessão e sua natureza juridica

Artigo 1.° É o Governo autorizado a permittir, nos termos da presente lei, a construcção das obras hydraulicas necessarias para a producção de força motriz, por meio das aguas publicas e communs, definidas nos artigos 1.° e 2.° do decreto com força de lei, sob n;° 8, de 1 de dezembro de 1892, e bem assim á derivação ou desvio das mesmas aguas que para tal fim se tornar indispensavel.

§ unico. O Estado poderá tambem utilizar directamente essas aguas para producção de força motriz, se o interesse publico assim o aconselhar.

Art. 2.° São declaradas de utilidade publica as concessões outorgadas pela presente lei.

§ unico. As concessões que digam respeito ao aproveitamento de energia hydraulica em que. á potencia utilizar, em aguas medias, seja inferior a 100 cavallos, de 75 kilogrametros por segundo, continuam a reger-se pelas leis e regulamentos em vigor.

Art. 3.° As concessões regaladas pela presente lei serão temporarias, e sempre dadas sem prejuizo do interesse publico ou dos direitos de terceiro, e serão outorgadas por alvará regio, expedido pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, publicado no Diario do Governo. Neste alvará se fixarão as condições especiaes da concessão.

§ 1.° só por lei especial poderá ser feita concessão por tempo illimitado.

§ 2.° Dependem igualmente de lei especial as concessões em que haja necessidade de desviar qualquer curso de agua em extensão superior a 10 kilometros medidos segundo o seu alveo ou*leito.

§ 3.° A transmissão de energia, para alem da fronteira, só por lei será permittida.

Art. 4.° O prazo da concessão será de cincoenta annos, podendo, por meio de diploma semelhante ao da concessão, ser successivamente prorogado por um novo, periodo de vinte cinco annos, e ainda outro de vinte, se assim convier aos interesses do Estado, devendo sobre as prorogações ser previamente ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas e a commissão de que trata o artigo 24.°

§ 1.° A primeira prorogação por vinte cinco annos pertence de direito ao concessionario que, na vigencia da sua concessão, tenha satisfeito a todas as condições do respectivo alvará sem ter incorrido em penalidade alguma.

§ 2.° Finda a concessão, revertem para o Estado todas as obras, edificios, terrenos e installações mecanicas que serão entregues em bom estado de conservação e em condições de satisfazerem ao uso a que foram destinadas, observando-se o seguinte:

a) Se a concessão for dada por finda ao cabo de cincoenta annos, o Governo embolsará o concessionario do valor dos terrenos e do das installações mecanicas no estado em que se encontrarem;

b) Quando tenha sido concedida a primeira prorogação, o reembolso limitar-se-ha ao valor dos terrenos;

c) Se a concessão attingir o periodo de noventa e cinco annos, não haverá reembolso algum.

Art. 5.° A concessão caducará:

a) Quando o concessionario a ella renunciar;

b) Quando os trabalhos não começarem no prazo de dois annos a contar da data da publicação do respectivo diploma ou quando a installação não esteja completa ao prazo fixado para a sua conclusão;

c) Quando concluidos e recebidos os trabalhos, não for aproveitada, durante cinco annos, a energia hydraulica.

d) Quando o concessionario não cumprir todas as clausulas da sua concessão e as prescrições legaes ou regulamentares que durante o periodo da mesma concessão estiverem em vigor;

e) Quando o concessionario transferir o uso da concessão sem previa e expressa autorização do Governo.

§ 1.° Nas hypotheses das alineas a) e c) será permittida ao concessionario a justificação das demoras, que o Governo poderá attender, ouvidas as estações competentes, se assim convier ao interesse publico e o concessionario provar que essas demoras se não deram por culpa sua.

§ 2.° Declarada a caducidade da concessão, passam para o Estado todas as obras, edificios e terrenos, sem indemnização alguma sob qualquer forma ou pretexto, e o concessionario não poderá obter outra no mesmo local; não tendo neste caso o Governo obrigação de retomar os trabalhos executados, podendo mesmo exigir do concessionario que as cousas se restabeleçam como se encontravam anteriormente á concessão.

Art. 6.° Assiste ao Estado o direito de resgate da concessão nos termos do respectivo alvará.

§ l.° O preço do resgate alludido será calculado tomando-se por base da avaliação o valor do estabelecimento, feitas as amortizações usuaes, tendo-se sempre em attenção o tempo decorrido, e accrescido de uma indemnização fixada pela commissão de que trata o artigo 24.°

§ 2.° No calculo da indemnização deverá separar-se o custo das obras do das installações mecanicas.

Art. 7.° As clausulas da concessão, a que estrictamente se deve sujeitar o concessionario, serão formuladas

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de maneira a não prejudicar, nos cursos de agua, os interesses da navegação da pesca e da fluctuação e bem assim os direitos de irrigação preexistentes, tendo-se ainda em attenção, quanto possivel, a conservação das bellezas naturaes.

CAPITULO II

Direitos e obrigações dos concessionarios

Art. 8.° Ao concessionario assiste o direito, sem prejuizo de direitos preexistentes, de fazer uso no local designado no alvará de concessão, e para o fim no mesmo estabelecido, da quantidade de agua ou de força hydraulica que tambem nesse diploma for fixada.

§ 1.° Todavia, se. o direito acima referido soffrer qualquer alteração proveniente de influencias que não dependam da acção directa do Estado, nenhuma indemnização será por este devida ao concessionario, a quem no emtanto o Estado prestará toda a protecção que puder legitimamente dispensar-lhe.

§ 2.° Igualmente o concessionario deverá acceitar todas as modificações no regime dos cursos de agua que forem julgadas de utilidade publica, executando á sua custa as correspondentes alterações de que por tal motivo carecerei as obras e installações mecanicas da sua concessão.

Art. 9.° O concessionario é o unico responsavel por quaesquer prejuizos que durante a execução das obras, e por causa d'ellas, ou no periodo da exploração e como consequencia d'esta, possam advir a terceiros que em caso algum poderão reclamar do Estado qualquer indemnização.

Art. 10.° O concessionario deverá contribuir numa quota parte, que será fixada pela commissão de que trata o artigo 24.° para as despesas que pelo Estado houverem de fazer-se com o fim de realizar trabalhos de defesa e conservação das correntes de agua de que se trata, quando se reconhecer que d'esses emprehendimentos resultam vantagens ou por elles se evitam prejuizos para a concessão.

Art. 11.° A transferencia da concessão só se fará com autorização expressa do Governo a pedido do concessionario, e ouvidas as estações technicas competentes, devendo passar-se outro diploma no qual podem inserir-se novas condições, estipuladas entre o Governo é o novo concessionario, se essa transferencia for autorizada.

§ 1.° No caso de morte do concessionario, se a concessão não tiver caducado nos termos do artigo 5.° e suas alineas a), b), c), d) e e), e não querendo o Governo usar da faculdade que lhe confere o artigo 6.° da presente lei, a concessão passará, mediante novo diploma, para os herdeiros a quem for adjudicada em partilha e que a solicitarem no prazo regulamentar, se pelo Governo forem considerados idoneos, dispensando-se o pagamento dos emolumentos e sellos respectivos.

Art. 12.° No caso de venda judicial ou qualquer outra liquidação forçada o Governo decidirá se deve tomar a seu cargo a concessão ou abrir novo concurso, quando não considere idonea a pessoa a quem a concessão tiver sido adjudicada.

Esta resolução será tomada dentro do prazo de sessenta dias a contar da data do requerimento em que o interessado deve pedir ao Governo a sua confirmação como concessionario, dentro de igual prazo a contar da data da adjudicação.

Art. 13.° As obras executadas pelo concessionario para o estabelecimento da derivação ou das officinas que fazem parte da concessão, são consideradas de utilidade publica.

Art. 14.° A declaração de utilidade publica, transforma os direitos dos proprietarios confinantes com as correntes de aguas communs, consignados no artigo 434.° e seguintes do Codigo Civil e mais legislação vigente, em o direito a indemnizações, quê poderão ser, no todo ou em parte, satisfeitas por meio de restituições de agua ou de energia.

Art. 15.° Durante o periodo da concessão os proprietarios não poderão impedir a passagem nos seus terrenos aos funccionarios e agentes encarregados da respectiva fiscalização, e bem assim dos empreiteiros e operarios, quando esta passagem não seja possivel pelos terrenos do concessionario. Todos estes individuos devem, no uso do direito que lhes é conferido, seguir quanto possivel a margem do curso de agua.

§ uaico. Quaesquer prejuizos que do uso d'este direito resultarem para aquelles proprietarios ficam a cargo do concessionario.

Art. 16.° Alem do que dispõe a legislação sobre expropriações em vigor, o concessionario tem o direito, quando satisfeitas as indemnizações que se acordarem ou que os tribunaes civis fixarem:

1.° De estabelecer e conservar, nos terrenos visinhos, tuneis e conductas que fizerem parte dos canaes principaes de derivação, de descarga ou de esgoto, indicados no alvará de concessão, quando esses tuneis e conductas estiverem a profundidade, não inferior a 10 metros, bem como os canaes e tuneis secundarios, destinados ao esgoto, tambem indicados na concessão e ainda quaesquer obras accessorias e servidões a elles respeitantes;

2.° De dar passagem aos conductores de energia electrica, sob ou sobre os terrenos onde convenha estabelecer taes conductores, e de construir, para o fim de que se trata, os apoios e apparelhos accessorios que o funcciona-mento desses conductores exigir;

3.° De occupar o leito das correntes de agua, communs e de o elevar mesmo, á custa da submersão das suas margens que não sejam susceptiveis de cultura, quando seja necessario para o estabelecimento de barragens ou outras obras.

§ unico. Os tribunaes competentes conciliarão quanto possivel o respeito da prçpriedade com as necessidades impreteriveis da concessão, podendo ordenar-se a execução dos trabalhos, quando absolutamente indispensaveis para o proseguimento das obras, desde que seja depositada na Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia a quantia que esses tribunaes fixarem como indemnização aos proprietarios interessados.

Art. 17.° Todas as obras a que o concessionario tiver de proceder serão executadas em harmonia com os projectos approvados pelo Governo, e com as clausulas estabelecidas no respectivo diploma de concessão e serão vistoriadas por delegados technicos do Governo, que as approvarão antes de começada a exploração da empresa, quando satisfaçam ás condições impostas.

§ unico. Qualquer modificação ulterior dos trabalhos realizados será previamente submettida á approvação do Governo, devendo a administração estabelecer uma fiscalização rigorosa, que permitta acompanhar minuciosamente a execução de todas as obras.

Art. 18.° Quando não cause prejuizo a terceiro, e não seja contrario ao interesse publico, poderá, ouvidas as estações technicas competentes, permittir-se ao concessionario alterar a forma de aproveitamento da energia hydraulica ou a applicação prevista da força produzida, contanto que não se mude o local dão restituição da agua.

§ 1.° Se, porem, fizer qualquer modificação sem autorização do Governo, o concessionario será punido com a multa que os regulamentos especiaes fixarem e que será pelo menos igual ao triplo da renda que annualmente elle pagar ao Estado, assistindo ainda a este o direito de fazer repor as cousas nas primitivas condições á custa d'aquelle, quando das alterações executadas resulte prejuizo de terceiro ou prejuizo do interesse publico.

§ 2.° Se das mudanças autorizadas provier aumento da quantidade de agua ou da força motriz aproveitada, ficará o concessionario obrigado ao pagamento de nova renda, proporcional a esses aumentos, que pelo Governo for liquidada, ouvida a commissão a que se refere q artigo 24.°

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CAPITULO III

Processo da concessão

Art. 19.° Depois da apresentação do requerimento solicitando a concessão, se o Governo julgar opportuno, ouvidas as estações competentes e por ultimo o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, que áquelle se dê seguimento, abrir-se-ha um inquerito pela Direcção Geral de Obras Publicas e Minas e, se o resultado for favoravel, proceder-se-ha pela forma indicada nos paragraphos que seguem:

§ 1.° O primeiro peticionario deve apresentar no prazo fixado no respectivo regulamento um ante-projecto o qual será subraettido á approvação do Governo, ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas. Neste ante-projecto indicar-se-ha o minlrao da quantidade de agua ou de força motriz que será utilizado na concessão e bem assim o destino da mesma.

§ 2.° No Diario do Governo, nos jornaes mais lidos da região e por éditos, publicar-se-ha o aviso de que o peticionario bem como os que assim o solicitarem, estão autorizados a fazer nos leitos dos cursos de agua e nos terrenos adjacentes, os trabalhos de campo indispensaveis para a elaboração dos ante-projectos que houverem de apresentar, ficando a cargo de todos elles, na devida proporção, quaesquer indemnizações que, aos proprietarios dos terrenos haja a satisfazer por prejuizos resultantes dos mencionados estudos.

A Direcção de Serviços Fluviaes e Maritimos respectiva poderá mesmo compellir os requerentes, se assim o exigirem algum ou alguns d'aquelles proprietarios, a prestar caução, tambem na proporção devida, para garantia da indemnização que for justificada.

§ 3.° O ante-projecto que o Governo adoptar é o que deve servir de base para a elaboração do projecto definitivo da concessão sobre o qual será sempre ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas.

§ 4.° Em igualdade de circunstancias tem preferencia, para servir de base á elaboração do projecto acima citado, o ante-projecto apresentado pelo primitivo peticionario.

§ 5.° Salvo o caso do paragrapho seguinte (melhor utilização da agua) o primeiro peticionario tem ainda direito á elaboração do projecto definitivo para a concessão, embora não seja considerado o melhor o seu ante-projecto, indemnizando o apresentante do ante-projecto preferido pelo Governo da respectiva importancia que opportunamente será avaliada, ouvido o Conselho Superior de Obra Publicas e Minas.

§ 6.° Se a escolha do ante-projecto feita pelo Governo não recair no organizado pelo peticionario atrás referido por não ser considerada melhor a utilização, naquelle ante-projecto, da agua ou da força motriz, será o individuo que apresentou o ante-projecto escolhido quem deverá elaborar o projecto definitivo da concessão, perdendo neste caso o primeiro peticionario o direito a essa elaboração § 7.° Publicada no Diario do Governo a approvação do ante-projecto abrir-se-ha então concurso publico baseado no projecto definitivo. O programrna do concurso depois de approvado pelo Governo, ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, será tambem publicado na folha oificial e nelle deverá indicar-se a importancia do deposito de garantia a que todos os concorrentes são obrigados.

§ 8.° No inquerito acima mencionado deve ter-se em vista se, num futuro proximo, ao Estado convirá a exploração directa da energia hydraulica pedida.

§ 9.° A licitação versará sobre a renda annual a paga ao Estado, por cada cavallo dynamico (75 kilogrammetro: por segundo), sendo a respectiva base o minimo de 500 réis.

§ 10.° Não terão validade as reclamações que contra qualquer pedido de concessão forem entregues, fora dos prazos e condições fixadas nos §§ 1.° e 2.°

§ 11.° Neste concurso tem o direito de opção o primitivo requerente, salvo o caso previsto, no § 6.° em que este direito pertencerá ao apresentante do ante-projecto escolhido pelo Governo para base do projecto definitivo da concessão.

Art. 20.° Se o individuo, empresa ou companhia a quem a concessão for conferida não for quem elaborou o projecto definitivo, deverá indemnizar este ultimo do valor d'esse projecto.

Art. 21.° No diploma de concessão a que se refere o artigo 3.° deverá sempre mencionar-se:

Quando se trate da criação de força motriz:

a) O objecto e fim da concessão;

b) A quantidade de agua maxima derivada ou aproveitada e, com a possivel aproximação, a que ficar ainda disponivel;

c) As condições em que é feita a sua derivação ou toma e a sua saída ou restituição;

d) A força motriz ou energia que se pode utilizar;

e) A indicação summaria das construccões e installações destinadas ao seu aproveitamento;

f) As indicações indispensaveis para garantir, nas aguas publicas, a liberdade de navegação e fluctuação e, nas aguas communs, os legitimos interesses da hygiene da industria e da agricultura;

g) O prazo para a execução das obras;

h) O prazo de duração da concessão;

i) O prazo e mais condições do resgate;

j) A renda annual a pagar ao Estado.

Art. 22.° Pelo diploma da concessão, sobre que o Conselho Superior de Obras Publicas e Minas será consultado, pagará o concessionario os emolumentos e sellos que na legislação respectiva forem fixados.

Art. 23.° A receita proveniente das rendas annualmente obtidas pela execução da presente lei, servirá para a constituição de um fundo especial que ficará ás ordens do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria e será destinado a fazer face ás despesas a que se refere o artigo 27.°, § unico e a estudos e obras de irrigação.

CAPITULO IV

Disposições geraes e disposições transitorias

Art. 24.° Para resolver as contestações que se levantarem na execução do disposto nesta lei será criada, junto do Ministerio das Obras Publicas Commercio e Industria, uma commissão composta pela forma que segue:

a) Um vogal do Supremo Tribunal Administrativo;

b) Um juiz da Relação de Lisboa;

c) Um ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda;

d) Director geral das Obras Publicas e Minas;

e) Director geral da Agricultura;

f) Director geral do Commercio e Industria;

g) Inspector de serviços hydraulicos;

h) Inspector das industrias electricas;

i) Um vogal do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas;

j) Um engenheiro, um agricultor e um industrial, nomeados pelo Governo.

§ unico. A esta commissão permanente será aggregado um representante de cada um dos municipios a que possa interessar a concessão, escolhidos por esses municipios, cujo mandato termina com a da respectiva camara municipal, e que nos trabalhos tomarão parte quando se trate de assuntos que respeitem á região que representam.

Art. 25.° As Direcções de Serviços Fluviaes e Maritimos e a Inspecção Geral dos Telegraphos serão, como representantes do Governo, na parte que lhes disser respeito, os fiscaes da execução dos trabalhos da concessão, devendo o concessionario respectivo fornecer áquellas esta-

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ções todos os esclarecimentos por ellas reclamados para bem desempenharem a missão que lhes é commettida.

Art. 26.° Quando uma concessão não aproveitar toda a agua ou força motriz que num dado local possa ser utilizada, poderá o Governo, seguindo-se os tramites fixados nesta lei, conceder a outrem o excedente de agua ou de força motriz, regulando-se no alvará da nova concessão as relações dos dois concessionarios visinhos, conforme haja ou não inteira independencia entre as duas concessões, ou a segunda possa aproveitar parte das obras hydraulicas da primeira, com ou sem modificações.

Art. 27.° O Governo mandará proceder com a maior brevidade á classificação das aguas publicas e communs pela forma indicada no titulo II, capitulo I, do decreto com força de lei, sob n.° 8 de 1 de dezembro de 1892, a qual será approvada, precedendo consulta do Conselho Superior de Obras Publicas e Minas, por decreto especial.

Igualmente se procederá, pelas direcções de serviços fluviaes e maritimos á organização do cadastro das quedas de agua existentes nos cursos de agua de que se trata, mediante instrucções especiaes que opportunamente serão communicadas ás referidas direcções.

§ unico. Para o serviço especial de que trata o presente artigo e para que elle possa executar-se com toda a regularidade, e no mais curto prazo, será inscrita annualmente, no orçamento geral do Estado, a verba reputada necessaria, emquanto o fundo especial, citado por esta lei, lhe não puder fazer face.

Art. 28.° Durante o prazo de sessenta dias a contar da publicação da presente lei, e satisfazendo ao que nella é preceituado, poderão renovar os seus pedidos, precisando-os, os individuos que tenham feito requerimentos antes da data da apresentação desta proposta de lei sobre os assuntos nella regulados, concedendo-se-lhes, nesse caso, o direito de preferencia, para a elaboração do anteprojecto, nos termos do artigo 19.°, pela ordem por que esses pedidos tenham primitivamente sido apresentados na Secretaria do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, quando para o mesmo objecto haja mais de um pedido.

Terminado o prazo acima fixado nenhum effeito poderão surtir os pedidos de que se trata.

Art. 29.° O Governo fará os regulamentos necessarios para a completa execução desta lei, que entrará em vigor no prazo de seis meses a contar da data da sua publicação, devendo nesse periodo estar tambem publicados os referidos regulamentos, nos quaes poderão ser impostas, aos concessionarios contraventores das clausulas e condições da concessão, multas até ao maximo de 500$000 réis.

Art. 30.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.º 12-L

Senhores.- Não faltam no actual momento historico juizos pessimistas, acêrca da situação do pais, a braços com difficuldades de ordem financeira, economica e politica. O exame sereno e imparcial dos factos, corroborado pelas lições do passado, desmente esses vaticinios e justifica a esperança de um futuro melhor e a fé inabalavel nos destinos da nacionalidade portuguesa, que tem ainda larga missão a cumprir, em prol da civilização, acrescentando paginas honrosas aos seus gloriosos fastos.

Multiplos e valiosos são os recursos da nossa boa terra; grande é a sua capacidade de trabalho frutuoso. Não faltam riquezas para explorar, nem escasseia o campo de acção remuneradora para o labor perseverante e bem orientado.

Os progressos economicos realizados, tanto nos dominios da agricultura, como nos da industria e do commercio, a despeito da repercussão, no nosso modesto meio, de crises de ordem geral, como a vinicola, são fiador seguro de futuro auspicioso.

Desse progresso tem sido e continuará sendo factor primacial a facilidade de communicações proporcionada pelo desenvolvimento da viação, cujo influxo no crescimento da riqueza publica nem sempre tem sido devidamente avaliado.
Assim o testemunham os dados estatisticos relativos ao movimento dos caminhos de ferro, que de 2.129:570 passageiros e 649:404 toneladas de mercadorias, com o rendimento bruto de 3.210:098$473 réis, em 1880, subiu a 16.135:269 passageiros e 4.570:592 toneladas, com o rendimento de 9,749:069$576 réis, em 1908. Emquanto a extensão da rede se elevava de 1:177 kilometros a 2:810, o rendimento kilometrico subia de 2:727$356 a 3:469$420 réis, apesar da construcção de linhas secundarias de pequeno trafego.

Em 1909 essa tendencia ascencional do trafego continuou a accentuar-se notavelmente em todas as linhas, cifrando-se o aumento da receita sobre a de 1908 em cêrca de 355:000$000, réis apesar da paralysação anormal do movimento de muitas d'ellas na ultima dezena de dezembro, causada pelas cheias e inundações.

Ao rendimento do trafego ha que acrescentar o dos impostos de transito e sêllo, que se elevou, no periodo referido, de 99:194$077 a 578:545$947 réis.

Sommem-se aos rendimentos directos dos caminhos de ferro os indirectos, que sobrepujam aquelles em importancia, e poder-se-ha então avaliar o aumento de materia collectavel por elles determinado.

Está longe de ter attingido o limite a elasticidade do seu rendimento.

É, pelo contrario, nos ultimos quinze annos, que o seu crescimento se tem accentuado, pois, ainda em 1893, nos 2:334 kilometros de linhas em exploração, houvera apenas 6.241:551 passageiros, 1.482:391 toneladas, 5.312:300$817 réis de rendimento do trafego, correspondendo a réis 2:276$050 por kilometro e 278:480$713 réis de impostos.

Largas e lamentaveis lacunas ha ainda na nossa rede ferro-viaria. Vastas regiões do país aguardam ha muito os beneficios da viação accelerada para valorizarem as suas riquezas inexploradas, e nas linhas ferreas existentes muitas estações se encontram sem accesso commodo por falta de estradas.

Não tem descurado os poderes publicos o momentoso problema da constituição da nossa rede ferro-viaria, a despeito das difficuldades derivadas da situação do Thesouro, procedendo com louvavel espirito de sequencia, favoravel á estabilidade da tradição e á unidade perseverante de plano, sem as quaes a administração publica, impossibilitada de progredir, tem por simile a lendaria teia de Pe-nelope.

A lei de 14 de julho de 1899, a que ficou vinculado o nome de Elvino de Brito, assegurando aos caminhos de ferro do Estado regime propicio á melhoria da sua exploração e ao acrescentamento de novas linhas, estatuiu um principio fundamental, fecundo em beneficas consequencias, pelo qual, sem se aggravarem os encargos presentes do Thesouro, o crescimento das receitas seria consagrado ao desenvolvimento da viação accelerada.

A assimilação dos processos administrativos, em serviços de caracter commercial, aos que vigoram nas companhias exploradoras de caminhos de ferro e a creação do fundo especial, para o qual revertem os aumentos de receita a fim de se occorrer aos encargos de novas construcções ou de melhoramentos nas linhas existentes, foram a base do systema, cujos beneficos frutos, a despeito das difficuldades praticas iuhereutes a um periodo, de transição, ahi estão patentes após dez annos de honrada e zelosa administração do Conselho creado pela nova lei, ao qual preside

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a prestigiosa individualidade publica - Pereira de Miranda.

Desde a promulgação da lei teem-se succedido providencias oriundas de diversos Governos, mas orientadas todas pelo mesmo criterio. Sem falar na creação do fundo especial das matas e na organização do porto de Lisboa, inspiradas pelo novo regime dos caminhos de ferro, vemos successivamente promulgadas, alem de multiplos decretos de caracter regulamentar, as leis: de 24 de maio de 1902, providenciando sobre as construcções das linhas de Mirandella a Bragança e da Régua a Chaves; de 1 de julho de 1903, da iniciativa do meu illustre antecessor, Sr. Conde de Paço-Vieira, autorizando a construcção de varias linhas complementares e estradas de accesso e assegurando a conclusão do troço de Coimbra á Lousa; o decreto com força de lei de 2 de maio de 1904, concedendo com garantia de juro as linhas do Alto Minho; de 20 de dezembro de 1906, concedendo a garantia de juro á linha do Valle do Vouga; os decretos com força de lei de 7 e 12 de junho de 1907, autorizando a construcção dos ramaes de Aldegallega e Montemor; as leis de 27 de outubro de 1909, assegurando a construcção das linhas de Portalegre e do Sado e a conclusão do troço do Barreiro a Cacilhas e destinando recursos para linhas 1 complementares da zona central, cuja construcção o Sr. Conde de Paçô-Vieira procurou assegurar pela notavel proposta de lei de 24 de março de 1904, tendente á creação de um fundo especial, que obteve parecer favoravel das commissões parlamentares, não chegando a ser convertida em lei.

Entretanto, os decretos de 15 de fevereiro de 1900, 27 de novembro de 1902, 7 de maio de 1903, 4 de abril, 7 de maio e 19 de agosto de 1907 definiam, pela classificação das linhas complementares, baseada em inquerito prévio, o plano da rede ferro-viaria nas tres zonas em que o país se acha dividido.

Abriram-se á exploração 280 kilometros nas linhas do Estado, cujo rendimento se elevou de 1.900:361$734 réis era 1899-1900 a 2.965:527$226 réis em 1908-1909. Acham-se em construcção adeantada 63 kilometros de varios troços, e dentro de tres annos deverão estar concluidos 246 kilometros mais, das linhas do Sado, Cacilhas e Portalegre.

Abriram-se mais 130 kilometros das linhas de Mirandella a Bragança, Coimbra á Lousa e Guimarães a Fafe, com garantia de juro pelo fundo especial ou participação de receitas das linhas do Estado, a que se juntarão dentro em pouco 158 kilometros das linhas do Alto Minho.

As receitas do fundo especial elevaram-se de 140:158$827 réis em 1899-1900 a 551:353$172 réis em 1908-1909.

Se muito está feito, não pouco ha que fazer para proporcionar as facilidades de communicação ás legitimas exigencias da economia nacional. É certo que a necessidade imperiosa de reorganizar as finanças e assegurar o equilibrio orçamental não se compadece com a creação de encargos a que não correspondam novas receitas equivalentes. Sem deixar, porem, de manter essa regra salutar, pode-se e deve-se activar o desenvolvimento da viação accelerada, sem confiança temeraria no futuro, nem pusilanimidade que entorpeça o progresso economico do país, aproveitando os elementos de acção existentes e procurando aumentar a sua efficacia.

Assente, como principio fundamental, que se não pedem ao presente sacrificios ao Thesouro, não é de mais exigir que a esse desenvolvimento se consagrem aumentos futuros de receitas, que dos caminhos de ferro vem, distribuindo-os com equidade pelas differentes regiões do país. Assim como para as duas zonas extremas ha um fundo especial consagrado aos encargos da construcção de novas linhas, justo é que pela mesma forma sé proceda em relação á região central.

A proposta de lei de 24 de março de 1904, a que já me referi, tinha principalmente por fim a citação desse fundo, idéa de algum modo realizada já, em parte, pelas disposições da base 6.ª da lei de 27 de outubro de 1909.

Parece-me sobremodo opportuno o delineamento de um plano methodicamente traçado, que, mantendo sem alteração sensivel a presente situação no que respeita á partilha de rendimentos das linhas ferreas, habilite o Governo a dar-lhes mais vigoroso impulso com rasgada iniciativa, que não exclue a prudente sujeição ás circunstancias de momento.

A esse criterio obedece a proposta que tenho a honra de vos apresentar e que procurarei justificar com a minuciosidade que a importancia do assunto exige.

O decreto de 6 de outubro de 1898, que foi a origem e a base das beneficas providencias posteriormente tomadas para o desenvolvimento da viação accelerada, considerou, para esse effeito, o país dividido em tres zonas:

Zona ao norte do Mondego, que chamarei zona do norte, dá qual são as linhas do Minho e Douro as arterias principaes;

Zona entre o Mondego e o Tejo, que chamarei zona do centro;

Zona ao sul do Tejo, ou zona do sul, servida pelas linhas do sul e sueste.

Na primeira estão concedidas a empresas as linhas do Porto á Povoa e Famalicão, Trofa a Guimarães e Fafe, Braga a Guimarães e a Monção, Vianna a Ponte da Barca, Foz-Tua a Mirandella e a Bragança. Deve esta zona ter praticamente por limites, do lado do sul, a partir da foz do Paiva, os da bacia do Douro, visto serem as linhas a construir na vertente esquerda desta bacia todas directamente tributarias da linha do Douro, convindo reservar para o Estado a sua construcção.

Na zona do sul, alem das linhas do sul e sueste e das suas affluentes projectadas, apenas figuram, concedidas a empresas, o troço da linha de leste alem do Tejo e o rama de Caceres, que devem ser considerados pertencentes pertencentes á zona do centro, como a linha principal nella situada; a linha de Vendas Novas a Setil, que, ficando quasi toda ao sul do Tejo e sendo tributaria da do sul, faz systema com ella; a linha de Portalegre, que, apesar de concedida a uma empresa, vae ser explorada pelo Estado.

Nas duas zonas extremas é pois preponderante, e mesmo numa d'ellas quasi exclusiva, a acção do Estado.

A zona do centro deve abranger todas as linhas concedidas a empresas entre o Douro e o Tejo, incluindo a de Vilia Nova de Gaia a Sobrado de Paiva e seu ramal, e as que venham a ser construidas na região, com excepção das da vertente do Douro para montante do Paiva, porque todas são, como se disse, tributarias da linha do Douro.

Quando se creou o fundo especial dos Caminhos de Ferro do Estado, attribuiram-se-lhe todas as receitas futuras provenientes de caminhos de ferro, sem distinção de região.

Figuravam, entre as que deviam com o tempo tornar-se muito valiosas, os aumentos do rendimento de impostos e as economias das garantias de juro em todas as linhas do país.

Ao ser transformada na lei de 14 de julho de 1899, a proposta de Elvido de Brito foi modificada, deixando-se essa reversão subordinada á condição de previo equilibrio no orçamento das receitas e despesas ordinarias do Estado, excepto para o aumento de impostos nas linhas do Minho e Douro e para o seu producto integral nas linhas que se viessem a construir.

Mais tarde, a lei de 1 de julho de 1903 pôs termo á anomalia de um regime differente para os dois grupos de

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SESSÃO N.° 27 DE 6 DE JUNHO DE 1910 61

linhas, e prescreveu a reversão immediata dos excessos de impostos das do Sal e Sueste para o fundo especial.

Até hoje, infelizmente, não se verificou a condição a que ficou subordinada a cedencia, ao fundo especial, de uma receita de tal modo importante, que attingiria ao presente cerca de 300:000$000 réis annuaes, e quando se verificasse essa cedencia, desequilibraria de novo o orçamento, cessando desde logo o direito a ella, a não haver no orçamento ordinario do Estado excedentes consideraveis de receita sem applicação.

Hoje, portanto, o fundo especial recebe os excessos de impostos das linhas do Minho e Douro e Sul e Sueste e na integra os das linhas de Vendas Novas a Setil, Mirandella a Bragança, Coimbra á Lousa e Valle do Vouga, construidas depois de 1899, embora as duas ultimas não sejam suas tributarias.

Tambem a lei de 1899 destinou ao fundo especial, nos n.ºs 6.° e 7.° da base 3.ª, o producto de arrendamento de terrenos conquistados ao Tejo pelas obras do porto de Lisboa pertencentes ao Estado, o da venda dos que não forem necessarios á exploração, e iguaes receitas em relação a terrenos salgadiços e terrenos contiguos a estradas, ou pertencentes a estradas ou caminhos de ferro abandonados, que estejam na posse do Estado. D'essa proveniencia, apenas advem ao fundo especial receita insignificante, de verificação difficil, disseminada por todos os districtos, que em 1908-1909 foi apenas de 4:368$198 réis.

Como já observei, a lei de 27 de outubro de 1909 providenciou sobre encargos de linhas da zona central, destinando-lhes recursos que pertenceriam, em determinada hypothese, ao fundo especial dos caminhos de ferro do Estado.

Embora seja criticada por tratadistas de valor a creação dos fundos especiaes, que julgam inherente a uma organização financeira defeituosa, preferindo a dotação directamente destinada no orçamento aos diversos serviços publicos, affirmam outros, com mais senso pratico talvez, que é de boa prudencia attribuir a determinados encargos receitas especiaes, de sua natureza crescentes, que, sem affectar a situação do thesouro em relação ao momento d'essa attribuição, habilitam os Governos a contar de antemão com recursos para determinada acção de fomento.

Entendo, pois, que se deve crear o fundo especial dos caminhos de ferro da zona do centro, aproveitando o ensejo para rever as disposições similares da lei de 14 de julho de 1899, aperfeiçoando-as sem modificação essencial, nem cerceamento dos rendimentos actuaes, quer do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, quer do Thesouro, e utilizando em boa parte a proposta de lei de 1904, em cujo delineamento definitivo foi attendido o autorizado parecer do Conselho de Administração dos caminhos de ferro do Estado, de 24 de fevereiro do mesmo anno.

O rendimento dos impostos de transito e sêllo cresce com o do trafego.

As garantias de juro diminuem de anno para anno, algumas das quaes, como as de Mirandella a Bragança e de Coimbra á Lousa, saem do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado. Aquelle aumento e essas economias representam disponibilidades crescentes.

Se nas linhas do Estado acrescem o aumento da receita liquida do trafego e as receitas fora do trafego, ha, em compensação, a favor da zona central a nova receita do imposto de transito nas linhas do norte e leste, que o thesouro não tem usufruido e de que pode portanto prescindir. Aos que objectarem que nenhuns recursos podem ser distrahidos da obra necessaria de reconstituição das finanças, responderei que, mais que nenhum outro, é meio de acção efficaz o avigoramento da actividade economica do país pelas facilidades de circulação.

Creando o fundo especial da zona central, a cada um dos dois devem ser methodicamente attribuidos tanto os recursos provenientes das linhas das respectivas regiões, como os encargos inherentes.

Para cada fundo reverterão os aumentos da receita de impostos, como de cada um sairão as annuidades de emprestimos e as garantias de juro, aproveitando-lhes pois as correlativas reducções e reembolsos.

E, como as garantias de juro das linhas de Foz-Tua a Mirandella, Torres-Figueira-Alfarellos, Santa Comba-Dão a Viseu e Beira Baixa, são hoje pagas directamente pelo Thesouro, desde que saiam dos fundos especiaes de cada região, devem estes ser dotados com subsidio igual ao encargo presente, subsidio que procurarei determinar.

II

A base 1.ª da presente proposta determina as receitas encargos do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, destinado ás zonas do norte e do sul.

Da receita de impostos cabe hoje ao Thesouro a quantia fixa de 74:272$346 réis pelo Minho e Douro e 69:750$143 réis pelo Sul e Sueste, total 144:000$000 réis aproximadamente, ou 12:000$000 réis a entregar mensalmente ao Thesouro sem dependencia de liquidações mais ou menos demoradas.

Devem igualmente reverter para este fundo especial os aumentos de impostos nas linhas do Porto á Povoa e Famalicão, Bougado a Guimarães e Foz-Tua a Mirandella.

No anno eoonomico de 1908-1909, a receita de impostos nessas tres linhas foi de 24:442$951 réis.

[Ver tabela na imagem]

Pode-se, pois, fixar em 24:400$000 réis o rendimento fixo que ao Thesouro pertence, devendo ser entregue pelas companhias ao fundo especial o excesso, logo que tenham completado o pagamento d'aquella quota-parte.

O rendimento integral dos impostos das novas linhas de Mirandella a Bragança e Vendas Novas a Setil continua a pertencer ao fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, mas os das linhas da Louzã, do Vouga e das que de futuro se construirem na zona central devem ir engrossar o fundo respectivo, á custa de aquelle, pois.

A receita de impostos nessas linhas, em 1908-1909, foi:

[Ver tabela na imagem]

que arredondarei para 4:300$000 réis.

Pela economia da proposta, de cada fundo especial saem todas as garantias de juro da região. Ao dos caminhos de ferro do Estado incumbirá, pois, o pagamento da de Foz-Tua a Mirandella, que no anno de 1908-1909 attingiu 31:947$118 réis e que arredondarei para 32:000$000 réis. Deduzindo 10:500$000 réis da garantia de juro de Coimbra á Lousã, que ainda não desceu abaixo d'esse limite, o encargo será de 21:500$000 réis, que, sommado com 4:300$000 réis de impostos transferidos para o fundo

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da zona central, representa, para o dos caminhos de ferro do Estado, um desfalque de 25:8000000 réis.

Se das suas receitas eliminarmos a da venda de leitos de estradas e outros terrenos que em media se eleva a réis 4:000$000, o total da perda de receitas attingirá cêrca de 30:000$000 réis, o que se compensará reduzindo igual quantia na receita liquida do trafego entregue ao Thesouro, que assim descerá a 720:000$000 réis, ou 60:000$000 réis mensaes.

Adeante se mostra como esta deducção é compensada para o Thesouro para não cercear os seus actuaes recursos.

Por esta forma, a situação actual do fundo especial em nada. é affectada e de futuro é melhorada pelo aumento de impostos e economias de garantias, cuja cifra é facil calcular, pela media do ultimo decennio.

[Ver tabela na imagem]

Aumento: 8:581$990 réis, ou 858$000 réis annuaes.

[Ver tabela na imagem]

Diminuição: 13:040$660 réis ou 1:304$000 réis annuaes.

Somma das duas verbas: 2:162$000 réis annuaes.

No fim de seis annos esse aumento representará já uma receita de 12:000$000 réis annuaes, que não é para desprezar, sendo provavel que esse crescimento se mantenha e até se accentue mais. Os troços de Mirandella a Bragança e de Guimarães a Fafe estão no inicio da sua exploração, e por isso o seu beneficio influxo nas receitas do troço inferior se traduzirá por mais rápido aumento d'estas.

É obvio que, saindo do fundo especial todas as garantias de juro da região, em seu beneficio redundara as suas crescentes reducções e reembolsos, que agora ficam independentes de qualquer condição.

Do mesmo modo para elle deve reverter a receita liquida das linhas regionaes que venham a ser resgatadas, com o onus dos encargos correlativos.

Finalmente, o subsidio da navegação para o Algarve, que se não justifica, desde que o Estado tenha concluido as linhas ferreas da provincia, não pode, em rigor, reverter para o fundo especial, emquanto o ramal de Portimão, que, segundo a classificação official, vae de Tunes a Lagos, não estiver concluido. Por isso, o preceito respectivo deve ter redacção clara nesses termos.

Como se vê, não ha alteração nas receitas e encargos actuaes do fundo especial. Renuncia-se a receitas de reversão duvidosa e quasi irrealisavel hoje pela sua importancia, para assegurar parte d'ellas, modestas, mas imediatas e libertas de condições indefinidamente dilatorias.

Todas as receitas provem das linhas das zonas a que se destinam, como d'estas derivam todos os encargos.

III

A aplicação dos mesmos principios á constituição do fundo especial da zona do centro leva a atribuir-lhe, em primeiro logar, os augmentos de receita de impostos, fixando-se o participe fico do Thezouro em 333:306$000 réis, que a região recebeu em 1908-1909, como se conclue da seguinte nota:

[Ver tabela na imagem]

Para que do novo fundo especial saiam as garantias pagas a linhas da região, e portanto em seu beneficio revertam as respectivas reducções, indispensavel é que o Thesuuro lhe dê, como subsidio, annual constante, pelo Ministerio das Obras Publicas, a quantia de 400:000$000 réis, equivalente ao encargo actual, que vamos determinar. As garantias pagas em 1908-1909 foram:

[Ver tabela na imagem]

É esse encargo que passa para o novo fundo especial, acrescido de 10:500$000 réis, da garantia de Coimbra a Louzã: total 404:442$524 réis. Como, porem, este recebe os impostos de Coimbra a Lousa e Valle do Vouga, na importancia de 4:331$439 réis, o encargo effectivo será de 400:000$000 réis, proximamente, precisando-se pois desse subsidio.

O Thesouro tinha o encargo de 393:942$524 réis, acrescido de 31:947$118 réis, garantia de Foz-Tua a Mirandella, que passa para o fundo especial dos caminhos de ferro do Estado : total 425:8890642 réis.

No novo regime deixa, de receber 30:000$000 réis das receitas liquidas dos caminhos de ferro do Estado, revertendo, em compensação, em seu proveito as vendas e arrendamentos de terrenos, que computaremos em réis 4:000$000, o que representa o encargo effectivo de réis 26:000$000, que sommado com os 400:000$000 réis de subsidio para o fundo especial da zona central perfaz 426:000$000 réis, encargo sensivelmente igual, ao do ultimo anno economico.

Assim, nem o Thesouro, nem o fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, verão as suas actuaes receitas affectadas pela criação do novo fundo, da qual resulta mais methodica e equitativa distribuição de rendimentos e encargos.

O crescimento medio annual das receitas de impostos e a reducção correspondente das garantias representam, segundo a media annual do decennio de 1898 a 1908, 28:000$000 réis.

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[Ver tabela na imagem]

Aumento: 114:293$432 réis ou 11:400$000 réis annuas.

Garantias:

[Ver tabela na imagem]

Reducção: 166:211$725 réis, ou 16:600$000 réis em media annual.

Somma das duas verbas: 28:000$000 réis annuaes.

Deve-se notar que a colheita excepcionalmente má do anno de 1908 affectou desfavoravelmente as receitas, tanto assim que na linha da Beira Baixa a garantia subiu, tendo sido apenas de 319:7820920 réis em 1907. O reembolso tambem foi menor em Torres-Figueira-Alfarellos. Se attendermos ainda ao rápido incremento de receita que estas duas linhas podem ter com uma exploração melhorada, não erraremos em suppor de 30:000$000 réis o aumento annual da receita do novo fundo especial, proveniente de impostos e disponibilidades de garantias, não differindo muito este calculo do que figura no relatorio da proposta de 1904.

Haveria que acrescentar o crescimento medio do impostos nas linhas de Coimbra á Lousa e do Valle do Vouga e as economias nas respectivas garantias de juro; como, porem, apenas um pequeno troco d'esta ultima entrou em exploração, e o seu trafego só pode tomar a feição normal quando a linha estiver concluida, não ha base suficientemente aproximada para o calculo, quer dos impostos, quer da garantia, e por isso abstrahiremos dos dois troços.

Como é sabido, o Governo, autorizado pela carta de lei de 26 de fevereiro de 1875, subsidiou a construcção da 5.ª secção da linha do norte com a cedencia, durante 36 annos, do imposto de transito sobre a pequena velocidade, que a Companhia Real tem cobrado em seu proveito.

Em 1911 reverte essa receita para o Estado, devendo ser proximamente de 100:000$000 réis, como é facil de provar pelo exame da estatistica.

Em 1911-1912 a receita do novo fundo especial deverá, pois, ser de 160:000$000 e no fim do sexto anno de mais de 280:000$000 réis.

Como. na proposta de 1904, pareceu-me conveniente confiar a sua gerencia á mesma entidade que gere o dos caminhos de ferro do Estado, pela affinidade do serviço e conveniente uniformidade da escrita, embora os dois fundos devam ser absolutamente distinctos e independentes.

Sem sacrificio das receitas actuaes do Thesouro, fica assim assegurada a construcção de novas linhas na zona central do país, com direito a beneficios iguaes aos que a lei de 1899 permitte dispensar ás regiões extremas.

IV

A creacão de recursos, segue-se, naturalmente, a sua applicação, que pode e deve ser de antemão prevista e preparada.

Começarei por me occupar das linhas do Estado, para fazer em seguida incidir o meu estudo sobre as da zona do centro.

As linhas complementares das zonas do norte e do sul estão classificadas por decretos de 15 de fevereiro de 1900 e 27 de novembro de 1902, a que se juntaram os decretos : de 7 de maio de 1903, relativo ás linhas da bacia do Sorraia; de 4 de abril e 7 de maio de 1907, sobre os ramaes de Aldegallega e Montemor; de 19 de agosto de 1907, modificando a directriz da linha de Ponte de Sor.

Foi autorizada a construcção de algumas d'ellas pelas cartas de lei de 14 de julho de 1899, base 4.ª 1 de julho de 1903 e 27 de outubro de 1909, alem dos tres decretos com força de lei de 2 de maio de 1904, 7 e 12 de junho de 1907.

Examinaremos o assunto em relação a cada grupo de linhas.
Zona do norte

As linhas classificadas são as seguintes:

Alfandega a Leixões.

Circunvallação do Porto.

Mirandella a Bragança.

Guimarães a Cavez.

Valle do Tamega - Livração a Cavez, a ligar com a linha do Corgo, seguindo até Chaves.

Linha marginal do Douro - Contumil a Mosteiro.

Prolongamento da linha do Minho - Valença a Melgaço.

Alto Minho - Braga a Monção.

Valle do Lima - Vianna a Ponte da Barca.

Braga a Guimarães.

Pocinho a Miranda.

Regoa a Villa-Franca das Naves.

Valle do Corgo - Regua a Chaves.

Tarouca-Viaeu-Mangualde.

Viseu a Foz-Tua.

Pocinho a Villa Franca das Naves.

Valle do Vouga e ramal de Aveiro.

Villa Nova de Gaia a Sobrado de Paiva e ramal de S. Jorge.

A linha marginal do Douro constitua uma rectificação, util mas dispendiosa, da directriz, com desdobramento da via unica, que não pode preterir outras construcçSes mais urgentes.

Ein plano secundario e adiadas, para occasião opportuna, teem de ficar as linhas de Tarouca-Viseu-Mangualde, Viseu a Foz-Tua, Pocinho e Villa Franca das Naves, embora seja importante a ligação de Viseu com o Douro e Trás-os-Montes, mais directa que a que vae ser assegurada pela linha do Valle do Vouga.

A linha do Alto Minho, as de Braga a Guimarães e do Valle do Lima estão concedidas, não tendo pois que nos occuparmos d'ellas, senão para avaliar na devida altura o encargo que da garantia de juro pode resultar.

Da linha de Guimarães a Cavez está concluido o primeiro troço até Fafe. Poderia ser concedido á Companhia de Guimarães o seu porlongamento, pelo menos até Moreira de Rei, mas nem ella pensa nessa obra cara e pouco rendosa, nem ha razões que aconselhem qualquer iniciativa do Governo para a incitar a emprehendê-la.

O troco de Mirandella a Bragança está construido pela Companhia Nacional, dando logar a um encargo maximo de cerca de 92:000$000 réis de garantia de juro, que lentamente diminuirá.

Das linhas do Valle do Vouga e de Sobrado de Paiva e seu ramal, já concedidas, tambem não temos que nos occupar aqui, por deverem pertencer á zona do centro.

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Para o troço da Alfandega a Leixões ha a lei de 1889 relativa á Companhia das Docas e a de 1903 respeitante á construcção pela Associação Commercial do Porto, se aquella a não construir.

O prolongamento da linha do Minho acha-se em adeantada construccão até Monção. Alem de Monção e até Melgaço, pode ser adiado para quando se achem attendidas necessidades mais instantes.

Eu virtude das eliminações feitas temos de occupar-nos das seguintes linhas:

Linha de Circunvallação.

Valle do Tamega.

Pocinha a Miranda.

Valle do Corgo.

Regua a Villa Franca das Naves.

Linha de circunvallação. - E das mais importantes a construir, custando apenas, para via unica, com expropriações e obras de arte para a segunda via, conforme o projecto approvado por portaria de 4 de julho de 1905, cêrca de 500:000$000 réis. Alem do valioso trafego suburbano que se conquista, ficará assegurada a ligação directa das linhas do Minho e Douro com o porto de Leixões.

Seria facil fazer em Leixões uma ponte-caes de caracter provisorio, ligada com a linha, para atracação de navios.

O Conselho de Administração tem por diversas, vezes ponderado a necessidade desta linha, cuja construcção foi autorizada pela lei de 1 de julho de 1903.

Valle do Tamega. - Em virtude das disposições da lei de 1 de julho de 1903 foi construido o primeiro troço, da Livração a Amarante, com 13 kilometros de extensão, no qual estão despendidos cerca de 338:000$000 réis por virtude da construcção de duas estações importantes e de obras de arte de certo vulto, que oneram tão curto troço. Pouco vale este sem o seu prolongamento até o coração da rica e populosa região de Basto.

Estão-se estudando os lanços seguintes até Cabeceiras de Basto, não se conhecendo por ora. o custo total do prolongamento. Pode-se, porem, afoitamente asseverar que um dispendio de 600:000$000 réis, correspondente a cêrca de 30 kilometros a construir, permittirá servir a maior e melhor parte da região.

Focinho a Miranda. - Está-se procedendo ao assentamento da via entre Pocinho e Carviçaes na extensão de 31 kilometros. De pouco vale, porem, esse troço sem o prolongamento até as vizinhanças de Miranda e Vimioso, de excepcional facilidade de construcção. Despendendo-se 800:000$000 réis, deverá a linha chegar ao termo, achando-se em condições de desempenhar cabalmente a sua funcção, e se não é grande o trafego a esperar, dá-se, em compensação, a circunstancia de ser consideravel o percurso do affluxo á linha do Douro a 170 kilometros do Porto.

Esta linha serve uma região de 300:000 hectares, sem estradas, rica sob o ponto de vista agricola e mineiro, logo que seja valorizada pela facilidade de communicações. Poucas no país são igualmente justificadas sob o ponto de vista economico.

Valle do Corgo. - Está em exploração até Pedras Salgadas e quasi concluida a construcção até Vidago. De Vidago a Chaves está-se elaborando o projecto, não havendo, por emquanto orçamento do custo do lanço, que pouco poderá exceder 300:000$000 réis.

É obvia a conveniencia de levar quanto antes a linha: até aquelle importante centro, aguardando ahi o prolongamento até a fronteira, quando em Espanha se faça a linha que deve ligar-se com ella.

Régua a Villa Franca das Naves. - É geralmente reconhecida a importancia d'este valioso affluente da linha do Douro, cuja construcção foi autorizada pela lei de 1 de julho de 1903.

Está approvado o projecto do primeiro lanço da Regua a Lamego, orçado em 481:058$000 réis.

No mais agudo da crise que tem assoberbado a provincia do Douro foi o Governo levado por considerações de humanidade e de ordem publica a mandar abrir trabalhos de construcção neste troço por portaria de 18 de março de 1909, assegurando-lhe a dotação de 50:000$000 réis, visto não poderem ser distrahidos os recursos da Administração dos caminhos de ferro do Estado em vista das obras em andamento, a que estavam destinados.

Surgiram posteriormente duvidas sobre a legalidade desta resolução, que determinaram a paralysação dos trabalhos depois de se ter despendido cerca de 37:000$000 réis.

Não só a quantia gasta é necessaria para outras obras, mas, ainda quando se tivessem despendido na totalidade os 50:000$000 réis autorizados, lastima seria deixar improductivo por largo tempo esse capital.

Dada a importancia de Lamego e do movimento que da região beira ali afflue, justifica-se plenamente a construcção da linha, sendo para desejar que se levasse até o extremo em Villa Franca das Naves, ou pelo menos, em primeira etapa, até proximidades de Tarouca.

A sua origem na estação da Regua permitte utiliza; os depositos de material e as officinas da linha do Corge Conviria, pois, dispor de 800:000$000 réis para esta linha.

Sommando-se as dotações indicadas, chega-se ao total de 3.000:000$000 réis.

Não é difficil a previsão das receitas e encargos provaveis em vista do rendimento de troços analogos, tendo em conta para cada troço o rendimento proprio e o affluxo á linha principal.

O rendimento liquido provavel obtido pela abertura das linhas previstas sommando 178 kilometros attingirá cerca de 154:900$000 réis.

Supondo a taxa de juro de 5 1/4 por cento e a amortização em 60 annos, o encargo annual de 3.000:000$000 réis de capital será de 467:400$000 réis, ou mais réis 14:000$000 réis que o rendimento provavel obtido.

O rendimento dos impostos será superior a essa quantia, havendo ainda o acréscimo no das linhas da Povoa, Guimarães e Mirandella, podendo-se pois asseverar que a construcção dos troços se pode effectuar sem encargo.

Zona do sul

No plano geral da rede ao sul do Tejo figuram os seguintes troços por construir na data da sua classificação:

Linha do Sul:

Barreiro a Cacilhas;
Faro a Villa Real;

Linha de Cezimbra;
Linha do Sado;
Ramal de Sines;
Estremoz a Elvas;
Linha de Ponte de Sor;

Linha do Guadiana:

Evora a Moura;
Pias a Pomarão;

Linha do Baixo Alemtejo;
Portimão a Lagos;
Linhas de Portalegre e do Valle do Sorraia;
Ramaes de Aldeia Gallega e Montemor.

O troço de Faro a Villa Real está construido. O do Barreiro a Cacilhas, a linha do Sado e o ramal de Sines te em a sua construcção assegurada pela lei de 27 de outubro ultimo.

Está igualmente construido o troço de Estremoz a Villa Viçosa, faltando o prolongamento até Elvas.

Foi approvado nesta Camara e tem parecer favoravel na dos Dignos Pares um projecto para a construcção do primeiro troço da linha do Guadiana, entre Evora e Re-

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guengos, que pode ser levado a effeito sem originar encargo.

Da linha de Ponte de Sor, está já construido o troço de Evora a Mora, convindo sobremodo construir a ponte sobre o Raia e prolongar a linha até as proximidades de Avis.

Do ramal de Portimão, falta construir o troço de Portimão a Lagos.

A linha do Baixo Alemtejo tem importancia secundaria, comparada com a das outras classificadas.

A linha de Portalegre foi concedida, e a lei de 27 de outubro de 1909 providenciou sobre a sua conclusão.

Da linha do Sorraia, depois da eliminação do troço de Fronteira a Avis, feita pelo decreto de 19 de agosto de 1907, ha que considerar apenas o de Mora á Quinta Grande, que, embora seja util, não pode ter a precedencia sobre outros de mais urgente necessidade.

Das eliminações indicadas resulta o seguinte grupo de troços e linhas de mais immediata necessidade:

Linha de Cezimbra;

Troço de Evora a Reguengos;
" de Villa Viçosa a Elvas;
" de Portimão a Lagos;
" de Mora ás proximidades de Avis.

Villa Viçosa a Eivas. - É o ultimo troço da linha de Evora, Casa Branca a Eivas, e como tal está classificado e o seu projecto elaborado, de modo que, servindo o concelho de Alandroal, se aproxima da Fronteira em Juromenha, podendo ahi ser utilizado pelo trafego do territorio de Olivença, e subindo depois até Eivas, onde se liga á linha de leste.

No projecto, quasi concluido, foram attendidas as exigencias de ordem militar. Mede o troço 44 kilometros de construcção facilima, devendo custar cerca de réis 530:000$000.

É manifesta a utilidade desta linha para as relações da vizinha Espanha com o Alemtejo, especialmente para o trafego de gado e peixe.

Por. occasião da classificação da rede complementar ao. sul do Tejo, a Commissão superior de guerra mostrou-se apprehensiva acêrca da ligação da linha de Evora com Eivas, mesmo subordinada no traçado á organização defensiva da praça. Julgou o Governo que as vantagens de ordem economica não deviam ser preteridas por essas apprehensões, desde que na construcção se tomassem as necessarias precauções defensivas, e classificou a linha até Eivas.

A construção da linha de Portalegre, estabelecendo uma ligação da linha do sul e sueste com a de leste mais proximo da fronteira, permitte, porem, adiar a conclusão da Evora até Elvas, que teria de coincidir com a organização defensiva das posições vizinhas da praça.

Evora a Reguengos. - Na ultima sessão ficou pendente do voto da camara dos Dignos Pares uma proposição de lei autorizando a Camara Municipal de Reguengos a contrair um emprestimo para a construcção da linha, sendo destinada ao pagamento da annuidade a parte necessaria do rendimento bruto dos impostos e do trafego, para avolumar oa quaes se concedia a faculdade de elevar as taxas de transporte acima das tarifas geraes, quando o trafego comportasse, ficando a cargo do municipio o complemento da annuidade no caso de insufficiencia de rendimento.

Coincidiu a entrada dessa proposição com as diligencias feitas pela Camara de Montemor-o-Novo junto do Governo para demittir de si, transferindo-o para o Estado, o encargo do empréstimo effectuado para a construcção do ramal de Montemor.

A importancia do empréstimo de 500:000$000 réis sob a responsabilidade de um pequeno concelho de pouco mais de 10:000 habitantes despertou o receio de iguaes solicitações futuras para fazer recair sobre o Thesouro encargos superiores aos recursos municipaes. Houve mesmo quem affirmasse, desconhecendo o projecto da linha, a insufficiencia da operação proposta.

O estudo medianamente attento do assunto mostraria a inanidade de taes receios.

A vastidão e valor agricola da zona servida asseguram á linha rendimento superior á annuidade, que é relativamente pequena pelas excepcionaes condições de barateza da construcção. Por outro lado, os receios que á Camara Municipal de Montemor inspirou o encargo do emprestimo contrahido por causa do ramal foram dissipados pelos resultados da exploração, iniciada em 2 de setembro ultimo. O rendimento dos primeiros quatro meses foi de 5:484$834 reis, devendo no fim do anno attingir ou exceder a cifra de 12:200$000 réis da annuidade.

Na linha de Évora a Reguengos basta que a receita por kilometro, incluindo impostos, attinja 900$000 réis para saldar, junta á que o affluxo do trafego determinará nas linhas actuaes, o encargo do emprestimo e a despesa da exploração. Ora a receita kilometrica é de 1:000$000 réis no ramal de Aldeia Gallega, e provavelmente superior a 900i5000 réis no de Montemor, de pequena zona tributaria.

Deve, pois, haver toda a confiança no systema, tão racional, de interessar as localidades na construcção das linhas que as servem, recorrendo se a elle sempre que esta se justifique sob o ponto dê vista economico. O compromisso das camaras em taes casos é puramente moral, não chegando a tornar-se effectivo.

Para a hypothese de se não tornar effeetiva essa providencia convem prever a realização da operação pelo Governo, englobada com outras que haja que fazer, devendo as camaras da região entrar com a quantia que porventura possa faltar para perfazer o necessario rendimento minimo, obrigação que não chegará a tornar-se effectiva, como vimos. Por isso, incluo na proposta de emissão de obrigações a quantia necessaria para a linha e respectivos juros intercalares, em termos de não affectar de modo algum o fundo especial e de prover a região servida aos encargos pelo trafego e, no caso de necessidade, pelo imposto. E como a linha utiliza aos concelhos de Evora, Redondo, Reguengos e Mourão, justo é que todos cooperem, como Hadores, por assim dizer, da sua productividade.

Linha de Cezimbra. - Foi classificada por decreto de 27 de novembro de 1902. É uma linha suburbana de trafego seguro e de rendimento superior aos encargos. O seu projecto está bastante adeantado para se poder avaliar o custo da construcgão, que apenas nos tres ou quatro ultimos kilometros offerece as dificuldades provenientes da enorme differença de nivel entre Sant'Anna e Cezimbra, que só pode ser vencida economicamente por uma linha mista de cremalheira, estudada para via larga com a bifurcação no Seixal para evitar baldeações e servindo o melhor possivel Azeitão. Deve medir 30 kilometros.
Bastaria o trafego de peixe, que excede 8:000 toneladas, para justificar a construcção.

O movimento de passageiros, recovagens e mercadorias de pequena velocidade de ou para Cezimbra, e Azeitão será importantissimo, desde que a conclusão da linha do sul até Cacilhas e a construcção da linha de Cezimbra, exploradas com tramways, assegurem communicações faceis e economicas.

O movimento de mercadorias em pequena velocidade deve attingir 8:000 a 10:000 toneladas.

Ao custo da linha deve ser addicionado o de um modesto molhe de abrigo dos barcos de pesca,- fácil de construir em condições economicas, visto ser a pesca uma das melhores fontes de trafego para a linha.

Linha com as respectivas locomotivas especiaes e molhe custarão, folgadamente orçados, mesmo com os juros intercalares, quantia inferior a 600:000$000 réis. Basta que o rendimento da nova linha sommado com o do aifluxo de trafego até Cacilhas attinja 1:500$000 réis por kilometro, incluindo impostos para não onerar o fundo espe-

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cial. O rendimento será certamente superior, mas, para maior segurança de que ao Estado não advem encargo, convem que as camaras municipaes de Setubal e Cezimbra fiquem obrigadas a entrar com as quantias que porventura faltarem, em proporções equitativas. Nenhum onus teem que recear aquelles municipios, menos ainda que os interessados na linha de Reguengos. A solidariedade que se lhes impõe de apenas moral, mercê das circunstancias favoraveis, e representa a applicação de um criterio de bem entendida cooperação regional nos encargos da viação accelerada.

Portimão a Lagos. - Nos termos da base 4.ª da lei de 14 de julho de 1899, devia ser construido o ramal de Portimão, Tunes a Lagos, revertendo para o fundo especial (base 3.ª, n.° 5) a importancia do subsidio de navegação para o Algarve, quando deixe de ser pago depois de construido o ramal de Portimão. só quando o ramal chegar a Lagos, se pode considerar concluido, e portanto só então pode ser reivindicado o subsidio.

Ainda quando o trafego a esperar não determinasse elevado rendimento proprio, não seria indifferente a valorização das linhas actuaes aquem de Portimão pelo affluxo de trafego. Demais, a importancia estrategica do porto de Lagos e o. futuro que lhe está reservado como porto de escala exigem a sua immediata ligação com a rede ferro viaria. Estaria já concluido o ramal, conforme a preferencia que a lei lhe attribue, se não fossem as difficuldades de ordem technica suscitadas pelo atravessamento da na de Portimão, hesitando-se entre o aproveitamento da ponte da estrada e a construcção da ponte privativa, questão que só em 6 de agosto de I909 foi resolvida pela approvação do projecto da ponte.

A mesma portaria, já citada a proposito do troço de Régua a Laraego, mandou iniciar a construcção do de Portimão a Lagos, por motivos identicos, destinando lhe igual dotação de 50:000$000 réis. As considerações feitas a proposito do troço de Lamego teem cabimento aqui. Estão despendidos até 31 de dezembro cêrca de 19:000$000 réis, que representam desfalque de recursos, que tinham destino determinado.

Não pode, nem deve, ser adiada por mais tempo a conclusão do ramal, com a qual haverá que despender cerca de 500:000$000 réis.

Mora a Avis. - Está em exploração a parte da linha de Ponte do Sor comprehendida entre Evora e Mora e que, embora seja linha por emquanto pouco rendosa, obedeceu na sua construcção a um criterio indeclinavel de justiça distributiva para com uma vasta região, absolutamente privada de meios de communicação, e ao proposito de fazer de Evora, capital administrativa e commercial da provincia, centro de irradiação de linhas ferreas.

A ligação das linhas do sul e sueste com as que lhes ficam ao norte está assegurada pela de Vendas Novas ao Setil, completada dentro em pouco pela linha de Portalegre. Não é, pois, urgente o prolongamento, até Ponte de Sor, do troço que hoje finda em Mora, mas, para valorizar este e melhor servir a região, importa construir a ponte sobre o Raia e prolongá-lo até a estação destinada a servir Avis.

Uma dotação de 400:000$000 réis terá ali boa applicação, permittindo, construir 30 kilometros.

A somma das dotações indicadas attinge, para 121 kilometros, 2.000:000$000 réis. Abstrairemos do capital preciso para as linhas de Cezimbra e de Evora a Reguengos, que teem o rendimento garantido, o que reduz a 900:000$000 réis o dispendio, para o qual carecemos de obter recursos.

Dos dois. troços: Portimão a Lagos e Mora a Avis, ha que esperar uma receita de cerca de 24:000$000 réis. Sendo o encargo do capital 50:000$000 réis, teriam que sair 26:000$000 réis do fundo especial.

Em resumo: podem-se construir cerca de 300 kilometros nas duas zonas sem impor ao fundo especial onus superior a 26:000$000 réis.

Com mais encargos ha. porem, que contar. Para acquisições urgentes de material circulante e conclusão ou prolongamento de varias obras complementares construcçoes foram ultimamente pedidos ao credito, nos termos legaes, por uma operação provisoria, 800:000$000 réis, que importa liquidar, quando se faça uma emissão de obrigações.

A abertura dos novos troços exigirá novas e avultadas acquisições de material circulante, alem do necessario para as linhas do Sado e Portalegre. Algumas obras complementares teem de ser feitas ou continuadas, como é a estação definitiva de Lisboa, a do Porto, ampliação urgente da de Campanhã, etc. Não é muito contar com 500:000$000 réis para o Minho e Douro e 700:000$000 réis para o Sul e Sueste.

O dispendio total com material e obras complementares será,- pois, de 2.000:000$000 réis, a que corresponde a annuidade de 111:000$000 réis.

O encargo total será, pois, deduzidas as novas receitas,, de 137:000$000 réis.
Fixando um prazo de seis annos para a execução deste plano de obras, é preciso prever a situação provavel do fundo especial no fim d'esse tempo.

No actual anno economico a disponibilidade será superior a 30:000$000 réis.

O crescimento medio annual da receita do fundo especial tem sido de 46:000$000 réis e nos ultimos quatro annos superior a 50:000$000 réis, notando que, das novas linhas, muitas mal começam a determinar novas relações e a esboçar o seu trafego, que deverá crescer rapidamente. Supponhamos, porem, o crescimento médio de 40:000$000 réis apenas, ou 240:000$000 réis em seis annos, o que, sommado com os 30:000$000 réis de disponibilidade do anno corrente, perfaz 270:000$000 réis.

Durante esse periodo sobrevirão encargos das linhas do Alto Minho, de Portalegre e do Sado e Cacilhas. O máximo da garantia de juro nas primeiras attinge 90:000$000 réis, mas as condições da região fazem prever, não só consideravel rendimento proprio, mas ainda avultado tributo ás linhas do Minho, de modo que a garantia não trará encargo, ou, se o houver, pequeno será.

O mesmo se acha demonstrado com segurança em relação ás outras linhas, prevendo-se até, como foi, verificado pelas commissões parlamentares, excessos de receitas sobre os encargos.

Trazendo os melhoramentos que enumerei encargos inferiores a 140:000$000 réis, fica margem no fundo especial para qualquer deficiencia de previsão ou depressão accidental de receitas.

É manifesto que os calculos de receita provavel apenas teem grosseira aproximação, mas a execução gradual das obras e melhoramentos previstos pode e deve ser prudentemente regulada conforme as circunstancias e os recursos, caminhando-se mais depressa ou mais devagar, mas com methodo e segundo um plano largamente concebido. Por forma semelhante se procedeu na construcção das linhas do Minho e Douro.

E obvia a preferencia que merece uma operação mais avultada, tendente á uniformização dos typos, sem o inconveniente, no caso sujeito, de se assumirem desde logo na integra os encargos correspondentes, visto as obras serem feitas por troços successivos e empreitadas parciaes para se pautar o seu desenvolvimento pelos recursos disponiveis.

Segundo o regime instituido pela lei de 14 de julho de 1899 e esclarecido pela discussão parlamentar a que deu logar o emprestimo de 1909, e o parecer, de 3 de novembro de 1908, da Procuradoria Geral da Coroa, o Governo tem a autorização precisa para effectuar as operações de credito necessarias e convenientes que couberem nas dis-

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ponibilidades do fundo especial, sendo os recursos obtidos applicados a obras complementares ou á acquisicão de material circulante, ou, finalmente, á construcção de novas linhas, previamente autorizada por lei nos termos do decreto de 31 de dezembro de 1864. Assim, a base 4.ª da lei de 14 de julho de 1899 enumerou varias linhas, a que era assegurada a precedencia dentro do limite de dispendio de 3.000:000$000 réis.

A lei de 1 de julho de 1903 acrescentou outras áquellas, elevando o limite do dispendio com a construcção de novas linhas a 10.000:000$000 réis, a que acrescentou 500:000$000 réis para estradas de accesso.

Trata-se agora, não só de autorizar a construcção de linhas não comprehendidas nas leis citadas, como de permittir o recurso ao credito - para essas e para as já autorizadas - na previsão de rendimentos futuros do fundo especial, que constiteum, não disponibilidades presentes - que para a applicação d'estas bastavam as autorizações existentes - mas esperanças bem fundadas de receitas, cuja creação coincide com a dos encargos.

Os proprios caminhos de ferro proverão ao onus do seu mais rapido desenvolvimento, devendo-se cingir prudentemente o usoda autorização á rapidez desse incremento, conforme o permitte o fraccionamento dos trabalhos.

V

Se, nas zonas extremas do pais, é pelo recurso, directo ao credito que se pode activar a conclusão das linhas mais necessarias, construidas pelo Estado, na zona do centro tem de ser adoptado outro systema.

Tudo aconselha a conservação do regime ecletico a que se acha sujeita a nossa rede ferro-viaria.

Em parte d'ella exerce o Estado a funcção commercial d'entidade exploradora, partilhada com pequenas empresas Noutra parte confia-se essa missão a companhias, em harmonia com os contratos existentes.

E preciso ver nas empresas concessionarias o que ellas de facto são futeis auxiliares do Estado, cooperando com elle no progresso economico do país pela criação de meios de transporte fácil, rápido e barato. Os subsidios que receberam não seriam suficientes, na maior parte dos casos, para os encargos contrahidos. A continuarão dessa cooperação por concessões bem estudadas, vantajosas para ambas as partes, é perfeitamente admissivel, sem prejuizo do direito de resgate que ao Estado pertence e que pode exercer, quando o julgar conveniente. Foi esse o systema invariavelmente seguido em França nas successivas reformas de convenções com as seis grandes companhias.

Serviu-nos de modelo a legislação francesa de caminhos de ferro, que em certos casos é até subsidiaria da nossa. D'ella devemos adoptar o criterio, que prevaleceu de certa epoca em diante, de não multiplicar em demasia as entidades exploradoras, nem fraccionar as linhas por numerosas empresas concorrentes, de vida difficil, onerada cada uma por despesas geraes evitaveis, com os embaraços e encargos que ao trafego impõe a multiplicidade das transmissões e a attribuição de material privativo ás linhas de cada empresa.

Temos já no país nove empresas concessionarias: Companhia Real, Beira Alta, Mondego, Meridionaes, Nacional, Valle do Vouga, Porto á Povoa, Guimarães, Alto Minho, a que se deve acrescentar a da linha de Sobrado de Paiva. Deve-se acaso aumentar inconsideradamente esse numero, suscitando novas empresas para a construcção fraccionada de linhas da rede complementar na zona central? Não me parece, tanto mais que, das linhas a construir, umas dão logar á allegacão do direito de zona e noutras vêem as emprezas verdadeiros ramaes, o que originaria pleitos longos e complicados. Assim, por exemplo, a Companhia Real considera parallela a linha do Norte a que está classificada do Entroncamento por Thomar a Miranda do Corvo, e o seu seguimento por Arganil e Ceia a Gouveia, julga-o a Companhia da Beira Alta parallelo á sua linha, achando-se ambos dentro das respectivas zonas privilegiadas.

As linhas que devem ligar as de Oeste e do Norte, de via, larga ou reduzida, são transversaes, que cortam a extensa malha cujos extremos são Lisboa e a Figueira, mal se comprehendendo, pois; nesses curtos troços, que são verdadeiros ramaes, uma exploração independente.

A linha de via estreita, já classificada, do Entroncar mento a Gouveia, coincide, quasi, entre Miranda e Arganil, numa extensão de cerca de 40 kilometros, com a linha de Coimbra a Argnnil, de via larga, concedida a uma empresa, que confiou á Companhia Real a exploração do troço construido até a Lousa e tem capital importante despendido nos 30 kilometros seguintes.

A concessão, por concurso, dessa linha seria, pois, origem de vivas reclamações, já formuladas, aliás, pelas três companhias interessadas, e iria fraccionar e complicar a exploração.

Portanto, como regra geral, parece-me que a construcção das linhas complementares na zona central pode ser o salvo excepções justificadas, confiada ás empresas existentes.

Por outro lado, é ocioso demonstrar a impossibilidade de effectuar essa construcção sem subvenção, nem garantia de juro. só com a cooperação do Estado se pode levar a effeito qualquer emprehendimento, e desde que no incremento do trafego da propria zona ha, como vimos, fontes de receitas capazes de obviar aos encargos, é restricta obrigação dos poderes publicos promoverem o estreitamento das malhas da rede das linhas ferreas e auxiliarem-no efficazmente.

Traçada de um modo geral a orientação a seguir, importa agora analyzar o plano da rede complementar da zona central e fazer a selecção das linhas de mais urgente necessidade, determinando o modo de as construir.

O decreto de 27 de setembro de 1899, filiado nos preceitos do de 6 de outubro de 1898 em relação ás zonas extremas do pais, encarregou uma commissão technica de propor aquelle plano, submettendo o a previo inquerito administrativo de utilidade publica, para serem pelo Governo classificadas as linhas complementares, depois de ouvido o Conselho Superior de Obras Publicas e a Commissão Superior de Guerra.

Circunstancias que é ocioso referir fizeram protrahir esses trabalhos preparatorios, até que por decreto de 19 de agosto de 1907 foram classificadas varias linhas, ficando ainda suspensa a resolução do Governo em relação a algumas das propostas.

As linhas classificadas foram as seguintes:

Via larga ....

Setil a Peniche.
Carregado a Torres Vedras.
Alverca á Ericeira.
Cacem a Caxias.

Via estreita ....

Entroncamento a Gouveia por Thomar.
Santa Ovaia á Covilhã.
Arganil a Santa Comba-Dão.
Mangualde a Gouveia.

Ficaram por classificar as linhas e troços de via estreita: de Rio Maior ao Entroncamento; Thomar, pela Certa, Castello Branco e Idanha, a Salvaterra do Extremo, com seu ramal de Idanha a Penamacor e outro de Sobreira a Villa Velha de Rodam; de Thomar, pela Batalha e Alcobaça, á Nazareth, com um ramal para Leiria.

Das transversaes classificadas de via larga, afigura-se-me particularmente interessante a do Cacem a Caxias, que ligando a linha de Oeste com o ramal de

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Cascaes, deriva, da estação do Rocio, desafogando-a para a do Caes do Sodré, sem alongamento sensivel, o movimento da de Oeste, emancipando o da sujeição do tunnel e facilitando as relações entre Cintra e Cascaes. Mede apenas 8 kilometros, e é de construcção relativamente facil. Foi incluida na concessão do ramal de Cascaes e da linha suburbana á Companhia Real por alvará de 10 da julho de 1882, sendo, porem, a sua construcção facultativa.

Facil será determinar a Companhia Real a construi-la mediante a cooperação do Estado, que pode ser prestada sem encargo, como veremos.

A linha de Alemquer, Carregado a Torres, substituo o ramal da Mercearia, que faz parte da concessão da linha de Lisboa a Cintra-Torres pelo contrato de 10 de julho de 1882 e que, prolongado até a linha de Leste, serve Alemquer. Mede apenas 35 kilometros e liga as duas linhas principaes á distancia de 50 kilometros de Lisboa. Sem ser urgente, é util a sua construcção, dispensando por largo tempo outras previstas.

Mais util será talvez o prolongamento da linha de Vendas Novas a Setil, Setil a Peniche, construido em condições economicas, sendo de considerar o desvio da sua directriz para o sul, de modo que, em vez de seguir por Rio Maior, vá pelas proximidades do Cartaxo, Alcoentre e Cadaval encontrar a linha de Oeste1 em Bombarral e seguir para Peniche, approximando-se da Lourinha, só o estudo no campo, feito sob o duplo ponto de vista technico e economico, poderá subministrar base para a escolha da melhor directriz.

Esta linha, medindo cerca de 80 kilometros, abre caminho directo do Alemtejo. para a costa, facilitando o transporte de madeiras e de peixe, as relações com as Caldas da Rainha, e valoriza a linha de Vendas Novas a Setil.

Na proposta de lei de 24 de março de 1904 era o Governo autorizado a contratar com a Companhia Real a construcção das transversaes de via larga, que fossem julgadas indispensaveis com subvenção ou garantia de juro, sendo o desembolso do Estado limitado a 750$000 réis por kilometro. Para o caso de ser contratada a construcçao da linha de Alemquer, teria a Companhia de fazer, sem encargo para o Estado, o troço de Caxias a Cacem.

Parece, pois, conveniente a autorização para contratar a linha do Carregado a Torres com a Companhia Real, ou o prolongamento da linha do Setil com esta ou com a dos Caminhos de Ferro Meridionaes, mediante garantia de juro, que poderá ser de 5 por cento sobre o custo kilometrico de 20:000$000 réis, limitando-se porem a 800$000 réis por kilometro o desembolso do Estado e devendo a linha ser explorada pela Companha Real. A construcçao dividir-se-hia em duas etapas: uma de Setil a Bombarral e outra de Bombarral á Lourinhã.

Quanto ás linhas de via estreita, pode bem ser adiada a construcção do troço Rio Maior a Entroncamento, não classificado.

A linha de Thomar á Nazareth é sobremodo interessante, mormente sob o ponto de vista do excursionismo, e tem razão de ser os objecções de ordem militar perdem todo o alcance, desde que se renuncie ao seu prolongamento até a fronteira, aliás muito controverso sob o ponto de vista technico e financeiro, podendo e devendo limitar-se a um ramal da linha principal do Entroncamento a Gouveia, que das proximidades de Ferreira do Zezere vá á Certa, ou, quando muito, até Oleiros, penetrando no coração da bacia do Zezere e sendo a sua missão de fomento completada pela viação ordinaria.

A linha do Entroncamento a Miranda poderia, em rigor, ser supprida, em parte, por transvereaes, que de Paialvo e Pombal, por exemplo, penetrassem na região, rinrmaes á linha do norte, constituindo uteis affluentes d'esta.

A populosa e pitoresca zona da bacia do Zezere, constituida pelos concelhos de Thomar, Ferreira do Zezere, Certa, Alvaiazere, Ancião, Figueiro dos Vinhos, Pedrogain, Oleiros, Penella e Miranda do Corvo, com 138:074 habitantes segundo o censo de 1900, ficaria, porem, assim mal servida nas relações regionaes e ainda nas que tivesse para Lisboae para o norte, obrigadas a longo percurso por essas transversaes.

Demais, embora a linha parallela ao Zezere fique dentro da zona de protecção da do norte, distaria d'ella, em media, 25 kilometros medidos na carta, interpondo-se numerosos accidentes de terreno, como são as serras que separam as bacias do Arunca e do Nabão e d'este e do Zezere, o que eleva a distancia por estrada a perto de 40 kilometros.

Essa linha de via reduzida, correspondendo a uma rectificação da do norte, cujo traçado primitivo deveria ter sido aproximadamente esse, com a bifurcação da linha da Beira Alta em Miranda, longe de affectar o trafego da linha principal, será affluente d'ella nos pontos extremos: Coimbra e Entroncamento, ou Paialvo, se se reconhecer preferivel esse ou outro ponto de juncção, em vista da quasi impossibilidade de chamar ao Entroncamento serviço que essa estação não comporta.

O accidentado da região aconselha a via estreita, incomparavelmente mais economica, não sendo já hoje motivo de preoccupação o insignificante onus das baldeações, que sempre se dá para os passageiros no encontro das linhas secundarias com as principaes e para as mercadorias representa pequeno encargo.
E desde que a Miranda chegue a via reduzida, está naturalmente indicada para o prolongamento na direcção He Arganil, convindo até estreitar para um metro a via de Coimbra á Lousa.

Se do ponto de contacto da linha analysada com a do norte se derivar a linha para a Batalha, Alcobaça e Nazareth, ficará uma grande extensão de via reduzida continua, com as facilidades correlativas para a circulação do material, tendo proximo, no Entroncamento, grandes officinas de reparação.

Sendo a Companhia Real concessionaria das linhas de oeste e do norte e exploradora da de Coimbra a Arganil; allegando ella o parallelismo da linha de Thomar a Miranda dentro da sua zona de protecção; achando-se, alem disso, concedido á Companhia do Caminho de Ferro do Mondego o troco de Coimbra a Arganil, o interesse publico e a fé dos contratos aconselham, e impõem até, o acordo previo com ellas para que, mediante garantia de juro, se construam as linhas de Thomar a Miranda com o ramal da Certa, de Lousa a Arganil com o estreitamento de via da linha existente até Coimbra, e da Nazareth, por Alcobaça, Batalha e Villa Nova de Ourem, a Thomar, com ramal para Leiria.
Até Arganil está a linha concedida e em parte construida, não havendo pois motivo para opposições da Companhia da Beira Alta.

O mesmo não succede ao prolongamento até Gouveia por Ceia, que ella considera, parallela e que pode ser supprida, como vamos ver, por uma transversal, sobremodo util e relativamente fácil de fazer.

No plano approvado figuram duas ramificações da linha principal: uma, á direita, para a Covilhã, atravessando a Serra da Estrella na portela do Teixeira, e outra, á esquerda, de Arganil a Santa Comba-Dão, que desviará da linha da Beira Alta parte do affluxo do trafego de Viseu.

Entre Covilhã e Ceia fica uma serie de centros fabris como Tortozendo, Unhaes da Serra, Alvoco da Serra, Lorigo, Vallezim, S. Romão. Poderiam ser ligados entre si por um tramwny a vapor, ou melhor, de tracção electrica, completando-se a estrada através da serra, e aproveitando a hulha branca, essa energia tão facil de captar na Serra da Estrella e de receber multiplas e uteis applicacões, possibilitadas pela facilidade de communicações, graças á sua utilização parcial assim obtida. Essa linha deveria pro-

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longar-se por Nellas até Viseu, constituindo uma ligação sobremodo util d'esta cidade com a zona fabril da beira-serra e com a Covilhã. Bastaria uma garantia de juro modesta para assegurar a construcção d'essa transversal, affluente da linha da Beira Alta, que dispensa a construcção dos troços de Arganil a Santa Comba-Dão, Coja á Covilhã, Gouveia a Mangualde, Mangualde a Viseu, em leito proprio, para a somma dos quaes o capital garantido tinha de ser muitissimo superior ao necessario para essa util transversal. Esse tramway deve ter cêrca de 100 kilometros de extensão, derivando-se d'elle um pequeno ramal para Gouveia.

Finalmente, um ramal, de via estreita, da linha da Beira Baixa, de Castello Branco, pela Idanha, a Salvaterra vae servir uma importante região agricola e mineira e trazer valioso affluxo do trafego á linha principal.

Convem concede-lo tambem á Companhia Real.

Assim pois, as linhas que julgo deverem ter a precedencia são:

Via larga ....

Caxias a Cacem.
Carregado a Torres, ou
Setil a Peniche

Via estreita ....

Thomar á Nazareth e seu ramal de Leiria.
Thomar a Miranda e seu ramal da Certã.
Lousa a Arganil.
Tramway da Covilhã a Viseu.
Ramal de Castello Branco a Salvaterra.

O tramway da Covilhã a Viseu deve ser concedido mediante concurso publico para linha sobre leito de estrada, incumbindo á empresa construir os troços de estrada que faltem, e dando-se como base de licitação a garantia de 5 por cento sobre o capital de 10 contos de réis por kilometro, sendo a tracção a vapor ou eléctrica.

A construcção do troço de Lousa a Arganil deve conjugar-se com o estreitamento do de Coimbra á Lousa, modificando-se nos termos convenientes o alvará de concessão pela garantia de juro dada ao novo troço, sob condição de continuar a linha a ser explorada pela Companhia Real.

As linhas de Thomar a Miranda e á Nazareth o respectivos ramaes, medindo cerca de 190 kilometros, devem ser concedidas á Campanhia Real com garantia de juro.

O troço de via larga de Caxias a Cacem pode ser construido mediante um supprimento á Companhia, representado pela cedencia do imposto de transito nas linhas do norte e leste durante dois annos, sendo esse supprimento e os respectivos juros reembolsados pela receita bruta da linha. Os encargos da exploração serão largamente compensados pelo incremento do trafego e facilidades da exploração, que a Companhia terá para as linhas de oeste e ramal de Cintra pelo desafogo obtido na estação do Rocio.

Para a linha de Coimbra a Arganil pode-se conceder a garantia do juro de 5 por cento em relação ao custo kilometrico de 20 cento, para toda a linha. Limitando-se a 40:500$000 réis o desembolso do Estado, como a Companhia recebe hoje 10:000$000 réis para o troço de Coimbra á Lousã, ficam 30 contos para o encargo do prolongamento da Lousa a Arganil e do estreitamento da via no troço em exploração, bem como paia o do material circulante.

A base 6.ª da lei de 27 de outubro de 1909 estabelece, para as concessões das linhas de via reduzida da zona central, o limite de 600$000 por kilometro para o desembolso do Estado, igual ao que foi estipulado para a linha do Valle do Vouga. As difficuldades que offerece a construcção das linhas na bacia do Zezere aconselhariam que se alargasse um pouco a margem para a operação financeira,, adoptando o limite da proposta de 1904, arredondado para 800$000 réis, o que equivale praticamente a 4 por cento sobre 20 centos de réis. Assim se estabeleceria uma base rasoavel para as concessões.

Concedida, porem, á Companhia Real a garantia de juro sobre 20 contos de réis por kilometro das linhas de via reduzida, com o limite de 600$000 réis por kilometro para o desembolso do Estado, ser-lhe-hia assegurado mais do que o juro do capital pelo aumento da receita liquida das linhas actuaes, junto ao tributo dos novos affluentes, proporcinnando-se-lhe pois base solida para as necessarias operações financeiras.

Outra vantagem se lhe pode offerecer ainda sem prejuizo para o Estado.

O artigo 3.°, § 1.° do contrato de 14 de setembro de 1859, pelo qual se concederam as linhas do Norte e Leste impôs á Companhia a obrigação de assentar a segunda via os de leste, logo que o rendimento bruto kilometrico attingisse 4:860$000 réis.

Como o artigo 1.° define a linha de leste: Lisboa a Badajoz, o consideravel rendimento do troço Lisboa-Entroncamento, eleva a media geral do rendimento kilometrico muito acima do limite do artigo 3.°;

Em 1908 o rendimento de toda a linha de leste foi de 9:329$000 réis, sendo 13:900$000 réis Lisboa ao Entroncamento, 5:800$000 réis do Entroncamento a Abrantes, 3:800$000 réis entre Abrantes e Torre das Vargens, 1:5005000 réis entre Torre das Vargens e a fronteira.

Alem de Abrantes, e principalmente alem de Torre das Vargens, não ha probabilidades de aumento sensivel de receita, sendo dispensavel a segunda via
O Estado nenhum interesse tem em a fazer assentar, obrigando a Companhia a avultado dispendio inutil.

É preferivel pois dividir a linha em troços para esse effeito, o que é beneficioso para a Companhia, sem prejuizo do Estado, e facilita a obtenção de capital para as novas linhas.

Ficarão em continuidade e nas mãos da mesrna empresa exploradora cerca de 250 kilometros de linhas a, que se juntam 60 kilometros do ramal de Salvaterra, com o encargo maximo total de garantia de 190:500$000 réis, e mais 50 contos de réis do tramway da Covilhã a Viseu e 64 para a linha de Setil a Peniche, se for esta a escolhida: total 304:500$000 réis para 490 kilomeiros de linhas. Com este encargo maximo ha que encontrar a receita dos impostos, não inferior a 35 contos de réis, e o excesso certo do rendimento liquido das linhas sobre o minimo calculado, podendo-se afoitamente assegurar que o encargo não attingirá 200 contos de réis, sendo pois inferior á disponibilidade do fundo especial no fim do periodo de 6 annos, previsto para a construcção.

VI

É tempo de findar esta exposição, demasiado longa talvez, mas que a importancia e complexidade doassunto e o proposito de fundamentar minuciosamente os alvitres propostos justificam.

Creio ter demonstrado a possibilidade de acrescentar á rede actual, em prazo relativamente curto e sem aggravar os encargos actuaes do Thesouro, mais de 700 kilometros de caminho de ferro equitativamente distribuidos de norte a sul, por quasi todo o país. Os encargos que se assumem encontram, a fazer-lhes face, novos recursos criados, sendo facil regular uns pelos outros e accelerar ou retardar a execução do plano conforme as disponibilidades. Em successivas etapas se poderá assim completar a rede dos nossos caminhos de ferro.

É ocioso encarecer os beneficios que para a economia da país resultarão de um tal impulso dado a viação accelerada, ou appellar para a vossa illustração e patriotismo,

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cheios de fé nos destinos da pátria e de confiança nos seus recursos.

É essa fé inabalavel que me anima a submetter á vossa esclarecida apreciação a presente proposta de lei.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, aos 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei relativa ao complemento da rede ferro-viaria

Artigo 1.° É modificada a constituição do fundo especial dos caminhos, de ferro do Estado, inatituido pela carta de lei de 14 de julho de 1899, nos termos da primeira das base annexas á presente carta de lei e que d'ella fica fazendo parte integrante.

Art. 2.° É autorizado o Governo a levantar, mediante a emissão de titulos, até 7.000:000$000 réis e a applicá-los successivamente á construcção de linhas ferreas nas zonas do norte e do sul, obras complementares e acquisição de materfal circulante dos caminhos de ferro do Estado, nos termos da 3.ª e 4.ª das bases annexas á presente carta de lei e que d'ella fica fazendo parte integrante.

Art. 3.° É instituido um fundo especial exclusivamente destinado ao custeio do estudo e construcção das linhas ferreas da zona do centro que será denominaco a Fundo Especial dos Caminhos de Ferro do Centro", nos termos da base 3.ª annexa presente carta de lei, que d'ella fica fazendo parte integrante.

Art. 4.° É autorizado o Governo a fazer as concessões de linhas ferreas na zona do centro, nos termos das bases 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª annexas á presente carta de lei e que d'ella ficam fazendo parte integrante.

Art. 5.° O Governo dará conta annualmente ás Camaras do uso destas autorizações.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Base 1.ª

Constituem receita do fundo-especial dos caminhos de ferro do Estado, a partir de 1 de julho de 1910:

1.° As receitas fora do trafego;

2.° Os aumentos da receita liquida do trafego nas linhas do Estado, em relação á quantia annual de 720:000$000 réis, entregue ao Thesouro por prestações mensaes;

3.° Os aumentos do rendimento de impostos de transito e sello nos caminhos de ferro do Estado, em relação á quantia fixa annual de 144:000$000 réis, entregue ao Thesouro por prestações mensaes;

4.° O excesso do rendimento dos impostos de transito e sello nas linhas do Porto á Povoa e Famalicão, Bougado a Guimarães e Fafe, Foz-Tua a Mirandella, em cada anno economico, em relação á quantia de 24:400$000 réis, e o rendimento integral dos mesmos impostos nas linhas de Miraudella a Bragança, Vendas Novas a Setil e em quaesquer outras tributarias e complementares das linhas do Estado, que venham a ser concedidas a empresas nas zonas do norte e do sul;

5.° Os reembolsos de garantias de juro das linhas de Foz-Tua a Mirandella, Mirandella a Bragança e das que venham a ser pagas pelo fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, devendo as empresas concessionarias entrar com a respectiva importancia na Caixa Geral de Depositos no mesmo fundo especial, logo que a liquidação annual seja approvada pelo Governo;

6.° A importancia do subsidio da navegação para o Algarve, o qual cessará, logo que se abra á exploração o ramal de Portimão até o seu termo em Lages;

7.° As receitas fora do trafego e as liquidas do trafego das linhas das regiões do norte e do sul, tributarias ou complementares dos caminhos de ferro do Estado, que entrem na posse do Estado em virtude do uso do direito de resgate;

8.° Os juros dos capitães disponiveis pertencentes a esse fundo;

9.° Os subsidios com que tenham deliberado contribuir as corporações locaes para a construcção de novas linhas e que o Governo resolva acceitar;

10.° Os depositos de garantia de concessões ou contratos relativos a caminhos de ferro das zonas do norte e do sul, que hajam de reverter para o Estado;

11.° As quantias que extraordinariamente forem destinadas pelo Governo para este fundo.

§ 1.° Da quantia de 24:400$000 réis incumbe a cada companhia o pagamento da seguinte quota-parte, que tem de ser entregue nos cofres respectivos:

[Ver tabela na imagem]

A Direcção Fiscal, ao verificar a liquidação dos impostos, dará instrucções ás
Companhias para que transfiram para a Caixa Geral de Depositos, á conta do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, as receitas excedentes á quota fixa do Thesouro, bem como as das linhas cujo rendimento do impostos pertença integralmente ao fundo especial da região.

§ 2.° A receita a que se refere o n.° 6.° será, logo que se deva tornar effectiva, deduzida annualmente da receita liquida a entregar ao Thesouro nos termos do n.° 2.° e depositada no fundo especial.

§ 3.° As disposições da presente base substituem as dos n.ºs 1.° a 11.° dá base 3.ª da lei de 14 do julho de 1899, do § unico do artigo 1.° da lei de 1 de julho de 1903 e dos artigos 46.° a 50.° do regulamento de 2 de novembro de 1899.

§ 4.° A partir de 1 de julho de 1910 constitue encargo do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado a garantia de juro da linha de Foz-Tua a Mirandella, deixando de ser paga pelo mesmo a do troço de Coimbra á Lousa.

§ 5.° Os encargos da remissão de linhas das zonas do; norte e do sul, em relação ás quaes o Governo venha a usar do direito de resgate, sairão igualmente do fundo especial.

§ 6.° Para os effeitos da constituição do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado são consideradas as seguintes zonas:

Zona do norte. - Comprehende toda a região ao norte do Douro na faixa que se estende até as linhas do Vouga e da Beira. Alta.

Zona do sul. - A que se estende a leste do Tejo e ao sul da linha de leste, com todas as linhas nella construidas e a construir, e os prolongamentos da linha de Portalegre até Villa Velha de Rodam e da de Vendas Novas ao Setil até o Setil.

Base 2.ª

Constituem receita do fundo especial dos caminhos de ferro do centro, a partir de 1 de julho de 1910:

1.° O aumento de rendimento dos impostos de transito e sello nas linhas actualmente exploradas, ou que o venham a ser na zona central, em relação á quantia annual de 333:306$000 réis, que fica constituindo a receita fixa do Thesouro a partir de 1 de julho de 1910 e o rendimento integral d'esses impostos nas linhas de Coimbra a Lousa, do Valle do Vouga e dos que vierem a ser construidos na região;

2.° Um subsidio annual de 400 contos de réis, que, a

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partir de 1 de julho de 1910, constituirá encargo do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria e dará entrada, por prestações mensaes, na Caixa Geral de Depositos no fundo especial dos caminhos de ferro do centro;

3.° Os reembolsos de garantias de juro das linhas de Torres-Figueira-Alfar-elles, Santa Comba-Dão, Beira Baixa, Coimbra á Lousa, Valle do Vouga e de quaesquer outras linhas cujas garantias venham a constituir encargo deste fundo especial, devendo as empresas concessionarias entrar com as respectivas importancias na Caixa Geral de Depositos no referido fundo, logo que a liquidação annual seja approvada pelo Governo;

4.° O rendimento do imposto de transito sobre os transportes de pequena velocidade nas linhas do norte e leste, a partir de 8 de março de 1911, cedido até essa data á Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, nos termos da carta de lei de 26 de fevereiro de 1875, devendo a respectiva importancia ser entregue mensalmente pela mesma Companhia na Caixa Geral de Depositos no fundo especial respectivo, logo que seja liquidada e verificada pela direcção fiscal da exploração;

5.° As receitas fora do trafego e as receitas liqnidas do trafego das linhas da região, que entrem tia posse do Estado em virtude do uso, do direito de resgate;

6.° Os juros dos capitães disponiveis pertencentes a esse fundo;

7.° Os subsidios com que tenham deliberado contribuir as corporações, locaes para a construcção de novas linhas e que o Governo resolva acceitar;

8.° Os depositos de garantia de concessões ou contratos relativos a caminhos de ferro da zona central, que hajam de reverter para o Estado;

9.° Ás quantias que extraordinariamente forem destinadas para este fundo.

§ 1.° A gerencia do novo fundo especial, com economia absolutamente distincta e independente da do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, ficará a cargo da Administração dos mesmos caminhos de ferro, nos termos das respectivas leis organicas, sem prejuizo das funcções que por lei competem, relativamente ás linhas exploradas por companhias, á Direcção Geral de Obras Publicas e Minas e ás repartições d'ella dependentes.

§ 2.° Da quantia de 333:4000000 réis, que deve entrar no Thesouro nos termos do n.° 1.°, pertence a cada linha a seguinte quota-parte, que tem de ser entregue nos cofres respectivos:

[Ver tabela na imagem]

A Direcção Fiscal, ao verificar a liquidação dos impostos dará instrucções ás companhias para transferirem para a Caixa Geral de Depositos, conta do fundo especial dos caminhos de ferro do centro, as receitas excedentes á quota fixa do Thesouro, bem como as das linhas cujo rendimento

de impostos pertence integralmente ao fundo especial da região.

§ 3.° A partir de 1 de julho de 1910, constituem encargo do fundo especial dos caminhos de ferro do centro:

a) As garantias de juro das linhas de Torres-Figueira-Alfarellos, Santa Comba-Dão a Viseu, Beira Baixa, Coimbra á Lousa e Valle do Vouga;

b) Os subsidios ou garantias que de- futuro forem concedidos a linhas da região;

c) As annuidades e outros encargos da remissão de linhas da zona do centro, em relação ás quaes o Governo venha a exercer o direito de resgate.

§ 4.° Para os effeitos da constituição e applicação do fundo especial dos caminhos de ferro do centro, consideram-se como pertencentes á zona do centro as linhas actualmente concedidas a empresas entre o Douro e o Tejo e as tributarias e complementares que vierem a ser construidas na região, incluindo a parte da linha de leste alem do Tejo, e as situadas na vertente esquerda do Douro.

Base 3.ª

Os recursos precisos para a construcção de novas linhas, obras complementares e acquiaiçEo de material circulante, a que se refere a presente lei, até o limite do dis pendio de 7:000 contos de reis, serão obtidos pela creação dos necessarios titulos de divida publica amortizaveis, iguaes na essencia aos dos emprestimos de 1905 e 1909, com garantia do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, isentos, como elles, de impostos, e do valor nominal e typo de juro mais accommodados ás condições dos mercados financeiros, de modo que o encargo effectivo, incluindo a amortização, não exceda 5,6 por cento.

A amortização effectuar se-ha semestralmente por sorteio ou por compra no mercado, no prazo maximo de sessenta annos. A respectiva annuidade será paga pela Junta do Credito Publico, para o que lhe serão entregues mensalmente pela Administração dos Caminhos de Ferro do Estado as quantias necessarias saídas das disponibilidades do fundo especial dos mesmos caminhos de ferro.

§ 1.° A emissão poderá ser feita por series representativas de quantia não inferior a 1:500 contos de réis em vista dos recursos existenteo e do conveniente andamento dos trabalhos, podendo o Governo vender ou mobilizar os titulos nas melhores condições, quando o julgue opportuno, ou effectuar os necessarios supprimentos para serem liquidados com o producto da emissão.

§ 2.° Quando as disponibilidades do fundo especial forem accidentalmente insufficientes para a entrega, á Junta do Credito Publico, de alguma ou algumas das prestações das annuidades, será a quantia necessaria deduzida da prestação mensal da receita liquida entregue ao Thesouro pela referida Administração nos termos do n.° 2.° da base 1.ª da presente lei, abrindo-se uma conta de subsidios extraordinarios ao fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, em que serão lançadas essas quantias, sem juro, para serem pagas ulteriormente pelo mesmo fundo, não se devendo, porem, assumir novo encargo, emquanto não estiver satisfeito o debito ao Thesouro.

§ 3.° A creacão dos titulos a que se refere a presente base pode ser englobada na presente operação com a dos titulos previstos nas 4.ª e 5.ª das bases annexas á carta de lei de 27 de outubro de 1909.

§ 4.° Com este emprestimo será liquidada a operação provisoria feita pela Caixa Geral de Depositos, em de na importancia de 800:000$000 réis.

Base 4.ª

Os recursos obtidos nos termos da base 3.ª serão gradualmente applicados, de preferencia e sem prejuizo das indispensaveis acquisições de material circulante e obras

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complementares, ás seguintes construcções por troços successivos:

Zona do norte ....

Linha de circunvallação do Porto.
Prolongamento da linha do Pocinho a Miranda.
Prolongamento da linha do Valle do Tamega.
Troço de Vidago a Chaves.
Troço da Regua a Tarouca.

Zona do sul ....

Linha de Cezimbra.
Troço de Evora a Reguengos.
Troço de Portimão a Lagos.
Prolongamento da linha de Ponte Sor até proximidades de Avis.

§ 1.° A construcção da linha de Cezimbra abrangerá a de um molhe de abrigo para pequenas embarcações.

§ 2.° Se o rendimento bruto, incluindo impostos, na linha de Cezimbra for inferior a 1:500$000 réis por kilometro, as Camaras Municipaes de Cezimbra e Setubal entrarão no fundo especial dos caminhos de ferro do Estado com as quantias necessarias para o perfazer, cabendo á primeira quota parte dupla da segunda e podendo ambas lançar as necessarias contribuições addicionaes.

§ 3.° Se o rendimento bruto do troço de Evora e Reguengos, incluindo impostos, for inferior a 1:000$000 por kilometro, as Camaras Municipaes de Evora, Redondo, Mourão e Reguengos entrarão no fundo especial com as quantias necessarias para o perfazer, cabendo a cada uma das três primeiras um sexto do encargo e á de Reguengos a metade restante e podendo todas lançar as necessarias contribuições addicionaes.

§ 4,° As quantias com que as Camaras Municipaes enumeradas nos §§ 2.° e 3.° houverem, porventura, de contribuir para o fundo especial ser-lhes hão reembolsadas pelas forças de metade do excesso de rendimento dos respectivos troços de linha acima dos minimos fixados.

§ 5.° As tarifas das linhas a que se referem os §§ 1.° e 3.° poderão ser elevadas acima das tarifas geraes, tanto quanto o trafego razoavelmente comporte, durante o periodo de amortização do capital.

§ 6.° As disposições relativas ao troço de Evora a Reguengos ficarão de nenhum effeito, se se realizar o empres timo necessario pela Camara Municipal de Reguengos, applicando-se nesse caso a dotação prevista ao prolongamento da linha de Evora na direcção de Evas.

Base 5.ª

É autorizado o Governo a conceder, precedendo inquerito administrativo e concurso publico, um caminho de ferro sobre leito de estradas, com tracção a vapor ou electrica, da Covilhã, servindo os principaes centros fabris da região, a Viseu, nos termos e condições do regulamento approvado por decreto de 21 de abril de 1906, modificado e completado pelas seguintes disposições:

a) A apresentação dos projectos, a que se referem os artigos 6.° e 7.° do regulamento, só será feita depois do concurso, pelo adjudicatario, devendo ser devidamente modificadas no prograrama e caderno de encargos as clausulas do regulamento que presuppõem um pedido de concessão e apresentação do projecto anteriores ao concurso;

b) A empresa construirá a expensas suas os troços de estrada que faltarem para assentamento da via ferrea, sendo os projectos submettidos á approvação do Governo;

c) O Governo concederá o complemento de rendimento liquido annual até 5 por cento de 10:000$000 réis por kilometro que se construir, por troços successivos de 10 kilometros, sendo as despesas de exploração computadas em 50 por cento da receita bruta do trafego, excluindo impostos de transito e sêllo, com o minimo de 350$000 réis.

A garantia será paga semestralmente, constituindo encargo do fundo especial da rede do centro, e effectuando-se o reembolso, com os juros simples de 5 por cento, por metade do excesso do rendimento liquido alem de 5 por cento do mencionado capital;

d) Será concedida á empresa a isenção, durante sessenta annos, de impostos sobre os juros das obrigações e de qualquer imposto a que seja obrigada pelas leis em vigor:

e) Serão igualmente asseguradas á empresa as vantagens da base 6.ª da lei de 14 de julho de 1899;

f) O prazo para a construcção da linha será de tres annos, contados da data da approvação do projecto, devendo este ser apresentado dentro de um anno depois da concessão da linha;

g) A base de licitação será o custo de 10:000$000 réis por kilometro, a que se applicará a garantia de juro.

Base 6.ª

E autorizado o Governo a modificar, de acordo com a Companhia do Caminho de Ferro do Mondego, o alvará de concessão, de 8 de dezembro de 1888, da linha do Coimbra a Arganil, nos termos seguintes:

a) A linha terá a via de 1 metro, com carris do peso minimo de 24 kilogrammas, sendo reduzido a essa largura o troço de Coimbra á Lousã;

b) Logo que a linha esteja concluida até Arganil e reduzida á largura uniforme de 1 metro, será garantido á Companhia o complemento do rendimento liquido de 5 por cento sobre o custo de 20:000$000 réis por kilometro, construido de Coimbra até Arganil, com o limite, porem, de 40:500$000 réis annuaes para o desembolso do Estado;

c) Para o calculo da garantia as despesas de exploração serão computadas em 50 por cento do rendimento bruto, excluindo os impostos de transito e sêllo, com o minimo de 600$000 réis por kilometro em quanto p rendimento não attingir 1:400$000 réis, e em 60 por cento para o rendimento superior a esse limite até 1:800$000 réis, não podendo, porem, a garantia ser superior nesse periodo á que corresponde ao rendimento de 1:400$000 réis, e em 50 por cento para os rendimentos superiores a 1:800$000 réis;

d) A garantia constituirá encardo do fundo especial dos caminhos de ferro do centro, a favor do qual reverterá o reembolso da mesma, com os juros simples de Õ por cento, por metade do excesso do rendimento liquido da linha sobre o juro garantido;

e) A exploração da linha será feita pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, e contratada em termos de favorecer o desenvolvimento do trafego, sendo o respectivo contrato submettido á approvação do Governo;

f) Será concedida a isenção, durante sessenta annos, dos impostos sobre os juros das obrigações que for preciso emittir pura a conclusão da linha, e a de qualquer imposto a que seja obrigada pelas leis em vigor;

g) Serão igualmente asseguradas as vantagens da base 6.ª da lei de 14 de julho de 1899;

h) O prazo para a conclusão da linha será de quatro annos contados da data do contrato, devendo ser previamente submettido á approvação do Governo o respectivo projecto.

Base 7.ª

É autorizado o Governo a contratar com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses a construcção e exploração de tres caminhos de ferro de via de um metro, em leito proprio, com tracção a vapor um de Tho-

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mar a Miranda do Corvo a entroncar na linha de Coimbra á Lousa, com um ramal para a Certa, outro para Thomar por Payalvo, ou Chão de Maças, Villa Nova de Ourem, Batalha e Alcobaça á Nazareth, com um ramal da Batalha a Leiria, e o terceiro de Castello Branco, pela Idanha, a Salvaterra, com as seguintes condições:

a) Os raios de curvas terão o limite de 90 metros e as pendentes o de 25 millimetros, podendo elevar-se até 6 por cento em secções de cremalheira, caso convenha ter alguns troços de linhas mistas. Os carris terão o peso minimo, de 24 kilogrammas por metro;

b) O Governo garantirá o complemento do rendimento liquido annual, até 5 por cento do custo de 20:000$090 réis por cada kilometro que se construir, por troços successivos não inferiores a 10 kilometros, com o limite de 600$000 réis por kilometro para o desembolso do Estado;

c) As despesas de exploração serão computadas em 50 por cento da receita bruta do trafego, excluindo impostos, com o limite maximo de 600$000 réis por kilometro. Para as receitas entre 1:400$000 réis e 1:800$000 réis aquella percentagem será elevada a 60 por cento, não podendo a garantia ser nesse periodo superior á correspondente ao rendimento de 3:400$000 réis. Alem do rendimento de 1:800$000 réis as despesas serão novamente computadas em 50 por cento ;

d) A garantia constitue encargo do fundo especial dos caminhos de ferro do centro, a favor do qual reverte o respectivo reembolso, que será feito por metade do excesso do rendimento liquido proprio sobre o juro de 5 por cento do capital garantido e metade do aumento do rendimento liquido determinado na linha do norte;

e) Será concedida a isenção de direitos, durante sessenta annos, do imposto sobre o juro das obrigações que for necessario emittir, e de qualquer imposto a que hajam as linhas de ser obrigadas pela legislação em vigor;

f) Serão concedidas a estas linhas as vantagens asseguradas na base 6.ª da lei de 14 de julho de 1899;

g) O prazo de duração da concessão terminará em 1987, na mesma data em que finde a concessão da linha de Coimbra á Lousa; salvo a do ramal de Salvaterra, que findará com a da linha da Beira Baixa;

h) As linhas e seus ramaes deverão estar construidos no prazo maximo de seis annos contados da data do contrato, devendo os projectos ser previamente apresentados á approvação do Governo;

i) As restantes clausulas da concessão serão identicas ás do contrato de 5 de fevereiro de 1907 da linha do Valle do Vouga.

Base 8.ª

E autorizado o Governo a contratar com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses a, construcção e exploração de um troço de linha de via larga de Caxias ao Cacem, concedido por alvará de 10 de julho de 1882, assegurando a ligação directa da linha de oeste para o lado de Lisboa, em condições technicas iguaes ás estipuladas para esta linha, com as expropriações para a via dupla, sob as condições seguintes:

a) E concedido, para a construcção do troço, um suprimento equivalente á importancia dos impostos de transito sobre a pequena velocidade das linhas de norte e leste durante os dois primeiros annos depois de findo o prazo estipulado na lei de 26 de fevereiro de 1875;

b) O suprimento será feito pelo fundo especial dos caminhos de ferro do centro, e ao mesmo reembolsado, com os juros simples de 5 por cento, pelo rendimento bruto do troço;

c) É concedida a isenção dos direitos de importação do material preciso para a construcção, nos termos da base 6.ª da lei de 14 de julho de 1899;

d) O prazo de construcção será de tres annos, contados de data do contrato;

e) Este troço fica sujeito ás clausulas do alvará de 9 de abril de 1887 que não forem alteradas pela presente lei.

Base 9.ª

É autorizado o Governo a contratar com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses a construcção e exploração de uma linha de via larga economica do Carregado, por Alemquer, a Torres Vedras, ou de Setil a Peniche, com as seguintes condições:

a) A construcção da primeira linha exonera a Companhia do encargo de construir o ramal de Merceana, previsto no contrato de 10 de julho de 1882;

b) O rendimento da linha de leste será calculado para os effeitos do assentamento da segunda via a partir do Entroncamento, separadamente por trocos do Entroncamento a Abrantes, de Abrantes á Torre das Vargens, da Torre das Vargens á Fronteira, não se tornando effectiva a obrigação imposta no artigo 3.°

§ 1.° do contrato de 14 de setembro de 1859, em relação a cada troço, senão quando o rendimento bruto annual attingir nelle o limite previsto;

c) O Governo garante o complemento do rendimento liquido de 5 por cento, em relação ao capital de réis 20:000$000 por cada kilometro construido, não podendo porem o desembolso do Estado ir alem de 800$000 réis, sendo calculadas as despesas em 50 por cento da receita bruta do trafego, excluindo impostos, com o limite maximo de 700$000 réis.

d) A garantia constitue encargo do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, ao qual será reembolsado com os juros simples de 5 por cento por metade do excesso do rendimento liquido da linha sobre a garantia;

e) Será concedida isenção, durante sessenta annos, do imposto sobre o juro dás obrigações que for necessario emittir e de qualquer imposto a que a linha seja obrigada pelas leis em vigor;

f) Serão concedidas as vantagens asseguradas pela base 6.ª da lei de 14 de julho de 1899;

g) O prazo para a construcção será de seis annos, contados da data do contrato, devendo antes da construcção ser submettido o projecto á approvação do Governo;

h) A concessão findará com a linha de Torres-Figueira-Alfarellos, sendo-lhe applicaveis as respectivas clausulas com as modificações previstas na presente base;

i) Caso á Companhia Real não convenha a concessão da linha de Setil, a Peniche, poderá ser feita á Companhia dos Caminhos de Ferro Meridionaes nas mesmas condições, terminando a concessão no mesmo prazo que o da linha de Vendas Novas a Setil e sendo a exploração entregue á Companhia Real mediante contrato previamente approvado pelo Governo.

Base 10.ª

O Governo poderá autorizar as Companhias Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, dos Caminhos de Ferro do Mondego e dos Meridionaes a emittir as obrigações necessarias para as construcções previstas na presente lei.

Secretaria de Estado dos Negocios de Qbras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 12-M

Senhores.- Desde muito se impõem providencias legislativas que dêem ao operario ao português as regalias, que disfrutam os seus collegas de outros países. É impossivel, porem, em escasso tempo, superar o atrazo de dezenas, de annos: cumpre, todavia, remediar as faltas mais graves, e, entre estas as que mais instantemente se fazem sentir.

Um tal estado de coisas não deve persistir.

As leis sobre accidentes de trabalho, doenças profissionaes, seguros contra a doença, etc., são os elementos fun-

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damentaes da protecção ao operario; as providencias de prophylaxia industrial, commercial e agricola são o fulcro da protecção industrial. A sua solução, ainda que parcial, seria bastante grata ao actual Governo.

Entre as leis de protecção ao operario, cabe a primazia á que o colloca, e a seus filhos, ao abrigo da miseria, nos casos de desastre. Uma lei sobre accidentes do trabalho virá satisfazer, pois, os desejos de muitos, unificar e harmonizar as providencias espontaneamente tomadas por numerosos industriaes, e acabar com certos factos, felizmente muito raros, mas, que, nem por isso deixara de constituir macula; finalmente, tornar mais effectiva a regulamentação de prophylaxia industrial e dar maior peso e auctoridade ás deligentes recommendaçSes emanadas dos chefes das circumscripç5es industriaes.

Effectivamente, alguns benemeritos industriaes, a despeito da carencia de providencias legislativas, estabeleceram, á sua custa, soccorros aos seus operarios, ou ás viuvas e aos orfãos, nos casos de accidentes, quer d'elles resulte a inhabilidade, quer a morte. Outros organizaram esses soccorros por meio de quotizações dos operarios descontadas nos salarios d'estes. Uma minoria escassisima, mas que infelizmente existe, recusa-se a auxiliar o operario quando victima de desastre. São estes dois ultimos factos que, sobretudo, obrigam a providencias legislativas, pois se todos tivessem a intelligencia esclarecida e o coração generoso dos primeiros não seria necessaria uma lei sobre accidentes do trabalho.

Pôr outra lado, a regulamentação da prophylaxia industrial sem o complemento de uma lei sobre accidentes do trabalho, que vá pôr a nu todos os desastres e obrigar a mais frequente procedimento judicial sobre negligencias, faltas regulamentares e outras, que passam escondidas, nunca poderá ter uma execução effectiva, como é mister para o bem de todos. D'aqui derivará, ainda, uma execução mais vigilante das instrucções e recommendações dos technicos do Governo, a que um procedimento judicial, identico em identicos casos, dará á sua autoridade o devido peso.

A machina humana, a unica, que pelas suas manifestações, quer mentaes, quer musculares, é a causa propulsora de todo o progresso e civilização, tem sido descurada, quando em estado morbido, ou a doença seja resultante do trabalho ou de circumstancias concomitantes.

Na nossa legislação encontram-se alguns elementos do protecção ao operario em casos de accidentes do trabalho, mas são deficientes e pouco efficazmente garantem, e tanto que só muito excepcionalmente são os operarios quê apresentam a queixa de desastres soffridos. É que nessa legislação é difficil a prova do facto, difficilima a prova testemunhal é o operario recebe somente indemnização quando for demonstrada a sua não culpabilidade. Tudo isto é muito complicado como demonstração e pouco proficuo como utilidade.

A doutrina moderna, praticamente applicada nos paises mais adeantados e directamente perfilhada pelos legisladores mais notaveis, á frente dos quaes basta citar dois grandes nomes, o do genial Bismarck e o do illustre Felix Faure, é a do risco ou perigo profissional. E extremamente simples na essencia e de uma applicação verdadeiramente pratica. Consiste em se admittir a verdade de que todas as profissões teem riscos, teem perigos, provenientes de muito diversas circumstancias, que não é preciso esmiuçar, mas somente considerar, sem nos importarmos saber se a causa do accidente deriva da empresa ou do operario. A empresa torna pratica esta base, inscrevendo nos seus livros ao lado das percentagens para a renovação e a reparação da machina-aço, outra verba para a incapacidade para o trabalho e a destruição da machina-homem.

Este frio principio de collocar em parallelo a machina-homem, que inventa, que propulsiona, que produz, e a machina-aço, que somente-executa, é o lado previdente e humanitario da doutrina.

Não mais discussão sobre as culpas do accidente; o acidente deu se porque é um triste facto da profissão, porque é um perigo d'ella.

Dado o accidente é preciso curar o operario, ou, no caso de morte, não faltar com o pão áquelles de que o operario era amparo.

Eis a sumula de todas as leis modernas sobre este assumpto; eis as bases da presente proposta de lei. A um outro intuito, mas não doutrinario, obedece esta proposta; o de dar aos processos andamento rapido, de modo a que o operario em nenhum caso esteja mais de limitado numero de dias sem receber o seu subsidio. As minudencias da proposta dispensam a sua larga explanação.

Para tornar rapidamente exequivel esta lei, entrega-se ás justiças ordinarias o julgamento das causas suscitadas pela sua applicação, mas prevê-se a possibilidade de transferir esse julgamento para os tribunaes de arbitros avindores, ampliando-se-lhes a jurisdição e criando-os e alargando-os onde não existam e onde o movimento industrial a isso obrigue.

Terminamos este succinto relatorio testemunhando a ferverosa aspiração do Governo em vir auxiliar a classe operaria dando-lhe garantias que lhe faltavam e proteger um grande numero de familias contra a falta do seu chefe.

O Parlamento modificará e ampliará a presente proposta de lei como em seu elevado criterio julgar conveniente.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei

Protecção aos operarios nos casos de accidentes do trabalho

CAPITULO I

Accidente do trabalho

Art. 1.° Para os effeitos d'esta lei, considera-se, como accidente do trabalho, a morte ou qualquer lesão organica ou desarranjo funccional resultante, mediata ou immediatamente, da acção subita ou de curta duração de uma causa exterior e de que for victima o operario durante o periodo de trabalho, quer este seja executado no local para isso destinado, quer fora, mas, neste caso, em virtude de determinação dos chefes do operario.

§ unico. Considera-se, tambem, como accidente do trabalho o que se produzir durante o periodo de descanso, se o operario for obrigado a permanecer no local do trabalho, bem como o que sobrevier nas dependencias ou annexos d'este local, quando, pela sua natureza, não constituirem estabelecimentos inteiramente separados e fora do alcance d'esta lei.

Art. 2.° Não se consideram como accidentes do trabalho:

1.° Os accidentes resultantes de circumstancias de força maior, taes como inundações, incendios, tempestades, tremores de terra, etc., a não, ser que a natureza do trabalho exponha o operario a ser victima d'estes accidentes naturaes;

2.° Os accidentes provados como intencionalmente provocados pelo operario;

3.° Os accidentes resultantes de uma doença constitucional do operario, quando este ou os seus herdeiros não provarem que foram consequencia directa e immediata do trabalho.

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Empresas sujeitas ás disposições d'esta lei

Art. 3.° Estão sujeitas ao regime d'esta lei as empresas que exploram:

- as induatrias de construcção, comprehendendo-se sob este nome a construcção, demolição e reparação de edificios, poços, estradas, linhas ferreas, pontes, viaductos, aqueductos, molhes, caes, pharoes, docas, canalizações subterraneas ou aereas de agua, gaz, electricidade, dragagem dos portos, ante-portos, rios, etc.;

- as industrias de construcção, reparação e demolição de embarcações;

- as industrias de transformação seja qual for a sua natureza;

- as industrias de fabrico de gaz de illuminação e de producção de energia electrica;

- as industrias da alimentação;

- os armazens, os depositos, as docas, os entrepostos alfandegarios;

- os serviços de transportes terrestres e a navegação interior;

- os serviços de carga e descarga;

- as minas e pedreiras;

- as industrias em que se empreguem ou produzam substancias explosivas, toxicas, virulentas, gazes irrespiraveis ou venenosos, etc.;

- as industrias ou serviços commerciaes, em que intervenham forças estranhas ás do homem e dos irracionaes;

- os trabalhos de corte e serração de arvores nas mattas e seu transporte até aos depositos;

- os trabalhos agricolas, em que intervenham machinas movidas por forças estranhas ás do homem e dos irracionaes, mas somente pelo que respeita ao pessoal empregado nas machinas e nos motores.

§ unico. Para os effeitos d'esta lei, considera-se como empresa o individuo ou a sociedade que explorar qualquer das industrias, serviços ou trabalhos, a que se refere este artigo.

Incapacidade para o trabalho

Art. 4.° A incapacidade para o trabalho, em consequencia de um accidente, classifica-se em:

a) Incapacidade temporaria: quando o operario, depois de um certo tempo de doença, recupera integralmente toda a aptidão para o trabalho, que tinha antes do accidente. A incapacidade temporaria é absoluta ou parcial; esta ultima dá-se, quando, desde o inicio da doença ou depois de um periodo de incapacidade absoluta, o operario pode produzir trabalho, embora não desempenhe completamente as funcções da sua profissão.

b) Incapacidade permanente - quando o operario, em virtude do accidente e depois de curado da lesão organica ou do desarranjo funccional, ficar inhibido de desempenhar a sua profissão. A incapacidade permanente é absoluta ou parcial; absoluta quando o operario ficar completamente impossibilitado de trabalhar; e parcial quando a faculdade de producção do operario não for totalmente destruida, podendo ainda entregar-se a um trabalho remunerado.

CAPITULO II

Salario base

Art. 5.° O salario base, para a indemnização nos casos de accidente do trabalho, varia segundo a natureza da incapacidade resultante do accidente, a idade do operario e o salario que anteriormente recebia.

Art. 6.° Nos casos de incapacidade temporaria, o salario base é um salario diario, que se estabelece:

a) Quando o operario trabalha de jornal, - dividindo a totalidade dos jornaes vencidos no mez que antecedeu o desastre, pelo numero de dias de trabalho durante esse mez:

b) Quando o operario não trabalha de jornal e recebe remuneração conforme os artigos que fabrica ou o trabalho que produz - dividindo a totalidade das remunerações vencidas durante o mez que antecedeu o desastre, pelo numero de dias uteis d'esse mez.

Art. 7.° Nos casos de incapacidade permanente ou de morte, o salario base é o vencido pelo operario durante o anno que antecedeu o desastre, e constituido pelas seguintes parcellas:

a) Quantia recebida em dinheiro como jornal ou como remuneração pelos artigos fabricados ou pelo trabalho produzido;

b) Importancia dos abonos em generos ou em dinheiro, quando estejam fixados em contrato ou regulamento da empresa ou estabelecidos pelo uso, para:

alimentação e vestuario;

aquecimento;

subsidios de viagem;

auxilio para rendas de casa;

premios por motivo de assiduidade ou economia de material;

gratificações.

§ 1.° Quando o operario contar menos de um anno ao serviço da empresa - o salario é uma somma de duas parcellas, das quaes a primeira é representada pelo que o operario recebeu durante o tempo, que serviu, e a segunda pelo que recebeu, em média, o operario da mesma categoria, da mesma empresa ou congenere, durante o tempo, que ao primeiro faltou para concluir o anno.

§ 2.° Quando a empresa só fornecer trabalho ao operario durante um periodo limitado em cada anno -, o salario base é constituido pelo que o operario vence durante o periodo de trabalho fornecido pela empresa em cujo serviço se deu o accidente, addicionado do que o operario vence nos serviços a que se entrega durante o resto do anno.

§ 3.° No salario base entram, como sendo de effectivo serviço, os dias de suspensão do trabalho em virtude de causas independentes da vontade do operario.

§ 4.° No salario base não entram, como tempo de serviço: a suspensão do trabalho em consequencia de greves ou de outras circumstancias dependentes da vontade do operario; as suspensões do trabalho devidas aos casos de força maior previstos no § 3.°, artigo 3.° do regulamento para a fiscalização do trabalho dos menores e das mulheres nos estabelecimentos industriaes, approvado por decreto de 16 de março de 1893.

Art. 8.° Para os operarios menores de 16 annos e para os aprendizes, quer tenham ou não salario, o salario base é o salario mais baixo vencido pelos operarios adultos e validos da mesma empresa. Este salario calcula-se pelo modo indicado nos artigos precedentes.

Art. 9.° Quando o salario do operario for superior a 36õ$000 réis annuaes, o salario base para os casos de incapacidade permanente é constituido por esta quantia aumentada da quarta parte do excedente.

CAPITULO III

Indemnizações

Art. 10.° Terão direito a indemnização os operarios, considerando-se sob esta designação todos os individuos de ambos os sexos e de qualquer idade ou profissão - incluindo aprendizes, preparadores, serventes e empregados - ao serviço das empresas referidas no artigo 3.° e que forem victimas de accidentes do trabalho.

§ unico. Exceptuam-se os operarios que trabalharem sosinhos em suas casas, mesmo quando haja collaboração accidental de um ou mais operarios.

Art. 11.° só é devida indemnização nos casos de incapacidade para o trabalho por mais de quatro dias ou no de morte.

Art. 12.° A indemnização varia com a gravidade do

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accidente e comprehende soccorros medicos e pharmaceuticos, e subsidio em dinheiro.

Art. 13.° Os soccorros medicos e pharmaceuticos são devidos, em todos os casos, desde que se der o accidente e durante o tempo que durar a consolidação da ferida ou o desarranjo funccional, por facultativo e pharmaceutico á escolha do operar io, sempre que este, por contrato, se não obrigue a servir-se do medico e do pharmaceutico da respectiva empresa. As despesas de hospitalização ficam sempre a cargo da empresa.

§ unico. A despesa feita com estes soccorros é devida pela empresa, sem que possa sujeitar o operario a qualquer desconto para o reembolso das quantias dispendidas.

Art. 14.° Quando do accidente do trabalho resultar incapacidade temporar ia superior a quatro dias - o operario tem direito, a partir do quinto dia, a um subsidio diario, sem desconto por motivo de dias santificados ou outros de suspensão de trabalho, igual a 50 por cento do salario base estabelecido no artigo 6.°. O subsidio será pago nos logares, dias e horas em que a empresa habitualmente pagar ao seu pessoal.

§ unico. Quando a incapacidade para o trabalho for superior a dez dias, o subsidio, a que se refere este artigo, será pago a partir do dia do accidente.

Art. 15.° Quando a incapacidade temporaria for parcial, ou tendo sido absoluta se tornar parcial, - o operario tem direito a um subsidio igual a 50 por cento da differença entre o salario fixado no artigo 6.° e o vencimento que tiver durante o periodo, da incapacidade parcial.

§ unico. Compete á empresa fornecer directamente ou angariar trabalho para o operario durante o periodo de incapacidade parcial.

Art. 16.° Nos casos de incapacidade permanente absoluta, - o operario tem direito a um subsidio annual, pago em prestações mensaes, igual a dois terços do salario base calculado como foi determinado nos artigos 7.°, 8.° e 9.°

Art. 17.° Nos casos de incapacidade permanente parcial,- o operario, tem direito a um subsidio annual, pago em prestações mensaes, igual a dois terços da reducção que, nos termos da respectiva tabella, o salario base (artigos 7.°, 8,° e 9.°) soffrer em virtude das consequencias do accidente.

§ unico. O Governo decretará a tabella por que os peritos se devem guiar na apreciação das redacções do salario, nos casos de incapacidades permanentes parciaes resultantes de accidentes do trabalho.

Art. 18.° Os subsidios fixados nos artigos 14.° e 15.° não podem ser abonados ao operario por um periodo superior a seis meses contados da data do accidente. A época a partir da qual se devem abonar os subsidios determinados nos artigos 16.° e 17.° será fixada pelo juiz de direito dentro deste periodo de seis meses.

Art. 19.° Quando do accidente do trabalho ou das suas consequencias resultar a morte, - a empresa terá a seu cargo o pagamento dos seguintes subsidios:

1.° Quantia de 8$000 a 16$000 réis para despesas de funeral, segundo as localidades e a profissão;

2.° Subsidio aos herdeiros, nas seguintes proporções:

a) O conjuge sobrevivo, mas não separado judicialmente, - terá direito a um subsidio vitalicio igual a 20 por cento do salario annual base do fallecido, se o casamento tiver tido logar antes do accidente. O viuvo só terá direito a subsidio se se demonstrar que a fallecida era o seu amparo. O cônjuge que passar a segundas nupcias perderá o direito ao subsidio.

b) Havendo filhos legitimos, legitimados ou perfilhados, - o subsidio será de 15 por cento do salario annual base, havendo somente um filho; de 25 por cento, havendo dois; de 35 por cento, havendo tres; e de 40 por cento, havendo quatro ou mais;

c) Quando os filhos ficarem orfãos de pae e mãe - o subsidio será, para cada filho, de 20 por cento do salario annual base, não podendo a totalidade dos subsidios exceder 60 por cento d'aquelle salario;

d) Quando algum dos descendentes de qualquer idade tiver defeito mental ou physico que o torne incapaz de trabalhar por toda a vida, esse individuo terá direito a um subsidio vitalicio, que será de 20 por cento do salario annual base;

e) Quando não houver filhos, nem cônjuge sobrevivo, - cada um dos descendentes e ascendentes, receberá um subsidio, que será vitalicio par a os ascendentes. O subsidio será de 10 por cento do salar io annual base, nunca podendo elevar-se na totalidade alem do 30 por cento de aquelle salario;

f) Não havendo descendentes nem ascendentes, - mas irmãos ou irmãs menores ou, embora maiores, incapazes por defeito mental ou physico de angariar meios de subsistencia, pertence-lhes um subsidio vitalicio nos termos da alinea c).

§ 1.° Os subsidios, a que teem direito os descendentes e os irmãos do fallecido, serão abonados aos varões até aos dezaseis annos e ás femeas até aos vinte e um annos, salvo o disposto nas alineas d) e f).

§ 2.° Os subsidios somente serão abonados aos descendentes, irmãos ou ascendentes de quem o operar io tiver sido amparo e que delle careçam.

Art. 20.° Os subsidios devidos pelo Estado, pelas corporações administrativas ou pelas emprezas aos operarios ou aos seus herdeiros, são os determinados por esta lei, quando as leis vigentes ou os regulamentos especiaes não determinem subsidios superiores.

CAPITULO IV

Jurisdição, declaração do accidente, inquerito e revisão

Art. 21.° São da competencia do juiz de direito, dá comarca em que se der o accidente do trabalho todos os processos originados pela applicação d'esta lei, salvo o disposto no artigo 54.°

Art. 22.° Os processos relativos a indemnização a operar ios, motivados por accidentes do trabalho, serão isentos de custas e sello.

Art. 23.° Á empreza compete o pagamento dos exames periciaes medicos, ou outros e dos que lhe são especialmente impostos por esta lei.

Art. 24.° Em caso de accidente, que produza a morte de alguém ou a incapacidade de trabalhar por mais de dois dias, - o gerente da empresa ou quem suas vezes fizer, deverá, no prazo de vinte e quatro horas, participar a occorrencia ao administrador do concelho, ao delegado do procurador régio e ao engenheiro director da respectiva circumscripcão industrial.

A declaração será feita por escripto e indicará as circumstancias. hora e local em que se deu accidente, o nome, a residencia, a profissão e o estado civil do operario ou operarios e das testemunhas. Havendo seguro feito pela empresa contra os riscos previstos nesta lei, será isso mencionado na participação.
§ unico. Nos serviços do Estado ou das corporações administrativas, a participação do accidente será feita, nos termos acima indicados, pelo funccionario que directamente superintender nos serviços em que se deu o accidente.

Art. 25.° Se do accidente não tiver resultado morte e se decorridos tres dias depois do mesmo accidente o operario se não apresentar ao trabalho, - a empresa ou o funccionario do Estado ou da corporação administrativa que superintender nos serviços - de que se tratar, mandará proceder ao respectivo exame medico.
O medico, no seu attestado, indicará o estado do doente, as consequencias provaveis do accidente, isto é, o numero de dias de incapacidade para o trabalho e a natureza d'essa incapacidade.

O attestado medico será enviado ao delegado do procu-

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rador regio no prazo de quatro dias contados d'aquelle em que se deu o accidente.

Art. 26.° O delegado do procurador regio, logo que tiver recebido o attestado, ou cinco dias depois do desastre não tendo recebido aquelle documento, promoverá o que tiver por conveniente para apurar as circumstancias em que se deu o accidente, o nome, a residencia, a profissão a idade e o estado civil das pessoas victimadas e as suas lesões, os individuos que possam ter direito a indemnizações, os respectivos salarios base, as companhias, os syndicatos ou as caixas de seguro contra os riscos desta lei, em que a empresa se tenha segurado.

Art. 27.° Os operarios ou os seus herdeiros teem o direito de participar, desde logo, ao delegado do procurador régio, o accidente de que foram victimas. Esta participação não poderá ser recebida depois de decorridos trezentos e sessenta e cinco dias contados do dia do accidente.

Art. 28.° As empresas não podem recusar-se, sob nenhum pretexto, ao pagamento das indemnizações fixadas nesta lei. Para cumprimento deste artigo, o delegado do procurador regio promoverá a necessaria acção que será distribuida no prazo de seis dias depois do recebimento da queixa.

Art. 29.° Esta acção terá por base uma petição articulada em que o delegado do procurador regio, deduzindo os fundamentos da mesma acção, e requerendo a citação do réu, pedirá que este seja condemnado na importancia dos soccorros, subsidio ou indemnização, que for devida nos termos desta lei.

§ 1.° O réu poderá contestar no prazo de cinco dias, a contar da citação, a qual será feita dentro de igual prazo depois da distribuição, quando o réu residir na comarca.

§ 2.° A acção será distribuida na classe 3.ª do artigo 164.° do Codigo do Processo Civil, mas em escala especial e nos termos do artigo 171.° do mesmo codigo.

§ 3.° Devem cummular-se no mesmo processo os pedidos de indemnização para todos os operarios que forem victimas do mesmo accidente.

Art. 30.° N'estas acções não haverá outros articulados alem da petição inicial e contestação, seguindo-se quanto ao mais o processo civil ordinario, com as modificações constantes dos artigos seguintes.

Art. 31.° Com os articulados serão juntos todos os documentos e offerecidos os roes de testemunhas, os quaes poderão ser alterados ou addicionados a todo o tempo, comtanto que essa alteração ou addicionamento possa ser intimado á outra parte tres dias antes do primeiro designado para a inquirição.

§ 1.° Não serão admittidas mais de tres testemunhas para cada facto, nem cartas para inquirição de testemunhas residentes fora do continente ou ilha em que correr a acção.

§ 2.° A dilação nas cartas para citação ou intimação não será inferior a cinco, nem superior a oito dias; e para outra qualquer diligencia não será inferior a oito, nem superior a vinte dias.

§ 3.° Em qualquer estado do processo até á sentença é permittido exame, por um ou tres médicos, nos termos dos artigos 235.° e seguintes do Codigo do Processo Civil, para se verificar a natureza e duração de incapacidade do operario para o trabalho, em consequencia do accidente a que respeita a acção.

§ 4.° Não é admittido segundo exame, vistoria ou avaliação.

Art. 32.° Juntas as cartas precatorias que tivessem sido expedidas, ou finda a sua dilação, e praticadas as mais diligencias legaes, o escrivão, no prazo de vinte e quatro horas, fará o pfocesso concluso ao juiz, o qual, dentro de igual prazo, designará dia para julgamento, que deverá realizar-se dentro de doze dias.

§ 1.° O julgamento não poderá ser adiado sem acordo das partes, excepto, por uma só vez, por falta de testemunhas, ou para algum exame ou vistoria.

§ 2.º Na audiencia de julgamento a leitura dos articulados e provas escritas será feita só quando alguma das partes a requerer, e não serão inscritos os depoimentos do réu nem das testemunhas quando a causa não exceder a alçada do juiz, ou excedendo-a, as partes prescindirem do recurso.

§ 3.° Terminada a producção das provas, o delegado do procurador regio e o advogado do réu poderão usar da palavra por uma só vez e apresentar quaesquer allegações escritas para juntar ao processo.

§ 4.° O processo será logo concluso ao juiz que proferirá sentença no prazo de oito dias.

§ 5.° Não será annullado o processo, ainda que exista alguma nullidade insupprivel, senão a requerimento das partes.

Art. 33.° As excepções serão deduzidas somente na contestação, podendo ser impugnadas no prazo de cinco dias.

§ unico. Com os respectivos articulados serão logo offerecidos todos os documentos e rol de testemunhas até cinco, não podendo esse rol ser alterado ou addicionado.

Art. 34.° A falsidade de qualquer documento, termo, ou acto judicial, só poderá ser arguida no prazo de cinco dias, a contar da apresentação do documento ou de quaL-quer intimação posterior a esse termo ou acto, e contestada em igual prazo.

§ 1.° É applicavel a este incidente o disposto no § unico do artigo antecedente.

§ 2.° Este incidente corre no processo principal e será julgado só na sentença final.

Art. 35.° A execução da sentença seguirá os termos estabelecidos no Codigo do Processo Civil, sendo porem os prazos designados nos artigos 808.° e § 2.°, 814.° n.° 1.º, 840.°, 842.°, 915.°, 932.° e § 1.° e 935.° § 2.° do mesmo codigo, reduzidos a metade.

§ 1.° São porem applicaveis á execução e seus incidentes as disposições dos artigos 31.° e §§ 1.°, 2.° e 4.°, e 32.° e §§ d'esta lei.

§ 2.° A isenção de custas e sellos, indicada no artigo 22.°, não terá logar nos embargos de terceiro, quando forem julgados improcedentes, ou em qualquer outro incidente requerido por terceiro em que este for vencido, nem nos autos de arrematação.

Art. 36.° Das sentenças proferidas no processo principal, e na execução e seus incidentes, cabe recurso de aggravo de petição, que seva interposto por termo lavrado no prazo de cinco dias a contar da intimação.

Art. 37.° Para estes processos não é de ferias o mês de setembro.

Art. 38.° O réu pode intervir directamente em todos os actos do processa, sem necessidade de advogado ou solicitador, excepto nos articulados, inquirições de testemunhas e allegações oraes.

Art. 39.° Quando a indemnização, soccorros ou subsidios forem devidos pelo Estado, a queixa será enviada ao juiz de direito, o qual nomeará um advogado residente na comarca, que oficiosamente promoverá todos os termos da acção respectiva e sua execução.

Art. 40.° As indemnizações concedidas em virtude d'esta lei não Apodem ser penhoradas ou alienadas por qualquer forma.

Revisão

Art. 41.° A empresa; os operarios ou os seus herdeiros podem requerer a revisão do processo por accidente do trabalho, dentro do prazo máximo de dois annos contados do dia do accidente, quando dentro desse prazo a incapacidade de trabalho do operario se houver tornado:

a) De temporaria, em permanente ou vice-versa;

b) De temporaria parcial em temporaria absoluta ou vice-versa;

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c) De permanente parcial em permanente absoluta ou vice-versa.

Art. 42.° Se o operario fallecer dentro do periodo de dois annos contados do dia do accidente, os herdeiros do fallecido, designados no artigo 19.°, teem direito de requerer a revisão do processo, pertencendo-lhes as indemnizações fixadas nesta lei, se se demonstrar que a morte resultou do accidente ou das consequencias d'este.

CAPITULO V

Garantias

Art. 43.° A empresa obrigada ao pagamento das indemnizações determinadas pela morte ou pela incapacidade permanente do operario para o trabalho, deve faze-lo directamente, a menos que, anteriormente ao acoidente, tenha transferido essa obrigação, segundo o preceituado nos artigos seguintes e seus paragraphos.

Art. 44.° Ao Estado e ás corporações administrativas compete o pagamento das indemnizações a que tenham direito os seus operarios em consequencia de accidentes do trabalho.

§ 1.° Nas dotações dos serviços do Estado e das corporações administrativas, sujeitos á presente lei, deverá inscrever-se, annualmente, uma verba sufficiente para occorrer aos encargos resultantes da mesma lei.

§ 2.° Quando tenha havido concessão de trabalhos do Estado ou das corporações administrativas a empresas, são estas as responsaveis pelo pagamento das indemnizações preceituadas n'esta lei.

Art. 45.° As empresas, que não tenham transferido a obrigação do pagamento das indemnizações fixadas pelos tribunaes, são obrigadas a garantir esse pagamento depositando na Caixa Geral de Depositos o seu capital representativo. O deposito pode ser feito em moeda corrente, em titulos da divida publica ou ser substituido por uma caução idonea, proposta pela empresa e approvada pelo juiz de direito, que intervier no processo.

§ unico. O deposito, a que se refere este artigo, será feito no prazo de oito dias a contar da intimação da sentença do juiz de direito, independentemente de qualquer resolução dos tribunaes superiores.

Art. 46.° As empresas podem transferir a obrigação do pagamento das indemnizações para:

1.° Caixas de soocorros, já existentes ou que se organizem para este fim e cujos estatutos fixem indemnizações não inferiores ás determinadas pela presente lei. Estas caixas de soccorros só podem ser organizadas em empresas, que empreguem, pelo menos, 300 operarios.

2.° Syndicatos de seguro mutuo, constituidos pela as sociação de empresas, quando o numero total de operarios, por ellas empregado, não seja inferior a 2:000, e que os seus estatutos não fixem indemnizações inferiores ás preceituadas n'esta lei;

3.° Companhias já fundadas ou que se fundarem para seguros contra os riscoa de accidentes do trabalho e em que as empresas tenham segurado um numero de operarios pelo menos igual á média dos que habitualmente emprega.

Art. 47.° As caixas de soccorros e os syndicatas de seguro mutuQo a que se referem os n.ºs 1.° e 2.° do artigo precedente, pelo que dia respeito ás operações correspondentes aos riscos previstos por esta lei, são isentas de todos os impostos.

§ unico, O Governo fixará as garantias, que devera prestar as caixas de soccorros, os syndicatos de seguro mutuo e as companhias de seguros que explorarem o ramo de accidentes do trabalho.

Art. 48.° Os subsidios ás caixas de soccorros relativos aos riscos previstos nesta lei, as quotizações para os syndicatos de seguro mutuo ou os premios de seguro, ficarão a exclusivo cargo das empresas, ás quaes éprohibido realizar para este fim descontos nos salarios.

§ unico. São nullos os contratos ou acordos entre a empresa e o operario para renuncia, reducção ou liquidação das indemnizações previstas nesta lei.

Art. 49.° AS indemnizações concedidas em virtude desta lei, terão preferencia sobre todas as outras dividas nos casos de fallencia ou liquidação das empresas ou das entidades referidas no artigo 46.°, para quem ella tiver transferido a obrigação do pagamento das indemnizações.

CAPITULO IX

Penalidades

Art. 50.° Serão punidas com multas de 10$000 a 200$000 réis as empresas, que:

1.° Fizerem declarações falsas ou sonegarem os elementos necessarios para as autoridades competentes poderem estabelecer o salario-base;

2.° Não participarem, nos devidos termos e nos prazos fixados, os aocidentes de trabalho que se derem no seu serviço;

3.° Se recusarem ao pagamento immediato das indemnizações devidas;

4.° Não tiverem patentes, de modo a poderem ser vistos pelos operarios, esta lei e seus regulamentos.

Art. 51.° As reincidencias nas faltas previstas no artigo precedente serão punidas com o dobro da multa, nunca inferior ao máximo estabelecido para a primeira infracção.

Art. 52.° A participação da infracção poderá ser feita ao tribunal por qualquer interessado ou por qualquer auctoridade que d'ella tenha conhecimento.

CAPITULO XII

Disposições transitorias

Art. 53.° Esta lei será posta em vigor tres meses depois da publicação dos respectivos regulamentos no Diario do Governo.

Art. 54.° O Governo promulgará, em regulamentos, todas as disposições necessarias para a inteira e completa execução desta lei, podendo determinadamente ampliar a jurisdição dos tribunaes de arbitros avindores para o julgamento das causas a que respeita esta lei, deixando de ser submettidas ás justiças ordinarias, depois disso, nas comarcas em que esses tribunaes estejam ou venham a estar criados e constituidos. Neste ultimo caso poderá o Governo remodelar a organização desses tribunaes confiando a sua presidencia a juizes de direito e chamando médicos a fazer parte d'elles.

Art. 55.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industriarem 6 de junho de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Representações

Do Governo Civil de Vianna da Oastello, enviando uma representado da Camara Municipal de Arcos de Valdevez, pedindo a approvação de um projecto de lei que lhes permitia a cobrança coerciva das suas contribuições.

Para as commissões de administração publica e legislação civil.

Da Camara Municipal de Matozinhos, sobre a proposta de fazenda referente á abolição e substituição do imposto de portagem.

Para a commissão de fazenda.

O REDACTOR = Luis de Moraes Carvalho.

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